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Vícios Metodológicos Pedro Demo UnB, 2003 Aos poucos, está entrando em cena a convicção de que, para o aluno aprender de verdade, precisa pesquisar e elaborar com mão própria. A aula vai ocupando, devagar, seu lugar adequado de pano de fundo, expediente supletivo. Não vai desaparecer, até porque faz parte da vanglória do professor, mas não é imprescindível para a aprendizagem do aluno. Na maioria das vezes atrapalha, porque evita que o aluno construa seu processo de aprendizagem de dentro para fora, ou de modo autopoiético, como diriam Maturana e Varela (1994). Segundo esses autores (Maturana, 2001. Capra, 2002), todo ser vivo possui dinamismo autônomo de dentro para fora, de tal sorte que, ao relacionar-se com o mundo externo, o faz como observador sujeito, não como mero objeto de pressão externa. Não é a realidade que se impõe, mas é o sujeito que a reconstrói, orientado por dois fulcros mais decisivos: o evolucionário, responsável pelo desenvolvimento do equipamento cerebral e que permite a captação da realidade segundo a etapa evolucionária atingida; o cultural, responsável pelos modos históricos de lidar com a realidade, com realce para a linguagem. Maturana possivelmente exagera no “fechamento estrutural” do ser vivo, enquanto Varela (1997), apelando para o conceito de “enação”, equilibra melhor habilidades internas com pressões externas, embora predominem, ao final, habilidades internas reconstrutivas (Demo, 2000; 2002a). Aprendizagem é dinâmica reconstrutiva política (Demo, 2002), voltada para a forja do sujeito capaz de história própria. A marca mais altissonante do conhecimento é sua potencialidade disruptiva, através da qual o ser humano se rebela e confronta com todos os seus limites, transformando-os em desafios. Esta pretensão facilmente vira soberba incontida: quem sabe pensar geralmente não aprecia que outros também saibam pensar. O mesmo conhecimento que esclarece, ilumina, também imbeciliza, porque é parceiro da censura e do poder. Mas é, sem dúvida, a “vantagem comparativa” mais procurada e decisiva, ainda que esta expressão aponte em excesso para o mercado (Frigotto/Ciavatta, 2001). Conhecimento é tão importante que não pode ser apenas transmitido,

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Page 1: 1. VÍCIOS METODOLÓGICOS

Vícios Metodológicos

Pedro Demo

UnB, 2003

Aos poucos, está entrando em cena a convicção de que, para o aluno

aprender de verdade, precisa pesquisar e elaborar com mão própria. A aula

vai ocupando, devagar, seu lugar adequado de pano de fundo, expediente

supletivo. Não vai desaparecer, até porque faz parte da vanglória do

professor, mas não é imprescindível para a aprendizagem do aluno. Na

maioria das vezes atrapalha, porque evita que o aluno construa seu processo

de aprendizagem de dentro para fora, ou de modo autopoiético, como

diriam Maturana e Varela (1994). Segundo esses autores (Maturana, 2001.

Capra, 2002), todo ser vivo possui dinamismo autônomo de dentro para

fora, de tal sorte que, ao relacionar-se com o mundo externo, o faz como

observador sujeito, não como mero objeto de pressão externa. Não é a

realidade que se impõe, mas é o sujeito que a reconstrói, orientado por dois

fulcros mais decisivos: o evolucionário, responsável pelo desenvolvimento

do equipamento cerebral e que permite a captação da realidade segundo a

etapa evolucionária atingida; o cultural, responsável pelos modos históricos

de lidar com a realidade, com realce para a linguagem. Maturana

possivelmente exagera no “fechamento estrutural” do ser vivo, enquanto

Varela (1997), apelando para o conceito de “enação”, equilibra melhor

habilidades internas com pressões externas, embora predominem, ao final,

habilidades internas reconstrutivas (Demo, 2000; 2002a). Aprendizagem é

dinâmica reconstrutiva política (Demo, 2002), voltada para a forja do

sujeito capaz de história própria.

A marca mais altissonante do conhecimento é sua potencialidade

disruptiva, através da qual o ser humano se rebela e confronta com todos os

seus limites, transformando-os em desafios. Esta pretensão facilmente vira

soberba incontida: quem sabe pensar geralmente não aprecia que outros

também saibam pensar. O mesmo conhecimento que esclarece, ilumina,

também imbeciliza, porque é parceiro da censura e do poder. Mas é, sem

dúvida, a “vantagem comparativa” mais procurada e decisiva, ainda que esta

expressão aponte em excesso para o mercado (Frigotto/Ciavatta, 2001).

Conhecimento é tão importante que não pode ser apenas transmitido,

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copiado, reproduzido. Precisa ser feito. Os alunos carecem exercitar-se

obsessivamente na pesquisa e elaboração própria, como quer, por exemplo,

o programa de iniciação científica do CNPq (PIBIC) (Calazans, 1999).

Consegue aproveitar o curso de modo muito diferenciado o aluno que

pesquisa, não só porque aprende a “fazer” conhecimento, como

principalmente aprimora sua cidadania, ao constituir-se mais nitidamente

sujeito capaz de história própria. O signo maior do conhecimento e da

aprendizagem é a autonomia disruptiva.

Neste texto, procuro alinhavar alguns vícios metodológicos comuns nos

cursos, em particular quando os alunos são levados a produzir textos. Tem

por finalidade contribuir para os superar, na medida do possível.

I. Vícios mais comuns

1. É comum o estilo “considerações gerais”, um tipo de discurso que nem

começa, nem acaba, gira em torno de si mesmo, vai enrolando. Signo de

quem não domina o assunto, é usado para distrair (desfazer a atenção) o

leitor, iludindo-o com quantidade o que falta em qualidade. Em trabalho

que se quer “científico”, a noção de “considerações gerais” deveria ser

suprimida, porque é tipicamente “falta de noção”. Discursos perdidos, por

vezes também empolados, são expediente de tergiversação, já que, não

focando o problema adequadamente e em especial de maneira verticalizada,

cisca para lá e para cá, sempre na superfície e induzindo o leitor a enganar-

se com os rodeios. Alguns “políticos” são conhecidos por falarem muito para

não dizer nada, mas, por vezes, trata-se de estratégia ad hoc, no contexto

das disputas políticas. No contexto acadêmico, não haveria razão para

apelarmos para tal expediente, porque nosso negócio não é fugir do

problema, mas atacá-lo de frente e em profundidade. Exemplo supino desta

superficialidade é a célebre frase, quase fatal, ao começar o texto: “Falar

sobre tal assunto é tarefa muito difícil”. Pode-se tentar salvar este primeiro

passo com a desculpa de que o autor estaria “esquentando os motores”, mas

na prática é “enrolação”. Não faz qualquer falta. Inspira logo a desconfiança

de que o autor vai rodear o assunto, sem enfrentar.

Por vezes, termina-se o texto com algum capítulo sob a denominação

“considerações finais”, e que tem o mesmo problema metodológico. Quem

se confronta com profundidade e sistematicidade com um assunto, não faz

“considerações” finais, mas colheita líquida e certa da trajetória percorrida.

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“Considerações” é termo ambíguo, metodologicamente indefinido, amador.

Caberia no máximo em procedimentos não profissionais, no sentido frouxo

do discurso mole em torno de assunto que não se vai tratar a fundo. Como

regra, o que aí se faz é um percurso cumulativo disperso, repleto de alusões

em si cabíveis, mas não sistemáticas, quando não se contenta com simples

“enrolação”. “Encher lingüiça” não vale.

2. É comum a “introdução” que, além de não “introduzir”, perde-se na

quantidade, virando capítulo, sem ser. A noção é metodologicamente

válida, já que é próprio do bom pesquisador iniciar de maneira elegante seu

assunto, de sorte a levar o leitor a enfronhar-se progressivamente com os

procedimentos do texto. Não é boa tática começar abruptamente, em

particular quando a compreensão de alguma questão supõe a compreensão

prévia de outras questões, o que, aliás, é a regra metodológica. Contextuar o

trabalho é necessário, para que o leitor ou estudioso possam compreender

melhor o lugar e a perspectiva de quem propõe a análise. Entretanto, nem

sempre isto ocorre, muitas vezes porque colocaram na cabeça do aluno que

tudo precisa começar com “Adão e Eva”, dentro da regra epistemológica

óbvia: para compreender alguma coisa é mister recorrer a antecedentes

desta mesma compreensão. Este apelo hermenêutico é pertinente e, na

prática, salutar, porque engata o trabalho no fluxo possível de outros

trabalhos. Por exemplo, para estudar razões da política social que mais

atrapalha do que beneficia os pobres, não é necessário pesquisar como os

gregos antigos teriam procedido a respeito. Mas poderia ser pertinente

estudar até que ponto este disparate tem história recente ou mesmo mais

distante, desde que se possa argumentar em favor da propriedade desta

digressão. Como todo assunto puxa ou depende de outro assunto (círculo

hermenêutico da linguagem), é sempre possível aduzir que é preciso voltar

para trás na história, ou consultar mais um ou outro autor, recorrer a esta

ou àquela teoria. Por isso também é sempre complicado saber quando uma

tese termina, porque, a rigor, não termina. É viável apontar defeitos

indefinidamente ou pelo menos lacunas, e, nesta obsessão, não

encontraríamos termo final jamais. É preciso “dar conta” do tema, da

melhor maneira possível, mas dentro da relatividade metodológica

orientada pelas relevâncias assumidas no trabalho: é imprescindível fazer o

que parece relevante, deixando-se de lado o que já seria enfeite, conotação,

acessório.

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Vício comum é também a introdução esticada a ponto de tornar-se capítulo.

Vale isto igualmente para “conclusões” esticadas, perdidas em

“considerações gerais ou finais”, que nada finalizam. Metodologicamente

falando, uma introdução é composta de apenas três componentes

imprescindíveis: i) tema a ser tratado, diferente de “temática”; ii) hipótese

de trabalho: o que se quer enfrentar, resolver, aclarar, contestar; iii) partes

de que vai constar o texto. Isto pode caber em duas páginas, assim como

uma conclusão deveria caber em duas páginas, contendo apenas o “achado

crucial” do texto. Este tipo de arrumação sucinta possui, ademais, vantagem

notória: geralmente, os leitores, quando se defrontam com um trabalho

sistemático, tendem a ler a introdução e a conclusão. Se forem atraentes e

convincentes, o texto corre o risco de ser lido por inteiro. Mas se forem

insossas, perde-se a oportunidade de ser lido. Propósito da introdução,

assim, é claramente prender o leitor, chamar sua atenção, mostrar o quanto

é importante, pertinente, inspirada a proposta do texto, de tal sorte que,

lendo-a, tem idéia clara do que se trata, da promessa e do charme do autor,

da trajetória que vai ser percorrida, do cenário da argumentação

subseqüente. Cabe lembrar que não basta ser lógico, é preciso convencer,

sem vencer. Esta habilidade recebeu uma vez o nome de “retórica”, mal

afamada na boca dos “políticos”, mas importante no sentido de fazer do

texto peça elegante (Perelman/Olbrechts-Tyteca, 1996. Perelman, 1997).

3. É comum a falta de sistematicidade do texto, de sorte que o assunto vai e

volta, sobe e desce, e muitas vezes nem sai do lugar. As idéias não estão

articuladas, mesmo que por vezes não sejam contraditórias, procedendo-se

pela via da acumulação justaposta, não do conceito de texto: “tecido”. Este

vício é típico do “fichamento” de livro, quando o aluno coleta trechos aqui

e ali, em particular da “orelha” ou de extrato perdido encontrado ao acaso.

Não faz um texto, mas um amontoado de parágrafos. Este vício encontra

seu cúmulo no trabalho ao estilo da “tripa” – sem capítulos, partes

ordenadoras, conjuntos harmonizados seqüencialmente. Começa-se de

qualquer maneira e termina-se de qualquer maneira, de tal sorte que se

lêssemos de frente para trás ou de trás para frente ficamos enrolados na

mesma mesmice. Não se trata um tema sistemática e verticalmente, mas

passa-se por ele, mais ou menos ao léu, girando ao redor, ciscando em

qualquer direção, o que não permite chegar a algum lugar e colher

resultados bem argumentados. Há textos que contêm vários temas, bem

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como aqueles que parecem não ter tema nenhuma, porque nada

aprofundam. Diz-se, por vezes, de novos mandatários dos governos: quem

não tem idéias, muda as divisórias. Por falta de proposta articulada, faz-se

qualquer coisa, principalmente o que poderia impressionar aos incautos.

4. É comum o vício de trabalhar de modo disperso, atacando para todos os

lados. Para evitar este problema, propõe-se como regra, a formulação de

hipótese de trabalho tipicamente convergente, cujo sentido é orientar o

pesquisador a chegar a um lugar determinado. A própria hipótese de

trabalho pode ser vício, quando esconde sob seu rosto pretensamente

hipotético certezas prévias, quando tudo se ajeita para caber na hipótese à

revelia das teorias e mormente da realidade, quando se reduz

complexidades a procedimentos abusivamente simplificadores, quando se

prende a meras evidências empiristas. Mas, bem compreendida, é

expediente dos mais salutares para demarcar um lugar de trabalho e

pesquisa, em particular para sair da “temática” e selecionar um “tema”.

Temática é a floresta, enquanto tema é a árvore, de preferência uma árvore

do tamanho do aluno. A hipótese tem que se manter hipotética,

obviamente, é apenas direcionamento tentativo e sempre aberto. Mas tem a

vantagem de orientar para alguma direção, facilitando, por exemplo, saber o

que ler, que dados buscar ou fazer, que autores estudar, que teorias tratar.

Deve ser convergente, ou seja, levar para um lugar determinado, não

dispersante, porque a proliferação de temas, em especial desconexos, é vício

incontornável. É trágico descobrir, lá pela metade do tempo de trabalho,

que o tema não funciona, seja porque é grande demais, perdido demais,

difícil demais, desconhecido demais. Assim, a escolha de bom tema e

principalmente de hipótese certeira é a primeira arte do texto.

A hipótese levanta questões que o autor se propõe a tratar, antevendo

caminho possível. Este caminho pode mostrar-se, depois, inviável, mas já é

resultado pertinente em termos metodológicos. Tendemos, é claro, a

esperar que a promessa da hipótese se cumpra, para nosso gáudio em

especial, mas, mantendo-se hipotética, pode revelar o contrário, e isto

também pode ser bom resultado da pesquisa. Tem-se chamado, na

brincadeira, de quarta lei de Harvard a manobra de alunos que inventam

qualquer hipótese e mostram qualquer coisa, em particular a habilidade de

inventar dados a gosto, sob o aplauso das maiores sofisticações estatísticas

(Sokal/Abricmont, 1999). A criação de hipóteses inspiradas, inovadoras não

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surge por acaso. Depende de experiência com pesquisa, muita leitura e

conhecimento de autores e teorias, além de imaginação. Diz-se que o aluno

inexperiente, olhando o IBGE inteiro (instituição que produz dados

estatísticos oficiais), onde existe montanha infinita de números e tabelas,

não vê nada, enquanto um pesquisador experimentado consegue produzir

um livro com apenas um dado na mão.

5. É comum o vício de meter-se em encrenca desnecessária, quando, por

exemplo, em vez de dar conta de um abacaxi, assume-se uma roça de

abacaxi, ou quando se toca alguma teoria ou conceito complicados, restando

o débito de dar conta deles. É de boa inteligência assumir problemas dos

quais se possa dar conta, evitando outros. Muitas vezes, o aluno, por

qualquer razão, está fascinado por um tema, mas que, bem observado, é um

“tema da vida”, impossível de ser efetivado no contexto solicitado. A título

de exemplo, muitos ouvem falar de “representações sociais” e se encantam

com a idéia, que, aliás, é de fato encantadora. Não têm, contudo, noção dos

atropelos deste conceito e de suas teorias conflitantes, porque ecoam

referências epistemológicas (fundo de conhecimento nelas contido),

psicológicas (fundo de subjetividade envolvida), sociológicas (contexto

social de sua geração e cultivo), culturais (propriedade expressiva da

linguagem), antropológicas (propriedade de etnias e grupos humanos), etc.

Esta complexidade não impede que se saque daí um tema pertinente, mas

parece claro que coloca sobre o pesquisador tarefa de grande porte, em

geral inviável para o tempo previsto de trabalho. O autor precisa saber

evadir-se de problemas que não quer (pode) enfrentar, aludindo que, para

seu tema específico, seria aceitável não entrar no assunto ou emprestar-lhe

aprofundamento maior. Como todo assunto puxa outro assunto, é

importante saber “definir” (colocar limites) o tema, de tal sorte que não se

possam exigir tratamentos dispersos ou eventuais incontroláveis. Não cabe,

em tema científico, abordar certo assunto e deixar no ar. Teria sido melhor

não abordar, ou passar por ele de tal sorte que não se exija tratamento

aprofundado.

Tema de pesquisa não é “tema da vida”. Alguém pode ter como tema da

vida representações sociais. Mas no mestrado só poderá tratar alguma parte,

alguma dimensão, dentro da lógica do mestrado: precisa terminar em dois

anos, supondo tratamento metodológico e teórico com relativa autonomia

apenas. No doutorado espera-se autonomia teórica e metodológica, mas

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mesmo assim não cabe confundir tema do doutorado com tema da vida.

Convém não perder de vista que mestrado e doutorado são ritos de

iniciação fundamentalmente, exercícios orientados, ciência “oficial” e

paradigmática. É mais inteligente saber “livrar-se” deles, do que afogar-se

neles e, ao final, não os concluir.

6. Por fim, existe a “ordem do discurso” (Foucault, 2000). De um lado, estão

as formas do texto (como citar, fazer capítulos e partes, folha de rosto, etc.),

e que aqui não trato, por ser questão apenas circunstancial; estou mais

interessado no conteúdo, do que na roupagem – não adianta ordenar o

vazio. Mas é importante, em seu lugar devido. De outro lado, está o

ordenamento das idéias, tanto em seu sentido positivo (sistematicidade do

texto), quanto negativo, como aludia Foucault: toda teoria contém mais

ordem do que realidade, já que a realidade, sendo em grande parte

desordenada, não pode caber na ordem. Tratarei desta questão mais abaixo,

bastando aqui lembrar a necessidade de fazer texto com começo, meio e

fim, de tal sorte que as idéias fluam de modo sistemático, progressivo e

harmonioso. Idéias contraditórias não cabem, conceitos mal definidos,

teorias mal estudadas, autores apenas engolidos. Lê-se melhor texto bem

feito, até mesmo para criticar. O que está mal feito, além de ser pouco

inteligível, sequer merece crítica.

II. Vícios capitais

1. Trato de apenas dois vícios capitais, teórico e metodológico. Há nisto

enorme simplificação, mas a assumo por questão didática apenas. Este

problema pode já ser parte do vício teórico, quando aceitamos por real o

real simplificado. Entretanto, toda teoria simplifica, porque para explicar, é

mister simplificar, sem falar que nenhuma realidade, em sua complexidade,

pode caber numa única teoria.

2. Por vício teórico podemos entender vários níveis de problemas no texto,

que vão desde defeitos na argumentação, reducionismos teóricos,

teoricismo (perder-se no mundo da teoria), até falta de domínio teórico,

comprometendo a habilidade de argumentar:

a) sendo ciência a arte de argumentar, e, sendo argumentar

substancialmente questionar, é o que decide crucialmente a qualidade do

texto; argumentar significa, desde logo, fundamentar, construir alicerces

para o que se diz ou se rejeita, apoiar em razões bem arquitetadas; significa

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também contra-argumentar, no sentido de que crítica e autocrítica

implicam não só a mesma habilidade epistemológica, mas em especial o

mesmo direito; para se poder argumentar é mister ler muito e bem,

conhecer teorias, categorias e conceitos, dialogar com autores reconhecidos,

passar elegantemente pelas polêmicas mais importantes, sustentar posições

pela via da autoridade do argumento, não do argumento de autoridade;

argumentar é convencer sem vencer; não sabe argumentar quem coloca

idéias soltas, desconexas, ou chuta à vontade, confundindo opinião com

fundamento; argumentar não é atacar ofensivamente, derrubar as pessoas,

mas desconstruir outros argumentos, para os reconstruir em situação mais

fundamentada, e que, obviamente, podem ser desconstruídos também; daí

segue que o texto precisa ser cuidadoso, meticuloso, sistemático, colocando

as coisas no seu devido lugar; não cabe falar por falar, chutar à vontade,

supor, presumir, inventar; alguns usam o termo “amarrar teoricamente”,

para aludir ao desafio de que todas as partes precisam declamar o todo, sem

vazios comprometedores;

b) a qualidade teórica implica conhecimento de teorias e autores, não por

subserviência: na verdade, lemos um autor para nos tornarmos autor;

conhecimento que não instiga a autonomia, imbeciliza; este desafio implica

leitura sistemática e progressiva, pesquisa persistente, acompanhamento da

evolução científica em áreas selecionadas, atenção continuada e insistente;

não cabe saber pequenas doses de muitas teorias, todas superficiais, mas

aprofundar o que se precisa saber; a qualidade científica é vertical

(aprofundamento analítico), tipicamente, dentro da máxima metodológica

de que, na superfície, a realidade não se mostra a contento; vício comum é o

enfeite teórico, como é o caso de marxistas que não leram Marx a fundo,

mas gostam de alardear algumas frases; toda teoria importante detém

alguma proporção de sofisticação analítica, o que demanda esforço contínuo

e recorrente para transitar por ela com profundidade interpretativa; a

utilidade maior da base teórica está em reconstruir argumentos para que se

detenha poder “explicativo”, não apenas descritivo ou conotativo; embora

“explicar” seja termo muito forte, já que as teorias são apenas hipóteses

aproximativas e sempre abertas, é importante que se trate o objeto de

estudo de modo adequado, aduzindo razões, causas, condicionamentos,

relações dos fenômenos e dinâmicas;

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c) vício comum é acreditar que a teoria represente a realidade diretamente,

como se fosse cópia fidedigna; a teoria é um esforço reconstrutivo da

realidade, estando sempre eivada de conotações interpretativas que, pelo

menos até certo ponto, variam de pessoa para pessoa, mesmo estando muito

“treinadas” na lide científica; temos aqui problema dos mais complexos e

complicados: a ciência procede pela formalização analítica, ou seja, pinça na

realidade suas faces mais recorrentes e repetitivas, à busca de “leis” ou

“regularidades”; a ciência tem que ser “precisa”, mas tem pela frente o

desafio de captar uma realidade “imprecisa” (Moles, 1995. Prigogine, 1996);

faz parte do vezo científico, frente a uma realidade desconhecida, proceder,

geralmente, em três passos sucessivos: i) primeiro, busca no desconhecido o

que haveria de conhecido, familiar; ii) busca o que haveria de repetido,

recorrente; iii) não funcionando este ordenamento formal, impomos à

realidade alguma ordem e chamamos a isto de teoria1; isto significa que

procedemos pela via da padronização, entendendo melhor o que tem

comportamento regular; quando estudamos a dinâmica, procuramos nela o

que se repete, ou seja, o que não é dinâmico, introduzindo risco endêmico

de deturpação, ao reduzirmos as variações a procedimentos invariantes; em

parte, é sina normal, porque toda teoria, ao proceder formalmente,

seleciona o que mais facilmente se pode formalizar; torna-se vício, quando

se reduz apressada e acriticamente a complexidade da realidade a ossaturas

padronizadas; por isso, teorias não são feitas para serem veneradas,

acreditadas, engolidas, mas para serem discutidas e sempre refeitas; a

captação teórica da realidade implica naturalmente sua artificialização ou,

em parte, deturpação: como é modelo simplificado, formalizado da

realidade, pode conter não só estratagema válido de compreensão pela via

analítica, como igualmente deturpação, se for reducionista;

d) em qualquer texto, temos tentativa mais ou menos exitosa de dar conta

de um tema, no contexto tendencialmente limitado do tratamento

analítico; apreciamos mais estudar as partes, supondo que o todo seja apenas

o conjunto das partes, quando isto é enorme deturpação da realidade

1 Este procedimento característico do mundo da ciência não é o único, nem possivelmente o mais importante. Por exemplo, quando uma criança vai aos Estados Unidos e, brincando com coleguinhas, depois de 3 meses sabe falar inglês, ocorre um tipo de aprendizagem mais orgânica e complexa: a criança não estuda lógica, não decora vocábulos, não sabe gramática inglesa, e fala – quase sempre bem – inglês. Conhecimento e aprendizagem de teor lógico, recorrente representam um tipo, o mais usado pela ciência e que está na base das tecnologias, que, não por acaso, são lineares e nisto confiáveis (Demo, 2002a).

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complexa não linear; acrescem ainda vícios de falta de

interdisciplinaridade, ao tratarmos a realidade de ótica disciplinar; uma

interpretação sociológica, se for apenas sociológica, significa também um

apequenamento da realidade ao tamanho da sociologia, por mais que seja

inevitável, para imprimir aprofundamento adequado, tratar qualquer

assunto de modo “especializado”; temos aí disjuntiva complicada: não cabe

o “idiota especializado” que sabe tudo de nada, nem cabe o “especialista em

generalidades” que não sabe nada de tudo; um meio termo é combinar o

desafio vertical do conhecimento especializado com o desfio horizontal de

informação e leitura mais amplas; na prática, temos em qualquer texto

tratamento muito limitado e localizado de um tema formalizado;

e) em todo texto é preciso buscar alguma originalidade, pelo menos no

sentido da reconstrução com mão própria; não vale citar demais, esconder-

se atrás dos autores, apenas retratar teorias alheias; é preciso elaborar

posicionamentos próprios, sempre com apoio de teorias vigentes e

relevantes, exercitando a habilidade de argumentar e contra-argumentar;

embora muitos textos sejam apenas exercício acadêmico (trabalhos de

conclusão de curso, teses de mestrado e mesmo doutorado), é fundamental

procurar autoria própria, no sentido de arquitetar textos com perfil próprio;

signo essencial do conhecimento é a autonomia, que não pode ser completa

num ser marcado pela incompletude, mas pode ser sempre mais alargada;

por isso, quando se faz “revisão da literatura”, não basta retratar o que

dizem os autores, mas é mister discutir com eles, argumentar e contra-

argumentar; é preciso “contraler” (Demo, 1994);

f) o jogo teórico implica lógica; embora lógica seja exercício circular (daí

provém a “metanarrativa circular”) (Lyotard, 1989), é forma crucial do

trabalho científico, porque estabelece o sentido da coerência: as partes

devem estar concatenadas, com começo, meio e fim, as idéias precisam estar

articuladas, e o todo necessita apresentar tessitura globalizante; faz parte da

lógica definir bem conceitos e categorias, ainda que tais definições sejam no

fundo circulares (não é possível fazer uma definição que não contenha

termos ainda não definidos), em particular noções mais complexas e

polêmicas; não definimos tudo bem, porque um texto pode conter dezenas

de conceitos e, se fôssemos cercar a cada um deles, não sairíamos disso; mas

é preciso definir da melhor maneira possível o núcleo central de conceitos

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chave, para que não variem no texto, nem incidam em possível

contradições lógicas.

3. Por vício metodológico entendemos principalmente dois problemas:

deficiência na concepção epistemológica que não se alerta para a

necessidade de questionar o conhecimento científico; deficiência no

tratamento, produção e interpretação de dados. Aceita-se comumente que a

qualidade do texto está, em grande parte, na cautela epistemológica, através

da qual o autor se conscientiza de seu caminho científico, em particular de

suas deficiências e temeridades. Todos os grandes autores também foram

bons metodólogos, refletindo criticamente o modo como fazem ou faziam

ciência.

Quanto à deficiência epistemológica, cabe assinalar:

a) não é comum encontrarmos autores com consciência crítica e autocrítica

bem formulada em termos do caminho científico próprio; por isso, muitos

que se dizem dialéticos, se apertados, não saberiam definir qual seria sua

dialética, tendo em vista que existem dialéticas para todos os gostos; não se

trata de encontrar o “caminho correto” de fazer ciência, porque, perante

realidade complexa, a flexibilidade metodológica é imprescindível; fórmula

pronta é o que menos serve para captar realidade imprecisa e dinâmica;

trata-se de refletir com persistência e profundidade sobre as polêmicas

metodológicas, de tal sorte que a posição adotada tenha argumentação

mínima e que deverá manter-se aberta; não se busca o “ecleticismo”,

tipicamente relativista e que cai no vale-tudo; mas é válido o “ecletismo”,

ou seja, a noção de que é possível compor métodos, não pela via do

reducionismo, mas pelo respeito a uma realidade tão complexa, que não

cabe em nenhum método; as definições metodológicas serão preferenciais,

prioritárias, tendenciais, mas não exclusivas; “ser dialético” implica saber

definir de que dialética se trata e como o autor a reconstrói;

principalmente, é preciso continuar aprendendo, pois não é boa

metodologia aquela que nos encerra num cárcere de idéias;

b) a inocência metodológica é vício dos mais cruéis, porque não permite

erigir qualquer proposta mais sólida, imprimindo ao autor a pecha de

ecleticismo; não vale, porém, o oposto, como se houvesse metodologias

exclusivas e concluídas; é preciso saber garantir a razão pela qual o autor

considera seu texto digno de ser tomado como científico; significa dizer que

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todo autor precisa enfrentar o problema de sua demarcação científica,

mantendo-se permeável ao debate metodológico; a falta de densidade

epistemológica torna o texto um “texto qualquer”, já que está supondo o

que menos se pode supor: sua cientificidade.

Quanto à deficiência no plano dos dados, cabe assinalar:

a) procurando fugir à “ditadura do método” (Morin, 1995; 1996. Demo,

1999), é fundamental colocar a realidade acima do método; este é feito para

aquela, não o contrário; o reducionismo cientifico pode chegar ao extremo

de considerar real apenas o que cabe no método; isto se torna tanto mais

drástico, quanto mais se adota o empirismo positivista, através do qual só

vale o que for lógico-experimental; só vale o que pode ser mensurado,

reduzindo a intensidade dos fenômenos e dinâmicas a conotações

quantificáveis extensas; entretanto, não há dicotomia entre métodos

quantitativos e qualitativos (Demo, 2001): de toda dinâmica pode-se

ressaltar recorrências, assim como em toda quantidade há indícios

qualitativos;

b) há que fugir também da “demissão teórica”: dados empíricos são

construtos teóricos, não existem fora de contexto interpretativo; não são

evidentes em si, mas na trama teórica em que são colhidos; dados são meros

“indicadores” indiretos da realidade, não cabendo impor-lhes expectativas

de fundamentos inabaláveis, porque em todo dado há sempre muita

deturpação; estudos empiristas falam facilmente de “evidência empírica”,

esquecendo o envolvimento teórico na produção dos dados; mesmo assim,

convém muito produzir e usar dados em trabalhos científicos, para

emprestar caráter mais concreto e ilustrativo aos argumentos;

c) pesquisas qualitativas são preferíveis para assuntos qualitativos, sendo

recomendável que se mesclem procedimentos mais e menos quantitativos,

ou mais e menos qualitativos (Turato, 2003); a realidade é que deveria

“decidir”, não posicionamentos prévios; ao final, “decide” a habilidade

interpretativa do autor; abusos metodológicos existem em ambos os

campos: no campo quantitativo, abusa-se da empiria, ao tentar-se colocar o

dado como porta-voz da realidade; no campo qualitativo, abusa-se de

amostras muito pequenas e de deficiência formalizante; a boa

argumentação, de si, necessita tanto de aportes quantitativos, quanto

qualitativos.

Page 13: 1. VÍCIOS METODOLÓGICOS

Com isto, estou insinuando que a qualidade do texto científico exige bom

fundamento teórico e metodológico. De um lado, está o desafio da boa

teoria. De outro, o desafio da instrumentação para se fazer boa teoria.

Inocência teórica e metodológica é menos inocente do que incompetência

ou malandragem.

III. Formato sugestivo

Ao sugerir formato de trabalho, alerto que não pode ser visto como receita.

A criatividade, por definição, não é receita. É principalmente habilidade de

burlar receitas. Por exemplo, fui uma vez desafiado com a pergunta: se é

importante ser criativo, por que não se pode começar um trabalho com uma

vírgula? Dentro da praxe, seria absurdo, porque qualquer texto começa com

palavra ou título, não com vírgula. Entendo, porém, que um pesquisador

muito criativo poderia dar-se ao talante de começar o texto por uma

vírgula, desde que tivesse para tanto argumentos adequados. O problema é

de argumento, não de vírgula. Não recomendaria isto para principiantes, é

claro.

Tomando em conta o que se discutiu acima, diria que um texto científico

pode ser apresentado no seguinte formato sugestivo e flexível:

Parte I: Introdução

Contém, logicamente falando, três conteúdos:

a) tema do trabalho

b) hipótese de trabalho

c) descrição das partes de que consta o texto.

Nesta acepção, a introdução serve apenas para “introduzir” o texto. Não é

capítulo, nem “consideração geral”. Detém a promessa do texto, a proposta

do autor. Lendo a introdução, fica-se sabendo do que se trata no texto com

a melhor definição possível. Precisa ser breve.

Parte II: Teoria

Pode ser composta de vários capítulos e formula a plataforma explicativa do

autor. Passa pelas teorias, conceitos e categorias considerados estratégicos

para o tratamento do tema, realizando a habilidade “explicativa” do autor.

Inclui o que se chama “revisão bibliográfica”, embora esta expressão corra o

risco de apenas querer retratar de modo reducionista autores e teorias.

Page 14: 1. VÍCIOS METODOLÓGICOS

Trata-se, na verdade, de estudar a fundo a base teórica disponível, para que

seja possível reconstruir base teórica própria. Precisamos ir além de apenas

descrever, constatar, verificar, entrando no horizonte da argumentação,

fundamentação.

Parte III: Metodologia

Dois são os horizontes centrais da preocupação metodológica:

posicionamento epistemológico e tratamento de dados. Pode acolher vários

capítulos, incluindo necessariamente a razão que o autor tem para

pretender considerar seu texto como científico. Não pode supor

simplesmente, assim como não cabe apenas supor-se dialético, por exemplo,

porque é preciso discutir de que dialética se trata. Este é um dos aspectos

mais difíceis para alunos principiantes, porque é comum a falta de base

epistemológica, que, ademais, demanda leitura complexa. Inclui-se nesta

parte também o que nos cursos se chama de “métodos e técnicas”, estudo

destinado ao tratamento de dados empíricos (quantitativos ou qualitativos).

Por vezes, não se usam dados, quando o texto é teórico ou exercício teórico.

Outras vezes, há que se gerar dados próprios, para além dos dados

secundários (já existentes). É preciso justificar acuradamente os métodos

propostos de coleta e tratamento dos dados, a par da base interpretativa.

Mais que nunca, método não se supõe. É mister definir com a maior

precisão possível, ainda que sirvam para captar realidades imprecisas.

Parte IV: Análise

Podendo conter vários capítulos, a análise significa a “colheita” do percurso

anterior: tendo à mão um bom tema, uma boa hipótese de trabalho, uma

boa base teórica e metodológica, será possível realizar a promessa da

introdução. Pode-se dizer que a análise é a “realização da hipótese”. Se na

hipótese prometi mostrar, a título de exemplo, que política social é

impraticável no capitalismo periférico, trata-se agora de realizar esta

promessa. Posso manter, com argumentos adequados e dados pertinentes,

esta expectativa?

É a parte destinada à habilidade interpretativa, à medida que nela o autor

revela sua qualidade teórica e metodológica, fazendo teorias e dados

“falarem” pela boca de sua criatividade científica. Cabe agora averiguar se

foi possível dar conta do tema adequadamente, se as bases teórica e

metodológica são suficientes, se não persistem vazios e lacunas.

Page 15: 1. VÍCIOS METODOLÓGICOS

Parte V: Conclusão

Destina-se a dar conta do achado mais crucial do estudo. Precisa ser breve.

Existem trabalhos “bonitinhos”, mas “ordinários”, porque, embora estejam

bem arrumados, não possuem conteúdo apreciável. Existem trabalhos mal

arrumados e, ainda assim, inteligentes, porque mostram habilidade de saber

pensar. O saber pensar fica ainda melhor, quando, além de inteligente, for

bem arrumado. Existem trabalhos bem enfeitados, usando parafernália

digital, mas superficiais, sobretudo reprodutivos, já que na internet, facilmente, tudo se copia, nada se cria. Existem trabalhos dotados de efeitos

eletrônicos interessantes e também pertinentes, porque o autor soube dar o

devido lugar ao argumento e à roupagem do argumento. Existem trabalhos

curtos e densos, bem como longos e chochos. Existe quem fala demais e de

menos. O que vale mesmo é saber argumentar. A autoridade do argumento

é a única não autoritária. Merece respeito.

Page 16: 1. VÍCIOS METODOLÓGICOS

I. INTRODUÇÃO

a) tema b) hipótese de trabalho c) partes do texto

II. TEORIA Montagem da plataforma explicativa do texto

Autores, teorias, conceitos e categorias Habilidade de argumentação

III. METODOLOGIA a) base epistemológica (cientificidade do texto)

b) produção, tratamento e interpretação de dados

IV. ANÁLISE “colheita”

realização da hipótese

V. CONCLUSÃO achado crucial

Page 17: 1. VÍCIOS METODOLÓGICOS

Para concluir

Cabe ressaltar a face formativa da lide de pesquisa. Não está em jogo apenas

fazer ciência, mas constituir a cidadania capaz de se fundar em ciência e

imprimir ética à ciência. Sendo conhecimento e aprendizagem dimensões

das mais fundamentais do ser humano, porque é com ela que mudamos a

realidade e podemos nos mudar, cabe cuidar delas com esmero redobrado.

Esta perspectiva pode ser captada na idéia da autoridade do argumento,

oposta ao argumento de autoridade. Este age de fora para dentro, de cima

para baixo e espera submissão. Aquela age de dentro para fora, de maneira

autopoiética e pode convencer sem vencer. Aprender a argumentar é a

pedagogia mais profunda da vida do estudante, porque constitui-se, ao

mesmo tempo, pesquisador e cidadão. Enquanto constrói seu espaço e sua

chance científica, o estudante constrói principalmente sua autonomia,

como sujeito capaz de história própria. O mesmo conhecimento que

esclarece é o que também imbeciliza. Por isso, deve fazer parte do saber

pensar a ética. Conhecimento sem cidadania é apenas arma de guerra e

colonização (Demo, 2000. Harding, 1998).

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