a autoria em michel gondry
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Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais
Faculdade de Comunicao e Artes
Centro de Pesquisa em Comunicao
Habilitao: Publicidade e PropagandaOrientadora: Carolina Marinho
Autoria em Michel Gondry
Belo Horizonte/2012
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Andr Mrcio de Oliveira Lage
Joo Gilberto Versiani Anjos
Lucas Franco Ferreira
Izabella Andrade Vasconcelos
Victor Rodrigues C. A. Souza
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SUMRIO
1 INTRODUO.. 5
2 MICHEL GONDRY, O FRANCS INVENTIVO 6
2.1 Era uma vez............................................................................................. 6
2.1.1 Contexto profissional.......................................................................... 6
2.1.2 Quem ?................................................................................................ 8
2.1.3 Gondry vai Hollywood.................................................................... 12
2.2 Videoclipes imaginativos..................................................................... 13
2.2.1 Autoria compartilhada: Bjrk e Michel Gondry .............................. 17
2.3 Comerciais e filmes.............................................................................. 21
3 DESVENDANDO A AUTORIA.................................................................. 27
3.1 Cinema contemporneo....................................................................... 27
3.2 O cinema de autor................................................................................. 34
3.2.1 A Nouvelle Vague francesa............................................................... 34
3.2.1.1 A poltica dos autores..................................................................... 38
3.2.1.2 O fim da Nova Onda........................................................................ 38
3.3 Autoria.................................................................................................... 39
4 HIBRIDISMO - UMA ANLISE DA OBRA DE GONDRY.... 54
4.1 Desbravando os videoclipes.. 56
4.2 Publicidade (muito) criativa. 61
4.3 Gondry cai nas graas de Hollywood.. 66
5 CONCLUSO.. 76
6 REFERNCIAS......................................................................................... 77
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NOTA AO LEITOR
Esta pesquisa faz uso da tecnologia QR Codecomo forma de complementar
o texto. Trata-se de um cdigo de barras que, com o auxlio de umsmartphone com cmera, pode ser escaneado e lido por um qualquer
aplicativo. Automaticamente, este cdigo te levar a um vdeo ou imagem
que o ajudar a compreender melhor as informaes contidas no texto. O
uso dessa tecnologia no essencial, e muito menos obrigatria, para
entendimento do projeto, mas tornar sua leitura mais rica e interativa, uma
vez que pequenos trechos da obra de Gondry (vdeos e imagens) sero
disponibilizados atravs da mesma.Para utilizao do QR Code, voc deve ter instalado em seu celular um
aplicativo leitor de QR Codes. Em seguida, basta abrir o aplicativo e situar,
utilizando a cmera, o cdigo dentro da rea demarcada na tela do seu
smartphone. Boa experincia!
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1 INTRODUO
O nome Michel Gondry pode no ser to familiar, mas bastante
provvel que voc j tenha visto alguma de suas obras. So vrias, e tempara todo tipo de gosto: filmes, videoclipes ou comerciais. Gondry um
diretor (no s de cinema) francs e um dos mais reconhecidos da nova
gerao de realizadores. Comeou dirigindo videoclipes para sua pequena
banda francesa, ganhou notoriedade e conseguiu chegar Hollywood,
dirigindo diversos longas-metragens - o mais famoso seu segundo filme,
Brilho eterno de uma mente sem lembranas(2004), com Jim Carrey e Kate
Winslet, muito aclamado pelo pblico e pela crtica especializada.
Assim, Michel Gondry se configura como um dos principais expoentes
da produo audiovisual contempornea. Logo no incio de sua carreira, fez
parcerias de peso, como com a cantora Bjrk e com o autor Charlie Kaufman
(Quero ser John Malkovich, Adaptao), por exemplo. Dirigiu vrios
comerciais para marcas renomadas no cenrio mundial. O comercial para a
marca de roupas Levis um dos mais premiados de todos os tempos. E,
alm do filme Brilho eterno, o francs dirigiu vrios outros longas, como
Sonhando acordado (2006), Rebobine, por favor (2008) e Besouro verde
(2010). Dessa forma, Gondry possibilita um estudo aprofundado sobre a
questo da autoria na contemporaneidade.
Por sermos um grupo no qual todos os integrantes gostam muito de
cinema, escolhemos Gondry para ser nosso objeto de estudo nessa
pesquisa. Porm, queramos um tema que tivesse a ver no s com a
stima arte, mas tambm com comunicao, e Gondry torna isso possvel,
pelo fato de transitar pelos trs formatos, e, ainda, ter vrios comerciais
premiados em seu portflio. Nessa perspectiva, a proposta dessa pesquisa
analisar a linguagem audiovisual empregada pelo diretor nesses diversos
formatos - filme, clipe e comercial - e identificar as marcas autorais presentes
nas obras. Ou seja, procuraremos destacar os elementos que unem temtica
ou tecnicamente as suas obras, em geral, e que nos permite identificar uma
obra sendo de sua autoria. As marcas autorais de Michel Gondry so
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perceptveis, a ponto de assistirmos a um filme e perceber que do diretor
francs.
Dessa forma, aprofundaremos o estudo sobre autoria no mbito das
diversas produes audiovisuais do diretor e determinaremos como se d aadaptao da linguagem nos diferentes formatos, com o objetivo de
identificar e caracterizar o que faz de Michel Gondry um diretor com estilo
prprio.
Dividiremos a pesquisa em trs captulos (alm da introduo e da
concluso). O primeiro captulo ter como objetivo introduzir o leitor sobre
quem Michel Gondry, ou seja, sua biografia detalhada. O segundo captulo
trar o conceito de autoria, abordando, primeiramente, o cinema
contemporneo e depois explicando como a autoria chegou como est nos
dias de hoje, comeando com Hitchcock, ganhando caractersticas
francesas, chegando nos Estados Unidos e se espalhando pelo mundo. O
terceiro e ultimo captulo ser o momento em que analisaremos com mais
detalhes as obras de Gondry seus clipes mais marcantes, seus comerciais
inventivos e os filmes com linguagem prpria. Desse modo, conseguiremos
abordar os principais temas e conceitos necessrios para um bom
entendimento da autoria, do hibridismo e da linguagem empregada pelo
diretor francs.
2 MICHEL GONDRY, O FRANCS INVENTIVO
2.1 Era uma vez
2.1.1 Contexto profissional
Michel Gondry surge em um perodo no qual a hierarquia do cinema
estava sendo questionada. Dcadas antes, a stima arte passava por uma
crise, os filmes produzidos no condiziam com o perodo histrico e, em
funo disso, a audincia desapareceu das salas. Na dcada de 1970,
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surgem os garotos da nova era de ouro de Hollywood, Martin Scorsese,
Francis Ford Coppola, George Lucas, Steven Spielberg, Peter Bogdanovich,
entre outros. Eles abriram caminho para jovens realizadores e uma nova
linguagem. Nesse sentido, e tendo em vista que o cinema constitui orepresentante mais significativo na linguagem audiovisual, a renovao deste
formato impulsionou o questionamento de outros campos audiovisuais:
O verdadeiro terremoto, a convulso cultural que transformou aindstria do cinema, comeara a uma dcada antes, quando asplacas tectnicas debaixo dos estdios comearam a se mover,rachando as verdades absolutas da Guerra Fria - o medo universalda Unio Sovitica, a paranoia do Terror Vermelho, a ameaa dabomba - e libertando uma nova gerao de cineastas do gelo doconformismo do anos 50. (BISKIND, 2009, p. 13)
Peter Biskind conta como o cenrio da guerra contribuiu para a
transformao do cinema contemporneo. O medo pelo qual a populao
passava serviu tambm para que ela se libertasse, para que acontecesse
uma srie de movimentos premonitrios - o movimento dos direitos civis, os
Beatles, a plula anti-concepcional, o Vietn e as drogas - que combinamos
abalaram seriamente os estdios e fizeram com que o tsunami demogrfico
que so os baby boomersdesabasse sobre eles. O cinema se encontrava
demasiadamente atrasado em relao as outras artes da poca, por seremdemorados demais para serem feitos, era tambm os ltimos a reagir aos
movimentos culturais. E quando a flower power chegou aos portes de
Hollywood, chegou com tudo. Nada mais era sagrado, tudo podia ser
mudado. Era na verdade uma revoluo cultural moda americana.
Na dcada de 1980, o videoclipe tambm passou por
transformaes significativas sendo que realizadores da videoarte
comearam a experimentar o formato. Os videoclipes, que antes eram s umsimples registro, uma forma de promover a banda quando esta no podia
fazer shows, passam a ser usados como forma de expresso atravs das
imagens. A partir disto, diversos diretores do cinema comeam a criar gosto
por outros formatos imagticos: No existe mais a separao entre
cinematogrfico e televisivo, tecnolgico e artesanal. (REZENDE, 2005, p.
5). Ou seja, quem antes prezava somente por uma arte ligada ao cinema,
passa a valorizar todos os formatos do audiovisual. Tendo em vista astransformaes no cenrio audiovisual, Gondry um realizador pertencente
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a esta gerao das mutaes, e isso lhe permite negar toda e qualquer
forma de hierarquia.
2.1.2 Quem ?
Gondry nasceu na cidade de Versailles, na Frana, em oito de maio de
1963. Foi criado em uma famlia pouco tradicional e sempre aproximou seu
trabalho da relao familiar e da educao liberal e artstica que teve em
casa. Nesse sentido, desde pequeno seus pais o encorajavam e apoiavam
suas iniciativas criativas, sendo que na maioria das vezes tais criaes
estavam vinculadas ao brinquedo Lego. Constituam uma famlia apaixonada
pela msica pop, e em especial pelo trabalho do jazzista Duke Ellington .
Tendo em vista a perspectiva musical na vida de Gondry, vale pontuar que o
av do diretor, Constant Martin, creditado como sendo o inventor de um
dos primeiros sintetizadores (o claviolino), e mesmo que seu pai no
possusse o mesmo dom musical, manteve vivo esse esprito atravs de sua
loja de instrumentos, assim como a me de Gondry que era pianista. Tempos
aps a criao da loja, problemas financeiros levaram o estabelecimento a
falncia, sobretudo devido a generosidade exagerada de seu pai, que doava
instrumentos para aqueles que no possuam dinheiro para obt-los.
Contudo, antes da loja fechar, Michel Gondry e seu irmo ganharam uma
bateria e um baixo, sendo que mais tarde os irmos formariam uma banda
pop. A partir deste momento os irmos entrariam em uma jornada
experimental; no apenas no campo da msica mas tambm em uma srie
de curtas nos quais sempre tentavam quebrar barreiras tecnolgicas:
(...) foi nessa fase que Gondry passou pela experincia definitivapara o entendimento do que , ou pode ser a inspirao, algo queem seu mtodo definido do seguinte modo: as ideias surgidasquando elementos contrrios, diferentes, excludentes, se fundem.(REZENDE, 2005, p. 19)
Apesar das ambies iniciais de Michel terem sido seguir os passos
de seu av como um inventor, foi sua habilidade como desenhista que o
levou para a escola de arte em Paris. J nos anos 1980, precisamente em
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1983, enquanto ainda estava na escola, fez com que seu gosto pela msica
sasse do papel e, juntamente com amigos, fundou a banda pop Oui Oui, na
qual se tornou baterista. Apesar da dedicao de Gondry, a banda no fez
muito sucesso, durando at 1992. Contudo, a banda ainda mantm certarelevncia no cenrio cultural francs por ter Gondry dentre seus integrantes:
Quando surgiram na cena parisiense ofereceram canesdespretensiosas, se comportando como meninos inocentes em meio selva dos subrbios, a chamada cultura perifrica dava o tompara a nova e vigorosa produo musical e comportamental dapoca. (REZENDE, 2005, p. 25)
Enquanto cursava a faculdade de artes em Paris, Gondry conheceu e
se tornou amigo daquele que seria um dos grandes parceiros nos seus
futuros projetos: Pierre Bismuth. Bismuth , tambm, um francs, nascido em
1963, que fez faculdade de artes junto com Gondry. Se tornou um artista
contemporneo, tendo suas obras expostas em vrias cidades famosas,
como Nova York, Paris e Londres. Como roteirista cinematogrfico, ganhou o
Oscar, em 2005, juntamente com Kaufman, pelo roteiro de Brilho eterno de
uma mente sem lembranas.Muitas das produes de Bismuth encontram-
se ligadas a ideias de lembrana e esquecimento, sobretudo, atravs da
forma com que estes dois conceitos se articulam na mdia e publicidade. Em
2004, ano em que foi lanado o filme Brilho eterno de uma mente sem
lembranas, Bismuth apresentou um trabalho que serviu de introduo a seu
imaginrio. A exposio, intitulada Algum que eu no conheo e que me
lembra algum que voc no conhece, mostra uma srie de rostos em close
de pessoas comuns. Segundo a curadoria da exposio, a ideia seria atacar
a pretensa convico e certezas do observador quanto as suas prprias
recordaes:
Para Bismuth, as imagens cinematogrficas so a porta aberta paraa profunda investigao sobre a natureza emocional, cultural eintelectual dos sujeitos nascidos e educados sob condiesextremas: A do cotidiano feito de referncia e iluses de refernciasditadas por uma catica ordem imposta pelo que, a partir da dcadade 60 passou a ser chamado de: imprio da comunicao.(REZENDE, 2005, p. 16)
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Dessa forma, conclumos que suas ideias de Bismuth tiveram fundamental
importncia nos processos criativos e nas realizaes de obras de Gondry,
sobretudo no filme Brilho eterno que ser analisado posteriormente.
Apesar das parcerias e amizades terem rendido timos resultados nocampo visual enquanto possibilidades de trabalhar roteiros e novas criaes,
foi a capacidade inovadora do francs que fez com que ele se destacasse no
ambiente em que se encontrava, usando formas de tecnologia alternativa (o
analgico, o artesanal) como fonte de criao para suas obras: (...) em meio
ditadura do digital, Gondry prope o truque circense e a fantasia da low-
technology em um momento que poderia ser definido como um
cinematogrfico instante de tudo ou nada em sua carreira (REZENDE,
2005, p. 9). Suas produes excntricas e inovadoras como os clipes para
sua banda Oui Oui, acabam por despertar o interesse da cantora islandesa
Bjrk, e assim teramos a primeira de muitas colaboraes entre os dois: o
videoclipe Human Behavior, de 1993. Com visual extravagante, trejeitos
humanos so expressos atravs do reino animal ,deixando o questionamento
de quem de fato encontra-se no poder das situaes. O vdeo foi ao ar em
1993, impressionando espectadores do mundo inteiro: Inspirao a
misteriosa palavra-chave repetida por Gondry e Bjrk em seus
encontros. (REZENDE, 2005, p. 31). O sucesso de Human Behavior ser
detalhado em breve, bem como a parceria com Bjrk, contudo foi ela o
carto de visita para trabalhos com artistas mais alternativos; como: Rolling
Stones no clipe de 1995, Massive Attack tambm de 1995, Kylie Minogue de
2002 e Beck em 1997. Sempre procurando criar e inventar novas formas de
filmar e produzir videoclipes, Michel oferece algo novo e original em cada um
de seus trabalhos. Para Gondry, os videoclipes, no so apenas um campo
de produo e realizao, mas sobretudo um campo de possibilidades
inventivas, no qual opta por explorar emoes, o intelecto humano e formas
de percepo da realidade.
Em 1994, Michel se mudou para a Inglaterra e, apesar de ainda
produzir videoclipes contribuindo com os artistas mais reconhecidos do
momento (White Stripes, Foo Fighters), Gondry priorizou os comerciais e
realizou vdeos para grandes marcas, obtendo muito sucesso no comercial
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da Levis, Drugstore 501 (2002), que mantm o recorde como o VT mais
premiado de todos os tempos.
Apesar de dominar a tcnica, Gondry ainda se mostra receoso quanto
ao universo publicitrio:
A publicidade perigosa para um diretor: o ponto de vista tem queser expresso em vinte segundos, o que simplista demais. E odinheiro bom demais em comerciais, voc sempre est no luxo.(HIRSCHBERG, 2006)
Talvez um sentimento trivial para aqueles que esto acostumados
com narrativas mais longas do que um minuto, o comercial pode apresentar
desafios de adaptao de linguagem e estilo, contudo o comercial da Levis
que particularmente possui mais de 1 minuto, demonstra referncias e
heranas claras do conhecimento e tcnica de Gondry tendo como base os
videoclipes. Vale ressaltar ainda, que uma anlise mais minuciosa deste e
outros comerciais sero obtidas posteriormente.
Em 1997, o diretor se mudou para Los Angeles, capital mundial dos
filmes, sendo apenas uma questo de tempo para que ele tambm filmasse
seus prprios longa metragens:
Gondry afirma ter decidido promover a travessia do clipe para osfilmes em consequncia do seu contato com Bjrk, ao exibir em umcinema de Londres, um pr-estreia seu trabalho para cano Isobel:Ao ver o filme projetado sobre a tela, diante das pessoas queestavam l para assisti-lo, disse a mim mesmo que o acontecimento
levava a uma outra dimenso. (REZENDE, 2005, p. 31)
Como j constatamos neste breve histrico da vida do diretor, as obras de
Michel Gondry no seguem caminhos claros, de linhas retas e narrativa
simples. Nesse sentido, e tendo como ponto de partida a ideia de explorar
ainda mais as possibilidades de criao no campo audiovisual como um
todo, Gondry migrou para o cinema levando consigo no apenas as ideias
criativas, mas sobretudo a utilizao de tcnicas inventivas e pouco usuais.
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2.1.3 Gondry vai Hollywood
EmNatureza Quase Humana (2001), apesar de o roteiro ser escrito
pelo famoso e consagrado Charlie Kaufman, o diretor traduziu seu estilopeculiar e visual nico para a tela grande, contudo, o filme provou ser um
pouco estranho demais para o consumo de massa obtendo pouqussimo
lucro.
Porm, j aqueles que eram familiares com a obra de Gondry,sobretudo os espectadores que acompanhavam o trabalho do diretor no
campo dos videoclipes, aceitaram o filme de forma mais aberta. Em 2004,
mais uma vez Gondry se uniu a Kaufman, desta vez para contar a histria
turbulenta de um casal em Brilho eterno de uma mente sem lembranas
(2004), seu segundo longa. O filme conta com elenco estrelado: Jim Carrey,
Kate Winslet, Kirsten Dunst e Elijah Wood. Este seria seu primeiro sucesso
relativamente comercial, ganhador do Oscar de melhor roteiro original no anoseguinte (2005), com seus co-roteiristas: Charlie Kaufman e Pierre Bismuth.
Gondry ainda dirigiu mais trs filmes: Sonhando acordado(2006), Rebobine,
por favor (2008) e Besouro verde (2010). Para compreender melhor o
trabalho do diretor na stima arte, levando em considerao a pesquisa e
estudo das obras, analisaremos posteriormente trs dos seus cinco filmes.
Nesse sentido, um estudo mais aprofundado, bem como a decupagem das
obras, auxiliaro na compreenso da marca autoral que Gondry imprime em
sua carreira como diretor.
Compreendendo que a originalidade de suas obras encontra-se no
modo como escolhe e se apropria da realidade atravs da linguagem visual,
neste estudo, os videoclipes de Michel Gondry funcionam como ponto de
partida para entender e compreender este universo inventivo do diretor e,
sobretudo, o embarao entre o que figurativo e abstrato, velho e novo, em
suas obras.
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2.2 Videoclipes imaginativos
Segundo Arlindo Machado (2001), podemos considerar trs grandes
grupos de realizadores de videoclipes. O primeiro e no caso mais primitivo
de todos seria aquele que faz o clipe com o intuito meramente comercial;
ilustrao imagtica de uma cano. J o segundo, compreende uma gama
de realizadores vindos do cinema, vdeo arte, documentaristas e que em
parceria com compositores e msicos ousados, prope transformar este
campo audiovisual em um reino de experimentalismo e reinvenes.
Contudo, existe ainda um terceiro grupo de realizadores, aqueles que
encaram o clipe como forma plena e auto-suficiente, uma perspectiva mais
contempornea que busca a perfeita sntese entre imagem e som. Este
terceiro grupo seria composto por realizadores que em geral so os prprios
msicos que alm de produzirem toda composio sonora, tambm
produzem a composio imagtica. " Um fenmeno digno de meno no
universo da cultura pop" (MACHADO, 2000, p. 182). Tendo em vista nosso
objeto de estudo, Michel Gondry transitaria entre o segundo e o terceiro
grupo. Retornando a histria do realizador, devemos lembrar que Gondry
comeou sua carreira produzindo clipes para sua prpria Banda, sendo quemesmo aps ter atuado no cinema e na publicidade, continuou produzindo
videoclipes sempre com a perspectiva experimental e de reinveno. Nesse
sentido, Gondry nega (juntamente com outros realizadores) o que at ento
constitua os dogmas ou manuais de "como fazer" ou "bem-fazer
videoclipe" (modelo visvel no primeiro grupo de realizadores). Nesse
sentido, ao invs de apresentar numerosos cortes durante a msica
(concepo, at ento, padro para videoclipes), Gondry opta em muitoscasos por planos sequncia, imagens em funo do ritmo da msica e no
simplesmente pela narrativa sugerida atravs da letra. Michel faz do
videoclipe um campo de possibilidades, de reinvenes e reconstrues da
linguagem. Realiza questionamentos da realidade no apenas atravs de
ideias, mas como contexto em suas obras. Nesse sentido, imagens de forte
impacto visual, e muitas vezes enigmticas, demonstram que as formas de
criao inventivas perpassam o no usual: o estranho e a mistura detcnicas. O campo de possibilidades criativas, demonstra que necessrio
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desprender do antigo dogma de videoclipes em que existe a transio literal
da antiga e cansada dupla comercial - letra e imagem. Como analisaremos
em seguida, Gondry rasga os manuais e muitas vezes deixa os prprios
msicos em segundo plano.No videoclipe para a banda Chemical Brothers, da msica Let forever
be, de 1999, possvel observar muitas caractersticas marcantes dos
recursos criativos utilizados por Gondry. Tendo em vista a narrativa, o clipe
revela uma mulher que transita incessantemente entre o plano real e o plano
irreal chegando um determinado momento em que, nem ela, nem o
espectador, conseguem discernir o mundo real do fantasioso. Em seus
delrios, essa mulher sofre multiplicaes, bem como outros elementos que a
cercam, fortificando ainda mais uma atmosfera de interao entre dois
planos inicialmente opostos.
Em um de seus videoclipes mais inventivos e delirante, Gondry retrata o
cotidiano como forma confusa, embaralhada pela vida moderna, e como
existe uma ausncia de tempo para as percepes ldicas, faz com que o
prprio irreal invada e se mescle com a realidade para se expressar. Tendo
em vista questes de ordem tcnica, as imagens foram captadas com
cmera DVCAM e com pelcula 16 mm. Contudo, existe uma explicao para
a filmagem ter sido produzida metade em formato de vdeo e metade em
formato de filme. Em entrevista realizada para o documentrio Work of
director (2002), Michel Gondry revela que no existia a possibilidade de
realizar filmagens em cmera 16 mm no estdio porque ela era muito
grande, e no comportava no espao disponvel. Segundo o diretor, ao
comparar o resultado das filmagens, era clara a diferena das imagens.
Contudo, ao invs de fazer disso um problema, Gondry optou por utilizar este
recurso como opo esttica. Sendo assim, as imagens da mulher
caminhando na rua ou passeando no shopping foram realizadas em 16 mm,
sendo que as imagens das multiplicaes de objetos e da prpria
protagonista, multiplicada danando, foram realizadas em vdeo. Desta
forma, mesmo sem a inteno clara, neste clipe Gondry refora ainda mais a
presena de dois universos distintos no videoclipe: o mundo real (filmagem
em 16 mm) e o mundo irreal (filmagem em vdeo DVCAM). Ao se tratar de
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uma das mais brilhantes ideias do clipe (a questo da multiplicao da
protagonista), Gondry revela como de fato foi produzido:
O efeito foi criado utilizando sete dubls da protagonista, sendo quecada danarina havia uma mscara da atriz principal em uma escala
padro. No momento em que a cmera se desloca da protagonista, revelado a multiplicao. (GONDRY, 2002, p. 37)
Devemos ressaltar que Gondry busca fazer o efeito especial acontecer
quase sempre diante das cmeras, usando o mnimo de efeitos na ps-
produo. Nessa perspectiva, este videoclipe apresenta aquilo que constitui
uma grande caracterstica de seus trabalhos: misturar suportes tcnicos e
solues criativas (como foi o caso da utilizao do jogo de lentes e
maquetes de mobilirios) para gerar um produto final que questiona o nossoprprio olhar.
No videoclipe realizado para a cantora Kylie Minogue, no ano de
2002, para a msica Come into my world, Gondry utiliza uma de suas
tcnicas mais marcantes em videoclipes: a utilizao de planos sequncias
para criar um atmosfera de imerso e fascinao. Neste clipe, a cantora
Kylie Minogue caminha por um quarteiro de uma cidade e, quando volta ao
ponto de partida uma cpia da Kylie Minogue incorporada cena, sejuntando 'primeira'. Durante este processo de caminhada pelas ruas da
cidade, ao final do clipe existem 4 cantoras passeando e interagindo pelas
ruas. Junto a isso, outras pessoas que participam da cena se multiplicam e
repetem suas aes com poucas ou nenhuma variao. Como j foi dito,
este efeito foi obtido devido a filmagem em plano sequncia sobreposto em
loop, com trajetrias demarcadas para todas as pessoas que participavam
da cena e cmeras sobre trilhos sempre realizando o mesmo movimento na
mesma velocidade e tratamento de imagem na ps-produo.
Ao pensar nas concepes criativas do universo de Gondry, podemos
dizer que suas tcnicas transcendem o campo dos videoclipes, podendo ser
observadas em comerciais e filmes como Brilho eterno de uma mente sem
lembranas. Nesse sentido, e pontuando que um estudo mais aprofundado
do tema ser abordado no captulo 3, a questo de transcender o campo do
videoclipe para o campo do cinema encontra-se vinculado a utilizao de
tcnicas primrias e analgicas prprias dos primrdios do cinema. Nesse
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sentido podemos realizar uma anlise observando tcnicas e efeitos
especiais do cineasta Mlis. George Mlis nasceu 8 de dezembro de 1861
e foi um ilusionista francs de sucesso, e um dos precursores do cinema. Em
suas obras, a sobreposio de camadas, somado a um plano contnuo,revela uma sequncia de iluses que no apenas contam uma histria, mas
questionam o nosso olhar. Assim como Mlis era um exmio mgico ao
tratar a linguagem visual atravs de truques e prprias limitaes tcnicas,
Gondry resgata a magia dos truques com esquemas altamente elaborados,
mas basicamente artesanais. Apesar de Mlis utilizar tcnicas rudimentares
devido a ausncia de tecnologia, Gondry opta por negar qualquer forma de
hierarquia tecnolgica, e demonstra que no existe mais a separao entre
tecnolgico e artesanal. H apenas o reino das imagens e dos sons em
acelerao.
Seguindo a lgica da transposio tcnica de um formato para outro,
o videoclipe realizado para os Rolling Stones, da msica Like a Rolling
Stones, de 1995, utiliza uma nova tcnica jamais vista que contm os
primrdios do chamado efeito Bullet time, consagrado no filme Matrix (ser
explicada detalhadamente mais a frente). A tcnica utilizada no clipe tambm
foi aplicada no comercial da bebida Smirnoff, de 1998, ressaltando o conceito
de que o hibridismo nas linguagens audiovisuais perpassa as tcnicas
criativas. Um conceito sustentado no apenas atravs das amostragens dos
trabalhos de Gondry,mas, sobretudo, em consequncia do fluxo entre
linguagens que se fundamenta na contemporaneidade. Um fluxo marcado
pela interao entre linguagens, que ao entrar em contato ,acabam se
interagindo, se modificando e, sobretudo, se unindo. Um estudo mais
aprofundado acerca da interao entre as linguagens ser analisado e
demonstrado posteriormente no Captulo 3. Retornando ao conceito de
utilizao tcnica no videoclipe da banda Rolling Stones, segundo o diretor,
ele teve a ideia pois seu av havia feito parte do Clube de Teatro Francs e
estava sempre mostrando pequenos projetos de imagens surreais e como
efeitos 3D funcionam no crebro. Ainda segundo Gondry, o efeito 3D obtido
porque os nossos dois olhos possuem diferentes perspectivas, e como o
crebro tenta junt-las, acaba reconstruindo a perspectiva em uma outra
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dimenso. Outro efeito do vdeo, e que tambm consistiu em uma das
caractersticas marcantes nos trabalhos de Gondry, o efeito de captao
que permite a distoro da imagem. Segundo o diretor, ele estava buscando
novas formas de explorar o efeito de morphing (ou fuso), muito utilizado emseus trabalhos. Sendo assim, a tcnica consiste em fazer fotos que
funcionassem como uma srie de frames por segundo e depois un-las como
sendo uma imagem s. O resultado final faz com que o personagem em
cena distora. Tendo em vista a narrativa do clipe, ambos efeitos buscam
simular os sintomas de embriaguez e delrios da protagonista em busca de
drogas.
Neste trabalho do diretor fica a impresso de que o mundo real pode
ser distorcido e irreal, com um simples movimento. Uma constante inter-
simbiose entre o corpo e o mundo.
2.2.1 Autoria compartilhada: Bjrk e Michel Gondry
Compreendemos que Michel Gondry e a cantora Bjrk no
representam apenas uma parceria de sucesso, mas sim o aprofundamento e
extenso da linguagem som e imagem. Nesse sentido, optamos por separar
os trabalhos realizados pela dupla, uma vez que encontram-se engajados no
que chamaremos de autoria compartilhada. Ou seja, a criao de novas
perspectivas sustentadas pela experimentao sonora e visual, sem o apego
frmulas de produo ou a necessidade de sentido lingustico:
Os campos de produo cultural propem, aos que neles estoenvolvidos, um espao de possveis que tende a orientar sua buscadefinindo o universo de problemas, de referncias, de marcasintelectuais (frequentemente constituda pelos nomes depersonagens-guia), de conceitos em ismo, em resumo, todo umsistema de coordenadas que preciso ter em mente o que noquer dizer na conscincia para entrar no jogo. (BOURDIEU, 2005,p. 53)
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No incio da dcada de 1990, quando Bjrk e Gondry comearam a
realizar a parceria, encontra-se consolidado o que Arlindo Machado em sua
obra A televiso levada a srio denomina como: "A reinveno do
videoclipe". Um cenrio onde os videoclipes deixam de representar apenas afigura do msico como ferramenta de marketing para fidelizar os fs, mas
para expressar representaes artsticas e um novo campo de
experimentao visual. Nesse sentido, nota-se a valorizao generalizada do
trabalho de diretores (emergentes da videoarte, cinema, documentrio),
sendo que a MTV norte-americana, passa a indicar o nome dos diretores e
profissionais que realizaram o videoclipe no incio e no final de cada obra.
Tendo em vista este cenrio de reinveno do videoclipe, devemos
pontuar que em muitos destes "novos" clipes, o resultado suscitado no
apresenta-se apenas como produto do artista musical ou do diretor, mas sim
de uma colaborao entre ambas as partes geradoras de sentido. Para
justificar e compreender esta autoria compartilhada, adentremos no universo
de Bjrk e Michel Gondry, tendo em vista uma descrio do videoclipe
Human Behaviour.
Quando trabalhei com a Bjrk ela veio com 60% ou mais das ideias.
Eu no me importei, seria estpido de recusar as incrveis coisasque estavam vindo na minha cabea. (GONDRY, 2002)
Logo no incio do clipe, em um ambiente noturno, observa-se um
carro avanar por uma estrada ao mesmo tempo em que um ourio a
atravessa. Visto de longe, o carro apresenta-se bem pequeno em
comparao ao ourio exibido em primeiro plano. Segundo a anlise do
terico Rodrigo Ribeiro Barreto, doutor em Comunicao Social, tal
manipulao de propores deixa claro que no se define de pronto quemest submetido a uma real situao de perigo no universo. Acompanhando a
direo de arte do clipe (composta sobretudo por texturas de papis e
tecidos), a aparncia da protagonista em Human Behaviour combina e
contrasta elementos naturais e sintticos. Proposta, esta, que coloca em
questo a relao central do clipe: a relao homem/animal. Seguindo no
mbito da composio artstica, podemos observar que a viso geral da casa
na verdade representada por uma miniatura em brinquedo, reafirmando-seassim o compromisso de Michel Gondry com a esttica artesanal e simples,
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que reverbera na construo da casa, figurino, cenografia e at nos efeitos
visuais do clipe. Contudo, afirmaes do prprio diretor revelam que muitas
foram as razes e causas para esta opo esttica, tendo em vista desde
opes pessoais de Gondry, at o nmero limitado da equipe de produo:Naquela poca, eu estava realmente com este sentimento de ficarem uma pequena casa na floresta prximo natureza. Nsconstrumos um cenrio de floresta ou uma pequena rea naturalapenas indo at o jardim e coletando grama, musgo, galhos, folhas.Tudo tinha esta qualidade de feito mo porque ns ramosapenas trs pessoas. (GONDRY, 2002)
Em entrevista concedida para o documentrio Work of director, que conta
um pouco da sua trajetria profissional, Michel Gondry revela que seu amigo
possua um pequeno estdio na floresta a aproximadamente cemquilmetros de Paris. Segundo Gondry, chegando ao local ele foi inspirado
por coisas como uma mosca que ficava se debatendo na luz, a cor do cu, a
noite, a luz batendo nas rvores durante a tarde e outras coisas prprias
daquele contexto: "Eu coloquei essas imagens na histria sem precisar
justific-las. Aquilo j estava incorporado no ambiente, apenas buscamos
novos sentidos para explorar o que estava dado (GONDRY, 2002). Segundo
o diretor, outra inspirao marcante para o clipe Human Behaviour foi ocurta-metragem The Hedgehog in the fog (Norstein, 1975). Um filme que
busca retratar o sentimento de estar na floresta em meio a neblina, e
segundo Gondry, essa perspectiva maravilhosa para desenvolver e
climatizar as sutilezas de uma ideia. Realizando um estudo mais
aprofundado do videoclipe e tendo em vista a linguagem empregada por
Gondry em suas outras obras, podemos observar que em seu primeiro
longa-metragem, Natureza Quase Humana(2001), a traduo das cenas nafloresta previstas pelo roteirista Charlie Kaufman, so transpostas no
videoclipe Human Behaviour. Esta concepo permite compreender que
Gondry tem uma tendncia a representar a natureza com traos simples,
claramente artificiais, movimentos pouco fluidos ou mesmo mecanizados.
Essa articulao imagtica aparentemente paradoxal, prope no apenas
destacar e demonstrar a ambiguidade temtica presente em suas obras,
mas, sobretudo, traduz uma atmosfera de estranheza e nonsensebuscadopelo diretor. claro, contudo, que o espectador compreende esta esttica
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"artificial", mas estando ela incorporada coerentemente por toda a estrutura
narrativa do videoclipe. Logo, aquela esttica de estranhesa passa a ser
compreendida como um mundo possvel e ao mesmo tempo que ldico,
tambm real:
Bjrk falava em um mundo abstrato que muito inspirador.Seguindo essa linha criativa ns podemos criar algo muito rico ediversificado por que no temos que explicar tudo. (GONDRY, 2002)
Alm de opinies compartilhadas, evidente no resultado final a
preocupao e a constante interlocuo da concepo visual prpria de
Michel Gondry, com a concepo sonora prpria da Bjrk. Nesse sentido,
observa-se a ateno do diretor s diversas peculiaridades da cano, bem
como as possibilidades de criao tendo em vista sua letra e melodia:
"Human Behaviourcombina o canto quase declamado da artista com uma
base rtmica marcada por tambores e depois completada com batidas de
programao eletrnica" (BARRETO, 2007). O importante, no videoclipe
Human Behaviour de 1993, no contar uma histria com princpio, meio e
fim, mas sublinhar o protagonismo de Bjrk, desdobrando-a em articulaes
imagticas que fogem do senso comum e da linearidade. A ideia estarialigada ao transporte de sentidos/significados, poderes/capacidades tendo
como ponto de partida a personagem de Bjrk nas circunstncias
fantasiosas criadas: "Nas mais complicadas e abstratas ideias, Michel est
apenas procurando uma coisa: extrair a grande magia e o mistrio das
coisas" (BJRK, 2002). Em suma, a anlise contexto-textual de Human
Behaviour permite compreender que a noo de autoria compartilhada
proposta nesta pesquisa vislumbra que os trabalhos de Bjrk e Gondry sorecheados por sentidos que no pertencem a ningum especificamente, mas
h uma ideia de produo coletiva proveniente da interlocuo existente
entre msica e imagem. Nessa perspectiva, as possibilidades de criao
provenientes das letras musicais realizadas por Bjrk, juntamente com a
esttica experimental e diferenciada prpria de Michel Gondry, culminam em
um resultado singular, com narrativa prpria e desapegada de sentidos
literais: "Ambos queramos criar algo singular, e a msica ajudou em muitopara criar essa atmosfera" (GONDRY, 2002).
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Na sequncia, adentraremos no universo dos comerciais e filmes de
Gondry. Compreendendo melhor no apenas suas obras, mas tambm de
que forma estes filmes e comerciais se interagem e pertencem a este reino
de imagens e sons despregados de qualquer forma de hierarquia.
2.3 Comerciais e filmes
Gondry, aps experimentar na direo de videoclipes, foi convidado a
dirigir diversos comerciais, devido ao seu estilo nico de realizao. Dirigiu
comerciais para Nike, Adidas, Polaroid, Air France, Levis, Gap, HP, Smirnoff,
Coca-Cola e Motorola.
O comercial da vodka Smirnoff, Smarienberg (1997), da agncia
britnica Lowe and Partners, um dos que mais mostra suas caractersticas
peculiares, que o fazem o diretor que . Nele, o Michel usa a sua imensa
imaginao pra criar um comercial com cara de curta-metragem de ao de
01m10s de durao. Logo no incio do comercial, Gondry utiliza-se de uma
tcnica na qual foi pioneiro: a tcnica Matrix, ou melhor Bullet time. Alm
dessa tcnica, um efeito muito usado nesse comercial a Fuso: objetos ecenrios virando outras coisas, ou seja, uma cena interagindo com a
prxima. Por exemplo, a bala do revlver vira uma abelha voando na
prxima cena; ao sair da janela de um apartamento/casa, na verdade esto
saindo de um navio etc. So efeitos que do incrvel agilidade e dinmica ao
comercial, que parece passar em poucos segundos. Outro ponto importante
de se observar que o comercial no tem slogan ou sequer uma frase,
mostrando a confiana que a marca tem no diretor, que foi capaz que criaruma obra de destaque que passou bem o conceito da vodka.
Gondry tambm dirigiu um comercial para a Motorola, o Razr 2
(2007), da agncia norte-americana Cutwater, no qual utiliza-se do que
vamos chamar de artesanato digital, uma de suas marcas mais destacveis.
Ele faz uso de cenrios e objetos de verdade: paredes de papelo, papel
celofane, ao invs de usar de tecnologia computacional de ponta para criar o
universo do comercial. A partir desse artesanato, Gondry passa a brincarcom o ritmo da e, mais uma vez, usa a tcnica da fuso para mostrar a
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personagem em diversos ambientes em que pode se curtir uma boa msica.
Objetos, que no sabemos se foram criados no computador ou
artesanalmente, dominam a cena. A imaginao de Gondry vasta e
podemos ver certa influncia do Surrealismo (no sentido de subverter algica convencional) em diversas de suas obras e essa uma delas.
Gondry fez um comercial para a Coca-Cola, Snowboarder(2000), da
agncia japonesa Buf. Alm da tcnica do Bullet Time, podemos perceber
uma outra tcnica recorrente em seu trabalho. Usada tambm no clipe Joga
da Bjrk, a tcnica consiste em congelar a imagem e usar um movimento de
cmera em panning(a cmera se movimenta no mesmo eixo na vertical ou
horizontal) no qual ele vai e volta na mesma imagem. Ele faz isso vrias
vezes. Como podem ver um pouco difcil de explicar. Mas uma tcnica
que marca algumas obras de Gondry e assim podemos perceber
semelhana entre elas. O comercial consiste em mostrar um snowboarder
executando uma manobra em uma montanha de neve enquanto alguns
espectadores observam e vrios deles esto consumindo Coca-Cola. Gondry
mostra uma lata logo no momento em que se abre (congelando a imagem e
utilizando a tcnica de cmera). Em outro momento mostra uma pessoa
tomando uma garrafa no bico. O comercial e a tcnica so eficientes e
passam bem a identidade da marca Coca-Cola.
O comercial para a Polaroid, Resignation(2006), tambm foi feito pela
agncia Buf, mas, dessa vez, na Frana. Tambm faz uso da tcnica
empregada no comercial da Coca-Cola. Em termos mais tcnicos, consiste
em captao de imagens em quatro frames por segundo e transio entre
um frame e outro, com o objetivo de completar os vinte e quatro frames
necessrios para a composio. O efeito obtido uma leve distoro nas
cenas. Gondry brinca com esse efeito durante todo o comercial que tem
durao de um minuto e acompanha um jovem que foi demitido da empresa
de onde trabalhava e como vingana deixa uma foto (feita com uma cmera
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Polaroid) de lembrana para sua chefe. Um comercial visualmente muito
bonito e que corresponde bem com a marca Polaroid.
Esses comercias, e ainda vrios outros, como citado acima, abriram
portas para Gondry comear a pensar em longas-metragens. Com o seu
nome j conhecido no mercado e nos Estados Unidos, Michel migra para os
filmes. Isso aconteceu a partir do ano de 2001, quando dirigiu seu primeiro
filme.
Natureza Quase Humana (2001), foi o primeiro filme de MichelGondry, em parceria com o roteirista Charlie Kaufman. O filme no foi muito
bem recebido nem pela crtica nem pelo pblico. Por ser um fracasso de
bilheteria, Gondry passa a ter um certo medo de fazer filmes com um
oramento muito grande, temendo perder dinheiro.
Michel Gondry dirigiu, em 2004, seu segundo longa: Brilho eterno de
uma mente sem lembranas. A ideia do filme comeou quando Gondry ainda
cursava a faculdade de artes, em Paris, em uma conversa com seu amigoPierre Bismuth (como j dito anteriormente). A ideia de Bismuth era enviar,
aleatoriamente, cartes de aviso dizendo que sua memria tinha sido
apagada. Mais tarde, isso se tornaria a base para o filme.
No longa, Joel (Jim Carrey) descobre que Clementine (Kate Winslet),
sua, at ento, namorada, utilizou um servio que apaga da memria todas
as lembranas nas quais ele estivesse presente. Com a dificuldade em lidar
com a perda e o fato de, na cabea de Clementine, aquela relao jamais
tivesse existido, Joel acaba recorrendo ao mesmo servio. Assim, o filme se
passa na mente do personagem principal, Joel.
Entre memrias do seu relacionamento e lembranas de diversos
momentos da sua vida, ele luta para impedir que o processo executado, ao
se dar conta que aquelas lembranas eram essenciais para seu crescimento
enquanto pessoa.
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A temtica distancia-se do filme-padro hollywoodiano, assim comoem quase todos os filmes escrito por Charlie Kaufman. Gondry parece ter
sido escolhido para a direo muito em funo da sua capacidade em
retratar o imaginrio, que pde ser constatada em vrios de seus videoclipes
e comerciais, e, principalmente, no filme Natureza Quase Humana, que,
como dito, tambm fora escrito por Kaufman.
Nessa parceria, Michel Gondry deixa transparecer sua tendncia para
o analgico, deixando os efeitos especiais para momentos em que elerealmente se fizesse necessrio. Portanto, notvel que solues incomuns
fossem utilizadas na construo do filme, de forma a fazer daquele
imaginrio retratado, um ambiente no to virtual, permitindo assim uma
melhor interao do mundo real com o inconsciente. O Ardil ilusionista
mais realista do que o efeito especial. (REZENDE, 2005, p. 19).Toda essa
linha de filmagem, assim como tcnicas de direo que Gondry optou por
utilizar, foram necessrias para imprimir em Brilho eternoa mesma essnciaque permeava o roteiro de Kaufman.
Sonhando acordado(2006), o terceiro filme de Michel Gondry. o
primeiro longa em que Gondry tambm o roteirista. Nos filmes anteriores,
Gondry tem como base roteiros de seu colaborador assduo, Charlie
Kaufman. Apesar dessa troca de roteiristas, o filme mantm uma
semelhana temtica com o anterior (Brilho eterno de uma mente sem
lembranas, de 2004).
Sonhando acordado acompanha um jovem criativo que tem
problemas em diferenciar sonho da realidade. Ao conhecer uma garota, que
sua vizinha, tenta conquist-la, mas sempre tem problemas ao achar que a
realidade um sonho ou vice-versa. Enfrentando problemas tambm no seu
novo trabalho, Stephane precisa encontrar um jeito de no perder tudo com
que se importa.
Um roteiro adequado para que Gondry coloque suas experimentaes
artsticas em prtica. A partir de um tema surreal (realidade versus sonho/
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alucinaes), o filme acaba sendo bastante realista e Michel Gondry usa a
tecnologia a seu favor como uma potncia criadora. Mas isso no faz com
que o diretor francs deixe de lado o uso de tecnologia mais primitiva. Pelo
contrrio, f tambm do analgico e do artesanal, Gondry cria cenrios queparecem sair de uma pea de teatro. Papelo, algodo, funcionam como se
estivssemos entrado na cabea confusa do protagonista. Alm disso,
vemos muito o uso da tcnica fotogrfica Stop motion, que consiste em
animar, dar movimento a objetos inanimados. A imaginao no tem limites
nem para o protagonista e nem para Gondry. A narrativa confusa e tem que
ser assim: a histria de amor que se desenvolve ao longo do filme anda lado
a lado com as fantasias, memrias, sonhos que esse amor pode causar. Ou
seja, o diretor tem liberdade total para ser confuso. E Gondry no falha.
Em Besouro verde, filme de 2011, Michel Gondry faz sua estreia no
tipo de filme padro hollywoodiano. No que os outros no fossem
comerciais, afinal, Jim Carrey e Kate Winslet so consagrados atores docinema norte-americano, mas os filmes de Gondry sempre imprimiam uma
temtica filosfica, repleta de simbolismos, que caracterizam filme de arte.
Com relao esttica desses filmes, Gondry sempre se manteve fiel ao seu
estilo mais abstracionista e, curiosamente, ao sair da temtica qual estava
habituado ao dirigir Besouro verde, buscou criar uma identidade prpria no
filme. O filme foi escrito por Seth Rogen e seu parceiro de roteiros, Evan
Goldberg. Alm de escrever, Rogen tambm protagonizou a obra, imprimindo
bem seu estilo de humor que distancia-se dos demais em Hollywood. Humor,
este, que habita um ponto entre o trash,o humor bobo comumente visto no
Saturday Night Livee nos filmes de Adam Sandler e o humor inteligente,
sagaz.
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Como possvel notar, um tipo de comdia bem peculiar, que nem
sempre funciona, por exigir um pblico que as vezes especfico demais.
Para cuidar da direo de um filme que envolvesse ao, mas que
pudesse sempre transmitir esse humor que no pastelo demais, nemmuito inteligente, seria necessria uma esttica diferente, que remetesse aos
filmes ingnuos de dcadas passadas. Com um oramento muito grande,
por ser um filme com pretenses de se tornar um blockbuster,a escolha para
a direo caracteriza a necessidade de ser fazer um filme que teoricamente
seria difcil de sair do papel. A genialidade de Michel Gondry parece ter sido
essencial na sua escolha para a direo, mas seus trabalhos anteriores
foram o que o levaram de fato a dirigir Besouro verde.
Baseado em um programa de rdio da dcada de 1930, o filme narra
a vida de Britt Reid (Seth Rogen), um jovem irresponsvel que acabara de
herdar a fortuna e o jornal de seu falecido pai. Decidido a fazer algo com sua
vida e ao descobrir que Kato (Jay Chou), um dos empregados de sua
manso, um genial inventor e especialista em artes marciais, os dois
passam a combater o crime, porm decidem por passar a imagem de viles
ao invs de super-heris. O teor fantasioso do filme exigiu de Gondry uma
direo das cenas de ao que beirassem o surreal, sempre com o intuito de
enfatizar o teor humorstico do filme.
Em suma, a vida de Gondry aparenta ser como em seus filmes, clipes
e comerciais, uma espcie em construo, inacabada e imprevisvel. Ele
realiza viagens pela arte, imaginao e tcnica procurando a trilha e o
desdobramento para o desaparecimento de um modo padro de pensar e
produzir imagens.
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3 DESVENDANDO A AUTORIA
3.1 Cinema contemporneo
A linguagem do cinema, atualmente, est bem desenvolvida e grande
parte do que aparece de novo , na verdade, uma re-estilizao de algo que
j foi feito no s no aspecto tcnico, mas em diversas reas
cinematogrficas. O aspecto visual, que coordenado, no geral, por diretor,
fotgrafo e diretor de arte, tambm j foi explorado com grande intensidade,
de forma que, atualmente, exista um pouco de estagnao criativa em
Hollywood, que insiste (com sucesso), atravs de seus principais diretores,
em utilizar os padres criados ao longo da histria do cinema, uma vez que o
retorno de bilheteria praticamente certo.
No muito diferente o que acontece no cinema, hoje largamenteinfectado pelos blockbusters de Hollywood e voltadoprioritariamente para a produo de descartveis para as salas deexibio em shoppings centers. Por que deveria a televiso pagarsozinha pela culpa de uma mercantilizao generalizada dacultura? (MACHADO, 2001, p. 10)
Com a criao da televiso, o cinema tambm se viu em situaodelicada. Muitos crticos apostavam no fim do cinema num futuro prximo.
Na efervescncia dos anos 1980, alguns observadores e cineastaspareciam j convencidos de que o cinema no tinha futuro. Com oavano da televiso e a chegada do videocassete, viam-se ento assalas se esvaziar e fechar s centenas. Na Gr-Bretanha, naAlemanha, na Itlia, a produo de longas-metragens despenca. Osestdios de Hollywood so comprados por investidores estrangeirose multinacionais cujas principais fontes de lucro so exteriores aocinema. (LIPOVETSKY, 2007, p. 12)
Mas o fato que mudou-se a forma de fazer cinema com a chegada
de novas formas de assistir aos filmes. Com a necessidade de novos longas
para preencher as grades de horrio das redes de televiso, viabilizou-se a
produo de longas com menor oramento, e isso implicava , muitas vezes,
em um filme de qualidade inferior:
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() ao mesmo tempo que se torna uma tela entre outras, eis que ocinema, numa configurao que pouco tem a ver com o que eradesde a origem, se apresenta agora numa mini-tela porttil, com apossibilidade de congelar a imagem, voltar atrs, escolher a lnguade dublagem. Eis tambm que, abandonando a tradicional sesso
em salas de cinema, passam a ser produzidos filmes especficospara consumo fast food em tela nmade, no ultrapassando trsminutos. Mais do que nunca se coloca a questo do gnero cinema,da identidade incerta do cinema. (LIPOVETSKY, 2007, p. 13)
A chegada da televiso, alm de determinar uma mudana na
linguagem e na forma de produzir e ver cinema, acabou tambm por
influenciar no declnio da quantidade de salas de exibio. E isso foi um fator
determinante para que fosse criado um grande circuito. O cinema foi
afunilando-se, de forma que apenas as grandes produes tivessem adevida ateno da mdia e das salas de cinema restantes. Obviamente ainda
existe resistncia, com diversas salas que se restringem a exibir o cinema de
arte, mas normal que o espao dado ao cinema inovador diminusse com o
tempo:
Com o avano da televiso e a chegada do videocassete, viam-seento as salas de cinema esvaziar e fechar s centenas. Na Gr-Bretanha, na Alemanha, na Itlia, a produo de longas-metragensdespenca. Os estdios de Hollywood so comprados porinvestidores estrangeiros e multinacionais cujas principais fontes delucro so exteriores ao cinema. A poca v desaparecer as salas dearte, o cinema experimental, e triunfar a lgica do box-office, dosblockbusters, das frmulas calibradas e sem riscos (filmes de ao,continuaes, remakes). (LIPOVETSKY, 2007, p. 14)
Outro fator que influencia essa dificuldade de sair do usual no meio
cinematogrfico o fato do modelo utilizado em Hollywood j ter sido
aprovado, ao longo dos anos, pelo pblico. Pode-se dizer, at, que o pblico
foi educado a gostar do cinema da forma como ele hoje e, por se tratar de
uma indstria bilionria, no conveniente aos estdios colocar toda essa
identificao a perder na busca por inovao. Existe, portanto, uma falta de
liberdade criativa aos diretores e artistas em geral no cinema. Dessa forma,
estranha-se quando vemos um filme to experimental como A rvore da Vida
(Malick, 2011) que , alm de ter contado com um oramento de 30 milhes
de dlares, teve muito reconhecimento da crtica (o filme recebeu trs
indicaes ao Oscar e venceu a Palma de Ouro, em Cannes), j que trata-se
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de um filme com um tema pouco abordado, tratado de forma abstrata e cheia
de simbolismos.
Mas o fato que, atualmente, o cinema experimental tem seu espao
bastante limitado no cinema de grande oramento. No vivel aos estdios
investir muito dinheiro em filmes que no se apoiam na frmula padronizada
para o cinema, criada em Hollywood, por esse motivo, os filmes
experimentais esto mais presentes na cena alternativa, que engloba os
filmes de baixo oramento e alguns poucos grandes investimentos dosestdios de Hollywood.
A exploso quantitativa esconde uma menor diversidade flmica?No o que acontece: se os filmes de grandes oramentos (osfamosos blockbusters) fazem estardalhao, observa-se tambm umcrescimento de filmes personalizados de menor custo que causamentusiasmo. (...) longa a lista dos filmes que agora encontram umgrande pblico afastando-se dos caminhos batidos. (...) comhistrias simples, o cinema contemporneo pode obter umestrondoso sucesso popular demonstrando audcia, inventando
situaes atpicas ou novas atmosferas poticas. (LIPOVESTKY,2007, p. 15)
Toda essa limitao impede que grande parte dos diretores busque
alternativas na concepo de seus filmes. Porm, o mercado criativo vem
encontrando um bom pblico, que acolhe criaes que fogem ao padro
hollywoodiano. E esses filmes, por terem um baixo custo de produo,
acabam sendo distribudos por estdios de grande e mdio porte, uma vez
que trata-se de uma aposta que no representa uma grande perda, caso nofaa sucesso:
Hoje, um grande estdio como a MGM aposta precisamente emprodutoras independentes com oramentos de filmes maismodestos, porque "os grandes estdios no sabem mais produzir".Nos Estados Unidos, o cinema independente, que em vinte anosconseguiu conquistar um verdadeiro lugar, lana agora filmes debaixo oramento, s vezes distribudos por grandes produtoras queassumem riscos, filmes que chegam a representar um tero das
receitas de box-office. (LIPOVESTKY, 2007, p. 15)
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Vez ou outra, grandes blockbusters incorporam essa ala inventiva do
cinema, permitindo que filmes mais artsticos porm mantendo o apelo
comercial atinjam o grande pblico, a exemplo de Alice no Pas das
Maravilhas (2010), do diretor Tim Burton, que, segundo o siteboxofficemojo.com, fez mais de 1 bilho de dlares mundialmente, sendo
esta a dcima maior bilheteria do cinema de todos os tempos. Nota-se que a
necessidade cria a ocasio adequada para que a incorporao do cinema
underground seja feita pelos estdios. Alice um filme de contedo
fantasioso, a histria por si s j fantstica neste aspecto, o que permite
uma abordagem visual mais agressiva, que fuja do que estamos
acostumados a ver nas telas:
preciso abandonar a ideia segundo a qual o cinema de grandepblico no poderia gerar outra coisa seno obras indigentesincapazes de tocas a sensibilidade autntica dos espectadores. Adespeito das exigncias de rentabilidade e da influncia crescentedo marketing, o cinema tende a se enriquecer criando obras cujosgneros, personagens e roteiros so menos "ortodoxos", maisheterogneos, mais imprevisveis. (LIPOVESTKY, 2007, p. 16)
Tim Burton foi a escolha para a direo em funo de seus trabalhos
anteriores, que evidenciaram sua capacidade em criar mundos com uma
atmosfera fantstica, como fez em James e o Pssego Gigante (1996), A
Fantstica Fbrica de Chocolate(2005), A Noiva Cadver(2005) e Sweeney
Todd (2007). Todos esses filmes com direo de arte bem trabalhada e
exuberante, o que acabou por ser uma das principais marcas de Tim Burton.
Alm do aspecto visual, muito evidenciado pela direo de arte e fotografia
de seus filmes, o diretor tambm marcado pelos temas que o acompanham
em sua carreira, que geralmente so ligados fantasia, o que permite que
Burton implemente seu humor caracterstico na maioria deles. Por ir to ao
contrrio das produes dos grandes estdios de Hollywood, Tim Burton
acaba por ser um diretor nico, capaz de ser identificado em cada trabalho
seu, justamente por sua forma peculiar de dirigir seus filmes. Talvez em
algumas produes, como Planeta dos Macacos(2001), seja um pouco difcil
identificar caractersticas do diretor, mas ele no deixa de inserir um clima
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sombrio em cada um de seus filmes, que uma de suas especialidades, e o
que faz de melhor.
Outra curiosidade, que por ser uma constante no trabalho de Burton
pode-se dizer que trata-se de mais uma marca de seus trabalhos, apresena de Johnny Depp na maioria deles. Muito em funo do estilo
excntrico do ator e sua facilidade em encarnar personagens caricatos, Depp
tem uma duradoura parceria com Tim Burton, que comeou em Edward
Mos-de-Tesoura (1990) e mais recentemente aconteceu em Alice.
interessante notar que muitos diretores tm um ator preferido, com quem
executam diversos trabalhos. No se trata de uma simples opo sem
embasamento, mas sim uma adequao do ator ao trabalho do diretor, no
qual, ao adaptar-se bem ao estilo de filmagem nos primeiros longas,
chamado a atuar outras vezes.
Gondry desenvolveu esse tipo de parceria com Bjrk assim como
Spike Jonze. Mas neste caso, por se tratar de videoclipe, temos um tipo deparceria diferente, na qual a artista almeja um estilo de filmagem especfico
para sua msica, um estilo que encaixe com a msica experimental e
alternativa que ela compe. Apesar da diferena no tipo de parceria, a
subsequente continuao da mesma acontece pelo mesmo motivo, tanto no
caso de diretor-ator quanto diretor-cantor, que a facilidade de trabalhar
junto e o retorno positivo do trabalho posteriormente. Gondry demonstrou
talento para desenvolver essa parceria atravs de seus primeiros
videoclipes. Em Human Behavior (1993), Gondry j demonstra as
caracterstica de seu trabalho, o que possibilitou essa identificao que Bjrk
tem com o trabalho do diretor, e ocasionou as parcerias futuras entre ambos.
O mesmo acontece entre a cantora islandesa e Jonze. A mente criativa e as
solues de filmagem e edio que fogem do padro hollywoodiano o que
propiciou que ambas as parcerias fossem to slidas e duradouras.
No cinema, o melhor exemplo deste tipo de sintonia o do prprio
Depp e Burton, mas outros diretores com estilo marcante tambm tm um
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ator que se identifica com seu trabalho, que o caso do cineasta
dinamarqus Lars von Trier, que geralmente repete um ou outro ator em
seus filmes, devido confiana que desenvolve em atores talentosos, como
Charlotte Gainsbourg, que atuou em Anticristo (2009), e dois anos depoisparticipava de Melancolia(2011), e Willem Dafoe, que esteve em Manderlay
(2005) e Antricristo. Stellan Skarsgard, ator sueco de sucesso em Hollywood,
tambm participou de alguns filmes de Trier quatro no total , geralmente
papis secundrios, mas no deixa de ser uma parceria baseada na
funcionalidade do talento do ator associado s especificidades e
necessidades do diretor.
Lars von Trier um bom exemplo de cinema alternativo, experimental,
que atingiu, em parte, o grande pblico. Polmico e com um estilo bem
peculiar, Trier no faria tanto sucesso se no fosse um diretor com
caractersticas to particulares e at mesmo polmicas. Com temas
filosficos e profundos, os filmes de Trier so complexos e com uma
atmosfera densa. Todas suas obras fazem crticas aos mais diversos temas,
que so trabalhados de forma metafrica, o que faz com que seus filmes
sejam difceis de se compreender. A marca de Lars notvel em grande
parte de seus filmes, principalmente nos mais recentes, como Anticristo
(2009) e Melancolia (2011), que tratam temas como medo e depresso, e
utilizam de uma direo de arte que cria nos filmes uma ambientao cheia
de angstia, tristeza. A forma com que utiliza cenas em cmera lenta , em
diversos momentos, nos dois filmes, mostra um diretor que no faz questo
de retratar a narrativa de forma convencional ou verossmil, mas sim de
forma artstica, dotada de simbolismo e significados que agregam sentido ao
filme. Um sentido que a expresso do pensamento de Lars von Trier, que
exige uma interpretao que vai alm do que aparece na tela. Essas
caractersticas so marcantes em basicamente toda a obra do diretor, e isso
faz de Trier um cineasta com uma marca autoral bem distinta, identificvel
em qualquer obra sua. Alguns de seus filmes adotam o Dogma 95, que um
movimento criado por Trier e um outro diretor dinamarqus, Thomas
Vinterberg. Este movimento foi criado com a inteno de fazer um cinema
mais realista e menos comercial. O manifesto do Dogma 95, que so uma
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srie de regras sobre como os diretores devem produzir seus filmes, tem
regras como a obrigatoriedade de que as filmagens sejam feitas apenas em
locaes, o som no pode ser inserido posteriormente, no permitido
utilizar luz artificial (se o ambiente tiver pouca luz, apenas uma lmpadasobre a cmera suficiente, segundo o manifesto) e a cmera deve ser
usada na mo. Essas so apenas algumas das regras, que totalizam dez. O
filme Os idiotas(1998), de Trier, foi filmado seguindo o Dogma 95.
Michael Bay outro diretor ligado a filmes fantsticos, porm ele estdiretamente associado linha hollywoodiana, uma vez que dirige e produz
filmes de ao. Ele tem uma forma de dirigir bem caracterstica, e que foi
atenuada ao longo dos anos, que enfoca principalmente as cenas de ao,
que tendem a ser alucinantes e dotadas de muito trabalho de ps-produo,
o que faz de Michael Bay um exmio diretor de filmes que exigem uma
tecnologia mais avanada. Consequentemente, por ser um bom diretor do
chamado cinema que atraem grandes massas (blockbusters), Michael Baytem um histrico de excelentes bilheterias com seus filmes: " evidente que
os blockbusters so construdos a partir de histrias simples recheadas de
efeitos especiais, de aes "eficazes" e de suspense." (LIPOVESTKY, 2007,
p. 16).
Justamente por este talento, Bay foi escolhido para dirigir a trilogia
Transformers. Com filmes no currculo como Armageddon (1998) e Pearl
Harbor (2001), ele j tinha vasta experincia no campo tecnolgico do
cinema, e era justamente isso que um filme de robs gigantes lutando uns
contra os outros exigiria. Bay muitas vezes criticado por deixar a narrativa
de lado em funo da ao, preferindo desenvolver longas cenas de batalha
a construir um enredo bem elaborado. No que seus filmes sejam fracos
enquanto narrativas, mas fato que Michael Bay d ateno exagerada
ao em seus filmes. Transformersfoi o pice dessa sua marca, trs filmes
excelentes no aspecto tcnico, com uma ps-produo muito bem feita. O
terceiro e ltimo filme da trilogia, Transformers: O Lado Oculto da Lua(2011),
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mostra uma direo perfeita nas interminveis cenas de lutas que destruram
Chicago no filme e, apesar de no focar tanto no desenvolvimento dos
personagens, falas etc.,
Bay impecvel no que se prope a fazer, e justamente na
pancadaria que conseguimos identificar com facilidade a marca do diretor,
que evidencia sua preferncia por tomadas em diferentes ngulos, com
cortes rpidos e um roteiro que favorece o uso da tecnologia a todo
momento.
3.2 O cinema de autor
Podemos dizer que o cinema de autor j existia atravs das lentes de
Hitchcock, mas somente em funo dos jovens diretores que escreviam para
a Cahiers du Cinma que este termo ganhou notoriedade. Na dcada de
1960 com a chegada da Nouvelle Vague, a autoria assumiria novo patamar,onde diretores jovens e transgressores, saem as ruas para filmar.
3.2.1 A Nouvelle Vague francesa
A falta de uma produo cinematogrfica francesa que valia a ida aocinema aliada admirao pelo cinema clssico americano fizeram alguns
jovens criativos franceses comearem um movimento que ficou conhecido
como a Nouvelle Vagueou a Nova Onda francesa (e em ingls, New Wave).
Os diretores de mais destaque foram Franois Truffaut e Jean-Luc Godard,
que eram crticos de cinema e escreviam para revistas francesas
especializadas em cinema:
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Os artigos que eles escrevem tm duas frentes: a recusa do que produzido na Frana (salvo seletas excees) e o cinemaamericano como foco privilegiado para a busca de autores(...)(MASCARELLO, 2008, p. 226)
Dessa forma, os filmes que comearam a ser produzidos por essesjovens (alm de Godard e Truffaut, outros cineastas foram Claude Chabrol,
Eric Rohmer, entre outros) foram revolucionrios e extremamente influentes
para a histria do cinema, de forma que: recuperou o cinema mundial de
uma certa apatia (MASCARELLO, 2008, p. 222). De acordo com esses
realizadores, o que vinha sendo feito na Frana e no mundo em geral no
era de boa qualidade ou no refletia o ideal de seus diretores.
Foi uma poca em que tanto a produo francesa quanto a norte-americana passavam por momentos difceis. A Frana enfrentava a censura
por causa da guerra e os Estados Unidos dificuldades no modo de produo.
A Nouvelle Vague foi um movimento protagonizado por jovens que
possuam um raro acmulo cultural e que viram necessidade de uma
mudana no modo de produo, distribuio e consumo de filmes. Por
exemplo, viram em museus, cinematecas, como locais vlidos para o
processo de produo de uma obra.Eram filmes produzidos independentemente e que tinham
caractersticas bem marcantes. A admirao pelo cinema americano fez com
que incorporassem elementos da arte moderna em suas obras: a valorizao
da montagem, a descontinuidade, a incorporao do acaso e da realidade
documental, cortes abruptos etc.
Os realizadores da Nouvelle eram, tambm, admiradores do
Neorrealismo italiano (alm do cinema americano clssico). Assim, se
inspiraram muito em Roberto Rossellini, diretor, roteirista e um dos principais
nomes do movimento. O Neorrealismo foi um movimento cultural que surge
na Itlia, logo aps a Segunda Guerra Mundial. Caracterizou-se por uso de
elementos reais, com foque em questes sociais, se parecendo muito com
um documentrio. Buscava representar a realidade social e econmica da
poca e do lugar. Dessa forma, possvel ver claras influncias de seus
filmes nos primeiros longas que fizeram parte da Nouvelle Vague, incluindo
Os Incompreendidos(Truffaut, 1959) e Acossado(Godard, 1960).
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Os aspectos de estilo que marcaram a Nouvelle Vagueincluem uso donegativo em preto-e-branco, emprego de no-atores e/ou atores amadores,
filmagem em locaes reais de Paris, usando os prprios nomes dos
restaurantes, cafs e seus frequentadores reais. Usavam tambm luz natural
e para isso tiveram que usar vrios equipamentos novos. Isso tudo para
conferir aos filmes um tom mais prximo do real e documental. Alm disso,
explicitam a figura do narrador com uso de voice over e de flashbacks. A
linguagem passa a ser muito mais coloquial, indo contra formalismos econvenes, com o objetivo de resgatar uma certa inocncia no cinema. Em
relao montagem, a edio super fragmentada e ressalta o corte mais
brusco, o chamadojump-cut, conhecido dos filmes de Georges Mlis que o
empregava como forma de parecer mgica.
Godard e Truffaut se figuram como seus principais representantes,
detendo uma das obras mais influentes do sculo XX. Godard caracteriza-se
pela mobilidade da cmera, pelos demorados planos-seqncia,montagem descontnua, improvisao e pela tentativa de carregar cada
imagem com valores e informaes contraditrios. Em seu primeiro filme,
Acossado (1959), o personagem principal logo dirige-se cmera e
consequentemente ao espectador: a cmera assume um papel de
personagem no s nessa cena, mas durante todo o longa. O filme
montado de forma pouco usual, com muitos cortes secos, e em alguns casos
parecem ser descontnuos. O segundo longa, O pequeno soldado (1960),
traz a viso ambivalente da guerra na Arglia. Viver a vida (1962) usa o
recurso brechtiano de episdios, em um tom de documentrio. A cor tem
efeito simblico em O demnio das onze horas (1965), forte estudo da
violncia e dos relacionamentos. Duas ou trs coisas que eu sei dela(1967)
refere-se a Paris, sua fiel inspirao, e Weekend francesa (1967) uma
crtica a sociedade moderna. Godard se afastou do cinema para filmar uma
srie de manifestos em 16 mm e vdeo, mas retomou gneros mais
acessveis com Tudo vai bem (1972). Nos anos 1980, amadurecido, seus
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Montagem -
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filmes se tornaram ensaios contemplativos sobre questes contemporneas,
desafiando o pblico a pensar de forma diferente.
Franois Truffaut, em seus 26 filmes, alm da direo cinematogrfica,
foi tambm roteirista, produtor e ator. Os temas principais de sua obra foram
as mulheres, a paixo e a infncia. Uma obra cheia de entusiasmo, lucidez,
que busca manter certa inocncia. Em A noite americana(1973), Jean-Pierre
indaga: os filmes so mais importante do que a vida? Para Truffaut, a
resposta sim, e sua paixo pelo cinema transparece nos filmes, repletos dealuses: Atirem no pianista (1960) ao noir americano; Jules e Jim - uma
mulher para dois(1961) a Chaplin e Jean Renoir e A noiva estava de preto
(1967) a Hitchcock.
Apesar das claras homenagens, Bergman no Guia Ilustrado doCinema diz: "Mas Truffaut no mero imitador, e seus ttulos tm frescor e
imeditiatismo renovados, sobretudo na srie semi-autobiogrfica de cinco
filmes (....)" com Laud interpretando seu alter ego, Antoine Doinel:
internado em um reformatrio aos 12 anos, assim como Truffaut, em Os
incompreendidos(1959). Daniel vai envelhecendo e se apaixona em Beijos
proibidos (1968); casa-se e tem um filho em Domiclio conjugal (1970);
divorcia-se e torna-se escritor em O amor em fuga (1978). Aparente levezados ttulos esconde o sofrimento de Truffaut com a perda da espontaneidade
juvenil e as dificuldades do amor.
Seus estilos e temas so vastos: do pesadelo futurista Fahrenheit 451
(1966) ao filme de poca A histria de Adle H(1975) e Frana ocupadaem O ltimo metr(1980).
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http://pt.wikipedia.org/wiki/Atorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Produtorhttp://pt.wikipedia.org/wiki/Roteirista -
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3.2.1.1 A poltica dos autores
O momento mais marcante da Nouvelle Vaguefoi a chamada poltica
dos autores. Em janeiro de 1954, Truffaut escreve um artigo de destaque,
intitulado Uma certa tendncia no cinema francs. Nele, o diretor critica os
ranos literrios, o convencionalismo e o falso realismo no cinema. Critica
tambm a adaptao de obras literrias, sem o mnimo de criatividade, no
mudando nada do livro original. O final desse artigo marcado por uma fraseque ficou famosa: Eu no posso acreditar na coexistncia pacfica entre a
tradio da qualidade e um cinema de autor (TRUFFAUT, 1989, p. 36).
Franois, ento, era contra esse cinema e diretores que seguiam regras, e
no eram corajosos o suficiente para tentar e usar a criatividade a favor da
arte. Criar, recriar, inventar eram palavras que estavam na mente de Truffaut
e prontas para serem usadas a favor da reinveno do prprio cinema. Ele
queria enfrentar o sistema, derrubar a tradio e construir algo novo em seulugar: Truffaut foi um esprito livre, que no escreveu para bajular, mas
enfrentou o sistema de qualidade francs seguindo o caminho sempre mais
difcil, improvvel e arriscado (MASCARELLO, 2008, p. 236). Truffaut queria
derrubar a ideia de que os diretores eram meros funcionrios dos roteiristas
(MASCARELLO, p. 236, 2008).
3.2.1.2 O fim da Nova Onda
A Nouvelle Vague foi um grande sucesso de crtica, mas,
comercialmente somente nos primeiros filmes (Acossado e Os
incompreendidos, de Godard e Truffaut, respectivamente). Ela nos mostrou
como um diretor pode colocar muito de si em um filme, torn-lo pessoal e
reconhecvel, contrariando o fato que se acreditava que eram o produtor e
roteirista que eram os verdadeiros 'donos' do filme (e o diretor 'apenas
aquele que filmava'). A Nouvelle, obviamente, no duraria para sempre e um
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fator que contribui para sua derrocada foi o enfraquecimento da grande
amizade entre os seus principais criadores Godard e Truffaut, no fim dos
anos 1970. Mas ficou marcada a grande influncia que esse movimento
exerceu sobre o cinema e essa questo autoral passou a ser maisamplamente observada e discutida.
A Nouvelle Vague ajudou a mudar a forma de se fazer e pensar o
cinema, influenciando cineastas no mundo inteiro at os dias de hoje. Mas
como saber se este ou aquele cineasta um autor e como surgiu essas
primeiras ideias de usar esse termo? Foucault foi um dos tericos mais
importantes a discursar sobre esse tema: "A noo de autor constitui o
momento forte de individualizao na histria das ideias, dos conhecimentos,
das literaturas (...)" (FOUCAULT, 2009, p. 33). Foucault nos coloca vrios
questionamentos a respeito, no s do autor, mas tambm da obra e o que
constitui uma obra: "O que uma obra? (...) Uma obra no o que escreveu
aquele que se designa por autor?" (FOUCAULT, 2009, p. 37). E ns
procuraremos discorrer sobre essa noo de autoria no prximo tpico, afim
de colocar o leitor a parte do que queremos discutir nessa pesquisa.
3.3 A autoria
A autoria uma marca, um trao, que distingue o trabalho do diretor.
Ela pode ser encontrada em um conjunto especfico de elementos da
linguagem cinematogrfica, que juntos caracterizam a particularidade do
autor ao produzir, filmar e montar um filme. Mas de se pensar se todas as
obras daquele diretor e/ou tudo o que ele fez at hoje pode ser considerado,
realmente, sua obra. Ser que encontraremos traos, marcas de um, por
exemplo, diretor, em tudo aquilo que j dirigiu? "(...) suponhamos que nos
ocupamos de um autor: ser que tudo que ele escreveu ou disse, tudo o que
ele deixou atrs de si, faz parte de sua obra? (FOUCAULT, 2009, p. 38).
Filmes, roteiros, sim, mas rascunhos, produes no divulgadas podem no
ser consideradas obras.
No cinema, a montagem uma das tcnicas mais importantes, pois
quando o filme ganha linearidade (ou no-linearidade) e coerncia narrativa,
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as quais so determinantes para a construo da linguagem
cinematogrfica. Walter Benjamin no defende o cinema enquanto arte
como um todo, mas especifica a montagem como sendo a formadora da
obra de arte cinematogrfica:
Na melhor das hipteses, a obra de arte surge atravs damontagem, na qual cada fragmento a reproduo de umacontecimento que nem constitui em si uma obra de arte, nemengendra uma obra de arte, ao ser filmado. (BENJAMIN, 1996, p.178)
A arte a que ele se refere se d pela forma com que o filme
montado, como o diretor decide juntar as peas, caracterizando uma obra
nica, e que jamais ficaria igualmente montada se fosse feita por outrapessoa (vale lembrar que o diretor do filme trabalha junto com o profissional
de montagem. O diretor fica ao lado, dando as instrues. um trabalho
conjunto). Portanto, a montagem define uma particularidade que pode ser
observada em todos os longas-metragens. Trata-se da forma com que o
autor decide passar uma mensagem e dar sentido ao filme:
Como se sabe, muitos trechos so filmados em mltiplas variantes.Um grito de socorro, por exemplo, pode ser registrado em vriasverses. O montador procede ento seleo, escolhendo umadelas como quem proclama um recorde. (BENJAMIN, 1996, p.178)
A multiplicidade necessria para a boa montagem e consequente
finalizao do filme demonstram a gama de possibilidades que uma
produo proporciona aos seus encarregados. Parte-se da filmagem com
diversas opes de uma mesma cena e pode-se escolher qual usar, recort-
la, fundir com outras cenas etc.
A linguagem cinematogrfica acaba por definir, atravs da cartilha
imaginria da produo flmica - conhecida por todos os grandes diretores - a
forma bsica de montagem, e cabe ao bom diretor fazer uso da sua
criatividade e competncia, enquanto profissional e artista, para abstrair e
fugir do lugar comum: Pois o cinema, como a literatura, antes de ser uma
arte especfica, uma linguagem que pode expressar qualquer setor do
pensamento. (BERNARDET, 1994, p. 20)
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Jean-Claude Bernardet acredita na libertao do cinema da pr-
concepo da tirania do visual, da imagem pela imagem, do concreto, para
se tornar uma escrita to malevel e to sutil como a prpria arte da escrita.
Mas, assim como na literatura, se estabeleceu no cinema uma linguagempadro, que antes limitou muitos escritores e agora limita diretores ausentes
de capacidade criativa relevante. E, apesar da autoria estar sempre presente
(no que diz respeito s peculiaridades de cada edio/montagem), nem
sempre perceptvel grande parte dos espectadores. Por isso, autores que
possuem uma forma nica de dirigir e montar suas produes so to
conhecidos, pois h presena de uma marca autoral facilmente notada.
Jean-Luc-Godard certa vez, disse que no conseguia apreciar
nenhum filme que no se parecesse com seu autor. Talvez ele estivesse
referindo a seus companheiros de Nouvelle Vague e tambm aos demais
contemporneos a ele: Alfred Hitchcock, Federico Fellini, Ingmar Bergman,
Woody Allen, Michelangelo Antonioni, Stanley Kubrick, Francis Ford Coppola,
Steven Spielberg, George Lucas, Peter Bogdanovich, Martin Scorsese,
Robert Altman, Brian de Palma, Pedro Almodvar, dentre tantos outros.
Grandes nomes que marcaram a histria do cinema, e contriburam
cada um de forma bastante particular para a conceituao da autoria.
(...) os discursos comearam efetivamente a ter autores [...] namedida em que o autor se tornou passvel de ser punido, isto , namedida em que os discursos se tornaram transgressores.(FOUCAULT, 2009, p. 47)
Foucault disse isso em relao livros e obras literrias, mas
possvel nos apropriarmos dessa citao para entender e adaptar a situao
para o cinema. Dessa forma, um diretor-autor aquele que transgrediu. E
um dos primeiros autores a ser destacado Alfred Hitchcock: diretor ingls,
precursor deste movimento autoral, dono de uma das obras mais influentes
da histria do cinema, que estudada e destrinchada at os dias de hoje,
rendendo-lhe ttulo de mestre do gnero suspense. Os 48 filmes de suas
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carreira so, em sua maioria, responsveis pela construo da linguagem do
gnero.
O diretor comeou em 1920 como desenhista de legendas de filmes
mudos, mas logo se tornou diretor de arte, roteirista e diretor assistente. Feznove filmes mudos, entre eles O pensionista (1926), o primeiro com seu
tema favorito ('o inocente em perigo') e com uma marca de toda sua obra: a
breve apario do cineasta em frente a cmera, em algum pequeno trecho
do filme (o chamado cameo, em ingls). Curiosamente, essa no era sua
inteno, mas uma vez que apareceu nesse primeiro filme, seus
espectadores passaram a antecipar sua presena, contribuindo para
construo de mais uma marca autoral. Em 1929, durante a produo de
Chantagem e confisso, o som chegou ao cinema, e Hitchcock, com 30
anos, logo mostrou conhecer a nova tecnologia: num momento do filme,
criou uma montagem sonora em que a palavra punhal ecoa na mente da
assassina na manh seguinte ao crime. Seguiram-se excelentes comdias-
suspenses, como O Homem Que Sabia Demais (1934) e A Dama Oculta
(1938). Em 1940, David Selznickchamou Hitchcocka Hollywood para dirigir
a adaptao da obra de Du Maurier Rebeca, a mulher inesquecvel. Seu
primeiro longa americano, com elenco britnico encabeado por Laurence
Olivier e Joan Fontaine, ganhou Oscar de Melhor Filme e lanou sua extensa
carreira nos Estados Unidos, onde permaneceu.
Hitchcock no se importava com a moralidade, tema ou mensagem,
mas com a forma de contar a histria. O que explcito em suas entrevistas
com o tambm cineasta Truffaut:
Caminhar nessa zona de risco, ser o mestre maior na modulaodos sentimentos da plateia diante da exposio do que estimplicado no desejo de cada personagem (e de cada espectador) uma condio mpar, que fez de Hitchcock objeto de exaltaoespecial dentro da "poltica dos autores" levada a efeito nos anos50 pelos jovens do Cahiers du Cinema (...) (TRUFFAUT, 1989, p.15)
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No livro, Truffaut discorre sobre os riscos tomados por Hitchcock, e
como eles contriburam para que alcanasse notoriedade. Em verdade, uma
de suas grandes marcas a modulao dos sentimentos da plateia, que
pode ser vista nocatolicismo de A tortura do silncio(1953) e a psicologia de
Spellbound (1945), Psicose (1960) e Marnie confisses de uma ladra
(1964) so meros recursos narrativos. O prazer de seus filmes vem de outros
aspectos, como a perseguio do transeunte que precisa provar sua
inocncia enquanto foge da polcia e de criminosos, em Sabotador(1942) ou
o perigo constante que emana de lugares inesperados, em Os Pssaros
(1962). Sempre surpreende seu pblico, por exemplo, matando a
protagonista (Janet Leigh) no meio de Psicose(1960).
Seu extravagante senso rtmico est na cena que coincide som de
tiros com o soar de pratos durante um concerto no Royal Albert Hall londrino
(O homem que sabia demais 1934 e 1956) uma perseguio no Monte
Rushmore (Intriga internacional, 1959) e no estrangulamento no mercado
Convent Garden (Frenesi, 1972). De 1956 a 1966, a msica de todos os
seus filmes foi composta por Bernard Herrmann, eficiente em todos os
longas, mas sobretudo em Um corpo que cai (1958), que, para muitos
crticos, sua obra-prima.
A tenso em seus longas no s era construda atravs da trilha
sonora, mas tambm na sutileza dos detalhes. Hitchcock no priorizava
mostrar o assassino esquartejando sua vtima, por exemplo, mas mostrar
toda a tenso presente nos acontecimentos antecedentes ao fato. Em
Psicose (1959), o assassino no aparece. Toda a tenso reside na faca
empunhada por ele e na sombra feita por ela, vista atravs da cortina do
chuveiro. Alfred possua grande maestria em transformar situaes do
cotidiano em momentos de gran