1 baudelaire charles salao de 1859

Upload: fernando-stankuns

Post on 07-Jul-2015

690 views

Category:

Documents


1 download

DESCRIPTION

BAUDELAIRE, Charles. Salão de 1859: I. O artista moderno. / II. O público moderno e a fotografia. In: A modernidade de Baudelaire. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p. 59-74.

TRANSCRIPT

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    1/12

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    2/12

    a V V 1 o d e V ' V l i d a d e d e

    B a l J 1 e l a i r eT EX TO S IN ED IT OS S EL EC IO NA DO S P OR T EIX EIR A C OE LH OT r ad uc ;a o d e S u ely C as sa l

    ~PAZETERRA

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    3/12

    CDD. .09

    Sumtirio

    -op"righf byditorn Pt1.Z "Term, 1988

    CapoD p De ign

    sobr e 0.1

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    4/12

    sobrena tur ai que d:i a ada objeco um significadomais profundo, rnuis voluntario, mais despotico.Sern recor rer ao apia, quem naa viveu essas horasadmira vel. verdadeiras fe tas para 0 cerebra, emque as sen tid s rnais areritos percebern sen a~oesrnais vib rn nres, em que 0 ceu de urn azul rnaist ransparence se :tfund:l como urn abisrno mais in-inito em que as ons tilintam rnusicalrnenre, em'ue a core falarn e os perfumes e ocam rnundose ideias? Pais bern :l pint ura de Ddacroix me

    pare e .er a rradu ao desses beIos dias do espiriro,-Ia est; revesrida de inrensidade e sell esplendor

    e p rivile: ucla. Como a natureza percebida parnerve ul era- ensi vei el revela a sobrenatura-limo.

    Sali io de 1859 *1

    que repre enr: d Delacroix para a posteri-que d ira dele essa repa radora de erros?

    p rnro em que chegou em sua carreira, j:i e" a il . irrnar em enconrrar muitos contradito-r . Ia did - como nos - que ele foi umarombina a o uruca das facuJdades mais surpreen-erites ; ue ele reve, como Rembrandt, 0 sentidoa i r ic irn idr de e da rn: gia profunda; como Ru-

    ben e Lebrun, 0 e pi rito da si ntese e de decora-ao ' como \ erone e, a cor fee rica etc., mas quereve iaualrne nre uma qu al idade s ui g enc ri s inde-fin ivel e que define a parte mela ncolica e arden-re d e u lc, algo cornpleramenre novo, que fezele urn ar ti [a unico, sem pnternidade, sem pre-eden te, p rovavelrnen te scm sucesso r, urn elo doprecio c e in ubsrituivel que, suprimindo-o - seis 0 fos e po 5 1 vel -, ser i a suprimido urn mundod ideia e de sensacoes e se cr ia ria u rn a im en sala una n a cadeia histor ica.

    o A rtis ta M od erl1 o

    58

    Care sr. - - -, quando 0 sr. me deu a honrade solicitar-rnc a analise do Saldo, 0 sr. me disse:"Seja breve; ruio redija urn cad.logo, mas um apa-nhado geral, algo como 0 relato de um rapidopasse io f ilosof ico at r.av es dos q uadros" . M ui tobern, sarisfarei seu desejo; nao porque seu progra-rna concorde (0 que de faro ocorre) com minharnaneira de conceber esse genera de mercadoriatao fasridioso a que se d:i 0 nome de Sa lao , naoque esse merodo seja mais tacit do que 0 outro,pois a brevidade sempre exige mais esforcos doque a prolixidade; mas simplesmente porque, so-bretudo no caso presente, njio h:i outro metoda':. Canas ao diretor da Rrvist Francese; incluido j'II Curio-sites Eslhetiqlles.

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    5/12

    POSS! v e l . C e r t a m e n t e rneu c o n s c r a n g i m e n t o t e r i asido maior se eu me tivesse enconrrado perdidon.urna floresta de criginalidade, se 0tempera men-to frances moderno, subirarnerite mod ificado, pu-rificado e revigorado, tivesse dado flares tao vi-gor osas e de urn perfume tfio variado que tives-sem despertado su rpresa sir repress iveis, p rovoc a~do e1ogios nurnerosos e urna adrniracao loquaz, eex igido novas c ategorias da linguagem cri tica,Mas, felizmente (para mim) , nada disso ocorreu.Nenhuma explosao , nenhum genio deseonhecido.Os pensameritos sugeridos pela visita deste Salaosao de uma ordem tao simples, cao antiga, tiioclassica que scm duvida poucas paginas me ser aosu fi cien res para expo-los. Nio se surpreenda como fate de a banalidade no pintor ter suscitado 0lugor-comu m noescr itor. De resto, 0 sr. niio per-der a nada com isso ; pais existe (alegro-me aoconst atar que nesse ponto 0 sr. e de minha opi-ni ao) alga mais fascinarite, mais ferril e de umanatureza mais conc rerarnente estimulante do queo lugar-comum?

    Antes de corneca r, permita-rne exprimir urnpesar que, acredito, sera expresso 5 6 rar amente,Tmharn-nos anunciado que receber iarnos hospe-des, nao precisarnente hospedes desconhecidos, paisa exposiciio da avenida Montaigne ja apresentaraac publico parisiense alguns daqueles encantado-res ar tistas h oi muito tempo ignorados. Eu meregozijei ent ao ante a perspectiva de restabelecerconrarc com Leslie, 0 rico, ingenuo e nobre hu-mourist, lima das expressoes mais vigorosas do es-pi rite brit anico ; com as dois Hunt, naturalistaobstinado, urn, arderite e voluntario criador dopre- ra faelismo, 0 ou tro ; com Maclise, 0 audacio-so compositor, do impetuoso quanto seguro desi ; com Millais, poe ta tao mi nucioso : com J . Cha-

    lon, urn Lorrain rnesclado de Watteau, historiadordas magnificas fest as vespertinas nos grandes par-ques iralianos; com Grant, 0 herdeiro natural deReynolds; com Hook, que sabe inundar numaluz fee rica seus Sonhos Ve'l'tezianos; com 0 estra-nho Paton, que evcca Fuseli e tece com uma pa-ciencia de outras etas graciosos caos panteistas;com Cattermole, 0 aquarelista pintor de bistoria;e com esse outro, tao fascinante, cujo nome meescapa agora, urn arquiteto sonhador, que edificano papel cidades cujas pontes tern elefantes porpilares, e dao passagem entre suas numerosas pa-tas colossais a veleiros gigantescos de tres mastros,de velas desfraldadas. Preparou-se ate mesmo 0local para esses amigos da irnaginacao e da corsingular , para esses favoritos da rnusa extravagan-te, mas, infelizmente, por razoes que ignore -cujo esclarecimento nfio cabe a sua revista pu-blicar, acredito -, minha esperanca foi frustra-da. Assim, ardores tragicos, gesticulacoes a manei-ra de Kean e it Macready, intimas gentilezas donome, esplendores orientais refletidos no poeticoespelho do espir ito ingles, relvas escocesas, fresco-res rnagicos, profundidades fugidias das aquarelasgrandes como cenarios, ainda tao reduzidas, pelomenes desta vez, nfio vas contemplaremos. Repre-serirantes entusiastas da irnaginacao e das faculda-des rnais preciosas da alma, fostes entao rao malrecebidos da primeira vez e julgai-nos indignos decompreender-vos?

    Assim, caro sr.- - -, nos limitaremos forco-sarnente it Franca. E creia-me que teria urn imen-so prazer em assumir 0 tom Hrieo para falar dosar tistas de meu pais, mas, infelizmente, num es-pirito critico, por menos agucado que seja, 0 pa-triotismo nao desernpenha urn papel totalmentetidinico e ternos que fazer algumas confissoes hu-

    60 61

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    6/12

    milhantes. A primeira vez que pus os pes noSalao encontrei, ja na escada, urn de nossos cr i-tices mais considerados e sutis e, a primeira per-gunra - pergunta natural que the deveria endere-c;ar -, de respondeu: "Frace, mediocre; poucasvezes vi urn Sa lao tao macante". Ele estava certoe errado ao mesmo tempo. Uma exposicao quemostr a numerosas obras de Delacroix, de Pen-guilly, de Frcrnentin, njio pede ser macante, Mas,num exame de conjunto, vi que ele tinha razao.Que em codas as epocas a mediocridade tenha do-rninado, isso e indubicavel, mas que ela imperemais do que nunca, que ela se torne absolutamentetriunfanre e avassaladora, e algo tao verdadeiroquanta rncrtificante. Apos ter passeado meusolhos durante algum tempo sobre tantas mesrni-ces levadas a bom terrno, sabre tantas tolices rni-nuciosamente polidas, sobre tantas asneiras ou fal-idades habilmente construidas, fui levado natu-ralmente pelo curso de minhas reflexoes a consi-derar 0 art.ista no passado e a cornpara-Io cam 0a rrista no presenre. Depois 0 terri vel, 0 eternoporque se colocou, como de habito, ao fim dessasdesalentadoras reflexoes. Dir-se-ia que a mesqui-nhez, a puerilidade, a falta de curiosidade, a cal-ma insossa da fatuidade substitui ram a ardor, anobreza e a turbulenra ambicao, tanto nas belas-ar tes quanro na literatura; e que nada, por en-qu an to, nos perrnite esperar por floracoes espiri-tuais tao abundantes quanto as da Restauracao,E, acredire, n ao sou 0 unico atormentado poressas amargas reflex6es; provar-lhe-e! isso daquia pouco. Eu me dizia entao: outrora, quem era 0ar tist a (Lebrun ou David, por exemplo)? Le-bru n , crud ic; 0, imaginac ao, conhecimento dopassado, amor pelo grandioso. David, colosso in-juriado pelos pigmeus, nao era tambern 0 amor

    62

    pelo passado, 0 amor pelo grandiose unido a eru-di~ao? E hoje em dia, quem e 0 artista, esse irmaoan rigo do paeta? Para responder corretamente aessa questao, caro sr.- - -, nao e preciso temer serexcessivamente duro. Urn escandaloso favoritis-mo provaca algumas vezes uma rea~ao equiva-lenre. 0 artista, atualmente e ja ha varies anos,e _ apesar de sua falta de merito ._ uma simplescrianc z mimada. Quantas honrarias, quanto di-nheiro prodigalizado a homens sem alma e semcultural Certamente, nao sou part idario da intro-duc;ao numa arte de meios que lhe sejam estra-nhos. Contudo, para citar um exemplo, nao pos-so deixar de sentir simpatia por urn artista comoChenavard, sempre aprazivel, aprazivel como oslivros, e gracioso ate mesmo em seus efeitos pe-sades. Pelo menos com este (pouco me importaque ele seja 0 alvo das zombarias do pintor incipi- 'ente) renho certeza de poder falar de Virgilio ouPlatao. Preault tem urn dom encantador, e urngosto instintivo que 0 impele ao belo, como 0 ani-mal cacador se lanca a presa natural. Daumier edorado de urn born senso luminoso que coloretoda a sua conversacao. Ricard, apesar des 1 0 -reios e da rapidez de seu discurso, deixa incluir,a todo memento, que ele sabe muito e que fezmuitas comparacoes. E inutil, creio, falar da con-versacao de Eugene Delacroix, misto admiravelde solidez fi losofica, de leveza espiritual e de entu-siasmo ardente. Alern destes, nao me ocorre maisninguern que seja digno de conversar com umfi-losofo ou com um poeta. Fora desses, 0 sr. so en-ccritrara a crianca mimada. Suplico-lhe, rogo-lhe, diga-me em que salao, em que taverna, emque reuniao mundana ou intima 0 sr. ouviu umapalavra espirituosa pronunciada pela crianca m.i-mada, uma palavra profunda, brilhante, inrensa,

    63

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    7/12

    que fa!ja refletir ou sonhar, urna palavra sugestivaenfirn! Se urna tal palavra foi proferida,. t,alvez.na o tenha sido por urn politico ou urn f i losofo ,mas antes por algum hornem de profissao estra-nha, urn cacador, urn rnarinheiro, urn ~rnpalh~-dor; nunca par urn artista, par uma crtanca ms-mada,

    A crianca mimada herdou 0 privilegio, en-tao legi timo, de seus predecessores, 0 entusiasmocom que foram saud ados David, Guerin, Girodet,Gros, Delacroix, Bonington ainda ilumina comuma luz caridosa sua inexpressiva pessoa; e, en-quanto bons poetas e solidos his~oria~ores ganh~mlaboriosamente suas vidas, 0 financista aturdidopaga regiarnente as indecentes pequenas asneirasda crianca mimada. Observe bern que, se esse fa -vor se destinasse a homens merit6rios, nao mequeixaria. Nao sou dos que invejarn a fortunaamealhada por urna cantora au uma dancarina, noauge de sua arte, gr~c;as ~ urn I~b?r e a ~m peri~oquotidianos. Temeria carr no VICIOd? fmado G~-rardin de sofistica memoria, que criticava urn dia, . .Theophile Gautier por cobrar por s~a imagma-C;ao muito mais caro do que os servicos de ~msubprefeito. Se a sr. estiver bern lembrado, IS50aconteceu num daqueles dias nefasros em que 0publico, aterrado, ouviu-o ~al.ar latim; pecudes-que locute! Nao, nao sou mjusto a esse ponto,mas e born levan tar a voz e gritar basta para aestupidez conterrrporanea, quando, no mesrno m~-memo em que urn magnifico quadro de D~lacrolxdificilmente encontrava eomprador J?or ~Il r~n-cos, as figuras impercept iveis de Melsson~er atin-giam urn preco dez ou vinte vezes, supeno~. M~sesses gloriosos tempos passararn; cairnos mars bal-

    . d e 0 sr Meissonier que apesar de todos oso aln a,. , . .seus meriros comereu a infelicidade de introduzir64

    e popularizar 0 gosto pelo pequeno, e urn verda-deiro gigante comparado aos atuais fabricantesde ninharias,

    Descrediro da imaginac;ao, desprezo pelo ele-vado, amor (nao, essa palavra e bela demais);pratica exclusiva do oficio, a meu juizo sao estas,quanta ao artista, a!' raz6esprincipais de sua de-gradacao, Quanta mais se possui imaginacao, maise precise domiriar a ofieia para sustenta-la emsuas aventuras e superar as dificuldades que elabuses avidamente. E, quanto mais se dorninar 0proprio oficio, menos se deve exibi-lo e dele seprevslecer, para deixar a irnaginacao brilharcom:todo 0 seu esplendor. Eis 0 que diz a sabedoria,que acrescenta: aquele que so tern habilidade eurn animal, e a imaginacao que pretende dispen-sa-Ia e insana, Contudo, por mais simples quesejarn essas coisas, elas estao alem ou aquern doartista moderno. Uma filha de zelador diz a sirnesrna: "Irei ao Conservatorio, farei minha es-treia na Cornedie-F rancaise e declamarei os ver-sos de Corneille ate adquirir as mesmos direitosdos que as declamaram durante muito tempo".E e la fa z como disse. E la e classieamente mono-rona, muito classieamente enfadonha e ignorance,mas conseguiu 0 que era muito Heil, isto e , obterpela paciericia as privilegios de pertencer a socie-dade des a rtistas da Comedie-Fran.;aise. E -a cri-anca mimada, 6 pinror moderno diz para si mes-me: "0 que e a imagina~ao? Urn perigo e urnafadiga, 0 que e a leitura e a contempla~ao dopassadc? Tempo perdido. Serei classico, nao COmoBertin (pais 0 classico muda de lugar e de nome),mas Como ... Troyan, por exemplo ", E ele fazcomo disse. Pinta, pinta, e feeha sua alma, e con-tinua pinrando ace que finalmence se asserne1heJO artista da moda, e ate que, par sua sua burrice

    65

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    8/12

    e habilidade, mereca 0 sufr agio e 0 dinheiro dopublico. 0imitador do imitador encontra seusimitadores e cada urn persegue assim seu sonho degrandeza, fechando cada vez mais a alma, e so,-bretudo nao tendo nada , nem mesmo L e P ar fa ttCuisinner (0 Perje i to Cozinbeiroi , que, no en-tanto, the teria possibilitado uma carreira menoslucrativa, porern mais gloriosa. Quando ele do-mina bern a arte dos rnolhos, das patinas, dos ver-nizes, das veladuras, das preparacoes, dos enso-pados (estou falando de pintura), a crianca mi-m ad a assume atirudes arrogantes e repete para simesrna, com mais conviccao do que nunca, quetodo a resto e inutil.

    Cerra vez urn campones alernao foi procurarurn pintor e lhe disse: "Mestre, quero que 0 senhorfaca meu retrato, 0r. me representara sentado,na entrada principal de rninha propriedade, nagrande poltrona que herdei de meu pai. A meulado, 0 sr. pintara minha mulher com sua roca;atr as de nos, indo e vindo, minhas filhas, quepreparam nossa ceia familiar. Pela grande alame-da a esquerda apontam alguns de me us filhos quevoltam do campo, apos terern reconduzido 0 gadaao esrabulo: os outros, com meus netos, trazern ascarrocas cheias de feno. Enquanro contemplo esseespet aculo, nao esqueca, por favor, as bafora~asde rneu cachimbo, que sao mattzadas pelo por-do-sol. Quero tarnbem que s~ ?Uf~~ as sons, d?Angelus que soa no carnpanano :lZlUh~ .. FO l la

    e rodos nos nos casamos, pais e filhos. E impor-qu d ' f - .tante que 0 sr. pinte 0 a r e s a t is a ca o que sintonesse momento do dia, contemplando ao mesmotempo minha familia e minha riqueza, acrescidapelo labor de uma jornada!"

    Viva esse carnpones! Sem se dar conta, elecompreendia a pintura, 0 amor pelo seu traba-

    "

    lho elevara sua imaginar i io . Quem, entre os nos-sos artistas da moda, seria digno de executar esseretrato e cuja imaginacao se pode comparar aaltura daquela?

    IIo Publico M oderno e a Fo togra fia

    Caro sr.- - -, se tivesse tempo para diverti-lo,eu 0 conseguiria facilmente folheando a catalogoe fazendo uma selecao de todos os titulosridiculos e de todos os assuntos risiveis que am-bicionam chamar atencao, Tal e 0 espirito fran-ces. Procurar surpreender mediante elementos desurpresa estranhos a arte em questjio e 0 granderecurso dos que nao sao pintores por natureza.Algumas vezes ate, sernpre na Franca, esse viciose apodera de homens nao desprovidos de talentoe que assim 0 desonram por uma mistura adul-tera. Poderia fazer desfilar diante de seus olhosa titulo comico a maneira dos operetistas, 0 titulosentimental a que so falta 0 ponto de exclamacao,o titulo trocadilho, 0 titulo profundo e filosofico,o titulo enganador ou 0 titulo armadilha, do tipo"Brute, solte Cesar!" "6 raca incredula e depra-vada!, diz Nosso Senhor, ate quando ficarei con-vosco? Ate quando deverei sofrer?" Com efei to,esta raca, artistas e publico, tern tao pouca fe napintura que procura continuamente disfarca-Ia eenvclve-la, como urn remedio desagradavel emcapsulas de acucar, E que acucar, Santo Deus!Quero chamar-Ihe a atencao para dois titulos dequadros que, alias, nao vi: Amour et Gibelotte(Arnor e Guisado) ! Como a curiosidade fica ime-diatamente agucada, nao e ? Procuro combinar in-

    67

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    9/12

    tirnarnenre e a dua ideias, a ideia de arnor e aideia de urn oelho de pelado e preparado emuisado. Na verdade nilo posse supor que a ima-gina a o do pinror renh: chegado ao ponte dedaprs r urna aljava de era' :1 as e uma vendaobre 0 ad a ver de ur n animal dome ri OJ a ale-ona er ia realrnente rrnnro ob ura. OU mais in-lina a pen sar que ri tulo foi c mp StO deord am a re eita de Misul l ibropi e e t R ep en urM is ntr op ia Arrepen IImel l lo). verdade i r o

    r irulo eria, p rrant : P s soa ApaixOJladas ru _nc 110 1/ 111 Gui do . e la ao jo en o u velha ,urn oped rio urna lcvian: ou urn invalido e umav g, bund b urn ararnan ha poeirento? e-r ia n e. ario ter vi to a quadro: MOllo rcbiqu (',a t bo liqne e t o ld a l (Mollarqllico, Cato l i co I'old do ! Ei urn r icul de genera nobre, palo-ina : l iinrrair d e Par i a [er alem (Ro tc iro d~'

    Paris a [rru. a/em) (perdao, hateaubriand, ai 01, i nobre podem e tamar rneio de cari-n tura e a palavras poli tica de urn imperador,perardo de um bcrr a-rinra ). E se quadro s o po-

    nrar uma per nagem que faz tres coisaso me m iem po : luta, omunga e presencia ade per tar matinal de Lui XIV. Talvez seja urn

    e r reiro raruado de flo r e -d e -lis e de imagensvoras. Ifa p r que di agar? Digamos simples-

    mente que urn meio, perfido e esreril, de cau-l' urpr a. 0 que ha de rn s i deploravel e que

    o qu dr por mai ingular que isso pos a pare-r, ra l ez seja bom. 0 rnesrno vale para Amor eGui ado, Nao obser ei urn pequeno grupo de es-u)cura excelente de que, infelizmente, niio ano-rar a 0 nurnero, e, quando quis me inte i ra r do terna,reli 0 catalo 0 quaere vezes, scm result ado? Fi-nalmenre c sr. me esclareceu arnavelmente que seintirulava Touiours et [amais (Sem tne e Ntinca) .

    68

    Eu me senti sincerarnente rnortificado ao ver queum homem de autentico talento cultivava inutil-mente a charada.

    Peco-lhe desculpas por ter-rne divertido al-guns instances a rnaneira dos folhetins. Mas, pormais fri vola que lhe pareca a materia, no entanto,o sr. nela encontrara, ao exarnina-la bern, urnsiritoma deploravel, Para me resurnir de uma ma-neira paradoxal, perguntaria ao sr., e a alguns derneus amigos mais versados do que eu na historiada arte, se 0 gosto pela idiotia e pelo espirituoso(que sao a mesma coisa) sernpre existiu, seA jJ pa 'r l m en t a Lauer ( Alu ga -5 e A pa rt am e nt o)e outras concepcoes alambicadas apareceram emtodas as epocas para despertar 0 mesmo entusias-010 se a Veneza de Veronese e de Bassano foimo~tificada pOI' esses logogrifos, seos olhos deJules Romain, de Michelangelo, de Bandinelli, fo-ram afligidos par semelhantes monstruosidades;pergunto, em urna palavra, se Biard e eterno eonipresente como Deus. Nao acredito e considerocsses horrores como uma graca especial atribuidaa raca francesa. Que seus artistas the inoculemesse gosto, isto e verdade; que ela exija deles asatisfa~ao dessa necessidade, isto nao e menos ver-dade; pois, se 0 arrista ernburrece 0 publico, esteIhe paga na rnesma moeda. Sao dois termos corre-lativos que agem urn sabre 0 outro com igual in-tensidade. Pode-se ver igualmente com que rapi-dez nos enfronharnos na via do progresso (enten-do per progresso a dominacao progressiva da rna-ter ia ) e que difusao maravilhosa se faz todos osdias da habilidade cornum, aquela que se pode ad-quirir pela paciencia,

    Na Franca, 0 pintor natural, como 0 poetanatural, e quase urn monstro. 0 gosto exclusivepelo Verdadeiro (tao nobre quando limitado a

    69

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    10/12

    70

    priado it sua natureza, isso e evidence, Em mate-ria de pintura e de escultura, a cr edo atual daspessoas da alta sociedade, sobretudo na Franca (enao creio que alguern ousara afirmar 0 contra-rio), e este: "Creio na natureza, e apenas na na-t urez a (ha boas ra zoes para isso}, Creio que aarte e e nao pode ser senao a reproducao exata danatureza (uma seita tirnida e dissidente quer queos obi etas repugnantes sejarn afastados, como, parexemplo, urn urinol au urn esqueleto ) . Assim, 0engenho que nos desse urn resultado identico anatu reza seria a arte absoluta". Vm Deus vinga-dar atendeu as pedidos dessa multidao, Daguerrefoi seu messias. E errtao ela diz para si mesma:"J a que a fotografia nos da codas as garantiasdese j a veis de exa tid ao (des ac redi tam nisso, asinsensatos ) , a arte e a fotografia". A partir des-se momenta, a sociedade imunda precipitou-se,como urn unico Narciso, para contemplar sua tri-vial imagem sobre 0 metal. Uma loucura, urnfanatismo extraordinario apoderou-se de todosesses novos adoradores do sol. Estranhas abomina-coes surgiram. Associando e agrupando as gaiatose as gaiatas, ataviados como os acougueiros e aslavadeiras no carnaval, rogando a esses her6is paraque prolcngassern, peIo tempo necessaria a ope-racao, seu esgar de circunstiincia, vangloriava-sede se produzir as cenas, tragicas au graciosas, dahistoria antiga. Algum escritor democrata devetel' vista ai 0 meio barato de disseminar entre 0povo a aversao pela historia e pela pintura, come-tendo assim urn duplo sacrilegio, insultando aomesmo tempo a divina pintura e a arte sublimedo ator, Pouco tempo depois, milhares de olhosavidos curvaram-se sobre as orificios do estereos-copic como sobre lucarnas do infinite. 0 amorpela obscenidade - cao vivo no coracao original

    su as verd adeiras aplicacoes) reprime e sufoca arnor pelo bela. Onde ser i a necessaria ver raO-SO-mente c bela (imagine um belo quadro, e pode-sefacilrnenre adivinhar aquele que tenho em men-te) , nosso publico busca apenas a Verdadeiro, Elen io e ar tista, ar tista par natureza; talvez filoso-fo, moralist a, engenheiro, apreciador de anedotasinsrr utivas, tudo 0 que se quiser, mas espontanea-mente a rtisra jamais, Ele serite, ou melhor, elejulga sucessiva e analiticamerire. Outros povos,mais favorecidos, sentern de imediato, simulrd-neae 5111 te ncamen te.

    Eu fa lava h;i pouco dos artistas que pro-curarn surpreender a publico. 0desejo de surpre-ender e de ser surpreendido e muito legi timo. Iti s n h ,t pp in t' ss to wonder) < Ie urna felicidade mara-viihar-se"; mas tambern it is a happiness todream, "e uma felicidade sonhar", Toda a ques-do, se 0 sr. exige que eu Ihe atribua 0 titulo dearrista au de amador de ar te, e saber medianteque procedimentos se quer criar au sentir a per-plexidade. Como 0 bela s em p re e surpreendente,seria absurdo supor que 0 quee surpreendente ese nrpr be l o . Ora, n05SO publico, que e singular-mente incapaz de sentir a felicidade da fantasia auda perplexidade (sinal das alrnas mesquinhas) ,quer ser su rpreendido per rneios estranhos a arte, eseus ar tisras obedientes ccnforrnam-se a esse gosto;eles querem impressiona-lo, surpreende-Io, dei-xa-Io estupefato at rav es de estratagernas indignos,porque sabem que ele e incapaz de se ex t asiar di-ante da tarica natural da ar te verdadeira.

    Nesres tempos deplor aveis, surgiu. uma novaind ust rra, que mui to con tribuiu para can firrnara whee na sua fe e para destruir 0 que podiarestar de divino no esp iito frances. Essa multidsoid6latra postulava urn ideal digno de si e apro-

    71

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    11/12

    do hem rn quanta a arnor por si mesrno - naodeixou es ap:n urna ta o bela oca ia o para regular-se. que n:1o'e diga que sornenre a riancas,v ltnndo da sc h. se diverriam com essa tolices;I. e rr.m forrnaram ria mania de rodo rnundo.uvi lim. bel. senhora - urna senhora da alta

    sc ied: de e n a da rninha - responder a quem[he Ult3\'3 dis rerarnenre tai imngens, encarre-

    -- 3 im de rer pudor p r ela : "De-me ou-e ra : h:i. n ada f rte derna is para mim " ] ur oque OU\'I I 0, rna quem me acreditara? "Vernosbern que sa rande enhorus!", d iz A l exand reDuma ," a urn maiores a ind. l ", acr cent:"!320[[(',

    omo a indu rna forogr ifica era 0 refugiode redo c f racassados. sern ralen to ouernasrr os P:H. on lui rem ell e-bo 0 , a rnaru: letiva possuin nao s cant-

    ter da egueira e dn irnbe ilidade, mas as umiacambern 0 go rc de uma vin 'an a, ,10 ncredito,au polo mcno n ao quero ac redi tar , que urna cons-pjr a a r a esrupida em que, como em coda asurra . en nrr arn mau e 0 orarios p 5S:!ter u e 0 de rnaneir a rao cabal: mas estou con-ven ido de que 0 pro re so mal aplicados da fo-

    ra fia ntr ibu ir arn la tante, como alias todor e pu ra rne nre rn te r i a l, P:J.I':J .0 ernpobre-

    ern arr ir ico frances ja cao raro.P r m.ri que a Fa ru idade moderna enrubesca ,JCC re r d 0 borborigrno de sua relics perso-n:llida e v mite r d 0 ofi mas indigestos comqu urn: files fia re enre a enrupiu a re a goela,e evidence ue irrompend nz ar te, a industriatorr - e u a inirniga 111::t!S rncr ta] e que a confu--0 das fun Des nfi o perrnire que nerihurna delaseja bern desempenhada. A poes.a e 0 progressoao doi mbicio 0 que se dctestam COm urn odio

    instintivo e, quando se cruzam no mesmo cami-nho, e preciso que urn se submeta ao outro. Sese perrnitir que a fotografia substitua a arte emalgumas de suas funcoes, em breve ela a suplantad- ou a corrornpera - compleramente, gra~as aalianca natural que encontrara na estupidez damulrid ao. E necessario, porranto, que ela se limi-te a seu verdadeiro dever, que e de ser a servadas ciencias e das artes, mas a hurnilirna serva,como a imprensa e a estenografia, que njio cria-ram nern substitui ram a literatura. Que enrique-;1 rapidarnente 0 album do viajanre ~ restitua aseus olhos a precisao que faltaria a sua memoria,que enfeite a biblioteca do naturalisra, amplie osilnirnais microscopicos, ate fortaleca com algumasin orrnacoes as hipoteses do astronorno, que seja,enfirn, a secret.aria e 0 bloco de notas dt' querrquer que nece site de uma absoluta exatidao ma-terial em sua profissao, ate ai nenhurna objecao,Que salve do esq uecimento as [Ulnas pendentes,cs l ivros, :IS estarnpas e os manuscritos que a tem-po devorn, as co i sas preciosa cuja forma vai desa-pu r e c e r e que exigern urn lugar nos arquivos denossa mernoria, se lhe agradecera e aplaudir a, Masse the for perrnicido invadir 0 campo do impal-pav e ! e do imagina ric, aqul: que vale sornentepcrque 0 hom em at acrescent.: alga da propriaalma, ent.ao, pobres de nos!

    Sei perfeitarnente 'que varias pessoas me di-rfio : "A doenca que voce acaba de descrever eados imbecis. Que hornern digno do nome deartista, e que amador verdadeiro ji confundiu aarre Com a indu tria?" E verdade, e no eritanroeu lhes perguntarei, per minha vez, se des acre-ditam no cent agio do bern e do mal, na acao dasmultid6es sobre os indiv iduos e na obediencin in-volunraria, forcada, do individuo a rnultidao.

  • 5/9/2018 1 BAUDELAIRE Charles Salao de 1859

    12/12

    74

    te me satisfaz, A natureza e feita, e prefiro osmonstros de minha fantasia a trivialidade concre-ta", Contudo, teria sido mais filosofico perguntaraos doutrinarios em questao, inicialmente, se es-tao convencidos da existencia da natureza exter-na au, se essa questao lhes tivesse parecido bern-feita demais para lhes acender a causticidade, seestao de fato certos de conhecer toda a natureza,

    Itudo 0 que esta contido na natureza. Urn simteria sido a rna is fanfarrona e a mais extravagantedas respostas. Tanto quanta pude compreenderessas singulares e avilrantes divagacoes, a teoriaqueria dizer, concedo-lhe a honra de crer queela queria dizer: 0 artista, 0 verdadeiro poeta, sodeve pintar 0 que ve e 0 que sente". Ele deve serrealmente fiel a propria natureza. Deve evitar,como a morte, pedir emprestado os olhos e ossentimentos de urn outro homem, por maior queeste seja; pais entjio as producoes que ele nos da-ria seriam, no que lhe concernem, mentiras e njioreal idades . Ora, se os pedantes de que falo (ha pe-dantismo mesmo na baixeza), que tern represen-tantes em toda a parte - ja que essa teoria lisen-jeia igualmente a incapacidade e a preguica -,nao quisessem que a coisa fosse compreendida as-sim, acreditamos simplesmente que eles queriamdizer: "Nao temos imaginacao e decretamos queninguem podera te-Ia".

    Que misteriosa faculdade e est a rainha dasfaculdades! Ela alcanca todas as outras; excita-see envia-as ao combate, As vezes se assemelha aoutr as a ponto de confundir-se com e1as, e noentanto ela e sempre ela mesma, e os homens quenao provoca sao facilmente reconhed veis par naosei que rnaldicao que seca suas producoes como afigueira do Evangelho,

    Que 0 artista aja sobre 0 publico, e que 0 publicoreaja ao artista, e uma lei incontestavel e inelu-dvel; alias, os fates - terriveis testemunhas -sac Hceis de ser esrudados: podernos constatarc desastre. Dia a dia a arte diminui 0 respeitoper si mesma, prosterna-se diante da realidadeexterior, e 0 pintor torna-se cada vez mais incli-nado a pintar nao 0 que sonha, mas 0 que ve.No entan to, e U 1 1 1 a [elicidade sonbar, e era umagloria exprimir 0 que se sonhava; mas que estoudizendo; ele ainda experimenta essa felicidade?o observador de boa-fe afirmara que a inva-sao da fotografia e a grande loucura industrialsao completamente alheias a esse result ado deplo-ravel? Nao sera perrnitido pensar que urn povocujos oIhos se acostumam a considerar os resul-tados de uma ciencia material como os produtosdo belc nao diminuiu singularrnente, ao cabo deurn certo tempo, a faculdade de julgar e de sentiro que ha de mais etereo e de mais imaterial?

    IIIA Rainha das F a c u l d a d e s

    N estes ultimos tempos ouvimos afirmar demil maneiras diferentes: "Copie a natureza, co-pie apenas a natureza. Nao ha maior prazer nernmais belo triunfo do que uma excelente copia danatureza", E essa doutrina, inimiga da arte, pre-tendia ser aplicada nao somente it pintura, mas atodas as artes, inclusive ao romance e a poesia, Aesses dout rinarios tao satisfeitos com a naturezaurn homem imaginativo teria certamente 0 direi-to de responder: "Acho inutil e fastidioso repre-sentar aquilo que e , porque nada daquilo que exis-

    75