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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF
ACESSO À JUSTIÇA
DANIELA MARQUES DE MORAES
FERNANDA HOLANDA DE VASCONCELOS BRANDÃO
Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
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A174Acesso a justiça [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Daniela Marques De Moraes, Fernanda Holanda de Vasconcelos Brandão – Florianópolis:
CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia
ISBN: 978-85-5505-397-9Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Desigualdade e Desenvolvimento: O papel do Direito nas Políticas Públicas
CDU: 34
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Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Assistência. 3. Negócio Jurídico.
XXVI Encontro Nacional do CONPEDI (26. : 2017 : Brasília, DF).
XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF
ACESSO À JUSTIÇA
Apresentação
O XXVI Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito
(CONPEDI), realizado em Brasília - DF, entre os dias 19 a 21 de julho de 2017, contemplou,
como tema central, “Desigualdade e Desenvolvimento: o papel do Direito nas políticas
públicas”.
Esta obra reúne os artigos aprovados para o Grupo de Trabalho “Acesso à Justiça”,
coordenado pelas Profas. Dras. Fernanda Holanda de Vasconcelos Brandão, da Universidade
Federal da Paraíba (UFPB), e Daniela Marques de Moraes, da Universidade de Brasília
(UnB).
Com o propósito de garantir a construção dialógica de conceitos e estruturas do pensamento,
pesquisadoras e pesquisadores associados ao CONPEDI debateram os resultados de suas
investigações científicas no referido GT que desenvolveu suas atividades na tarde do dia 21
de julho de 2017.
Dentre as reflexões, o Grupo de Trabalho perpassou pela discussão proposta por 23 artigos.
O Acesso à Justiça foi analisado e debatido sob o olhar da garantia do meio ambiente, da
educação às pessoas com deficiência, das ações coletivas, da preocupação com a
relativização da defesa processual, da mediação, da conciliação, da arbitragem, dos direitos
fundamentais, da assistência judicial gratuita, da atuação da defensoria pública, da dialogia
com a ciência política, dos negócios jurídicos processuais, dos precedentes judiciais, da
desjudicialização e do espectro digital dos atos e medidas processuais.
As coordenadoras dessa obra agradecem as autoras e os autores pelo elevado debate travado
em cada temática que, certamente, proporcionou novas reflexões e ponderações a contribuir
para o amadurecimento intelectual de todos os participantes, característica dos eventos do
CONPEDI, uma vez que se constitui atualmente o mais importante fórum de discussão da
pesquisa em Direito no Brasil e no exterior, e, portanto, ponto de encontro de pesquisadoras e
pesquisadores das mais diversas localidades e nacionalidades.
Por fim, reiteramos nosso imenso prazer em participar da apresentação desta obra e do
CONPEDI e desejamos a todos os interessados uma excelente leitura.
Brasília, julho de 2017.
Profa. Dra. Daniela Marques de Moraes – Universidade de Brasília/UnB
Profa. Dra. Fernanda Holanda de Vasconcelos Brandão – Universidade Federal da Paraíba
/UFPB
1 Mestrando em Direito (UnB); Bacharel em Direito (FAAO); Bacharel em Filosofia (UFPA); Licenciado Pleno em Filosofia (UFPA); Professor Adjunto IV da Universidade Federal do Acre.
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A BUSCA PELA EFETIVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS POR MEIO DA PRESTAÇÃO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E GRATUITA POR
MUNICÍPIOS
THE SEARCH FOR THE EFFECTIVENESS OF FUNDAMENTAL RIGHTS THROUGH THE PROVISION OF INTEGRAL AND FREE LEGAL ASSISTANCE
BY MUNICIPALITIES
Manoel Coracy Saboia Dias 1
Resumo
O objeto da pesquisa é examinar a possibilidade de prestação jurídica integral e gratuita pelos
Municípios no ordenamento jurídico brasileiro. Objetivo geral é analisar dispositivos
constitucionais e infraconstitucionais, notadamente os que garantem ao cidadão o acesso à
justiça. Objetivos específicos: enfatizar o dever do Município em concretizar direitos
fundamentais; destacar entraves da assistência jurídica brasileira que impedem prestar o
serviço; demonstrar que a interpretação que mais se coaduna à Constituição é a que
possibilita ao ente municipal prestar o serviço, garantindo acesso dos munícipes à justiça.
Será utilizado método dedutivo, fonte bibliográfica, técnicas do referente, categoria,
fichamento e conceito operacional.
Palavras-chave: Acesso à justiça, Assistência jurídica, Direitos fundamentais, Município, Competência
Abstract/Resumen/Résumé
The objective of research is to examine the possibility of full and free legal provision by
Municipalities in the brazilian legal system. General objective is to analyze constitutional and
infraconstitutional devices, especially those that guarantee citizen access to justice. Specific
objectives: emphasize the duty of Municipality to realize fundamental rights; highlight
obstacles of brazilian legal assistance that prevent service delivery; demonstrate the
interpretation that most closely matches Constitution is the one that enables municipal entity
to provide the service, guaranteeing access of citizens to justice. Deductive method will be
used, bibliographic source, techniques of referent, category, filing and operational concept.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Access to justice, Legal assistance, Fundamental rights, County, Competence
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INTRODUÇÃO
O propósito do presente trabalho de pesquisa é analisar, de forma crítica, os
argumentos a favor e contra a prestação de assistência jurídica gratuita por entes municipais, à
luz do princípio da máxima efetividade e do direito de acesso á justiça, assumindo-se o
posicionamento mais harmônico e condizente com a atual ordem constitucional.
A escolha do tema justifica-se em razão do princípio da máxima efetividade dos
direitos fundamentais, condizente com as diretrizes estabelecidas pela Constituição da
República de 1988, principalmente no que tange às normas que dispõem sobre o acesso à
justiça.
O homem como ser social encontra-se em constantes conflitos e, na maioria das
vezes, é necessária intervenção de uma força maior e imparcial para a solução de tais
desavenças, ou seja, a atuação do Estado na figura do Poder Judiciário. Entretanto, nem todas
as pessoas possuem capacidade econômica e saber jurídico suficiente para intentar perante a
Justiça, com fins de alcançarem seus objetivos. No cerne desta questão surgiu a assistência
jurídica gratuita, num primeiro momento vinculada ao aspecto judiciário, visando amparar
hipossuficientes e auxiliá-los na busca de uma solução efetiva para seus conflitos.
O inciso LXXIV, do artigo 5º da Constituição da República Federativa Brasileira de
1988 (CRFB) prescreve que o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos, consagrando o caráter de garantia constitucional ao
que fora ali previsto. Conforme o disposto no artigo 134 da CRFB a Defensoria Pública
brasileira é responsável pela prestação da assistência jurídica. Porém, a Carta Magna não
estabeleceu competência aos Municípios para a instituição da Defensoria Pública.
Dentre as inúmeras questões envolvendo a prestação da assistência jurídica no Brasil,
o marco de referência objeto de estudo da pesquisa em epígrafe privilegia a temática da
competência do ente municipal para a prestação daquele serviço, assunto que, nos últimos
anos, vem tomando assento em discussões doutrinárias e jurisprudenciais, tendo em vista os
diversos preceitos constitucionais que envolvem a matéria.
Nesse contexto urge aprofundar os debates sobre este importante assunto em tela,
com o objetivo principal de analisar dispositivos constitucionais e infraconstitucionais,
notadamente os que garantem ao cidadão o acesso à justiça, no sentido de estudar a
possibilidade dos Municípios brasileiros instituírem serviços de assistência jurídica integral e
gratuita, de acordo com as regras de competência legislativa, fixadas no texto constitucional,
bem como com os direitos fundamentais da pessoa humana.
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Representam objetivos específicos do trabalho em testilha: enfatizar o dever do
Município em concretizar direitos fundamentais; destacar entraves da assistência jurídica
brasileira que impedem prestar o serviço; demonstrar que a interpretação que mais se coaduna
à Constituição é a que possibilita ao ente municipal prestar o serviço, garantindo acesso dos
munícipes à justiça.
As questões centrais da pesquisa em tela são: Qual a diferença entre justiça gratuita,
assistência judiciária e assistência jurídica? É possível a prestação de assistência jurídica
integral e gratuita pelos Municípios? O que se deve entender por acesso à justiça e a
perspectiva da máxima efetividade dos direitos fundamentais? Quais os principais obstáculos
que dificultam a prestação integral do direito em comento? Quais os aportes teóricos e
dispositivos constitucionais que versam sobre competência legislativa e direitos
fundamentais?
Para tanto a pesquisa em epígrafe foi organizada em três partes. A primeira parte
aborda a evolução do serviço de assistência jurídica integral e gratuita mundial e no Brasil,
seu contexto histórico, a amplitude de sua expressão, bem como a diferença básica entre
justiça gratuita, assistência judiciária e assistência jurídica. A segunda parte do trabalho versa
sobre o direito de acesso à justiça, tratado especialmente sob a ótica das ondas renovatórias
constatadas por Cappelletti e Garth, a interpretação dos preceitos que tratam do tema sob a
perspectiva da máxima efetividade dos direitos fundamentais, e os principais obstáculos que
dificultam a prestação integral do direito em comento.
A terceira e última parte do trabalho estuda a possibilidade de prestação de
assistência jurídica integral e gratuita pelos Municípios, a partir da análise dos dispositivos
constitucionais que versam sobre competência legislativa, bem como daqueles que envolvem
direitos fundamentais.
Em relação às opções metodológicas e recortes epistemológicos, fonte bibliográfica,
as técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e do fichamento. Trata-se de
um trabalho eminentemente bibliográfico, com fulcro em estudos explanatórios, que serão
utilizados para investigar alguns temas com base em novas perspectivas e ampliar os estudos
já existentes.
A pesquisa utiliza o método de abordagem dedutivo, que se utiliza de um raciocínio
de uma premissa maior para obter conclusões de aspectos mais individualizados. O
Município, tendo sido elevado à categoria de ente federativo, possui a responsabilidade de
concretizar os direitos fundamentais, portanto, a ele também foi dada competência para
prestar assistência jurídica integral e gratuita àqueles que dela necessitarem.
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1 CONSIDERAÇÕES RELATIVAS À ASSISTÊNCIA JURÍDICA GR ATUITA
Para um estudo aprofundado acerca do instituto da assistência jurídica é necessário
tecer algumas considerações relativas ao surgimento da assistência jurídica no contexto
mundial, eis que diversas características que o referido serviço possuía no passado ainda
persistem até os dias atuais, bem como a apuração de seus primeiros aspectos pode ser
utilizada para dirimir os obstáculos que a maculam atualmente.
Segundo Marcacini (2001, p. 05) na Idade Antiga, especificamente no Código de
Hamurabi já existia vestígios deste instituto, sob o aspecto de caridade que imbuía as
primeiras manifestações vinculadas à assistência jurídica. A terminologia “assistência
jurídica” surgiu no século XIX, na França. Em um primeiro momento o instituto estava
vinculado à Igreja Católica, sendo tratado como verdadeiro dever de caridade, devido aos
ideais éticos do cristianismo, relacionados à proteção dos mais fracos.
Em Roma atribuiu-se a Constantino a iniciativa legislativa que visava a assegurar a
figura de um advogado a quem não o possuía. Após tal iniciativa, a medida foi incorporada
aos códigos justinianos. A legislação de Justiniano dispôs que seria dado advogado a quem
não o tivesse e àquelas pessoas que, por certas causas, ou por excessiva influência de seus
adversários não encontrassem um patrono para dirimir seus conflitos.
Em meados do século XIII, na França, Yves de Kermartin, na função de julgador,
protegia os pobres, os órfãos, as viúvas e todos os desassistidos, oferecia seus emolumentos e
honorários aos depauperados, buscando efetivar a paz e concordância entre os litigantes. Tal
feito rendeu-lhe o título de “advogado dos pobres” e o dia do Defensor Público no Brasil é a
data de seu falecimento, 19 de maio.
A prestação do serviço de assistência jurídica foi sendo atribuída à classe dos
advogados, considerando o exercício exclusivo da atribuição jurídica e dever de prestar
solidariedade aos hipossuficientes, advogando gratuitamente em favor dos humildes, eis o
caráter de dever de caridade que era inerente à prestação assistencial naquela época. O
instituto não era tratado como dever do Estado, nem era objeto de políticas públicas, ao
contrário, era um serviço que o Estado se desincumbia, transferindo toda a responsabilidade
para entes privados.
Após a Revolução Francesa de 1789, o Decreto da Constituinte de 16 de julho de
1790 permitiu que qualquer cidadão realizasse sua defesa em processos judiciais, por escrito
ou oralmente. Entretanto, verificou-se que a mera positivação do direito de acesso à justiça
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não era suficiente para alcançar os anseios de igualdade substancial, surgindo a necessidade
de criação de instituições especializadas na concessão desse serviço, tendo em vista que os
advogados particulares que atuavam na defesa dos pobres já se encontravam muito atarefados
para a prestação assistencial de maneira integral.
Nas décadas de 70 e 80 do século passado, acompanhando a necessidade de
especialização da assistência jurídica gratuita, iniciou-se uma série de movimentos mundiais
sobre a questão, nos quais a temática atingia seu apogeu com o Movimento Mundial de
Acesso à Justiça e seu caráter tridimensional.
Uma primeira dimensão reflete o problema, necessidade ou exigência social que induz à criação de um instituto jurídico; a segunda dimensão reflete a resposta ou solução jurídica, por sinal uma resposta que, além das normas, inclui as instituições e processos destinados a tratar daquela necessidade; enfim uma terceira dimensão encara os resultados, ou o impacto, dessa resposta jurídica sobre a necessidade, problema ou exigência social. O papel da ciência jurídica, aliás, o papel dos operadores do direito em geral, torna-se assim mais complexo, porém, igualmente muito mais fascinante e realístico (MEDEIROS, 2013, p. 51).
Em 1968, o advogado norte-americano Peter Messitte, imbuído do espírito
revolucionário que os movimentos surgidos lhe propiciam, destacou a exemplaridade e o
pioneirismo do modelo brasileiro em comparação com outros modelos vigentes no mundo,
especialmente o vigente nos Estados Unidos, publicando estudo que destacou a admirável
história da assistência judiciária no Brasil. “Basta comparar a lei brasileira sobre assistência
judiciária com a lei norte-americana sobre o assunto para ver como a lei brasileira é
adiantada” (CAPPELLETTI, 1998, p. 97).
Proliferaram estudos para analisar o fenômeno que tomara proporções internacionais.
Em 1970 o “Projeto Florença”, coordenado por Mauro Cappelletti serviu como parâmetro
para outros estudos até os dias atuais. Envolveu inúmeros profissionais de diversas áreas,
objetivando o estudo da temática do acesso à justiça que, embora produzido em uma realidade
distinta da qual é vivenciada atualmente, trouxe importantes ideais de inclusão social e
superação das barreiras e obstáculos que tendem a afastar grande parte da população ao
acesso ao Direito e a uma ordem jurídica justa.
O Brasil se encontra ainda buscando um modelo ideal de efetivação da assistência
jurídica gratuita, sobretudo quando a população hipossuficiente cresce cada vez mais e as
instituições encarregadas sofrem as consequências derivadas de tal crescimento. Superada a
breve retrospectiva histórica sobre o assunto, para melhor entendimento desse serviço ao
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longo dos anos, é preciso uma análise simples, mas bastante significativa da assistência
jurídica gratuita sob o enfoque histórico brasileiro.
No Brasil o desenvolvimento da assistência jurídica gratuita e integral demonstrou
seus primeiros aspectos em 1603, nas Ordenações Filipinas, assim como praticamente todos
os institutos processuais existentes. Contudo não resguardaram direitos aos pobres, apenas
trouxeram disposições vinculadas ao direito português, que conferiam diversas garantias à
população economicamente desfavorecida. Como a “previsão de isenção de pagamento das
custas processuais para os réus criminais pobres e o exercício gratuito da advocacia para
aqueles que solicitassem o serviço de advogado, porém não pudesse pagar por sua prestação”
(MEDEIROS, 2013, p. 51).
Após 1840 surgiram as primeiras legislações brasileiras acerca da matéria, embora
ainda de maneira tímida e prematura. O Código de Processo Criminal do Império de 1842
isentou por lei o réu de certas taxas no processo civil, porém referido diploma legal não era
suficiente para garantir o efetivo acesso dos pobres à justiça. Em 1870 o jurista Joaquim
Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, Presidente do Instituto da Ordem dos Advogados
Brasileiros, antigo Ministro da Justiça, formulou propostas concretas para dar efetividade à
promessa de assistência jurídica aos pobres, criando, assim, um conselho para prestar
assistência judiciária aos indigentes nas causas cíveis e criminais, dando consultas e
encarregando a defesa dos seus direitos a algum membro do Conselho ou do Instituto, criando
os “serviços jurídicos” (MEDEIROS, 2013, p. 51).
Em 1880 surgiu o “advogado dos pobres”, remunerado pelo erário da Câmara
Municipal da Corte e incumbido, legalmente, da defesa de réus indigentes em processos
penais, figura extinta em 1884. Foi com o Decreto Federal n. 2.457, de 8 de fevereiro de 1897,
que a assistência jurídica recebeu tratamento próprio e autônomo por parte do ordenamento
jurídico brasileiro, uma vez que organizou a assistência judiciária, definindo, ainda, o
conceito de pobre como toda pessoa que, tendo direitos a fazer valer, em juízo, estiver
impossibilitada de pagar ou adiantar as custas e despesas do processo sem privar-se de
recursos pecuniários indispensáveis para as necessidades ordinárias da própria manutenção da
família.
O Decreto n. 19.408, de 18 de novembro de 1930 criou a Ordem dos Advogados
Brasileiros e por meio de seu regulamento, o patrocínio gratuito de causas por advogados
deixou de ser uma recomendação para ser um dever do advogado, sob pena de multa. Quanto
ao caráter de garantia individual, a assistência jurídica foi prevista constitucionalmente no
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artigo 113, § 32º da Carta de 1934 que permitiu à legislação supletiva dos Estados no tocante
à assistência judiciária.
No contexto de constitucionalização da matéria, em 1935, o Estado de São Paulo
criou o primeiro serviço estadual de assistência judiciária, composto por advogados
assalariados pelo Estado, em que pese tenha abandonado tal sistema decorrido algum tempo,
adotando posteriormente o modelo de terceirização dos serviços, utilizando-se de advogados
privados. A Constituição de 1937 nada previu acerca da matéria, posteriormente excluída pela
Constituição do Estado Novo, “em que pese a omissão constitucional no período da Ditadura
Vargas, a assistência jurídica foi mantida como norma infraconstitucional no Código de
Processo Civil de 1939, no Código de Processo Penal de 1941 e na Consolidação das Leis do
Trabalho, em 1943” (ALVES, 2006, p. 244).
Em 1946 a norma retornou ao seu status constitucional, no § 35º do artigo 141 da
Constituição de 1946, voltando a reconhecer que os carentes necessitavam de uma proteção
jurídica independente e gratuita. Em 1950, a Lei n. 1.060, ainda em vigor, estabeleceu normas
para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, dispôs sobre o procedimento de
acesso a este serviço e às isenções a ele aplicáveis, no artigo 2º fixou o conceito de
“necessitado” como “todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do
processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio e da família”. Para
Marcacini (2001, p. 95) foi a lei que melhor regulou o benefício da assistência gratuita até
hoje. O artigo 150, § 32º da Constituição de 1967 tratou do tema ao afirmar que “será
concedida assistência judiciária aos necessitados”.
O inciso LXXIV, do artigo 5º da Constituição da República Federativa (CRFB),
promulgada em 1988, tratou do tema ao dispor que “o Estado prestará assistência jurídica
integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Não bastava tratar da
assistência judiciária como direito e garantia individual e coletiva, mas, sim, necessário
também que se reconhecessem o caráter de essencialidade à justiça e a estrutura de instituição
pública, esclarecendo a quem competia fornecê-la. Desta forma, o artigo 134 dispôs que “a
Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º,
LXXIV”.
A CRFB além de se ocupar extremamente com questões sociais, diferenciou-se das
demais Cartas por ser a primeira a instituir a Defensoria Pública como órgão integrante do
Poder Público, ao lado do Ministério Público e da Advocacia, incumbindo a ela a prestação de
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assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes, elencada entre os direitos
fundamentais, dando-lhes o caráter de instituição essencial à função jurisdicional.
Em 1994, a Lei Complementar n. 80 organizou a Defensoria Pública da União e do
Distrito Federal, além de prescrever normas gerais para a sua organização nos Estados. Após
a publicação da mencionada lei, vários Estados começaram a dispor sobre a Defensoria
Pública.
Em 2004, a Emenda Constitucional n. 45 trouxe uma importante inovação,
fortalecedora da instituição, inserindo no § 2º do artigo 134, que concedeu às Defensorias
Públicas Estaduais autonomia funcional, administrativa e financeira, renumerando o antigo
parágrafo único para § 1º, dispondo que “às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas
autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos
limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no artigo
99, § 2º”. Tal fortalecimento se refere aos servidores e membros desse indispensável órgão e
ao segmento da sociedade que dele necessita, uma vez que a aludida instituição passou a
usufruir de uma maior estrutura para prestar seus serviços aos hipossuficientes.
“Avanço inigualável e inédito no sistema constitucional brasileiro, e sem paralelo no
direito comparado, a Democracia Brasileira atinge o que talvez seja o ápice de
amadurecimento e expansão, com a concessão às Defensorias Públicas Estaduais” (CUNHA
JR., 2013, p. 1149).
Em 2013 foi promulgada a Emenda Constitucional n. 74 que estendeu as autonomias
administrativas, funcional e iniciativa de proposta orçamentária à Defensoria Pública da
União e do Distrito Federal. A concessão de autonomia às Defensorias Públicas conferiu
aumento de credibilidade do órgão perante os cidadãos, que passaram a possuir maior
confiança em buscar orientação em uma instituição autônoma, não subordinada ao Poder
Público e livre de pressões políticas. A assistência jurídica ainda enfrenta muitos entraves à
sua efetivação, nem sempre lhe é dado o real significado que possui, uma vez que é tida como
sinônimo de outros institutos também de cunho assistencial.
É necessário distinguir: justiça gratuita, assistência judiciária e assistência jurídica.
Justiça gratuita consiste na dispensa de antecipação das despesas do processo, bem como na
ausência de exigibilidade das verbas derivadas de uma possível sucumbência. Tal isenção de
pagamento mais se coaduna com uma imunidade e se mostra muito mais restrita do que a
assistência judiciária. Quanto à extensão da justiça gratuita, o artigo 3º da Lei n. 1.060/1950
estatui um rol não taxativo das isenções abrangidas pelo deferimento do instituto.
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Assistência judiciária envolve o patrocínio gratuito da causa por advogado, é “um
serviço público organizado, consistente na defesa em juízo do assistido, que deve ser
oferecido pelo Estado, mas que pode ser desempenhado por entidades não-estatais,
conveniadas ou não com o Poder Público” (MARCACINI, 2001, p. 31). A parte gozará dos
benefícios da assistência judiciária mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de
que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem
prejuízo próprio ou de sua família, nos termos do disposto na Lei n. 1.060/1950.
A diferença básica entre justiça gratuita e assistência judiciária é que, enquanto a
primeira é obtida perante órgão jurisdicional que promete a prestação jurisdicional, a segunda
é disciplinada por normas processuais de organização judiciária. O benefício da justiça
gratuita é mais restrito do que a assistência judiciária, uma vez que compreende apenas a
gratuidade das custas judiciais e dos honorários sucumbenciais derivados da prestação
jurisdicional.
Quanto ao termo “assistência jurídica gratuita” engloba tanto a assistência judiciária
quanto a extrajudicial, sendo muito mais abrangente. Nesse sentido, a assistência jurídica
também envolve serviços jurídicos não relacionados ao processo em si, no tocante a
orientações individuais, esclarecimentos de dúvidas e outras atividades sem pertinência ao
âmbito processual. Abrange a orientação e a consultoria jurídicas, inclusive de caráter
preventivo, e orientações extrajudiciais, quando necessário, também garante à população a
possibilidade de acesso aos meios alternativos de solução de conflitos, mais céleres e eficazes
frente à morosidade do Poder Judiciário.
Assistência jurídica consiste na instauração e movimentação de processos
administrativos, perante quaisquer órgãos públicos, em todos os níveis, atos de quaisquer
naturezas jurídicas, praticados extrajudicialmente, bem como a prestação de serviços de
consultoria, de informação e aconselhamento em assuntos jurídicos, tanto para indivíduos
como para a coletividade.
Quanto ao significado e abrangência do serviço e direito de assistência jurídica
integral e gratuita se revela como mais uma esfera competente para defender, individual e
coletivamente, em sede judicial e extrajudicial, os direitos e garantias dos quais a parcela da
população pobre se encontra alijada, exigindo do Estado a atuação positiva na efetivação dos
direitos fundamentais sonegados.
Segundo Krohling (2009, p. 158) os vários passos da cidadania ativa estão na
consciência política, no exercício dos seus direitos, na luta pela conquista dos direitos que lhe
são negados no dia a dia. O acesso à justiça pressupõe o conhecimento, por parte do cidadão,
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de seus direitos. “Sem a existência de instituições que possam ser consultadas pela população,
sempre que houver dúvidas jurídicas sobre determinadas situações de fato, a possibilidade de
plena efetividade do direito se torna reduzido” (MEDEIROS, 2013, p. 72).
O serviço de assistência jurídica gratuita sendo tratado como direito, e não caridade,
é matéria recente no ordenamento jurídico mundial após a segunda guerra, quando houve a
consolidação mais efetiva dos direitos de segunda dimensão ou direitos sociais. Apesar de ser
tratado como um serviço, a assistência jurídica gratuita deve ser vista, indiscutivelmente,
como um direito fundamental e, por consequência, deve estar imbuída de toda a
representatividade e importância inerente a tal categoria, sobretudo quando analisado no
contexto da formação do Estado de Direito, uma vez que, além da íntima vinculação entre os
direitos fundamentais constituem elementos nucleares da vigente Constituição.
A população hipossuficiente não é mera destinatária, mas sim titular do referido
direito. Desta forma, o serviço de assistência jurídica gratuita e integral visa à efetivação do
acesso à justiça, consagrado constitucionalmente, e que busca, precipuamente, a isonomia
substancial, cujo caráter fundamental será destacado no capítulo que se segue.
2 O ACESSO À JUSTIÇA E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS F UNDAMENTAIS
O direito de acesso à justiça pode ser entendido em sentido estrito, o de acesso ao
Judiciário, quanto em sentido amplo, o de acesso ao Direito. Para Mattos (2007, p. 140) o
acesso à justiça viabiliza o acesso a uma ordem jurídica justa, que abrange o direito à
informação, o direito a adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do
país, o direito ao acesso a uma justiça adequadamente organizada e o direito à pré-ordenação
dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos e o direito à
remoção dos obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo a uma justiça.
Acesso à justiça é garantia constitucional inserida no rol de direitos e garantias
fundamentais. A inafastabilidade do acesso à tutela integral e gratuita (CRFB, artigo 5º, inciso
XXXV) e o direito à assistência jurídica integral e gratuita (CRFB, artigo 5º, inciso LXXIV).
Cabe ao Estado, no exercício da atividade legislativa e ao Judiciário, no exercício da atividade
jurisdicional, propiciar meios para que esse direito seja assegurado, em todos os momentos, e
não somente em uma ou noutra fase processual. Está mais voltado a princípios e não somente
a normas, é condição fundamental de eficiência e validade de um sistema jurídico que vise a
garantir direitos.
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Acesso à justiça para Cappelletti e Garth (1988, p. 8-11) significa o sistema pelo qual
as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do
Estado. O sistema deve ser igualmente acessível a todos e deve produzir resultados que sejam
individual e socialmente justos. Trata-se do requisito mais básico dos direitos humanos, de
um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir e não apenas proclamar os
direitos de todos.
Deve-se atribuir o caráter substancial para o acesso à justiça, assegurando-se a todos
aqueles titulares de direitos que possam obter a verdadeira e efetiva tutela jurídica para o seu
exercício. Os incisos I e III da CRFB preveem no rol dos objetivos da República Federativa
do Brasil a construção de uma sociedade justa, a erradicação da pobreza e a redução das
desigualdades sociais e regionais. É impossível separar a consecução de uma justiça social e
promoção da igualdade sem a utilização de instrumentos hábeis para sua postulação e
promoção. Acesso à justiça é um dos meios mais relevantes para a realização dos objetivos
republicanos constitucionalmente expostos.
O acesso à justiça possui caráter de direito fundamental, previsto no inciso XXV do
artigo 5º da CRFB , na medida em que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito. O inciso LXXIV do artigo 5º da CRFB se refere à assistência
jurídica integral e gratuita.
O acesso à justiça, na forma que foi contemplado na CRFB, deve possibilitar ao
necessitado a superação de todos os obstáculos ao exercício pleno desse direito, como severas
crises do Poder Judiciário, tornando custoso ao Estado efetivar o almejado direito, o
descrédito da sociedade, o sentimento de insegurança jurídica que tem forçado o Judiciário a
adotar práticas alternativas para a solução de conflitos e desenham um novo enfoque que deve
ser dado à questão do acesso á justiça. O direito à assistência jurídica e ao acesso à justiça
abrange a educação em direitos, e não a mera postulação destes no âmbito processual.
Na busca do real sentido do direito de acesso à justiça, Cappelletti e Garth (1988, p.
12-13) reconhecem três grandes fases de desenvolvimento do movimento em questão.
Consistentes nas ondas renovatórias do acesso à justiça, que orientam o estudo profundo
acerca dos obstáculos existentes para a total efetividade do acesso à justiça, bem como à
possíveis soluções que poderiam ser eventualmente adotadas visando à concretização do
pleno exercício do direito em questão.
Primeira onda renovatória se preocupa em proporcionar assistência judiciária para os
pobres. Na maior parte das modernas sociedades, “o auxílio de um advogado é essencial,
senão indispensável, para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos,
36
necessários para ajuizar uma causa ou até mesmo para a simples ciência da titularidade de um
direito fundamental” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 32). No caso do Brasil a primeira
onda assegura a assistência jurídica integral e gratuita à população, surgindo a necessidade de
se perquirir quanto à segunda onda de seu acesso.
A segunda onda renovatória está focada na busca da tutela de direitos coletivos.
Inovou ao concentrar-se em torno da temática dos direitos difusos, rompendo o
individualismo tradicional. Objetivou-se criar uma nova concepção no tocante ao tratamento
das demandas, que passaram a receber uma visão com caráter mais coletivo e social dos
Poderes Públicos.
“A proteção dos interesses coletivos e difusos é essencial para a adequada garantia de
acesso à ordem jurídica justa numa época como a dos dias atuais, quando surgem novos
direitos, sem caráter patrimonial, os chamados ‘novos direitos’” (CÂMARA, 2010, p. 40),
como a preservação do meio ambiente, do patrimônio cultural, histórico e artístico, a garantia
da moralidade administrativa. Para Cappelletti e Garth (1988, p. 59) os principais métodos
para a representação dos interesses difusos surgidos nessa onda renovatória consistiam em
ações governamentais, que se referiam a instituições governamentais que deveriam proteger o
interesse público.
A primeira e a segunda ondas foram indispensáveis na consecução do real sentido do
acesso à justiça. A terceira onda renovatória deu um novo enfoque do acesso à justiça, surgiu
da necessidade de buscar novas soluções aos obstáculos. Para Medeiros (2013, p. 41) ocorre a
refundação de instituições e procedimentos já existentes, bem como a criação de novas
instituições e funções, dando ênfase à prevenção de litígios e a uma solução mais célere e
simplificada das celeumas. Inovou ao abandonar os laços únicos que detinha com o Poder
Judiciário, visando a criar um pensamento no sentido de que o acesso à justiça não se esgota
no Judiciário, mas representa o acesso a uma ordem jurídica justa.
O acesso à justiça, considerado uma norma princípio fundamental, estimula a atuação
sincronizada com outros mecanismos estruturais e organizados da sociedade, numa ação mais
direta no local dos fatos, buscando resolver situações que não deveriam jamais chegar ao
Poder Judiciário, em face de sua simples resolução que, na maioria das vezes, é vista como
algo muito complexo pelo desconhecimento de direitos fundamentais.
No tocante à natureza jurídica, segundo o disposto no § 1º do artigo 5º da CRFB, as
normas definidoras de direitos fundamentais têm aplicação imediata. Nesse sentido Silva
(2011, p. 180) explica que a eficácia e aplicabilidade das normas que contêm os direitos
fundamentais dependem muito de seu enunciado. As normas que consubstanciam os direitos
37
fundamentais democráticos e individuais são de eficácia e aplicabilidade imediata. Moraes
(2007, p. 27) discorda ao afirmar que a eficácia e aplicabilidade dessas normas dependem
muito de seu próprio enunciado, uma vez que a CRFB faz depender de legislação ulterior a
aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, que também se enquadram
no rol daqueles tidos por fundamentais.
Para Lenza (2017, p. 323) tais normas têm eficácia plena, não sendo dependentes de
qualquer interposição do legislador para lograrem a efetividade ou eficácia social. Cunha Jr.
(2013, p. 874) defende a aplicação imediata de todas as normas definidoras de direitos e
garantias fundamentais, independentemente do seu grau de eficácia, cuja variação apresentará
algumas dificuldades na efetivação dos direitos ali versados. Conforme Silva (2011, p. 72) as
normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais podem ter eficácia plena, contida
ou limitada, podem produzir todos os seus efeitos imediatamente, desde sua entrada em vigor,
ou não, nos casos em que há necessidade de complementação legislativa.
Como seria possível atender a determinação contida no artigo 5º, § 1º da CRFB se
nem todas essas normas possuem eficácia plena? Silva (2011, p. 180) explica aplicação
imediata das normas definidoras de direitos fundamentais significa que elas são aplicáveis até
onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. O Poder
Judiciário sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode
deixar de aplica-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições
existentes. Para Marinoni, Mitidiero e Sarlet (2012, p. 315) a ausência eventual de lei não
pode servir de obstáculo absoluto à aplicação da norma de direito fundamental e da extração
de efeitos úteis, vai depender de qual o direito em causa e de seus limites fáticos e jurídicos.
Sendo tais normas de aplicabilidade imediata, constata-se a manifestação do
princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, eis que deve ser concedia máxima
capacidade de regulamentação às normas fundamentais, a fim de otimizarem sua
materialização do mundo real acompanhado das demais normas. O acesso à justiça abrange
todas as áreas do poder, de maneira que os cidadãos possam exercer seus direitos. Garantem-
se os fundamentos da democracia e da estrutura de um Estado fundado sobre suas bases.
O acesso à justiça deve ser compreendido como um direito fundamental, pois
proporcionando-se o mínimo existencial ao cidadão, efetiva-se a dignidade da pessoa humana.
A igualdade substancial está estreitamente ligada à efetividade dos direitos fundamentais.
Para Canotilho (2002, p. 250) a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que a
maior eficácia lhe dê, constatando-se a existência do princípio interpretativo da máxima
efetividade dos direitos fundamentais.
38
O artigo 134 da CRFB atribuiu às Defensorias Públicas o dever precípuo de prestar a
orientação jurídica e defesa, em todos os graus, dos necessitados. Referido serviço também
vem sendo habitualmente prestado por diversos órgãos, mediante convênio, a título de
trabalho gratuito no âmbito do estágio curricular em cursos de Direito. Em relação aos
principais obstáculos ao acesso à justiça e à assistência jurídica gratuita e integral no Brasil, a
realidade se mostra distinta dos anseios almejados pela previsão legal.
A maioria dos obstáculos que impedem o efetivo funcionamento do modelo de
assistência jurídica previsto na CRFB tem cunho institucional, especialmente consistem em
problemas de caráter orçamentário, dificuldades ante o número de defensores e de pessoal e
precariedades estruturais. Sem as devidas condições de trabalho e sem a remuneração
adequada aos prestadores do serviço, prejudicam os serviços jurídicos para os pobres.
O número de pessoas potencialmente usuárias do serviço é muito superior à sua
capacidade de atendimento, o que dificulta a integralidade da assistência jurídica, bem como a
efetividade do direito de acesso à justiça. A carreira dos Defensores Públicos demonstra certa
inferiorização em relação à Magistratura e ao Ministério Público, há uma hierarquização dos
serviços públicos que não deveria existir, deixando evidente que o serviço de assistência
jurídica aos pobres não é tratado de forma prioritária, em que pese a essencialidade a ele dado
pela CRFB. Somam os problemas relacionados ao aspecto cultural da própria sociedade
revelam influência na precariedade da efetivação desse direito. Ainda com a reconhecida
indispensabilidade e a autonomia garantida pela CRFB, o certo é que as Defensorias Públicas
ainda passam por grandes dificuldades que impedem de exercer, na integralidade, suas
funções institucionais, prejudicando os necessitados.
3 A BUSCA DA EFETIVIDADE DE DIREITOS FUNDAMENTAIS P OR MEIO DA
PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGR AL E
GRATUITA POR MUNICÍPIOS
Em relação à autonomia municipal e a busca da efetivação dos direitos fundamentais,
o Município a partir do artigo 29 da CRFB passou a gozar do status de entidade estatal
integrante da Federação. Além de autonomia política adquiriu o poder de auto-organização,
mediante lei orgânica, bem como autonomia administrativa, normativa, financeira. Ao
Município não foi dado expressamente competência para prestar a assistência jurídica integral
e gratuita. Ao Município deve ser estendida a obrigação contida nos incisos I e III do artigo 3º
da CRFB, que preveem, no rol dos objetivos da República Federativa do Brasil, a construção
39
de uma sociedade justa, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e
regionais. Para o cumprimento efetivo dessa obrigação o ente municipal deve dispor de meios
eficazes que tragam resultados positivos à sociedade. O acesso à justiça é um dos meios mais
relevantes para propiciar a realização dos objetivos republicanos constitucionalmente
expostos.
Para alcançar a efetiva assistência jurídica e o efetivo acesso à justiça, mudanças
devem ocorrer no atual sistema vigente para incluir outras formas de assistência, incluindo a
prestação do serviço pela municipalidade. Para Mendes (2008, p. 118) as garantias do acesso
à justiça devem ser mais do que formalmente previstas, devem consubstanciar a realidade,
interpretadas à luz do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.
Legisladores, intérpretes, magistrados, promotores e até membros da Defensoria
Pública não assimilaram o alcance da prestação de assistência jurídica também por parte dos
Municípios e continuam intentando ações de declaração de inconstitucionalidade, ações civis
públicas e manifestando repúdio a cada tentativa dos entes municipais de implementarem
políticas com vistas à tornar concreto o direito de assistência jurídica integral e,
consequentemente, o de acesso à justiça.
Para uma maior efetividade do direito fundamental de acesso à justiça é preciso a
busca de soluções alternativas. Mediação, arbitragem, mecanismos que proporcionam maior
participação popular no Poder Judiciário, ampliam a legitimação para agir na tutela coletiva, a
presença de juízes leigos nos Juizados Especiais, a criação de tribunais de vizinhança e
centros de justiça de bairros, a justiça restaurativa e a criação de conselhos populares de
controle da administração da justiça. Torres (2005, p. 80) cita a descentralização da Justiça
como meio alternativo à consecução da efetividade do direito em questão.
A democracia tem como fundamento o respeito às leis, ao direito e ao poder
constituído. Inexiste afirmação do Estado Democrático de Direito se não há um efetivo acesso
à justiça. Inexiste Estado Democrático se o cidadão não recebe orientação nem apoio
suficientes no tocante a seus direitos. Iniciativas que visem aperfeiçoar o alcance desse direito
são as que mais coadunam com a finalidade do legislador constitucional. O Sistema Nacional
de Assistência Jurídica (SINAJUR) é uma proposta de modelo democrático baseado na livre
escolha pelo cidadão carente de qual advogado, público ou privado, irá representa-lo
judicialmente, ou emitir mera consulta jurídica, ficando assegurado o direito de escolha, do
acesso à justiça e o princípio da confiança no advogado para o atendimento no âmbito
jurídico.
40
Torres (2005, p. 88) defende o modelo dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais
como sistema a ser seguido por toda a Justiça. Medeiros (2013, p. 111) também defende a
adoção de novos métodos de acesso à justiça, serviços legais inovadores prestados de forma
descentralizada, em locais próximos à comunidade para os quais se destinam. Para Devisate
(2002, p. 265) é inevitável questionar o atual modelo de acesso à justiça, permitir direito e
justiça acessíveis a todos os cidadãos, instrumento mais importante para viabilizar os demais
direitos existentes. Aliada a tais medidas alternativas poderia existir também a atuação dos
Municípios na temática de acesso a uma ordem jurídica justa, em que pese esteja longe de ser
aceita pela majoritária comunidade jurídica.
O inciso XIII do artigo 24 da CRBF estabelece a competência da União, Estados e ao
Distrito Federal para legislar sobre assistência jurídica e defensoria pública. O dispositivo não
faz referência expressa à criação de Defensoria Pública Municipal, tampouco à competência
do ente municipal para legislar acerca desta instituição. Entretanto, alguns Municípios
editaram leis criando Defensorias Públicas em suas circunscrições, como ocorreu com o
Município de Itabuna, na Bahia, que editou a Lei Municipal n. 2.114/2009, cujo inciso II do
artigo 9º criava a Defensoria Pública Municipal, em razão da falta de estrutura nas unidades
da Defensoria Pública no interior da Bahia e a pequena quantidade de defensores públicos
para atender ao público, frente às inúmeras demandas dos necessitados.
Em 2012, contra tal criação, a Associação dos Defensores Públicos do Estado da
Bahia propôs ação direta de inconstitucionalidade em face da referida Lei Municipal, sob o
fundamento de que o Município não possui competência para legislar sobre Defensoria
Pública, de maneira que, assim, teria invadido a competência constitucional da União e dos
Estados. Em 2013 o Tribunal de Justiça da Bahia julgou procedente a ação.
Igualmente o Município de Xapuri, no Estado do Acre, editou a Lei n. 764/2013, que
instituiu a Defensoria Pública Municipal. A Defensoria Pública do Estado do Acre ingressou
com ação civil de improbidade administrativa e o juiz competente deferiu a medida liminar
pleiteada para suspender os serviços instituídos pela lei municipal sob fundamento de que a
atuação dos Municípios na edição de leis sobre assistência jurídica e Defensoria Pública viola
o princípio do pacto federativo, trata de matéria de competência legislativa reservada apenas à
União, estabelecendo normas gerais, e aos Estados e ao Distrito Federal, dispondo de forma
suplementar acerca do tema. Porém, é cediço que a finalidade precípua da CRFB é “implantar
uma ordem jurídica justa na vida social” (DINIZ, 2005, p. 401).
A prestação de assistência jurídica integral e gratuita é garantia aos brasileiros, deve
ser concretizada para atender ao máximo de cidadãos que necessitem, nos termos do princípio
41
de interpretação da máxima efetividade dos direitos fundamentais. É necessário criar um
sistema descentralizado de assistência jurídica integral e gratuita, notadamente com a atuação
dos Municípios, objetivando a inclusão de multidões de pessoas que atualmente se encontram
à margem desse direito. O Município pode estruturar políticas públicas para suprir deficiência
da prestação de assistência jurídica gratuita pelos órgãos dos Estados e da União.
Considerando o acesso à justiça como direito fundamental, o Município, como ente
federativo, não está obrigado a cumprir a mandamus constitucional.
O Município possui competência concorrente para prestar assistência jurídica
integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. A CRFB não vedou ao
Município a prestação de assistência jurídica integral e gratuita, nos termos do inciso LXXIV
da CRFB. O suposto monopólio na prestação do serviço assistencial viola o Estado
Democrático de Direito. A matéria foi tratada no Anteprojeto de Lei de Assistência Jurídica
Integral de Gratuita que equiparou os entes estatais e incorporada no Programa Estadual de
Direitos Humanos do Estado de São Paulo. Apesar do Município não ser obrigado, não pode
ser alijado deste mister, vez que é o núcleo político-administrativo mais próximo dos cidadãos
em cujo âmbito travam as demandas do cotidiano.
Em 2013 o Grupo Nacional de Membros do Ministério Público publicou nota técnica
referente ao tema assistência jurídica e defendeu a descentralização do serviço, alegando que
o artigo 134 da CRFB não assegurou o monopólio desse serviço às Defensorias Públicas. O
Ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 4.163 de São Paulo sinalizou entendimento a favor da prestação de
assistência jurídica por outros meios que não somente aqueles prestados por meio das
instituições de Defensoria Pública.
O artigo 1º da Lei n. 1060/1950 menciona a possibilidade dos Municípios
colaborarem na prestação do serviço de assistência jurídica. Para melhoria do sistema, é de
profundo interesse público que o Município também seja prestador do referido serviço,
sobretudo pela instituição de políticas públicas no âmbito do poder municipal relacionadas
aos mecanismos alternativos de efetivação do acesso à justiça. A efetivação de um serviço de
assistência jurídica e integral gratuita pelos Municípios decorre da necessidade de se garantir
à população o pleno acesso à justiça em todas as suas esferas, possibilitando-lhes uma vida
digna, e atendendo ao princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais.
CONCLUSÃO
42
A promulgação da CRFB de 1988 representou um marco histórico para a
consolidação do Estado Democrático de Direito no Brasil, notadamente quanto à elevação da
dignidade da pessoa humana a princípio fundamental do Estado, decorrendo a previsão de um
vasto campo de direitos e garantias do indivíduo, entre os quais a prestação de assistência
jurídica integral e gratuita àqueles que comprovarem insuficiência de recursos (CRFB, art. 5º,
inciso LXXIV).
Atualmente, milhares de brasileiros batem às portas das Defensorias Públicas,
instituição responsável pela prestação daquele serviço, objetivando receber orientação jurídica
e defesa perante o Poder Judiciário e também fora dele. As Defensorias Públicas federais e
estaduais não são capazes de atender a todas as demandas, haja vista o alarmante número de
casos concretos que recebem diariamente. Os mais prejudicados são os hipossuficientes, que
muitas vezes não têm suas petições atendidas, tampouco são orientados da maneira correta
para agir de determinada forma.
Visando à melhoria do sistema, é de profundo interesse público que o ente municipal
também preste o serviço de assistência jurídica. Urge ressaltar que não se está defendendo a
constitucionalidade das denominadas defensorias públicas municipais, mas sim a prestação de
tal serviço por outros meios, sobretudo pela instituição de políticas públicas no âmbito do
poder municipal, devendo ser aplicados concretamente os diversos meios alternativos de
solução do problema. Cabe ao Município como ente da Federação e garantidor da
concretização dos direitos fundamentais, aplicar políticas públicas com o fim de prestar
assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes e, consequentemente, garantir o
acesso à justiça àqueles que ainda vivem à margem da sociedade.
Desta forma, objetivou-se demonstrar com a presente pesquisa que o reconhecimento
da competência do Município, como ente federativo, para prestar assistência jurídica integral
e gratuita aos hipossuficientes, ao lado da União, dos Estados e do Distrito Federal,
potencializa o princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, bem como o direito
de acesso à justiça.
Em relação à abordagem histórica da assistência jurídica integral e gratuita, foram
constatadas as características desse serviço essencial nos dias atuais, bem como os obstáculos
que o impedem de ser prestado efetivamente. A afirmação de que a assistência jurídica é um
serviço gratuito não é de todo correta, porque se trata de um direito fundamental da pessoa
humana, constitucionalmente consagrado. A assistência jurídica não se exaure na mera
representação por advogado em Juízo, porquanto é atividade que vai além, alcançando a mera
informação ou orientação aos hipossuficientes, sem que seja necessário existir uma demanda
43
judicial.
Quanto ao direito de acesso à justiça, restou demonstrado que este guarda íntima
relação com a assistência jurídica integral e gratuita, dela fazendo parte como se fosse um só
instituto. Conforme o ensinamento dos ilustres juristas Mauro Cappelletti e Bryant Garth
restou evidenciado o novo enfoque do acesso à justiça, introduzido pela terceira onda
renovatória do movimento mundial desse acesso, no qual se entende que tal direito se refere
ao acesso a uma ordem jurídica justa, e não à mera postulação perante o Poder Judiciário.
Foram analisados os argumentos favoráveis e contrários à prestação de assistência jurídica
integral e gratuita pelos entes municipais.
A pesquisa resultou no entendimento de que restringir a assistência jurídica aos
órgãos da Defensoria Pública consiste também em restringir o princípio constitucional do
livre e integral acesso à justiça, levando-se em conta seu novo enfoque. Destacou-se que a
CRFB não estabeleceu qualquer monopólio da assistência jurídica, possibilitando que outros
órgãos, bem como entidades ligadas ao Poder Público, prestem aos indivíduos
economicamente carentes tal serviço, assegurando-lhes o acesso à Justiça de forma irrestrita.
Assim, a autonomia municipal consistente na capacidade de autogoverno, auto-
organização, autoadministração e normatização próprias, aliadas ao princípio da máxima
efetividade por meio do qual deve ser interpretada a norma que atribui ao poder público este
mister, isto é, a CRFB, autorizam a implementação do serviço por parte do ente federativo em
questão.
Considerando todas as ponderações feitas no desenvolvimento da pesquisa, não
obstante o artigo 134, § 1º da CRFB tenha deixado de mencionar o Município como
competente para legislar e desempenhar o mister da assistência jurídica integral e gratuita,
bem como o princípio da dignidade da pessoa humana consagrado na CRFB, e também o
direito de acesso à justiça, que deve ter sempre sua aplicabilidade otimizada, o entendimento
de que o ente municipal pode instituir o serviço de assistência jurídica integral e gratuita é o
que mais se coaduna com o ordenamento jurídico brasileiro.
REFERÊNCIAS
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