a cerca da comunicação entre freud e klein

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  Ágor a  v. V n. 1 jan/jun 2002 79-90  RE SUM O : A identificação projetiva foi concebida como modalida- de básica da comunicação inconsciente. O trabalho retoma esta primeira formulação para examinar o papel primordial da comuni- cação na construção da mente, segundo Klein e, de outro lado, do aparelho psíquico do Projeto para uma psicologia (1895), em que Freud reserva a comunicação para o lugar de origem do trilhamento mnêmico do desejo inconsciente.  Pala vra s-c h ave : Pulsão, identificação projetiva, comunicação.  A BSTR A C T: On co m m uni ca t i o n : between Freud (1895) and Klein (1946). Projective identification was conceived as a prototype mode of unconscious communication. The review of its first for- mulation permits the investigation of the pivotal role of commu- nication in the construction of the Kleinian mind and, on the other hand, of the psychic apparatus as depicted in Freud’s Project (1895) where he assigned communication to the original starting point of the mnemic trajectory of the unconscious desire.  K e ywo r ds : Drive, projective identification, communication. S e for julgado pelo alcance dos conceitos, o título “Acerca dacom uni caçã o . Entre Freud (1895) e Klein (1946)” é, cer- tamente, pretensioso. No elo a ser investigado visamos apenas alguns aspectos das noções envolvidas e, na ausência de me- lhor opção, decidimos preservá-lo. A identificação projetiva abrange, na tradição kleiniana, um largo escopo de elementos, entrelaçados entre si e que se unem em várias ordens (descritiva, operacional e conceitual).  a idéia de com uni caçã o  sequer atingiu, em Freud, a notorie- dade de um conceito e, salvo nossa ignorância, a atenção a ela enquanto processo ou fenômeno não ganhou maiores con- siderações, com a exceção de menções esparsas. Nossa inten- Psicanalista, me mbrod o Depa r tam ento de Psicaná l isedo Instit utoSe de s S a pi entiae ; profes sor noProgr a ma de Pós-gr adua ção em Ps icologia e pes quisador do Centro de Psicanálise, ambos naUnive rsi da de S ãoMarcos, S P.  A CE R C A D A COMUNICAÇÃO:  EN TRE FREU D (18 9 5) E K L EIN (19 4 6 ) Daniel Delouya

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psicanálise - Freud e Klein

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  • gora v. V n. 1 jan/jun 2002 79-90

    RESUMO: A identificao projetiva foi concebida como modalida-de bsica da comunicao inconsciente. O trabalho retoma estaprimeira formulao para examinar o papel primordial da comuni-cao na construo da mente, segundo Klein e, de outro lado, doaparelho psquico do Projeto para uma psicologia (1895), em queFreud reserva a comunicao para o lugar de origem do trilhamentomnmico do desejo inconsciente.Palavras-chave: Pulso, identificao projetiva, comunicao.

    ABSTRACT: On communication: between Freud (1895) and Klein(1946). Projective identification was conceived as a prototypemode of unconscious communication. The review of its first for-mulation permits the investigation of the pivotal role of commu-nication in the construction of the Kleinian mind and, on theother hand, of the psychic apparatus as depicted in Freuds Project(1895) where he assigned communication to the original startingpoint of the mnemic trajectory of the unconscious desire.Keywords: Drive, projective identification, communication.

    Se for julgado pelo alcance dos conceitos, o ttulo Acercada comunicao. Entre Freud (1895) e Klein (1946) , cer-tamente, pretensioso. No elo a ser investigado visamos apenasalguns aspectos das noes envolvidas e, na ausncia de me-lhor opo, decidimos preserv-lo.

    A identificao projetiva abrange, na tradio kleiniana,um largo escopo de elementos, entrelaados entre si e que seunem em vrias ordens (descritiva, operacional e conceitual).J a idia de comunicao sequer atingiu, em Freud, a notorie-dade de um conceito e, salvo nossa ignorncia, a ateno aela enquanto processo ou fenmeno no ganhou maiores con-sideraes, com a exceo de menes esparsas. Nossa inten-

    Psicanalista,membro doDepartamento dePsicanlise doInstituto SedesSapientiae; professorno Programa dePs-graduao emPsicologia epesquisador doCentro dePsicanlise, ambosna UniversidadeSo Marcos, SP.

    ACERCA DA COMUNICAO:ENTRE FREUD (1895) E KLEIN (1946)

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    o no de devolver-lhe a dignidade de um conceito ou restabelecer seu papelenquanto moo propulsora de um processo, ao nosso ver central, que rege aconstruo do aparelho psquico. Pretende-se, aqui, focar, no referido processo,aquilo que pode vir a lanar alguma luz sobre a penumbra de associaes quecerca, no Projeto, de 1895, o tema da comunicao. E isto, s na medida quepermite enxergar a relevncia do processo de identificao projetiva no seio daprimeira apreenso de Freud em relao s condies de origem da comunicaoentre sujeitos. Para tanto, restringiremos o espectro dos usos empregados danoo da identificao projetiva.

    KLEIN (1946): A COMUNICAO NA IDENTIFICAO PROJETIVA

    Operacionalizar a teoria, mostrar seu uso na prtica clnica e, assim, pretendercomprov-la porque descreve e explica seqncias clnicas ou um determinadofenmeno psquico so, apesar da contradio nos termos, feies caractersti-cas de certa maneira de exposio do trabalho analtico.1 Freud, ao dedicar umasrie de escritos tcnica analtica, no deixou qualquer vestgio de semelhantemodo de procedimento. Suas recomendaes aos mdicos, assim como ou-tras sugestes tcnicas espalhadas ao longo de sua obra, visam alertar sobre oque seria preciso e prudente evitar, mais do que emitir qualquer juzo sobrecomo aplicar ou operacionalizar conceitos. Uma coisa descrever fenmenosclnicos utilizando-se de conceitos, outra coisa operacionalizar conceitos di-retamente.

    A identificao projetiva tornou-se, sobretudo a partir da contribuio dePaula Heimann acerca da contratransferncia (1950), o exemplo insigne dareferida tendncia de operacionalizar elementos da teoria. Contudo, a prpriadescoberta deste processo como operao e isto duplamente (tanto no pr-prio mundo interno quanto fora dele, sobre e para dentro da mente de um outro) e seu contexto, que fornecem a justificao de tal prtica. O universo mentalkleiniano foi matizado, a partir de certo momento, em uma espcie de sede devrias sries de operaes. A identificao projetiva e as fantasias inconscientes,subjacentes a ela, passaram a definir o campo transferencial (a situao to-tal). O sujeito est, na acepo kleiniana, tanto acionado pelas fantasias in-conscientes cujo palco alterna-se entre o seio, o ventre ou corpo maternos como age no interior das mesmas, apesar de as fantasias serem todas articu-ladas, ou seja, desde o incio da obra kleiniana, em torno do complexo edipiano.

    1 Considerao que conexa ao questionamento, levantado desde as controvrsias dos anos 40na Sociedade Britnica de Psicanlise, sobre o estatuto epistemolgico das formulaes kleinianas.Segundo alguns de seus adversrios, Klein confunde, porque transforma, a descriofenomenolgica de vivncias concretas com uma exposio conceitual e terica da mente.

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    As fantasias inconscientes kleinianas inscrevem-se concretamente em vrios nveis tanto afetivo quanto ideativo , todos expressando pr-concepes (Bion) queas montagens instintivas, predominantemente as de morte, abrigam dentro de si.2

    Essas caractersticas, entre outras, so conhecidas. O intuito em retom-lasobjetiva deslocar a ateno das modalidades operativas da identificao projetivapara sua primeira formulao, sua descoberta, que a situou menos na ordem deuma operao seja no interior do psiquismo seja no emprego tcnico quepassou a ter e mais como processo iminente ao desenvolvimento mental.O que se aproxima da circunscrio, feita por Bion, sobre a existncia de umaidentificao projetiva realista ou normal enquanto expectativa ou apelo para edentro de um outro modo bsico de comunicao ou conhecimento que elearticulou, tambm, em torno de conhecidas imagens figuradas no par comple-mentar contedo/continente.

    No artigo Notas sobre alguns mecanismos esquizides (1946), MelanieKlein introduz a identificao projetiva em meio a uma retomada esquemticade suas idias e descobertas em relao gnese do sujeito nas defesas quedesenvolve e os estgios que alcana e atravessa (ela os reorganiza em novocontexto). Esses surgem e resultam da articulao possvel da violncia que osinstintos exercem sobre um ego no integrado dos incios (concepo queela toma emprestada de Winnicott). Violncia contrabalanada em parte poruma quota menor, e portanto menos expressiva, da libido, responsvel pelainstaurao do objeto bom e a conexa e dialtica contribuio do ltimo paraa paulatina e progressiva integrao do ego. Apesar do esforo em postularrelaes de objetos, de objetos bons e maus, desde o incio da vida, Klein se recusaa reduzir o desenvolvimento do ego ao simples jogo introjetivo-projetivo derelaes provenientes do object-seeking (busca-objeto) de Fairbairn. No h dvi-da de que, embora mantivesse, como pano de fundo, as relaes implcitas aosestgios de desenvolvimento da libido segundo Abraham, porm sob a pr-pria marca de suas idias iniciais (o apogeu do sadismo, etc.) alm doacervo atuante, de cunho edpico, da fantasia inconsciente que lhes conexo, ainteno, neste momento (KLEIN, 1946), recoloc-los numa nova ordem: deconstruo, desenvolvimento e funcionamento do ego ao longo do eixo consti-tudo pelas posies em meio s quais ela descreve a emergncia de vivnciasentrelaadas s operaes defensivas do ego, prprias ao mundo das fantasias,prefiguradas nos contedos e montagens dos instintos.

    2 A tentativa de controlar (o analista), to acentuada em trabalhos e escritos kleinianos,atribuda operao concreta destas fantasias no interior da identificao projetiva, visa negar,nesta modalidade narcsica e fusional, as conseqncias edpicas que decorrem das mesmas:por exemplo, a excluso pelo casal ou da fruio do pnis do pai ou da posse dos bebs, etc.

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    Nas Notas, Klein mantm em suspenso, ou empurra para os bastidores, aconcepo de relaes de objeto enquanto modalidades do decurso psicosse-xual da libido tais como elaboradas por Abraham nas pegadas de Freud; nomais insiste em que o desmame o momento de disparo das fantasias incons-cientes. As relaes de objeto existem, segundo ela (1946), desde o comeo, oque certamente assinala um desvio do modelo inaugurado por Abraham. Kleinlana mo de um arrazoado, descrito no plano fenomenolgico, que discorresobre as vicissitudes econmicas e dinmicas dos afetos inconscientes e suaorganizao em torno e, ao mesmo tempo, ao longo do eixo evolutivo de posi-es psquicas (a intuio sobre as quais ela vem adquirindo desde 1934).Entretanto, a fundamentao terica da identificao projetiva no provm di-retamente deste plano mas se nutre de um contexto metapsicolgico3 que ela pre-cisa, na inteno de servir de base e fonte de origem do alcance e formao dasposies e de processos subjacentes sempre conduzidos, fomentados e, so-bretudo, imersos no bloco de fantasias inconscientes, enunciadas desde o incioda obra kleiniana.

    Postula, no incio da vida, um ego no integrado, confrontado com a vio-lncia do instinto de morte e que, portanto, acarreta ansiedades psicticas.O enfoque, aqui, mais no ego do que nos instintos e nas ansiedades que geram: ano-integrao primordial do ego o expe, mediante a ao do instinto demorte, a duas tendncias diametralmente opostas, integrao e despedaamento, quese alternam um com o outro. As trs operaes defensivas, entrelaadas uma naoutra ciso/fragmentao do ego, idealizao/onipotncia (com a conexafuga para o bom objeto) e a denegao da realidade psquica (persecutria),encontram sua razo de ser no esforo da manuteno da frgil integrao doego ante a fora do instinto de morte. O fracasso no esforo de reunio eintegrao do ego (pela libido e a correlata visada do bom objeto), leva fragmentao do objeto e do ego. Mas resta ainda, ao ego, o recurso da busca deintegrao atravs da identificao no continente dentro do qual as partesdespedaadas do ego foram expelidas ou projetadas.

    Alm de incluir os elementos relativos fantasia inconsciente assim comotodas as dimenses dinmicas, psicolgicas e fenomenolgicas e suas finas enotveis elaboraes em torno de configuraes clnicas, como o controle ob-sessivo e as inibies na criatividade e no luto, o consagrado trabalho de 1946nos permite, neste recorte metapsicolgico, depurar o desenho bsico da co-municao inerente identificao projetiva: a comunicao decorre da identi-

    3 Restrinjo novamente o termo para a definio encontrada no livro Inconsciente (FREUD, 1915)enquanto explicitao de um fenmeno em termos das dimenses tpicas, dinmicas e econ-micas do aparelho psquico.

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    ficao prpria tendncia narcsica de integrao que o ego incipiente deses-pera-se em resgatar em meio s ameaas desintegradoras do instinto de morteque o obriga fragmentao e projeo das respectivas partes expelidas.Trata-se, obviamente, de um estado fusional e narcsico. Entretanto, a moointegradora se apoia nas foras de reunio da libido e em torno do objetobom. Por outro lado, Klein atribui aos ciclos incessantes, de projeo/ataquee identificao, da posio esquizoparanide, a aproximao progressiva dosujeito ao conflito, ou seja, percepo de que o alvo diz respeito ao mesmoobjeto sobre o qual o ego se apia enquanto objeto bom para sua consolida-o. A culpa gerada permite a entrada na posio depressiva.

    Essa seria a dimenso mais global do indcio desta tendncia do ego integra-o que, alis, no implica, sempre e necessariamente, uma condio precriaque conduz o ego identificao projetiva. Entretanto, observe-se como a coern-cia do arrazoado apresentado por Klein prescinde do efeito comunicativo exerci-do pela identificao projetiva aspecto que passou ao primeiro plano nasconsideraes feitas a este conceito na herana kleiniana. Nas Notas, tudo sepassa no nvel ontogentico um processo no qual as identificaes projetivasdariam lugar, progressiva e paulatinamente, conscincia depressiva aopasso que, nas descries posteriores (como as de Bion), qualquer atividade deidentificao projetiva, mesmo no caso obtuso de fenmenos bizarros (o olhoque espia o sujeito de dentro de um gramofone) comunica, ou seja, abriga a de-manda de uma ao por parte do objeto. Apesar da Klein no indicar esta pos-svel via de apelo, pode-se supor que a moo integrativa do ego equivale a umabusca de coeso, atravs da identificao, alhures ( distncia, dentro do objeto).Tendncia criada e inscrita nas relaes internas que compem o misteriosoego incipiente, organizadas, quem sabe, em torno de necessidades, inerentes aoestado de desamparo no qual se encontra este ego incipiente.4 Mas, surge ime-diatamente a questo relativa natureza do desencadeamento que tal apelo provo-ca no objeto, naquele que serve de receptculo desta identificao projetiva. O textode Melanie Klein no levanta essa questo e tampouco uma possvel resposta.

    ORIGENS DA COMUNICAO NO PROJETO DE UMA PSICOLOGIA

    Cinqenta anos antes, Freud, em 1895, colocara a comunicao no ponto deorigem daquilo que considera a unidade bsica do mundo psquico: o traadomnmico do desejo. Ao se referir ao especfica solicitada pela urgnciapulsional, ele observa:

    4 Em vista das conhecidas operaes psquicas descritas por Melanie Klein, as modalidades derelaes de objeto, embora fomentados pelos instintos, so derivados dessas relaes internasque constituem o ego incipiente.

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    O organismo humano , no incio, incapaz de efetuar esta ao especfica que no

    pode ser realizada sem uma ajuda alheia, e sem que uma pessoa sensvel ao estado da criana,

    esteja pronta a atend-la neste momento [grifo nosso]. A pessoa alertada por uma descar-

    ga desencadeada pela via das alteraes internas. Esta via adquire com isso a funo

    secundria de extrema importncia, de comunicao, e o desamparo inicial do ser

    humano torna-se, assim, a fonte originria de todos os motivos morais. (FREUD, 1895/

    1966, p. 318)5

    Antes de discorrer sobre a comunicao, vale explicitar o projeto do eu emque Freud a situa: Freud no postula, como Klein, um eu incipiente, submetidodesde os primeiros estgios de desenvolvimento s tendncias alternantes deintegrao e despedaamento, regidas pela ao dos instintos. Para ele, o eu para ser construdo como conseqncia indireta da ao especfica. O eu do Projeto seconstitui imagem de uma rede complexa de inscries de memria (recalcada)de vivncias de satisfao e de dor. Qual a origem e o carter dessas inscri-es? So trilhamentos, precipitados de vivncia. A ao especfica, despendidacom as exigncias pulsionais, compreende uma interao complexa: as descar-gas sensoriais e motoras, de incio em desordem (o choro e o espernear), ad-quirem, com a ajuda alheia da ao especfica (a amamentao, por exemplo),formas reflexivas junto ao corpo do outro. Formas reflexivas, em meio dor deanseio e a descarga de prazer de satisfao, dotando o sujeito de imagens demovimento (Freud) de si, significando a apropriao da vivncia. A reteno funo secundria, em contraposio primria (da descarga pulsional; cf. cap.I, parte I do Projeto) tributria da impermeabilidade parcial da transmissode energia que move a exigncia pulsional, permite o desenho, a facilitao:registro do que ocorre no meio, entre o impulso e a satisfao. O psquico nascepois como um desvio da pura necessidade, l onde (nas interfaces dos corpos)chegam as notcias (FREUD, 1895) de obteno de prazer, motor e sensrio na interao, no brincar dos corpos. As imagens de movimento so essas se-mentes da instaurao daquilo que Freud designara, mais tarde, de refernciasauto-erticas mediadas pelos movimentos do corpo, psquicos, da me.6

    O que implica que novas necessidades pulsionais seguiro a rota das vias defacilitao estabelecidas. Ou seja, as pulses acendero, como alucinao

    5 Cap. XI, Vivncias de satisfao, parte I do Projeto.6 A diferena que o auto-erotismo do incio dos Trs ensaios sobre a sexualidade (1915), concebido, por vezes, como essa descarga em loco, em vrias regies do corpo, da obteno doprazer sexual. O que confunde esse prazer com a sexualidade perversa polimorfa, ao passo que,no Projeto, as imagens de movimento abrigam uma apropriao representativa, auto desta mesmadescarga mediada pelo outro. O que vem sendo incorporado, na obra publicada, desde asConferncias de 1915 e at os ensaios sobre a sexualidade feminina dos anos 30.

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    (percursora do pensamento), no o to propalado seio da acepo kleinianamas as vivncias correspondentes, as imagens de movimento. So essas que regem aalucinao de desejo.

    No Projeto, a rede ampliada dessas experincias constituir o estofo recalcadodo eu em construo. Vale notar, ento, que o eu no se desenvolve, em Freud de1895, a partir de um pressuposto ego inicial. O eu se constitui na expanso darede de precipitados de experincias com o objeto, possibilitando canalizar, emparte, as moes das necessidades pulsionais em vias de desejo, ampliadas,atravs da dor e da frustrao do real, no pensar. O que nos permite voltar, apsessa reviso sumria, questo da comunicao.

    Se a comunicao se encontra no ponto de origem deste processo, a questo quem comunica, j que o eu nasce como conseqncia da comunicao? Freud muito claro, aqui: o desamparo de origem que comunica. Comunicao que desen-cadeia uma via de alteraes internas no adulto. O desamparo, porm, faz suspei-tar da existncia de um eu que sofre deste estado. Entretanto, esta lgica, psicol-gica, deve ser mantida em suspenso.7

    Interessante comparar essa fina distino freudiana com as observaes deum notvel psicanalista, D.W. Winnicott: o beb, recm-nascido, no tem comolidar com as pulses pois as sente como violncia vinda de fora, a ser contida eutilizada s com o estabelecimento dessa grade psquica que Winnicott deno-mina de relaes do eu (WINNICOTT, 1958/1965), construdas em meio adequa-da providncia de cuidados maternos. As pulses emanam, diz Freud, de clulasnucleares, situadas fora do grupo psquico (Manuscrito G, 1895). Este ltimo seconstitui pelos registros de vivncias primrias de satisfao, correspondentes srelaes de eu de Winnicott [novamente, trata-se do conjunto da vivncia (Freud)e no de saciao da necessidade]. Winnicott entende o psquico como elabora-o imaginativa... da vivncia fsica (1949/1958, p. 411), assemelhando-se, no Projeto, transformao, mediada pelo objeto, de sensaes oriundas da descarga(de prazer) muscular e sensria em imagens de movimento.

    E, para voltar comunicao no Projeto, surge a seguinte pergunta: o que dodesamparo convoca a sensibilidade atenciosa do adulto? Como? Freud precisa, nodecorrer da primeira parte do texto de 1895, que no o desamparo em si quedesempenha tal papel mas vrios aspectos associados e decorrentes das vivnciasde dor. Uma introduo se faz aqui necessria quanto economia da dor: ape-sar de Freud distinguir, no primeiro momento, as vivncias de dor das de satis-fao, as primeiras no so desvinculadas mas fazem parte das cadeias do arco

    7 O suposto ego dos incios no um eu psquico sobre qual instaurao Freud esfora-se emconstruir, neste momento. Ele introduziria mais tarde para este x, ego incipiente, vrias possi-bilidades como o eu-realidade (Cf. As pulses e seus destinos, 1915).

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    complexo que compe as ltimas. As exigncias pulsionais, assim como outrosestmulos, sensrios e objetais, que se abatem sobre o lactente, constituem, deponto de vista econmico, um excesso. O que na vivncia, isto , no contato, signi-fica dor. A dor desperta algo que diverge, sutilmente, da tendncia de descarga,do princpio de prazer. A dor provoca, segundo Freud, a fuga: o recuo (Projeto) o desinvestimento e o recalcamento (Cap. VII de A interpretao dos sonhos). Tendnciaessa, de retrao tributria de uma impermeabilidade parcial , de conten-o da descarga, permite o armazenamento da experincia em trilhas energticas:traos mnmicos da vivncia de satisfao.

    O contato na dor da violncia (pulsional, sensria e objetal) dispara, ento,o encadeamento dos primeiros trilhamentos, inscries, junto ao especficaproporcionada pelo adulto. A ao especfica mediada, porm, pela comunica-o: a percepo da dor nos movimentos desordenados que acompanham o gritodo beb tem, segundo Freud, o valor de simpatia, propiciando a identificao; desper-ta, no adulto, uma via regressiva, remetendo-o e fazendo-o voltar sobre as pe-gadas de origem de seu prprio grito e desamparo de outrora.8 A comunicao esta incitao e disparo do reviver, rverie (Bion), identificao (empatia, Freud)ou preocupao primria (Winnicott). Adquire-se tal funo em prol de suaaliana com a origem, com o disparo primeiro, de outrora, das pulses doprprio adulto. A aliana do desamparo com a comunicao o que designa-mos de humano-origem, diz Freud, dos motivos morais.

    Contudo, a dimenso comunicativa, o humano, tem uma funo auxiliar,secundria, segundo Freud, em relao ao psquico, inscrio da vivncia.A comunicao serve de escada para esse outro plano, o psquico, que, para Freud,diz respeito a uma apropriao do corpo, conseqncia de registro da vivnciadurante, isto , ao longo do arco reflexo em que se executa a ao especfica.A descarga de prazer, motora e sensria, nica passvel de facilitao, detrilhamento, coextensiva e concomitante apropriao reflexiva junto aooutro das imagens de movimentos do prprio corpo. O que acrescentar aovalor da empatia o da sustentao, do holding comemorativo (na voz e no brin-car): presena figurativa (Winnicott). Percursor do que, no conhecimento dooutro semelhante (Freud), impregna as percepes dos movimentos do outrocom distinto valor (alm do emptico): o imitativo,9 reflexivo, auto-ertico (ima-ginativo e representativo) e, portanto, pr- e inconsciente, porque constitui umdesvio do referido plano da comunicao. Com o termo imitao Freud designacerta ressonncia, fruto da evocao pr e inconsciente, a partir da percepodos movimentos (emoes, fala, movimento) do outro, como se os ltimos

    8 Cap. XVIII, parte I do Projeto.9 Idem.

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    fossem indcios que me tomam num lembrar-se de vivncias parecidas; umembarque numa via regressiva que, desta vez, no diz respeito s vivncias dedores oriundas dos primeiros disparos pulsionais mas aos palcos, imagens demovimentos, das vivncias de satisfao.

    INTERVALO: SOBRE O USO DO TERMO COMUNICAO

    A origem da comunicao, segundo a exposio feita, encontra-se no valor deapelo que o estado de desamparo exerce sobre um outro. O apelo o prottipo,a base de fundo do humano, da compreenso mtua. Freud refere-se origemde todos os motivos morais, pois o carter de apelo deve-se inscrio e,portanto, identificao com o prprio estado de desamparo de origem e,conseqentemente, ajuda prestada, naquele momento, pelo adulto. J o qua-dro dinmico fornecido pela identificao projetiva, ilumina, de ponto de vistatcnico do trabalho analtico, outros aspectos de grande importncia: de umlado, o despreparo diante da macia fora pulsional desloca, muitas vezes, oolhar kleiniano, colocando o acento sobre a negao da vida psquica adefesa ante o seu carter persecutrio ao invs do seu reconhecimento, e dosprprios limites e a dependncia do outro. Significa que, neste estgio origin-rio, o apelo motivado pela impossibilidade de reconhecimento das prpriasfronteiras, ou talvez, a vontade de reencontrar um reconforto no ambientefusional mtico e mesmo embrionrio. Sob este aspecto defensivo, e numa dadasituao clnica, a idia de haver uma comunicao, no sentido literal do termo,fica ambgua e acaba sofrendo um grande abalo. O fracasso na funo de objetode origem no seu papel de sustento, rverie, identificao, etc. afetar aintroduo de certa plasticidade nas modalidades de apelo originrio: dificulta-r a transformao desta modalidade primria numa troca, numa comunicao emmeio qual cada sujeito (constitudo como tal e ciente de suas bordas) possa,pelo valor imitativo (Freud), pelas ressonncias simblicas junto ao outro, ampliarsua capacidade representativa, do pensar e da ao, nas rotas traadas pelodesejo. Razo pela qual se introduziu, na corrente kleino-bioniana atual, duascategorias novas estados alucinatrios versus comunicativos derivadas dasrespectivas posies esquizoparanide e depressiva. O primeiro estado corres-ponde operao da identificao projetiva como meio de evacuao, de des-pejo do mal-estar, da negao das realidades psquica e real. Ou, em outroscontextos, recorre-se ciso e onipotncia, a um tipo de arrogncia (Bion) quedecorre de um modo de sobrevivncia decorrente da desistncia de qualquerespera e esperana vinda do outro, o que diz respeito aos fracassos da funo doobjeto de origem. O segundo, o comunicativo, diz respeito ao pressuposto deuma troca entre dois sujeitos. Dirigir-se ao outro implica a espera de umaressonncia, de inflexo imaginativa, de transferncia, de obteno de insight.

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    Estas consideraes revelam que, se for analisada sob o enfoque terminolgico,a idia de comunicao pode adquirir sentidos at mesmo opostos. Privilegia-mos o vrtice genealgico, em que a comunicao brota do valor originrio deapelo, deslocando-se e evoluindo, com o trabalho histrico do objeto, para atroca, obtendo a forma prpria de ressonncia, implicando o intervalo, a ins-taurao tpica de cada sujeito.

    COMUNICAO E VIDA PSQUICA: CONTINUIDADE E RUPTURA

    O modelo de comunicao que esboamos a partir do Projeto aponta para umapassagem entre dois planos distintos, na qual o objeto convocado a desempe-nhar a funo fundamental de manejo: da dor dos anseios, das quantidades, stenses cujo ritmo dota as ltimas de qualidades de prazer, tornando-se auto,apropriao imaginativa dos prprios movimentos. O acionamento do objeto feito ao modo associativo da mesma maneira em que, no aparelho psquicodo indivduo, um resto diurno capturado na via regressiva em direo sinscries inconscientes, em coerncia com a via de uso da pulso para o trilharmnmico. Entretanto, preciso enfatizar neste despertar do objeto para a viaregressiva dentro dele mesmo, duas modalidades de rverie que Freud evoca emrelao ao conhecer do outro semelhante (FREUD, 1895). A primeira, emptica macia e primitiva , refere-se preocupao e identificao com a dore o desamparo do beb que se desdobra, nas relaes humanas, na comunica-o, na compreenso mtua (1895). A segunda, derivada da primeira, porm distin-ta, recai na via regressiva de modalidades de inflexo reflexiva auto sobrecenas infantis, da descarga de prazer, da comemorao reflexiva, da fala e dodesejo. Valor imitativo (Freud), termo pouco apurado mas que evoca um holdingque devolve ao outro algo seu, uma apropriao imaginativa de seu corpo espao e movimentos, vivncias.

    Enquanto a primeira imediata, age diretamente, a segunda requer o inter-valo, no jogo entre presena e ausncia, implicando a distncia; o adulto estando,na vivncia, separado do beb. Reserva que permite, na via das alteraes inter-nas, a volta regressiva, no adulto, sobre suas prprias cadeias representativas,fazendo emergir sentidos para os gestos espontneos e exploratrios do beb.Nesta sustentao do brincar, da crescente apropriao, pelo beb, de vivncias(movimentos), resulta a condio de desinvestimento progressivo da alucina-o; instaura-se a tpica, o recalcamento, em paulatina aquisio da capacidadede lidar com a ausncia, resultando na expanso e ampliao do pensar.10

    10 com esta cadeia, que vai das vivncias de satisfao ao surgimento e ampliao do pensar,que lida grande parte do Projeto (partes I e III).

  • ACERCA DA COMUNICAO. ENTRE FREUD (1895) E KLEIN (1946) 89

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    Reportar-se reserva e distncia no regime psquico do adulto ao estarseparado implica a matriz edpica. Lembro, a este respeito, da condio queBion estabeleceu para que o beb seja depositrio da funo alfa: a me, diz ele,precisa amar o pai (o homem) ou, o que equivalente, amar a criana enquan-to ente separado dela (BION, 1962).11

    Nestes comentrios, privilegiei a dimenso metablica, dominante no Projetoem detrimento do que concerne ao narcisismo e ao eu como instncia. A distin-o, na via regressiva, de alteraes internas (FREUD, 1895), entre o valoremptico da comunicao e o reflexivo, demonstram sua imensa relevncia nodebate atual acerca do trabalho analtico. A presena e a continncia, de umlado, e a reserva na atividade representativa do trabalho regressivo da escuta,no analista, tm ocupado o centro das discusses sobre a tcnica.12 A escolainglesa, kleiniana, tende a dar maior nfase primeira; a francesa segunda.O inter-subjetivismo corre o perigo de negligenciar a ltima, ao ponto deminimizar a matriz representativa da sexualidade infantil (e fantasias), exilan-do-a da via regressiva, inerente transferncia.

    Quanto ao clssico artigo de Klein, a descrio da identificao projetivatende a se verter para o regime da comunicao. Certo esforo poderia encon-trar pontos de convergncia entre, de um lado, o desempenho da libido, segun-do Klein, em relao ao objeto e na fora de reunio do ego e, de outro lado, oprincpio de prazer que rege, no Projeto as trocas em direo apropriao docorpo, de si. A busca, por exemplo, de reunio na identificao dos pedaosexpelidos, projetados para dentro do objeto, se traduziriam (rverie), no adulto,como apelo, convocando-o, no deslocamento da via regressiva de sua prpriahistria mnmica, a conter, entender, fornecendo ao lactente o espao paraalcanar essa demanda. Entretanto, falta a esse contexto descritivo toda a casca-ta mnmica, regressiva, do aparelho psquico freudiano. Ao invs disto, so ascategorias funcionais continncia, funo alfa, barreiras de contato, etc. que passam a ocupar o primeiro plano desta corrente. Operaes essas, aesespecficas que Freud, como Bion e outros, destinara apropriao progressiva defunes do pensar e da ao.

    O esforo de fazer convergir Klein e Freud pode incorrer, no entanto, numareduo porque passvel de borrar as fronteiras que separam distintos contex-tos metapsicolgicos da apreenso clnica. Em Klein, como vimos, o enfoquesobre o trabalho no objeto prima pela sua ausncia: M. Klein reconhecia a im-

    11 Cf. Learning from experience, cap. XII.12 A reflexividade imaginativa, metafrica e representativa a regresso s prprias coisas na escuta do analista (Cf. trabalho O mtodo em questo: aspectos relativos apreensoclnica, Psicanlise e universidade, no prelo).

  • 90 DANIEL DELOUYA

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    portncia do objeto mas no se interessou, em suas formulaes tericas, emdiscorrer sobre o seu papel. Seus seguidores fizeram melhor, sobretudo Bion.Mas h mais uma observao relevante a se fazer em relao ao artigo de 1946:o ponto de sada tenta articular a violncia pulsional com um ego no integra-do, herdado, na origem dos desfiladeiros e destinos das identificaes projetivas, fadado a desembocar nas conhecidas atribuies de tendncias inatas no inte-rior das relaes de objeto. O que deixa pouco lugar para as inscries origin-rias, de cenas infantis e sua importncia clnica na via regressiva propiciadapelo campo transferencial.

    Recebido em 26/11/2001. Aprovado em 11/3/2002.

    BIBLIOGRAFIA

    BION, W. R. (1962/1989) Learning from experience, Londres, Karnac Books.DELOUY, D. (2001) O mtodo em questo: aspectos relativos apreen-

    so clnica, in Psicanlise e universidade (no prelo).FREUD, S. (1966) The standard edition of the complete psychological works, Londres,

    Hogarth Press.(1895) The project of scientific psychology, v. I, p. 281-397.(1900) The interpretation of dreams, v. IV e V, p. 1-734.(1905) Three essays on the theory of sexuality, v. VII, p. 123-245.(1915) The unconscious, v. XIV, p. 141-158.(1915) Instincts and their vicissitudes, v. XIV, p. 109-140.

    HEIMANN, P. (1950) On couter-transference, International Journal ofPsychoanalysis, 31, p. 81-84.

    KLEIN, M. (1946/1975) Notes on some schizoid mechanisms, inWritings of Melanie Klein, Nova York, v. III, p. 1-24.

    WINNICOTT, D. W. (1949/1988) A psique e sua relao com o psique-soma, in Da pediatria psicanlise, So Paulo, Francisco Alves, p. 411.

    . (1958/1984) The capacity to be alone, in The maturationalprocesses and the facilitating environment, Londres, Karnac, p. 33.

    Daniel DelouyaRua Capote Valente, 439 cj. 10405409-001 So Paulo SPTel. (11)[email protected]

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