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ISSN 1982-3541 Campinas-SP 2009, Vol. XI, n 2, 329-345
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2009, Vol. XI, n 2, 329-345
O processo de adeso numa perspectiva analtico comportamental
Adherence process from a behavioral analysis perspective
Antonio Bento Alves de Moraes30 Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Odontologia de Piracicaba
Gustavo Sattolo Rolim31 Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Cincias Mdicas
Aderson Luiz Costa Jr.32 Universidade de Braslia, Instituto de Psicologia
Resumo
Os comportamentos das pessoas e as situaes em que vivem tm impacto sobre a qualidade de vida das pessoas. O indivduo concebido como um ser ativo, capaz de agir sobre o meio e que tem responsabilidades no seu processo de adoecer. Desta maneira, os indivduos tm condies potenciais de adquirir e manter comportamentos saudveis, aderindo a planos teraputicos importantes a suas condies de desenvolvimento. Os comportamentos de profissionais da sade e dos pacientes representam o eixo central do processo de comunicao que deve ser descrito para uma compreenso ampla da anlise da adeso em sade. A adeso no pode ser reduzida ao cumprimento das recomendaes, mas ao resultado da exposio a situaes de aprendizagem e de enfrentamento.
Palavras-chave: Adeso, Comunicao, Aprendizagem, Promoo da sade.
Abstract
Peoples behavior and their contexts have an impact on their quality of life. Adherence behavior patterns involve patients as active subjects, capable of involvement in the process of health and illness. Individuals may learn and maintain effective health behavior, showing adherence to treatment that promotes well-being. A comprehensive understanding of adherence or compliance requires a description of the behavioral relationship between professionals and patients which, in turn, represents the central issue of what is referred to as the communication process. Adherence
30 Professor Doutor, Faculdade de Odontologia de Piracicaba. Av. Limeira, 901, 13 414-903, Areio, Piracicaba, SP, Brasil. E-mail: [email protected]
31 Doutorando, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Cincias Mdicas, Campinas, SP, Braisl. E-mail: [email protected]
3 Professor Doutor, Universidade de Braslia, Instituto de Psicologia. Braslia, DF, Brasil. E-mail: [email protected]
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may be understood as compliance with instructions but it is mainly the result of learning coping responses.
Keywords: Adherence, Communication, Learning, Health Promotion
Introduo
As condies de sade e de doena
dos indivduos so resultantes de um
complexo processo de interao entre
fatores biolgicos, psicolgicos e sociais
que podem ser analisadas em funo dos
comportamentos adquiridos e mantidos
ao longo do tempo em determinados
contextos. Atualmente, reconhece-se que
as crenas e aes das pessoas e as
situaes em que estas vivem tm
impacto, benfico ou adverso, sobre a
qualidade de vida das pessoas (Bennet &
Murphy, 1999).
A promoo da sade envolve tanto
os comportamentos de pessoas como de
seus familiares e grupos mais amplos,
bem como as polticas pblicas,
relacionadas a aes que tenham como
objetivo implementar uma melhor
qualidade de vida e, conseqentemente,
de desenvolvimento (Jenkins, 2007). A
compreenso sistemtica sobre como as
pessoas se comportam quando esto
saudveis, ou doentes, uma das tarefas
do profissional da sade interessado em
promoo de sade. Informaes sobre
crenas, valores e repertrio de
comportamentos de indivduos em
diferentes contextos de tratamento, por
exemplo, permitem planejar, divulgar e
implementar aes que ensinem as
pessoas a enfrentarem situaes adversas
durante o perodo de adoecimento e no
dia-a-dia em geral. Neste sentido,
estratgias de ensino devem ser
entendidas como parte integrante do
processo de adeso s exigncias dos
tratamentos.
Devemos destacar que o processo de
ensino, no contexto de tratamentos de
sade, envolve algumas premissas: (a)
uma valorizao da interao
profissional-paciente, como um processo
de disponibilizao, ou transposio, de
informao de um indivduo habilitado
formalmente para cuidar da sade de
outro indivduo que necessita de
cuidados; (b) um incentivo participao
ativa de pacientes e familiares em todas
as etapas do tratamento; (c) uma
perspectiva filosfica e tica de ateno
integral s necessidades de pacientes e
familiares, sem priorizao de
necessidades biolgicas em detrimentos
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de demandas psicossociais ou outras
especficas de cada contexto (Jenkins,
2007). Entretanto, a prtica clnica, em
diferentes reas da sade, aponta para a
existncia de um descompasso entre as
polticas de promoo de sade e a
formao oferecida nas escolas que
formam os profissionais da sade,
calcadas ainda, na especificidade e na
especializao de tcnicas destinadas ao
cuidado de fatores biolgicos.
Embora a preocupao com a
relao da sade e doena acompanhe o
homem desde os primrdios de nossa
histria, a concepo de sade e de
doena em termos de parmetros fsicos e
indicadores biolgicos mantm sua
supremacia em relao s teorias
multidimensionais, que consideram o
processo sade doena como influenciado
por variveis biolgicas, psicolgicas,
sociais, geogrficas, etc. (Costa Junior,
2005). Discusses filosficas em
disciplinas de cincias humanas e
biolgicas, a partir da dcada de 60 do
sculo XX, passaram a questionar a
nfase tradicional na orientao
biomdica da assistncia sade e
apontaram uma necessria ampliao da
perspectiva social da medicina. Os
avanos no conhecimento cientfico e o
aprimoramento tcnico dos profissionais
de sade, especialmente em algumas
reas da medicina e da odontologia,
sugerem que os profissionais ainda
apresentam um treinamento insuficiente
de habilidades sociais, tcnicas de
comunicao e avaliao de repertrios
comportamentais e cognitivos
relacionados ao enfrentamento e adeso
ao tratamento dos pacientes.
O Conceito de Adeso
O desenvolvimento cientfico da
psicologia da sade, enquanto rea de
conhecimento e de aplicao da
psicologia, conforme concebida por
Matarazzo (1980) tem incentivado uma
ampliao dos modelos explicativos de
diversos transtornos de sade,
especialmente aqueles de natureza
crnica, passando a considerar a relao
do indivduo com a doena e a
participao de fatores sociais e
psicolgicos, alm daqueles biolgicos,
sobre a etiologia, a manifestao
sintomtica e a perspectiva de
reabilitao (Martins, 2001; Ogden, 1996;
Straub, 2005; Zannon, 1991).
Neste sentido, a incorporao de
modelos mais abrangentes,
multidisciplinares e interdisciplinares, em
sade trouxe consigo uma mudana na
forma de se compreender o indivduo e
suas relaes com o mundo. O indivduo
passa a ser concebido como um ser ativo,
capaz de agir sobre o meio e que,
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portanto, deve assumir responsabilidades
no processo de adoecer e tratar a doena
(Ogden, 1996; Zannon, 1991; Straub,
2005). Desta maneira, o profissional de
sade torna-se, antes de tudo, um
educador que utiliza tcnicas psicolgicas
para incentivar o paciente a participar, a
aderir, efetivamente, s decises e aes
de seu tratamento (Costa Junior, 2005).
Alguns pesquisadores e clnicos
afirmam que a adeso pode ser
compreendida como um conjunto de
categorias de respostas cuja caracterstica
comum o seguimento de orientaes
proporcionadas pelos profissionais de
sade, tais como: tomar medicamentos,
realizar exerccios fsicos, regular o tipo e
a quantidade de alimentos ingeridos,
entre outros (Bennett & Murph, 1999).
Outros autores propem que este
conceito se relaciona a comportamentos
de sade que vo alm destas aes, de
seguimento de orientaes, devendo
envolver mudanas no repertrio
comportamental e cognitivo de indivduos
e grupos, tais como: deixar de fumar,
beber moderadamente, identificar ou
prevenir situaes evocadoras de estresse,
conhecer os efeitos colaterais dos
medicamentos recomendados, adquirir
hbitos seguros de relacionamento
sexual, usar cinto de segurana em
veculos automotivos, aprender a
descrever estados corporais que sugiram
alguma disfuno orgnica, entre outros
(Ogden, 1996).
Na literatura, observa-se que o
conceito de adeso utilizado de
mltiplas formas, aparentemente
distintas. Os termos adeso (adherence) e
obedincia (compliance) tm sido usados
para designar o grau de coincidncia
entre os comportamentos do indivduo
(paciente ou cliente) e as recomendaes
teraputicas do profissional da sade
(Epstein & Cluss, 1982). O termo
obedincia, no entanto, geralmente
adotado por profissionais que consideram
a pessoa enferma como passiva frente ao
tratamento, no sendo co-responsvel
pelo estabelecimento do prprio plano de
tratamento. Nesse caso, o no seguimento
das recomendaes profissionais
entendido como uma desobedincia s
prescries, um desvio de conduta do
paciente.
Alguns estudos apontam que os
profissionais que concordam com esta
concepo de desobedincia tm
caracterizado suas prticas com aes
coercitivas, nas quais os episdios de
esquecimentos e falhas dos pacientes so
valorizados no estabelecimento das
relaes sociais entre profissional e
usurios de servios de sade, com status
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inferioridade ao paciente (de Oliveira et.
al., 2005; Klein & Gonalves, 2005;
Cardoso & Galera, 2006). Caracterizar a
falta de adeso como um problema de
desobedincia e atribuir sua
funcionalidade s caractersticas pessoais
do paciente, desconsiderando variveis
ambientais, sustenta intervenes
calcadas em controle aversivo, que
realam a culpa do paciente pela sua
condio de sade e vo na direo oposta
s concepes integrais de ateno
sade, preconizadas pela psicologia da
sade.
Segundo Leventhal, Zimmerman e
Gutmann (1984), embora os resultados
dos estudos sobre adeso correlacionem
fatores como a complexidade de alguns
regimes de tratamento, o tempo
prolongado de tratamento e algumas
especificidades de doenas, com
determinados traos de
personalidade; a pesquisa sobre o
ensino de estratgias comportamentais
adequadas ao paciente em ambientes de
cuidados tem apontado que os indivduos
tm condies potenciais de adquirir e
manter comportamentos de sade,
aderindo a planos teraputicos
reconhecidos como importantes a suas
condies de desenvolvimento e de
interao com diferentes ambientes
scio-histricos.
Na proposta da Organizao
Mundial de Sade (OMS), a adeso
caracterizada pelo conjunto de aes que
podem incluir: tomar medicamentos,
obter imunizao, comparecer s
consultas agendadas e adotar hbitos
saudveis de vida; a OMS destaca que a
adeso envolve, necessariamente, a
participao de uma equipe
multiprofissional como estabelecedora e
mantenedora de acordos com o paciente
para realizao do tratamento (WHO,
2003).
Deste modo, o conceito de adeso
pressupe uma parceria entre quem cuida
e quem cuidado. Nesta parceria, devem-
se considerar algumas variveis: os nveis
de informao dos usurios, a atualizao
de conhecimentos dos profissionais de
sade, a especificidade dos proce-
dimentos teraputicos e seus efeitos
colaterais, a durao dos tratamentos e a
noo de sade-doena do paciente e do
cuidador. Esta mudana de perspectiva
insere o cuidado com o paciente como
ponto central para uma interveno
participativa de ensino e
acompanhamento do processo sade-
doena do paciente (Friberg & Scherman,
2005).
O reconhecimento, no entanto, de
que as orientaes do profissional de
sade e os comportamentos do paciente
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so mediados por uma variedade de
eventos que podem dificultar ou facilitar a
comunicao, constitui-se como um
requisito essencial para a maior
probabilidade do estabelecimento de
nveis interessantes de adeso ao
tratamento. Inerente a tal
reconhecimento est a premissa de que o
profissional de sade deve disponibilizar
ateno incondicional positiva ao
paciente, identificando as necessidades
sob a perspectiva do prprio paciente.
Dados sociodemogrficos, caractersticas
individuais, condies de desen-
volvimento, crenas e valores, constituem
elementos essenciais ao estabelecimento
do plano de cuidados a ser apresentado e
discutido com o paciente e seus
familiares.
Os Componentes da Adeso
O processo de adeso tem incio
quando paciente e profissional fazem o
primeiro contato/contrato, que agrega
um amplo conjunto de respostas e
contextos como procurar auxlio, seguir
prescries, tomar medicamentos
apropriadamente, retornar s consultas
de acompanhamento (follow-up),
modificar respostas e contextos de risco,
implementar aes de higiene, seguir
dietas, seguir orientaes de restries ou
indicaes para atividades fsicas, entre
outros. Estas mltiplas aes e
recomendaes podem sobrecarregar os
recursos pessoais do paciente/cliente, que
se encontra vulnervel, no perodo em
que est acometido por uma doena
(Jonhson, 1994; WHO, 2003).
Desta maneira h, pelo menos,
quatro componentes importantes na
caracterizao de adeso: (a) as aes do
paciente - que envolvem seu nvel de
conhecimento e habilidades; (b) a
comunicao, pelo profissional, das aes
que se espera que o paciente apresente
em determinada condio ou contexto;
(c) as caractersticas da doena, crnica
ou aguda, que relaciona tempo e
investimento dispensado a tratamentos
especficos; e (d) as questes relacionadas
famlia, rede de apoio social na qual o
paciente est inserido, a estrutura dos
servios de sade e polticas pblicas de
promoo e preveno, que podem
facilitar, ou dificultar, as respostas de
adeso (Malerbi, 2001; DiMatteo, 2004).
Considerando tais componentes, a
adeso representa mais do que a
manuteno de respostas compatveis a
uma agncia de controle (um profissional
de sade, por exemplo). O indivduo, ao
longo de seu desenvolvimento, aprende
que determinadas regras devem ser
seguidas para obteno de consequncias
reforadoras. Em outras palavras, as
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respostas do indivduo relacionam-se
tanto com as gradaes nos seus estados
de sade, que decorrem de condies
biolgicas e ambientais, e de como os
contextos de cuidado e ensino de hbitos
saudveis permitem a pessoa sentir-se
bem, ou livre de dor e desconforto
(Skinner, 1995).
Um bom exemplo o
comportamento de auto-cuidado,
mantido por suas consequncias.
Respostas relacionadas aos cuidados com
a higiene pessoal, uso de cinto de
segurana, realizar exerccios fsicos,
buscar auxlio de um profissional, fumar,
beber, entre outras, so classes de
respostas que foram aprendidas e
possuem uma funo para aquele que as
emite. Estas respostas podem relacionar-
se a um processo de esquiva a uma
provvel doena ou perigo, ou a
diminuio da ansiedade e do estresse
dirio, ou busca por suporte/apoio social
frente a um contexto adverso/aversivo.
Isso significa que para se compreender a
resposta de adeso deve-se observar e
analisar a interao entre a aprendizagem
de regras e as contingncias estabelecidas
entre contextos de tratamento e a histria
do paciente (Matos, 2001).
Nos estudos sobre adeso em sade,
observa-se uma preocupao com a falta
de concordncia entre as orientaes dos
profissionais de sade e os
comportamentos dos usurios do servio
de sade. Nesta discrepncia, entre o dito
(pelo profissional) e o feito (pelo
paciente) h uma variedade de posturas,
explicaes e intervenes para modificar
os comportamentos de risco de
indivduos (DiMatteo, 2004; Perini et al.,
1999).
Uma anlise da adeso deve
identificar os resultados de sade, as
condies sob as quais o comportamento
ocorre e o planejamento e implementao
de estratgias realistas para a modificao
do comportamento. Ou seja, cabe a
pergunta - entre o dito (pelo profissional)
e o feito (pelo paciente) qual foi o
resultado? Como o indivduo avalia e lida
com o objetivo de sentir-se saudvel? O
indivduo tem motivao para cuidar de
sua sade? Qual o custo para obteno
desta meta?.
Em outras palavras, no h
"cumpridores" (ou obedientes) e "no-
cumpridores" (ou desobedientes), mas
momentos em que o paciente apresenta
uma maior tendncia para um ou outro
comportamento de cuidado. Essas
alternativas interferem sobre a resposta
de busca por um tipo de cuidado ou
tratamento. Por exemplo, a busca por
profissionais e por cuidados pode estar
relacionada a duas condies: (a) a ajuda
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para o alvio de um sofrimento especfico;
ou (b) o reconhecimento de que alguns
aspectos de seu modo de vida do paciente
podem ser alterados para obteno de
uma melhor qualidade de vida (Perini et
al., 1999).
Neste sentido, a adeso constitui um
vnculo que deve ser estabelecido e no h
uma nica forma, ou padro, para o seu
estabelecimento, como tambm no h
formatos que permitam caracterizaes
absolutas para situaes de riscos, quer
seja baseado em indicadores de risco
epidemiolgico e/ou psicolgico. Do
ponto de vista epidemiolgico a ao de
adeso do indivduo pode basear-se em
informaes sobre o perfil de morbidade
e mortalidade de grupos populacionais
em determinados contextos. Por outro
lado, a psicologia valoriza o conhecimento
do desenvolvimento do prprio indivduo
em um dado contexto. Estes dois campos
de conhecimento oferecem informaes
relevantes, distintas e complementares
sobre o processo de sade-doena, mas
no oferecem respostas definitivas
(Johnson, 1994; Ferreira, 2006).
A busca por apoio e suporte para o
cuidado, ou a experincia de sofrimento e
dor, no so variveis que mobilizam
todas as pessoas e nem interferem do
mesmo modo em todos os contextos de
desenvolvimento. Ou seja, o que controla
a resposta de um indivduo em uma
situao pode variar dada a percepo de
vulnerabilidade (suscetibilidade) que o
indivduo elabora (Becker & Maiman,
1975), o que significa que o modo como as
pessoas avaliam e aderem a
recomendaes varivel. Alguns estudos
indicam que estimativas de adeso
variam de 7% a 85% em relao s
recomendaes efetuadas pelos
profissionais de sade. Dados apontam
que de 50 a 60% dos pacientes tendem a
no seguir as orientaes quando estas
esto relacionadas a modificaes em
hbitos de sade. Mais de 80% dos
pacientes que receberam recomendaes
voltadas mudana de hbitos de fumar
no seguiam as orientaes. Mesmo
pacientes com problemas cardacos, que
passaram por cirurgia, apresentam taxa
de adeso de 65 a 75% das orientaes
(Taylor, 2007).
Deve-se ressaltar que estes estudos
destacam apenas valores percentuais, de
pessoas ou de recomendaes, que no
so seguidas; porm, no discutem as
contingncias relacionadas manuteno
dos comportamentos de risco. Por
exemplo, para uma pessoa idosa,
aposentada e socialmente isolada, o
hbito de fumar mais do que uma
dependncia qumica, pode ser uma
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forma de lidar com a percepo de
sofrimento e abandono.
Abordagem Psicolgica da Adeso
O enfrentamento como um conjunto
de respostas aprendidas em situaes
adversas/estressantes um processo
histrico que afetado por variveis
contextuais. Ou seja, o modo como os
pacientes lidam com situaes adversas
em sade, suas crenas e seus hbitos, so
variveis que afetam o responder do
indivduo e estes comportamentos devem
ser descritos e analisados em cada
situao. Cabe aos profissionais de sade
a anlise dos comportamentos dos
pacientes, definindo-se as modalidades
de manejo mais adequadas para cada
situao. Por exemplo, os profissionais de
sade podem estimular a aquisio de
comportamentos de auto-cuidados entre
seus pacientes, especificando regras e/ou
contingncias ambientais que ajudem o
paciente a manter tais respostas (Malerbi,
2001).
Destaca-se que difcil estabelecer
exatamente quais contingncias mantm
o comportamento de busca pela
recuperao da sade, por exemplo, o
comportamento de implementar
melhores condies de higiene pessoal e
dieta. Estudos observacionais tm
apontado dficits significativos de
habilidade tanto em crianas como em
adultos no que se refere a manter
comportamentos de sade. Esses dficits
nem sempre so reconhecidos pelo
paciente e nem pelo profissional de
sade. Mesmo quando se detectam erros
de conduta por parte do paciente,
profissionais e pacientes tendem a manter
o desempenho, atribuindo os erros a
situaes espordicas (Johnson et al.,
1982; Sergis-Deavenport & Varni, 1983).
Um exemplo clssico desta dificuldade se
refere baixa adeso e manuteno de
comportamentos alimentares adequados
em um esquema de dieta nutricional.
O estabelecimento de um bom
vnculo teraputico, em que as queixas do
paciente so analisadas luz de sua
histria de vida, passada e atual,
diretamente relacionada ao seu processo
sade-doena ou, simplesmente,
referente sua condio de vida e seus
hbitos, poder interferir e possivelmente
aumentar a probabilidade de maior
adeso ao tratamento. Deve-se
considerar, tambm, a durao e a
diversidade de cuidados e recomendaes
como variveis que influenciam as
mudanas de atitudes e comportamentos
de sade que devem ser realizadas (Perini
et al., 1999). Processos prolongados de
tratamento, por exemplo, devem incluir a
liberao de reforamentos positivos
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peridicos, por parte dos profissionais de
sade, como incentivo manuteno da
adeso.
Nas atividades clnicas de rotina, o
profissional de sade deve analisar
continuamente as estratgias de
enfrentamento adotadas pelo paciente
frente s adversidades dos tratamentos.
Desta maneira, uma tarefa necessria
observar e descrever como o paciente se
comporta e percebe o prprio tratamento
e seu problema de sade, segundo as
contingncias que lhe so colocadas em
seu ambiente de convvio dirio.
Portanto, a histria de um paciente
merece, em qualquer caso, ser
considerada como um todo e como uma
sequncia lgica (Perini et al., 1999). O
paciente deve ser incentivado a relatar
sua histria de vida, aumentando seu
autoconhecimento e tendo oportunidade
de reformular conceitos e crenas.
Reconhecer as histrias, os hbitos e
as habilidades dos pacientes enquanto
variveis funcionalmente relevantes
adeso, relaciona-se a analisar e
implementar estratgias para o
enfrentamento de situaes adversas em
sade. Esta proposta coloca os
comportamentos do paciente como foco
da interveno e do cuidado em sade,
por considerar que estes constituem os
melhores indicadores de sade do
indivduo. Kaplan (1990), por exemplo,
argumentou que o estado de sade uma
varivel diretamente relacionada s
condies de morbidade e mortalidade de
indivduos e grupos.
Morbidade e mortalidade so
resultados inerentemente
comportamentais. Mortalidade, ou morte,
a ausncia de todo comportamento e
morbidade relaciona-se disfuno, um
constructo inerentemente
comportamental. Doenas e
incapacidades podem causar disfunes
comportamentais, assim como outros
sintomas desagradveis qualidade de
vida. Na perspectiva de Kaplan, deve-se
estudar no apenas estes sinais e
sintomas, mas identificar como estas
pessoas vivem e como se comportam
quando adoeceram. Em outras palavras, o
comportamento (contextualizado a uma
determinada situao) e deveria ser o
resultado central dos cuidados em sade
(Kaplan, 1990).
O segundo componente para uma
anlise da adeso - as aes do
profissional de sade - indicam os
esforos do profissional para comunicar
recomendaes de cuidados com a sade,
embora, na verdade, evidenciem
inmeros problemas nesta comunicao.
Com frequncia, no possvel
determinar se o paciente , ou no,
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aderente porque a prescrio mdica no
existe, ou extremamente complexa
compreenso do paciente, ou, ainda, to
vaga ao ponto de ser intil (Johnson,
1994). Por exemplo, profissionais de
sade costumam recomendar que seus
pacientes faam algum exerccio fsico
periodicamente, mas freqentemente
permanecem no ditos os detalhes quanto
ao tipo, periodicidade e durao dos
exerccios. Da mesma forma, advertem o
paciente para evitar doces concentrados e
alimentos com alto teor de gordura, no
entanto, no explicitam: (a) a
especificao de tais doces; (b) a
descrio de quantidades possveis, ou
no; e (c) a freqncia e sob quais
condies podem, ou no, ingeri-los.
Deve-se destacar que, alm destas
especificaes, essencial que essa
comunicao seja seguida de uma
explicao detalhada que justifique as
recomendaes e que se garanta que o
paciente compreendeu a explicao.
Sano et al. (2002) realizaram um
estudo para estabelecer a relao entre o
nvel de compreenso da prescrio
peditrica pela me, ou outro
acompanhante, e os possveis fatores
causais da no-adeso ao tratamento. Os
autores concluram que os fatores
relacionados com a no compreenso da
prescrio peditrica incluam o baixo
nvel socioeconmico e cultural do
acompanhante/responsvel e fatores
relacionados a interao com o
profissional, tais como: a utilizao de
smbolos/abreviaturas, letra ilegvel e
orientaes fornecidas apenas
verbalmente e em linguagem tcnica.
Ressalta-se que o baixo nvel
socioeconmico no pode constituir um
argumento do profissional de sade para
justificar a baixa adeso a tratamentos.
Os profissionais de sade devem ser
incentivados a adotar estratgias de
comunicao e recursos didticos que
auxiliem pacientes e acompanhantes a
compreender e aderir s recomendaes
mdicas (Silva, 2005).
At que os profissionais aprendam
como comunicar efetivamente a
informao relevante sobre o
comportamento de cuidar da sade, os
pacientes permanecero no aderentes e
continuaro a ter dificuldades para
compreender a relao entre
comportamento e sade. Os profissionais
no podem inferir que o paciente j tem o
conhecimento e as habilidades
necessrias, ou, pior, que no tem
condies de adquiri-los. Mesmo quando
o paciente diz que sabe o que fazer, ainda
assim deve ser ensinado sobre os
conhecimentos e/ou habilidades para
desempenhar as tarefas com sucesso
(Jonhson, 1994). Alm disso, os
profissionais de sade devem,
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continuamente, oferecer oportunidades
para que seus pacientes expressem a
compreenso das informaes que
receberam, cabendo ao profissional a
reformulao de informaes no
compreendidas ou insuficientemente
adquiridas (Silva, 2005).
O profissional de sade tambm
deve saber identificar variveis
contextuais que facilitam ou dificultam a
adeso dos indivduos. Seidl et al. (2005),
por exemplo, analisaram estratgias de
enfrentamento adotadas pelos cuidadores
de crianas e adolescentes soropositivos
infectados pela transmisso vertical. Do
total de casos em uso de terapia anti-
retroviral (n =39), 28 cuidadores no
relataram problemas ou dificuldades na
administrao dos medicamentos, no
apresentando queixas sobre o
comportamento de adeso da
criana/adolescente ao tratamento. Nos
11 casos com problema de adeso, quatro
categorias de dificuldades foram
identificadas: horrios de administrao
da medicao, gosto da medicao e/ou
presena de efeitos colaterais,
comportamento oposicionista e
dificuldade de acesso regular ao servio
de sade. A maior concentrao de
queixas foi referente administrao da
medicao em horrios inconvenientes e
em locais pblicos, como a escola.
Considerando a complexidade do
tratamento, seu carter prolongado e a
exigncia quanto ao alto nvel de adeso
para alcance de eficcia, fundamental
que as equipes identifiquem esses
problemas, busquem prescrever
esquemas teraputicos simplificados,
orientando e auxiliando os cuidadores,
crianas e jovens no manejo
comportamental da adeso.
Pesquisas relacionadas ao modelo
comportamental enfatizam a elaborao
de estratgias que contemplem a
interao entre as respostas do indivduo
e o ambiente de cuidados com a sade. Os
estudos de Fordyce (1990), Sternbach
(1974), Vanderbergue, Cruz e Ferro
(2003) apresentam dados e anlise sobre
o alvio e controle da dor em pacientes
que se submetem a tratamento e a
intervenes psicolgicas. Estes estudos
apontam que intervenes
comportamentais realizadas
concomitantemente a tratamentos
mdicos auxiliaram os pacientes no alvio
da dor, seja por oferecimento de suporte
social ou por treinamento de habilidades.
Inmeros trabalhos avaliam os
efeitos de intervenes comportamentais
para melhorar a adeso, sendo possvel
agrup-las em, pelo menos, trs
categorias: (a) intervenes
informacionais; (b) intervenes de
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treinamento; e (c) intervenes afetivas.
Inseridas nas estratgias informacionais
esto as aes destinadas a orientaes e
recomendaes que devem ser oferecidas
pessoalmente, por telefone, pelo correio,
em grupos educativos de pacientes e
familiares, ou por meio de jornal ou
televiso. Pode-se considerar o papel da
mdia escrita, falada ou televisiva, como
um importante recurso para a
sensibilizao da populao para
preocupaes com hbitos de risco ou
situaes de risco. A informao bem
apresentada pode ser o primeiro passo
para o estabelecimento de uma adeso
(Bennet & Murphy, 1999).
Com relao s intervenes
focalizadas em treino de competncias e
de habilidades especficas, pode-se
destacar o uso de tcnicas como
modelagem, modelao, uso de
lembretes, dirios, cartas, grficos de
ocorrncia da adeso e contrato
comportamental (Ferreira, 2006). Little
et al. (1997), por exemplo, avaliaram o
efeito de intervenes comportamentais
sobre habilidades de higiene oral, adeso
e resultados clnicos para grupos de
pacientes idosos (107 pacientes de 50 a 70
anos) com doenas periodontais. O
estudo dividiu os participantes em dois
grupos (um grupo de controle GC, com
apenas terapia de manuteno
periodontal, e um grupo de interveno
GI, com terapia de manuteno
periodontal, treinamento de habilidades,
automonitorao, feedback semanal
sobre sangramento gengival e suporte
social para mudanas de hbitos a longo
prazo). Os resultados, aps o follow-up
do grupo de interveno, apontaram
melhores indicadores clnicos de sade
bucal do que os obtidos pelo grupo de
controle na avaliao geral da sade bucal
para as variveis (a) sangramento da
gengiva (4% GI e 10% GC), e (b) nos
ndices de placa (76% GI e 80% GC). Este
estudo demonstrou que intervenes
comportamentais grupais so estratgias
eficazes e pouco custosas para auxiliar
usurios aquisio e manuteno de
habilidades de autocuidados e melhoria
em seus estados de sade bucal.
Consideraes finais
O comportamento de cuidar da
sade deve ser analisado
independentemente do estado de sade.
Infelizmente, a prtica comum
exatamente o oposto. Grande parte dos
profissionais de sade infere o
comportamento de cuidar da sade a
partir de exames laboratoriais de estado
de sade e no se detm a conduzir uma
avaliao comportamental. A adeso no
pode ser reduzida ao cumprimento das
recomendaes profissionais, mas ao
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resultado da exposio a situaes de
aprendizagem e de enfrentamento que
interferem na qualidade de vida dos
indivduos e dos profissionais.
A adeso ao tratamento parece ser
um campo promissor para estudos em
Anlise do Comportamento, abordagem
terica que se baseia fundamentalmente
em estudos sobre processos e mtodos de
aprendizagem, ressaltando a importncia
de ajudar o indivduo a construir novos
repertrios comportamentais ou forta-
lecer repertrios adequados j adquiridos.
Os trabalhos apontam que as
estratgias desenvolvidas para ampliar a
adeso devem considerar as precrias
condies socioeconmicas da
populao. O conhecimento das
dimenses de vulnerabilidade estabelece
um espao de interveno para o
incentivo de comportamentos de adeso.
Os profissio-nais de sade devem
possibilitar aos pacientes o acesso a
um cuidado integral, um canal
aberto no somente para a
abordagem de questes relacionadas ao
tratamento como tambm de apoio
queles com baixa expectativa para
adeso.
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ISSN 1982-3541 Campinas-SP 2009, Vol. XI, n 2, 329-345
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Recebido em: 07/08/2008
Aceito para publicao em: 21/08/2009