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dados - Revista de Ciências Sociais (ISSN 0011-5258) é uma publicação quadrimestral do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, óigão de estudos e pesquisas em Ciências Sociais da Sociedade Brasileira de Instrução, fundada em 1902, mantenedora, também, da Escola Técnica de Comércio Cândido Mendes, da Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro e da Faculdade de Direito Cândido Mendes.
Diretor Cândido Mendes
Editores Amaury de Souza Charles Pessanha
Conselho Editorial
Edi tores Associados Alexandre de S. C. Barros Cesar Guimarães Elisa Pereira Reis
Secretária Maria Alice Silva Ramos
Alexandre de S. C. Barros, Amaury de Souza, Cândido Mendes, Carlos A. Hasenbalg, Cesar Guimarães, Charles Pessanha, Edmundo Campos Coelho, Eli Diniz, Elisa Pereira Reis, Guillermo O'Donnell, José Murilo de Carvalho, Licia Valladares, Luiz Antonio Machado da Silva, Luiz Werneck Vianna, Maria Regina Soares de Lima, Mario Brockmann Machado, Neuma Aguiar, Olavo Brasil de Lima Junior, Renato Boschi, Sérgio Abranches, Simon Schwartzman e Wanderley Guilherme dos Santos.
Conselho Consultivo Antonio Octávio Cintra, Aspásia Alcântara de Camargo, Bolivar Lamounier, Carlos Estevam Martins, Celso Lafer, Eduardo Diatay B. de Menezes, Fábio Wanderley Reis, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort, Hélgio Trindade, Luiz Gonzaga de Souza Lima, Maria do Carmo Campello de Souza, Otávio Guilherme Velho, Roberto Da Matta, Roque de Barros Laraia, Ruth
. Correa Leite Cardoso, Silvio Marcelo Maranhão e Wilmar Faria.
Os conceitos emitidos em artigos assinados são de absoluta e exclusiva responsabilidade de seus autores.
Redação dados - Revista de Ciências Sociais Iuperj Rua da Matriz, 82 22260 Botafogo Rio de Janeiro, Brasil
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dados - Revista de Ciências Sociais é publicada com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estu dos e Projetos (Finep).
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cdJ cdJ Vol. 25, n. 3, 1982 ISSN 0011-5258 .- ~.
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CIÊNCIAS SOC I Uma publicação do INSTITUTO UNIVERSITARIO DE PESQ~
DO RIO DE JANEIRO
Apresentação
Cartas
INTERPRETAÇÕES SOBRE O BRASIL TRADICIONAL E CONTEMPORÂNEO
Seis Interpretações sobre o Brasil
Crise e Transição: Uma Interpretação do Momento Político Nacional
Elites Agrárias, State-Building e Autoritarismo
A Trajetória do Pragmatismo - Uma Análise da Pol ítica Externa Brasileira
Realinhamento Pol ítico e Desestabilização do Sistema Partidário: Brasil, 1945-1962
O Brasil no Conselho de Estado: Imagem e Modelo
Sumário do Volume 25, np 1,2 e 3
Luiz Carlos Bresser Pereira
Sérgio Henrique Abranches
Elisa Maria Pereira Reis
Maria Regina Soares de Lima Gerson Moura
Olavo Brasil de Lima Júnior
José Murilo de Carvalho
(English language table of contents on page 407)
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Bulletin Analytique de Documentation Politique, Economique et Sociale Clase-Citas Latinoamericanas en SOciologia y Economia Current Contents/Social & Behavioral Sciences Indice de Ciências Sociais
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© 1982 Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro e Editora Campus Ltda.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta revista poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados, eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros, sem uma permissão por escrito.
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COLABORAM NESTE NÚMERO
- Elisa Maria Pereira Reis é professora do Programa de PósGraduação do IUPERJ, onde desenvolve estudos sobre a sociedade agrária e a ordem política brasileira numa perspectiva rustórica.
_ Gerson Moura é pesquisador do CPDoc/FGV e autor de Autonomia na Dependência: A Politica Externa Brasileira de 1935 a 1942, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980.
_ José MUTilo de Carvalho é professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. A Construção da Ordem: A Elite Política ImperÜll, Rio de Janeiro, Campus, 1980, é seu tra
balho mais recente.
_ Luiz Carlos Bresser Pereira é professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo, tendo publicado recentemente o livro Economia Brasileira: Uma Introdução Critica, São Paulo, Brasiliense, 1982.
_ Maria Regina Soares de Lima é professora do IUPERJ. Atualmente desenvolve pesquisa sobre a política externa brasileira
na década de setenta.
- Olavo Brasil de Lima Júnior, professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, é autor de Os Sistemas Partiddrios Brasileiros - A Experiência Federal e Regional: 1945-1962, Rio de Janeiro, Graal, 1982.
- Sérgio Henrique Abranches é professor do IUPERJ e autor de The Divided Leviathan: State and Economic Policy Formation in Authoritarian Brazil, tese de doutorado em Ciência Política pela Universidade de ComeU, EUA.
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ELITES AGRÁRIAS f STATE-BUILDING E AUTORITARISMO·
Elisa Maria Pereira Reis INTRODUÇÃO
Este trabalho tem por objetivo central esboçar, de forma sumária, um conjunto de proposições teóricas que, com maior ou menor grau de previsibilidade, orientaram um projeto bastante amplo que empreendemos sobre o papel das elites agrárias na constituição de um padrão de modernização autoritária no Brasil_!
Na primeira parte, partiremos de uma breve apresentação da problemática de investigação. Apresentaremos a seguir o modelo teórico que nos pareceu mais afim à referida problemática, qual seja, aquele proposto por Barrington Moore quanto ao papel de "senhores e camponeses na construção do mundo moderno": Acrescentaremos então algumas modificações teóricas que nos pareceram pertinentes para tomar o modelo mais fértil.
A segunda seção será dedicada a um retrospecto da experiência histórica brasileira, no período que vai da abolição do trabalho escravo à revolução de 30, à luz das proposições teóricas sugeridas anteriormente.
Finalmente, na terceira parte do trabalho, será conferida ênfase à análise histórico-comparada enquanto instrumento de compreensão teórica de processos singulares de um lado, e enquanto recurso útil na própria atividade de teorização de outro. Nesse sentido, procederemos a uma breve comparação entre o Brasil e a Alemanha, salientando paralelos e contrastes entre essas duas experiências.
Os propósitos reconhecidamente ambiciosos da discussão proposta parecem-nos justificáveis na medida em que desde já fique explícito seu caráter meramente explo-
Trabalho apresentado na Reunião do Grupo de Trabalho "Elites Políticas", durante o V Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, Friburgo, 21 a 23 de outubro de 1981.
Elisa Pereira-Reis, "The Agrarian Roots of Authoritarian Modemization in Brazil, 1880-1930", Cambridge, MIT. Tese de Doutorado, 1979.
Barrington Moore Jr., Social Origins of Dictatorship and Democracy, Lords and Peasants in the Making of the Modem World, Boston, Beacon Press, 1967.
dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 25, n? 3,1982, pp. 331 a 348.
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ratório. É a partir dessa relativização apriorística que deve ser entendida nossa pretensão de colocar teoria e análise históricocomparada como dimensões simultâneas e interdependentes do conhecimento de fenômenos sociais.3 Nesse sentido, partimos do suposto de que o exame da trajetória singular brasileira ganha sentido e clareza a partir de seu enquadramento em um arcabouço teórico macro-histórico, que funciona muito mais como instrumento heurístico do que como proposta lógica de teste do real. Ao mesmo tempo, reconhecemos também como objetivo explícito o intuito de usar a discussão do caso brasileiro para, através da análise comparada, apontar possíveis revisões teóricas que contribuam por sua vez para aclarar processos históricos particulares.
A busca de explicações para a persistência de elementos não-democráticos na ordem política brasileira tem sido um desafio constante na literatura, sobretudo entre aqueles que vêem o autoritarismo como algo persistente na história do país e não apenas como algo efêmero, transitório. Assim, de uma perspectiva normativa, Azevedo
Amaral identificava como um dos problemas nacionais mais graves a importação de formas políticas liberais incompatíveis com a realidade nacional? No mesmo sentido, Oliveira Viana denunciava o que considerava fúteis tentativas de democratização da ordem política brasileira. Racionalizando a necessidade de um sistema autoritário, diria ele: "O erro de nossos reformadores políticos tem sido a pretensão de criar aqui, em meio a nossa cultura política rudimentar, uma democracia de tipo inglês .. .',5
Despojada de conotações normativas, a noção de continuidade reaparece com freqüência em esforços mais recentes de explicar a falência da democracia liberal no Brasil e em outros países latino-americanos. Grande pârte desses esforços tem se concentrado nos fatores culturais como aqueles decisivos para se compreender a persistência de fórmulas políticas autoritárias. A "tradição ibero-americana", o "ethos mediterrâneo" e o "corporativismo" enquanto ideologia nacional são versões diferentes de uma mesma matriz teórica, a cultura política é considerada o obstáculo crucial à democratização? Não nos deteremos aqui na crítica às explicações centradas na esfera cultural, tema que tem sido amplamente
Veja~e a respeito Theda Skocpol e Margaret Somers, "The Uses of Compara tive History in Macrosocial lnquiry", Comparative Studies in Society and History, Vol. 22, n. 2, 1980, pp.
174-197.
Azevedo Amaral, O Estado Autoritdrio e a Realidade Nacional, Rio de Janeiro, José Olympio, 1938.
Francisco José de Oliveira Viana, Instituições Polfticas Brasileiras, Rio de Janeiro, José Olympio, 1949, Vol. 2, p. 184.
Howard J. Wiarda, "Toward a Frarnework for the Study of Political Change in the lberic-Latin Tradition: The Corporative Model", World Po/itics, Vol. XXV, n. 2,1973, pp. 206-235. Kalman H. Silvert, "Leaderslúp Formation and Modernization in Latin America", Journal of Interna· tional Affairs, Vol. X, n. 2, 1966, pp. 318-331. James M. Malloy, "Authoritarianism, Corporatism and Mobilization in Peru", F. B. Pike e T. Stritch, eds., The New Corporatism:Social-Political Structures in the Iberian World, Londres, Notre Darne University Press, 1974, pp. 52-84.
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explorado na literatura.? Gostaríamos apenas de chamar atenção para o fato de que explicações de tipo cultural ten dem a tomar Como "dados" aspectos da realidade que merecem eles próprios explicação cuidadosa. Tais explicações freqüentemente negligenciam o fato de que a própria persistência de traços culturais é constantemen_ te recriada e que, nesse sentido, a continuidade de valores, atitudes etc., merece tanto esforço de explicação quanto a mudança dos mesmos.
Outra linha de interpretaçao teórica situa as origens do autoritarismo brasileiro na estrutura jurídico-política que, à semelhança dos fatores culturais, tende a ser considerada como dada e imutável. Assim, Faoro viu nos primeiros estágios do processo de construção do Estado no Brasil a marca' genealógica do patrimonialismo-burocrá_ tico português, que persistiria até o presente como obstáculo poderoso à consolidação da ordem liberal.8 Mais recentemente, Schmitter e Schwartzman adotaram perspecti vas de certa forma similares a essa. Enquanto o primeiro identifica um sistema corporativo de representação de interesses como o aspecto distintivo do sistema político nacional, o segundo vê uma tensão constante entre formas representativas e co optativas de participação política no Brasil? A predominância de representação corporativa em um caso e de cooptação política no outro explica em ampla medida a falência da democracia liberal.
Essas análises tiveram o mérito inestimável de legitimar o papel explicativo dos
fatores políticos, demolindo assim as interpretações simplistas que vêem o Estado autoritário como mero instrumento da dominação de uma classe. Entretanto, é preciso estar atento ao fato de que, da mesma forma que características políticas particulares afetam o perfil da ordem social, o reverso é igualmente válido: fatores econômicos e sociais específicos desempenham um papel decisivo na delimitação dos parâmetros políticos nacionais. Essa afirmação trivial implica na prática na difícil tarefa de explicitar a influência mútua entre características políticas historicamente consolidadas e interesses sociais específicos. Sem um esforço consciente de integrar a análise do processo de state-building com a dinâmica das classes sociais, corremos o risco de converter o impacto de fatores jurídico-políticos em uma forma de determinismo político e/ou supor imutáveis certas características institucionais supostamente responsáveis por uma tradição anti democrática. Isso não implica em negar a importância do legado jurídico português ou de quaisquer outras características políticas relevantes. Contudo, torna-se crucial evidenciar os fa-
, tores e processos que viabilizaram continuidades. Tradições políticas interagem COm a dinâmica social através de um processo de influências recíprocas. O próprio fenômeno de construção do Estado nacional deve ser entendido como um processo contínuo se se quer evitar mecanicismos e reduções inadequadas na explicação de fenômenos que dizem respeito simultaneamente à sociedade e ao Estado_
Veja-se, por exemplo, Edward W. Lehman, "On the Concept of Political Culture: A Theoretical Reassesment", Social Forces, VaI. 5, n. 3, 1972.
Raimundo Faoro, Os Donos do Poder, ~ edição revista e ampliada, Porto Alegre, Editora Globo, 2 vais., 1977,
Simon SChwarztman, São Paulo e o Estado Nacional, São Paulo, DIFEL, 197 5, Philippe C. Sé'hmitter, Interest Conflict and Política I Change in Brazi/, Stanford, Stanford University Press, 1971.
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Da perspectiva indicada acima, sem negar a importância explicativa de valores e tradições, a presente discussão concentra-se na atuação de classes sociais específicas, .frente a condições econômicas particulares, e em interação dinâmica com o centro político nacional. "f,nfase é também conferida aqui às opções políticas confrontadas pelos atores políticos pertinentes, de forma a se evitar a rigidez inerente à noção de "inevitabilidade histórica"!O Assim, sustentamos
sas classes entre si, com o centro político nacional e com as classes urbanas emergen-' tes permite ao autor delinear três variantes políticas básicas do processo de desenvolvimento: revoluções liberais-burguesas, revoluções conservadoras e revoluções camponesas levando à instauração de sistemas co
munistas.
a necessidade de se ter sempre presente, de forma simultânea, duas dimensões cruciais: os limites paramétricos constituídos pelos condicionantes estruturais, e as escolhas efetivas dos atores políticos em situações histórico-concretas. Em particular, trataremos de enfatizar aqui as relações de trabalho na agricultura e a interação entre a classe proprietária rural e o Estado.
A relação entre estruturas agrárias particulares e resultados políticos específicos tem tradicionalmente despertado a atenção de cientistas sociais historicamente orientados. Assim, por exemplo, Weber, Turner, Gerschenkron exploraram de ângulos particulares a questão das implicações de longo prazo da sociedade rural para a consolidação da ordem política nacional.
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já clássica de Barrington Moore sobre as origens da ditadura e da democracia é herdeira legítima dessa tradição, ao privilegiar as classes agrárias na análise da emergência de caminhos políticos alternativos no mundo modemo.12 A análise da interação des-
Estas três vias políticas de modernização nacional constituiriam, na visão de Moore, alternativas historicamente esgotadas no sentido de que parece totalmente inadequado pensar na repetição de uma ou outra delas no caso das nações ainda em desenvolvimento. Acrescente-se a isso o fato de que, no caso da grande maioria das nações emergentes, a dominação colonial interferiu de várias maneiras no sentido de tornar mais complexa a estrutura de classes e nessa medida levou o setor agrário a repartir importância com outros interesses
sociais. De qualquer forma, parece-nos ainda
útil pensar a partir das alternativas políticas de modernização acima referidas o caso do Brasil ou de outras nações latino-americanas, já que aí a emergência do Estado nacional data da primeira metade do século 19 e nesse sentido a importância est.ratégica das classes agrárias é inquestionável..Embora a natureza dos laços coloniais no passado e a peculiaridade de nossa integração no mercado mundial introduzam variações importantes relativamente à experiência européia, ainda assim a dinâmica interna da so-
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Norbert Elias, What is Sociology, Nova York, Columbia University Press, 1978, esp. pp. 158-174.
Max Weber, "Capitalism and Rural Society in Germany", H. H. Gerth e C. W. Mills, eds., From Max Weber: Essays in Sociology, Nova York, Oxford University Press,1958, pp. 363-385. R. A. Billington, ed., Selected Essays of Frederick Jackson Turner: Frontier and Section, Englewood Cliffs, Prentice Hall, 1961. Alexander Gerschenkron, 8read and Democracy in Germany, 2~ edição, Nova York, Howard Fertig, 1966. Elisa Pereira-Reis, "Sociedade Agrária e Ordem Política",
Dados, Vol. 23, n. 3, 1980, pp. 275-296. 12 B. Moore, Social Origins ... , op. cito
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ciedade agrária e sua interação com o centro político permanecem cruciais na conformação do sistema político. Isso não significa que nos propomos a aplicar mecanicamente um conjunto de proposições logicamente integradas, e nem é certo que Moore nos fornece um modelo abstratoformal que se preste a tal empreendimento. O que temos em vista é tão-somente explorar a dimensão heurística da proposta teórica por ele esboçada, tomando como referencial básico de discussão as cinco' condições históricas que o autor identifica como decisivas para a consolidação da via liberal-burguesa.
A primeira condição enunciada no modelo liberal-burguês de modernização diz respeito ao estabelecimento de um equilíbrio de poder entre a autoridade central e os grandes proprietários rurais. Um balanço de poder que favoreça, seja a coroa, seja a aristocracia rural, é visto como desfavorável à emergência da democracia liberal. O que essa condição parece estabelecer é basicamente a emergência precoce de um sistema de pesos e contra-pesos evoluindo da tensão típica entre os elementos feudais e patrimoniais usualmente presentes nos estágios iniciais dos processos de state-building no contexto europeu. De qualquer forma, a condição se manteria válida também em situações onde o balanço entre o público e o privado não envolve disputas patrimoniais-feudais, tal como ilustrado pelo caso norte-americano.
A segunda condição do modelo refere-se a "uma transição bem-sucedida para a agricultura comercial, seja por parte das classes dos grandes proprietários rurais, seja por parte do campesinato". Conforme revela a experiência inglesa, a habilidade revelada pela aristocracia rural em converter-se à produção mercantil e sua firme inserção na ordem comercial parecem constituir um
bom augúrio para a democracia liberal. Tal conversão alinharia as antigas.elites agrárias a serviço das tendências modernizadoras, eliminando assim possíveis focos de tensão social. No caso inglês, ocorreu uma forma de simbiose entre elementos aristocráticos e burgueses que parece ter sido estratégica no estabelecimento de uma ordem política liberal. Ela aumentou as chances de uma política pluralista e tornou pouco provável a sobrevivência de um Estado absolutista. O caso americano merece atenção especial aqui, já que nesse particular ele é mais próximo à experiência brasileira. Nos Estados Unidos, o lugar da comercialização agrícola estava estabelecido desde cedo e os arranjos feudais nunca se desenvolveram. Os obstáculos à democracia liberal ali eram decorrentes sobretudo da vigência de relações escravistas de trabalho; mas uma vez que o conflito regional foi superado, a porta estava aberta para a cónsolidação da ordem liberal. Redefinindo, diríamos que na realidade essa segunda condição prende-se muito mais à superação de formas extra-econômicas de coerção nas relações de trabalho_
Uma terceira condição diz respeito ao "enfraquecimento oportuno da classe proprietária rural". O que é enfatizado aqui é uma mudança na coalizão de poder, no sentido de privilegiar os interesses urbano-industriais sobre os agrários. Embora não seja explícito, o elemento que nos parece cru· cial aqui é a questão do timing adequado: "quando", no processo de modernização, o setor urbano-industrial ultrapassa o agrário em termos de poder parece uma variável decisiva. A predominância persistente do setor agrário aumenta as chances de que um Estado autoritário venha substituir a burguesia industrial no papel de liderança estratégica no processo de modernização.
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Uma quarta condição no modelo deve ser entendida como derivação da imediatamente anterior: ela se refere à inviabilização de uma coalizão reaci onária entre elites agrárias e industriais. Nos casos em que a burguesia urbana foi incapaz de desafiar o predomínio das elites agrárias, a evolução mais "natural" foi uma coalizão entre essas elites, legitimada por um Estado autoritário que garantia aos interesses industriais um papel de sócio menor na coalizão de poder. Nesses casos, a polarização de interesse colocou de um lado as classes trabalhadoras ou subalternas, de outro os capitalistas urbanos e rurais. O Estado desempenhou uma função estabilizadora nesse modelo, impedindo revoltas, seja através de formas abertas de repressão, seja através de algum tipo de apelo popular para neutralizar demandas de classe. Nesse contexto, as chances de consolidação da democracia liberal eram mínimas. O Estado ocupou uma posição estratégica que lhe possibilitou controlar o acesso à arena política, e a competição de interesses mútiplos, típica das sociedades liberais, nunca se tomou le-
gítima. Finalmente, como que culminando as
coalizão de poder. O Estado emergiu nessas experiências como o ator estratégico para conciliar a velha e a nova ordem, comO bem ilustram as experiências da Alemanha
e do Japão. Assim, pode-se concluir do acima ex
posto que duas variantes políticas de modernização capitalista foram historicamente consolidadas: a via liberal-burguesa e a via conservadora. Uma terceira alternativa política de modernização diz respeito aos casos em que o campesinato - e não a aristocracia rural - desempenhou o papel principal, como nas experiências russa e chinesa. Também nessa variante histórica ocorre uma ruptura radical com o passado, mas a nova ordem aí não se conforma à ótica modernizadora de mercado típica do capitalis-
mo. Se a via liberal-burguesa e a da moder-
quatro condições anteriores, alguma forma de ruptura revolucionária com o passado tem que ocorrer para cimentar a vitória da democracia-liberal. A Guerra Civil de 1641
nização conservadora constituíram alternativas históricas de modernização, parece válido interpretar a recorrência do autori tarismo em diversas sociedades atualmente em processo de desenvolvimento como conseqüência de condições básicas que diferem significativamente daquelas identificadas no modelo anteriormente descrito como decisivas na consolidação de uma trajetória capitalista-democrática. Razões de natureza pragmática e substantiva concorrem para tornar atraente esta estratégia de análise. Assim, por exemplo, parece-nos interessante fazer uso do modelo em questão para lançar luz sobre experiências particulares de modernização autoritária que, ao nível da retórica, se propõem comO democratizantes. Mais ainda, é possível que o modelo nos sugira algumas generalizações substantivas que permitam, a partir de eventos históricos singulares, redefinir nossa própria compreensão das ditaduras e outras panacéias autoritárias que freqüentemente se insinuam como medicina desenvolvimentista.
e a Revolução Gloriosa de 1681 na Inglaterra, a Grande Revolução Francesa e a Guerra Civil Americana assinalaram na visão de Moore a vitória da via democrático-burguesa nessas sociedades. Sem essa ruptura radical, o capitalismo poderia ter triunfado, mas não o capitalismo liberal. Onde a mOdernização capitalista teve lugar sem esse ingrediente de ruptura com o passado, a resultante política mais natural foi a "revolução pelo alto" ou "modernização conservadora", que preservou as antigas elites na
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Conceder tamanho destaque à via liberal-burguesa de modernização pode parecer inadequado já que, privilegiando-a como instrumento de análise, poderíamos terminar por incorporar o viés etnocêntrico que identifica a experiência anglo-saxônica com o padrão de desenvolvimento político. Esse risco nos parece porém perfeitamente contro!avel, sobretudo na medida em que a própria análise comparada aguça nossa percepção da historicidade dos processos sociais_ Nesse sentido, é bastante claro que a via liberal-burguesa de modemizaçoo constitui uma alternativa historicamente esgotada_ Não podemos esperar ver repetidas hoje trajetórias modernizantes tais como as que caracterizaram a Inglaterra, a França ou os Estados Unidos. O que a análise histórica realça é sobretudo a possibilidade de desmistificar a rigidez dos processos sociais. E quanto mais compreendemos as tendências históricas de uma sociedade, tanto mais nos capacitamos para elaborar estratégias flexíveis de mudança.
Se por um lado parece-nos extremamente atraente a possibilidade de usar o modelo liberal-democrático de Moore para explorar outros processos de modernização, por outro parece-nos crucial introduzir aí duas alterações teóricas radicais: a primeira delas diz respeito à inclusão do Estado como um ator político em si mesmo. Enquanto portador de interesses peculiares e autônomos, o ator público nos parece merecer uma atenção especial, sob pena de permanecer oculto sob o jogo dos interesses sociais e nessa mesma medida ocultar dinamismos políticos decisivos.13 Em segundo
lugar, propomos que as escolhas efetivas dos atores políticos em jogo sejam sempre que possível explicitadas. Identificada a existência histórica de cursos alternativos de ação, o reconhecimento de opções sociais permite, por um lado, a superação de determinismos mecânicos e, por outro, um entendimento não-metafísico da noção de responsabilidade histórica dos atores sociaiS.14
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Em que medida os aspectos teóricos enfatizados nas páginas anteriores podem ser úteis à compreensão do processo histórico brasileiro? Conquanto as possibilidades de uso do referencial teórico em questão nos pareçam múltiplas, limitamo-nos aqui a explorá-lo para refletir sobre a questão da continuidade e da mudança no período que vai da transição para o trabalho livre e a instauração da República à consolidação de um processo de modernização autoritária a partir dos anos trinta.
A abolição do trabalho escravo e a queda do Império ao final do século dezenove são normalmente considerados marcos decisivos do processo de modernização capitalista no Brasil. Entretanto, pouca atenção tem sido dada à natureza e às implicações políticas de longo prazo desses dois eventos. A transição para o trabalho livre é geralmente vista sob um prisma econômico que enfatiza basicamente os requisitos técnicos do processo de acumulação. Nessa perspectiva, as mudanças da sociedade são vistas essencialmente como ajustamentos às
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14
Para uma crítica nesse sentido, veja-se Theda SkocpoI, "A CriticaI Review of Barrington Moore's Social OriginsofDictatorship and Democracy", Polities and SOciety, VoI. 4, n. 1, 1973, pp. 1-34.
Para uma crítica contundente da falsa antítese entre determinações sistêmicas e ações sociais, veja-se Philip Abrams, "HistorY, Sociology, HistoricaI Sociology", Past and Present, n. 87, maio, 1980, pp. 3-16.
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alterações de mercado e em padrões de investimento. Nesse sentido, a persistência de fatores extramercado como determinantes de relações de trabalho rural aparece como anacrônica e ineficiente. Por sua parte, a literatura política e sociológica referente ao período pós-abolição considera as relações sociais persistentes no meio rural brasileiro como típicas da preservação do poder dos grandes senhores de terra. Uma vez que tentamos integrar as dimensões política e econômica dos processos de mudança aqui em questão, as transformações econômicas e a persistência de dimensões sociais tradicionais ganham sentido como aspectos que, aparentemente contraditórios, se reforçam mutuamente.
Quais teriam sido as implicações políticas de longo prazo do processo através do qual a escravidão foi abolida? Quais teriam sido as conseqüências da propalada transi- . ção "lenta, pacífica e gradual" para o trabalho livre? Embora esse não seja o lugar apropriado para uma análise detalhada do processo de abolição, queremos sugerir, tendo em vista o contraste com a experiência norte-americana, que o encaminhamento da questão do trabalho rural aqui teve conseqüências políticas conservadoras.
Não assistimos, no caso brasileiro, a uma ruptura radical com o passado, na medida mesmo em que a abolição aqui não implicou um confronto entre formas autoritárias e liberais de capitalismo. Apesar das interpretações do fim da escravidão como uma vitória dos cafeicultores liberais-burgueses sobre os latifundiários conservadores do Nordeste, a evidência disponível corro-
bora perfeitamente uma interpretação altemativa: a transição para o trabalho livre se deu graças a uma coalizão entre latifundiários "velhos" e "novos".
Os cafeicultores de São Paulo - freqüentemente identificados com os precursores da revolução burguesa - aliaram-se aos antigos donos de engenhos do Nordeste para promover uma transição pacífica ao trabalho livre.15 A negociação política da questão do trabalho permitiu aos cafeicultores paulistas evitar a competição com a elite rural nordestina pela mão-de-obra nacional. A demanda crescente de trabalho nas áreas cafeeiras seria suprida pela importação de trabalhadores europeus, assistida pelo poder público. Como tem sido apontado na literatura, a opção paulista pela imigração estrangeira implicou uma segmentação regional do mercado de trabalho.16
Acrescentaríamos a esse argumento que tal evolução retardou também a expansão do mercado político, na medida em que preservou formas na coerção extra-econômica de trabalho em amplas áreas do país. O poder político do proprietário rural foi pres.ervado, já que a massa da população do campo não contava com a possibilidade de lealdades políticas alternativas.
Em resumo, a abolição da escravidão foi uma mudança crucial, mas não uma mudança revolucionária. A condução política do problema abolicionista garantiu a unidade das elites agrárias nacionais. Uma vez mais recorrendo à comparação com o caso norte-americano, a transição para o trabalho livre no Brasil teve um impacto modernizador incontestável, mas não implicou uma
15 E. Pereira-Reis, "The Agrarian ... " op. cit., capítulo dois; e "Conservative Modernization in Brazilian Agriculture: The Post-Abolition Plantation", trabalho apresentado na reunião anual da Latin American Studies Association, Houston, 1977.
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16 Nathaniel Leff, "Desenvolvimento Econômico e Desigualdades Regionais: Origens do Caso Brasileiro", Revista Brasileira de Economia, Vol. XXVI, n. 1, 1972, pp. 3-22.
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revolução liberal-burguesa. 17 Sob o predomínio dos cafeicultores paulistas, uma estratégia de conciliação de elites impediu o "enfraquecimento oportuno dos grandes senhores rurais", e permitiu a continuidade de formas repressivas de trabalho no campo.
I -Se a questão da abolição nos permite \observar de forma privilegiada a dinâmica das relações inter e intraclasses no mundo agrário, o segundo marco histórico anteriormente mencionado, a queda do Império, favorece o exame das relações entre as elites agrárias e o poder público. Ressaltamos em outro lugar que o sentido da queda do Império foi sobretudo o de fazer pender significativamente a balança de poder em favor dos proprietários rurais. 18 Embora a crise interna ao Estado seja mais elucidativa do esfacelamento efetivo do Império, os interesses, estratégias e comportamento da oposição civil, e particularmente dos setores mais dinâmicos da agricultura, ganham predominância quando nos detemos nas conseqüências políticas, econômicas e sociais desse processo de mudança.
Apesar da profissão de fé liberal do regime republicano estabelecido em 1889, o exercício do liberalismo estava seriamente comprometido, dada a representação exclusiva das elites agrárias. Nesse sentido, o Estado não enfrentou o desafio de mediar entre interesses sociais conflitantes; não se viu ele na contingência de celebrar alianças políticas tópicas com um setor urbano combativo como se observa historicamente no caso da Inglaterra, nem de se aliar a um campesinato independente como ocorreu no caso francês. O poder público respondia basicamente às elites agrárias, sendo tími-
das as tentativas de exigir dele maior responsabilidade social. Faltavam nesse sentido incentivos de base para criar os alicerces de um processo político pluralista. A função política primordial da autoridade central era arbitrar disputas entre as elites agrárias regionais, e mesmo essa tarefa era consideravelmente suavizada pela considerável descentralização político-administrativa do período. Dentro das condições vigentes, a federalização do Estado fomentou um padrão de segmentação de interesses que tornou particularmente difícil institucionalizar oposições políticas.
Se é verdade, conforme sugerimos acima, que o Estado na Primeira República revelava uma grande permeabilidade aos interesses agrários, também é verdade que esse mesmo fenômeno deu lugar a um paradoxo extremamente curioso: quanto mais o Estado respondia às demandas dos proprietários rurais, mais ele consolidava uma função tutelar sobre a economia, aspecto esse que, dadas as regras limitadas do jogo político do período, viria a ter profundas conseqüências. A política imigracionista e a defesa agressiva dos preços do café no mercado internacional revelam a extensão da dependência dos fazendeiros frente a soluções de autoridade em detrimento de soluções de mercado. Da mesma forma que o liberalismo político, o liberalismo econômico adquiriu um sentido peculiar dentro dos parâmetros da pol ítica oligárquica.
O grau e a n&tureza do crescimento do Estado durante a República Velha, influenciados pelas práticas econômicas e políticas das- elites agrárias, sugerem-nos que as bases para um processo de modernizaçãO autoritário já tinham sido lançadas antes de trinta.
17 Para uma comparação entre o processo abolicionista no Brasil e a experiência dos Estados Unidos, veja-se Pereira-Reis, "The Agrarian ... ", op. cit, pp. 78-86.
18 Idem, capítulo tres.
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o fortalecimento relativo do poder executivo, as intervenções freqüentes nos Estados, a reforma constitucional de 1926 são indicações claras do crescimento do poder do Estado numa direção pouco afim ao padrão Iiberal-democrático.19 A precocidade relativa desse fortalecimento do Estado se torna visível quando nos damos conta de que a autoridade pública estava estendendo suas bases de poder em um contexto onde as elites agrárias não enfrentavam séria competição de outros interesses sociais na arena política. Dessa forma, quando se desmoronou a "república dos fazendeiros" em 1930, o Estado já contava com recursos cruciais que lhe possibilitaram regular e tutelar mesmo a entrada de novos atores políticos no cenário.
A posição privilegiada do Estado e a natureza da coalizão de poder que se consolida depois de 1930 são os elementos-chave para uma compreensão do processo modernizante que tem lugar com Vargas. Embora percam a exclusividade de representação, as elites agrárias não são alijadas do poder. No novo arranjo político, elas dividem o poder com as elites industrializantes, sob o patrocínio de um Estado significativamente autônomo. A preservação do sistema de propriedade de terra e das relações de trabalho no campo permitiu manter inalteradas as bases do poder local dos latifundiários. No contexto urbano, a estratégia adotada para incorporar a classe trabalhadora ao sistema político atrelou-a firmemente ao controle do Estado. A modernização "pelo alto" gradualmente se afirmou, promovendo mudanças decisivas, sem contudo permitir uma ruptura radical com os antigos padrões de dominação.
Sumariando a discussão, reafirmaríamos que, sob a dominação rural-oligárqui-
19 Idem, pp. 217-262.
ca· no Brasil, fatores de ordem estrutural e escolhas políticas concretas interagiram decisivamente na moldagem do futuro político da nação. A notável capacidade de "mudar conservando", que caracteriza o processo histórico brasileiro, não pode ser entendida apenas ao nível da cultura nacional, da mesma forma como também não satisfazem as explicações que atrelam o sucesso da modernização conservadora unicamente ã habilidade pessoal da liderança. Para entender os elementos de continuidade de forma adequada, temos que ter sempre presente: a) os interesses sociais concretos, tais como eles se confrontam em situações particulares; b) o processo de state-building que, apesar do equívoco freqüente, não constitui um evento discreto na história de uma sociedade; e c) a interação dinâmica entre a e b.
111
Para concluir, propomo-nos a comparar brevemente a'experiência brasileira referida nas páginas anteriores com outro processo histórico onde é notória a contribuição das elites agrárias à emergência de uma estratégia conservadora de modernização. A oportunidade de uma comparação com a Alemanha se impõe de imediato, quando se tem em conta que, como no caso dos grandes fazendeiros no Brasil, os junkers prussianos controlavam firmemente de um lado sua força de trabalho, e dominavam de outro o cenário político nacional, enquanto a nação unificada embarcava em um processo de modernização "pelo alto".
A experiência de desenvolvimento alemã tem inspirado diversas tentativas de ex- . plicação teórica das diferenças entre padrões de desenvolvimento no leste e no oeste da Europa. Significativamente, a
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maioria desses esforços se centra na dinâmica da sociedade agrária. Assim, Lenin diferenciou uma via "Ocidental" e outra "Prussiana" de desenvolvimento do capitalismo na agricultura, com base no papel diferenciado que senhores e camponeses exerceram na comercialização da produção rural. 20 Em épocas mais recentes, observa-se uma preocupação acadêmica recorrente com as implicações especificamente políticas da experiência alemã. Bendix, por exemplo, salientou o papel conservador dos junkers ao criarem obstáculos a uma evolução liberal-democrática.2\ Barrington Moore considera a Alemanha um caso claro de modernização capitalista autoritária, amplamente condicionada pelas ações e reações da classe proprietária rural.22 Anderson contrasta a ascensão do Estado absolutista no leste e no oeste europeus com base na força relativa da aristocracia agrária. 23 Gerschenkron via nas opções políticas dos junkers e em suas manobras para impô-las o obstáculo decisivo à democratização da Alemanha.24
Em seu prefácio à segunda edição de Bread and Democracy in Germany, Gerschenkron ressaltou a persistência e a notável capacidade de sobrevivência dos latifundiários prussianos. Como ele observa, "os junkers eram capazes de transformar qualquer situação nova, crise grave ou adversidade ameaçadora em seu próprio benefício".25
Essa capacidade de sobrevivência e o sucesso em digerir mudanças lembram em certa medida os latifundiários brasileiros. Mesmo os cafeicultores paulistas, que freqüentemente aparecem como os agentes de uma revolução liberal-burguesa, se prestam a alguns paralelos com os senhores de terra a leste do Elba. Assim, por exemplo, diante da inelasticidade da oferta de escravos, os cafeicultores de São Paulo converteram-se à última hora à causa abolicionista, transformando-a ao mesmo tempo num investimento lucrativo.
Da mesma forma que osjunkers, os cafeicultores auferiram grandes benefícios de uma tardia adoção do trabalho livre, graças à hábil manipulação de recursos econômicos e políticos. Em ambos os casos, os fatores políticos desempenharam um papel-chave na capacidade de sobrevivência da classe proprietária rural. No caso brasileiro, foram utilizados recursos públicos para criar uma oferta abundante de mão-de-obra estrangeira que comprimia os salários e tomava possível a operação de um mercado de trabalho graças à incorporação contínua de novos contingentes migratórios. No caso da agricultura prussiana, o Estado tornou a iniciativa de abolir a servidão no começo do século 19, mas o processo reverteu em benefício da aristocracia rural, que ampliou seus domínios territoriais e manteve a força de trabalho politicamente subordinada?6
20 V. I. Lenin, "Agrarian Programme of Social Democracy", Co/lected Works, Vol. 13, Londres, Lawrence Wisbart, 1962.
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26
Reinhard Bendix, Nation Building and Citizenship, Berkeley, University of California Press, 1974. B. Moore, Social Origins ... , op. cito
Perry Anderson, Lineages of the Absolutist State, Londres, Verson Edition, 1979.
Gerschenkron, Bread and Democracy ... , 0p. cito
Idem, p. vii.
Sobre esta questão veja-se, por exemplo, Hans Rosenberg, "The Rise of the Junkers in Brandenburg Prussia", American Historical Review, Vol. XLIX, n.l, pp. 1-22 e n. 2, pp. 228-242,1943.
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Em ambos os casos, pode-se argumentar, o Estado teve um papel ativo na manutenção de condições para a expansão da agricultura sem alteração no sistema de dominação latifundiário.
Além da questão do trabalho, outros elementos de convergência parecem existir entre os junkers e os cafeicultores paulistas. Diante da competição imbatível da produção cerealífera norte-americana, os junkers conseguiram impor uma série de medidas protecionistas que anularam os efeitos das condições adversas do mercado. Na análise de Gerschenkron referida acima, a preocupação central ~ra salientar as implicações politicamente conservadoras desse protecionismo agrário. Poder-se-ia sugerir uma interpretação similar da preferência dos cafeicultores paulistas pela intervenção estatal no mercado? No caso brasileiro, diante de crises de superprodução, o Estado foi chamado a retirar estoques do mercado para manter os preços artificialmente altos.
Em ambos os casos, observa-se que os setores agrários dominantes conseguiram impor seus interesses específicos como interesses da nação como um todo.27 O paralelo entre as duas experiências históricas é ainda mais sugestivo quando lembramos que, em ambos os casos, as respectivas eli· tes agrárias tinham sido antes defensoras ativas do laissez-faire. Inicialmente, como suo pridoras de bens primários no mercado internacional, ambas elites defenderam a suo perioridade dos mecanismos de mercado frente a qualquer esforço governamental de regulamentação. E significativamente, ambas abandonaram Smith em favor de List, quando se tornou claro que a autoridade
do Estado podia ser ativada para neutralizar condições de mercado desfavoráveis.
Em ambas as experiências confrontadas aqui, o poder político foi um elemento decisivo no sucesso econômico dos senhores rurais, o que por sua vez reforçava seu poder político, garantindo assim a longo prazo sua persistência na coalizão dominante_ No Brasil, como na Alemanha, o poder político dos proprietários rurais não foi enfraquecido pela consolidação de uma burguesia combativa que desafiasse suas bases de poder. No caso alemão, os junkers preservaram sua ascendência política e econômica sob o histórico casamento do ferro com o centeio, apadrinhado pelo Estado. No caso do Brasil, conforme observado anteriormente, o estabelecimento da República legitimou a inclinação da balança do poder em favor das elites rurais. As eli tes agrárias corisolidaram um sistema de dominação oligárquica, enquanto o setor industrial aceitava uma posição subordin~da.
Também é significativo o paralelo referente às implicações efetivas da adoção de um modelo político liberal em condições de dominação agrária. Em ambos os casos, a ausência de power contenders fortes confinou o jogo político a limites muito acanhados. OSjunkers, em aliança com a burocracia estatal, imprimiram ã política um caráter aristocrático e autoritário. A elite agrária brasileira, durante a República Velha, entendia o Estado como seu "comitê executivo", e os próprios princípios democrático-liberais eram utilizados para reforçar seu monopólio de poder.
Existiram também diferenças significativas entre as duas experiências em questão,
Theodore S. Hamerow, Restoration, Revolution, Reaction: Economics and Politics in Germany, 1815-1871 ,Princeton, Princeton University Press, 1966.
27 A. Gerschenkron, Bread and Democracy ... ,op. cito Com relação ao Brasil, veja-'3e Pereira-Reis, "The Agrarian ... ", op. cit., capítulo cinco.
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e negligenciá-las seria fazer violência à história e barbarismo teórico. Assim, ressaltemos de começo que o contexto e as circunstâncias envolvendo os processos através dos quais os servos na Alemanha e os escravos no Brasil foram emancipados foram profundamente diferentes. Mais ainda, embora constituam ambas formas coercivas de trabalho, servidão (! escravidão têm implicações de longo prazo bastante diferenciadas.28
Apesar dos paralelos que viemos de estabelecer entre junkers e cafeicultores, tais atores históricos também se prestam a contrastes relevantes. Observemos a esse respeito que a agricultura a oeste do Elba evol uíra cedo para relações de produção modernas, seguindo de perto o padrão clássico da Europa ocidental nos primórdios da expansão capitalista. A aristocracia do leste, ao contrário, persistiu utilizando tradições feudais para reforçar seus interesses já capitalistas, sem abrir mão de uma mistura peculiar de autoritarismo e benevolência como instrumento de dominação. Nesse sentido, no contexto alemão os junkers constituíam o setor social mais tradicional - embora não atrasado. Em contraste, os cafeicultores brasileiros nem sequer contaram com tradições feudais e nunca desenvolveram qualquer coisa parecida com a configuração de status que caracterizava a ordemjunkeriana. Os cafeicultores paulistas constituíram de fato o setor mais modernizado da agricultura nacional, e os pioneiros na adoção de uma solUÇão de mercado para a questão do trabalho. Nesse sentido, aqui são as formas extraeconômicas de coerção do trabalho amplamente difundidas no nordeste do país que mais se assemelham à experiência dos junkers.
Com relação às implicações políticas da intervenção estatal na economia, há também diferenças importantes entre o Brasil e a Alemanha. No caso desta última, as políticas adotadas para proteger a produção cerealífera doméstica, com Bismarck, tiveram sua implicação política mais grave na inviabilização de uma coalizão liberal entre as classes populares urbanas e os pequenos e médios proprietários rurais que poderiam ter constituído uma oposição efetiva aos junkers. Como salientou Gerschenkron, as classes baixas urbanas se opuseram radicalmente ao protecionismo agrário, que incidia diretamente sobre o cur~~ de sua dieta básica. 29 Contudo, sem o concurso de aliados políticos, sua oposição foi inócua. Os pequenos agricultores, que poderiam ter fornecido o apoio decisivo à oposição, referendaram ao contrário a orientação política junkeriana. Seduzidos por promessas políti. cas, os pequenos agricultores foram levados a confundir os interesses do setor latifundiário com os seus.
No contexto brasileiro, a manutenção de preços artificialmente altos para o café teve implicações políticas diferentes. A valorização cafeeira não tinha um impacto direto sobre os preços domésticos de alimentos, já que se tratava de um produto de exportação.! As políticas adotadas para prote- :~ ger o setor cafeeiro envolviam basicamente a formação de mecanismos de tipo cartelizador, sob a coordenação do poder público, para atuar no mercado internacional. É verdade que, a exemplo do que ocorreu na Alemanha, o protecionismo concorreu para preservar o poder latifundiário. Há porém aqui uma conseqüência adicional menos óbvia, que diz respeito ao papel privilegia-
28
29
A propósito das implicações diferentes da servidão e da escravidão, veja-se John Hicks, A Theory of Economic History, OXrord, Oxford University Press, 1969, pp. 122-140.
Gerschenkron, Bread and Democracy . .. ,op. cit., esp. capítulo lI.
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do que o Estado vai adquirir. Conforme salientávamos anteriormente, o Estado surge como um ator importante na economia brasileira antes que outros setores sociais se equipassem para desafiar os interesses agrários. E quando a Revolução de 1930 pôs fim à República Velha, enfraquecidas temporariamente as elites agrárias, o Estado contava já com recursos políticos que lhe permitiriam cooptar novos atores políticos para impor de cima para baixo um processo de modernização nacional.
Recapitulando a discussão, o aspecto comum às duas experiências que parece mais óbvio é a ausência de uma ruptura revolucionária com o passado. Apesar de grandes transformações sociais, o lugar das elites agrárias na coalizão de poder foi sempre preservado. Em ambos os casos, os proprietários rurais demonstraram grande habilidade para se adaptarem à mudança e lograram estabelecer alianças conservadoras com as elites industriais emergentes. Mais ainda, nos dois casos o sucesso dessas alianças dependeu em grande parte do concurso do Estado. Recursos de autoridade propiciaram, tanto na Alemanha como no Brasil, o êxito da modernização de cima para baixo. Nesse sentido, parece bastante clara, quando confrontamos os dois processos, a similaridade entre os padrões de interação da elite agrária com o Estado e com o setor industrial ascendente de um lado, e o sucesso de uma fórmula capitalista autoritária de modernização por outro.
A comparação sugere que um determinante decisivo da modernização autoritária
são os obstáculos erigidos pelos senhores de terra a uma ruptura revolucionária. Em ambos os casos, as elites agrárias reconheceram a necessidade de "mudar para conservar" e, controlando a mudança, neutralizaram as chances de qualquer desafio revolu, cionário. No caso da Alemanha, a aristocracia rural do leste assumiu ela própria o papel de empresário capitalista, quando a oportunidade de produzir para o mercado internacional se tornou uma realidade ao final do século dezoito. Ao mesmo tempo, essa "aristocracia empresária" reforçou o controle exercido sobre a mão-de-obra, e usurpou a funções comerciais tradicionalmente exercidas pelos mercadores urbanos.30 Há óbvios paralelos com a experiência do Brasil, onde o latifúndio também estava ativamente envolvido na produção para o mercado, apesar das diferenças introduzidas pelo status original de colônia e da maior vulnerabilidade da economia brasileira. Aqui também, ao invés de desafiar proprietários rurais "pré-capitalistas retrógra· dos", as elites industriais aliaram-se a empresários agrícolas dinâmicos. Mais do que isso, historicamente as cidades brasileiras estiveram subordinadas ao dinamismo do mundo rural e nesse sentido se aproximam mais da trajetória alemã que do padrão clássico liberal-burguês.3
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No que se refere à importância estratégica do Estado, a tese de que no caso alemão ela se deve a uma situação de atraso nacional relativo é amplamente aceita.32 Isto é, o fato de que a Alemanha tenha iniciado sua trajetória modemizante tardiamente
30
3!
Veja-se a propósito Bendix, Nation Building . .. ,op. cit., p. 224.
32
Sobre a evolução diferente das cidades no leste e no oeste da Europa, veja-se Jerome Blum, "The Rise of Serfdom in Eastern Europe", American Historical Review, Vol. LXII, n. 4, 1957, pp. 807-836.
A formulação clássica dessa tese aparece em Alexander Gerschenkron, Economic Backwardness in Historical Perspective, Cambridge, Belknap Press, 1966.
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torna necessário um esforço rápido e massivo de mobilização de capital e cápacidade empresarial. Nessas circunstâncias, argumenta-se, faz-se crucial a ação enérgica do poder público para mobilizar os recursos requeridos e superar os obstáculos políticos e sociais à mudança. Mesmo que aceitemos essa explicação sobre a' adequação funcional do "Estado empresário" em sociedades de modernização tardia, questões teóricas importantes persistem. Assim, além do fato de que o próprio atraso relativo é alguma coisa a ser explicada, restaria saber que tipo de condição toma possível a consolidação de um Estado forte, de que maneira as novas e as velhas elites logram estabelecer uma coalizão de poder, e que tipo de conexões existe entre o poder relativo do Estado e o autoritarismo.
Na tentativa de estimular a discussão das questões acima sugeridas, recapitulemos aqui alguns elementos comuns aos dois processos históricos que nos propomos a comparar. Em ambos os casos, o papel dos latifundiários foi decisivo no processo de centralização do poder. Na Prússia, e depois na Alemanha, embora variáveis político-militares intrínsecas ao cenário europeu estimulassem a consolidação de um Estado forte, foi o apoio dos junkers todo-poderosos que tornou possível esse fenômeno.33 Como tem sido amplamente ressaltado na literatura, a simbiose entre a aristocracia rural, uma casta de burocratas e a corporação militar constituía a base da concentração estatal de poder.34 No caso do Brasil, o papel das
elites agrárias foi bastante mais contraditório: defendendo a descentralização de poder sob o federalismo, elas paradoxalmente contribuíram para concentrar a autoridade pública. Na medida mesma em que estas elites lograram sucesso em diluir a fronteira entre as esferas pública e privada, elas contribuíram para a centralização de poder. Tanto política como economicamente, os fazendeiros atuaram de forma a conferir ao Estado o status de ator político privilegiado. Fortalecendo o Poder Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário, neutralizando a competição política, exigindo a intervenção constante do Estado na economia, a dominação oligárquico-rural abriu caminho para um Estado forte.
A coalizão entre a elite agrária e a industrial foi estimulada em ambos os casos comparados aqui por dois fatores básicos: em primeiro lugar, o sucesso comercial do latifúndio e a preservação de formas nãomercantis de trabalho no campo. Em segundo lugar, a consolidação de um Estado forte que patrocinou a coalizão de poder inter-setorial e manteve sob controle os interesses populares que poderiam ameaçar a aliança das elites. As conexões entre a centralização do poder e o autoritarismo aparecem implicitamente nesses dois aspectos. State-building sob a dominação oligárquico-rural estabeleceu as bases a partir das quais Vargas no Brasil e Bismarck na Alemanha extraíram recursos para implementar mudanças de cima para baixo. O fato de que em ambos os casos o crescimento do Esta-
33 Para uma análise detalhada da importância do fator militar na história política da Alemanha, veja-se Gordon A. Craig, The Politics of the Prussian Army, 1640·1945, Oxford, Oxford University Press, 1955.
34 Veja-se, por exemplo, Hans Rosenberg, Bureaucracy, Aristrocacy and Autocracy: The Prussian Experience, 1660·1815, Cambridge,Harvard University Press, 1958. Ou ainda Lysbeth W. Muncy, The Junker in the Prussian Administration under William lI, Providence, Brown University Press,1944.
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do tenha precedido a incorporação de interesses sociais múltiplos ao sistema tornou possível a ação paternalista do Estado enquanto estratégia de cooptação política_ Além disso, a própria manutenção da coalizão interelites dependia do autoritarismo do Estado como forma de manter as massas sob controle.
Embora as similaridades apontadas permitam-nos avançar as proposições genéricas sugeridas acima, o paralelo não pode ser levado longe demais. A modernização "pelo alto" que observamos nos dois casos tem lugar em contextos sociais diferentes. Sob a liderança de Bismarck, a Alemanha unificada tinha uma estrutura social consideravelmente mais complexa que o Brasil dos anos trinta. Apesar da importância persistente dos junkers, a estrutura agrária era muito mais diversificada que o mundo rural brasileiro. O mesmo argumento se aplica ao cenário urbano. A expansão da indústria pesada e o vulto dos empreendimentos financeiros dão testemunho de uma burguesia muito mais forte na Alemanha. Acrescentese a isso o fato de que o operariado alemão mobilizado constituía uma ameaça às elites estabelecidas que não encontra paralelo no cenário brasileiro. Finalmente,é importante lembrar que a posição da Alemanha no mercado internacional nunca se caracterizou pelo acentuado grau de dependência que marca o processo histórico brasileiro.
A evidenciação das diferenças em pauta sugere-nos a oportunidade de uma vez mais retomar criticamente às proposições teóricas de Barrington Moore. Na sua perspectiva, a via capitalista autoritária desemboca historicamente no fascismo e chega mesmo a se confundir com ele. Tal visão introduz um problema, qual seja o de tratar
o "fascismo" como um fenômeno de igual status teórico e/ou histórico que a democracia-liberal e o comunismo, que correspondem às demais variantes políticas de modernização discutidas pelo autor.
Conceitualmente, lembremos aqui que os regimes fascistas são uma das formas possíveis de sistemas políticos autoritários. Outras modalidades de dominação autoritária têm existido, como bem ilustram, por exemplo, as ditaduras modemizantes tão populares no terceiro mundo.3s Ao nível da história, faz-se mister lembrar que o fascismo não teve, felizmente, a mesma longevidade que as demais alternativas exploradas por Moore e nesse sentido não chega a caracterizar uma via política de modernização enquanto tal. Esses dois tipos de argumento sugerem-nos a conveniência d€ repensar teoricamente a questão da modernização conservadora. Tentativamente, sugerimos que o modelo da "revolução pelo alto" seja desvinculado dessa identificação "biológica" com o fascismo. Ao mesmo tempo, sugerimos que as peculiaridades do processo de state-building, no sentido discutido nas páginas anteriores, passem a constituir parte integrante do modelo. Isto é, propomos que o timing do crescimento do Estado relativamente à incorporação de interesses extralatifúndio à arena política seja incorporado como uma variável decisiva do modelo. Tal procedimento nos permitiria ainda, por acréscimo, relativizar sobremodo o peso conferido por Moore às características de personalidade da liderança autoritária. E nessa mesma medida, estaríamos mais aptos a vincular o problema da responsabilidade histórica dos atores políticos ao horizonte das práticas e ideologias de classes.
35 Veja-se Atílio A. Borón, "EI Fascismo como Categoria Histórica: En Torno ai Problema de las Dictaduras en America Latina", Revista Mexicana de Sociologia, Vol. 2, 1977, pp. 481-528.
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Acreditamos que as sugestões teóricas acima ajudam-nos a esclarecer as perspectivas políticas com que se defrontam nações ainda hesitantes entre vias políticas de desenvolvimento. E nesse sentido, a constatação inicial com que nos deparamos é, lamentavelmente, desalentadora: ela nos força reconhecer que prqvavelmente as "ditaduras modemizantes" do presente têm possibilidades de sobrevida histórica que não podem ser subestimadas. Enquanto as experiências autoritárias fascistas do passado constituíram uma ameaça efetiva ao mercado do mundo liberal e provocaram da mesma forma uma reação militar eficiente para destruí-las, o mesmo não ocorre em relação a outras formas de autoritarismo atualmente existentes. Assim, pode-se argumentar que as ditaduras do mundo subdesenvolvido, dado o caráter dependente de suas economias, têm condições de sobreviver politicamente ao permanecerem contidas regionalmente. Não constituindo uma ameaça expansionista, revolu-
ções conservadoras poderiam continuar contando com o apoio de sociedades pósindustriais.
A constatação acima não deve, porém, fomentar qualquer espécie de fatalismo, e há bons argumentos em favor dessa negativa: em primeiro lugar, lembremos que a dinâmica interna de uma sociedade tem importância decisiva e não pode ser reduzida a mero reflexo das determinações do mercado internacional. A própria discussão empreendida nesse trabalho ilustra a importância dos fatores internos a urna sociedade na conformação de seu perfil político. Finalmente, não nos esqueçamos que qualquer refinamento teórico que logremos atingir nos toma sempre mais aptos a elaborar estratégias de ação mais eficazes no combate a todas as forma de autoritarismo. E esse é um desafio que dá sentido à prática da ciência social.
(Recebido para publicação em abril de 1982)
ABSTRACT Agrarian Elites. State Building, and
Authoritarianism
The central theme of this pape r is the role of landed elites in the historical process of national state building. The theme is initially approached from a theoretical angle, discussing Barrington Moore's ideas concerning the rural world's role in the consolidation of a liberal-bourgeois path to modernity. Two new analytic dimensions are presented next in order to make Moore's modei more fruitful. The second part of the paper is devoted to a brief reinterpretation of the Brazi-
lian historical process from the abolition of slavery to the 1930 Revolution based on the theoretical propositions discussed earlier. Finally, the pape r presents a compara tive historical analysis indicating parallels and contrasts between the national experiences of Brazil and Germany. Comparative analysis is seen as a necessary means for the theoretical understanding of single natio-. nal processes as well as for the development of theory building.
RESUMÉ Élites Agraires, State-Building et
Autoritarisme
Le theme central de cet article est le rôle joué par les élites de propriétaires ruraux dans le
processus historique de construction des états nationaux. La premiere partie présente la discussion
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de ce theme au niveau théorique. Pour cela, l'auteur part de I'examen des propositions théoriques de Barrington MODre concernant les apports du monde rural à la consolidation de la voie libérale-bourgeoise de modernisation. Elle propose ensuite l'introduction de deux nouvelles dimensions d'analyse qui, selon elle, augmenteraient la fertilité du modele de Maore. La seconde partie de I'article est consacrée à une breve ré-interprétation, dans I'optique des propositions théoriques vues antérieurement, du processus histo,
rique brésilien durant la période qui va de l'abolition du travai! esclave jusqu'à la révolution de 1930. A la fin, I'auteur s'éfforce d'ébaucher une analyse historique comparée qui met en relief les paralleles et les contrastes entre I'expérience de l'Allernagne et celle du Brésil. Cette tentative de comparation, selon elle, doit servir, d'une part, à la compréhension théorique de processus singuliers et, d'autre part, à l'activité d'élabora· tion théorique elle-même.
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A TRAJETÓRIA DO PRAGMATISMO - UMA ANÁLISE DA POLíTICA EXTERNA BRASILEIRA
Mario Regina Soares de Limo Gerson Mouro
Já se consagrou no vocabulário político brasileiro a noção de pragmatismo para designar a política externa brasileira, especialmente a partir do governo Geisel (1974-78), quando o Itamarati tomou uma série de iniciativas políticas e econômicas no plano internacional que caracterizaram uma "nova fase" na política externa do país.
Este artigo pretende examinar o contexto em que se originou essa política, assim como alguns aspectos de sua aplicação, e finalmente as modificações mais significativas que ela vem sofrendo no governo Figueiredo. Alguns ângulos e elementos serão destacados para estudo, vale dizer, não estamos preocupados em fazer um inventário completo de todas as iniciativas e todas as relações que caracterizam o pragmatismo.
A escolha do período tem razões evidentes: embora alguns dos componentes da política externa brasileira atual possam ser detectadQs entre 1967-1974, o pragmatismo assumiu contornos mais concretos no Governo Geisel (1974-78), quando se for-
mulou mais claramente o seu conteúdo. De fato, análises acuradas dos governos anteriores (Costa e Silva e Médici) apontam o rompimento da poUtica de interdependência do governo Castelo Branco, que signifi-cou na prática um alinhamento quase-automático à política norte-americana. Mas a política exterior do governo Costa e Silva teria se caracterizado por um "terceiromundismo" difuso, enquanto no governo Médici as atitudes inovadoras pareciam vincular-se a um projeto de Brasil-Potência. I Das atitudes políticas de valor simbólico do período Médici até a diplomacia econômica que hoje predomina na atuação do Itamarati uma grande distância foi percorrida. Mas as formulações mais explícitas do que hoje chamamos de política pragmática foram elaboradas entre 1974-1978, na gestão do Chanceler Azeredo da Silveira. Depois de 1978, podem-se constatar mudarlças de ênfase, estilo e até mesmo de orientação, mas os componentes básicos do pragmatismo permaneceram os mesmos. Pretende-
Carlos Estevam Martins, "A Evolução da Política Externa Brasileira na Década 64/74", Estudos Cebrap, n.12, 1975, pp. 53-97 .
. dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, Vol. 25, n? 3,1982, pp. 349 a 363.