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         0     3     E     D      Í      Ò     U

         R     O     /     2     O     6     1     2

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     JlDDU KRISHNA MURTI, teósofo hindu, nasceu em Madras, Índia, em 1895 (ou 1897, 

    segundo alguns historiadores). Foi educado na 

     Inglaterra, onde suas idéias despertaram grande interesse. Em 1923, Annie Besant afirmou ser  ele o Mestre do Mundo, organizando-se na Europa a Ordem da Estrela do Oriente, com sede em Ommen (llolanda) e seções nacionais, inclusive no Brasil (Instituição Cultural Krishna- murti, Rio de Janeiro).

     Krishnamurti viveu lodo o período de agitação do seu país, presenciando as lutas sangrentas que dividiram a índia. Seu pensamento revolucionário logo se impôs, atraindo multidões para ouvir as suas conferências.

     Krishnamurti combate todas as religiões, cultos e cerimônias, afirmando que não repre

    sentam a total verdade, e que somente através do pensamento lógico o ser humano pode atingir  um estágio elevado. Comprovando na prática as suas teorias, dissolveu em 1929 a Ordem da Estrela do Oriente, criada por seus seguido

    res e que pretendia apresentá-lo como o Mestre 

    do Mundo. Krishnamurti percorre o mundo, levando

     

    sabedoria e conhecimento, pronunciando as célebres conferências que o tornaram uma das maiores personalidades deste século.

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    Jiddu Krishnamurti

     A A r t e da 

    Liber t ação

    Tradução de:

    Hugo Veloso

     Desenhos de Myoung Youn Lee baseados em motivos de tapetes indianos.

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    ÍNDICE

    O Pr o b l e ma  d a   E x is t ê nc ia  ................

      9

    A Na t u r e z a  d as   Re l a ç õ e s  Humanas   ... 31

    A “A ç ão   In t e g r a d a ” .............................. 51

    A Co nf us ão  d a   Me n t e   ..........................   75

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     Taormina, onde Krishnamurti se refugiou para fugir da

    perseguição motivada por divergência com os hindus quenão aceitavam suas idéias. De pé: George Arundale, doutora

    Mary Rocke, Nitya; sentados: Lady Emily, Krishnamurti esenhorita Arundale.

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    O Pr obl ema da Exist ên cia

    Como teremos váriaspalestras nestas próximassemanas, acho importante sejacompreendida a relação entreo orador e vós.

     Antes de mais nada, o que

    nos interessa não são idéiasnem opiniões. Não estouprocurando convencer-vos arespeito de nenhumdeterminado ponto de vista,nem estou tentando transmitiridéia alguma, porquanto não

    creio que idéias, opiniões,possam operar umamodificação fundamental naação. O que traz atransformação radical é acompreensão da verdade doque é. Não estamos, pois,

    interessados em opiniões nemem idéias.

     As idéias sempre encontramresistência; uma idéia pode ser

    contrariada por outra idéia,e uma opinião gerarcontradição. E, portanto, detodo fútil procurar a soluçãode um problema por meio deuma idéia. Como disse, asidéias não produzem

    transformação radical; e nostempos atuais é essencial quese realize, nas condições deexistência do mundo, bemcomo em nossas vidasindividuais, umatransformação radical, uma

    revolução de valores. Taltransformação dos valores nãopode operar-se mediantesimples modificações de idéiasou substituições de sistemas.

    Está, pois, entendido que não

    desejo persuadir-vos nemdissuadir-vos em relação a umdeterminado ponto de vista.Não estou também fazendoo papel deguru para ninguém,

    »

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    pois não acho que um guru seja necessário para odescobrimento da verdade.Muito ao contrário, o guru é um verdadeiro empecilho ao

    descobrimento do real. Nãoestou, tampouco, procedendocomo um guia ou chefe,incutindo uma opinião,criando uma organização;porque o guia é sempre fatorde deterioração na

    sociedade.Seja-me permitido sugerir que,antes de rejeitar qualquer coisaque eu disser, a examineismuito atentamente, semtendência alguma. É dificílimoexaminar uma coisa semparcialidade, nem preconceito;mas, se queremoscompreender alguma coisa,não deve haver preconceito,não se pode, simplesmente,relegar a alguma autoridadeantiga o que se está dizendo.Esse é, meramente, outrométodo de fuga. O que desejotentar é chamar a vossaatenção para certas coisas; e,enquanto o faço, não fiqueiscomo simples observadores.Porque vamos empreender

     juntos uma jornada com o fimde descobrir todo o desenrolarda moderna civilização, seuesplendor e sua catástrofe, em

    que tanto o Oriente como oOcidente se vêemenvolvidos.

    E uma viagem de

    descobrimento queempreenderemos juntos, como fim de observar diretamentee com toda a clareza o queestá acontecendo. Para tanto,não precisais de guia, nãoprecisais de guru,  não

    necessitais de nenhumaorganização, nem de opiniões.O que necessitais é umapercepção clara, para ver ascoisas como são; pois, ao

     vermos as coisas com essaclareza, surge a verdade.

    Para enxergar claramente,requer-se atenção, não umaatenção esporádica, maspersistente, direta, positiva,sem distração alguma — eessa é que vai ser a nossadificuldade.

    Temos muitos problemas:políticos, econômicos, sociaise religiosos, todos eles aexigirem ação; mas, antes depodermos agir, temos de sabero que é o problema. Seria

     verdadeiro absurdo pôr-nossimplesmente em ação semconhecermos todos oselementos de um problema.Em geral, porém,

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    interessamo-nos pela ação,desejamos sempre fazeralgo.

    Há problemas comunais,

    problemas nacionais,problemas relativos à guerra,à fome, a dissensões entregrupos de línguas diferentes,e inumeráveis outrosproblemas; e, em presença dosmesmos, desejamos saber o

    que devemos fazer. Nossoimpulso, nosso motivo,consiste inteiramente, não emestudar a questão ou oproblema, mas, sim, em fazeralguma coisa com relação aele. Afinal, um problema

    como o da fome exige muitoestudo, muita compreensão.Na compreensão há ação. Semeramente agimos emconseqüência de uma reaçãosuperficial, tal ação é de todo

     vã e só conduz a maior

    confusão.

     Agora, se o quiserdes, vamosexaminar com muita clareza,sensata e racionalmente, todoo problema da nossaexistência. Não vou dizer-vos

    o que deveis pensar — comoo fazem os propagandistas;mas, com o exame do queé, aprenderemos como pensara respeito de um problema,

    o que é muito mais importantedo que sermos instruídos sobreo que devemos pensar.

    E tão grave na hora presente

    o problema mundial, tãoiminente a catástrofe, tãorapidamente se vaipropagando o desastre, queé coisa de todo vã pensarmosunicamente em conformidadecom uma fórmula da esquerda

    ou da direita. Uma fórmulanão pode trazer soluçãoalguma; só pode produzir açãorestrita ao seu padrão.

     Assim, o que tem importânciaprimacial é a compreensão deque estamos em presença de !

     j problemas que reclamamestudo muito cuidadoso eisento de qualquer planopremeditado ou idéiapreconcebida. Não vouoferecer-vos um plano nemdizer-vos o que deveis fazer,

    mas vós e eu vamos averiguar, juntamente, em que consisteo problema.

    Compreendendo o problema,compreenderemos a verdaderelativa ao problema — o que

    constitui a única maneiraracional de o atendermos. Seestais em busca de umafórmula, de um sistema, sintodizer-vos que ficareis

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    desapontados, uma vez quenão tenho intenção alguma dedar-vos uma fórmula. A vidanão tem fórmula. São os

    intelectuais que têm umafórmula, para impor à vida. A esse respeito devemos ficarbem entendidos.

    Sem uma intenção sincera, nãochegareis jamais acompreender integralmente o

    problema da existência. Oproblema não é unicamentehindu, maharashtra ougujerat, sendo

     verdadeiramente infantilconsiderá-lo assim. Oproblema é universal. Vosso

    problema é meu problema, éo problema de todo indivíduo,seja na Europa, na Américaou na Rússia.

    Pois bem; pretendo ajudar-vosa pensar corretamente; vós e

    eu vamos empreender uma viagem de investigação dosproblemas da presente crisemundial. Para tal fim, precisoconvidar-vos a cooperar. Vóse eu temos de fazer uma viagem juntos, e ao encetardes

    a viagem precisais estarpreparados para“experimentar”, observar, eperceber bem a significaçãodessa viagem. Por

    conseguinte, se assim possoexpressar-me, se desejaiscompreender, não deveisapenas escutar objetivamente

    a exposição, mas experimentá-la interiormente.

    Não vou ser dogmático —é estúpido ser dogmático, eas pessoas dogmáticas sãointoleráveis. O homem que diz

    que sabe, não sabe — edevemos precaver-nos de taispessoas. Ao encetarmos a

     viagem, precisamos ver bemclaro o que é necessário. Aprimeira coisa essencial é nãoestarmos presos a nenhuma

    experiência passada: nacional,religiosa, ou pessoal.

    Se vamos empreender uma verdadeira viagem deinvestigação, cumpredesprender-nos de tudo o que

    nos tolhe. Isso é difícil,sobretudo para os mais velhos,

     já mais firmemente radicadosna tradição, na família; e paraaqueles que têm conta correntenos bancos. Os mais novosse mostrarão interessados se

    lhes acenarmos com umarecompensa, se garantirmosuma alegria, uma posição,uma solução imediata.Estamos, pois, cercados de

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    dificuldades por todos oslados.

    Pois bem; qual é o nossoproblema? O problema

    comum de nossa existênciadiária é, sem dúvida, osofrimento. O sofrimento, sobdiferentes formas, é a sina detodos nós: sofremoseconomicamente, socialmente,sofremos pela morte de

    alguém. Existe naturalmenteum desejo de nos sentirmosem segurança no meio dainsegurança, da incerteza quenos rodeia. Desejamossegurança em relação aoalimento, ao vestuário, ao

    teto; desejamos segurança emnossas relações, em nossasidéias. Não é isso o queprocuramos? Queremos estarseguros com relação às nossasposses, — que podem sercoisas, pessoas ou idéias; e

    em defesa de nossas possesestamos prontos a guerrear,mutilar, destruir.

     A fim de estarmos emsegurança em nossas relações,em nossas posses, em nossas

    idéias, criamos fronteirasnacionais, crenças, deuses,chefes, etc. Quando cada umde nós está por essa maneiraa procurar a segurança, é

    natural que haja oposição, eessa oposição gera conflito emnossa vida. Quando estamosem busca de segurança, aexistência é uma batalha

    constante, um conflitointerminável; e vendo-nos emconflito, vendo-nos aflitos,desejamos encontrar a

     verdade. Tal é, em síntese,a nossa situação; entraremosem pormenores à medida queprosseguirmos. O que maisimporta em nossa vida é sabercomo evitar o conflito, comonão oferecer resistência. Comtoda a certeza, é este o nossoproblema, não?

    Em todo o mundo há guerras,há fome, luta, conflito entrepovos, entre famílias, no seioda família e fora dela; hádiscórdia entre brâmanes enão-brâmanes, entre hindus eeuropeus, entre japoneses e

    americanos, etc., etc. Nossoproblema imediato é o daalimentação, da roupa, damorada, — é saber se épossível produzir essas coisasessenciais para todos, de modoque não haja mais fome nomundo.

    Cada partido, cada sistema,da esquerda, ou da direita,oferece uma solução em

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    A vida não tem fórmulas. São 

    os intelectuais que têm uma 

    fórmula, para impor à vida.

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    conflito com as outras, e vóse eu nos achamos igualmenteno meio da luta, politicamente,economicamente e socialmente.Nossa existência é uma lutaconstante para manter a nossaposição, para ganhar dinheiroe conservá-lo em nossas mãos;e vemo-nos assediados porinúmeros outros problemas —o problema da morte e do

    que acontece após a morte,o problema da existência deDeus, da verdade, etc. Comodevemos aplicar-nos a essescomplexos problemas?

    Todos os intelectuais que setêm ocupado com esses

    problemas e tentado mostrar-nos o caminho têm falhado.E esta a calamidade damoderna civilização, nãoachais? Os intelectuaisfalharam, suas fórmulas sãoimpraticáveis, e enfrentamosdiretamente o problema dafome e das relaçõesadequadas. O que nosinteressa, pois, é a ação,nossas relações, odescobrimento de uma nova

    maneira de encarar essesproblemas. Já vimos que seos encararmos de acordo comas velhas e habituais diretrizes,não conseguimos nenhumamodificação fundamental, mas

    apenas mais confusão. Como,então, encarar esses problemaspor maneira nova?

    É bem óbvio que não podemos

    ficar à espera de alguém, guru ou guia, que venha resolvernossas dificuldades. Isso éinfantil, é um modo imaturode pensar. A responsabilidadeé vossa e minha; e uma vezque falharam os chefes e osguias, uma vez que nenhumasignificação têm as fórmulase os sistemas, não podemosficar sentados comoexpectadores, à espera de quenos digam o que fazer. Assim,de que maneira devemosproceder com relação a essesproblemas?

     Antes de agir, precisamossaber pensar. Não há açãosem pensamento. A maioriade nós, porém, age sempensar, e o agir sem pensarnos trouxe a esta confusão.Por conseguinte, precisamosdescobrir como pensar antesde saber como agir. Vós eeu precisamos encontrar amaneira correta de pensar,não achais? Se nos limitamosa citar o  Bhagavad Gita,  aBíblia, ou o Alcorão, issonão tem significação; citar oque outra pessoa disse não

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    tem valor algum. Repetir uma verdade é o mesmo que repetiruma mentira. Com o repetirpensamos ter resolvido oproblema. Absurdo!

     A autoridade, moderna ouantiga, não tem relaçãoalguma com o pensar correto.Só quando vós e eudescobrirmos a maneira de

    pensar corretamente,estaremos aptos a resolver osformidáveis problemas que nosdesafiam. Se esperamos queoutros façam esse trabalhopara nós, esses outros setornarão nossos chefes e noslevarão, como sempre, aodesastre.

    Ora, como começar a pensarcorretamente? Para pensarcorretamente, precisaisconhecer-vos a vós mesmos,não achais? Se não vosconheceis a vós mesmos, nãotendes base para pensarcorretamente, e, portanto, oque pensardes não terá valor.

     Vós não sois diferente domundo; o problema do mundoé vosso problema, e o vosso“processo” individual é o“processo” total do mundo.Isto é, vós criastes o problema,

    que tanto é individual comouniversal, e para produzir aação correta que o resolverá,deveis ser capazes de pensarcorretamente; e para pensar

    corretamente é bem óbvio queprecisais conhecer-vos a vósmesmo.

    Nessas condições, nossointeresse principal não é amera salvação pessoal, massaber pensar corretamente,mercê do autoconhecimento.Os indivíduos criam o mundo;o indivíduo, por conseguinte,é de suma importância. Vós

    e eu somos responsáveis pelabrutal confusão reinante nomundo — patriotismo, choquedas nacionalidades, discórdiasabsurdas entre pessoas.Examinaremos tudo isso maistarde, mas é perfeitamente

    claro que vós e eu somosresponsáveis pelos sofrimentosdo mundo, e não uma forçamisteriosa qualquer. E diretaa nossa responsabilidade, epara produzir ação correta,precisamos pensar

    corretamente. Porconseguinte, vós e eu somosda máxima importância.

    Como disse, enquanto não

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    souberdes o que sois, nenhumabase tereis para pensar com

     justeza; e esta é a razão porque é essencial conhecerdesa vós mesmos, antes defazerdes qualquer coisa. Aspessoas inteligentes dirãoporventura: “Conhecemosmuito bem o problemamundial.” Quem diz isso nãoquer agir. Apresentar umasolução para o problemamundial sem se conhecer a simesmo significa, apenas, adiaro inevitável, porquanto oproblema do mundo é oproblema individual de cadaum, o indivíduo não está

    separado do mundo.Compreender a si mesmo nãosignifica apartar-se do mundo.Não há existência noisolamento. Coisa nenhuma

     vive no isolamento, e não estoupropondo uma fuga à vida,

    uma esquiva ou umretraimento da vida. Muitoao contrário, só podeiscompreender-vos a vósmesmos em relação compessoas, coisas e idéias, e essarelação existe sempre, nuncafalta. O processo de relaçãoé um processo de auto-revelação. Não podeisrenunciar às relações; se ofazeis, deixais de existir.

    Nessas condições, o que estoudizendo é praticável, não éalgo vago. Mas cabe-vos, emprimeiro lugar, perceber oproblema e depois averiguar

    a maneira de o enfrentar; e,enfrentando-o corretamente,estareis capacitados a resolvero problema. Eis por que vóssois da mais altaimportância.

     Vou falar-vos, mais adiante,sobre a maneira de uma pessoase compreender a si mesma,para que seja correto o seupensar e, por conseguinte,correta a sua ação comreferência aos problemas que

    nos defrontam. Há umadiferença entre pensar corretoe pensamento correto. Opensamento correto é estático,enquanto o pensar correto éflexível, está sempre emmovimento. O pensar correto

    conduz ao descobrimento, aoconhecimento direto, e vem-nos com a observação de nósmesmos. O indivíduo variaconstantemente e, por isso,necessita de uma mentesobremodo ágil. Esse é o único

    caminho que conduz ao pensarcorreto e, por conseguinte, àação correta, pela qual tão-somente se poderá resolver aatual confusão.

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    •  Em vista da guerra iminente e da devastação atômica da humanidade, não é vão concentrar-nos na mera transformação individual?

    Esta é uma questão muitocomplicada, que requercuidadoso estudo; espero quetenhais a paciência deacompanhar-me passo a passoe de não desistir a meiocaminho. Sabemos quais são

    as causas da guerra; elas sãobem patentes e até um colegialé capaz de discerni-las:ganância, nacionalismo, desejode poder, divergênciasgeográficas e nacionais,conflitos econômicos, Estados

    soberanos, patriotismo, umaideologia da direita ou daesquerda impondo-se a outra,etc.

     As causas da guerra sãoengendradas por vós e pormim. A guerra é a expressãoespetacular de nossa existênciade cada dia, não é verdade?Identificamo-nos com umdeterminado grupo nacional,religioso, ou racial, porqueisso nos confere uma sensação

    de força; e a força,inevitavelmente, provoca acatástrofe. Vós e eu somosresponsáveis pela guerra, enão Hitler, nem Stalin, nemnenhum outro super-chefe.

    £ muito cômodo dizer que oscapitalistas ou os chefesdesorientados são osresponsáveis pela guerra. Noíntimo, cada um desejariqueza, cada um desejapoderio. São estas as causas

    da guerra, e os responsáveissois vós e eu. Acho que estábastante claro que a guerraé o resultado de nossaexistência diária, com adiferença, apenas, de ser maisespetacular e mais cruenta.

    Uma vez que todos estamosprocurando acumular posses,amontoar dinheiro, criamos,naturalmente, uma sociedadecom fronteiras, limites ebarreiras aduaneiras; equando uma nacionalidadeisolada entra em conflito comoutra, resulta inevitavelmentea guerra — o que é um fato.Não sei se tendes pensadoneste problema. Temos aguerra à nossa frente, e creio

    ser nossso dever averiguarquem é o responsável por ela.Um homem sensato, semdúvida, reconhecerá que éresponsável e dirá; “Vejo queestou causando esta guerra e

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    E muito cômodo dizer que os 

    capitalistas ou chefes 

    desorientados são os 

    responsáveis pela guerra. No 

    Intimo, cada um deseja 

    riqueza, cada um deseja 

    poderio. São essas as causas 

    da guerra, e os responsáveis 

    sois vós e eu.

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     vou, por isso, deixar de sernacionalista, não tereipatriotismo nemnacionalidade, não sereihinduísta, nem muçulmano,

    nem cristão, mas um serhumano.”

    Requer isso uma certa clarezade pensamento, clareza a que,em geral, nos furtamos. Se,pessoalmente, sois contrário

    à guerra — mas não por causade um ideal, visto que os ideaissão empecilhos à ação direta— que deveis fazer? Que devefazer o homem sensato quese opõe à guerra? Deve, antesde tudo, purificar a sua mente,

    não achais? — libertar-se dascausas da guerra, como, porexemplo, a avidez.

    Logo, se sois responsável pelaguerra, deveis libertar-vos dascausas da guerra. Significaisso, entre outras coisas, quedeveis deixar de ser nacional.Estais disposto a isso? Nãoestais, evidentemente, porquegostais que vos chamem hmdu,brâmane, ou qualquer que sejao vosso rótulo. Isso significa

    que venerais o rótulo e opreferis a viver sensata eracionalmente; por essa razão,estais caminhando para adestruição, quer vos agrade,quer não.

    Que deve fazer uma pessoaque deseja libertar-se dascausas da guerra? Comosustar a guerra? Pode-sesustar a guerra iminente? O

    ímpeto da ganância, a forçado nacionalismo, postos emmovimento por todo serhumano, podem ser detidos?Não podem ser detidos,evidentemente. A guerra sóserá sustada quando a Rússia,

    a América, e todos nós nostransformarmos imediatamentee dissermos que não queremosmais saber de nacionalismo,que não seremos mais russos,nem americanos, nem hindus,nem moslens, nem alemães,nem ingleses, mas enteshumanos, entes humanos emnossas relações, procurando

     viver felizes uns com osoutros.

    Se as causas da guerra foremdesarraigadas de nossoscorações e nossas mentes,então não haverá mais guerra.Mas o movimento de forçasprossegue com ímpetocrescente. Vou apresentar-vos

    um exemplo: quando uma casaestá ardendo, que fazemos?Procuramos salvar da casa omais possível, e estudar ascausas do incêndio;procuramos depois tijolos de

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    qualidade adequada, materialnão inflamável, um sistemamelhor de construção, etc.,e tornamos a edificar a casa.

    Em outras palavras,abandonamos a casaincendiada.

    De modo idêntico, quandouma civilização está a ruir,a destruir-se, os homens

    sensatos que percebem quenada podem fazer para oimpedir, edificam uma novaque seja à prova de incêndio.Essa é, sem dúvida, a únicamaneira de agir, o únicométodo racional — e não o

    reformar o velho, remendara casa que se incendiou.

    Pois bem; se eu reunisse todasas pessoas convictas de queestão verdadeiramente livresdas causas da guerra, que

    aconteceria? Em outraspalavras, a paz é susceptívelde organizar-se? Vede bemo que isso significa, vede oque se subentende na questãode organizar a paz. Uma dascausas da guerra é o desejo

    de poder — individual,faccional e nacional. Queacontece se fundamos umaorganização pró-paz?Tornamo-nos um foco deforça, e o cultivo da força

    é uma das causas daguerra.

    Temos guerras contínuas; e,

    todavia, quando nosorganizamos em prol da paz,fazemo-lo para ter mais poder— justamente uma das causasda guerra. No momento emque nos organizamos pela paz,começamos a adquirir poderio;

    e tendo poder, criamos ascausas da guerra. Que devoentão fazer? Sendo a forçauma das causas da guerra,devo opor-me à guerra,criando uma nova força? Nopróprio “processo” da

    oposição não estou criandopoderio?

    Por conseguinte, o meuproblema é inteiramentediverso. Não é um problemade organização. Não posso

    falar a um grupo, mas somentea vós, como indivíduo,mostrando-vos as causas daguerra. Vós e eu devemos,como indivíduos, aplicar onosso pensamento aoproblema, em vez de o

    passarmos a outro. Ora, talcomo na família, quando háafeição, quando há caridade,não precisamos de organizaçãopela paz; do que necessitamosé compreensão mútua,

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    cooperação. Quando não háamor, há guerra,inevitavelmente.

    Para compreender o complexoproblema da guerra, deve oindivíduo aplicar-se a ele de

    maneira muito simples. Aplicarmo-nos ao problemade maneira simples, significa

    compreender as nossas

    próprias relações com omundo. Se, nessas relações,

    existe uma mentalidade deforça, uma mentalidade dedomínio, essas relações hão

    de criar, inevitavelmente, umasociedade baseada na força,

    na dominação, a qual, porsua vez, provocará a guerra.Posso perceber tudo isso commuita clareza, mas, se falosobre o assunto com dezpessoas e organizo essaspessoas, que fiz eu? Criei umaforça, não é? Uma vez que

    conto com o apoio de dezpessoas, que estão emoposição aos mercadores deguerra, sou também

    responsável pela guerra.Não há necessidade deorganização. A organizaçãoé o elemento-força gerador daguerra. Há necessidade deindivíduos contrários à guerra;mas, se os reunimos numa

    organização ou sob um credo,colocamo-nos na mesmaposição do mercador deguerra. Os mais de nósficamos satisfeitos compalavras, vivemos de palavrassem sentido; mas, seexaminarmos muitoatentamente, muitoclaramente, o problema, elepróprio nos dará a solução— não precisamos procurá-la. Assim, deve cada um de nósestar cônscio das causas daguerra e ficar livre delas.

    • Qual a solução para as questões da unidade hindu-moslim, da amizade entre o Paquistão e a índia, da rivalidade entre os brâmanes e os não-brâmanes? Bombaim deveria ser uma cidade livre ou fazer parte do Maharashtra?

    Se Bombaim deve ser cidadelivre ou não, se deve haveramizade entre hindus emoslens, são problemas iguaisaos que se apresentam aos

    seres humanos em todas aspartes do mundo. Sãoproblemas difíceis ou sãoproblemas infantis?Positivamente, já era tempo

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    de nos termos emancipadodessas puerilidades; e a issochamais problemasmomentosos? Quando vos

    intitulais hindu ístas e dizeisque pertenceis a umadeterminada religião, nãoestais disputando por causade palavras? Que se entendepor hinduísmo? Um conjuntode crenças, dogmas, tradições

    e superstições.

    Religião é crença? Religiãoé a busca da verdade, e oshomens religiosos não têmdessas idéias estúpidas.

     Aquele que busca a verdade

    é um homem religioso e nãotem necessidade de etiquetas,tais como “hinduísta”,“muçulmano”, “cristão”. Porque nos chamamos hinduístas,muçulmanos ou cristãos?Porque não somos

     verdadeiramente religiosos, emabsoluto. Se tivéssemos amor,se tivéssemos caridade emnossos corações, não faríamoso menor caso de títulos —e isso é que é religião.

    Porque os nossos coraçõesestão vazios, enchem-se decoisas pueris... a que chamaisquestões momentosas!Francamente, isso é falta dematuridade. Se Bombaim

    deveria ser cidade livre, sedeveria haver brâmanes e não-brâmanes — são estes osproblemas momentosos, ou são

    apenas uma fachada, atrás daqual vos escondeis? Afinal,quem é que é brâmane?Decerto, não é aquele que põeas vestes sagradas. Brâmaneé o homem que compreende,que não tem autoridade na

    sociedade, que é independenteda sociedade, que não temganância, que não busca opoder, que está à margem detoda espécie de poder — esseé que é o brâmane. Somospessoas assim? Não somos,

    evidentemente. Por que entãonos rotulamos com um nomesem significação alguma?Fazemo-lo, porque isso trazproveito, nos dá uma posiçãona sociedade.

    Um homem sensato nãopertence a grupo algum, nãoambiciona posição nasociedade, pois isso só produzguerra. Se fôsseis realmentesensatos, pouco vos importariao nome que vos dessem; não

     venerarieis os rótulos. Masrótulos, palavras, se tornamcoisas importantes quando ocoração está vazio. Porquetendes vazio o coração, estaistemerosos e prontos a matar

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    O nacionalismo é um veneno, 

    o patriotismo um 

    entorpecente, e os conflitos 

    do mundo constituem uma 

    distração das relações diretas 

    com as pessoas.

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    os outros. É um problema verdadeiramente absurdo, essede hindus e moslens.Francamente, senhores, ele éinfantil, indigno de pessoas

    amadurecidas, não é verdade? Ao verdes pessoas imaturasespalhando a desordem, quefazeis? De nada serve dar-lhescacetadas na cabeça. Outentais ajudá-los ou vosafastais, deixando-os fazerdesordem à vontade. Comoeles gostam dos seusbrinquedos, vós vos retiraise edificais uma nova cultura,uma nova sociedade.

    O nacionalismo é um veneno,o patriotismo um entorpecente,e os conflitos do mundoconstituem uma distração dasrelações diretas com aspessoas. Se sabeis disso,podeis continuar a

    condescender com essascoisas? Se perceberdes issoclaramente, não haverá maisdivisão entre hinduísta emuçulmano. Nosso problema,portanto, é muito mais vastodo que a questão de se

    Bombaim deveria ser cidadelivre, e por isso não vamosabsorver-nos em problemasestúpidos, deixando de parteas questões vitais.

     As questões vitais estão muitopróximas de nós, na batalhaentre vós e mim, entre maridoe mulher, entre vós e o vossopróximo. Por causa de nossa

     vida pessoal criamos estaconfusão, estas disputas entrebrâmanes e não-brâmanes,entre hinduístas e muçulmanos;

     vós e eu concorremos para estaconfusão, somos diretamenteresponsáveis, e não certoschefes. Visto ser nossa aresponsabilidade, cumpre-nosagir; e para agir, precisamospensar corretamente; e parapensar corretamente, temos delançar fora as coisas pueris,as coisas que sabemos de todofalsas e sem significação.

    Para sermos entes humanosamadurecidos, precisamosdesfazer-nos dessesbrinquedos absurdos, que são

    o nacionalismo, a religiãoorganizada, o seguir alguém,política ou religiosamente.Esse é o nosso problema. Setendes verdadeiro interessenisso, então, naturalmente, vos libertareis de todos os atos

    infantis, de adotardesdeterminados rótulos;nacionais, políticos oureligiosos; e só então teremosum mundo pacífico.

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    Mas, não tendes interesse emsustar a guerra, não estais

    deveras interessados em terpaz no mundo. Em Puna,

    talvez vivais pacificamente,por ora, e pensais que de

    alguma maneira haveis desobreviver. Nãosobrevivereis. Fala-se deguerra entre o Hyderabad ea Nova índia, de problemas

    comunais, etc. Estamos todosà beira de um precipício.Toda esta civilização em queo homem tinha tanta fé, estáameaçada de destruição; ascoisas que temos criado ecultivado com tanto carinho,

    todas estão em jogoatualmente. Para que ohomem se salve do precipício,torna-se necessária uma

     verdadeira revolução — nãouma revolução sangrenta, masuma revolução de regeneração

    interior.

    Não é possível regeneraçãosem autoconhecimento. Sem

     vos conhecerdes a vós mesmos,nada podeis fazer. Temos de

    pensar em cada problemaprofundamente e de maneiranova; e para o fazer,precisamos libertar-nos dopassado, o que significa que

    o “processo” de pensamentodeve findar. Nosso problemaconsiste em compreender opresente, na sua enormidade,com suas inevitáveiscatástrofes e desgraças —precisamos encarar tudo isso

    de maneira nova.

    Não pode haver nada novose transportamos sempreconosco o passado, seanalisamos o presente por meiodo “processo” do pensamento.

    Eis por que, para secompreender um problema,necessita-se o findar dopensamento. Quando a menteestá tranquila, quieta, serena,só então está resolvido oproblema. Por conseguinte,

    é importante a compreensãode si mesmo. Vós e eu temosde ser o sal da terra,professando um novopensamento, uma novafelicidade.

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     A NATUREZA DAS

    R el ações  humanas

    E sobremodo difícilcompreender os meandros eas complexidades das relaçõeshumanas. Mesmo quandotemos muita intimidade comuma pessoa, é muitas vezesdificílimo e quase impossívelconhecer-lhe os verdadeirossentimentos e pensamentos.Isso se torna menos difícilquando há afeição, quandohá amor entre duas pessoas,porque há então comunhãoimediata, simultânea e no

    mesmo nível; mas essacomunhão é negada, quando

    ficamos apenas a discutir oua ouvir no nível verbal. Edificílimo estabelecer essa

    comunhão entre vós e mim,porque não há comunhão, não

    há verdadeiro entendimentoentre nós.

     A comunhão deixa de existirquando há temor ou

    preconceito, porque nesse caso

    entra em funcionamento omecanismo de defesa. Talvezeu veja as coisas de maneiradiferente daquela a que estaishabituados, e desejo estar emcomunhão convosco, desejocomunicar-vos o que vejo.Posso não ver com exatidãoou de maneira completa; mas,se desejais examinar o que vosestou comunicando, deveis, de

     vossa parte, estar abertos,receptivos.

    Não me estou ocupando comidéias. As idéias, para mim,não têm significação alguma.Idéias não produzemrevolução, idéias nãoproduzem regeneração; e é aregeneração que é essencial.

     A comunicação de idéias érelativamente fácil, mas ocomungarmos uns com osoutros, além do nível verbal,é sobremaneira difícil.

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    O que devemos estabelecerentre nós não é uma comunhãoimaginária, uma comunhãomística, mas uma comunhãoque só é possível quando nósdois estamos seriamenteinteressados em descobrir a

     verdade que resolverá osnossos problemas. Quanto amim, creio em uma realidadeque existe de momento em

    momento e que,absolutamente, não seencontra na esfera do tempo.Essa realidade representa aúnica solução aos múltiplosproblemas da nossa vida.Quando uma pessoa percebe

    essa realidade, ou quando elasurge, é ela um fator delibertação; mas nenhuma somade argumentação intelectual,de disputa, de conflitoeconômico, social ou religioso,resolverá os problemas

    gerados pela mente.

    Para haver comunicaçãotemos que comungar uns comos outros, e para talprecisamos estar abertos ereceptivos, não aceitando nem

    negando, mas investigando. Vós e eu estamos em relação,não estamos vivendoisoladamente. A verdade nãoé algo separado do estado derelação. As relações

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    constituem a sociedade, e nacompreensão das relaçõesentre vós e vossa esposa, entre

     vós e a sociedade, encontrareisa verdade, ou, melhor, a

     verdade virá a vós, trazendo- vos a libertação de todos osproblemas. Não podeis achara verdade, deveis deixá-la vira vós; e para que isso aconteçarequer-se uma mente não maisperturbada pela ignorância.

    Ignorância não significa a faltade conhecimentos técnicos, afalta de leitura de muitos livrosfilosóficos: ignorância é a faltade conhecimento próprio.

     Ainda que uma pessoa tenha

    lido muitos livros filosóficose sagrados e seja capaz decitá-los, essas citações, querepresentam uma acumulaçãode palavras e experiênciasalheias, não libertam a menteda ignorância. Surge o

    autoconhecimento aoinvestigarmos eexperimentarmos as tendênciasdos nossos própriospensamentos, sentimentos eatos, o que significa estarmoscônscios de nosso “processo”

    total, nas relações, instantepor instante.

    O autoconhecimento, do qualtrataremos mais adiante, dá-nos a exata perspectiva de

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    qualquer dos nossosproblemas, e a exataperspectiva é a compreensãoda verdade contida noproblema; e essacompreensão, inevitavelmente,produzirá ação, nas relações.Por conseguinte, oautoconhecimento não se opõeà ação, não a nega. Oautoconhecimento revela a

    perspectiva correta, ou sejaa verdade contida noproblema, da qual resulta aação — essas três coisas estãosempre relacionadas entre si;não são separadas. Não háação verdadeira sem

    autoconhecimento. Se não meconheço a mim mesmo, é óbvioque não tenho base para aação; o que faço é meraatividade, reação de umamente condicionada, eportanto sem significação.

    Uma reação condicionada nãopode libertar-nos nem pôrordem no caos.

    Ora, o mundo e o indivíduosão um “processo” único, nãosão opostos um ao outro; e ohomem que está tentandoresolver seus própriosproblemas, que são osproblemas do mundo, necessitaevidentemente de uma basepara o seu pensar. Acho

    bastante claro isso. Se não meconheço a mim mesmo, falta-me base para pensar; se,desconhecendo-me a mimmesmo, ponho-me ematividade, essa atividade sópoderá gerar sofrimentos econfusão — exatamente o queestá sucedendo no mundo, nostempos atuais.

    Nessas condições, ainvestigação que nos leva aoautoconhecimento não é umprocesso de isolamento, não éuma fantasia nem um luxo deasceta. Pelo contrário, é umanecessidade evidente para ohomem do mundo, para opobre e o rico, e para aqueleque deseja resolver osproblemas do mundo. Julgoimportantíssimo compreenderque este mundo é produto denossa existência diária, e que

    o ambiente criado por nós nãoé independente de nós. Oambiente existe, e nãopodemos transformá-lo semnos transformarmos a nósmesmos; e para isso, devemoscompreender os nossos

    pensamentos, sentimentos eatos, na vida de relação.

    Os economistas e osrevolucionários querem alteraro ambiente sem alterar o

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    indivíduo; mas a simplesalteração do ambiente, sem acompreensão de nós mesmos,não tem significação alguma.O ambiente é produto dos

    esforços do indivíduo, estandoum e outro relacionados entresi; não se pode alterar umdeles, sem alterar também ooutro. Vós e eu não estamosisolados; somos o resultado do“processo” total, o produto de

    toda a luta da humanidade,quer vivamos na índia, no

     Japão ou na América. A somade toda a humanidade sois vóse eu. Podemos estarconscientes ou inconscientesdesse fato. Para se realizaruma transformaçãorevolucionária na estrutura dasociedade, deve cadaindivíduo compreender-se a simesmo como um “processo ’total, e não como uma entidade

    separada, isolada. Se está bemclaro isso, podemos continuara investigar a natureza damente humana e do homem.

    Mas deve ficar bem claro,para o homem que sente realinteresse, que não pode haver

    uma revolução completa nomundo num nível único,econômico ou espiritual. Umarevolução total, uma revoluçãofecunda, só será possível se vós

    e eu nos compreendermos comoum “processo” total. Vós e eunão somos indivíduos isolados,mas, sim, o resultado de todaa luta da humanidade, com

    suas ilusões, suas fantasias,desejos, ignorância,diferenças, conflitos e misérias.Não podemos começar aalterar as condições do mundoantes de termos compreendidoa nós mesmos. Se perceberdes

    isso, dar-se-á, dentro de vós,imediatamente, uma revoluçãocompleta. Então, édesnecessário o guru,  porqueo autoconhecimento seprocessa minuto por minuto:não é uma acumulação decoisas ouvidas de outrem, nemse encerra nos preceitos dosinstrutores religiosos.

    Quando o indivíduo estádescobrindo-se a si mesmo,instante por instante, em suas

    relações com outras pessoas,essas relações assumemsignificado inteiramentediverso. As relaçõestransformam-se em revelação,em constante “processo” deautodescobrimento; e desseautodescobrimento resulta aação.

    O autoconhecimento, pois, sópode vir pelas relações e não

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    pelo isolamento. Relaçõessignificam ação, e oautoconhecimento é o resultadode um lúcido percebimento naação. Exemplificando:

    suponhamos que nunca tenhaislido livros e sois o primeiro ainvestigar o significado daexistência. Não tendesninguém que vos ensine amaneira de começar — nemguru,  nem livro, nem instrutor

    — e quereis descobrir o“processo” total de vós mesmo.Como começar? Só podeiscomeçar por vós mesmo, nãoé assim?

    Pois é este o nosso problema.

    O mero citar de autoridadesnão representaautoconhecimento,descobrimento do “processo”do ' ‘eu”, e por conseguinte denada vale. Tendes de começarcomo se nada soubésseis, pois

    só assim realizareis umdescobrimento fecundo elibertador; só assimencontrareis, com vossodescobrimento, a felicidade ea alegria. Mas nós, a maioriade nós, vivemos de palavras;

    e as palavras, tal como amemória, são produto dopassado. Um homem que viveno passado não podecompreender o presente.

    Cumpre-vos, pois,compreender o “processo” de vós mesmo, momento pormomento, o que significa quedeveis estar sempre vigilante,

    sempre cônscio dos vossospensamentos, sentimentos eações. Estando cônscio, vereisque os vossos pensamentos,sentimentos e ações não sebaseiam apenas no padrãocriado pela sociedade ou pelosinstrutores religiosos, mas sãotambém o produto de vossasinclinações pessoais.Percepção dos nossospensamentos, sentimentos eações — eis o “processo” doautoconhecimento. Todos nóstemos percebimento no sentidode que temos consciência deestar fazendo ou pensandoalguma coisa; mas não estamoscônscios do motivo ou impulsoque origina aquilo que

    pensamos e fazemos.Procuramos alterar a estruturado pensamento, e nuncacompreendemos o criadordessa estrutura.

    E essencial, portanto, que noscompreendamos a nós mesmos;

    porque, sem essacompreensão, sem esse“processo” deautodescobrimento, nuncahaverá uma revolução

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    Ainda que uma pessoa tenha 

    lido muitos livros filosóficos 

    e sagrados e seja capaz de 

    citá-los, essas citações, que 

    representam uma acumulação 

    de palavras e experiências 

    alheias, não libertam a mente 

    da ignorância.

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    criadora. Compreender a simesmo, significa estar cônsciode cada pensamento e cadasentimento, sem tendência acondená-lo. Condenar é sustar

    o pensamento e o sentimento;mas, se nos abstemos decondenar, de justificar, deresistir, então, nesse caso, opensamento se revelará todointeiro. Experimentai, e vereis.E de suma importância isso;

    porque, para o advento de umarevolução criadora, ouregeneração, é essencial, emprimeiro lugar,compreendermos a nósmesmos.

    O introduzir modificaçõeseconômicas ou novos padrõesde ação, sem compreensão denós mesmos, tem muito pouco valor. Enquanto não noscompreendermos a nósmesmos, caminharemos sempre

    de um conflito para outro.Nada se pode criar quando háconflito; a criação só é possívelquando cessa o conflito. Para

    o homem que vive numa

    batalha constante consigomesmo e com seu próximo,nunca haverá possibilidade de

    regeneração — ele só pode irde reação em reação. Só pode

     vir a regeneração quando

    estamos livres de toda reação,e essa liberdade só pode nascerdo autoconhecimento.

    O indivíduo não é um processoisolado, separado de todo,mas, sim, o “processo” total da

    humanidade; porconsequência, os que sentem verdadeiro interesse e desejamrealizar uma revolução de

     valores, radical e fundamental,esses devem começar por simesmos.

    •  A üeneração das imagens, o puja ea meditação são coisas naturais  e evidentemente úteis ao homem. Por que repudiá-las e tirar-nos o consolo que elas nos oferecem, no sofrimento?

    Compreendamos o que émeditação. Sendo uma questãocomplexa, tereis de prestaratenção contínua, senãoperdereis a substância deste

    assunto. Tratemos em primeirolugar de esclarecer os pontosprincipais. De início, não digoque a meditação não énecessária. Mas, antes de

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    dizermos se é necessária ounão, precisamos compreendero que ela significa. Meuguru, minhas tradições prescrevem

    que devo meditar, e por issome fecho num quarto e ponho-me a meditar. Isso, decerto,não tem significação alguma.Preciso saber o que se entendepor meditação.

    Que entendemos pormeditação? Na meditaçãoestão implicadas muitas coisas:prece, concentração, busca da

     verdade ou daquilo quechamamos compreensão,desejo de consolação, etc.

    Consideremos a prece. Quesignifica ela? A prece é umaforma de súplica. Vê-se umapessoa em dificuldades, e pedesocorro a outra. Vós e eutalvez não oremos, mas hámilhões que o fazem; e quando

    estes milhões rezam, obtêmevidentemente uma resposta,pois do contrário não rezariam.Obtêm uma certa consolação.

    Quando se ora, a resposta vemde Deus, de uma entidade

    superior, ou vem de outraparte? Em que consiste aoração? Primeiro, repetiscertas palavras; sois hinduísta,e repetis certas palavras,mantrams.  Pela repetição de

    palavras, vezes sobre vezes,produzis um estado dequietude na mente. Serepetimos uma coisa sem

    cessar, é claro que a mente háde ficar embotada, quieta; eestando quieta, recebe umaresposta. De onde provém aresposta? Provém do quechamais Deus ou de outraparte? Por que orais? Orais,

    evidentemente, porque vosachais em alguma dificuldade,em algum estado que vos causador e sofrimento, e por issodesejais uma solução. Isto é,criastes um problema; eorando, isto é, repetindo

    palavras, tranquilizais amente, e esta recebe então umaresposta ou solução.

    Quando fazeis isso, queacontece realmente? A mentesuperficial acha-se em estado

    de tranquilidade, deinatividade; então oinconsciente nela se projeta, etendes a resposta. Ou,expressando-o de outramaneira, tendes um problemaque vos atormenta e perturba

    durante muitas horas e nãoachais a solução. Ides entãodormir, dizendo: “Vou dormirsobre o caso.” Aodespertardes, na manhãseguinte, tendes a solução do

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    problema. Que aconteceu? Amente consciente, depois detorturar-se com um problema,põe-no de parte, dizendo:“Não quero mais preocupar-me com ele”; e quando a menteconsciente está quieta, emrelação ao problema, oinconsciente pode projetar-seno consciente e levar-lhe asolução.

    Essa resposta, podeis chamá-la “a voz tranqüila e suave”,a voz de Deus, ou comoquiserdes ——o nome nãoimporta. E o inconsciente quetransmite a mensagem, é eleque envia a solução doproblema; e a oração é umsimples expediente paraaquietar a mente consciente afim de que possa receber aresposta.

    Mas a mente consciente obtémuma resposta de acordo como seu desejo consciente. Se amente é condicionada, aresposta será semprecondicionada. Isto é, se sounacionalista e se, por meio da

    prece, reduzo a menteconsciente a um estado detranquilidade, obtenho umaresposta de acordo com o meucondicionamento nacionalista.Por isso pode um Hitler dizer:

    “Ouço a voz de Deus.” Esteé um dos aspectos destaquestão da meditação.

     Vem a seguir o problema da

    concentração, um pouco maisdifícil, reclamando maioraplicação do pensamento e daatenção. Que se entende porconcentração? Porconcentração, entende-seexclusão. Concentrar-se num

    objeto, numa idéia, significarepelir e excluir todos os outrospensamentos que se insinuamna mente. Resistir àconcorrência de outras idéias,procurar forçar a mente afixar-se numa idéia, é umabatalha constante, não?Escolheis uma idéia e procuraisfocar a mente nessa idéia,resistindo a todos os outrospensamentos; e quandoconseguis concentrar-vos nessa

    idéia, com exclusão de todasas outras, pensais teraprendido a concentraçãoperfeita. Quando fazeis isso,que acontece realmente? Aconcentração se torna umconstante conflito de

    resistência.

    Por que escolheis umpensamento e rejeitais todos osoutros? Porque julgais que umdeterminado pensamento é

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    mais importante do que osoutros, os quais consideraissecundários. Por isso háconflito, há uma batalhaconstante entre os pensamentossecundários e o pensamentomais importante. Mas se seguise compreendeis cadapensamento que surge,importante ou não — todos ospensamentos são importantes

    — não há então necessidadede focardes o pensamentonuma única idéia. Aconcentração não é entãolimitante, mas tonificante,criadora.

     Vede uma criança. Dai-lhe umbrinquedo, um jogo, qualquercoisa que a interesse. Acriança se deixará absorverinteiramente, não precisaisdizer-lhe que se concentre. Sãoas pessoas adultas, sem

    interesse, que se forçam aconcentrar-se. O homem quelaz esforço para concentrar-se,não tem interesse no que estálazendo. Se tivesse, aconcentração não exigiríaesforço algum. A maioria de

     vós entrega-se à meditaçãoporque não tem interesse nascoisas que faz todos os dias.

     A meditação, pois, vos levapara longe da vida, não faz

    parte da vossa existênciadiária. Por conseguinte, aconcentração, a que chamaismeditação, é, meramente, umafuga à vida; e se conseguis fugirda vida completamente,pensais ter lucrado algumacoisa. Mas se examinardescada pensamento, cadasentimento que se manifesta,sem condenação, nem

     justificação, nem resistência,então, em virtude dessacompreensão constante, desseperpétuo redescobrimento, amente se torna muito quieta,muito serena, livre.Meditação, como vemos, não

    é concentração, meditação nãoé prece.

    E temos, ainda, a prática deritos. Por que praticais umrito? Qual a verdade em quese baseia? Morre minha mãe,e eu pratico um ritual pornenhuma razão válida. Issotraz à balha a questão dasanidade mental. Fazer umacoisa sem pensar é falta desanidade mental; usar palavrasque não têm nexo, que não têmsignificação, denota um estadode desequilíbrio. Por queexecutais ritos em intenção dosmortos? Se eles vos confortam,estais então procurandoconforto e não compreensão.

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    Se o sabeis, por que entãofazeis isso? Sabeis, é bemóbvio, que não deveis praticá-los. Alguns os praticam

    porque não têm outra coisa quefazer, principalmente asmulheres, e isso indica o estadode desequilíbrio em queestamos vivendo.

     A prática de ritos é uma fuga

    maravilhosa da brutalidade da vida, de um marido brutal, daconstante criação de filhos; econdenais aqueles que os nãopraticam. Para uns elesconstituem uma fuga, paraoutros uma questão de

    tradição, de autoridade.Francamente, celebrar um ritoqualquer em intenção do paiou da mãe que faleceu, porquea tradição o manda, é umestado de desequilíbrio. Nãosabeis o que significa, mas dará

    gosto à mãe ou ao pai ou ao vizinho. Quem faz uma coisaque não compreende édesequilibrado. Francamente,citar autoridades, executaruma coisa que não secompreende, só porque

    conforta, isso não é açãoprópria de uma pessoa bemequilibrada.

    Por fim, temos a veneração deuma imagem, o ficar sentadodiante de um retrato,

    42

    inteiramente absorto. Por que venerais coisas mortas? Porque não venerais vossasesposas, vossos filhos e vossos

     vizinhos? Adorais coisasmortas, porque elas não podemreagir e podeis atribuir-lhes oque quiserdes. Não adorais os

     vivos porque eles podem reagire dizer que sois muitoestultos.

    Pois bem, se meditação não éprece, se não é concentração,se não é rito, nem repetiçõesde palavras, se não é adoraçãode imagens, que é entãomeditação? Para secompreender qualquer coisa,há necessidade de uma mentetranqüila. Que significameditação?

    Se percebeis que meditaçãonão é repetir palavras, não ésentar-se à frente de uma

    imagem e pôr-se em estado dehipnose — se percebeis essa verdade, que acontece à vossamente? Se percebeis a verdadeacerca da oração, da adoraçãode imagens, se percebeis a

     verdade a respeito dos ritos e

    suas ilusões, qual é o estado da vossa mente? E claro que, setiverdes percebido a verdadeacerca de todas essas coisas,estareis libertado de todas elas,não é exato? Libertada delas,

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    a vossa mente se torna muitoserena; e nessa serenidade,manifesta-se a realidade.

     A meditação, pois, não é umdisciplinar da mente e docoração em conformidade comum determinado padrão, mas,sim, um processo constante decompreensão, momento pormomento. Só vem a

    compreensão quando há opercebimento da verdade —não de alguma verdadeabstrata, mas da verdadedaquilo que é real. Se tomouma corda por uma serpente,há aí um estado de falsa

    representação; mas quando vejo a corda como uma corda,há verdade. Só há verdadequando vejo as coisas comosão, claramente e semdesfiguração, na sua exataperspectiva; e esse “processo”

    de ver as coisas como são, comclareza e sem desfiguração, émeditação.

    Mas é extremamente difícilperceber o que é, não tomaruma corda por uma serpente,

    porque, em geral, somosincapazes de perceber semdeformar. A meditação,portanto, é o “processo dedescondicionamento” damente; significa estar cônscio

    sem condenação, sem justificação ou resistência, decada pensamento, cadasentimento, cada fantasia que

    surge, conforme as nossasidiossincrasias e tendênciaspessoais. A meditação, pois,significa libertação dopassado. £ a memória dopassado que condiciona anossa reação, e meditação é o

    processo de libertar a mente dopassado.

    Mas surge-nos aqui umadificuldade. E necessário quea mente se liberte do passado,para não deformar o que é,para ver as coisas claramente,tais como são; e como pode amente, que é o resultado dopassado, libertar-se dopassado? Só pode libertar-sea mente do passado, aoreconhecerdes que cadapensamento é produto dopassado, e ao terdes plenaconsciência de que opensamento não pode resolverproblema algum. Todoproblema é um estímulo, é umdesafio sempre novo; e traduzir

    o novo em termos do velho énegar o novo.

    Quando a mente se percebe asi mesma como o centrodesfigurador, e está livre,lúcida, desvinculada do

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    Adorais coisas mortas, porque 

    elas náo podem reagir e 

    podeis atribuir-lhes o que 

    quiserdes. Náo adorais os 

    vivos porque eles podem 

    reagir e dizer que sois muito 

    estultos.

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    passado, e não mais se separacomo “vós”, como “eu” — estáela então tranqüila; e nessatranqüilidade existecompreensão, inteligência,

    realidade. Essa é umaexperiência que deve ser vividapor cada um, e que não podeser repetida. Se a repetimos,

    então já é coisa velha. Mas setendes interesse em resolver osproblemas humanos, énecessária essa espécie demeditação; e quando a mente

    se torna naturalmentetranqüila, como uma lagoadepois do vendaval, surgeentão a realidade.

    • Os homens nascem desiguais; qualquer teste de inteligência 

    pode prová-lo. Nossos shastras, reconhecendo esse fato, classificam os homens em três tipos: satva, rajas e tamas. Como podemos então considerar todos iguais, independentemente das diferenças de 

    temperamento e de inteligência?

    É bem óbvio que todos somosdesiguais. Há uma diferença

    enorme entre um homem eoutro, entre uma mulher eoutra. Mas há diferençaquando amais alguém? Hádesigualdade? Hánacionalidade? Quando ocoração está vazio, tornam-seentão muito importantes ostipos; dividimos então os sereshumanos em classes, cores,raças. Mas quando amamos,há alguma diferença? Quandohá generosidade no vossocoração, fazeis distinções?

     Vós vos dais. Só o homem quenão é generoso, que vivepreocupado com sua conta nobanco, só a esse interessamanter essas diferenças e

    divisões. Para o homem quebusca a verdade, não há

    divisões. Buscar a verdade éestar ativo, é ter sabedoria, éconhecer o amor. O homemque está seguindo por umdeterminado caminho não podenunca conhecer a verdade,porque esse caminho é, para

    ele, exclusivo.

    Todos nós sofremos, todostemos problemas, estamoscarregados de preocupações eem conflitos incessantes; amorte, a aflição e o sofrimento

    são nossos companheirosconstantes.

    O princípio hierárquico énitidamente nocivo aopensamento espiritual. Dividir

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    os homens em “altos” e“baixos” denota ignorância.Uma vez que todos estamossofrendo em diferentes níveisde consciência, o que digo é

    para todos. Todos nós —ricos, pobres, remediados —queremos ficar livres dosofrimento. O sofrimento énossa condição comum; e comotodos buscamos uma saída dosofrimento, o que digo é para

    todos.

    Pois bem, visto que sofremos,nada se ganha em querermosapenas fugir a essa condição.O sofrimento não pode sercompreendido se fugimos dele,

    mas, sim, se o amamos ecompreendemos.Compreendemos uma coisa,quando a amamos.Compreendeis vossa esposaquando a amais, compreendeis vosso próximo quando o amais

    — o que não significa deixar-se arrebatar pela palavra“amor”.

     A maioria de nós foge aosofrimento por meio dosinúmeros artifícios engenhosos

    da mente. O sofrimento sópode ser compreendidoquando estamos frente a frentecom ele, e não quandobuscamos iracessantemente

    4 7  

    fugir-lhe. Por causa do nossodesejo de evitar o sofrimento,criamos uma civilização dedistrações, de religiãoorganizada, com suas

    cerimônias e pujas: eamontoamos riquezas,explorando os outros. Todasessas coisas são indicativas donosso empenho em evitar osofrimento. Sem dúvida, vóse eu, “o homem da rua”,

    qualquer um podecompreender o sofrimento,bastando que lhe dê atenção.Mas, por desventura, acivilização moderna nos ajudaa fugir por meio dedivertimentos, de distrações,

    de ilusões, de repetições depalavras, etc. Tudo isso nosajuda a evitar o que é, e porisso precisamos estar cônsciosdessas inúmeras fugas.

    Só quando o homem estiver

    livre das suas fugas, dissolveráa causa do sofrimento. Parao homem feliz, o homem queama, não há divisões: ele nãoé brâmane, nem inglês, nemalemão, nem hindu. Para essehomem não há divisões de

    altos e “baixos”. É porquenão amamos que temos todasessas odiosas divisões. Quandoamais, tendes um sentimento deriqueza que vos perfuma a vida

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    e estais pronto a dividir o vosso está cheio o coração, as coisascoração com outro. Quando da mente fenecem.

    •  Maharashtra é a terra de santos. Dyanesiüari, Tukaram, e muitos outros filhos de Maharashtra lutaram por meio de BakthiMarga para proclamar a verdade e dar assistência a milhões de homens e mulheres comuns, que ainda visitam o templo de Pandhar- pur todos os anos, com fervorosa fé. Esses santos deram-nos man-trams. Não são eles importantes?

     Acreditais que pela repetiçãode palavras, pela repetição deum nome, dais nutrição àalma? Ou apenasinsensibilizais a mente? Semdúvida, qualquer coisa querepetimos, vezes e mais vezes,

    torna a mente insensível. Nãorepresentará esta constanterepetição de palavras umexpediente para insensibihzara mente e impossibilitarqualquer revolução, qualquerinvestigação e qualquer reação

    sensível?Tornou-se uma das funçõesdos governos insensibilizar amente por meio da repetiçãoconstante: “Nós estamoscertos, os outros partidoserrados.” Pela incessanterepetição de um nome, pelaprática constante de um rito,não há dúvida de que a mente,que deveria ser sensível eflexível, se torna embotada.

     A maioria de nós teminclinação para viver uma vidade devoção, de algumaespécie; mas infelizmente essesexercícios de repetição adestroem. Muito importacompreender que o caminho da

    devoção e o caminho dasabedoria não são separados. As relações, que são umprocesso de auto-revelação,não podem ser compreendidasquando seguimos qualquercaminho. Se desejo

    compreender a vida, preciso vivê-la, preciso estar ativo,cheio de sabedoria com relaçãoà vida. Seguir um caminho,desprezando outro, significadesfiguração das coisas, umestado de contradição

    interior.Interessa-vos realmente ohomem comum? Duvidomuito. Se sentisseis interessepelo homem comum, não teríeis

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    idolatria por sistema nenhum,não haveria partido político,nem da esquerda nem dadireita. Um sistema se tornaimportante quando não amaiso homem comum, mas só amaiso sistema, uma ideologia, pelaqual estais dispostos aassassinar e destruir o homemcomum.

    Quando desejais compreender

    uma coisa, vós a amais; equando amais, a vida se tornasimples. E porque não tendesamor por vossa esposa ou porqualquer coisa, que isto setorna uma filosofiacomplicada, que achais

    dificílima. Quando amais aum, amais a outros, hácordialidade para com todos.Sois então sensível, flexível.

    Porque nos falta essa afeiçãoflexível, cordial, vivemos de

    palavras, sustentamo-nos compalavras. Adoramos um

    sistema, com suas horríveisdistinções de classe e de raça,

    suas fronteiras econômicas,porque nossos corações estão

     vazios. Para compreenderdes,precisais ter amor em vossos

    corações. O amor não é coisa

    para ser cultivada; ele nasce,pronta e imediatamente,quando não é impedido pelascoisas da mente.

    Quando há amor —cordialidade, generosidade,

    afabilidade, compaixão-—nãose necessita de filosofia alguma

    nem de instrutores; porque oamor é a própria verdade.

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     A "AÇAO Integrada"

    isto que a todos nósinteressa a ação e que, semação, não se pode viver, é detoda necessidade entrarmos afundo nesta questão eprocurarmos compreendê-laplenamente. E uma questão

    difícil, e temos de segui-la nosseus diferentes níveis; porque vivemos, em geral, uma vidadesintegrada, seccionada, anossa existência está divididaem compartimentos.Filosofias, ações e atividades

    existem em diferentes níveis,sem ligação umas com asoutras; e esse viver conduz,inevitavelmente, à confusão eá desordem.

     Assim, quando tentamoscompreender o complexoproblema da ação, precisamos

     verificar o que é atividade e oque é ação. Há uma vastadiferença entre atividade eação. Vivemos uma vida

    desintegrada, em níveisdiferentes, e queremos resolveros nossos muitos problemascada um no seu nível próprio.O economista quer resolvertodo o problema da existênciano nível econômico, o religioso

    no nível psicológico ou, comocostumam chamá-lo,espiritual, e o homem que crêna reforma social se interessapela transformação exterior,pela modificação dos padrõessociais, etc.

     Vemos, pois, que os mais denós operamos emcompartimentos separados,isolando o problema eprocurando resolvê-lo como seele fosse exclusivamente umproblema econômico ou umproblema psicológico ouespiritual, exclusivamenteexterno ou interno. Ora, estaação isolada é açãodesintegrada, e a ação

    SI

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    circunscrita é mera atividade.Isto é, quando queremosresolver um problema no seupróprio nível, como se ele não

    tivesse relação com outrasquestões importantes da vida,essa maneira de tratar oproblema não passa de meraatividade. Atividade é a açãoque não está em relação como todo.

    Quando dizemos:“modifiquemos primeiro oambiente, e o resto virá por si”,uma idéia dessas, sem dúvida,revela um pensar fragmentário,conducente à mera atividade.O homem não vive num único

    nível, mas em diferentes níveisde consciência; e separar a sua

     vida em compartimentos emníveis diferentes e semnenhuma relação entre si, éobviamente prejudicial àação.

    Muito importa compreender adistinção entre atividade eação. Eu chamaria atividadeà conduta de vida baseada emníveis independentes, em níveis“desintegrados” — isto é,queremos viver como se a vidaestivesse num único nível, semnos preocuparmos com outrosníveis, com outros campos daconsciência. Se examinarmostais atividades, verificaremos

    que se baseiam em idéias, e aidéia é um “processo” deisolamento; por conseguinte, aatividade é sempre um

    processo de isolamento, e nãode unificação. Se analisardesa atividade, vereis que ela é oproduto de uma idéia; isto é,a idéia é considerada a coisamais importante de todas, euma tal idéia é sempre

    separativa.

    Uma idéia que gera atividade,ou uma atividade baseada nopadrão de uma idéia, há decausar conflito,inevitavelmente — e isso é o

    que está acontecendo na nossa vida. Temos uma idéia edepois nos moldamos por essaidéia; mas, se a examinardesatentamente, podereis ver quea idéia é separativa. Uma idéianunca pode ser integradora; ela

    sempre separa, sempre divide. Aquele que se entrega asimples atividades baseadasnuma idéia, está obviamentecriando malefícios, causandosofrimentos, promovendo adesordem.

     A “ação integrada” não nascede uma idéia; nasce assim quecompreendeis a vida como umprocesso total, nãofragmentado em

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    compartimentos separados, ematividades separadas do tododa existência. “Açãointegrada” é a ação que não

    está baseada em idéia, açãoque abrange o todo, o“processo” total; e o que é umprocesso total não tem alimitação de uma idéia. Assim,aquele que deseja agir

    seriamente, interessadamente,

    de maneira cabal, semproduzir desordem, devecompreender a ação como umtodo, não baseado em idéia.Quando a ação se baseia emidéia, é mera atividade; e todaatividade é separativa,

    exclusiva.

    Nosso problema, portanto, éo de como agir“integralmente”, como um todoe não em diferentes níveis nãorelacionados entre si. Para seagir como um todo, agirintegralmente, é óbvia a

    | necessidade deautoconhecimento. Oautoconhecimento não é umaidéia; é um movimento. Umaidéia é sempre estática; e se nosfalta o autoconhecimento, amera ação baseada numa idéiaconduz à desordem, aosofrimento e à dor. Porconseguinte, para a ação,

    necessita-seautoconhecimento.

    O autoconhecimento não é uma

    técnica, não o temos deaprender num livro. O“processo” doautoconhecimento descobre-senas relações, em nossasrelações com um só indivíduoou com a sociedade. Sociedade

    é a relação entre eu e outrohomem. Só pode haver “açãointegrada” quando háautoconhecimento; e oautoconhecimento é produtonão de uma idéia, mas dasrelações, que estão em

    constante movimento. Seobservardes, podereis ver queas relações nunca podem fixar-se, nunca podem ser limitadaspor uma idéia; as relações estãoem movimento constante,nunca são estáticas. Por

    conseguinte, a compreensãodas relações é difícil,extremamente difícil, e esta éa razão por que nos voltamospara a mera atividade, paraa ideação, como padrão deação.

    Nessas condições, o homemsincero não deve deixar-seenvolver na atividade, mas,sim, compreender as relações,

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    Quando o marido exige os 

    seus "direitos" e quer uma 

    esposa "cumpridora de seus 

    deveres", a relação entre os 

    dois não passa evidentemente 

    de mero contrato mercantil.

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    pelo processo doautoconhecimento. Acompreensão do processo doíi  J » 1 l í >>eu , do meu , na sua

    inteireza, traz a “açãointegrada”; e esta ação écompleta, esta ação não criaráconflito.

    • Quais são os deveres de uma esposa? 

    Neste país, o marido é opatrão; ele é a lei, o senhor,porque economicamentedominante, e é ele quem dizquais são os deveres de umaesposa. Uma vez que a esposanão predomina e éeconomicamente dependente,o que ela diz não são deveres.Podemos considerar oproblema do ponto de vista domarido ou da esposa. Seconsideramos o problema daesposa, vemos que, porque nãoé livre, economicamente, a suaeducação é limitada ou suas

    capacidades de raciocíniopodem ser inferiores; e asociedade lhe impôs regras emodos de condutaestabelecidos por homens.Portanto, ela aceita o que seconvencionou chamar os

    direitos do marido; e como esteé quem domina, por sereconomicamente livre e tercapacidade para ganhardinheiro, quem dita a lei éele.

    Naturalmente, onde omatrimônio é um objeto decontrato, não há limite às suascomplicações. Existe então o“dever” — palavraburocrática que nada significanas relações. Quando seestabelecem regras e se começaa inquirir sobre os direitos edeveres do marido e da esposa,isso não tem mais fim. Semdúvida, a vida de relação, emtais condições, é horrível, nãoachais? Quando o maridoexige os seus “direitos” e queruma esposa “cumpridora dos

    seus deveres” (o que quer queisso signifique) a relação entreos dois não passaevidentemente de merocontrato mercantil. E degrande importânciacompreender esta questão;

    porque, certamente, há dehaver um modo diferente deconsiderá-la.

    Enquanto as relações estiverembaseadas em contrato, em

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    dinheiro, em posse, autoridadeou dominação, elas serão,forçosamente, uma cjuestão dedireitos e deveres. E evidente

    a extrema complexidade dasrelações, quando elas resultamde um contrato, em que seestipula o que é correto, o queé incorreto e o que é dever. Sesou vossa esposa e exigis demim certos atos, como não sou

    independente, tereinaturalmente de sucumbir aos vossos desejos, já que tendesas rédeas nas mãos. Impondesà vossa esposa certas regras,direitos e deveres, e as relaçõescom ela se tornam, por

    conseguinte, uma simplesquestão de contrato, com todasas respectivas complexidades.

    Mas não haverá uma outramaneira de considerar esteproblema? Isto é, quando háamor, não há nenhum dever.Quando amais vossa esposa,

     vós lhe dais participação emtudo —- na vossa propriedade,nas vossas tribulações, vossasansiedades, e vossas alegrias.Não a dominais: não sois o

    homem e ela a mulher, para serusada e posta de parte, umaespécie de máquinaprocriadora, para perpetuar o

     vosso nome. Quando há amor,a palavra “dever” desaparece.

    Só o homem que não tem amorno coração fala de direitos edeveres, e neste país direitose deveres tomaram o lugar do

    amor. As regras se tornarammais importantes do que ocalor da afeição.

    Quando há amor, o problemaé simples; quando não háamor, o problema se tornacomplexo. Quando um homem

    ama sua esposa e seus filhos, jamais pensará em dever e emdireitos. Senhores, examinai

     vosso coração e vossa mente.É claro que isso voz faz rir —esta é uma das artimanhas dosque não gostam de pensar: rirde uma coisa é afastá-la parao lado. Vossa esposa não temparticipação em vossaresponsabilidade, nem em

     vossa propriedade, ela não tema metade das coisas quetendes, porque considerais amulher menos importante doque vós, como uma coisa paraser guardada e usadasexualmente, segundo vossaconveniência, quando vossoapetite o exige. Por isso,

    inventastes as palavras“direitos” e “dever”; e quandoa mulher se revolta, atirais-lheestas palavras. E umasociedade estática, umasociedade em decomposição,

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    a que fala de dever e dedireitos.

    Se examinardes ao justo o vosso coração e a vossa mente, verificareis que não tendesamor. Sem amor, não perceboa utilidade de se ter filhos. Semamor criamos filhos feios,imaturos, incapazes de pensar;e assim serão eles toda a vida

    porque nunca se lhes deuafeição, porque só serviram debrinquedo e de divertimento,e para conservar o vosso nome.Para que venha a existir umanova sociedade, uma novacivilização, não deve

    evidentemente haverdominação nem por parte dohomem nem por parte damulher. A dominação existeem virtude da pobreza interior.Psicologicamente pobres, quesomos, desejamos dominar,

    descompor a criada, a esposaou o marido.

    Certamente, só o sentimentoafetuoso, o calor do amor,pode implantar uma novacondição, uma nova

    civilização. O cultivo docoração não é um processo damente. A mente não podecultivar o coração; mas,quando é compreendido oprocesso da mente, surge entãoo amor. O amor não é uma

    mera palavra. A palavra nãoé a coisa. A palavra “amor”não é amor. Quandoempregamos essa palavra eprocuramos cultivar o amor,isso é meramente um processoda mente. O amor não pode

    ser cultivado; mas assim quepercebermos que a palavra nãoé a coisa, então a mente, comsuas leis e suas regras, seusdireitos e deveres, deixará deintervir, e só então teremos apossibilidade de criar uma

    nova civilização, uma novaesperança, um mundo novo.

    • Quequalidade é essa que nos dá a percepção do todo?

    Em geral, agimos semintegração. Percebemos umaparte de um dado problema,e depois agimos; e quando anossa atividade está baseada

    na percepção de só uma partee não do todo de um problema,haverá inevitavelmenteconfusão e miséria. A questão,pois, é de como perceber, na

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    sua inteireza, qualquerproblema humano. Porque,quando percebemos umproblema em sua inteireza e o

    tratamos como um todo, oproblema é resolvido. Essaação não cria novosproblemas. Se sou capaz deperceber como um todo, e nãoapenas parcialmente, oproblema da avidez, da

     violência, do nacionalismo,minha ação não produziráoutras catástrofes e maissofrimentos.

    Como é que nos aplicamos aum problema? Se nos

    aplicamos a um problema como desejo de achar uma soluçãoou a causa do problema,entramos no problema comuma mente muito agitada, nãoé verdade? Tendes umproblema e desejais achar uma

    solução; por conseguinte, estaismuito interessado na solução e vossa mente já está ansiosa porencontrá-la. Isto é, o problemanão vos interessa, só vosinteressa a solução doproblema. Por isso, que

    acontece? Porque só quereis asolução do problema, perdeisde vista a significação doproblema.

     Visto que vossa mente está

    agitada, não podeis, emabsoluto, perceber o problemaem sua inteireza; pois só sepode ver um problema em sua

    inteireza quando a mente estátranqiiila. Só há percebimentodo todo quando a mente estácompletamente tranqiiila. Masesse silêncio, essa serenidadenão é provocada ou produzidapor meio de disciplina ou de

    controle. Vem a serenidade sóquando cessam as distrações,isto é, quando a mente tomaconhecimento de todas asdistrações.

     A mente está interessada emmuitas coisas, em problemasmultiformes, e se ela escolhe uminteresse e exclui outrosinteresses, nesse caso não tomaconhecimento do problemaintegral, havendo por issodistração; mas se a mente tomaconhecimento de cada interesseque surge e percebe-lhe osignificado, não há entãodistração. Só há distraçãoquando escolhemos uminteresse central, porque entãoqualquer coisa estranha ao

    problema central constitui umadistração. Quando se escolheum interesse central, fica amente toda'concentrada, todaabsorvida nesse interesse? Nãofica, evidentemente.

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    O amor não é uma mera 

    palavra. A palavra não é uma 

    coisa. A palavra "amor" não 

    é o amor: Quando 

    empregamos esta palavra e 

    procuramos cultivar o amor, 

    isso é meramente um processo 

    da mente.

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    Podeis escolher um interessecentral, mas, se examinardesa vossa mente, vereis que elanão se concentra em coisa

    alguma. Se se concentrasse emalguma coisa não haveriadistrações; mas isso não épossível, porque ela tem muitosinteresses. Uma distraçãosignifica que existe um interessecentral, e por conseguinte tudo

    o que compete com o interessecentral constitui uma distração.

     A mente que tem um interessecentral e está resistindo àschamadas distrações, não éuma mente tranqüila. Essamente está apenas fixada numaidéia, numa imagem oufórmula, e a mente fixada emalguma coisa não é uma mentetranqüila, é uma mentecativa.

     Assim, uma mente tranqüila é

    essencial para a percepção dotodo; e só está tranqüila amente quando compreendecada pensamento e cadasentimento que surge. Isto é,a mente se torna tranqüilaquando cessa o processo de

    pensamento. Resistir, levantaruma muralha de isolamento e viver nesse isolamento, isso nãoé tranqüilidade. Atranqüilidade que é cultivada,disciplinada, forçada, a

    tranqüilidade sob compulsão,é ilusória, e, em tais condições,a mente jamais perceberá oproblema como um todo.

    O viver é uma arte, e a artenão se aprende num dia. Aarte de viver não se encontraem livros, e nenhumguru vo-lapode dar; mas, visto quecomprais livros e seguis gurus, 

     vossa mente está cheia de idéiasfalsas, cheia de disciplinas, deregras e restrições. Porque

     vossa mente nunca estátranqüila, nunca está serena,é incapaz de perceber qualquerproblema como um todo. Parase ver qualquer coisaplenamente, integralmente,necessita-se liberdade, e aliberdade não vem por meio decompulsão, de um processo dedisciplina, de repressões, mas

    só quando a mente secompreende a si mesma, o queé autoconhecimento.

    Essa forma superior deinteligência que é o pensarnegativo, só aparece quando

    o processo de pensamentocessou; e nessa vigilantetranqüilidade, percebe-se otodo do problema. E só entãohá a “ação integrada”, a açãoplena, correta, completa.

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    • Se a repetição de mantrams e a celebração de ritos embotam a mente, por que os psicólogos dizem que, quando a mente está concentrada numa coisa ou numa idéia, ela se torna penetrante?

    Se confiais em autoridades,estais perdido. O especialistaé uma pessoa “desintegrada”,e o que ele diz de suaespecialidade não pode levarà “ação integrada”. Porque,se citais um psicólogo e umoutro cita outro psicólogo deopinião contrária, em queficais? O que pensais e o queeu penso valem mais do quetodos os psicólogos juntos.Tratemos, pois, de descobrirpor nós mesmos, abstendo-nos

    de citar o que dizem ospsicólogos e os especialistas.Este caminho só conduz àconfusão mais completa e aoconflito da ignorância. Aquestão é esta: a repetição deummantram ou a prática de um

    rito embota a mente? E a outraquestão é: a concentraçãonuma idéia aguça a mente?

     Vamos ver se descobrimos a verdade a esse respeito.

     A repetição de uma palavra,

    por melhor que ela soe, éevidentemente um processomecânico. Observai a vossamente. Quando tomais apalavra Aum e ficais a repeti-la, que acontece à vossa

    mente? Se ficais repetindo essapalavra, todos os dias, vem-

     vos um certo estímulo, umacerta sensação, que é produtoda repetição. E um processomecânico; e pensais que umamente que fica a repetir umapalavra é capaz de penetraçãoou de pensar com presteza?Costumais repetir mantrams; eé vossa mente penetrante,flexível, ágil?

    Só podeis ver se vossa menteé ágil ou não, em vossas

    relações com outras pessoas.Se vos observardes a vósmesmo nas relações com vossaesposa, vossos filhos, vosso

     vizinho, vereis que vossa menteé obtusa. Imaginais apenas teruma mente “penetrante” —

    palavra que não tem“referente” em vossa ação, em

     vossas relações, que nunca sãoclaras nem completas. A menteque assim imagina édesequilibrada. A merarepetição de palavras

    proporciona sem dúvida umcerto estímulo, uma certasensação, mas isso só podetornar a mente obtusa.

    De modo idêntico, quando

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    praticais ritos, cerimônias, diapor dia, que está acontecendo?

     A prática de um rito, com todaa regularidade, proporcionasem dúvida um certo estímulo,tal como o freqüentar o cinema;e esse estímulo vos satisfaz.Quando um homem bebealguma coisa, um coquetel,poderá sentir-semomentaneamente livre de

    inibição, mas façam-no bebercontinuamente, e ele se tornarácada vez mais obtuso. Omesmo acontece quandopraticais ritospersistentemente: atribuís aos

     vossos ritos uma importância

    extraordinária, que eles nãotêm.

     Vossa mente é que éresponsável pelo embotamentode si mesma, que faz da vossa

     vida um processo mecânico.Não sabeis o que isso significa.

    Se refletisseis bem, secomeçásseis de novo, nãocontinuarieis a repetirpalavras. Vós o fazeis, porquealguém vos disse que arepetição dessas palavras,dessesmantrams, vos será útil.Para se achar a verdade, nãose necessita de guru nem delivro algum; para termos amente lúcida devemosexaminar a fundo cada

    questão, cada movimento depensamento, cada vibração desentimento.

     Visto que não desejais achar

    a verdade, tendes esseprovidencial entorpecente, queé o mantram,  a palavra. Seique continuareis a praticaresses ritos, porque o abandonodos mesmos iria criarperturbações na família,

    escandalizar a esposa ou omarido. Para não causarperturbações na família,preferis continuar a praticá-los. Quem continua a fazeruma coisa, sem saber o que faz,é evidentemente uma pessoadesequilibrada; e não estounada certo de que aqueles quecelebram ritos não sãodesequilibrados. Se algumasignificação tivessem essesritos, deveríam ter algumarepercussão na vida diária. Sesois o diretor ou o proprietáriode uma fábrica e não dais aosoperários nenhumaparticipação nos vossos lucros,pensais que tereis pazrepetindo esta palavra milhares

    de vezes?Homens que se utilizam dosoutros e que explorammonstruosamente seus criadose empregados, celebram ritos

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    e repetem a palavra “paz,paz”: isso é uma fugamaravilhosa. Um homemdesses é uma entidade feia,desequilibrada, e por mais quefale em pureza de vida, pormais ritos que pratique, pormais que repita a palavra Aum, que troque as roupagensdo Seu Deus, isso não alteranada. Que valor têm vossosmantrams e vossos ritos? Falaisde paz para um lado e semeaisdesgraças por outro. Pensaisque é equilibrada essa ação?Praticareis ritos incontáveis,mas não procedereisgenerosamente, porque não há

    em vós nem uma centelha da vida.

    Os mais de nós queremospermanecer embotados,porque não desejamosenfrentar a vida, e a menteembotada pode pôr-se a

    dormir e viver feliz num estadosemicomatoso. Os mantrams, a celebração de ritos, ajudama produzir esse estado de sono— e é isso o que desejais.Estais escutando palavras,mas não tendes vontade defazer coisa alguma. £ isso oque eu reprovo. Nãoabandonais os vossos ritos, nãodeixais de explorar, nuncadividireis os vossos lucros com

    outros, não vos interessamelhorar a vida dos não-privilegiados. Achais quetendes todo o direito a morarnum palacete e que eles não otêm. Visto que não fareis coisaalguma, não sei por queescutais tão interessadamenteas minhas palavras.

    O segundo problema é se aconcentração numa idéia pode

    produzir clareza oupenetração, na mente. E umproblema complexo e há muitascoisas nele implicadas; vamos,pois, examiná-lo a fundo. Quesignifica concentração? Umacriança não fala em

    concentração, quando teminteresse numa coisa. Dai-lheum relógio, um brinquedo,qualquer coisa que lhe desperteo interesse: ela ficaráinteiramente absorvida nessacoisa, nada mais existe paraela, no mundo. Vós não tendesinteresse e por isso fazeisesforços por concentrar-vos.Isto é, escolheis uma palavraagradável ou deleitável a quechamais “a verdade”, umaqualidade que vos dá umsentimento de bem-estar, eprocurais fixar a mente namesma. Outros pensamentos seinsinuam e vós os afastais, epassais o tempo batalhando

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    Para se achar a verdade, náo 

    se necessita de guru, nem de 

    livro algum; para termos a 

    mente lúcida, devemos 

    examinar a fundo cada 

    questão, cada movimento de 

    pensamento, cada vibração de 

    sentimento.

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    contra eles, num esforço para vos concentrardes.

    Se conseguis concentrar-vos efixar a mente numa idéia, se

    conseguis excluir outrospensamentos e isolar-vos comuma idéia única, pensais teralcançado algo importante.Em outras palavras, a vossaconcentração é mera exclusão.

     A vida é sobremodo grandepara vós e por isso vosconcentrais numa idéia; epensais, então, que vossamente se tornará penetrante.Tornar-se-á? Pode a mentetornar-se penetrante, se vive no

    isolamento, na exclusão? Amente é penetrante, clara, veloz, só quando é “inclusiva”,quando não vive noisolamento, quando capaz deseguir cada pensamento até ofim, vendo todas as suas

    consequências. Só então é amente capaz de se tornarpenetrante, e não quando seconcentra numa idéia, o querepresenta um processo deexclusão.

    Há ainda outra questão aquiimplicada: Que entendeis por“idéia”? Que é idéia?Evidentemente é umpensamento qu