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VOZES E SUJEITOS DAS DIFERENÇAS: PESQUISANDO EM EDUCAÇÃO
NUMA PERSPECTIVA INCLUSIVA E MULTI/INTERCULTURAL
É difícil compreendermos, no caso do Brasil, políticas e orientações educacionais que
ignorem a diversidade cultural, social, econômica, religiosa etc, de sua população. Tais
políticas, embora sejam elaboradas para atender o direito à educação, por sua vez,
podem marginalizar uma parcela significativa de educandos na medida em que não
valoriza a diversidade. O não reconhecimento das diferenças e da diversidade, pode ser
observado com base em diferentes aspectos, envolvendo prática pedagógica, didática, o
currículo e políticas de avaliação. Os processos excludentes legitimados no interior de
espaços escolares e no campo político, motivou cada um dos trabalhos que compõem
este painel. Para além do envolvimento com a produção do conhecimento, nos
aproximamos em função do objeto de discussão, direta ou indiretamente, nossos estudos
tratam dos descontentamentos relacionados à exclusão seja pela diferença, desigualdade
ou deficiência. Estamos inseridas num quadro teórico que preconiza participação e
movimento, ancoradas no multi/interculturalismo crítico e nas proposições da Teoria
Crítica, buscamos respostas teóricas e práticas para as diferenças, a partir da valorização
das identidades híbridas e problematização das relações assimétricas de poder. a
educação especial na perspectiva da educação inclusiva. A Teoria Crítica, como
instrumento teórico de análise, ajuda no olhar reflexivo para identificar e problematizar
a ideologia que sustenta a sociedade de classes, assim como caracterizar a matriz de
formação dos profissionais de educação nas instituições voltados para práticas
homogêneas e heterogêneas.Na luta por equidade debatemos currículo, inclusão,
deficiência, desigualdade, identidade, política de avaliação nacional e prática docente.
Muitas vozes ecoam no cotidiano da escola, no entanto, nem sempre são reconhecidas,
na medida em que não têm representatividade na estrutura social desigual. avaliação,
não nos referimos aqui, a avaliação da aprendizagem, mas a institucional
Palavras-Chave: Inclusão, Multi/Interculturalismo, Didática
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SINAES E ENADE NA DISCUSSÃO NTER/MULTICULTURAL
Adriana do Carmo Corrêa Gonçalves
Professora de Educação Infantil no Município do Rio de Janeiro,
professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da
Faculdade Integrada A Vez do Mestre atuando nos cursos de pós-
graduação presencial
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo analisar quais os potenciais e limites do
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), com ênfase no
exame em larga escala Enade, uma das estratégias avaliativas que compõe o
sistema de avaliação. Fundamentadas nas contribuições d o
inter/multiculturalismo em sua tendência crítica, identificar como as categorias
identidades, diferenças e desigualdades que tangem as identidades individuais e
institucional dos sujeitos envolvidos no processo educacional, portanto principais
atores da avaliação são apreendidas pela avaliação em tela. Para tanto, nosso aporte
teórico se pautou nas reflexões de autores clássicos nos debates relativos ao
inter/multiculturalismo (CANEN, 2007, 2009, 2012; CANDAU 2002, 2011, 2012,
MCLAREN 2000, 2001). Nos autores que apostam na avaliação enquanto prática
política e social, para além de suas finalidades utilitaristas e defendem uma
avaliação fundamentada também em paradigmas subjetivistas, portanto
comprometida com a formação e não apenas com a classificação (DIAS
SOBRINHO 2010, 2011; ESTEBAN 1999-2000, BARREYRO e ROTHEN, 2011).
Para atender nosso objetivo optamos pela pesquisa participante que possibilitou o
aprofundamento de nossa análise a partir dos documentos que informam a
avaliação, dos quais a lei nº 10.861/2004 que dispõem sobre o SINAES e o
manual do Enade/2012. A p a r t i r d a observação participante e a entrevista
semiestruturada trouxemos à tona o modo pelo qual duas coordenadoras de cursos de
uma faculdade privada entendem a avaliação da educação superior e como essa
dialoga com as tensões em relação à cultura, desigualdade, identidade e diferença.
Após análise das informações produzidas e coletadas, notamos que os
questionamentos das autoras no que tange as singularidades das identidades se
aproximam do debate apresentado pelos autores envolvidos no diálogo teórico.
Palavras-chave: Inter/multiculturalismo, avaliação, desigualdades e diferenças.
Introdução
Com o poema os ninguéns, Eduardo Galeano contribui com o trabalho em tela,
traduzindo de modo poético as contradições que tangem a vida de muitos cidadãos
nos países que tiveram seus processos históricos marcados por subalternização e
exploração do outro. As relações etnocêntricas reforçam as contradições presentes
nesses países e impõem padrões social, econômico e cultural a partir de matizes
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valorizados pelo grupo dominante. Em contrapartida, cada vez mais, põem em xeque
as políticas padronizantes, por exemplo, avaliações em lagar escala que evidenciam os
“ninguéns” de Galeano e estrangulam as diferenças e a diversidade.
Um breve panorama da sociedade brasileira é suficiente para trazer à
tona sua pluralidade, desigualdades e tensões, das quais as mencionadas por
Eduardo Galeano no poema supracitado. Sua formação histórica e política é
problematizada até hoje em virtude das imposições e subalternizações culturais,
sociais e políticas impostas àqueles que se distanciam do modelo hegemônico
difundido desde o início da colonização até os dias atuais.
Coloca-se em xeque as relações assimétricas, os processos sociais
desiguais e as identidades não valorizdas. Provoca-se questionamentos acerca da
assimetria do jogo de poder. Os discursos da multiculturalidade brasileira, por
vezes, se assentam na celebração de diversidades estáticas livres tensões e no mito
da homogeneidade. Todavia, diferenças e desigualdades marcam a identidade do
povo brasileiro e servem como indicadores de inclusão para uns e outros não,
inclusive no interior do cotidiano escolar, no campo educacional e na avaliação
quando tais práticas se pautam em modelos hegemônicos.
Focamos as discussões na avaliação nacional da educação superior que
orientada pela abordagem utilitarista, n ã o c o n t e m p l a desigualdades e
diferenças , tampouco compreende as identidades, pelo contrário, centra-se na
concepção de “identidade moderna” e abandoa a fragmentação e os processos de
identificação que marcam a constituição do sujeito, pressupostos da modernidade
tardia (HALL, 2006).
Na avaliação em larga escala não há espaço para dialogar com as
culturas, todos são iguais perante testes padronizados, por isso, são avaliados por um
exame único aplicado em todo território nacional que ignora a diversidade regional,
cultural, social, econômica e outras.
Nesse estudo pensamos o objeto avaliação nacional com ênfase na
discussão de paradigmas críticos em função de suas denúncias e seu projeto
emancipatório, compreendendo também subsídios pós-modernos para pensar a
constituição dos sujeitos e das identidades. Respeitamos as diferenças entre um
paradigma e outro, conhecemos suas incompatibilidades, entretanto apropriamo-nos
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das proposições que oferecem condições de analisarmos nosso objeto em estudo, por
isso, ao longo do texto, apresentamos uma discussão híbrida em relação ao quadro
teórico adotado.
A interculturalidade empreende para a avaliação nacional um olhar
desestabilizador, tendo como objeto d e a n á l i s e a realizada pelo INEP
(Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas), aplicada no ensino superior a partir do
SINAES (Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior) instituído pela lei
nº 10.861 de 2004, com ênfase num de seus elementos constitutivos, Enade
(Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes).
As tensões ocasionadas pela avaliação nacional em função das diferenças e
desigualdades que marcam a identidade em sua dimensão institucional, individual e
coletiva foram escopo desse estudo, que investigou limites e possibilidades do
Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) diante das identidades
em sua dimensão individual, coletiva e institucional, quando contrastado pelo
inter/multiculturalismo em sua vertente crítica. Para tanto, apoia-se a investigação
e categorias de análise nas argumentações das coordenadoras dos cursos de
graduação em Turismo e de Tecnólogo em Marketing da Faculdade Gama e
Souza que participaram da avaliação no ano de 2012.
Como metodologia opta-se pela abordagem qualitativa em função de suas
contribuições no que diz respeito às interações entre os sujeitos da pesquisa. Debate-
se a relevância da pesquisa qualitativa para as Ciências Sociais. Posteriormente,
trata-se do método e das técnicas de coleta de dados com a apresentação dos
sujeitos envolvidos no estudo, caracterizando suas especificidades.
Em função do dinamismo do campo e das interações sociais, o
trabalho científico nas Ciências Sociais se atrela à flexibilidade, subjetividade e ao
diálogo constante, principalmente quando se adota as contribuições do
inter/multiculturalismo como campo de discussão teórica, na medida em que o
diálogo com os sujeitos é uma das questões suscitadas por essa perspectiva.
Considerando o objetivo e o referencial teórico adota-se como
método a pesquisa participante. Discute-se a pesquisa participante com base nos
suportes teóricos de Thiollent (2005). A pesquisa participante engloba as
especificidades da pesquisa-ação, menos a ação com finalidade transformadora.
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A escolha pelo método se justifica em virtude da participação e interação entre
ambos os lados, pesquisador e sujeitos da pesquisa.
A pesquisa se desenvolveu numa instituição de ensino superior
privado, localizada na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, a opção pela
referida instituição tem haver com a inserção profissional na mesma que
proporcionou um melhor acompanhamento das discussões em torno do tema. A
faculdade se organiza academicamente em quatro campus (I, II, III e IV), situados
respectivamente nos seguintes bairros Olaria, Av. Brasil, Bonsucesso e Barra da
Tijuca, este último é recente. Para a pesquisa, focaliza-se os campus I e II.
Como o objeto de análise era o Enade, envolve-se duas coordenadoras
de cursos avaliados no ano de 2012, os cursos de graduação em Turismo e
Tecnólogo em Marketing (graduação tecnóloga). As coordenadoras participaram
da pesquisa a partir da realização de encontros destinados à discussão do
assunto, alguns desses encontros foram promovidos pelos departamentos de ensino.
Nesta instituição o Enade provocava nos cursos avaliados novas práticas acadêmicas,
das quais aulas extracurriculares sobre o exame. Durante os encontros a postura
crítica e a preocupação das coordenadoras em relação às condições dos estudantes de
se colocarem diante de uma avaliação nacional atraiu nossa atenção.
Além do registro das falas dessas coordenadoras nas reuniões, realiza-se
entrevista semiestruturada, buscamos as vozes dos sujeitos que colaboram com a
investigação, priorizando o diálogo com o campo do inter/multiculturalismo.
Analisa-se os dados verbais coletados durante o período de observação
participante e entrevista semiestruturada.
O Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) foi
instituído no ano de 2004, caminha-se para uma década de convivência com
esta proposta, sendo assim, reflexões sobre seu impacto e relevância na sociedade
e nas instituições de educação superior são importantes, podendo auxiliar, quem
sabe, em sua reconfiguração num futuro próximo, no qual seja possível uma
avaliação nacional capaz de atender os pressupostos da perspectiva
inter/multicultural, minimizando assim o aniquilamento das especificidades
individuais, coletivas e institucionais, tanto dos alunos como das Instituições de
Ensino Superior (IES).
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Acerca da problemática anunciada e de sua relevância para o
campo da educação, realizamos um levantamento no portal da CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para
identificar as discussões sobre o assunto. O estudo inicial utilizou como
referência resumos de teses defendidas entre os anos de 2006 e 2012
cujo tema era a avaliação do Ensino Superior.
Após a pesquisa realizada no portal eletrônico da CAPES, constata-se
que num período de seis anos (2006-2012), encontramos, nos resumos de teses o
assunto Enade em 26 trabalhos que tratam da avaliação do ensino superior
(Sinaes).
Aparentemente, o interesse pelo tema ganha maior visibilidade a partir
de 2011. Encontra-se na base da CAPES neste ano, um total de sete trabalhos e no
ano seguinte oito. Durante a análise dos resumos, chama a atenção o quantitativo
de estudos realizados na área de Administração, representando 19% das pesquisas
encontradas, percebe-se também que tais pesquisas não têm como foco as
categorias do inter/multiculturalismo crítico, além disso, não tratam diretamente
do Enade instituído pela lei de nº 10.861/2004 que versa sobre o SINAES.
Apesar do assunto “Enade” estar presente em 26 resumos, percebe-se
que a questão central não a r t i c u l a cu l t u r a s , i d en t i d ad es e
d e s i gu a l d ad es , b o a p a r t e s e co n c e n t r a n a r e l a ção avaliação e
mercado de trabalho. Embora o inter/multiculturalismo não seja um campo de
discussão privilegiado nos resumos, alguns textos carregam potenciais
multiculturais tal como ressaltam Canen e Oliveira (2002), em função do
d i rec ionamento das ques tões abordadas pelos autores n o q u e t an ge à
d iv e r s id ade r eco nhec i da .
1. 1. Dialogando com avaliação, diferenças, identidades e desigualdades
Dias Sobrinho (2011) e Canen (2005 e 2009) afirmam se r a avaliação
uma prática social que abrange muitos espaços da sociedade, inclusive o
educacional. Na educação pode estar a serviço da aprendizagem e também do
controle e da regulamentação. Geralmente q u a n d o d a aprendizagem é
desenvolvida pelos agentes do cotidiano escolar. Em contrapartida, a de sistemas
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atua em prol da regulamentação e fiscalização do serviço ofertado.
O campo de discussão do inter/multiculturalismo crítico acirra tensões
acerca da avaliação em larga escala e questiona sua dimensão universalizante,
geralmente, tais políticas são desenvolvidas para todos, independente da
identidade individual, institucional e coletiva que se cruzam no espaço educacional.
Percebe-se a suspensão momentânea das desigualdades e das diferenças, no
momento da prova única.
Considerar a qualidade de cursos de graduação a partir de exame em larga
escala, desconsiderando os contextos nos quais os estudantes se constituem
sujeitos permite que a avaliação operacionalize com um suporto aluno universal,
como se todos os discentes passassem por processos de formação e constituição
identitária semelhantes. Desconsidera-se as diferenças e as desigualdades que
marcam nossas identidades, principalmente em sociedades profundamente marcas
por processos de subalternização e práticas de silenciamento do outro.
O aluno universal e a instituição ideal são tomados como referência para
seleção de conteúdos. Adotar como parâmetro a ideia de aluno universal contradiz os
estudos do inter/multiculturalismo. “Parto da afirmação de que não há educação que
não esteja imersa nos processos culturais do contexto em que se situa” (CANDAU,
2008, p. 13). Os resultados da avaliação traduzem tanto a identidade individual como
a institucional e trazem à baila pistas de um processo de formação nos quais os
sujeitos avaliados se produziram e foram produzidos nas interações cotidianas em
jogo no espaço de formação acadêmica. Neste sentido, problematizando a avalição
em larga escala á luz das proposições multiculturais.
O argumento que defendemos é que, se o multiculturalismo
pretende contribuir para uma educação valorizadora da
diversidade cultural e questionadora das diferenças, deve superar
posturas dogmáticas, que tendem a congelar as identidades e
desconhecer as diferenças no interior das próprias diferenças
(CANEN, 2007, p. 92).
Este por vez denota muitas tensões, seja pela polissemia do termo ou
por seus sentidos variados. Nas palavras de Canen (2007, 2009 e 2012),
percebe-se o quanto tal perspectiva tem potencial para auxiliar os trabalhos em
educação, em sua vertente crítica avança em relação ao multiculturalismo
folclórico e questiona a exclusão que baliza identidades de populações
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historicamente marginalizadas. A polissemia envolta do termo
inter/multiculturalismo fragiliza suas discussões, principalmente quando não
ancoradas em tendências críticas ou pós-coloniais, como evidenciam McLaren
(1999), Canen (2007, 2009 e 2012) e Candau (2010, 2011 e 2012). Algumas
críticas se referem à tendência folclórica, liberal ou conservadora. Nesta, observa-
se a celebração das diferenças, o reconhecimento pelo reconhecimento, não se
constata qualquer tentativa de transformação ou ruptura da situação opressora.
Quando a escolha é estudar um dos instrumentos do Sinaes, o Enade
com base no inter/multiculturalismo, assume-se alguns desafios dos quais
apresentá-lo em sua tendência crítica como campo de discussão e atuação forte
para os discursos que pretendem desafiar práticas excludentes e reconfigurar as
relações assimétricas de poder em sociedades desiguais. O multiculturalismo crítico
reafirma o compromisso com a transformação preconizada na teoria crítica.
Com já destacado, com relação ao inter/multiculturalismo sua
nomenclatura se associa a uma gama de sentidos e tendências, opta-se nesse estudo
pela vertente crítica que se apoia nas contribuições da teoria crítica, com destaque
para os questionamentos acerca da estrutura social injusta e excludente.
Compartilha-se de uma concepção de multiculturalismo que avança nas discussões
em torno das diferenças e desigualdades, ultrapassando o simples reconhecimento da
diversidade.
Para fundamentar as discussões em prol do inter/multiculturalismo
embasamos às reflexões nos aportes teóricos apresentados por (CANEN e
MOREIRA, 2001; CANEN, 2002; CANEN, 2008, 2007; CANDAU, 2009,
2011 e 2012) e McLaren (2000). Tais explicitam o multiculturalismo como
campo de discussão e lutas em prol do social, político e teórico. As discussões
apresentadas por Canen e Candau embora compartilhem de propósitos análogos,
apresentam nomenclaturas diferentes para designar definições bem próximas, ou
melhor, análogas. Enquanto Canen em suas pesquisas informa o
multiculturalismo, Candau discorre sobre interculturalismo.
Segundo Canen (2007)
(...) o multiculturalismo abarca diferentes concepções e
abordagens, todas reivindicando o uso do termo. Embora a idéia
do respeito à pluralidade cultural seja um denominador comum,
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pode-se concebê-la desde um multiculturalismo folclórico,
liberal, em que as culturas são interpretadas em seus aspectos
exóticos, até posturas vinculadas à teoria crítica (também
chamado multiculturalismo crítico ou perspectiva intercultural
crítica), em que se busca desafiar relações desiguais que calam
vozes culturais de grupos não-detentores de poder
socioeconômico, com vistas a implementar políticas e práticas
antidiscriminatórias, valorizadoras da cidadania multicultural e
da democratização do ensino, no caso do multiculturalismo em
educação (p.71).
1.2 – Avaliando a avalição: contribuições inter/multiculturais
A avaliação nacional tal como se organiza hoje não incorpora as tensões
das diferenças e das desigualdades latentes em países com processo histórico
semelhante ao do Brasil, a prova única, passa a falsa impressão que todos tiveram,
minimamente, o mesmo ponto de partida e se constituíram sujeitos em contextos
sociais, culturais e educacionais semelhantes. Assim, num momento específico, as
identidades individuais e institucionais são amalgamadas e transformam-se em
identidade coletiva: concluintes do ensino superior. Essa suspensão temporária
das desigualdades e das diferenças, a nosso ver é um grande equívoco da
avaliação e representa um desafio para discussões inter/multiculturais.
Mesmo após mais de 500 anos de colonização, grupos sociais, tidos
como minoritários, ainda não têm suas práticas e identidades reconhecidas
socialmente. Pelo contrário, as contradições do sistema capitalista em sua fase
neoliberal ampliam a lacuna e a exclusão entre privilegiados e desprivilegiados. As
vítimas desse sistema se avolumam e, hoje, muitos cidadãos vivenciam
subalternizações cultural e social em diferentes espaços, inclusive no educacional,
traduzidos por diversas formas, por exemplo, pela avaliação.
Refletindo sobre avaliação Esteban destaca:
Esta lógica é por princípio excludente, pois a diferença é um
traço central do mundo em que vivemos. Sendo o mundo plural,
configurado pela diferença cultural, há conhecimentos diversos
circulando, sendo postos em diálogo e em confronto, deslizando
para além das fronteiras definidas e sendo construídos/
desconstruídos/reconstruídos num processo incessante (1999-
2000, p. 68).
A avaliação se organiza em diferentes concepções: somativa,
formativa e diagnóstica. Quando organizada pela concepção somativa, também
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conhecida como classificatória se pauta nas orientações positivistas.
A avaliação classificatória configura-se com as ideias de mérito,
julgamento, punição e recompensa, exigindo o distanciamento
entre os sujeitos que se entrelaçam nas práticas escolares
cotidianas. Assim a professora precisa tornar o outro sujeito da
relação um objeto de conhecimento, interrompendo as relações
intersubjetivas – tecidas pelo diálogo que conecta as atividades
escolares – e transformando-as (ESTEBAN, 2008, p. 15).
Compreendemos que a avaliação em sua vertente somativa ou
classificatória, como também é conhecida, se afasta da avaliação na perspectiva
multicultural, por não incorporar a identidade em suas dimensões: individual,
coletiva e institucional a partir dos efeitos de lugar que caracterizam os sujeitos em
suas interações nos mais diversificados contextos.
Em sentidos opostos ao da avaliação classificatória, a perspectiva
formativa considera os saberes dos sujeitos que dialogam com as interfaces
sociais, culturais, religiosas, regionais, étnicas e econômicas. Além disso, não
atribuir um conceito final ao processo.
Em outra perspectiva a avaliação diagnóstica ou formativa tem
sido compreendida como aquela que busca levantar dados no
decorrer do processo, por intermédio de atividades e
instrumentos diversificados, que visam a avaliar aspectos plurais
pelos quais se dá a aprendizagem. A avaliação formativa ou
diagnóstica teria. Como propósito, o crescimento de alunos e de
instituições e não a sua mera classificação (CANEN, 2005,
p.101).
A avaliação em larga escala se ancora em matizes da vertente
classificatória. Encarrega-se de prestar um serviço para sociedade que se resume na
divulgação ou apresentação do produto final, o resultado da avaliação. Ainda que
sob o anúncio de prestar um serviço social, as avaliações nacionais, neste caso
específico, o Sinaes, com destaque para um de seus instrumentos o Enade
aparentemente não incorporam tensões acerca das identidades, desigualdades e
diferenças e por consequência polariza e acirra ainda mais a violência, discriminação
e marginalização dos que se envolvem na avalição.
Ainda que em seu texto legal adote uma perspectiva que dialoga com a
identidade institucional, o resultado do Enade e o ranking dos cursos se concentram
na identidade individual, desconsiderando as peculiaridades tanto institucionais como
identitárias.
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Segundo o Ministério da Educação (MEC):
O Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes)
analisa as instituições, os cursos e o desempenho dos estudantes.
O processo de avaliação leva em consideração aspectos como
ensino, pesquisa, extensão, responsabilidade social, gestão da
instituição e corpo docente. O Sinaes reúne informações do
Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) e das
avaliações institucionais e dos cursos. (Fonte:
http://portal.mec.gov.br/index.php/?id=12303&option=com_conten
t&vie w=article, pesquisa realizada em fevereiro de 2013).
No que tange à referida avaliação, reconhece-se seus potenciais em relação
à anterior Exame Nacional de Cursos (ENC). O Sinaes é uma tentativa do
governo federal de estabelecer um sistema nacional de avaliação, na medida em
que interliga diferentes órgãos do governo e etapas de elaboração, estabelecendo a
partir da CPA (Comissão Própria de Avaliação) um diálogo com as instituições
de ensino superior.
Apesar de alguns avanços em relação à avaliação de outrora, quando trazemos à
tona o Enade, observamos o quão é preciso romper com o suposto mito da igualdade
de oportunidades que ceifa aqueles que se afastam da perspectiva padronizante, pois
muitas questões tratadas como igualdade se enquadram nas discussões das diferenças
e não desafiam as contradições, as relações assimétricas e os contextos nos quais nos
constituímos sujeitos aprendizes.
O Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) avalia
o rendimento dos alunos dos cursos de graduação, ingressantes
e concluintes, em relação aos conteúdos programáticos dos
cursos em que estão matriculados. O exame é obrigatório para
os alunos selecionados e condição indispensável para a emissão
do histórico escolar. A primeira aplicação ocorreu em 2004 e a
periodicidade máxima com que cada área do conhecimento é
avaliada é trienal (Pesquisa realizada em fevereiro de 2013).
É notório tanto na fala das coordenadoras como na análise dos documentos
legais que apesar do Sinaes compreender uma proposta híbrida em seu texto legal,
os aspectos classificatórios e regulatórios prevalecem aniquilando as diferenças e
reduzindo os efeitos dos lugares sociais e das desigualdades nas identidades dos
estudantes, na medida em que o Enade assume ainda que timidamente o lugar extinto
Provão. Quando prevalecem os exames em larga escala, as diferenças individuais
e as especificidades institucionais são reduzidas na identidade coletiva de
estudante.
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A transformação social preconizada por McLaren seria uma alternativa para
compor uma avaliação inter/multicultural associada aos aspectos formativos,
pois novos valores combinam com novas práticas. Mesmo que a intenção do
governo seja manter um diálogo entre a avaliação diagnóstica e controladora. A
dimensão reguladora e classificatória prevalece e anula os aspectos formativos.
Aparentemente não há diálogo entre os paradigmas. Deste modo, a proposta de
equilibrar tais visões na avaliação nacional é um desafio a ser enfrentado
politicamente pelas políticas educacionais, desde que haja interesse. Defende-se
uma proposta de avaliação para a educação desenvolvida pelos agentes
educacionais a partir das orientações do governo. Neste caso, o envolvimento dos
avaliados na composição do processo traz centralidade para as identidades
individual, coletiva e organizacional.
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14
AULA EM ESPAÇOS NÃO CONVENCIONAIS: UMA POSSIBILIDADE
DIDATICA COMPROMETIDA COM A INTERCULTURALIDADE
Geni de Oliveira Lima
Supervisora Educacional no município de São Gonçalo e
professora da Faculdade Integrada A Vez do Mestre atuando nos
cursos de pós-graduação presencial
RESUMO
O presente artigo é parte das discussões e estudos empreendidos no campo do
Multiculturalismo em sua tendência crítica como destacam Canen, Candau e Mclaren.
Dentre as temáticas abordadas, a didática e a necessidade de repensarmos as
reorganização da aula a partir de uma proposta colaborativa de projeto docente-discente,
no qual as aulas se constituem num primeiro momento dentro da sala de aula, com o
estudo sistemático de produções teóricas que subsidiam nossas reflexões e depois em
parcerias com os aprendizes, todos se colocam diante de diferentes palcos de
aprendizagens e reflexões, palcos esses fora da estrutura escolar clássica. Estruturado
com base nas orientações da pesquisa exploratória, considerando a natureza e os
objetivos do estudo, organizamos uma pesquisa construída a partir da perspectiva de
aulas não convencionais apontada por (Veiga, 2008). Transformamos nossa experiência
docente em objeto de análise, na medida em que construímos em colaboração com os
aprendizes de um curso de pós-graduação lato senso em docência dados para pesquisa,
reflexão e análise de ações de intervenção educativa que rompem com a organização de
aula tradicional, para as discussões e reflexões adotamos como campo teórico o
inter/multiculturalismo crítico debatido por Candau (2006, 2009, 2011) e Canen (2007).
Em sociedade multiculturais como a brasileira, pensar o multiculturalismo é um grande
desafio seja pela formação cultural para diversidade seja pelo passado opressor que
marca a história dos subalternizados brasileiros, todavia assumimos este compromisso
na formação de novos docentes. Certamente, quando advogamos pela inclusão e pelo
perfilhamento de identidades, o multiculturalismo se apresenta com grandes potenciais
teóricos e práticos, contribuindo de modo significativo para o trabalho na área
educacional.
Palavras –chave: inter/multiculturalismo, didática e diálogo
Introdução
Há mais ou menos uma década nos descobrimos envolvidas com a perspectiva
do inter/multiculturalismo crítico, desde então, ressignificamos nosso olhar para o
mundo. Hábitos e costumes tão corriqueiros foram desconstruídos e uma nova
perspectiva se edificou e paulatinamente. Num primeiro lugar deixamos de ser o centro,
o centro de nossas práticas pedagógicas e o centro de nossas pesquisas, enveredamos
num caminho das práticas e pesquisas multiculturalmente comprometidas, como define
Canen e Oliveira (2002).
Entrosadas com o multiculturalismo reformulamos não só nosso quadro teórico,
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modificamos também a clássica relação professor - aluno, muito marcada pela
verticalidade entre um sujeito que ensina e outros que aprendem. Como destacam
Tardiff e Lessard (2013) “Desde seu surgimento nos séculos XVI e XVII, os colégios e
as pequenas escolas propõem uma pedagogia baseada num modelo autoritário e num
controle disciplinar bastante sistemático exercido pelo mestre sobre os alunos” (p.63).
Em relação ao campo educacional com ênfase na prática docente, algumas
correntes filosóficas chamam nossa atenção para a necessidade de repensarmos a
organização do trabalho pedagógico sob uma ótica contrária a do autoritarismo,
assumindo uma postura crítica progressista. Saviani, Libâneo e Candau anunciam novos
matizes para pensarmos as relações pedagógicas e o processo ensino – aprendizagem a
partir da didática. Assumem o diálogo e a relação com as identidades, culturas,
diferenças e desigualdades como eixos importantes na relação interativa ou colaborativa
no qual sujeitos ensinam e aprendem. Para efeitos desse estudo, em função da
articulação com a perspectiva inter/multicultural ressaltamos as proposições de Candau
e Koff (2006).
Educar na perspectiva intercultural implica, portanto, uma clara e
objetiva intenção de promover o diálogo e a troca entre diferentes
grupos, cuja identidade cultural e dos indivíduos que os constituem
são abertas e estão em permanente movimento de construção,
decorrente dos intensos processos de hibridização cultural (ver Stuart
Hall, 1997a e 1997b; e Nestor Garcia Canclini, 1991, 1995, 1997 e
1999) (p.475).
Assumir o compromisso de uma prática educacional comprometida com o
inter/multiculturalismo em sua vertente crítica implica a reformulação de ideias, a
construção de novos conceitos e ações. A tarefa docente funcional ou progressivista
perde sua centralidade na medida em que a didática atravessada pelo
inter/multiculturalismo preconiza a dialogicidade e a incorporação das discussões
culturais, sociais, locais, globais e outras que estão em interseção com a dinâmica dos
sujeitos sociais e do cotidiano escolar.
Empenhadas nas proposições inter/multiculturais transformamos nossa prática
docente em espaço de formação, confrontação e pesquisa. Em parceria com os
educandos construímos em diferentes momentos de nossa trajetória acadêmica-
profissional experiências educacionais multiculturalmente comprometidas como
mencionam Canen e Oliveira (2002) ou atravessadas pelo interculturalismo como
salientam Candau e Koff (2006). Em colaboração com os educandos ressignificamos
nossa práxis os modos de aprendizagens, também produzimos material para observação,
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análise e aprofundamento teórico de algumas categorias. De acordo com Freire (1996),
“[...] Aí está a práxis; reflexão e ação verdadeiramente transformadora 3757 da
realidade, fonte de conhecimento reflexivo e criação. [...]” (p. 106).
Neste trabalho compartilhamos resultados de uma dessas experiências.
Ancoradas nas contribuições da pesquisa exploratória, considerando as limitações
temporais e investigativas de nossa proposta, iniciamos nossa pesquisa estruturada para
ampliar nossos conhecimentos acerca de uma atividade pouco explorada em estruturas
formais de educação.
A pesquisa exploratória teve como sujeitos a docente da disciplina de Prática de
Ensino e aprendizes do curso de Formação Especial em Docência do Ensino
Fundamental e Médio em nível de pós-graduação lato senso, com carga horária de 360
horas na faculdade integrada A Vez do Mestre, localizada na cidade do Rio de Janeiro.
A turma era mista em relação ao gênero e composta por 35 estudantes de diversas áreas
de formação e conhecimento, com destaque para formação em Artes e Geografia que
compreendiam 40% do total do educandos. É importante ressaltar que tais estudantes
tinham em comum a opção pela profissão docente, na medida em que buscavam a
licenciatura na especialização.
Utilizando a educação formal como produtora de novas práticas e produção de
conhecimentos, após algumas rodas de conversas caracterizadas pelo aprofundamento
teórico de algumas categorias importantes para proposta colaborativa que colocaríamos
em curso, iniciamos a produção, coleta e análise de dados que sustentaram o estudo
exploratório. Diante da opção pela profissão professor, resolvemos oferecer para os
futuros docentes uma experiência de formação orientada pelo inter/multiculturalismo,
nos pressupostos de Freire (1996) e na perspectiva que Veiga (2008) categoriza como
aula em espaços não convencionais, também tensionada por outros autores.
De acordo com Xavier e Fernandes (2008) que destacavam que:
(...) Arriscando a dizer que a aula em espaços não convencionais: a) é
uma arquitetura de relações de ensino e aprendizagem, cujo período
de tempo é o de cada sujeito envolvido, determinado mais por sua
subjetividade do que pela possível lógica da racionalidade didático-
pedagógica; b) constitui um processo carregado de intencionalidades
educativas, sejam elas direcionadas para a suplência da educação
formal ou para complementariedade; c) compreende um processo
didático que se apoia em temáticas ou conteúdos que nem sempre
obedecem a linearidade curricular ou a exigências institucionais, mas
aos interesses e necessidades das pessoas envolvidas; d) usa
procedimentos e recursos coerentes com as ações educativas e as
temáticas trabalhadas ou conteúdos didáticos, mas com a necessária
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flexibilidade, porque o compromisso maior é com as possibilidades; e)
em significado para os sujeitos envolvidos (adultos, jovens ou crianças
que requerem cuidados especiais), que participam por vontade própria
e a motivação para a colaboração se dá pelo prazer na convivência
descontraída e não por exigências externas (s/p).
É importante salientar que os objetivos e a intencionalidade da aula são
mantidos, assim como a necessidade do planejamento, a proposta se pautou no
desenvolvimento da aula para além do desenho escolar consagrado. As proposições de
Tardif e Lessard corroboram a visão acerca deste desenho quase que sagrado da prática
docente em espaços organizados para tal ação. “Desde que a docência moderna existe,
ela se realiza numa escola, ou seja, num lugar organizado, espacial e socialmente
separado dos outros espaços da vida social e cotidiana” (2013, p.55).
A pesquisa exploratória desenvolvida na turma em tela teve como objetivo
vivenciar a construção de conhecimento de modo interativo e colaborativo fora do
espaço da sala de aula, explorando espaços da vida social e cotidiana sob a orientação
da perspectiva inter/multicultural.
1.1 - Produção de sentidos e aprendizagem significativa: a estratégia de aula não
convencional como prática multiculturalmente comprometida
As discussões relacionadas ao campo do multiculturalismo trazem à tona
algumas tensões, por exemplo, as associadas às nomenclaturas. O termo
multiculturalismo é mais utilizado pelos estudos estadunidense, concorrendo
com ele, temos o interculturalismo presente nos estudos da Europa continental,
como menciona Candau (2012). Para além da localização geográfica, tais termos
carregam denotações diferentes, em alguns casos, mas não neste estudo. “Na
realidade, não há consenso na literatura disponível, embora a maior parte dos autores
proponha uma análise semântica para tentar esclarecer o conflito conceitual entre
prefixos como multi, pluri, inter, trans” (CANDAU, 2012, p.42).
Embora o multiculturalismo seja uma expressão bastante difundida
no meio acadêmico, cabe destacar que não foi cunhado na universidade, nasce
da insatisfação e contestações de grupos sociais inconformados com sua situação
de marginalização e discriminação que buscam reconhecimento, valorização e
equidade. “Convém ter sempre presente que o multiculturalismo não nasceu nas
universidades e no âmbito acadêmico em geral. São as lutas dos grupos sociais,
discriminados e excluídos de uma cidadania plena”... (Idem, p. 33).
Mesmo expressando o movimento por valorização das diferenças e
pelo reconhecimento da diversidade, os sentidos multiculturais são diversos, indo
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desde a tendência liberal comprometida com a preservação e manutenção do
status quo até uma perspectiva revolucionária ou crítica como propõem
(MCLAREN, 2000, CANEN, 2007, 2009 e 2012 e CANDAU, 2005, 2009 e
2012). Canen contribui para as reflexões.
Além dos termos que o definem, as perspectivas que informam
o multiculturalismo também variam, conforme apontado (CANEN
& OLIVEIRA, 2002; CANEN E CANEN, 2005; CANEN E
PERTERSON,2005), desde uma visão mais folclórica ou liberal
(valorizadora da pluralidade cultural, porém reduzindo as
estratégias de trabalho com a mesma a aspectos exóticos,
folclóricos e pontuais, como receitas típicas, festas, dias especiais
– dia do índio, por exemplo) (CANEN, 2007, p. 93).
Classifica-se o inter/multiculturalismo a partir de seus compromissos,
estando suas tendências inclinadas para perspectivas folclórica, crítica e pós-
colonial (CANEN, 2007, 2009 e 2012). No multiculturalismo folclórico, não nota-
se preocupação em desafiar posturas etnocêntricas e questionar status quo,
diferenças, desigualdades e identidades, pelo contrário, tais tensões são evitadas e
em contrapartida a diversidade é celebrada em ocasiões pontuais e específicas. A
perspectiva folclórica coaduna-se melhor com o multiculturalismo liberal
apresentado por McLaren (2000).
Envolvido com a relação cultura e classe social, McLaren (2000)
avança em suas proposições, principalmente ao explicitar ser necessário a
articulação multiculturalismo crítico e transformação social, sem a qual,
encontra-se fadados a um grande equívoco, a manutenção das relações
desiguais, estas não serão superadas apenas pelos debates em torno das relações
culturais. “O multiculturalismo sem uma agenda política de transformação pode
apenas ser outra forma de acomodação a uma ordem social maior” (MCLAREN,
2000, p. 122).
Prosseguindo, o referido autor traz à tona o multiculturalismo crítico.
A perspectiva que estou chamando de multiculturalismo crítico
compreende a representação de raça, classe e gênero como o
resultado de lutas sociais mais amplas sobre signos e
significações e, neste sentido, enfatiza não apenas o jogo textual e
o deslocamento metafórico como forma de resistência (como no
caso do multiculturalismo liberal de esquerda), mas enfatiza a
tarefa central de transformar as relações sociais, culturais e
institucionais nas quais os significados são gerados (p. 123).
Não muito diferente, as proposições de Candau (2009) sobre o
interculturalismo crítico ultrapassam visões liberais e folclóricas e refletem sobre
padronização, diferenças, igualdades e desigualdades. Percebe-se, principalmente
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em países como o Brasil que discussões multiculturais que se pretendem críticas
ou revolucionárias não devem limitar-se à questão das identidades e exaltação da
diversidade, sendo necessárias articulações com dimensões de subalternizações e
exclusões presentes na história de vida do povo brasileiro. “A perspectiva
intercultural está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural,
humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade”
(CANDAU, 2009, p. 166).
Com base nos dizeres dos autores acima citados, trata-se de uma
perspectiva que avança no discurso em prol das diferenças e da transformação,
indo além de manifestações culturais e celebrações cristalizadas de identidades,
como propõe o multiculturalismo folclórico. Na tendência crítica há preocupação
com a equidade, com as relações desiguais de poder e com a reconstrução social.
Segundo Canen e Moreira:
Um segundo enfoque corresponde a uma visão mais crítica do
multiculturalismo, sendo denominado de multiculturalismo
crítico, interculturalismo crítico ou perspectiva intercultural
crítica. Nesse enfoque, com base em aportes da teoria crítica, as
relações entre cultura e poder são trazidas à tona. Busca-se
trabalhar no sentido de abrir espaço para vozes culturais
anteriormente silenciadas em currículos e práticas pedagógicas,
desafiar preconceitos, identificar origens históricas e promover
um horizonte emancipátório e transformador (2001, p. 28). Grifo
nosso.
A perspectiva multicultural crítica assume a transformação social como
tarefa central e incorpora o questionamento das relações desiguais de raça, gênero
e etnia, dentre outras, estabelecidas na sociedade excludente.
Compartilhando das ideias inter/multiculturais e preocupadas em
ressignifica novas prática docente no âmbito dos cursos que formam
professores, sistematizamos nossa ação tendo por referência a proposta de
aulas não convencionais. De acordo com Veiga (2008) objetivo principal é
estudar o projeto de organização didática como projeto colaborativo, elegendo como
campo de investigação a aula. Parte do conceito de projeto colaborativo e analisa em
seguida os componentes/elementos estruturante voltados para a organização da aula.
A autora destaca que assumir a aula como projeto colaboratrequer a
compreensão de seu dinamismo, pois o professor não trabalha isoladamente, mas em
colaboração com os alunos que se colocam como membros atuantes de um grupo
profissional e situado em uma instituição educativa.
A aula, num sentido mais amplo, é o espaço, a situação, o âmbito
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humano específico – social e temporalmente configurado – que
propicia um conjunto de experiências e estímulos que interagem com
professores e alunos.” (VEIGA, 2008, p.268 apud SÁNCHEZ
INIESTA, 1995).
A organização didática da aula como projeto colaborativo de ação imediata
representa o produto de um movimento processual de reflexão e decisão, de
comprometimento e criticidade. A organização objetiva também evitar a improvisação
das tarefas docentes, que devem estar articuladas necessariamente com o projeto
político-pedagógico da instituição educativa e, mais especificamente, com o projeto
pedagógico do curso.
Esta organização se atrela em alguns princípios, por exemplo, colaboração entre
professores e alunos, que diferem entre si na frequência e na intensidade das interações
(construção coletiva que envolve todos os agentes envolvidos no processo ensino
aprendizagem); a contextualização da aula deve ter em vista o contexto social mais
amplo, do mesmo modo que o contexto educativo mais imediato, emergindo de uma
realidade local sem deixar de refletir sobre o global; reflexão sobre a própria prática
pedagógica; diversidade de modo a atender às diferentes origens dos alunos, com seus
distintos valores morais, culturais e éticos, suas características e peculiaridades, suas
necessidades cognitivas, afetivas, psicomotoras e socioculturais e outros.
Nessa proposta de aula não convencional Veiga (2008) destaca quatro
dimensões importantes ensinar; aprender; pesquisar e avaliar e estas dimensões
chamaram muito nossa atenção, principalmente quando nos colocamos como
professoras pesquisadoras. A autora menciona também aspectos fundamentais: valor da
relação professor-aluno; respeito à dimensão socializadora da aula e considerar as
condições desfavoráveis a serem enfrentadas pelos professores.
A organização didática de uma aula é uma estrutura complexa, permeada de
intencionalidade, não admite improviso, muito menos uma ação mecânica e simplista,
fundada utilização metodológica funcionalista. Traz consigo as possibilidades de
ampliação das dimensões didáticas, da substituição de uma didática Instrumental por
uma didática Fundamental, com pretensões de alcançar para além da técnica, extensões
cognitivas, éticas e sociopolíticas envolvidas no processo de ensino-aprendizagem.
Um pouco dos dados produzidos e analisados com essa experiência
Das diferentes formas de repensar a organização da aula em colaboração com os
educandos da disciplina de didática para o ensino médio, traçamos alguns caminhos,
dos quais aulas livres pelos espaços históricos e culturais da cidade do Rio de Janeiro.
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Talvez em função da formação interdisciplinar da turma, cabe destacar que tal disciplina
foi ministrada num curso de pós-graduação lato senso voltado para habilitar
profissionais já graduados para o exercício da licenciatura, sendo assim, o público alvo
envolvido tem formações diversas em diferentes áreas do conhecimento, contudo na
atividade de apresentação, notamos uma maior concentração de bacharéis em artes e
geografia e comunicação social.
Em conjunto o grupo elaborou uma proposta de aula a partir do conceito de
espaços não convencionais. Após a seleção do assunto, adentramos nos aspectos e
elementos inerentes da aula, ressaltando as dimensões apresentadas por Veiga (2008),
das quais criatividade, ética e estética e diálogo. Nossa primeira experiência teve como
ponto de partida as contribuições dos geógrafos, que assinalaram as noções de
deslocamento, espaço, tempo e coletividade, ressaltando as diferenças e disparidades
que poderíamos encontrar em tais lugares.
Nosso trajeto pelas ruas do centro do Rio de Janeiro compreendeu paradas e
debates públicos diante de objetos e espaços culturais e históricos, com intervenções
interdisciplinar, que logo num primeiro momento evidenciaram a riqueza da atividade
empreendida. Como cada sujeito tem sua história e sua identidade, as intervenções
realizadas adquiriam formas e relevâncias diferentes, contrastando as identidades em
jogo e alguns conflitos conceituais. Neste momento ressaltamos as proposições
suscitadas por Candau ao tratar-se da relação educação e interculturalidade.
Quanto aos saberes, são produções dos diferentes grupos
socioculturais, estão referidos às suas práticas cotidianas, tradições e
visões de mundo. São concebidos como particulares e assistemáticos.
Considero que o mais relevante, deixando aberta esta discussão, é
considerar a existência de diferentes saberes e conhecimentos e
descartar qualquer tentativa de hierarquizá-los. Neste sentido, a
perspectiva intercultural procura estimular o diálogo entre os
diferentes saberes e conhecimentos, trabalha a tensão entre
universalismo e relativismo no plano epistemológico e ético,
assumindo as tensões e conflitos que emergem deste debate ( 2011, p.
247).
Posteriormente, na sala de aula socializamos imagens, observações, olhares e
memórias individuais e coletivas, através da roda de conversa cada sujeito compartilhou
sua vivência e as aprendizagens oportunizadas com a experiência. De modo
colaborativo, vislumbramos teórica e empiricamente possibilidades para o exercício de
atividades pedagógicas comprometidas com o inter/multiculturalismo. Mencionamos
que cada observação e análise pode ganhar contornos vultosos e serem mais explorados
ao longo de outras ações e intervenções pedagógicas que tenham como princípios o
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respeito às falas dos educandos e a organização da aula como um projeto colaborativo.
Tomamos como referência pressuposto de uma didática multi/intercultural ao
utilizarmos memória/diálogos do cotidiano, ao elaborar em parceria com o propor para
o grupo se ateve a elaborar uma proposta de aula a partir do conceito de espaços não
convencionais. Para tanto foram utilizadas as noções de tipos de deslocamento pela
cidade, o espaço da coletividade. Candau (2009) considera como tarefa urgente que a as
práticas de ensino reconheçam pluralidade, favoreçam o diálogo crítico e empreendam
estratégias para romper com o caráter monocultural que inviabiliza identidades, saberes,
tradições e crenças presentes nos espaços escolares.
Corroborando a primeira experiência de aula não convencional, prosseguimos
com nossas atividades. Comecei o registro a partir das observações colocadas pelos
companheiros de trajetória, a exemplo da Cintia que de repente numa exclamação se
defrontou com a Igreja onde sua mãe se casou, imediatamente exclamou: “aqui minha
história começou”. Sua fala atraiu ainda mais a atenção do grupo para igreja e com a
colaboração dos colegas de artes e história, iniciamos uma conversa acadêmica acerca
das marcar artísticas e culturais expressas na igreja. Assim como as relações de
preconceitos e discriminação pelas quais povos negros foram expostos sob a perspectiva
religiosa.
Todas as proposições colocadas foram respeitadas e incorporadas na medida do
possível, sempre assinalando as diferenças e as marcas que trazemos dos lugares nos
quais nos formamos sujeitos sociais. Para minimizar efeitos de questões mais acirradas
por partes de alguns educandos, propomos uma leitura das proposições de Candau
(2011).
Trabalhar as diferenças culturais constitui o foco central do
multiculturalismo. Situo a perspectiva intercultural no âmbito das
posições multiculturais que classifico em três grandes abordagens: o
multiculturalismo assimilacionista, o multiculturalismo diferencialista
ou monoculturalismo plural e o multiculturalismo interativo, também
denominado interculturalidade. (Candau, 2009b Apud, CANDAU,
2011, p. 246).
Como considerações provisórias, ressaltamos a importância de repensarmos
nossa práticas pedagógicas a partir das contribuições inter/multicultirais, na medida em
que, propõem o respeito, a valorização das diferenças, questionando as relações
assimétricas que marcam as identidades de muitos sujeitos sociais. Além disso, adotam
como eixo do trabalho docente a relação dialógica e a valorização dos saberes e
identidades presentes no ensino, na avaliação, na pesquisa e na aprendizagem.
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O CURRÍCULO BRASILEIRO PARA FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA PARA UNIVERSIDADE
Alessandra de Sousa Pinheiro
Professora de Educação Básica do colégio de Aplicação da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
Nesse estudo de pesquisa aponta-se como objeto de o currículo para educação inclusiva
e sua produção de saberes docentes no curso de pedagogia para o ressignificado e
flexibilização do fazer pedagógico diferenciado diante de demandas inesperadas com
crianças com deficiências e necessidades especiais. A questão da inclusão é discutida
como saber docente produzido pelo currículo de pedagogia, tomando como lócus de
estudo o curso de pedagogia e o seu projeto pedagógico pertencente a uma instituição de
ensino superior privado, procurando analisar as políticas públicas que elaboram sua
organização curricular e as lógicas para formação de saberes docentes tendo com
referencial o parecer do CNE/CP 2006 que norteiam as diretrizes curriculares para o
curso de pedagogia. Além disso, salienta-se a produção dos saberes profissionais na
perspectiva da educação inclusiva, salientando as categorias mentalismo e sociologismo
de Tardif, que estudam o estado do não saber para o fazer pedagógico com crianças que
apresentam necessidades educacionais especiais.. Revela a produção frágil de saberes
profissionais para a perspectiva da educação inclusiva, fragilidade provocada pela
ausência deste saber como conteúdo. Revelando que somente em algumas ementas que
sugerem a discussão, provocando a sensação de vazio diante dos enfrentamentos
práticos com as crianças com necessidades especiais inesperadas que aparecem no
cotidiano escolar criando um mentalismo de falso consenso do não saber para fazer ,
reforçado pela ausência de articulação com o ensino a pesquisa extensão para educação
inclusiva no cotidiano escolar. As contribuições da Teoria Crítica na perspectiva das
discussões suscitadas pela Escola de Frankfurt orientaram todo o percurso metodológico
da pesquisa.
Palavras chaves: Saberes docentes, Currículo e Educação inclusiva
Introdução
A concepção de Educação na perspectiva da Inclusão nos sistemas de ensino no
Brasil foi elaborada no bojo das intenções de regulação do Estado economicista para
organização dos currículos de formação docente na universidade. É na militância de
emancipação, com a elaboração de políticas públicas de resistência da ordem de
produção e reprodução, que se busca a inserção de disciplinas no currículo de graduação
em Educação para a discussão da importância da Educação Inclusiva na formação de
saberes docentes na universidade para o cotidiano da escola na década de 1990.
As políticas dos anos 90, apesar das tensões das orientações neoliberais, resgatam
o movimento instituinte dos primórdios da Educação, voltada para a formação humana
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integral, destituída no início do século XX. Dessa forma, faz-se necessário aproveitar as
brechas das contradições das políticas de exclusão e homogeneização para a inclusão de
alunos, vistos como incapazes na lógica da pedagogia liberal do início do século
passado, mas entendidos com limites e capacidades em um tempo diferenciado.
Estudar os currículos de licenciatura em Pedagogia na universidade, atentando
para a sua organização político-pedagógica e formação de docentes para a Educação
Inclusiva na década de 1990, significa refletir sobre o discurso para a democracia,
autonomia e melhoria de qualidade de ensino, no que tange ao curso de formação de
professores, motivado pelas vozes e enunciados democráticos da Constituição de 1988.
Esta pesquisa procura problematizar essa temática, constituindo-a como objeto de
estudo.
A década de 90 historicizou as principais mudanças na reorganização dos
currículos de licenciatura na universidade em função da necessidade de formação
qualitativa dos professores para a educação inclusiva na escola básica. Os movimentos
de inclusão deste tempo, materializados na Declaração Mundial sobre Educação para
Todos, em Jomtien, na Tailândia, e a Declaração de Salamanca, na Espanha, em 1994,
comprometeram o Brasil em assumir um sistema de ensino inclusivo que propõe um
trabalho pedagógico qualitativo de inclusão de crianças, jovens e adultos que
demandassem necessidades educacionais especiais. Essas necessidades precisam ser
compreendidas e estudadas pelos professores do universo escolar para flexibilização do
fazer pedagógico.
É necessário, portanto, problematizar como os conteúdos relacionados à Educação
Inclusiva são tratados nos colegiados da universidade e faculdade de Pedagogia para
organização político-pedagógica do currículo na formação para a docência. Os eixos
teóricos elencados para a elaboração das ementas estão relacionados aos resultados das
pesquisas extencionistas da universidade e faculdade? Qual a concepção de Educação
Inclusiva construída pelos professores universitários na formação dos futuros docentes?
Desta forma, tenho como objetivo promover um diálogo sobre a formação em
Educação Inclusiva dentro da organização curricular da universidade e faculdade que
formam professores oriundos de camadas populares. A universidade em análise desta
pesquisa é a Universidade do Grande Rio, UNIGRANRIO.
Para desenvolver o estudo, tem - se por referência a pesquisa a partir da Teoria
Crítica com ênfase no pensamento de Adorno, pressupõe conjugar o binônimo dialético
interrogação-investigação no interior dos processos de hierarquização monadológica.
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Esses processos ditam a maneira de ser e estar no mundo, ideologizando identidades
homogêneas, assumidas como mônadas distantes de suas fronteiras.
O método de pesquisa fundado no pensamento de Adorno problematiza a
distância das fronteiras monadológicas e impulsiona o pesquisador para perto do seu
objeto, onde irá estranhá-lo, interrogá-lo, mas não perdê-lo como algo exterior diante
dos processos pesquisados.
O pesquisador na Teoria Crítica não irá encontrar, como na teoria tradicional, um
reducionismo metodológico com categorias e análises processuais já estimadas. Irá
encontrar um processo de formação dialética e desmistificações de formas lineares para
a análise dos fenômenos levantados para a pesquisa. É o encontro do desvelar, da
interrogação e do inesperado.
Na reflexão de Adorno (2007), o método envolve investigação da práxis com a
teoria e afasta-se desta para a reflexão intelectual. Somente com a teoria, a ruptura com
a práxis e a essência com o essencial seriam problematizados.
Incluir para não excluir um diálogo entre Teoria Crítica e currículo
Formar professores para a educação inclusiva em um universo de cultura de
exclusão social requer desmistificar o imaginário do fracasso para assumir criticamente
um paradigma de inclusão, problematizando os parâmetros de impossibilidade como
traduzido no currículo de formação de professores, como o da pedagogia arraigado nos
estereótipos hegemônicos que discute a organização da escola básica desarticulado da
proposta apresentada no projeto pedagógico de curso o PPC, no que se refere ao ensino,
à pesquisa e à extensão.
A criação de uma perspectiva de educação inclusiva para a escola brasileira
demanda um compromisso das universidades e faculdades em construir uma matriz
epistemológica de formação de professores que emancipe a matriz tradicional, imbuída
do discurso dominante e de senso comum do cotidiano escolar: “Não estou preparado
para lidar com crianças especiais”. Segundo pesquisas do stricto sensu CNPq
(Conselho Nacional de Pesquisa), com base nos anos de 1999 a 2010, os professores da
escola básica, principalmente os dos anos iniciais, não se sentem formados para o
manejo da Educação Inclusiva na escola. Em seus projetos político-pedagógicos,
quando há, pouco se discute o trabalho sobre a educação inclusiva na escola.
Pensar a educação inclusiva na sociedade de classes requer discutir sobre como as
políticas públicas contribuíram para o debate da Educação Especial enquanto
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modalidade de ensino para a inclusão de indivíduos segregados historicamente. Incluir
indivíduos marcados por deficiências, demandando atendimento educacional que
atendas às necessidades especiais dos alunos nas instituições de ensino pressupõe uma
formação em educação constituída na crítica às contradições sociais que incluem e
excluem indivíduos na sociedade.
As políticas públicas pensadas para os alunos dos anos iniciais com necessidades
educacionais devem ser analisadas no bojo das contradições, entendendo e
problematizando no interior destas, ou pelo seu reverso. Como ilustra Adorno, nas
frases de Maar, o próprio processo que impõe a barbárie aos homens ao mesmo tempo
constitui a base de sua sobrevivência. As discussões sobre a educação como direito de
todos, presentes no ideário das políticas públicas da década de 90, possui como
pressuposto primordial a universalização da educação básica para todos os alunos que
necessitem de ensino regular.
As vozes políticas, reunidas na Conferência de Jomtien em 1990, impõem o
discurso da constituição de uma política oficial de acolhimento profissional
humanizado, assumida pelo Brasil com propostas de Educação Inclusiva, respaldadas
pela legislação nacional em âmbito federal, estadual e municipal.
Embora a tônica das propostas de implementação da educação inclusiva se
materializem somente na contemporaneidade pelo acesso à matrícula, preferencialmente
na escola pública, longe está ainda de chegar a inclusão na sua concretude, devido à
precariedade das escolas públicas inseridas no sistema de ensino público brasileiro, com
raras exceções, que talvez saibam compreender as políticas públicas. É preciso desatar
os nós para reelaboração de um projeto pedagógico que inclua, e não exclua. A função
da Teoria Crítica, selecionada como aporte teórico desta pesquisa, é analisar o contexto
e a formação social das políticas públicas em prol da Educação Inclusiva:
O essencial é pensar a sociedade e a educação em seu devir. Só assim
seria possível fixar alternativas históricas tendo como base a educação
de todos no sentido de se tornarem sujeitos refletidos da história, aptos
a interromper a barbárie e realizar o conteúdo positivo, emancipatório,
do movimento de ilustração da razão. (MAAR, 1995, p.12).
A Educação para Todos, defendida em conferência mundial na década de 90,
segundo Shiroma (2004), inicia o debate sobre a inclusão daqueles que foram
historicamente excluídos do alcance social desde a escola básica. Este momento, talvez,
tenha sido a forma de fixar os diálogos históricos e políticos para a “Educação para
Todos”.
Segundo Shiroma (2004):
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Temos a convicção de que as políticas educacionais,
mesmo sob semblante muitas vezes, humanitário e
benfeitor, expressam sempre as contradições supra-
referidas. Não por mera casualidade. (...) O processo
educativo forma aptidões e comportamentos que lhes são
necessários, e a escola é um dos seus loci privilegiado
(p.9 e 10).
A Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtien na
Tailândia, foi financiada pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura), UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância),
PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e pelo Banco Mundial.
Os 155 governos que participaram desta conferência se comprometeram a garantir uma
educação de qualidade para crianças, jovens e adultos.
O sentido da Educação para Todos foi difundir a ideia de que a educação deveria
satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem (NEBA) de crianças, jovens e
adultos. Em relação às crianças com necessidades educacionais do Ensino Fundamental,
a conferência anunciou as seguintes estratégias:
Satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem de todos - crianças, jovens e
adultos. Porém, sendo as necessidades diferentes, também deveriam ser conteúdos,
meios e modalidades de ensino e aprendizagem;
Dar atenção especial aos grupos desamparados e aos portadores de necessidades
especiais;
Concentrar a atenção mais na aprendizagem e menos em aspectos formais, como o
número de anos de escolarização ou de certificados, assegurando que crianças, jovens e
adultos pudessem efetivamente aprender, bem como utilizar, sistemas de avaliação e
resultados.
Estas estratégias destacadas da Conferência Mundial ajudaram a compor metas
que definiram os fins do encontro para a qualificação de propostas de aprendizagem
significativa na perspectiva da Educação Inclusiva em um projeto educacional de
difusão e expansão em âmbito internacional. Para o sistema educacional brasileiro, esta
Conferência Mundial significou o compromisso do Brasil com a assunção e
desenvolvimento das políticas de educação inclusiva, iniciando com o acesso universal
à educação básica. Este acesso provocou a desestabilização do modelo homogêneo
tradicional de ensinar e aprender. Ensinar na perspectiva da Educação Inclusiva exigiu a
discussão da forma escolar, delineada pelo currículo tradicional homogêneo do sistema
educacional brasileiro, constituído pelo horizonte ideológico de uma teoria tradicional,
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onde nesse horizonte linear positivista não cabe a inclusão das diferenças. Horkheimer
(apud Carnaúba 2010) explica:
A Teoria Crítica denuncia o caráter puramente descritivo da
realidade, pois ao entender que o potencial de libertação ou
emancipação humana está presente exclusivamente nas
representações próprias de uma classe, a Teoria Tradicional não
mostra a distinção estrutural em relação à ciência especializada.
Assim ela apenas descreve os conteúdos psíquicos de uma
determinada sociedade, ou seja, a investigação realizada pela
teoria tradicional tratar-se-ia de uma psicologia tradicional. E
nesse sentido, a Teoria tradicional impõe a separação entre
indivíduo e a sociedade, pois o comportamento humano passa a
ter a própria sociedade como objeto (p.196).
Desta forma, os profissionais de ensino, como os professores, gestores,
orientadores e supervisores pedagógicos, que rompem com a sua formação tradicional
para formar-se na Teoria Crítica terão a possibilidade de problematizar as políticas
públicas no seu reverso, denunciando os impactos das contradições sociais que
materializam a exclusão em função de uma falsa inclusão.
Diante das políticas na contemporaneidade, ressalto neste estudo a importância
epistemológica da Teoria Crítica para a análise destas, visando elucidar o sentido da
inclusão e da exclusão contido no bojo da elaboração dos planos nacionais de educação
para a educação especial na perspectiva da educação inclusiva.
A Teoria Crítica, como instrumento teórico de análise, ajuda no olhar reflexivo
para identificar e problematizar a ideologia que sustenta a sociedade de classes, assim
como caracterizar a matriz de formação dos profissionais de educação nas instituições
voltados para práticas homogêneas e heterogêneas. A maneira como os professores
concebem e interpretam as políticas para a Educação Inclusiva e a põem em prática
diante das diferenças de aprendizagem - necessidades educativas especiais de quaisquer
naturezas - revela sua matriz epistemológica de formação.
A formação da docência na Teoria Crítica seria uma possibilidade de subversão da
ordem social, por permitir a vivência da identificação das contradições sociais. Não há,
entretanto, a presença do conceito de crítica nos processos de formação de professores.
A formação será produzida na alienação sobre as contradições sociais, ou seja, em um
estado permanente de heteronomia.
As discussões sobre o currículo assumem o compromisso nesse tempo de buscar
resultados significativos sobre o seu estudo nas últimas décadas no Brasil, devido às
reformas de ensino, que trazem novas concepções pedagógicas de cunho progressista
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para a produção do conhecimento. Além disso, preconiza uma formação de sujeito
fundado nos valores para a autonomia e criticidade em tempos da sociedade neoliberal.
As políticas de ensino para a década de 90 apontam vozes para a reestruturação da
universidade, legitimado como campo genuíno do saber epistêmico de formação de
professores, assim como levanta interrogações e reflexões para reorganização dos
aspectos constitutivos das instituições escolares. Estas fazem, a partir de então, uso da
sua autonomia conquistada com a redemocratização do Brasil, para enfim redefinir o
seu espaço, de acordo com as necessidades entendidas no coletivo no universo da
diversidade das culturas escolares, com a ajuda das pesquisas extensionistas da
universidade.
O campo de pesquisa sobre o currículo se estrutura na universidade com os
projetos de Iniciação Científica e com as pesquisas de extensão nas comunidades
escolares, que delimitam o cotidiano escolar como objeto de estudo para compreender o
movimento e a materialização do currículo nas relações de ensinar e aprender na escola
básica. Os resultados obtidos na pluralidade dos universos escolares ajudam na
formação dos professores na universidade e possibilitam nossas reflexões sobre
currículo.
O currículo para a formação de professores na universidade, discutido na década
de 90, fundamenta-se nos valores do multiculturalismo e da inclusão para a
compreensão e formação do aluno e de seu formador na totalidade, no que diz respeito
às suas necessidades educacionais, suas diferenças culturais e anseios sociais na
comunidade em que está inserido.
O currículo na universidade difunde o desafio para os seus executores de
promover a teoria não cindida com a práxis. É preciso ensinar a teoria movimentada
com a prática, trazer o cotidiano escolar com suas tensões, enigmas, contradições
tentando desvendá-lo, o que só possível com apoio da teoria, atrelada às pesquisas
científicas e extensionistas da universidade junto à comunidade escolar.
O desejo de grande parte dos alunos da universidade, em específico dos alunos e
alunas do curso de Pedagogia da Universidade pesquisada, é receber de seus formadores
“o fazer” pronto, estruturado para aplicar no futuro cotidiano escolar, onde se projetam
na posição de docentes e pedagogos. No entanto, alunas do 3º período do curso de
Pedagogia questionam: por que tanta teoria? O queremos é a prática; Por que não
mudam o currículo de Pedagogia?; Sempre é bla,bla,bla,bla. Queremos saber como é e
como fazer com os alunos especiais que iremos receber?
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Talvez, tais considerações sejam fruto de uma herança adquirida na trajetória
escolar, em que predominou uma organização curricular estruturalista, as quais as
práticas se fecham com um fim em si mesmas, tendo como valor de troca, ao perguntar,
a resposta pronta, automatizada. A teoria, em quaisquer áreas do conhecimento, provoca
a interrogação e o incômodo das ideias, antes arrumadas por um único viés: o da
reprodução. Os alunos da universidade, ao se defrontarem com o espaço acadêmico,
estranham um currículo para uma formação crítica, já que antes na escola básica, eram
ajustados a uma maneira de pensar. A universidade é a oportunidade de aprender os
primeiros passos para sair deste ajuste, com ajuda da crítica.
As teorias funcionalistas tradicionais justificam este movimento de pensar e
traduz o incômodo das alunas do 3º período. O Estruturalismo e Funcionalismo refletem
os pilares organizativos da sociedade, como aponta Durkheim (1994) em seu estudo e
pesquisa sobre as sociedades na modernidade. O Funcionalismo segue os imperativos
da ordem linear da ciência positivista. Nessa vertente, é preciso organizar os processos
de socialização dos indivíduos através das regras sociais, o que sociólogo enunciado
chama de fato social.
A partir dos anos 80, segundo Lopes e Macedo (2001), já é possível notar a forte
interferência das ideias estrangeiras nas teorias e práticas de currículo. Considerando os
limites concebidos sobre a transferência educacional, Moreira (apud Lopes e Macedo
2001) analisa as relações estabelecidas do Estado regulador com as condições
internacionais, societárias e processuais.
Nessa linha, o autor repensou o conceito de transferência, estudando o
desenvolvimento do campo desde a década de 90. Assim sendo, a década de 90
inaugurou um campo de pesquisa sobre os estudos do currículo, englobando categorias
globalização, hibridização cultural e cosmopolitismo. Apresentando o estudo sobre o
currículo híbrido, essas categorias procuram compreender as interfaces e fronteiras
culturais nas sociedades contemporâneas.
Quando o currículo passa a ser pensado não somente a partir da ordem
economicista, mas refletido à luz das demandas culturais existentes no universo da
escola, a sua identidade nos entre-lugares da cultura da escola e da cultura do aluno
passam a ser respeitados. Pensa-se em um espaço para organização de um currículo
crítico que desconstrua o imaginário de valor explícito da apreensão, ensinamento da
técnica arraigada no economicismo, para a produção do conhecimento ideologizado,
não cabendo lugar para o diferente, ou melhor, para aquele que aprende diferente. A
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lógica da ideologia economicista, pensada no final do século XX, difundia a adaptação
do sujeito a uma única forma para a produção do conhecimento.
Em função dos discursos e teorização do multiculturalismo com a filosofia da
diferença e teoria da complexidade, o currículo deixa de ser um campo de difusão de
conteúdos técnicos e procedimentais para moldar comportamentos com o objetivo de
reorganizar o campo de estudos pesquisando o porquê da organização do conhecimento
referente à cultura e às necessidades educacionais especiais.
Desta maneira, como enuncia Moreira & Silva (2001):
O currículo é considerado um artefato social e cultural. Isso significa
que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações
sociais, de sua história de sua produção contextual. O currículo não é
um elemento inocente, neutro de transmissão desinteressada do
conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder,
o currículo não é um elemento atemporal (...) ele tem uma história
vinculada a formas específicas e contingentes de organização da
sociedade e da educação (p.7).
Nessa reflexão, sai da heteronomia da racionalização científica e do controle da
ordem e da eficiência para tentar legitimar as diferenças de cultura da aprendizagem e
prospectivas no mundo. O currículo, assim, inclui as diferenças de saber e apropriação
por aqueles historicamente marginalizados, por apresentarem deficiências e por sequer
exigir apostas, sugestões, debates, visando organizar um currículo para as necessidades
educacionais especiais. Os gritos imperialistas da ordem e da eficiência controlam a
organização curricular, silenciando quaisquer práticas que pudessem flexibilizar a
organização constitutiva curricular para a humanização dos sujeitos que resistem à
adaptação e ao ajuste ao conhecimento técnico.
Nos encaminhamentos finais, ressalto que as políticas públicas que reorganizam
as diretrizes curriculares para os cursos de formação do ensino superior afirmam a
formação qualitativa, uma formação profissional, ao invés da certificação profissional,
fundado na experiência viva. As diretrizes estão nos enunciados das políticas públicas e
não aparecem como eixos permanentes de discussão no Projeto Pedagógico de curso da
Instituição de ensino analisada. Tais ausências de discussão encontradas no decorrer da
pesquisa fragilizam o processo de formação docente.
Pensar a escola com relação às diferenças para alunos com deficiência não parece
uma tarefa difícil diante do bojo de tantas pesquisas acadêmicas/científicas que
propõem o estudo epistêmico do currículo. O cerne das propostas, a gênese do fracasso
das crianças, o fazer pedagógico para a educação inclusiva, a gestão para escola
democrática, são temas apostados para pesquisas de finais de curso em cursos de
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licenciaturas como o de Pedagogia. Embora não encontre a articulação entre o ensino, a
pesquisa e a extensão para as temáticas, essas pesquisas são apostas de investigação.
Apostei, inicialmente, no currículo para a educação inclusiva, tensionando a
importância de se enxergar aquilo que talvez se sinta, se fale, mas ainda não se vê, um
currículo reorganizado diante das diferenças.
A ausência de projetos de extensão no universo escolar, ligados à perspectiva da
educação inclusiva, a partir da instituição de ensino superior, conjugada com a ausência
de diálogos interdisciplinares sobre o ensino inclusivo nas propostas ementárias e na
própria tessitura do projeto pedagógico do curso, como pesquisado, desconstruiu
algumas certezas. A pesquisa poderia partir da instância macro, como a faculdade,
permear o micro, que é a escola, retornar ao macro e reconstruir novos saberes com a
ajuda do núcleo docente estruturante no curso.
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