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1 1 AS BOMBAS ATÔMICAS E O BRASIL Fernando de Souza Barros (Julho de 2001) PORQUE ESTA PREOCUPAÇÃO POR BOMBAS ATÔMICAS? Dez anos após o fim da Guerra Fria ainda existem 30.000 armas nucleares. Nenhuma negociação de peso ocorreu após 1995, todas as conferências de desarmamento das Nações Unidas não apresentaram qualquer progresso. O parlamento da Rússia, temendo a expansão da OTAN, uma organização militar nuclear de nações ocidentais liderada pelos Estados Unidos, não ratifica novos tratados para redução dos arsenais nucleares das duas grandes potências nucleares. Mesmo com a ratificação dos dois tratados propostos, existiriam 10.000 armas nucleares no ano 2007, e os arsenais se estabilizariam com 2.000 armas cada um, após esta data ! A posição atual brasileira pelo desarmamento, é respaldada por um veto constitucional às armas nucleares de 1988, e por ter o Congresso Nacional, ao ratificar no ano passado o Tratado de Não Proliferação Nuclear, condicionado esse endosso a atuação do país em iniciativas que levem à eliminação global das bombas atômicas. A participação da América Latina em iniciativas dessa natureza data do início da década de 1980, quando Argentina contribuiu para uma iniciativa de seis países para colocar a União Soviética e os Estados Unidos na mesa de negociações, no auge da Guerra Fria. Indira Gandhi, da Índia, foi o primeiro chefe de governo a participar dessa iniciativa. Recentemente, o Brasil está participando, com outros seis paises, da coalizão denominada “Nova Agenda”, que tornou-se uma liderança diplomática e política para o desarmamento nuclear durante a Conferência de Revisão do TNP no ano passado, graças à sua determinação e habilidade de negociação do documento final da Conferência, junto às cinco grandes potências nucleares (P5). Esta realização dos países membros da Nova Agenda foi consolidada na Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas (UNGA) de novembro de 2000. Embora tenha conseguido o reconhecimento nesta Assembléia, incluindo dos EUA e de todos seus aliados excluindo a França, a adoção daquele documento ainda não está assegurada. Isto ocorre porque certos membros do P5 demonstraram, por palavras ou ações, que não haviam negociado de boa fé – o que também se verificou logo após a Conferência de Revisão e Extensão do Tratado de Não Proliferação (NPT), em 1995.

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Page 1: A Bomba Atômica e o Brasil

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AS BOMBAS ATÔMICAS E O BRASIL

Fernando de Souza Barros (Julho de 2001)

PORQUE ESTA PREOCUPAÇÃO POR BOMBAS ATÔMICAS?

Dez anos após o fim da Guerra Fria ainda existem 30.000 armas nucleares. Nenhuma

negociação de peso ocorreu após 1995, todas as conferências de desarmamento das

Nações Unidas não apresentaram qualquer progresso. O parlamento da Rússia,

temendo a expansão da OTAN, uma organização militar nuclear de nações ocidentais

liderada pelos Estados Unidos, não ratifica novos tratados para redução dos arsenais

nucleares das duas grandes potências nucleares. Mesmo com a ratificação dos dois

tratados propostos, existiriam 10.000 armas nucleares no ano 2007, e os arsenais se

estabilizariam com 2.000 armas cada um, após esta data ! A posição atual brasileira

pelo desarmamento, é respaldada por um veto constitucional às armas nucleares de

1988, e por ter o Congresso Nacional, ao ratificar no ano passado o Tratado de Não

Proliferação Nuclear, condicionado esse endosso a atuação do país em iniciativas que

levem à eliminação global das bombas atômicas. A participação da América Latina

em iniciativas dessa natureza data do início da década de 1980, quando Argentina

contribuiu para uma iniciativa de seis países para colocar a União Soviética e os

Estados Unidos na mesa de negociações, no auge da Guerra Fria. Indira Gandhi, da

Índia, foi o primeiro chefe de governo a participar dessa iniciativa. Recentemente, o

Brasil está participando, com outros seis paises, da coalizão denominada “Nova

Agenda”, que tornou-se uma liderança diplomática e política para o desarmamento

nuclear durante a Conferência de Revisão do TNP no ano passado, graças à sua

determinação e habilidade de negociação do documento final da Conferência, junto às

cinco grandes potências nucleares (P5). Esta realização dos países membros da Nova

Agenda foi consolidada na Resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas

(UNGA) de novembro de 2000. Embora tenha conseguido o reconhecimento nesta

Assembléia, incluindo dos EUA e de todos seus aliados excluindo a França, a adoção

daquele documento ainda não está assegurada. Isto ocorre porque certos membros do

P5 demonstraram, por palavras ou ações, que não haviam negociado de boa fé – o que

também se verificou logo após a Conferência de Revisão e Extensão do Tratado de

Não Proliferação (NPT), em 1995.

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INTRODUÇÃO SOBRE A QUESTÃO DAS ARMAS NUCLEARES

O inédito poder de destruição das bombas atômicas lançadas em 1945 pelos norte-

americanos sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, provocou o

interesse militar-industrial mundial pelos explosivos nucleares1. As expectativas super

otimistas daquela época, de utilização ilimitada de energia nuclear num futuro

próximo, também contribuíram para aumentar este interesse pelo “nuclear”. Em 1950,

praticamente todos os países industrializados e muitos paises do “terceiro mundo” já

possuíam seus “projetos nucleares”. As Nações Unidas, por iniciativa das potências

do ocidente, criou então um programa nuclear-guarda-chuva “Átomos para a Paz”, na

tentativa de incentivar aplicações pacíficas de energia nuclear, criando a Agência

Internacional de Energia Atômica, AIEA, para tal propósito. No Brasil, o CNPq, que

acaba de completar seus cinqüenta anos, foi instituído com esta finalidade. Após

alguns anos, por questões políticas, a responsabilidade do programa nuclear foi

retirado do CNPq, sendo criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear, CNEN.

Por outro lado, instalava-se a Guerra Fria entre os blocos de nações liderados pela

União Soviética e pelos Estados Unidos. Os arsenais nucleares atingiram proporções

alarmantes durante a década de 1960. No início da década de 1970 foi negociado o

primeiro tratado internacional para controle de materiais físseis, o Tratado de Não

Proliferação, TNP, que tem a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)

como seu órgão executor. Pelo TNP, são reconhecidos os arsenais nucleares de cinco

paises (Estados Unidos, União Soviética(agora Rússia), China, Inglaterra e França).

Estes cinco paises assumiram o compromisso de, eventualmente, eliminarem seus

arsenais nucleares. Todos os demais paises signatários aceitam o compromisso de não

desenvolverem armas nucleares. O Brasil só assinou o TNP em 1996. Atualmente

somente quatro paises não assinaram o TNP: Índia, Paquistão e Israel (com domínio

de tecnologia nuclear para montagem de bombas atômicas) e Cuba, que condiciona

sua assinatura à questão da base norte-americana na ilha.).

Desde 1970, por acordos internacionais, foram criadas ZONAS LIVRES DE ARMAS

NUCLEARES em várias regiões do planeta. O Brasil participa da Zona Livre da

América Latina, instituída através do Tratado de Tlatelolco. Atualmente, por iniciativa

1 Os termos técnicos principais são definidos no GLOSSÁRIO, ao final do texto.

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do Brasil e da Nova Zelândia, todo o Hemisfério Sul está sendo proposto como Zona

Livre de armas nucleares.

OS EXPLOSIVOS NUCLEARES2

Os principais explosivos nucleares utilizados em armas nucleares, tecnicamente

denominados de “materiais físseis”, são o plutônio (um elemento que não existe

naturalmente, tendo que ser fabricado) e o urânio altamente enriquecido (acima de

80%) do isótopo 235. Existem mais de 3200 (três mil) toneladas de materiais físseis

estocados atualmente em vários paises, suficiente para mais de 230.000 (duzentos e

trinta mil) bombas nucleares. Tem sido bastante difícil a montagem de um sistema

internacional para levantamento e controle deste material. As possibilidades de venda

clandestina de material físsil vem aumentando, principalmente após o colapso da

União Soviética. Existem outros materiais físseis, e a Agência Internacional de

Energia Atômica está considerando o monitoramento de dois possíveis materiais:

neptúnio 237 e amerício.

Um tratado internacional para suspensão da produção de materiais físseis está sendo

negociado há vários anos, mas não há qualquer previsão de quando será

implementado. Os princípios gerais deste tratado seria: Universalidade (todos os

estoques seriam identificados e controlados por órgão internacional);Transparência

(todos os paises signatários apresentariam declarações periódicas e padronizadas

sobre os respectivos estoques); Irreversibilidade (os materiais físseis retirados de

bombas atômicas desmontadas não podendo voltar a ser armazenados); Acessibilidade

( as agências internacionais para inspeção desses estoques teriam acesso aos silos de

estoques e a outras instalações relacionadas com a produção de matérias nucleares

físseis). É necessário notar que os grandes reatores nucleares para produção de energia

elétrica são fontes de materiais físseis.

Em 1998, uma estimativa3 dos estoques mundiais de materiais físseis foi a

seguinte:

2 Para uma introdução elementar ao tema, veja “Radiação: Princípios básicos, aplicações e riscos”Odair Dias Gonçalves, CADERNOS DIDÄTICOS UFRJ , 1994.3 The Challenges of Fissile Material Control, David Albright e Kevin O’Neill, editors, ISIS Report1999.

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ESTOQUES DE MATERIAIS FÍSSEIS

NATUREZA Urânio enriquecido (acima de 80%)

(toneladas)

Plutônio

(toneladas)

Militar 1.700 250

Civil 20 1.100

Total 1.720 1.350

OS PROJETOS NUCLEARES BRASILEIROS

A primeira tentativa brasileira no início da década de 1950 de domínio da tecnologia

nuclear foi liderada pelo Almirante Álvaro Alberto, o primeiro presidente do CNPq.

Por pressão norte-americana, o equipamento comprado na Alemanha para

enriquecimento de urânio natural (centrífugas) teve seu embarque sustado e o projeto

foi suspenso.

Após o malogro de 1950, todas as demais tentativas brasileiras para aquisição de

tecnologias nucleares ocorreram durante os governos militares de 1964-1985. No final

da década de 1960 foi comprado da Westinghouse o primeiro reator para geração de

energia elétrica. Entretanto, o recebimento previsto na negociação deste reator de

equipamento para enriquecimento isotópico, não ocorreu face a alegação norte-

americana de que o Brasil não pretendia participar do acordo TNP.

A segunda tentativa de montagem de um programa de grande porte para aquisição de

tecnologia nuclear ocorreu somente em 1975, no bojo de um acordo com a Alemanha

Ocidental. Neste acordo, o Brasil compraria além de oito grande reatores nucleares,

até o ano 2000, uma instalação para enriquecimento de urânio e montagem de barras

de combustível nuclear, alem de uma instalação para reprocessamento do combustível

queimado. Embora os alemães tenham desconsiderado o fato de que o Brasil não era

signatário do TNP, todas as instalações importadas estariam sob o regime de inspeção

da agência internacional AIEA. As pressões internacionais, e a crise econômica

brasileira da década de 1980, afetaram este acordo com graves perdas financeiras para

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o Brasil. O primeiro reator do acordo foi finalizado apenas no ano 2000, Angra II, e,

se for iniciado em 2002 a montagem do segundo e último reator alemão, Angra III

estaria operando apenas em 2005. Nesta aventura foram gastos vários bilhões de

dollars, sem qualquer geração de energia nos primeiros 25 anos de vigência do acordo

com a Alemanha.

A terceira tentativa do regime militar foi um programa iniciado secretamente pela

Marinha brasileira no final da década de 1970. Pormenores desses programas só

foram revelados após o final do regime militar, quando seus organizadores

começaram a participar de eventos públicos para debate das questões nucleares, tais

como as ocorridas durante as décadas de 1970-1980 nas reuniões anuais da Sociedade

Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Em um desses eventos, para

depoimentos de seus coordenadores, o Almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva,

justificou o programa da Marinha, denominado “Programa Paralelo”, face à

constatação de que o acordo com a Alemanha não transferiria qualquer tecnologia

significativa para o Brasil, tais como o a do ciclo completo de combustível nuclear, ou

de reprocessamento de barras de combustível nuclear após sua utilização no reator de

potência. Até o anúncio dos seus primeiros sucessos, este Programa Paralelo operou

fora de qualquer sistema de inspeção, tanto nacional como internacional. O programa

estava vinculado a Comissão Nacional de Energia Nuclear e, além das instalações de

pesquisa e desenvolvimento da Marinha, contava com a colaboração do IPEN

(Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares). Este conjunto se transformou

rapidamente em um centro de pesquisa de enriquecimento de urânio 235 pela técnica

de bombas centrífugas a gás, da fabricação de combustível nuclear, além de pequenos

reatores nucleares.

Em 1988, já no regime democrático, foi inaugurado a Planta de Enriquecimento de

Urânio-235 em Aramar, uma instalação da Marinha perto da cidade de Iperó, no

interior de São Paulo. O próposito oficial da planta foi declarado ser de prover

combustível nuclear para sistema de propulsão naval, em particular, de submarinos, os

quais são denominados nucleares quando são movidos com energia gerada por reator

nuclear. A coordenação de todo programa estava nas mãos do Almirante Othon

Pinheiro da Silva, Diretor da COPESP, um centro de projetos especiais da marinha de

guerra brasileira.

Page 6: A Bomba Atômica e o Brasil

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Entretanto, o Programa Paralelo não foi o único projeto nuclear secreto montado

durante o regime militar de 1964 a 1985. Em 1990, Fernando Collor de Mello, então

recém eleito presidente, revelou a existência de um outro projeto secreto, o Projeto

Solimões, um programa difuso desenvolvido pelos centros técnicos do Exército e,

novamente, fora de qualquer controle civil ou de sistemas de inspeção nacional ou

internacional. Em uma iniciativa muito notada no exterior, Collor com seus Ministro

de Ciência e Tecnologia, o físico nuclear José Goldenberg, e seu Ministro das

Relações Exteriores, Celso Lafer, hoje novamente ministro, participaram

pessoalmente do ato de fechamento de um poço identificado para testes nucleares,

localizado nos terrenos de uma base aérea militar na Serra de Cachimbo, no Pará.

Depoimentos posteriores, principalmente do Prof. José Goldenberg, revelaram que

este programa não tinha o nível tecnológico do programa nuclear da Marinha. Um dos

itens mais evidentes da relação entre o Projeto Solimões e a fabricação de explosivos

nucleares foi a existência da montagem de um reator nuclear sub-crítico, moderado a

grafite, para aquisição de informações que permitissem a construção de um reator a

gás-grafite de 20 megawatts térmicos para produção de plutônio, um explosivo

nuclear.

Finalmente as Forças Aéreas brasileiras também desenvolveram um projeto nuclear

naquela época. O propósito deste projeto era de enriquecimento a laser de Urânio-235,

e o destino oficial do material físsil produzido seria sua utilização para o fornecimento

de energia para os sistemas de controle de satélites artificiais.

Todos os projetos mencionados acima foram desativados ou substancialmente

reduzidos após a queda do regime militar. A história destes projetos ainda tem vários

furos, mas, considera-se que o Projeto Solimões foi concebido com o propósito de

produção de explosivo nuclear; a única finalidade prática do plutônio até a presente

data.

Atualmente somente o projeto da Marinha continua em operação em escala

significativa. Com base em tecnologia alemã, a Marinha pretende construir o primeiro

submarino brasileiro com propulsão nuclear. Em 1995 ocorreu uma grande mudança

na coordenação dos projetos nucleares da Marinha brasileira. A coordenação é hoje

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realizada no Centro de Tecnologia da Marinha (desapareceu a COPESP), que

coordena os contratos com aproximadamente 150 indústrias e vários grupos de

pesquisa universitários. A imprensa informou em 1996 que a Marinha tinha

suspendido temporariamente o seu projeto do submarino nuclear por falta de verbas.

Aproximadamente 700 milhões de dólares já tinham sido gastos, mas faltariam um

bilhão de dólares para sua conclusão. Somente o reator nuclear para o submarino

estava estimado em 500 milhões de dólares, contrastando com um orçamento de

apenas 200 milhões que a Marinha teria recebido em 1996. Em 2000 o governo

federal decidiu reiniciar este projeto mas a perspectiva é que o submarino nuclear só

esteja concluído em dez anos.

O outro projeto da Marinha, a planta para enriquecimento de Urânio-235, pretende ser

comercializada e todas as atividades são oficialmente reconhecidas e inspecionadas

por agências nacionais e internacionais. Em 2000, a Marinha anunciou que havia

vendido a planta de enriquecimento de Urânio-235 à empresa estatal “Indústrias

Nucleares do Brasil (UNB), sediada em Resende. O tamanho da planta é de uma

produção de 100.000 SWU/ano4, mais que suficiente para alimentação semestral de

combustível nuclear para o reator Angra II. O preço da planta é de US$130 milhões e

seu primeiro módulo de 20,000 SWU/ano deve estar concluído no final deste ano.

A POLÍTICA NUCLEAR BRASILEIRA APÓS O REGIME MILITAR

As discussões decisivas, a partir de 1989, para os acordos nucleares entre os governos

da Argentina e do Brasil, que evitaram a possibilidade de uma corrida armamentista

no Cone Sul, só foram possíveis pois estavam assentadas em esforços diplomáticos

realizados na década de 1980. Mas as outras iniciativas que na época facilitaram esses

esforços, foram os debates, as consultas e as declarações conjuntas realizadas por

pesquisadores e professores argentinos e brasileiros, no marco das suas sociedades.

Seria muito difícil dimensionar a importância dessas sociedades para os acordos entre

os dois países, pois, na maioria das oportunidades elas foram apenas palcos para

manifestações de caráter ético ou pacifista, consideradas por alguns como ingênuas

por ignorar as dificuldades técnicas para a implementação dos acordos que envolviam

aspectos de segurança nacional.

4 Ver definições no GLOSSÁRIO.

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Essas manifestações, entretanto, ajudaram a levar a questão nuclear para um público

maior, através da mídia; permitindo uma concientização que abriu o caminho para as

ações futuras dos governos civis dos dois países.

Durante 25 anos a Argentina e o Brasil recusaram-se a assinar o Tratado de Tlatelolco

de Proibição de Armas Nucleares na América Latina, opondo-se a qualquer tipo de

inspeção internacional às suas instalações nucleares. Em 1991, entretanto, esses dois

países concordaram em estabelecer um sistema bilateral de inspeções, com a

intervenção da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA). Essa iniciativa

abriu o caminho para a homologação argentina e brasileira do Tratado de Tlatelolco, e

do Tratado de Não Proliferação, TNP, em 1995 pela Argentina e mais recentemente,

em 1998, pelo Brasil.

Foi portanto muito singular o caminho adotado por esses dois países para implantar

salvaguardas internacionais contra armas nucleares em seus territórios. Não existe

outro exemplo de países que adotaram as salvaguardas internacionais mantendo-se

fora do Tratado de Não Proliferação, TNP, o tratado que legalizou os arsenais

nucleares dos primeiros cinco países que se nuclearizaram. O TNP tem sido

duramente criticado por outro países -- por exemplo a Índia e o bloco dos países não

alinhados – mas são somente esses dois países, com nível tecnológico suficiente para

fabricação de bombas atômicas, que mantiveram por vários anos a coerência de serem

críticos ao TNP mas permitindo inspeções internacionais de suas instalações nucleares

através de tratados alternativos.

Por vários anos, Argentina e Brasil utilizaram a possibilidade de aplicações pacíficas

de explosões nucleares para não homologarem o Tratado de Tlatelolco. Foi a

necessidade da inserção dos dois países na dinâmica das relações comerciais globais

que motivou, em 1990, a declaração conjunta de Foz do Iguaçu, assinada pelos

presidentes Fernando Collor de Mello e Carlos Menem, que possibilitou o processo de

criação de salvaguardas internacionais contra armas nucleares.

Esta cooperação nuclear entre a Argentina e o Brasil demonstrou para o mundo que

projetos nucleares rivais de natureza altamente nacionalista podem ser controlados

através de iniciativas transparentes entre as nações envolvidas. Esses acordos,

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entretanto, tiveram que esperar o fim dos regimes militares dos dois países, na

Argentina em 1983 e no Brasil em 1988, e o início dos entendimentos entre seus

governos civis. Na época, sabia-se que ambos países possuíam programas de

enriquecimento de urânio. Existia então um clima de desconfiança gerado pela

possível utilização de instalações nucleares em projetos secretos, um ingrediente

necessário em qualquer corrida armamentista, que necessitava ser eliminado.

Foram portanto providenciais as intervenções dos primeiros presidentes civis nesse

processo de abertura. Em 1987, a Argentina convida o presidente José Sarney –

sucessor de Tancredo Neves—para visitar as instalações nucleares de Pilcaniyeu,

perto de Bariloche, para enriquecimento de urânio. Em 1988, o presidente Raul

Alfonsin visita a planta de Aramar, no estado de São Paulo. Foram essas as iniciativas

transparentes que deram a tônica para todas deliberações posteriores entre os dois

países. A real necessidade dessas iniciativas foi demonstrada em setembro de 1990,

quando o presidente Fernando Collor de Mello revelou a existência de um programa

nuclear secreto. Collor garantiu entretanto que nenhum dispositivo nuclear tinha sido

construído no Brasil.

O processo democrático iniciado nos dois países durante a década de 1980, permitiu

aos seus legisladores e às organizações não governamentais como as sociedades

científicas, a promoção aberta da necessidade de mecanismos para o controle civil dos

programas nucleares. Essas campanhas certamente criaram um ambiente para

implementação dos acordos de inspeção mútua entre a Argentina e o Brasil.

O acordo Argentina-Brasil foi estabelecido em julho de 1991 em Guadalajara,

México, e ratificado pelos dois países em 12 de dezembro de 1991. Esse acordo é a

base legal para criação da agência ABACC de salvaguardas bilaterais . ABACC foi

instalada oficialmente no Rio de Janeiro em 9 de dezembro de 1992, iniciando-se

imediatamente a montagem das instalações necessárias para as inspeções. ABACC é

reconhecida internacionalmente como uma iniciativa bem sucedida. Seu corpo técnico

é formado de igual números de argentinos e brasileiros. Suas missões de inspeção são

realizadas por técnicos que pertencem às agências nucleares dos dois países, tendo

sido formado um “pool” da ordem de 60 técnicos que podem eventualmente ser

chamados para as inspeções; os brasileiros inspecionam as instalações argentinas e

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argentinos inspecionam as brasileiras. Problemas técnicos específicos são resolvidos

com a participação de laboratórios externos aos da ABACC. As atividades gerais da

ABACC (incluindo estatísticas e naturezas das inspeções) são divulgadas anualmente

ao público, em relatórios bem elaborados.

AS QUESTÕES NUCLEARES CONTEMPORÂNEAS:

Em dezembro de 1999 comemorou-se o décimo aniversário da queda do Muro de

Berlim. Em 1989, com o início da desintegração da União Soviética e do Pacto de

Varsóvia, a OTAN previa a perda de seus inimigos históricos! Em julho de 1991 o

presidente George Bush dos EEUU visita a União Soviética e, com Mikhail

Gorbachev, assina o primeiro tratado estratégico para redução mútua de armas

nucleares (START I), fruto de negociações iniciadas em 1983. Mas apenas três meses

depois, um golpe de estado fracassado em Moscou reacende os temores da Guerra

Fria: durante três dias, a potencial autorização para início de uma guerra nuclear

passou de Gorbachev para o ministro de defesa, e daí para o chefe do comando das

forças armadas!

Em 1995 a Conferência para Revisão e Extensão do Tratado de Não Proliferação,

TNP, foi concluída sem uma expressão clara de consenso. O TNP foi renovado

indefinidamente, mas a fragilidade de sua negociação minou efetivamente sua

legitimidade. Alguns dias após a extensão do TNP, a China reiniciava testes

nucleares, seguida imediatamente por testes franceses no Pacifico Sul que geraram

uma reação mundial de repúdio. A resposta das potências nucleares às denuncias

desse comportamento incoerente, principalmente por organizações não

governamentais de países do primeiro mundo, foi a de concluir rapidamente, em 1996,

o Tratado para Eliminação de Testes Nucleares. Esse tratado, que deveria ter sido

aprovado 42 anos antes quando foi proposto pela Índia, foi homologado no mesmo

ano de 1996 na Assembléia Geral das Nações Unidas, mas não se pode prever quando

entrará em vigor, e há fortes evidências de que ele não será efetivo para impedir a

modernização dos arsenais dos paises tecnologicamente avançados

A partir de 1997 todas as negociações para eliminação dos arsenais nucleares

perderam força. Nos últimos anos, as conferências de desarmamento ocorridas em

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Genebra fracassaram. Também fracassaram as conferências preparatórias para a

Conferência de Revisão do TNP, que será realizada no ano 2000. A conferência

preparatória de maio de 1998 foi encerrada sem qualquer conclusão consensual, e, na

de maio de 1999, o único consenso alcançado foi o de que era permitido discordar !

Apenas a Corte Internacional de Justiça deu ao mundo uma contribuição significativa

nesses últimos anos quando, em 8 de julho de 1996, divulgou parecer solicitado pelas

Nações Unidas confirmando “que tanto a ameaça como a utilização das armas

nucleares são contrárias às regras de conduta dos países”, e que a “as negociações

para o desarmamento nuclear global são obrigações legais dos signatários do TNP”.

Os riscos de ataques acidentais não apenas permaneceram como cresceram com o

envelhecimento dos arsenais e as dificuldades econômicas de países nucleares,

principalmente da Rússia. Um relatório do ”New England Journal of Medicine” de

abril de 1998 [”Accidental Nuclear War - A Post-Cold War Assessment” [The New

England Journal of Medicine, The Massachusetts Medical Society, April 1998],

pp1326-1331.] concluiu que esse perigo está também presente nos arsenais norte-

americanos: o relatório mostra um quadro impressionante de militares dos Estados

Unidos afastados de suas funções de operação e de manutenção de armas nucleares

por desvios comportamentais. Tem ocorrido também uma variedade alarmante de

acidentes ou incidentes nas instalações nucleares militares dos EEUU. [General Lee

Butler USAF (Ret), discurso proferido no National Press Club, Washington DC, 4 de

dezembro de 1996. General Butler comandou as forças nucleares norte-americanas].

AS QUESTÕES NUCLEARES INTERNACIONAIS E A AMÉRICA LATINA

Para surpresa de muitos, a América Latina ocupa uma liderança mundial em acordos

que superam os impasses atuais do Tratado de Não Proliferação (TNP). Existem hoje

no continente três acordos de não proliferação independentes do TNP, todos

homologados pelos signatários e de alcance abrangente quanto às salvaguardas contra

bombas atômicas. Por ordem cronológica, eles são: a) o Tratado de Tlatelelco (mais

antigo que o próprio TNP); b) o Acordo Bilateral Brasil-Argentina; e c) o Acordo

Quadripartite que envolve a Argentina, o Brasil, a Agência Internacional de Energia

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Atômica (AIAE) e a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de

Materiais Nucleares (ABACC).

O Tratado de Tlatelolco, iniciado em 1967, após a confrontação entre a União

Soviética e os Estados Unidos com a instalação de mísseis soviéticos em Cuba, foi a

primeira iniciativa mundial de criação de uma zona livre de armas nucleares.

(Exemplo adotado atualmente por, praticamente, todas as nações do Hemisfério Sul.)

Os acordos latino-americanos vêm atraindo o interesse de muitos países. A agência

ABACC está sendo examinada como protótipo de agências de inspeção que poderiam

reduzir as tensões entre países do Oriente Médio, da região sul da Ásia e da península

da Coréia. Nessas regiões, o estabelecimento de acordos semelhantes permitiria uma

maior liberdade de escolha das instalações que seriam inspecionadas. No Oriente

Médio, por exemplo, tal acordo permitiria inspeções em instalações nucleares de

Israel e em instalações químicas ou bioquímicas de países árabes. E na península da

Coréia, poderiam ser negociadas inspeções de instalações nucleares da Coréia do

Norte e de bases militares da Coréia do Sul que possam abrigar armas nucleares dos

Estados Unidos.

O AGRAVAMENTO RECENTE DAS QUESTÕES NUCLEARES E A

ATUAÇÃO BRASILEIRA

Os testes nucleares da Índia e do Paquistão, em maio de 1998, despertaram a opinião

pública mundial, especialmente, os governos dos cinco países nucleares membros

permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas– China, Estados Unidos,

França, Reino Unido e Rússia. Esses testes demonstraram que somente após a decisão

firme destes países de banir seus próprios arsenais nucleares será possível interromper

o processo gradual da nuclearização mundial. A “Coalizão para uma Nova Agenda”,

entre o Brasil e outros seis países, representa o surgimento de uma nova liderança de

países denominados “potências intermediárias”, que entendem que as negociações

para o cumprimento das obrigações expressas no Artigo VI do TNP, para o eventual

desarmamento nuclear total, não podem depender apenas dos países nucleares. A

proposta desta coalizão é realista e prática, baseada na necessidade de negociações

multilaterais para se chegar ao último estagio de uma Convenção Mundial de Armas

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Nucleares (ver artigo em Ciência Hoje de janeiro-fevereiro de 1996). A Nova Agenda

propõe medidas concretas tais como: a retirada negociada do estado de alerta das

forças nucleares das potências nucleares chaves; remoção negociada das ogivas

nucleares dos seus mísseis estratégicos; formalizar as iniciativas unilaterais já

implementadas de desmonte das plataformas de lançamento de mísseis estratégicos;

iniciar as negociações para o registro internacional dos atuais arsenais e dos estoques

de explosivos nucleares; colocar esses arsenais sob um regime de inspeção

internacional; ampliar essas inspeções para as instalações de pesquisa,

desenvolvimento e testes de componentes dessas armas; ampliar as atuais zonas livres

de armas nucleares; e desenvolver finalmente o processo de verificação necessário

para garantir um mundo livre de armas nucleares.

Em 13 de novembro de 1998, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou a

proposta da Nova Agenda por 97 votos a favor, 19 contra e 32 abstenções. Os Estados

Unidas lideraram os opositores, mas, surpreendentemente, 12 membros da OTAN não

acompanharam os EEUU e se abstiveram. Desde então, membros importantes da

OTAN, como Alemanha e Canadá, passaram a reconhecer a necessidade de reexame

da “solução TNP” para o desarmamento total global. Abriu-se também a

possibilidade de discussão interna, entre os membros da OTAN, da real necessidade

de se manter a “opção nuclear” como pedra angular de sua estratégia militar.

O fim da divisão polar do mundo não eliminou os arsenais nucleares, não cancelou o

risco de seu uso deliberado e talvez tenha aumentado o risco de destruição em massa

acidental. Grupos de cientistas da América Latina, conscientes dos atuais impasses

das negociações pró desarmamento, continuam dedicados a campanhas, algumas com

mais de duas décadas de existência, pela eliminação de armas nucleares, químicas e

biológicas. Após 55 anos de armas nucleares, os depoimentos de embaixadores,

generais e especialistas de todas as partes do planeta, salientam o perigo de armas

nucleares para os grandes centros populacionais e a fragilidade dos atuais sistemas de

segurança contra “acidentes nucleares” nos equipamentos militares nucleares de

grandes e médias potências nucleares; devendo-se incluir dentre esses, até a eventual

posse dessas armas por grupos terroristas. Continuam assim necessárias as campanhas

para exigir mudanças radicais das posturas das grandes potências. Uma solução plena

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às essas ameaças só poderá ocorrer através do controle internacional, redução e

eliminação final dos atuais arsenais nucleares.

Face à situação atual, governos de paises não nucleares e organizações não

governamentais começaram a considerar a alternativa das vias diplomáticas informais

para contornar o impasse descrito acima sobre as questões nucleares. Com este

propósito foi criado a organização não-governamental MPI (Middle Powers Initiative)

em agosto de 1999. A proposta da “Iniciativa das Potências (Estados) Intermediárias”

(MPI) é a campanha coordenada por várias organizações internacionais (não

governamentais) para promover o reconhecimento, pelas lideranças das grandes

potências, da necessidade de se libertarem da “lógica” da Guerra Fria, assumindo

iniciativas práticas e objetivas que reduzam os perigos das armas nucleares, iniciando

as negociações necessárias para sua eliminação definitiva.

O DILEMA ATUAL

Num recente encontro do MPI nas Nações Unidas (em abril de 2001)foram ouvidos

vários diplomatas e representantes de países preocupados com recentes decisões das

grandes potências,principalmente dos Estados Unidos. Jayantha Dhanapala, Sub-

Secretário-Geral para Assuntos de Desarmamento da ONU, abriu formalmente este

encontro, considerando as armas nucleares “como um vírus que contamina

progressivamente o corpo político mundial”. Dhanapala observou que existem “sinais

inquietantes“ advindos de iniciativas tais como a possibilidade de que algumas

potências estejam desenvolvendo novas armas nucleares, em aparente confronto ao

acordado no TNP, isto é, “de uma gradual diminuição da função dessas armas”. O

Embaixador Abdallah Baali de Argélia, que foi o Presidente da Conferência de

Revisão do TNP do ano 2000, preocupado com as políticas da administração de Bush

que não aparentam demonstrar interesse por compromissos multilaterais, enfatizou

que o fruto da Conferência de Revisão TNP do ano 2000 é o compromisso público

junto a ONU de “uma ação inequívoca, não ambígua“ pró eliminação das armas

nucleares. Conclui afirmando que compromissos devem ser respeitados. O

Embaixador Henrik Salander de Suécia, representante de um governo da Nova

Agenda, observa que nada indica que as 13 Etapas tenham vida além da própria

Conferência de Revisão do ano passado. Recorda que quando a Nova Agenda

apresentou o desenho de sua resolução na Assembléia Geral das Nações Unidas, no

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outono de 2000, “nossa meta era fortalecer o Tratado de Não Proliferação“. Esta era

uma decisão arriscada, continua, “por que expôs o TNP a riscos imprevisíveis… a

fim de se ampliar seus compromissos além do próprio mecanismo do Tratado“. A

impressionante aprovação da resolução (apoiada por 154 países membros das Nações

Unidas, recebendo três votos contra e oito abstenções) validou esta abordagem.

Registrando sua preocupação que a “ação inequívoca” aprovada pode ser interpretado

apenas "como palavras", Salander afirma entretanto que “há um ano atrás nós não

tínhamos nem mesmo essas palavras, agora podemos usá-las”.

Quatro peritos não-governamentais apresentaram avaliações sobre atuais posições de

capitais chaves (Washington, Moscou, Ottawa) e de outros estados de OTAN.

Embaixador Thomas Graham, Jr., Presidente dos Aliança dos Advogados para

Segurança Mundial, nos Estados Unidos, considera algumas negociações como

essenciais para o fortalecimento do TNP: (a) acordo para o término da produção de

material nuclear fissionável; (b) implementação dos Tratados START; (c) vigência

do Tratado CTBT; e (d) continuidade do Tratado ABM. Graham acentua que a

situação de desarmamento é “realmente sombria“, conceituando como “pobre” a

atuação das potências nucleares para implementação das 13 Etapas. Sua conclusão,

face ao fato de que os EUA não apresentam condições de liderança para a não-

proliferação, é que o futuro do planeta repousa agora na habilidade dos seus aliados,

da Nova Agenda e de alguns outros Estados. Alexander Pikayev, Pesquisador em

Residência no Centro Carnegie em Moscou, afirma que o governo de Putin decidiu

que a verdadeira ameaça para a Rússia “vem da sua fronteira ao sul, onde as armas

nucleares são inúteis“. Portanto, o esforço russo de renovação militar foi transferido

das armas nucleares para forças convencionais. Pikayev pondera que a União

Soviética e a Rússia fizeram “enormes concessões unilaterais“ nos últimos 15 anos,

mas que face às atuais metas dos EUA de dominar a terra, os oceanos, os espaços

aéreo e interplanetário, além da informação, “a era das concessões unilaterais russas

terminou”. Embora os possíveis cortes unilaterais armas nucleares pela administração

de Bush não “sejam uma idéia ruim“, tais cortes não seriam verificáveis nem

irreversíveis. Face às presentes circunstâncias Pikayev considera que não haverá

condições para continuidade de verificação de instalações nucleares US/Rússia após o

término do Tratado START I, em 2009. O Embaixador Christopher Westdal, do

Canadá, concorda que a perspectiva do desarmamento nuclear é “crescentemente

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sombria“ e afirma que a liderança dos EUA é “absolutamente indispensável“ para se

superar os retrocessos atuais. Rebecca Johnson, Diretor Executivo do Instituto

Acronym em Londres, avaliou o impacto dos compromissos do TNP2000 na

Conferência de Revisão da OTAN. Com base no relatório do encontro de dezembro

2000 da OTAN, que reitera o papel essencial de armas nucleares no futuro previsível,

Rebecca Johnson concluiu que o impacto do acordo na Conferência de Revisão do

TNP é “nenhum“. Ela argumenta que a OTAN está aparentemente tentando

“administrar” a atual função das armas nucleares nos seus planos militares, e sugere

uma estratégia com cinco pontos principais para pressionar a Aliança. Esses pontos

seriam: (1) tentar obter uma resposta da OTAN às 13 Etapas; (2) levantar a questão

da retirada das armas nucleares táticas da Europa; (3) induzir um aumento de

transparência para os próprios membros da OTAN; (4) fortalecer as garantias de

segurança, desafiando a insistente ambigüidade da OTAN sobre quando seu arsenal

nuclear poderia ser utilizado; e (5) contestar o compartilhamento de armas nucleares,

inerente aos países da Aliança. Richard Butler, ex-Embaixador da Austrália e

Diplomata em Residência no Conselho de Relações Estrangeiras, participou da Mesa

Redonda da Cerimônia de Instalação da Consulta, na noite de 29 de abril. Ele acentua

que as implicações profundas das armas nucleares para paz internacional devem ser

entendidas no contexto básico de que “o problema das armas nucleares é as próprias

armas nucleares”. Butler enfatiza que as políticas das potências nucleares

reconhecidas pelo TNP, dos países fora do Tratado armados com armas nucleares e

dos membros não-nucleares do TNP obstinados em obtê-las, apontam para o fato de

que essas armas “têm um futuro assegurado”. Reconhecendo o papel central dos

Estados Unidos nessas questões, Butler afirma que qualquer mudança só será possível

após mudanças da opinião pública nos EUA e nos aliados ocidentais.

Com o advento da administração de George W. Bush, surgiram mensagens que

sinalizam incertezas para todo o processo de desarmamento, em particular para o

processo de aprimoramento do Tratado de Não Proliferação, TNP. O pronunciamento

de 10 maio de 2001 do Presidente Bush, que coincidiu com o fim da Consulta de

Estratégia do MPI, afirma que o atual regime legal de contenção do uso de armas

nucleares (nuclear deterrence) não seria efetivo contra terroristas que eventualmente

adquiram essas armas de destruição em massa (weapons of mass destruction, WMD).

Bush acredita que o desenvolvimento de escudos contra mísseis balísticos é

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necessário para conter eventuais ataques terroristas. Este é a razão por que os EUA

estão revisando fundamentalmente sua postura sobre armas nucleares, incluindo aí a

função do sistema de aniquilação mútua assegurada (mutual assured destrucion,

MAD) com milhares de ogivas militares nucleares estratégicas mantidas em estado de

alerta. Um corte unilateral do arsenal nuclear norte-americano está sendo considerado

também. Mas sua motivação talvez seja a de facilitar a aceitação, pela sociedade civil,

de um sistema múltiplo de defesas contra mísseis balísticos, além de possíveis

desenvolvimentos de “pequenas” armas nucleares para neutralizar arsenais enterrados

profundamente em abrigos subterrâneos. O discurso de Bush foi ampliado pelo

Secretário de Defesa Rumsfeld quem, em seu pronunciamento de 8 maio último,

considerou a possibilidade de militarização do espaço para defesa de interesses norte-

americanos e anunciou uma nova estrutura de comando dos EUA para controlar

programas espaciais.

A intenção de Bush de modificar, e talvez até rejeitar, o Tratado Contra Mísseis

Balísticos (ABM) não só ameaça o processo de aperfeiçoamento do TNP, como

enfraquece a base dos tratados internacionais para o desarmamento. É de importância

fundamental reafirmar a primazia dos diplomas legais (the rule of law), resistir aos

planos da nova administração dos EUA mais firmemente do que se pode esperar dos

seus aliados, e enfatizar a urgência da crise do desarmamento nuclear; iniciativa esta

que não deve ser menosprezada junto aos próprios cidadãos norte-americanos.

Estes desenvolvimentos requerem uma reformulação do debate em termos

estratégicos, consistente com a liderança comprovadamente responsável que vem

sendo exercitada pelos países da Nova Agenda. As 13 Etapas aprovadas no

documento final da Conferência de Revisão do TNP, em 2000, integram um processo

multilateral, cooperativo, de ações embasadas em leis internacionais que passo a passo

levam à eliminação das armas nucleares. Contrastando com esta expectativa, em

menos de um ano da aprovação das 13 Etapas, uma facção influente da nova

administração de EUA está propondo uma ordem “global“ unilateral, a ser mantida

por ameaças crescentes, e que atentam à confiança e ao respeito ao regime de tratados

internacionais (rule of law), possibilitando uma nova corrida armamentista nuclear.

Certamente, o processo proposto pela Nova Agenda – selado no documento da

Conferência de Revisão do TNP de 2000 – oferece maior estabilidade, por ser

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diploma legal internacional, enquanto as propostas de EUA vão estimular novas

incertezas e uma perigosa corrosão da ordem internacional.

Uma estratégia para enfrentar a crise atual foi delineada neste recente encontro do

MPI nas Nações Unidas. Seus pontos principais são:

1. FIM DO ESTADO DE ALERTA (DE-ALERTING): A permanência do estado de

alerta para o pronto lançamento de mísseis estratégicos com ogivas nucleares

(diretamente ativado por eventual detecção de ação inimiga), e que abrange 5,000

ogivas dos EUA e da Rússia, é irresponsável e inaceitável, especialmente agora, com a

afirmativa do Presidente Bush no seu pronunciamento de 1 de maio de 2001, de que

“nós não somos e nem pretendemos ser adversários estratégicos”. A meta deveria ser

a eliminação global deste estado de alerta. Os EUA deveriam adotar esta meta como

elemento central de sua Revisão de Postura Nuclear, estando preparado para levar em

consideração a natureza assimétrica das respectivas forças nucleares estratégicas

(russas e norte-americanas) e oferecendo propostas significativas para a remoção

dessas ogivas de combates nucleares estratégicos do estado caracterizado pelo próprio

Presidente Bush como “prontidão com o dedo no gatilho”

2. PRESERVAÇÃO DO TRATADO ABM: O Tratado de ABM deve ser preservado e

fortalecido, por que são potencialmente sérias as conseqüências do seu cancelamento

para todo o regime de não-proliferação nuclear e desarmamento, assim como para

segurança global. Esta Etapa torna-se mais urgente após o pronunciamento do

Presidente Bush de 1 de maio último. É evidente a intenção de Bush de construir um

sistema com opções múltiplas de defesa contra mísseis balísticos, arriscando um

reinício da corrida armamentista e estimulando a militarização espacial. Na Consulta

do MPI, ficou patente a necessidade de que países com interesses políticos afins

organizem uma conferência (fora do âmbito da Conferência para o Desarmamento,

CD,) cujo mandato seria o de iniciar negociações para um Tratado para Prevenção de

Conflitos Armados Espaciais.

3. UNILATERALISMO VERSUS DIPLOMAS LEGAIS: A abordagem do

desarmamento nuclear em tratados internacionais deve ser continuada e reforçada,

jamais negligenciada. A recente resistência dos EUA a este princípio, comprovada pela

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rejeição do senado norte-americano do CTBT e reforçada pela atual tendência de

renúncia ao Tratado ABM , caso for necessário para os interesses da atual

administração, deve ser revertida, especialmente no contexto mais amplo da falta de

cooperação em outros compromissos internacionais, tais como o Protocolo de Kyoto

de Mudanças Climáticas. Entretanto, um desarmamento unilateral pode ser produtivo

se levado a cabo para apoiar, não enfraquecer, diplomas legais. A intenção de cortes

unilaterais, declarada no pronunciamento do Presidente Bush em 1 de maio próximo

passado, é bem vinda e lembra os cortes unilaterais mútuos, de 1991, promovidos por

seu pai e Gorbachev. Porém, cortes unilaterais de armas nucleares fora do âmbito de

tratados internacionais, podem ser revertidos por falta de transparência e de

verificação. Esses cortes só serão significativos se acompanhados por iniciativas que

os tornem transparentes e verificáveis, medidas que deveriam ser codificadas como

parte do processo do desarmamento.

4. IRREVERSIBILIDADE: Os estados signatários deveriam insistir que o compromisso

inequívoco assumido pelas potências nucleares reconhecidas no TNP (Etapa 6),

garanta os ganhos já alcançados no desarmamento nuclear e que não podem ser

revertidos pela possível alienação do regime de não-proliferação, conseqüência

provável da implantação pelos EUA de um sistema de defesa contra mísseis. Por outro

lado, o princípio de irreversibilidade deveria ser aplicado a todos os cortes já

realizados, incluindo, em particular, as reduções unilaterais de 1991 dos EUA e da

Rússia, o desmantelamento de armas nucleares não-estratégicas viabilizado pelos

tratados START, bem como as armas nucleares desmontadas pelo Reino Unido e

pela França. Seria parte deste processo, o re-direcionamento das atividades dos

laboratórios de armas nucleares, os quais deveriam ser acessíveis à verificação da

eliminação dessas atividades.

5.ARMAS NUCLEARES NÃO-ESTRATÉGICAS: A questão das armas nucleares

não-estratégicas necessita ser enfrentada urgentemente, já que estas seriam as

primeiras a serem utilizadas em conflitos. As sugestões consideradas foram: (1)

apoio a uma resolução de ONU sobre esta questão; (2) atuar para que estas armas

sejam localizadas nos territórios nacionais dos respectivos detentores; (3) criação

de um diploma legal com base nas declarações de 1991 de Bush e Gorbachev; (4)

formação de sistema de registro, com ampla transparência para verificação de

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dados; e (5) inclusão dessas proposições ou no START III ou num novo tratado

global.

6. RATIFICAÇÃO DO CTBT SEM TESTES DURANTE TODO O PROCESSO:

Todos os signatários do TNP estão politicamente comprometidos com o Documento

Final da Conferência de Revisão de 2000, no qual se conclama a moratória de testes

nucleares até a completa ratificação do tratado para prevenção global de testes

nucleares CTBT (Comprehensive Test Ban Treaty). Este compromisso foi enfatizado

durante a Consulta, considerando-se necessária uma atuação direta de ministros –

especialmente dos países da Nova Agenda e dos países da OTAN reconhecidos como

“OTAN-5” – na conferência sobre a Ratificação do CTBT a ser realizada em Nova

Iorque de 25 a 27 de setembro de 2001. Considera-se necessária esta participação

ministerial a fim de se obter o apoio dos EUA, sem o qual não se prevê grande

progresso. Enquanto isso, deveria ser aumentada a pressão para fechar locais de testes

nos EUA, na Rússia e China (a França fechou seu local de provas no Pacífico Sul).

7. INVENTÁRIO DE MATERIAIS FÍSSEIS: O estabelecimento de um inventário

(registro e banco de dados) de todos os materiais físseis utilizáveis para fabricação de

bombas (mais o elemento trício) é proposto para se progredir durante o impasse atual

das negociações do acordo para o término da produção de material nuclear fissionável

(Fissile Materials Cut-off Treaty). Recomenda-se o apoio ao estabelecimento de um

inventário de materiais físseis utilizáveis em artefatos militares nucleares (mais o

elemento trício), possibilitando registro e banco de dados. Este empreendimento

deveria ser conduzido por organizações não-governamentais especializadas, tais como

ISIS e VERTIC, que proveriam liderança e perícias para começar a iniciativa. Foi

observado que o Departamento de Assuntos de Desarmamento da ONU, com

orçamento para um banco de dados sobre armas de destruição em massa, poderia

considerar sua participação. É proposto que reuniões informais entre NGOs e

governos solidários sejam organizadas o mais cedo possível, com a perspectiva de

preparação de mensagem para Assembléia Geral das Nações Unidas, em setembro

de 2001.

8. PADRONIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES: Os relatórios das potências nucleares para

as conferências preparatórias do TNP deveriam ter formato com base em critérios. Esta

padronização deveria ser implementada o mais cedo possível (talvez, com o apoio do

Departamento de Assuntos de Desarmamento da ONU e participação de NGOs). Os

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relatórios deveriam ser anuais, com informações específicas (por exemplo, número de

ogivas destruídas ou desmontadas, orçamentos, estagio do processo de término de

prontidão de mísseis nucleares), que abrangessem tanto as metas como as realizações.

Estes relatórios deveriam estar vinculados ao seguintes critérios: (1) do compromisso

de “ação inequívoca (Etapa 6), que não pode ser indefinidamente adiado; (2) da Etapa

9F, que os poderes nucleares se empenhem apropriadamente nesta etapa; e (3) do sub-

parágrafo unânime 105f da Recomendação de 1996 do Tribunal Mundial. Relatórios

semelhantes devem também ser exigidos, nacionalmente, recomendando-se sua

apresentação aos respectivos parlamentos.

9. URGÊNCIA : É imperioso o reconhecimento da urgência do processo de

desarmamento nuclear. A ênfase devendo ser a conscientização do problema central

das armas nucleares: a inflexibilidade dos países que as possuem. Face aos informes

desta Consulta, revelando que nada mudou desde o acordo da Conferência de Revisão

do TNP do ano 2000, as sugestões propostas que receberam o maior apoio foram: (1)

Encorajar a proposta do Secretário-Geral de ONU para uma conferência internacional

sobre os riscos das armas nucleares. Conferência a ser considerada se a Conferência

Preparatória do TNP do ano 2002 terminar num completo impasse. A conferência

deveria ser concebida para apoiar, não atropelar, o TNP; (2) A Nova Agenda deveria

intensificar sua atuação junto aos Presidentes e Ministros; (3) A liderança da Nova

Agenda deveria levar à opinião pública o processo de desarmamento, empenhando-se

especialmente junto ao público dos EUA. (Como exemplo, foi lembrado que o

Ministro da Suécia Olof Palme fez exatamente isto na questão do Vietnã, o que

possibilitou, então, a Iniciativa das Seis Nações.) Tanto os governos como a

sociedade civil devem colaborar no atual esforço das Nações Unidas para educação

sobre desarmamento e não-proliferação.

10. NOVAS CONFERÊNCIAS: Contribuindo para o fomento da urgência do

desarmamento nuclear, a Consulta recomenda outras conferências além das

estabelecidas para o TNP e a Conferência de Desarmamento. São sugeridas: (1)

Utilizar a Conferência de Cúpula (G8) para salientar a crise de desarmamento nuclear;

(2) realização de macro conferência entre os signatários de Zonas Livre, mais

Mongólia, para fortalecer essas zonas e prover um forum para novas iniciativas; (3)

Realizar reuniões de trabalho paralelas à Conferência de Desarmamento sobre aspectos

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técnicos pendentes que são necessários para o embasamento subsidiário do

desarmamento nuclear.

GLOSSÁRIO

ABACC: O acordo bilateral entre a Argentina e o Brasil gerou a agência ABACC,

sendo complementado pelo Acordo Quadripartite, assinado em 1991. Este último

acordo possibilitou à AIEA realizar inspeções independentes nos dois países e

estabeleceu na prática um sistema de salvaguardas tecnicamente equivalente ao

exigido pelo TNP. O próprio TNP, está atualmente homologado por todos países

latino-americanos, com a exceção de Cuba.

A importância dos acordos de origem latino-americana manifesta-se nos seguintes

pontos: a) tornam as inspeções muito mais robustas, por admitir uma dupla

verificação em áreas sensíveis de instalações nucleares; b) oferecem maior

confiabilidade a todo o processo de inspeção, já que inspetores dos próprios países

participam independentemente de todo o sistema de salvaguardas; c) permitem aos

governos desses países o acesso mútuo às informações sobre as instalações do país

vizinho, o que não é previsto no TNP; e d) elimina o contexto político “Norte versus

Sul” das inspeções, já que as duas agências atuam em um mesmo plano hierárquico.

Actinídio: Elemento pesado e radioativo com número atômico maior que 89 (actínio)

e menor do que 103 (lawrêncio). A sério dos actinídios inclui o urânio (número

atômico 92), neptúnio (93), plutônio (94), e amerício (95).

Amerício: Elemento artificial fissionável que pode ser usado na produção de

explosivos nucleares. O principal isótopo, amerício-241, é gerado pelo decaimento de

plutônio-241.

Combustível nuclear de mistura de óxidos (MOX em inglês): Material composto da

mistura de óxidos de urânio e de plutônio, o que inviabiliza a utilização deste material

como explosivo nuclear.

Enriquecimento: Qualquer processo físico-químico que aumenta a concentração de

um isótopo de uma dado elemento. (No caso de urânio, trata-se do aumento percentual

do seu isótopo 235.)

Instalação declarada: Se a instalação foi notificada a agência de inspeção (no caso dos

signatários do TNP, a agência será a Agência Internacional de Energia Atômica

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(AIEA) e se está disponível à inspeção sem prévia autorização, de acordo com as

obrigações estabelecidas pelo tratado. Para os países que não possuem bombas

atômicas, as obrigações do tratado determinam que todas as instalações com

atividades nucleares devem ser declaradas. Para os cinco paises que possuíam bombas

na data da homologação desse acordo, as inspeções ocorrem apenas naquelas

instalações determinadas pelos mesmos.

Instalação não-declarada: A descoberta pela Agência Internacional de uma instalação

nuclear não declarada é considerada uma violação do TNP.

Isótopo: Os núcleos dos átomos de um mesmo elemento têm o mesmo número de

prótons mas a quantidade de nêutrons pode variar, resultando em diferentes isótopos

para o mesmo elemento. Urânio-235 e Plutônio-238 são exemplos de isótopos de

elementos diferentes.

Massa crítica: É a massa mínima necessária para manter uma reação nuclear em

cadeia. Esta massa varia com vários fatores, tais como: o tipo de isótopo utilizado, sua

concentração, forma química e, principalmente, pelo arranjo geométrico do material.

Material físsil: Material composto de átomos com núcleos atômicos que se

fragmentam quando são irradiados por nêutrons com baixa energia cinética (lentos).

Os materiais físseis mais comuns são urânio-235 e plutônio-239. O termo é

empregado para indicar plutônio e urânio altamente enriquecido do isótopo 235.

Entretanto, o urânio 233 é também físsil, assim como o amerício-241 e o neptúnio-

237.

MPI: A organização não-governamental MPI trabalha na mobilização dos interesses

políticos de “paises (poderes) intermediários”, influentes no cenário internacional, na

campanha para eliminação de armas de poder massivo de destruição. O MPI tem um

programa de esclarecimento com seminários, publicações e consultas junto aos

governos e organizações civis. Atualmente a coordenação do MPI é presidida pelo

Senador Douglas Roche, O.C., que já atuou como embaixador canadense em

conferências de desarmamento das Nações Unidas, e conta com representações em

todos continentes.

Neptúnio-237: Um isótopo artificial que pode ser utilizado como explosivo nuclear.

Neptúnio-237 é formado pela irradiação de U-235 ou U-238 dentro de um reator

nuclear.

Nova Agenda: Em 1998, uma iniciativa que aponta claramente nessa direção, isto é,

evitar a nuclearização do planeta, foi adotada por oito países. Em 9 de junho de 1988,

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os ministros das relações exteriores da África do Sul, Brasil, Egito, Eslovênia,

Irlanda, México, Nova Zelândia e Suécia, divulgaram uma declaração conjunta

denominada “A Necessidade de uma Nova Agenda para Liberar o Planeta das Armas

Nucleares” (Towards A Nuclear Weapon-Free World: The Need For A New Agenda).

Essa declaração, reconhecida atualmente como a “Coalizão para Nova Agenda”,

critica a atual postura das nações nucleares, e da Índia, Israel e Paquistão. A

declaração conclama esses países a dar início imediato às iniciativas práticas e às

negociações efetivas para a eliminação de seus arsenais nucleares: “Temos a certeza

de que as nações rejeitariam esses arsenais nucleares se estivessem devidamente

informadas dos seus perigos inerentes e das conseqüências de seu uso, e não

permitiriam que seus governos as mantivessem em nome de uma pretensa

autodefesa.”

País não-nuclear: Um país que assinou o tratado TNP, isto é, um país que permite

inspeções que confirmam a inexistência de atividades (ou utilizações de material

nuclear) não declaradas.

País nuclear: Um país que possuía arsenal de armas nucleares antes de 10 de janeiro de

1967, data da implementação do TNP. Esses paises, pela quantidade de estoques de

armas na época, foram: Estados Unidos, União Soviética (Rússia), Reino Unido,

França e China.

Paises nucleares “de facto”: Qualquer país não-signatário do TNP com instalações

nucleares não declaradas. Atualmente, são Índia, Israel e Paquistão.

Plutônio com padrão combustível: Plutônio contendo 6 a 18 % do isótopo Pu-240.

Plutônio explosivo padrão: Plutônio contendo mais de 18% de Pu-240.

Plutônio-239: Produto artificial físsil, formado no interior das barras de combustíveis

dos reatores nucleares, quando U-238 do material combustível é irradiado e captura

neutros térmicos. Este é um dos principais matérias para produção de bombas

atômicas, o que justifica a proteção e o controle dos depósitos de combustível nuclear

“queimado”, isto é, material retirado dos reatores nucleares após sua utilização para

geração de energia.

Plutônio-240: Outro material nuclear produzido durante a “queima” do combustível

nuclear. Pu-240 não é um explosivo nuclear, entretanto, o que “complica” a utilização

do combustível nuclear queimado na fabricação de bombas atômicas.

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Quadripartite: O acordo Quadripartite foi assinado em 21 de dezembro por Argentina,

Brasil, ABACC e AIEA. Esse acordo permite uma atuação independente da Agência

Internacional baseado em normas internacionais (INFCIRC/153). O Acordo

Quadripartite foi ratificado pela Argentina em dezembro de 1992 e pelo Brasil em 9

de fevereiro de 1994.

Queima de material físsil: desintegração nuclear controlada por núcleos atômicos para

geração de calor.

Quantidades significativas: quantidades mínimas para produção de uma bomba

atômica. A Agência Internacional de Energia Atômica considera que o desvio ou

desaparecimento de um estoque posto no regime de salvaguardas de quantidades de 8

kg de Plutônio ou de 25 kg de urânio enriquecidos, são quantidades significativas que

merecem providências especiais dos seus inspetores.

Reator nuclear de pesquisa: um reator construído para ser utilizado como uma fonte

de nêutrons oriundos da desintegração de núcleos atômicos.

Reator nuclear de potência: um reator nuclear construído para produção de energia

elétrica. É um reator estruturalmente diferente daqueles para produção de isótopos ou

que são utilizados como fontes de nêutrons.

Reator nuclear para propulsão naval: um reator construído para movimentar navios ou

submarinos.

Reprocessamento: tratamento químico do combustível “queimado” para separa um ou

mais isótopos (na maioria das vezes, isótopos de urânio e de plutônio).

Salvaguardas: providências ou ações definidas por tratados internacionais que

permitem que equipes de inspetores localizem, identifiquem e determinem as

quantidades existentes de materiais nucleares explosivos em qualquer país signatário

do TNP. O propósito das salvaguardas é o de evitar o desvio desses matérias para

finalidades militares.

TNP: no início da década de 1970 foi negociado o primeiro tratado internacional para

controle de materiais físseis, o Tratado de Não-Proliferação, TNP, que tem a AIEA

como seu órgão executor. Pelo TNP, são reconhecidos os arsenais nucleares de cinco

paises [Estados Unidos, União Soviética (agora Rússia), China, Inglaterra e França].

Estes cinco paises assumiram o compromisso de, eventualmente, eliminar seus

arsenais nucleares. Todos os demais paises signatários aceitam o compromisso de não

desenvolverem armas nucleares. O Brasil só assinou o TNP em 1998. Atualmente

somente quatro paises não assinaram o TNP: Índia, Paquistão e Israel (todos com

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domínio de tecnologia nuclear para montagem de bombas atômicas) e Cuba, que

condiciona sua assinatura à questão da base norte-americana na ilha.).

Unidade de trabalho de separação (do inglês Separation Work Unit): medida da

energia utilizada para separação e acúmulo de urânio ou plutônio enriquecido. Uma

grande instalação de separação atinge várias centenas de milhares de SWU. A

instalação brasileira (sob responsabilidade da Marinha), que ainda está em fase de

testes, atingirá 20.000 SWU e deveria estar pronta ainda em 2001.

Urânio altamente enriquecido: urânio no qual o percentual do isótopo 235 é

artificialmente aumentado de 0,71% (teor natural) para além de 20% -- usualmente as

bombas são feitas com 90% de U-235. A montagem de uma bomba com baixo teor de

U-235, por exemplo 20%, requer uma grande quantidade de material, quando

comparado com ~25 kg necessários para uma bomba com 90% de urânio-235.

Urânio empobrecido: uma quantidade de urânio com menos de 0,71% de urânio-235,

o percentual deste isótopo no urânio natural. Este tipo de material é um produto do

próprio processo de enriquecimento de urânio-235.

Urânio fracamente enriquecido: material urânio com teor de U-235 entre 0,71% e

20%. A maioria dos reatores nucleares utilizam urânio fracamente enriquecido, entre

3-5%.

Urânio natural: urânio contendo um teor de 0,71% de U-235.

Urânio-233: material físsil formado a partir da irradiação de tório-232 por neutros.

Urânio-235: único material (isótopo) encontrado na natureza que pode ser utilizado

para fabricação de bombas atômicas.

Urânio-238: o principal isótopo (99,3%) do urânio natural.

Zona Livre: desde 1970, por acordos internacionais, foram criadas ZONAS LIVRES

DE ARMAS NUCLEARES em várias regiões do planeta. O Brasil participa da Zona

Livre da América Latina, instituída através do Tratado de Tlatelolco. Atualmente, por

iniciativa do Brasil e da Nova Zelândia, todo o Hemisfério Sul está sendo proposto

como Zona Livre de armas nucleares.

REFERÊNCIAS

• F. Souza Barros e L.Pinguelli Rosa, “Latin-American nuclear questions: The

Brazilian case”, International Symposium on Scientists, Peace and Disarmament,

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Buenos Aires (April 11 to 15 1988), Proc. Editor World Scientific Publishing

Co., .

• F. Souza Barros, A. R. de Castro e Luiz Pinguelli Rosa, “Brazil’s nuclear shakeup:

military still in control”, Bulletin of Atomic Scientists 45 No.4, 22 (1989).

• L.Pinguelli Rosa, F. Souza Barros e S.R.Barreiros “A Política Nuclear no Brasil”,

monografia editada por Greenpeace (1992).

• José Goldemberg e Harold Feiveson, “Denuclearization in Latin America”, 14 de

dezembro de 1993, publicação do Center for Energy and Environment Studies,

Princeton University, USA.

• Odair Dias Gonçalves, “Radiação: Princípios básicos, aplicações e riscos”

CADERNOS DIDÄTICOS UFRJ , 1994.

• F. de Souza Barros, Ciência Hoje, vol.20, no.117, pp.59-61, janeiro-fevereiro

1996.

• David Albright e Kevin O’Neill, 1 “The Challenges of Fissile Material Control”,

ISIS Report, 1999.