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________________________________________________________________________ Copyright 2000, by Judas Tadeu de Medeiros Costa

Direitos reservados ao autor Judas Tadeu de Medeiros Costa

______________________________________________________ COSTA, JUDAS TADEU DE MEDEIROS “SEU GRANDE” Judas Tadeu de Medeiros Costa Recife: 2000 151p. il

1. Literatura brasileira – memórias. I. Título 869.0(81)-94 (CDU 2. ed artesanal) B869.092 (CDD 19 ed artesanal) Capa: bico de pena de André Dória de Menezes

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“SEU GRANDE”

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“Eu me trepava num banco e dizia para ele: Olhe papai com eu to grande”

“É mesmo você está grande de verdade” “E começou a me chamar ‘Seu Grande’, até quando morreu.”

(Joaquim José da Fonseca Costa)

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SUMÁRIO PREFÁCIO.................................................................................................11 INTRODUÇÃO...........................................................................................12 OS PRIMÓRDIOS......................................................................................13 ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE..............................................................27 A GRANDE DESILUSÃO E A SAUDADE INFINDA....................................34 O FILHO EXEMPLAR.................................................................................39 SÍNTESE GENEALÓGICA..........................................................................42 O PAI DE FAMÍLIA......................................................................................46 O AVÔ DEDICADO.....................................................................................63 OUTROS ESCRITOS E VERSOS..............................................................79 O FINAL DE VIDA.......................................................................................84 DEPOIMENTOS..........................................................................................88

ÍNDICE DE FOTOS TIA MARIA DO CARMO..............................................................................32 LADISLAU AUGUSTO DE OLIVEIRA FONSECA.......................................33 BENVINDA DA NÓBREGA FONSECA.......................................................37 JOSÉ CEZAR DE ALBUQUERQUE COSTA..............................................38 ZULMIRA DA NÓBREGA FONSECA..........................................................57 “SEU GRANDE” (CRIANÇA).......................................................................58 “SEU GRANDE” (MEU GRANDE PAI)........................................................75 NEUSA DE MEDEIROS COSTA (MINHA MÃE).........................................76

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DEDICATÓRIA

Dedico este livro à minha esposa, filhos, irmãos, sobrinhos, aos demais parentes, contra-parentes e a todos aqueles que fizeram parte do ciclo de amizade de meu pai.

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PREFÁCIO

“Amigo é coisa pra se guardar debaixo de sete chaves dentro do coração... mesmo que o tempo e a distância digam não” (Milton Nascimento &Fernando Brant)

Em qualquer que seja o idioma não existem palavras suficientes para caracterizar cada sentimento humano. Cada pessoa tem um referencial para entender cada palavra. Alguns referenciais são os mesmos para todos, outros variam muito. Joaquim nos deixou um significado para muitas palavras: uma definição de amizade, um modelo de vida, um exemplo de gente, de filho, de pai e avô. Ele construiu sua família e seus amigos sobre alicerces muito fortes. É bom saber que alguém como ele existiu e que influenciou nossas vidas. Eu aprendi muito com ele. Eu nasci e fui criado numa casa do lado da de Joaquim. Assim eu lembro dele, de Neusa e de seus filhos desde que tenho memória. A casa deles era uma extensão da minha, lá eu recebia muita atenção e consideração. Às vezes, quando já aposentado Joaquim passava tardes jogando damas comigo. Ele jogava muito bem. Lembro da primeira vez que ganhei um jogo. Ficou surpreso por ter perdido e meio orgulhoso porque seu pupilo aprendeu o que lhe ensinara. Lembro ainda quando ficávamos grudados ao pé do rádio ouvindo ansiosos os jogos do nosso Sport. Foi ele quem primeiro me disse que meu pai tinha morrido. Creio que sabia exatamente como eu me sentia, pois também tinha recebido notícia semelhante quando tinha seis anos. Num trabalho bem feito, com depoimentos sérios e fatos bem relatados, Tadeu conta a história de seu pai. Primeiro transcreve textos do próprio Joaquim sobre suas origens, seus pais, seus avós, irmãos, e como ganhou o apelido de Seu Grande. O restante do livro consiste de uma combinação de relatos de fatos contados por Tadeu, textos e poemas do próprio Joaquim e depoimentos de seus filhos, netos, parentes e amigos. Antônio Sá Barreto Filho Lafayette, Fevereiro de 1993.

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INTRODUÇÃO

“Ouve, meu filho, a instrução de teu pai, não desprezes o ensinamento de tua mãe. Isto será, pois, um diadema de graça para tua cabeça e um colar para o teu pescoço.” (Prov. 1, 8-9)

Meu pai foi um homem que soube educar homens. Tenho certeza que este é o pensamento de todos os seus filhos, bem como o de todos aqueles que o conheceram de perto e observaram de alguma forma seu modo de ser. Homem simples, amável, amigo, sincero ao extremo, consciente de sua missão de chefe de família e, sobretudo, honesto em todas as suas ações, quer em casa, quer fora dela. A família representava para o meu pai uma das coisas mais importantes e, apesar da incompatibilidade de gênios existente entre ele e minha mãe, manteve a integridade familiar até o fim, fazendo questão de mostrar para os filhos a importância de tal instituição. Sem dúvida, esta valorização foi muito contagiante para todos os seus filhos até onde chega meu conhecimento. Por ter sido meu pai o único membro dos FONSECA COSTA que sobreviveu e constituiu descendência achei que era importante registrar para meus familiares e amigos, depois de sua morte, uma série de fatos interessantes que caracterizaram este valoroso Homem, procurando assim manter viva a sua memória entre nosotros e transmitir a importância que representa sua herança moral para todos os seus descendentes, principalmente no que toca aos valores da instituição familiar, atualmente tão desvalorizada por modernas formas de comportamento. A tarefa não foi fácil! Procurei me isentar de qualquer paixão no relato dos fatos, que foram enriquecidos pelas poesias e escritos outros de meu pai, muito fiéis à sua personalidade, que facilitaram muito este trabalho. Em muitas ocasiões surgem passagens que incluem histórias não só da minha infância e da dos meus irmãos, bem como, passagens de outras fases de nossas vidas, o que não poderia deixar de ser diferente, pois, grande parte da vida de JOAQUIM JOSÉ DA FONSECA COSTA foi também parte das nossas vidas, que mantemos bem presentes em nossas mentes. Afinal, esta é uma história de família... É a história de “SEU GRANDE”, o GRANDE HOMEM QUE FOI MEU PAI.

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OS PRIMÓRDIOS

“Então compreenderás a justiça e a equidade,a retidão e todos os caminhos que conduzem ao bem. (Prov. 2,9)

Joaquim José da Fonseca Costa, conhecido também como “seu Joaquim”, para os mais estranhos, “Joaquinzinho” e “Quinca” ou às vezes “Quincas”, para a maioria dos membros da família, “Fonseca” para seu sogro Coriolano e para alguns amigos e ainda “Seu Grande” para seu pai, tias e tios, apelido pelo qual tinha muito carinho, e que fiz questão de usar como título deste livro. Veio ao mundo aos 30 de agosto de 1907, nascido de sete meses, sendo o segundo filho de uma prole de cinco, do casal José Cezar de Albuquerque Costa e Zulmira Fonseca Costa e foi o único sobrevivente da família FONSECA COSTA, como ele próprio relatou no poema FATOS DE MINHA ORIGEM. Segue-se a este poema, um texto escrito por Papai entre 1981 e 1982, a pedido de sua prima Raimunda Fonseca de Aguiar, que foi transcrito em parte no seu livro “Retratos de Família”, portanto, contava ele com a idade de 75 anos, é impressionante a lembrança de coisas que lhe aconteceram em tão tenra idade. Graças ao poema e àquele relato, foi possível a nós, seus descendentes, tomarmos conhecimento de muitos fatos de sua vida, de seus ascendentes, e preservar a memória da nossa família.

FATOS DE MINHA ORIGEM.

Foi minha origem cheia de problemas, sou de uma prole de cinco filhos o segundo,

que através de um parto complicado vim ao mundo pequeno, prematuro, com sete meses apenas !

Em face de assim ter acontecido,

nasci semimorto sem poder tomar do peito segundo minha mãe, não vira outro jeito,

de que me batizar com três dias de nascido.

Mas de volta da Igreja minha mãe dizia; ter melhorado sensivelmente meu estado ! Abri a boca, antes de queixo cerrado, e, tirei o atraso nos seios de tia Maria ! Daí, como por milagre minha cabeça,

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de pouco a pouco, fora se erguendo, e, de pouco a pouco, também me refazendo, por mais incrível e duvidoso que pareça !

Depois todos os meus irmãos foram morrendo mesmo nascidos em tempo próprio e com saúde enquanto eu tão cheio de problemas pude

até a presente data estar vivendo! Raimunda, Atendendo à sua solicitação no sentido de fornecer-lhe dados acerca da vida de Mamãe e de quem mais eu entendesse de fazê-lo, confesso-lhe de antemão, ser para mim uma tarefa muito difícil, dado ao fato de não me sentir preparado para tanto, nem dispor de tendências vocacionais para escritor, como é o caso da prezada prima! Porém irei me esforçar na medida do possível, e, ao mesmo tempo pedir-lhe perdão por qualquer falha verificada no conteúdo deste relato: Como através de uma janela aberta para um campo longínquo divulgamos certos pontos, mas não podemos distingui-los bem, devido à longa distância que os separa. Assim, a lembrança de certos fatos ocorridos no limiar de nossa vida, mesmo quando tais fatos nos chamam a atenção, por saírem da ordem normal, assim mesmo a nossa imaginação por mais que se esforce não consegue coordená-los devido ao longo tempo que passou. Desta forma, lembro-me de casos passados quando ainda não tinha, talvez, três anos. Por exemplo, da morte de meu tio e padrinho Quincas, repentinamente, em casa de vovó, como se vê, um caso fora de rotina. Talvez por isso, ficaram na minha mente as imagens de um caixão na sala de tia Anunciada, sua irmã, chorando, havendo ainda, tanta gente em casa, como era natural, mas só me lembro dela e de mais ninguém. Depois, do casamento de Santo. Deste, já me recordo com mais clareza e detalhes; contudo, eu estava mais crescido. Por exemplo, de Madrinha vestida de noiva, de Santo com um terno escuro, da reunião à mesa, dos bolos, etc. e ainda do assunto que mais se falava no momento, que era o casamento de Candinha. Embora tudo isso muito apagado, mas não escapou de minha lembrança.

* * * Continuando, Papai fala de sua relação com os pais e conta como recebeu o apelido de “Seu Grande”:

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Outra coisa que muito interessa à criança e que nunca a esquece é da maneira como é tratada, principalmente, pelo adulto. Qualquer criança se sente muito importante, quando tratada com atenção e carinho. Por isso eu guardo grandes recordações de meus pais! Por exemplo, quando nós moramos na Torre, onde Papai trabalhava na fábrica de tecidos local, eu era muito pequeno, mas não me esqueço quando Mamãe saía pela manhã a passear com a gente, que nesse tempo éramos três: José, eu e Conceição, ainda de braços. Eu teria pouco mais de três anos, mas aqueles passeios ficaram gravados na minha memória para sempre! Como pode essa lembrança perdurar de uma idade tão remota? É fácil saber: Mamãe nos dispensava a máxima atenção, com todo o carinho que lhe era peculiar, naturalmente, procurando nos oferecer tudo que naquelas oportunidades mais nos interessasse. Isso conversando com a gente, mostrando-nos uma coisa e outra, contanto, que através desses passeios, eu me lembro da ponte da Torre, do bonde de burro e que uma vez chegamos até a andar num deles. É pena não ter quem possa confirmar tudo isso, pois sou o único sobrevivente no caso. Quanto a Papai, esse levava horas e horas conversando com a gente, sempre nos tratava com todo carinho e bondade. Nunca nos chamava a atenção com impaciência, por castigo, nunca nos deu nem um cafuné. Quando em nossas conversas eu dizia: Papai, quando eu ficar grande eu faço um carro, eu faço isso, eu faço aquilo... e assim eu me soltava na conversa! Pois eu tinha muita vontade de ficar grande! Eu não dizia quando eu crescer, mas quando eu ficar grande! Eu me trepava num banco e dizia para ele: olhe Papai como eu tô grande! E Papai: - É mesmo você está grande de verdade! E começou a me chamar “seu Grande”, até quando morreu. E esse apelido pegou. Ainda hoje Tia Anita só me chama “seu Grande”. Tio Joaquim também, era: “seu Grande”, “seu Grande”. Tão grande era a minha vontade de ser grande que nunca cheguei a sê-lo. Ao contrário diminuí, por força da escoliose que me envergou a coluna! A coisa que mais me fazia inveja, era a de ver uma pessoa sentar-se numa cadeira e por os pés no chão. Ao que ainda cheguei a fazê-lo. Então, Papai brincava muito com a gente e tudo fazia para nos distrair, lembro-me de umas modinhas que cantava para a gente assim: Que café tão quente! Mana, De manhã tão cedo, Mana, Tantos mulatinhos, Mana, Me fazendo medo, Mana.

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Não chore não moreninha, Que eu vou e torno a voltar Dá-me um aperto de mão, Para de ti me lembrar. Cantava também uma sátira do corcunda, assim: Quando o corcunda sai a passear As moças na janela começam a mangar Eu sou corcunda, mas tenho dinheiro, A falta de moças não morro solteiro! Eu faço um buraco no chão e me deito Pra ver se a corcunda assim toma jeito Eu sou corcunda, mas tenho dinheiro, A falta de moças não morro solteiro! Veja como são as coisas da vida! Não sabia ele, que ali mesmo, defronte a si, estava um futuro corcunda, aquele a quem tanto o chamava “seu Grande”. Ainda com a diferença, de que, o corcunda de quem o criticava tinha dinheiro! Enquanto o outro, o predestinado, nada tem, e quase morria solteiro por falta de moça que o quisesse, e dinheiro! Mas... são os caprichos da sorte!

* * * Após transcrever este trecho chegaram a mim as melhores lembranças de meu pai, a mim parecia ser ele contando de viva voz. Embora não tivesse conhecimento deste texto, lembro-me perfeitamente das melodias das músicas da Mana e do Corcunda. O meu pai era um homem muito ligado ao seu passado e também bastante sentimental, tanto pelos momentos tristes, como pelos alegres, pelos quais passou. Como todo homem, era triste nas horas de tristeza e nostalgia, e alegre, nos momentos de alegria. No trecho que segue, Papai fala sobre seus avós paternos: José Joaquim da Costa Gomes (seu Cazuzinha) – Mestre – como nós seus netos, o chamávamos, a começar pelos filhos de Tia Brasilina, liderados por Vino, que era mais velho. Mestre! Que criatura boníssima! Como nós o queríamos bem! E como ele nos queria, inclusive a Mamãe, que a considerava como uma filha estimada. Quase todas as tardes ele ia lá pra casa e levava sempre algumas canas do seu roçado, e, quando nós víamos que ele vinha chegando, corríamos todos ao seu encontro para abraçá-lo, e ele também nos retribuía muito alegre e nem entrava em casa. Íamos diretos para debaixo de um cajueiro em frente à nossa casa e ali nos sentávamos como ele sobre a raiz daquela árvore e cada um de nós já com sua vasilhinha na mão, ele tirava do bolso uma faquinha

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bem afiada com a qual descascava as canas de uma por uma e rolava-as bem certinho, para a devida distribuição que a fazia comigo, José e Conceição que já estava grandinha com três anos aproximadamente, e nós chupávamos aqueles roletes tão doces, até não poder mais. Depois ele mesmo se encarregava de recolher todo o bagaço, que antes era jogado em cima de uma toalha ou em qualquer outro pano, para facilitar a limpeza. Ainda ficava ali algum tempo brincando conosco, principalmente com Conceição que era a menor, muito sabida e linda demais. E nós: – Mestre pra aqui! Mestre pra ali! – E ele com tanta paciência e carinho, respondia com toda atenção às nossas perguntas. Nunca deixava de dar uma prosinha com Mamãe; e depois saía. Lembro-me bem que, certa vez, de tardezinha, ele chegou lá em casa, chorando muito e abraçara-se com Papai e Mamãe dando-lhes a notícia da morte de Dindinha; sua querida Mocinha. Papai já estava doente. E Dindinha também já vinha há tempo. Desde que eu me lembro dela, já a notava assim adoentada, sempre tomando remédios. Mas, sabe-se como é: dessas coisas não se falam com crianças. Depois que ela morreu, ele deixou mais de freqüentar a nossa casa, já por motivo de saúde. Depois adoeceu gravemente e foi pra Paudalho para a casa do Tio Argemiro. Pouco tempo depois, faleceu... Joaquina Maria de Albuquerque Costa (D. Mocinha) - Dindinha. Minha avó paterna. Era uma criatura alegre, comunicativa, muito boazinha e carinhosa para a gente. Gostava muito de conversar comigo e dava muitas risadas às minhas custas! Quando ela me via, gostava sempre de puxar por um assunto que me envolvia com uma velhinha vizinha nossa. Tratava-se de uma prima de vovó, Tia Nenzinha. Era como Mamãe e minhas tias a chamavam, dado a seu parentesco com vovó. Era viúva, já bem velhinha, tinha um filho casado; Emiliano, e uma filha solteirona, que trabalhava na fábrica, com quem morava a sós, a quem chamava, Maria Minha. Certa vez, Tia Nenzinha estava conversando com Mamãe e eu também junto delas. Mas eu estava descuidado, quando ela me chamou a atenção dizendo: – Joaquinzinho, tenha cuidado com o boizinho pra não fugir. Quando vim dar pela estória, me compus e disse pra ela: – E você também não tem boi? – Que é isso menino?

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E continuei: – Pensa que eu não vejo você despejar o penico debaixo do pé de açafrão? A velha ficou toda encabulada e disse para Mamãe: – Tá vendo? Não se deve brincar com menino! E minha mãe também: – Deixe disso Joaquinzinho. Então Dindinha sabendo disso, todas as vezes que a gente ia à sua casa, ela vinha logo puxar por mim perguntando: – Joaquinzinho, eu soube que você viu o boi de Tia Nenzinha ? Eu lhe respondia: – O boi mesmo eu não vi, mas sei que ela tem. – Por que você sabe? – Porque eu vejo ela despejar o penico no pé de açafrão. Ela caia na gargalhada e começava a me dar corda. Eu tinha no máximo cinco anos, mas notava que ela vivia doente, sempre numa cadeira de balanço. Mas era bem alegre e gostava muito de conversar com Mamãe.

* * * No processo de escrever esta biografia de Papai, iniciei a verificação de documentos com o intuito de juntar elementos para uma pesquisa sobre a árvore genealógica da família COSTA e encontrei uma contradição no nome do seu avô paterno: No registro de casamento de vovô Cezar com vovó Zulmira, que eu chamava “bivó”, o nome de “Seu Cazuzinha” aparece como José Joaquim de Albuquerque Costa e, na certidão de óbito, de vovô Cezar, figura como José Joaquim da Costa Gomes, que é o nome correto. Neste último documento, o nome de meu avô está escrito com “s” e não com “z”. No meu registro de nascimento o nome de meu avô está escrito com “z”. O nome do meu irmão mais novo é o mesmo do meu avô e Papai o registrou como José César de Albuquerque Costa (com “s”). Assim, adoto a grafia antiga nas referências que faço a Cezar; meu avô, sempre com “z” e a César; meu irmão, com “s”, seguindo a grafia atual.

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Vovô Cezar que faleceu a 7 de novembro de 1913, quando meu pai contava com a idade de 6 anos, 2 meses e dias, deve ter exercido uma influência muito grande sobre Papai, que, apesar do pouco tempo de convivência com ele, lembrava-se de muitas passagens deste curto período e sempre nos contava muitas coisas desta época, pena que me lembre apenas de poucas das suas histórias. Papai contava que, segundo lhe dizia minha avó Zulmira, vovô Cezar era muito inteligente, um autodidata. Conhecia de mecânica celeste, fazia previsões de eclipses e etc. É impressionante a narrativa escrita com detalhes por Papai sobre a morte de vovô Cezar: ... Depois, viera a morte de Papai. Era uma hora da madrugada do dia 7 de novembro de 1913, quando meu pai morria! Eu me acordei, ouvindo Mamãe chorando muito. José dormia no mesmo quarto comigo. Mas ele foi bastante sincero, levantou-se para enfrentar a realidade, quando Tio Joaquim chegou a ele dizendo-lhe: – Meu filho, seu pai morreu agora mesmo. Ele chorando respondeu: – Já estou sabendo. E ambos saíram para a sala, onde estava o cadáver de Papai. Enquanto eu, covardemente, ouvia tudo aquilo e fazia que dormia, sem ter a coragem suficiente de enfrentar aquele quadro para mim tão desolador ! Pela manhã, me levantei, receoso, desconfiado, arrependido ou mesmo com remorso de toda aquela mentira. E, me aproximei da sala quando Mamãe viera ao meu encontro, chorosa: – Meu filho, seu pai está morto... Dizendo-me e olhando para uma cama de lona, armada no meio da sala, na qual estava o cadáver de Papai coberto com um lençol muito alvo. Eu então, fingindo ainda que não sabia, desatei um choro meio fingido e meio sentido, olhando para aquela cama! Coisa estranha é a morte! Pois, me parecia que ela estava vazia, mas apenas como se ali tivesse uma coisa qualquer, como se fosse, por exemplo um graveto embaixo do lençol, pelo qual se via aquelas curvas partidas de uma ponta à outra, mas nunca a idéia de que ali houvesse o corpo de uma pessoa! Então aproximando-me da cama, Mamãe levantou a ponta do lençol, para que eu pudesse ver o seu rosto. Que surpresa para mim quando o fitei! Muito barbado, macilento, com um lençol atado para prender-lhe o queixo e de uma sisudez esquisita!

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Foi mesmo impressionante! Desaparecera aquele sorriso franco, quando brincava com a gente e me chamava seu Grande! Estava tudo consumado! Passei a curtir minha tristeza, convencido daquela triste realidade! Então durante todo o dia até a saída do enterro, de vez em quando surgia uma pessoa com ar austero, demonstrando tristeza, dirigia-se a Mamãe, abraçava-se com ela e dizia-lhe: – Meus pêsames, ou: – Meus sentimentos! Que se há de fazer? Foi a vontade de Deus, etc. Eu olhava a expressão do rosto de Mamãe, a cada vez que ouvia aquele palavreado, já vermelho de tanto chorar, aquilo me causava tanta pena e já estava me incomodando demais. Depois aquela gente ficava por ali um pouco, às vezes fazia comentários e aos poucos ia saindo. Mais tarde, chegara Tia Maria, que a exemplo também apresentava suas condolências, embora de um modo mais familiar, inclusive chorando e abraçada com Mamãe. Passados alguns instantes, eu ouvi uma conversa dela, a qual prestei muita atenção e nunca mais me esqueci. Com um ar de sorriso discreto dizia: – Veja como são as coisas. Cezar tão moço! Bem fiz eu, me casei com um velho e ainda hoje está bem forte e com saúde! Enquanto Zulmira, coitada, casou com Cezar tão jovem e ai está, tão moça, com 27 anos e já viúva ! Eu pensei comigo... “E Tio Medeiros é velho ?” Coisa que eu não tinha ainda reparado. Daí com meu raciocínio de criança, pensava... “Ta vendo? Velho é duro de morrer!” E, perguntava a mim mesmo... “E Mamãe, por que não casou com um velho?” Mas ao mesmo tempo eu ponderava... “Não, assim eu teria outro pai e eu não queria”. O que eu queria mesmo, era que o meu pai de verdade não tivesse morrido! Aí, me lembrei das palavras que ouvira de tanta gente.... “Que se há de fazer? Foi vontade de Deus!...” Pouco tempo mais, chegara a hora do enterro. A hora maior de todo aquele desengano. A grande hora da despedida para sempre! Mamãe, fazia pena vê-la! Tão grande era o seu abatimento causado pelo sofrimento, pelo cansaço, por toda a sua dedicação há tanto tempo, dia e noite ao lado de Papai, empregando todos os esforços que se faziam necessários, mais além de suas forças física e moral. Contudo, que depois da morte de Papai ela ficou tão abatida, que só faltou adoecer pra morrer! E eu morrendo de medo que tal acontecesse! Eu àquela hora, me sentia verdadeiramente tomado de angústia! Com pena de Papai pelo seu desaparecimento. Com pena de Mamãe, em vê-la naquele estado de magrém e fraqueza! Naquele tempo, quando morria alguém adulto, a família tinha de cumprir determinado período de luto fechado mesmo. A viúva então, tinha que se vestir de preto, pelo menos

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um ano e depois desse período tinha luto aliviado, que consistia em branco, azul, preto com bolinhas brancas, etc., porém jamais vestir-se-ia de vermelho, verde, rosa, etc. Assim também tinha regulamento para luto de pai e mãe, avós, tios, etc. Mamãe, era quem bem entendia dessa convenção. Bem, então a fábrica, quando morria um operário, se dignava de tingir a roupa pertencente a família. Era como se fosse um prêmio conferido à família em reconhecimento pelos bons serviços prestados pelo falecido. Mamãe, detentora de tão grande privilégio, pegou toda a roupa de casa, excluiu a de cama e mesa e tocou para a tinturaria da fábrica, acompanhada de uma relação de peças e nome do beneficiário! Passados três ou quatro dias, recebeu-a de volta devidamente tinturada. Ah! Afinal chegou o dia do nosso luto fechado. Que motivo de orgulho para mim! Tinha certeza de que aquilo faria inveja aos filhos de Chico sapateiro e a outras crianças que moravam perto de nós ! Ainda bem que da morte de Papai ainda me restou esse motivo de contentamento, embora momentâneo. E assim terminou esse episódio tão cheio de tristezas e tão marcante para a minha vida de criança. No trecho que segue, Papai se reporta aos parentes do ramo materno: Quanto a Mamãe, é a sua vida por demais conhecida de todos nós, como são as de suas irmãs, como exemplo de mulheres íntegras sob todos os pontos de vista, que não freqüentaram escolas superiores, mas que tiveram a felicidade de receberem a maior lição de bom exemplo, que tão bem lhes fora administrada por aquela grande mestra, que foi BENVINDA DA NÓBREGA FONSECA!

* * * Faço aqui um parêntese para dizer que escrevi o nome de minha bisavó BENVINDA DA NÓBREGA FONSECA com letras maiúsculas, não porque estava assim na narrativa de Papai, mas sim pelo valor que representa esta verdadeira matrona para nossa família. Tive ainda a felicidade de conhecê-la e, apesar da pouca idade que eu tinha (minha bisavó morreu no dia 14 de março de 1953, quando eu contava com quase dez anos de idade), nunca consegui me esquecer desta fantástica Mulher, com “M” maiúsculo. Não pelo seu aspecto como pessoa, pois ninguém dava nada por ela; tratava-se de uma mulher franzina e pequena, talvez com uma estatura inferior a 1,50 m; contudo, transmitia a sensação de uma verdadeira fortaleza, aprendi a admirá-la mais ainda, à medida que fui crescendo e conhecendo passagens de sua vida, através de minha tia Anita e Papai.

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A respeito de minha bisavó Benvinda, que eu chamava “vovinda” transcrevo algumas frases do livro “Retratos de Família” da prima Raimunda Fonseca de Aguiar: Falar ou escrever sobre minha vó Benvinda é para mim não apenas um prazer, mas uma honra, porque a considero como dizia Quincas, seu sobrinho amigo, “a mulher forte de que fala a Bíblia, resoluta, lutadora, enfim, uma heroína....” Era distinta, bondosa e enérgica; de uma altivez que não conheci em nenhuma outra mulher.... Era uma mulher de energia e coragem sobre-humanas! Nunca vi lágrimas nos olhos de vovó Benvinda. Não temia a face da morte. Diante da morte de pessoas queridas, certamente ela teria saudade ou sofrimento, mas não ao ponto de levá-la ao desequilíbrio ou à revolta e encontrava resignação.... Todos os netos, filhos de suas filhas, vieram ao mundo por suas mãos. Sobre esta última frase citada por Raimunda eu acrescento que alguns dos bisnetos devem ter vindo ao mundo por suas mãos, eu mesmo fui um deles e também Ignês neta de minha tia avó Anita.

* * * Voltando à narrativa de Papai, percebe-se o que representou esta mulher para a formação moral da família, bem como o valor que foi dado por meu pai aos seus familiares, valor este que, com seu exemplo foi-nos também transmitido: Os dedos das mãos não são iguais. Mas falando-se de qualidades morais, de caráter, de bondade e do cumprimento do dever sob todos os aspectos, entre as filhas de D. Benvinda, não há nenhuma diferença a mais nem a menos de uma para a outra ! Existem sim: umas mais expansivas, outras mais retraídas. Como exemplo, no primeiro caso, temos: Mamãe, Tia Cecília, Tia Anita e Tia Hermínia; enquanto no segundo citamos: Tia Candinha (Madrinha) e Tia Lilita Já se tratando de Tia Maria, que era relativamente expansiva, porém de gênio mais forte, quando alguém lhe pisava os calos, ela explodia! Mas era coisa passageira, logo, parecia nada ter acontecido. E que grande coração o seu! Como se sacrificava pelos outros! Por exemplo, no tempo de Tio Medeiros, sua família vivia muito bem financeiramente, com as rendas provenientes de seus moradores, referentes a recebimento de foros, aluguéis; cortes na mata de madeiras, lenhas, etc., além de uma pequena mercearia defronte à casa de residência, ainda quando fora instalada em 1915, a feira de Camaragibe, então na Aldeia de Baixo, bem próxima à nossa casa, ele conseguira funcionar na mesma um

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banco para a venda de mercadorias procedentes de sua mercearia e outros produtos do seu sítio, etc. Lembro-me bem de umas laranjas-cravo lindas, enormes, que mais pareciam (laranja) comum pelo seu tamanho e vendidas a três por um tostão! Como se vê, quanto encargo aquele senhor, já tão idoso, assumia, mas nunca vi tão forte e tão trabalhador como o era! Contanto que em compensação de todo aquele trabalho ele usufruía de um rendimento relativamente bom! Em sua casa não faltava nada do bom nem do melhor ! Então, com a sua morte repentinamente em 1916, a situação mudou completamente. Tia Maria ficou viúva muito moça, aos 32 anos, com seis filhos pequenos e ainda grávida de Enedina. Sendo o mais velho Ladislau com 11 anos, Lourdes com 9 (minha irmã de leite, somos do mesmo ano de 1907, ela de janeiro e eu de agosto), Pedrinho com 7 anos, Luiza com 5, Conceição com 3, José com mais ou menos 1 ano e Enedina pra nascer. Como era natural, minha tia não podia tomar a frente de toda aquela carga de trabalhos. Logo acabou-se a venda, ficando ela vivendo apenas de outras rendas, como eram aluguéis, havia também uma produção muito grande de café, que naturalmente Tio Medeiros vinha controlando muito bem. Mas com Tia Maria, apesar de seu esforço junto com os meninos maiores, a apanhada (colheita) de café era na maioria feita pelos moradores em troca de cuias cheias, contadas e despejadas num grande celeiro para secar e levar ao pilão para descascar e armazenar os grãos para a venda do produto. Contudo, esse trabalho era muito dispendioso, enquanto a sua saída era pequena e não compensava com a despesa e sempre resultava em prejuízo. Outro problema sério era o que ela enfrentava com os moradores, que nunca pagavam direito. Tinham sempre uma satisfação, uma choradeira, e minha tia, como eu dizia antes, penalizada, ia na conversa e sempre se sacrificava por eles a ponto de não ter mais condições de sobrevivência, mudou-se para Jaboatão, aonde em menos de um ano veio a falecer, em 1930, com a idade de 46 anos, não sei se completos. Assim, partiu para a eternidade aquela tia tão querida de quem recebi infinidades de carinhos e bondades, inclusive o primeiro leite. Sim, pois Mamãe dizia que devido ao meu nascimento muito complicado e prematuro o meu estado de saúde era muito precário, sem poder me amamentar, de queixos cerrados, ela resolvera me batizar aos três dias de nascido. Mas quando de volta da Igreja, encontrava-se lá em casa de Tia Maria, que me tomou nos braços aconchegando-me ao seio, e como se fosse um milagre, me amamentara pela primeira vez! É como Mamãe dizia, que eu tirei o atraso nos peitos de Tia Maria. Daí levantei a cabeça até hoje !

* * * Neste último parágrafo Papai relatou em prosa o início da sua vida, contada em versos algum tempo depois, sob o título FATOS DA MINHA ORIGEM, transcrito no início desta biografia, sendo muito interessante à comparação dos dois estilos. Voltemos ao relato:

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Então em Jaboatão Luiza gostou de Luís Jorge dos Santos (Lula – então funcionário da Rede Ferroviária, na época da Great-Western, onde servia na Locomoção, repartição ali localizada) com quem casara e passaram a residir em Tabatinga. Daí pra frente a coisa mudou muito de figura! Lula conseguira dominar a situação, superar aquela crise financeira e progredir bastante! E como progrediu! Hoje Tabatinga é um centro bastante adiantado. Com ônibus a todo instante, dentre outros adiantamentos e progressos, encontra-se localizada a Faculdade de Odontologia de Pernambuco. Quem conheceu a chã de Tabatinga de D. Maria Medeiros, e vê-la hoje, não mais a conhece. E aquele sítio enorme, maravilhoso, de tantas espécies de fruteiras e em grande quantidade, em cujos galhos grandes variedades de passarinhos em busca de frutos para a sua sobrevivência, que apesar da nossa perseguição com espingardas, bodoques, baliadeiras, alçapões, etc., mas nunca faltavam aquelas constantes presenças. E aquele cheiro forte de frutas maduras, goiaba, pitanga, cajá, jaca, manga e tantas outras que de maduras caiam e ficavam debaixo dos pés, ali apodreciam e ali mesmo se misturavam com a terra como se fossem lama, por não ter quem as desse vencimento, tão grande era a quantidade das mesmas ! E o banho? O banho da bica em plena mata, cuja água era permanentemente gelada, mas que não nos causava arrepios nem medo de enfrentá-la fosse que hora fosse, para aqueles gostosos banhos de horas esquecidas, onde brincávamos a valer de: Galinha gorda, Gorda ela. Vamos comê-la? Vamos a ela. E o melhor dela? É a titela Tibungo... zoava a pedra de encontro à superfície da água, arremessada por aquele que antes havia retirado-a do fundo do poço. E assim, sucessivamente continuávamos horas e horas com aquela inocente brincadeira de criança! Que saudade daquele tempo! Da melhor fase da nossa vida... Do nosso tempo de criança! Hoje da família de Tia Maria, sem falar dos seus netos e outros descendentes, somente Conceição (Ceça gorda) ainda vive. Embora numa cadeira de rodas.

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Quanto aos outros, que partiram para a outra vida, deles só nos resta a longa separação e a grande recordação com a Saudade que tanto maltrata nossos Corações!

* * *

Após transcrever este texto, onde Papai concentrou muitas de suas lembranças em tia Maria, sua mãe de leite, lembrei-me de uma história que me contou uma certa vez nos momentos de suas recordações de infância: Algumas semanas após o falecimento de tio Medeiros, Papai encontrava-se na casa de tia Maria, à noite, quando se deitou na rede para dormir, escutou sua querida tia a chorar e a se lamentar pela morte do esposo. Aquele quadro desencadeou em Papai um grande constrangimento e sentimento de pena pela situação daquela senhora. Que poderia fazer para minorar a angústia de sua tia? Eis que, virando-se para um dos lados da rede, para conciliar o sono, verificou um rosto difusamente familiar fitando-o com um ar de agradecimento. Para se certificar daquela visão, que de certo modo o atordoou, levantou o braço passando-o na direção do que via, seu braço não tocou em nada e o rosto desapareceu. Um frio gelado correu pelas suas vértebras provocando-lhe um desfalecimento seguido de um sono profundo. Acordou no outro dia impressionado com aquele acontecimento, que ficou para sempre gravado em sua memória, fazendo-o pensar ter sido aquela visão o espectro do seu tio Medeiros, que o agradecia pela sua preocupação com a situação de tia Maria. Entre os cadernos e escritos guardados por Papai, encontrei o rascunho de uma carta que ele escreveu para tio Joaquim, que achei interessante reproduzi-lo em parte, para sentirmos mais ainda o valor que meu pai dava à instituição familiar e por conter ali lembranças de sua infância: Recife, 7 de março de 1986 Meu caro e prezado tio Joaquim, Antes de tudo, em nome de Deus a sua benção ! Foi com muita alegria que recebi sua estimada cartinha, e muito me sensibilizou, a sua lembrança da feliz fase de nossas vidas, relativamente à minha infância e à sua mocidade, fase aquela em que mais convivemos juntos no ambiente de “uma família tão rica em Paz, onde não faltavam sorrisos”. De fato! Onde não faltavam Amor, Carinho, Compreensão... Onde havia respeito. Não respeito por imposição, mas por reconhecimento, por formação. Eu mesmo não me lembro, de jamais ter sido admoestado pelos meus tios. Ao contrário. Só me vem a lembrança do amor, do carinho, que por eles me eram dedicados. Daí a razão desse respeito. Afinal, era um respeito

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mútuo. Do senhor mesmo, por exemplo, nunca me esquecerei do modo como me tratava, sempre com um sorriso nos lábios me chamando “seu Grande”, apelido que herdei do meu pai, dos pequenos presentes que nos dava, quando vinha do Recife, dos pacotes de fogos que nos eram entregues quando nas festas de São João! Tio Joaquim, tudo isso faz transbordar de alegria um coração de criança. Principalmente de duas crianças órfãs de pai, de quem cessara todo esse carinho, como era nosso caso. Eu e José! Portanto, tio Joaquim, há muita coisa na minha vida de criança, que muito se relaciona com o senhor e que jamais me esquecerei. Inclusive de caso triste, como o foi na noite da morte de Papai. Eu tinha 6 anos. Quando o senhor chegou pra José e disse: – Meu filho, seu pai morreu. E ele respondeu chorando: – Já estou sabendo. Eu também já estava sabendo. Mas por covardia fazia que estava dormindo. Enquanto o senhor, por delicadeza, por piedade, preferiu não me acordar daquele sono de mentira, para me dar uma notícia tão triste !...” Com esta transcrição encerra-se este capítulo dos primórdios.

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ADOLESCÊNCIA E JUVENTUDE

“Oxalá a bondade e a fidelidade não se afastem de ti! Ata-as ao teu pescoço, grava-as em teu coração! ”(Prov. 3,3).

Este capítulo está baseado em relatos contados por Papai à mim e meus irmãos, quer nos seus momentos de recordações, quer quando de um fato que acontecia conosco se constituía em fatos semelhantes da sua vida. Outras informações foram dadas por primos que conviveram com ele nesta fase de sua vida. Tentei fazer um esforço para relatar estes fatos cronologicamente; começando ainda com algumas ocorrências de sua infância. Já no primeiro capítulo foi possível se perceber, que a infância de Papai teve momentos de alegrias, misturados com momentos de tristezas profundas; afinal nossa vida é feita de momentos, vividos ou não, intensamente. Muito cedo Papai passou pela profunda tristeza de perder o pai, vovô Cezar, tanto que seu relato sobre o fato foi bastante marcante. O quadro daquela ocorrência o acompanhou durante toda a vida e não podia ser diferente. Depois disto, foi perdendo todos os irmãos, como ele relatou em “FATOS DA MINHA ORIGEM”. A morte do irmão mais velho, José, representou um profundo pesar para Papai, que, inclusive, não falava sobre este assunto. Tio José morreu de tétano em conseqüência de um ferimento de espingarda no tornozelo. A espingarda que se encontrava atrás de uma porta caíra no chão detonando a espoleta que, por descuido, ficara no gatilho. Versões existem de que o acidente acontecera numa hora que Papai entrara em casa, derrubando a espingarda ao empurrar a porta, com isto tomou para si a culpa do ocorrido. Nesta época, Papai tinha 12 anos e carregou por toda sua existência o sentimento de culpa por um acontecimento totalmente acidental. Papai estudou apenas o curso primário. Não sei se todo o curso, apenas sei que teve pelo menos parte de sua formação escolar com as Irmãs da Sagrada Família e com os Irmãos Maristas; que, sem dúvida, contribuíram muito, juntamente com o exemplo de toda a família para a sua formação religiosa como Católico Apostólico Romano; religião que praticava com forte convicção. Contudo, sua vida escolar teve também seus dissabores, como se pode notar em parte de um dos seus relatos:

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...No ano seguinte entramos na escola da corporação da fábrica, isso porque tias Lilita e Cecília trabalhavam. José já tinha sete anos completos foi para a Escola dos Maristas, eu com 6 anos fui para o Jardim da Infância das Irmãs da Sagrada Família e Conceição que tinha quatro anos ficou em outro curso também das Irmãs. Naquela escola eu passei justamente todo aquele ano de 1914, no seguinte passei para a Escola dos Irmãos. Embora que essa alegria durou pouco. Depois que Tia Lilita casou no fim de 1916 ou princípio de 1917 e ficado somente Tia Cecília trabalhando. Então Dr. Collier o gerente da Fábrica mandou chamar vovó para dizer-lhe que não era mais possível a nossa continuação na escola. Então minha avó apelou para todos os seus sentimentos no que fosse possível contanto que nós não saíssemos da escola, que nessa época era somente eu e José. Pediu-lhe que ele admitisse Mamãe no trabalho, mas não atendeu alegando que não tinha vaga. Então a gente sofreu mais este retrocesso em nossa vida. Passamos para outras escolas, eram escolas municipais, primeiramente a de D. Leopoldina, que depois mudou-se para São Lourenço, então nós passamos para a de D. Cecília, mas eram muito diferente da nossa escola dos Irmãos... Papai começou a trabalhar fora muito cedo, conforme me dizia. Seu primeiro trabalho foi numa mercearia, trabalhando duro, pois além do serviço normal de balcão, ele carregava os sacos com milho, feijão, farelo, farinha, etc. pela sua fotografia ainda jovem Papai sempre me pareceu muito franzino, acredito que por conta de carregar estes pesos veio a desenvolver uma pronunciada escoliose que o acompanhou por toda a vida, lembram-se do corcunda? Que ele via em si o corcunda da canção que vovô Cezar cantava ? Em 16 de setembro de 1927, com seus 20 anos completos, Papai foi admitido na GREAT WESTERN; a atual REDE FERROVIÁRIA FEDERAL, como praticante de telegrafista, com uma diária de 6$000 (seis mil réis). As anotações de admissão e dispensa em sua carteira de trabalho, registrada sob o número T.4111, vão até 19 de maio de 1930. Acredito que por questões trabalhistas da época haviam estas admissões, dispensas por cerca de dois meses e readmissões, pois segundo me consta, Papai foi excelente profissional, seu último salário nesta companhia foi de 200$000 (duzentos mil réis). Ao contrário do serviço que exercia em mercearia, a função de Papai na GREAT WESTERN realmente o realizava profissionalmente, pois sempre falava com muita satisfação do tempo que passara trabalhando naquela Companhia. Contava histórias dos colegas, dos erros que cometera no início de sua função como aprendiz de telegrafia e dos trotes e xingamentos que fazia para os colegas quando já dominava bem o manipulador de telegrafia. Lógico que essas brincadeiras não prejudicavam o bom andamento do serviço, uma vez que meu pai possuía uma rígida responsabilidade como profissional. Por várias vezes, quando conversava comigo sobre aquela época de sua vida, tentava me induzir a aprender telegrafia, principalmente quando tomou conhecimento que eu havia entrado para o rádioamadorismo. Infelizmente a telegrafia que aprendi foi apenas o

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suficiente para passar nos exames de categoria, tanto que hoje sou radioamador classe “A” e opero somente em fonia, mas devo, em parte a Papai, os parcos conhecimentos de telegrafia que obtive. Lembro-me que, quando estava para fazer os exames para a classe “B” construí um oscilador de radiotelegrafia para treinamento das lições de telegrafia. Quão grande foi a alegria de Papai ao ver o manipulador acoplado ao oscilador, que ao ser operado emitia os sons que ele tanto conhecia, e logo, como se retornasse aos tempos de sua juventude, começou a manipular os sinais sonoros que letra a letra formavam o seu nome. Sempre mantive no meu íntimo a vontade de aprender e praticar realmente a telegrafia, pois Papai dizia sempre gostaria muito que um dos meus filhos aprendesse telegrafia. Embora tenha aprendido um pouco, nunca a pratiquei. Quem sabe um dia !... Ou quem sabe um de seus netos venha a se interessar! Por isso, vou abrir um parêntese e falar um pouco sobre telegrafia para meus filhos e sobrinhos para que tenham um pouco de conhecimento sobre este meio de comunicação, que, com o avanço da tecnologia, vai pouco a pouco, se tornando fora de uso (não no radioamadorismo). Sem nenhuma presunção de minha parte, imaginem ser o bondoso vovô Joaquim falando de telegrafia para vocês: A telegrafia como conhecemos hoje, foi desenvolvida por Samuel Morse, que viveu entre 1791 e 1872. Ele usou um aparelho que utilizava um eletroímã e desenvolveu o código de traços (-) e pontos (.), que correspondem respectivamente a sinais sonoros longos e breves. A junção de traços e pontos corresponde as letras do alfabeto, números e sinais gráficos (acentos, vírgula, ponto e etc.). O sinal sonoro correspondente ao ponto tem uma duração aproximada de 1/24 de segundo. O sinal sonoro de um traço tem a duração de três pontos. Se uma letra é formada de dois ou mais sinais, a duração da emissão de um sinal para o outro é equivalente a um ponto. A duração da emissão entre uma letra e outra é equivalente a três pontos. Finalmente a duração da emissão entre uma palavra e outra corresponde a cinco pontos. O código desenvolvido por Samuel Morse foi posteriormente denominado CÓDIGO MORSE, em homenagem a seu autor e é reconhecido internacionalmente, este código é reproduzido a seguir: L E T R A S ._ A _._ K .._ U _... B ._ L ..._ V

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_._. C _ _ M _.._ X _.. D _. N ._ _ W . E _ _ _ O _._ _ Y ._. F ._ _. P _ _.. Z _ _. G _ _._ Q .... H ._. R .. I ... S ._ _ _ J _ T NÚMEROS PONTUAÇÃO ._ _ _ _ 1 ._._._ ( . ) ponto .._ _ _ 2 _ _.._ _ ( , ) vírgula ..._ _ 3 .._ _.. ( ? ) interrogação ...._ 4 _ _ _... ( : ) dois pontos ..... 5 _._._. ( ; ) ponto e vírgula _.... 6 _...._ ( - ) ponto de união _ _... 7 ._ _ _ _.( ' ) apóstrofo _ _ _.. 8 _.._. ( / ) travessão _ _ _ _. 9 _._ _._ ( ) parênteses _ _ _ _ _ 0 ._.._. ( “ ) aspas Desta forma o nome JOAQUIM seria escrito assim:

._ _ _ J _ _ _ O . _A _ _ . _Q .._U ..I

_ _M Aí está a telegrafia que tanto fascinava Papai. Outra coisa que fez parte de sua juventude foi o carnaval. Papai contava que gostava muito de brincar o carnaval. Falava das músicas antigas que faziam parte deste festejo e, muitas vezes, relembrava algumas delas e uma lhe trazia muitas recordações, que ele ligava às lembranças de sua noiva que faleceu; da qual falarei no próximo capítulo. A canção de suas recordações do carnaval, regravada atualmente por Claudionor Germano, era:

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Eu bem sabia, que este amor um dia Também tinha seu fim Esta vida é mesmo assim Não sei se fico triste Nem se vou chorar Eu vou cair no frevo até me acabar... Do carnaval, Papai também falava dos lança-perfumes argentinos, que eram feitos de vidro, depois apareceram os da Rhodoro, que eram metálicos. As laranjas de cheiro, serpentinas, confetes, etc. Ressaltava sempre que a festa de carnaval do seu tempo de juventude era mais sadia, em nada se comparando com o carnaval atual. Em sua juventude, Papai foi um fumante inveterado, chegando a consumir conforme ele dizia, até três carteiras de cigarros por dia. Falava muito das marcas de cigarros do seu tempo. Deixou de fumar de um dia para o outro, por causa de minha mãe; que muito combatia o seu vício. Papai era possuidor de uma grande força de vontade. Apesar da ausência do fumo ter-lhe causado transtornos orgânicos, abandonou-o de uma vez por todas. Muito tempo depois, não lembro que idade eu tinha, talvez uns sete ou oito anos, quando fomos passar uma de suas férias na casa de uma sobrinha de Mamãe – Nininha – em Limoeiro, por influência dela e do Dr. Liberato; seu esposo, ambos fumantes, Papai voltou a dar umas fumadas, mas foi por muito pouco tempo, acredito que, no máximo, por dois meses; e suspendeu outra vez, abruptamente, e não voltou a fumar mais.

Outra paixão de sua adolescência e juventude, que cultivou mais ou menos até seus 60 anos foi a criação de passarinhos, seus pássaros prediletos foram: “curió”, “patativa-chorona” ou “chorão”, “concriz”, “sabiá”, “canário-da-terra” e “caboclinho”. Lembro-me ainda de um “caboclinho” que ele criava, quando ainda morávamos no Caiara. Este “caboclinho” morreu devido a gaiola ter caído no chão. Segundo Papai, já o possuía por mais de 12 anos. Por um bom tempo criou “periquitos australianos”, fazia gaiolas com muita perfeição, ensinando-nos inclusive a fazê-las.

Estes são alguns fatos da adolescência e juventude de meu pai. Muitos outros perderam-se nos subterrâneos da minha memória.

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TIA MARIA DO CARMO

Primeira filha de vovó Benvinda. Foi para Papai: “aquela tia tão querida de quem recebi

nfinidades de carinhos e bondades, inclusive o primeiro leite”. Sem dúvidas ele a tinha

como seu anjo protetor.

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LADISLAU AUGUSTO DE OLIVEIRA FONSECA

Avô materno de “Seu Grande”.

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A GRANDE DESILUSÃO E A SAUDADE INFINDA

“O coração conhece as próprias amarguras” (Prov. 14,10)

Desta feita a vida pinta novas matizes de desilusão e sofrimento para Papai, produzindo lesões profundas em sua existência e marcando-o com a saudade infinda. Foi a fase do seu namoro e noivado com uma moça chamada Arací Cabral de Albuquerque; cujo apelido de família era “Cicí”. Era o final do ano de 1932 e início de 1933. Papai estava noivo de Cicí há três anos, contava ela na época com 23 anos e Papai com 25. Conforme as palavras de Duquinha; irmã de Cicí – “Amavam-se intensamente, todos contavam como certo o casamento entre os dois”. Formavam, por assim dizer, o par perfeito. Dentro da rigidez daquele tempo, quando namorados ou noivos não podiam sair sozinhos, Duquinha era sempre indicada por seu pai, o Sr. Antônio, para acompanhar Papai e Cicí em seus passeios. – Papai, vou dar uma volta com Joaquinzinho, aqui mesmo na rua de casa. – Duquinha! Acompanhe os dois – dizia seu Antônio. E lá saia Duquinha danada de raiva, por ter que cumprir a ordem recebida. Hoje, conta isto, rindo da rigidez imposta naqueles tempos. Cicí queixava-se há algum tempo de incômodos abdominais, que, apesar de repetidas consultas médicas, não cediam com os medicamentos indicados. De volta de um passeio que dera para um outro município agudizaram-se aquelas dores, sendo a mesma hospitalizada no Hospital Centenário, onde teve que se submeter a uma intervenção cirúrgica para extirpação de um tumor das vias biliares. A cirurgia fora delicada e o caso patológico havia causado de certa forma espanto aos médicos que a operaram, que fizeram inclusive fotografias do tumor. Alguns dias após a operação, o estado clínico de Cicí agravara-se acompanhado de uma retenção urinária. Não havia sinais de melhora. Numa das visitas de Papai, Cicí, olhando para ele, retirou a aliança do dedo e a entregou, virando-se em seguida para a parede, não voltando mais a fitá-lo.

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Naquele dia, 23 de janeiro de 1933, depois de comunicar para a família a gravidade do estado de saúde de sua noiva, Papai voltou para o hospital, não mais a encontrando em seu quarto. Cicí havia morrido. Inconsolável, e chorando copiosamente, deitou-se Papai atravessado naquela cama onde antes estivera Cicí. Acabara-se ali o sonho que acalentara. Começaria também ali, a saudade que jamais o deixaria. Tanto que, no ocaso da sua vida, escreveu:

SAUDADE INFINDA

Encontrei na mocidade, Uma jóia como se fora uma flor.

Vi que era uma Saudade E que em pouco tempo murchou !...

Mesmo assim depois de murcha, Dentro do meu coração ficou ! Saudade, que não me deixa, Saudade, que vive em mim, Saudade, que não se acaba, Saudade, que não tem fim !...

Após escrever este poema Papai continua: A propósito deste pequeno e simples poema, me vem à lembrança uma jóia de soneto, que me foi oferecido por um meu grande amigo e colega de telégrafo, muito inteligente, José do Vale, já falecido. Ele quis prestar sua solidariedade ao meu sofrimento, e escrevendo-o assim, como segue:

SÉTIMO DIA (Homenagem póstuma à noiva de Fonseca)

Como um lírio sem mácula Senhora, Penetrastes da morte nos Arcanos!

Rosa que murcha ao despontar da aurora, Ave que tomba ao alvorecer dos anos

No vosso lar quanta tristeza agora!

Quantos soluços, quantos desenganos ! E o vosso noivo como sente e chora, A dor que mata os corações humanos!

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Somente há sete dias que partistes!... Em nossa alma, a saudade é tanta, é tanta!

Que o coração da gente não resiste!

Mas a verdade deve estar sem véu. Eu digo a soluçar: Era uma Santa,

E as santas foram feitas para o Céu!...

José do Vale - janeiro de 1933 Encerro aqui este capítulo; cujos fatos representaram com toda a força para Papai, “a grande desilusão e a saudade infinda” que o acompanharam por toda a sua vida. Na revisão deste capítulo lembrei-me de uma canção brasileira em que uma de suas frases diz que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Com certeza o restante da canção não se aplicaria a este caso. Agradeço a grande atenção que me foi dada por Alcide Cabral de Albuquerque (Duquinha), irmã de Cicí; cujo relato foi imprescindível para que escrevesse este capítulo.

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BENVINDA DA NÓBREGA FONSÊCA

A grande matriarca da família Nóbrega da Fonseca, avó materna de papai.

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JOSÉ CEZAR DE ALBUQUERQUE COSTA

Pai de “Seu Grande”.

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O FILHO EXEMPLAR

“Fui um (verdadeiro) filho para meu pai, terno e amado junto de minha mãe.” (Prov. 4,3)

Todos os fatos que me chegam à mente com relação ao comportamento de Papai diante de sua mãe, a querida vovó ZULMIRA, são condizentes com o título que dou a este capítulo, “O filho exemplar”. Papai, conforme minha tia avó Anita contava, foi um exemplo de obediência para com sua mãe, desde pequeno. Lembro-me que Papai não fazia nada, sem que antes tomasse aconselhamento com bivó. Não que ele fosse um dependente ou subserviente, mas simplesmente, pelo fato de reconhecer o valor e a experiência de vida de sua mãe. Como foi importante este exemplo de vida que ele nos deixou! A seguir, transcrevo um trecho escrito por Papai para sua mãe, no dia 6 de abril de 1986: Minha mãe! Hoje, domingo 6 de abril de 1986, dia de seu centenário natalício! Como passa depressa esta vida! Ainda mais, quando se trata de uma vida pertencente a uma criatura tão querida, tão cheia de virtudes, pelas quais soube tão bem ser boa filha, irmã amiga e devotada! Esposa fiel, e, companheira até o fim, sabendo enfrentar pacientemente todas as dificuldades, notadamente, com as doenças graves, e demoradas de meu pai e posteriormente de meu padrasto. Sim porque meu pai faleceu e eu fique com 6 anos de idade e você ainda tão moça e bonita, com 27 anos apenas. Mas o destino quis que se realizasse outro casamento, enquanto a Senhora contava 40 anos e eu 19 já homem feito. Mas a Senhora ainda moça, bonita e saudável, portanto, era natural, e além disso em se tratando de duas pessoas boníssimas, não havia como é natural nenhum motivo para objeção de minha parte! Assim a Senhora casou-se pela segunda vez, de cujo consórcio não houve filhos e que durou aproximadamente 26 anos.

* * *

O cuidado que Papai demonstrava para com bivó era “fora de série”. Como se diz, popularmente. Bivó era hipertensa e vivia constantemente em regime alimentar sem sal e gordura. Usava muito chuchu em sua alimentação e tomava constantemente alcachofra como remédios auxiliares para diminuir a pressão arterial, além dos medicamentos indicados pelos médicos. Mas sua hipertensão era rebelde e isto era motivo de muita preocupação para Papai, que sempre estava procurando saber se ela estava seguindo as orientações médicas, tomando seus remédios, etc.

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O fato de ter perdido o pai muito cedo não invalida sua dedicação para com meu avô Cezar. O pequeno período de convivência foi muito bem registrado na memória de Papai, quando nos falava de vovô Cezar deixava transparecer o orgulho que tinha de seu pai. Encerro este capítulo transcrevendo três poemas, o primeiro em homenagem ao centenário natalício de vovó Zulmira e os dois restantes, escritos respectivamente nos Dia dos Pais e das Mães, no ano de 1979, que bem mostram o valor que o velho Joaquim Fonseca dava às figuras da mãe e do pai na família.

SEIS DE ABRIL

Seis de abril de mil novecentos e oitenta e seis! É esta data para mim, um dia extraordinário!

Porque nele se assinala desta vez, De minha mãe, a passagem do seu centenário !

No entanto, somente setenta anos ela fez De vida, e nela teve um trajeto tão fadário!

De sofrimentos, desgostos, que contando, talvez Somariam as contas de um rosário !

Mas, contudo, ela soube com muita altivez, Dominar com resignação o seu calvário, Cheia de compreensão e sensatez !

Ela soube no sofrimento, quando necessário,

Não deixar transparecer em sua tez, A dor que se lhe ia na alma, em seu itinerário !

PRECE DE UMA MÃE

Senhor, eis aqui, de Mulher e Mãe este meu Coração Estou diante de teu infinito e penetrante amor,

Agradecendo-te, de mãos postas com todo o meu calor, A graça de ser Mãe, e de poder cumprir esta Missão!

Lanças teu olhar sobre os filhos de minha geração!

Que eles cresçam e descubram no teu rosto o seu fulgor De toda beleza! Que eles se apaixonem com ardor, Pela bondade de teu infinitamente grande Coração!

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Eles são meus e são teus, Tu me deste a satisfação Imensa, de poder gerá-los dentro do meu seio! Ouvi, ó Pai! A minha prece de amor e gratidão:

Que eles, se necessário for, com toda abnegação, Defendam os injustiçados. É este o meu anseio!

E ajam com prudência e vigor. Mas com violência, Não!

ORAÇÃO DE UM PAI

Senhor, Pai de todas as coisas, Tu me deste A ventura de ser Pai! Aqui estou eu.

De cabelos brancos, cujo vigor o tempo feneceu, Dando-te graças! Por tão grande bem que me fizeste!

Sinto o sol de minha vida penetrar no oeste.

Mas nesse percurso, quanta coisa de bom aconteceu Meus filhos cresceram! E, para contentamento meu, São bons, maravilhosos, porque assim o quiseste!

Hoje, quando me é dado o prazer de encontrar,

Na rua, a passeio, em qualquer lugar, Alguém que deles seja amigo ou conhecido,

Deles, só profere palavras de bondade!

Portanto, ó Pai! É com toda a honestidade, Que a Ti confesso: Mil vezes!... Agradecido!

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SÍNTESE GENEALÓGICA

“Todos eles adquiriram fama junto aos seus contemporâneos, e foram a glória do seu tempo. Aqueles que deles nasceram deixaram um nome... Outros há, dos quais não se tem lembrança; Pereceram como se nunca tivessem existido...”(Eclo. 44,7-9).

Teoricamente esta biografia está dividida em duas partes: na primeira parte, que vai até o capítulo anterior, tivemos os fatos relacionados com a infância, adolescência e juventude de Papai, bem como, os da sua conduta como o filho exemplar, com maior envolvimento dos seus ascendentes. Na segunda, teremos o pai de família e o avô dedicado que ele foi, envolvendo mais seus descendentes. Assim, entre uma parte e outra, incluí esta síntese genealógica, nomeando seus ascendentes e descendentes. Contribuíram para a síntese genealógica dos ascendentes do ramo paterno, as anotações que me foram gentilmente cedidas pelo primo Jonas Borba da Costa, filho de tio Argemiro, irmão do meu avô Cezar. Para os ascendentes do ramo materno reproduzi as informações contidas no livro “Retratos de Família”, da prima Raimunda Fonseca de Aguiar, filha de tia Candinha, irmã de vovó Zulmira. Partindo dessas informações, foram coligidos novos dados sobre os ascendentes, principalmente no que se refere a novos nomes e algumas datas. Contudo, são ainda passíveis de confirmação. Assim, são mantidas quase integralmente as anotações de Jonas e Raimunda. ASCENDENTES Pais: José Cezar de Albuquerque Costa, nasceu em 1880 no município de Limoeiro, foi operário da Fábrica de Camaragibe. Faleceu aos 7 de novembro de 1913. Zulmira da Nóbrega Fonseca, nasceu no dia 6 de abril de 1886 no município de Vitória de Santo Antão, foi também operária da Fábrica de Camaragibe. Com o casamento adotou o nome de Zulmira Fonseca Costa. Faleceu aos 22 de setembro de 1956. Cezar e Zulmira casaram-se no dia 13 de setembro de 1905, viveram juntos apenas 9 anos, tiveram 5 filhos: José Joaquim (1906/1920), Joaquim José (Papai) (1907/1988),

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Maria da Conceição (1909/1914), Benvinda Flora e Terezinha, cujos anos de nascimento e morte me são desconhecidos. Ramo paterno: Avós: José Joaquim da Costa Gomes (Cazuzinha) e Joaquina Maria de Albuquerque (Mocinha). Bisavós: Antônio (Desconheço o sobrenome) e Thereza Felismina de Albuquerque (pais de Joaquina). Trisavós: Antônio de Albuquerque (pai de Thereza), nome da trisavó desconhecido. Nota: Thereza Felismina de Albuquerque era irmã de Antônia Albina de Albuquerque,

casada com Antônio Gonçalves de Oliveira, do Engenho Aurora, município de Itambé. Pais de Frei Vital Maria Gonçalves de Oliveira, Bispo de Pernambuco, na afamada questão religiosa na década de 70 do século passado. Papai era portanto primo em 3º grau de D. Vital, de que muito se orgulhava.

Ramo materno: Avós: Ladislau Augusto de Oliveira Fonseca (14.04.1850 / 24.07.1901) e Benvinda Interaminense da Nóbrega (05.02.1867/14.03.1953), que adotou o nome Benvinda da Nóbrega Fonseca. Bisavós: Joaquim José da Fonseca e Cândida Josefina de Oliveira (pais de Ladislau). Anastácio Alves da Nóbrega Filho e Flora de Souza Interaminense, que adotou o nome de Flora Interaminense da Nóbrega (pais de Benvinda). Trisavós: São desconhecidos os nomes dos pais de Joaquim José da Fonseca José Joaquim de Oliveira e Ana Xavier de Oliveira (pais de Cândida Josefina de Oliveira).

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Anastácio Alves da Nóbrega e Escolástica de Arruda Câmara (pais de Anastácio). José Francisco de Souza Interaminense e Pacheca Rodrigues Interaminense (pais de Flora) DESCENDENTES Joaquim José da Fonseca Costa casou com Neusa Antão de Medeiros, que adotou o nome de Neusa de Medeiros Costa, no dia 11 de setembro de 1940, conforme registro de casamento número 2360, folha 8 do livro 33 do Cartório do Arruda, Cidade do Recife. Tiveram os seguintes filhos (F) e netos (N): F1. Judas Tadeu de Medeiros Costa, nascido a 7 de abril de 1943, no bairro da Várzea,

Recife. Biólogo, Mestre em Botânica, Professor da Universidade Federal de Pernambuco, casado com Maria José da Silva Carneiro, que adotou o nome de Maria José Carneiro Costa, Pedagoga, Professora da Rede Oficial de Ensino de Pernambuco.

Possuem os seguintes Filhos: N1. Maria Angélica Carneiro Costa, nascida a 20 de fevereiro de 1971, em Recife. N2. Cynthia Maria Carneiro Costa, nascida a 23 de julho de 1972, em São Paulo. N3. Paulo de Tarso Carneiro Costa, nascido a 9 de agosto de 1978, em Recife. F2. Antônio Fernando de Medeiros Costa, nascido a 15 de julho de 1947, Bacharel em

História, Funcionário do Banco do Estado de Pernambuco (BANDEPE), casado com Neuza Cavalcanti de Morais, que adotou o nome de Neuza de Morais Costa, Enfermeira, Funcionária do Centro de Hematologia de Pernambuco (HEMOPE).

Possuem os seguintes filhos: N5. Saulo de Morais Costa, nascido a 14 de setembro de 1979, em Recife. N7. Juliana de Morais Costa, nascida a 10 de janeiro de 1981, em Recife. F3. José César de Albuquerque Costa, nascido a 13 de agosto de 1949, Engenheiro de

Minas, Professor da Universidade Federal da Paraíba, Campus de Campina Grande, casado com Maria Amélia Rocha Burgos Josué, que adotou o nome de Maria Amélia Burgos Costa, Licenciada em Letras, Assistente Social, Funcionária do INSS em Campina Grande, PB.

São os seus filhos: N4. José César de Albuquerque Costa Filho, nascido a 29 de novembro de 1978, em Recife.

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N6. Maria Carolina Burgos Costa, nascida a 12 de fevereiro de 1980, em Recife. N8. João Bosco Burgos Costa, nascido a 22 de janeiro de 1982, em Recife. F4. Maria do Rosário de Fátima de Medeiros Costa, Pedagoga, casada com José Arturo

Escobar, Engenheiro Agrônomo. Fátima adotou o nome de Maria do Rosário de Fátima Costa Escobar.

São seus filhos: N 9. José Arturo Costa Escobar, nascido a 17 de abril de 1982, em Recife. N10. Indra Elena Costa Escobar, nascida a 7 de março de 1984, em Recife. N11. Narayana Flora Costa Escobar, nascida a 2 de agosto de 1985, em Recife. N12. Surya Ananda Costa Escobar, nascida a 21 de novembro de 1986, em Recife. N13. Arjuna Joaquim Costa Escobar, nascido a 3 de maio de 1988, em Recife. Nota: os netos N1 a N13 estão relacionados na ordem cronológica.

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O PAI DE FAMÍLIA

“Aquele que dá ensinamentos a seu filho será louvado por causa dele, e nele mesmo se gloriará entre os seus amigos.” (Eclo. 30,2).

Segundo o Registro de Casamento de nº 2360, folha 8, do livro de nº 33, do Cartório do Arruda, Joaquim José da Fonseca Costa casou-se com Neusa Antão de Medeiros no dia onze de setembro de 1940. Foram testemunhas do casamento: Alfredo Julião de Souza e Geraldo Fonseca Bastos; este primo de Papai, filho de Tia Anita. Papai tinha 33 anos completos e Mamãe iria completar 17 anos em novembro, Mamãe adotou o nome Neusa de Medeiros Costa, filha de Coriolano Monteiro de Medeiros; o extremamente brincalhão, vovô “Corió” e Josepha Antão de Medeiros, que chamávamos vovó “Mena”. O apelido de Mamãe, quando jovem era “Manga Rosa”; devido às bochechas muito vermelhas. Acredito que assim como não existem pais que achem seus filhos feios, não devem existir também filhos, que achem os pais feios. Mamãe, hoje, com 68 anos é uma mulher bonita e devia ser muito mais, quando jovem. Deste casamento nasceram quatro filhos já nomeados no Capítulo “SÍNTESE GENEALÓGICA”, que deram 13 netos ao casal como foi visto, o mais novo Arjuna nasceu após a morte de Papai. Tanto Papai como Mamãe tiveram formação religiosa Católica Apostólica Romana. Mamãe, por conta própria; pois sempre gostou da Igreja. Meus avós maternos não a tinham laços religiosos, ao contrário da família dos meus avós paternos, que eram católicos, por formação. Esta formação religiosa influenciou os nomes dos filhos do casal: o meu nome, Judas Tadeu, foi resultante de promessa feita por minha mãe para São Judas. O nome de Antônio Fernando, deve-se a grande devoção de Papai a Santo Antônio. Antônio se chamaria Mário do Carmo, se tivesse nascido no dia 16 de julho, dia de Nossa Senhora do Carmo; padroeira da cidade do Recife e o de Fátima em homenagem a Nossa Senhora de Fátima, por devoção de Mamãe. O único que fugiu a esta regra foi César, que tem o mesmo nome de meu avô Cezar. Assim mesmo é José. Quem sabe o primeiro nome de vovô Cezar (José) tivesse sido resultado de alguma influência da religião dos meus bisavós?

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A convicção religiosa, com o forte conceito de casamento indissolúvel, sagrada família, família cristã, etc., foi Graças a Deus o grande sustentáculo do casamento de Papai com Mamãe. Apesar das desavenças existentes entre os dois, o casamento perdurou até que a morte os separasse, depois de 47 anos de casados. Para Papai, os filhos estavam acima de todas as crises, assim como ainda os são, para Mamãe, que sempre foi uma supermãe. No poema que segue, de dezembro de 1978, Papai refere-se a respeito das incompreensões, que ele chama “ingratidão”, vividas entre ele e Mamãe. Falando também de sua opção em não se separar. Papai era um homem extremamente sensível, magoando-se com muita facilidade. Talvez exagerasse um pouco, ou quem sabe muito, mas este comportamento era resultante dos desgostos que a vida lhe aprontara: morte do pai, quando ainda criança, morte de todos os irmãos, morte da noiva, morte da mãe. Eu compreendia Papai! Embora em alguns momentos aqueles desentendimentos me incomodassem. Mas, vamos ao poema...

RETALHOS DE TRISTEZA

Ai meu Deus, quanta incerteza Tenho no meu coração! Quem me dera a solução

Que me curasse a tristeza!...

Mas minha tristeza é incurável Porque é do coração Uma lesão formidável

Que se chama ingratidão.

Dos que me prestam atenção Já me acho separado, Cada um tomou seu lado Deixando-os-me na solidão.

Embora em compensação

Me sinta resignado, Pois estão construindo seus ninhos,

Cheios de amores, carinhos E muita compreensão!

Pois bem souberam escolher Com quem deverão viver.

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Enquanto por nosso lado Por não sabermos escolher,

Devido à cega paixão Vou curtindo a solidão E vivendo do passado.

Como podíamos prever O que viria acontecer?

É que, ao nos casarmos, depois,

Chegamos à realidade Da incompatibilidade

Existente entre nós dois.

Não tomei a decisão Que muita gente tem feito, Pelos filhos e preconceito, Que seria a separação.

Hoje, nos meus momentos tranqüilos

Sinto que meu sacrifício Compensou com o benefício De viver bem com meus filhos!

O que não teria se dado,

Se tivessemo-nos separado.

Mas, pelas incompreensões, divergências Surgidas em nossa trilha,

Vamos sofrendo as conseqüências Com relação à nossa filha.

Como eu seria feliz

Se me fosse dado na vida, Ser minha filha querida

Aquela que sempre eu quis!

Meiga, alegre, bondosa. Fosse ela para mim,

Como em criança era assim, E sobretudo carinhosa!

Agora a minha presença Pra ela não vem ao caso

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“Eu sou seu pai por acaso!” Daí, me trata com indiferença

Assim a cada momento

A medida que o tempo passa Mais vou sorvendo essa taça Sabor de meu sofrimento!

Pra pintar meu sofrimento Somente a ingratidão o pinta Porque só ela usa a tinta

Que se ajusta ao meu tormento!

Dessa tal ingratidão, Quanto mais eu me lamento Mais se agrava o sentimento Dentro do meu coração!

Ai meu Deus, quanta incerteza Tenho-a em meu coração! Quem me dera a solução Que me curasse a tristeza !

Sinceramente, não sou capaz de dosar as influências que tiveram em mim as desavenças entre Papai e Mamãe. Em algumas ocasiões, as discussões dos dois me incomodavam bastante, mas ao mesmo tempo, eu tentava compreender todo aquele processo, levando em consideração as desilusões que meu pai havia passado. Não sei a profundidade que os mesmos problemas influenciaram os meus irmãos homens. Minha irmã, Fátima, creio eu, ter sido talvez a mais atingida pelas desavenças de meus pais. Irmã mais nova, atingiu sua fase de adolescência, exatamente quando ocorria o crescimento dos desentendimentos entre os dois. Não havia consenso entre Papai e Mamãe na forma de educá-la. Desta forma, Papai dava uma ordem e Mamãe uma contra-ordem e vice-versa; o que prejudicou sobremaneira o relacionamento dela com eles. Fátima tornou-se arredia e, posso até dizer, uma pessoa revoltada e muito rústica no tratamento que dispensava aos dois. Esta é a razão pela qual Papai se expressa em “RETALHOS DE TRISTEZA” como se lê a seguir:

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Mas, pelas incompreensões, divergências Surgidas em nossa trilha,

Vamos sofrendo as conseqüências Com relação à nossa filha.

Como eu seria feliz

Se me fosse dado na vida, Ser minha filha querida

Aquela que sempre eu quis !

Meiga, alegre, bondosa. Fosse ela para mim,

Como em criança era assim, E sobretudo carinhosa!

Agora a minha presença Pra ela não vem ao caso “Eu sou seu pai por acaso!” Daí, me trata com indiferença

Sempre que eu meditava sobre os desentendimentos de meus pais, procurava fazer interpretações sobre a raiz do problema. A minha conclusão sempre se dirigia para o fato de meu pai ter se casado com Mamãe, sem uma certeza de que a amava o suficiente, que existisse simplesmente uma paixão e esta paixão naquele momento ou por alguns anos, tivera encoberto os defeitos que ambos encontrariam reciprocamente. Outra coisa possível era o fato de que Papai, com esta nova paixão esperasse encontrar em Mamãe a nova Cicí de sua vida, descobrindo depois que enganara-se redondamente, pois não existem substituições nestes casos, uma vez que cada pessoa possui características próprias que não podem ser comparadas. Após transcrever “RETALHOS DE TRISTEZA”, que eu não conhecia antes da elaboração desta biografia, fica confirmada a hipótese da paixão e a ligação ao passado, que, sem dúvida, representava Cicí, como se pode ler no que segue::

Por não sabermos escolher, Devido a cega paixão, Vou curtindo a solidão E vivendo do passado.

Como podíamos prever O que viria acontecer ?

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É que, ao nos casarmos, depois, Chegamos à realidade Da incompatibilidade Existente entre nós dois

Contudo, acho que Papai teve sua forma de amar minha mãe. Mesmo não sendo ela a pessoa ideal, conforme suas expectativas. De uma coisa tenho certeza: “Papai foi um homem fiel para minha mãe até a morte”; o que se traduziu num exemplo para todos os seus filhos. A fidelidade sempre foi também uma característica de Mamãe, além da extrema dedicação que sempre teve e tem pelos filhos. Outra coisa que sempre me impressionou, apesar de todas as desavenças existentes, foi a dedicação ao lar, que sempre caracterizou Papai. E, finalmente, a grande incoerência, que era a preocupação que Papai tinha com relação à Mamãe, pela sua saúde, seu bem estar, etc., e sempre procurou na medida de suas possibilidades, realizar as coisas que Mamãe queria. Por todas estas coisas, eu afirmo que “foi sábia a decisão de Papai e Mamãe de não se separarem” e esta decisão exigiu renúncia de ambos e, para mim onde há renúncia, existe amor, amor na sua mais forte acepção Cristã, que é o amor-doação. Talvez não seja entendido por aqueles que tenham absorvido as novas formas de comportamento. Esta doação e amor, que ele chamou “meu sacrifício”, estão bem expressos nos versos nove a onze:

Não tomei a decisão Que muita gente tem feito, Pelos filhos e preconceito, Que seria a separação.

Hoje, nos meus momentos tranqüilos

Sinto que meu sacrifício Compensou com o benefício De viver bem com meus filhos !

O que não teria se dado,

Se tivessemo-nos separado. Como já citei anteriormente, Papai era uma pessoa extremamente sensível, a ponto de exagerar nos seus sentimentos, considerava-se extremamente sofrido e marcado por fatalidades, claro que estes sentimentos se pronunciaram mais na velhice, nos momentos da chamada “depressão senil”, quando ele escreveu a maioria dos seus poemas. Este fatalismo o marcava consideravelmente e foi expressado com fortes pinceladas em “ADVERSIDADES”, escrito em abril de 1981, que transcrevo a seguir, e, que considero, o

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poema síntese do fatalismo de Papai. Pode-se observar suas mágoas e tristezas com relação ao casamento, a revolta de Fátima, a morte da noiva e dos irmãos.

ADVERSIDADES

Há muita sorte adversa Verificada na vida:

Viúvos de esposa viva E bem assim vice-versa

Que mundo de sentimentos tortos!... Quantos órfãos de pais vivos! Ainda, quantos pais vivos,

Que Pra certos filhos são mortos!

De um pai a grande tristeza Que mais o atormenta a vida É ter no peito a certeza De ser a filha perdida!

De um jovem tomado de paixão Por sua noiva querida!

Por quem tanto sonhara na vida! E vê-la morta dentro dum caixão!...

De uma santa mãe, cuja sorte,

Com cinco filhos, cheia de esperanças! Quando perdera quatro ainda crianças! Arrebatados, bruscamente, pela morte!

Assim, há muito sofrimento oriundo

De tantos males presentes e passados Que sem falar de casamentos fracassados... Há infinidades de adversidades neste mundo.

Mas Papai não foi só o homem triste e sofrido, tinha os seus grandes momentos de alegria e não podia ser diferente, pois não era nem um Deus perfeito, nem um Satanás, ERA UM HOMEM, com todos os seus defeitos e virtudes, para a minha opinião com muito mais virtudes e a maior delas foi ser um VERDADEIRO PAI, por isto o nome deste capítulo ser “O pai de família”, é sobre um pouco deste grande homem como pai, que passo a fazer alguns interessantes relatos, que me envolvem e a meus irmãos. Não sei precisar a idade a partir da qual me lembro das histórias que passo a contar; mas, considerando que me lembro do dia em que Mamãe foi para a maternidade para dar à luz meu primeiro irmão Antônio, eu tinha quatro anos completos. Na verdade, estes fatos iniciais são lampejos de memória.

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Morávamos na Estrada do Caiara, uma transversal da avenida Caxangá, na localidade chamada Bomba Grande, mais ou menos o limite entre os Bairros da Iputinga e do Cordeiro. A casa era de taipa, pequena mas muito agradável. Não me recordo de discussões entre Papai e Mamãe nesta época; me lembro sim, que todos os dias de manhã, cedinho, antes de ir trabalhar, ele saía a passear conosco, eu e meus dois irmãos, pelas campinas. Era um passeio gostoso, pisando nos matos ainda molhados do orvalho da madrugada; a vacaria de seu Danda; a ponte de tronco de coqueiro sobre um riachinho, que a gente passava nela se equilibrando e tome conversa. Nesta época Papai já era funcionário do Governo do Estado e seu expediente começava a partir das onze horas. E assim, Papai fazia conosco o mesmo que fizeram com ele os seus pais. Naquela época não existia televisão com sua função de separar as pessoas, mesmo que reunidas em uma mesma sala. Papai realmente nos curtia e nos cativava. “Eu te cativo, tu me cativas” (Saint Exupery). Na rua que morávamos, realizava-se anualmente a parte profana da festa de São Severino dos Ramos. Eram instalados carrosséis, roda-gigante, jaús para adultos e crianças, montanha-russa e outros divertimentos comuns nestas festas de bairro, como a bela e a fera, a mulher que virava lobisomem, etc., junte-se a isto as pipoqueiras, as bolas de oxigênio, além das tradicionais guloseimas, como castanha de caju e amendoim confeitado, tapioca-de-coco, churrasquinho-no-espeto e por aí. A gente se esbaldava durante aqueles nove dias, que correspondia à novena de São Severino. Todas as noites depois da novena, rezada numa pequena capelinha no final da rua íamos com Papai para os brinquedos do parque de diversões e ele nos punha a correr em todas aquelas bugigangas, comprava bexigas, que eram cheias com um gás, que mais leve que o ar fazia com que as mesmas flutuassem amarradas a uma linha, no ou dia estavam murchas e não flutuavam mais, mas todas as noites, enquanto durava a novena Papai comprava novas bolas. Lembro-me bem que tudo para mim tinha uma dimensão muito grande. A rua do parque de diversões era enorme, o período dos festejos demorava bastante, a semana era longa demais. É a relatividade do tempo e espaço em nossa vida de criança, que depois, com o passar dos anos, a gente vai descobrindo como as coisas passam rápido; estas coisas boas que se passaram há cerca de 40 anos, parecem-me, hoje, que ocorreram ontem. Papai sempre falava sobre estas impressões, de como o tempo passava mais rápido à medida que a gente ia crescendo e envelhecendo.

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Certo dia apareceu uma novidade na rua em que morávamos. Em um terreno baldio, que ficava no final da rua, começaram a armar um circo, desses sem cobertura, só com as lonas laterais. Chamava-se Circo Uberlândia. A curiosidade crescia dentro de nós diante daquele novo acontecimento. Acompanhamos da frente de casa os trabalhos das pessoas que armavam o circo, foi um trabalho rápido, em uma manhã concluíram tudo. Depois do almoço, uma grande algazarra na rua chamou nossa atenção. Corremos para frente de casa e nos surpreendemos com um dos palhaços do circo sobre pernas-de-pau. Vestia longa calça listrada verticalmente, cobrindo as longas pernas de mais de 2 m de altura. A meninada o acompanhava zoarenta, respondendo a uma série de perguntas da autoria daquele exímio equilibrista, que fazia a propaganda do espetáculo de logo mais à noite. Aqueles que acompanhavam o pernas-de-pau tinham direito a ingresso grátis para o espetáculo. Nunca acompanhei aquele palhaço, Mamãe não deixava. – Isso é coisa de moleque, dizia ela. Papai nos levou várias vezes àquele circo. Ficávamos embevecidos com as evoluções dos trapezistas, e os palhaços nos arrancavam grandes gargalhadas. Devido ao fato de não ter lona de cobertura, o povo denominava o circo de: Deus tomara que não chova. Acredito que o circo tenha se demorado ali por mais de um mês. Um dos palhaços, chamado “Canetinha”, conversava sempre com Papai na frente de nossa casa. Era bem diferente de quando se caracterizava com suas pinturas de rosto, sua roupa frouxa e sapatos enormes, que causava dificuldade em seu caminhar. Nas festas de São João ficávamos ansiosos esperando Papai chegar do trabalho na véspera deste tradicional folguedo nordestino; dias 23 e 24 de junho. Ele não dispensava a fogueira na frente de casa, às seis horas ele acendia a fogueira e começavamos a soltar fogos, até dez, onze horas. E a brincadeira continuava no outro dia continuava, soltava-se fogos ao meio-dia, principalmente os de tiros como “bombas”, “peido-de-velha”, “bicha-de-rodeio” e à noite, após reacender a fogueira tome novamente os fogos de artifício como “pistolas”, “assovios”, “estrelinhas”, “rodinhas”, “mosquitinhos-do-ar”, “emboás”, “cara-dura”, “vesúvios”, “vulcões” e outros. Papai gostava também de soltar pequenos balões, que eram comprados prontos nos bazares de fogos. Naquela época não havia proibição para soltar balões, proibiram para evitar que os balões quando caíssem não queimassem as matas, grande coisa, cortaram depois quase todas as matas para plantar cana e fazer moradias e fábricas, em nome do progresso, pensava eu à medida que ia crescendo..

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Só me recordo de uma vez, já quando morávamos na nova casa da Rua Conselheiro Silveira de Souza, que Papai comprou os fogos somente na véspera de São João e pediu, constrangido, para economizarmos pois não tinha tido condições de comprar mais naquele ano. Nunca Papai nos disse nada sobre a compra daquela pouca quantidade de fogos, mas, eu e meus irmãos, sempre pensamos que Papai pediu dinheiro emprestado para comprá-los. É possível até, que, sendo verdade esta nossa suposição, alguém ignore esta atitude de Papai, mas, não adianta; ele era capaz de tudo pelos filhos e nós o temos sempre em nossos corações por todos os seus feitos e resoluções que ele tomava. Sobre esta nossa nova residência, chega-me vagamente à memória as conversas que Papai estava à procura de um terreno para construir uma casa. Bem mais tarde vim a saber através do próprio Papai que ele havia comprado o terreno no outro lado da Avenida Caxangá, seguindo os conselhos de minha avó que dizia que ele não devia comprar terreno no lado que morávamos devido a possíveis enchentes do rio Capibaribe. Ora, não me lembro de enchentes naquela época, uma coisa eu sei Papai obedecia cegamente a sua mãe e nunca perdeu com isto, pelo contrário. Várias cheias ocorreram depois de nos mudarmos para a nova casa, nunca atingindo nosso lado. Somente na grande cheia de julho de 1975, a água atingiu nossa casa em cerca de 50 cm, enquanto no lado que morávamos antes, muitas casas foram totalmente cobertas. Quanta premonição nos conselhos de minha avó, quanta sabedoria na obediência de Papai! Papai comprou o terreno seguindo aqueles sábios conselhos e iniciou a construção da casa com empréstimo imobiliário do IPSEP (Instituto de Pensão dos Servidores do Estado de Pernambuco) e, com grande sacrifício, conseguiu construí-la. As parcelas do empréstimo eram irregulares e Papai, nos períodos entre a liberação de uma parcela e outra, tocava os serviços com seus próprios e parcos recursos. Chegou o ano de 1954 e com ele nossa mudança para a casa nova da Rua Conselheiro Silveira de Souza nº 1181. Não sei precisar o mês que nos mudamos, mas, estava realizado o sonho de Papai e também, o nosso. Continuava nossa noção infantil de espaço grande e tempo demorado. Que casa grande aquela! Alta, de alvenaria, terraço bem espaçoso, toda estucada, água encanada, paredes emassadas em plastex (a novidade do momento) e portas bonitas com maçanetas metálicas bem brilhantes. Como era diferente da nossa simples casinha de taipa da estrada do Caiara! E Papai orgulhoso do seu novo lar. E o quintal? Papai já havia providenciado as mudas de mangueiras, uma delas trazida da antiga casa.

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E começamos nossa nova vida no novo lar. Papai continuava no seu expediente a partir das onze horas e nossa rotina de passeios matinais não mudara, agora em novas plagas; o sítio de seu Chinino, a baixada para a Rua do Camarão, o mesmo riacho que passávamos antes lá no Caiara, só que em outro trecho, que também para atravessá-lo usava-se uma pontezinha de troncos de coqueiro, que se denominava “pinguela”. Mamãe estava grávida outra vez. Desta feita, havia muita expectativa; pois ela havia feito mastectomia há cerca de três a quatro anos por ter contraído câncer no seio, se apegara muito com Nossa Senhora de Fátima para tudo correr bem. E tudo correu bem e, no dia 20 de agosto de 1955, nascia uma menina, que recebeu o nome de Maria do Rosário de Fátima; em homenagem à Senhora de Fátima. Foi uma alegria geral. Éramos três homens e agora havia, uma menina. Papai e Mamãe, nem se fala! Tínhamos, depois de um mês ou dois, nova companhia nos nossos passeios matinais. Os braços de Papai se ocupavam agora da pequenina Fatinha, muito alvinha e com bochechas bem rosadinhas. Fazíamos novas amizades pela redondeza: os filhos de Anita e Tônio, nossos primos, que eram nossos vizinhos, os filhos de Manoel Carlos e dona Argemira, que moravam na casa após a de Tônio, e, à noite, nos juntávamos na frente de casa para brincar de “pega”, “queimado”, “barra-bandeira”. Como se brincava! Ainda não existia televisão!

OS MEUS FILHOS PEQUENINOS

Filhinhos dos amores meus! Ó dádivas de Deus, Que tanto as acaricio!

Florinhas De perfume leve,

Alvinhas Como a neve,

Em manhãs de estio!

Vidinhas da minha vida! Tal primavera florida,

Fontes de tanta bonança! Criancinhas

Provindas do meu amor! Tenrinhas

Como uma flor, Motivos de tanta esperança!

Poema de Papai para seus filhos.

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ZULMIRA DA NÓBREGA FONSECA,

Mãe de “Seu Grande”.

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“SEU GRANDE“

Com cerca de 9 anos

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Uma quadrinha que fez para Fátima:

O RISO DA MINHA FILHA

Toda a riqueza da terra, Mesmo o sol que tanto brilha, Não tem a beleza que encerra

O riso da minha filha!... Em seu caderno de poemas, após escrever OS MEUS FILHOS PEQUENINOS se lia o seguinte: Como sempre gostei muito de crianças, faço figurar nesta página o seguinte soneto extraído do livro Primores da Poesia Portuguesa, isto é, uma coletânea de vários poetas, entre os quais; Guerra Junqueiro, Anthero do Quental, Gonçalves Crespo e tantos outros; este por exemplo é da autoria de Antônio Macedo Papança:

AOS TRISTES

Uma criança que salta, Que canta, que ri e chora É uma risonha aurora

Que o coração nos esmalta.

Triste daquele a quem falta, Na vida que se evapora, Uma criança que salta, Que canta, que ri e chora.

Se o desalento me assalta, Se a doença me devora

Dá-me uma estranha melhora,

Que me anima e que me exalta, Uma criança que salta, Que canta, que ri e chora

Antônio Macedo Papança (Conde de Monsaraz)

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As histórias da convivência e trato com os filhos do grande PAI DE FAMÍLIA não terminam aqui. Muitas coisas continuam muito vivas em minha lembrança, que não podem deixar de ser contadas. São fatos exemplares, não só para nós; seus filhos, que somos agora pais como ele, bem como para nossos filhos e sobrinhos e outros parentes que estejam desempenhando ou que venham desempenhar a nobre função de ser pai. Durante todo o seu relacionamento comigo e meus irmãos em nossas fases de crianças e adolescentes Papai sempre manteve a cabeça fria. Uma única vez ele bateu em Antônio e em César. Comigo apenas levantou a mão uma vez, mas não chegou a bater e com Fátima não me recordo sequer que ele tenha, ao menos levantado a mão. Nem por isso deixamos de obedecê-lo! Não que fôssemos santos, mas pelo fato dele saber impor sua autoridade apenas com o olhar. Quando mais crescidos respondíamos, éramos contrários a alguns dos seus conceitos, relutávamos algumas vezes em aceitá-los, mas sempre terminávamos obedecendo-lhe. Até mesmo Fátima, que de certa forma, por razões já mencionadas, era um tanto quanto revoltada e mais independente no período de sua adolescência e juventude; acabava, às vezes, cedendo; embora contestando de viva voz ou em seu íntimo. Contudo, posso assegurar que, apesar do constrangimento de Papai com relação ao comportamento arredio de Fátima, ele lhe devotava um carinho todo especial. Representava sem dúvida o bom pastor; o que me faz lembrar a “Parábola da Ovelha Perdida” do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, narrada por Lucas, capítulo 15, versículos 5 a 7: “Quem de vós que, tendo cem ovelhas e perdendo uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai em busca da que se perdeu até encontrá-la? E depois de encontrá-la, põe-na nos ombros, cheio de alegria e, voltando para casa, reúne os amigos e vizinhos dizendo-lhes: alegrai-vos comigo, achei a minha ovelha que se havia perdido”. Dentro da sua rígida concepção moral e religiosa, Fatinha era a ovelha desgarrada, mas tudo fazia para mantê-la junto ao seu rebanho. Janeiro de 1960. Meus irmãos César com 11 anos e Antônio com 13, entraram para o Seminário dos Padres do Sagrado Coração de Jesus. Eu já contava com quase 17 anos, tivera a experiência da primeira e segunda namoradas, meu relacionamento com a vida já era um pouco diferente daquele dos meus irmãos. Papai não fez qualquer oposição à vontade deles. Ele sempre nos respeitou como pessoas e acatava as nossas vontades; desde que não fossem absurdas para os seus conceitos. Contudo, a saída dos meus irmãos para o seminário, com o vazio das suas ausências, mexeu bastante com Papai, acostumado que era de sempre tê-los em casa.

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Mamãe preocupava-se quando chegava a hora da resenha esportiva pelo rádio, sempre assistida diariamente por ele e pelos meninos, Papai saía para frente de casa, pois seus companheiros de audição daquele programa não se encontravam em casa. Não faltava por hipótese alguma, às visitas ao seminário. Não esquecendo de levar algo para os dois. A saudade de Papai era muito grande e transparecia isto para todos. A este respeito me recordo de um fato ocorrido muitos anos depois. Precisamente em dezembro de 1972; já me encontrava casado e no mês de janeiro daquele mesmo ano, eu havia ido para São Paulo para realizar curso de pós-graduação na USP. Rara era a semana que Papai não escrevia uma carta, além dos quase semanais contatos que mantínhamos por telefone. Nunca mais me esqueci da sua alegria no meu retorno junto com minha esposa e minhas duas filhas ainda pequenas. Sem qualquer cerimônia, ele pulou a mureta que naquela época separava o saguão de espera do aeroporto da pista de pouso, indo nos encontrar correndo no pátio das aeronaves e quão grande foi a sua satisfação em conhecer a nova neta que havia nascido em São Paulo! Voltando à época quando meus irmãos estiveram no seminário, não me parecia, apesar de ser católico convicto e praticante, ser Papai muito favorável à ida de Antônio e César para a clausura. Sempre achara ele ter havido muita influência para aquela decisão dos meus irmãos, por parte do vigário da nossa paróquia, o que depois foi constatado quando da saída dos meninos daquele estabelecimento de preparação para o sacerdócio. Da mesma forma que ele concordou com a saída, apoiou a volta para casa e, talvez, com muito mais satisfação. Os tempos mudavam; já tínhamos fogão a querosene, e chegara a vez de comprar uma geladeira. Aperta daqui, aperta dali e comprou. Foi uma alegria danada quando chegou a dita cuja em nossa casa. “Bota água pra fazer gelo!”, e, lá pras tantas, tava a meninada toda chupando picolé de água. Era o entusiasmo primeiro de se ter em casa um objeto de pessoas mais abastadas financeiramente. Papai vibrava não só por ele como por toda família: – “Vamos fazer picolé de maracujá?” – perguntava ele animado. Bem mais tarde, quando eu já contava com 17 ou 18 anos, década de 1960, Papai comprou um televisor. Ainda me lembro da marca: Visorama. Um monstrengo de 20 polegadas, pesadíssimo, mais de 60 cm de profundidade devido ao tamanho do tubo de imagem. Papai trabalhava no estado no expediente de 7 às 13 horas e, na parte da tarde, saía de porta em porta a vender televisores, comprando o seu com dinheiro das comissões de vendas. E passamos de televizinhos para gozar daquela “maravilha” da eletrônica em nossa própria casa. Antes do advento da televisão à nossa cidade, a diversão era o cinema. Havia cinema em quase todos os bairros; Cine Iputinga, na Iputinga, Cine Cordeiro e Cine Brasil, ambos no bairro do Cordeiro. Este último pertencia à rede de cinemas de Luiz Severiano Ribeiro. Era um cinema moderno, com tela para cinemascope e som de alta fidelidade.

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As quartas e sábados íamos ao cinema com Papai e nos dias de domingo, ia a meninada e a rapaziada toda para a matinê. Apagavam-se as luzes e começava a sessão: jornal da Atlântida, os traillers dos próximos filmes, o filme principal e, no final da sessão, as famosas séries ou seriados semanais: “Flashe Gordon no Planeta Marte”, “O Cavaleiro Negro”, “O Zorro”, e tantos outros. Certo dia houve uma briga entre mim e meus irmãos, que não me lembro qual o motivo e lá ficamos nós de castigo, proibidos de ir ao cinema por várias semanas. Que sofrimento! Assim foi nossa infância, adolescência e juventude com Papai, tantas coisas maravilhosas nos proporcionava e, quando já casados, jamais deixamos de contar com as suas constantes e agradáveis visitas às nossas casas. Quando por razões de trabalho moramos em outro estado, seus telefonemas semanais eram sagrados e as suas visitas anuais de quinze dias ou um mês nos causavam recíproca satisfação. Jamais ele interveio no nosso modo de vida com nossos cônjuges; nem no modo com que educávamos nossos filhos. O grande PAI DE FAMÍLIA passara a ser o grande SOGRO admirado e respeitado por suas noras e genro, e se transformaria também no grande AVÔ DEDICADO.

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O AVÔ DEDICADO

“Os filhos dos filhos são a coroa dos velhos e a glória dos filhos são os pais.”(Prov. 17,6)

Com o nascimento da minha primeira filha Maria Angélica a 20 de fevereiro de 1971, o velho PAI DE FAMÍLIA tornou-se o AVÔ DEDICADO. Todos os sábados, antes de ir para a missa vespertina, Papai passava em nosso apartamento e ficava passeando com ela na maior animação. Dedicou aos seus netos uma série de sonetos e poemas. Na espera ansiosa, da chegada de cada novo rebento de sua descendência, versejava sobre os possíveis nomes que iriam ganhar. Assim foi em: “PROGNÓSTICO DO VOVÔ” e “SAULO OU TATIANA ?”. Em “NOSSA PRECE PELO NETINHO”, pediu a Deus que o novo neto fosse perfeito fisicamente, fosse ele menino ou menina, pois o sexo para ele não era o importante, por não ser uma escolha nossa mas sim um resultado da própria vontade do Supremo Ser. Neste mesmo soneto, o bom vovô aproveita a última estrofe para dar uma lição de respeito e bons costumes:

Que saiba discernir o direito E... Seja um filho de verdade, Que trate os pais com respeito!

Com o nascimento de Paulo, no dia 9 de agosto de 1978, minha esposa se submetia à terceira cesariana, aproveitando o parto para fazer a laqueadura das trompas. Na época os médicos não aconselhavam mais que três cesarianas. Papai se confessava triste com aquela cirurgia, eu e minha esposa também, nosso planejamento familiar era quatro filhos, como cessaria naquela ocasião a prole do seu filho primogênito e, nas duas estrofes finais do soneto dedicado a Paulo ele expressou seu sentimento a este respeito:

Pra mim... É lamentável saber O que veio acontecer Pela força do destino...

E ficar, portanto, encerrada,

A prole tão estimada Da qual veio esse menino...

A exemplo do que acontecera com Zeza, Amélia, esposa de César, também fizera laqueadura de trompas após o nascimento de João Bosco no dia 22 de janeiro de 1982 e

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Papai ao dedicar seu poema à este novo neto, em uma só palavra – “derradeiro” – expressou sua tristeza por este fato:

Qual avezinha que no aconchego de seu ninho, Recebe da mãezinha o calor fagueiro! Repleto de alegria, amor e carinho!

Por seu rebento tão lindo! Mas derradeiro... Quando Fátima deu à luz Arturinho ainda não havia se casado com Arturo, e isto foi um grande golpe para Papai no que tocava aos seus princípios religiosos, principalmente, pela razão de ser Fátima, sua única filha. Ele falava que tinha um desgosto muito grande por isto, uma vez que todos os seus filhos homens haviam se casado civil e religiosamente. Fátima casou-se posteriormente no civil. Considero, contudo, que ela foi coerente com suas convicções, uma vez que havia se afastado na época da religião Católica, tornando-se Hari Krishna, tanto que, como se verá adiante, à exceção de Arturinho os seus demais filhos têm nomes relacionados com aquele credo religioso. No credo Hari Krishna, o enviado especial de Sri Krishna, o Supremo, chama-se Arjuna. Os nomes Indra, Narayana e Surya correspondem a deuses menores, inferiores a Sri Krishna. Mais uma vez chamo atenção para a grande sinceridade de Papai. Sua palavra sempre foi sim, sim, não, não, sem existência de meio-termos. No poema dedicado a Arturinho ele demonstra seu pensamento a respeito da “ilegitimidade” deste neto, o que não o impede de considerá-lo “meu neto, filho de minha filha” e “meu netinho querido e estimado”. Refere-se também ao “passo incerto” de Fátima, por ele considerado. Contudo, faz questão de ressaltar o posterior casamento civil, citando inclusive o número da certidão de casamento e nome do Cartório, conforme se verá em nota sob o poema. Os poemas e sonetos que seguem foram dispostos na ordem cronológica do nascimento de cada neto, uma vez que, somente em alguns deles, Papai anotou a data da composição.

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MARIA ANGÉLICA

Fora, em mil novecentos e setenta e um, Que, a vinte de fevereiro, Neste dia alvissareiro!

Da minha casta de netos, nascera a de número um!

Sentira-me feliz! Como nenhum Outro ser no mundo inteiro, Muito alegre, lisonjeiro!

Com aquele evento incomum!

Perfeita qual uma flor! Sendo também muito linda! E assim continua ainda Até a presente época!

Os pais puseram-lhe, então, Cheios de muita razão

O nome de... “Maria Angélica”! Nota minha: Maria Angélica nasceu em Recife, no dia 20 de fevereiro de 1971. O soneto foi composto em dezembro de 1978.

CYNTHIA MARIA

A outra que nasceu depois, É paulista. É da terra do barulho!

Foi a vinte e três de julho De mil novecentos e setenta e dois.

Com esse acontecimento, pois, Não pude dominar meu orgulho! Sentia-me n'alma um arrulho

De carícia, àquela que nasceu depois!

A cor de sua tez é morena, Da maciez d'uma açucena!

Enfim... é uma criança linda e sadia!

E o nome, que lhe foi pôsto Pelos pais com muito gosto, Foi o de... Cynthia Maria...

Nota minha: Cynthia nasceu em São Paulo, no dia 23 de julho de 1972.

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PAULO DE TARSO

Após seis anos de espaço Nasceu a nove de agosto

De mil novecentos e setenta e oito, Um lindo menino! Mas, lindo mesmo de fato

Sempre confirmo o que digo, do mesmo modo o que faço

Pois, trata-se de um belo garoto E ainda bem, de bom gosto, Chama-se Paulo de Tarso!

Pra mim... É lamentável saber

O que veio acontecer Pela força do destino...

E ficar, portanto, encerrada,

A prole tão estimada Da qual veio esse menino...

Nota minha: Paulo nasceu em Recife, no dia 9 de agosto de 1978.

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PROGNÓSTICO DE VOVÔ

Seja menino, ou menina, O bebê que vai nascer, Cesar Filho? Pode ser. Ou Maria Carolina.

A alegria me fascina, Quando isto acontecer, Seja menino, ou menina, O bebê que vai nascer.

É tão grande a minha estima, Por gente tão pequenina Que ninguém pode conter.

... Tudo de bom venha ter! Seja menino ou menina, O bebê que vai nascer!

Nota de Papai: Aos filhos César e Amélia quando esta estava grávida de César Filho.

CESAR FILHO

Agora, quando sinto que minha vida vai Avançando da sua trajetória um longo trilho,

Surge mais um neto. O Cesar Filho! Herdeiro dos nomes do meu, e do seu pai.

Nosso jardim tem uma florinha a mais

Que comparada, assim... a um junquilho, Com sua pureza, seu perfume e brilho! Enche-nos de amor, felicidade e paz!

Inda há poucos dias eu fitando, Sorridente, os lindos olhinhos dele Pareciam-me tão meigos e serenos.

Comparando-o aos outros, fico pensando Que, sendo ele o mais novinho, é ele O neto com quem hei de viver menos...

Nota minha: César Filho nasceu em Recife, no dia 29 de novembro de 1978.

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Apesar de uma fase de “depressão senil” pela qual Papai passava, sua alegria era imensa com o nascimento do novo neto e o nome dele lhe trazia grande alegria: “Herdeiro dos nomes do meu, e do seu pai”. Nota de Papai: Nessa época, eu me achava muito pressentido com a morte.

SAULO OU TATIANA?

Vem por aí, mais um netinho chegando! Neste Ano Universal da Criança!... Por cuja vinda, com tanta confiança! Estamos, alegremente, esperando.

Quanto mais o tempo vai passando, Dentro de nós, nosso desejo avança, De recebê-la nos braços, essa criança, Que tanto amor, já nos vem causando!

Curioso, a seu pai, eu perguntei:

Que nome terá teu filho, que inda não sei? (Isso, foi na praia, num fim de semana)

Ele me respondeu tranqüilo e calmo: “Se for menino, chamar-se-á de Saulo E, se menina, se chama Tatiana”.

Nota de Papai: Fev. 1979 - O nome Tatiana foi posteriormente optado para Juliana.

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SAULO

Manhã, sexta-feira, catorze de setembro, Deste Ano Internacional da Criança,

Certa família – Morais Costa – cheia de esperança, Recebe prazerosa o seu primeiro membro!

Com este acontecimento ainda mais relembro, Dois que jamais se me apagam da lembrança,

Que no ano precedente ao da criança, Ocorreram nos meses de agosto e de novembro!

São três netinhos nascidos nesses dois anos,

Que com tanta graça me amenizam os desenganos, São eles: Paulo, Cesar Filho e agora, Saulo!

Este me trouxe uma alegria imensa, Que me provoca uma vontade intensa De poder sofregamente acaricia-lo!

Nota minha: Saulo nasceu em Recife, no dia 14 de setembro de 1979.

NOSSA PRECE PELO NETINHO Já está chegando a hora De mais um netinho nascer! Como será esse agora? Deus é quem pode saber!... Menino ou menina, embora, Nós não vamos escolher. Uma prece ao Pai, nesta hora, É tudo o que vamos fazer: – Pai, Dá-lhe um físico perfeito, Um espírito de bondade, E que seja bom, com efeito! Que saiba discernir o direito E... Seja um filho de verdade, Que trate os pais com respeito!

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Nota de Papai: O poema acima foi composto Em 12-02-80, dia em que Amélia foi para a maternidade N. Sra. de Fátima, dar à luz a Maria Carolina.

MARIA CAROLINA

Nasceu Maria Carolina Essa menina Tão esperada! Não vi ainda Coisa tão linda E mais estimada! Ela nos trouxe Muita alegria E nem poderia

Se assim não o fosse. Pois, ela nasceu Para nosso bem E por este meio Foi que ela veio Ser nossa também Que ela nos seja Sempre querida E sempre a veja O bom lado da vida Aonde o esteja Que essa menina

Tão meiga, tão linda, E tão esperada Seja querida,

De todos na vida E sempre estimada

Nota minha: Maria Carolina nasceu em Recife, no dia 12 de fevereiro de 1980. Poema

composto em 20 de fevereiro de 1980.

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NASCEU JULIANA

Tarde, sábado, dez de janeiro. Oh! Que dia prazenteiro! Que belo fim de semana!

Exultamos!... Muita alegria! Saudamos

Tão grande dia, Porque nasceu Juliana!

Há mais uma estrela surgida, Ao longo da minha vida,

É mais uma flor que aparece. Netinha

Que tanto a quero! Santinha

Que tanto venero! E tanto a minh'alma envaidece!

Nota minha: Juliana nasceu em Recife, no dia 10 de janeiro de 1981.

JOÃO BOSCO

Mais uma flor que surge em meu caminho Nesta manhã de vinte e dois de janeiro! Com o nascimento ditoso de um netinho, Pelo que me sinto feliz e lisonjeiro!

Qual avezinha que no aconchego de seu ninho,

Recebe da mãezinha o calor fagueiro! Repleto de alegria, amor e carinho!

Por seu rebento tão lindo! Mas derradeiro...

E assim veio o nosso querido João Bosco Para também participar conosco

De nossas vidas sem riqueza nem herança!

Pois, muitas graças, portanto, sejam dadas! Por sua almejada e feliz chegada!

Motivo de nossas alegria e esperança! Nota minha: João Bosco nasceu em Recife, no dia 22 de janeiro de 1982.

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ARTURINHO

Nasceu o meu neto, filho da minha filha. Mesmo, não sendo como os outros legitimado, Mas... é meu netinho, querido e estimado,

Enfim... há no meu “Céu” mais uma estrela que brilha

Este é um marco ao longo da minha trilha Que me torna por demais sensibilizado,

Diante de um passo incerto, por mim considerado, Dado inconseqüentemente pela minha filha!

Mas não se pode reparar um mal sem jeito, Nem tão pouco lamentar o que já está feito. Pois, que esse menino antes de nada mais,

Seja mesmo, um bom filho! E com efeito

Tenha-o pelos seus, um grande afeto e respeito Ao invés de outros que não ligam pra seus pais!

Nota minha: José Arturo nasceu em Recife, no dia 17 de abril de 1982. Papai fez a seguinte anotação: “Os pais depois se casariam civilmente. Conforme Certidão nº 1.420 de 1/7/84, lavrada no Cartório de Areia - PB”

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INDRA

Chama-se Indra, esta nova netinha! (Ouvi falar ser um nome indiano),

Que no dia sete de março deste ano, Ela nasceu, Pra mais uma alegria minha!

Assim, dentre dissabores, desenganos, Vou colhendo aqui e ali, uma Florzinha!...

Para lenitivo nesses longos anos, De uma vida, ora, curtida e tão sozinha!

Indra!...Que seja muito feliz a tua vida! Que sejas por todos nós sempre querida, E...Muito grata e amiga de tua mãezinha!

Pois, por seu intermédio vieste ao mundo Sob seu sofrimento e seu amor profundo! Naquele citado dia, já de tardezinha...

Nota minha: Indra Elena nasceu em Recife, no dia 7 de março de 1984. O soneto foi composto em abril de 1984.

NARAYANA

Mais uma flor brotou no meu jardim. Uma florzinha chamada Narayana,

Que a dois de agosto dum lindo fim de semana, Ela trouxe mais alegria para mim!

É mais um gozo que do meu ser se emana, Como se vê, é minha vida mesmo assim:

Um lado, de tristezas, e eu chegando ao fim... E noutro, de alegrias, mais uma pequena chama!

Não sei de nenhum significado,

Nem de motivos em torno de teu nome, Que, o é, para mim tão singularizado.

Mas, estou certo, entretanto, que nele some,

Um todo de graça e beleza a teu lado E que depois de uma longa vida se consome...

Nota minha: Narayana Flora nasceu em Recife, no dia 2 de agosto de 1985.

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SURYA

Mais uma florzinha mimosa, Desabrochou no meu jardim! Ela tem a forma duma rosa, E o perfume dum jasmim!

Essa florzinha mimosa

Surya, é o seu nome assim: Não sei se é uma espécie de rosa,

Ou uma espécie de jasmim!

Sei bem que a flor do momento, A quem tanto me detenho, De todo o meu sentimento!

Enfim... É mais um poema que tenho,

Fruto do meu pensamento, Para inserir no meu canhenho...

Nota minha: Surya nasceu em Recife no dia 21 de novembro de 1986. Papai compôs este soneto no dia 30 de novembro, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do Hospital dos Servidores do Estado de Pernambuco, restabelecendo-se de uma insuficiência cardivascular.

Faltou apenas o poema dedicado a Arjuna Joaquim, o filho caçula de Fátima, nascido a 03 de maio de 1988, dois meses após o falecimento de Papai. Mas, seu poema Arjuna, deve ter sido composto por Papai junto aos Anjos da eterna morada do Pai Universal. Deve ter sido o mais lindo, sem desmerecer todos os outros que ele compôs.

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“SEU GRANDE”

Por volta dos 35 anos.

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NEUSA DE MEDEIROS COSTA,

Esposa de “Seu Grande” na época do casamento.

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Jamais esqueci dos dias em que todos nós nos juntávamos em casa de Papai, sempre aos domingos e feriados, junto com nossos filhos. Eram dias especiais para ele. Deitado na rede do terraço tirava graça com um, afagava um outro e assim passava todo o dia satisfeito da vida com a presença zoarenta de sua segunda geração. Ia chegando a tardinha e ele já começava a dizer que o dia de alegria estava terminando: – “Daqui a pouco vai todo mundo embora e eu fico por aqui curtindo minha solidão”. O tempo foi passando, chegou a festa de 15 anos de Angélica, Papai estava eufórico: – Não esqueça do convite de Tio Joaquim. Mandou convite para Maria? Claro que participou de todos os momentos; da Missa de Ação de Graças, da Festa no Clube da Telpe, dançando elegantemente e emocionado a valsa com sua primeira neta. Estas imagens tenho gravadas em videocassete e pela atualidade do poema que Papai fez para Angélica, gravei-o também naquele vídeo. Tio Joaquim não pôde comparecer ao aniversário de Angélica, e em um trecho da carta escrita para ele em 7 de março de 1986, Papai fala do evento e de sua primeira neta: “Quanto à falta da presença do Senhor e dos seus à festa do aniversário de 15 anos da minha primeira neta, aliás dos 11 netos que tenho (nesse caso de prole estou muito distante do Senhor, mas muito distante mesmo), gostaríamos bastante de vê-los presentes... Eu muito gostaria de ver outras pessoas suas comparecerem...Foi uma festa organizada com muito gosto pelos pais da menina e realizada, sinceramente, com destaque, a que muito me surpreendeu! Ela, a minha neta é uma criaturinha adorável! Meiga, linda, inteligente, estudiosa, enfim muito digna e merecedora de toda essa consideração! Breve, faremos o possível para fazer-lhes uma visita...” Nos 15 anos de Cynthia Maria, Papai já se encontrava doente. Mesmo acometido por dores, compareceu à Missa de Ação de Graças, mas, pediu-me, que o dispensasse da festa no clube. A exemplo do aniversário de Angélica, também fiz um videocassete e a imagem de Papai foi também gravada, pena que ela nos traz uma triste lembrança, ali eu já estava consciente que sua doença era fatal e aquilo me causava muita angústia. O poema que segue, em homenagem aos 15 anos de Cynthia foi sem dúvida o último poema de Papai:

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CYNTHIA MARIA (seu 15º aniversário)

Faz hoje, quinze anos, que nascia,

Uma menina linda e sadia! E quando nasceu essa criança,

Nasceu também em nós a esperança!

Os pais, então, cheios de alegria, Lhe deram o nome de Cynthia Maria.

A cor de sua tez é morena, Da maciez da açucena!

E quanto mais o tempo passa, ainda, Ela se torna cada vez mais linda! Ela é risonha e cheia de beleza, Como bem lhe dotou a natureza!...

Feliz e alegre como as crianças,

Que só vivem de sonhos e esperanças. E pelo brilho castanho dos olhos dela,

Ela vê através do espelho quanto é bela!...

Enfim, é um encanto De amor e simpatia! A minha segunda neta Cynthia Maria!...

Foram, pois, ao todo treze netos. Aos doze que conheceu em vida, ele dedicou a maior das atenções. Conversava horas e horas com eles. Ensinava-os a jogar damas e outros jogos inocentes. Vez por outra cantava para eles suas velhas canções e contava as mais diversas histórias. Foi sem dúvida o AVÔ DEDICADO, deixando para seus netos a maior das heranças: o AMOR.

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OUTROS ESCRITOS E VERSOS

“O Senhor é quem te dá a sabedoria e de tua boca é que procedem a ciência e a prudência” (Prov. 2,6).

Por volta dos seus 79-80 anos, Papai começou a passar a limpo todos os seus versos. Na primeira folha do caderno ele fez a seguinte apresentação: Este caderno servirá para registro de alguns versos de minha autoria, assim como de outros, que se relacionam com meu modo de agir, de pensar, ou sejam, de acordo com meus sentimentos. Mas não faço com a pretensão de aparecer como poeta, pois reconheço que não o sou. Não é poeta quem quer. A poesia é um talento, uma sabedoria, um dom; enfim são predicados que vêm de berço! Embora, que ajudada pela cultura, tanto melhor. Poeta é o repentista. É aquele que não vacila. Haja vista, criaturas que não tiveram cultura, no entanto, têm toda a facilidade de versejar na hora certa! São pessoas providas de sabedoria. Porque a sabedoria é um dom de Deus. A sabedoria já é de dentro do indivíduo, enquanto a cultura se adquire de fora pra dentro. É este o meu discernimento. Perdoem-me se não estou certo, bem como pelos versos por mim escrevinhados, uma vez que não conto com sabedoria nem cultura. Pois os fiz, ajudados pelo amor, pelo sofrimento, pela saudade. Aceitar meu pai dizer que não teve cultura, eu aceito. Mas, não ter sabedoria? Era preciso ter muita sabedoria para ser o homem que foi. Tinha que ser muito sábio para educar os filhos como educou ser muito sábio para que eu não conhecesse uma pessoa sequer que não o admirasse. Enfim, tinha que ser muito sábio, para ser um homem tão modesto e tão cheio da Graça de Deus. Ser um homem, que apesar dos sofrimentos e amarguras que a vida lhe aprontou, se considerava convictamente abençoado pelo seu Deus. Ser um homem que por obediência a seu Deus e coerência com suas convicções religiosas, manteve sua família unida até o fim. A pequena coletânea que segue, não estava ainda passada a limpo para o seu caderno; razão porque a deixei para este capítulo. Comentários são feitos quando necessários.

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QUADRINHAS SOLTAS

Como um náufrago numa ilha Em busca de uma saída Assim procuro na vida O amor de minha filha.

* * *

Menina quando te vejo Eu sinto dentro de mim, A chama de um estopim Explodir o meu desejo

* * *

Menina do coração A cada vez que te vejo

Sinto na alma um lampejo Incendiar minha paixão

* * *

Quem nunca amou nesta vida Vegetou, mas não viveu Eu tive uma paixão perdida Mas era uma santa! Morreu.

* * *

Quem muito se apega à vida Pouco se lembra da morte No entanto, nesta divisa Se decide a nossa sorte!

* * *

Saudade teu nome é suave É atribuído a uma flor Todavia tens a arte

De matar a gente de dor.

* * * Saudade, flor fascinante Com teu perfume discreto Maltratas quem está distante Ao invés de quem está perto.

* * *

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Saudade, quem poderia, Acaso, sentir-se contente Se não queres alegria

Dentro do peito da gente.

* * * Saudade, pronúncia suave Mas ecoa no coração

Como se fosse uma nave De encontro à separação.

* * *

Saudade, florzinha frágil Quem poderia saber

Que, contudo, tens a arte De fazer a gente sofrer...

* * *

Saudade, palavra singela Atribuída a uma flor

No entanto quem vive com ela Só falta morrer de dor.

UMA BREVE MENSAGEM PARA O NETO ARTURINHO Em se tratando de mensagens de parentes e amigos de seus pais, ninguém melhor deveria fazê-lo que o seu velho avô, quando no ocaso de sua vida tem a grande alegria de receber em sua prole um netinho tão lindo e perfeito sob todos os aspectos!”. “Seja-lhe portanto esta pequena mensagem portadora dos nossos melhores votos de felicidades por todo o seu futuro...

* * * ALGO SOBRE OS 15 ANOS DE ANGÉLICA O curso da vida de cada indivíduo é cheio de alegrias e também de sofrimento e tristezas, entretanto, essa trajetória é por assim dizer uma incógnita, isto é, que nem todos têm a mesma parcela tanto de alegrias como de tristezas. Há pessoas cujas vidas são mais de alegrias que de tristezas. É com a nossa alma transbordante de satisfação que estamos aqui, em festa para comemorar o aniversário de 15 anos de Maria Angélica.

* * *

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O MEU PAU-BRASIL

Era uma árvore linda, De pequeno porte!...

(Ou melhor, um arbusto) Plantada defronte da minha casa, Do muro, no lado de dentro, Era ela para mim um adorno,

Uma beleza!... Uma obra prima da Natureza! Por ela eu tinha a maior estima! Eu via naquela árvore pequenina, Além do seu valor tradicional, Também, a sua beleza natural!

Mas, começou minha mulher a implicá-la Dizia que ela estava morrendo, E dando-lhe outros defeitos, Que precisaría cortá-la.

Assim, estava traçada a sorte, Daquela árvore linda, De pequeno porte!...

Eu então lhe roguei com insistência!

Por Deus! Não a corte! Não vê a sua resistência?

Toda a sua folhagem verdejante? E, ainda floreando?

Não! Eu vejo bem é que ela está murchando. Mas, apenas capricho e mais nada!

E mais uma vez, minha vontade era cassada... Era um sábado à tarde.

Um dia triste, como quase sempre Me acontece. Como quem pressente

Uma derrota, um fracasso... Contudo, talvez pelo cansaço,

Adormeci. Embora eu acordado não daria jeito Para evitar o mal que fora feito!

Quando acordei, Olhei pelo basculhante e perguntei:

Cadê o meu Pau-Brasil? Pois no seu lugar não havia nem raiz !

– “Eu arranquei,

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Aproveitei o carro da Prefeitura, Que o levou”.

Ai meu Deus! Quanta maldade!!!

Nessa hora eu chorei! Não com lágrimas no rosto!

Mas com o coração partido de desgosto E... Assim se foi!

Não sei se para o Sul Ou para o Norte! Aquela árvore linda, De pequeno porte!...

Nota minha: Em “O MEU PAU-BRASIL” Papai usou tintas muito fortes, dando a entender

que Mamãe usara de uma maldade premeditada para arrancar aquela arvoreta. Na verdade, ele interpretou o ato de Mamãe como uma implicância da parte dela para com ele. Não foi bem assim. Posso assegurar que se tratou de uma incompreensão da parte de Papai, nunca reconhecida por ele. Mamãe sempre adorou e adora suas plantas, mas, mais importante que qualquer coisa para Mamãe, são seus filhos e netos. Houve uma época, que por conta dos netos, ela eliminou todas as plantas “comigo-ninguém-pode” de sua casa. Quem conhece o “pau-brasil” sabe que seus frutos são vagens cobertas por espinhos e por várias ocasiões seus preferidos netos, ao brincar em frente de casa, furaram os pés com as referidas vagens; o que foi para ela motivo suficiente para tomar a decisão de arrancar aquela arvoreta, mesmo contrariando a vontade de Papai.

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O FINAL DE VIDA

“Os cabelos brancos são uma coroa de glória, a quem se encontra no caminho da justiça.” (Prov. 16,31)

Papai foi um homem completamente dedicado ao trabalho em quaisquer dos lugares que tenha atuado, sendo muito querido pelos companheiros e especialmente pelos seus dirigentes, devido a sua elevada responsabilidade com todas as tarefas desempenhadas. Em muitas ocasiões tive oportunidade de visitar seus locais de trabalho e comprovado suas qualidades de companheiro, chefe e subordinado, todos lhes dedicavam uma atenção especial. Pela função de tesoureiro pagador ou recebedor, que desempenhou por algum tempo em repartições públicas do Governo do Estado de Pernambuco, era prestimoso no atendimento ao público e muito eficiente na tramitação de processos referentes a pagamentos ou recebimentos de contas do Estado e extremamente honesto no trato da coisa pública. Aposentou-se com 70 anos, pouco tempo após ter sido vítima de uma insuficiência cardiovascular, e ter se submetido em seguida a uma cirurgia de próstata. Encarou a aposentadoria como chegada no tempo certo, dando-se ao direito de gozá-la em toda a sua plenitude, aproveitando sua nova fase de vida para vivê-la intensamente. Quando estava em casa, não parava; mexia daqui, mexia dali, fazia palavras cruzadas, lia bastante, escrevia, atuava muito na paróquia, principalmente, na conferência de São Vicente de Paula, na assistência social aos pobres, principalmente idosos. Mas, me parecia que, entre todas as suas atividades, a mais agradável, era a convivência com os netos. Fazia gosto ver aquele velhinho ativo, cabeça bem alvinha, andando para todo canto. Freqüentemente ia ao centro da cidade, fazendo questão de resolver pagamento de contas de luz, água, etc., dele e dos filhos. Entre janeiro de 1984 e dezembro de 1985 eu morei em Teresina, desenvolvendo trabalho de pesquisa na sede da EMBRAPA local, no Programa Nacional de Pesquisa de Babaçu. Papai nos visitou por duas vezes, causando-nos imensa satisfação com sua presença, fazendo questão de conhecer aquela aconchegante cidade e seus arredores. Conversava horas a fio com um nosso vizinho, o Sr. João Paulo Nogueira, de saudosa memória.

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Mas o passar dos anos ia pouco, a pouco e implacavelmente, cumprindo seu papel: trazendo com ele os problemas inerentes à idade. Em novembro de 1986, já me encontrava em Recife. Papai foi vítima de outra insuficiência cardiovascular, com dores no peito e acompanhada de problemas respiratórios, uma pequena infecção pulmonar, conforme o diagnóstico radiográfico. Hoje reconheço que aquele internamento no hospital dos Servidores do Estado era o início do fim. As dores no peito na realidade não estavam ligadas a nenhum quadro anginoso. Depois da alta hospitalar, a saúde de Papai não era mais a mesma, o quadro mórbido avançava lentamente, quase imperceptível, permitindo que Papai continuasse sua vidinha pacata, agora mais caseira, diminuindo suas idas para o centro da cidade. Em fevereiro de 1987 minha primeira filha completou 15 anos, Papai participou de todos os eventos; missa de Ação de Graças, valsa da meia-noite. Que satisfação lembrar desses momentos! Agosto de 1987, Papai completava a linda idade de 80 anos. Fizemos uma grande festa, todos os filhos e netos se fizeram presentes. Naquele dia, num dado momento, Papai perguntava para mim e meus irmãos, que tomávamos com ele uma cervejinha no terraço: – Que é que vocês estão adivinhando com toda essa festa? Na realidade, não pensávamos em nada, a não ser festejar aquele evento, para nós, maravilhoso. Apesar dos problemas de saúde, até ali não existia nada de grave, pois Papai convivia bem com suas leves dores “anginosas”. Parecia ser mesmo coisas da própria idade. Na parte da tarde tiramos em frente de casa uma fotografia com Papai, Mamãe e toda sua descendência, curioso que esta fotografia histórica para todos nós, nunca a vimos. Até hoje não sabemos se queimou ou se foi perdida no processo de revelação. Dei-lhe de presente um livro com o seguinte oferecimento em versos:

MEU PAI, 80 ANOS

Um presente de Deus, Da natureza. Oitenta anos,

Um presente da vida, Bem vivida,

Alegre e também sofrida Na dualidade constante Do animal homem; Que ri e chora,

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Que afaga e bate, Que ama e odeia,

Que castiga e perdoa, Que acredita e duvida, Que é homem e Deus.

O dual se funde E se confunde

No caminho da existência. Fins de setembro, começo de outubro. Uma forte gripe agravara o estado das dores peitorais de Papai. Os vasodilatadores, do tipo Isordil e similares não surtiam efeito. O estado gripal se demorava, com febre constante, mas leve, e muita expectoração. O cardiologista aconselhou que o levássemos a um pneumologista, que, pelos exames radiográficos, suspeitou de câncer; o que foi confirmado no dia 26 de novembro com o exame de citologia oncótica do escarro realizado pela Dra. Isa Krutman Rosenfeld. Daí para adiante, o estado de Papai foi se agravando gradativamente. Os analgésicos surtiam pouco efeito e dava pena ver o seu estado de angústia e ansiedade pela espera de uma melhora que não chegava, pelo contrário. Nunca contamos a Papai a verdade sobre a sua doença. Dizíamos se tratar de uma fibrose provocada pela idade avançada e agravada pela sua forte escoliose. O tratamento ideal para aquele caso era a radioterapia, que, segundo os médicos serviria apenas para eliminar as dores. O tumor, conforme sua localização, era inoperável. Na realidade, nos restava apenas esperar a marcha incontrolável daquele mal, tratando apenas de minorar seus sintomas com os instrumentos de que dispunha a medicina, para proporcionar a Papai o mínimo de sofrimento para aquele caso. Como eu fugia para não presenciar o estado de Papai! Era duro ter de levá-lo para as sessões de radioterapia, sabendo que se tratava apenas de um paliativo e que breve teríamos que enfrentar a grande realidade que a vida guarda para todos nós. Estava próximo o dia da Força Divina invadir Papai, levamos Papai ao médico, eu e meu irmão Antônio. No consultório, a espera do médico, meu pai baixou a cabeça sobre os braços, sobre a mesa que se encontrava em sua frente, tenho certeza que naquele momento ele exclamou em seu íntimo: “Pai, seja feita a Tua Vontade!”. Dali saiu para ser internado no Posto de Serviço do INAMPS em Areias. Não havia vaga na oncologia do Hospital Osvaldo Cruz. O delírio da luta da vida contra a morte o acompanhou por dois ou três dias: queria sair daquele local, levantava-se da cama, principalmente na primeira noite, quando ele ficou na companhia de César. Delirava, não dizia coisa com coisa.

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Quando, depois de três dias, foi transferido para o Hospital dos Servidores do Estado de Pernambuco, tornou-se um homem sereno, e conformado, apesar da dificuldade de respiração e locomoção. Recebeu o Sacramento da Eucaristia. Ainda assistiu Missa pela televisão e no dia 30 de março de 1988, por volta das nove horas, entregou seu espírito ao Pai. Sentimos demais a sua ausência amiga, mas, um profundo sentimento de conformação invadia os espíritos de todos nós, seus filhos; pois tínhamos a certeza de que ele estava em paz com o seu e, nosso Deus. Papai havia realmente cumprido sua missão nesta terra e isto nos dava muita paz e conforto. Todos os seus netos presentes em Recife, do mais velho, Angélica, com 17 anos, ao mais novo, João Bosco, com apenas 6 anos, fizeram questão de acompanhar o seu sepultamento. Fátima, seu esposo e filhos se encontravam na época morando na Bahia, sem condições de comparecer. Naquela cerimônia, embora com tristeza em nossos corações, elevamos a Deus nossos louvores em forma de cânticos, orações e leituras do Evangelho, dando Graças a Ele pelo maravilhoso pai que nos deu e que naquele momento voltava para o Seu convívio Eterno. Assim, o vazio de sua ausência, era preenchido com a certeza de sua entrada na GLÓRIA DO PAI. Poucos dias depois completei minha “ORAÇÃO PARA MEU PAI”, denominando este complemento de:

MEU PAI COM O PAI

Cerca de 15 dias antes de sua “morte” Você aceitou a vontade do Pai.

Comportando-se com um cordeiro, Preparando-se para o encontro com Ele Numa das maiores provas de humildade

E coragem que já presenciei. Agregando-se totalmente ao Todo

Em 30 de março de 1988, Nos deixando um grande exemplo de Vida.

“SEU GRANDE” deixava o nosso convívio, desaparecia sua presença física, mas, sua presença em espírito, permanecerá na memória dos seus descendentes e amigos, por toda a eternidade.

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DEPOIMENTOS

“Um amigo fiel é uma poderosa proteção, quem o achou, descobriu um tesouro.”(Eclo. 6,14).

Considerei importante incluir nesta biografia de meu pai depoimentos de pessoas intimamente ligadas a ele, para que a mesma fosse enriquecida ao máximo. Nenhuma das pessoas, exceto Roberto Leite de Aguiar, revisor deste documento teve acesso ao meu relato, e aos outros depoimentos apresentados, para que não houvesse influências. Os depoimentos não receberam revisão gráfica, e estão dispostos por ordem de data que os recebi. * * * ANTÔNIO FERNANDO DE MEDEIROS COSTA, segundo filho de Joaquim José da Fonseca Costa, em 2 de novembro de 1991: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE MEU PAI Não costumo tecer considerações a respeito de pessoas, nem mesmo as que me são mais caras, não que eu dispense minhas gratidões ou admirações pelas mesmas, mas tenho muito respeito com individualidades pessoais. No entanto não seria o forte motivo que me levaria a negar um pedido do irmão Tadeu, levando em consideração seu importante e belo trabalho, perseverante e obstinado sobre a vida do nosso pai, que nada mais será que um grande legado aos nossos filhos que serão a continuidade da família. Quando se fala de Papai não se reporta ao ser humano, personalidade como outra qualquer com virtudes e defeitos. Não seria simpático enumerar particularidades de uma vida, no tocante ao convívio familiar em que todas as pessoas são passíveis de momentos diversos, pois aí surge a questão individualidade que de modo geral as análises são precipitadas por serem constatadas mais pela emoção do que pela razão. Agora quando me reporto a Papai como o homem, aí sim, não tenho nenhum receio de emoções exageradas. Só posso lhe tributar elogios e acima de tudo agradecimentos, grande transparência de amadurecimento transmitindo sentimentos como: respeito, obediência, responsabilidade, cultivo de amizades, etc.

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Alertando sempre para que nunca confundíssemos as qualidades; como a obediência com a subserviência ou o pedir com o bajular, etc. Por demais foi uma pessoa compreensiva e amiga com os filhos; nunca faltou com o apoio dentro das limitações, respeitou a liberdade do pensamento de cada um mesmo com as discordâncias, não tinha predileções. Enfim, este depoimento não vejo como uma contribuição mas como uma oportunidade que obtive de meu irmão nesse seu belíssimo e merecido trabalho, para tecer considerações sobre o homem meu pai, que tenho certeza que será testemunho de nossos filhos. Agora o ser humano Papai como todos nós em tal qualidade, somente a Deus é reservada a análise.

* * *

CYNTHIA MARIA CARNEIRO COSTA, minha segunda filha e segunda neta de Papai apresenta o seguinte depoimento em 4 de novembro de 1991: Pode ser uma maneira bastante diferente de se começar a falar sobre alguém e principalmente quando esse alguém trata-se de seu avô, mas no momento em que meu pai nos disse que gostaria de ter escrito na biografia do meu avô, algumas linhas, através das quais nós netos falássemos sobre vovô, logo me lembrei de uma ida nossa ao supermercado Bompreço no qual fomos lanchar juntos e ele me fez gostar de ketchup, pode até parecer bobagem, mas jamais me esqueci deste dia. Recordo-me bem das coisas que vovô me falava sobre sua infância um tanto quanto sofrida pela perda de todos os irmãos, do seu pai e de outros parentes queridos. Falava-me também sobre a perda de sua querida mãe já bem mais tarde. Não esqueço nunca das vezes em que ele ia ao centro da cidade, o qual costumava chamar de “Recife” e na volta lá vinha ele, com sua coluna defeituosa, mas cheio de sacolas com coisas para casa e com alguma coisa para nós, ao menos um bombom que fosse, eu adorava, lembro-me do primeiro “ovo de páscoa” bem grande que recebi do meu avô. Como era imensa a satisfação que deixava transparecer claramente no seu olhar, pelas vezes em que eu ia dormir em sua casa e na manhã seguinte, acordava ele bem cedo e eu logo depois, tomávamos café juntos, ficando conversando até que chegasse a hora que eu fosse para o colégio. Vovô adorava ouvir rádio, brincar conosco, fazer adivinhações para respondermos e ainda o seu adorável costume de fazer poesias. Ele foi para mim uma figura que jamais esquecerei e que fazia de tudo para agradar a todos.

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JOSÉ FONSECA DE AGUIAR, primo de Papai, filho de tia Candinha, me entregou seu depoimento em 14 de dezembro de 1991. Recordações de família são relíquias que conservam a essência das pessoas queridas. São amizades que aliviam as nossas angústias, numa verdadeira mensagem de amor. Em minha adolescência mantive com todos os meus primos uma amizade fraternal. Éramos como irmãos, numa pura alegria de vida. Havia muita ternura em nossa convivência. Era admirável ver e sentir o entusiasmo das nossas reuniões de juventude, para comentários de literatura. Nós éramos bem jovens, sem estudo, sem orientação intelectual, mas havia uma vibração nas nossas participações, quase sempre com Joaquinzinho, João Medeiros e eu, quando surgia um livro novo, levado por mim, nas minhas aquisições no sebo. Lembro-me do nosso entusiasmo com o fascínio da imagem poética de Gonçalves Dias, Guerra Junqueiro, Castro Alves e outros. Era vibrante. Mas o que me sensibilizou intimamente e que ficou para mim, gravado da sua angústia, foi a poesia pungente de Augusto dos Anjos: “Meu coração tem catedrais imensas, templos de priscas e longínquas datas, onde um nome de amor, em serenata, conta a aleluia virginal das crenças”. Um dia Joaquinzinho apareceu com um livro sobre esoterismo. Isso durou porque nós nos comprometemos a estudar e praticar o esoterismo, com toda sua beleza filosófica e científica, até que nos perdemos na profundeza da matéria. Era muito pra gente. Lembro-me, como episódio tocante, quando eu morava isoladamente numa modesta pensão no centro da cidade, e muitas vezes ia à noite prosar com Joaquinzinho, que trabalhava na Estação Central da Great-Western como telegrafista. Ficava horas inteiras, vendo e admirando a perícia de Joaquinzinho nas ritmadas batidas do telégrafo e morria de inveja do seu desempenho. Numa Sexta-feira Santa fizemos um programa para assistir um filme sacro que se exibia no cinema Moderno. Saímos do cinema profundamente emocionados com o enredo do filme, e na saída fomos ao Gemba, uma sorveteria de elite naquela época, que ficava na mesma praça do cinema. Servimo-nos de um delicioso sorvete, e lembramo-nos, por acaso, que estávamos cometendo um grave pecado, em tomar sorvete numa Sexta-feira Santa.

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Foi um tocante drama de consciência. Lastimamos a nossa vil crueldade, em não respeitar os mandamentos da Igreja do Senhor. Desse transbordamento de angústia, e como resgate dos nossos pecados, fizemos em comum, uma prece com promessa de comungar no próximo domingo, para aliviar o nosso agravo. E ficamos contritos. As vezes coisas simples marcam um episódio na vida da gente. Eu não ia na cidade que não fosse pesquisar as prateleiras dos sebos, a procura de alguma preciosidade literária ao meu alcance intelectual. E realmente encontrei uma raridade. Um livro brochura, velho e mal tratado: “As Mais Belas Cartas de Amor”. Eu vibrei com o livro. Comprei-o e na mesma noite fui mostrá-lo a Joaquinzinho. E lemos entusiasmados, belíssimas cartas de amor: “Querida eu espero realizar com você o nosso himeneu venturoso”. “Ama-me com todo o mistério contido no meu ser”. “Se entrares no meu lar o divino Cupido abençoará os teus passos”. Estas eram das poucas frases do livro que ainda me lembro, e que na época me encantava liricamente. E agora Joaquinzinho? E naquela mesma noite traçamos os nossos planos. Fizemos tranqüilamente a lista das destinatárias. A primeira carta quem escreveu foi Joaquinzinho. Escreveu para Tetê, filha do sargento Manoel Victor. E deu certo. Dias depois foi lhe dado a confirmação de amor, ardente e graciosa, numa cartinha toda desenhada. * * * ROBERTO LEITE DE AGUIAR, companheiro de seminário dos meus irmãos, sempre foi uma presença constante em nossa casa. Roberto foi responsável pela revisão deste trabalho, no que toca à parte escrita por mim. Seu depoimento foi datado de 26 de dezembro de 1991: Solicitado pelo amigo Judas Tadeu de Medeiros Costa para prestar um depoimento sobre seu saudoso genitor, passo a fazê-lo movido pela emoção, pela forte impressão que o evocado suscitou sempre nesse depoente amigo. Prolixo como sempre fui, custa-me preencher este exíguo espaço, com pinceladas concisas e precisas sobre “Seu Joaquinzinho” como costumeiramente o chamava. Vamos à ingente tarefa. Num primeiro instante, lembro-me de JOAREZ TÁVORA e sua autobiografia intitulada “UMA VIDA DE MUITAS LUTAS”. Tomo emprestado ao cearense de Jaguaribe, a expressiva citação para adequá-la à vida de meu dileto homenageado. Foi inevitável a comparação. Logo associei-a à profícua e laboriosa existência de JOAQUIM JOSÉ DA

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FONSECA COSTA. Sem vacilação, qualifico-a assim. Uma vida toda tecida de dedicação ao labor diário, à firme e forte educação de sua prole, à religião; a qual devotou parte substancial de sua vida. Tive o prazer e, rara felicidade de desfrutar-lhe a amizade e, posso, sem medo de errar, confessar minha profunda e inesquecível admiração por ele. Repito, o espaço de papel limita meu pensamento. Heráclito Fontoura Sobral Pinto, recém desaparecido, certa vez, comentando o desaparecimento do pensador Alceu Amoroso Lima, afirmou que aquele ilustre brasileiro fora um presente de DEUS à vida. Aposso-me também da frase sobralina, para exaltar as qualidade de “Seu Joaquinzinho” e dizer, que aquele senhor também foi um presente que DEUS nos deu. Conheci-lhe as multiplicadas virtudes e posso asseverar isto. Seus defeitos ou vícios, não os conheço até hoje. Enfim dizer de meu querido amigo, que foi gratificante conviver momentos imperecíveis em sua modelar e luminosa companhia. Consola-me a frase de Guimarães Rosa quando proclamava: “Nós não morremos; ficamos encantados”. DEUS premiou-nos com a dinâmica e honrosa participação de “Seu Joaquinzinho” nessa vida terrena e, coerente como o É, haverá de garantir-lhe, por prêmio, o galardão que representa habitar “A Mansão dos Justos”. * * * JOSÉ CESAR DE ALBUQUERQUE COSTA, terceiro filho de Joaquim José da Fonseca Costa, em 8 de janeiro de 1992: Só agora estou atendendo a solicitação que Tadeu me fez há alguns meses atrás, de escrever um depoimento sucinto sobre nosso Pai. Nem eu mesmo sei justificar a razão dessa minha demora em atendê-lo. Certamente isto não se deve exclusivamente ao fato de ser uma pessoa descansada, como ele costuma dizer. Acho que o motivo principal deste adiamento, é a dificuldade que sinto em expressar em linguagem escrita, o que representou Papai, e o que ainda representa a lembrança dele, para a minha vida. Ao longo de todo o meu convívio, sua presença foi sempre marcante, como protetor, educador, conselheiro, e, já no fim de sua vida, tendo humildade suficiente para querer ser protegido, amparado ou aconselhado. Lembro-me de quando, eu ainda muito pequeno, com dois ou no máximo três anos de idade, ele vinha da feira de Camaragibe, nas manhãs de sábado, às vezes com minha avó Zulmira e também com Tadeu, e às vezes Tonho. Eu corria para abraçá-lo e perguntava: – “Quando é que o senhor vai me levar pra feira ?” E ele sempre me respondia sorrindo: – “Você ainda é muito pequeno. Breve você vai.” Eu ficava conformado, mesmo sem saber direito quando era breve, e ia logo brincar com bois ou cavalos de barro que ele ou minha vó traziam da feira. Esta cena se repetiu várias vezes

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até que um dia (acho que com quatro ou cinco anos de idade) Papai passou a me levar também para a feira. Um outro fato que muito me marcou, ocorreu em um São João, quando Papai chamou a mim e a Tonho (pois Fátima era muito pequena e Tadeu já estava bastante crescido) e nos avisou que naquele ano não teríamos fogos pois a situação financeira não permitia que ele os comprasse. Este seria o nosso primeiro São João sem fogos. Mas tudo bem, nós já estávamos conformados, apesar de termos uma ponta de esperança de que a situação poderia reverter. Na véspera do dia de São João, ao passarmos de ônibus por uma barraca de fogos (se não me engano, na Madalena), vimos, com surpresa, Papai comprando nossos fogos, mesmo sem ser uma grande quantidade como podemos comprovar depois. Mas nosso São João não passou em branco. Muitas passagens do nosso relacionamento com Papai, trago guardadas na memória, do nosso tempo de infância, do tempo em que estivemos no Seminário (eu e Tonho), na nossa adolescência e mesmo como adultos, do seu acompanhamento de perto da nossa vida escolar, desde o primário até a Universidade, nunca deixando que nos faltasse o essencial para nossa formação profissional e moral. Como pai de família, portanto, Papai teve uma vida de doação, de sacrifícios, além de ter sido para nós, seus filhos, um grande exemplo de honestidade e retidão de princípios. * * * JOSÉ ARTURO ESCOBAR, esposo de Fátima, de nacionalidade Salvadorenha, apresentou o seu depoimento em seu idioma no dia 20 de janeiro de 1992: Quiero dejar mi impresión que tengo sobre el Señor Joaquim José da Fonseca Costa. El fue para mi una grande persona que me ajudo e aconsejo bastante para tener una vida mas equilibrada. Siempre que hablabamos me decia para cuidar de la hija, tratarla bien y tener paciencia con ella. Por todo el cariño que le tengo dicidi desde que Arturito nacio que mi otro hijo se llamaria Joaquim y estoy muy cierto que al viejito le gusto, y desde el cielo nos esta viendo. Es dificil y triste intentar escribir sobre una persona como el, porque fue Buena gente y honrado con todos siempre los enseño que la moral deve ser primero. * * *

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MARIA DO ROSÁRIO DE FÁTIMA COSTA ESCOBAR a filha caçula de Joaquim José da Fonseca Costa, me entregou seu depoimento datado de 24 de janeiro de 1992: Mesmo trazendo uma certa tristeza acumulada na transcorrência do seu próprio destino, meu pai era muito espirituoso e agradável, tinha um jeito amável de tratar as pessoas de que gostava. Nós tínhamos alguma coisa em comum, o gênio parecido; teimosos, orgulhosos e turrões. Mas sempre falávamos das coisas com muita seriedade, e mesmo tendo posições e opiniões quase sempre diferentes ele soube compreender e aceitar nossas divergências. Meu pai era uma pessoa que jogava aberto e tinha uma cabeça muito boa apesar dos preconceitos de um homem que teve uma criação dentro da moralidade religiosa e da obediência rígida, podia trazer. Finalizando, foi uma pessoa cumpridora dos seu deveres e sempre muito responsável. Tinha muitas virtudes, entre elas a de ter sido um pai excelente. * * * MARIA CAROLINA BURGOS COSTA, sexta neta de Joaquim José da Fonseca Costa, filha de César. Carol, atualmente com 12 anos de idade, nos apresenta o seguinte depoimento: Campina Grande 23-01-92 Bem, eu tenho algumas lembranças do meu avô, que nunca eu vou esquecer. Quando eu era menor vovô perguntava a mim, a César (meu irmão), a João Bosco (meu irmão), a Juliana, a Saulo e a Paulo (meus primos) a tabuada, para ver quem respondia primeiro dos 6, e quem respondia mais rápido era eu ou César. Os tipos de tabuada eram assim: 3+5-2-4; 5-3+1-2. Outra lembrança que eu tenho de vovô era quando ele apertava minha mão e eu não gritava. Isto que eu vou contar agora eu nunca vou esquecer e eu acho que nenhum primo meu vai esquecer. No dia da Páscoa, 19 de abril de 1986, vovô me deu o maior ovo de Páscoa que eu já ganhei até hoje e ele deu 1 a cada neto, mas antes de ele entregar os ovos de Páscoa ele escondeu cada ovo em um lugar diferente.

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Eu me lembro que o meu ovo estava escondido na 3ª gaveta da cômoda. Foi minha melhor Páscoa. Eu ainda tenho muitas lembranças de vovô mas estão guardadas para mim. * * * JULIANA DE MORAIS COSTA, sétima neta de Joaquim José da Fonseca Costa, filha de Antônio. Juliana tem agora 11 anos: Recife, 25 de janeiro de 1992 Eu me lembro que meu avô fazia muitas poesias para mim. E ele só vivia me perguntando: – Juliana, você é bonita da cara de cabrita ou feia da cara de sereia? Ele também desenhava carinhas de bonequinhas nas pontas dos dedos da gente (eu e Carol). Quando minha mãe chegou com a notícia que vovô morreu eu fiquei muito triste e jamais vou esquecê-lo. E aqui estou terminando mais uma recordação do meu vovô querido. * * * RAIMUNDA FONSECA DE AGUIAR, esta prezada prima que muito tem contribuído para manter viva a memória das nossas famílias, publicou recentemente “Eu... e os meus mortos” e, com sua permissão, finalizo este capítulo dos DEPOIMENTOS transcrevendo ipsis literis o que ela escreveu sobre Papai nas páginas 122 e 123 do seu livro: JOAQUIM JOSÉ DA FONSECA COSTA Nasceu em 30 de agosto de 1907 Faleceu em 30 de março de 1988 Joaquinzinho, meu amigo, meu irmão, você leu este livro inacabado, faz muito tempo e ao entregá-lo de volta, me disse: – Qualquer dia, meu nome estará neste livro... Pois é Quincas, passaram-se alguns anos e sua lembrança, seu nome, ficarão de fato nestas páginas, porque você é um dos meus mortos. Você não foi apenas meu primo, nosso primo, você foi um irmão. Meus pais o consideravam, com justa razão, mais um filho e nós fomos criados como irmãos de verdade. Você nos transmitiu amor, compreensão. Nos dias de festa você estava feliz

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conosco, nos momentos de dor você sofria conosco, acolhia com amor todos os descendentes dessa família “Fonseca de Aguiar”. Eis-me aqui, escrevendo com o coração machucado de saudade. Perder amigos queridos, um a um como tem acontecido é muito doloroso. Há quantos anos, até perdi a conta venho escrevendo algo sobre os “meus mortos” mas ainda hoje sinto dificuldade de falar sobre alguém que partiu para não mais voltar. Não fui ao seu sepultamento nem assisti ao seu velório por motivos tão dolorosos que nem se pode definir: o meu filho estava agonizante e partia também dois dias depois de você. Você, um pouco mais velho que eu, não lembro você criança, recordo sua juventude, sua mocidade, você telegrafista, passando conosco os fins de semana; depois nosso vizinho em Pedra Mole, seu casamento com Neusa também nossa amiga. No meu livro “Retratos de Família” você escreve: “Conversando com Papai eu sempre dizia: – Papai quando eu for grande em compro um carro... quando eu for grande... e me soltava na conversa... Eu tinha em mente a vontade de ficar grande e não dizia – quando eu crescer – mas quando ficar grande... Subia em um banco e dizia – Olhe Papai como eu estou grande! E Papai começou a me chamar “Seu Grande” até quando morreu. E o apelido ficou. Tão grande era a minha vontade de ser grande que nunca cheguei a sê-lo. Ao contrário diminuí por força da escoliose que me envergou a coluna!” Entretanto meu amigo, meu irmão, você foi GRANDE, não em estatura mas em grandeza de alma, em bondade, em generosidade e em tantas virtudes que nem poderíamos descrever. Não sei se você conheceu aquela canção “Gregorinho”, o garoto que quis ser grande assim como você e nada conseguiu na vida por ser pequeno demais. Morrendo, São Pedro não lhe abre a porta dizendo: “Só me serve um anjo grande, és pequenino demais, meu bom rapaz”. “Entretanto a coisa ouvindo Jesus se zangou, E o seu peito entreabrindo Nele o abrigou. A Gregorinho deu entrada No seu paraíso, E lhe diz - essa morada É dos pequenos demais meu bom rapaz”.

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E assim deve ter acontecido com você. São Pedro lhe abriu a porta, com a experiência que tivera com Gregorinho... O Papai Cézar, a Mamãe Zulmira, a vovó Benvinda, suas irmãzinhas, seu irmão Cézar lhe carregaram nos braços, felizes pelo reencontro e o entregaram a Jesus, amigo dos pequenos, dos humildes, como foi você aqui na terra. Tua ausência Joaquinzinho não arrefecerá o amor daqueles que te amaram e continuam a amar-te e em Deus aguardam um feliz reencontro