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XXV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - BRASÍLIA/DF
HERMENÊUTICA JURÍDICA
FERNANDO DE BRITO ALVES
JOSÉ ALCEBIADES DE OLIVEIRA JUNIOR
MATHEUS FELIPE DE CASTRO
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H553
Hermenêutica jurídica [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UnB/UCB/IDP/UDF;
Coordenadores: Fernando De Brito Alves, José Alcebiades De Oliveira Junior, Matheus Felipe De Castro –
Florianópolis: CONPEDI, 2016.
Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-192-0
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: DIREITO E DESIGUALDADES: Diagnósticos e Perspectivas para um Brasil Justo.
1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Encontros. 2. Hermenêutica Jurídica. I. Encontro
Nacional do CONPEDI (25. : 2016 : Brasília, DF).
CDU: 34
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Florianópolis – Santa Catarina – SC www.conpedi.org.br
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
XXV ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI - BRASÍLIA/DF
HERMENÊUTICA JURÍDICA
Apresentação
Os trabalhos apresentados no GT Hermenêutica Jurídica I, no XXV Encontro Nacional do
CONPEDI, em Brasília, e que ora compõem este livro, manifestam à evidência o avanço das
discussões sobre hermenêutica jurídica no país, bem como os principais debates hoje
existentes sobre temas que vão desde critérios interpretativos às candentes questões
relacionadas ao ativismo judicial, salientados que foram um grande número de autores
importantes nessa área. É notável, portanto, neste sentido, o fato de que tal como na Filosofia
do Direito e na Sociologia Jurídica, nunca estudamos e pesquisamos tanto também no campo
da Hermenêutica Jurídica. Assim sendo, nesta apresentação, gostaríamos de realizar alguns
comentários sobre o conteúdo deste livro, a fim de antecipar aos possíveis leitores o que eles
poderão aqui encontrar, sempre considerando as apresentações feitas e os debates
transcorridos por ocasião das apresentações feitas no transcorrer do evento.
Assim, diante da diversidade temática e não fugindo à tarefa que nos cabe, chegamos às
seguintes observações e a consequente estruturação desta obra:
1 - Vários autores importantes foram neste grupo retratados, assim como vários temas atuais,
dentre os quais, saliente-se os seguintes textos:
No texto a contribuição da hermenêutica ricoeuriana e sua dialética do amor para o
pensamento jurídico contemporâneo, o pesquisador além de desenvolver os aspectos dessa
importante dialética, traz ao público um importante debate entre Ricouer e Heidegger,
importante para o descortínio do tema. De outra parte, revisitar a hermenêutica constitucional
de Häberle se constitui hoje mais do que uma mera visita, uma obrigação para quem pretende
discutir e levantar em conta a diversidade cultural, o que faz desse texto algo muito
interessante. Lembre-se das teorias de Häberle sobre "a sociedade aberta dos intérpretes da
constituição". Na seqüência, observa-se uma retomada da sempre importante discussão no
direito dos denominados conceitos jurídicos indeterminados, demonstrando a tese da
importância das contribuições da Hermenêutica Filosófica para com esse debate, sobretudo
quando se trata de discussões sobre os interesses da administração pública. Logo a seguir, se
apresentam discussões, a nosso juízo, muito importantes nos tempos atuais de centralidade do
Poder Judiciário no combate à corrupção, trazendo o tema da isenção política nas decisões
jurisdicionais.
A seguir, o leitor encontrará um tema que chamou bastante a atenção destes coordenadores e
que diz respeito a taxatividade penal e o atual conceito de família, uma vez que ainda
padecemos de muitas inadequações dos vários ramos específicos do Direito, como é o caso
do Direito Penal e do Direito de família, em face dos princípios constitucionais e das
transformações do mundo. Um outro tema versado, é o da juridicidade das normas
constitucionais e a desconstruções classificatórias procurando mostrar que ao contrário do
que se pensa as normas programáticas possuem tanta ou igual importância quanto as demais.
O atual protagonismo da interpretação constitucional como leme para aplicação vem reforçar
as discussões sobre a importância da constituição e sua aplicação e efetivação. A
interpretação constitucional prossegue como tema no texto panorama hermenêutico do
ordenamento jurídico pátrio e os problemas gerados com o neoconstitucionalismo, em uma
discussão que considera as obras de Dworkin, Alexy, Häberle e outros. Importante texto vem
a seguir sobre o STF e as bases materiasis para a hermenêutica transconstitucional, no qual
seus autores ressaltam a importância do estudo comparado e o respeito ao que as Cortes
Internacionais já disseram sobre polêmicas relacionadas aos Direitos Humanos. O precedente
judicial como princípio e a liberdade de expressão na decisão da ADPF 130, sobre as
questões da liberdade de imprensa e o tema do precedente judicial.
Enfim, os princípios constitucionais e a hermenêutica frente aos principios gerais do direito,
reflexões sobre o status de ciência para o saber jurídico e uma rediscussão da ideia de
paradigma, o tema do repensar da jurisprudência e uma retomada do tema da integridade do
Direito e o problema do ativismo judicial a partir de Dworkin, encerram os textos de
hermenêutica jurídica apresentados neste grupo e que compõem esta publicação.
2 - Enfim, como comentários finais gostaríamos de assinalar a riqueza das contribuições
trazidas ao Grupo de Hermenêutica Jurídica, cumprimentar a todos os seus autores e dizer da
nossa satisfação em poder ter presidido este grupo, desejando a todos que prossigam com
suas pesquisas e realizações acadêmicas.
Fernando De Brito Alves - Universidade Estadual do Norte do Parana
José Alcebíades De Oliveira Junior - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Matheus Felipe De Castro - Universidade Federal de Santa Catarina
1 Professora do Curso de Graduação e de Pós Graduação em Direito da UFSC; Doutora em Direito, Política e Sociedade e Mestra em Direito, Estado e Sociedade pela UFSC.
2 Professora do Curso de Direito da UFSC. Doutora em Direito pela UFSC. Mestre em Direito pela Universidade do Vale dos Sinos – UNISINOS.
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O PANORAMA HERMENÊUTICO DO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO E O COMPLIANCE JUDICIAL DOS TRIBUNAIS SUPERIORES: PESQUISA
AMOSTRAL SOBRE O NEOCONSTITUCIONALISMO
THE HERMENEUTIC ASPECT OF THE BRASILIAN LAW AND THE COMPLIANCE BY JUDICIAL COURTS: SAMPLE SEARCH ABOUT
NEOCONSTITUTIONALISM
Grazielly Alessandra Baggenstoss 1Juliana Wulfing 2
Resumo
Este trabalho, guiado pelo método dedutivo, objetiva analisar a observância da atuação
judicial das bases interpretativas dispostas ordenamento jurídico brasileiro e está estruturado
em três etapas: (a) exposição dos aspectos jurídicos que disciplinam a exegese das normas
jurídicas brasileiras; (b) a apresentação da Teoria Hermenêutica Neoconstitucionalista, como
uma referência de interpretação vinculada à ideia de justiça; (c) estudo sobre três julgados
paradigmas proferidos pelos tribunais superiores. Assim, observa-se se as fundamentações
das decisões coadunam-se com as disposições legais sobre interpretação e aplicação da lei,
verificando-se o Compliance Judicial, bem como se perquire sobre a vinculação com o
Neoconstitucionalismo.
Palavras-chave: Hermenêutica jurídica, Neoconstitucionalismo, Compliance judicial
Abstract/Resumen/Résumé
This paper, guided by the deductive method, aims to analyze the observance of judicial
action of brasilian law and is structured in three stages: (a) statement of the legal aspects
regulate the exegesis of brazilian law; (b) the presentation of Neoconstitutionalism, as an
interpretation of reference linked to the idea of justice;(c) study of three judged paradigms
decided by the judicial courts. In this perspective, it questions whether the fundaments of the
decisions to observe the laws of interpreting and applying the law, and if perquire about
linking with Neoconstitutionalism.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Legal hermeneutics, Neoconstitucionalism, Judicial compliance
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1. Considerações iniciais
A pretensão deste trabalho é expor o panorama legal para exegese do ordenamento
jurídico pátrio, bem como apresentar o viés interpretativo do Neoconstitucionalismo e
verificar se as normas jurídicas acerca de interpretação e aplicação do Direito Brasileiro são
respeitadas na atuação judicial, especificamente no que tange à fundamentação decisional, a
partir da análise de pinçadas decisões dos Tribunais Superiores pátrios. É tal observância que,
neste trabalho, denomina-se de Compliance Judicial, em que se investiga, com o auxílio de
determinadas diretrizes a seguir mencionadas, o enquadramento da fundamentação judicial às
balizas legais de interpretação e aplicação do Direito.
Para tanto, de início, expõe-se sobre a perspectiva contemporâneo do ordenamento
jurídico pátrio a partir de Norberto Bobbio e Hans Kelsen, seguida da caracterização da
Teoria Neoconstitucionalista e de suas bases fundamentais, as quais influenciam a postura
interpretativa e o método de aplicação do Direito de diversos magistrados brasileiros,
especialmente nas Cortes Superiores. Em seguida, apresentam-se três decisões proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho.
Em tal explanação derradeira, analisam-se tais julgados paradigmáticos, com o fito de
se observar a fundamentação judicial e, a partir disso, observar a adequação interpretativo
com a perspectiva exegética disciplinada pelo ordenamento jurídico pátrio.
A importância deste trabalho sedia-se na necessidade de os órgãos judiciais decisórios
apresentarem, de acordo com o art. 93, X, da Constituição Federal brasileira, uma
fundamentação e racionalidade adequadas para com a identidade do sistema jurídico pátrio,
em respeito às normas constitucionais e para a legitimação de sua função jurisdicional.
2. A perspectiva da exegese contemporânea do ordenamento jurídico brasileiro
Os aspectos exegéticos de um ordenamento jurídico são estruturados por suas próprias
normas de interpretação e aplicação do Direito e com o auxílio de teorias jurídicas em geral e
construções teóricas hermenêuticas, de modo a integrar o conjunto de normas jurídicas em
busca de coerência e a organização necessária para a harmonização de seus elementos.
2.1 O ordenamento jurídico como sistema em unidade, coerente e (in)completo
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Hodiernamente, o ordenamento jurídico pode ser observado a partir de um prisma
sistêmico, em que o Direito será considerado o conjunto de elementos que, inter-relacionados
e interdependentes, apresentam determinadas peculiaridades próprias. Tal caracterização
partilhada é o que identifica tais elementos como normas jurídicas: generalidade,
bilateralidade, abstratividade e coercibilidade.
A partir de tal compreensão, é adequado filiar-se ao entendimento de Norberto
Bobbio, que, inspirado pelas concepções de Hans Kelsen, Para Bobbio, professa que o
ordenamento jurídico é um complexo de normas que existem ligadas umas às outras,
formando um sistema normativo, que tem por características a unicidade e a coerência
(BOBBIO, 2008).
Da discussão da completude do sistema jurídico, então, surge a partir do
questionamento sobre a suficiência de tais normas que se refere à previsibilidade de
regulamentação de condutas. Para tanto, atinge-se uma outra inquietação, que atinge a atuação
judicial na interpretação das normas.
2.2 A (in)completude e eventuais lacunas do ordenamento jurídico: a previsão legal no
Direito pátrio
A perquirição sobre a completude ou a incompletude do sistema jurídico alcança a
verificação da faticidade das normas no campo das interações concretas (sociais, políticas,
econômicas). Assim, questiona-se se existem ou não condutas humanas que não sejam pela
ordem jurídica.
Diante de tal dubiedade, surgem duas correntes contrapostas. A primeira defende a
completude do direito e, por consequência, assevera que o sistema jurídico é fechado e
desprovido de lacunas. Seu principal axioma é “tudo o que não está juridicamente proibido,
está juridicamente permitido” e apresenta, como corolário essencial, a regra de proibição do
non liquet, em que o magistrado nunca poderia eximir-se de julgar, alegando falta ou
obscuridade da lei. De outro lado, há aqueles que visualizam o Direito como um sistema
jurídico aberto: sua atribuição é de incompletude e, por consequência, de existência de
lacunas, que são definidas como imperfeições que comprometem a ideia de plenitude do
sistema jurídico e consideradas, também, como omissões da lei.
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Havendo lacunas, a complementação do ordenamento jurídico deve ser feito por fontes
de integração, ou fontes integrativas. Assim, a integração do Direito é uma a atividade
vinculada à interpretação jurídica, consistente no preenchimento das lacunas normativas1.
O ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com o art. 4º da Lei de Introdução às
Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 1942), é lacunoso, eis que estabelece,
em tal dispositivo, mecanismos para preencher as referidas lacunas por meio dos instrumentos
de integração do direito. Nesse compasso, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Na percepção da lacunosidade do Direito pátrio, estabelece o art. 140 e parágrafo
único do Código de Processo Civil atual2, ainda, que: “o juiz não se exime de decidir sob a
alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico” e que “O juiz só decidirá por
equidade nos casos previstos em lei”.
Desse modo, tem-se a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito com
instrumentos de integração do ordenamento jurídico pátrio.
A analogia denota a utilização, em auxílio à atividade interpretativa e para integrar
uma lacuna, de uma norma jurídica regulatória de um determinado caso concreto em outra
situação fática similar. A lacuna, in casu, equivale à ausência legal de regulamentação de
determinado fato. Desse modo, o intérprete aplica, em uma situação concreta não
contemplada pelo ordenamento jurídico, uma norma prevista para uma hipótese distinta,
desde que semelhante ao caso não regulamentado.
Os costumes, por sua vez, encarnam uma prática de uma determinada forma de
conduta, repetida de modo uniforme e constante pelos membros de um grupo social. Tais
elementos de integração da lei são especialmente aplicados quando norma jurídica autorize,
de forma expressa, a sua utilização, a exemplo do art. 113, do Código Civil, em que "Os
negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua
celebração".
1 Segundo BOBBIO (2008), são três as espécies de lacunas:
a) Lacunas normativas: inexiste um conjunto normativo regulando expressamente um dado campo de
interação do comportamento humano; em suma, é a lacuna que se refere à ausência de norma;
b) Lacunas fáticas: as normas jurídicas deixam de ser cumpridas pelos agentes da realidade social,
evidenciando o fenômeno de revolta dos fatos contra o sistema jurídico;
c) Lacuna valorativa: quando a norma jurídica vigente não é valorada como junta pela maioria dos integrantes
da sociedade humana, não estando em conformidade com os valores socialmente aceitos. 2A correspondência similar mencionado artigo já havia no revogado art. 126, CPC/1973, que estabelecia que “o
juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide
caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais
de direito”.
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Os princípios gerais do direito, por fim, desempenham a função de fundamentos da
cultura jurídica humana, eis que redundam em diretrizes sobre os quais assenta o pensamento
jurídica dominante. Apesar disso, não há consenso acerca de sua definição: alguns juristas os
consideram como referentes ao direito natural, outros à questão de justiça, e, ainda, à
equidade.
Na lição de Dabin (2010), os princípios gerais do direito podem caracterizar (a)
critérios legais, como a regra da irretroatividade das leis; (b) construções teóricas da doutrina,
tais como o princípio da unidade e da indivisibilidade do patrimônio; (c) premissas acerca da
equidade, da ordem social e do bom senso, tal como a disposição de que "o acessório segue o
principal".
Como se percebe, é uma via aberta de argumentação, que permite ao órgão
jurisdicional fundamentar sua decisão de modo discricionário, haja vista que seu objetivo é
permitir que sejam realizados valores e finalidades maiores do ordenamento jurídico.
Nesse direcionamento, ainda há a equidade, já referida, a qual consiste
[...] no ideal do justo empiricamente concretizado, implicando a aplicação
prudente do julgador do seu sentimento de justiça, ao observar as
irregularidades de um dado caso concreto. Enseja a preferência por uma
interpretação mais humana e benigna da norma jurídica, com a calibração
teleológica das possibilidades hermenêuticas (Soares, 2010, p. 128).
Um de seus exemplos é o art. 2º da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/1996), que dispõe
que "a arbitragem poderá ser de direito ou de equidade, a critério das partes".
Conforme referido, a partir da existência de uma lacuna no ordenamento jurídico, é
cabível o manejo de recursos argumentativos, cuja finalidade é permitir-lhe a busca de uma
decisão possível e mais favorável, superando o conflito entre a literalidade da lei e as
exigências peculiares da justiça, conferindo ao intérprete a possibilidade de se valer de
argumentos de justificação externa do Direito como se fossem de justificação interna -
mediante, também, o uso valorativo dos instrumentos integradores.
O uso de tais recursos argumentativos pode indicar a filiação de seu intérprete a uma
determinada teoria hermenêutica. No mesmo sentido, é possível a fundamentação de um ato
judicial sem a utilização de tais instrumentos de integração ou, até mesmo, da própria
legislação, embora haja norma jurídica que discipline uma situação fática.
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Especificadamente para essa pesquisa, foram escolhidos alguns julgados de Tribunais
Superiores com o propósito de se analisar a argumentação utilizada e, ainda, o enquadramento
sob o prisma da Teoria Hermenêutica Neoconstitucionalista, explicada a seguir.
3. Neoconstitucionalismo
Com o advento do Estado Constitucional de Direito, o Neoconstitucionalismo traz a
Constituição como limite normativo da própria lei e confere especial importância à atividade
judicial. É a por meio da Jurisdição que o Estado equilibraria razão, valores axiológicos e a
vontade das maiorias (MÖLLER, 2011).
Nessa renovação das bases de fundamento jurídico, evidencia-se o resgate do
pensamento jusnaturalista, o qual propicia ao direito uma finalidade, qual seja a de alcançar
uma verdade – o que não poderia se alcançado sem um necessário recurso à experiência,
sensível e espiritual, das realidades próprias e especificamente humanas (MASSINI, 2008).
Além disso, far-se-iam necessários (a) a existência de um direito crítico, que não
cedesse frente à violação de determinados padrões valorativos mínimos; e (b) um sistema
jurídico que esteja de alguma forma relacionado com um sentimento jurídico de justiça.
Em resposta a esse anseio, consolida-se o Neoconstitucionalismo, que considera o
Direito como o centro de “resistência social frente ao mero poder e como garantia da
manutenção de determinados valores que não estão sujeitos a decisões políticas” (MÖLLER,
2011, p. 25). Para tanto, invoca a transformação da concepção de Constituição, a fim de se
readequar as atividades dos poderes, especialmente a atividade judicial e uma mudança de
leitura das normas constitucionais, especialmente dos seus instrumentos de controle dos
poderes.
A doutrina neoconstitucionalista é também denominada de Constitucionalismo
Principialista, Constitucionalismo Ético ou Constitucionalismo Argumentativo e, justificando
tais títulos, defende ferozmente a superação ou a negação do positivismo jurídico, o qual não
seria “mais idôneo para dar conta da nova natureza das atuais democracias constitucionais”
(MÖLLER, 2011, p. 25).
Assim, juntamente com as concepções kelsenianas, o Constitucionalismo promove a
organização e a consolidação de uma doutrina que consagra a supremacia da Constituição no
papel de estruturação do poder e de superior hierarquia no sistema jurídico. Contudo, a fim de
se alcançar a Justiça na aplicação do Direito, interessa-se pelas questões que se referem à
indeterminação do direito, além dos limites institucionalizados. Sob tal prisma, o julgador
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pode passar, por intermédio da decisão judicial, a ocupar o papel do legislador (é possível,
também no âmbito da teoria da legislação, o desenvolvimento de novas teorias da
argumentação voltadas à fundamentação da lei a ser produzida) (CADEMARTORI;
DUARTE, 2009, p. 43).
Ao contrário do Positivismo Jurídico, para o qual o Direito não perde sua juridicidade
pelo fato de ser injusto, portanto, o Neoconstitucionalismo retrata a correlação entre justiça e
licitude e apresenta a tese de que a racionalidade moral é necessária para a formação do
discurso de racionalidade jurídica. Em vista disso, reverbera a existência da relação intrínseca
entre o Direito e a Moral (CADEMARTORI; DUARTE, 2009).
De tal construção teórica, são notáveis (a) o ataque ao positivismo jurídico e à
separação entre direito e moral; (b) a função central associada ao argumento de que os
“direitos constitucionalmente estabelecidos não são regras, mas princípios, entre eles em
virtual conflito, que são objetos de ponderação, e não de subsunção” (FERRAJOLI et al,
2012, p. 21); e, por fim, (c) o conceito de direito como uma prática jurídica, confiada,
sobretudo, à atividade dos juízes.
O Direito, por isso, “é aquilo que, na realidade, dizem os tribunais – e de maneira
mais ampla, os operadores jurídicos -, consistindo, em última análise nas suas práticas
interpretativas e argumentativas” (FERRAJOLI et al, 2012, p. 21).
Em tal movimentação teórica, o Neoconstitucionalismo pode ser examinado a partir
dos textos constitucionais, das práticas jurisdicionais e das construções teóricas.
Em referência aos textos constitucionais, como a Constituição são Espanhola de 1978,
a Brasileira de 1988 e a Colombiana de 1991, o Neoconstitucionalismo o explica como um
conjunto surgido a partir do término da segunda guerra mundial e cuja função não se limita a
estabelecer competências ou a separar os poderes políticos, mas também determinar altos
níveis de normas substantivas – as quais condicionam a atuação do Estado por meio da
ordenação de certos fins e objetivos (CARBONELL, 2007).
As práticas jurisdicionais, por sua vez, apresentam profundas mudanças e que
representam a necessidade de os órgãos jurisdicionais aprender a realizar sua função sob
novos parâmetros interpretativos, a partir dos qual a racionalidade judicial se parece mais
completa.
Os desenvolvimentos teóricos, por fim, representam os aportes teóricos que partem da
nova Constituição substancial e da prática jurisprudencial e também consideram
“apontamentos formais que contribuem em ocasiões não somente a explicar um fenômeno
jurídico, mas inclusive a criá-lo” (CARBONELL, 2007, p. 10).
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3.1 Fundamentos teóricos do Neoconstitucionalismo
Em que pese o Neoconstitucionalismo não ser defendido por um autor específico ou
por uma gama de juristas convergentes em um cerne teórico único, as correntes
neoconstitucionalistas constituem-se em torno de um contexto político-jurídico que justificam
o delineamento de sua identidade. Tal panorama pode ser caracterizado pelos seguintes
elementos: a rigidez constitucional; a garantia jurisdicional da Constituição; a força vinculante
da Constituição; a sobreinterpretação da Constituição; aplicação direta da Constituição;
interpretação conforme a lei e Influência da Constituição sobre as relações políticas.
A rigidez constitucional é representada pela escrita da Constituição e por sua proteção
face à legislação ordinária. Nesse sentido, as normas constitucionais, que possuem um
procedimento de formação mais complexo, “não podem ser derrogadas, modificadas ou
abrogadas senão mediante um procedimento especial de revisão constitucional” (Guastini,
2005, p. 50-51). A par disso o ordenamento jurídico, na base legislativa, diferencia-se nos
níveis hierárquicos de legislação ordinária e de legislação constitucional (ou de revisão
constitucional).
A garantia jurisdicional da Constituição consiste na manutenção de seus preceitos por
meio dos sistemas de controle jurisdicional de constitucionalidade.
A força vinculante da Constituição, característica que diferencia claramente o
constitucionalismo contemporâneo do constitucionalismo moderno, significa que,
independentemente de sua estrutura ou de seu conteúdo normativo, toda norma constitucional
é genuína, vinculante e apta a produzir efeitos jurídicos (GUASTINI, 2005). Além disso,
promove o reposicionamento da Constituição frente às demais fontes do direito, de modo que
não é considerada mero instrumento normativo de organização do poder, mas importante
regramento que expressa princípios, diretrizes, metas e regras jurídicas que servem de
parâmetro para a aplicação das demais normas e para o afastamento das normas
infraconstitucionais que as contrariem (MÖLLER, 2011).
A Constituição também deve ser aplicada na hipótese de existência de lacuna no texto
normativo:
Estas lacunas [...] podem estar presentes tanto no interior de uma norma,
como consistir em situação de fato não prevista pelo sistema jurídico. Para
estes casos, segundo o positivismo clássico, o juiz deveria utilizar da
discricionariedade para solucionar a questão. Nos ordenamentos
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constitucionais modernos, que preveem valores – ainda que, por vezes,
contraditórios – e normas gerais e abertas, nenhum caso que escape à
previsão de uma regra estaria submetida à simples discricionariedade
(MÖLLER, 2011, p. 29-30).
Nesses casos, contudo, é dever do órgão jurisdicional buscar a resolução conforme
uma norma constitucional ou, ao menos, de modo que não contrarie nenhum dos valores
constitucionais3.
Relacionada à força vinculante da Constituição está a aplicação direta das normas
constitucionais. Como o texto constitucional objetiva regular as relações sociais, as normas
constitucionais, em particular os princípios gerais e as normas programáticas, podem produzir
efeitos diretos e ser aplicadas por qualquer órgão jurisdicional em qualquer caso (GUASTINI,
2005). Assim,
[...] a constituição tem força vinculante quando suas normas são diretamente
aplicadas; e as normas são diretamente aplicadas em razão da força
vinculante da constituição. Esta última constituiria um dogma do
neoconstitucionalismo, ao passo que a aplicação direta seria a consequência
da aceitação da força vinculante” (MÖLLER, 2011, p. 37).
Segundo a interpretação conforme a lei, o esforço hermenêutico deve ser feito no
sentido de harmonizar a lei com a Constituição com o significado, diante de uma ambiguidade
interpretativa, que impeça uma contradição entre a lei e a Constituição. Assim, conserva-se a
validade de uma lei a qual, em outra interpretação, deveria ser declarada inconstitucional
(GUASTINI, 2005).
Por fim, a influência da Constituição sobre as relações políticas está vinculada a
diversos fatores, como o conteúdo da Constituição; a postura dos juízes; a postura dos órgãos
constitucionais e a postura dos atores políticos (GUASTINI, 2005).
A partir disso, a estruturação teórica do Neoconstitucionalismo, assim como a Teoria
Garantista, apresenta três vieses: como teoria jurídica, como ideologia e como filosofia
jurídica.
4. Julgados paradigmáticos dos Tribunais Superiores
3 Tal perspectiva é muito similar à proposta por Dworkin, quando questionava a solução da discricionariedade
prevista por Hart. Conforme Dworkin, para todos os casos, o juiz estaria sujeito a princípios morais. Cf.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 120.
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De início, antes de apresentar os julgados escolhidos para esse trabalho, é preciso
esclarecer a diferença entre tais decisões e a definição de jurisprudência.
A jurisprudência, para ordenamento jurídico brasileiro, representa uma fonte
interpretativa do Direito, ou, ainda, uma fonte informativa. Isso significa que, de regra, não
pertencente ao Direito Positivo, não apresenta os atributos deste (generalidade, bilateralidade,
abstratividade e coercibilidade).
O sentido técnico da expressão jurisprudência representa o resultado do trabalho
interpretativo dos tribunais, no exercício de sua competência, acerca do Direito Positivo. Em
outras palavras, é o conjunto de decisões de determinado tribunal acerca de temáticas de sua
função específica ou, ainda, um conjunto de julgados semelhantes sobre um mesmo tema.
Por interpretar e aplicar o Direito Positivo, é primordial a relevância dos órgãos
jurisdicional para a configuração do pensamento jurídico de um determinado grupo social,
especialmente no que se refere ao poder de preenchimento das lacunas do ordenamento
jurídico na aplicação das normas jurídicas em casos concretos.
Diante disso, frisa-se: a jurisprudência, como o sentido interpretativo da norma
jurídica, não se perfaz no conjunto de normas jurídicas, mas sim como uma fonte informativa
do Direito positivado4. Na sequência, então, determinado entendimento jurisprudencial não
estabelece uma normatividade legal, mas se perfaz, tão somente, em argumento de autoridade.
. Na compreensão kelseniana, a jurisprudência também é considerada fonte do Direito,
visto que o órgão jurisdicional possui legitimidade estatal para promover determinada
interpretação; contudo, os efeitos da decisão judicial não atingem terceiros além das partes,
visto que “[...] a decisão judicial também pode ser considerada como fonte dos deveres e
direitos das partes litigantes por ela estatuídos, ou da atribuição de competência ao órgão que
tem de executar essa decisão” (KELSEN, 2009, p, 323).
Aqui, importante destacar que percepção da jurisprudência como fonte do direito é
diversa em países tradição jurídica romana e em países da Common Law. O posicionamento
do Direito da Common Law, ao contrário dos países de Civil Law, tem-se a jurisprudência
como fonte direta do Direito, sendo um direito calcado na prática (ROSS, 2003).
4 Excetue-se súmula vinculante, prevista no texto constitucional, pelo seu art. 103-A, o qual dispõe que: “O
Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus
membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação
na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração
pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma estabelecida em lei”. Frisa-se que a vinculação de tais súmulas não abrange o Poder
Legislativo, que pode enfrentar, em processo legislativo, as temáticas sumuladas.
148
Contemporaneamente, é possível constatar que o Estado Constitucional atravessa uma
crise de retorno a uma ordem normativa jurisprudencial pré-moderna e uma tendência à
fundamentação de decisões judicial conforme o Common Law. O estremecimento do Estado
de direito e sua inclinação à regressão podem ser causados pelo colapso da atribuição
reguladora da lei e pelas inovações do papel criativo da jurisdição, o que, como efeito,
resultam na perda da unidade e da coerência das fontes jurídicas e a concomitância de
diversos ordenamentos concorrentes (FERRAJOLI, 2003).
Essa crise atinge o princípio da legalidade, tal como reconhecimento do Estado
legislativo de direito, e é gerada pela inflação legislativa e a disfunção da linguagem legal,
advindas de uma política que confunde as fontes do direito e, assim, provoca a degradação da
legislação e da administração.
Diante de uma legislação desordenada, os magistrados veem-se na função de
exercerem a função jurisdicional de modo mais ativo, o que produz a formação
jurisprudencial ou administrativa do direito e caracteriza o modelo de direito pré-moderno e a
perda de certeza, de eficiência e de garantias (FERRAJOLI, 2003).
De outro lado, também se pode afirmar que os espaços de jurisdição foram ampliados,
especialmente no que diz respeito à interpretação e aplicação dos princípios constitucionais e,
também, no tocante ao Direito do Trabalho, conforme será demonstrado a seguir. Diante
disso, o que se percebe é que uma disfunção no exercício da atividade jurisdicional que dá azo
ao ativismo judicial, o qual se caracteriza pela negativa dos magistrados de obedecerem aos
limites jurisdicionais determinados pela Constituição (TRINDADE, 2012).
Por conseguinte, há a afetação do papel da Constituição no que concerne à legislação,
haja vista que o Estado legislador, faticamente, não seria mais o único responsável pela
produção jurídica. Em face de tal contexto, observa-se a deformação da estrutura
constitucional democrática no que se refere à representatividade política e no que tange à
subordinação aos limites e controles constitucionais baseados na tutela dos direitos
fundamentais. Assim, grande parte da decisão e das fontes normativas, que são reservadas ao
Estado legislador, remanescem distante de seu exercício. O resultado, portanto, é fatídico: o
risco de produção pseudolegal e consequente confusão na confusão das fontes do direito e na
incerteza das competências. Assim, vê-se a dissolução da modernidade jurídica pelo
“desenvolvimento de um incerto direito comunitário jurisprudencial”, em virtude da atuação
ativa dos tribunais, e “a regressão ao pluralismo e à superposição dos ordenamentos que
foram próprios do direito pré-moderno”, acarretando a perda do sentido das expressões
princípio da legalidade e reserva de lei (FERRAJOLI, 2003).
149
Nesta pesquisa, então, perscrutam-se julgados com temas paradigmáticos do Supremo
Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e Tribunal Superior do Trabalho5, com o fito
de se observar a fundamentação judicial e, a partir disso, observar a adequação do trabalho
exegético com a perspectiva hermenêutica do ordenamento jurídico pátrio.
4.1 Supremo Tribunal Federal - STF
O julgado selecionado da base de dados do Supremo Tribunal Federal – STF objeto da
análise proposta é o acórdão referente à Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental -
ADPF nº 132 e à Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 4.277.
Nessa decisão, o STF promoveu interpretação sistemático-teleológica ao art. 226, §3º,
da CF/88, com o objetivo de equalizá-lo com os princípios da igualdade, da dignidade da
pessoa humana, da liberdade e da segurança jurídica, e reconheceu que a redação
constitucional não veda o reconhecimento da união estável homoafetiva.
Para tanto, entendeu pela permissão analógica à hipótese, conferindo a identidade ou
similaridade da união estável homoafetiva frente à união estável heteroafetiva. Isso porque,
como o texto constitucional não abarca a expressão “apenas”, nem qualquer outra exclusiva,
verificou-se que não há proibição/restrição explícita no reconhecimento da união estável
homoafetiva. Esse entendimento já havia sido manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça,
no REsp n.º 820.475/RJ, em que se reconheceu a união estável homoafetiva pelo elemento
integrativo de analogia, e no REsp n.º 1.026.981/RJ, pelo voto da Ministra Nancy Andrighi,
que destacou que "o manejo da analogia frente à lacuna da lei é perfeitamente aceitável para
alavancar, como entidade familiar, na mais pura acepção da igualdade jurídica, as uniões de
afeto entre pessoas do mesmo sexo".
Houve posicionamentos contrários à compreensão do STF, argumentando que a
atuação dos Ministros representou um ativismo judicial, visto que tal matéria deveria ter sido
enfrentada pelo Congresso, considerando que, no dispositivo constitucional, não havia lacunas
pela completude do ordenamento jurídico, apenas o reconhecimento de uma espécie de união
estável6.
Ainda, segundo o voto do Ministro Lewandowski na ADPF nº 132, não há que se falar
em aplicação de uma mutação constitucional ou na utilização de uma interpretação extensiva
5 Não foram proferidas decisões pelo Tribunal Superior Eleitoral recentemente que possam ser enquadradas, de
modo paradigmático, no objeto de pesquisa desse trabalho. Tal ausência justifica-se pela aplicação estrita da lei
nos casos de direitos políticos, inexistindo, até o momento, hipóteses de considerações neoconstitucionalistas. 6 Posicionamento de Hugo Sarubbi Cysneiros (Recondo, 2011) e de Lenio Streck (Folha de São Paulo, 2011).
150
do dispositivo. Para isso, propõe a declaração de uma nova espécie de entidade familiar, que
seria a “relação homoafetiva”. Por conseguinte, obter-se-ia a tutela de tal espécie por meio de
uma interpretação sistêmica da Constituição, em que seriam articulados o art. 226,
mencionado, os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da
intimidade e da não-discriminação por orientação sexual. Além disso, aponta em seu voto
que, ao construir um entendimento a partir da lacuna normativa, faz-se o uso da metodologia
de integração normativa.
Perante tal espectro, é devida a perquirição sobre os seguintes pontos: (a) Há lacuna no
ordenamento jurídico acerca da união estável homoafetiva? (b) Havendo lacuna, houve o uso,
na decisão do STF, de elementos de integração dispostos legalmente? Qual (is)? (c) No
julgado referido, verifica-se alguma justificação externa ao Direito? (d) Há relação à teoria
neoconstitucionalista?
Para responder à primeira pergunta, é preciso analisar o texto constitucional e o mundo
dos fatos. Faticamente, é nítida a realidade de condição homoafetiva em cidadãos brasileiros.
Perante uma verificação ao ordenamento jurídico, tem-se, especificamente com relação à
união estável, que a norma constitucional refere-se somente à “união estável entre o homem e
a mulher”, a qual é reconhecida como entidade familiar (art. 226, §6º, CF), nada
mencionando, em nenhum outro dispositivo acerca da união estável entre mulher e mulher ou
homem e homem7. Por esse raciocínio, pode-se deduzir pela incompletude do sistema jurídico
brasileiro e, por consequência, pela existência de tal lacuna normativa.
Na sequência, havendo lacuna, a decisão do Superior Tribunal Federal fundamenta-se
na utilização do elemento de integração de analogia e com a técnica de interpretação
extensiva. Desse modo, aplicou-se, a uma situação fática não regulamentada legalmente, uma
norma jurídica que disciplina caso hipotético semelhante (tendo em vista o princípio de
igualdade entre os gêneros). Por conseguinte, a interpretação extensiva, sugerida nos casos de
estabelecimento de direitos, permite a compreensão de que a leitura da expressão “entre
homem e mulher” estenda-se às outras formas de união mencionadas.
Em algumas oportunidades do acórdão, em partida à terceira questão, há referência a
casos de “injustiça perpetrada contra os homossexuais”. Tal menção, assim, promove a
vinculação entre a esfera jurídica e a esfera de valores, caracterizando uma fundamentação
externa (fora do Direito) – haja vista que, conforme explicitado, as questões jurídicas neste
trabalho são tratadas pelo viés da validade, e não do justo. Logo, mesmo que ínfima, há
vinculação da decisão estudada à teoria neoconstitucionalista, em resposta à última pergunta. 7 Aqui, em ciência dos questionamentos de existência de outros gêneros, não se adentra ao debate.
151
4.2 Superior Tribunal de Justiça - STJ
Na decisão do Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial - AgRg no AREsp
nº 570832/GO, reiterou-se o entendimento do STJ sobre a revisão do quantum indenizatório
fixado a títulos de danos morais em ações de responsabilidade civil quando configurada
situação de anormalidade nos valores, sendo estes irrisórios ou exorbitantes. Assim, com base
nas provas e nos fatos constantes dos autos, é possível que o Tribunal de origem pondere o
que é justo a título de indenização por danos morais.
Para tanto, o STJ proferiu, na ementa do referido acórdão, que:
[...] a jurisprudência do STJ admite a revisão do quantum indenizatório
fixado a títulos de danos morais em ações de responsabilidade civil quando
configurada situação de anormalidade nos valores, sendo estes irrisórios ou
exorbitantes.
Nesse compasso, ainda, faz-se menção a uma análise acerca da afronta aos princípios
da proporcionalidade e da razoabilidade:
Nos termos da jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça, a
revisão de indenização por danos morais só é possível em recurso especial
quando o valor fixado nas instâncias locais for exorbitante ou ínfimo, de
modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
(AgRg no AREsp 308.053⁄RJ, Segunda Turma, Rel. Ministra Eliana
Calmon, DJe 19⁄06⁄2013).
Diante disso, investiga-se sobre o seguinte: (a) Há lacuna no ordenamento jurídico
acerca sobre os parâmetros da indenização por danos morais? (b) Havendo lacuna, houve o
uso, na decisão do STJ, de elementos de integração dispostos legalmente? Qual (is)? (c) No
julgado referido, verifica-se alguma justificação externa ao Direito? (e) Há relação à teoria
neoconstitucionalista?
Na linha de raciocínio, a previsão de indenização por danos morais é observada tanto
na Constituição Federal8, quanto no Código Civil
9. A referência sobre a indenização dos
danos morais está no art. 944 do Diploma Civil, que estabelece que “a indenização mede-se
pela extensão do dano”. Nas hipóteses de danos materiais, a mensuração da extensão do dano
8 Art. 5º, inciso V, CF: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano
material, moral ou à imagem. 9 Art. 186, CC: Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
152
é geralmente nítida; no entanto, nos casos de danos morais, tal extensão é de difícil medição.
Por tal perspectiva, é possível afirmar que há lacuna normativa, no ordenamento jurídico
pátrio, acerca da instrumentalização da mensuração do dano moral e, consequentemente, do
cálculo indenização por danos morais.
Para solucionar o caso em concreto, o STJ não se utilizou de nenhum elemento de
integração disposto na LINDB, mas sim em um critério de aferição de anormalidade dos
valores estabelecidos judicialmente, podendo ser caracterizados pelo Tribunal como irrisórios
ou exorbitantes.
Nesse sentido, observa-se o entendimento de que o juízo de primeiro grau, por deter os
poderes jurisdicionais de instrução probatória, detém a atribuição de mensurar, a partir de
critérios próprios, a extensão dos danos morais e o seu valor indenizatório. Nesse panorama, a
proporcionalidade e a razoabilidade (não compreendidas como princípios gerais do direito)
tornam-se preceitos axiológicos de justiça, razão pela qual se verifica a justificação externa do
Direito e, por conseguinte, a relação neoconstitucionalista da fundamentação judicial.
4.3 Tribunal Superior do Trabalho - TST
Há uma peculiaridade no Direito do Trabalho acerca da importância da jurisprudência
na esfera laboral.
Segundo o entendimento de alguns juristas da área (como Amauri Mascaro do
Nascimento e Godinho Delgado), a jurisprudência assemelha-se à legislação devido ao seu
caráter de comando geral, impessoal e abstrato das súmulas:
Essas orientações jurisprudenciais – e dezenas de outras-, embora não
filiadas ao princípio estrito da reserva legal (se interpretado rigidamente esse
princípio, é claro), têm inquestionável força jurídica (e jurígena). Note-se
que no Direito do Trabalho a própria legislação já cuidou de enfatizar a
jurisprudência como fonte normativa – ao menos supletiva, é verdade (art. 8,
CLT). Não obstante seu papel vá além de simples fonte subsidiária do
Direito, houve, de qualquer modo, neste ramo jurídico, um acolhimento
expresso- ainda que parcial – de tese classificatória proposta pela vertente
moderna (DELGADO, 2014, p.170).
Outros doutrinadores, a exemplo de Sérgio Pinto Martins, compreendem o sentido
exposto neste trabalho, adotando a postura de que a jurisprudência não é fonte do Direito do
Trabalho porque apenas é orientativa e não vinculativa.
Leite (1999, p. 397) segue uma posição híbrida, afirmando que:
153
As súmulas [...] apesar de não possuírem obrigatoriedade leal, são dotadas de
certo pode coercitivo tácito, em razão de determinados efeitos que lhes são
atribuídos pelas normas jurídicas nas hipóteses em que a decisão da instância
inferior afronte ou esteja em concordância com elas.
Por fim, Ferraz Junior (2013, p. 246) reconhece a particularidade na jurisprudência do
Direito do Trabalho como fonte do Direito:
[...] a jurisprudência, no sistema romanístico, é, sem dúvida, ‘fonte’
interpretativa da lei, mas não chega a ser fonte do direito. No caso da criação
normativa praeter legem, quando se suprem lacunas e se constituem normais
gerais, temos antes um caso especial do costume. Restariam, talvez, como
exemplos de fonte genuinamente jurisprudencial, alguns casos de decisões
contra legem que existem, sobretudo na área do Direito do Trabalho; este,
por sua natureza específica, voltada não tanto à regulamentação de conflitos,
mas a uma verdadeira proteção ao trabalhador, permite a constituição de
normas gerais com base na equidade.
Tal compreensão doutrinária (igualmente fonte interpretativa do Direito) justifica-se
em razão da prática dos órgãos jurisdicional trabalhistas, os quais apresentam reiteradas
fundamentações diretas em suas próprias orientações jurisprudenciais.
Para tal ilustração, apresenta-se o estudo acerca do acórdão do Recurso de Revista nº
826007120095150050, de 2013, em que, além de se decidir sobre acidente de trabalho,
também ratificou a compreensão sumular sobre os requisitos para condenação ao pagamento
de honorários advocatícios.
Para a insurgência recursal, a reclamada alegou a violação aos artigos 14 da Lei nº
5.584/70 e 791 da CLT, além de contrariedade às Súmulas 219 e 329 do TST. Nesse sentido,
então, encontra-se na ementa que:
[...] segundo a diretriz contida na Súmula 219 do TST, na Justiça do
Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários assistenciais não
decorre somente da sucumbência; deve a parte estar assistida por sindicato
de sua categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao
dobro do mínimo legal ou encontrar-se em situação econômica que não lhe
permita arcar com as despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento
ou de sua família. Deferidos tão só em função da sucumbência, os
honorários devem ser excluídos.
No corpo do acórdão, ainda, menciona-se que:
[...] se encontra consagrado nesta Corte mediante a Orientação
Jurisprudencial 305 da SDI-1 o entendimento de que, na Justiça do Trabalho,
o deferimento de honorários advocatícios se sujeita à constatação do
atendimento concomitante a dois requisitos: o benefício da justiça gratuita e
154
a assistência por sindicato. Dessarte, o Tribunal Regional, ao deferir o
pagamento de honorários advocatícios apenas em razão da sucumbência, não
observou os requisitos previstos na Súmula 219 do TST.
Assim, por contrariedade à Súmula 219 da referida Corte, o recurso foi provido para
excluir da condenação os honorários advocatícios.
Diante disso, perquire-se o julgado pelas seguintes diretrizes: (a) Quais as referências
legislativas sobre o tema? (b) Há lacuna no ordenamento jurídico sobre os honorários
advocatícios sucumbenciais na Justiça do Trabalho? (c) Havendo lacuna, houve o uso, na
decisão do STJ, de elementos de integração dispostos legalmente? (d) No julgado referido,
verifica-se alguma justificação externa ao Direito? (e) Há relação à teoria
neoconstitucionalista?
As referências legislativas sobre os honorários advocatícios estão fixadas no Código
de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 1973), na Lei nº 5.584/70 e na Consolidação das Leis
Trabalhistas (Decreto Lei nº 5.452, de 1943), nos respectivos dispositivos:
CPC:
Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas
que antecipou e os honorários advocatícios. [...]
§ 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o
máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação [...].
Lei nº 5.584/70:
Art. 14. Na Justiça do Trabalho, a assistência judiciária a que se refere a Lei
nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, será prestada pelo Sindicato da categoria
profissional a que pertencer o trabalhador.
CLT:
Art. 791 - Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente
perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final.
§ 1º - Nos dissídios individuais os empregados e empregadores poderão
fazer-se representar por intermédio do sindicato, advogado, solicitador, ou
provisionado, inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
§ 2º - Nos dissídios coletivos é facultada aos interessados a assistência por
advogado.
§ 3o A constituição de procurador com poderes para o foro em geral poderá
ser efetivada, mediante simples registro em ata de audiência, a requerimento
verbal do advogado interessado, com anuência da parte representada.
De tais dispositivos legais, mencionados no acórdão, compreende-se que não há óbice
para que um advogado contratado, que não representante do Sindicato, possa perceber
remuneração a título de honorários advocatícios na esfera trabalhista, porque (a) o CPC, que
regulamenta subsidiariamente a CLT no âmbito processual, disciplina sobre tal possibilidade
155
e sobre sua variação de 10% (dez por cento) a 20% (vinte por cento); (b) a CLT e a Lei nº
5.584/70 não vedam a representação do trabalhador por advogado diverso do causídico do
Sindicato. Assim, não se verifica a lacuna normativa acerca de tal temática.
Nesse sentido, a resolução da quaestio não se deu na esfera do ordenamento jurídico
brasileiro, mas nas súmulas estabelecidas pelo Tribunal Superior do Trabalho, mormente a
Súmula 219/TST, que determina o seguinte:
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESE DE CABIMENTO - Res.
174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários
advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e
simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato
da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao
dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe
permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.
II - É cabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em
ação rescisória no processo trabalhista.
III – São devidos os honorários advocatícios nas causas em que o ente
sindical figure como substituto processual e nas lides que não derivem da
relação de emprego.
Assim, além de não haver lacunas sobre o tema, também não foi a lei que embasou o
acórdão selecionado, mas sim o entendimento jurisprudencial do Tribunal Superior
mencionado.
Pode-se até questionar se a solução do caso deu-se por analogia, em aplicação de
entendimentos de casos anteriores a este estudado. Contudo, deve-se atentar para o seguinte:
(a) a lei é a fonte do direito por excelência e deve ser a base da fundamentação judicial; (b)
para se aplicar a analogia, há necessidade de a lei seja omissa, ou seja, que haja uma lacuna no
ordenamento jurídico sobre determinado tema – o que não é o caso; (c) a analogia refere-se à
aplicação de uma norma (analogia legis) ou um princípio jurídico (analogia iuris), e não a
aplicação de um julgado.
Ademais, destaca-se que tais súmulas e orientações jurisprudenciais não possuem
respaldo legal de aplicabilidade, generalidade, impessoalidade ou coercibilidade, tal como
ocorre com as súmulas vinculantes. Por tal linha de pensamento, verifica-se que a
fundamentação do acórdão é externa ao Direito e sua relação com o Neoconstitucionalismo
pode ser questionada, eis que não há menção expressão a juízos axiológicos.
5. Considerações finais
156
O presente trabalho abordou o que nele se denomina Compliance Judicial, que
consiste na observância da adequação das fundamentações dos tribunais superiores às
orientações interpretativas constantes no ordenamento jurídico. Em outras palavras, abordou-
se sobre o dever dos tribunais referidos de estar em conformidade com o sistema jurídico
brasileiro, cumprindo as normas jurídicas relativas à interpretação e aplicação do Direito.
Paralelamente, trabalhou-se a vinculação das decisões estudadas com a Teoria Hermenêutica
do Neoconstitucionalismo.
Aqui, então, não se apresenta como propósito o exaurimento do tema. Pelo
contrário: foram analisadas, sumariamente, três decisões – paradigmáticas em seu âmbito de
competência – proferidas pelos Tribunais Superiores com a intenção de se iniciar o debate da
adequação mencionada. Desse modo, tem-se, apenas, uma pesquisa amostral, fundamentada
no pensamento jurídico-hermenêutico contemporâneo, que contempla a verificação do
Compliance Judicial.
Nesse intento, é possível afirmar que o julgado do Supremo Tribunal Federal
apresenta uma adequada resolução do caso concreto sub judice, pois articulou logicamente os
dispositivos jurídicos referentes à interpretação, integração e aplicação do Direito.
Outra inferência é obtida com a decisão do Superior Tribunal de Justiça. Apesar de
sua justificação partir da lei, a continuidade de sua fundamentação expõe uma solução
imprecisa à temática de danos morais, segundo as normas jurídicas exegéticas e as balizas
dispostas. Isso porque a ausência da instrumentalização do cálculo da extensão do dano moral
é feito a critério discricionário do magistrado, o qual pode ser percebido, também, como uma
atuação arbitrária10
.
Por consequência, ainda se tem que, na decisão do STF e na decisão do STJ,
observa-se a tendência neoconstitucionalista. O Neoconstitucionalismo, então, tem especial
importância em seus moldes justificativos por defender o liame entre Direito e Moral, ou,
ainda, entre validade e justiça, e por ofertar, exatamente, o senso do que é justo, do que é certo
– o que se percebe como cativante à aceitação e ao consenso no sentido que é defendido.
O julgado escolhido do TST, por sua vez, demonstrou inadequação maior no
tocante à adequação esboçada: sua fundamentação central é uma súmula, cujo gênero não é
reconhecido como fonte originária do Direito no ordenamento jurídico pátrio, mas sim, como
fonte interpretativa do Direito. Por tal raciocínio, conforme explicitado, muitos doutrinadores
10
Adota-se, neste trabalho, a definição de Luigi Ferrajoli sobre discricionariedade: a discricionariedade é
compreendida como a liberdade de atuação do julgador, dentro dos limites de suas atribuições; e a arbitrariedade,
como a atuação judicial que extrapola a delimitação legal.
157
defendem uma leitura peculiar do Direito do Trabalho, de forma que seja embasado
jurisprudencialmente também. Nesse ponto específico, resta o desafio de se estudar a
compatibilidade, para fins de homogeneidade e coerência teórica, tal leitura com a tradição
Civil Law do sistema jurídico brasileiro. A interpretação doutrinária de que os entendimentos
jurisprudenciais da Justiça do Trabalho possuem força de lei é uma solução paliativa e deve
ser enfrentada pelo Poder Legislativo – assim como foi o caso das súmulas vinculantes, mas
não necessariamente com o mesmo deslinde.
Portanto, pelas diretrizes estabelecidas, partindo do questionamento acerca da
existência de lacunas normativas do sistema jurídico brasileiro e especificando-se as relações
interpretativas, é factível a análise de uma fundamentação judicial, a verificação de sua
adequação ao Direito pátrio e a observância do Compliance Judicial.
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