15. afecções do sistema locomotor
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CLÍNICA DE
RUMINANTES
AFECÇÕES DO SISTEMA LOCOMOTOR
Anatomia e Fisiologia do Casco
Fisiopatologia
O dígito do bovino consiste de um estojo córneo (epiderme) que envolve o cório (derme), tecido sensitivo que contém vasos e nervos e supre a camada germinativa da epiderme, o coxim palmar ou plantar (subcutâneo) e a falange, no caso especialmente a terceira falange ou falange distal e parte da segunda falange.
O estojo córneo é formado a partir dos estratos basal e espinhoso da epiderme. O período de diferenciação das células epidérmicas vivas é chamada de queratinização e a morte destas células durante a diferenciação final é denominada de cornificação. As células queratinizadas são semelhantes a “tijolos” e existe uma substância que atua como se fosse um “cimento”, o material de revestimento da membrana (MRM), formado por uma glicoproteína atuando como uma cola e lipídeos que agem regulando a hidratação do tecido córneo. Se o “tijolo” e o “cimento” são de boa qualidade a parede é boa, se não forem, a parede é de má qualidade, tornando-se quebradiça e sujeitando o tecido córneo a inúmeras doenças.
A qualidade do tecido córneo depende de fatores intrínsecos e extrínsecos. O principal fator intrínseco é a nutrição. Os sais minerais, energia, aminoácidos, vitaminas e ácidos graxos têm importância neste processo. Recentemente a biotina tem sido objeto de estudos por ser um importante fator na qualidade do casco. A acidose ruminal é outro fator nutricional importante por promover alterações circulatórias locais (laminite asséptica) que levam a uma anóxia ou hipóxia local com falta de nutrição do cório e inúmeras seqüelas (deformação ungular, úlcera de sola, doença da linha branca, etc.).
Os fatores extrínsecos mais importantes são a contaminação ambiental (lama, fezes e urina), a umidade, o piso (principalmente de concreto) e as vias internas da propriedade (cascalho).
Exame do Casco
Postura
O membro posterior suspenso com claudicação de apoio e mesmo impotência funcional é indicativo frequente de dor no casco
Tentativas de aliviar o peso dos posteriores
A cifose encontrada neste animal indica também uma postura antiálgica
A abdução, como neste caso, indica lesão das unhas laterais. A adução, por sua vez, indica lesão nas unhas mediais
Inspeção do Casco
Necessário para um bom exame a limpeza do casco com água e sabão
A inspeção pode revelar variados graus de deformação:
Unha em saca-rolha
Crescimento excessivo
Unha achinelada
Unha em tesoura
Unha em pinça
Exame da Quartela e da Muralha
A inspeção da quartela pode revelar:
Edema de coroa do casco
Dermatites
A inspeção da muralha pode revelar:
Fissuras
Exame do Espaço Interdigital
Necessidade de afastar as unhas para visualização:
Fístula interdigital
Hiperplasia interdigital (tiloma)
Exame da Sola
Inspeção
Provas de sensibilidade e motilidade das unhas
Flexão e extensão
Rotação
Pressão digital
Percussão da sola
Sensibilidade e descolamento
Pinça de casco
Dermatite Interdigital
SINONÍMIA Latim: Dermatitis interdigitalis Português: frieira Inglês: Interdigital dermatitis, scald Espanhol: dermatitis interdigital
DEFINIÇÃO Inflamação da epiderme interdigital de origem infecciosa, caracterizada por leve erosão, com localização mais freqüente entre os talões, podendo se estender até a parte anterior do espaço interdigital. A inflamação pode ter caráter agudo, subagudo ou crônico.
INCIDÊNCIA Pode ser alta em bovinos semiestabulados presos em correntes ou canzis por longos períodos e em bovinos criados em locais úmidos e com excesso de detritos. Na época de chuvas a incidência é mais alta, principalmente quando os animais ficam longos períodos em locais com excesso de lama, nos currais ou no acesso ao estábulo. Nos animais semiestabulados, os membros posteriores são mais atingidos, pelo contato prolongado com urina e fezes.
FATORES PREDISPONENTES A umidade e a falta de higiene são os principais fatores. O ambiente úmido e quente fragiliza a pele interdigital facilitando a penetração de bactérias. A superpopulação também predispõe pelo acúmulo de material orgânico com alta contaminação ambiental. Estábulos com teto baixo, em que não há penetração dos raios solares a incidência é mais alta. FATORES DETERMINANTES O Dichelobacter (Bacteroides) nodosus tem sido incriminado como o principal agente etiológico da dermatite interdigital. O Fusobacterium necrophorum está quase sempre presente, mas parece estar relacionado principalmente com o desenvolvimento da necrose, que muitas vezes complica o quadro. As espiroquetas são observadas tanto em animais doentes quanto sãos não se sabendo ainda qual a sua importância no aparecimento da dermatite interdigital, mas parece que facilita a penetração de certas bactérias na pele.
SINAIS FÍSICOS Inflamação úmida do espaço interdigital com pequenas erosões superficiais, muitas vezes com presença de crosta escura circundando a lesão. As complicações mais freqüentes são a miíase e a necrose, em menor grau o flegmão interdigital. Raramente há presença de claudicação. Nos casos mais complexos as complicações podem ser severas, tais como erosão de talão, supercrescimento do casco com presença de úlcera de sola. Quando houver casos crônicos com graves complicações é importante que se recorra ao casqueamento preventivo. O supercrescimento é resultado da lesão da epiderme com conseqüente ativação do cório, mecanismo semelhante ocorre em vacas com dermatite causada por febre aftosa.
TRATAMENTO Curetagem e colocação de antimicrobiano tópico com sulfato de cobre. Fazer bandagem em seguida, trocando-a a cada 5 a 7 dias, se houver necessidade. Nos casos brandos a passagem em pedilúvio com formol ou sulfato de cobre apresenta ótimos resultados principalmente quando existem vários animais doentes.
CONTROLE Manter as vias e estábulos limpos, sem lama e dejetos, procurando sempre manter os dígitos limpos. Casqueamento preventivo para evitar complicações e uso de pedilúvio.
TILOMA
Hiperplasia Interdigital
SINONÍMIA Português: Gabarro, limax, pododermatite vegetante, fibroma, tiloma ou granuloma interdigital. Inglês: Interdigital skin hyperplasia, corns, warts. Espanhol: Hiperplasia interdigital, callo, fibroma
DEFINIÇÃO É uma reação proliferativa da pele do espaço interdigital com crescimento de pequena tumoração.
INCIDÊNCIA É a doença digital mais freqüente em bovinos mestiços (Bos taurus x Bos indicus) criados em pastagens íngremes e secas. Ocorre geralmente em fêmeas com mais de três anos de idade. Atinge principalmente os membros posteriores, sendo bilateral em cerca de 12% dos casos.
FATORES PREDISPONENTES A predisposição hereditária parece existir somente numa pequena percentagem de casos, quando ocorre de forma bilateral. Os animais predispostos geralmente apresentam unhas abertas ("splay toes" em inglês, "Spreizklauen" em alemão) ou excesso de gordura interdigital, especialmente os animais da raça Gir e Indubrasil e seus mestiços. Casos adquiridos ocorrem em animais em pastagens íngremes, aonde o capim seco causa traumatismo crônico do espaço interdigital posterior, devido à abertura das unhas quando ele impulsiona o corpo durante a subida. O esterco seco também é um fator traumatizante. As fezes e urina causam irritação química.Infecção crônica pelo F. necrophorum também pode predispor à doença.
SINAIS FÍSICOS Na fase inicial, quando a hiperplasia é pequena, normalmente não há claudicação. À medida que a hiperplasia cresce poderá haver claudicação, principalmente pela presença de complicações que ocorrem em cerca de 50% dos casos. As principais complicações são a necrose da tumoração, as miíases e a deformação ungular, causada pela dor que o animal sente, principalmente nos casos crônicos, quando adota atitude alterada durante a marcha, sem que haja desgaste correto do casco.
TRATAMENTO Em primeiro lugar, deve-se proceder à correção do defeito ungular. Em seguida é feita a retirada cirúrgica da tumoração sem atingir a gordura interdigital, para que não haja o risco de contaminação (celulite). Todo o tecido córneo axial descolado e o cório necrosado devem ser retirados. Após a retirada aplicar antimicrobiano tópico com sulfato de cobre e colocar bandagem durante 5 dias. Se for necessário, deve-se colocar nova bandagem, principalmente nos casos complicados em que a recuperação é mais lenta. Deve-se tomar cuidado com miíases após a alta sem que haja completo restabelecimento do animal. Não é recomendado o uso de ferro quente para cauterização da ferida em gado de leite ou de melhor valor comercial, pois o índice de recidivas e complicações é alto, principalmente a formação de úlceras e erosões junto à coroa da muralha axial, de difícil cicatrização. A cauterização com ferro quente é recomendada somente nos casos de gado de corte ou de leite em pastagens extensivas em que o acompanhamento pós-operatório é difícil de ser realizado.
CONTROLE Utilização de linhagens não predispostas à hiperplasia interdigital, uso de pedilúvio para combater as infecções crônicas.
BROCA
Pododermatite Séptica
SINONÍMIA Latim: Pododermatitis septica Português: broca Inglês: sole abscess, traumatic injuries to the sole. Espanhol: pododermatitis septica
DEFINIÇÃO É a inflamação séptica difusa ou localizada do pododerma (cório).
INCIDÊNCIA A pododermatite séptica tem incidência alta em animais confinados e criados em baixadas úmidas. Vacas da raça holandesa são mais susceptíveis.
FATORES PREDISPONENTES Presença de umidade e a laminite asséptica tornam a sola plana e macia predispondo-a ao traumatismo causado pelo cascalho, vidro, pregos e pisos irregulares e quebrados, e aumentam o efeito de abrasão causado pelo cimento. Cimento muito áspero ou novo (muito alcalino) provocam abrasão exagerada do casco. Outras enfermidades do casco, como doença da linha branca, erosão de talão e pododermatite circunscrita podem evoluir para o quadro.
SINAIS FÍSICOS Os animais com pododermatite séptica geralmente sentem muita dor, estando correlacionada com a gravidade da lesão. A dor faz com que o animal não se alimente provocando rápida emaciação. Muitas vezes a sola apresenta um pequeno ponto de penetração e sobre ela há considerável necrose. Existem dois tipos de pododermatite séptica: a superficial com prognóstico favorável e a profunda com prognóstico reservado. Casos não tratados podem evoluir para artrite séptica interfalangeana, abscesso retroarticular, tendinite séptica, ruptura do tendão flexor, bursite séptica do sesamóide, osteomielite com necrose da terceira falange, flegmão generalizado dos tecidos moles e septicemia.
TRATAMENTO Há a necessidade da retirada cirúrgica, com a rineta ou bisturi de todo o tecido necrosado e do tecido córneo descolado do casco, usando-se como guia uma sonda metálica. Nos casos de lesões não muito profundas se utiliza antibacteriano tópico com sulfato de cobre e bandagem, substituindo-a a cada 5 a 7 dias até a alta que ocorre em cerca de três semanas. Nas pododermatites sépticas profundas ou com exposição da terceira falange não se deve colocar sulfato de cobre nos primeiros curativos até que o cório granule e comece a recobrir a borda da lesão, quando estão deve ser introduzido junto com o antibacteriano que já está sendo utilizado. O curativo e a troca de bandagem devem ser realizados a cada 5 dias levando em torno de sessenta dias para se ter alta. Nesses casos também é recomendável o uso de antibiótico parenteral.
CONTROLE Evitar que os animais fiquem muito tempo em locais úmidos, cascalho nas estradas internas das propriedades, pisos irregulares e a laminite asséptica.
Remoção do tecido necrosado
Colocação de gaze com sulfato de cobre e antimicrobiano (sulfa em pó ou nitrofurazona em pasta/líqüido).
Colocação de proteção de algodão para impedir que a bandagem garroteie e lese a coroa do casco.
Colocação de atadura
Aplicação do tamanco na sola sadia de forma a aliviar a pressão sobre a sola afetada.
LAMINITE
ETIOLOGIA
Causada pela degeneração das lâminas sensitivas do casco
Nos bovinos, as principais causas são predisposição hereditária e na sobrecarga por carboidratos
Em criações de bovinos leiteiros de alta produtividade, pode chegar a índices de prevalência próxima aos 80%
Há relatos da ocorrência condicionada pela hereditariedade de um gene recessivo autossômico em novilhas da raça Jersey
Touros jovens são muito suscetíveis
PATOGENIA
Formação de microtrombos no interior dos capilares das lâminas sensitivas do casco, com conseqüente isquemia embólica
Aumento da pressão capilar decorrente da
vasoconstrição, causando edema e aumento da pressão intersticial
A perda da conexão entre a terceira falange e o casco, possibilita a rotação da terceira falange dentro da cápsula do casco
A rotação da terceira falange promove grande pressão contra a sola, podendo, inclusive, romper a sola e “apontar” para o exterior
SINAIS CLÍNICOS
Doença aguda
Desenvolvimento rápido (horas) Dor aguda nos membros afetados Tentativas de aliviar a pressão nos membros afetados Anormalidades visíveis de marcha e postura, como
andar rígido e encurvamento dos jarretes
Laminite crônica em vacas adultas
Comum em novilhas recém-introduzidas em rebanhos de vacas lactantes ou secas
Estabulação e contato com o concreto, além dos confrontos com vacas líderes, predispõe a hemorragias sub-solares e inflamação das lâminas
TRATAMENTO
Remoção do agente etiológico ou tratamento da doença desencadeante
Alívio da dor
Prevenção da rotação da terceira falange
Bovinos
AINE
Flinixin Meglimine 1,1 – 2,2 mg/kg, IM, IV 24/24 h
Aspirina 0,3 g/kg, VO, 12/12 h
Melhoria das condições da cama ou estábulo Areia ou outra cama macia
Corrigir a causa primária Principalmente a sobrecarga por grãos
Feridas da sola com sangramento Iodo a 10% Substâncias cicatrizantes
CONTROLE
Introdução gradual às dietas ricas em carboidratos
Planejamento cuidadoso do estábulo, tornando-o mais confortável e menos prejudicial às patas dos animais