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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
DONATA APARECIDA CAMPOS DE BARROS
Dimenses dos Princpios Jurdicos na Teoria do Direito segundo
Willis Santiago Guerra Filho:
Aspectos de uma Contribuio Brasileira Filosofia do Direito Contempornea.
Mestrado em Direito
So Paulo2007
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2PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
DONATA APARECIDA CAMPOS DE BARROS
Dimenses dos Princpios Jurdicos na Teoria do Direito segundo
Willis Santiago Guerra Filho:
Aspectos de uma Contribuio Brasileira Filosofia do Direito Contempornea.
Mestrado em Direito
Dissertao apresentada PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo paraobteno do ttulo de MESTRE em DireitoConstitucional.Orientador: Prof. Dr. Antonio Mrcio daCunha Guimares
So Paulo 2007
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3Autorizo a reproduo e divulgao total ou parcial deste trabalho, por qualquer meioconvencional ou eletrnico, para fins exclusivos de estudo e pesquisa acadmica ecientfica, desde que citada a fonte.
So Paulo, 31 de agosto de 2007
Assinatura
____________________________________________________________________
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4FOLHA DE APROVAO
Donata Aparecida Campos de Barros
Dimenses dos Princpios Jurdicos na Teoria do Direitosegundo Willis Santiago Guerra Filho:Aspectos de uma Contribuio Brasileira Filosofia do Direito Contempornea.
Dissertao apresentada PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo paraobteno do ttulo de MESTRE em Direito.rea de concentrao: DireitoConstitucionalOrientador: Prof. Dr. Antonio Mrcio daCunha Guimares
Aprovado em: _____________
Banca Examinadora
Prof. Dr.___________________________________________________________Instituio:_______________________ Assinatura:_________________________
Prof. Dr.___________________________________________________________Instituio:________________________Assinatura:________________________
Prof. Dr.___________________________________________________________Instituio:_________________________Assinatura:_______________________
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5DEDICATRIA
Aos meus amados pais Therezinha Campos de Barros e Nelson Morais Barros, que seforam como sempre viveram: juntos!
Ao Alexandre, responsvel pela minha maior proeza, meus filhos, que ajudou a escrever aminha histria de vida, e que to cedo se foi.
Aos meus filhos amados Alexandra Barros Clemente e Gustavo Barros Clemente, dos quaissinto orgulho desmedido.
Aos meus irmos to grandes amigos, Dora Maria, Leopoldo, Nina, Teresinha, Adilson eGilson, com quem posso contar incondicionalmente.
minha amiga Tnia Laky de Sousa, mulher guerreira, que est comigo sempre, nasalegrias e nas adversidades.
Aos meus amigos Mrcio Guima, Rick Sayeg, Andra, Elzinha e Yara, que meensinaram, durante todos esses anos de convivncia diria, o que significa a verdadeira eprofunda amizade.
Ao meu Mestre Maior e amigo Willis Santiago Guerra Filho, pessoa ilibada e generosa,coerente com seus princpios mesmo quando resvala nas convenes, cuja conduta exemplo de retido, e que me ensinou a amar a Filosofia transformadora do Direito.
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6AGRADECIMENTOS
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, por proporcionar aos que querem crescer,as condies favorveis para conseguir o objetivo.
Aos meus familiares e amigos, que contriburam para que mais uma etapa, to importante esignificativa na minha vida fosse cumprida.
Ao Prof. Dr. Fernando Altemeyer Junior, pela pacincia em me ouvir nas fases maisagitadas do trabalho.
Ao Prof. Dr. Antonio Mrcio da Cunha Guimares, por acreditar ser possvel, apesar dospercalos.
Profa. Dra. Maria Garcia, por suas aulas mistura de amor e competncia.
Ao meu Mestre Willis Santiago Guerra Filho, por suas aulas inesquecveis, que fazem avida valer a pena!
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7Nada te turbeNada te espante
Dios no mudaTodo se pasaLa paciencia
Todo lo alcanzaQuien a Dios tiene
Nada le faltaSolo Dios basta
Santa Teresa Dvila
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8RESUMO
O contexto em que se situa o debate actual sobre princpios jurdicos e direitos
fundamentais, central em teoria do direito contempornea, o que se pretende mostrar com
a contribuio brasileira dada por Willis Santiago Guerra Filho, segundo o qual, a
fenomenologia ofereceria a melhor preparao para a necessria superao do positivismo
formalista, sem recair em alguma forma igualmente j superada de jusnaturalismo.
Como estudioso do Direito em nosso pas, Willis Santiago Guerra Filho encara como um
desafio o imperativo de renovao da ordem jurdica nacional, por ser totalmente nova a
base sobre a qual ela se assenta.
O empenho do Autor re-interpretar o Direito Ptrio como um todo, luz da Constituio
da Repblica Federativa do Brasil, o que pressupe uma atividade interpretativa da prpria
Lei Fundamental, mas sem o rano dos operadores jurdicos que no se do conta do
modo objetivante como concebem o Direito, tal como se fosse uma mquina com a qual se
opera, quando se assim o fosse seriam eles as peas dessa engrenagem produtora de um
pseudo-saber, de carter disciplinador. Admirador de Husserl, que prega nada haver de
contedo cognitivo nessa produo de saber, pois conhecimento, para ele, evidncia,
verdade, criadas a partir da intuio, inteira e completamente entendida, que se perde ao ser
rompido o elo com o domnio dos objetos sobre o qual deveramos ser informados, nosso
Autor parte decididamente para o bom campo da verificao pr-cientfica, a fim de
valorizar o direito originrio dessas evidncias, antes desprezadas e, da, poder-se buscar a
conexo essencial entre as cincias.
Palavras-chave: interpretao constitucional, princpios constitucionais, jusnaturalismo,
positivismo.
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9ABSTRACT
The context in which the current discussion is situated about juridical principles and basic
rights, central in contemporary theory of the right, is what we intend to show with the
Brazilian contribution given by Willis Santiago Gerra Filho, according which, the
fenomenology would offer the best preparation for the necessary overcoming of the
formalistic positivism, without relapsing into some form equally already surpassed of
jusnaturalism.
Like scholar of the Right in our country, Willis Santiago Guerra Filho faces like a challenge
the imperative of renewal of the legal national order, because is totally new the base on
which it links.
The pledge of the Author is to re-interpret the Native Right as a whole, according the
Constitution of the Federative Republic of Brazil, which presupposes an interpretative
activity of the Basic Law itself, but without the rancidness of the legal operators who do
not realize in the objective way as they conceive the Right, such as it was a machine with
which it takes place, when if it was like that, they would be the pieces of this producing
gear of a pseudo knowledge, of disciplinary character. Admirer of Husserl, who preaches
that nothing exists of cognitive content in this production of knowledge, because
knowledge, for him, is an evidence and truth, created from the intuition, whole and
completely understood, what is lost to the being broken the link with the domain of the
objects about which we should be informed, our Author goes decidedly for the good field
of the pre-scientific verification, in order to value the original right of these evidences,
before rejected and, from there, the essential connection to be able to search between the
sciences
key words: constitutional interpretation, principles, jusnaturalism, positivism.
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SUMRIO
1. TRAJETRIA INTELECTUAL DE WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO ........... 11
2. PS-POSITIVISMO: A SUPERAO DO DIREITO NATURAL E DOPOSITIVISMO .............................................................................................................. 31
3. DESENVOLVIMENTO HISTRICO DO CONCEITO DE PRINCPIOS JURDICOS:DA SUBSIDIARIEDADE NORMATIVIDADE DOS PRINCPIOS ....................... 39
4. A CONTRIBUIO DE RONALD DWORKIN E SUA CRTICA ............................. 60
5. A TEORIA DOS PRINCPIOS DE ROBERT ALEXY ................................................ 765.1. Consideraes preliminares sobre o Pensamento de Robert Alexy ............................. 765.2. O Conceito de Norma elaborado por Alexy ................................................................ 81
5.2.1. A Estrutura das Normas ........................................................................................... 85
5.2.2. Carter prima facie ................................................................................................... 945.3.1. Dos valores aos princpios ........................................................................................ 95
5.3.2. Crticas ao Critrio de Distino ............................................................................... 98
5.4. O modelo de ponderao proposto por Robert Alexy ................................................ 101
5.4.1. A Ponderao como Elemento da Proporcionalidade ............................................. 101
5.4.2. Os elementos parciais da proporcionalidade ........................................................... 105
5.4.3. A proteo ao ncleo essencial dos direitos fundamentais .................................... 109
5.4.4. A ponderao como um modelo de fundamentao racional ................................. 115
5.4.5. A frmula da ponderao como resposta crtica de Jrgen Habermas ................ 118
5.4.6. A frmula da ponderao assegura a racionalidade? ............................................. 126
6. A IMPORTNCIA DOS PRINCPIOS PARA A NOVA HERMENUTICACONSTITUCIONAL .................................................................................................. 130
7. CONCLUSO ............................................................................................................. 139
7.1 Teses sobre as Dimenses dos Princpios Jurdicos na Teoria do Direito segundo WillisSantiago Guerra Filho .............................................................................................. 139
8. BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................... 151
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Dimenses dos Princpios Jurdicos na Teoria do Direito segundo
Willis Santiago Guerra Filho:
Aspectos de uma Contribuio Brasileira Filosofia do Direito
Contempornea.
1. Trajetria Intelectual de Willis Santiago Guerra Filho.
Do perodo inicial de seu labor cientfico, o que h de mais significativo, para o contexto da
presente dissertao, estaria na Primeira Parte do livro publicado em 1985, "Estudos
Jurdicos - Teoria do Direito, Direito Civil" (Fortaleza: Imprensa Oficial do Cear),
reunindo trabalhos feitos nessas duas reas, a teoria do direito e o direito civil. Dentre os
trabalhos de teoria do direito, contidos na referida Primeira Parte da obra, merece destaque
aquele com que se inicia o livro, intitulado "Sobre o Desenvolvimento da Cincia do
Direito". Trata-se de uma recapitulao dos principais momentos da histria do pensamento
jurdico, a partir do que se pode formular a hiptese de que o paradigma da cincia jurdica
vem se desenvolvendo desde os seus primrdios, na Antigidade Clssica, sem demonstrar
rupturas que configurem aquelas revolues, a que se refere THOMAS S. KUHN em sua
obra j clssica "A Estrutura da Revoluo Cientfica", tendo em vista a situao das
cincias empricas, especialmente a fsica.
Um outro trabalho com carter epistemolgico, coligido nesta obra, aquele que se intitula
"Introduo a uma Hermenutica Pragmtica do Discurso Normativo", onde se prope um
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modelo de interpretao jurdica operativa (LUIGI FERRAJOLI), a partir da combinao
das duas grandes tradies filosficas contemporneas, a analtica e a fenomenolgica.
certo que ambas se apresentam como concorrentes, mas a possibilidade de combin-las se
d a partir do interesse fundamental de ambas na dimenso lingstica, a qual se revela
determinante tambm no estudo do Direito.
Completam a parte de teoria do direito desse que vem a ser o primeiro livro de Willis
Santiago Guerra Filho dois trabalhos sobre a norma jurdica: um dedicado ao seu conceito
enquanto modalidade dentica, e o outro ao problema de sua legitimao, dos mais diversos
pontos de vista: poltico, tico, social etc.
Os estudos preparatrios do doutoramento levaram nosso A. a travar contato com a
esplndida teoria constitucional alem, do que resultou a elaborao dos trabalhos
enfeixados no seu segundo livro, publicado em 1989, "Ensaios de Teoria Constitucional"
(Fortaleza: Imprensa Universitria da UFC), intitulados "A Constituio como Processo",
"Metodologia Jurdica e Interpretao Constitucional" e "O Princpio Constitucional da
Proporcionalidade". Nesses trabalhos so introduzidas noes poca pouco discutidas por
nossa teoria jurdica, apesar de to importantes, especialmente no momento em que se
elaborava entre ns uma nova Constituio: a idia de que ao lado da interpretao jurdica
tradicional se tem uma interpretao especificamente constitucional, a distino entre
normas jurdicas que so princpios daquelas que so meras regras, a procedimentalizao
do Direito contemporneo e a necessidade de se postular o princpio da proporcionalidade
como verdadeira norma fundamental em um Estado Democrtico de Direito. Neste mesmo
livro, como apndice, reuni trabalhos publicados na imprensa local na poca da
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constituinte, onde defendi, entre outras coisas, que se evitasse elaborar uma Constituio
muito analtica, para no comprometer, desde o incio, sua efetividade. O ideal ali
propugnado foi o de que se estabelecessem princpios, instituindo uma Corte Constitucional
para velar pela sua aplicao. O desenvolvimento histrico desses primeiros anos de
vigncia parece comprovar o acerto dessas colocaes, as quais mereceram tambm a
aprovao do jurista abalizado que PABLO LUCAS VERD, Professor Catedrtico de
Direito Constitucional da Universidade de Madri, em sua obra "La Constitucin Abierta".
A vasta literatura que se vem, mais recentemente, produzindo entre ns, sobre temas
atinentes a princpios e direitos fundamentais, vem igualmente a corroborar o quanto j
escrevia poca o A. cujo pensamento se vai aqui abordar, confrontando-o com o de
outros, de reconhecida importncia, no panorama internacional.
Um conjunto de trabalhos que devem ser destacados, especialmente por estarem, ao lado
daqueles por ltimo mencionados - publicados tambm, em parte, na Revista de Processo,
So Paulo: RT, n. 62, 1991, pp. 122 ss. e n. 95, 1999, pp. 64/84, bem como nos Estudos
em Homenagem a Miguel Reale, Antnio Paim et al. (orgs.), Porto Alegre: EDIPUCRS,
2000 e nos Cuadernos de Filosofa del Derecho DOXA, n. 21, vol. II, Manuel Atienza
(ed.), Alicante/Madri: Universidad de Alicante/Centro de Estudios Constitucionales, 1998 -,
na origem da fundamentao terica da tese de Livre-Docncia em Filosofia do Direito,
defendida junto Faculdade de Direito da UFC, formado, em primeiro lugar, por artigos e
resenhas de obras em epistemologia jurdica, publicados na prestigiosa revista Archiv fr
Rechts- und Sozialphilosophie, rgo oficial da Associao Mundial de Filosofia Jurdica
e Social. Dentre estes trabalhos, um ensaio onde defende a necessidade de se incluir um
nmero o maior possvel de perspectivas no estudo do Direito, a fim de incrementar o grau
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de cientificidade desse estudo. Tambm em decorrncia do doutoramento na Universidade
de Bielefeld nosso A. estabeleceu importante contato com um de seus professores (e
fundadores) mais conhecidos internacionalmente, a saber, o Prof. Dr. NIKLAS
LUHMANN, jurista consagrado, dando ensejo a que se familiarizasse com sua teoria de
sistemas sociais autopoiticos, a qual se tornou um dos referenciais tericos para a tese de
livre-docncia, e tambm objeto de outros trabalhos, como aquele publicado na forma de
artigo na Revista Brasileira de Filosofia, n. 62, e o livro Autopoiese do Direito na
Sociedade Ps-Moderna, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
H, ainda, um conjunto de trabalhos que originaram a tese de titularidade em Direito
Processual Constitucional, ctedra pioneira em nosso Pas, defendida junto Faculdade de
Direito da UFC, hoje publicada com o ttulo Processo Constitucional e Direitos
Fundamentais, 1a. ed., So Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional
(IBDC)/Celso Bastos Ed., 199; 5a. ed., So Paulo: RCS, 2007. Dentre estes trabalhos, so
referidos os seguintes:
"Sobre o Discurso da Servido Voluntria de Etinne de la Botie", in: Habeas
Corpus, Fortaleza: Centro Acadmico Clvis Bevilqua da Faculdade de Direito
(UFC), 1983; "Poder, Impotncia e Morte na Obra de Canetti e Kafka", in: O
Saco - Revista ltero-musical, Fortaleza, 1988; "Teorias Tri- e Multidimensionais
em Epistemologia Jurdica: O Modelo Dreier-Alexy e o Modelo Integrativo
Polons", in: Anais do IV Congresso Brasileiro de Filosofia do Direito, Joo
Pessoa, 1990; Prozessuale Durchsetzung von Umweltschutzinteressen im Rahmen
der brasilianischen Verfassung, in: Amaznia: Recht und Realitt, WOLF
PAUL/ROBERTO SANTOS (eds.), Frankfurt am Main: Peter Lang, 1993, pp. 163
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ss.;* Direito Fundamental gua e sua proteo, in: guas, Salvador: Goethe-
Institut/Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de Salvador, 1994,
pp. 269 ss.; Quem tem medo da Constituio?, in: Alter gora - Revista do
Curso de Direito da UFSC, n. 1, Florianpolis: EDUFSC, 1994, pp. 21/22; Direitos
Humanos, Jurisprudncia dos Interesses e o Pensamento Tardio de R. v. Jhering,
in: Arquivos do Ministrio da Justia, n. 183, Ministrio da Justia, Braslia,
DF, 1994; Estatuto Epistemolgico da Pesquisa Jurdico-Dogmtica, in:
Seqncia - Revista do Curso de Ps-Graduao em Direito da UFSC, n. 27,
Florianpolis: Editora da UFSC, pp. 64/71; Teoria Geral do Processo: Em que
Sentido?, in: Lies Alternativas de Direito Processual, HORCIO
WANDERLEI RODRIGUES (org.), So Paulo: Acadmica, 1995, pp. 212 ss.;
Sobre princpios constitucionais gerais: Isonomia e Proporcionalidade, in:
Revista dos Tribunais, n. 719, So Paulo, 1995, pp. 57 ss.; Da interpretao
especificamente constitucional,(28) in: Revista de Informao Legislativa, n.
128, Braslia: Senado Federal, 1995, pp. 255 ss.; Dereitos fundamentais: teora e
realidade normativa, in: Revista Galega de Administracin Pblica, n. 11,
Santiago de Compostela: Escuela Galega de Administracin Pblica, 1996, pp. 135
ss.; Notas em torno ao princpio da proporcionalidade, in: Perspectivas
Constitucionais. Nos 20 anos da Constituio de 1976, JORGE MIRANDA
(ed.), Coimbra: Coimbra Ed., 1996, pp. 249 ss.; Direitos Subjetivos, Direitos
Humanos e Jurisprudncia dos Interesses (relacionados com o Pensamento Tardio
de Rudolf von Jhering), in: Jhering e o Direito no Brasil,(21) J. M. LEITO
ADEODATO (ed.), Recife: UFPE, 1996, pp. 227 ss.; Os Princpios da Isonomia e
da Proporcionalidade como Garantias Fundamentais, in: Cincia Jurdica, n. 68,
Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997, pp. 297 ss.; Direitos fundamentais,
processo e princpio da proporcionalidade, in: Dos Direitos Humanos aos
Direitos Fundamentais, WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO (ed.), Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 1997, pp. 11 ss.; Special Features of Comparative
* Uma traduo deste trabalho acha-se publicada na Revista do TRT da 8 Regio,(24)Belm, n. 28, 1995, pp. 21 ss., e em Amaznia perante o Direito: ProblemasAmbientais e Trabalhistas, WOLF PAUL/ROBERTO SANTOS (orgs.), Belm: UFPA,1995.
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Procedural Law in Brazil, in: Zeitschrift fr Zivilproze International, vol. 3,
Colnia (Alemanha): Carl Heymanns Verlag, 1998, pp. 447/456; Os Aqueus, a
civilizao micnica e os primrdios da democracia, in: Revista de Estudos
Jurdicos UNESP, Franca (SP), 1998, pp. 115/124. Sobre la Dimensin
Jusfilosfica del Proceso, in: Revista de Derecho Procesal, n. 3, Buenos Aires:
Rubinzal Culzoni Editores, 1999, pp. 575/585. A Jurisdio Constitucional no
Brasil: Observaes a partir do Direito Constitucional Comparado, in: Anurio
Iberoamericano de Justicia Constitucional, n. 5, Madri: Centro de Estudios
Constitucionales, 2001, pp. 151/168.
Diz o Prof. Dr. Willis Santiago Guerra Filho:
Foi com um enfoque, ao mesmo tempo processual e constitucional logo, de processo constitucional -, enriquecido com a metodologiacomparativa, que desenvolvi minha tese de doutoramento, naUniversidade de Bielefeld, sob a orientao do Prof. Dr. WOLFGANGGRUNSKY, intitulada Die notwendige Streitgenossenschaft und dieGewhrung des rechtlichen Gehrs Drittbetroffener bei Statusurteilen:Eine rechtsvergleichende Untersuchung unter besondererBercksichtigung des brasilianischen, deutschen und italienischenZivilprozessrecht. Tratou-se, em verdade, na tese doutorado, porrecomendao do prprio orientador do trabalho, de fazer umaprofundamento da dissertao de mestrado, defendida na PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo, em 1986, com o ttulo "DoLitisconsrcio Necessrio nas Aes de Estado". O resultado dessesestudos pode ser resumido como uma interpretao do art. 472, segundaparte, de nosso CPC, que v ali uma regra para a extenso ultra-subjetiva da coisa julgada resultante das sentenas, o que exige aformao de um litisconsrcio entre os que sero diretamente atingidospela sentena, a fim de que se garanta o seu direito fundamentalprocessual de ser ouvido em juzo (Anspruch auf rechtliches Gehr).Essa regra seria de aplicao generalizada, mesmo em ordenamentosjurdicos que no a contemplam explicitamente, como o nosso. O essencial que se pode extrair tanto da dissertao demestrado como da tese de doutorado, recm-mencionadas, encontra-sepublicado aqui no Pas e no exterior, nos seguintes trabalhos:Efficacia ultra partes della sentenza, litisconsorzio necessario eprincipio del contraddittorio, in: Processo civile e societcommerciali, Atti del XX Convegno Nazionale dellAssociazione fra glistudiosi del processo civile, Milo: Giuffr, 1995, pp. 185 ss.; Problemeder notwendigen Streitgenossenschaft im italienischen Zivilproze, in:Anwaltsrecht, Internationales Privatrecht, Rechtshilfe - Jahrbuchfr Italienisches Recht, n. 9, Strau et al. (eds.), Heidelberg: C. F.
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Mller, 1996, pp. 145 ss.; Princpio do contraditrio e eficcia ultra-subjetiva da sentena, in: GENESIS. Revista de Direito ProcessualCivil, n. 3, Curitiba: Genesis, 1996, pp. 712 ss. e Revista Forense, v. 93,n. 337, Rio de Janeiro: Forense, 1997, pp. 401 ss.
O doutoramento obteve sua revalidao nacional, em sintonia com o disposto na legislao
educacional poca vigente no Pas fundamentalmente a mesma da atual, neste particular
-, na IES qual se encontrava ento vinculado, a Universidade Federal do Cear, que
embora no contasse com curso no mesmo nvel e na mesma rea, possua outros, na rea
de cincias humanas, tendo integrado a Comisso especialmente designada para dar parecer
sobre a tese do Professor do Departamento de Cincias Sociais e Filosofia, a qual teve
como presidente da Comisso o eminente Prof. Em. Dr. Dr. h.c. PAULO BONAVIDES.
Quanto carreira acadmica de Willis Santiago Guerra Filho, alm dos ttulos j referidos,
vale mencionar que ela se iniciou ainda no perodo da graduao, quando foi bolsista do
Programa Trabalho/Pesquisa/UFC, em 1980, e monitor do Departamento de Direito
Processual da Universidade Federal do Cear (UFC), de 1981 a 1982, ano do trmino do
bacharelado. O magistrio no ensino superior teve incio em 1984, no Curso de Direito da
Universidade de Fortaleza, onde lecionou at o ingresso no Departamento de Direito
Processual da UFC, em agosto de 1986, onde exerceu de janeiro de 1995 a janeiro de 1996
a funo de Coordenador do Curso de Ps-Graduao em Direito, em nvel de mestrado.
Vale ainda referir que no primeiro perodo de sua estada na Alemanha, para o
doutoramento, no ano letivo de 1989, foi contratado pela Universidade de Bielefeld como
docente de Lngua e Cultura Brasileira.
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A partir de 1996 e durante os prximos quatro anos obteve por duas vezes bolsas de
pesquisa e apoio para participao em congressos no exterior no mbito do Conselho
nacional de Pesquisa (CNPq). No mesmo perodo foi Membro do Comit Assessor na rea
de Direito da CAPES, instituio para qual ainda presto consultoria na avaliao de
projetos individuais e institucionais. Em 1997, no primeiro semestre, exerceu docncia
como Professor-Visitante (Gastprofessor) junto ao Instituto de Sociologia e Teoria do
Direito da Universidade de Graz, ustria. Retornando ao Brasil, foi nomeado Coordenador
do Escritrio da UNESCO no Cear. Em 1998, por meio de concurso pblico, tornou-se
Professor Titular de Direito Processual Constitucional na Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Cear, cargo transferido para a Escola de Cincias Jurdicas da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) em dezembro de 2002, tendo
ali exercido o cargo de Vice-Diretor, nomeado pro tempore, no primeiro semestre do ano
em curso.
Em 2000, foi contratado como Professor Assistente Doutor pela Pontifcia Universidade de
So Paulo para ministrar a disciplina Filosofia do Direito no seu Programa de Estudos
Ps-Graduados em Direito. Em seguida, por considerar de extrema relevncia, para que se
possa aquilatar o modo como desenvolve nesta IES sua docncia e pesquisa, onde a
pudemos acompanhar de perto, nos ltimos anos, passo a resumir os cursos dados no
Programa de Estudos Ps-Graduados em Direito da PUC-SP, em nvel de mestrado e
doutorado, ofertados para as mais diversas reas do Programa, no caso da Filosofia do
Direito I, e para a rea especfica de Filosofia do Direito, nas rubricas II a IV.
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O curso de Filosofia do Direito I estruturado para oferecer um conhecimento histrico e,
tambm, atualizado, sobre a cincia especificamente jurdica, discutindo esta cientificidade
mesma, confrontando-a com outras formas de conhecimento, seja cientfico, seja filosfico,
sem esquecer formas que aparecem mais recentemente, as quais no se deixam reduzir
facilmente aos modelos tradicionais de conhecimento, como o caso da semitica e da
teoria de sistemas. Alm da bibliografia geral, o curso tem como apoio obras de autoria do
seu responsvel, como Autopoiese do Direito na Sociedade Ps-moderna. Introduo a
uma Teoria Social Sistmica, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997; A Filosofia do
Direito (aplicada ao Direito Processual e Teoria da Constituio), 2 ed., So Paulo:
Atlas, 2002, e, especialmente, Teoria da Cincia Jurdica, So Paulo: Saraiva, 2001.
O curso de Filosofia do Direito II j se prope a trabalhar mais o aspecto poltico da
matria, enquanto filosofia do direito e do Estado, matria que se destaca no conjunto do
pensamento filosfico, precisamente, com o advento do moderno Estado de Direito. Aqui
as obras de autoria do professor, que mais se recomenda o estudo, so Teoria Poltica do
Direito, Braslia: Braslia Jurdica, 2000, e Teoria Processual da Constituio, 2a. ed.,
So Paulo: Instituto Brasileiro de Direito Constitucional/Celso Bastos Ed., 2002.
Dando seqncia aos estudos feitos em Filosofia do Direito II, como tambm pressupondo
a discusso epistemolgica da Filosofia do Direito I, o objeto de estudos da disciplina
Filosofia do Direito III a Teoria dos Direitos Fundamentais, tendo como ponto de partida
a obra assim intitulada, da lavra de Robert Alexy, para discutir problemas atinentes ao
modo adequado de se conceber, interpretar e efetivar direitos em uma ordem jurdica que,
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como a nossa, assume a frmula poltica do Estado Democrtico de Direito, a qual implica
um compromisso mais estreito com a pauta valorativa representada pelos direitos (e
garantias) fundamentais. Aqui, sugerido o estudo inicial de estudos a respeito
desenvolvidos pelo professor, consubstanciados nos seus livros Introduo ao Direito
Processual Constitucional, Porto Alegre: Sntese, 1999, refundido em Processo
Constitucional e Direitos Fundamentais, 3 ed., So Paulo: Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional/Celso Bastos Ed., 2003 e, de preferncia, a edio mais recente, a 5.,
publicada pela Ed. RCS, de So Paulo, em 2007.
Por fim, o curso de Filosofia do Direito IV, de certo modo, retoma a questo do curso de
Filosofia do Direito I, em um nvel de maior aprofundamento filosfico, a partir de uma
abordagem fenomenolgica. At o presente, que seja de nosso conhecimento, o que h de
maior flego publicado a respeito o texto Por uma Crtica Fenomenolgica ao
Formalismo da Cincia Dogmtico-Jurdica, in:. Revista Opinio Jurdica, Fortaleza,
2005, p. 311-320, do qual passamos a fazer um resumo. Nosso A. parte do pressuposto de
que o ambiente filosfico brasileiro, apesar de rarefeito, mostra-se extremamente favorvel
recepo do pensamento de Edmund Husserl e seus aclitos, pois como diz ele
demonstrar em estudos preciosos Aquiles Crtes Guimares, o esforo de elaborao
filosfica prpria despendido por Farias Brito, na derradeira fase de seu labor solitrio, ou
seja, na segunda dcada do sculo XX, apresentados em A Base Fsica do Esprito (1912)
e em O Mundo Interior (1914), demonstram notvel convergncia com as tentativas
coetneas daqueles mestres germnicos, assim como as de Ortega y Gasset na Espanha. Por
outro lado, diz ele, Luiz Alberto Cerqueira, em Filosofia Brasileira: Ontognese da
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conscincia de si (2002), expe a genealogia ibrica dessa forma de pensamento,
remontando-a ao perodo ureo de nossa contribuio filosofia, ao qual tanto deve a
modernidade, embora no se costume admitir, uma vez que se trata de um movimento
anti-moderno, por ante-moderno, apesar de coevo ao seu incio: aquele caracterizado
como Segunda Escolstica. desse manancial metafsico que brotam figuras como
Francisco de Vitria, Pedro da Fonseca o Aristteles de Coimbra , Francisco Surez e
o nosso Pe. Antnio Vieira, influenciados, atravs de influxos como aqueles exercidos no
primeiro pelos estudos parisienses tendo professores como Jean Gerson, por pensadores que
so os verdadeiros fundadores da modernidade, em pleno sculo XIII, a saber, Duns Scot e
Guilherme de Ockham. Neles, apesar de seus pressupostos teolgicos, evidencia-se uma
incerteza quanto ao conhecimento meramente humano, como em relao a tudo o que h no
mundo, pela dependncia de um Deus onipotente, que tudo pode, mas parece querer antes a
ordem do que o caos, donde se poder perscrutar essa ordem, com o auxlio de signos
intencionalmente produzidos para figur-la - eis a origem mais remota da filosofia
moderna at chegar, atravs de Descarte, Hume e Kant, filosofia analtica e
fenomenologia, as correntes principais da filosofia contempornea, em vias de se
reencontrarem.
A fenomenologia tambm se faz presente em jusfilsofos brasileiros dos mais
significativos, como so Miguel Reale e Lourival Vilanova, sem esquecer aquele mestre,
prematuramente perdido para ns e vitimado pelo expurgo feito pela ditadura militar na
primeira gerao de professores da UnB, que foi o baiano A. L. Machado Neto. Da gerao
atual, Joo Maurcio Leito Adeodato, aluno dos dois primeiros, persegue os rastros de
Hannah Arendt e Nicolai Hartmann, discpulos, por seu turno, de Heidegger e Husserl,
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respectivamente, assim como Lnio Streck, em contato com Ernildo Stein, fertiliza seu
trabalho com insumos heideggerianos. Stein, por seu turno, anuncia-nos para breve uma
contribuio para a filosofia do direito, a qual j pode ser extrada de obras de um outro
grande estudioso de Heidegger entre ns, como Zeljko Loparic, especialmente em
Heidegger Ru (1990) e Sobre a Responsabilidade (2003). Na vizinha Argentina, a
fenomenologia inspirou tanto a Carlos Cossio na elaborao de sua teoria egolgica, como
tambm aquele que fundou uma outra escola, a qual hoje se notabiliza mundialmente, como
a Escola Analtica Argentina. Refiro-me a Ambrsio L. Gioja, cujo discpulo mais jovem
aclimatou-se em nosso Pas e naturalizou-se brasileiro, sendo um mestre para tantos de ns.
Refiro-me a Luis Alberto Warat. J na reflexo hermenutica de Eros Grau percebe-se o
influxo de mestres diversos destes.
A fenomenologia jurdica, tal como apresentada Pelo Prof. Dr. Willis Santiago Guerra
Filho no curso em apreo, refere-se aplicao do mtodo fenomenolgico, desenvolvido
por Edmund Husserl, ao estudo filosfico do Direito. O termo fenomenologia,
etimologicamente, significa discurso, cincia ou estudo (logos) do fenmeno, sendo
necessrio que se compreenda o significado especfico que Husserl atribui a esta noo,
para saber em que se distingue a fenomenologia por ele proposta de outras referncias a
esta noo, com a que se encontra na Quarta Parte do Neues Organon (Novo Organon),
de Lambert, intitulada Phenomenologie, oder Lehre des Scheins (Fenomenologia ou
Doutrina da Aparncia), de 1764. Heidegger, ao final da introduo do 7o. de Ser e
Tempo, alude ao aparecimento do termo j constaria na Escola de Christian Wolff, ou
seja, no mbito da metafsica pr-crtica. J em Kant, o termo aparece, mas no em
alguma de suas trs Crticas, a saber, da razo pura, prtica e da faculdade de julgar. O
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responsvel pela distino entre noomenon, ou coisa em si, e phainumenon, que
so as coisas enquanto objetos do entendimento, ir se referir a uma fenomenologia na
Quarta Parte de sua obra Metaphysische Anfangsgrnde der Naturwissenschaft (Princpios
Metafsicos da Cincia Natural), onde trata do movimento e da inrcia tal como se
relacionam com a representao, enquanto caractersticas gerais dos fenmenos. Em Hegel,
com sua Fenomenologia do Esprito, de 1807, uma fenomenologia alada condio de
perspectiva filosfica geral, do modo como se desenvolve a conscincia do e no mundo.
Com Hartmann, na obra Fenomenologia da Conscincia Moral, de 1869, a
fenomenologia vai assumir um sentido de pesquisa de fatos psquicos empiricamente
estudados em suas relaes, com uma investigao indutiva dos princpios gerais a que se
pode remet-los. Tal sentido no deixa de guardar similitude com aquele que ter o termo
fenomenologia no mbito do fisicalismo de Mach e do neo-positivismo da Escola de
Viena, j no sculo XX, sentido que ser transmitido a Wittgenstein, em cujos escritos do
perodo intermedirio, entre o Tractatus Logico-Philosophicus e as Investigaes
Filosficas, aparecer o termo com freqncia.
Husserl, por seu turno, ir partir de uma crtica aos limites impostos ao conhecimento pela
filosofia de Descartes, Kant e Hegel, ao afirmar que o pensamento dos citados filsofos no
era rigoroso, j que no consideravam devidamente em suas construes a subjetividade
humana, focalizando apenas o objeto. Eles no se atinham ao fato de que as consideraes
acerca do objeto eram, elas mesmas, construes mentais. A subjetividade, enquanto
conscincia intencional, dirigida aos objetos, para Husserl, seria a primeira verdade
indubitvel para se comear a pensar corretamente. Da ter ele defendido que, no processo
de considerao da subjetividade humana, necessrio assumir uma atitude
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fenomenolgica: j que o homem um ser no mundo e, portanto, participante dele, deve
assumir essa postura e se contrapor a uma atitude natural que aquela de ser possudo
pelo mundo, desconfiando de toda e qualquer evidncia ou obviedade, sejam aquelas do
senso comum, sejam as das cincias, sendo essa a tarefa prpria da filosofia.. No existe,
portanto, para a fenomenologia, uma relao pura do sujeito com o objeto, visto que a
relao entre o sujeito e o objeto sempre intencional: o objeto se torna tal a partir do olhar
do sujeito, um olhar que, para alm da existncia contingente de objetos em particular,
capta sua essncia, o que necessariamente lhe constitui, literalmente, viso da essncia
ou, no sentido fenomenolgico, intuio. Da que, para a Fenomenologia, o ser um ser de
relao. Dessa forma, para ela, tanto o ser quanto o mundo s existem na relao ser-
mundo, no fazendo sentido, portanto, como ressalta Heidegger, entender-se o fenmeno
estudado pela fenomenologia husserliana como uma aparncia que oculta uma essncia
ininteligvel, pois esse fenmeno caracterizado pelo encontro mesmo entre uma
conscincia com o que para ela se revela do mundo, enquanto doadora de sentido e, logo,
consistncia de objeto a essas revelaes.
Em seu ltimo grande esforo filosfico, dedicado ao estudo do que denominou Crise das
Cincias - ou da prpria Humanidade europias, Husserl enfatiza o papel do mundo
da vida (Lebenswelt), enquanto conceito que se tem do mundo antes dele se tornar um
campo de investigao da cincia moderna. a esse conceito que, ao final de sua longa e
profcua trajetria de pensamento, Husserl vai recorrer para nos dar acesso ao campo mais
prprio da filosofia, a saber, a subjetividade transcendental, onde se assentam as condies
de validao de todo conhecimento, inclusive aquele de ordem matemtica, lgica e, em
geral, cientfica. Isso no deixa de ser desconcertante, porque esta Lebenswelt o campo
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em que predominam as opinies comumente compartilhadas, a doxa, e, logo, o campo
propcio ao desenvolvimento de saberes de corte dogmtico. O referido projeto husserliano
se desdobraria em duas etapas, sendo a primeira negativa, de crtica ao simbolismo e
transformao alienante das cincias em mera tcnica, e a segunda, positiva, por voltada
clarificao dos conceitos dessas cincias, a fim de fundament-las devidamente, sendo
essa a tarefa a ser cumprida por Husserl com o recurso ao conceito de Lebenswelt, na
dcada de 1930. Aqui vale recordar a doutrina husserliana do conceito, elaborada desde o
perodo da filosofia da aritmtica, sob a influncia de seu mestre em filosofia, Franz
Brentano o mesmo que influenciou diretamente Sigmund Freud, em sua ctedra vienense,
a fazer um trabalho descritivo de fenmenos psicolgicos que no deixa de ter afinidade
com a fenomenologia husserliana.
O conceito uma representao que intenciona o seu objeto. Intencionar, por seu turno,
tender, por meio de contedos dados conscincia, a outros contedos que no so dados,
para acess-los de maneira compreensiva, ao utilizar, para designar objetos, contedos
dados que remetem a contedos no-dados permitindo, assim, que nos reportemos a
objetos que no nos so efetivamente dados, por meio de signos, derivados de smbolos,
que so conceitos imprprios, os quais decorrem dos conceitos prprios, originrios da
intuio de objetos, cujas marcas distintivas, parciais, esto contidas nos conceitos deste
ltimo tipo, conceitos mesmo. Pela operao reiterada com os signos e signos de
signos, ad nauseam, que se constri o simbolismo, apartado das evidncias da intuio
sensvel.
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E nesse universo simblico em que se constitui a cincia, sendo o simbolismo o que
possibilita tanto o seu acesso a verdades, superando limites de nossa compreenso finita,
como tambm sua perigosa alienao na tcnica, que a descaracteriza enquanto forma de
conhecimento propriamente dito, assentado em fundamentos e justificativas de seu sentido
e finalidade. Assim, tem-se que, na prpria aritmtica, mesmo que o clculo produza
resultados verdadeiros, no se pode confundir tais resultados com o conhecimento
aritmtico. Tal divrcio entre clculo e conhecimento decorre da estrutura interna do
primeiro, que enseja o seu desenvolvimento pelo mecanismo da reiterao das
representaes por signos, representaes imprprias, que foram originalmente
intencionais, quando nela algo j dado reenvia a algo no dado, reenvio esse que ter sua
natureza alterada pela reiterao recursiva, ao ponto de gerar uma simbolizao que no
representao de nada a no ser dela mesma, e ainda assim serve de base para ulteriores
operaes - medida que se passa a simbolizaes em nveis de abstraes cada vez mais
elevados, vai-se perdendo algo dos objetos a que se referem os conceitos, at perd-los
completamente em smbolos que so signos de signos.
Os signos utilizados nos clculos matemticos so desse ltimo tipo, enquanto signos
exteriores, destacados de qualquer substrato conceitual, operando com os quais se
produzem verdades, mas no conhecimento ao menos no sentido de Erkenntnis -, o que
vale tanto para a matemtica como para toda forma de conhecimento, de cincia, que a
empregue como instrumento de produo de saber, instrumental esse que nos permite
operar clculos sem retornar s intuies originrias sobre as quais se assentam. Passa-se,
ento, a inventar sempre novos procedimentos simblicos, cuja racionalidade pressupe o
valor cognitivo dos smbolos empregados, por meio de uma tcnica que se torna cada vez
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mais perfeita, enquanto se a priva de toda evidncia compreensiva. assim que as cincias
se tornam uma espcie de fbrica de proposies, cada vez mais precisas e teis, onde se
trabalha como operrio ou tcnico de produo, produzindo cada vez mais informaes,
sem uma compreenso ntima do que se est fazendo, graas ao aperfeioamento de uma
racionalidade meramente tcnica.
E se isso assim no campo das cincias naturais, mais grave ainda a situao no campo
dos estudos jurdicos, onde nem sequer se costuma levantar a pretenso de fazer um
trabalho cientfico, ostentando os profissionais dessa rea, com um certo orgulho, a etiqueta
de operadores jurdicos, sem se dar conta do modo objetivante de como concebem o
Direito, tal como se fora uma mquina com a qual se opera, quando se assim o fora, seriam
eles as peas dessa engrenagem produtora de um pseudo-saber, de carter disciplinador.
Para Husserl, no h nessa produo de saber contedo cognitivo algum, pois
conhecimento, para ele, evidncia, verdade, criadas a partir da intuio, inteira e
completamente entendida, o que se perde ao ser rompido o elo com o domnio dos objetos
sobre o qual deveramos ser informados. Com isso, no se pergunta como as mltiplas
validades pr-lgicas esto fundadas e so fundamentadas em relao s verdades lgico-
tericas. O real primeiro a intuio subjetiva e relativa da vida pr-cientfica a doxa, que
tida assim, como enganosa, para a vida cientfica, mas no para aquela pr-cientfica, em
que um bom campo de verificao, donde se dever valorizar o direito originrio dessas
evidncias, antes desprezadas. Da, pode-se buscar a conexo essencial entre as cincias
(naturais) e o mundo pr-cientfico, com suas evidncias originrias, quando tambm
aquelas cincias so formaes humanas, que habitam em unidade concreta no mundo da
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vida. Disso decorre a necessidade das cincias e da lgica perderem sua autonomia, ao
serem reconduzidas a esta Lebenswelt, reportando a episteme doxa e subjetividade
transcendental, onde se pode captar as estruturas desse nosso mundo, determinveis pelo
fenomenlogo, uma vez determinada as condies de possibilidade do conhecimento
donde a transcendentalidade do sujeito.
Quanto aplicao da fenomenologia ao estudo do direito, um dos pioneiros nesse campo
foi o prprio filho de Husserl, Gerhart, cujos trabalhos, de contedo fortemente personalista
e existencial, foram reunidos sob o ttulo de um deles, Direito e Tempo (Recht und Zeit),
onde ele classifica as temporalidades jurdicas como sendo trs: 1) tratando do presente, o
Poder Executivo; 2) tratando do passado, o Poder Judicirio e, 3) tratando do futuro, o
Legislativo. Esta linha de investigao fenomenolgico-existencial do direito ser
perseguida em obras posteriores como a do alemo Werner Maihofer, Direito e Ser.
Prolegmenos a uma ontologia jurdica (1954) e a do holands William A. Lujpen,
Fenomenologia do Direito Natural (1965), todos citados pelo Autor ao longo de suas
obras. Guerra Filho tambm discorre que destino semelhante colheu tambm aquele que foi
o primeiro a estender a pesquisa fenomenolgica ao campo do direito positivo, Adolf
Reinach, com seu trabalho Fundamentos Apriorsticos do Direito Civil (1913). A no se
trata de estabelecer, ao modo kantiano, condies de possibilidade do conhecimento de
todo e qualquer Direito, mas sim as estruturas essenciais, no sentido fenomenolgico,
constitutivas de matrias e figuras jurdicas, que podem se dar de maneira bem diferente ao
serem atualizadas no direito positivo. Este autor vem merecendo uma renovada ateno, a
partir de congresso internacional realizado sobre sua obra, em 1983, estabelecendo
possibilidades de contato entre seu pensamento e aquele de autores contemporneos da
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tradio analtica em filosofia normalmente tida como antagnica quela dita
continental, por ser o continente europeu a regio de maior influncia da fenomenologia.
Tal perspectiva se encontra mais amplamente desenvolvida em autores de trabalhos j de
1997, na Itlia. Uma direo diversa daquela iniciada por Reinach, dita formal, em
fenomenologia jurdica, adotada por autor, igualmente pioneiro, que foi o vienense Fritz
Schreier, em sua obra Conceitos e Formas Fundamentais do Direito. Esboo de uma
Teoria Formal do Direito e do Estado sobre base fenomenolgica (1924), onde apesar da
crtica fenomenolgica ao dualismo kantiano, se tem uma teoria que, paradoxalmente,
termina coincidindo em grandes linhas com aquela do chefe da Escola de Viena, o
neokantiano Hans Kelsen, a exemplo do que ocorrer nos trabalhos de vrios de seus
discpulos deste e de Husserl. No entanto, Kelsen e sua Teoria pura no se considerar um
precursor da fenomenologia jurdica, repelido pelo prprio, em longa resenha crtica da
obra.
Algo semelhante ocorre em contribuies sul-americanas, como aquelas dos argentinos
Carlos Cossio e integrantes de sua escola, da Teoria Egolgica do Direito, ou, mesmo,
curiosamente, no pensamento daquele que seria seu opositor, poltico e cientfico, fundador
da importante Escola Analtica Argentina, Ambrsio Gioja. No Brasil, algo semelhante se
verifica, com a recepo da fenomenologia pelo culturalismo de Miguel Reale, em So
Paulo, e pelo logicismo semitico de Lourival Vilanova, em Recife. Juan Llambas de
Azevedo, autor Uruguaio de Eidtica y Aportica del Derecho, de 1940, esfora-se por ser
original, tendo justa divulgao de seu trabalho em 1948, onde procura captar a essncia
(eidos) do direito no modo como ele se d no direito objetivo e coletivo, havendo, segundo
ele, aquele direito que se d objetiva e solitariamente, em sua singularidade, como
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preferimos referir a esse fundamental e ainda pouco explorado aspecto do fenmeno
jurdico. A definio essencial do direito como objeto coletivo a que chega a investigao
de Llambas a seguinte:
Sistema bilateral e retributivo de disposies posta pelo homempara regular a conduta social de um crculo de pessoas e comomeio de realizar os valores da comunidade.
Esse objeto de investigao eidtica afeta tanto individual como pessoalmente o direito,
focando o autor no esforo de trabalho do que nomeia disposio jurdica, compreendida
como conceito superador daquela conhecida dicotomia kelseniana ente norma jurdica e
proposio normativa. Conjugando os dois aspectos fundamentais do direito, nosso A. vai
iniciar a parte de sua obra dedicada aportica, enquanto investigao de problemas
apresentados pelo direito positivo, tido como mediao entre os valores da comunidade e a
conduta humana, com a seguinte definio: O direito um sistema de disposies a
servio dos valores da comunidade, postulando uma relao de meio e fim entre direito e
valores, que entendemos deva ser buscada tendo como diretriz um princpio de
proporcionalidade. Tal relao, contudo, encarada por Llambas como um problema, e do
tipo aportico, ou seja, sem sada, bastando que se considere ser a justia um desses
valores, com toda a variedade de concepes que h a respeito, para que se perceba o que
ele denomina aporia de justificao. Llambas conclui descortinando um complexo de
aporias, por trs do que se abre um mundo de princpios, de valores, uma pluralidade de
valores individuais e comunitrios, entre os quais haveria de ser determinada a autonomia
de uma esfera jurdica. Nesse ponto, em que conclui seu trabalho, referindo que no
podemos dizer aqui termina, mas sim aqui comea a filosofia do direito, efetivamente,
nos vemos confrontado com o tema da atualidade nesse nosso campo de estudos, algo que
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vem demonstrado, por exemplo, pelos esforos hercleos de autores contemporneos, e
com propostas concorrentes, como so Jrgen Habermas e Niklas Luhmann, ambos
influenciados pela fenomenologia, que ofereceria a melhor preparao para a necessria
superao do positivismo formalista, sem recair em alguma forma igualmente j superada
de jusnaturalismo.
neste contexto em que se situa o debate atual sobre princpios jurdicos e direitos
fundamentais, central em teoria do direito contempornea, no qual pretendemos localizar a
contribuio brasileira dada por Willis Santiago Guerra Filho.
2. Ps-positivismo: a superao do direito natural e do positivismo
Um grande momento na histria do pensamento jurdico aquele em que se passou a
reconhecer os princpios como norma jurdica e veio a ocorrer no chamado ps-
positivismo, isto , o perodo responsvel pela superao do positivismo e do direito
natural. Seu grande marco simblico foi o fim da segunda guerra mundial, que influenciou,
e muito, a reviso das idias jurdicas predominantes.
A transformao de onde brotou o ps-positivismo se refere ao manejo racional de valores
na atividade jurdica. A aceitao dos valores j afasta o positivismo, enquanto sua
possibilidade de controle racional afasta o jusnaturalismo.
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Pode-se dizer que o marco dessa mudana foi o fim da segunda guerra, entretanto,
Willis Santiago Guerra Filho assinala que este movimento j se iniciara no perodo do
entreguerras, com a Repblica de Weimar, cuja constituio representou um compromisso
sobre valores bsicos. No houve um consenso sobre o que significava e como deveriam
ser interpretados ou aplicados estes valores. Rudolf Smend, por exemplo, adotava um
mtodo que se orientava por valores e preservava a funo integrativa, j que a constituio
garantia a unidade poltica e social, no que foi combatido por Carl Schmitt poca.1
Essa fase de discusses, sabe-se, foi interrompida pela ascenso do Nazismo, cujos
integrantes, aps o trmino da guerra, alegaram em sua defesa o estrito cumprimento da lei.
A perpetrao de horrores promovida pela segunda guerra exigiu definitivamente mudanas
no direito e em sua interpretao. Primeiramente, pensou-se no retorno ao direito natural,
atravs da invocao de um direito essencial suprapositivo. Em funo da necessidade de
abandono do positivismo, ou ao menos daquele responsvel pela suposta justificao do
nacional-socialismo, alguns tribunais alemes seguiram este caminho. Mas, ensina Arthur
Kaufmann, este renascimento do direito natural foi episdico, afinal, era uma reao
sbita ao positivismo e os juzes, ainda atordoados, no conseguiram desenvolver
imediatamente alternativa melhor.2
1 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Cincia Jurdica. So Paulo: Saraiva,2001. pp. 117-118.2 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian,2004.
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Foi neste cenrio, e com auxlio das doutrinas do entreguerras, que os valores receberam
ateno dos juristas, pois ratificam a norma jurdica como prescrio de um padro
avaliativo para a apreciao de casos concretos3. Mas os valores no so escolhidos
aleatoriamente pelo intrprete em sua aplicao. Ao contrrio, foram inseridos no texto
constitucional portanto, positivados sob a forma de princpios jurdicos. Willis Guerra
Filho explica que, por isso, no se trata de recurso a um sistema suprajurdico de valores,
como aqueles desenvolvidos no mbito das teorias jusnaturalistas, da filosofia moral ou da
religio4.
Sendo feita de forma mais segura e at objetiva que no direito natural, a recepo dos
valores na constituio marca a superao da dicotomia, at ento existente, entre direito
natural e positivismo jurdico.
Outro no o entendimento de Tercio Sampaio Ferraz Jr, que, embora no se refira
superao, enxerga na recepo dos direitos fundamentais pelas constituies como o
motivo do enfraquecimento da dicotomia analisada. Vale ressaltar que normalmente os
direitos fundamentais se apresentam como princpios constitucionais. Veja-se o que escreve
o autor:
p. 47.3 Cf. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Cincia Jurdica. So Paulo: Saraiva,2001. p.116.4 Id., ibid., loc. cit.
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Uma das razes do enfraquecimento operacional da dicotomia pode ser localizadana promulgao constitucional dos direitos fundamentais. Essa promulgao, oestabelecimento do direito natural na forma de normas postas na Constituio, dealgum modo positivou-o. E, depois, a proliferao dos direitos fundamentais, aprincpio, conjunto de supremos direitos individuais e, posteriormente, de direitosociais, polticos, econmicos aos quais se acrescem hoje direitos ecolgico,direitos especiais das crianas, das mulheres etc. provocou, progressivamente, suatrivializao. Uma coisa se torna trivial quando perdemos a capacidade dediferencia-la e avalia-la, quando ela se torna to comum que passamos a convivercom ela sem nos apercebermos disso, gerando, portanto, alta indiferena em facedas diferenas.5
Na fase do ps-positivismo6, reconhecem-se elementos morais no conceito de direito, em
contraposio tese positivista da separao, sem recair-se na subordinao do direito a
uma ordem suprapositiva. Promovem-se, entre outras contribuies, a investigao da
racionalidade prtica, o desenvolvimento de teorias da argumentao jurdica, em bases
racionais, que se no reduzem, por bvio, ao ngulo puramente descritivo ou formal,
caracterstico do positivismo lgico.
Avultam pesquisas sobre a distino entre regras princpios como espcies normativas,
erige-se nova compreenso acerca dos direitos fundamentais e, logo, da prpria
constituio, com importantes reflexos quanto ao princpio da separao dos poderes.
Indagao central, de inexcedvel importncia, refere-se compreenso da racionalidade
na argumentao jurdica, em particular na argumentao constitucional, em face dos
problemas relativos aplicabilidade dos direitos fundamentais, de seu equilbrio no caso
5 FERRAZ Jr, Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito. 3 Ed. So Paulo:Atlas, 2001. p. 168.6 Cf. BONAVIDES, Paulo, Curso de direito constitucional, 15. ed., So Paulo: Malheiros,2004, p. 264 e ss.
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concreto, na determinao de suas possibilidades fticas e jurdicas, quando se revestem do
carter de mandado de otimizao.
Com efeito, a busca pela determinao de critrios racionais para as decises jurdicas est
vinculada, de modo intrnseco, preocupao de afastar o subjetivismo judicial. Ademais, a
prpria construo de uma dogmtica jurdica depende de uma estrutura de racionalidade,
como discurso jurdico.
No mbito do positivismo, admite-se a doutrina de legislao intersticial por parte do juiz,
conforme o conceito de textura aberta da norma jurdica, ou de moldura normativa7.
Referida perspectiva voluntarista, infensa a critrios de racionalidade prtica, no se
coaduna com o Estado Democrtico de Direito, acarretando problemas de legitimidade de
atividade jurisdicional.
A retomada da racionalidade voltada soluo de problemas prticos deve-se,
fundamentalmente, a estudos desenvolvidos a partir da tpica, de origem aristotlica,
destacando-se as obras de THEODOR VIEWEG e PERELMAN8.
VIEHWEG explora a possibilidade de discusso racional para a soluo de questes
jurdicas. Consiste a tpica, em linhas gerais, em uma tcnica de pensamento orientada ao
7 KELSEN, Hans, Teoria pura do direito, Trad. de Joo Baptista Machado, 6. ed., SoPaulo: Malheiros, 2000, p. 390.8 Cf. ATIENZA, Manuel, As razes do direito: teorias da argumentao jurdica, Trad. deMaria Cristina Guimares Cupertino, 2. ed., So Paulo: Landy, 2002, p. 59, VIEHWEG,PERELMAN E TOULMIN, atravs de suas obras, do origem ao que se entende hoje porteoria da argumentao jurdica.
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problema. A idia de sujeitar a argumentao sobre questes jurdicas a critrios de
universabilidade j se encontra em PERELMAN, com seu conceito de auditrio universal9,
alicerce para a distino entre convencer e persuadir.
Exerceu a tpica jurdica notvel influxo sobre a metodologia constitucional, com a
elaborao do conceito de concretizao, que tambm chamado chama de construo da
norma. Mencione-se ainda o mtodo concretista da constituio aberta, do processo pblico
e aberto de interpretao constitucional. Deve-se salientar que a preocupao bsica do
mtodo concretista tornar racionalmente controlvel o processo decisrio constitucional.
Considerando-se uma abordagem monolgica, deve-se mencionar a teoria dworkiniana, de
acentuado racionalismo, de reconstruo do direito vigente. Contudo, de se preferir a
perspectiva dialgica da teoria democrtica . O paradigma procedimentalista, prprio das
teorias discursivas, terceira via entre absolutismo e relativismo tico, manifesta-se na teoria
da argumentao jurdica de ROBERT ALEXY10, complementar de sua teoria dos direitos
fundamentais. Compreende-se, a partir das noes sucintamente apresentadas, como o
problema da racionalidade est presente, de maneira constante, na teoria do direito atual.
Consideramos de todo oportuno e conveniente realizar um estudo sobre a temtica exposta,
investigando-se, segundo a contribuio de diversos autores, os limites e possibilidades da
racionalidade prtica, com nfase nos problemas relativos aos direitos fundamentais.
9 PERELMAN, Cham, OLBRECHTS-TYTECA, Lucie, Tratado da argumentao: a novaretrica, Trad. de Maria Ermantina Galvo, So Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 34.10 ALEXY, Robert. Teoria da Argumentao Jurdica. 2. ed. So Paulo: Landy, 2005.
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Embora a tpica jurdica tenha tido a virtude de impulsionar novos estudos, fundados na
possibilidade de discusso racional sobre questes jurdicas, devem-se apontar suas
deficincias como esboo de teoria da argumentao jurdica. Ao estabelecer a primazia do
problema sobre a norma, ao tratar os princpios jurdicos como simples pontos de partida da
argumentao, a tpica acaba por enfraquecer a normatividade das constituies, porquanto
desconsidera a fora normativa especial dos princpios constitucionais. A tpica jurdica
no se d conta das condies restritivas da argumentao jurdica, tampouco oferece
conceitos sobre a estrutura dos argumentos. Sobre os pontos fracos da tpica, ALEXY
assevera que Essas deficincias consistem no menosprezo da importncia da lei, da
dogmtica e do precedente, em no oferecer uma introduo na estrutura profunda dos
argumentos, bem como na insuficiente preciso do conceito de discusso. Na metodologia
constitucional, a tpica manifestou-se em intensidades distintas.
No obstante o carter democrtico do mtodo da constituio aberta, com o alargamento
dos intrpretes da constituio, o excessivo valor conferido ao aspecto poltico da
constituio, em comparao sua normatividade, pode levar a situaes de incerteza,
insegurana e perda de eficcia jurdica e estabilizadora.
Na perspectiva da tpica constitucional limitada pelo sistema, pelas normas constitucionais,
procura-se dar um passo adiante na afirmao da importncia da constituio formal, com a
definio de um procedimento de concretizao, marcado pela influncia da pr-
compreenso, de origem na hermenutica filosfica de matriz heideggeriana-gadameriana,
ao mesmo tempo em que se permite explicar a mudana do significado de disposies
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constitucionais, sem alterao formal do texto, a demonstrar o carter constitutivo da
realidade sobre as normas constitucionais.
Na metdica estruturante de FRIEDRICH MLLER, parte-se da distino entre programa
da norma e rea da norma, propondo-se um modelo de norma constitucional, balizado
racionalmente em diversas etapas de raciocnio. O referido mtodo concretista recebe
crticas por parte de ALEXY, porquanto o conceito estruturante de norma constitucional
inconcilivel com a teoria da norma adequada teoria estrutural dos direitos fundamentais.
A teoria dos direitos fundamentais de ALEXY, estreitamente ligada sua teoria da
argumentao jurdica, no prope uma teoria material da constituio, mas explica, com
base na distino analtica de regras e princpios, a estrutura dos problemas da dogmtica
jusfundamental, atestando-se a presena de valoraes.
Destina-se a argumentao jurdica, precisamente, ao controle dessas valoraes adicionais
ao material jurdico dotado de autoridade, a saber, a lei, a dogmtica jurdica e os
precedentes judiciais.
O conhecimento da estrutura dos direitos fundamentais indispensvel para responder-se
ao problema da (im)possibilidade de uma nica resposta correta, nos casos difceis, a
atestar os limites da argumentao jurdica, como teoria discursiva, de indicar qual soluo
deve ser adotada. Nesse caso, a tpica continua til, como tcnica de raciocnio onde no h
solues conclusivas. Parece-nos, ainda, a respeito, de todo pertinente, a teoria
habermasiana, que tem ntidas relaes com o mtodo da constituio aberta de
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HBERLE, a propor que o contedo dos direitos, na atividade desempenhada pelas cortes
constitucionais, venha a receber a influncia da discusso pblica dos cidados, da razo
comunicativa, que servir de medida para a legitimidade das decises envolvendo os
direitos fundamentais.
Sobre as teorias racionais da argumentao contempornea, destacam-se as teorias de NEIL
MACCORMICK e ROBERT ALEXY, como teorias padres da argumentao jurdica.
A teoria da argumentao de ALEXY, no obstante seus mritos, no deixa de receber
observaes crticas, como as de ATIENZA, atinentes teoria do discurso em geral e, em
particular, teoria do discurso jurdico, nos seus aspectos conceituais e ideolgicos, como
veremos em seguida. Importa, contudo, antes de mais nada, examinar agora a questo dos
princpios jurdicos, ponto nodal de todo o desenvolvimento que aqui se pretende
acompanhar.
3. Desenvolvimento Histrico do Conceito de Princpios Jurdicos: Da subsidiariedade
normatividade dos princpios.
O papel conferido aos princpios jurdicos at meados do sculo XX mal chegava ao de um
coadjuvante na cincia jurdica e sua importncia era menosprezada eminentemente pelas
concepes dos ltimos sculos acerca do direito.
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O tratamento dado era inadequado no por um problema dos princpios em si, mas pelo que
se respondia pergunta o que o direito?. As mais diversas respostas no contemplaram
o carter obrigatrio aplicao dos princpios jurdicos. Quando muito, reconheceu-se a
subsidiariedade de sua aplicao, como ser explicado adiante.
Assim, a compreenso do caminho que levou normatividade dos princpios s pode ser
bem sucedida se for feita a anlise das fundamentaes doutrinrias que antecederam o
atual estgio da cincia jurdica. Optou-se por comear pelo positivismo, que deu sua
contribuio atravs da normatizao dos princpios gerais do direito, sem desprezar,
contudo, a necessria participao das teorias do direito natural.
Trcio Sampaio Ferraz Jr, com apoio no pensamento de Niklas Luhmann, descreve a
positivao do direito como a uma conseqncia da teoria clssica da diviso dos poderes e
da neutralizao poltica do Judicirio, que representa uma tentativa de separao entre
poltica e direito. Passou a ser do Legislativo o dever de produo do direito, que seria
modificado sempre que houvesse mudana na legislao. Assim, a institucionalizao da
mutabilidade representa a positivao do direito.11
Positivao possui, conforme o mesmo autor, um sentido filosfico e um sociolgico. Com
o primeiro entende-se a positivao como o ato de vontade que estabelece um direito, que
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acarreta na tese segundo a qual o direito um conjunto de normas que valem por fora de
serem postas pela autoridade constituda e s por fora de outra posio podem ser
revogadas 12. O sentido sociolgico implica a compreenso do fenmeno de valorizao da
lei votada pelos parlamentos, decorrente da necessidade de segurana da sociedade
burguesa.
A mutabilidade, porm, no foi imediata e pacificamente aceita. A ela se contraps a
chamada Escola Histrica. A.L. Machado Neto apresenta a origem deste movimento
exatamente como uma reao ao modelo que se consolidava no incio do sculo XIX. Seu
surgimento devido presena das idias romnticas no direito, atravs da postura
conservadora que acarretava na defesa da valorizao do costume, manifestao
espontnea (irracional) do esprito nacional (nacionalismo) e de carter medievalizante e
feudal (conservadorismo, reacionarismo).13
Gustav Hugo foi o principal autor a lanar estas idias. Foram os usos e os costumes que
estabeleceram o direito, sendo estas as fontes do direito, e no, a vontade de Deus ou um
contrato entre os homens. As idias de Hugo foram desenvolvidas por seu aluno Savigny.
11 FERRAZ Jr, Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito. 3.ed. So Paulo: Atlas,2001, pp. 73-74.12 FERRAZ Jr, Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito. 3.ed. So Paulo: Atlas,2001. p.74.13 MACHADO NETO, A.L. Compndio de Introduo Cincia do Direito. 5.ed. SoPaulo: Saraiva, 1984. p. 26.
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Savigny entendia que o esprito do povo era o objeto principal de estudo do direito, ao
invs da lei positivada. Por isso, Savigny afirmava que o estudo deveria ser voltado para os
institutos de direito, que expressam relaes concretas, a partir das quais eram elaboradas
as regras. Tais institutos, explica Trcio Sampaio Ferraz Jr, eram entendidos como um
conjunto orgnico repleto de elementos que se desenvolvia constantemente. Entretanto,
esclarece o mesmo autor, essa organicidade deveria ser buscada no carter complexo e
produtivo do pensamento conceitual da cincia jurdica elaborada pelos juristas desde o
passado14.
Para Savigny, as regras eram constitudas atravs da orientao pela intuio do instituto
jurdico. Para aplicar uma regra, deve-se retornar tambm ao nexo orgnico, j que a lei
corresponde a apenas uma parte deste nexo.
A contribuio de Savigny, ao invs de gerar o aprofundamento do estudo histrico do
direito, conduziu ao desenvolvimento de uma cincia jurdica que se pautava pelo estudo de
um sistema lgico, como se fosse uma pirmide de conceitos, como explica Karl Larenz15.
Esta teoria foi desenvolvida por um aluno de Savigny, Puchta, para quem a idia de sistema
determinava que os conceitos situavam-se numa ordem verticalizada, na qual os conceitos
inferiores subsumiam-se aos conceitos superiores e referendavam seu contedo.
14 FERRAZ Jr, Trcio Sampaio. Introduo ao Estudo do Direito. 3.ed. So Paulo: Atlas,2001. p.76.15 LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 1997. p. 23.
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Logicamente, ento, haveria um conceito superior e ltimo do qual se deduziriam todos os
outros. Para Puchta, o conceito supremo oriundo da filosofia do direito, pois, se fosse
inferido dos outros conceitos, redundaria num ciclo vicioso. Karl Larenz identifica este
vrtice da pirmide como o conceito kantiano de liberdade.16
Puchta entendia que direito aquilo que se subordina ao conceito supremo e, por elaborar
um fundamento suprapositivo, no se pode equipar-lo imediatamente ao positivismo, j
que tambm o legislador deveria incluir apenas conceitos que se harmonizassem com o
conceito supremo.17
Ao pensamento de Puchta, que ficou conhecido como Jurisprudncia dos conceitos18,
Willis Santiago Guerra Filho relaciona cinco conseqncias:
(1) A ordem jurdica passa a ser vista como um sistema fechado e pleno, comautonomia e independncia perante a realidade social, uma realidade a se,portanto. (2) No h lacunas no ordenamento jurdico, por ser sempre possvel asubsuno lgica a princpios ou conceitos devidamente construdos. (3) Aatividade judicial de aplicao do Direito automtica, por ser escrava dessasubsuno silogstica. (4) O ensino jurdico torna-se um treino no manejo deconceitos desvinculados da realidade prtica. (5) O isolamento e a especializaotcnica da elaborao jurdica, excluindo a considerao de outra ordem qualquer,terminam por favorecer a manuteno do status quo, protegendo-o de embatesideolgicos e sociais.19 (grifos no original)
16 Id., ibid., loc. cit.17 Id., ibid., p. 26.18 Aqui, o sentido do termo jurisprudncia cincia do direito, assim como emJurisprudncia dos interesses e Jurisprudncia dos valores, como ensina LARENZ,Karl. op. cit. p. 1.
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Assim, Puchta se desvinculou da relao entre as regras e o instituto jurdico, que foi
substituda pelo processo lgico dedutivo. A Jurisprudncia dos conceitos foi responsvel
por lanar os pilares para o formalismo jurdico, que prevaleceu por vrias dcadas.
No obstante sua importncia, as doutrinas que sucederam a Jurisprudncia dos conceitos
no lograram xito na tentativa de super-la em definitivo, como o Movimento do Direito
Livre e o Sociologismo Jurdico. Ao contrap-la, estabeleceram as razes para que Hans
Kelsen desenvolvesse sua Teoria Pura do Direito, como escreve A. L. Machado Neto: a
babel epistemolgica que o sociologismo ecltico instalou no plano da cincia jurdica teria
de, necessariamente, provocar uma reao purista20. A pertinncia da Teoria Pura para este
trabalho est em sua grande influncia no pensamento jurdico do sculo XX e na viso
positivista sobre princpios jurdicos, que ser analisada mais adiante.
Lembra Arthur Kaufmann que Hans Kelsen pertenceu ao positivismo lgico do Crculo de
Viena, para o qual apenas tem sentido e compreensvel o que pode ser verificado
logicamente21. A Teoria Pura almejava ao mesmo tempo acentuar a opo lgica da
Jurisprudncia dos conceitos e consagrar o afastamento do direito natural. Como assinala
Marlia Muricy, preocupado (...) em eliminar o risco ideolgico do jusnaturalismo que
ameaava o rigor cientfico de prtica do jurista, Kelsen vai buscar, na matriz Kantiana da
19 GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria da Cincia Jurdica. So Paulo: Saraiva,2001. p 33.20 MACHADO NETO, A.L. Compndio de Introduo Cincia do Direito. 5. ed. SoPaulo: Saraiva, 1984. p. 26. p. 42.21 KAUFMANN, Arthur. Filosofia do Direito. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian,2004.
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razo pura, eficiente cobertura epistmica para seus propsitos22.Kelsen pretendia
desenvolver uma teoria que bastasse a si mesma, ou seja, que fosse auto-suficiente23. A
pureza da cincia jurdica se alcanaria atravs de um olhar exclusivo para seu objeto, apto
a libertar a cincia jurdica de todos os elementos que lhe so estranhos , como afirma seu
fundador, sendo este seu maior princpio metodolgico24. Como conseqncia, a Teoria
Pura precisava se afastar dos valores, seja pela averso ao direito natural ou pela descrena
na objetividade dos valores. o que se chama ceticismo axiolgico da Teoria Pura25.
Uma das premissas da Teoria Pura do Direito a distino entre os juzos de ser e os juzos
do dever ser. Os primeiros so enunciados sobre acontecimentos que se verificam, enquanto
os segundos correspondem aos enunciados sobre acontecimentos que devem se verificar.
Abordando o tema, afirma Kelsen:
A distino entre ser e dever-ser no pode ser mais aprofundada. um dadoimediato da nossa conscincia. Ningum pode negar que o enunciado: tal coisa ou seja, o enunciado atravs do qual descrevemos um ser ftico se distingueessencialmente do enunciado: algo deve ser com o qual descrevemos umanorma que da circunstncia de algo ser no se segue que algo deva ser, assimcomo da circunstncia de que algo deve ser se no segue que algo seja.
p. 21.22 MURICY, Marlia. Racionalidade do Direito, Justia e Interpretao. In: BOUCAULT,Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, Jos Rodrigo (Org.). Hermenutica Plural. SoPaulo: Martins Fontes, 2002. p. 107.23 Cf. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenutica e Argumentao. 3.ed. Riode Janeiro: Renovar, 2003. p. 109.24 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 1-2 .25 Cf. MURICY, Marlia. Racionalidade do Direito, Justia e Interpretao. In: BOUCAULT,Carlos Eduardo de Abreu; RODRIGUEZ, Jos Rodrigo (Org.). Hermenutica Plural. SoPaulo: Martins Fontes, 2002. p. 116.
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Com o escopo de garantir ao direito objeto e mtodo prprios, Kelsen entendeu que
cincia do direito competia um complexo de normas (dever ser), diferentemente das
cincias de fatos, como a sociologia e psicologia (ser) e das proposies de natureza tica
ou religiosa.26
Ao recusar o direito natural, Kelsen lanou-se ao estudo da estrutura do direito positivo
estudo formal, portanto. J que, para ele, o contedo das normas jurdicas no dado
previamente, estas poderiam assumir qualquer sentido. A validade de uma norma no seria
garantida por seu contedo, mas pelo cumprimento de uma forma especfica para sua
produo.
Karl Larenz, entretanto, afirma que a objeo mais relevante que deve ser feita Teoria
Pura justamente o ponto de partida da teoria de Kelsen: a distino absoluta entre ser de
dever ser. Para Kelsen, um dever ser s pode ser reconduzido a outro dever ser (uma norma
s pode encontrar sua validade em outra norma). A unidade do conjunto normativo se
garante porque todas as normas podem ser reconduzidas a uma ltima norma a norma
fundamental hipottica.27
26 Cf. LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa: FundaoCalouste Gulbenkian, 1997. p. 93.27 LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 1997. pp. 98-99.
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O escalonamento hierrquico de normas, que sustenta a teoria do ordenamento jurdico,
implica a busca de validade numa norma superior. Isto , para verificar a validade de
determinada norma, faz-se imperioso ascender norma do patamar elevado. E assim feito
com todas as normas que apaream acima. Contudo, este exerccio conduziria ao infinito,
se no houvesse uma norma que pusesse fim busca da validade. Acontece que se esta
norma tivesse sido posta por uma autoridade, seria questionada qual norma superior
conferiu competncia para tal autoridade e no se encontraria nunca a norma ltima.
Portanto, a norma fundamental identificada como uma norma necessariamente
pressuposta, que no poder ter sua validade questionada.
A norma pressuposta de Hans Kelsen foi elaborada em analogia a um conceito da teoria do
conhecimento de Kant. Ela a condio lgico-transcendental para o conhecimento das
normas postas, na medida em que permite Teoria Pura uma interpretao no
reconduzvel a autoridades metajurdicas, como Deus ou a natureza, do sentido subjetivo de
certos fatos como um sistema de normas jurdicas objetivamente vlidas descritveis em
proposies jurdicas28. Esta norma fundamental pressuposta remete ao cumprimento
daquilo que prescreve a Constituio.
bom ficar claro, todavia, que no a Constituio a prpria norma fundamental, porque
aquela uma norma posta. Alm disso, a norma fundamental (pressuposta) no possui
qualquer interferncia no contedo que tem tal Constituio. A no interferncia no
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contedo da constituio fica clara quando Kelsen afirma que no importa a questo de
saber se esta ordem jurdica efetivamente garante uma relativa situao de paz dentro da
comunidade por ela constituda29.
Aps ter sido descrita a norma fundamental hipottica, retoma-se a crtica formulada por
Karl Larenz. Dizia-se que a Teoria Pura no conseguiu separar integralmente o ser do dever
ser. A ordem jurdica deveria se validar unicamente atravs de um juzo de dever ser,
entretanto, ela no consegue, justamente em sua norma fundamental, se desvencilhar de um
juzo de ser30.
Para dar consistncia Teoria Pura, seria necessria uma ltima norma, mas, j que no
poderia ser posta, ela deveria ser pensada (pressuposta). Nas palavras de Kelsen, ela
logicamente indispensvel para a fundamentao da validade objetiva das normas31. No
entanto, a cincia positivista s capaz de constatar que a norma pressuposta como
fundamental atravs da interpretao de uma ordem coercitiva globalmente eficaz como
um sistema de normas jurdicas objetivamente vlidas32. Sobre o tema, indispensvel o
comentrio de Karl Larenz:
28 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 225.29 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 225.30 LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 1997. p. 99.31 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 227.32 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6.ed. So Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 227.
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O acto de pensamento que legitima a ordem jurdica, a postulao da normafundamental, encontra assim, em ltimo termo, a sua verdadeira justificao nofacto de funcionar como tal um certo ordenamento coercivo: isto , o dever serresulta efectivamente, pela via travessa do postulado teortico da normafundamental, de um ser, que, como tal, para Kelsen alheio ao sentido e ao valorda (mera) facticidade!33
O sistema da Teoria Pura no conseguiu se armar unicamente em estruturas de dever ser. A
norma fundamental, que deveria ser uma pura expresso de dever ser, termina rendida a um
juzo de ser para validar todas as normas postas o fato de uma ordem funcionar como
coercitiva justifica o sistema. Em outras palavras, a tentativa de construo de uma cincia
completamente normativa esbarrou precisamente na norma suprema.
Com o incio das codificaes isto , a tentativa de elaborar um conjunto completo das
normas de uma determinada rea do direito, mormente, o direito civil, os princpios
jurdicos receberam maior relevncia, pois passam a ser caracterizados como fonte
normativa subsidiria. No se trata ainda de reconhecer nos princpios uma verdadeira
norma jurdica que deve ser sempre observada. Ao contrrio, tem-se o posicionamento
historicamente anterior ao descrito os princpios so inseridos para assegurar o ideal de
completude do ordenamento jurdico.
A idia de completude faz crer que um dado ordenamento jurdico capaz de regular todas
as situaes fticas, ou seja, no h caso que no possa ser solucionado por uma norma
oriunda deste ordenamento. A situao inversa encontrada naqueles ordenamentos que
33 LARENZ, Karl. Metodologia da Cincia do Direito. 3. ed. Lisboa: Fundao CalousteGulbenkian, 1997. p. 99.
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tm lacunas, isto , ocasies em que no se descobrem, no sistema, nem normas proibitivas
nem normas permissivas.
Norberto Bobbio explica que, ao lado da coerncia e da unidade, a completude a terceira
qualidade que caracteriza o ordenamento jurdico que se pretende sistemtico. A
completude a resposta para o anseio de segurana, uma vez que, com ela, restaria proibido
o juzo de non liquet, em que o juiz no julga a causa. Alm disso, a completude procura
garantir que as decises sero proferidas sempre com base no direito posto, excluindo,
portanto, qualquer sada para o direito natural.34
Com base nestas afirmaes, percebe-se a relao entre o ideal de completude do
ordenamento e o positivismo jurdico, enquanto realizador de um projeto de sistema
formalmente fechado. Eis o motivo da designao deste perodo de segunda fase da
teorizao dos princpios, por Paulo Bonavides.35
A meno aos princpios nos cdigos modernos, como foi dito, funcionava unicamente
como garantidora da completude do ordenamento. Aos intrpretes era dada a tarefa de
34 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurdico. 10.ed. Braslia: Editora UnB,1999. p. 118.35 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. So Paulo: Malheiros,2006. p. 262. A primeira fase, vale ressaltar, corresponde ao jusnaturalismo. Por umaquesto metodolgica optamos por lhe fazer referncia mais adiante.
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aplic-los quando houvesse uma lacuna. Significa dizer que os princpios s seriam
utilizados quando faltasse alguma norma para o caso.
Mesmo sendo um garantidor da completude do sistema, os princpios a que se referiam o
cdigo civil italiano foram postos em dvida por alguns doutrinadores: a lei trazia tona os
princpios de direito natural ou Direito Positivo? Riccardo Guastini aponta para a
controvrsia surgida na Itlia sobre a expresso princpios gerais do direito posta no
cdigo civil de 1865. Alguns entenderam que era feita aluso aos princpios de direito
natural, ou seja os princpios de justia que se supem comuns a todo ordenamento (em
todo momento e em todo lugar)36.
Por outro lado, Bobbio destaca que o legislador italiano do cdigo civil de 1942 optou por
uma expresso que remetesse ao direito positivo, princpios gerais do ordenamento
jurdico do estado37. A soluo usada para saber quais so os princpios de direito positivo
esclarecida por Riccardo Guastini: os princpios que podem ser expressos ou derivados de
disposies positivas formuladas nas fontes de direito so considerados de direito
positivo.38
36 GUASTINI, Riccardo. Distinguiendo. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 154.37 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurdico. 10.ed. Braslia: Editora UnB,1999. pp.156-157.38 GUASTINI, Riccardo. Distinguiendo. Barcelona: Gedisa, 1999. p. 154.
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Vale ressaltar que o mtodo de preenchimento de lacunas atravs dos princpios foi
largamente recepcionado no direito e na doutrina brasileira. Mas a soluo adotada foi um
pouco diferente.
Eduardo Espnola entendia que primeiramente deviam ser aplicados os princpios gerais do
direito nacional, para s ento, se no resolvessem a questo, utilizar o que chama de
princpios universais de direito, ou seja, aqueles que se deduzem do esprito legal, da
cincia jurdica, da prtica judiciria dos atuais povos cultos39. Nota-se que a formulao
no muito precisa, ainda mais porque o autor no esclareceu o que significava um
princpio.
Tambm Clvis Bevilqua optou pela utilizao de um conceito que no se restringiu aos
princpios de direito positivo ou apenas aos direitos nacionais. O autor chega a fazer
meno ao direito natural e equidade, ao indicar o caminho para solucionar o problema
das lacunas do direito.40
Carlos Maximiliano, em obra clssica, organiza melhor sua descrio dos princpios.
Afirma o autor que todo conjunto de regras a sntese, o substrato de um complexo de
mximas, por conseguinte, princpios superiores. Se o legislador parte desses princpios
39 ESPINOLA, Eduardo. Breves Anotaes ao Cdigo Civil Brasileiro. vol. I. Salvador:Joaquim Ribeiro, 1918. p. 38.
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para elaborar as normas, quando o intrprete percebe a insuficincia do ordenamento, cabe-
lhe o regresso aos princpios para poder solucionar o caso. A atividade descrita assim por
Maximiliano: sobe aquele [o intrprete] gradativamente, por induo, da idia em foco
para outra mais elevada, prossegue em generalizaes sucessivas e cada vez mais amplas,
at encontrar a soluo colimada41. Esta viso sobre os princpios configura, como se ver
adiante, um dos conceitos que foi utilizado para tentar compreender sua essncia: princpios
so normas mais gerais, com alto grau de abstrao.
V-se que, mesmo no havendo consenso sobre o que seriam os princpios, na transio
entre o sculo XIX e o sculo XX, sua funo era meramente subsidiria. A mudana deste
pensamento passou pela atualizao do conceito de norma jurdica, como se apresenta a
seguir.
A norma jurdica no incio do sculo XX era enxergada essencialmente pela estrutura
daquilo que hoje correntemente se chama de regra, ou seja, um enunciado lingstico
disposto semelhana do juzo hipottico da lgica, se A, logo B, onde se encontram a
prtase e a apdose. Aquela contm os pressupostos para verificao de uma conseqncia
e esta, a prpria descrio da conseqncia. Karl Engisch explica que, na norma jurdica, a
prtase corresponde hiptese legal a descrio de uma conduta e a apdose a uma
40 BEVILQUA, Clvis. Theoria Geral do Direito Civil. 2.ed. Rio de Janeiro: FranciscoAlves, 1929. p. 47.41 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenutica e Aplicao do Direito. Porto Alegre: Livrariado Globo, 1925. p. 300.
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conseqncia jurdica. Ambas so formulaes abstratas que no se confundem com a
situao da vida.42
Era este o pensamento predominante. Dessa estrutura surgia a obrigatoriedade, ou seja, da
enunciao de uma conseqncia jurdica. Os princpios jurdicos, por outro lado, jamais
possuram tal estrutura, da a dificuldade de compreen