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L555
Lemos, Vinicius Silva Aspectos polêmicos do novo CPC: uma série de
artigos compilados [livro eletrônico] / Vinicius Silva
Lemos. 1.ed. – Ananindeua: Itacaiúnas, 2017. 340p.: PDF
Inclui bibliografia ISBN 978-85-9535-012-0
1. Direito 2. Direito Processual I. Título.
CDD:341.4
CDU: 347.9
© 2017 by Vinicius Silva Lemos Todos os direitos reservados.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Índice para catálogo sistemático:
1. Direito: 340
O conteúdo desta obra é de responsabilidade de seu respectivo autor, detentor dos Direitos Autorais.
Conselho editorial Colaboradores: Viviane Corrêa Santos Márcia Aparecida da Silva Pimentel Josimar dos Santos Medeiros
Luis Fernando Cardoso e Cardoso
Capa, projeto gráfico e diagramação Itacaiúnas Comércio e Serviços
Editor de publicações Walter Rodrigues
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ASPECTOS POLÊMICOS DO NOVO CPC UMA SÉRIE DE ARTIGOS COMPILADOS
Vinicius Silva Lemos
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Sumário
O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DE MÉRITO NA FASE RECURSAL DE ACORDO COM O
NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 13
2. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DE MÉRITO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ....... 14
2. 1 A primazia do julgamento de mérito e da atividade satisfativa ................................................ 15
3. O IMPACTO DA PRIMAZIA DE MÉRITO NA FASE RECURSAL .......................................... 16
3.1 O combate à jurisprudência defensiva ......................................................................................... 17
4. HIPÓTESES DO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DE MÉRITO NA FASE RECURSAL .............. 17
4.1 A relativização do cumprimento dos requisitos de admissibilidade .......................................... 18
4.2 Fungibilidade entre os recursos: especial e extraordinário......................................................... 19
4.3 Fungibilidade dos embargos de declaração e o agravo interno .................................................. 22
4.4 A escolha pelo prequestionamento ficto ...................................................................................... 23
4.5 Ampliação da teoria da causa madura ......................................................................................... 25
5. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................ 30
A IMPOSSIBILIDADE DAS DECISÕES SURPRESAS E AS IMPLICAÇÕES NOS
JULGAMENTOS COLEGIADOS
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 32
2. A EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO CPC/2015 .............................. 33
2.1 A impossibilidade de decisões sem ouvir a outra parte .............................................................. 34
2.2 A impossibilidade de decisões surpresas ..................................................................................... 34
3. O IMPACTO DA IMPOSSIBILIDADE DE DECISÕES SURPRESAS NOS JULGAMENTOS
COLEGIADOS ....................................................................................................................................... 36
3.1 A vinculação com os fundamentos das partes: recorrente e recorrido ...................................... 36
3.2 A necessidade da abertura de vista quando houver fundamento novo ...................................... 37
3.3 A dispensa de abertura de vista às partes quando o fundamento foi colocado ao contraditório
em fase anterior ................................................................................................................................... 44
4. ASPECTOS CONCLUSIVOS: A NECESSIDADE DA PARTICIPAÇÃO DAS PARTES
IMPACTAREM A DECISÃO RECURSAL ........................................................................................ 45
4.1 A fundamentação do art. 489, 1o percorrendo os argumentos suscitados pelas partes ............ 45
4.2 A importância da visão de melhoria processual da influência do contraditório prévio, efetivo e
influenciante ........................................................................................................................................ 47
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5. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................ 48
A NECESSIDADE DE SEPARAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA ANTECIPADA
ANTECEDENTE EM DUAS ESPÉCIES DIFERENTES
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 50
2. A TUTELA PROVISÓRIA NO CPC/2015 ...................................................................................... 51
2.1 As espécies de tutela provisória no CPC/2015............................................................................ 52
3. OS MOMENTOS POSSÍVEIS DO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA ................................ 54
3.1 O pedido incidental ....................................................................................................................... 54
3.2 O pedido antecedente .................................................................................................................... 56
4. A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA ANTECEDENTE ....................... 57
4.1 Um rito único rumo a estabilização? ........................................................................................... 58
4.2 O problema dos prazos de extinção: aditamento do autor e agravo de instrumento do réu ..... 60
4.3 A solução via sistematização de procedimentos: duas espécies de tutela provisória de urgência
antecipada antecedente ........................................................................................................................ 62
5. A SISTEMATIZAÇÃO DE DUAS ESPÉCIES DE ANTECIPADAS ANTECEDENTES PARA
UMA SIMETRIA PROCESSUAL........................................................................................................ 69
6. BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................ 70
TUTELA PROVISÓRIA ANTECIPADA ANTECEDENTE: AS DUAS ESPÉCIES DE
ESTABILIZAÇÃO PROPOSTAS PELO ART. 304
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 73
2. A TUTELA PROVISÓRIA NO CPC/2015 ....................................................................................... 74
2.1 As espécies de tutela provisória no CPC/2015 ............................................................................ 76
3. A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA ANTECEDENTE .......................... 78
4. AS DUAS ESPÉCIES DE ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA
ANTECEDENTE .................................................................................................................................... 80
4.1 A estabilização provisória: a eficácia provisória de ate 2 anos da decisão estabilizada ........... 80
4.2 A estabilização definitiva: a eficácia após os 2 anos da decisão estabilizada............................ 85
5. CONCLUSÃO .................................................................................................................................... 90
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 91
A RESPOSTA DO RÉU NO NOVO CPC: A OPÇÃO POR UMA SUPERCONTESTAÇÃO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 93
2. A CONTESTAÇÃO COMO ÚNICA RESPOSTA DO RÉU ......................................................... 94
2.1 O prazo da contestação e sua contagem ...................................................................................... 95
2.1 O ônus da impugnação específica à inicial.................................................................................. 97
2.2 A resposta do pedido possivelmente intrínseco .......................................................................... 98
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3. A OPÇÃO PELA INCLUSÃO DE IMPUGNAÇÕES INCIDENTAIS NO BOJO DA
CONTESTAÇÃO ................................................................................................................................... 99
3.1 A transferência da alegação de incompetência relativa para a contestação .............................. 99
3.2 A impugnação ao valor da causa como preliminar processual da contestação ....................... 102
3.3 A inclusão na contestação da impugnação à concessão indevida do benefício da justiça
gratuita ao autor ................................................................................................................................. 103
3.4 A nova forma de alegação de ilegitimidade passiva ................................................................. 104
3.5 A alegação da prejudicial de mérito e a coisa julgada incidental ............................................ 106
3.6 A transformação da reconvenção em uma matéria interna da contestação ............................. 107
3.6 A alegação de convenção de arbitragem: uma manutenção indevida na contestação ............ 110
3.7 A manutenção da alegação das demais preliminares ................................................................ 111
3.8 As alegações de mérito ............................................................................................................... 113
4. A opção legislativa processual por uma supercontestação ............................................................ 114
5. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 115
A DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO E A TOTAL SIMETRIA COM A REMESSA
NECESSÁRIA
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 117
2. A DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E A PARCIAL DE MÉRITO .............................................. 118
2.1 A definição como uma decisão interlocutória parcial de mérito.............................................. 122
3. A DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PARCIAL DE MÉRITO CONTRA A FAZENDA
PÚBLICA E A REMESSA NECESSÁRIA ....................................................................................... 123
4. A NECESSIDADE DA SISTEMATIZAÇÃO PARA A POSSIBILIDADE DA REMESSA
NECESSÁRIA PARCIAL ................................................................................................................... 126
4.1 O problema procedimental da decisão parcial de mérito e a remessa necessária ................... 127
4.2 A existência da remessa necessária independentemente da interposição do agravo de
instrumento ........................................................................................................................................ 129
4.3 A forma instrumental da remessa necessária sobre a decisão parcial de mérito ..................... 130
4.4 A impossibilidade da decisão parcial de mérito contra a Fazenda Pública ter a ausência de
efeito suspensivo ............................................................................................................................... 132
4.5 A remessa necessária da decisão parcial de mérito com regras idênticas a remessa necessária
de uma sentença ................................................................................................................................. 133
4. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 134
DISTINGUISHING E O PEDIDO DE DISTINÇÃO: AS CONVERGÊNCIAS E
DIVERGÊNCIAS ENTRE OS INSTITUTOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 136
2. NOVO CÓDIGO E A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO ..................................................... 137
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2.1 A fundamentação e o precedente judicial .................................................................................. 139
3. DISTINGUISHING .......................................................................................................................... 143
4. O DISTINGUISHING E A DISTINÇÃO: SINÔNIMOS? ........................................................... 144
5. O DISTINGUISHING E O PEDIDO DE DISTINÇÃO: INSTITUTO DIFERENTES? ............ 145
5.1. O pedido de distinção como argumentação postulatória – inicial, contestação, impugnação ou
alegações finais .................................................................................................................................. 145
5.2 A decisão de afetação e a suspensão dos processos de identidade material ............................ 146
5.3 O pedido de distinção como pleito de retirada da suspensão do processo por rito ou incidente
repetitivo ............................................................................................................................................ 147
6. DIFERENÇAS ENTRE OS DOIS INSTITUTOS ......................................................................... 149
7. CONCLUSÃO. ................................................................................................................................. 152
6. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 153
A REALIZAÇÃO DA PENHORA NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA E A
NECESSIDADE DE BIPARTIÇÃO TEMPORAL DA IMPUGNAÇÃO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 155
2. O CUMPRIMENTO DE DECISÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ................. 156
2.1 A necessidade de requerimento para início do prazo para o pagamento ................................. 157
2.2 A devida intimação do requerimento para o pagamento voluntário da sentença .................... 159
2.3 O transcurso do prazo para o cumprimento da decisão e as implicações consequenciais...... 161
3. A NOVA IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE DECISÃO.............................................. 162
3.1 O deslocamento do prazo para impugnação para imediatamente após ao prazo do pagamento
............................................................................................................................................................ 164
3.2 A desnecessidade de intimação para a impugnação ao cumprimento de sentença ................. 165
3.3 A mudança para a impugnação ao cumprimento e não à penhora ........................................... 166
3.4 A desnecessidade de garantia do juízo para apresentação da impugnação ............................. 167
3.5 As matérias possíveis de suscitação na defesa impugnativa .................................................... 168
3.6 O efeito suspensivo da impugnação ao cumprimento de sentença .......................................... 171
4. A POSSIBILIDADE DE SUSCITAR MATÉRIAS EM MOMENTOS POSTERIORES: NOVA
IMPUGNAÇÃO?.................................................................................................................................. 172
4.1 A existência de matérias impossíveis de arguição no primeiro prazo ..................................... 173
4.2 O aditamento da impugnação já realizada ................................................................................. 175
4.3 A possibilidade de impugnação autônoma em caso da não apresentação no prazo anterior . 176
4.4 A impossibilidade de arguição das matérias estranhas à penhora, avaliação ou fato
subsequente pela preclusão lógica.................................................................................................... 176
4.5 A possibilidade de impugnação mesmo com julgamento da impugnação anteriormente
protocolada......................................................................................................................................... 177
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5. A DECISÃO SOBRE A IMPUGNAÇÃO...................................................................................... 178
6. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 180
A STARE DECISIS E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 182
2. O PRECEDENTE JUDICIAL ......................................................................................................... 182
2.1 A ratio decidendi......................................................................................................................... 184
2.2 Obiter dictum ............................................................................................................................... 185
3. A STARE DECISIS ......................................................................................................................... 185
3.1 O direito common law e a stare decisis ..................................................................................... 187
3.2 Espécies de stare decisis ............................................................................................................. 188
3.1 A manutenção da tese julgada em casos análogos .................................................................... 189
3.2 A estabilidade como base da stare decisis................................................................................. 190
3.3 A segurança jurídica como princípio basilar da stare decisis .................................................. 190
4. A STARE DECISIS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ........................................... 191
4.1 Os precedentes vinculantes no CPC/2015 ................................................................................. 191
4.2 O stare decisis e sua quebra de paradigma ................................................................................ 193
4.3 A formação correta do precedente como base da stare decisis ................................................ 193
4.4 A crítica à stare decisis como um engessamento da interpretação jurídica ............................ 194
4.5 A estabilidade da stare decisis somente enquanto for atual e a possibilidade de revisão ...... 195
A RECLAMAÇÃO, O NOVO CPC E A LEI 13.256 DE 2016
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 197
2. A RECLAMAÇÃO .......................................................................................................................... 197
2.1 Natureza jurídica da reclamação ................................................................................................ 199
2.2 Cabimento da reclamação ........................................................................................................... 200
2.3 Legitimidade da interposição da reclamação ............................................................................ 201
2.4 Competência para a reclamação ................................................................................................. 201
2.6 Processamento da reclamação .................................................................................................... 202
2.7 Julgamento da reclamação .......................................................................................................... 203
2.8 As críticas e receios da ampliação do cabimento da reclamação ............................................. 203
A VOLTA DO JUÍZO BIPARTIDO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL E
EXTRAORDINÁRIO E A ASSIMETRIA LEGAL COMO CONSEQUÊNCIA DA LEI
13.256/2016
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 205
2. O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NO CPC/2015 ...................................................................... 206
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2.1 As alterações propostas pelo CPC/2015 .................................................................................... 207
2.1 A primeira reforma do CPC/2015: A lei no. 13.256/2016 ........................................................ 208
3. AS IMPLICAÇÕES DO RETORNO DA ADMISSIBILIDADE BIFÁSICA NO RE E O
RESP ...................................................................................................................................................... 210
3.1 A competência bipartida da admissibilidade ............................................................................. 210
3.2 A ressurreição pela lei no. 13.256/2016 do agravo contra a decisão denegatória de Recurso
especial ou Extraordinário ou agravo do artigo 1.042 .................................................................... 211
3.3 O princípio da primazia de mérito e a relativização da admissibilidade recursal ................... 214
3.4 A fungibilidade recursal excepcional: a perda da força do instituto pela volta da
admissibilidade bipartida .................................................................................................................. 217
3.5 A revogação do agravo anterior e a criação do agravo interno de distinção: uma alteração
proposta pela lei no. 13.256/2016 antes da vigência do CPC/2015 ............................................... 219
4. OS TRIBUNAIS SUPERIORES E O RECEIO DE ATUAREM COMO TRIBUNAIS DE
PRECEDENTES ................................................................................................................................... 222
5. CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 224
6. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 225
A NÃO PRECLUSÃO DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS E A LIBERDADE
DECISÓRIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 229
2. A NOVA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA NO NOVO CPC ...................................................... 229
2.1 A escolha pela recorribilidade taxativa ...................................................................................... 231
2.2 As implicações da recorribilidade restrita ................................................................................. 232
3. A ESCOLHA PELA NÃO PRECLUSÃO DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO
AGRAVÁVEIS..................................................................................................................................... 233
3.1 A recorribilidade via preliminar de apelação ou contrarrazões................................................ 235
3.2 A forma tardia da impugnação das decisões interlocutórias não agraváveis e seus reflexos . 236
3.3 A consequência temporal-processual de uma possível reversão.............................................. 237
4. A LIBERDADE DECISÓRIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU NAS MATÉRIAS DE
DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO AGRAVÁVEIS .............................................................. 238
4.1 As decisões interlocutórias não agraváveis e as possíveis nulidades ...................................... 240
4.2 A necessidade de maior consciência decisória na interlocutória não agravável ..................... 242
5. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 243
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AUTOS ELETRÔNICOS: A POSSIBILIDADE DE
INTERPOSIÇÃO SEM A INTIMAÇÃO DA DECISÃO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 245
2. O AGRAVO DE INSTRUMENTO NO CPC/2015 ....................................................................... 246
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2.1 O trâmite do agravo de instrumento no CPC/2015 ................................................................... 249
2.2 A manutenção e a ampliação das cópias obrigatórias no CPC/2015 ....................................... 250
2.3 A flexibilização da juntada dos documentos obrigatórios: o princípio da primazia de mérito no
agravo de instrumento ....................................................................................................................... 251
2.4 A ciência da decisão a ser agravada como requisito de admissibilidade do recurso .............. 253
2.5 A desnecessidade de cópias obrigatórias quando os autos forem eletrônicos......................... 254
3. O ART. 218, § 4º E A POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DO ATO ANTES DO INÍCIO DE
SEU PRAZO ......................................................................................................................................... 255
3.1 A conjunção do art. 218, § 4º e o art. 1.017, § 5º: a interposição do agravo de instrumento
independe da ciência da decisão ....................................................................................................... 257
4. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 259
A FUNGIBILIDADE RECURSAL EXCEPCIONAL: O PROBLEMA DA CUMULAÇÃO DOS
PEDIDOS RECURSAIS
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 262
2. O CPC/2015 E O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DE MÉRITO ..................................................... 263
3. A FUNGIBILIDADE RECURSAL EXCEPCIONAL .................................................................. 265
3.1 Hipóteses de cabimento da fungibilidade .................................................................................. 267
3.2 A nova admissibilidade alterada pela Lei n.º 13.256/2016 e o impacto na fungibilidade
recursal excepcional .......................................................................................................................... 269
4. A POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDO RECURSAL ........................................ 270
4.1 A cumulação com ambos pedidos com possibilidade de fungibilidade .................................. 271
4.2 A cumulação com um dos pedidos do Recurso Extraordinário com possibilidade de
fungibilidade ...................................................................................................................................... 271
4.3. A cumulação com um dos pedidos do Recurso Especial com possibilidade de fungibilidade
............................................................................................................................................................ 274
5. CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 277
6. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 278
A FUNGIBILIDADE RECURSAL ENTRE OS RECURSOS EXCEPCIONAIS NO NOVO CPC
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 280
2. A FUNGIBILIDADE RECURSAL ................................................................................................ 281
2.1 O histórico desde do CPC/1939 ................................................................................................. 282
3. O NOVO CPC E A PREVISÃO EXPRESSA DA FUNGIBILIDADE RECURSAL ................ 283
3.1 A Fungibilidade entre os recursos: especial e extraordinário................................................... 283
3.2 A necessidade de simetria entre as fungibilidades excepcionais ............................................. 285
3.3 Competência para a atribuição da fungibilidade: relator ou colegiado ................................... 286
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3.3 A fungibilidade recursal como manifestação do princípio da primazia de mérito ................. 287
3.4 O impacto da alteração do juízo de admissibilidade pela lei 13.256/2016 na fungibilidade dos
recursos excepcionais ........................................................................................................................ 288
4. A FUNGIBILIDADE DOS RECURSO EXCEPCIONAIS E O PRINCÍPIO DA
COMPLEMENTARIEDADE .............................................................................................................. 290
4.1 A necessidade da complementação na hipótese do recurso especial transformado em recurso
extraordinário..................................................................................................................................... 290
4.2 A competência definitiva do STF sobre a fungibilidade recursal excepcional ....................... 291
4.2 A necessidade de visualização do caminho inverso: complementação na hipótese do recurso
extraordinário transformado em recurso especial ........................................................................... 292
5. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E A FUNGIBILIDADE DOS RECURSOS
EXCEPCIONAIS.................................................................................................................................. 293
5.1 A necessidade de permissão de prazo para as contrarrazões recursais após a fungibilidade . 293
4.3 A possibilidade de recorribilidade adesiva do recorrido ao recurso excepcional fungível .... 294
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................................... 294
6. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 295
A REPERCUSSÃO GERAL NO NOVO CPC: A CONSTRUÇÃO DA VINCULAÇÃO DA
DECISÃO DE MÉRITO PROFERIDA EM REPERCUSSÃO GERAL PELO STF
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 297
2. DA REPERCUSSÃO GERAL ........................................................................................................ 298
2.1 O instituto inserido pela emenda 2004 ...................................................................................... 298
2.2 A legislação no tempo: lei 2006 e o CPC/2015 ........................................................................ 299
2.3 Requisito de admissibilidade prévio ou posterior? ................................................................... 300
3. O JULGAMENTO DE MÉRITO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO
GERAL .................................................................................................................................................. 304
3.1 A construção do efeito vinculativo da decisão de recurso extraordinário em regime de
repercussão geral ............................................................................................................................... 304
3.2 O efeito vinculativo da decisão de mérito em regime de repercussão geral nos recursos em
tribunais anteriores ............................................................................................................................ 307
3.3 O efeito sob a matéria para os recursos vindouros.................................................................... 310
3.4 A opção do legislador no CPC/2015 pela não vinculação legal .............................................. 311
4. A FUNÇÃO DO STF, A REPERCUSSÃO GERAL E A NECESSÁRIA CULTURA DE
PRECEDENTE ..................................................................................................................................... 315
5. BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 316
A DECISÃO DE AFETAÇÃO: UMA POSITIVAÇÃO DO INSTITUTO NO NOVO CÓDIGO
DE PROCESSO CIVIL ......................................................................................................................... 319
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 320
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2. A MULTIPLICIDADE DE PROCESSOS PERANTE O JUDICIÁRIO BRASILEIRO ........... 320
2.1 O julgamento por amostragem como solução para o excesso das demandas ......................... 321
3. A DECISÃO DE AFETAÇÃO NOS JULGAMENTOS POR AMOSTRAGEM ....................... 323
3.1 O julgamento pelo Rito Repetitivo ............................................................................................ 323
3.2 A Repercussão Geral................................................................................................................... 330
3.3 O julgamento por amostragem na forma do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
............................................................................................................................................................ 335
4. CONCLUSÃO .................................................................................................................................. 338
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................ 339
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O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DE MÉRITO NA FASE
RECURSAL DE ACORDO COM O NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
Vinicius Silva Lemos1
RESUMO: Este artigo tem o propósito analisar a nova legislação processual, como ênfase sobre o princípio
da primazia de mérito e a sua relação com o trâmite recursal, com a explicação dos impactos reais processuais
na esfera do processo nos tribunais. Os conceitos, as inovações e a inserção deste novo princípio
proporcionando uma nova forma de visualização processual, como uma forma de aproveitamento processual ao
máximo do processo para conseguir-se julgar o mérito. Diante disto, um estudo detalhado este princípio e as
suas inserções na esfera recursal, com algumas hipóteses de sua incidência.
Palavra-Chave: Primazia de Mérito, Fase Recursal, Novo CPC, Princípio.
1. INTRODUÇÃO
Vivemos um momento de transição legislativa. Um código aprovado, com contagem
regressiva para sua vigência e muito a conhecer dessa novidade processual, com as suas nuances, seus
caminhos e tendências.
Com uma mudança legal desta magnitude, há de se estudar e analisar os novos conceitos e
princípios com outra visão, com uma preocupação em visualizar a nova lei como um momento
totalmente inovador, com a esperança de novos tempos processuais.
Uma das principais mudanças realizadas pelo novo código foi a inserção do princípio da
primazia de mérito é uma das novas normas fundamentais do novo código, priorizando claramente o
julgamento de mérito, relativizando as formalidades processuais em busca de uma nova ordem
procedimental em que o direito material deve e tem de ser a tônica e o principal ator processual.
1. Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade
de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
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Uma alteração drástica na sistemática processual brasileira. Uma nova forma de se imaginar o
processo, como um meio, muito mais do que um fim. Evidente que uma mudança dessa magnitude
impacta o formalismo processual, altera toda uma cultura de visualização desta nova legislação.
Uma nova lei deve não somente ser uma evolução normal para adaptação de novos tempos. De
igual forma, deve criar paradigmas diferentes, novas formas de pensar o mundo processual. Não há
como conseguir resultados diferentes com olhares idênticos. Com isto, a nova legislação propõe
justamente estes novos olhares.
A dúvida para a doutrina paira no tamanho do impacto, no grau de mudança que este princípio,
o da primazia do julgamento de mérito, ocasionará ao sistema processual e a todos os atores desta,
inclusive, o impacto na resolução de conflitos e, consequentemente, na sociedade.
2. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DE MÉRITO NO NOVO CÓDIGO DE
PROCESSO CIVIL
A necessidade de uma nova codificação processual demonstrava a busca por novos caminhos,
por uma alteração não somente de regras, mas, concretamente, de paradigmas. Mudar a forma de
pensar processo. Essa é a tônica da nova lei, ver o processo de forma diferente.
Com essa pegada legislativa, a tendência é colocar em prática o processo como meio, como
uma forma de almejar a resposta jurisdicional sobre o direito material.
O artigo 4o2
do novo ordenamento delimita a solução de mérito como o principal motivo de
existência do processo e um direito atinente às partes. A ideia do processo é a satisfação das partes
pela resposta jurisdicional sobre o mérito, a sobressalência da resolução do conflito de interesse
perante a mera preocupação com a formalidade do processo.
É uma mudança excepcional de paradigma. A tendência é evitar o excesso de formalismos
processuais para a almejar sempre que possível a sanabilidade dos atos para realizar-se o julgamento
integral do mérito.3 Entre o rigor processual e a tergiversação dos procedimentos, há a necessidade de
satisfazer a sociedade, utilizar o processo como meio social para a resolução de conflito, sem imaginar
o processo como um protagonista de si mesmo.
2. Artigo. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade
satisfativa.
3. “Em tempos de redação de um Novo Código de Processo civil entra em pauta a necessidade de se conceber um
formalismo que se adeque às diretrizes do processo democrático, de modo a se evitar que as formas processuais sejam
estruturadas e interpretadas em dissonância com os ditames conteudísticos do modelo constitucional de processo.”
NUNES, Dierle. CRUZ, Clenderson Rodrigues da. DRUMMOND, Lucas Dias Costa . Novo CPC, Formalismo
democrático e Súmula 418 do STJ: a primazia do mérito e o máximo aproveitamento. http://justificando.com/2014/09/18/novo-cpc-formalismo-democratico-e-sumula-418-stj-primazia-merito-e-o-maximo-
aproveitamento/
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De nada adianta outros princípios gerais processuais como o da duração razoável do processo,
se a demanda não resultar num julgamento em que o mérito seja alcançado, enfrentado e solucionado.4
Um processo somente existe para a concretização do direito material, a lembrança dessa realidade é
importante para primar-se por julgar o mérito, com o dever de possibilitar a emenda e a correção dos
atos para instrumentalizar ao máximo o processamento dos autos.5
A atividade estatal jurisdicional que propicia o acesso à justiça para a sociedade não pode se
satisfazer somente com uma prestação formal, com uma resposta meramente terminativa, encerrando a
demanda sem solucionar-se o conflito de interesses ali exposto. O processo tem um fim social, uma
alternativa para o jurisdicionado confiar no estado almejando a solução de seu problema, de sua
situação jurídica.
Não há como se satisfazer legalmente com uma decisão, prestada pelo ente estatal, em que a
resposta passa pela análise meramente processual, com um teor tecnicamente procedimental, sem uma
real resposta jurídica para a situação posta em juízo.
Por estas formas, o princípio da prioridade ao julgamento de mérito é necessário para esta nova
realidade processual, com o intuito de relativizar diversas amarras existentes nos andamentos
processuais, para possibilitar uma facilitação ao julgamento de mérito, com menos requisitos formais
e um aumento do aproveitamento processual.
Um grande recado processual legislativo ao reforçar a sentença de mérito como a resposta à ser
dada ao jurisdicionado, com uma ênfase em sua busca, mesmo que, em alguns momentos, o juízo deva
relativizar erros para se alcançar o julgamento meritório.
2. 1 A primazia do julgamento de mérito e da atividade satisfativa
Não há somente a visão em relação à necessidade de uma prestação jurisdicional em um tempo
razoável em sua durabilidade, há, por prioridade, de se almejar dentro deste prazo razoável, a
resolução do mérito. Sai a dogmática e o excesso de formalismo, com a visão processual de um
aproveitamento processual, uma busca pela entrega efetiva da atividade jurisdicional, com a satisfação
em relação a solução dada pelo estado para o caso em questão.
4. “Além do princípio da duração razoável, pode -se construi r do texto normativo também o princípio da
primazia do julgamento do mérito, valendo dizer que as regras processuais que regem o processo civil
brasileiro devem balizar-se pela preferência, pela precedência, pela prioridade, pelo primado da análise
ou do julgamento do mérito. O juiz deve, sempre que possível, superar os vícios, estimulando,
viabilizando e permitindo sua correção ou sanação, a fim de que possa efetivame nte examinar o mérito
e resolver o conflito posto pelas partes. O princípio da primazia do exame do mérito abrange a
instrumentalidade das formas, estimulando a correção ou sanação de vícios, bem como o
aproveitamento dos atos processuais, com a colaboraçã o mútua das partes e do juiz para que se
viabilize a apreciação do mérito.” CUNHA, Leonardo Carneiro da. Princípio da primazia do julgamento do mérito http://www.leonardocarneirodacunha.com.br/opiniao/opiniao-49-principio-da-primazia-do-julgamento-do-merito/
5. Enunciado n.º 278 do FPPC: O CPC adota como princípio a sanabilidade dos atos processuais defeituosos
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Se o Código de 73 era extremamente formalista, com um cuidado processual quanto à sua
forma e andar processual, o novo CPC pensa de maneira diferente, o processo deve priorizar o
julgamento de mérito, minorando e possibilitando sempre a saneabilidade das formas e requisitos para
alcançar, mediante o máximo aproveitamento processual, o julgamento de mérito. Aquela prestação
jurisdicional efetiva.
O artigo 4o. Ainda reforça que, além do mérito, deve proceder também a primazia a atividade
satisfativa, a busca, no momento processual da execução ou cumprimento de sentença, da efetividade
do direito, com a satisfação específica do requerido naquele momento.
A satisfação do direito colocado em juízo – seja em um título extrajudicial ou judicial – é
direito da parte, devendo o estado almejar prioritariamente na efetividade processual, através de meios
para alcançar processualmente esta atividade satisfativa e, ainda, a relatividade do formalismo de
alguns procedimentos quando for necessário para alcançar a transformação em realidade do direito ali
almejado.
3. O IMPACTO DA PRIMAZIA DE MÉRITO NA FASE RECURSAL
Ao imaginar uma codificação com um novo paradigma, uma nova sistemática de priorizar o
julgamento de mérito, a real atividade jurisdicional que importa, o legislador inaugura uma nova visão
sobre a sistemática processual, realmente como um meio de atingir a pacificação dos conflitos de
interesses ali postos para julgamento. Durante toda a codificação, momentos processuais foram
imaginados para a prioridade ao julgamento de mérito, com a positivação de relativizações sobre o
formalismo processual para alcançar o julgamento de mérito.
Este princípio não existe somente no artigo 4o, mas espalhado e permeado por toda a
codificação, como uma nova base paradigmática processual. Sempre que houver uma forquilha
jurídica em algum momento do processo, há de se escolher pela busca pelo julgamento do mérito, com
o máximo aproveitamento processual, com uma total relativização da formalidade, em prol de se
propiciar a resolução do mérito em si.
Se o código é, por vários momentos, impactado por este princípio que prioriza o julgamento de
mérito, não seria diferente na fase recursal, até pelo fato de que a maioria dos processos ultrapassam o
primeiro grau, resolvendo-se na esfera dos tribunais. Evidente que uma maior preocupação em
transformar o caminho final processual no efetivo julgamento de mérito passa por aplicar a mesma
tendência dogmática aos recursos.
Dessa forma, o princípio da primazia do julgamento de mérito almeja, na esfera recursal,
possibilitar mais julgamentos integrais dos pedidos recursais, priorizando a resolução do mérito que se
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busca via recurso, relativizando o formalismo para propiciar o julgamento real do que se impugna na
forma recursal.
Aplacar o excesso de julgamentos recursais que não conseguem ultrapassar a admissibilidade,
impossibilitando à análise do mérito. Esta é a forma, neste momento processual recursal, que o
princípio da primazia do julgamento do mérito se manifesta, com a prioridade em conceder a resposta
do direito material ali almejado.
3.1 O combate à jurisprudência defensiva
Um dos grandes males do excesso de formalismo praticado pelo CPC/73 recaía na chamada
“jurisprudência defensiva” praticada pelos tribunais – de segundo grau ou superiores – para a negativa
dos recursos já na análise de validade recursal, sem permitir adentrar-se nas questões meritórias.
Muitas vezes os recursos são analisados em sua validade, com um rigor excessivo, por diversas
vezes perverso, justamente para ficar neste momento de análise de validade, quando se julga a
admissibilidade recursal, sem a necessidade, ao negar o recurso, de enfrentar-se o mérito.
Processualmente este excesso de rigor pode ser eficaz, com julgamentos mais fáceis e ágeis, com
números mais favoráveis para os tribunais e, consequentemente, uma celeridade.
Todavia, uma rapidez processual calcada em uma resposta sem efetividade, sem análise de
mérito é inócua, sem razão e sem cumprir a função de existência do processo, a pacificação daquele
conflito de interesses. Um recurso sem julgamento de seu mérito, ainda que tenha um vício, é um
atentado contra a justiça. Estes possíveis erros, se sanáveis, devem ser passíveis de correção,
justamente para privilegiar a resposta estatal dentro do que foi almejado no processo e no recurso.
A existência do princípio da primazia ao julgamento de mérito vem combater no código de
2015 à jurisprudência defensiva, almejando mudar a realidade do excesso de barreiras impostas pela
norma e pelos tribunais para não se julgar o mérito recursal, este combate almejado pelo princípio da
primazia de mérito é a demonstração da mudança dogmática que o processo civil passa, uma forma de
salvar o procedimento em busca da resolução de mérito.
Uma nova realidade processual, uma tentativa legislativa louvável.6
4. HIPÓTESES DO PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DE MÉRITO NA FASE
RECURSAL
6. “À sua vez, o Novo CPC avança no tema, em passo decisivo rumo à superação da terra arrasada do formalismo estéril, já que vitaliza o conhecimento do mérito independentemente de prognoses sobre o julgamento.” DUARTE, Zulmar.
Preponderância do Mérito no Novo CPC. http://genjuridico.com.br/2015/01/23/preponderancia-do-merito-no-novo-cpc
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Não há como pensar em instituir-se novas diretrizes processuais basilares sem imaginar o
impacto disto na fase recursal, conhecida exatamente pelo excesso de formalidade, pela prioridade da
análise do cumprimento dos requisitos processuais do que à análise meritória.
Durante toda a fase recursal, o princípio da primazia ao julgamento de mérito está presente, se
manifestando em diversos momentos diferentes, com o intuito de relativizar as amarras formais
processuais, para alcançar-se o julgamento do mérito do recursal, com a prestação jurisdicional plena
e a devida análise integral do recurso.
Diversas são as hipóteses em que o princípio da primazia de mérito se manifesta na seara
recursal, contudo alguns são com tamanha importância que causarão impacto imediato quando da
vigência do novo ordenamento, são eles: a relativização do cumprimento dos requisitos de
admissibilidade, fungibilidade entre os recursos: especial e extraordinário, fungibilidade dos embargos
de declaração e o agravo interno, a escolha pelo prequestionamento ficto, ampliação da teoria da causa
madura e a teoria da causa madura no recurso ordinário.
4.1 A relativização do cumprimento dos requisitos de admissibilidade
O código de 2015, com seu viés da instrumentalidade das formas, com base no princípio da
primazia de mérito, relativiza a consequência da existência de vício na interposição do recurso em
regra. Não há mais um caminho rigoroso, com uma inadmissibilidade de erros. O processo deve
buscar o julgamento de mérito, menos formalidade, mais julgamento de direito material. Não se deve
esquecer que o processo é mero caminho para a busca da resolução de um conflito de interesse.
Dessa forma, com base no parágrafo único do artigo 932,7 permitir-se-á ao recorrente sanar a
irregularidade no prazo de cinco dias, a contar da intimação para tal feito. Não acarreta mais uma
inadmissibilidade sumária, oportunizando ao recorrente uma chance para correção recursal. Uma
busca pelo aproveitamento recursal, uma forma de julgar ao máximo o mérito, motivo pelo qual o
recurso existe. Realizar efetivamente a revisão da decisão. Não é faculdade do relator abrir esse
momento para regularização do vício, mas um dever. Constatada irregularidade sanável, o relator não
pode inadmitir o recursal sem a oportunidade para saneamento do vício.8
Óbvio que esta oportunidade é preclusiva, encerrando-se com a correção do vício ou com o
transcurso do prazo quando de sua inércia. Tem valor para todos os recursos, permitindo aos tribunais
utilizarem em qualquer recurso. O intuito é possibilitar em todas as esferas recursais o máximo
aproveitamento, com a realização do julgamento do mérito recursal.
7. Artigo 932. (..) Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco)
dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível. 8 Enunciado n.º 82 do FPPC: É dever do relator, e não faculdade, conceder o prazo ao recorrente para sanar o vício ou
complementar a documentação exigível, antes de inadmitir qualquer recurso, inclusive os excepcionais.
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Evidente que não pode ser um requisito que inviabiliza o recurso em si, como a
intempestividade, mas algum vício sanável que impossibilite um não conhecimento sumário, mas
permita a sua saneabilidade, como a juntada de procuração/substabelecimento, complementação ou
pagamento das custas, indicação do pagamento correto da guia de preparo, adequação recursal no caso
da fungibilidade dos recursos excepcionais, dentre outras.
Não há uma delimitação de qual vício pode ser corrigido ou, simplesmente, relativizado,
variando em cada caso. Quanto menos grave o vício a ser sanado, maior a possibilidade de utilizar
esta relativização para almejar o julgamento recursal.
4.2 Fungibilidade entre os recursos: especial e extraordinário
Os recursos para os tribunais superiores, especial e extraordinário, atacam por vezes a mesma
espécie de decisão, o acórdão do tribunal de segundo grau. Um quando há ofensa à lei/norma federal,
outra quando há matéria constitucional pertinente para tanto. É necessário, portanto, uma análise pelo
possível recorrente sobre o conteúdo do acórdão para realizar corretamente o enquadramento recursal,
intentar o recurso especial quando for o caso de ofensa a dispositivo de lei federal e suas vertentes ou
o recurso extraordinário quando conter matéria constitucional.
Um enquadramento equivocado, uma possível confusão entre a matéria federal ou a
constitucional pelo recorrente, se intentar o recurso equivocado, pelo código de 1973, o recurso seria
inadmissível, totalmente prejudicado, diante do erro processual realizado.
Na atual codificação, existe a aplicação do princípio da fungibilidade entre os recursos
excepcionais, tanto quanto na interposição do recurso especial na hipótese do extraordinário, tanto
quanto da situação recursal inversa. Sendo ambos recursos para tribunais superiores, em caso de
enquadramento equivocado, a parte recorrente tem a oportunidade do seu recurso ser reaproveitado,
remetido para o órgão correto, não sendo declarado diretamente inadmissível.
Na dicção do artigo 1032 do atual código, quando o relator do STJ entender que não houve o
enquadramento correto, em vez de questão federal, o correto seria a impugnação a uma matéria
constitucional, há a possibilidade de aproveitamento de tal recurso, mesmo com a delimitação e
fundamentação material equivocada, transformando-o em recurso extraordinário, com a devida
remessa ao STF, para processamento e julgamento. 9 Da mesma forma ocorre ao inverso, quando o
relator do STF, ao receber o recurso extraordinário verificar que a matéria ali exposta uma questão
federal, somente com um reflexo constitucional, pode da mesma maneira, aproveitar a existência
9. Artigo 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão
constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão
geral e se manifeste sobre a questão constitucional. Parágrafo único. Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior
Tribunal de Justiça.
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recursal, para transformá-lo em recurso especial, com a devida remessa ao STJ, conforme disposto no
artigo 1033.10
O intuito de existência dessa fungibilidade entre os recursos excepcionais perfaz a utilização
do princípio da instrumentalidade das formas11
, para julgar-se o mérito recursal, relativizando a
formalidade processual recursal, para almejar a resolução do conflito, a prestação jurisdicional ao
cidadão. A confusão entre as matérias existem, não de forma sazonal ou excepcional, mas com certa
frequência, ocasionando muitas vezes o não conhecimento ou o improvimento do recurso para o
tribunal superior, gerando prejuízo ao jurisdicionado.12
A preocupação com o direito material, baseada na utilização do princípio da primazia de
mérito cominado com o princípio da efetividade do processo, com o alcance da resolução meritória do
recurso, relativizando eventuais percalços processuais para um fim comum, a prestação jurisdicional
mais ampla, com um resultado mais prático da resposta estatal. O processo deve ser um meio em
busca da resolução material, um procedimento para a finalidade da solução ao conflito de interesses,
não impedindo este quando for possível julgar o recurso, mediante alguma relativização. Esse é o um
avanço da legislação, com um olhar mais material ao direito do que uma rigidez processual.
4.2.1 A necessidade da complementação na hipótese do recurso especial transformado em
recurso extraordinário
10. Artigo 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso
extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de
Justiça para julgamento como recurso especial. 11. “Sem transformar as regras formais do processo num sistema orgânico de armadilhas ardilosamente preparadas pela
parte mais astuciosa e estrategicamente dissimuladas do caminho do mais incauto, mas também sem renegar o valor que
têm, o que se postula é, portanto, a colocação do processo em seu devido lugar de instrumento que não pretenda ir além de
suas funções; instrumento cheio de dignidade e autonomia científica, mas nada mais do que instrumento”. DINAMARCO,
Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2005, p. 329.
12. Decisão. Vistos. Trata-se de agravo contra a decisão que não admitiu recurso extraordinário amparada no seguinte fundamento: “No entanto, observo que o STF já se manifestou sobre a questão constitucional levantada pela parte autora,
no julgamento do AI 801429 SP. Eis o inteiro teor da decisão: Agravo regimental no agravo de instrumento. Coisa julgada.
Ofensa ao art. 5º, incisos XXXVI, LIV e LV , da CF . Matéria infraconstitucional. Ofensa reflexa à Constituição. 1. A
agravante não trouxe qualquer argumento capaz de infirmar a decisão agravada. 2. A suposta violação do art. 5º, XXXVI,
LIV e LV, da CF/88, configura-se, em regra, como no presente caso, mera ofensa reflexa. 3. Agravo regimental não
provido. (Ministro Dias Toffoli, Data do Julgamento: 07.02.2012, 1ª Turma)”. Decido. O entendimento da Corte é no
sentido de que deve a parte impugnar todos os fundamentos da decisão que não admitiu o apelo extremo, o que não
ocorreu na espécie, uma vez que mantida incólume a motivação acima reproduzida. A jurisprudência de ambas as Turmas
deste Tribunal é no sentido de negar provimento ao agravo quando, como no caso, não são atacados os fundamentos da
decisão que obsta o processamento do apelo extraordinário. Nesse sentido: AI nº 488.369/RSAgR, 4/5/04, Primeira Turma,
Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 28/5/04, e AI nº 330.535/SP-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro
Maurício Corrêa, DJ de 21/9/01, e ARE nº 637.373/MS-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski,
DJe de 15/6/11, esse último assim ementado: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
AGRAVO. RAZÕES DO RECURSO NÃO ATACAM OS FUNDAMENTOS DA AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA
SÚMULA 287 DO STF. ARTIGO 543 DO CPC. REMESSA DO FEITO AO STJ. DESNECESSIDADE. AGRAVO
IMPROVIDO. I O agravo não atacou os fundamentos da decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário, o que o
torna inviável, conforme a Súmula 287 do STF. Precedentes. II É desnecessário aguardar o julgamento do recurso especial
pelo STJ quando o extraordinário não possuir condições de admissibilidade. Precedentes. III Agravo regimental improvido.” Ante o exposto, não conheço do agravo. Publique-se. (STF - ARE: 808688 PE , Relator: Min. DIAS
TOFFOLI, Data de Julgamento: 13/06/2014, Data de Publicação: DJe-148 DIVULG 31/07/2014 PUBLIC 01/08/2014)
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Com a possibilidade da fungibilidade recursal entre as espécies excepcionais, a interposição
para os tribunais superiores ganha uma flexibilidade processual, de forma a reaproveitar o que seria
um recurso inadequado, transformando-o em outro recurso, seja do especial para o extraordinário,
como vice-versa.
Entretanto, quando a fungibilidade ocorre na aceitação do recurso especial como
extraordinário, para a mutação processual ser completa necessita da complementação recursal,
concedendo prazo para o recorrente adequar o recurso à nova situação, fundamentando sobre o
requisito de admissibilidade do extraordinário, a repercussão geral, argumentando sobre a sua
existência, aproveitando também para motivar a questão constitucional, delimitando os pontos em que
compreende, motivado pelo fato da fungibilidade, haver alguma matéria pertinente.
Sem essa complementação, não há possibilidade da fungibilidade, diante da necessidade de
qualquer recurso extraordinário de manifestar-se sobre a repercussão geral. O recurso nasce aqui como
especial, transformando-o por interpretação do ministro-relator em extraordinário, exigindo do
recorrente para o aproveitamento a adequação aos ditames de admissibilidade recursal específicos da
espécie recursal ao STF. A utilização do princípio da complementariedade não somente será eficaz,
mas como obrigatória, pela alteração do viés recursal determinado pelo ministro-relator. O recorrente
não imagina intentar um recurso extraordinário, preparando-se com as regras do recurso especial,
necessitando de prazo para a complementação recursal.
Contudo, com base no parágrafo único do artigo 1032, ao recurso chegar ao STF, o relator
pode discordar sobre a matéria recursal ter cunho constitucional, podendo nesta hipótese determinar a
devolução dos autos ao STJ para análise do recurso especial.
Esta discricionariedade dada ao STF decidir se aceitará ou não a fungibilidade, devolvendo os
autos em caso de negativa, não ocorre quando a situação for inversa, qual seja o STJ ao receber um
recurso extraordinário, em que houve a mutação em especial pelo STF, não pode rever esta conclusão,
necessariamente acatando-o como especial, concedendo o prosseguimento da instrução recursal da
mesma maneira que os demais recursos especiais.
Importante salientar dois pontos que não foram determinados – nem no artigo 1032 tampouco
no 1033 – sobre latentes necessidades para estas fungibilidades: possibilitar 15 dias também na
hipótese de recurso extraordinário ser convertido em especial e, em ambos, possibilitar novas
contrarrazões ao recorrido.
Na primeira necessidade exposta, mesmo não especificada, é prudente se imaginar que para o
recurso extraordinário convertido em recurso especial ter chance de êxito, o relator, no STF, deve
intimar para complementação em 15 dias, utilizando o artigo 1032 por analogia, adaptando o então
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recurso extraordinário à questão federal para tornar-se recurso especial. Sem essa
complementariedade, impossível visualizar-se alguma chance de êxito neste recurso convertido.
Em ambas as hipóteses dessa fungibilidade, imaginando a hipótese da complementariedade –
seja a disposta no artigo 1032 ou imaginando a analogia na hipótese do artigo 1033 – deve-se
possibilitar ao recorrido impugnar, via contrarrazões, as alterações provenientes da complementação
possibilitada ao recurso convertido – tanto no recurso especial ou extraordinário. O intuito é permitir o
efetivo e completo contraditório, pelo fato de que essas possíveis alterações, não passaram pela análise
e posterior impugnação do recorrido, fato necessário para deixar o processo justo, realizando a ampla
defesa.
4.3 Fungibilidade dos embargos de declaração e o agravo interno
Pela ênfase ao princípio da instrumentalidade das formas, o código de 2015 positiva o
princípio da fungibilidade em alguns pontos, quanto aos embargos, ao permitir que o relator que
prolatou uma decisão monocrática, ao eventualmente, forem opostos embargos de declaração contra
esta decisão singular, caso entenda necessário ou pertinente, os transforme agravo interno no tribunal,
mas desde que o recorrente seja intimado previamente para regularizar sua peça.13
O artigo 1024 § 3º estipula essa possibilidade da aceitação de um recurso por outro, dos
embargos de declaração pelo agravo interno, não julgando-o de maneira monocrática e, sim,
remetendo ao colegiado.14
Obviamente, os embargos de declaração tem fundamentação estranha ao
agravo interno e vice-versa, para essa aceitação sem prejuízo da parte recorrente, deve-se intimar o
recorrente para adequação recursal, moldando o recurso não somente para impugnar decisão no intuito
de esclarecer ou integrar, mas para versar sobre os pontos da decisão embargada como um todo,
transformando o recurso interposto como embargos de declaração em um autêntico agravo interno. A
jurisprudência já era pacificada neste sentido com entendimento dos tribunais superiores sobre essa
13. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FUNGIBILIDADE RECURSAL. RECURSO RECEBIDOCOMO AGRAVO
REGIMENTAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃOCARACTERIZAÇÃO. 1. Em nome dos princípios da economia
processual e da fungibilidade, admitem-se como agravo regimental os embargos de declaração opostos a decisão
monocrática proferida pelo relator do feito no Tribunal. 2. Quando suscitada a divergência entre paradigmas de turmas da
mesma seção e de seção diversa daquela de que provém o aresto embargado, ocorre a cisão do julgamento com primazia
da Corte Especial, com posterior remessa dos autos à seção competente em relação aos demais paradigmas. 3. Segundo o
art. 546, I, do CPC, c/c o art. 266 do RISTJ, é requisito para a interposição de embargos de divergência que o dissenso
ocorra entre acórdão proferido por turma e aresto exarado por outra turma, seção ou órgão especial em sede de recurso
especial. 4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, ao qual se nega provimento. (STJ - EDcl nos
EREsp: 1223586 RS 2011/0116367-7, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento:
07/05/2012, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 18/05/2012)
14. Artigo 1024. (..) § 3º O órgão julgador conhecerá dos embargos de declaração como agravo interno se entender ser este o recurso cabível, desde que determine previamente a intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias,
complementar as razões recursais, de modo a ajustá-las às exigências do art. 1.021, § 1º.
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possibilidade calcada na economia processual e instrumentalidade das formas, o código de 2015
somente positivou um entendimento pacificado, dando-lhe força de lei.15
4.4 A escolha pelo prequestionamento ficto
No momento de se positivar o prequestionamento levou-se em consideração a necessidade de
se inserir no texto legal um entendimento claro do que seria o instituto, para seguir uma das tendências
conceituais do instituto, não deixando-o à mercê novamente da jurisprudência e da doutrina, mas
definindo-o.
A delimitação do tema realizou-se de forma a não justificar mais discussões e, sim, de inserir o
prequestionamento como um instituto consolidado, como uma definição legal, não somente sobre sua
existência e pertinência, mas sobre o entendimento de qual postura adotar, diante tanta divergência
jurisprudencial e doutrinária.
Da nova codificação, pode-se extrair a conceituação do prequestionamento como um ato da
parte, independente da manifestação judicial sobre o tema, incluindo as alegações realizadas nos
embargos como inerentes ao acórdão em si, à decisão judicial. A acepção da palavra, prequestionar,
foi utilizada de maneira a parte questionar o judiciário, a simples exposição da matéria, com o
requerimento do enfrentamento da matéria pelo tribunal recorrido, já cumpre a medida do
prequestionamento.
Não há que se esperar que o judiciário responda aos questionamentos ventilados,
impossibilitando, por vezes, a interposição de um recurso, por uma manutenção indevida de uma
omissão no acórdão. O fato da parte alegar que há omissão, delimitar fundamentadamente quais os
pontos omissos, possibilita pela dicção do artigo 1025, a rediscussão da matéria em grau superior,
restando tal ponto como prequestionado. Um avanço processual, um olhar para o futuro e pela
celeridade processual.
Dessa forma, o legislador seguiu o entendimento do STF, com a base da Súmula 356, no
sentido de bastar a oposição dos embargos declaratórios questionadores da questão, para esta restar
totalmente prequestionada, podendo desde já ser analisada pelo tribunal superior, em eventual recurso
especial/extraordinário.
Os embargos de declaração da parte ao ventilar matéria que incorra em erro, omissão,
contradição ou obscuridade, caso o tribunal superior opine pela existência destes, a matéria está
prequestionada, ainda que o recurso aclaratório for inadmitido ou rejeitado, havendo alegação do
15. Enunciado n.º 104 do FPPC: O princípio da fungibilidade recursal é compatível com o CPC e alcança todos os
recursos, sendo aplicável de ofício.
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recorrente sobre tais pontos, possibilita o conhecimento da matéria pelo tribunal superior, pela
fundamentação contida nos embargos da parte.
Importante salientar que mesmo com a rejeição ou inadmissão dos embargos de declaração, a
postulação do embargante que funciona como prequestionamento, não a decisão judicial do tribunal
recorrido.
4.4.1 Pontos processuais favoráveis ao prequestionamento ficto
O novo código processual ao realizar a escolha pelo prequestionamento em sua maneira ficta,
orienta-se por razões processuais, uma busca pela efetividade da prestação jurisdicional, almejando
uma entrega processual meritória mais célere, afinal “o que importa acima de tudo, como ficou dito, é
colocar o processo no seu devido lugar, evitando os males do exagerado “processualismo” (tal é o
aspecto negativo do reconhecimento do seu caráter instrumental)”.16
O processo em sua concepção, deve incentivar uma duração razoável, um deslinde normal
diante das situações fáticas colocadas ao judiciário. Criação de meios de minorar a demora na
prestação jurisdicional, estimular meios de instrumentalizar o processo, retirando amarras processuais,
relativizando possibilidades processuais, escolhendo caminhos legislativos para uma efetividade maior
do processo. São muitos pontos favoráveis à escolha do prequestionamento, a opção pelo ficto, a
definição deste instituto primou pela economia processual, um avançado na aplicabilidade da justiça.
O princípio da instrumentalidade das formas deve ser considerado como ponto positivo para a
opção legislativa do prequestionamento. O processo nada mais é do que um instrumento para
chegarmos ao deslinde material do direito, à resolução do mérito, tanto da ação quanto do recurso.
Não deve o processo e sua tecnicidade serem mais importantes no direito do que a matéria, a solução
ao conflito de interesse ali disposto. O prequestionamento enquanto requisito de admissibilidade deve
auxiliar os tribunais superiores para uma melhor prestação jurisdicional, com serventia para uma
resposta judicial mais completa do tribunal recorrido, bem como uma impugnação mais completa e
pertinente do acórdão. Não deve servir como um simples óbice ao trâmite recursal, travando a
possibilidade de análise do mérito do recurso.
Há muito tempo a doutrina sobre o tema já especificava a necessidade de unificação de
posicionamentos entre os tribunais superiores.17
Com a dicotomia anteriormente existente sobre a
16. DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, pp. 309/310.
17. “Essa instabilidade no entendimento jurisprudencial é muito prejudicial à configuração dos institutos jurídicos,
sobretudo quando diz respeito ao cabimento de recursos extraordinários. Que o STF defina, efetivamente, seu
entendimento: admite-se ou não o prequestionamento ficto? Pelo que se vê desses precedentes da sua 1ª Turma, não se admite mais o prequestionamento ficto…” CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie - Prequestionamento
ficto em recurso extraordinário. Entendimento instável do STF http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-171/
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 25 Aspectos polêmicos do novo CPC
interpretação que cada tribunal superior concedia ao instituto do prequestionamento, o jurisdicionado
não tinha uma noção exata do direito ali interpretado, alterando de acordo com o tribunal o aspecto
processual existente. Ao dispor sobre o prequestionamento no artigo 1025, a nova codificação pacifica
legalmente a matéria, optando pela forma ficta, dirimindo dúvidas na letra da lei, estabelecendo um
parâmetro único ao instituto, com o intuito de pacificação de entendimentos entre tribunais superiores,
utilizando-o uniformemente.
4.5 Ampliação da teoria da causa madura
A antiga codificação continha em seu artigo 515, § 3,18
a possibilidade do tribunal afastar
questões processuais em sentença terminativa e, em caso de provimento do recurso na parte
terminativa, com matéria somente de direito, quando estivesse o processo pronto para julgamento,
assim o fazê-lo, não remetendo-o de volta ao juízo a quo, decidindo desde já o mérito do processo em
si, mesmo que não haja pronunciamento judicial de primeiro grau sobre o mérito em si.19
O intuito dessa existência dessa possibilidade passa pela necessidade de celeridade
processual.20
O tribunal está julgando um recurso de um processo que impugna uma decisão sem
mérito, afastando o vício que o juízo a quo alegou para encerrar o processo, este deve continuar para
buscar-se o mérito. Entretanto, se a matéria for somente de direito e o processo estiver pronto para
julgamento desnecessário se faz remeter para o juízo inferior para a prolação de uma sentença e,
posteriormente, caber novamente um recurso de apelação para rediscutir a “nova sentença”, agora de
mérito. Ao possibilitar o órgão fracionário julgar o mérito nesta hipótese economiza-se tempo ao
processo, uma remessa de retorno ao juízo inferior e, ainda, uma possível interposição de recurso para
o tribunal, com tanto tempo para ir e voltar, demoraria o processo para uma resolução muito mais
18. Código de 1973: Artigo 515. A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. § 3
o Nos casos
de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar
questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. (Incluído pela Lei nº 10.352, de
26.12.2001)
19. “Com a nova regra, mesmo que a sentença tenha sido terminativa, o efeito devolutivo da apelação permitirá ao tribunal
julgar o mérito da causa, desde que satisfeitos dois requisitos: a) se a causa versar sobre questão exclusivamente de direito;
e b) o feito estiver em condições de imediato julgamento (um recurso contra indeferimento da inicial, por exemplo, não
pode ser apreciado pelo mérito da causa, porque ainda não se realizou o contraditório; assim, também quando a extinção se
deu na fase de saneamento, sem que ainda se pudesse ter o contraditório completo). Não basta, portanto, que a questão de
mérito a decidir seja apenas de direito; é necessário que o processo esteja maduro para a solução do mérito da causa”
THEODORO JR. Humberto. Curso de direito processual civil: Teoria geral do direito processual civil e processo de
conhecimento. v. 1. 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 661-662.
20. “Essa inovação atende ao desiderato de acelerar a outorga da tutela jurisdicional, rompendo com um histórico e
prestigioso mito que ao longo dos séculos os processualistas alimentam sem discutir. Não há por que levar tão longe um
princípio, como tradicionalmente se levava o do duplo grau nos termos em que ele sempre foi entendido, quando esse verdadeiro culto não for indispensável para preservar as balizas do processo justo e équo, fiel às exigências do devido
processo legal.” DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo : Malheiros, 2002. p. 152
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| Voltar ao sumário 26 Aspectos polêmicos do novo CPC
tempo. Assim, ao julgar a sentença terminativa, ultrapassando esta parte, convém o julgamento do
mérito.
O motivo que se autoriza essa excepcionalidade recai na possibilidade do processo estar pronto
para ser julgado em seu mérito, naquele momento recurso, com o provimento da mudança da sentença
terminativa. Com isso, o processo está maduro para ser julgado, pronto para a decisão da questão
meritória, concedendo a doutrina a especificação de teoria da causa madura para essa possibilidade.21
Pela possibilidade da teoria da causa madura, abre um efeito diferente ao recurso, que não é o
devolutivo, pelo fato deste somente devolver a matéria sobre a sentença terminativa, a parte sobre o
pedido da análise do mérito não há devolução e, sim, julgamento pela primeira vez. Dessa forma, a
apelação serviria como efeito desobstrutivo, com o provimento do recurso para afastar a sentença
terminativa, desobstruiu-se o processo para proferir decisão de mérito, desde logo. 22
Entretanto, necessário que a apelação tenha o pedido no sentido do julgamento do mérito da
ação, caso o pedido anterior sobre a sentença terminativa for provido. Sem a existência de pedido para
julgamento do mérito da ação, o tribunal ao adentrar-se em questões não requeridas na peça recursal,
proferiria acórdão incongruente com o pedido feito no recurso.
No artigo 1013, a atual codificação versa sobre quais as matérias são devolvidas para o juízo
de revisão realizado pelo tribunal, o que leva o seu § 3º delimitar a hipótese da aplicação da teoria da
causa madura, primeiramente replicando a mesma do código anterior que explicamos acima,
acrescentando hipóteses legais para tanto, ampliando o alcance do próprio instituto da causa madura
na apelação.23
As outras hipóteses de aplicação da teoria em questão estão no mesmo parágrafo citado.
Quando o tribunal decretar a nulidade da sentença por ser incongruente com o limite do pedido e a
causa de pedir caberá ao tribunal já enfrentar o mérito da apelação. Nesta hipótese, houve uma decisão
que fugiu da formalidade da sentença e a violação do princípio da congruência/adstrição do ato
judicial decisório com os limites impostos no momento do pedido inicial, o que enseja o juízo a
somente responder os pedidos requeridos na exordial. Ao ultrapassar ou ser estranho à inicial da
21. “Na verdade, quando o tribunal aprecia o objeto de uma causa, sem que o a quo o tivesse feito, de forma total ou
parcial, não está propriamente julgando o recurso, mas sim fazendo o que o juízo inferior faria se os autos lhes fossem
devolvidos.” LOPES Jr.. Gervásio. Julgamento direto do mérito na instância recursal. Salvador: Editora Jus Podivm, 2007,
p. 36.
22. “O julgamento do mérito diretamente pelo tribunal não é consequência do efeito devolutivo do recurso, até porque ele
ocorre após o julgamento do recurso - é um outro efeito da apelação, já denominado efeito desobstrutivo do recurso.”
CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie; Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às
decisões judiciais e processo nos tribunais. 5ª ed. Salvador: Podivm, 2012. p. 122
23. Artigo 1013. (..) § 3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o
mérito quando: I – reformar sentença fundada no art. 485; II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir; 195 III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em
que poderá julgá-lo; IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 27 Aspectos polêmicos do novo CPC
ação24
, o vício recai na formalidade da sentença, necessitando ser anulada, mas o processo estará
numa fase em que não se ultrapassou a produção de provas, pronto para julgamento, assim, ao
decretar a nulidade da sentença, o processo cumpre o requisito de estar pronto para julgamento,
faltando-lhe somente a matéria de direito.
Quando houver omissão em um dos pedidos da inicial também devolverá ao tribunal a
possibilidade de apreciá-lo, mesmo quando o juízo de primeiro grau atuou com desídia deixando uma
lacuna processual, bem como a parte não interpôs embargos de declaração para sanar tal vício, ainda
assim, o tribunal pode, desde logo, julgar o mérito deste pedido ausente da sentença, aplicando a teoria
da causa madura pelo processo já estar pronto para o julgamento, tanto que os outros pedidos foram
julgados e este esquecido, gerando uma sentença citra petita. 25
A última hipótese versa sobre a ausência de fundamentação da sentença especificada no artigo
489 ou não adequação da fundamentação ao ali disposto. O novo código primou por uma
fundamentação mais real e analítica em cada decisão judicial, impondo o juízo a necessidade de
responder todas as teses jurídicas levantadas pelas partes, fundamentando de maneira coerente com a
jurisprudência, explicando de maneira clara os motivos da utilização da norma, sem motivos vazios ou
simples indicação de normas ou jurisprudências, necessitando explicitar a relação destas com o caso,
numa real fundamentação.26
Quando a apelação impugnar a sentença pelo fato de não haver a
fundamentação correta, o tribunal acatando tal tese, decreta a nulidade da decisão por ausência ou
vício de fundamentação, entrando desde já no mérito da questão, já que houve somente um vício
formal da sentença.
Além das hipóteses elencadas acima, outra hipótese vem logo a seguir, no artigo 1013, § 4º27
quando uma apelação impugna uma sentença em que se reconheceu a decadência ou a prescrição e, na
24. “Na sentença ultra petita, o juiz concede ao autor a tutela jurisdicional pedida, o gênero do bem da vida pretendido,
mas extrapola a quantidade indicada pelo autor.” “A sentença extra petita é tradicionalmente considerada como a sentença
que concede algo diferente do que foi pedido pelo autor. “ NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito
processual civil. 5. ed. rev., atual, e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. p. 522/525
25. “a sentença é citra petita, também chamada de infra petita, quando fica aquém do pedido do autor ou deixa de enfrentar e decidir causa de pedir ou alegação de defesa apresentada pelo réu No aspecto subjetivo é citra petita a decisão que não
resolve a demanda para todos os sujeitos processuais.” NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual
civil. 5. ed. rev., atual, e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. p. 525/526
26. Artigo 489. São elementos essenciais da sentença: I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a identificação do
caso, com a suma do pedido e da contestação, e o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo; II
– os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito; III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as
questões principais que as partes lhe submeterem. § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem
explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o
motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; 91 V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes
nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula,
jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a
superação do entendimento. 27. Artigo 1013 (..) § 4º Quando reformar sentença que reconheça a decadência ou a prescrição, o tribunal, se possível,
julgará o mérito, examinando as demais questões, sem determinar o retorno do processo ao juízo de primeiro grau.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 28 Aspectos polêmicos do novo CPC
via recursal, conseguiu-se o provimento, afastando estas prejudiciais, podendo, se houver
requerimento e possibilidade processual, proferir o acórdão enfrentando o mérito.
Em todas as hipóteses que ampliou-se a teoria da causa madura buscou-se a celeridade
processual e a economicidade de não devolver o processo para o primeiro grau quando o tribunal tiver
capacidade processual para já apreciar o mérito. Ainda na codificação anterior, discutia na doutrina se
a possibilidade de utilização da teoria da causa madura seria ou não uma forma inconstitucional pela
supressão de instância, não possibilitando o juízo de primeiro grau sentenciar o mérito, tendo a parte
somente o pronunciamento meritório diretamente do tribunal, sem possibilidade de recurso com duplo
grau de jurisdição,28
ocasionando em tese um prejuízo processual par a parte que viesse a ser
sucumbente na apelação que utilizou desta teoria. Porém, questão totalmente superada na doutrina e
jurisprudência sobre a validade da teoria da causa madura.29
4.5.1 A teoria da causa madura e o recurso ordinário
O artigo 1027, § 2º30
estipula que o recurso ordinário seguirá regras de outros dispositivos
legais, no caso em questão para este capítulo, o artigo 1013, § 3º31
que dispõe sobre a teoria da causa
madura, demonstrando a positivação da sua aplicabilidade no recurso ordinário.
Explicamos no capítulo 9.5, sobre a Teoria da Causa Madura e a sua ampliação no recurso de
apelação, a qual resumimos para nova explicação. Essa possibilidade existe quando um recurso de
apelação é julgado pelo tribunal impugnando uma sentença terminativa, possibilitando ao órgão
fracionário no tribunal, caso dê provimento ao recurso para afastar o vício alegado na sentença para
não julgamento do mérito, enfrenta, desde já, o mérito da causa, em hipótese da ação versar somente
sobre matéria de direito, não necessitando da produção de prova, tampouco da realização de outro ato
28. “Segundo pensamos, o § 3º do art. 515 não viola a Constituição Federal. Como se viu, o princípio do duplo grau de
jurisdição não é garantia constitucional. Essa concepção, no entanto, como se mencionou, não é pacífica, havendo defensores de orientação contrária. Para estes, muito provavelmente o § 3º do art. 515 do CPC deverá ser considerado
inconstitucional. O fato de não estar diante de inconstitucionalidade, contudo, não torna, só por isso, menos criticável o
preceito, porquanto nos casos em que, em atenção ao § 3º do art. 515 do CPC, o tribunal – ou o relator sozinho (cf. art. 557
do CPC) – julga questão de mérito que não havia sido sequer examinada pelo juízo a quo, estará realizando julgamento
que só excepcionalmente poderá vir a ser reapreciado." MEDINA, José Miguel Garcia. Aspectos Polêmicos e Atuais dos
Recursos e outros meios de impugnação às decisões judiciais, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, p. 342/343
29. “Assim sendo, o que pretende o referido § 3º do art. 515 é estabelecer que em certos casos que se tenha proferido
sentença terminativa (isto é, sentença que não contém a resolução do mérito) poderá o tribunal, ao apreciar a apelação,
julgar o objeto do processo. Ter-se-á, aqui, uma supressão de instância, excepcionando-se a incidência do princípio do
duplo grau de jurisdição. É de bom alvitre, contudo, recordar que o duplo grau não é uma garantia constitucional, tendo
suas bases na legislação ordinária. Sendo assim, é perfeitamente possível à própria lei ordinária afastá-lo, como o fez no
caso que ora se examina” CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 17.ed. 2ª Tiragem. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2009. v.II p. 94.
30. Artigo 1027. (..) § 2º Aplica-se ao recurso ordinário o disposto nos arts. 1.013, § 3º, e 1.029, § 5º.
31. Enunciado n.º 357 do FPPC: Aplicam-se ao recurso ordinário os arts. 1.013 e 1.014.
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| Voltar ao sumário 29 Aspectos polêmicos do novo CPC
pelo juízo de primeiro gau. Ao enfrentar o mérito da ação, o tribunal resolve a questão da demanda,
impondo à causa o enfrentamento do mérito, mesmo o juízo de primeiro grau não o fazendo.
Uma busca pela economia processual. Porém, essa possibilidade consiste numa positivação
entre entendimento conflitante dos tribunais superiores sobre a matéria, importando esta inovação
processual a uma adaptação dos tribunais e das partes.
Desnecessário imaginarmos que o tribunal, mediante seu órgão fracionário, ao afastar a
questão processual que resultou na sentença terminativa, devolva o processo para o primeiro grau
julgá-lo. Haveria, neste caso, uma demora, um atraso processual, voltaria para prolação de uma
sentença pelo juízo de primeiro grau, cabendo apelação para atacá-la, possibilitando a volta do
processo ao tribunal. Se este hipotético caminho é árduo, pertinente possibilitar encurtar este caminho,
autorizar legalmente o tribunal a julgar desde já a matéria. Esta é a teoria da causa madura de forma
sucinta, quando de sua positivação pelo artigo 515, da antiga codificação. 32
Aqui deparamos com duas questões: primeiramente, como já vimos no capítulo do recurso de
apelação supracitado, houve uma ampliação pelo atual código da teoria da causa madura ampliando as
suas hipóteses, na decretação da nulidade por falta de congruência da sentença com os pedidos da
inicial, pela falta de manifestação sobre pedidos da inicial na sentença ou pela nulidade da sentença
pelo reconhecimento de falta de fundamentação. Todos estes, juntam-se a sentença sem julgamento de
mérito como as possibilidades em que o tribunal pode enfrentar o mérito da causa via apelação,
mesmo sem o primeiro grau tê-lo realizado. A segunda questão, após de relembrar o que é a teoria da
causa madura, é a estipulação pelo código atual da aplicabilidade desta possibilidade no recurso
ordinário, com os mesmos critérios e requisitos da apelação.
Mais uma semelhança entre o recurso ordinário e a apelação. Nesta situação, a intenção recai
em aplicar a mesma amplitude dada ao recurso de apelação, ao ordinário, possibilitando quaisquer dos
tribunais competentes ao julgamento do recurso ordinário quando deparar-se com situações moldadas
no artigo 1013, § 3º, desde logo, após afastar o vício processual, adentrar no mérito da ação, julgando-
o, decidindo a causa naquele momento. Essa extensão da teoria da causa madura ao recurso ordinário
demonstra que a lei almeja ampliar a celeridade processual, sem idas e vindas do processo vara ao
tribunal, do tribunal à vara. Se é possível decidi-lo naquele momento, deve o tribunal assim realizar,
sem exitar, prestando a jurisdição com economia processual.
32. Código de 1973. Artigo 515 – A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. (..) § 3º Nos
casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa
versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento.”
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 30 Aspectos polêmicos do novo CPC
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Fórum Permanente de Processualistas Civis: 05, 06 e 07 de dezembro de 2014: coordenadores gerais:
Fredie Didier Jr, Dierle Nunes – Salvador: Ed. JusPodivm. 2015
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Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 31 Aspectos polêmicos do novo CPC
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Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 32 Aspectos polêmicos do novo CPC
A IMPOSSIBILIDADE DAS DECISÕES SURPRESAS E AS
IMPLICAÇÕES NOS JULGAMENTOS COLEGIADOS
Vinicius Silva Lemos33
Resumo: Este artigo analisa a inserção do art. 10o no novo código de processo civil, com a ênfase ao contraditório preventivo e a impossibilidade de decisões surpresas. Esta nova norma tem uma aplicabilidade diante de todas as fases processuais, mesmo em graus diferentes, com a necessidade de adaptações dos julgamentos colegiados.
Palavras-chave: contraditório; decisão surpresa; efetividade; julgamento colegiado.
1. INTRODUÇÃO
O CPC/2015 primou por positivar ainda mais as garantias para as partes, tornando o próprio
processo uma visão de uma garantia muito maior. Um ordenamento plenamente garantivista, com uma
tendência a possibilitar um amplo debate prévio para que a decisão seja tomada, para que haja um
cuidado com a prolação desta decisão judicial.
Houve, pela novel legislação, o cuidado de enfatizar normas constitucionais, como o princípio
do contraditório, o qual primou por constar o art. 10o, objeto da análise deste estudo, como um passo a
mais, processualmente, ao praticado pelo judiciário, impondo uma nova visão ao contraditório,
almejando transformá-lo, não somente possível, mas influenciante.
A impossibilidade da prolação de decisões surpresas pelos juízos passam pela necessidade de
um contraditório preventivo. Este estudo enfrenta o problema da aplicabilidade desta norma aos
tribunais, com a necessidade da adaptação do julgamento do colegiado aos novos ditames
principiológicos propostos pelo CPC/2015 e quais as consequências possíveis e pragmáticas para esta
realidade processual.
33. Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade
de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
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2. A EFETIVIDADE DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO NO CPC/2015
O princípio do contraditório, envolto do direito constitucional, mas umbilicalmente inserto do
direito processual, consiste em “pressuposto indeclinável de realização de um processo justo”.
(SILVA, 2009, p. 154).
Sem possibilitar que as partes contraditem cada ponto, cada fato e cada matéria, não há a visão
de que o processo seria, como um todo, uma garantia. Somente se permite, enquanto direito público, a
visualização de um conjunto de regras processantes para culminar em uma decisão judicial justa, para
que as partes possam a todo momento se manifestar, impugnando e influenciado o resultado do que ali
se processa.
A decisão judicial, para ser justa e consistente, necessita analisar todos os pontos e visões,
permitindo, a toda nova fase processual, a possibilidade das partes manifestarem, exporem seus
fundamentos e argumentos, com o notório intuito de influenciar a decisão, não somente para que esta
seja justa, mas que contenha a análise de todas as questões materiais e processuais, com uma
densidade para formar a devida cognição, enfrentando todos os pontos, com as respostas para cada
qual, acatando ou refutando os argumentos outrora apresentados.
No entanto, no cotidiano processual, muitas vezes, o princípio é tergiversado e inaplicado, ou,
simplesmente, entendido como a possibilidade de intentar-se recurso, como se a impugnação posterior
de uma decisão fosse o contraditório almejado pela Constituição Federal. O princípio do contraditório
como a representação de uma reação também existe, e deve ser ressaltado, possibilitando toda a
garantia para “possíveis reações contra decisões, sempre que desfavoráveis” (WAMBIER,
TALAMINI, 2008, p. 82) Contudo, não somente de maneira repressiva e posterior que deve ser
visualizado o contraditório, necessitando entender-se como algo amplo e constante, a todo momento,
inclusive ou, sobretudo, de maneira anterior à decisão e não somente posterior.
A possibilidade das partes se manifestarem deve ser um dogma para o judiciário como um
todo, de maneira a entender que somente desse modo que se alcança uma prestação jurisdicional justa
e efetiva.
O CPC/2015, diante dessas incongruências pragmáticas, primou por legislar enfatizando a
necessidade de ampliar-se o contraditório, cumprindo o que a própria Constituição Federal já
preconiza, concedendo, dessa maneira, uma efetividade maior ao contraditório.
O intuito passa pelo entendimento de que o contraditório não é somente ouvir as partes, mas
entender a função dessa possibilidade como “relevante contributo para o labor jurisdicional. Sem
embargo, a participação não só tem o escopo de garantir que cada um possa influenciar na decisão,
mas também tem a finalidade de colaboração para o exercício da jurisdição.” (CABRAL, 2011 p. 201)
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2.1 A impossibilidade de decisões sem ouvir a outra parte
O intuito do art. 9o. do CPC/2015 está em somente permitir-se a decisão judicial, quando, após
requerimento ou manifestação de uma das partes, que a outra seja ouvida, ou, no mínimo,
oportunizada a isto, para que, então, o processo esteja apto a decisão.
Não há como imaginar um processo com a manifestação de uma parte, com a inaplicabilidade
da abertura de oportunidade processual para a outra parte. Não se imagina uma decisão judicial, em
regra, por manifestações unilaterais, já que “não se faz possível conceber um processo unilateral, no
qual atue somente uma parte, visando à obtenção de vantagem em detrimento do adversário, sem que
lhe conceda oportunidade para apresentar as suas razões” (CRUZ E TUCCI, 2010, p. 6)
Há de se possibilitar, diante da isonomia, seja como princípio ou como igualdade de
oportunidade entre as partes, que ambas possam manifestar-se no processo para que o juízo visualize
os argumentos de cada lado, para que tenha o argumento e o contra-argumentado, sem a possibilidade,
em regra, de decidir sem conceder a oportunidade de que a outra parte se manifeste sobre a proposição
de uma delas.
2.2 A impossibilidade de decisões surpresas
Para que qualquer demanda cumpra o devido processo legal, oportunizando um julgamento
justo, com as garantias constitucionais processuais, há a necessidade do contraditório, de possibilitar
às partes que influenciem no processo, com os seus fundamentos e argumentações fáticas e jurídicas,
proporcionando ao juízo a visão de toda a demanda, com o intento de vislumbrar as diversas
possibilidades que ali materialmente encontra-se a lide. Quanto maior o contraditório, mais
influenciante e eficaz impacta o processo.
Entretanto, uma grande complicação processual sempre foi a possibilidade indevida de decisão
judicial sem a prévia manifestação das partes, com a surpresa destas sobre o conteúdo ou momento da
prolação daquela decisão. Cunha dispõe o que seria essa decisão surpresa:
Se a questão não for submetida ao contraditório prévio, as partes serão surpreendidas com decisão que terá fundamento numa questão que não foi objeto de debate prévio, não lhes tendo
sido dada oportunidade de participar do convencimento do juiz. A decisão, nesse caso, não
será válida, faltando-lhe legitimidade, haja vista a ausência de participação dos litigantes na
sua elaboração. (CUNHA, 2015)
Se o art. 9o, como vimos, se preocupa por imputar que sempre quando uma das partes, com,
obviamente, a suscitação de alguma questão ou matéria, o juízo tenha o cuidado de oportunizar que a
outra parte possa, de igual forma, manifestar-se sobre tal ponto, o art. 10o tem outra preocupação, a
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impossibilidade de uma decisão quando ambas as partes não tem ciência sobre a matéria, quando foi
proferida surpreendendo os demais atores processuais, sem o devido contraditório.
O intuito do art. 9o é garantir a isonomia entre as partes, já o subsequente visa garantir o
contraditório como um real direito de influência. O art. 10o estipula, de forma sábia, a necessidade do
contraditório antes da decisão sobre matéria que as partes ainda não tiveram oportunidades para
manifestarem-se.
Se existe matéria pela qual o juízo deva decidir, ainda que seja de ofício, e as partes não
tiveram ciência desta ou oportunidade para se manifestarem, necessária a abertura de prazo para cada
parte poder realizar a sua argumentação ou pleito.
Uma obviedade que o CPC/2015 prima por positivar: se há matéria que as partes não se
manifestaram, não falaram/opinaram no processo, qual o motivo de realizar-se a decisão desde logo?
Oportunizar as partes de versarem sobre a matéria, com argumentos diversos, demonstrando
fundamentos diferentes, comparações com a matéria de direito e os fatos em questão é, no mínimo,
salutar.
São diversas as formas de contribuição material e processual que ambas as partes podem trazer
ao processo. Não há motivos para dispensá-las de manifestarem-se e, simplesmente, decidir sem a
devida oportunidade processual para tanto. A inclusão deste artigo torna ainda mais evidente,
necessário e importante o princípio do contraditório, possibilitando e enfatizando que as partes, diante
da cooperação processual, ajudam no exaurimento da matéria, com uma melhor discussão jurídica,
deixando a análise mais completa para uma decisão com um poder de convencimento mais
abrangente.
Quanto maior o grau de contraditório, maior tende a ser a qualidade da decisão.91 A
necessidade não passa somente pelo contraditório, mas pela sua forma prévia, antes da tomada da
decisão.
Então, o contraditório, no NCPC, é princípio acolhido em sua versão mais refinada. a) não se
decide contra alguém (salvo exceções expressamente previstas) sem o que se lhe dê
oportunidade de se manifestar. b) embora, no direito brasileiro, o juiz possa decidir com base
em fundamento não suscitado pelas partes, (iura novit curia), deve, antes, proporcionar
oportunidade às partes, de que se manifestem sobre ele. b.2) este fundamento novo pode ser de
fato ou de direito. Sabe-se que é difícil separar-se, completamente, questões fáticas das
jurídicas, porque o direito ocorrre justamente no encontro dos planos fático e normativo.
Fatos, quando são juridicamente qualificados, já não são mais puros fatos. Normas, a seu
turno, supõem quadros fáticos (de forma mais ou menos direta) a que se deve aplicar. (..) b.3) o juiz participa do contraditório fundamentando a sentença de acordo com o que consta no art.
489 do NCPC. Ou seja: o contraditório que terá havido entre as partes tem de estar refletido na
sentença. O juiz deve manifestar-se necessariamente sobre direitos e fatos – argumentos
jurídicos e provas produzidas: ou seja, sobre o contraditório havido entre as partes, em sua
plenitude. b.4) o contraditório institucional ou com a própria sociedade: por meio da figura do
amicus curiae ou pela realização das audiências públicas. (WAMBIER, CONCEIÇÃO,
RIBEIRO, MELLO, 2015, p.68/69)
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Não há de se imaginar que a possibilidade de recurso ou de intervenção posterior à decisão seja
a manifestação uníssona de um contraditório, este, para ser realmente efetivo, deve ser prévio e
anterior ao ato decisório. A provocação pelo juízo da manifestação das partes é salutar, além de
obrigatória, não somente para o processo, mas também para a melhora do conteúdo da decisão. Antes
mesmo do CPC/2015, Zaneti Jr já defendia essa renovação do contraditório, com a crença e defesa de
que seria uma característica influenciante, quando dispõe que não pode visto “mais unicamente como
garantia do direito de resposta, mas sim como direito de influência e dever de debate.”(2007, p. 191)
Quanto maior a possibilidade das partes se manifestarem, expondo as suas razões e
argumentos, maior o entendimento pelo juízo das peculiaridades da causa, com a pormenorização dos
fundamentos, a precaução para evitar nulidades e melhora na prestação judicial. Quanto maior o
contraditório, melhor a decisão judicial e, teoricamente, menos impugnações de decisões. Não é uma
mudança legislativa, mas uma ênfase, já que “é possível dizer, inclusive, que se trata de um dos
pilares do novo Código.” (CUNHA, DIDIER JR, 2016, p. 58)
3. O IMPACTO DA IMPOSSIBILIDADE DE DECISÕES SURPRESAS NOS
JULGAMENTOS COLEGIADOS
A prioridade dada pelo CPC/2015 ao contraditório é enorme e permeia todo o ordenamento,
sem nenhuma distinção quanto as fases processuais em sua aplicabilidade. Toda e qualquer decisão
deve ser imbuída do contraditório prévio e influenciante sobre aquela matéria, efetivando não somente
o princípio do devido processo legal, mas, também, permitindo a visão processual como uma real
garantia.
Dessa maneira, o impacto dos art. 9o e 10o percorre também a fase recursal, importando em
uma mudança cultural neste ponto, o que acarretará, certamente, dificuldade na adaptação do modus
operandi dos tribunais para cumprir esse formato prévio de contraditório, dada a total liberdade que o
colegiado atua para resolver as questões recursais, mesmo que as partes – recorrente ou recorrido –
ainda não tenham se manifestado sobre alguma questão ou fundamento.
3.1 A vinculação com os fundamentos das partes: recorrente e recorrido
As partes – recorrente ou recorrido – em suas peças recursais, pelo próprio princípio da
dialeticidade, devem fundamentar os seus anseios, com a devida impugnação ou defesa a ser
realizada, suscitando reexame de fatos – quando possível – ou de matérias jurídicas.
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De certa maneira, pelo efeito devolutivo, em relação aos capítulos da decisão, essa impugnação
que vinculará, materialmente, aquele colegiado do tribunal responsável pelo julgamento recursal. Se
houve impugnação de determinado capítulo da decisão, o colegiado procederá com o reexame deste,
como o caput do art. 1.013 determina.
Entretanto, tomando como base o art. 1.013, § 2º, a devolução material recursal vincula-se ao
pedido, o que leva a possibilidade do colegiado, quando a demanda, naquele ponto ou pedido, “tiver
mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o
conhecimento dos demais.” Ou seja, apesar de a dialeticidade atrelar o que se impugna em relação aos
pedidos, todos os fundamentos já suscitados nos autos, ainda que não constem nas impugnações
recursais, sobre aqueles pontos são devolvidos, para apreciação do tribunal, o que possibilita que
mesmo que o recorrente, tampouco o recorrido tenham manifestado – no recurso ou contrarrazões, o
colegiado possa apreciar o fundamento.
O julgamento do recurso deve, então, ser fundamentado no que as partes se manifestaram, seja
na fase recursal ou em outras fases anteriores. Qualquer que seja o fundamento – fático ou jurídico –
sem ser enfrentado pelas partes, não pode ser objeto de apreciação sumária pelo colegiado, gerando
uma decisão surpresa, o que o art. 10o veda, com a notória necessidade de abertura para que as partes
manifestassem, com a consequência de possibilitar um contraditório prévio, efetivo e influenciante.
Há a notória abertura e liberdade para que o tribunal, pela devolutividade do pedido, julgue
baseando-se em qualquer outro fundamento, contudo, este, deve ser fruto de um contraditório prévio,
sob pena de nulidade.
3.2 A necessidade da abertura de vista quando houver fundamento novo
O juízo – de qualquer grau – não tem mais a abertura material para a fundamentação da
decisão judicial? Há uma vinculação material ao que as partes manifestaram ao longo da demanda? A
resposta correta seria o meio termo, com uma pequena vinculação, mas com a liberdade do juízo
suscitar fundamentos – de ordem pública ou não – que possam ser utilizados para a resolução daquela
demanda. Se as partes não suscitaram determinada matéria, sendo esta trazida ao processo pelo juízo,
não há impossibilidade ou vedação neste ato, contudo permeia-se a necessidade de que possibilite as
partes de manifestarem-se sobre tal ponto.
Dessa forma, não há uma total vinculação do juízo entre as fundamentações das partes,
podendo, até pela hermenêutica jurídica, o juízo apontar outros caminhos materiais que não foram
imaginados, impugnados e suscitados pelas partes, o que deve ser realizado e incentivado, até pela e
para a melhoria da própria prestação jurisdicional. Todavia, para que seja possível a adição deste
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novel ponto de fundamentação pelo juízo, este deve abrir vista para as partes manifestarem. Cunha e
Didier Jr corroboram com esta necessidade de abertura de vista para que as partes manifestem sobre
fundamentos novos, sejam fáticos ou jurídicos, oficiosos ou não:
Observe que o texto se refere tanto a fatos supervenientes (arts. 342 e 493, CPC) quanto a
questões que podem ser apreciadas de ofício pelo tribunal, uns e outras questões ainda não
submetidas ao contraditório, mas que devem ser levadas em consideração pelo tribunal. O tribunal, para poder decidir com base em qualquer delas, tem de dar às partes a oportunidade
de manifestar-se a seu respeito. (2016, p. 58)
Se esta regra, imputada pelo art. 10o, é válida para toda a demanda, notadamente, deve ser, de
igual maneira, necessária mesmo na fase recursal, o que leva, em qualquer hipótese, seja pelo relator
ou pelo colegiado de, a sempre que suscitarem fundamentos novos, possibilitem vistas às partes para a
devida manifestação, para que não seja proferida uma decisão surpresa.
3.2.1 Fundamento novo no processo: não suscitado pelas partes em nenhuma fase processual
É importante, para a delimitação do que seria o argumento ou fundamento novo, entender
quais seriam as possibilidades da suscitação de novel ponto material, ensejando uma conceituação
desta situação. Wambier, Conceição, Ribeiro, Mello explicam que “fundamento novo pode ser de fato
ou de direito. Sabe-se que é difícil separar-se, completamente, questões fáticas das jurídicas, porque o
direito ocorre justamente do encontro dos planos fáticos e normativos.” (2015, p. 67)
Por esta visão, não há possibilidade do juízo suscitar qualquer fundamento sobre o qual as
partes não tenham se manifestado, nem de fato, tampouco de direito. Mas, a indagação persiste em
outro ponto: o fato de ser novo é não ser suscitado pelas partes? Evidentemente que passa por
nenhuma das partes ter manifestado, seja pela suscitação ou resposta de tal ponto, o que leva a
ignorância sobre aquela visão de fundamento.
Se nenhum ator processual suscitou a matéria e, o juízo, de maneira oficiosa, o faz, configurar-
se-á o enfrentamento de tal fundamento novo, o que importa em abertura de vista, ainda que perante o
colegiado ou qualquer momento processual, mesmo que recursal.
Não suscitado, oportunizado ou discutido o fundamento pelas partes, este é novo, cabível,
então, a aplicabilidade do art. 10o. A novidade não está no fato de não ser suscitado naquela fase, mas
em nenhum momento daquela demanda, o que importa se, na fase recursal, nenhuma delas suscitou,
mas foi objeto de contraditório na fase de conhecimento em primeiro grau, não há que se falar em
decisão surpresa, por ter sido, este fundamento, passível de contraditório.
3.2.1.1 A aplicação da regra mesmo em questões de ordem pública
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| Voltar ao sumário 39 Aspectos polêmicos do novo CPC
O fato do fundamento a ser suscitado – pelo relator ou pelo colegiado – ser considerada de
ordem pública não autoriza a prolação de uma decisão, monocrática ou em acórdão, sem ouvir as
partes. A possibilidade oficiosa de levantar matérias de ordem pública reflete na visão de que o juízo –
qualquer deles – pode, por disposição legal, mesmo sem as partes mencionarem, suscitar tal matéria.
Todavia, suscitar nunca deve ser confundido com decidir sem oportunizar as partes de manifestar-se,
não há concessão para o juízo, por causa da ordem pública, que decida sem ouvir as partes, sem um
contraditório prévio e efetivo.
Neste ínterim, pertinente a construção doutrinária de que o art. 10o condiciona a apreciação da
matéria pelo juízo ao efetivo e prévio contraditório, com a necessidade que as partes tenham a
possibilidade de manifestação, mesmo em matéria de ordem pública, não há possibilidade de decisão
surpresa, ainda que seja nesta espécie material.
O fato da matéria ser de ordem pública, não pode servir de autorização para a prolação de uma
decisão sem possibilitar o debate prévio pelas partes, somente permitindo que o juízo inicie a
discussão desta matéria, mesmo sem as partes terem atentado sobre a existência ou pertinência desta
para o deslinde da demanda. Medina corrobora com tal questão, com a aplicabilidade do art. 10o,
mesmo em questões de ordem pública:
Vê-se que, como uma das consequências do princípio, o órgão jurisdicional não pode proferir
decisão com surpresa para as partes. Reconhece-se que, mesmo em se tratando de temas a
respeito dos quais deva o juiz manifestar-se ex officio, deve o órgão jurisdicional, atento ao
princípio do contraditório, ouvir a parte interessada, evitando-se, com isso, a prolação de
“decisão surpresa” para a parte, o que não se coadunaria com o princípio do
contraditório. (2015, p. 30)
Uma evidente mudança para o judiciário, em qualquer grau de jurisdição, mas, sobretudo, aos
tribunais, já que o procedimento não previa, anteriormente, claramente, uma oportunização de um
contraditório além daquele existente nas razões e contrarrazões recursais.
Um exemplo seria uma apelação que não fale sobre a prescrição, tampouco o recorrido em
suas contrarrazões suscite tal matéria e, quando o relator, ou o colegiado, for analisar a matéria,
constata que há um evidente configuração da prescrição, o que permite a suscitação oficiosa da
matéria, contudo, pela conjunção do art. 9o com o 10o não há possibilidade de, desde logo, decidir
sobre aquela questão, com a necessária abertura de vistas às partes, para, somente após o decurso
deste prazo, com a manifestação ou não destas, estar apto ao julgamento.
Uma limitação à atuação judicial, com a evidente melhora nesta, contando com a participação
efetiva das partes, mesmo em matéria que o juízo possa conhecer de maneira oficiosa. A
aplicabilidade desta norma não será fácil e automática, já que grande parte da magistratura tem o
entendimento que não seria aplicável em algumas situações de ordem pública, como vemos no teor do
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 40 Aspectos polêmicos do novo CPC
Enunciado no 4 do ENFAM34
, quando dispõe que “na declaração de incompetência absoluta não se
aplica o disposto no art. 10, parte final, do CPC/2015.”
Este pensamento, porém, não merece prosperar, já que a literalidade da norma insere a
necessidade primordial da manifestação das partes, independente do que se suscita materialmente, até
questões de ordem pública, até pelo fato de que as partes sempre podem influenciar o conteúdo da
decisão mediante a manifestação oportunizada pelo contraditório.
3.2.1.2 A aplicação da regra nos fundamentos dos votos dos desembargadores ou ministros
Diante do novel princípio da vedação à decisão surpresa pelo juízo, ao imaginar-se que aqui
deve ser qualquer juízo, também em qualquer grau de jurisdição, mesmo os julgadores em um
colegiado, seja o relator ou os membros vogais – desembargadores ou ministros – quando suscitarem
fundamentos inéditos naquela demanda, devem oportunizar que as partes – recorrente e recorrido – se
manifestem sobre estes pontos, com a devida cooperação, pelo juízo, sobre a novidade material ali
invocada, a qual devem ater-se quando proferirem as devidas manifestações no processo.
Mas, se o processo está no tribunal – de segundo grau ou superior – há espaço, mesmo após a
interposição do recurso, para uma reabertura do contraditório? Evidentemente, pelo simples fato de
que a iniciativa partiu do próprio juízo, não imputando culpa nesta suscitação às partes, o que não
violada a consumação do ato recursal, tampouco a sua dialeticidade, já que o juízo, ao pretender
utilizar fundamento novo, reabre, especificamente, para que as partes assim se manifestem.
A abertura de prazo para a devida manifestação das partes não deve ser confundida em
aumento dos pedidos recursais ou qualquer possibilidade de emendá-lo, somente há a necessidade do
preenchimento da lacuna existente neste ponto material, importando em reabrir o contraditório,
mesmo que em grau recursal, mesmo que já inciado o julgamento, para não gerar uma nulidade
processual naquela decisão proferida sem a ciência das partes sobre o fundamento ali invocado. Há,
pragmaticamente, uma dificuldade na cultura jurídica dos tribunais em aceitar que os julgadores
devem, quando suscitarem fundamentos – fáticos ou jurídicos – novéis, oportunizarem um novo
contraditório. Uma mudança cultura pertinente, com necessidade de rápida modificação prática.
Esta necessidade de abertura do prazo para a manifestação das partes, caso o julgador em grau
recursal entender que há fundamento novo não analisado e a visualização da novidade passa pela
ausência de discussão ou enfrentamento anterior, deve assim fazê-lo, “independentemente de o
julgamento ser monocrático ou colegiado.” (MADRUGA, MOUZALAS, TERCEIRO, 2016, p. 917)
34. ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados Ministro Sálvio de Figueiredo
Teixeira. Seminário – O Poder Judiciário e o Novo Código De Processo Civil Enunciados Aprovados.
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| Voltar ao sumário 41 Aspectos polêmicos do novo CPC
3.2.2 A abertura de vista pelo relator
Quando o relator, ao analisar um recurso, em suas razões e, evidentemente, as contrarrazões,
considerando ali todos os fundamentos – fáticos ou jurídicos, ao convencer-se, diante de sua cognição,
deve fazê-lo mediante a adesão ou construção dos argumentos expostos por uma das partes, seja no
próprio recurso/contrarrazões, ou, ainda, se foi arguido anteriormente na demanda, mas não suscitado
em grau recursal, o que pelo art. 1.013, também permite-se que seja objeto da apreciação pelo relator.
Desse modo, por mais que haja o princípio do iura novit curia35, o relator está atrelado ao que
foi debatido pelas partes nos autos, seja pela suscitação por qualquer destas ou, ainda, por ele mesmo
ou o juízo anterior ter trazido à discussão sobre aquele fundamento. Logo, para decidir o recurso, deve
o relator basear-se nos argumentos trazidos pelas partes, sem ter a liberdade total de fundamentar por
fato ou matéria nova, cuja as partes não tenham tido a oportunidade de manifestar-se. É uma evidente
inovação, com um impacto drástico que necessita, legal e procedimentalmente, ser colocada em
prática, sob pena de nulidade do julgamento do recurso julgado sem o devido contraditório. Delfino e
Nunes relacionavam, ainda na época do projeto do CPC/2015, que a função do juízo e o princípio do
iura novit curia deve passar por uma nova roupagem, sem os excessos judiciais anteriormente tidos
como normais.
Não significa isso, entretanto, que o iura novit curia deva ser esquecido no sótão onde jazem as coisas amarelecidas e cujo tempo tratou de tornar supérfluas. Há que encará-lo com lentes
ajustadas à normatividade constitucional e afastar do seu âmago a arrogância estatal
monopolizadora do saber jurídico. Não é crível, enfim, conservá-lo em seus contornos atuais,
como um “caballho de Troya” serviente a toda sorte de excessos potenciais e voluntarismos
por parte daqueles que exercem o poder jurisdicional. Nada justifica mantê-lo como álibi para
que o juiz, ou qualquer um solitariamente, transite com liberdade na interpretação e
qualificação jurídica dos fatos que embasam a demanda. (DELFINO, NUNES, 2014)
Se o relator, ao analisar o recurso e as matérias ali suscitadas, entender que para dar
provimento ou negar-lhe, necessita enfrentar matérias que nem o recorrente e tampouco o recorrido
suscitaram, nem na fase de conhecimento em primeiro grau ou na própria fase recursal, deve, então,
expor a necessidade material de oportunizar a manifestação sobre aquela matéria, com a consequente
abertura de prazo para que as partes possam se manifestar sobre o que o relator entende materialmente
importante.
Essa situação é exposta pela conjunção do art. 10o e a sua própria aplicabilidade na fase
recursal, com a impossibilidade de prolatar-se uma decisão surpresa, o que importa que os
julgamentos recursais seguem a mesma regra, não sendo possível, mediante essa conjunção, imaginar
35. “a exposição dos fatos é suficiente para deles o juiz extrair o direito aplicável: da mihi factum, dabo tibi ius; iura novit curia” SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil, 2o Vol., 11 ed., São Paulo: Saraiva, 1987, p.
136
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 42 Aspectos polêmicos do novo CPC
que o relator, em seu voto, fundará a sua decisão – fática ou materialmente – em fundamento que não
foi oportunizada a manifestação das partes.
O art. 933 especifica, numa conjunção com o art. 10o que, regulamentando esta regra para o
âmbito dos tribunais, “se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou
a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no
julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias.”
A devida adaptação à nova realidade trará situações estranhas para a atuação em tribunais, com
o relator, se cumprir o disposto no art. 10o, abrindo prazo para que as partes manifestem sobre matéria
que entende pertinente para o julgamento, situação essa que é, na prática, parece quase que
impossível, mas caso não seja adaptada e realizada, todos os acórdãos ou decisões monocráticas, que
assim procederem, serão passíveis de anulação por infringirem o referido artigo.
A pergunta evidente passa pela existência ou não de um prejulgamento nesta situação, quando
o juízo, de certa maneira, entender que tal matéria é fundamental para chegar-se na cognição ali
apresentada, abrindo prazo para as partes se manifestarem. Na decisão em que o juízo determina que
as partes analisem tal matéria, em parte, há um indicativo do juízo de que a matéria pode influenciar o
julgamento, evidenciando a importância daquele ponto para o julgamento, cabendo, agora, que cada
qual, recorrente ou recorrido, em suas devidas manifestações, construam argumentações sobre aquela
matéria, aderindo ou impugnando a sua aplicabilidade para aquela questão, com o claro intuito de
influir na futura decisão/voto do relator.
Não há como o relator suscitar matéria para fundamentar seu voto, sem oportunizar as partes
de se manifestar sobre tal ponto. Importante mudança na cultura dos tribunais.
3.2.3 A abertura de vista pelo colegiado
Outro ponto importante, de visualização procedimental, passa por outra situação, quando o
relator, em seu voto, não fundamenta em argumentos novos, somente analisando que foi suscitado
pelas partes, seja na fase recursal ou anteriormente, baseando-se em algum destes pontos.
Com a apresentação pelo relator do seu voto ao colegiado, com a devida abertura para o
debate, se outro desembargador ou ministro, ao votar, apresentar outro fundamento, totalmente novo
ao processo, sem as partes – recorrente ou recorrido – terem se manifestado sobre a questão, seja na
fase recursal ou anteriormente, deve o presidente daquele colegiado, suspender o julgamento daquele
recurso para oportunizar as partes se manifestarem sobre a questão?
A questão é complexa e espinhosa, por ser uma novidade impactante nos tribunais, sobretudo
sobre como os acórdãos devem ser construídos e fundamentados nos votos pelos colegiados. Todavia,
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 43 Aspectos polêmicos do novo CPC
a resposta à questão deve ser positiva, com a necessidade de suspensão do julgamento para a
manifestação das partes, já que existe um novo fundamento suscitado por um desembargador ou
ministro no meio do julgamento daquele recurso, não importando se a questão é fática ou jurídica,
somente com a pertinência da verificação se as partes manifestaram-se ou não sobre a matéria ali
levantada, com duas alternativas: em caso negativo, sem a existência da manifestação das partes, deve
o presidente do colegiado suspender o julgamento, para que o relator intime as partes para se
manifestarem sobre tal fundamento; em caso positivo, com a verificação de que as partes tiveram a
oportunidade processual de manifestarem sobre tal matéria – tendo cada qual realizado ou não a
manifestação – o julgamento prossegue, com a ressalva da necessidade da fundamentação sobre essa
existência de manifestação das partes sobre aquele ponto.
No âmbito dos tribunais, o art. 933 § 1° corrobora com essa possibilidade imputada pelo art.
10o, já que se “a constatação ocorrer durante a sessão de julgamento, esse será imediatamente
suspenso a fim de que as partes se manifestem especificamente.” Parece quase que insano que um
colegiado, ao fundamentar um acórdão em matéria nova, por causa de um voto de vogal –
desembargador ou ministro – suspenda um julgamento para ouvir as partes sobre tal fundamento. É
novo, é diferente, mas é essencial para que não haja nulidade sobre aquele ponto, conforme preconiza
o art. 10o em caso de existência de uma decisão surpresa.
Se, durante o julgamento recursal, os procuradores das partes estiverem presentes e surgir tal
questão nova, fática ou jurídica, existia a possibilidade de ali, durante a sessão abrir-se o
contraditório? Uma dúvida que Bueno responde, acertadamente, que “nada há que impeça, contudo,
que, presentes os procuradores, seja, na própria sessão, colhida a manifestação, se todos estiverem de
acordo com isto, para que o julgamento seja retomado.” (2016, p.751)
Essa visão é possível, contudo rara, tanto de acontecer dos procuradores de ambas as partes
estarem ali presentes na sessão de julgamento recursal e, ainda, se estiverem, concordarem em
manifestarem naquele momento, se houver discordância, deve ser concedido o prazo de cinco dias,
estipulado pelo próprio art. 933.
Não podem as partes – quaisquer delas – serem surpreendidas por um acórdão cuja a
fundamentação seja uma inovação, com argumentos até então não discutidos, não enfrentados,
caracterizando a decisão surpresa, o que, como já vimos, é vedado no novo ordenamento. A novel
norma processual é inovadora neste ponto, necessitando a estrutura judicial, principalmente os
colegiados em grau recursal, adaptarem para cumprir tal desiderato, o que importa numa nova ótica de
argumentação decisória recursal, bem como na necessária revisão no modus operandi da construção
de um acórdão pelos colegiados do judiciário pátrio.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 44 Aspectos polêmicos do novo CPC
3.2.4 A abertura de vista a pedido do vogal em voto-vista
Na sessão de julgamento, a função do relator é expor a causa seus desdobramentos aos demais
membros do colegiado, sendo inevitável que, em alguns julgamentos, algum destes julgadores vogais,
não se sinta preparado para, naquele momento, proferir o seu juízo sobre as questões postas ali, apenas
com a exposição do relatório e explicações dadas oralmente pelo relator. Ao não se sentir confortável
e preparado para proferir seu julgamento pode pedir vistas do processo, de acordo com o art. 940.
Com isso, neste momento, o processo é retirado da pauta, tendo este vogal que assim requereu,
até 10 dias para reincluí-lo na pauta, tempo que entendeu-se como suficiente para a análise mais
apurada do processo. Qualquer dos integrantes do colegiado (com exceção do relator, pelo fato de ter
contato maior com o processo) tem uma oportunidade de examinar mais minuciosamente o processo.
A dúvida paira se este vogal que pediu vistas, ao analisar a demanda, em seu convencimento
entender que fundamento – fático ou jurídico – não foi enfrentado na demanda, tampouco no recurso e
necessita ser incluído no debate, o que deve ser feito? Este vogal, apesar de participar do julgamento,
não tem vinculação administrativa com o recurso, não podendo, ele mesmo, intimar as partes para
manifestarem, tendo, então, de remeter para que o relator o faça. Bueno bem explica esta situação:
O § 2º do art. 933 regula a hipótese de a questão nova surgir durante o pedido de vista
formulado por um dos julgadores (art. 940). Neste caso, por intermédio do relator, será
determinada a intimação das partes para que se manifestem em cinco dias. Após o processo
será pautado novamente e, na retomada do julgamento, submetida a questão (com o
contraditório sobre ela já exercitado) aos demais julgadores (2016, p.751)
Deste modo, oportunizada às partes pelo relator a manifestação sobre o novel fundamento, o
recurso não retorna para que o vogal analise, sendo colocado diretamente o processo em pauta, assim
que o prazo se encerre, com ou sem as partes terem se manifestado.
3.3 A dispensa de abertura de vista às partes quando o fundamento foi colocado ao
contraditório em fase anterior
Obviamente, se o fundamento não for suscitado pelo recorrente, tampouco pelo recorrido, na
fase recursal, contudo já houver, em fases anteriores da demanda, um contraditório sobre tal ponto ou
fundamento, não há motivos de renovação deste, ainda que as partes não tenham se manifestado,
somente com a necessidade de que tenha havido a oportunidade para que tenham o feito.
Por este ponto, o relator ou o colegiado podem resgatar fundamentos que foram anteriormente
discutidos ou possibilitados de discutir-se, ainda que não estejam insertos na fundamentação recursal,
não violando, dessa maneira, o art. 10o, já que houve o contraditório efetivo.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 45 Aspectos polêmicos do novo CPC
A impossibilidade de decisão surpresa passa pelas partes nunca terem se manifestado sobre tal
fundamento, não guardando uma relação sobre a fase na qual realizou-se a suscitação, o que importa
em um evidente contraditório, ainda que este não tenha sido renovado no recurso, mas, pela dicção do
art. 1.013, § 2º, estes fundamentos são plenamente devolvidas para uma reapreciação pelo
relator/colegiado, sem violação ao art. 10o por outrora ter existido o prévio e efetivo contraditório,
ainda que anterior, sem a devida renovação.
Assim, se as partes se manifestaram sobre tal ponto, “discutindo previamente uma determinada
posição jurídica, o reconhecimento de tal questão pelo magistrado independe de nova e prévia
manifestação.” (DUARTE, 2015, p. 64)
4. ASPECTOS CONCLUSIVOS: A NECESSIDADE DA PARTICIPAÇÃO DAS PARTES
IMPACTAREM A DECISÃO RECURSAL
O intuito da ênfase ao contraditório preventivo dada pelo art. 10o está na melhoria da atividade
jurisdicional e a devida cooperação entre os atores processuais, preconizada também no art. 6o. Não
basta que as partes, por causa dessa mencionada ênfase, possam se manifestar sobre todos os pontos e
fundamentos da lide, há a necessidade de que influenciem na decisão a ser tomada pelo juízo.
Essa influência ou impacto na decisão não vincula que o juízo deva concordar ou aderir a uma
ou ambas as partes, contudo, deve enfrentar estes pontos, percorrendo cada qual eventualmente
levantado pelas partes, dialogando com o que ali constar, refutando, contra-argumentando,
sistematizando e melhorando a própria decisão judicial, concedendo-lhe maior qualidade em sua
prolação. Nunes preconizava isso, ainda na época do projeto do novo Código, quando dizia que a
inclusão de um artigo impossibilitando as decisões surpresas tinham função além de dizer o óbvio
constitucional:
impõe ao juiz o dever de provocar o debate acerca de todas as questões, inclusive as de
conhecimento oficioso, impedindo que em “solitária onipotência” aplique normas ou embase a
decisão sobre fatos completamente estranhos à dialética defensiva de uma ou de ambas as
partes. (…) diminui-se o tempo do processo, eis que se diminuem os recursos, ou se reduz
consideravelmente a chance de seu acatamento, viabilizando-se a utilização de decisões com
executividade imediata (NUNES, 2011, p. 83/84).
Quanto maior o contraditório, maior a contemplação para as partes sobre aquele debate
jurídico ou fático protagonizado por estas, importando, por vezes, consequencialmente, na diminuição
de recursos, já que eventual matéria que seria fruto de uma impugnação recursal foi ali devidamente
contemplada e rechaçada, com devidos argumentos na decisão, sentença ou acórdão.
4.1 A fundamentação do art. 489, 1o percorrendo os argumentos suscitados pelas partes
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 46 Aspectos polêmicos do novo CPC
A decisão judicial, diante do contraditório proposto pelo CPC/2015, deve ser construída diante
de uma fundamentação ainda mais analítica e pormenorizada, nos moldes propostos pelo art. 489, 1 o,
primando pela resposta a todos os argumentos apresentados pelas partes, dialogando judicialmente
com todos os acontecimentos processuais ali dispostos. Uma nova fundamentação de decisão judicial,
seja ela qualquer a espécie decisória.
A fundamentação como condição de validade das decisões judiciais decorre de exigência
expressa da vigente Constituição Federal, como acima ficou esclarecido. E nem seria
necessário explicar em que consiste a fundamentação de uma decisão judicial, não houvesse a
prática adotada por muitos julgadores, infelizmente, consagrando entendimentos inadmissíveis
a respeito do assunto. (..) O novo Código de Processo Civil, ao exigir fundamentos como parte
essencial, e indicar expressamente, no 1o do art. 489, acima transcrito, as hipóteses nas quais
qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, considera-se não
fundamentada, deixou fora de qualquer dúvida que os equívocos consagrados pela prática
jurisdicional a esse respeito não podem continuar a serem praticados. (MACHADO, 2015.
p.72/74)
Diante deste prisma, ao fundamentar a decisão, o juízo deve fundamentar todos os pontos
propostos pelas partes que possam infirmar o resultado cognitivo daquele caso. Se o art. 10o impõe
que não haja possibilidade de decisão sobre fundamento que as partes não se manifestaram, logo, em
sentido antagônico, como vimos, o juízo, necessariamente, deve oportunizar o contraditório, abrindo
prazo para as partes.
Entretanto, o intuito não é somente que as partes possam se manifestar, mas que este ponto seja
influenciante, que a decisão tenha, em sua fundamentação, as respostas àquilo que foi suscitado neste
contraditório possibilitado pela conjunção proposta pelo art. 10o. Não se pode imaginar manifestações
somente pelas formalidades processuais, mas, sim, que influenciem o que se decide, pautando o
percurso de fundamentação do juízo, num diálogo hermenêutico de proposição, argumentação e
contra-argumentação.
Não diferente, a sentença como fruto do processo interpretativo/aplicação do direito deve ser
dimensionada a partir das manifestações das partes e fundamentada dentro da moldura
delineada no debate processual deste modo, salvo as exceções externadas anteriormente, sem a
incidência de surpresas. (REZENDE, 2015)
A força constitucional do princípio do contraditório já concedia uma amplitude imensa, com
uma real necessidade de primar por um mundo processual que garanta este mínimo para as partes, o
poder de manifestar-se sobre tudo que seja fundamento que possa culminar na cognição do juízo. Um
processo sem contraditório não condiz com as garantias para uma decisão justa, logo não permeiam o
ideal para o processo civil.
Na proposição do CPC/2015, o juízo deve entender que as partes cooperam, não somente para
a construção de um processo que culmine no julgamento de mérito, mas que, também, resulte num
debate qualificado para proporcionar a melhor solução jurídica possível para o conflito de interesses
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 47 Aspectos polêmicos do novo CPC
ali analisado, contando com as partes como atores deste processo, influenciando, mediante ações e
reações, manifestações e respostas, ainda que negativas pelo juízo, o qual construirá melhor o
caminho fundamental daquela decisão judicial, baseando no que ali foi contradito.
No julgamento colegiado, o relator ou o próprio órgão, ao proporcionar o contraditório sobre o
fundamento novo suscitado por algum dos julgadores, mesmo culminando num atraso processual por
causa da suspensão para a abertura do prazo para tal desiderato, torna a decisão mais correta e
condizente com o que as próprias partes merecem, material ou processualmente.
4.2 A importância da visão de melhoria processual da influência do contraditório prévio, efetivo
e influenciante
O intuito do art. 10o, igualmente do 9o, não passa simplesmente por garantir as partes uma
melhor manifestação processual ou que tenha mais direitos. A análise deve ser ampla, com a
visualização de que toda e qualquer melhoria para as partes impacta, de igual maneira, o
procedimento, o rol de garantias e a prestação jurisdicional.
Há muito a doutrina percebeu que o contraditório não pode ser analisado tão somente como
mera garantia formal de bilateralidade da audiência, mas sim como uma possibilidade de influência sobre o desenvolvimento do processo e sobre a formação de decisões racionais,
como inexistentes ou reduzidas possibilidades de surpresa Tal concepção significa que não
pode mais acreditar que o contraditório se circunscreva ao dizer e contradizer formal entre as
partes, sem que isso gere uma efetiva ressonância (contribuição) para a fundamentação do
provimento, ou seja, afastando a ideia de que a participação das partes no processo possa ser
meramente fictícia, ou apenas aparente, e mesmo desnecessária do plano substancial.
(NUNES, 2015).
O processo é construído por uma conjunção de atores que devem participar efetivamente do
que ali será decidido, ampliando o que se entende como uma decisão judicial para aquela que foi
suscetível a um debate e diálogo maior do que se encontra como um conflito a ser resolvido. Se as
partes manifestaram-se, o juízo deve satisfazer-se com isso, mediante a possível existência de olhares
materiais e processuais diferentes, com a notória capacidade de enxergar coletivamente, diante da
visão de cada parte, por pontos e moldes que não estavam possíveis numa análise singular diante do
ângulo daquele juízo.
A impossibilidade de proferir decisões surpresas deve ser vista como um direito do próprio
juízo e do judiciário, como uma garantia universal, para que seja normal entregar uma prestação
jurisdicional completa e coparticipativa, como a possibilitar de visualizar todas as nuances materiais,
almejando propiciar uma prestação completa e ideal.
“Em nosso sistema processual, é direito da parte não só se manifestar e produzir as provas
necessárias à correta instrução da lide, no intuito de trazer subsídios ao livre convencimento
do órgão julgador, mas também o de ver consideradas as suas razões (positiva ou
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 48 Aspectos polêmicos do novo CPC
negativamente) como motivação do julgado. A limitação ao exercício desse direito da parte
litigante implica em cerceamento do direito de defesa.” (RODRIGUES, 2015, p. 133)
O judiciário deve, nem que seja a médio prazo, entender que a norma, ao implementar o art.
10o, legislou a seu favor, a seu benefício. Uma decisão proferida somente após as partes se
manifestarem forma-se de maneira mais completa, processual e materialmente, o que enseja uma
prestação jurisdicional que proporciona um debate jurídico maior e amplo, menos suscetível a
recorribilidade, satisfazendo os verdadeiros interessados existentes ali: as partes.
Se o processo existe para as partes, mediante uma série de garantias para proporcionar a
melhor discussão material sobre o objeto ali em discussão, as decisões devem considerar, sempre, o
que estas argumentam, com a devida resposta ao que propuseram, tornando-as, cada vez mais,
influenciantes e participantes da decisão judicial, não meramente expectadoras processuais à espera de
uma sentença.
Uma nova visão do próprio princípio do contraditório, da atividade do juízo e da decisão
judicial, uma nova ordem processual, que impõe aos tribunais uma modificação no modus operandi de
seus julgamentos, seja para cumprir o disposto no ordenamento, seja pela própria visualização do
processo como garantia.
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Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 50 Aspectos polêmicos do novo CPC
A NECESSIDADE DE SEPARAÇÃO DA TUTELA
PROVISÓRIA ANTECIPADA ANTECEDENTE EM
DUAS ESPÉCIES DIFERENTES
THE NEED FOR SEPARATION OF TUTELAGE ADVANCE PROVISIONAL
ANTECEDENT IN TWO DIFFERENT SPECIES
Vinicius Silva Lemos36
RESUMO: Este artigo tem o propósito de apresentar a tutela provisória e suas espécies insertas no CPC/2015 nos artigos 294 a 311 com ênfase na apresentação da antecipada antecedente. Delinear ainda a necessidade de sistematizar e dividir o instituto em duas espécies: a tutela provisória de urgência antecipada antecedente com pedido de estabilização e outra, sem o pedido de estabilização. Palavras-Chave: Tutela Provisória; Antecipada; Antecedente; Sistematização
ABSTRACT: This article has the purpose of presenting the interim protection and its species cited in the CPC/2015 in articles 294 to 311 with emphasis in the presentation of the anticipated antecedent. Outline the need to systematize and divide the institute in two species: the interim protection of urgency anticipated antecedent with request for stabilisation and another, without the request of stabilisation.
Key words: Interim Protection; Anticipated; Antecedent; Systematization
1. INTRODUÇÃO
A vigência de um novo ordenamento processual traz consigo toda uma nova sistemática e
impactos, com a necessidade de adaptação ao novo modus operandi, com uma latente e obrigatória
imersão sobre as alterações pertinentes, bem como os novos institutos elencados no CPC/2015.
Uma das grandes alterações realizadas no CPC/2015 está na sistematização da tutela provisória
como um só instituto macro, como diferentes desdobramentos em subespécies – urgência e evidência
36. Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade
de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 51 Aspectos polêmicos do novo CPC
– com a possibilidade de utilização para as mais diferentes finalidades das partes. De certa forma, o
intuito foi possibilitar que se criasse uma simetria entre a tutela provisória pleiteada e a finalidade
pretendida, como uma visualização maior de cada subespécie e suas especificidades.
Entretanto, a utilização equivocada dos institutos à época do CPC/73, muitas vezes em
confusão entre as finalidades cautelares e satisfativas concede ao assunto uma importância ímpar, com
a necessidade de aprofundamento acadêmico.
O tema deste estudo é especificadamente a tutela provisória de urgência antecipada
antecedente, um rito estipulado pela conjunção do art. 303 com o 304, com a possibilidade de
satisfação das partes com a simples cognição sumária. Contudo, delineamos a tutela provisória, a
urgência e a forma antecedente para realizar uma adequação do instituto à realidade processual
forense, com a proposição interpretativa de uma divisão em duas espécies de tutelas provisórias de
urgência antecipada antecedente, com uma espécie em busca da estabilização e outra não.
2. A TUTELA PROVISÓRIA NO CPC/2015
Cabe conceituarmos, antes de tudo, o que viria a ser tutela provisória. Qualquer demanda
intentada com o intuito da prestação jurisdicional almeja uma resposta estatal, uma tutela de um
direito, concedendo ali, a interpretação jurídica para os fatos do conflito de interesse postos ao
controle estatal. A tutela jurídica definitiva37
concedida formaliza-se completamente no ato da
prolação da sentença, encerrando a prestação, em primeiro grau, da tutela jurisdicional, com uma
cognição exauriente.
Entretanto, muitas vezes, não há como, ao demandar em juízo, aguardar pelo resultado da
prolação da sentença, contendo, a parte, a necessidade de uma resposta jurisdicional imediata, com um
ar de provisoriedade, mas que antecipe ou resguarde um direito. Essa decisão judicial dada em caráter
provisório, no início ou durante a demanda, ganhará o nome de tutela provisória, com o intuito de
acautelar ou antecipar um direito, via uma cognição, neste caso, sumária.
Com isso, apesar de quase sempre ser matéria a ser prolatada e concedida na sentença, de
acordo com a necessidade das partes, pode-se realizar pedidos no decorrer do andamento processual,
os quais devem ser respondidos através de decisões interlocutórias que, por conterem uma urgência ou
37. “A tutela definitiva é aquela obtida com base em cognição exauriente, com profundo debate acerca do objeto do processo, garantindo-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa. É predisposta a produzir resultados imutáveis, cristalizados pela coisa julgada material. Prestigia, sobretudo, o valor segurança jurídica.” DIDIER Jr. Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Teoria da Prova, direito probatório, decisão, precedentes, coisa julgada e tutela provisória. 10.ed. Salvador, JusPodivm, 2015. p. 451
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 52 Aspectos polêmicos do novo CPC
evidência, têm a necessidade de eficácia imediata para cumprir-se aquilo que foi pleiteado e deferido
pelo juízo, contudo com um caráter de provisoriedade.
Sempre que houver, perante o juízo de qualquer grau, pedido de tutela provisória, há a evidente
necessidade de respondê-los, com prioridade. Por obviedade, em caso de deferimento, o teor da
decisão já contém eficácia e possibilidade de cumprimento imediato, ainda que em caráter provisório,
A forma de concessão de liminares e decisões durante a demanda foi modificada com o
advento da nova codificação processual, uma sistemática única foi criada, de acordo com o artigo
294,38
englobando tanto as tutelas de urgência, com as subespécies, antecipada ou cautelar, quanto as
de evidência. As tutelas existiam no Código anterior de forma dispersa, divididas em lugares, formas e
requisitos diversos, somente com a congruência do pedido liminar ou incidental, da busca pelo
imediatismo da ordem judicial.39
2.1 As espécies de tutela provisória no CPC/2015
Explicando as espécies de tutela provisória, na dicção do CPC/2015, divide-se o gênero em
duas espécies: evidência e urgência. A primeira está disposta no artigo 311,40
uma novidade trazida
pelo novo ordenamento, com a possibilidade de concessão da tutela provisória sem urgência, somente
com a evidência.41
Todavia, as hipóteses para que isto ocorra são limitadas e taxativas, somente
quando houver o enquadramento para as hipóteses delineadas no referido artigo, as quais delimitam-se
em quatro possibilidades: ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito
protelatório da parte; as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e
houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; se tratar de pedido
reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será
38. Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência. 39. “A demora na prestação jurisdicional levou os advogados a buscarem solução processual e, no processo cautelar, ingenuamente estruturado no chamado Código de Buzaid, encontraram a saída para as urgências: as liminares acautelatórias para se aguardar a demorada sentença, sem correr o risco da imprestabilidade da
atuação estatal. Esta foi a solução para atender aos direitos instantâneos.” ALVES, Eliana Calmon. Tutelas de urgência. Informativo jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasília, v. 11, n. 2, jul./dez. 1999. p. 159/168 40. Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: 41. “a tutela da evidência passa a ser admitida pelo direito processual, expressamente, como hipótese de antecipação da tutela sem o requisito da urgência. Ao lado da antecipação da tutela stricto sensu e das
cautelares fundadas na urgência, corresponde à tutela de cunho provisório. Isto é, de acordo com o novo texto de lei, a tutela provisória, na qualidade de tutela jurisdicional diferenciada, pode estar vinculada à urgência, à evidência, ou a ambas.” BONAGURA, Anna Paula de Souza. Uma visão geral da tutela da evidência no novo código de processo civil. In COSTA, Eduardo José da Fonseca; PEREIRA, Mateus Costa; GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos. Coleção grandes temas do novo CPC - v.6 - Tutela Provisória. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 396/397
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 53 Aspectos polêmicos do novo CPC
decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; a petição inicial for
instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não
oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
São hipóteses específicas que o legislador entendeu que não há necessidade de comprovação
da urgência, somente a visualização do enquadramento a qualquer das situações acima citadas.
Cumpre salientar, sem adentrar na explicação de cada espécie, que os incisos I e IV, por dependerem
de manifestação do réu e sua resposta, seja com o abuso de direito ou com a não impugnação de
documentos suficiente para comprovar o direito do autor, não podem ser pleiteadas na inicial, de
forma liminar, tampouco deferidas, pelo fato de dependerem de atos inerentes ao réu.
Já as hipóteses II e III, do mesmo artigo 311, são passíveis de pedido liminar na inicial, seja
porque existem precedentes e prova documental de enquadramento naquela situação jurídica ou, na
outra hipótese, quando houver contrato de depósito e comprovação tanto da existência deste e da
negativa da entrega do bem. Em ambos os casos, somente a evidência do direito concede ao juízo a
possibilidade de decidir provisoriamente, ainda que sem urgência.
Em qualquer das 4 situações narradas, concedida ou negada a tutela provisória pleiteada via
evidência, caberá agravo de instrumento, não importando se pleiteada em forma liminar ou durante o
andamento processual. Explicaremos todas as possibilidades mais a frente.
A outra espécie de tutela provisória é a de urgência42
, calcada na necessidade, com base no
artigo 300,43
de comprovação da probabilidade do direito e do perigo de dano irreparável ou de difícil
reparação.44
Não existem, então, hipóteses taxativas, como na de evidência, mas um enquadramento
de cada situação possível em que houver probabilidade de direito e urgência na concessão. Somente a
cada situação posta a pedido de resposta jurisdicional que se saberá os limites possíveis para a
concessão da tutela provisória de urgência.
A tutela provisória de urgência tem duas subespécies, dividindo-se em pedido cautelar ou
antecipado. Na primeira subespécie, no pedido cautelar, o intuito da parte, ao requerer a tutela
provisória, passa por resguardar um direito que ela entende preexistente, mas sem utilizar-se daquela
ordem judicial para satisfazer-se do direito, mas como uma garantia de deixar acautelado aquele bem
jurídico pretendido. Um bom exemplo é o pedido de arresto, quando uma parte quer, no início ou no
42. “A concessão da ‘tutela de urgência’ pressupõe: (a) probabilidade do direito e (b) perigo de dano ou o risco ao
resultado útil do processo (art. 300, caput). São expressões redacionais do que é amplamente consagrado nas expressões
latinas fumus boni iuris e periculum in mora, respectivamente. (…) A ‘tutela de urgência’ pode ser concedida
liminarmente, isto é, no início do processo e sem a oitiva prévia da parte contrária, ou após justificação prévia (art. 300,
§ 2º).” BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 219
43. Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o
perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
44. Enunciado nº 143 do FPPC: A redação do art. 300, caput, superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns
para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada.
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meio do processo vincular os bens do patrimônio da outra parte ao processo. A tutela provisória passa
a ser necessária, caso comprove seus requisitos, para assegurar que posteriormente os bens estejam
resguardados para um futuro cumprimento de sentença
Na subespécie em pedido antecipado, a parte que a requer, almeja, desde logo, a satisfação do
direito, via a tutela provisória de urgência. Quando a parte realiza esse pedido comprovando
enquadrar-se nos moldes da urgência e probabilidade do artigo 300, por mais que a demanda tenha
ainda todo um andamento processual, o intuito é durante toda a demanda já ter a possibilidade de
satisfazer este direito, antecipar seu uso. Um exemplo seria uma rescisão contratual de uma compra e
venda de um carro, em que o vendedor, autor na demanda, quer a rescisão contratual e a devolução do
bem para que utilize durante a disputa judicial. O pedido, desde que fundamentado na urgência e
probabilidade, visa a satisfação, antecipando uma concessão e análise que somente seria realizada na
sentença, mas que podem ser, desde que enquadrados nos requisitos, antecipado.
3. OS MOMENTOS POSSÍVEIS DO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA
3.1 O pedido incidental
Ambas as tutelas provisórias de urgência podem ser pedidas na inicial, o que seria o normal,
quanto durante. Nestes dois momentos será visualizada como incidental, mesmo que seja pedido junto
à exordial, pelo fato de ser um incidente, diferente, pela sua provisoriedade, do que será resolvido na
sentença. Ou, ainda, podem ser requeridas, estas mesmas tutelas provisórias de urgência, em caráter
antecedente, antes mesmo da inicial estar completa, conforme salienta o artigo 294, em seu parágrafo
único.45
Com a decisão que responde ao pedido de tutela provisória – seja de urgência ou de evidência
– em qualquer de suas possibilidades, o juízo, naturalmente, ordena o cumprimento de alguma
obrigação de fazer ou de não fazer, dentre outras espécies, com uma eficácia imediata.46
3.1.1 A tutela provisória requerida na inicial
45. Art. 294. (…) Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada, pode ser
concedida em caráter antecedente ou incidental.
46. Enunciado n.º 28 do FPPC: Tutela antecipada é uma técnica de julgamento que serve para adiantar
efeitos de qualquer tipo de provimento, de natureza cautelar ou satisfativa, de conhecimento ou
executiva.
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| Voltar ao sumário 55 Aspectos polêmicos do novo CPC
Qualquer das espécies de tutela provisória – em duas possibilidades na evidência ou em ambas
de urgência – podem ser plenamente pleiteadas na inicial. Se o autor já tiver todos os meios para
intentar, desde já, a demanda como um todo, com os pedidos principais e necessitando, dentre eles, de
uma tutela provisória, não há nada que impeça que o pleito para a concessão desta decisão em caráter
provisório já seja feito.
Primeiramente, temos que ajustar a nomenclatura que o CPC/2015 concede a este momento.
Se a tutela de urgência pode ser em caráter antecedente, anterior à inicial completa, ou incidental, de
acordo com o preconizado no parágrafo único do artigo 294, entendemos que os pedidos realizados
nas tutelas provisórias são classificados, quanto ao momento dessas duas formas: quando pleiteados
antes da inicial, de forma antecedente; se pleiteados na inicial ou em qualquer momento posterior,
incidental.
Dessa forma, mesmo o pedido realizado inserto na inicial, constará como incidental,47
simplesmente por não ser o pedido de mérito definitivo da demanda, mas um incidente diante desta,
que, naquele momento, deve ser provisoriamente decidido. Neste ponto, a cultura de imaginar que a
tutela provisória incidental é somente aquela pedida durante o andamento processual, de forma
paralela à demanda já em curso deve ser abolida, agora necessitando de uma nova perspectiva sobre o
instituto. Pois bem, esta, em qualquer momento do andamento processual, é uma das formas
incidentais, contudo, na inicial também é incidental.
Feito o registro sobre a nomenclatura, com o pedido do autor já na inicial sobre alguma das
hipóteses da tutela provisória, com a devida distribuição, o juízo, ao receber a demanda para análise
perfunctória, deve, se positiva a admissibilidade da inicial, analisar também o pedido provisório, com
a verificação se há a presença dos requisitos estipulados pelo artigo 300 e seus parágrafos,48
com a
concessão ou não da tutela provisória, em caráter liminar. Por outro lado, se entender o juiz pela
conveniência de justificação prévia, com a intimação (ou citação) do réu para eventual manifestação
47. “Registre-se que uma das modalidades em que se pode pedir a tutela de urgência de forma incidental se dá na hipótese em que o autor, ao invés de usar o procedimento preparatório, já apresenta de uma vez a ação
principal, e pleiteia a tutela cautelar ou tutela antecipada de forma incidente, junto com a própria petição inicial.” ANDRADE, Érico; NUNES, Dierle. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. In FREIRE, Alexandre; BARROS, Lucas Buril de Macedo; PEIXOTO, Ravi. Coletânea Novo CPC: Doutrina Selecionada. 2a. Ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p.75 48. Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la. § 2º A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia. § 3º A tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 56 Aspectos polêmicos do novo CPC
específica sobre a tutela pleiteada é totalmente plausível tal desiderato. Após a intimação (ou citação),
com ou sem a manifestação do réu, o juízo deve proferir a decisão da tutela provisória.
Qualquer que for o resultado desta decisão, caberá o agravo de instrumento para impugná-la,
somente devendo, o pretenso recorrente, demonstrar o interesse recursal para tanto.
3.1.2 A tutela provisória requerida após a inicial
Como já vimos, a tutela provisória pode ser em caráter incidental, momento qual, pode ser
dividido entre os pedidos já constantes na inicial ou aqueles intentados durante o andamento
processual. Nesta segunda hipótese, o pedido da tutela provisória acontecerá com o processo já em
trâmite, com a formação processual completa e as partes litigando. Este pedido deve ser realizado via
petição simples,49
dentro do próprio processo, sem formalizar outra demanda, tampouco há
necessidade de pagamento de custas para tanto.
A tutela provisória incidental durante a demanda, de igual forma aquela na inicial, pode versar
sobre as tutelas de urgência ou de evidência. Uma vez realizado o pedido da tutela provisória, como
uma interlocutória nomeada e bem fundamentada, o juízo deve decidir sobre o pleito, pela concessão
ou negativa da tutela provisória, e, ainda, pela concessão parcial.
3.2 O pedido antecedente
O CPC/2015, nas hipóteses de tutelas provisórias de urgência, estipulou a possibilidade do
pedido realizado em caráter antecedente,50
antes mesmo da formação completa da inicial, somente
com a exposição dos fatos e do direito referente ao pedido da tutela provisória, sem a necessidade de
expor todo o conteúdo, matéria e pedidos da inicial. Dessa forma, o autor se esmera somente em, neste
momento, preocupar-se com o pedido da tutela provisória, inaugurando o processo de forma
49. “ii) quando o processo de conhecimento ou de execução estiver em curso, a parte interessada pode buscar, incidentemente, mediante simples petição, a tutela de urgência, em qualquer das duas modalidades, sem maiores complicações procedimentais.” ANDRADE, Érico; NUNES, Dierle. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. In FREIRE, Alexandre; BARROS, Lucas Buril de Macedo; PEIXOTO, Ravi. Coletânea Novo CPC: Doutrina Selecionada. 2a. Ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p.81 50. “i) no caso de a urgência anteceder a própria ação principal ou o pedido principal, o novo CPC admite a
perspectiva do pleito antecedente da medida, e cria duas modalidades procedimentais próprias, autônomas, para a busca da tutela de urgência: o procedimento antecedente para a tutela antecipada (arts. 303 e 304) e o procedimento antecedente para a tutela cautelar (arts. 305 a 310);” ANDRADE, Érico; NUNES, Dierle. Os contornos da estabilização da tutela provisória de urgência antecipatória no novo CPC e o “mistério” da ausência de formação da coisa julgada. In FREIRE, Alexandre; BARROS, Lucas Buril de Macedo; PEIXOTO, Ravi. Coletânea Novo CPC: Doutrina Selecionada. 2a. Ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p.81
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| Voltar ao sumário 57 Aspectos polêmicos do novo CPC
antecedente à própria petição inicial, para, após a análise do juízo sobre a concessão ou não da tutela
provisória, preocupar-se processualmente em aditar a inicial.
Somente as tutelas provisórias de urgência têm essa possibilidade de pedido em caráter
antecedente, contudo divide-se em dois ritos diferentes: um para a tutela provisória de urgência
antecipada (artigo 303 e 304) e outro para a tutela provisória de urgência cautelar (artigo 305 a 310).
4. A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA ANTECEDENTE
Nesta hipótese, o autor pretende antecipar um direito, realizar um pedido de tutela provisória
para que determinado pleito, que deverá ser requerido na inicial, seja antecipado, satisfazendo,
naquele momento, os anseios e necessidades do autor, de acordo com os requisitos da urgência e
probabilidade do direito.
Contudo, o autor tem a possibilidade de pleitear numa petição simples, uma pré-inicial, o
pedido que pretende em tutela provisória, com uma explanação dos fatos e fundamentos atinentes
somente a este pedido, nos moldes do artigo 303.51
Para tal desiderato, a urgência do autor deve ser
tamanha que não há possibilidade de pleitear-se integralmente a demanda, com a necessidade de que,
pela simplicidade52
do caráter antecedente, somente peça, neste momento, a tutela provisória de
urgência.
Não há, para o pedido da tutela provisória, nestes moldes, a necessidade de formalizar a
petição inicial integral, somente atendo-se ao limites do pedido que pretende a concessão provisória.
Com este pedido, necessitando do pagamento das custas e de uma distribuição idêntica a
qualquer inicial, o juízo deve ater-se aos requisitos deste pedido em caráter antecedente de igual forma
que faria com a petição inicial, mas resguardando as limitações que a própria característica do instituto
impõe. O juízo deve decidir sobre a tutela provisória, se houver a concessão desta, de forma total ou
parcial, o réu será citado para o cumprimento da ordem judicial liminar, bem como para a audiência
de conciliação ou mediação. A citação se completando no processo, o prazo de 15 dias para que o réu
impugne a decisão via agravo de instrumento inicia normalmente.
Por outro lado, o autor terá o prazo de 15 dias para o aditamento da inicial, com a possibilidade
de completar todos os fatos, argumentos, fundamentos, documentos do que almeja na tutela definitiva.
51. Art. 303. Nos casos em que a urgência for contemporânea à propositura da ação, a petição inicial pode limitar-se ao requerimento da tutela antecipada e à indicação do pedido de tutela final, com a exposição da lide, do direito que se busca realizar e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo.
52. “Como se verifica, o excesso de formalismo no contexto do direito brasileiro decorre, em princípio, mais da cegueira do aplicador da lei ou dos demais operadores coadjuvantes – desatentos aos valores do processo, pouco afeitos ao manejo das possibilidades reparadoras contidas no ordenamento ou ansiosos por facilitar o seu trabalho – do que do próprio sistema normativo. Nesse aspecto, influi também a excessiva valorização do rito, com afastamento completo ou parcial da substância, conduzindo à ruptura com o sentimento de justiça”. OLIVEIRA, Carlos Alberto de. Do Formalismo no Processo Civil. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 207.
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| Voltar ao sumário 58 Aspectos polêmicos do novo CPC
Em caso da decisão sobre o pedido da tutela provisória ser negativa, de igual forma caberá o
agravo de instrumento, contudo o interesse recursal passa a ser do autor, que terá 15 dias a partir da
intimação via diário oficial. Igualmente terá o prazo de 5 dias para aditar a inicial.53
O réu, nesta
hipótese, somente será citado em caso de cumprimento do aditamento realizado pelo autor.
4.1 Um rito único rumo a estabilização?
O art. 304 prevê a estabilização da tutela provisória antecipada concedida em caráter
antecedente, caso o réu, ao ser citado para cumprir a liminar não interponha o recurso de agravo de
instrumento.54
O que seria, no entanto, essa estabilização da tutela concedida? Neste caso, os efeitos
oriundos da ordem judicial de cognição sumária continuarão a serem produzidos, ainda que não tenha
um litígio para aquela situação específica, já que a não interposição do recurso importa, via de
consequência, na extinção da demanda.
O grande enigma da inclusão deste instituto no CPC/2015 passa pela forma desta estabilização,
num sistema em que somente se conhecer os institutos da preclusão e da coisa julgada, inclui-se
também a estabilização, a qual deve ser visualizada com independência e autonomia em relação aos
outros institutos. Se o autor intentou a demanda, de maneira precária e antecedente, somente
almejando a cognição sumária, estabelecendo que a definitiva não era seu interesse primordial,
quando há a concessão da tutela provisória nestas características, o réu, ao ser citado para
cumprimento da decisão liminar já está ciente das consequências e da necessidade de interposição do
recurso para a devida impugnação da decisão.
A estabilização55
nasce com a ausência da interposição do recurso, no caso o agravo de
instrumento. O réu, nesta hipótese, opta por não interpor a devida impugnação ciente de que a
53. Art. 303. (…) § 6º Caso entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o
processo ser extinto sem resolução de mérito. 54. Comentário do autor: na verdade, o art. 304 dispõe sobre o “recurso cabível” o que seria automaticamente o agravo de instrumento, contudo seria possível embargos de declaração e cumprir tal desiderato? Uma dúvida pertinente da doutrina. 55. “A disciplina do direito brasileiro encontra ao que tudo indica inspiração nos procedimentos “de référé” (artigos 485 a 492) e “sur requête” (artigos 493 a 498) do direito francês e nos “provvedimenti d´urgenza” com “strumentalità attenuata” do direito italiano (artigo 669-octies, Codice di Procedura Civile). Do “procédure sur
requête” o direito brasileiro importou a ausência do contraditório5 (nem o “procédure de référé”6 , nem os “provvedimenti d´urgenza”7 prescindem do direito ao contraditório prévio). A eficácia que procurou outorgar à decisão estável depois de transcorrido em branco o prazo previsto para o exaurimento da cognição, contudo, não tem paralelo no direito francês e no direito italiano.” MITIDIEIRO, Daniel. Autonomização e estabilização da antecipação da tutela no novo código de processo civil. Revista Eletrônica – Novo Código de Processo Civil. Tribunal Regional do Trabalho. Vol. 4. n. 39. 2015. p.18
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| Voltar ao sumário 59 Aspectos polêmicos do novo CPC
demanda será extinta e, com isso, os efeitos da decisão serão mantidos, ainda que não exista mais lide,
tampouco cognição exauriente56
.
No entanto, pertinente o entendimento de que somente os efeitos da decisão estão
estabilizados, não o mérito da decisão. A relação que podemos fazer da estabilização com o conteúdo
da decisão está nos efeitos, enquanto, por outro lado, o mérito da demanda está relacionado com a
decisão definitiva e, consequentemente, com a coisa julgada. Como o próprio art. 304, § 6º57
a
estabilização não se confunde com a coisa julgada, enquanto esta resolve a demanda e torna esta
matéria imutável, a outra somente estabiliza os efeitos, as consequências do julgamento de mérito, não
a própria matéria. Numa explicação simples, se houver uma estabilização de uma decisão liminar que
susta o protesto de determinada dívida, com a ausência do agravo de instrumento, se a opção foi pela
cognição sumária, o processo é extinto, com a estabilização da decisão e a devida sustação do
protesto, entretanto no prazo de dois anos, a matéria pode ser revista por qualquer das partes em busca
da tutela definitiva com cognição exauriente. Após estes dois anos, não há mais como discutir a
sustação do protesto, justamente pela estabilização definitiva da decisão liminar. Mas, esta cognição
sumária se tornou definitiva? Não, somente os seus efeitos, a eventual dívida sobre aquele protesto
pode ainda ser cobrada, ainda que depois dos dois anos, não podendo somente haver pedido ou
discussão sobre o protesto, ainda que seja reconhecida a dívida.
Desse modo, o rito da tutela provisória antecipada antecedente deve sempre ser a visualização
da conjunção do art. 303 com o 304? É um problema a ser respondido. Somente utilizaremos esse
caráter antecedente quando intentarmos em juízo com fins específicos de, ao conseguir a tutela
provisória sumária, satisfazermos com tal desiderato, sem, em nenhuma possibilidade, almejarmos a
tutela definitiva? Esse é o ponto chave deste estudo.
A problemática enfrentada neste ponto é a leitura que se consegue realizar isoladamente do art.
303, quando, em uma urgência contemporânea à inicial posso separar somente o pedido liminar, do
restante da lide, podendo, posteriormente, aditá-la. Dessa maneira, há a possibilidade de separar a
demanda entre o pedido ultra urgente, com uma petição simplificada, almejando a concessão ou não
da liminar, e o pedido principal, com toda a documentação, exposição dos fatos e base jurídica bem
como os pedidos a serem realizados na demanda. Neste ponto, voltamos à questão, há a satisfação da
56. “A dúvida que surge é a seguinte: há vantagem para o réu em permanecer silente, no caso da estabilização da tutela antecipada?
Sim, há: diminuição do custo do processo. Por não opor resistência, não pagará as custas processuais (aplicação analógica do disposto no 1º do art. 701 do CPC) e pagará apenas 5% de honorários advocatícios de sucumbência (art. 701, caput, CPC, também
aplicado por analogia). [...] Essa interpretação da regra funciona como estímulo para o réu não reagir à decisão concessiva da tutela
antecipada, já que, ainda que estabilizada, poderá ser revista, reformada ou invalidada por ação autônoma (art. 304, 2º, CPC).
Permite-se que uma tutela estável acabe sendo oferecida de modo mais rápido e econômico.” DIDIER Jr. Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Teoria da Prova, direito probatório, decisão, precedentes, coisa julgada e tutela
provisória. 10.ed. Salvador, JusPodivm, 2015. p. 605/607 57. Art. 304. (…) § 6º A decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2º deste artigo.
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parte com a cognição sumária? Creio que na maioria das vezes não. O normal diante da realidade nas
ações comuns do processo civil brasileiro é a separação do pedido liminar com a cognição sumária,
para, após, almejar-se a transformação em exauriente. O art. 303, numa leitura isolada, permite que
isso seja completamente possível, a divisão entre o pedido limitado da liminar e, posteriormente, a
complementação com o restante da demanda.
Contudo, nesta hipótese, a utilização do caráter antecedente almeja a estabilização da
demanda? Creio que não, justamente pelo fato do autor, nesta situação, querer somente a urgência da
liminar e a simplicidade do ato exordial, com a busca da cognição definitiva. Deste modo, entendo o
expediente do art. 303 se subdivide em duas espécies: a tutela provisória de urgência antecipada em
caráter antecedente com a busca somente da cognição sumária e a estabilização e a tutela provisória de
urgência antecipada em caráter antecedente com a busca, num primeiro momento, da cognição
sumária como forma antecedente à cognição exauriente, sem a estabilização.
Neste ínterim, a primeira hipótese seria o caráter antecedente utilizado como conjunção do art.
303 com o 304, já na outra, o pedido em caráter antecedente somente prima pela dicção isolada do art.
303. Duas espécies diferentes, com intuitos diversos sobre a demanda.
Da mesma forma que a estabilização está ligada ao autor almejar somente a cognição sumária,
satisfazendo-se com esta, se, por outro lado, o autor quiser a cognição sumária como um mero passado
antecedente à cognição exauriente, não há como pensar em estabilização. Ao imaginar que o art. 303
comporta duas espécies diferentes de tutelas provisórias em caráter antecedente, há a necessidade de
desenvolver-se um rito específico em cada uma destas possibilidades, seja para o aditamento e seu
prazo, bem como para os efeitos que o agravo de instrumento traria ou não para a decisão.
4.2 O problema dos prazos de extinção: aditamento do autor e agravo de
instrumento do réu
A necessidade de divisão da tutela provisória antecipada em caráter antecedente em duas
espécies nasce justamente pela representação da leitura do art. 303, primeiramente de maneira isolada
e, após, em conjunção com o art. 304.
Se seguirmos o rito proposto nos incisos do art. 303, o autor intenta a demanda simplificada
somente para a concessão da tutela provisória, indicando qual a demanda que intentará
posteriormente. Com a concessão da liminar, o inciso I do § 1º dispõe que o autor deverá aditar a
inicial com a complementação da demanda no prazo de 15 dias ou mais. Já o inciso II do mesmo
parágrafo versa sobre a citação do réu para a audiência de conciliação ou mediação e, logicamente,
para cumprir a liminar.
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Nessa visualização temos que o juízo profere a concessão da liminar, conforme o art. 303 § 1º,
já determinando a citação do réu e o aditamento pelo autor. Contudo, há de se imaginar que o réu será
citado, com a expedição de uma carta para tal desiderato, pelos correios ou até por oficial,
excepcionalmente. Já o autor será intimado para o aditamento via diário oficial, pelo fato de já ter
advogado constituído nos autos, com os 15 dias contando deste momento.
O réu ao ser citado da ação e da necessidade de cumprimento da liminar poderá impugná-la em
15 dias, via agravo de instrumento. Contudo, há uma diferença temporal, mesmo com o prazo
numérico idêntico ao autor e ao réu, num plano temporal, se seguir este rito, o prazo do autor se
encerra bem antes do que o do réu para realizar-se o agravo de instrumento. Dessa maneira, o autor
deveria decidir anteriormente a ciência se haveria ou não a citação, bem como o cumprimento ou não
da liminar, se adita ou não a demanda. O art. 303 § 2º já impõe a penalidade em caso de não
aditamento pelo autor, com a extinção da demanda, o que já nos leva a pensar que se o autor for
intimado conjuntamente após a decisão inicial, o seu prazo é anterior à própria citação e cumprimento
da liminar.
Por outro lado, ao nos atermos à dicção do art. 304, ao que se refere à estabilidade pela não
interposição do recurso, deve-se levar em consideração que o recurso aqui plausível seria o agravo de
instrumento, o qual tem o prazo de 15 dias, contudo a contar da citação. Não realizando a interposição
do agravo de instrumento, o art. 304 § 1º já vaticina, o processo será extinto e, com isso, a tal falada
estabilização da tutela provisória antecipada será possível.
Porém, como imaginar que a não interposição do agravo de instrumento extinguirá a demanda,
se o autor aditou a inicial? O prazo do autor, se for intimado para tanto, de forma conjunta à decisão
liminar, já terá se encerrado, o qual, se aditado, pretenderia, agora, a cognição exauriente. Se o autor
aditou a inicial, há a possibilidade da não interposição do agravo de instrumento extinguir algo que o
autor se manifestou por continuar? Numa lógica processual não há essa hipótese, contudo a
literalidade do art. 304 § 1º nos levaria a pensar nisso.
A saída, então, passa pela conjunção de que os prazos não devem ser contados de forma
concomitante, pelo fato de que a estabilização somente seria possível se o autor almejar somente a
cognição sumária, satisfazendo-se judicialmente com a concessão da liminar e a sua posterior
estabilização, sem a necessidade do prolongamento do litígio.
Dessa forma, o art. 304 deve ser visto como independente do art. 303, sem a necessidade de
que o autor adite a inicial antes de que o réu decida se recorrerá ou não, até para preservar o instituto
da estabilização, e, com isso, a tutela provisória antecipada em caráter antecedente deve existir em
duas hipóteses diversas: a que se satisfaz com a cognição sumária e a que pretende a cognição sumária
como meio antecedente de conseguir a cognição exauriente a posterior.
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4.3 A solução via sistematização de procedimentos: duas espécies de tutela
provisória de urgência antecipada antecedente
Não se pode imaginar que o autor sempre satisfará com a cognição sumária e a sua devida
estabilização. Quando a urgência for concomitante à ação, o pedido pode ser limitado à tutela
provisória, como já vimos no caput do art. 303. Mas, muitas das vezes, o autor somente almeja a
provisoriedade para fins de urgência, com o intuito de prosseguir com a demanda para tornar
definitiva a tutela proferida de forma provisória, ou ainda, para alcançar outros reflexos daqueles
fatos, como uma indenização ou declaração de existência ou inexistência de um direito. Nestes casos,
a estabilização será necessária? Se o intuito for bipartir a petição inicial em dois momentos, mas,
desde o início, já ter o intuito de complementar, não há que se falar de estabilização, tampouco em
satisfação somente pela cognição sumária.
Por este entendimento, o autor utilizaria somente o art. 303, de forma autônoma e
independente, sem optar pelo rito do art. 304, somente com a referida bipartição da inicial em dois
momentos, um pedido simples devida à urgência e a precariedade e, após, a complementação
pormenorizada da lide, com o aditamento da inicial.
Por outro lado, se o autor entender que existe uma urgência enorme para aquela situação,
perfazendo o pedido pela tutela provisória antecipada em caráter antecedente e houver, dada a
situação fática e jurídica ali exposta, a possibilidade da satisfação somente pela concessão da ordem
judicial provisória e a posterior estabilização, se tem a interpretação do art. 303, referente ao pedido e
ao rito do art. 304, sobre a satisfação com a cognição sumária, a desnecessidade de prosseguimento do
litígio e a estabilização da tutela provisória concedida.
São, a meu ver, duas espécies diferentes de tutelas provisórias antecipadas em caráter
antecedente, merecendo dois ritos diversos e características diferentes, apesar de um ser um instituto
baseado em somente dois artigos.
4.3.1 A antecipada antecedente requerida como via para a estabilização
Nesta hipótese, o autor somente almeja a cognição sumária, sem o intuito de prosseguir com o
litígio, tampouco de conseguir a cognição exauriente, satisfazendo-se somente com uma concessão da
tutela provisória e a sua posterior estabilização, se for o caso. Não há o intuito de prosseguimento da
demanda, a busca da inicial antecedente se limita à tutela provisória e a espera da resposta do réu
somente a impugnação ou não da concessão da liminar.
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Se o réu impugnar – via agravo de instrumento – mesmo com a decisão concedida da tutela
provisória, não houve a estabilização, perfazendo aqui a necessidade de prosseguimento da demanda.
Em caso inverso, sem a impugnação pelo réu, o processo se estabiliza e é extinto com aquela decisão
provisória totalmente estabilizada em seus efeitos, somente em seus efeitos, não contendo ali um juízo
definitivo e exauriente, somente com a estabilização da cognição sumária, que apesar de estabilizada,
continuar a sua forma e maneira sumária.
4.3.1.1 A necessidade de optar pelo rito do art. 303 cominada com o art. 304 para garantir a
estabilização
O autor, ao intentar o pedido de tutela provisória neste rito, deve informar a pretensão em
seguir com o rito do art. 303, cominado com o art. 304, com a busca pela estabilização da ordem
judicial concedida, sem o intuito do prosseguimento da demanda como prioridade. A estabilização
somente será possível se houver essa indicação do autor sobre o intuito de utilizá-la.
O benefício da estabilização da tutela provisória em caráter antecedente somente existe se o
autor assim o indicar58
, como preconizado no art. 303, § 5º59
. Se o autor não indicar que pretende
utilizar deste benefício da relação entre o art. 303 e o 304, não há possibilidade da estabilização, o que
coloca como escolha do autor o requerimento sobre a possibilidade, se concedida a tutela provisória,
ocorrer a estabilização da cognição sumária.
Evidentemente que não basta o pleito do autor para que tenha a estabilização, pelo simples fato
que depende da não interposição de recurso do réu, contudo se o autor intentar uma tutela antecipada
antecedente sem mencionar que deseja valer-se deste rito que almeja a estabilização, o processo não
terá a possibilidade da estabilização, justamente pelo autor não ter realizado a opção ou, em
contraponto, quer realmente a cognição exauriente.
Com a opção pela menção da escolha do rito, a forma antecedente já tem o significado de
busca pela tutela provisória somente com a cognição sumária, com a devida satisfação com a
concessão desta e a possível estabilização60
. Em modo antagônico, sem a escolha pelo art. 303 e 304,
58. “Cuida-se, na verdade, de um ônus de informação que cabe ao autor, em concretização da boa-féprocessual (art. 5o.) na usa vertente objetiva. O ônus de informar a parte contrária, já na petição inicial, sobre a pretensão de buscar a estabilização (…) tem por objetivo permitir ao réu que avalie estrategicamente sua conduta diante do procedimento de tutela satisfativa antecipada.” SPIRITO, Marco Paulo Di. Adequações procedimentais para a tutela satisfativa antecedente no código de processo civil. In COSTA, Eduardo José da Fonseca;
PEREIRA, Mateus Costa; GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos. Coleção grandes temas do novo CPC - v.6 - Tutela Provisória. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 372. 59. Art. 303 (…) § 5º O autor indicará na petição inicial, ainda, que pretende valer-se do benefício previsto no caput deste artigo. 60. “O réu precisa, então, saber, de antemão, qual a intenção do autor. Se o autor expressamente declara a sua opção pelo benefício do art. 303 (nos termos do art. 303 § 5º, CPC), subentende-se qe ele estará satisfeito com a
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ainda é possível a demanda nos moldes previsto pelo primeiro artigo, mas sem a possibilidade da
estabilização da tutela provisória, justamente pelo intuito, sem a opção, da demanda esgotar as
matérias e conceder a tutela definitiva, com a devida cognição.
4.3.1.2 A decisão pela concessão da liminar e as consequências processuais
Quando houver o protocolo da tutela provisória de urgência antecipada em caráter antecedente,
com a indicação de que a estabilização, o juízo, ao receber essa inicial precária para análise, já está
ciente de que o pretendido não é somente uma simples concessão de liminar, como era no
ordenamento anterior, mas o pedido dessa concessão com o intuito de estabilizá-la caso a resposta
judicial seja positiva e que o réu, ao tomar ciência da mesma, não se oponha deixando de interpor o
recurso para tal desiderato.
Se o juízo proferir uma decisão com a negativa da tutela provisória, não há mais a
possibilidade do rito que pretende a estabilização, somente possibilitando como alternativa, a opção
do autor em aditar a inicial para fins de transformar aquela busca primária pela cognição sumária em
uma conversão para almejar uma cognição definitiva, pelo simples fato de que o juízo não entendeu
pertinência na concessão da cognição sumária.
Por outro lado, como o intuito do autor é pela estabilização, com a indicação da opção deste
rito, com a concessão da liminar pelo juízo, o réu, quando citado, já estará ciente da opção do autor,
com a escolha neste momento, se também se resigna e opta pela estabilização ou se promove o agravo
de instrumento, obstando a formação da estabilização. Não há, neste momento, a citação para uma
audiência posterior ou qualquer outro ato, mas para a ciência do réu sobre a demanda e sobre a tutela
provisória antecipada concedida, com a possibilidade da estabilização.
Se o réu optar pela estabilização, somente necessita não interpor o agravo de instrumento e o
processo será extinto, com base no art. 304, 1º. Dessa forma, o instituto imaginado pelo legislador
teria êxito e utilidade processual, com a indicação do autor que pretende somente a cognição sumária
e a resignação do réu para o cumprimento da liminar concedida, com o processo encerrando aqui e a
mantença da liminar em seus efeitos, ainda que o processo seja extinto.
Nesta hipótese, o autor não necessita ser intimado para o aditamento da inicial, pelo fato lógico
de que já alcançou o que almejava com o pedido de tutela provisória seguindo o rito oportunizado
pelos art. 303 e 304. Em caso de negativa da tutela ou da interposição do agravo de instrumento, ao
estabilização da tutela antecipada, caso ela ocorrra.” DIDIER Jr. Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Teoria da Prova, direito probatório, decisão, precedentes, coisa julgada e tutela provisória. 10.ed. Salvador, JusPodivm, 2015. 607.
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autor é facultado o aditamento, para, agora, alterar a sua intenção para a cognição exauriente, com a
necessidade da intimação para tanto, após a ocorrência de alguma destas hipóteses.
4.3.1.3 A necessidade do prazo do agravo de instrumento ser anterior ao prazo do aditamento
da inicial
Com isso, para que o instituto seja plausível em seu intuito, a tutela provisória de urgência
antecipada em caráter antecedente, quando houver a concessão da liminar, deve guardar uma lógica
temporal para a intimação das partes, colocando os prazos de maneira consequencial. Por mais que o
art. 303 disponha que com a concessão da tutela provisória neste rito, o autor deve ser intimado para
aditar, não deve ser imediatamente instado a este desiderato.
Como a opção do rito foi pela junção do art. 303 ao 304, não há necessidade de aditamento da
inicial até que o réu se manifeste sobre a liminar concedida, justamente pelo fato de que a
estabilização depende do comportamento do réu nesta situação. Não há como imaginar que o prazo do
autor para o aditamento deva correr, na hipótese da busca pela estabilização, antes ou até mesmo
concomitante ao prazo para o agravo de instrumento61
.
O autor somente terá o interesse no aditamento da demanda se o réu optar por impugnar a
decisão, via agravo de instrumento, obstando a estabilização daquela cognição sumária, com a
consequência processual agora, da alteração do intuito do autor – que antes se resumia à cognição
sumária – para a cognição definitiva e exauriente.
Logo, o processo deve caminhar, após a concessão da liminar antecedente, pela intimação do
réu para o cumprimento da decisão e a possibilidade de impugnação da decisão e, somente com o
lapso temporal da interposição do recurso62
que se verifica se intimará o autor para o aditamento da
61. “Parece que o legislador não pensou nisso: quando tem de decidir se formula o pedido principal ou não, o autor, simplesmente, não terá condições de adivinhar se o recurso será interposto e se, portanto, haverá ou não estabilização da medida. Ora, faz muito mais sentido formular pedido principal no caso de haver recurso, e a medida não se estabilizar. Na hipótese contrária, o autor pode legitimamente economizar atividade processual e fruir de imediato o bem da vida. É exatamente pra isso que serve a estabilização! O processo se extingue (CPC/2015, art. 304, § 1º)!” MACHADO, Marcelo Pacheco. Novo CPC, tutela antecipada e os três pecados capitais. http://jota.uol.com.br/novo-cpc-tutela-antecipada-e-os-tres-pecados-capitais
62. “Numa interpretação literal, o que terá condão de ditar, ou não, a estabilização, será a providência recursal. Não havendo recurso, a decisão que antecipou a tutela tornar-se-á estável e o processo será extinto (§ 1o.) Frise-se: pela letra da lei, não basta que o réu conteste a demanda. Se não houver recurso da decisão que antecipou a tutela, esta se tornará estável e o processo, com ou sem contestação, será extinto.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015. p. 512
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inicial.63
Se o réu por resignar-se com a decisão e não interpor o recurso, não há necessidade da
intimação do autor para o aditamento, pela estabilização da cognição sumária. De outra forma, se o
réu interpuser o recurso, o juízo deve facultar o autor a possibilidade de aditamento64
– alterando o
foco para a cognição exauriente – da inicial, concedendo o prazo de 15 ou mais dias, conforme o art.
303, 1º, I.
4.3.1.4 A extinção sem a interposição do recurso e a satisfação com a cognição sumária
Com a liminar antecipada antecedente concedida e a ulterior citação do réu para a ciência da
demanda e da decisão, o impacto imediato será a necessidade do cumprimento daquela ordem judicial,
no prazo por ela estabelecido. O réu será cientificado que o autor optou pela busca da cognição
sumária, importando em uma estabilização, caso o réu não impugne via recurso aquela decisão.
Se há, por parte do autor, o intuito meramente sumário, com a liminar concedida e a devida
estabilização pela ausência da impugnação pelo réu, o que se almeja no processo encontra -se
concedido e estabilizado, sem a necessidade de aditamento. Pelo lado do réu, com a não impugnação,
aceitou, ao menos naquele momento, a liminar concedida, o que importa no devido cumprimento e
acatamento da ordem judicial. A ausência da interposição do recurso – no caso, o agravo de
instrumento – importará na extinção do processo, conforme o art. 304, § 1º.
Dessa forma, a tutela antecipada antecedente tem dois momentos de escolhas, a primeira pelo
autor que opta somente pela cognição sumária e, posteriormente, ao réu65
que opta por permitir a
estabilização e a extinção da demanda. Ambas as partes estão, neste caso, de acordo com a extinção
do processo e a estabilização da tutela provisória concedida, mesmo que durante dois anos possa ainda
ser revista.
4.3.2 A antecipada antecedente requerida sem estabilização e somente antecipando a cognição
definitiva
63. Enunciado n.º 581 do FPPC: (art. 303, §1º, I; Art. 139, VI) O poder de dilação do prazo, previsto
no inciso VI do art. 139 e no inciso I do §1º do art. 303, abrange a fixação do termo final para
aditar o pedido inicial posteriormente ao prazo para recorrer da tutela antecipada antecedente. 64. “Quando ao prazo para aditamento, o § 1o, inciso I, in fine, prevê o prazo de quinze dias, salvo se o juiz fixar outro maior. Assim, no mínimo, o autor terá quinze dias, a partir da concessão da tutela antecipada, para aditar sua petição inicial.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO,
Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015. 509. 65. “concedida a tutela antecipada, e contra ela não tendo sido tirado recurso, aperfeiçoa-se a tutela, que, ainda quando não aditada a inicial e julgado extinto o processo, permanecendo em vigor e podendo ser debatida pelas partes em ação própria, no prazo legal.” CIANCI, Mirna. Tutela antecipada no projeto do CPC. http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI184301,61044-Tutela+antecipada+no+projeto+do+CPC
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Após explicar o procedimento em busca da cognição sumária e da estabilização, a pergunta
pertinente que surge é: posso utilizar da tutela provisória de urgência antecipada em caráter
antecedente somente como forma de bipartir a inicial, conseguindo a liminar e, posteriormente,
aditando a inicial? Não vejo nenhum óbice nesta visualização, já que o costume processual brasileiro,
na maioria das vezes, é, após a liminar concedida, almejar a cognição exauriente, transformando
aquela decisão liminar em uma indenização, rescisão, declaração ou qualquer outro direito definitivo
daquele conflito de interesses.
O intuito da tutela provisória de urgência antecipada em caráter antecedente é mudar esse
paradigma e colocar em prática a possibilidade de satisfação com a cognição sumária. Entretanto, para
que o instituto seja plausível de utilização em diversas hipóteses, entendo que pode o autor, caso tenha
uma urgência concomitante com a inicial, peticionar somente sobre a tutela provisória e depois
complementar a demanda, aditando o feito, contudo, nesta visualização, o autor, desde o início, deixa
claro que não seguirá o rito do art. 303 com o 304, mas tão somente o rito do 303, não almejando a
estabilização da tutela provisória possivelmente concedida.
O intuito dessa possibilidade é conseguir demonstrar claramente a urgência66
e utilizar o prazo
posterior para conseguir aditar a inicial e subsidiá-la com uma maior quantidade de argumentos,
documentos e exaurimento da matéria. Não há como, então, a extinção, nesta visão, ficar a cargo do
réu, já que o autor desde o início já adianta que almeja a tutela definitiva, somente bipartindo a petição
inicial.
4.3.2.1 A necessidade de esclarecer que almeja a cognição definitiva com o aditamento da inicial
Ao utilizar a tutela provisória de urgência antecipada em caráter antecedente, o autor deve
esclarecer, conforme a dicção do art. 303, § 5º, se almeja a estabilização ou não em eventual
concessão do pedido realizada de maneira provisória. O que se pode tirar dessa interpretação é que há
a opção de optar pela simples cognição sumária e estabilização ou optar pelo modo inverso, somente
pela bipartição da inicial, com o pedido provisório e depois o necessário aditamento da inicial.
66. “Além disso, não se pode perder de vista que o pedido de tutela antecipada antecedente é medida excepcional, justificando-se diante de uma urgência contemporânea à propositura da ação (art. 303), ou seja, a impossibilidade de, naquele determinado momento, dada a urgência, instruir adequadamente a ação que contemple o pedido final.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015. p.511.
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Nesta segunda hipótese, não há como a tutela provisória concedida estabilizar, já que o próprio
autor optou por informar que a ação se completará com o aditamento a ser realizado em momento
processual oportuno.
Neste ínterim, quando o réu for citado, se a liminar foi concedida, está ciente de que ali há uma
bipartição e não um procedimento autônomo e sumário, torna-se, então, claro que após o cumprimento
da ordem judicial provisória, o litígio prosseguirá, após o aditamento a ser realizado pelo autor.
4.3.2.2 O prazo do aditamento da inicial passa a ser anterior ou concomitante ao do agravo de
instrumento
Com a opção do autor pela simples bipartição da inicial, almejando primeiramente a concessão
da liminar e, posteriormente, o prosseguimento da demanda para a realização de todos os outros
pedidos, em busca da tutela definitiva via cognição exauriente, quando o juízo conceder a tutela
provisória já pode, ao mesmo tempo, determinar a citação do réu para o cumprimento da decisão e
eventual impugnação a esta, bem como já intimar o autor para que no prazo de 15 dias ou mais realize
o aditamento da inicial.
Diferente do que vimos anteriormente, os prazos aqui podem ser de maneira lógica e na mesma
decisão, permitindo, desde já, determinar a citação do réu e a intimação do autor, pelo fato de que não
há busca da cognição sumária e sua estabilização, o que leva ao aditamento ser condição necessária
para a própria ação.
Se há essa condição necessária, independentemente do réu agravar ou não, impugnar ou
manter-se silente, o autor deve ser instado a aditar a inicial, o que, pela prudência, já pode ser no
despacho inicial, o mesmo que concede a liminar e determina a citação do réu.
Como o autor será intimado para o aditamento via diário oficial e o réu somente via carta, já
que será ainda citado, naturalmente que o autor terá o seu prazo aberto e contado de forma anterior ao
do réu eventualmente fazer o agravo de instrumento.
No caso do autor não aditar a inicial, o processo será extinto pelo seu desinteresse demonstrado
pela desídia no cumprimento do aditamento e a tutela provisória antecipada, mesmo concedida em
caráter antecedente não guardará estabilidade, com a perda do efeito pela preclusão lógica decorrente
do não aditamento.
4.3.2.3 A não recorribilidade do agravo de instrumento não influencia na extinção
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| Voltar ao sumário 69 Aspectos polêmicos do novo CPC
O autor quando realiza a opção pela bipartição e a cognição exauriente como o cerne do
processo já desobriga o réu, ao receber a citação da tutela concedida, de interpor qualquer impugnação
recursal, mesmo se tratando de uma tutela provisória de urgência antecipada em caráter antecedente,
pelo fato de que não se almeja nesta demanda, a cognição sumária, tampouco a estabilização, não
podendo utilizar-se do art. 304.
A interposição ou não do agravo de instrumento (ou outro recurso), diante da opção realizada
pelo autor, não guarda relação com a extinção67
, tampouco com a estabilização. O autor não quer a
cognição sumária, somente bipartiu a inicial em dois momentos distintos. A extinção depende aqui do
art. 303, § 2º68
regendo-se pelo aditamento ou não da inicial a ser realizado pelo autor, em nada
guardando relação com o agravo de instrumento. Se o réu for citado, cumprir a liminar e não realizar o
agravo de instrumento, não há preocupação a se ter, justamente pela opção da cognição exauriente e
não se buscando a estabilização. Com isso, ao não impugnar a tutela provisória concedida, o réu
poderá fazê-lo em outros momentos do processo, quando entender com maiores provas para tal
desiderato.
5. A SISTEMATIZAÇÃO DE DUAS ESPÉCIES DE ANTECIPADAS
ANTECEDENTES PARA UMA SIMETRIA PROCESSUAL
Numa nova codificação processual é normal encontrarmos lacunas, pontos em que não se
consegue entender uma simetria ou que pairam dúvidas sobre o procedimento. Sobre a antecipada
antecedente, o imaginado pelo legislador foi a conjunção entre o art. 303 com o 304, numa notória
tentativa de mudança paradigmática pela satisfação com a cognição sumária, sem a necessidade de
exaurimento material, com ambas as partes já cientes e concordando sobre a decisão provisória,
garantindo a estabilização.
Esta inovação processual traz uma evidente mudança no ordenamento, com a visualização de
que não há necessidade, em diversos casos de seguir adiante para um objeto processual que por vezes
não necessita de exaurimento. Contudo, mediante a prática processual atual, a antecipada antecedente
somente para a estabilização, via cognição sumária, não garante a sua utilização real e um impacto no
cotidiano forense. Se imaginarmos somente um instituto voltado para a estabilização e a cognição
67. “Se, porém, desde a inicial, o autor já manifesta a sua intenção de dar prosseguimento ao processo, o réu ficará sabendo que a sua inércia não dará enseja à estabilização do art. 304.” DIDIER Jr. Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Teoria da Prova, direito probatório, decisão, precedentes, coisa julgada e tutela provisória. 10.ed. Salvador, JusPodivm, 2015. 607 68. Art. 303 (…) § 2º Não realizado o aditamento a que se refere o inciso I do § 1º deste artigo, o processo será extinto sem resolução do mérito.
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| Voltar ao sumário 70 Aspectos polêmicos do novo CPC
sumária, apesar da alta discussão doutrinária, seria um instituto fadado ao insucesso em sua
aplicabilidade, com um latente desuso.
Com isso, a doutrina tem a função de encontrar a saída entre a lei e a realidade prática
processual, preenchendo com visões sistemáticas as lacunas que porventura existam com
possibilidades de concessão de simetria processual, num viés de utilidade maior do ordenamento.
Neste ínterim, a flexibilização do instituto da antecipada antecedente, com a possibilidade de
utilização deste somente como forma bipartida da inicial, sem almejar-se a estabilização, adapta-se à
realidade processual existente. Muitas vezes, o intuito do autor é a liminar sumária, concedida com a
motivação da urgência contemporânea à inicial, conforme preconiza o caput do art. 303, contudo o
autor, após a concessão supracitada, não quer a estabilidade, quer exaurir a matéria e a cognição,
resolvendo meritoriamente a demanda.
Muitas vezes, na vigência do CPC/73, o autor, com urgência extremada, utilizava-se da
cautelar inominada para conseguir uma liminar para, após, dentro do prazo de 30 dias, intentar a
inicial. A cautelar inominada, na realidade, era um modo transverso de conseguir uma antecipação do
pedido definitivo, dada aquela urgência extremada, utilizando-se de uma preparatória, para depois
intentar a demanda definitiva. Entendo que a antecipada antecedente deve ser encarada, com a
possibilidade de declinar-se da estabilização, para almejar somente uma bipartição da inicial, com um
momento específico para exclusivamente buscar a tutela provisória, com o necessário aditamento
posterior.
Com esta visão, há a possibilidade de que a antecipada antecedente seja utilizada de forma
múltipla no cotidiano jurídico, para além daquela imaginada no projeto, quando entendeu-se somente
pela antecedente com a estabilização. Dessa forma, para compreender que um instituto como a tutela
provisória de urgência em caráter antecedente deve guardar plausibilidade com a realidade processual
cotidiana, importante separar o seu cabimento em duas hipóteses, com ritos diferentes: a tutela
provisória de urgência antecipada antecedente com pedido de estabilização (art. 303 cominado com o
art. 304) e a tutela provisória de urgência antecipada antecedente sem o pedido de estabilização, como
forma de bipartição da inicial (somente o art. 303).
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| Voltar ao sumário 71 Aspectos polêmicos do novo CPC
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| Voltar ao sumário 72 Aspectos polêmicos do novo CPC
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TUTELA PROVISÓRIA ANTECIPADA ANTECEDENTE: AS
DUAS ESPÉCIES DE ESTABILIZAÇÃO PROPOSTAS PELO
ART. 304
Vinicius Silva Lemos69
Resumo: O presente artigo se objetiva descrever o estudo da tutela provisória antecipada na sua forma
antecedente, apontando que este instituto possui dois tipos de procedimentos distintos para a sua
utilização na lide, de forma que possa promover a estabilização dos seus efeitos na demanda quando
esta é concedida. Assim, o estudo descreve estes dois tipos distintos de tutela antecipada antecedente,
promovendo a descrição de como estas são processadas, como estas geram os seus efeitos na lide,
inclusive descrevendo como estes efeitos se estabilizam no processo em cada um deste tipos distintos
de tutela antecedente.
Palavras-chave: Tutela provisória; Antecedente; Estabilização; Procedimento
1. INTRODUÇÃO
Uma série de transformações são vivenciadas no Direito Processo Civil brasileiro, tendo em
vista que o ano de 2016 passou a incidir o Código de Processo Civil (CPC/2015) aprovado em
2015, que impactou diretamente nas relações processuais e nos trouxe uma nova realidade jurídica
brasileira, sendo certo que esta norma trouxe uma série de benefícios e novidades a serem
apresentadas à prática forense, o qual devem ser incorporadas diante do uso comum da jurisdição.
O CPC/2015 primou por mudar, desde o projeto, a forma de acesso às tutelas de provisórias,
tratando-as de forma bastante dispare daquilo que era descrito no CPC/73, trazendo a descrição de
novos modus operandi para estes institutos, descrevendo as suas distinções e cabimentos de forma
pormenorizada.
69. Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade
de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
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Durante todo o projeto, o ordenamento foi pensado de forma a atualizar os institutos,
possibilitando formatos mais modernos e passíveis de dar a estabilidade às decisões, possibilitando
a concessão de decisões, mesmo não gerando intensos atos litígios, já que permite a entrega da
prestação jurisdicional com maior rapidez e menor burocracia na entrega do bem jurídico pleiteado.
De certa forma, o CPC/2015, a partir deste promoção destas novidades com relação à tutela
provisória, tem-se que este tipo de tutela pode se dar tanto na forma cautelar, quando na forma
satisfativa, também chamada de antecipada. Para melhor entendimento de suas diferenças,
necessária é a diferenciação entre a tutela cautelar da tutela satisfativa, sendo que ambas são formas
de tutela provisória, mas como necessidades diferentes sobre o pedido liminar. A satisfativa quer
antecipar o que se terá na sentença, a cautelar almeja um resguardo do direito para a sentença
futura.
A partir desta diferenciação, passamos a realizar um recorte para a análise somente do
instituto da tutela antecipada, com suas várias intenções diferentes, almejando a busca por uma
decisão na forma antecedente, ou seja, anteriormente a promoção da demanda, onde o
jurisdicionado pode realizar os seus pleitos que guardam relação com a demanda, mas podendo este
deixar de realizar a continuidade da demanda, satisfazendo-se somente com a tutela concedida,
pode este utilizar somente do instituto da estabilização descrito no art. 304 do CPC/2015.
Sobre o presente tema, um dos pontos mais controversos do CPC/2015 sobre a tutela
provisória recai no instituto novel da estabilização da tutela antecipada antecedente. Neste caso, ao
decidir sobre a tutela antecipada antecedente, concedida nos moldes do art. 303, se a parte requerida
não interpuser o recurso de agravo de instrumento, há aqui o instituto da estabilização da medida
liminar, sendo que ao promover a análise desta possibilidade descrita pela norma, possível é a
visualização de que quando tal fato se dá, duas são as hipóteses de estabilização que podem ocorrer
em decorrência deste tipo de pleito.
Assim, a partir de uma intensa pesquisa bibliográfica sobre o tema, o estudo aqui realizado
promove a descrição destes tipos de tutela provisória antecipada na forma antecedente, descrevendo
de maneira pormenorizada a descrição de como estas devem se processar, estabelecendo a análise
dos efeitos que estas geram na lide, inclusive descrevendo como estes se estabilizam no processo
em cada um deste tipos distintos de tutela antecedente.
2. A TUTELA PROVISÓRIA NO CPC/2015
Cabe conceituarmos, antes de tudo, o que viria a ser tutela provisória. Qualquer demanda
intentada com o intuito da prestação jurisdicional almeja uma resposta estatal, uma tutela de um
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 75 Aspectos polêmicos do novo CPC
direito, concedendo ali, a interpretação jurídica para os fatos do conflito de interesse postos ao
controle estatal. A tutela jurídica definitiva concedida formaliza-se completamente no ato da
prolação da sentença, encerrando a prestação, em primeiro grau, da tutela jurisdicional, com uma
cognição exauriente.
A tutela definitiva é aquela obtida com base em cognição exauriente, com
profundo debate acerca do objeto do processo, garantindo-se o devido
processo legal, o contraditório e a ampla defesa. É predisposta a produzir
resultados imutáveis, cristalizados pela coisa julgada material. Prestigia,
sobretudo, o valor segurança jurídica.” (DIDIER, BRAGA e
OLIVEIRA,2015, p. 451)
Entretanto, muitas vezes, não há como, ao demandar em juízo, aguardar pelo resultado da
prolação da sentença, contendo, a parte, a necessidade de uma resposta jurisdicional imediata, com
um ar de provisoriedade, mas que antecipe ou resguarde um direito. Essa decisão judicial dada em
caráter provisório, no início ou durante a demanda, ganhará o nome de tutela provisória, com o
intuito de acautelar ou antecipar um direito, via uma cognição, neste caso, sumária.
Com isso, apesar de quase sempre ser matéria a ser prolatada e concedida na sentença, de
acordo com a necessidade das partes, pode-se realizar pedidos no decorrer do andamento
processual, os quais devem ser respondidos através de decisões interlocutórias que, por conterem
uma urgência ou evidência, têm a necessidade de eficácia imediata para cumprir-se aquilo que foi
pleiteado e deferido pelo juízo, contudo com um caráter de provisoriedade.
Sempre que houver, perante o juízo de qualquer grau, pedido de tutela provisória, há a
evidente necessidade de respondê-los, com prioridade. Por obviedade, em caso de deferimento, o
teor da decisão já contém eficácia e possibilidade de cumprimento imediato, ainda que em caráter
provisório.
A forma de concessão de liminares e decisões durante a demanda foi modificada com o
advento da nova codificação processual, uma sistemática única foi criada, de acordo com o art. 294,
englobando tanto as tutelas de urgência, com as subespécies, antecipada ou cautelar, quanto as de
evidência. As tutelas existiam no Código anterior de forma dispersa, divididas em lugares, formas e
requisitos diversos, somente com a congruência do pedido liminar ou incidental, da busca pelo
imediatismo da ordem judicial.
“A demora na prestação jurisdicional levou os advogados a buscarem
solução processual e, no processo cautelar, ingenuamente estruturado
no chamado Código de Buzaid, encontraram a saída para as urgências:
as liminares acautelatórias para se aguardar a demorada sentença, sem correr
o risco da imprestabilidade da atuação estatal. Esta foi a solução para atender
aos direitos instantâneos.” (ALVES,1999, p. 159)
Voltar ao sumário
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Assim, a tutela provisória no CPC/2015 acabou por se dar de forma a englobar as formas
anteriormente existentes no CPC/1973, descrevendo toda a sua sistemática de forma mais escorreita
e conjunta nesta nova normativa, correlacionando todos os seus temas num único livro, que traz
toda a normatização da tutela provisória.
2.1 As espécies de tutela provisória no CPC/2015
Explicando as espécies de tutela provisória, na dicção do CPC/2015, divide-se o gênero em
duas espécies: evidência e urgência. Foi uma opção do legislador de promover a descrição detalhada
de todos as espécies de tutela provisória conjuntamente, facilitando a compreensão destes institutos
e de suas subdivisões.
O legislador agrupou sob o gênero tutelas provisórias tanto as tutelas
satisfativas como as tutelas cautelares que podem ser prestadas mediante
cognição sumária, isto é, fundadas em juízo de probabilidade (art. 300,
CPC). A técnica antecipatória pode dar lugar a uma decisão provisória
que satisfaça desde logo o direito da parte fundada na urgência ou na
evidência. (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2015, p. 307).
A primeira está disposta no art. 311, onde descreve que “a tutela da evidência será
concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do
processo,” trouxe uma novidade para novo ordenamento, com a possibilidade de concessão da
tutela provisória sem urgência, somente com a evidência. COSTA, PEREIRA e GOUVEIA FILHO
a descrever sobre o tema da tutela de evidência no CPC/2015, como:
“a tutela da evidência passa a ser admitida pelo direito processual,
expressamente, como hipótese de antecipação da tutela sem o requisito da
urgência. Ao lado da antecipação da tutela stricto sensu e das cautelares
fundadas na urgência, corresponde à tutela de cunho provisório. Isto é, de
acordo com o novo texto de lei, a tutela provisória, na qualidade de tutela
jurisdicional diferenciada, pode estar vinculada à urgência, à evidência, ou a
ambas.” (2015, p. 396/397).
Destarte, as hipóteses para que isto ocorra são limitadas e taxativas, somente quando houver
o enquadramento para as hipóteses delineadas no referido artigo, as quais delimitam-se em quatro
possibilidades, conforme os incisos do art. 311: ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou
o manifesto propósito protelatório da parte; as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas
documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula
vinculante; se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do
contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 77 Aspectos polêmicos do novo CPC
cominação de multa; a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos
constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
São hipóteses específicas que o legislador entendeu que não há necessidade de comprovação
da urgência, somente a visualização do enquadramento a qualquer das situações acima citadas.
Cumpre salientar, sem adentrar na explicação de cada espécie, que os incisos I e IV, por
dependerem de manifestação do réu e sua resposta, seja com o abuso de direito ou com a não
impugnação de documentos suficiente para comprovar o direito do autor, não podem ser pleiteadas
na inicial, de forma liminar, tampouco deferidas, pelo fato de dependerem de atos inerentes ao réu.
Já as hipóteses II e III, do mesmo art. 311, são passíveis de pedido liminar na inicial, seja
porque existem precedentes e prova documental de enquadramento naquela situação jurídica ou, na
outra hipótese, quando houver contrato de depósito e comprovação tanto da existência deste e da
negativa da entrega do bem. Em ambos os casos, somente a evidência do direito concede ao juízo a
possibilidade de decidir provisoriamente, ainda que sem urgência.
Em qualquer das 4 situações narradas, concedida ou negada a tutela provisória pleiteada via
evidência, caberá agravo de instrumento, não importando se pleiteada em forma liminar ou durante
o andamento processual. Explicaremos todas as possibilidades mais a frente.
A outra espécie de tutela provisória é a de urgência, calcada na necessidade, com base no art.
300, que dita como necessário para a sua concessão “quando houver elementos que evidenciem a
probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”, de forma a ser
necessária a comprovação da probabilidade do direito e do perigo de dano irreparável ou de difícil
reparação para o caso concreto. Não existem, então, hipóteses taxativas, como na de evidência, mas
um enquadramento de cada situação possível em que houver probabilidade de direito e urgência na
concessão. Somente a cada situação posta a pedido de resposta jurisdicional que se saberá os limites
possíveis para a concessão da tutela provisória de urgência.
A concessão da ‘tutela de urgência’ pressupõe: (a) probabilidade do direito
e (b) perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300,
caput). São expressões redacionais do que é amplamente consagrado nas
expressões latinas fumus boni iuris e periculum in mora, respectivamente.
(…) A ‘tutela de urgência’ pode ser concedida liminarmente, isto é, no
início do processo e sem a oitiva prévia da parte contrária, ou após
justificação prévia (art. 300, § 2º). (BUENO, 2015. p. 219).
Ainda sobre o tema, foi editado o Enunciado nº 143 do Fórum de Permanente de
Processualistas Civis (FPPC) onde se relata ser “a redação do art. 300, caput, superou a distinção
entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela satisfativa de urgência, erigindo
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 78 Aspectos polêmicos do novo CPC
a probabilidade e o perigo na demora a requisitos comuns para a prestação de ambas as tutelas de
forma antecipada.”
Desta forma, a tutela provisória de urgência tem duas subespécies, dividindo-se em pedido
cautelar ou antecipado. Na primeira subespécie, no pedido cautelar, o intuito da parte, ao requerer a
tutela provisória, passa por resguardar um direito que ela entende preexistente, mas sem utilizar-se
daquela ordem judicial para satisfazer-se do direito, mas como uma garantia de deixar acautelado
aquele bem jurídico pretendido. Um bom exemplo é o pedido de arresto, quando uma parte quer, no
início ou no meio do processo vincular os bens do patrimônio da outra parte ao processo. A tutela
provisória passa a ser necessária, caso comprove seus requisitos, para assegurar que posteriormente
os bens estejam resguardados para um futuro cumprimento de sentença
Na subespécie em pedido antecipado, a parte que a requer, almeja, desde logo, a satisfação
do direito, via a tutela provisória de urgência. Quando a parte realiza esse pedido comprovando
enquadrar-se nos moldes da urgência e probabilidade do art. 300, por mais que a demanda tenha
ainda todo um andamento processual, o intuito é durante toda a demanda já ter a possibilidade de
satisfazer este direito, antecipar seu uso. Um exemplo seria uma rescisão contratual de uma compra
e venda de um carro, em que o vendedor, autor na demanda, quer a rescisão contratual e a
devolução do bem para que utilize durante a disputa judicial. O pedido, desde que fundamentado na
urgência e probabilidade, visa a satisfação, antecipando uma concessão e análise que somente seria
realizada na sentença, mas que podem ser, desde que enquadrados nos requisitos, antecipado.
Estas tutelas buscam a concessão de uma decisão provisória, a partir ou não de uma
correlação com os pedidos que serão realizados no decorrer da demanda.
3. A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA ANTECEDENTE
Nesta hipótese, o autor pretende antecipar um direito, realizar um pedido de tutela provisória
para que determinado pleito, que deverá ser requerido na inicial, seja antecipado, satisfazendo,
naquele momento, os anseios e necessidades do autor, de acordo com os requisitos da urgência e
probabilidade do direito. CAVALCANTI NETO sobre este tema faz o seguinte recorte:
A tutela antecipada antecedente equivale, em linhas gerais, à cautelar
preparatória que existia no Código de Processo Civil anterior (art. 801) e
que foi mantida no atual Código (art. 305). Não faria sentido permitir o
pedido antecedente de tutela cautelar e vedar tal faculdade quanto à tutela
satisfativa (antecipada), uma vez que ambas fazem parte do gênero
“Tutela Provisória” (Livro V do CPC) e fundam-se, primordialmente, na
urgência. (2015, p. 196).
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Contudo, o autor tem a possibilidade de pleitear numa petição simples, uma pré-inicial, o
pedido que pretende em tutela provisória, com uma explanação dos fatos e fundamentos atinentes
somente a este pedido, nos moldes do art. 303, quando a questão em curso for contemporânea à
petição inicial a ser proposta. Para tal desiderato, a urgência do autor deve ser tamanha que não há
possibilidade de pleitear-se integralmente a demanda, com a necessidade de que, pela simplicidade
do caráter antecedente, somente peça, neste momento, a tutela provisória de urgência.
OLIVEIRA relata com propriedade sobre a questão, descrevendo a possibilidade da
promoção deste pleito sem o excesso de formalidades para tal demonstração, ao ditar que:
Como se verifica, o excesso de formalismo no contexto do direito brasileiro
decorre, em princípio, mais da cegueira do aplicador da lei ou dos demais
operadores coadjuvantes – desatentos aos valores do processo, pouco afeitos
ao manejo das possibilidades reparadoras contidas no ordenamento ou
ansiosos por facilitar o seu trabalho – do que do próprio sistema
normativo. Nesse aspecto, influi também a excessiva valorização do rito,
com afastamento completo ou parcial da substância, conduzindo à ruptura
com o sentimento de justiça. (1997, p. 207).
Não há, para o pedido da tutela provisória, nestes moldes, a necessidade de formalizar a
petição inicial integral, somente atendo-se ao limites do pedido que pretende a concessão
provisória.
Com este pedido, necessitando do pagamento das custas e de uma distribuição idêntica a
qualquer inicial, o juízo deve ater-se aos requisitos deste pedido em caráter antecedente de igual
forma que faria com a petição inicial, mas resguardando as limitações que a própria característica
do instituto impõe. O juízo deve decidir sobre a tutela provisória, se houver a concessão desta, de
forma total ou parcial, o réu será citado para o cumprimento da ordem judicial liminar, bem como
para a audiência de conciliação ou mediação. A citação se completando no processo, o prazo de 15
dias para que o réu impugne a decisão via agravo de instrumento inicia normalmente.
Por outro lado, o autor terá o prazo de 15 dias para o aditamento da inicial, com a
possibilidade de completar todos os fatos, argumentos, fundamentos, documentos do que almeja na
tutela definitiva.
Em caso da decisão sobre o pedido da tutela provisória ser negativa, de igual forma caberá o
agravo de instrumento, contudo o interesse recursal passa a ser do autor, que terá 15 dias a partir da
intimação via diário oficial. Igualmente terá o prazo de 5 dias para aditar a inicial. O réu, nesta
hipótese, somente será citado em caso de cumprimento do aditamento realizado pelo autor. É
possível se ver tal situação descrita na inteligência do art. 303, § 6º, onde a norma aponta que “caso
entenda que não há elementos para a concessão de tutela antecipada, o órgão jurisdicional
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 80 Aspectos polêmicos do novo CPC
determinará a emenda da petição inicial em até 5 (cinco) dias, sob pena de ser indeferida e de o
processo ser extinto sem resolução de mérito.”
4. AS DUAS ESPÉCIES DE ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA
ANTECIPADA ANTECEDENTE
O CPC/2015 inovou com relação ao instituto da estabilização da tutela provisória em caráter
antecedente, já que trouxe a possibilidade de repercussões que a norma anterior não tinha pensado,
de forma que este regulamento prevê a possibilidade dese pleitear a estabilidade da decisão
realizada a tal título.
Entretanto, é imperioso dizer que esta estabilização acontece quando há uma cognição
sumária em que ambas as partes – autor e réu – cientes da satisfação somente com esta
sumariedade, optam por este rito, seja o autor ao intentar a antecipada antecedente com viés de
estabilização ou ao réu ao não impugnar a decisão – com qualquer recurso – concessiva da tutela
antecipada antecedente, de forma que esta decisão ganhará status de estável. Segundo SILVA, a
estabilização não necessita de uma relação com o julgamento final da demanda, com uma
visualização meramente sumária, inspirada no direito francês.
A estabilização da tutela antecipada tem inspiração no direito francês,
no instituto processual do référé. Uma das características importantes desse
instituto é sua autonomia. Ao contrário da nossa vigente tutela antecipada,
que sempre está condicionada ao julgamento do pedido principal, não
passando de um acessório, cujo destino fica sempre vinculado ao
acertamento a ser feito futuramente, no direito francês, o procedimento do
référé é completamente autônomo em relação ao processo de fundo. (SILVA,
2016)
Portanto, a estabilidade é a capacidade da decisão provisória de se manter inalterada até que
outra decisão venha a existir e promova a sua reapreciação, dentro das situações devidamente
descritas na norma para tal ato.
4.1 A estabilização provisória: a eficácia provisória de ate 2 anos da decisão estabilizada
A estabilização da tutela provisória antecipada antecedente somente se configura com a não
impugnação desta decisão pelo réu – o art. 304 fala em recurso – e a menção na inicial satisfação do
autor com a cognição sumária. Se ambas as partes têm ciência de que o procedimento pode, em
caso de concessão, estabilizar, há, pela manifestação do autor na inicial e a não interposição do
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 81 Aspectos polêmicos do novo CPC
recurso ou impugnação, um aceite processual não somente sobre o teor da tutela concedida, mas,
também, que não há necessidade de prosseguimento da demanda e, consequentemente, o que se
decidiu continua com a validade e a produzir efeitos, ainda que não exista processo.
Além de CPC/2015 permitir expressamente a utilização do rito antecedente
também para pretensões satisfativas, significativa é a admissão da
estabilização dos efeitos dessas medidas liminares. Neste sentido, o art.
304 do CPC/2015 prevê que a não propositura do recurso contra a decisão
liminar satisfativa conduz a extinção do processo e mantença de seus efeitos
independentemente de uma sentença ulterior. (SCARPARO, 2015, p. 335)
No entanto, o próprio art. 304, aquele que prevê a estabilidade diante da inércia do réu,
possibilita em seu § 2º que “qualquer das partes poderá demandar a outra com o intuito de rever,
reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada nos termos do caput”.
Ou seja, existe a estabilidade proveniente da extinção da demanda pela não impugnação da
decisão provisória concedida, mas, neste momento, esta é revestida somente de uma estabilidade
provisória, justamente pela possibilidade de reversão, seja pelo autor que em eventual busca do
mérito tenha a sentença improcedente e a reversão da estabilização ou o outrora réu intente uma
demanda para reverter completamente os efeitos que, anteriormente, tinha admitido estabilizar. São
dois anos para que qualquer das partes intente, de acordo com o art. 304 § 5º, a ação para rever tal
decisão, o que importa que durante o transcurso desse referido prazo, apesar da estabilidade, não há
uma definitividade sobre esta, restando qualificarmos como uma estabilidade provisória, a qual
delinearemos os seus desdobramentos.
4.1.1 A eficácia enquanto houver inércia das partes
A estabilização decorre, como já vimos, da não interposição do recurso pelo réu, após a
ciência do mesmo sobre a tutela provisória concedida em caráter antecedente, com a intenção do
autor em conseguir meramente a cognição sumária, contudo há de se salientar que tal estabilização
tem, neste momento, uma configuração eminentemente provisória.
A decisão está estabilizada em seus efeitos, contudo não há uma definitividade, até pelo fato
que não se pode confundir estabilidade com cognição exauriente. A estabilização persiste enquanto
não houver impugnação pelas partes, seja o autor ou o réu, logo o motivo pelo qual se mantém
naquele status quo é a inércia das partes processuais, podendo, na dicção do art. 304, 2o ser revista
em outra demanda que pode ser intentada, de igual forma, por qualquer das partes: pelo autor para,
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 82 Aspectos polêmicos do novo CPC
agora, alcançar a cognição definitiva que antes não tinha interesse ou pelo réu, que neste momento
demonstra que passou a ter interesse na revogação ou alteração da decisão liminar estabilizada.
Dessa forma, a estabilização, neste momento, após a decisão de extinção que o art. 304, 1 o
prevê, se visualiza de uma forma provisória, podendo ser revogação, reformada ou alterada. O fato
característico dessa provisoriedade da estabilização é justamente a inércia das partes, o que
podemos, em sentido antagônico, entender como à vontade destas em não modificar a decisão, já
que optaram pela manutenção do status quo da decisão como inalterada, não atentando
judicialmente contra aquela decisão estabilizada, ainda que provisoriamente.
A partir deste recorte realizado no instituto, GRINOVER imputa, de igual forma, a vontade
das partes como preponderante para a decisão, seus reflexos e conveniências.
O que se pretende, por razões eminentemente pragmáticas – mas não
destituídas de embasamento teórico – é deixar que as próprias partes
decidam sobre a conveniência, ou não, da instauração ou do
prosseguimento da demanda e sua definição em termos tradicionais, com
atividades instrutórias das partes e cognição plena e exauriente do juiz, com
a correspondente sentença de mérito. (2005, p.36)
Com isso, a eficácia desta estabilização persiste em sua validade pela não impugnação, pela
manutenção proveniente da inércia das partes. Se estas mantiverem inertes, de igual modo, a
decisão estabilizada continua, mesmo que ainda imbuída de provisoriedade, com a eficácia de seu
conteúdo.
Assim, as partes, por não agirem, acabam por promover um negócio jurídico aperfeiçoado
consensualmente em juízo, já que o réu não promove recurso da decisão antecipada concedida e,
tampouco, o autor descreve o aditamento da inicial, tornando-se a decisão estável para eles por
aquiescência mútua.
4.1.2 A possibilidade de reexame pelo juízo quando houver nova ação
Essa estabilidade somente ocorre pelo fato das partes estarem e continuarem satisfeitas com
a cognição sumária existente por causa da antecipada antecedente, tanto o autor pelo fato de ter
deixado clara a sua intenção em satisfazer-se com este nível de cognição ou o réu com o aceite desta
decisão com a não impugnação recursal. Contudo, ainda que estabilizada, as partes podem revisar a
decisão, intentando demanda para tal desiderato.
Com a existência de uma demanda – do autor ou do réu – sobre o objeto estabilizado, o juízo
que proferiu a liminar será automaticamente prevento para o conhecimento desta matéria e,
consequentemente, da nova demanda, por ser aquele que primeiro conheceu o pedido na antecipada
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 83 Aspectos polêmicos do novo CPC
antecedente estabilizada pela cognição sumária deste juízo. Asseverando acerca de tal situação,
ATCHABAHIAN explica:
Nada obstante, justamente por basear-se na probabilidade, não significa
que a tutela se torne imutável, mas apenas estável, de sorte que a
parte prejudicada com a medida (qualquer uma delas) poderá, se for de
seu interesse, desarquivá-la (vez que a ausência do recurso, extingue o
processo) com a finalidade de provar, de maneira mais profunda a
inexistência ou a improcedência da demanda estabilizada. Não apenas isso,
mas de maneira mais abrangente o parágrafo 2º do Artigo 304 do novo CPC,
franqueia a qualquer das partes a possibilidade de demandar a outra com a
finalidade de rever, reformar ou invalidar a tutela estabilizada. (2015)
Entretanto, mesmo diante da existência da ação, a decisão permanece com a estabilização,
mesmo que ainda provisoriamente, já que não é a simples interposição da demanda que fará com
que a liminar, outrora concedida e estável, seja revogada ou removida. Esta estabilidade persiste
durante toda o andamento desta nova demanda, enquanto o juízo não proferir um julgamento de
mérito, com o devido reexame do conteúdo da decisão anteriormente estabilizada.
Assim, com a existência da demanda para a revisão da decisão antecipada antecedente com a
estabilização, temos algumas possibilidades processuais como consequência da decisão,
dependendo de quem intenta a demanda. Se for o réu, que agora vira autor, intentando a demanda,
com o intuito de revogação ou alteração da liminar estabilizada, existem duas possibilidades: a
primeira se, após a devida instrução processual, o juízo prolatar uma sentença de improcedência do
pedido do réu, que agora virou autor do pedido revogatório, transformando, por via de
consequência, aquela decisão estabilizada em cognição sumária em uma decisão definitiva oriunda
de uma cognição exauriente. Ou seja, a improcedência do pedido do réu da ação anterior, realizado
nesta nova demanda, ocasiona a transformação da estabilidade provisória em uma definitividade
exauriente.
Mas por outro lado, se o réu consegue êxito na demanda revisional intentada – total ou
parcial – a tutela anteriormente concedida e estabilizada estará revogada ou alterada, mediante os
alcances que o próprio juízo estabelecerá, transformando aquela procedência do pedido do réu da
ação originária em uma revogação da estabilização, já que o resultado foi em sentido inverso ao
conteúdo existente na liminar.
4.1.3 A impossibilidade de revisão em caráter liminar ou provisório na nova ação proposta
pelo réu anterior
O art. 304, §3º, do CPC dispõe que a decisão estabilizada mantém seus efeitos enquanto não
for decidido o mérito em eventual nova ação sobre o objeto material da decisão outrora estabilizada,
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 84 Aspectos polêmicos do novo CPC
aquela com o intuito de revisá-la. Essa dicção ressalta a impossibilidade do próprio juízo rever a
decisão estabilizada durante a instrução processual dessa nova ação intentada pelo réu, somente
podendo fazê-lo quando prolatar da sentença de mérito nesta demanda. Mesmo uma sentença sem
mérito, meramente terminativa, não possibilita a revisão, modificação ou revogação de decisão
estabilizada, com a necessidade de um enfrentamento do mérito desta nova demanda para conseguir
quebrar-se a estabilização provisória. MADRUGA, MOUZALAS e TERCEIRO NETO descrevem
esta situação quando assegura ser “intentada referida ação, a tutela antecipada conservará seus
efeitos enquanto não revista, reformada ou invalidada em decisão de mérito na ação revisional.”
(2016, p. 395)
Com a extinção da demanda originária e a consequente estabilização proveniente do art.
304, §1º, esta decisão tem uma evidente manutenção dos efeitos, com a possibilidade de revisão
somente por uma sentença que contenha uma cognição exauriente sobre o objeto outrora
estabilizado em seus efeitos. Não há, portanto, meios do réu, ao intentar tal demanda para
revogação ou revisão da estabilização, pleitear em sede de liminar ou no meio da instrução a título
de uma tutela provisória em decisão interlocutória a revogação ou revisão, somente com uma
análise proveniente de uma cognição exauriente que possibilitará a revogação ou revisão da tutela
antecipada antecedente estabilizada.
Se a decisão estabilizada significava, antes da nova demanda intentada, a satisfação das
partes – autor e réu do processo originário – com a cognição sumária, pertinente visualizar que
somente uma decisão agora proferida em cognição exauriente que terá o condão de modificar o que
outrora estava estabilizada, ainda que provisoriamente pela possibilidade de revisão prevista no art.
304, § 2º.
4.1.4 O prazo de 2 anos e a provisoriedade enquanto sua vigência
A estabilidade provisória permite a revisão por qualquer das partes, como já vimos
anteriormente, no entanto, esta demanda possível deve ser requerida dentro do prazo de dois anos, a
serem contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, conferindo à decisão liminar
antecipada antecedente a estabilização, conforme preconiza o caput do art. 304, após a extinção, nos
moldes do § 2o do mesmo artigo.
Neste ínterim, há este prazo mencionado para que qualquer das partes, mas principalmente o
réu, já que o autor, apesar de ter tal possibilidade, almeja a cognição definitiva, transformando a
decisão estabilizada em definitiva e, não contendo o intuito de reformar ou revisar a decisão em si,
mas alcançar a definitividade. E, para conseguir os efeitos meritórios, ainda poderá fazê-lo após os
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dois anos, o que leva que o prazo para revisar e revogar a decisão tem muito mais interesse para o
réu, apesar de possível para o autor. Neste caso, o autor pode até conseguir revogar se, por exemplo,
não alcançar a procedência na demanda meritória intentada no prazo de dois anos, contudo não
seria, necessariamente, a sua intenção primordial e precípua.
Este é um prazo preclusivo para o réu promover a demanda com o fito de discutir o
conteúdo da decisão, sob pena de não poder realizar tal discussão por via de ação.
Ultrapassado este mencionado prazo de dois anos, a decisão passa a ser totalmente
estabilizada, deixando o caráter provisório para alcançar uma definitividade em relação aos seus
efeitos, que não poderão ser revisados, revogados ou alterados, mesmo diante de uma ação proposta
sobre o mérito posteriormente, o que lhe dá um feito definitivo sem que se alcance o status de coisa
julgada.
O que permite a transformação da estabilização provisória alcançar o status de definitiva é
justamente a conjunção da inércia das partes, cominado com o lapso temporal de dois anos dessa
referida inércia, que somente poderia ser modificada por ação e que neste caso, acaba não sendo
proposta. Com esse quadro de ausência de interesse processual por ambas as partes, a decisão que
outrora era provisória ganha ares de definitividade em seus efeitos.
4.2 A estabilização definitiva: a eficácia após os 2 anos da decisão estabilizada
A estabilização tem a característica inicial de provisoriedade pela possibilidade aberta de
revisão pelas partes naquele prazo de dois anos acima mencionado. Após esse lapso temporal
cominada com a inércia das partes, a decisão passou a ter a definitividade em seus efeitos, o que
impede a alteração destes, mesmo com uma sentença de mérito posterior.
É perceptível tal situação pela leitura do art. 303, § 6º quando esta descreve que não se fará
coisa julgada, mas que gera a estabilidade dos seus efeitos, estes devem ser entendidos como de
definitividade. Aludindo sobre o tema, PEIXOTO, COSTA e GOUVEIA FILHO descrevem que a
decisão, conquanto sua eficácia, ganha um instituto novo que paira entre a estabilidade provisória
durante da lide, já existente no art. 273 do CPC/73 e a coisa julgada. Não está nem diante de um e
nem de outro, necessitando uma nova visualização jurídica, com conceituação própria.
Um nível maior de estabilidade, que se situa entre a estabilização da decisão
antecipatória e a eficácia da coisa julgada, é a eficácia que exsurge do
transcurso in albis do prazo de 2 (dois) anos previsto no § 5° do art. 304,
CPC/15. Prazo este relativo à propositura das ações acima mencionadas que,
se não observado pelo réu, repercute severamente em sua esfera jurídica. É
importante ressaltar que não há, no texto normativo em comento, previsão
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expressa de tal eficácia. Extrai-se a ideia de uma interpretação sistêmica: se
há a previsão de um prazo para o exercício de um poder para a parte
(onerando-a, pois), é porque, caso ela não cumpra o ônus lhe imputado,
consequências devem advir-lhe. ( PEIXOTO, COSTA e GOUVEIA FILHO,
2015)
Se a estabilidade pressupõe-se a vontade dos outros em satisfazer-se com a cognição
sumária, a decisão liminar proferida e a inércia do réu com a não impugnação recursal sobre esta,
concede efeitos estáveis, conquanto, com ares de provisoriedade, a qual é ultrapassada mediante a
manutenção da inércia – agora por ambas as partes – pelo lapso temporal de dois anos. O que era
estabilização em caráter provisório passa a ser estabilização definitiva. SICA descreve que
“passados os dois anos da decisão extintiva do feito, produz-se uma estabilidade qualificada.”
(2016, p. 353)
É de fácil visualização de que este procedimento objetiva a formação de uma eficácia
distinta da coisa julgada, já que se busca somente a satisfação fática da parte sobre a questão, de
forma simplificada.
4.2.1 A possibilidade de demandar sobre o mérito
O fato da decisão liminar ser estabilizada, mesmo definitivamente, não obsta que o réu ou o
autor, se for o caso, de perseguirem a cognição exauriente. Todavia, independentemente do
resultado, os efeitos da decisão estabilizada em caráter definitivo não podem ser alterados mesmo se
sobrevier uma sentença de mérito.
Por mais que processualmente cause estranheza, não há nenhum óbice em discutir-se o
mérito da demanda anteriormente estabilizada definitivamente, podendo, nesta nova ação,
demandar para conseguir uma cognição exauriente com o mesmo sentido e alcance meritório da
decisão anterior ou para revogar/revisar a estabilização, o que, então, retiraria a eficácia da decisão
anterior.
Assim, para se compreender a estabilização, importante é uma interpretação do art. 304, §
3º, quanto ao que este dispõe sobre os efeitos conservados. O que seria o efeito de uma decisão?
Este efeito somente é o reflexo da decisão liminar proferida em cognição sumária, sem se ater ao
direito daquela parte, que só se verificou a probabilidade aparente deste, com a determinada
urgência em conceder sumariamente, sem exaurir a cognição, nem definir o conflito de interesses
ali mencionado, porém com a aceitação temporária das partes com o resultado promovido pela
decisão.
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Na leitura do texto da norma, é possível se interpretar que os efeitos sejam conservados até
que uma ulterior decisão sobre o mesmo tema advenha, sendo que esta possível decisão de reversão
terá efeitos somente a partir do momento em que se tornar definitiva, sendo que até tal momento a
decisão estabilizada terá a sua aplicabilidade ao caso descrito.
A decisão concedida em cognição sumária não resolveu a demanda em seu mérito, o que
permite que qualquer das partes, mesmo depois da estabilização definitiva, almeje, em ação própria,
o mérito daquele conflito de interesses, com a impossibilidade somente da reversão dos efeitos da
tutela outrora concedida e estabilizada, mesmo que a sentença de mérito tenha conteúdo totalmente
inverso àquele estabilizado.
Se há, com a simples estabilização definitiva da decisão sumária, a ausência de uma decisão
sobre o mérito, com uma evidente lacuna jurídica exauriente, permite-se que as partes possam
demandar para alcançar esta decisão, agora com uma cognição exauriente e definitiva, que pode
alterar conteúdo da decisão provisória.
Nesta visão, o reflexo que a estabilização definitiva acarreta para a decisão e o processo
anterior extinto é a validade permanente dos efeitos contidos na liminar, não sobre o mérito da
causa ou objeto, mas somente sobre os efeitos e seus reflexos jurídicos. O que se pretendeu
sumariamente, foi concedido, sem impugnação recursal pelo réu e se estabilizou provisoriamente e,
depois pela inércia das partes – no transcurso dos dois anos, se tornou uma estabilização definitiva
quanto aos efeitos, contudo nada se alcança sobre o mérito e sobre a cognição exauriente, podendo
ser, mesmo após os dois anos de possibilidade de reversão total, intentada a demanda para alcançar
uma decisão definitiva sobre a questão, com a prolação de uma sentença de mérito.
Resta claro, dessa forma, que a estabilidade, mesmo ultrapassando o caráter provisório para
alcançar a sua definitividade, não obsta a discussão jurídica sobre o mérito da demanda, apesar de
ser bastante estranho que as partes tenham inércia por tanto tempo e depois queiram a cognição
exauriente, mas não há nenhum óbice sobre esta possibilidade.
4.2.2 A impossibilidade de reversão da tutela estabilizada
A leitura possível do art. 304 §§ 5º e 6º, passa pela visualização de que, após os dois anos de
inércia, o direito de qualquer das partes rever, reformar ou invalidar a tutela antecipada estabilizada
se esvai, com a estabilidade dos seus efeitos. O que deve se entender dessa impossibilidade de
reversão é o alcance devido somente sobre a tutela provisória antecipada antecedente e não sobre o
que sobre o objeto da lide. Efeito não significa o mérito e, sim, algum ponto reflexo em que um
possível julgamento de mérito ocasiona.
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Nesta via, com o entendimento de que somente há a estabilização dos efeitos, com a
impossibilidade específica de reversão da tutela antecipada, não há óbice sobre a rediscussão do
mérito da demanda extinta, com a possibilidade, mesmo após os dois anos, de que se intente nova
demanda com a mesma causa de pedir, com a ressalva que qualquer que seja o resultado, aquele
efeito estabilizado não será alterado, ainda que a sentença de mérito seja em sentido inverso.
Essa estrutura processual pode parecer incongruente, até pela novidade que o próprio
instituto da estabilização representa ao novel direito processual pátrio, contudo deve ser visualizado
dessa maneira para permitir que a autor possa buscar o Poder Judiciário com o intuito de promover
este tipo de demanda, mas não com o fito de se estabelecer uma litigiosidade em todas as demandas,
já que esta demanda pode não ir adiante com a congruência de vontade das partes em aceitar a
decisão somente da forma descrita no pedido de tutela provisória de urgência antecipada
antecedente.
4.2.3 A não formação da coisa julgada
A impossibilidade da formação da coisa julgada para o caso é de fácil constatação, pela
leitura do que é descrito no art. 304, § 6º, que bem descreve a impossibilidade da deste pleito gerar
coisa julgada, mas que este acaba por promover a operação de imunização e indiscutibilidade da
eficácia especifica daquela tutela concedida pelo fenômeno da decadência, o que importa em que a
decisão que deferiu a tutela antecipada antecedente alcançará alto grau de estabilidade. (VARGAS,
2016, p. 6)
A decisão da tutela antecipada antecedente estabilizada alcança a tal status novel descrito
pelo CPC/2015, mas sem alcançar o nível de coisa julgada, por disposição legal da norma que assim
impede tal realização, mesmo que esta decisão agora não possa mais sofrer qualquer modificação. O
fato de não ser coisa julgada é pela relação notória com a eficácia e não com o julgamento
meritório. Não se julgou a demanda, não definiu-se os pedidos finais em uma demanda de cognição
exauriente, somente, em cognição eminentemente sumária, diante da inércia das partes – naquele
processo e depois por 2 anos – estabilizou e não se discute-se mais este ponto reflexo.
A norma criou instituto legal distinto da coisa julgada, onde por via da decisão da tutela
satisfativa antecedente, o entendimento do juízo que era sumário passa ser definitivo, em face de
procedimentos precisos descrito na norma, de forma que as partes, então sabedoras desta
possibilidade de geração de estabilidade definitiva, não há nada que ponha em questão.
(ATCHABAHIAN, 2015)
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Assim, a norma acaba por falar em impossibilidade desta decisão gerar coisa julgada
material, os seus efeitos executórios específicos do cumprimento daquela tutela estabilizada serão
os mesmos, tanto que uma a decisão, em razão da sua definitividade , deve ser executada por via de
execução definitiva e não como execução provisória, o que acaba por demonstrar que a norma deu
nome diverso ao instituto, mas deu lhe deu os mesmos efeitos práticos executórios. Contudo, há de
se ressaltar que a execução pode ser sobre os efeitos, nunca sobre o mérito da demanda, já que este
não chegou a ser julgado.
A partir do que é descrito no art. 304 sobre a estabilização, a lei criou um procedimento
autônomo, de rápida administração da justiça e que se coaduna com o descrito no art. 4º da mesma
norma, em face da dispensa de um longo processo para a busca do bem da vida discutido, devendo
este instituto ser interpretado de forma a garantir a produção da máxima eficácia possível.
(CAVALCANTI NETO, 2015)
Ante a satisfação das partes com este procedimento abreviado realizado, a decisão poderá
ganhar este status de estabilidade, sendo que se passado o prazo legal descrito esta decisão não faz
coisa julgada, porém se torna definitiva e inalterável para estes, em decorrência da preclusão que a
própria norma descreve. Ou seja, esta decisão não possui o condão de gerar coisa julgada, porém
acaba por gerar estabilidade, com a impossibilidade de mudança dos efeitos, por própria escolha das
partes.
De fato, há de se reconhecer que se trata de fenômenos distintos, sendo o
primeiro deles típico, apenas, da coisa julgada material. Aliás, é sintomático
que o novo CPC atualmente emprego o termo estável, sem jamais falar em
imutabilidade ou, muito menos, de coisa julgada. (SICA, 2015, p. 351)
Notória deve ser a diferenciação entre a coisa julgada e a estabilização, enquanto a primeira
está interligada ao julgamento final em uma cognição exauriente, a outra é somente sobre a eficácia
de uma decisão proferida numa cognição sumária. O fato da inércia processual e constante pós
processo estabilizar a decisão, não a molda em uma transformação em cognição exauriente e,
tampouco, em decisão definitiva. A decisão e seu efeito permanecem, mas o mérito que a envolve
pode ser, mesmo depois dos 2 anos, rediscutido. Numa exemplificação, se a tutela antecipada
conferida em pedido antecedente se estabilizou para determinar uma operadora não cancele o plano
de telefonia de uma determinada empresa, com a cognição sumária estabilizada, mesmo com a
rediscussão depois do prazo de 2 anos, esta pode conseguir a decisão em sentido contrário, pela
invalidade do plano, podendo cobrar as multas e eventuais encargos que foram gerados pelo plano,
porém não pode mudar o que se estabilizou, no exemplo, a impossibilidade de cancelar o plano,
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mas todos os outros reflexos de eventual decisão de mérito contrária podem ser visualizados e
impactados, restando somente aquela parte estabilizada, mas não transformada em coisa julgada.
5. CONCLUSÃO
Pelo presente estudo é possível perceber que o regime das tutelas provisórias no CPC/2015
ganhou uma normativa em que a decisão pode ser estabilizada para as partes sem que estas
promovam o processo tradicional para a busca de uma sentença de mérito. Tal possibilidade existe
por via do cumprimento do procedimento descrito como antecedente, a partir do apontamento de
que o autor busca com aquele procedimento abreviado a estabilidade.
O intuito, pretendido e alcançado neste estudo, foi sistematizar as diferenciações entre as
fases do mesmo instituto: a estabilização.
Há, como demonstrado, duas fases distintas desta estabilização preconizada pelo rito do
pedido de tutela provisória antecipada antecedente, com um viés provisório, do momento da decisão
de extinção do art. 304, § 1º, até o transcurso do prazo de 2 anos desta. A outra fase, posterior e
iniciada a partir desse momento pós 2 anos, é a estabilização em sentido definitivo, com uma
impossibilidade de revisão do efeito ali concedido.
O mesmo instituto com diferentes modos de visualização e reflexos de possibilidades
processuais justamente pelo transcurso do tempo cominada com a inércia das partes. Se a
estabilização enquanto instituto novel no CPC/2015 causa uma série de dúvidas quanto a sua devida
conceituação e reflexos processuais, o alcance desse estudo foi delinear as fases desta, como, na
primeira fase, a existência de características como: a provisoriedade de 2 anos e a possibilidade do
pedido de revisão – por qualquer das partes – apesar continuidade da estabilidade até eventual
sentença de mérito nesta possível futura ação.
Já em momento posterior, com a transformação da estabilização provisória em definitiva, as
características se transmudam: a impossibilidade de revisão daquela tutela estabilizada, a
possibilidade de uma demanda sobre o mérito sem alcançar os efeitos estabilizados, a ausência de
coisa julgada e a definitividade desta estabilização.
Um instituto novo, com reflexos complexos e tortuosos, diante de um ordenamento
impactante na vida jurídica brasileira e que merece, não somente o entendimento do procedimento
desta estabilização, mas delinear-se, como aqui se buscou, sistematizar as fases desse instituto,
passando por sua provisoriedade até alcançar o status de definitividade, após os mencionados 2 anos
de transcurso da decisão de extinção e manutenção da inércia das partes.
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Tão importante quanto entender o sentido e a utilidade prática da estabilidade no nosso
cotidiano processual é compreender suas fases, para o vislumbre correto do instituto, bem como o
enquadramento real processual de cada situação.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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| Voltar ao sumário 92 Aspectos polêmicos do novo CPC
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A RESPOSTA DO RÉU NO NOVO CPC: A OPÇÃO POR
UMA SUPERCONTESTAÇÃO
Juliana Dal Molin de Oliveira Lemos70
Vinicius Silva Lemos71 RESUMO: Este artigo tem o propósito de apresentar um estudo sobre a contestação no novo código de processo civil. A ampliação deste instituto, o seu novo conceito, finalidade e aplicabilidade diante dos aspectos do novo ordenamento. Realiza-se, também, a análise do instituto com todos os incidentes que outrora eram apartados e que agora são insertos na contestação e as consequências processuais dessa mudança.
Palavra-Chave: Defesa do Réu, Contestação, Incidentes.
1. INTRODUÇÃO
Diante da nova sistemática processual proposta pelo CPC/2015, a palavra adequação é a chave
para estes novos tempos procedimentais, para que as novidades e alterações sejam compreendidas,
desde seu intuito nascedouro, passando pelo viés acadêmico e tendo como destinatário final, o
cotidiano forense.
Dentre tantas inovações, este estudo analisa o instituto da contestação proposta pelo novel
ordenamento processual, visando o entendimento de todas as mudanças positivadas, bem como
delineando a inserção de todos os incidentes, anteriormente apartados, como insertos desse instituto,
neste momento processual.
O intuito passa pelo entendimento das novas nuances da contestação no CPC/2015,
principalmente ancorada como única peça processual de resposta do réu no processo de conhecimento,
70. Advogada. Bancária na Caixa Econômica Federal. Formada em Economia pela Universidade Federal de Rondônia – UNIR. Formada em Direito pela Faculdade de Rondônia – FARO. Pós-Graduanda em Direito do Consumidor pela Faculdade Estácio. Pós-Graduanda em Processo Civil pela Uninter/FAP. e-mail: [email protected] – telefone: 69-98111-5128 71. Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade
de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil da Faculdade de Rondônia - FARO. Coordenador da Pós- Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. e-mail: [email protected] – telefone: 69-99984-8587
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a principal das alterações e pormenorizando todas os demais pontos que também sobrevieram como
novidades.
2. A CONTESTAÇÃO COMO ÚNICA RESPOSTA DO RÉU
Após a audiência de conciliação ou mediação prevista no art. 334 do CPC/2015, com resultado
infrutífero, inaugura-se o prazo para a apresentação da defesa pelo réu, no processo de conhecimento.
Ou seja, o prazo para a defesa começa, em regra, a partir deste momento.
O momento da defesa do réu é o mais importante, dentro da fase postulatória, para a
manifestação dos argumentos contrapostos ao alegado pelo autor, criando uma linha argumentativa
defensiva fática e juridicamente. A fase processual contestatório é imbuído de um ônus processual e
material argumentativo pelo réu, no qual exerce seu direito de defesa, contrapondo-se ao direito de
ação do autor, para buscar a tutela jurisdicional reativa à inicial, seja mediante argumentos processuais
ou meritórios72
.
O primeiro impacto pertinente à contestação, nos moldes do CPC/2015, passa pela interligação
atinente a visualização desta como a única resposta do réu, deixando de ser uma espécie desta, para
ser o meio de defesa a ser apresentado pelo réu. Antes, no CPC/1973, as respostas do réu estavam
organizadas em três espécies, colocando juntamente à contestação, as possibilidades da exceção e
reconvenção. Nesta nova forma processual, a contestação é a única espécie processual de resposta do
réu.
Não há mais a exceção como forma de resposta do réu (a sua existência permanece como
simples alegação de qualquer das partes sobre a suspeição e impedimento) e a reconvenção passa a ser
interna da contestação – como veremos minuciosamente mais a frente, não sendo, a princípio, uma
forma de resposta autônoma.
O legislador teve a sapiência de engrandecer ainda mais a contestação como a resposta do réu,
até pelo fato de que “sempre foi considerada a peça de defesa por excelência, por veicular a defesa de
mérito73
”.
72. “A contestação está para o réu como a petição inicial está para o autor. Trata-se do instrumento de exceção exercida (exercício do direito de defesa), assim como a petição inicial é o instrumento da demanda (ação
exercida). É pela contestação que o réu apresenta a sua defesa.” DIDIER Jr. Fredie. Curso de Direito
Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17 ed. Salvador. JusPodivm. 2015 p. 637. 73. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015. p. 574.
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Não há, de modo geral, um prejuízo material, tampouco processual, na concentração de todas
as alegações em um só ato, com a inserção de todas as alegações – meritórias, processuais e
incidentais – para o momento da contestação. De certa maneira, o processo fica mais simplificado74
,
na busca por uma concentração de atos, apesar de que a contestação em si passa a ser um ato maior,
com um significado ainda mais potente, pela quantidade de matérias que o novel código inseriu como
possíveis nesta peça.
Ultrapassada a novidade da transformação da contestação na única espécie de resposta do réu,
outras também são inerentes ao momento da defesa, com a alteração de diversos pontos postulatórios
em relação ao CPC/73 e a legislação anterior. Mudanças pertinentes e bruscas, como a extinção dos
incidentes como: impugnação ao valor da causa, impugnação à concessão do benefício da justiça
gratuita e alegação de incompetência relativa. Todas estas alegações foram insertas ao momento da
apresentação da contestação, sem nenhum incidente apartado, com intuito destes incidentes serem
meramente materiais, sem a criação de procedimentos em paralelo. Um novo modelo de concentração
da resposta do réu.
Outras inovações existentes no CPC/2015 no tocante à contestação estão nas peculiaridades
inerentes as alegações de incompetência – relativa ou absoluta – e a ilegitimidade passiva, com
detalhes procedimentos novos e diferentes, apesar de sempre estarem envoltos processualmente à peça
da contestação.
2.1 O prazo da contestação e sua contagem
O art. 335 do CPC/2015 dispõe que a contestação deve ser apresentada por via de petição,
estipulando, desde já, as maneiras de contagem de prazo para tal desiderato:
“I. da audiência de conciliação ou de mediação, ou da última sessão de conciliação, quando
qualquer parte não comparecer ou, comparecendo, não houver autocomposição; II. do
protocolo do pedido de cancelamento da audiência de conciliação ou de mediação apresentado
pelo réu, quando ocorrer a hipótese do art. 334, § 4º, inciso I; III. prevista no art. 231, de
acordo com o modo como foi feita a citação, nos demais casos.”
Houve, então, uma mudança conceitual de como inicia-se a fase postulatória conteste, com a
disposição de que, em regra, a citação não guarda relação direta com o início do prazo de defesa. O
74. “O NCPC trouxe mudanças em relação à resposta do réu, todas voltadas à uniformização da forma de veiculação das matérias de defesa e à simplificação do processo. A primeira delas foi, praticamente, transformar a contestação na única peça de defesa, concentrando nela as postulações do réu.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015. p. 574.
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CPC/2015 primou por uma fase conciliatória quase obrigatória75
entre o deferimento da inicial e o
início do prazo para a contestação, inserindo, ali, uma audiência de conciliação ou mediação, com o
intuito, antes do réu postular, das partes poderem encontrar-se numa tentativa de conciliação.
Dessa maneira, se houver a audiência de conciliação ou mediação e, a mesma não for exitosa,
seja por não, mesmo com o comparecimento das partes, lograr nenhum acordo ou por uma ou ambas
as partes deixarem de comparecer, o início do prazo para a apresentação da contestação será posterior
a este momento, constando esta, como marco inicial a sua realização. A partir dali que se inicia o
prazo de 15 dias para o oferecimento da contestação.
Essa é a regra imaginada pelo CPC/2015, com a construção de uma nova ótica processual,
primando para uma alteração na fase de tentativa conciliatória, deslocando-a para antes da
contestação, na tentativa louvável de valorizar os modos alternativos de resolução de conflitos e,
talvez, processualmente, que nem seja necessária a apresentação de uma contestação.
O réu, ao ser citado, em regra, não se preocupa mais, imediatamente, com a defesa, já que esta
somente será realizada em caso de infrutífera a tentativa de conciliação ou mediação. A atenção
processual, dessa maneira, volta-se, a priori, para a apresentação da contestação com o fracasso na
audiência, uma mudança procedimental, com a inversão dos momentos, com o intuito de somente
abrir a opção para o réu postular, quando não se tem possibilidade de acordo, retirando o intuito do
CPC/73, que a audiência preliminar – ou de conciliação – fosse prevista após a fase postulatória,
quando as partes já se armaram processual e materialmente.
Evidentemente que esta não é a única maneira de se iniciar o prazo da contestação no
CPC/2015. Esta é a regra, mas existem, naturalmente, as opções para situações processualmente
diversas.
Outra opção de início de contagem do prazo para a contestação é a situação em que o autor não
queira a audiência de conciliação ou mediação – expressamente já optado por isso na inicial – e, de
igual forma, o réu também assim não queira, pode, este, apresentar uma petição de desistência da
audiência de conciliação ou mediação, manifestando-se sobre a ineficácia ou a impossibilidade de um
acordo, contando, para fins do prazo da contestação, o protocolo deste pedido. A própria parte terá o
controle de seu prazo, pelo fato de que foi quem realizou o protocolo. O prazo, então, será de 15 dias
úteis contados do dia, também útil, posterior ao protocolo deste referido pedido.
O derradeiro modo de início do prazo para a contestação, de maneira excepcional, somente
ocorre se a demanda, em seu objeto, não contiver meios para a conciliação, não sendo passível de
autocomposição, conforme previsto no artigo 334, §4°, inciso II, do CPC/2015, o juízo não marcará a
75. Comentário: a princípio do CPC/2015 coloca a audiência como possibilidade, já que as partes podem, expressamente, declinar de sua realização, contudo há a necessidade de que ambos o façam, fato pelo qual existe uma certa dificuldade de que não tenha a audiência.
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audiência, determinando, desde logo, a citação do réu para apresentar a contestação. Se compararmos
com o CPC/73, será a citação para a contestação, contados da juntada do mandado/carta que consta o
recebimento da contrafé, contudo notório pensar que a regra de outrora é a exceção do novo
ordenamento.
Dessa maneira, essas são as três novas formas gerais de início da contagem de prazo para o
oferecimento da contestação. Porém, temos, ainda, o caso de litisconsórcio passivo onde, ocorrendo a
manifestação de todos quanto a desistência da audiência de conciliação ou mediação, cada
litisconsorte terá o controle de seu prazo de contestação, sem relação com os outros réus litisconsortes,
contados a partir de seu respectivo protocolo de desistência.
2.1 O ônus da impugnação específica à inicial
No CPC/2015 permanece a mesma necessidade de impugnação de todos os fatos e argumentos
apresentados na inicial, de forma específica, conforme a dicção do art. 336, que determina a
contestação como o momento de expor “toda a matéria de defesa, expondo as razões de fato e de
direito com que impugna o pedido do autor e especificando as provas que pretende produzir.”
Se a própria letra da lei, como visto acima, determina o ônus da apresentação de toda a matéria
de defesa, impugnando os fatos e o direito que foram alegados pelo autor, há de se ter uma
consequência fática ou material, em caso de ausência de impugnação de algum ponto específico76
,
mesmo com a apresentação da contestação. Consequentemente, mesmo com a apresentação da defesa,
se algum fato não foi devidamente rebatido, será tido como incontroverso ou não impugnado, com a
possibilidade de presumir-se como verdadeiro.
Logo, a impugnação, no momento da defesa, deve ser tratada de maneira precisa e
especificada, com a explanação de todas as espécies de defesas, seja as processuais – direta ou indireta
– ou meritórias, levando à lide toda o arcabouço argumentativo do réu, encerrando ali, de certa
maneira, a fase postulatória para a defesa. De todo modo, ao réu cabe observar, nestes pontos a serem
tratados, o princípio da cooperação e o princípio da boa-fé processual.
Se o art. 336 imputa ao réu a necessidade de apresentar todos os argumentos fático-jurídicos na
contestação, as consequências sobre a não impugnação dos fatos estão dispostas no art. 341, com a
total possibilidade de presunção de veracidade neste caso. Evidente que há situações ressalvadas de
76. “Isso, por óbvio, se ele quiser afastar a procedência da ação processualizada para o caso de os fatos afirmados pelo autor (amparados pelos documentos juntados) serem suficientes para tal, em caso de serem julgados, pelo juiz, como verdadeiros (a considerar que a não apresentação de defesa é ônus e não dever.” MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil Volume
Único. 8a. ed. revisada, ampliada e atualizada. Salvador, Ed. JusPodivm, 2016. p. 487.
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presunção de veracidade quanto a ausência de impugnação: não for admissível, a seu respeito, a
confissão; a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considerar da substância
do ato; e estiverem em contradição com a defesa, considerada em seu conjunto.
2.2 A resposta do pedido possivelmente intrínseco
Um importante e pertinente cuidado que se tem ao tratar sobre a análise e impugnação sobre
todos os pontos da petição inicial é a necessidade de considerar a possibilidade que a mesma contenha
pedido intrínseco, ou seja, aquele que o juízo pode considerar como constante na petição inicial, ainda
que não esteja exposto em tópico específico de pedidos na petição inicial, porém interpretável
considerando o conjunto da postulação e observado o princípio da boa-fé, conforme disposto no
art.322, § 2º do CPC/2015.
Esse ponto é uma verdadeira inovação77
. O juízo pode interpretar o conjunto da postulação e
não somente os tópicos dos pedidos. Desse modo, se houver um pedido intrínseco, no meio dos fatos e
das argumentações, se houver ausência de má-fé, pode, dali, o juízo entender que há um pedido a ser
respondido jurisdicionalmente.
A dúvida pertinente: o réu tem a obrigação de contestar esse pedido? Numa primeira análise,
entender-se-á que sim, contudo, há de se imaginar que essa interpretação é complexa e não deve
imputar uma presunção de veracidade automática e sumária. Como imputar ao réu o ônus de impugnar
algo que não se sabe se realmente é um pedido. E se o réu contestar algo que o autor nem imaginava
que queria, somente passando a entender como possível por causa da contestação? Não há como
imputar ao réu que sempre responda a este pedido intrínseco, já que como a própria semântica da
palavra explica como algo interno a ser interpretado.
Obviamente que dependerá do caso em concreto e da visualização que se tem da petição
inicial, de modo que quanto mais fácil de se visualizar este pedido, maior o ônus de se impugnar,
todavia, entendo que o juízo deve, no momento do saneamento, delimitar se há algum pedido
intrínseco, com a possibilidade de abrir prazo específico para a impugnação deste pedido, para que o
réu tenha a ciência do que tem que impugnar, para que saiba, delineadamente o que contestar. Não há
como imputar uma responsabilidade excessiva ao réu, mesmo coadunando com o princípio da
77. “O § 2º traz novidade no sentido de o pedido dever ser interpretado levando em consideração o conjunto da
postulação e com observância do princípio da boa-fé. A ideia é a de que a compreensão e o alcance do pedido não fiquem necessariamente adstritos à parte final da petição inicial, mas que levem em conta o que justifica a sua formulação observando-se padrões objetivos de conduta. O CPC de 2015 abandona, com isso, a previsão expressa do art. 293 do CPC de 1973 de que os pedidos deviam ser interpretados restritivamente.” BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. 2a. Ed. revisado, atualizado e ampliado. São Paulo: Saraiva. p. 305/306.
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cooperação e boa-fé, deve este saber o que tem de contestar, apesar de totalmente lícito retirar do
conjunto postulatório um pedido ali interpretável, não há como colocar todo o ônus ao réu para que
adivinhe ou interprete o que deve contestar.
Dessa maneira, se houver interpretação possível, o réu pode contestá-la, mas deve o juízo
delimitá-la, concedendo prazo para que o réu especificamente responda-a, a qual, a partir desse
momento, terá as mesmas consequências do art. 341.
3. A OPÇÃO PELA INCLUSÃO DE IMPUGNAÇÕES INCIDENTAIS NO BOJO
DA CONTESTAÇÃO
O CPC/2015 buscou sintetizar todas as alegações processuais dentro do mesmo processo,
retirando as possíveis alegações incidentais apartadas para dentro do mesmo procedimento, tornando-
as incidentes somente materiais dentro daquela demanda, com a necessidade de decisão –
interlocutória ou não – sobre estas, extinguindo-as como incidentes processuais.
A escolha do momento processual correto para estas alegações acabou por ser a contestação,
quando for suscitado pelo réu, os quais veremos os desdobramentos de cada novidade.
3.1 A transferência da alegação de incompetência relativa para a contestação
A alegação de incompetência é uma das preliminares mais importantes, já que o intuito que se
busca é argumentar que àquele juízo não compete julgar a sua demanda, com a necessidade de
declínio da competência para aquele que entende como competente para aquela demanda. Será na
contestação o momento para a alegação de incompetência – absoluta ou relativa78
.
No CPC/73, a preliminar de contestação já era o momento para se alegar a incompetência
absoluta, com a demonstração de que compete aquela juízo a especialidade material daquele objeto
discutido na demanda ou, ainda, pela pessoa em juízo, que a lei prevê que deva ser em um
determinado órgão judicial. Qualquer destas alegações primam por pleitear o declínio daquela
competência por ser absolutamente incompetente. Este momento processual desta alegação já era
possível, desde logo, na contestação pelo réu por ser matéria de ordem pública, podendo ser alegada a
78. “Se alegar incompetência do juízo em que tramita o processo, o réu deverá indicar aquele que
entende por competente. Se a incompetência for relativa e o réu não indicar aquele que entende como sendo, a firmação será e os autos permanecerão perante o juízo originário.Se a alegação for de incompetência absoluta, mesmo que o réu não indique aquele que entende ser competente, o juiz poderá (até porque pode agir de ofício) reconhecer do órgão e remeter para aquele que julgue ter aptidão.” MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil Volume Único. 8a. ed. revisada, ampliada e atualizada. Salvador, Ed. JusPodivm, 2016. p. 484.
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qualquer tempo, o que o art. 6479
do CPC/2015 manteve de maneira idêntica. Então, não havia óbice,
para o réu, em alegar no primeiro momento postulatório80
.
Desse modo, no novel ordenamento, a incompetência absoluta continua a ter a possibilidade de
alegação no mesmo momento – a contestação – com as mesmas consequências processuais e, ainda,
possibilidade de se alegar posteriormente. Não há, portanto, nenhuma novidade de alegação em
incompetência absoluta.
Por outro lado, na incompetência relativa temos uma total novidade, com a extinção da
exceção com a alegação desta matéria como peça autônoma, trazendo-a como inserta a contestação,
como forma de suscitação preliminar desta. Esta espécie de alegação de incompetência passa pela
territorialidade, com a visão de que aquele juízo, mediante a distribuição judiciária e o objeto daquela
lide, não é o juízo competente territorialmente para fazê-lo, pela transação, contrato ou direito impor
uma localidade diferente. Não há alegação, nesta espécie de incompetência, de impossibilidade de
julgamento pessoal ou materialmente, mas de que há um juízo igualmente competente na matéria ou
na pessoa em juízo, contudo que sua competência coaduna com o objeto posto em juízo, com a
necessidade do declínio de competência para tanto.
No CPC/73, como já vimos, esta alegação era realizada em peça autônoma, como uma espécie
diferente de resposta do réu, denominada exceção, a qual foi extinta com a nova lei processual,
estipulando que o momento correto deve ser como preliminar de contestação, de modo idêntico a
estipulada para a alegação absoluta. Não há, portanto, diferença no momento de alegação entre as
espécies de incompetências, seja ela absoluta ou relativa, somente com a diferença de que a absoluta
não guarda a preclusão, já que é matéria de ordem pública, possibilitando ser suscitada
posteriormente, já a relativa tem relação formato preclusivo, o qual ocorrerá a prorrogação81
da
competência caso não seja, neste momento, alegada.
3.1.1 A distribuição da contestação: uma novidade na alegação de incompetência
79. Art. 64. A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação. § 1o A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser
declarada de ofício. § 2o Após manifestação da parte contrária, o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência. § 3o Caso a alegação de incompetência seja acolhida, os autos serão remetidos ao juízo competente. § 4o Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente. 80. Enunciado n. 238 do FPPC: O aproveitamento dos efeitos de decisão proferida por juízo incompetente aplica-se tanto à competência absoluta quanto à relativa. 81. “Havendo para uma determinada situação uma regra modificadora da competência, o órgão jurisdicional
que era abstratamente incompetente poderá no caso concreto se tornar competente, enquanto aquele apontado como competente pela regra determinadora tornar-se-á concretamente incompetente. Além disso, a prorrogação também se aplicará na consolidação de um órgão jurisdicional competente para o julgamento de diversos processos que antes da prorrogação competiam a outros órgãos jurisdicionais, como ocorre na reunião de processos em virtude da conexão.” NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil –
Lei 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015. p. 323
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Existe uma grande novidade pragmática no procedimento da apresentação da contestação
quando houver, pelo réu, a alegação de incompetência, seja a relativa ou a absoluta, se entender como
pertinente, pode optar por protocolar a contestação no juízo que entender como competente, o que
gera uma estranheza processual possível: a distribuição da contestação.
Com este protocolo, somente da contestação, sem uma inicial naquela comarca ou juízo, esta
deve ser distribuída, com a escolha de juízo – dentre aqueles que o réu entende como competente –
que, ao receber a contestação, deve, de pronto, proceder a informação ao juízo da causa, por e-mail. É
interessante e seguro, por cautela processual, que o réu também o faça, via petição a juízo da causa a
qual foi citado.
Esse procedimento está regulamentado pelo art. 340, com a necessidade do juízo que recebeu a
contestação proferir uma decisão sobre a sua competência. Em caso de declínio da competência, este
remete os autos para a ação já existente, naquele órgão que já detém a inicial, prosseguindo por lá esta
demanda. O prazo do protocolo da contestação será o inerente aquele realizado na vara que o réu
entendia competente.
Por outro lado, se o juízo que recebeu a contestação entender-se como o competente para a
demanda, decide por avocar os autos, com a informação para o juízo originário sobre esta decisão.
Com o recebimento desta informação, este juízo – que originalmente teve a inicial distribuída – deve
decidir, podendo, se entender que realmente aquele que recebeu a distribuição da contestação é o
correto, declinar da competência e remeter os autos para aquele juízo.
Todavia, se o juízo que recebeu a inicial entender que é o competente – absoluta ou
relativamente, há aqui um conflito positivo de competência, devendo este suscitá-lo ao tribunal
competente.
Enquanto esse imbróglio processual sobre a competência não se resolve, não há aqui meios de
continuar com o processo, com a necessidade da suspensão de eventual audiência e demais atos até a
resolução, os quais serão remarcados após a decisão sobre tal desiderato.
O intuito desta inovação pela distribuição da contestação passa por possibilitar ao réu que o
juízo que entende como competente possa decidir se concorda ou com esta alegação, não ficando
somente com a decisão daquele que a inicial foi distribuída. Num prisma processual em que a decisão
de incompetência não se enquadra no rol das agraváveis por instrumento, a saída foi permitir que o réu
possa se valer do juízo que entende como competente para opinar/decidir sobre a matéria, não
restando somente naquele na qual foi distribuída a inicial.
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3.2 A impugnação ao valor da causa como preliminar processual da contestação
Ao tratar sobre a matéria do valor da causa82
, o CPC/2015, através do artigo 29283
e seus
incisos, nos traz algumas novidades em relação ao CPC/1973 como, por exemplo, a necessidade de
inclusão do valor pretendido nas ações indenizatórias fundadas em dano moral, ou mesmo a inclusão
expressa da reconvenção no caput do referido artigo.
De igual forma, o art. 293 também trouxe significativas alterações quanto a forma de
impugnação ao valor da causa. Enquanto no CPC/73 este procedimento, embora realizado no prazo da
contestação, era processado através de incidente processual, em peça apartada, autuada e apensada
junto ao processo principal, já com o advento do CPC/2015 este procedimento foi simplificado,
passando a impugnação do valor da causa a ser arguida através de preliminar processual da
contestação.
Sai um procedimento específico e autônomo processualmente, pouco utilizado pela sua
complexidade, para inserir como uma matéria incidental na contestação, o que deve facilitar a
utilização processual de tal ferramenta e verificar-se maior incidência nos processos que vierem a ser
contestados na vigência do novo ordenamento. Ao inserir como matéria a ser alegada no corpo da
defesa, certamente há uma facilidade que deve ser explorada com maior incidência e ênfase.
Há de se ressaltar, ainda, que a ausência de arguição de impugnação ao valor da causa nas
preliminares de contestação, incorrerá na preclusão desta matéria. Ou seja, não somente é o momento
correto para tal desiderato, bem como a ausência desta, significa que o réu consente com o valor
atribuído à causa pelo autor.
Por outro lado, caso ocorra a arguição e o juízo decida, após o devido contraditório, por acatar
o pedido de impugnação do valor da causa, este será corrigido, com a devida intimação do autor, para
complementação das custas anteriormente recolhidas, se o valor decidido judicialmente for a maior.
82. “O art. 291 do Novo CPC estabelece que “a toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediatamente aferível”. Desse modo, ainda que o bem material objeto da pretensão do
autor não tenha um valor economicamente aferível, é necessária a indicação de valor à causa, ainda que seja calculado de forma meramente estimativa.” NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo
Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015. p.770 83. Art. 292. O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será: I - na ação de cobrança de dívida, a soma monetariamente corrigida do principal, dos juros de mora vencidos e de outras penalidades, se houver, até a data de propositura da ação; II - na ação que tiver por objeto a existência, a validade, o cumprimento, a modificação, a resolução, a resilição ou a rescisão de ato jurídico, o valor do ato ou o de sua
parte controvertida; III - na ação de alimentos, a soma de 12 (doze) prestações mensais pedidas pelo autor; IV - na ação de divisão, de demarcação e de reivindicação, o valor de avaliação da área ou do bem objeto do pedido; V - na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; VI - na ação em que há cumulação de pedidos, a quantia correspondente à soma dos valores de todos eles; VII - na ação em que os pedidos são alternativos, o de maior valor; VIII - na ação em que houver pedido subsidiário, o valor do pedido principal.
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No entanto, não há previsão sobre devolução de valores pagos a maior, contudo não vejo óbice no
pedido neste sentido.
3.3 A inclusão na contestação da impugnação à concessão indevida do benefício
da justiça gratuita ao autor
O pedido da concessão do benefício da justiça gratuita84
era baseado na Lei n. 1.060/50, agora
esta matéria está regulamentada a partir do art. 98 do CPC/2015, sem a necessidade de utilizar-se a lei
específica, até pela revogação dos seus dispositivos sobre a esfera cível.
Uma vez pleiteado na inicial e concedido o pedido de tal benefício pelo juízo, ao réu cabe, se
entender pertinente, a impugnação à concessão indevida do benefício da justiça gratuita, a qual terá o
momento de alegação processual de maneira inserta na contestação. Nos moldes anteriores, arguia-se
a forma indevida da referida concessão através de peça específica e autuada em apartado ao processo
principal.
A partir da vigência do CPC/2015, esta arguição passa a ser realizada através de preliminar de
contestação, possibilitando, assim, a abertura de um tópico onde serão apresentados os argumentos
quanto a capacidade financeira do autor, bem como oferecendo o pedido de impugnação à gratuidade
deferida ao autor85
, configurando o art. 100 como mais um exemplo de opção pela inclusão de
impugnação incidental no bojo da contestação, além de trazer a questão da justiça gratuita ao
CPC/2015.
Com a arguição realizada na contestação, com o contraditório existente pela réplica, o juízo
deve decidir pela manutenção ou não deste benefício na decisão de saneamento, optando pela
manutenção de tal concessão ou, se for pertinente, da revogação desta. Somente caberá agravo de
instrumento da decisão que indeferir o pleito pela concessão ou daquela que revogá-la.
A contestação é o momento, ainda, através do art. 99, possível para o réu realizar, caso seja
necessário, seu requerimento de para concessão do benefício da justiça gratuita.
O legislador reforçou que a concessão deste benefício deve ser desamarrada de comprovações,
com a presunção de veracidade86
, como disposto no art. 99, § 3º, se a alegação de insuficiência for
84. “benefício da justiça é, como dito, a dispensa do adiantamento de despesas processuais, para o qual se exige a tramitação de um processo judicial, o requerimento da parte interessada e o deferimento do juízo perante o qual o processo tramita.” DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da justiça
gratuita. 6. ed. Salvador: Editora Juspodvim, 2015, p. 24 85. “Incumbe àquele que impugna o deferimento do benefício o ônus de provar que o benefício não fazia jus à dispensa ou que deixou de fazê-lo com o passar do tempo.” DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da justiça gratuita. 6. ed. Salvador: Editora Juspodvim, 2015, p. 85 86. “Assim, à pessoa natural basta a mera alegação de insuficiência de recursos, sendo desnecessária a produção de provas da hipossuficiência financeira. A alegação presume-se verdadeira, admitindo-se, contudo,
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deduzida exclusivamente por pessoa natural. Se por um lado a concessão deve ser facilitada,
corroborando com o entendimento da doutrina e, indo de encontro com boa parte da jurisprudência, a
revogação passa a ser facilitada, com a existência de um caminho mais fácil, descomplicado e célere,
o que torna sua alegação mais plausível diante do cotidiano das demandas.
3.4 A nova forma de alegação de ilegitimidade passiva
Outra novidade nas alegações preliminares na contestação corresponde aos procedimentos para
alegação de ilegitimidade passiva, que conforme orientações contidas nos art. 338 e 33987
, além do
dever em ser arguida em preliminar de contestação, deve conter a indicação daquele que seja o real
legítimo passivo daquela demanda, ou, aquele que o réu entende como provável legítimo88
.
Neste ponto, verificamos a inovação trazida pelo caput do art. 339, ao dispor que, além de
alegar sua ilegitimidade passiva, incumbirá ao réu, ainda, indicar ao juízo, sempre que tiver
conhecimento, o sujeito passivo legítimo para figurar a relação jurídica discutida, sob pena de arcar
com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação. É
a plena manifestação do princípio da cooperação, imputando ao réu, sempre que souber quem deve ser
o réu legítimo, que o faça em sua defesa. Não basta somente alegar que não é interligado ou
responsável com o objeto daquela demanda, deve indicar quem deveria estar em seu lugar no polo
passivo.
Evidentemente que, apesar de ser uma obrigação, se o réu realmente não souber quem é o
indivíduo que deveria lhe substituir na condição passiva da demanda, deve, fundamentadamente89
,
explicitar isto na sua contestação, sob pena, como já visto, de sanções.
que cesse por prova em contrário produzida pela parte adversa ou em razão de investigação feita de ofício pelo juiz.” SILVA, Ticiano Alves e. O beneficiário da gratuidade da justiça no novo cpc. http://portalprocessual.com/o-beneficiario-da-gratuidade-da-justica-no-novo-cpc/ - Acessado dia 22 de junho de 2016.
87. Art. 338. Alegando o réu, na contestação, ser parte ilegítima ou não ser o responsável pelo prejuízo invocado, o juiz facultará ao autor, em 15 (quinze) dias, a alteração da petição inicial para substituição do réu. Art. 339. Quando alegar sua ilegitimidade, incumbe ao réu indicar o sujeito passivo da relação jurídica discutida sempre que tiver conhecimento, sob pena de arcar com as despesas processuais e de indenizar o autor pelos prejuízos decorrentes da falta de indicação. 88. “São casos em que, pelas circunstâncias do caso, o réu tem conhecimento de quem seja o legitimado passivo (art. 339, caput, CPC).” DIDIER Jr. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do
processo e processo de conhecimento. 17 ed. Salvador. JusPodivm. 2015., p. 647. 89. “O réu que alegar sua ilegitimidade mas deixar, injustificadamente de apontar quem seria a parte legítima para compor o polo passivo da lide, além de não ter suas despesas reembolsadas, será obrigado a indenizar o autor pelo prejuízo decorrente da falta de indicação.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários
ao novo código de processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015., p.593
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A alegação da ilegitimidade passiva ganhou, portanto, um novo realce e requisito, a
necessidade de imputar-se quem deve estar em seu lugar90
. Quando o réu realizar tal alegação, com a
devida indicação, o art. 338 preconiza que o juízo facultará ao autor realizar a alteração na petição
inicial para substituição do réu, no prazo de 15 dias.
Entendo que o momento correto para o exercício de tal faculdade pelo autor deva ser na réplica
à contestação, quando houver. Se a contestação na enquadrar-se em nenhuma outra hipótese que
enseje a possibilidade da réplica, deve ser oportunizado o prazo somente para tal manifestação.
O autor, diante de tal alegação, tem três opções para escolher: manter o réu que alega a
ilegitimidade na lide; acolher a sugestão do réu, substituindo-o pelo indicado, com a prolação de uma
decisão de extinção parcial, somente em relação àquele réu originário; optar pela formação de um
litisconsórcio passivo, com a manutenção do réu originário e a inclusão do indicado como novo réu.
Uma vez realizada a escolha, de acordo com a vontade do autor, o juízo deve acatar91
o que foi
decidido e o prosseguimento nestes termos, com a ciência de que o exercício da faculdade pelo autor
de maneira incorreta pode gerar mais adiante uma sentença de extinção ou uma sucumbência maior
em relação a uma das partes.
De todo modo, a possibilidade da correição do polo passivo no meio da demanda é uma
manifestação do princípio da primazia ao julgamento de mérito, com o intuito de aproveitar-se ao
extremo aquele processo, tergiversando formalidades para possibilitar a correição de atos e partes para
uma melhor prestação jurisdicional.
90 “Se houver a alegação de ilegitimidade passiva, é dever do réu, de acordo com o artigo 338, indicar qual seria o verdadeiro réu para estar naquela demanda. Evidente que somente há de se cobrar do réu essa imputação, se for nítido ou facilmente verificável que o atual réu tem como saber quem é o verdadeiro responsável pelo conflito de interesses. Sem essa ciência sobre a questão, não há como imputar essa
responsabilidade ao réu quando fizer a alegação de ilegitimidade. Evidente que se réu escolhe pela ilegitimidade, se não souber quem seria o possível réu a ser indicado, deve fundamentar a impossibilidade de ciência de tal desiderato. Não há como simplesmente alegar a ilegitimidade passiva, sem imputar o indivíduo que deveria responder como réu ou não alegar a impossibilidade de ter conhecimento de quem seria o réu a ser citado no processo.” LEMOS, Vinicius Silva. A Extinção da Nomeação à Autoria como Intervenção de Terceiro e a Nova Forma Procedimental de Correção do Polo Passivo. In: Fredie Didier Jr., Lucas Buril de Macêdo, Ravi Peixoto, Alexandre Freire. (Org.). Coleção Novo Cpc - Doutrina Selecionada - Parte Geral.
2aed.Salvador - BA: JusPODIVM, 2016, v. 1, p. 1235-1251. p. 1.241/1.242 91 “Dessa forma, retirou-se do juiz o encargo da decisão judicial para a questão, com a facilidade processual de colocar como faculdade do autor para o próximo passo processual, com uma amplitude de possibilidades e com consequências futuras. Sem liberdade decisória, se o autor escolher por qualquer das opções, o juiz percorre esse caminho, com a formatação processual conforme a imaginada como adequada pelo autor. Sem uma decisão livre sobre a entrada ou não do terceiro indicado pelo réu como o legitimado para responder aquela demanda, esta fase passa a ser um mero procedimento de correção processual, sem enquadrar-
se no rol das intervenções de terceiro. Todos os institutos intitulados desta forma são precedidos de uma decisão judicial fundamentada com a admissão ou inadmissão da inclusão do terceiro à lide.” LEMOS, Vinicius Silva. A Extinção da Nomeação à Autoria como Intervenção de Terceiro e a Nova Forma Procedimental de Correção do Polo Passivo. In: Fredie Didier Jr., Lucas Buril de Macêdo, Ravi Peixoto, Alexandre Freire. (Org.). Coleção Novo Cpc - Doutrina Selecionada - Parte Geral. 2aed.Salvador - BA: JusPODIVM, 2016, v. 1, p. 1235-1251. p. 1.241/1.242
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3.5 A alegação da prejudicial de mérito e a coisa julgada incidental
De igual maneira, também em preliminares, pode o réu alegar as prejudiciais de mérito92
,
matérias que são incidentais à demanda, mas que influenciam e impactam de sobremaneira o processo
em seu mérito, não podendo deixar de serem analisadas.
Estas alegações não são o mérito do processo, mas guardam total interligação com este,
prejudicando a análise de fundo enquanto não sobrevier a incidental. E a importância dessa alegação é
enorme, justamente por ter o CPC/2015 a alterado, neste ponto, a formação da coisa julgada, com a
ampliação para esta questão prejudicial discutida no processo.
Diferentemente do que o CPC/73 determinava com somente a parte dispositiva alcançada pela
coisa julgada, há, no CPC/2015, uma ampliação para a fundamentação, quando esta resolver questão
incidental. O que for alegado na contestação, ainda que de forma incidental e influenciante ao mérito,
tem o condão, agora, de fazer coisa julgada material, desde que cumpra os requisitos legais previstos
no art. 503, § 1º, que são: dessa resolução depender o julgamento do mérito; a seu respeito tiver
havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; o juízo tiver competência
em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.
Essa alteração é pertinente para que as decisões sobre questões incidentais, as quais não são o
mérito, mas que delas dependem a resolução deste, possam, de igual forma, transitar em julgado,
tornando-se, também, imutável93
. Evidente que, como vimos acima, depende de influenciar
diretamente o julgamento de mérito, guardar a mesma competência daquele juízo entre ambas as
matérias – incidental e de mérito – e, ainda, um contraditório prévio e efetivo94
.
92 “Prejudiciais, por seu turno, são questões (de direito material ou processual) que influenciam a resolução do
mérito. Não impedem nem postergam o exame do mérito, mas condicionam, de certo modo, o sentido no qual ele deve ser resolvido. Orientam, assim, o modo de ser (e não o ser) da questão principal. Trata-se a prejudicial, portanto, não de qualquer questão prévia, mas apenas daquela que se caracterizar como um antecedente lógico e verdadeiramente necessário à solução do mérito (v.g., definição sobre a paternidade,
em caso de “ação de alimentos”, ou sobre a validade do contrato,em demanda condenatória ao cumprimento de obrigação contratual).” REDONDO, Bruno Garcia. Questões prejudiciais e limites objetivos da coisa julgada no novo CPC. Revista de Processo, São Paulo: RT, a. 40, v. 248, out. 2015, p. 43-67. p. 47.
93 “O novel diploma passou a permitir a formação de coisa julgada material inclusive sobre questões prejudiciais que não tenham sido objeto de pedido da parte. Em outras palavras, as questões prejudiciais ganham aptidão para se tornarem objeto de coisa julgada mesmo que não sejam transformadas em principais, desde que tenham sido expressamente debatidas pelas partes, apreciadas incidentalmente por
juízo dotado de competência absoluta para resolvê-las (caso fossem apresentadas como questões principais) e inexistam restrições probatórias ou limitações à cognição para o aprofundamento do debate sobre dita questão.” REDONDO, Bruno Garcia. Questões prejudiciais e limites objetivos da coisa julgada no novo CPC. Revista de Processo, São Paulo: RT, a. 40, v. 248, out. 2015, p. 43-67. p. 49.
94 “A extensão da coisa julgada à resolução da questão prejudicial incidental pressupõe que tenha havido contraditório prévio e efetivo sobre essa questão prejudicial (art. 503, §1º, II). É fundamental lembrar que o
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Essa efetividade do contraditório é a possibilidade de manifestação, com a devida intimação
para tanto, não necessariamente que a parte tenha que se manifestar.
3.6 A transformação da reconvenção em uma matéria interna da contestação
No CPC/2015, a reconvenção deixou de ser uma espécie de resposta do réu autônoma na fase
postulatória no processo, passando a ser uma matéria de alegação interna da contestação. Sai a figura
da reconvenção/resposta do réu e entra a reconvenção/argumentação do réu. Uma diferença para
melhorar o rito processual e diminuir a complicação do andamento procedimental em caso da
proposição da reconvenção.
Não há mudança no que seria, materialmente, a reconvenção, continuando a ser a possibilidade
do réu, de acordo com o art. 343, propor, dentro daquela demanda da qual é réu, uma nova ação, sobre
a qual guarda conexão com a ação principal ou com os fundamentos que arguiu na defesa.
A reconvenção é, portanto, uma ação dentro daquela originária, para que não haja uma nova
demanda apartada. Já existia a reconvenção no CPC/73, somente com a diferença de que era oferecida
como uma resposta do réu apartada, com protocolo conjunto à contestação, dentro da mesma
demanda, mas com peças totalmente autônomas, com a tentativa de conduzir peças de dois processos
em um só rito.
Ao pensar, o CPC/2015, na reconvenção somente como uma matéria inserta a contestação, o
intuito passa por diminuir as peças processuais, numa tentativa de simplificação do rito processual,
apesar de não produzir esta simplicidade quanto à matéria. De certa maneira, o processo se torna mais
fácil de entender, pela menor quantidade de peças, contudo, materialmente, as peças se tornam mais
complexas.
Ao reconvir, o réu passa a também ser o autor da demanda, com um pedido que deve ser
julgado, ensejando a necessidade de prosseguimento da demanda, mesmo se a principal contiver a
desistência. Há, assim, uma independência entre a demanda inicial e a reconvenção interna da
contestação.
Quanto a sentença, o CPC/2015 não mais dispõe quanto ao dever de que a reconvenção seja
julgada junto a ação principal, como era disposto no CPC/73, em seu art. 318. Considera-se, então, a
possibilidade de decisão parcial com ou sem mérito, inclusive sendo o indeferimento liminar da
reconvenção uma das possibilidades de cabimento do recurso de agravo de instrumento.
contraditório efetiva-se com a garantia de participação no processo e o poder de influência – o conjunto de direitos processuais que permitem que a parte convença o órgão julgador sobre a procedência de suas alegações.” DIDIER JR, Fredie. Extensão da coisa julgada à resolução da questão prejudicial incidental no novo Código de Processo Civil brasileiro. Civil Procedure Review, v.6, n.1: 81-94, jan-apr., 2015, p. 88
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3.5.1 A contestação como uma peça de contra-ataque
Ao inserir a reconvenção como matéria de contestação, esta peça ganha uma forma dupla e
diferente sendo, ao mesmo tempo, uma resposta as alegações contidas na inicial e, também, um
contra-ataque, onde ora se defende, ora argumenta pedido, o que é uma grande novidade.
A contestação, dessa maneira, ao comportar também a matéria da reconvenção, muda a sua
própria conceituação básica, deixando de ser somente a peça de defesa do réu, para ser um momento
processual com uma amplitude maior de possibilidade, a qual, dentre elas, persiste a de contra-atacar,
saindo daquela argumentação passiva negativa95
.
Na prática, a peça conteste se dividirá em dois momentos diversos: defesa e ataque. A
apuração técnica da contestação deve ser bem mais aguçada no novel ordenamento, para delinear de
maneira clara, o momento em que o réu se defende e, de igual maneira, bem delineado o momento em
que passa a argumentar o ataque fático-jurídico.
3.5.1.1 A novidade do pedido inicial incluso na contestação pelo seu novo formato
reconvencional
Se a reconvenção é matéria interna, como já vimos, da contestação, após a sua devida
exposição sobre os fatos conexos à ação principal e aumentados para a reconvenção, bem como a
construção de uma argumentação jurídica própria. Todavia, a contestação não deve ter tão somente
esta fundamentação exposta, mas, principalmente, a inserção de pedidos ativos, aqueles que colocam
o réu na condição de autor desta parte reconvencional.
Sem o pedido de contra-ataque, não há a reconvenção, ainda que haja pela argumentação como
acima exposto. Há a necessidade da existência clara de um pedido de reconvenção, sem o qual não se
consegue retirar que daquela peça de contestação exista uma nova demanda, um novo pedido96
.
Mesmo que o réu não divida a sua peça em tópicos diferenciados sobre a defesa e o ataque,
podendo, construir a sua argumentação conjuntamente, nos pedidos deve ter claramente essa
95 “O caput do art. 343 deixa claro que a iniciativa será feita na própria contestação (na mesma peça escrita/impressa ou arquivo digital) e não em petição avulsa, ainda que a reconvenção não pressuponha a
apresentação da contestação (§ 6º).” BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. 2a. Ed. revisado, atualizado e ampliado. São Paulo: Saraiva. 2016. p. 327. 96 Enunciado n.º 45 do FPPC: Para que se considere proposta a reconvenção, não há necessidade de uso desse nomen iuris, ou dedução de um capítulo próprio. Contudo, o réu deve manifestar inequivocamente o pedido de tutela jurisdicional qualitativa ou quantitativamente maior que a simples improcedência da demanda inicial.
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diferenciação, entre aqueles passivos em resposta à inicial e aqueles ativos com a proposição de uma
nova demanda.
3.5.1.2 A resposta da reconvenção passa a ser a réplica a contestação
No CPC/2015, a resposta à reconvenção persiste a existir, porém, não será uma contestação,
como dantes, mas será, de igual forma, interna também da réplica à contestação, tendo esta, o prazo de
15 dias, sobre a qual também existirá a necessidade do autor, agora reconvindo, em responder o
alegado na contestação/reconvenção com ônus de impugnação específica.
Portanto, se a reconvenção deixa de ser uma peça autônoma de resposta do réu, a defesa do
autor em relação a esta alegação deve ser realizada inserta na réplica a contestação, sendo, ao mesmo
tempo, impugnativa ao que o réu se defendeu em relação da inicial, bem como contestatória ao que o
réu alegou e pleitou como autor da reconvenção. A réplica passa a ter dupla função quando houver a
resposta à reconvenção.
3.5.2 A possibilidade autônoma de reconvenção
O art. 343 prevê que a reconvenção deve ser inserta na contestação, imaginando que o
procedimento será mais célere e simplificado desta maneira, porém, há o único caso em que a
reconvenção permanece a ser independente e autônoma à contestação, será quando o réu não oferecer
a peça conteste, o que perfaz a possibilidade de termos uma peça meramente da reconvenção.
Somente nesta hipótese que o réu deve interpor em peça autônoma a reconvenção, pelo
simples fato de que não há a contestação, levando a necessidade da argumentação da reconvenção em
peça apartada, nem que seja, em termos de nomenclatura, chamada de contestação, mas com matéria
somente de reconvenção.
O que não se pode proceder é o protocolo da reconvenção como uma peça separada da
contestação, o que gera a preclusão consumativa com a interposição da primeira peça e,
consequentemente, acarretaria a não aceitação da segunda peça, independente de qual foi a primeira e
a segunda peça a ser protocolada.
3.5.3 A possibilidade de ampliar os polos na reconvenção
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Outra novidade da alegação da reconvenção é a possibilidade de inclusão de terceiros, seja
junto ao réu – aquela que reconvém – ou junto à autora – que sofre a reconvenção – criando dessa
forma um litisconsórcio que não existia97
.
O intuito é não limitar a possibilidade de se pleitear e resolver todas as demandas entre as
partes originárias, ainda que envolva outros atores que não estavam inseridos na demanda originária,
não será pela falta destes terceiros na inicial que as matérias que necessitem da presença destes não
possam ser arguidas e trazidas na reconvenção. Entretanto, este litisconsorte – seja ativo ou passivo na
reconvenção – não alcança o pedido anterior formulado na inicial.
3.6 A alegação de convenção de arbitragem: uma manutenção indevida na
contestação
A manutenção da alegação de convenção de arbitragem na peça de contestação é um assunto
que tem gerado inúmeras criticas98
, as quais se pautam em função de não deveria ser a contestação o
momento mais apropriado para tal desiderato.
A convenção de arbitragem persiste quando as partes firmaram um pacto compromissório de
arbitragem, se uma delas intentar com a demanda em juízo, a outra, agora como ré, pode alegar a
validade daquela cláusula contratual. O ônus da alegação da existência desta cláusula é do réu, no
silêncio sobre a matéria na contestação, a competência está prorrogada automaticamente.
97 “Assim, compete ao réu propor reconvenção para manifestar pretensão própria, conexa com a ação principal ou com o fundamento de defesa (caput), sendo cabível a reconvenção em face do autor e de terceiro (§ 3º) e também que o réu litisconsorcie-se com terceiro para reconvir (§ 4º), Agindo o autor como substituto
processual, a reconvenção deve ter como fundamento relação relacionada ao substituído, ainda que o autor mantenha o status de substituto processual para a reconvenção (§ 5º)” BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. 2a. Ed. revisado, atualizado e ampliado. São Paulo: Saraiva.p. 327. 98 “A existência de convenção de arbitragem deveria ser deduzida em petição autônoma, na audiência de
conciliação ou mediação, ou, caso essa não viesse a ocorrer, no momento em que o réu manifestasse desinteresse em sua realização, ou, ainda, no prazo da contestação, caso a audiência não tenha sido designada por outra razão. Em todas essas hipóteses, essa petição teria o efeito de interromper o prazo para
contestar (desde que instruída com a convenção de arbitragem), que voltaria a correr, por inteiro, somente após a intimação da decisão rejeitasse a alegação de convenção de arbitragem (evidentemente, pois, em caso de acolhimento, não haveria que se falar sequer em momento para contestar, com a extinção do processo sem resolução de mérito). Deste modo, evitar-se-ia que o réu fosse forçado a adiantar o mérito da matéria que pretendesse ver deduzida no juízo arbitral (meritum causae). Deveria ele apenas formular a petição autônoma, instruindo-a obrigatoriamente com o instrumento da convenção de arbitragem (sob pena de rejeição liminar, podendo, inclusive, vir a ser considerado revel, em caso de descumprimento dessa
exigência), tecendo as razões que entendesse pertinentes, repita-se, apenas e tão somente com relação à competência do juízo arbitral, sem a necessidade de adentrar o mérito. O juiz, então, ouviria a parte contrária apenas quanto à alegação de convenção de arbitragem, decidindo a questão.” RODOVALHO, Thiago. CPC perdeu chance de colocar Brasil na vanguarda em processos com arbitragem.
http://www.conjur.com.br/2016-mai-15/thiago-rodovalho-cpc-perdeu-chance-avancar-arbitragem-brasileira Acessado dia 23 de junho de 2016.
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Com a visualização da convenção de arbitragem como uma espécie de negócio jurídico
processual, a alegação desta matéria não deve ser notadamente na contestação, podendo ser alegada a
qualquer momento, sobretudo anterior a própria, para que nem tenha a necessidade de contestar, já
que pela regra embutida no art. 190 – aquele que versa sobre os negócios jurídicos processuais, podem
ser alegados durante o processo e, pode-se interpretar o durante, qualquer momento anterior a
contestação também.
Dessa maneira, correta seria a inserção da possibilidade da alegação da convenção de
arbitragem até a contestação, e, não somente na contestação. Um detalhe importante.
Ao prever que esta arguição seja alegada apenas nas preliminares de contestação, que possui
seu prazo de interposição de 15 dias contados a partir da audiência de conciliação ou mediação, da
última sessão de mediação ou do protocolo de pedido de cancelamento destas audiências pelo réu, este
procedimento possibilita que, caso verificada a existência da convenção de arbitragem, o processo seja
extinto sem resolução do mérito, mas que esta extinção ocorra somente meses após interposta a ação
e, impondo a necessidade do réu se defender também do mérito, uma incongruência com o instituto da
arbitragem.
3.7 A manutenção da alegação das demais preliminares
O réu, antes de entrar no mérito, pode realizar alegações preliminares, seja no intuito de
defender-se com alegações de matérias processuais para a regularização da demanda ou até para a
extinção desta.
O rol de preliminares encontra-se, agora, no art. 337, onde podemos observar que foram
apenas ampliadas, mantendo-se todas as preliminares que já existiam no CPC/1973, mas inserindo
novas possibilidades, abarcando questões que outrora não eram matéria de contestação, conforme as
explanações anteriormente realizadas. Sobre as que foram mantidas, explanamos cada uma abaixo:
Inexistência ou nulidade da citação – esta alegação perfaz a existência de um vício na citação que
geraria a sua inexistência ou nulidade. Se o réu contestou, de certa forma, supriria esse vício, contudo é
importante analisar essa possibilidade como uma alegação pertinente tanto para uma contestação
protocolada a princípio fora do prazo, bem como para determinar-se corretamente a citação, para fins
de data correta da citação, o que pode ter reflexo em liminares, multas, obrigações de fazer etc.
Inépcia da inicial – sobre a inépcia o réu pode, na contestação, alegar que a petição inicial contém
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| Voltar ao sumário 112 Aspectos polêmicos do novo CPC
algum dos vícios inerentes do artigo 330, § 1º99.
Perempção – esta hipótese acontece quando, por um mesmo objeto, o autor já demandou três vezes
contra o réu, mesmo sem o julgamento de mérito, o que impossibilita que nova demanda – uma quarta
ação – seja intentada pelo mesmo motivo. Nesta, se houver, pode ser alegada a perempção.
Litispendência e coisa julgada – estas duas preliminares devem ser explicadas juntas, apesar de serem
institutos separados e com alegações independentes. Entretanto, existe uma relação entre a alegação de
litispendência e a coisa julgada. Ambas tem um conjunto explicativo idêntico, mudando somente o
lapso temporal. O § 2º do art. 337, explica que “uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas
partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido”, a diferença recai que a litispendência, como o § 3º
explica, ocorre quando a ação está em curso, já a coisa julgada ocorre quando uma das ações já está
decidida e transitada em julgado e a outra em curso, corroborada pela dicção do § 4º do mesmo artigo.
Conexão – esta hipótese ocorre quando duas ou mais ações têm o mesmo objeto ou causa de pedir
idênticas, mas com pedidos diferentes. Qual seria a diferença para a litispendência? Nesta hipótese, não
existe identidade de pedidos, mas somente dos fatos e objeto ali alegado, sobre os mesmos
acontecimentos, mas com pedidos diferentes, porém com a mesma necessidade de uma decisão
conjunta e no mesmo sentido da resolução fática. Não gera a extinção, somente a redistribuição de uma
das ações para ser julgada em conjunto com a outra.
Incapacidade de parte, defeito de representação e falta de autorização – essas hipóteses são
aspectos de uma defesa processual, quando se aponta que o autor não tem capacidade para estar em
juízo, ou que sua representação está com um defeito, uma falta de procuração ou com pedido fora dos
poderes que se permite naquele ato ou, ainda, que não existe autorização legal para caso específico em
que a lei assim determina, como no exemplo da falta de autorização de um cônjuge quando a ação
versar sobre direito real inerente a ambos.
Falta de caução ou prestação que a lei exige – em determinadas espécies de demanda, a lei exige que
seja realizada uma caução para que seja possível a judicialização ou qualquer outra prestação, como,
por exemplo, o depósito de prestações incontroversas, o que, não existente ou descumprida, pode ser
um vício processual para o prosseguimento da demanda, plenamente alegável pelo réu.
Em regra, as matérias existentes no art. 337 são de ordem pública, podendo ser conhecidas e
suscitadas pelo juízo, mesmo sem a alegação pelo réu, exceto a incompetência relativa e a convenção
de arbitragem. Contudo, existe a necessidade do juízo, quando suscitar de forma oficiosa a matéria,
que o faça propiciando as partes a manifestação, de acordo com o artigo 10o, e cumprindo um
contraditório efetivo, substancial e influenciante.
99 Art. 330. (…) § 1º Considera-se inepta a petição inicial quando: I - lhe faltar pedido ou causa de pedir; II - o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; III - da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; IV - contiver pedidos incompatíveis entre si.
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3.8 As alegações de mérito
Como o próprio art. 336 preconiza, a contestação é o momento do réu construir e apresentar
toda a sua defesa fática e jurídica100
. Ultrapassadas as questões preliminares, quer sejam processuais
ou prejudiciais, o réu deve defender-se no mérito, impugnando as questões da inicial com o ônus da
impugnação específica dos fatos, como já vimos, e criando uma argumentação jurídica condizente
para embasar a sua tese contrária aqueles elencados pelo autor em sua inicial.
3.8.1 O momento da alegação sobre fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do
autor
O réu, em sua contestação, também pode apresentar um arcabouço fático diverso daquele que o
autor trouxe ao conhecimento na demanda, não somente rebatendo a sua versão daqueles que já estão
dispostos na inicial.
Dessa maneira, sobre os fatos, o réu deve apresentar a sua defesa sobre aqueles apresentados
na inicial, com a sua versão, bem como pode apresentar novos fatos que primam por impedir,
modificar ou extinguir o direito do autor. Estes últimos não constam do conjunto fático da demanda
ainda, já que não foram apresentados pelo autor, o que necessita, pela argumentação do réu de
comprovação.
Se o réu fundamenta sua defesa na existência de um fato diferente daqueles apresentados na
inicial, contrariando o direito ali reivindicado pelo autor, deve realizar a prova de tal alegação fática,
como, por exemplo, alega que realizou o pagamento da dívida numa ação de cobrança, imputando
para si o ônus de provar tal fato, trazendo o comprovante ao processo.
Qualquer fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, quando alegado pelo
réu, necessita de comprovação para que seja consideração, com ônus para qual o alega, mediante a
dicção contida no art. 373, II101
.
3.8.2 O momento da argumentação dos precedentes pelo réu
100 “A redação do art. 336 é muito similar à do art. 300 do CPC de 1973, mas sua compreensão é bem diversa porque toda a matéria de defesa do réu deve ser realmente arguida em contestação. Isto porque o CPC
de 2015 eliminou as exceções, a impugnação ao valor da causa e qualquer formalização para requerer ou impugnar benefício da justiça gratuita. Robustece o acerto desta afirmação o art. 337 e o extenso rol de preliminares nele referido.” BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. 2a. Ed. revisado, atualizado e ampliado. São Paulo: Saraiva. 2016. p. 320. 101 Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
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| Voltar ao sumário 114 Aspectos polêmicos do novo CPC
Um dos assuntos mais pertinentes do CPC/2015 é a sistemática de precedentes judiciais, com a
utilização do art. 926 e 927 como ancoradouro da base jurídico dessa teoria da decisão judicial. Muitas
vezes a decisão a ser proferida na sentença estará vinculada ao resultado, se houver identidade fática-
material, de um precedente, principalmente de um tribunal superior, principalmente em julgamentos
por amostragem.
Existem, então, por força do art. 927, os precedentes vinculantes. Mas, não somente estes que
servem para a utilização numa demanda, sendo que toda decisão de um tribunal, principalmente, dos
tribunais superiores, podendo ser também de um tribunal de segundo grau, podem ser utilizadas para a
argumentação jurídica.
Estes precedentes, porém, não tem uma vinculação ao juízo daquela demanda que está a ser
contestada, podendo, no entanto, servir de base argumentativa persuasiva, com a demonstração de
tendências hermenêuticas e decisórias sobre aquela matéria pelos tribunais
Como o assunto deste trabalho é a contestação, qual a relação desta com o precedente? Os
precedentes devem ser apresentados como base fundamental da construção jurídica da defesa logo na
contestação, ainda mais os precedentes persuasivos, aqueles que o juízo não tem por questão legal o
dever de se manifestar oficiosamente, somente iniciando este dever ao juízo, de acordo com o art. 489,
§ 1º, VI, quando uma das partes suscitar determinado precedente.
Se este precedente for obrigatório, mediante o rol apresentado no art. 927, o juízo já deveria
confrontá-lo com a situação jurídica ali colocada, contudo os precedentes persuasivos somente
guardam o dever de análise pelo juízo quando as partes os suscitam, o qual, para o réu, o momento
ideal passa a ser na contestação, seja para a aplicação, distinção ou superação do precedente.
4. A opção legislativa processual por uma supercontestação
Com a nova sistemática da contestação, abarcando processual e materialmente diversos outros
institutos que no CPC/73 eram autônomos, a contestação ganha um espaço e importância ainda maior
para o réu e para todo o processo.
A escolha por uma contestação com uma maior gama de alegações e a inclusão de todos os
incidentes existentes é uma busca pela simplificação procedimental, de alegar-se tudo que se possa
numa só peça, num momento único, com o intuito de diminuir o trâmite paralelo, ainda que não tenha,
neste novo ordenamento, a retirada de nenhum dos institutos incidentais, somente a inserção de todos
como possibilidade argumentativa e postulatória da contestação.
A mudança processual é imensa e pertinente, transformando, para o réu e o processo como um
todo, o momento da contestação em algo ainda mais importante do que já era na sistemática
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 115 Aspectos polêmicos do novo CPC
processual civil brasileira. Contestar sempre foi a opção mais correta e abrangente para o exercício do
seu direito de defesa, contudo muitas alegações defensivas, principalmente as defesas processuais,
eram divididas em incidentes ou outras espécies de respostas do réu.
A ideia processual de concentração de todas as matérias defensivas na contestação torna o
processo mais simples102
, contudo insere, neste momento, uma responsabilidade maior na peça de
defesa, com uma gama de alternativas a serem utilizadas no mesmo instante, com a necessidade de
uma organização redacional imensa para aquele instrumento processual defensivo.
Uma nova contestação, ou, simplesmente, uma supercontestação.
5. BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei 13.105 de 16 de março de 2015.
________. Código de Processo Civil. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973.
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. 2a. Ed. revisado, atualizado e
ampliado. São Paulo: Saraiva. 2016.
DIDIER Jr. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 17 ed. Salvador. JusPodivm. 2015.
________. Extensão da coisa julgada à resolução da questão prejudicial incidental no novo Código de Processo
Civil brasileiro. Civil Procedure Review, v.6, n.1: 81-94, jan-apr., 2015
DIDIER JR, Fredie; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Benefício da justiça gratuita. 6. ed. Salvador: Editora
Juspodvim, 2015
LEMOS, Vinicius Silva. A Extinção da Nomeação à Autoria como Intervenção de Terceiro e a Nova Forma
Procedimental de Correção do Polo Passivo. In: Fredie Didier Jr., Lucas Buril de Macêdo, Ravi Peixoto,
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102 “A ideia chave do então Anteprojeto era reduzir complexidades meramente processuais, de modo que as partes, o juiz, os advogados pudessem concentrar seu foco no mérito da causa, na aplicação do Direito Material, reduzindo dúvidas, questionamentos e crises na aplicação da técnica.” MACHADO, Marcelo Pacheco. Resposta do réu no novo CPC: a boa ideia inspirada nos juizados especiais cíveis. Revista do
Advogado. Ano XXXV, Agosto de 2015 n o. 127, AASP . São Paulo. p. 68.
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A DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO E A TOTAL SIMETRIA
COM A REMESSA NECESSÁRIA
Vinicius Silva Lemos103
Walter Gustavo da S. Lemos104
RESUMO: Este artigo analisa a decisão parcial de mérito, uma novidade instituto do CPC/2015, com
a delimitação de sua relação de possibilidade nas demandas em que envolvam condenações contra a
Fazenda Pública, com a consequente indagação sobre a possibilidade de remessa necessária sobre esta
decisão interlocutória parcial de mérito.
1. INTRODUÇÃO
O CPC/2015 é uma realidade em nosso ordenamento jurídico, posto que a sua incidência sobre
as relações jurídicas já se iniciou, o que o fez entrar no cotidiano jurídico da sociedade e surgir uma
série de necessidade de interpretações para permitir que aplicação da totalidade dos institutos nele
descrito. O estudo deste ordenamento é necessário para entender os impactos que uma mudança
legislativa dessa magnitude acarretará no dia a dia jurídico brasileiro, mais precisamente sobre a
questão da remessa necessária e a possibilidade da sua aplicação ao julgamento parcial de mérito.
A partir da tramitação desta lei e a sua aplicação ao cotidiano jurídico destes dias iniciais,
possível é ver seus efeitos iniciais e a necessidade de se discutir uma série de questões que necessitam
de interpretação, vez que o legislador processual não se omitiu na função de delinear os gargalos
processuais, almejar novas tendências e apresentar soluções para a estagnação judiciária brasileira,
porém trouxe uma série de inovações ao processo pátrio.
103 Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil da Faculdade de Rondônia - FARO. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
104 Advogado. Formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Doutorando em Direito pela UNESA/RJ. Mestre em História pela PUC/RS e em Direito Internacional - Universidad Autonoma de Asuncion. Especialista em Processo Civil pela Faculdade de Rondônia – FARO e em Penal e Processo Penal pela ULBRA. Professor da Faculdade de Rondônia - FARO e da Faculdade Católica de Rondônia, nas disciplinas de Direito Internacional e Hermenêutica. Membro do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Já foi Secretário-Geral Adjunto da OAB/RO.
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Assim, possível é se visualizar que toda a sistemática processual civil brasileira mudou, tendo
a norma trazido novos paradigmas, novos institutos, outras roupagens para institutos anteriores,
atualização e ampliação de vários procedimentos, inclusive com relação à remessa necessária.
Este instituto trouxe um trato bastante inovador com esta nova norma em nosso ordenamento
jurídico, já que acabou trazer uma série de situações novas com relação à remessa necessária, porém o
ponto aqui perceptível é que a norma criou a possibilidade de um julgamento parcial do mérito, não
descrevendo qualquer impossibilidade de aplicação deste instituto em face da Fazenda Pública.
Se a norma descreve que a possibilidade de aplicação do julgamento parcial do mérito em face
da Fazenda Pública, um problema surge, já que esta decisão somente terá validade após a confirmação
pelo tribunal ao qual o juiz prolator deste julgamento está vinculado, sendo necessária ou não a sua
realização em face deste tipo de decisão.
Diante disto, o estudo de cada mudança é pertinente, com a visualização do impacto que pode
causar em cada procedimento, de forma que as decisões judiciais sofreram alterações, com a
complementação e adaptação de seus institutos para a realidade processual que vivemos, guardando
uma correspondência entre os institutos e o caso em concreto.
Com isto, uma positivação interessante ocorreu no CPC/2015 ao delinear a decisão parcial de
mérito, concedendo-lhe possibilidades delimitadas e regramento próprio com relação a sua relação
quanto à Fazenda Pública, já que há a necessidade de se impor a tal decisão uma remessa necessária.
Este estudo almeja aprofundar a análise sobre esta espécie de decisão judicial e o impacto em sua
recorribilidade.
2. A DECISÃO INTERLOCUTÓRIA E A PARCIAL DE MÉRITO
O CPC/2015, ao conceituar o instituto da decisão interlocutória, definiu como, nos moldes do
art. 203, § 2º, como “pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º.”
Para fins de compreensão, o que consta no § 1º do mesmo artigo é a conceituação de sentença que
restou como a decisão que coloca fim à fase de cognição com base no art. 485 ou 487 ou, ainda, na
execução ou cumprimento de sentença coloca fim ao processo. Com isso, no conceito da decisão
interlocutória percebe-se uma forma antagônica à sentença, com a determinação de que tudo aquilo
que não for sentença, enquadrando-se em uma decisão de juízo de primeiro grau, será, portanto, uma
decisão interlocutória.
A escolha do legislador sobre as conceituações das decisões do juízo de primeiro grau passou
pela forma e não pelo conteúdo, podendo, dessa forma, uma sentença ser com ou sem mérito e, de
igual maneira, uma decisão interlocutória também ter estes resultados materiais. O intuito foi
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sistematizado com a priorização das repercussões processuais, guardando uma relação da espécie de
decisão com o impacto procedimental que realiza, independentemente de seu conteúdo material.
Essa nova visão conceito – tanto da sentença quanto da decisão interlocutória – permite que se
retire as dúvidas sobre diversas espécies de decisões que, anteriormente, não se sabia se eram decisões
ou sentenças, pelo fato que o conteúdo era dúbio e confundia-se pela fase processual. Muito
entendiam que uma decisão no meio do processo que versasse sobre assuntos normais de sentença –
extinção ou mérito, contudo, de maneira parcial, deveriam enquadrar-se como sentença parcial e não
uma decisão interlocutória. O apego à semântica da palavra cominado com a fixação da conceituação
em torno do conteúdo causava uma série de dúvidas processuais, principalmente em torno dos
reflexos recursais.
No CPC/73, quando havia uma decisão interlocutória que excepcionalmente versava sobre o
mérito, não se sabia qual o recurso cabível para proceder-se a impugnação correta, com uma
pertinente dúvida sobre a singularidade recursal. Apesar de ficar procedimentalmente evidente que era
agravo de instrumento, ainda no ordenamento anterior, muitos defendiam uma apelação por
instrumento105
.
Essa possibilidade de bipartição do conteúdo da sentença já era pertinente na legislação
anterior, advinda da mudança na lei no 11.232/05, que modificou o conceito de sentença do CPC/73,
retirando a parte atrelava-a ao fim do processo, para ampliá-la em um enquadramento sobre o
seu conteúdo, neste caso, em ocasiões em que versasse sobre assuntos do art. 267 ou 269, do
citado ordenamento revogado.
Na época foi uma mudança impactante de paradigma, com a retirada de uma visão
formalista do ato sentencial, na qual “a sentença assinalava um ponto final de um processo106
.”
O vínculo da sentença estava, a partir de então, em seu conteúdo, concedendo a este maior
importância do que o fato de ser um ponto final processual107
. Significava, de maneira
contundente, o fim da teoria da unicidade da sentença, retirando o viés de somente um momento
105“Este argumento, também, ainda que pudesse ser tido como válido, não poderia prevalecer sobre os
princípios da correspondência, da isonomia e do devido processo legal procedimental; além do que, não se trata de um novo recurso, mas do mesmo, qual seja, o de apelação, assim como o recurso em sentido estrito, referido, quando sobe por traslado, não muda de nome, continua a ser recurso em sentido estrito; ou seja, a "apelação por instrumento" além de não ferir o princípio da tipicidade, ainda faria observar os da correspondência, da isonomia e do devido processo legal.” VARGAS, Jorge de Oliveira. O novo conceito de sentença e o recurso daquela que não extingue o processo: apelação ou agravo de instrumento? In: Revista de Processo. Ano 32, n. 148, p. 111-118, jun/2007. São Paulo: RT. p. 117
106MOREIRA, José Carlos Barbosa. A nova definição de sentença In: Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil. N. 41, mai-jun/2006. São Paulo: IOB. 2006. p.51
107“sempre nos pareceu, portanto, ser esta a nota marcante das sentenças, ou seja, é o seu conteúdo,
preestabelecido por lei de forma expressa e taxativa, que as distingue dos demais pronunciamentos
do juiz.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. 7a edição, São
Paulo: RT, 2014. p. 30.
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para a prolação da decisão sobre o conhecimento da matéria, com a possibilidade do juízo
prolatar decisões de sobre a extinção ou mérito, ainda que não encerrasse o processo.
O CPC/2015 seguiu ainda mais a fundo essa tendência, conceituando de melhor forma a
sentença e solucionando de maneira prática a definição de decisão interlocutória. Se a sentença
passou, como já vimos, a ser a decisão final, com base no art. 485 ou 487, com o encerramento
da cognição, a decisão interlocutória é toda decisão que não se enquadre nessa conceituação, o
que antagonicamente se chega que é tudo aquilo que não seja sentença, independentemente de
seu conteúdo.
Neste prisma dos conceitos decisórias, há a novidade da positivação da decisão chamada
parcial no CPC/2015, como uma das formas do julgamento antecipado de mérito, contudo, nos moldes
do art. 356, em regime parcial com alcance meritório. Por este dispositivo, o juízo, ao se deparar com
certas situações definidas dentro do procedimento, deve julgar, desde já, um dos pedidos em seu
mérito e, o que assim não comportar, continuar a instruir o processo, a demanda.
É uma decisão que promove o exercício jurisdicional tão almejado pelo cidadão, porém o faz
na forma parcial porque somente parte dos pleitos se encontram prontos para a análise judicial, o que
importa na realização do atendimento da finalidade teológica108
109
do processo e a sua prestação
jurisdicional, mesmo que parcial.
Tem-se, assim, um verdadeiro desmembramento da sentença110
, ocorrendo em hipóteses pré-
determinadas em que não há mais necessidade de instrução para um dos pedidos, restando para o
outro pedido, ainda carência de levar-se a produção de provas.
A decisão parcial de mérito é uma espécie dentro do gênero de julgamento antecipado do
mérito que tem como premissa ser “uma decisão de mérito, fundada em cognição exauriente, proferida
após a fase de saneamento do processo, em que o magistrado reconhece a desnecessidade de produção
de mais provas em audiência111
.”
108 CPC/2015 – Art. 8º. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. 109 LINDB – Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. 110 “Com isso, quebra-se, definitivamente, o dogma da unidade estrutural da sentença e da indivisibilidade do objeto litigioso. A ideia de que cada processo só pode ter uma única decisão de mérito e que a coisa julgada
ocorre nessa única oportunidade foi substituída pela ideia de coisa julgada progressiva, ao admitir-se a pluralidade de decisões meritórias numa mesma fase processual.” MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil Volume Único. 8a. ed. revisada, ampliada e atualizada. Salvador, Ed. JusPodivm, 2016. 518. 111DIDIER Jr. Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de
conhecimento. 17 ed. Salvador. JusPodivm. 2015. p. 688
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Neste caso, com a utilização do disposto no art. 356, o julgamento antecipado não encerra a
fase cognitiva por completo, somente em parte do processo – em um dos pedidos ou em parte do
pedido – para continuar, nas demais, com a instrução processual.
O julgamento parcial de mérito é possível em uma ação que tenha a cumulação de pedidos112
,
sem a hipótese de incidência se houver somente um pedido na demanda, pelo fato de que não seria
enquadrada numa decisão parcial, mas como a sentença do julgamento antecipado.
Outra visualização seria quando, mesmo tendo somente um pedido, parte dele é incontroverso,
entretanto, há possibilidade de instruir-se quanto aos demais pontos deste mesmo pedido. Esta
hipótese ficou mais complexa do que a cumulação de pedidos, talvez até por isto, a sua utilização
pode ser desestimulada ou não levada a uma utilidade prática.
O intuito do legislador, ao delimitar de forma minuciosa o julgamento antecipado parcial, foi
dar maior celeridade na resolução de parte da demanda, entregando ao jurisdicionado a resolução
daquela matéria colocada em juízo sobre o qual não há a necessidade instrutória, com a decisão já
realizada.
Todavia, o legislador optou por entender que a separação dos pedidos constantes na inicial
fosse prudente e necessário para a reforma processual, como uma forma de resolver meritoriamente
parte da lide, entregando rapidamente esta resolução do conflito de interesses, instruindo e aguardando
somente a matéria que não havia como decidir de forma antecipada.
Não há uma escolha para o juízo, mas um dever de julgamento bipartido quando houver esta
hipótese no processo.
Talvez na prática processual, até ser familiar no cotidiano forense o instituto, não deva ser
utilizado de maneira como dever do juízo, entretanto, há, no artigo 356, um dever do juízo de optar
por cindir os pedidos constantes na exordial para dois momentos decisórios diferentes. Ao dispor que
“o juiz decidirá”, não se imputa uma possibilidade, mas uma responsabilidade de quando houver a
situação enquadrada, o juiz prolate a decisão parcial de mérito. Todavia, há quem entenda que é uma
autorização113
.
112“O desmembramento do julgamento de mérito em pronunciamentos distintos pressupõe que haja cumulação
própria e simples de pedidos, que é aquela em que o autor formula mais de um pedido, no mesmo processo, esperando que todos sejam acolhidos simultaneamente (art. 327). Nessa espécie de cumulação, inexistente dependência lógica entre os pedidos, de maneira que é possível, por exemplo, que o réu reconheça a procedência jurídica de um deles e impugne os demais. A fragmentação do julgamento de mérito pode ocorre, ainda quando há formulação de um pedido, que permite ser decomposto.” WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015 p. 620
113WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015 p. 620
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2.1 A definição como uma decisão interlocutória parcial de mérito
Sobre a decisão parcial de mérito, uma pergunta é pertinente: é uma decisão interlocutória ou
uma sentença parcial? Esse é um ponto que ainda gera uma dúvida nas primeiras análises do
CPC/2015. O processo com pedidos cumulados, se utilizada a bipartição imaginada pelo art. 356, terá
duas decisões meritórias, aquela no meio da demanda, quando puder decidir parte do mérito e a
decisão final, a sentença que resolve o restante dos pedidos e põe fim à fase cognitiva.
No CPC/73, havia uma defesa significativa por parte da doutrina que nomeava esta situação
análoga como a sentença parcial de mérito114
, como a resolução daquela fase processual cognitiva, ao
menos em relação àquela parte.
Entretanto, no CPC/2015, com os novos conceitos estipulados para a sentença e a decisão
interlocutória, optou-se por entender que há a possibilidade de julgar-se questões atinentes
normalmente à sentença – seja a extinção ou o mérito – mesmo diante de uma decisão interlocutória, o
que, para regular-se a adequação recursal e o momento processual de sua prolação, como decisão
interlocutória, ainda que verse sobre mérito.
Foi uma escolha do legislador sistematizar que as decisões judicias de primeiro grau serão
classificadas com base na sua forma, não em seu conteúdo. Não importa o que se julgou, mas sim se
formalmente colocou-se fim a fase de cognição ou não, bem como se houve o encerramento da
prestação jurisdicional completa em primeiro grau, se a resposta for positiva, é uma sentença, em
situação contrária será uma decisão interlocutória, independentemente do seu conteúdo.
Dessa maneira, a solução processual a que se chegou foi por um ato processual um tanto
híbrido: a formalidade de uma decisão interlocutória com o conteúdo de uma sentença.
É importante tomar-se em conta que o julgamento antecipado parcial de mérito é uma sentença
antecipada, ainda que parcial e interna diante de um ato interlocutório, no meio daquele processual,
diante das situações hipotéticas que a norma concedeu para a possibilidade deste ato. O conteúdo é de
sentença, mas a forma processual é notadamente de uma interlocutória, numa definição específica que
impactará processual para a escolha recursal a ser realizada. Como a conceituação passa pela decisão
114“Todavia, nosso Código hoje contempla a possibilidade de cisão na apreciação do mérito da causa.
Caracterizada essa decisão como uma sentença parcial de mérito, que é uma sentença que ocorre no curso
do processo, surge o problema: qual o recurso cabível? Enquanto o direito brasileiro não contar com uma apelação incidente (ou parcial), por instrumento, o recurso contra a sentença parcial tem de ser o de agravo de instrumento.” MITIDIERO, Daniel. Direito Fundamental ao Julgamento Definitivo da Parcela Incontroversa: uma proposta de compreensão do art. 273, § 6º, CPC, na perspectiva do direto fundamental a um processo sem dilações indevidas (art. 5º, LXXVIII, CRFB). In: Revista de Processo, São Paulo, v. 32, n. 149, p. 105-119, jul. 2007, p. 111.
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interlocutória parcial de mérito, a impugnabilidade acaba por ser, de acordo com o art. 356 § 5º e
1.015, II, por agravo de instrumento, mesmo com a existência de características híbridas.
Não há como imaginar que o recurso não fosse o agravo de instrumento, mesmo com o
conteúdo de uma sentença antecipada, a decisão é formatada como uma interlocutória, necessitando
seguir a pertinente adequação recursal das decisões interlocutórias, definindo-se, como claramente o
CPC/2015 o faz, como o agravo de instrumento o recurso correspondente.
Neste ínterim, não há dúvida no CPC/2015 sobre a natureza jurídica deste ato, tampouco sobre
sua forma híbrida, aceitando-se que para a formalidade processual há o caráter interlocutório e para o
tocante ao conteúdo, é essencialmente sentença, com matéria de mérito resolvida115
, prevalecendo a
nomenclatura de uma decisão interlocutória parcial de mérito.
3. A DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PARCIAL DE MÉRITO CONTRA A
FAZENDA PÚBLICA E A REMESSA NECESSÁRIA
Se a norma não descreveu qualquer vedação na realização da decisão parcial de mérito em face
da Fazenda Pública, há que se perceber a plausibilidade da sua aplicação àquela pessoa em litígio, já
que a norma descreveu genericamente a sua aplicabilidade, não fazendo qualquer vedação ou
limitação pessoal ao seu uso em face dos entes públicos dos mais diversos, sendo possível é a fluente
aplicação deste novel instituto nesta situação proposta.
Porém, se a norma não impediu o uso da decisão interlocutória parcial de mérito, descrita no
art. 356 do CPC/2015, com relação à Fazenda Pública e os entes públicos, esta acabou por criar uma
série de problemas assimétricos em relação a esta aplicação em face de tais pessoas, já que a norma
descreve certas condições existentes para que esta decisão tenha a sua correta validade e eficácia.
Se este instituto é aplicável à Fazenda Pública, necessário se verificar se a decisão parcial de
mérito comporta a remessa necessária, já que esta é uma decisão interlocutória, com se vê pela própria
leitura do art. 356 e de seus parágrafos, onde fica claro que a esta é impugnável por via de agravo de
instrumento, que não se dá como meio de impugnar as sentenças e sim decisões interlocutórias.
Ao visualizar esta questão, necessário se perceber que o conceito de decisão interlocutória se
modificou no CPC/2015, como é visto no art. 203, § 2º, onde se descreve que a “decisão interlocutória
é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1o”, ou seja, todo o
115“acredita-se, portanto, que o CPC/2015 deixa clara a possibilidade de , no curso da relação processual,
ocorrer a decisão com caráter definitivo (como no caso de julgamento parcial, exclusão de um litisconsorte, apreciação da reconvenção etc.), sendo conceituada como interlocutória de mérito e não sentença parcial, estando sujeita ao recurso de agravo de instrumento (art. 1.015, ii, vii e 343, § 2o.).” ARAÚJO, José Henrique Mouta. Os pronunciamentos de mérito no novo cpc: reafirmação de um posicionamento. Revista Dialética De Direito Processual n. 149, Agosto/2015, p. 62-68, Ed. Dialética, São Paulo 2015, p.66.
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| Voltar ao sumário 124 Aspectos polêmicos do novo CPC
pronunciamento judicial que não se enquadre no conceito de sentença é entendido como uma decisão
interlocutória.
Com relação ao trato regulatório da remessa necessária no CPC/2015, vê-se que este está
descrito no art. 496, que acabou por ditar que “está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo
efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença (...)”. Assim, a norma descreveu que a
sentença é que importaria na realização da remessa necessária, também denominada de duplo grau de
jurisdição obrigatório.
Porém, é de se entender que não é somente a sentença o meio pelo qual o Poder Judiciário
promove o exercício jurisdicional no caso concreto nos termos do CPC/2015, já que este previu a
possibilidade de tal exercício se dar por via da decisão interlocutória, nos termos do art. 356.
Assim, necessária uma análise da questão a partir de três acepções distintas, mas que acabam
por levar às mesmas conclusões, sendo a primeira de que esta decisão interlocutória é assim
formalizada, mas possui teor e conteúdo de sentença, podendo, então dar azo a remessa necessária. A
segunda análise parte de uma interpretação que passa pela utilização dos métodos gramatical e
sistemática, bem como por via de uma atuação integrativa do Direito, a partir da aplicação das
concepções de Dworkin116
sobre Direito e uma análise que importe na realização de análise
conglobante do ordenamento jurídico.
Destas visões, a primeira é de que a decisão interlocutória se formaliza sob a sua concepção e
seus atributos, mas que tal decisão possui teor e conteúdo de sentença, já que passa a promover o
exercício jurisdicional e aplicar o Direito ao caso concerto, podendo, então, dar, consequencialmente,
azo a remessa necessária.
Contudo, esse julgamento se estabelece como decisão interlocutória, mas com conteúdo de
mérito e com os requisitos descritos no art. 489 do CPC/2015, sendo possível, inclusive, que esta
alcance a coisa julgada.
Se é uma decisão de mérito, que deve ser entendida como uma sentença antecipada, seguindo
os mesmos moldes da sentença como estrutura, como condenação em custas e honorários
advocatícios, mas realizada na formatação de decisão interlocutória. Portanto, é perceptível que o
legislador deu este caráter de sentença a tal decisão, mas somente a descreveu como interlocutória por
questão de melhor prática recursal, já que, assim, comportaria a sua impugnação por via de agravo de
instrumento, mesmo descrevendo e indicando que o seu conteúdo é de análise e aplicação do direito.
Portanto, poderíamos considerar resolvida a questão, já que se o conteúdo é de sentença, ainda
que a norma tenha dado outro nome a tal decisão, esta se adequaria ao que está descrito no art. 496,
pois o que importa não é a forma ou o meio pelo qual o exercício jurisdicional se dá, mas sim qual é
116 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
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| Voltar ao sumário 125 Aspectos polêmicos do novo CPC
seu conteúdo, o que claramente se adapta ao que a norma descreve como condição para a validade da
decisão que é desfavorável à Fazenda Pública sendo possível a remessa necessária no caso.
Se formos por outro lado para interpretar o art. 356 e o 496 do CPC/2015, utilizando uma
interpretação que passa pela utilização dos métodos gramatical e sistemática, não temos diferente
resultado, já que a palavra “sentença” contida no art. 496 não está sendo utilizada somente na forma
de se referir ao instituto descrito no art. 203, § 1º deste ordenamento, mas, sim, tem o intuito de
descrever a sentença e os demais atos que importem no seu mesmo conteúdo, porquanto a função
daquela palavra foi de conceder a ideia da necessidade de que as decisões que sejam condenatória e
desfavoráveis à Fazenda Pública, importem na sua produção de eficácia plena somente quando
confirmadas pelo Tribunal.
Além desta interpretação, possível é a realização da interpretação sistemática, onde se objetiva
a realização da observação dos dispositivos para integrá-los a um sistema superior, mais amplo, em
não interpretá-los isoladamente, de forma que o dispositivo aqui em análise seja visto a partir da sua
integração com o ordenamento jurídico como um todo117
.
Ao analisar sob este espeque, é possível perceber que o conteúdo de constante do art. 496 do
CPC/2015 integra o ordenamento jurídico processual, porém os aspectos levados à norma pela palavra
sentença ali descrita deve ser entendida com a decisão que importa em condenação e ônus
desfavoráveis à Fazenda Pública, de forma que os objetivos constantes de tal artigo não se relacionam
somente com o descrito em sentença, sendo que tal inteligência uma interpretação que busca a
realização o entendimento do todo118
do complexo normativo e da sua função para o Direito e para o
nosso sistema jurídico, de forma que o entendimento não pode ser outro que não que o conteúdo deste
artigo do CPC/2015 também se correlacionou com a aplicação para a decisão parcial de mérito.
Se passarmos a analisar a questão por via do entendimento de Dworkin e de sua interpretação
integrativa, há que se perceber que este descreve uma técnica de interpretação a partir da visão do
ordenamento jurídico como um sistema capaz de atender às necessidades sociais atuais em busca dos
ideais de justiça e equidade exigidos na aplicação do Direito, de forma que esta parte para a realização
da compreensão em função do dogma da completude do ordenamento.
117“Embora o artigo 496, em seu caput, mencione o cabimento da revisão obrigatória apenas de sentenças,
sem cuidar de outras decisões, é fundamental interpretar o novo CPC sistematicamente. O novo diploma legal tratou expressamente de outras decisões do Judiciário em primeiro grau que possuem papel típico de sentença, apenas de não possuírem tal natureza: são as decisões interlocutórias de mérito. É o que se tem no caso do julgamento antecipado parcial do mérito.” RODRIGUES, Marco Antônio. O reexame necessário no julgamento antecipado parcial do mérito. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2016/05/20/o-
reexame-necessario-no-julgamento-antecipado-parcial-do-merito/. Acesso em 28/06/2016. 118 “A interpretação do direito é interpretação do direito, no seu todo. (…) Um texto de direito isolado,
destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum.” GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Editora Malheiros, 2003, p. 40.
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| Voltar ao sumário 126 Aspectos polêmicos do novo CPC
Ronald Dworkin busca com a interpretação a promoção de um avanço jurídico em
correspondência à evolução das práticas sociais119
, onde o aplicador do direito é forçado a exercer
uma atividade interpretativa, tomando o texto geral e abstrato da lei para compreender o fato concreto
sobre o qual se debruça. Este descreve que por mais minucioso e descritivo que seja o legislador, é
impossível que este aponte a aplicabilidade e a normatização de todos os fatos da vida120
que são
relevantes para a sua aposição no texto legal, de forma que o hermeneuta deve exercer este trabalho
deixado pelo legislador.
Asim, por esta integridade do art. 496, a interpretação exige uma coerência de princípios mais
horizontal na busca por toda a gama de normas jurídicas em vigor que possam ser pensadas para o
caso.
A partir desta visão, o hermeneuta, ao promover a leitura da norma sobre remessa necessária,
deve entender que o desejo do legislador contido no art. 496 do CPC/2015 é que as decisões, sejam
sentenças ou decisões interlocutórias parciais de mérito, devem passar por revisão do tribunal ao qual
o juiz está subordinado, já que a inteligência da norma se relaciona com a onerosidade que a Fazenda
Pública pode sofrer em razão da sentença que lhe é desfavorável, de forma que se uma decisão parcial,
em vez de uma sentença, também impõe o mesmo efeito à Fazenda Pública, deve, de maneira idêntica,
passar pelas mesmas condições de reexame para que gere os seus respectivos efeitos jurídicos.
Desta forma, várias são as formas para concluir que a norma descrita no art. 496 do CPC/2015
é aplicável ao contido no art. 356, sendo necessária que a decisão interlocutória parcial de mérito
contrária à Fazenda Pública tem subordinação processual pela remessa necessária121, para que possa
ser revista e reapreciada pelo tribunal superior ao juiz prolator como condição de sua eficácia e início
dos seus efeitos para o mundo jurídico do conteúdo descrito naquela decisão.
4. A NECESSIDADE DA SISTEMATIZAÇÃO PARA A POSSIBILIDADE DA
REMESSA NECESSÁRIA PARCIAL
119 DWORKIN, Ronald. O Império do Direito: O que é o direito. SP: Martins Fontes, 1999. p. 413. 120 DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. 2ª edição. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2005. 121“Por isso, diante de uma interpretação sistemática dos artigos 356 e 496 do CPC de 2015, pode-se concluir
que o pronunciamento que julga parcialmente o mérito de forma antecipada está sujeito ao duplo grau obrigatório de jurisdição. É preciso, portanto, olhar para o novo CPC sob uma perspectiva que o aprecie sistematicamente e de maneira aberta aos novos institutos regulados nesse diploma, sob pena de não absorvermos as novidades que ele alberga.” RODRIGUES, Marco Antônio. O reexame necessário no julgamento antecipado parcial do mérito. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2016/05/20/o-
reexame-necessario-no-julgamento-antecipado-parcial-do-merito/. Acesso em 28/06/2016.
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| Voltar ao sumário 127 Aspectos polêmicos do novo CPC
Se mesmo contra a Fazenda Pública – qualquer delas – o juízo, quando se deparar com uma
situação que enseja a aplicação do art. 356, tem o dever de proferir a decisão parcial de mérito, há de
se imaginar que a remessa necessária também deve ser aplicada para essa decisão parcial, em caso
desta ser contrária à Fazenda Pública.
Entretanto, a dúvida pertinente recai sobre a aplicabilidade da remessa necessária na conjunção
com a decisão interlocutória de mérito. Quando se imaginou no CPC/2015, a possibilidade da decisão
parcial de mérito, o intuito foi propiciar maior celeridade de julgamento às questões meritórias que
não tem mais provas a serem produzidas. Há clara possibilidade de bipartição dos pedidos realizados
na inicial, com as decisões sendo proferidas quando encerrar a necessidade de prova daquele pedido,
porém não se imaginou, no bojo da legislação, o impacto disto nas ações contra a Fazenda Pública,
causando uma assimetria no tocante à remessa necessária.
Evidentemente que a Fazenda Pública, ao ser condenada numa decisão parcial de mérito, pode
interpor o agravo de instrumento122
para a impugnação do ato decisório, com base no próprio art. 356
cominado com o art. 1.015, II. No entanto, a assimetria causada pela possibilidade da decisão parcial
de mérito contra a Fazenda Pública recai sobre a aplicabilidade da remessa necessária para este
momento processual, bem como a sua necessária adequação procedimental para o total alinhamento
processual dos institutos.
4.1 O problema procedimental da decisão parcial de mérito e a remessa
necessária
A decisão interlocutória parcial de mérito é o julgamento daquele pedido que não
comporta/necessita de instrução probatória, podendo, de plano, ser julgada aquela matéria. O intuito é
não postergar pedidos já possíveis de julgamento para um momento posterior somente pela
necessidade de se esperar outros pedidos. Se há definição fática probatória para aquele pedido, deve,
então, ser enfrentado em seu mérito, não importando se outros não podem.
122 “Não há dúvidas que o agravo de instrumento é o recurso adequado para qualquer espécie de decisão interlocutória que contenha conteúdo meritório, o que leva a necessidade de encarar esta espécie de agravo como uma impugnação de uma decisão que poderia ser dada na sentença, ao menos dentro do pensamento
inicial do autor. O código autoriza a decisão parcial, o desmembramento da ação para prestar, desde logo, a jurisdição para o pedido que não necessita de produção de provas, com isso, o agravo que a impugna tem um viés de apelação, com possibilidades de interpretação de características que são ausentes nos agravos de instrumento normais, mas que devem ser aceitas nesta espécie, justamente por impugnar uma decisão interlocutória parcial de mérito.” LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no novo CPC. 2a. Ed. Lexia, São Paulo, 2016, p. 199
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| Voltar ao sumário 128 Aspectos polêmicos do novo CPC
De certa maneira, o CPC/2015 trabalhou com a visão de que apesar da possibilidade de
cumulação, os pedidos são independentes e autônomos, com o dever judicial de garantir a decisão
logo após o encerramento probatório de cada pedido.
O intuito, como já vimos, foi beneficiar a solução judicial mais rápida para as partes – qualquer
delas, afinal o réu pode ser de igual forma beneficiado – e garantir a solução, ainda que parcial, numa
duração razoável do processo. O problema existente nessa possibilidade de decisão parcial de mérito
contra a Fazenda Pública nasce pela necessidade de uma remessa para a revisão do duplo grau,
prevista pelo art. 496.
E a pergunta permanece? São compatíveis o art. 356 (decisão parcial) e o art. 496 (remessa
necessária)? Entendemos que sim, que devem ser compatíveis, pelo fato de que a decisão parcial,
ainda que interlocutória, versa sobre o mérito, julgando com base no art. 487, com a necessidade de
simetria entre ambos os institutos.
Mesmo com o art. 496 caput, referindo-se ao termo sentença, quando conjugado ao seu inciso
I, “proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas
autarquias e fundações de direito público”, o que se extrai é a decisão de mérito contrária aos
interesses da Fazenda Pública, saindo da ótica semântica da palavra sentença para uma análise de
julgamento meritório, o que leva a necessitar da remessa necessária123
ainda que seja uma decisão
interlocutória, desde que adentre-se em um julgamento de mérito e preenchendo o requisito de ser em
seu resultado, contrário à Fazenda Pública.
Com esta visão, não importa se a decisão de mérito foi com a formalidade e conceituação de
uma sentença ou se foi diante de uma decisão interlocutória que tenha conteúdo de mérito, o intuito da
norma é resguardar o direito subjetivo da Fazenda Pública a passar, antes de eventual cumprimento de
sentença124
, ao duplo grau de jurisdição, o que impõe a necessidade de que devemos sistematizar o
cabimento da remessa necessária à decisão parcial de mérito.
Todavia, o problema para transformar esta visualização em realidade passa pela forma
procedimental da decisão parcial de mérito. Com a sua devida prolação, o processo continua ligado
123 “Apesar de existir entendimento no sentido de que o reexame possui natureza jurídica de recurso, na realidade trata-se de uma condição de eficácia da sentença contrária às pessoas jurídicas de direito público. Não é possível enquadrar o duplo grau obrigatório como recurso, já que aquele não atende a princípios basilares dos recursos, como é o caso da voluntariedade, da taxatividade e da discursividade.” RODRIGUES, Marco Antônio. A fazenda pública no processo civil. Ed. Gen Atlas. 1a. ed. 2016. São Paulo. p. 79 124 “Enfim, tal como no caso dos recursos, a função do reexame necessário é a de tentar assegurar um
maior controle da qualidade da sentença proferida. Mas o mecanismo empregado para tanto não é um instrumento de emprego voluntário – como é o recurso -, e sim a estipulação, pela própria lei, de uma condição para que a sentença possa transitar em julgado. Merece ser enquadrado entre os instrumentos de revisão das decisões judiciais. Mas não é propriamente um meio de impugnação das decisões e tampouco um recurso.” WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil. Volume 1. Teoria geral do conhecimento e processo de conhecimento. 15ª edição. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2015. p. 886
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| Voltar ao sumário 129 Aspectos polêmicos do novo CPC
jurisdicionalmente ao juízo de primeiro grau, com a necessidade de impugnação somente via agravo
de instrumento, recurso pelo qual a parte protocola e cria um novo procedimento diretamente no
tribunal de segundo grau.
Se o recurso impugnativo da decisão do art. 356 é protocolado diretamente pela parte no grau
recursal e, a remessa é ato do juízo, com a sua devida obrigatoriedade daquela decisão passar pelo
crivo revisional pelo tribunal, necessita, assim, criar uma conjuntura de sistematização para tornar,
não somente possível a remessa da decisão parcial de mérito, mas, também, plausível
procedimentalmente.
4.2 A existência da remessa necessária125
independentemente da interposição do
agravo de instrumento
A remessa necessária não é um recurso126
, mas sim uma obrigatoriedade127
de reanalise
daquela decisão de mérito, com “uma revisão automática128
tem a possibilidade de revisitar toda a
125 José Miguel Medina acentua que a remessa não seria obrigatória, levando-se em consideração que esta pode ser realizada por apelação, o que seria pelo recurso e não pelo ônus do juízo, com a visualização de que a nomenclatura correta seria reexame necessário: “Nos casos previstos no art. 496 do CPC/2015, não opera a coisa julgada, e condiciona-se a produção de efeitos a sentença senão depois de confirmada pelo tribunal. Caso os autos não sejam encaminhados ao tribunal em razão de ter sido interposta apelação, o juiz ordenará sua
remessa; se não o fizer, o presidente do tribunal avocará os autos. Vê-se que, rigorosamente, necessário é o reexame, e não a remessa, pois pouco importa se o juiz remeterá os autos, ou se estes subiram porque houve recurso da parte ou porque o presidente do tribunal os avocou.” MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 4ª Edição. RT: São Paulo. p. 484. 126 Existem entendimentos contrários de que a remessa necessária seria um recurso, alguns, como Araken de Assis entendem que interposto pelo juízo (ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. São Paulo: Ed. RT, 2007, p. 852) ou, ainda, em entendimento recente Leonardo Cunha e Fredie Didier Jr: “Ao praticar o ato de impulso oficial, o juiz provoca a impugnação compulsória, sem que haja vontade de qualquer das partes. Não
existe um conceito universal de recurso. Este é construído a partir da singularidade de cada sistema positivo. No sistema brasileiro, há recursos voluntários e recurso compulsório. Em ambos, há provocação e impugnação.” CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 404. 127 “Que fique, pois, fixado o entendimento neste trabalho de que o reexame necessário é condição de existência da sentença, pois o segundo julgamento é constitutivo integrativo do título, como o é a sentença de
liquidação em relação ao seu aspecto quantitativo.” FÉLIX, Juarez Rogério. in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a lei 9.756/98, coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e NERY Jr., Nelson. 1ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 429. 128 “Considerando-se recurso como meio de impugnação à decisão judicial que depende da iniciativa do recorrente (cf. comentário ao art. 994 do CPC/2015), o reexame necessário não pode ser considerado recurso (…) Na doutrina, prepondera a orientação de que o reexame necessário seria condição legal de eficácia da sentença, cuja incidência não depende da vontade das partes ou, sequer, de manifestação do juiz que a proferiu
(nesse sentido, cf. Nelson Nery Junior, Teoria geral dos recursos cit., 6. ed., n. 2.3.4.1, p. 78-79, com ampla citação de doutrina no mesmo sentido). Pode-se mesmo dizer que, no caso revisto no art. 496 do CPC/2015, o reexame condicione a produção de efeitos, mas isso nem sempre ocorre. (…) É indubitável, porém, que a ausência de reexame impede a formação de coisa julgada (cf. Súmula 423 do STF, nota supra). Assim, seria possível dizer que o reexame necessário funciona como condição para que a decisão transite em julgado, mas os recursos também impedem a formação da coisa julgada (há litispendência, enquanto não julgados). De todo
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| Voltar ao sumário 130 Aspectos polêmicos do novo CPC
matéria, procedendo a uma análise ampla da sentença, podendo mantê-la, anulá-la e, inclusive,
reformá-la total ou parcialmente, debelando assim o efeito translativo, devolvendo matéria para
reanálise sem uma delimitação material129
.”
Nas possibilidades em que houver um recurso interposto, evidentemente a impugnação
realizada por este supre a necessidade, naquele ponto específico e bem impugnado pela parte, da
remessa, a revisão se daria pelo recurso e não por esta. De certa maneira, o ato de remeter ao tribunal
garante que haja uma revisão, independentemente da existência de um recurso pela Fazenda Pública, o
que se define temporalmente de forma anterior à existência do recurso.
O juízo, quando prolata uma decisão passível de remessa necessária, deve, especificadamente,
constar que aquele ato decisório está submetido ao crivo da análise revisional pelo tribunal.
Temporalmente, não se sabe, ainda, se haverá recurso, o que, antecipadamente, não se pode atrelar a
existência da remessa necessária à não interposição de recurso sobre a matéria, importando que o juízo
deve, nesta decisão parcial de mérito, desde logo, constar que tal ato está sujeito, para se ter validade
executiva, à revisão obrigatória pelo segundo grau.
Neste ínterim, independentemente da posterior agravo de instrumento e qualquer
impugnabilidade da Fazenda Pública sobre a decisão interlocutória parcial de mérito, a remessa
necessária existirá perante este ato decisório, o qual, obviamente, se posteriormente sobrevier um
recurso, talvez a remessa restará inócua – pela totalidade da impugnação recursal – ou pode se tornar
parcial, revisando-se a parte material que o recurso não impugnar.
4.3 A forma instrumental da remessa necessária sobre a decisão parcial de
mérito
Para ser possível a remessa necessária de uma decisão parcial de mérito com resultado
contrário à qualquer Fazenda Pública, vislumbra-se que o processo não pode, por conta dessa
possibilidade, transferir a jurisdição para o segundo grau, já que esta não foi encerrada sobre a
demanda como um todo, somente parcialmente. Ou seja, há de se entender que a remessa necessária
modo, ainda que se afirme que o reexame necessário não tenha a natureza de recurso, é inegável que a atividade desenvolvida pelo tribunal, ao verificar se mantém ou não a decisão sujeita a reexame, assemelha-se à que se opera quando do julgamento de um recurso. Por isso, p.ex., é que se entende que a competência do relator para
julgar recursos estende-se também ao reexame necessário (cf. Súmula 253 do STJ, nota supra). O reexame necessário, no entanto, volta-se apenas à verificação da correção da decisão reexaminada, não se sujeitando ao interesse das partes (como se daria, se se tratasse de um recurso).” MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 4ª Edição. RT: São Paulo. p. 484. 129 LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no novo CPC. 2a. Ed. Lexia, São Paulo, 2016, p. 38.
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| Voltar ao sumário 131 Aspectos polêmicos do novo CPC
terá um cunho evidentemente parcial, separando-se do processo originário, para ser remetido de
maneira autônoma ao tribunal de segundo grau.
Diante dessa visualização, com a prolação da decisão parcial de mérito contra a Fazenda
Pública, o juízo especificando que está sujeita ao duplo grau obrigatório, é responsabilidade do
cartório proceder a remessa ao tribunal, como, de igual maneira, deve fazê-lo em qualquer remessa
necessária, contudo há significativa mudança procedimental, imbuindo o cartório de uma obrigação
diferente, a de trasladar peças processuais para instruir a remessa necessária.
A obrigação, evidentemente, deve ser do cartório de realizar esse ato.
Mas, resta uma dúvida pertinente: quais os documentos que devem ser translados para a
instrução dessa remessa necessária? Diante de um processo eletrônico em ambos os graus, não vejo
necessidade de nenhuma cópia a ser traslada, somente com a inclusão para distribuição da decisão
parcial de mérito no tribunal, como se fizesse as vezes do agravo de instrumento130
a ser distribuído,
após, o relator teria acesso pleno ao processo eletrônico de primeiro grau, como acontece no agravo de
instrumento e a sua desnecessidade de cópias obrigatórias se os autos forem eletrônicos.
Se o processo for físico – em primeiro ou segundo grau – há a necessidade de trasladar-se
cópias do processo em que se prolatou a decisão parcial de mérito, com a devida instrução da remessa
necessária, com as mesmas peças que são pertinentes ao agravo de instrumento, até pela similaridade
entre os procedimentos, com total possibilidade de anexar mais documentos do que os pertinentes no
agravo de instrumento, se entender-se necessário para o deslinde do reexame obrigatório.
Como o processo tem o seu prosseguimento para o processamento dos demais pedidos
realizados nos autos, não há como os próprios autos serem encaminhados ao tribunal, sendo
necessário que seja enviada a decisão por via da formação de instrumento com este objetivo de revisão
desta decisão, sendo está a forma um meio de se atender a ideia de agilidade na prestação jurisdicional
contida no CPC/2015.
Se houver a interposição do agravo de instrumento, a remessa necessária deve ser,
procedimental e burocraticamente, conjunta a este recurso, utilizando-se, ainda, da mesma numeração,
simplesmente com a inserção, naquele procedimento, dos pontos elencados pela remessa e
eventualmente faltantes no agravo de instrumento.
Por outro modo, na ausência de interposição do recurso, a remessa necessária deve ser
distribuída de maneira independente, com uma tramitação própria, pelo simples fato de ser o único
130 CPC/2015 – Art. 1.017. A petição de agravo de instrumento será instruída: I - obrigatoriamente, com cópias da peti- ção inicial, da contestação, da petição que ensejou a decisão agravada, da própria decisão agravada, da certidão da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade e das procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado; II - com declaração de inexistência de qualquer dos documentos referidos no inciso I, feita pelo advogado do agravante, sob pena de sua responsabilidade pessoal; III - facultativamente, com outras peças que o agravante reputar úteis
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 132 Aspectos polêmicos do novo CPC
objeto de revisão daquela decisão parcial de mérito, ganhando uma numeração independente, com
uma distribuição autônoma e que gerará prevenção quanto a outros futuros recursos.
4.4 A impossibilidade da decisão parcial de mérito contra a Fazenda Pública ter
a ausência de efeito suspensivo
O art. 356, o dispositivo que permite a decisão parcial de mérito, em seu § 2º dispõe que deste
ato decisório a “parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão que
julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa
interposto.” Conclui-se que, da decisão parcial de mérito, mesmo que seja interposto o agravo de
instrumento, este não será, em regra, imbuído de efeito suspensivo, concedendo eficácia imediata131
ao que ali foi decidido.
Essa regra pode ser aplicada quando se imagina uma decisão parcial de mérito contra a
Fazenda Pública? Defendemos o real cabimento da remessa necessária para esta espécie de decisão, o
que, de plano, confronta com esta ausência de efeito suspensivo proveniente do art. 356, § 2º.
Evidente que há de forma ex lege uma ausência de efeito suspensivo, porém é importante elencar o
que o art. 496, caput, dispõe sobre a remessa necessária sobre a eficácia da sentença, o que, nesta
visão, seria a decisão parcial de mérito. Quando o dispositivo impõe que a sentença está
obrigatoriamente sujeita ao duplo grau de jurisdição, esclarece que sobre a sua eficácia ao dizer: “não
produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:”
São duas normas em colisão, se entendermos que a remessa necessária é possível na decisão
parcial de mérito – art.. 356, § 2º com o art. 496, caput. Qual das duas deve prevalecer para que seja
possível a remessa necessária? A dúvida, apesar de salutar, deve pender em sua solução para a
inaplicabilidade do art. 356, § 2º quando a decisão parcial de mérito for contra a Fazenda Pública,
justamente pela regra da remessa necessária impor que os efeitos da decisão não são possíveis
enquanto não houver o duplo grau de jurisdição obrigatório132
.
131 “Nos termos do art. 356, § 1.º, do Novo CPC, a decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação líquida ou ilíquida. A norma parece ser fruto de excesso de zelo do legislador porque, se a forma de julgamento é antecipada do mérito, ainda que parcial, seria natural entender que a obrigação reconhecida pudesse ser líquida ou ilíquida. Sob a ótica do ditado popular “o que abunda não prejudica”, o dispositivo não deve gerar consequências práticas relevantes. O § 2.º do dispositivo ora comentado é interessante porque libera a liquidação ou execução imediata na obrigação reconhecida na decisão
que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso pendente de julgamento. O dispositivo é compatível com o § 5.º, que prevê a decisão ser recorrível por agravo de instrumento, recurso sem efeito suspensivo.” NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. São Paulo: Método, 2015. p. 883/884. 132 “tem a virtude de suspender os efeitos da sentença até que sobre ela se pronuncie a instância superior. O que ela exprime, portanto, em sua configuração mais simples, é a devolução da causa ao Tribunal, a cujo
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 133 Aspectos polêmicos do novo CPC
Assim, necessário que o juiz que concedeu a decisão promova o envio da decisão ao tribunal
ao qual está subordinado, caso não ocorra nenhuma das hipóteses da inocorrência deste envio ditados
pelo art. 496, §§ 3º e 4º deste ordenamento, para que a decisão parcial de mérito seja revisada.
Dessa maneira, torna-se claro que a remessa necessária impõe que os efeitos da decisão parcial
de mérito não sejam automáticos, com a necessidade de uma revisão pelo tribunal de segundo grau, o
que leva a considerarmos que a regra oriunda do art. 496, dispositivo base da regulamentação da
remessa necessária, prevaleça sobre o dispositivo específico da decisão parcial de mérito.
4.5 A remessa necessária da decisão parcial de mérito com regras idênticas a
remessa necessária de uma sentença
Não há, como já explicitamos, uma previsão legal da remessa necessária sobre a decisão
parcial de mérito, a qual tem-se que, numa construção interpretativa, entender como possível a leitura
conjuntiva dos art. 356 e 496.
Evidentemente que, junta a esta possibilidade construtiva, deve-se imaginar,
procedimentalmente e burocraticamente, como os cartórios das varas de Fazenda Pública se moldarão
a esta realidade, já que necessita-se de um procedimento de remessa necessária por instrumento, algo
que nem o ordenamento prevê expressamente, contudo essencial para possibilitar a remessa ser
possível na decisão parcial de mérito.
Entretanto, há de se estancar a criatividade construtiva para a parte procedimental dessa
remessa, já o que tange a conceituação e amplitude do instituto, este deve restar idêntico, com as
mesmas limitações, alcances e possibilidades materiais e processuais. Desse modo, quando houver a
dispensa da remessa necessário, por enquadrar-se nas hipóteses excepcionais, quando for na decisão
parcial de mérito, de igual maneira, deve ser alcançada pela exceção, conforme o art. 496 § § 3º e
4º133
.
conhecimento toca a obrigação de manter ou modificar a sentença apelada, independentemente de recurso
interposto pelas partes interessadas.” BUZAID, Alfredo. Da apelação ex-officio. São Paulo : Saraiva, 1951. p. 37 133 CPC/2015 – Art. 496. (..) § 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a: I – 1.000 (mil) salários-mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público; II – 500 (quinhentos) salários-mínimos para os Estados, o Distrito Federal, as respectivas autarquias e fundações de direito público e os Municípios que constituam capitais dos Estados; III – 100 (cem) salários-mínimos para todos os demais Municípios e
respectivas autarquias e fundações de direito público. § 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em: I – súmula de tribunal superior; II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 134 Aspectos polêmicos do novo CPC
De todo modo, por mais que essa remessa necessária seja visualizável, processualmente, de
uma maneira parcial, somente sobre aquele objeto da decisão interlocutória igualmente parcial de
mérito, a amplitude material do tribunal para a revisão é total, com a delimitação ao que se remeteu,
ou seja, os limites daquela decisão, mas, permitindo-se a manutenção, reforma, anulação e, também,
qualquer destes resultados134
de maneira parcial, limitados aquilo que foi decidido em primeiro grau e
remetido ao tribunal para análise, ainda que possível totalmente do efeito translativo.
4. BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, José Henrique Mouta. Os pronunciamentos de mérito no novo CPC: reafirmação de um
posicionamento. Revista Dialética de Direito Processual n. 149, agosto/2015, p. 62-68, Ed. Dialética, São Paulo
2015
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº. 13.105 de 16 de março de 2015.
________. Código de processo civil. Lei nº. 5.869 de 11 de janeiro de 1973.
________. Lei de introdução às normas do direito brasileiro. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de
1942.
BUZAID, Alfredo. Da apelação ex-officio. São Paulo : Saraiva, 1951. p. 37
CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de
impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016.
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
________. O Império do Direito: O que é o direito. SP: Martins Fontes, 1999.
________. Uma Questão de Princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. 2ª edição. São Paulo: Ed. Martins
Fontes, 2005.
FÉLIX, Juarez Rogério. in Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis de acordo com a lei 9.756/98,
coord. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e NERY Jr., Nelson. 1ª edição, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1999.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito. São Paulo: Editora
Malheiros, 2003.
LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no novo CPC. 2a. Ed. Lexia, São Paulo, 2016
MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil Volume
Único. 8a. ed. revisada, ampliada e atualizada. Salvador, Ed. JusPodivm, 2016
134 “Outra característica importante desse procedimento é de que ao proferir seu julgamento na Remessa
Necessária não é cabível ao Tribunal proceder a reformatio in pejus, conforme se depreende da súmula 45 do STJ: “No reexame necessário, é defeso, ao tribunal, agravar a condenação interposta à fazenda pública.”” MALHEIROS, Nayron Divino Toledo. Remessa necessária no novo CPC. In. Novo CPC e o Processo Tributário - Impactos da Nova Lei Processual. Coord. por LACOMBE, Rodrigo Santos Masset; SANTANA, Alexandre Ávalo. Ed. Contemplar, 2016.
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DISTINGUISHING E O PEDIDO DE DISTINÇÃO: AS
CONVERGÊNCIAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE OS
INSTITUTOS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
DISTINGUISHING AND THE REQUEST FOR THE DISTINCTION: THE
CONVERGENCES AND DIVERGENCES BETWEEN THE INSTITUTES IN THE NEW
CODE OF CIVIL PROCEDURE
Vinicius Silva Lemos135
RESUMO: Este artigo tem o propósito de apresentar os institutos do distinguishing e o pedido de distinção
insertos no novo código de processo civil. Os conceitos, as inovações e a positivação destes institutos, que já
existiam na prática, será objeto de estudo detalhado e comparado de cada instituto, a fim de delimitar sua
adequada aplicação.
Palavra-Chave: Distinguishing, Decisão de Afetação, Precedentes Judicias, Pedido de distinção.
ABSTRACT: This article has the purpose of presenting the distinguishing institutes and the request of
distinction bearing inserts in the new code of civil procedure. The concepts, innovations and the patient faints
of these institutes, which already existed in practice, will be the object of a detailed study and compared to each
institute in order to delimit their proper application.
Keyword : Distinguishing, Decision of Affectation, Judicial precedents, Request of distinction.
1. INTRODUÇÃO
Neste momento de um novo código de processo civil, importante a realização de estudos sobre
as suas inovações e os impactos disto no cotidiano forense e a realidade processual.
No presente estudo, faremos uma análise sobre a fundamentação das decisões no CPC/2015,
apresentando a nova dogmática decisória e os aspectos objetivos para delinear o que não aceitar -se-á
135 Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil da Faculdade de Rondônia - FARO. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
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| Voltar ao sumário 137 Aspectos polêmicos do novo CPC
como uma sentença/decisão judicial fundamentada. E, para adentrar no assunto, como a utilização ou
não do precedente contribuirá para a formação e motivação de uma decisão.
O CPC/2015 criou critérios formais e delimitados para se utilizar, na decisão judicial, os
precedentes, seja para aplicá-lo, superá-lo ou para distingui-lo. Diante destas três possibilidades de
técnicas de aplicação de precedentes, o juízo deve proceder a análise para fundamentadamente
decidir-se pela utilização ou não deste precedente na decisão judicial.
Entretanto, a distinção, dentro de sua positivação pelo CPC/2015, tem diversas facetas, com
diferentes conceitos e momentos processuais. Aqui, restringimos dois institutos que servem para
promover a distinção de matérias entre os processos a serem julgados e os precedentes, existentes ou a
serem formados: distinguishing e o pedido de distinção.
Primeiramente, um estudo de conceituação de cada um dos institutos, para entendimento de
suas limitações, como a legitimação, o momento processual e as consequências de cada um. Em
muitos momentos, os institutos terão o mesmo significado e serão sinônimos, em outros, as funções e
momentos são diversos, ocasionando um afastamento entre ambos.
Após a explanação sobre cada instituto, pertinente realizar um comparativo entre ambos, com
os aspectos que os aproximam, as suas semelhanças e momentos de convergências, bem como,
posteriormente, salientar o que lhes diferenciam, com outros momentos e utilidades processuais,
resultando numa divergência de significados entre os institutos.
2. NOVO CÓDIGO E A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO
Um novo momento processual. A nova codificação traz consigo diversas inovações no
procedimento, preocupando-se em possibilitar ao jurisdicionado uma prestação jurisdicional melhor,
não somente no sentido da celeridade processual, mas no entendimento macro de todos os argumentos
da decisão.
Com isto, a nova lei delimitou as maneiras em que a decisão judicial se considerar-se-á como
fundamentada, criando parâmetros objetivos para a prática do artigo 93 da constituição federal. O
regramento sobre a fundamentação na formação da sentença já constava na antiga codificação,
todavia, sua forma era totalmente subjetiva, somente requerendo a existência de uma fundamentação,
sem delinear ou delimitar como se proceder-se-ia em cada decisão.
Se havia uma mera menção a lei, artigo de lei, jurisprudência ou súmula, ainda que sem
argumentos pormenorizados, teoricamente, a decisão estaria fundamentada. Entretanto, seria isto o
que a constituição determina como fundamentação? O legislador processual, nesta codificação,
entendeu que não.
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| Voltar ao sumário 138 Aspectos polêmicos do novo CPC
Com isto, a A nova lei trouxe requisitos essenciais e critérios objetivos sobre a fundamentação,
ampliando também para toda e qualquer decisão judicial, desde a sentença ou o acórdão, mas qualquer
decisão interlocutória.
Estes requisitos estão presentes no artigo 489, § 1º delineando a forma que o legislador
entendeu como essencial para chamar-se de fundamentação judicial, utilizando uma técnica por vezes
inversa, esboçando requisitos que não podem constar numa decisão, que, neste caso, restaria como não
fundamentada.
“A fundamentação como condição de validade das decisões judiciais decorre de exigência expressa
da vigente Constituição Federal, como acima ficou esclarecido. E nem seria necessário explicar em que consiste a fundamentação de uma decisão judicial, não houvesse a prática adotada por muitos
julgadores, infelizmente, consagrando entendimentos inadmissíveis a respeito do assunto. (..) O novo
Código de Processo Civil, ao exigir fundamentos como parte essencial, e indicar expressamente, no
1o do art. 489, acima transcrito, as hipóteses nas quais qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, considera-se não fundamentada, deixou fora de qualquer dúvida
que os equívocos consagrados pela prática jurisdicional a esse respeito não podem continuar a serem
praticados.” (MACHADO, 2015, p.72/74)
Uma maneira antagônica de conceituação, de forma a delimitar o que não é fundamentação,
consequentemente, sabendo-se o que não pode constar/realizar numa decisão. Se a lei diz o que não é
fundamentação, o caminho inverso explica o que encaramos como fundamentação.
Este dispositivo é um dos mais importantes da nova codificação, uma disposição objetiva de
fundamentação. Num mundo perfeito, com a simples previsão legal constitucional, a decisão judicial
já seria respeitada em sua fundamentação, com toda uma construção analítica processual, respondendo
todas as teses jurídicas, seguindo ou analisando os precedentes e pormenorizando os fatos e suas
consequências no direito.
Infelizmente, há exageradas lacunas no cotidiano forense nesta subjetividade da
fundamentação, com a necessidade de uma microssistema de explicação da fundamentação.
Dessa forma, almeja-se com este dispositivo uma melhoria na decisão judicial, justamente para
corresponder com os anseios constitucionais, tanto quanto aos anseios dos procuradores e, mais
importante, das partes. Talvez, possamos imaginar que o código preocupou-se em positivar o óbvio,
porém essa necessidade nasce do cotidiano processual forense quando, tristemente, encontram-se
repetidamente diversas decisões judiciais generalizadas, com argumentos desconexos com a situação
em questão ou omissos, com lacunas evidentes na prestação jurisdicional.
A necessidade da fundamentação, chamada de analítica, é evidente, justamente por esta
reiteração de decisões com argumentos quase que vazios. O artigo 489, § 1º elenca requisitos como
não aceitar-se a simples indicação de norma, sem a devida explicação da correlação desta referida com
a questão posta em juízo, tampouco pode se considerar fundamentada uma decisão em que o juízo
utiliza conceitos jurídicos indeterminados (exemplos, “ausente a boa-fé”, “ocorrendo a
Voltar ao sumário
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imprevisibilidade”, etc.), sem explicá-los ou relacioná-los devidamente com o caso em questão na
demanda.
“Deve-se sublinhar que os dispositivos (…) dizem respeito não só à sentença, mas a quaisquer
decisões judiciais. Quando se estuda a motivação da decisão, na verdade, o que se estuda é o que
aparece na decisão, que seria uma espécie de “fachada”, mas mesmo assim, é interesse estudar esse
fenômeno, já que representa, pelo menos, o que é compreendido como satisfatório para figurar como
fundamento da decisão, em face das exigências do dado sistema.” (WAMBIER, CONCEIÇÃO,
RIBEIRO, MELLO, 2015, p.793)
Outra preocupação constante na impossibilidade de invocar-se motivos que servem para basear
qual decisão, de maneira genérica, (exemplos, “presentes os requisitos para a concessão”, “ausente a
demonstração do direito” etc.) sem delinear os motivos pelo qual o juízo encontra aqueles pontos ou
requisitos no caso para proceder daquela maneira.
A preocupação em delimitar-se estas situações passa por almejar-se uma prestação
jurisdicional mais explicativa, com uma visualização pela parte da análise realizada naquele caso, com
a relação entre os fatos do caso e a norma que lhe é aplicada.
O juízo deve também enfrentar todas as teses jurídicas que as partes invocaram na demanda,
seja para a procedência ou a improcedência, com a necessidade de discussão sobre a matéria, mesmo
que seja somente para negá-la.
Impensável aceitar-se que as partes formulem argumentações jurídicas que não terão respostas
judiciais. Seria autorização – como acontece hoje – para uma não prestação jurisdicional. Uma
legalidade de algo ilegal.
“Não é o caso, assim, de deixar de pronunciar a nulidade. Na verdade, a questão é que, mesmo
anulando a sentença, não serão os autos mais remetidos à instância originária, podendo o tribunal,
desde logo, apreciar o meritum causae. A questão, repita-se, diz respeito à supressão de uma instância
em favor de se obter um julgamento definitivo em menor espaço de tempo. É importante ter em vista a necessidade de que, efetivamente, a nulidade seja pronunciada pelo tribunal ad quem nestes casos
até mesmo em observância à correta técnica de julgamento nos órgãos colegiados. Parece-nos que,
para aplicar o disposto no art. 1013, §3º., IV, do Novo CPC (como, mutatis mutandis, todas as demais
hipóteses de “causa madura”), o tribunal deve, antes de tudo, (i) anular a sentença por deficiência de
fundamentação. Posteriormente, deve haver nova deliberação a respeito (ii) da possibilidade de
julgamento imediato do mérito, pela desnecessidade da produção de outras provas e, em caso
positivo, (iii) devem os julgadores, finalmente, proceder à análise do meritum causae.” (SIQUEIRA,
2015)
A parte não pode ficar processualmente desamparada, sem a resposta judicial sobre cada ponto
de sua argumentação jurídica, inadmissível, processualmente, aceitar-se uma situação desta. O intuito
é verificar que toda tese jurídica levantada pelas partes deve ser enfrentada, para, somente desta
forma, alcançar-se uma efetiva e qualificada prestação jurisdicional.
2.1 A fundamentação e o precedente judicial
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 140 Aspectos polêmicos do novo CPC
A tendência exposta na nova codificação foi pela valorização do precedente judicial. Uma
tentativa de mudança dogmática na fundamentação jurídica, com uma integridade maior das decisões
judiciais com um respeito ao que se decidiu, primando pela segurança jurídica.
Imagine-se que o juízo de primeiro grau e os tribunais devem respeitar e, nos limites de sua
inferioridade hierárquica, seguir os precedentes judiciais firmados em tribunais superiores. Um
respeito ao microssistema de formação de precedentes, prestigiando-se a coerência, integridade e a
segurança jurídica, bens imensuráveis processualmente.
Ao respeitar-se o decidido nos tribunais superiores, com a sua aplicabilidade para os casos
idênticos posteriores, prioriza-se a segurança jurídica para a sociedade, para aquele jurisdicionado em
cada caso similar existente ou futuro, bem como um todo socialmente, ciente de que naquela situação
a decisão judicial tem um parâmetro normativo de precedente.
O mesmo artigo 489, § 1º dispõe que na fundamentação, não se pode, quando houver um
precedente sobre a questão: “se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar
seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles
fundamentos” ou “deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela
parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento.”
Estes dois dispositivos regulamentam a fundamentação da decisão e a devida utilização do
precedente. Na primeira hipótese, há a indicação que ao entender o juízo que aquela situação de
determinado processo parece similar com um julgado anterior, com a possibilidade de utilização de
determinado precedente, deve fundamenta-se, de maneira pormenorizada, sobre a similitude fática e
jurídica entre os casos – do processo em questão e o precedente – para que as partes verifiquem e
entendam a construção jurídica realizada, seja em direito material ou processual, pelo juízo que
autorize a aplicabilidade do precedente judicial naquela situação. Não se permite que o precedente
seja utilizado sem uma explicação fundamentada que o interligue ao caso em que pretenda utilizar a
mesma solução jurídica normativa constante no precedente.
“A primeira, de índole objetiva, toca ao comando “dever” que, por certo, depreende-se da inteligência
do dispositivo em comento, ao dispor que juízes e tribunais observarão ditas decisões, enunciados,
acórdãos, súmulas, orientações a que os próprios incisos do art. 927 prestam conta. Logicamente, dito
respeito não se faz às “cegas”! Como bem dita o §1º. do próprio art. 927, ao decidir sob o manto do
que estabelece os incisos supracitados, deverá o órgão julgador subordinar-se às exigências dos arts.
10 e 489, §1º., estes responsáveis pelas balizas relativas à correta validade dos fundamentos das
decisões, prevendo o respeito à oportunidade das partes de terem se manifestado sobre o que se
fulcrará como base da fundamentação, isso no decorrer da marcha processual (art. 10), bem como se
limitar a invocar “precedente” ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos e ainda,
deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou “precedente” invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, ex vi do
art. 489, §1º., V e VI.” (GAIO JR, 2015)
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| Voltar ao sumário 141 Aspectos polêmicos do novo CPC
Todo precedente tem uma ratio decidendi, A formação de um precedente não está em sua parte
dispositiva. O importante é a sua fundamentação quanto à tese jurídica, a construção cognitiva daquela
questão jurídica anterior, julgada naquela demanda que gerou o precedente. O ato de decidir não é o
que forma o precedente, mas o caminho que levou-se para chegar na convicção da decisão. Isto é o
que forma e o que importa para a aplicabilidade futura.
O que seria essa ratio decidendi? A definição do conteúdo e dos limites da decisão. Numa
tradução informal, as razões de decidir.
Segundo Deflorian apud Gordon, a ratio decidendi consiste no princípio do direito com base no qual
o caso é decidido. Nas palavras de Tucci, a ratio decidendi, “constituem a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto”. A ratio decidendi evolve questões levantadas no processo
que foram fundamentais para a formação da decisão judicial”. (SOARES, 2014. p. 49)
Toda e qualquer decisão cria uma norma jurídica, a interpretação do juízo sobre a relação fato
x lei. O resultado da decisão é a norma jurídica almejada para a resolução do conflito de interesses
tutelado pela jurisdição. Essa norma criada pelo ato de julgar se limita as partes, àquela solução
jurídica para o caso em concreto posto em juízo. No entanto, há outra norma criada na decisão, com
conteúdo universal, que ultrapassa os limites da lide e que não está na parte dispositiva, mas na sua
fundamentação.
Neste ponto da decisão que o juízo traça um caminho de delimitação, com a análise dos pontos
fáticos que estão em julgamento, as intersecções jurídicas afeitas ao caso concreto, é neste ponto que
se encontra a ratio decidendi. A interpretação dos fatos e sua relação com o direito existente resulta
numa norma jurídica criada no julgamento, não limitada às partes, por não constarem da decisão, da
parte dispositiva, contudo perfazem uma linha de fundamentação para construírem o pensamento
jurídica que embasa o resultado final. Dessa forma, a ratio decidendi é “tese jurídica acolhida, no
caso concreto, pelo julgador, sendo composta por 03 elementos: (i)indicação dos fatos relevantes da
causa (statement of material facts); (ii) raciocíniológico-jurídico da decisão (legal reasoning); e (iii)
juízo decisório ( judgement).“ (REDONDO, 2014, p. 174)
Quando se utilizar o precedente – e também o enunciado de uma súmula – pelo teor do artigo
489, § 1º, V, o juízo deve, fundamentadamente, relacionar as causas que interligam o que se pretende
decidir com o que já foi decidido, o conteúdo da ratio decidendi do precedente. Há a necessidade de
interligação entre o precedente e o caso em julgamento e, além desta interligação, há o dever da
demonstração pelo juízo do enquadramento desta interligação.
O respeito ao precedente não passa pela sua utilização de qualquer maneira, sem um
regramento. Para uma real respeitabilidade ao precedente, o juízo deve, ao invocar a utilização deste,
delinear claramente os motivos e razões de identidade entre a ratio decidendi do precedente e as
questões fático-jurídicas existentes naquela demanda a se julgar.
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| Voltar ao sumário 142 Aspectos polêmicos do novo CPC
Somente utilizar, de forma automática, um precedente, sem maiores explicações ou
interligações entre a causa e a ratio decidendi, invalida totalmente a decisão, com uma total omissão
quanto a fundamentação.
Na outra hipótese, em sentido inverso, há o dever do juízo, no momento de sua cognição, em
analisar o precedente existente sobre a matéria, não podendo, quando existir um posicionamento
preexistente, ignorá-lo, simplesmente deixando-o de lado. Exige-se aqui dois pontos: uma vinculação
ao precedente se houver identidade ou realizar-se fundamentadamente a superação, seja por distinção
ou por revogação.
Não se admite, de forma nenhuma, que exista um precedente e o juízo, qualquer deles, decida
uma questão idêntica ou parecida, sem qualquer manifestação sobre aquele precedente. Como decidir
sobre determinada matéria, sem a análise pormenorizada do precedente? Há essa necessidade, esse
dever de análise sobre o precedente, ainda que seja para contemplar a sua não utilização, devendo ser,
de toda forma, objeto da análise para construção da fundamentação.
O dispositivo legal, neste momento, prima pela necessidade do juízo analisar os precedentes
parecidos com aquela situação do caso, com uma necessária cultura de vinculação, seguindo o teor da
decisão anterior, quando enquadrado fática e juridicamente àquela situação. Somente deve deixar de
seguir o precedente se houver a distinção de conteúdo entre o caso e a ratio decidendi ou a superação
do precedente por não conter mais validade social ou jurídica em sua aplicabilidade. Sem qualquer
destas hipóteses, o precedente, vinculante ou não, deve ser respeitado e, de certa forma, seguido.
Uma decisão judicial que ignora um precedente, sem qualquer menção ou vislumbre de sua
existência, decidindo somente por outros argumentos, ainda que legítimos, comete uma ausência de
fundamentação. O precedente sobre determinada matéria é, como vimos, uma norma que interliga o
caso em concreto e a aplicabilidade da norma, com poder vinculante ou poder persuasivo. Se, para
uma situação fática idêntica ou parecida, já temos um trabalho cognitivo argumentativo de um tribunal
sobre a questão, com o enfrentamento de diversos pontos e matérias, por qual motivo o juízo deve ou
possa simplesmente ignorá-lo? Evidentemente que não.
Pertinente que o juízo enfrente a adequação daquele precedente judicial existente para aquela
situação colocada na demanda, com a fundamentação, seja pela sua utilização ou, principalmente, pela
sua não utilização. O juízo deve julgar conforme uma construção jurídica para aqueles fatos
determinados, se o judiciário, em uma instância superior, tem julgados com todo um enfrentamento
jurídico sobre a questão, com ainda validade e pertinência social e legal, por qual motivo o juízo seria
autorizado a ignorá-lo? Nenhum. Deve utilizar o precedente em sua fundamentação, notadamente.
Em qualquer destas hipóteses, há uma notória necessidade de fundamentar-se sobre o
precedente judicial. Decidir sem considerar-se o precedente, com total ignorância, simplesmente
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 143 Aspectos polêmicos do novo CPC
deixando-o de lado, como se houvesse uma total liberdade judicial para a decisão, evidentemente
configura uma ausência de fundamentação. Deve-se, dentro do ordenamento jurídico, respeitar-se o
precedente judicial, seja na qualidade de explicar-se o motivo de deixar de utilizá-lo ou quando for
possível essa utilização por sua identidade com o caso em questão.
3. DISTINGUISHING
Uma vez formado o precedente, em suas diversas formas, com a definição da sua ratio
decidendi, quando algum juízo estiver diante, num momento posterior, de uma ação possivelmente
idêntica, para visualizar a aplicação, ou não, do precedente, se faz necessária a comparação entre a
ratio decidendi do precedente com os fatos inerentes a este caso. Para a aplicação de um precedente,
há a necessidade de congruência entre a ratio decidendi do precedente com o conjunto fático daquela
causa. Somente com a equiparação dos “fundamentos jurídicos que sustentam a decisão” do
precedente e a situação fática daquele processo em julgamento, consegue-se decidir se há relação
entre ambos que permita a aplicabilidade do precedente. (DIDIER JR, BRAGA, OLIVEIRA, 2015.
p.442)
O resultado desta equiparação leva a alguns caminhos, o mais importante seria culminar na
aplicabilidade do precedente neste novo processo. Entretanto, há a possibilidade da incongruência
entre os fatos desta ação com a ratio decidendi do precedente firmado. Nesta situação, não há a
possibilidade de utilização do precedente por não haver um enquadramento da situação processual
com a situação do precedente, sem enquadramento correto, há uma distinção, uma diferença entre os
casos, o que leva a recusa do juízo em aplicar o precedente.
Não há, no entanto, uma recusa ao precedente por sua validade. A não utilização do precedente
é por não servir como base para aquela demanda, por diferença de fatos ou de matérias. O juízo não
discorre em nenhum momento sobre a validade do precedente, somente houve uma tentativa de
aplicação, com a eventual impossibilidade de utilização.
Mais do que isso, ao se afastar de determinado precedente por ocasião de eventual distinção, não se
está a questionar sua validade, eficácia, legitimidade ou a hierarquia do tribunal que o formou, mas
apenas a afirmar que se trata de direito não aplicável à espécie. Até mesmo por isso é que,
diferentemente do overruling, a distinção (distinguishing) pode ser realizada independentemente do
nível hierárquico dos órgãos prolatores da decisão e do precedente.” (NUNES, HORTA, 2015)
A superação do precedente ocorre pela sua não aplicabilidade para aquele caso em concreto
por divergência nos fatos entre o precedente e a demanda. O direito anglo-saxão concede o nome de
distinguishing. Na tradução que o próprio código concede ao delimitar um pedido da parte da
aplicabilidade do instituto no artigo 498, § 1o, VI chega-se ao nome de distinção.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 144 Aspectos polêmicos do novo CPC
Uma autêntica distinção do caso em concreto com o precedente. Há uma recusa na utilização
do precedente? Sim, a recusa, nesta hipótese, ocorre por ausência de correspondências entre os casos,
a ratio decidendi do precedente e a ação julgada com a aplicação da distinção. Além da técnica de
julgamento de superação de precedentes, cabe também as partes, alegarem a distinção, com a
demonstração ao juízo a diferença existente e a inaplicabilidade daquele precedente.
Evidente que para a utilização do distinguishing, ou distinção, o juízo deve, de forma
fundamentada, delinear as diferenças entre a ratio decidiendi do precedente, com a ação que está a
julgar, demonstrando, de forma clara, que não há razoabilidade e congruência para a aplicação do
precedente, afastando-o. Sobre esta matéria, o Fórum Permanente de Processualistas Civis editou o
Enunciado n.º 306, dispondo sobre a utilização do distinguishing que “o precedente vinculante não
será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir o caso sob julgamento, demonstrando,
fundamentadamente, tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução
jurídica diversa.”
Por esta necessidade de comparação entre a ratio decidendi e cada caso parecido posterior ao
precedente, o conteúdo e delimitação da ratio decidendi deve ser o mais perfeito e claro possível.
Quanto melhor e maior a clareza de identificação da ratio decidendi, mais fácil e evidente fica
aos juízos inferiores em casos posteriores a utilização do precedente. Uma eventual ratio decidendi
mal delimitada ou confusa ocasiona possíveis aplicabilidades errôneas do precedente em casos
análogos futuros, quando, na verdade, seriam casos para realizar o distinguishing.
Pertinente uma análise minuciosa, pelo juízo da ação futura, para a aplicação correta do
precedente e, se necessário, a utilização do distinguishing para afastar os precedentes em casos com
situações diversas daquelas delimitadas pela ratio decidendi.
Não há no distinguishing uma invalidação ou revogabilidade do precedente, tampouco análise
sobre a sua inutilidade. O juízo somente se debruça sobre a análise cuidadosa sobre os fatos e o
precedente, com a sua ratio decidendi, com o cuidado na aplicação da tese firmada. Se a decisão for
pela não utilização do precedente, vale somente para aquele caso, com aquele conjunto fático
probatório, com a permanência total da validade do precedente para os casos em que a ratio decidendi
for coincidente.
4. O DISTINGUISHING E A DISTINÇÃO: SINÔNIMOS?
O distinguishing como técnica trazida pelo commom law é uma forma de fundamentação da
decisão judicial quando se enfrenta um precedente, realizando a análise comparativa com as questões
e limites fáticos daquela demanda. O intuito é, num primeiro momento, comparar a ratio decidendi do
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 145 Aspectos polêmicos do novo CPC
processo a ser julgado com a do precedente paradigmático, para, após, o cotejo analítico concluir se há
ou não possibilidade de utilização e enquadramento.
Em caso positivo, utilizar-se-á o precedente como base motivacional decisória. No sentido
inverso, a utilização serve para distinguir as questões comparadas, afastando o precedente para
concluir que as matérias – do processo e daquele precedente – não guardam semelhanças entre as
ratios decidendi. Sem enquadramento material, o caminho é decidir por não utilizar o precedente, por
não servir para a resolução daquela demanda em específico.
No CPC/2015, a palavra distinção aparece no artigo 498, § 1o, VI, como forma de
fundamentação, como já vimos, após o juízo verificar a existência de um precedente, decidir por
utilizá-lo, superá-lo ou distingui-lo. Nesta última hipótese, situação e momento processual, a palavra
distinção tem o mesmo significado do distinguishing, não guardando nenhuma diferença, sendo
somente a tradução da palavra do instituto do direito common law para a positivação do novo
ordenamento processual.
A distinção não é uma novidade diante do judiciário brasileiro, bem como no civil law,
somente houve a positivação e regulamentação do instituto, organizando-o como técnica de
fundamentação da decisão, como preconizado no artigo 498, § 1o, VI. Um grande avanço na
sistemática decisória.
5. O DISTINGUISHING E O PEDIDO DE DISTINÇÃO: INSTITUTO
DIFERENTES?
O distinguishing, como já explanado, está disposto na comparação analítica entre as ratios
decididendi do processo e do precedente para que o juízo, ao decidir, deixe de seguir a orientação do
precedente por não coincidência fática material, afastando-o por este motivo, sem adentrar-se na
validade ou superação/revogação do precedente.
Deste conceito verifica-se a presença de alguns elementos: processo a ser julgado, precedente
suscitado, análise judicial e afastamento por não enquadramento.
Já o pedido de distinção é o mesmo que o distinguishing? Depende do momento de sua
utilização e qual o mérito deste pedido. Delinearemos duas situações.
5.1. O pedido de distinção como argumentação postulatória – inicial,
contestação, impugnação ou alegações finais
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Quando a parte – quaisquer delas – utilizar a distinção como argumentação para refutar um
precedente, por vezes suscitado pela outra parte ou mencionado pelo juízo, mencionando que não há
congruência das situações fáticas e jurídicas deste processo com aquele que serve como base
comparativa, com o requerimento pela desconsideração do precedente no momento da cognição
decisória, há uma das espécies de pedido de distinção.
Nesta possibilidade, o pedido de distinção tem o mesmo significado que um pedido pelo
distinguishing, já de que a parte pleitearia ao juízo para, quando for sentenciar ou eventual decidir de
maneira interlocutória, proceda o afastamento do precedente, com base no disposto no 498, § 1o, VI,
distinguindo as situações.
O intuito da parte, aquela que assim pleiteia, é demonstrar, diante do argumento comparativo
entre os casos, que a sua conclusão mais correta seria no sentido do afastamento, o que leva ao pedido
de igual maneira.
5.2 A decisão de afetação e a suspensão dos processos de identidade material
Para um melhor entendimento, a decisão de afetação é aquela que o tribunal, geralmente o
superior, profere uma delimitação da matéria sobre a qual formará um precedente num julgamento por
amostragem, num recurso ou incidente em rito repetitivo.
A importância desta decisão é enorme para a formação de um precedente. Se o formato do
julgamento será num rito por amostragem, com a resolução de um ou alguns processos, para, após,
servirem de base para os demais processos idênticos, é de suma importância que antes do início deste
rito seja proferida a decisão de afetação da matéria, com a delimitação de quais pontos materiais têm a
relevância para as espécies de julgamento diferentes do normal e, consequentemente, os limites fáticos
materiais do futuro precedente.
“o relator, na decisão de afetação, identificará a questão as questões a ser (em) submetida(s) a
julgamento, determinando a suspensão dos processos, quaisquer que sejam e quaisquer as fases em
que se encontrem, agora em todo território nacional e poderá requisitar aos presidentes ou aos vice-
presidentes dos Tribunais de Justiça ou dos Tribunais Regionais Federais a remessa de um recurso representativo da controvérsia.” (WAMBIER, CONCEIÇÃO, RIBEIRO, MELLO, 2015, p.1514)
A decisão de afetação será o parâmetro comparativo entre aqueles processos representativos da
controvérsia – aqueles escolhidos para serem julgados – e todas as demais demandas idênticas
existentes no judiciário regional ou nacional. Uma autêntica baliza fática material.
Uma vez delineada a matéria pela decisão de afetação, o próximo passo, ainda pelo relator é
determinar que “haja a suspensão dos demais processos que estejam em curso no Brasil, e que versem
sobre a mesma questão de direito.” (WAMBIER, CONCEIÇÃO, RIBEIRO, MELLO, 2015, p.1516)
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A decisão de afetação realizada pelo relator – do tribunal superior ou de segundo grau –
delimitou a matéria e os fatos repetitivos e determinou a suspensão de todos os processos idênticos no
âmbito territorial que lhe compete, estadual ou federal. O próximo passo é do juízo em primeiro grau,
a quem compete, neste momento, a verificação da similitude fática entre a matéria determinada como
afetada e aquele processo, com duas possibilidades: suspender pela similitude fática e material,
aguardando a decisão do tribunal ou não suspender pela ausência de enquadramento fático e material
entre os limites da afeção e aquele processo.
Chegamos, então, ao ponto de início das divergências entre o distinguishing e a distinção feita
pelo juízo, nesta ocasião. Não há, ainda, precedente a ser comparado, somente uma decisão
embrionária de afetação da matéria e pedido para que suspenda todos os processos de igual matéria de
forma preventiva.
Na hipótese do juízo optar pela suspensão do processo em primeiro grau, ainda não há o
precedente formado, há somente uma expectativa futura de que este existirá, contudo, nesta demanda,
a análise feita para culminar na suspensão foi pelo enquadramento material a uma decisão de afetação,
o que já o difere da possibilidade de distinguishing, nesta situação, como técnica de superação de
precedente,
Se, por outro lado, o juízo não enquadrar o processo com matéria parecida naqueles que serão
suspensos, essa distinção seria idêntica ao distinguishing? Não, por dois motivos. Primeiro, se o juízo
de primeiro grau, ao ser cientificado da decisão de afetação não visualizar naquele processo um
enquadramento material, nem decidirá no processo, simplesmente prosseguirá com o trâmite. Outro
motivo é pelo simples fato de que não existe ainda um precedente para aquela matéria. A comparação
do processo, de maneira preventiva, é realizada entre um processo de primeiro grau e um recurso
representativo da controvérsia ou um incidente repetitivo, não com um precedente. Se o juízo não
suspendeu o processo, não realizou o distinguishing, mas, sim, uma distinção diversa deste instituto.
5.3 O pedido de distinção como pleito de retirada da suspensão do processo por
rito ou incidente repetitivo
Se o juízo de primeiro grau, ao ter ciência da decisão de afetação, ao ter ciência da decisão de
afetação, decide pelo enquadramento material, com a devida suspensão do processo sob sua
competência, o teor decisório impacta as partes, tanto o autor como o réu daquela demanda.
Neste caso, cabe a estas partes analisarem a decisão de afetação dada em rito repetitivo,
comparando-a com a matéria de seu processo, em primeiro grau. Se houver coincidência material, não
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há nada o que ser feito, a não ser esperar pelo desfecho do julgamento repetitivo e posterior
aplicabilidade do precedente a ser formado em sua demanda.
No entanto, em outro sentido, ao visualizar uma inconsistência entre as matérias – afetada e a
do processo em primeiro grau – pode realizar o pedido de distinção. Se o processo estiver em primeiro
grau, ao juiz da causa, se em segundo grau, ao relator do recurso sobrestado, se em tribunal superior,
também ao relator do recurso sobrestado. Independe, portanto, do juízo em que estiver o processo.
A distinção foi regulamentada no CPC/2015 no artigo 1037, §8º a §10,136
quando qualquer das
partes entender que o seu processo não tem coincidência com a questão de direito mencionada na
decisão de afetação, deve requerer a distinção do seu caso, seja em recurso ou incidente repetitivo, em
requerimento próprio dirigido ao juízo responsável pelo processo e pelo sobrestamento.
O intuito deste pedido de distinção, feito pela parte em processo afetado no primeiro grau, é
requerer que o seu caso não continue suspenso por uma decisão que, a seu ver, foi proferida em
matéria diversa, não guardando similitude material com o processo do rito repetitivo.
Nesta hipótese, a parte deve demonstrar fundamentadamente que seu caso versa sobre situação
particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não abrangida pelo objeto do incidente, a impor solução jurídica diversa (art. 1.037, §9º, CPC, previsto para o incidente de julgamento de
recursos extraordinários e especiais repetitivos, mas aplicável ao IRDR pelo apelo ao microssistema.”
(CUNHA, DIDIER JR, 2016, p.601)
No pedido de distinção existente no artigo 1.037, §10 não temos o precedente ainda, mas
somente uma decisão de afetação que transformou um recurso ou aceitou um incidente em rito
repetitivo. A matéria em questão não é fruto de uma decisão existente que será usada como
precedente, mas de uma delimitação pela afetação dos limites materiais definido como um rito
repetitivo. Não há a presença de um precedente, ainda.
Ao decidir pela suspensão, o juízo de primeiro grau decidiu pelo enquadramento preventivo.
Qualquer das partes, se entender que não há similitude material para tanto, demonstrando que há um
equívoco nesta situação processual, pode requerer o pedido de distinção, nos moldes do artigo 1037,
§10, para que o juízo retire o processo da suspensão, analisando-o novamente. O argumento da parte
136 Art. 1.037. (…) § 8º As partes deverão ser intimadas da decisão de suspensão de seu processo, a ser proferida pelo respectivo juiz ou relator quando informado da decisão a que se refere o inciso II do caput. 9º Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo. § 10. O requerimento a que se refere o § 9º será dirigido: I. ao juiz, se o processo sobrestado estiver em primeiro grau;
II. ao relator, se o processo sobrestado estiver no tribunal de origem; III. ao relator do acórdão recorrido, se for sobrestado recurso especial ou recurso extraordinário no tribunal de origem; IV. ao relator, no tribunal superior, de recurso especial ou de recurso extraordinário cujo processamento houver sido sobrestado. § 11. A outra parte deverá ser ouvida sobre o requerimento a que se refere o § 9º, no prazo de 5 (cinco) dias.
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caminha pela falta de similitude entre a decisão de afetação e a sua demanda, com uma notória
distinção fática material.
Ao receber o requerimento, o juízo de primeiro grau possibilita o contraditório sobre o
requerimento, com a devida intimação da outra parte para manifestar-se sobre o pedido de distinção
realizado. Após o prazo da manifestação, realizada ou não, o juízo passa a analisar se há distinção
entre o processo sobrestado e o conteúdo da decisão de afetação, com duas possibilidades de decisão:
manutenção do sobrestamento pela identidade da questão de direito com o processo ou a distinção
entre os casos, retirando o processo do sobrestamento, com o devido processamento normal para o
processo.
De ambas as decisões, a parte que entender como prejudicada pode interpor recurso, na
hipótese de decisão do juízo de primeiro grau, a correspondência é com o agravo de instrumento, as
demais possibilidades podem ser impugnadas por um agravo interno.
Ao analisar o pedido de distinção realizado por uma das partes, o juízo não se debruça no
distinguishing, existente como técnica de superação de precedentes, mas, sim, sobre um pedido que
pleiteia uma revisão na comparação prévia realizada pelo juízo para a verificação de distinção, com
um pleito pela retirada da suspensão imputada anteriormente àquele processo.
Na atividade judicial realizada neste momento, há uma clara divergência entre essa distinção e
o distinguishing: a decisão sobre proveniente desta análise será interlocutória, não uma sentença,
como na técnica de superação de precedente.
A diferenciação é notória, são, neste caso, institutos diferentes, por mais que extraiam do juízo,
em ambos uma análise comparativa resultando em uma distinção ou não.
O intuito da parte, neste momento, ao entender pelo pleito pela distinção do seu processo
daquela decisão de afetação, não quer o enquadramento do seu caso àquela matéria, tampouco, a
suspensão de seu processo. Com o pedido de distinção, a parte já argumento a diferença material entre
o seu processo e a matéria afetada, já adiantando entender que o precedente futuro a ser firmado, em
nada guarda relação com seu processo.
Se há diferença material entre a decisão de afetação e o processo em primeiro grau, não há
motivos para este processo continuar afetado e suspenso por uma matéria diversa. Por isso, pertinente
o pedido de distinção, que o juízo profira uma decisão sobre esta comparação entre as matérias – a da
decisão de afetação e a deste processo – para uma visualização se o enquadramento foi correto.
6. DIFERENÇAS ENTRE OS DOIS INSTITUTOS
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Após a explanação sobre os dois institutos, o distinguishing e o pedido de distinção, pertinente
a visualização comparativa entre as duas espécies.
Numa primeira análise, quando o pedido de distinção for um pleito com o intuito a influenciar
a sentença, com uma argumentação pelo afastamento da utilização de determinado precedente para o
julgamento daquele caso, realmente este pedido de distinção nada mais é, do que a tradução do
distinguishing.
Em outro ponto, se o pedido de distinção for para retirar o processo de um sobrestamento
provocado por uma decisão de afetação em rito repetitivo – recurso ou incidente, a distinção pleiteada,
apesar de parecida, não guarda convergência com o distinguishing, por se tratar de outro momento e
outra espécie de análise comparativa.
Numa análise ampla, ambos os institutos – distinguishing e distinção – são inerentes a uma
decisão judicial, notadamente fundamentada, com a visualização sobre a matéria do precedente
judicial e a do caso concreto em questão, contudo, cada qual com funções e momentos processuais
diferentes.
A diferença é notória, são institutos diferentes, por mais que extraiam do juízo, em ambos, um
resultado pela distinção. O distinguishing é, como vimos, uma técnica de superação de
precedente, uma possibilidade de interpretação sempre que houver a existência de um precedente e,
consequentemente, a visualização se há identidade entre os aspectos fático-jurídicos daquela demanda
a ser julgada com o conteúdo da ratio decidendi do precedente a ser invocado. Utiliza-se o precedente,
dentro de sua análise, para afastá-lo, fundamentando na sentença que não cabe para o caso em
questão.
“A previsão do “distinguishing” insere-se no campo de fundamentação das decisões judiciais, pois estas serão tidas como não fundamentadas (e inválidas, portanto) quando o juiz ou o tribunal “deixar
de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a
existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento” (art. 489, § 1º, inc.
VII).” (MARCATO, 2015, p.57)
Sempre que houver a possibilidade de utilizar um precedente judicial de determinada matéria,
há de se verificar se corresponde a uma mesma situação, com uma identidade entre os processos. Essa
análise é primordial para um enquadramento correto do precedente judicial para a questão a ser
julgada. Se o precedente deve balizar o julgamento, para ajudar o juízo na construção da decisão
judicial, utilizando uma razão de decidir anteriormente utilizada, somente há serventia se houver uma
identidade entre os casos, para que não haja uma aplicabilidade equivocada do precedente, em uma
situação que nada guarda de relação com a situação.
Um precedente utilizado inadequadamente, em uma situação que não carecia de sua
aplicabilidade, acarreta transtorno pelo erro em sua fundamentação. Nestes casos, mesmo que o
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precedente seja correlato, por matéria parecida ao caso, deve haver a utilização da técnica de
superação de precedente, evidenciando a distinção entre as matérias, utilizando o distinguishing.
Essa técnica deve ser utilizada na própria construção da fundamentação da decisão judicial,
independente de pedido das partes, simplesmente como uma forma essencial para a utilização do
precedente, de maneira oficiosa pelo juízo competente, como vimos no artigo 489, § 1º, VI.
Caso o juízo não identifique uma relação entre os casos – precedente e o processo em
julgamento – deve, fundamentadamente, explanar que não utilizará o conteúdo do precedente judicial,
justamente por haver uma distinção entre a ratio decidendi e os argumentos fático-jurídicos daquele
processo, numa clara utilização do distinguishing.
O momento da utilização desta técnica de superação de precedente é na própria construção da
fundamentação da decisão, quando o juízo compara o precedente àquela situação processual. Neste
caso, há um precedente judicial formado e uma decisão em um caso ulterior a ser realizada, com a
utilização ulterior daquelas razões de decidir que motivaram o precedente.
Para a utilização, pelo juízo, do distinguishing não há necessidade de requerimento da parte
neste sentido, com a possibilidade de ser realizada pelo próprio juízo durante a prolação da sentença.
Já o pedido de distinção tem outro viés processual, realizado em outro momento. Na forma
como disposta, como vimos, no artigo 1037, §8º e §10, ao pedir a distinção, o intuito é utilizar o
conteúdo da decisão de afetação e sua delimitação material, para requerer que o juízo compare com a
matéria daquele processo em primeiro grau, distinguindo as questões e decidindo pela revogação da
suspensão.
Três pontos são bem diferentes nesta distinção, o primeiro é o resultado formal da resposta
judicial: uma decisão interlocutória sem resolução do mérito. A decisão de resposta ao pedido de
distinção sobre o sobrestamento é uma interlocutória, uma resposta se revoga a suspensão ou não, sem
uma definição meritória da demanda, o que, por si só, já diferenciaria do distinguishing.
Num outro ponto, a comparação é realizada com uma decisão de afetação e seus limites, não
com o precedente. Essa resposta ao pedido de distinção tem a relação com a afetação, concedendo
contornos diferentes de análise comparativa. E, por último, há a necessidade, para a legitimidade do
pedido de distinção, o momento processual do sobrestamento daquela demanda oriunda de alguma
decisão de afetação, por um julgamento de recurso ou incidente repetitivo.
O pedido de distinção nasce de um suposto equívoco do juízo no enquadramento daquele
processo, por seu conteúdo material, aos limites da decisão de afetação, com a determinação
“equivocada” pelo sobrestamento e vinculação da decisão que vier do mérito do julgamento por
amostragem àquele processo.
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Se há equívoco neste enquadramento, há a necessidade do pedido de distinção. Importante
visualizar que o precedente, diferentemente do distinguishing, ainda nem foi formado, a decisão de
afetação delimita a matéria para um futuro julgamento. Uma decisão para definir quais os limites
materiais de um precedente judicial que será formado e o impacto de sua aplicabilidade. Ainda não é o
precedente em si, mas uma decisão inicial, um ponto de parte para um procedimento que forma o
precedente, mas que já causa impactos nos processos com matéria idêntica.
7. CONCLUSÃO.
Os precedentes judiciais ganharam importância no novo código de processo civil, seja na sua
formação, pelo estipulado no artigo 926 da necessidade da uniformização da jurisprudência,
mantendo-a estável, integra e coerente ou na estipulação pelo artigo 927 de um rol de precedentes que
devem ser observados pelos juízos inferiores, na construção da decisão judicial em outros processos
com matéria idêntica.
O precedente judicial é uma norma jurídica delineada pelo juízo de um tribunal, com a
definição de uma ratio decidendi, com o enfrentamento da complexidade de argumentos e
exaurimento da matéria a ser decidida, para um melhor conteúdo decisório, e, consequentemente, uma
aplicabilidade mais precisa para os casos idênticos futuros.
Após a formação de um precedente, a aplicabilidade deste em casos idênticos posteriores é
questão de primordial importância, com a necessidade de uma análise de correlação entre os pontos
fático-jurídicos da ratio decidendi do precedente e do processo a ser julgado. Não é uma
aplicabilidade simples e discricionária, com uma liberdade total, necessita de uma identidade material
para uma utilização precisa entre o precedente e o caso a ser julgado. Quando houver a diferença
material, não há possibilidade do precedente judicial balizar essa nova decisão, entretanto, há de se
fundamentar que não há identidade que possibilidade a utilização.
O distinguishing tem iniciativa na própria atividade do juízo em seu momento decisório –
podendo ser oficioso ou a requerimento – e a devida construção cognitiva da fundamentação.
Diferentemente do pedido de distinção que ocorre em momento alheio a construção da decisão
definida da demanda, tornando-se somente uma análise interlocutória sobre possível equívoco no
enquadramento deste processo e o sobrestamento pela matéria afetada para ser julgada por
amostragem em rito repetitivo.
Desta forma, um dos vários aspectos que diferenciam os institutos está na formação da
distinção, enquanto no distinguishing a comparação é realizada entre a causa a ser decidida, pronta
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para a sentença, fundamentando-a numa comparação com base em um precedente existente, para
distinguir a situação meritória entre o processo e o conteúdo do precedente.
No pedido de distinção, em modo diverso, a análise comparativa é de uma decisão de afetação
realizada para balizar um futuro precedente que formar-se-á num procedimento de julgamento por
amostragem, com o caso em primeiro grau, com a necessidade de verificação de manutenção ou não
na suspensão processual.
São institutos muito parecidos, baseados na necessidade de distinguir a situação a ser decidida
de um precedente, seja ele já formado, no caso do distinguishing ou a ser formado no futuro, quando
do pedido de distinção, fundamentando-o no enquadramento equivocado da situação à afetação.
Apesar de ambos basearem-se em distinção, são institutos próximos, pela congruência no ato
de distinguir, porém são separados, com aplicabilidades diferentes, em momentos processuais
diversos, resultando em espécies formais de decisões diferentes.
Importante o estudo de diferenciação e delimitação de cada instituto, salientando os seus
aspectos semelhantes e seus pontos divergentes para balizar a sua aplicabilidade em cada situação
concreta.
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REALIZAÇÃO DA PENHORA NO CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA E A NECESSIDADE DE BIPARTIÇÃO
TEMPORAL DA IMPUGNAÇÃO
THE REALIZATION OF JUDICIAL AUTHORITY IN EXECUTION OF A SENTENCE AND
THE NEED FOR TEMPORAL DIVISION OF JUDICIAL APPEAL
Vinicius Silva Lemos137
RESUMO: Este artigo analisa a impugnação ao cumprimento de sentença no novo código de processo civil, com o deslocamento temporal inicial do prazo para logo após o transcurso daquele para o pagamento da
obrigação, gerando um reflexo diferente ao instituto nesta fase processual, adiantando discussões que anteriormente eram em outros momentos. Um estudo sobre os impactos pertinentes a essa nova impugnação e as alternativas sobre a apresentação de argumentos de fatos supervenientes. Palavras-Chave: Cumprimento de sentença; Impugnação; Penhora; Bipartição temporal
RESUMO: This article analyzes the appeal to the execution of a sentence in the new code of civil procedure, with the time shift page the deadline for soon after the passing of that for the payment of the obligation,
generating a different reflection to the office at this stage of the procedure, increasing discussions that were previously at other times. A study on the impacts related to this new appeal and the alternatives on the presentation of arguments of facts arising.
Key words: Execution of a sentence; judicial appeal ; judicial authority; temporal Division
1. INTRODUÇÃO
A nova norma processual é uma realidade no cotidiano jurídico, seja na academia ou na prática
forense, com a necessidade de estudo de suas mudanças, principalmente as mais impactantes neste dia
a dia do labor judicial.
137 Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil da Faculdade de Rondônia - FARO. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
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O cumprimento de sentença, especificadamente, é um dos pontos que mais foi alterado no
novel ordenamento, sempre visando proporcionar uma melhor efetividade das decisões judiciais
transitadas em julgado, trazendo uma nova sistemática processual.
A impugnação ao cumprimento de sentença foi deslocada temporalmente para o início desta
fase, com o intuito de definir-se logo o possível momento cognitivo, para, com sua resolução, ater-se a
somente almejar a satisfação específica contida no título executivo judicial. Com esta mudança no
trâmite da impugnação, há um certo impacto no instituto, nas matérias possíveis de argumentação,
bem como a possibilidade de manifestação posterior, o cerne deste presente estudo.
O intuito deste trabalho, diante da análise da impugnação e suas possibilidades processuais
defensórias do executado no cumprimento de sentença, passa pela necessidade de visualização da
criação de dois momentos, pelo CPC/2015, do ato impugnativo, um comum a todas as matérias
imaginadas pelo legislador e outro, posterior, sobre os fatos supervenientes, os quais estão
interligados, quase sempre, com a penhora e suas consequências.
2. O CUMPRIMENTO DE DECISÃO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL
Uma vez a sentença prolatada, com uma definição jurídica sobre a questão – ainda que
somente de extinção, há a possibilidade de se pleitear o cumprimento138
desta, com a finalidade de
satisfazer aquela obrigação que foi proferida pelo juízo. Com o trânsito em julgado daquela decisão,
esta se torna um título judicial executivo definitivo139
, com força para possibilitar a busca pela
efetividade daquele direito decidido na sentença (ou qualquer decisão de mesmo valor).
138 “O cumprimento de sentença é o título II do Livro I, nomeado Do processo de conhecimento e do cumprimento de sentença, da Parte Especial do Código de Processo Civil, compreendendo os artigos 513 a 538, que regulam as disposições gerais sobre o cumprimento de sentença, o cumprimento provisório e o definitivo de sentença que reconhece obrigação de pagar quantia, o cumprimento de sentença que reconhece obrigação
alimentícia, o cumprimento de obrigação de pagar quantia pela Fazenda Pública, o cumprimento de sentença que reconhece exigibilidade de obrigação de fazer, não fazer e de entrega de coisa.” MACEDO, Lucas Buril de. A eficácia das decisões judiciais e o cumprimento de sentença no CPC/2015 . Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.4 - Execução. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. 2a. Ed. JusPodivm, Salvador, 2016, p. 449 139 “Nada obstante, entende-se que a definitividade da execução/cumprimento de sentença ainda se caracteriza pelo trânsito em julgado, porquanto não mais passível de reforma ou modificação o título executivo,
exsurgindo daí, portanto, a imutabilidade necessária para a expropriação de bens do devedor e consequentemente afastamento do direito constitucional de propriedade sem as restrições caucionatórias do cumprimento provisório.” OLIVEIRA, Weber Luiz de. Execução da parte incontroversa no novo código de processo civil. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.4 - Execução. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. 2a. Ed. JusPodivm, Salvador, 2016, p. 410.
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Esta fase inicia-se, em regra, mediante a iniciativa da parte vencedora, que agora passar a
denominar-se de exequente, com a necessidade de impulso sobre o feito, para que inicie-se a fase de
cumprimento, seja de sentença ou de uma decisão.
A base geral legal do cumprimento de sentença está no art. 513, seguindo até o art. 519, diante
de um parâmetro geral de todas as espécies de cumprimento de sentença, depois dividindo-se em
outros capítulos específicos como: cumprimento provisório, cumprimento de sentença de quantia
certa, cumprimento de sentença para obrigação de fazer ou não fazer e cumprimento de sentença para
entrega de coisa.
2.1 A necessidade de requerimento para início do prazo para o pagamento
Diferentemente do CPC/73, o novel ordenamento prima pelo início da fase de cumprimento de
sentença para o pagamento de valores condenatórios na sentença mediante o requerimento do credor,
aquele que venceu a demanda. Há uma alteração no modo de início desta espécie de cumprimento de
sentença e as suas consequências, sai a visualização do trânsito em julgado como base de interligação
temporal de início desta fase, como o antigo art. 475-J preconizava e, naturalmente, entra a intimação
do executado sobre a petição de requerimento140
para que o cumprimento de sentença seja iniciado.
Diante deste prisma, enquanto o credor não agir processualmente em busca da satisfação
específica de seu crédito, não inicia-se o cumprimento de sentença e, tampouco, suas consequências
processuais ao executado.
Se no CPC/73, o prazo para o pagamento voluntário da obrigação contida na sentença
condenatória tinha como marca o dia posterior ao trânsito em julgado, ou, com a última alteração do
STJ sobre o tema141
, ainda durante a vigência do código revogado, também podia ser da intimação do
executado de que a decisão transitou em julgado.
140 “A exigência de manifestação expressa do demandante agrada parcela da doutrina que se manifestou a respeito do tema, sob a justificativa de que caberá ao demandante analisar as reais chances que tem de satisfazer
o seu direito diante da situação patrimonial do demandado, sendo exclusivamente sua a decisão a respeito de dar início ou não à fase de satisfação . Há corrente doutrinária, entretanto, que entendeu inadequada a criação de uma exceção ao princípio do impulso oficial, que inclusive continua a nortear o cumprimento de sentença nas obrigações de fazer/não fazer e entregar coisa certa.” NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. 8ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 1.554/1.555. 141PROCESSUAL CIVIL. LEI N. 11.232, DE 23.12.2005. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA. EXECUÇÃO
POR QUANTIA CERTA. JUÍZO COMPETENTE. ART. 475-P, INCISO II, E PARÁGRAFO ÚNICO, DO
CPC. TERMO INICIAL DO PRAZO DE 15 DIAS. INTIMAÇÃO NA PESSOA DO ADVOGADO PELA PUBLICAÇÃO NA IMPRENSA OFICIAL. ART. 475-J DO CPC. MULTA. JUROS COMPENSATÓRIOS. INEXIGIBILIDADE. 1. O cumprimento da sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória
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Sai a forma automática de atrelamento do prazo para o cumprimento voluntário ao trânsito em
julgado e entra esta vinculação novel com o requerimento realizado pelo credor do valor que a decisão
determinou, apresentando, este, o valor especificado como correto.
Este requerimento é revestido de uma solenidade formal, com requisitos próprios e parecidos
de uma petição inicial.142
O art. 524 determina, detalhadamente, que o requerimento a ser realizado
pelo credor deve guardar o cumprimento de uma lista de exigências, tais como: o nome completo, o
número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica do
exequente e do executado, observado o disposto no art. 319, §§ 1o a 3o; o índice de correção
monetária adotado; os juros aplicados e as respectivas taxas; o termo inicial e o termo final dos juros e
da correção monetária utilizados; a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso;
especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados; indicação dos bens passíveis de
penhora, sempre que possível.
O intuito de tais minuciosidades recai na necessidade um detalhamento postulatório para
proporcionar um maior entendimento pelo juízo, pela outra parte e eventual perito, sobre os
parâmetros utilizados para se chegar no valor cobrado daquela dívida/crédito. Quanto mais
informações, mais detalhes e melhor prestação jurisdicional.
Evidentemente que a falta de um dos requisitos não inviabilizará, de plano, a petição de
requerimento do cumprimento de sentença, devendo o juízo intimar o credor para manifestar-se sobre
o vício que a petição apresentar, concedendo-lhe prazo para adequação.
O cumprimento de sentença agora está, dessa maneira, totalmente atrelado o seu início ao seu
ato de requerimento, com a devida petição para tal feito. Sem requerimentos, sem início o
cumprimento de sentença.
de cálculo discriminada e atualizada. 2. Na hipótese em que o trânsito em julgado da sentença condenatória com força de executiva (sentença executiva) ocorrer em sede de instância recursal (STF, STJ, TJ E TRF), após a baixa dos autos à Comarca de origem e a aposição do "cumpra-se" pelo juiz de primeiro grau, o devedor haverá de ser intimado na pessoa do seu advogado, por publicação na imprensa oficial, para efetuar o pagamento no prazo de quinze dias, a partir de quando, caso não o efetue, passará a incidir sobre o montante da condenação, a multa de 10% (dez por cento) prevista no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil. 3. O juízo competente para o cumprimento da sentença em execução por quantia
certa será aquele em que se processou a causa no Primeiro Grau de Jurisdição (art. 475-P, II, do CPC), ou em uma das opções que o credor poderá fazer a escolha, na forma do seu parágrafo único – local onde se encontram os bens sujeitos à expropriação ou o atual domicílio do executado. 4. Os juros compensatórios não são exigíveis ante a inexistência do prévio ajuste e a ausência de fixação na sentença.5. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.(STJ, 3ª Turma (Corte Especial), Resp 940.274/MS, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, Rel. p/ Ac. Min. João Otávio de Noronha, j. 7/04/2010, DJe 31/5/2010)
142 “No sistema a ser implementado pelo NCPC, o requerimento de cumprimento de sentença deverá ser
instruído com demonstrativo discriminado e atualizado do crédito, devendo, ainda conter os demais requisitos dos incisos do art. 538 (nome, CPF/CNPJ, índice de correção monetária adotado, taxa de juros de mora aplicada, dentre outros.” ALVIM, Eduardo Arruda; ALVIM, Angélica Arruda. Alguns apontamentos sobre o cumprimento de sentença de pagar quantia. Execução civil e tema afins. Organizadores: ARRUDA ALVIM; ARRUDA ALVIM, Eduardo;, BRUSCHI, Gilberto Gomes; CHECHI, Mara Larsen; COUTO, Monica Bonneti. Editora RT: São Paulo, 2015 p. 225
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2.2 A devida intimação do requerimento para o pagamento voluntário da
sentença
A parte vencida, independentemente de intimação, pode cumprir a sentença transitada em
julgado voluntariamente, nos moldes do art. 526143
, comparecendo com este propósito em juízo144
,
contudo, acaba por não ser o usual no cotidiano forense, com a necessidade de que o vencedor
promova o devido requerimento de prosseguimento da demanda, com o pedido de cumprimento da
sentença.
Sem esse comparecimento voluntário e com o consequente requerimento pleiteado pelo
vencedor, há a necessidade de intimação para que o vencido cumpra a sua obrigação de pagar quantia
certa. A intimação145
ocorrerá de acordo com o art. 513, § 2º, o qual versa sobre as maneiras
processuais deste ato e as suas formalidades, tendo como opções: pelo Diário da Justiça, na pessoa de
seu advogado constituído nos autos; por carta com aviso de recebimento, quando representado pela
Defensoria Pública ou quando não tiver procurador constituído nos autos, ressalvada a hipótese do
inciso IV deste mesmo parágrafo; por meio eletrônico, quando, no caso do § 1º do art. 246, não tiver
procurador constituído nos autos; por edital, quando, citado na forma do art. 256, tiver sido revel na
fase de conhecimento.
A prioridade é que se realize a intimação na pessoa do advogado constituído, via diário oficial,
contudo quando não houver procurador constituído ou quando o devedor for representado pela
143 Art. 526. É lícito ao réu, antes de ser intimado para o cumprimento da sentença, comparecer em juízo e oferecer em pagamento o valor que entender devido, apresentando memória discriminada do cálculo. § 1º O autor será ouvido no prazo de 5 (cinco) dias, podendo impugnar o valor depositado, sem prejuízo do
levantamento do depósito a título de parcela incontroversa. § 2º Concluindo o juiz pela insuficiência do depósito, sobre a diferença incidirão multa de dez por cento e honorários advocatícios, também fixados em dez por cento, seguindo-se a execução com penhora e atos subsequentes. § 3º Se o autor não se opuser, o juiz declarará satisfeita a obrigação e extinguirá o processo. 144 “Como se pode notar do dispositivo legal, caso o executado tome a iniciativa de pagar o valor que entende devido antes de sua intimação e o juiz entenda que foi pago um valor inferior ao efetivamente devido, será automaticamente aplicada multa de 10% sobre o valor em aberto, também sendo fixados honorários
advocatícios de 10% sobre esse valor. A regra contraria o elogiável entendimento do Superior Tribunal de Justiça diante dessa circunstância sob a égide do CPC/1973 ao decidir que, sendo apurada diferença entre o valor pago pelo executado e o pretendido pelo exequente, não caberia aplicação imediata da multa sobre o valor em aberto, devendo ser o executado novamente intimado a pagar a diferença em 15 dias, com a aplicação da multa condicionada ao não pagamento dentro desse prazo.” NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. 8ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 1.561/1.562. 145 “O art. 523, equivalente ao art. 475-J do CPC de 1973, prescreve que o executado, sempre a pedido
do exequente (art. 513, § 1º), deve ser intimado para pagar o débito em quinze dias sob pena de multa (caput). A forma pela qual o executado é intimado para pagamento é objeto de disciplina do art. 513, § 2º. Não ocorrendo o pagamento, além da multa de 10%, o § 1º também determina a expressa incidência de honorários advocatícios, fixados igualmente em 10%, o que é novidade, ao menos do ponto de vista da literalidade da regra quando comparado com o CPC de 1973.” BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 353.
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Defensoria Pública, a intimação será feita diretamente para o próprio devedor, mediante carta com
aviso de recebimento ou por meio eletrônico. Se, durante o conhecimento, o devedor for revel, pode
ser por edital.
Uma novidade interessante foi de que se a intimação for somente um ano após o transcurso do
trânsito em julgado, não há mais a possibilidade de ocorrer em nome do advogado, com a necessidade
de intimação pessoal do devedor. A visão seria que o advogado do devedor, após esse tempo, não tem
mais responsabilidade com aquele processo, o que inviabiliza que este seria intimado para o
cumprimento de sentença.
2.2.1 A intimação presumida quando houver mudança de endereço não comunicada no processo
A informação sobre o endereço das partes é, no primeiro momento, de responsabilidade do
autor, que na inicial, lá na fase de conhecimento146
, deve indicar o seu endereço e o do réu, tanto o
físico quanto o eletrônico.
Sobre o endereço eletrônico, o réu, em sua contestação, tem o dever de, se equivocado,
impugnar aquele endereço a ele imputado pelo autor na inicial, sob a penalidade de que considerar-se-
á como um endereço eletrônico válido, ainda que não o seja.
Durante todo o deslinde processual, as partes devem manter seus endereços atualizados, seja
físico ou eletrônico, com a possibilidade de intimação naquele que constar nos autos, o qual, se
resultar como mudou-se ou qualquer outra menção de não recebimento, considerar-se-á como
intimado, já que não houve aviso de modificação de endereço nos autos.
Uma clara presunção de intimação, imputando, aqui, uma responsabilidade sobre as partes pela
manutenção do endereço correto nos autos. Esta obrigação é um dever proveniente do princípio da
cooperação147
, sobre o qual as partes148
têm a responsabilidade de colaborar149
para um melhor
deslinde processual, fato que visivelmente se exemplifica nesta questão.
146 “O que se pretende, com tal requisito, é evitar o processamento de pessoas incertas, bem como verificar a incidência de algumas normas que têm por suporte fático algum desses qualificativos.” DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 17 ed. Salvador. JusPodivm. 2015 p. 549. 147 “O princípio da cooperação é relativamente jovem no direito processual. Cooperação é agir de boa-fé. Embora nem todas as condutas de boa-fé sejam essencialmente cooperativas. O dever de cooperar existe no interesse de todos, pois todos pretendem que o processo seja solucionado em tempo razoável. A ideia da
cooperação, às vezes, atinge não só as partes mas à própria sociedade, que se faz presente, por meio dos amicus curiae ou mesmo grupos que participam das audiências públicas.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015, p.62. 148 “As atitudes dos personagens do processo devem estar comprometidas com o seu resultado, agindo com lealdade, verdade e em busca de uma solução para o conflito.” DUARTE, Antonio Aurelio Abi Ramia. Os
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2.3 O transcurso do prazo para o cumprimento da decisão e as implicações
consequenciais
Com a devida intimação para que o vencido cumpra a sentença, há o início do prazo de 15 dias
para tal feito150
, no qual, não se configura o inadimplemento, justamente por estar, ainda, dentro do
prazo para o devido pagamento e cumprimento espontâneo da obrigação contida na sentença.
Enquanto não há o transcurso deste prazo, não há inadimplemento, pelo fato de que o vencido
pode, até o último dia deste, realizar o pagamento. E, de igual maneira, sem inadimplemento, não
existe, ainda, o cumprimento de sentença como uma fase processual, com o requerimento explicado
anteriormente contendo característica de duplo impulso: para que o vencido realize o pagamento
princípios no projeto do novo código de processo civil: visão panorâmica. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n.
61, p. 47-71, jan.-fev.-mar. 2013, p. 59. 149 “Este importante princípio da cooperação destina-se a transformar o processo civil numa ‘comunidade de trabalho’ e a responsabilizar as partes e o tribunal pelos seus resultados. Este dever de cooperação dirige-se quer às partes, quer ao tribunal.” SOUZA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista Forense, v. 338. Ano 93. 1997. Rio de Janeiro. Ed. Forense, p. 150. 150Sobre este prazo paira a dúvida se seriam em dias úteis ou corridos, com a necessidade de diferenciação
entre o direito material e o processual. Entendemos que deva ser dia útil, por ser um direito material de
adimplemento, mas com reflexo processuais claro: “Na linha do exposto no tópico anterior, creio ser um prazo processual, considerando (i) estar previsto na legislação processual, para a realização de um ato processual e (ii) trazer consequências processuais, as quais serão abaixo expostas. Ainda que haja, por óbvio, reflexos para fora do processo, como a não fluência de juros e o recebimento de valores pelo exequente, decorrente do pagamento. Contudo, como dito, a questão é polêmica, já existindo considerável divergência doutrinária a respeito do tema neste início de vigência do Código. E, do ponto de vista jurisprudencial, a divergência somente será afastada com a manifestação definitiva do STJ. Ou seja, vislumbra-se que por um bom tempo exista o debate a respeito do tema. Existem relevantes consequências
práticas a respeito da forma de contagem de prazo, a saber:(i) seja na execução, seja no cumprimento de sentença, somente é possível a penhora após o término do prazo de pagamento; (ii) tratando-se de cumprimento de sentença, se não houver o pagamento no prazo de 15 dias, haverá a multa de 10% (art. 523, § 1o Não ocorrendo pagamento voluntário no prazo do caput, o débito será acrescido de multa de 10% e, também, de honorários de advogado de 10%). (iii) no cumprimento de sentença o prazo para impugnar terá início após o término do prazo para pagamento voluntário – ou seja, o erro na contagem de prazo para pagamento poderá significar a intempestividade da impugnação, o que é extremamente grave para a
parte (art. 525.Transcorrido o prazo previsto no art. 523 sem o pagamento voluntário, inicia-se o prazo de 15 (quinze) dias para que o executado, independentemente de penhora ou nova intimação, apresente, nos próprios autos, sua impugnação). (iv) no processo de execução, se houver o pagamento em até 3 dias, os honorários serão reduzidos à metade (Art. 827. Ao despachar a inicial, o juiz fixará, de plano, os honorários advocatícios de dez por cento, a serem pagos pelo executado. § 1º No caso de integral pagamento no prazo de 3 (três) dias, o valor dos honorários advocatícios será reduzido pela metade).Reitere-se: a divergência não é meramente teórica, mas traz relevantes consequências práticas, que
afetam a todos no processo. Mas, até a pacificação jurisprudencial, o que fazer? Da parte do advogado, o mais seguro é contar os prazos em dias corridos e não úteis – portanto, uma vez mais (como no JEC) fazendo com que a inovação de contagem de prazos em dias úteis seja deixada de lado.” DELLORE, Luiz. Novo CPC: o prazo para pagamento é em dias úteis ou corridos no cumprimento de sentença e execução? http://jota.uol.com.br/no-cumprimento-de-sentenca-e-execucao-no-novo-cpc-o-prazo-para-pagamento-e-em-dias-uteis-ou-corridos Acesso dia 01 de julho de 2016.
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daquela obrigação dentro do prazo de 15 dias; com a possibilidade do transcurso do prazo, que se
instaure a devida fase de cumprimento de sentença151
.
Com o transcurso do prazo concedido para a realização do pagamento, caso o vencido não o
faça, restará, agora, como inadimplente, com todo o ônus e implicações que esta omissão152
ocasiona.
No âmbito material, a obrigação tornou-se inadimplida, configurando evidente mora, que tem efeitos
sancionatórios previstos no art. 523, § 1º, com a aplicação de multa no importe de 10% do valor
pleiteado e inadimplido, bem como, de igual maneira, a condenação em honorários advocatícios dessa
fase, também em 10%.
O intuito com a delimitação melhor da sanção e condenação passou por positivar o que a
jurisprudência demorou a determinar a existência, com a demora em aceitar-se,
jurisprudencialmente153
, a condenação em honorários nesta fase, o que, agora, se torna evidente e
imposto pela lei, saindo de uma interpretação doutrinária e, posteriormente, jurisprudencial.
Outro impacto consequencial do transcurso do prazo para o pagamento sem o devido
cumprimento pelo vencido é o início subsequente automático do prazo para a impugnação, por parte
do vencido, sobre a fase de cumprimento de sentença, sem uma intimação própria, simplesmente pelo
possível impugnante ter a ciência de que houve o transcurso do prazo sem nenhum adimplemento.
Esta consequência é o objeto deste estudo, a qual delinearemos de maneira pormenorizada.
3. A NOVA IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE DECISÃO
Com ou sem o pagamento, o executado pode oferecer a impugnação ao cumprimento de
sentença, conforme estipulado no art. 525. Este ato processual é o meio de defesa154
do executado155
151 “Quer isso dizer que aquele primeiro prazo de quinze dias destina-se ao pagamento. Se, intimado, o devedor comparece e paga, não haverá execução; não haverá cumprimento da sentença. A obrigação foi satisfeita; houve adimplemento, não havendo resistência, nem necessidade de se instaurar o cumprimento da sentença.” CUNHA, Leonardo Carneiro da. Procedimento do cumprimento provisório da sentença no novo cpc. http://www.leonardocarneirodacunha.com.br/opiniao/opiniao-52-procedimento-do-cumprimento-
provisorio-da-sentenca-no-novo-cpc/ Acesso dia 01 de julho de 2016. 152 “Findo o prazo sem o pagamento voluntário ou sendo o valor insuficiente para o adimplemento total do débito, incide multa de dez por cento e honorários advocatícios no mesmo percentual sobre o valor exequendo ou sobre a diferença, no caso de pagamento parcial.” MACEDO, Lucas Buril de. A eficácia das decisões judiciais e o cumprimento de sentença no CPC/2015. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.4 - Execução. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. 2a. Ed. JusPodivm, Salvador, 2016, p. 449.
153Súmula 517 do STJ: São devidos honorários advocatícios no cumprimento de sentença, haja ou não impugnação, depois de escoado o prazo para pagamento voluntário, que se inicia após a intimação do advogado da parte executada.
154 “No regime anterior Lei 11.232/2005, a defesa do executado era reservada a uma ação de conhecimento, autônoma e incidente sobre o processo de execução, chamada de embargos ao executado. O executado que tivesse interesse em se opor à execução deveria ajuizar embargos do executado, tornando-se
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sobre aquela fase de cumprimento de sentença, com possibilidade de arguir argumentos meramente
processuais, outros de cálculos, bem como causas modificativas ou extintivas da obrigação156
. É o
momento pelo qual o executado por opor-se materialmente ao cumprimento de sentença, porém sem
poder utilizar-se deste meio para rediscutir o objeto da demanda transitada em julgado.
O intuito é possibilitar que o executado possa impugnar matérias específicas e importantes
para a fase do cumprimento de sentença, aquelas dispostas no art. 525, § 1º. A impugnação tem o
prazo de 15 dias, este inicia-se após o transcurso dos 15 dias anteriores para pagamento157
,
independentemente da realização deste ou de penhora e, se apresentada, inaugura uma possível
cognição a ser suscitada perante o juízo executório, por mais que as matérias sejam delimitadas, com a
evidente necessidade de contraditório, podendo, de igual maneira, produzir-se provas das alegações
que sobrevenham com este ato postulatório.
Apesar do texto legal dispor “sem o pagamento voluntário,” pode, ainda, o executado pagar e,
subsequentemente, querer impugnar outros pontos ou, simplesmente, para não incorrer na multa e
honorários.
autor de ação de conhecimento em face do exeqüente. (...) Frise-se que a sentença condenatória não constitui tutela jurisdicional do direito, mas mera técnica processual, destinada a viabilizar a obtenção daquilo que foi
prometido pelo direito material. Pela mesma razão, é inconcebível imaginar que o executado, ao se defender da execução, propõe ação, pretendendo a tutela jurisdicional de direito. Quando a ação passa à fase de execução, o executado, ao apresentar impugnação, obviamente não exerce pretensão à tutela jurisdicional do direito, limitando-se a negar a tutela jurisdicional do direito almejada pelo autor. Portanto, a impugnação tem nítido caráter de defesa, de reação à tutela jurisdicional do direito, pretendida através da ação.” MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 2005, RT: São Paulo. p. 289. 155 “Após a lei 11.232/2005 que modificou a sistemática das execuções de título judicial no CPC/73 tal questão mereceu amplo debate, sendo possível catalogar três opiniões distintas, sem que haja propriamente
alguma tese vencedora. Com efeito, para alguns trata-se de defesa, para outros de ação e, finalmente, para outros, a impugnação reveste-se de natureza híbrida, ora assumindo feição de defesa incidental, ora de ação, dependendo da natureza nela veiculado. A nossa ver, o NCPC pretendeu facilitar a interpretação de que a impugnação tem natureza de defesa e não de ação. Tanto é assim que o art. 518 deixa claro que as questões relativas à validade do procedimento e dos atos executivos praticados durante a fase de cumprimento serão arguidos pelo executado nos próprios autos e, por sua vez, o § 11 do dispositivo ora sob comentário traz a mesma regra para os fatos supervenientes ao fim do prazo para a apresentação da impugnação.” WAMBIER,
Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015, p. 871 156 “Quanto à natureza jurídica, a impugnação não é um instrumento de defesa por via de exceção, e sim uma ação incidental de oposição à execução similar aos antigos embargos à execução de sentença, oportunidade em que “o executado veicula por ação sua reação contra a execução.”” MILHORANZA, Mariângela Guerreiro; MOLINARO, Carlos Alberto. Liquidação e cumprimento da sentença e o novo código
de processo civil. p. 133. 157 “Melhor seria, a nosso ver, que o legislador tivesse previsto um único prazo de 15 (quinze) dias, podendo o executado durante tal lapso temporal pagar ou impugnar. Não foi essa, contudo, a opção do legislador, que preferiu adotar dois prazos, um sucessivo ao outro.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015, p. 871.
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Uma mudança pertinente na legislação, já que no CPC/73, a impugnação era atrelada à
garantia do juízo, tornando-se, de certo modo, uma impugnação à penhora e não ao cumprimento de
sentença como um todo, já que havia esta condição para a interposição.
Não há, nos moldes do art. 525, intimação específica para a impugnação, correndo o prazo de
maneira automática logo após o término do prazo para o pagamento. É, então, um prazo de início
automático pela intimação anterior, ainda que esta tenha a finalidade de intimação para o pagamento.
3.1 O deslocamento do prazo para impugnação para imediatamente após ao
prazo do pagamento
O momento processual da impugnação ao cumprimento de sentença foi alterado, com base no
art. 525, para logo após o término158
do prazo de 15 dias para a realização do pagamento da
condenação de quantia certa.
O intuito e objetivo deste deslocamento passou por duas diretrizes: a impugnação passa a ser,
como sempre deveria ser vista, ao cumprimento da sentença e não, necessariamente, à penhora159
; e,
processualmente, discutir-se, desde logo, as questões impugnativas ao cumprimento de sentença.
No CPC/73, com a impugnação atrelada à penhora, somente iniciava-se este prazo, após a
realização da constrição, quando fosse realizada, já que muitas vezes não se conseguia obter êxito em
realizar-se a penhora ou a garantia do juízo, o que impossibilitava ao executado a apresentar a
impugnação. Desse modo, mesmo as matérias que não guardavam relação com a penhora, não eram
possíveis de serem suscitadas por causa da vinculação do ato impugnativo ao cumprimento de
sentença à realização da penhora positiva.
De maneira propositadamente eficaz, o deslocamento do prazo da impugnação para início
automática após o transcurso160
daquele para adimplemento da obrigação contida na sentença,
transforma a impugnação em um ato contra o cumprimento daquela decisão transitada em julgado
158 “O réu poderá impugnar o cumprimento de sentença nos 15 (quinze) dias subsequentes ao prazo para o
cumprimento de sentença voluntário.” MACEDO, Lucas Buril de. A eficácia das decisões judiciais e o cumprimento de sentença no CPC/2015. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.4 - Execução. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. 2 a. Ed. JusPodivm, Salvador, 2016, p. 449 159 Nos moldes do CPC/73, a impugnação era atrelada ao ato constritivo: “Lavrado o auto de penhora e de avaliação, sendo certo que é do primeiro ato que prevale o princípio da anterioriedade, o vencido é intimado para oferecer, querendo, “impugnação” nos próprios autos, que corresponde aos antigos embargos do
executado. A intimação para essa impugnação. FUX. Luiz. O novo processo de execução (o cumprimento da sentença e a exceção extrajudicial). Rio de Janeiro: Forense. 2008. 247. 160Cabe acrescentar que os quinze dias para que o executado apresente sua impugnação têm início após o
término do prazo para pagamento voluntário. Trata-se de novidade que está estampada no caput do art. 525.”.BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 353.
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como um todo, com a possibilidade de uma pluralidade de matérias, corroborando-a como um ato
contínuo ao processo, com um viés mais condizente com a realidade procedimental, já que sempre
permitiu-se suscitar matérias além da penhora.
A alteração é pertinente para uma definição mais condigna do real intuito da impugnação,
inserindo, de maneira clara, a amplitude material que este ato sempre permitiu ao processo, apesar de,
equivocadamente, estar anteriormente atrelado somente à penhora.
Com a mudança para o início da fase de cumprimento de sentença, sendo o momento posterior
ao vencimento do prazo para adimplemento, tende-se a retirar a falsa impressão que o processo
durante o cumprimento da sentença, antes da realização da constrição, estaria a discussão cognitiva
estabilizada sem o executado pleitar nenhuma impugnação. Como somente com a penhora que se
abria a possibilidade de discussão material, do início da apresentação dos cálculos até a realização
desta, nada se discutia, com uma impressão totalmente equivocada de que não havia matéria a ser
discutida.
Não há mais, com o prazo contínuo estipulado pelo art. 525, a espera para a arguição de
matérias – diversas da penhora – que impugnam o cumprimento de sentença, podendo, desde logo,
nestes 15 dias, arguir o que entender como plausível e possível.
3.2 A desnecessidade de intimação para a impugnação ao cumprimento de
sentença
No CPC/2015, ainda de acordo com o art. 525, o prazo para a apresentação desta impugnação
iniciai-se, como anteriormente exposto, de maneira contínua e sem intimação específica161
e única
para tal feito, somente tendo como base o término do prazo para pagamento da obrigação de pagar
contida na sentença transitada em julgado.
Se o início do prazo para este ato impugnativo está entabulado ao término daquele anterior162
,
de igual maneira, está conectado à intimação realizada para o pagamento, devendo esta indicar não
161 Uma mudança em relação à norma anterior, já que havia a intimação e, esta, se dava, em regra, no nome do advogado do executado: “A intimação para essa impugnação, a qual deve ser oferecida em 15 dias, tem o seu termo a quo dependente da forma de intimação que pode ser feita. a) A intimação na pessoa do advogado, na forma dos artigos 236 e 237 do CPC, fixa o termo inicial com a publicação do despacho pela imprensa ou pela juntada da carta. b) Inexistindo advogado constituído neste momento processual, por qualquer motivo, como, v.g.. renúncia, morte etc., a intimação, se pessoa jurídica, deve ser feita ao representante legal
ou, se pessoa física, pessoalmente, por mandado ou correio, conforme o requerimento do credor assim reconhecido na sentença, aplicando-se a regra acima.” FUX. Luiz. O novo processo de execução (o cumprimento da sentença e a exceção extrajudicial). Rio de Janeiro: Forense. 2008. p. 247. 162“De acordo com o caput do dispositivo, o executado terá quinze dias após os quinze dias que ele teve para
o pagamento voluntário (art. 523, caput), ‘independentemente de penhora ou nova intimação’. A ‘antecipação’ do prazo para a prática daquele ato justifica-se porque, no novo CPC, a impugnação
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somente o prazo para o adimplemento, bem como deve especificar que logo após o transcurso do
primeiro prazo, iniciar-se-á o prazo específico da impugnação.
Dessa forma, não é correto afirmar que não haverá intimação para o início do prazo da
impugnação, somente não terá uma específica para tal desiderato, ou seja, já haveria a devida
intimação163
para a impugnação junto daquela anteriormente realizada para fins de pagamento, a qual
é importante salientar e especificar os dois prazos, com a devida explicação inerente as cominações e
consequências legais de ambos.
3.3 A mudança para a impugnação ao cumprimento e não à penhora
Pode parecer uma alteração sutil, já que as matérias possíveis para a impugnação ao
cumprimento de sentença são quase as mesmas estipuladas no art. 475-L do CPC/73, contudo,
naquele ordenamento, era vista como uma impugnação à penhora, somente possível quando houvesse
a constrição positiva, o que tornava, como já vimos, uma autêntica impugnação à penhora.
Agora, no novo modus operandi corrige-se um equívoco processual que era atrelar a
impugnação ao ato da penhora. A maioria das alegações possíveis não versam sobre a penhora, o que
era, por vezes, insensato manter-se como atrelado ao ato constritivo. O acerto do novel ordenamento
sobre a matéria está, justamente, na possibilidade de, desde logo, utilizar-se da impugnação,
abarcando as discussões materiais possíveis, independentemente da penhora.
A discussão material sobre a impugnação é deslocada para o início da fase de cumprimento de
sentença, restando, de forma óbvia,
Com a impugnação deslocada para o momento inicial do cumprimento de sentença, a realidade
processual desta fase, coadunando melhor com o intuito deste ato impugnativo, que passa pela
discussão material das arguições possíveis nesta fase. No CPC/73, com a impugnação somente era
possível após a penhora, com um lapso temporal processual enorme, o cumprimento de sentença
caminhava sem uma impugnação, com uma falsa sensação de falta de impugnabilidade. A matéria não
estava impugnada, tampouco preclusa, pelo fato de que se aguardava a realização da constrição para
que houvesse o início do prazo impugnativo.
independe de prévia garantia do juízo, diferentemente do que era mais correto entender para o art. 475-J, § 1º, do CPC de 1973, como revela o próprio caput do art. 525.” BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 356-357.
163 “Havendo prazos sucessivos de pagamento e de impugnação, fica claro que a admissão da defesa típica do executado no cumprimento de sentença independe de garantia do juízo, sendo nesse sentido a previsão expressa do art. 525, caput, do Novo CPC. Afinal, nada garante que no decurso do prazo legal já tenha ocorrido a penhora, de forma que pode o executado impugnar independentemente da garantia do juízo.” NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. 8ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016 p. 1.568/1.569.
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O simples deslocamento temporal do prazo da impugnação ao cumprimento de sentença
permite um diálogo melhor da defesa do executado com a própria fase processual, seu trâmite, com a
realidade e as partes, de modo a realmente transformar-se em uma impugnação ao cumprimento,
independente e desatrelado a qualquer ato constritivo.
3.4 A desnecessidade de garantia do juízo para apresentação da
impugnação
Como anteriormente exposto, a impugnação, nos moldes do CPC/73, estava totalmente
atrelada ao ato da penhora, ainda que realizada no cumprimento de sentença, por mais que não fosse
arguida nenhuma matéria em relação a este ato constritivo ou os subsequentes. Sem a penhora
realizada, não havia a abertura do prazo para tal feito, conforme o constante no art. 475-J164
do
ordenamento revogado.
O CPC/73 era claro em estabelecer que o prazo de 15 dias somente teria início após a lavratura
do auto de penhora e avaliação, por mais que fosse possível, na dicção do art. 475-L do CPC/73, a
suscitação de matérias totalmente alheias ao ato constritivo. Nesta visualização, para que se
impugnasse o cumprimento de sentença, a penhora era requisito básico, tornando necessária a garantia
do juízo, sem o qual, não havia a abertura de prazo para tal ato impugnativo.
Entretanto, ainda com essa discrepância, havia, na doutrina e na jurisprudência165
, a discussão
atente sobre esta vinculação impugnativa ao ato constritivo, com a tentativa de desatrelamento das
matérias impugnativas, previstas naquele outrora art. 475-L, que fossem alheias a penhora do ato
constritivo positivo. Ou seja, defendia-se que não havia166
como atribuir a necessidade de garantia do
juízo para as matérias que nada guardavam relação com a penhora ou avaliação.
164CPC/73 – Art. 475-J. (…) § 1o Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)
165 A favor do entendimento de que a penhora era requisito básico, o STJ tinha diversos julgados, conforme exposado por Leonardo Carneiro da Cunha: “Segundo entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça, "a prévia garantia do juízo é pressuposto para o processamento da impugnação ao cumprimento da sentença (art. 475-J, § 1º, do CPC)." (STJ, 3ª T., AgRg no AREsp 318.016/SC, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 6/8/2013, DJe 22/8/2013). No mesmo sentido: STJ, 4ª T., AgRg no AREsp 318.695/SC, rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, j. 13/8/2013, DJe 23/8/2013. Ainda no mesmo sentido: STJ, 3ª T., REsp 1.353.907/RJ, rel. Min. Sidnei Beneti, j. 6/8/2013, DJe 21/8/2013. “ CUNHA, Leonardo Carneiro da. A desnecessidade da
garantia do juízo para impugnação ao cumprimento de sentença. http://www.editoramagister.com/doutrina_25144822_desnecessidade_da_garantia_do_juizo_para_impugnacao_ao_cumprimento_da_sentenca.aspx Acesso dia 01 de julho de 2016. 166Em argumento favorável a desnecessidade da penhora para a impugnação: “Exigir a garantia do juízo
equivale a manter todos os problemas da execução, impedindo a defesa do executado que não tem bens a serem penhorados, admitindo-se a exceção de pré-executividade que será seguida de posterior impugnação,
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No CPC/2015, não pairou dúvidas sobre a questão, com o caput do art. 525 optando
legislativamente pela desnecessidade de penhora167
para a apresentação da impugnação, colocando
uma simetria do ato processual impugnativo com a matéria que utilizará. Logo, se as matérias a serem
suscitadas não guardarem relação com a penhora e seus atos posteriores, há essa novidade positivada
da desnecessidade da garantia do juízo, contudo, em sentido inverso, se o executado for apresentar
alegações impugnativas em relação a penhora, evidentemente que necessitará, não só da garantia do
juízo em si, mas da própria existência do ato da penhora, pelo fato de que seria impossível impugnar
algo que não existe processualmente.
3.5 As matérias possíveis de suscitação na defesa impugnativa
Quando o executado for intentar a impugnação, deve ater-se as matérias possíveis para tal
feito, nos moldes do art. 525, § 1º, sem a possibilidade de alegações que não guardem essa
especificação. O intuito é determinar que não se abra uma imensa cognição, restringindo ao máximo
as matérias plausíveis de tal desiderato, impossibilitando uma pretensa utilização transversa da
impugnação, seja para intuito protelatório ou de rediscussão meritória da demanda. A impugnação não
deve ter este intuito, atendo-se, especificadamente, ao que a lei determina como possíveis de alegação.
I. falta ou nulidade da citação se, na fase de conhecimento, o processo correu à
revelia; A citação, quando for nula ou com vício, pode ser assunto de impugnação,
necessitando somente, neste grau de alegação, que o executado tenha, durante a fase
de conhecimento, sido revel. Sem a revelia, a discussão sobre a nulidade da citação já
se tornou inócua e superada, não sendo possível revisitá-la na fase de cumprimento de
sentença.
II. Ilegitimidade de parte: apesar da letra da lei positivada não realizar tal
ressalvada, mas a ilegitimidade aqui deve ser arguida quanto à participação das partes
quando e se houver garantia do juízo, atrasando injustificadamente o processo. Se não se admite a impugnação sem prévia penhora, quando esta for realizada posteriormente, a mesma impugnação será
apresentada, com atrasos indevidos do processo. É, enfim, possível, e recomendável, o oferecimento da impugnação sem a necessidade de prévia penhora, que permanece, porém, indispensável para a concessão de efeito suspensivo à defesa do executado.” CUNHA, Leonardo Carneiro da. A desnecessidade da garantia do juízo para impugnação ao cumprimento de sentença. http://www.editoramagister.com/doutrina_25144822_desnecessidade_da_garantia_do_juizo_para_impugnacao_ao_cumprimento_da_sentenca.aspx Acesso dia 01 de julho de 2016.
167 “Fica, pois, superado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça firmado na vigência do CPC/1973
(…), segundo o qual o prazo para oferecimento de impugnação somente começaria a correr a partir da intimação do devedor sobre a penhora realizada. (STJ. REsp 1.455.937/SP. DJe 09.11.15). A garantia da execução não é mais requisito de admissibilidade da impugnação, mas apenas condição necessária à concessão de efeito suspensivo à defesa.” MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil Volume Único. 8a. ed. revisada, ampliada e atualizada. Salvador, Ed. JusPodivm, 2016. p.674.
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| Voltar ao sumário 169 Aspectos polêmicos do novo CPC
na fase de cumprimento de sentença, não sobre a demanda como um todo, seja pela
impossibilidade temporal, por se tratar de um título executivo judicial, seja pela
preclusão de tal matéria quanto à fase de conhecimento. Esta alegação pode ser tanto
do executado, entendendo que não é correta sua participação no polo passivo nesta
fase, quanto do exequente, argumentando que não é aquele correto determinado no
título executivo judicial.
III. Inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação: a inexigibilidade
consiste em qualquer fundamento168 de que a obrigação constante naquele título não
é executável, não contendo uma força exequível. Não há um rol taxativo169 de
situações de inexigibilidade, dependendo da alegação realizada pelo executado e a
relação com a impossibilidade de utilização daquele título executivo judicial. De certa
maneira, o CPC/2015 corrigiu o sentido do que seria a inexigibilidade, utilizando não
somente este termo, mas, também, acrescentando a inexequibilidade, justamente
quando não há a possibilidade de executar-se o título. A relação da inexigibilidade
sempre é com a obrigação contida no título e não com o próprio título, o que, era
incorreto afirmando no art. 475-L revogado, causando uma atecnia170, já que o título
deve ser inexequível. Uma hipótese de inexigibilidade tipificada está no art. 525, §
12, sobre o título executivo judicial que versa sobre matéria baseada em lei ou ato
normativo que teve decisão do STF171 pela inconstitucionalidade daquela norma,
contudo somente é plausível a sua alegação em sede de impugnação ao cumprimento
de sentença se o julgamento realizado em controle de constitucionalidade –
concentrado ou difuso – for em momento anterior ao trânsito em julgado. Caso seja
168 “Anota Marinoni que a inexigibilidade do título é termo genérico, que fundamenta qualquer alegação
que possa desautorizar a força executiva do título apresentado. Impende destacar que o mais corriqueiro dos exemplos é o caso da pendência de recurso com efeito suspensivo.” BELTRÃO, Antônio Carlos Lima. Da impugnação ao cumprimento de sentença. http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/antonio%20carlos%20beltr%c3%a3o.pdf Acesso dia 01 de julho de 2016. 169 “Não é exequível o título destituído de certeza, de liquidez e de exigibilidade. Assim, por exemplo, não são exequíveis: a) a decisão que reconheceu obrigação ilíquida, mas que não foi submetida à liquidação de
sentença, por falta do atributo da liquidez; b) a decisão que decide relação jurídica a terma ou a condição, se ainda não implementados, por faltar-lhes exigibilidade.” MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil Volume Único. 8a. ed. revisada, ampliada e atualizada. Salvador, Ed. JusPodivm, 2016. p. 675 170 “Corrigiu-se uma impropriedade técnica existente no CPC/73 que se refere a “inexigibilidade do título”. O que se exige não é o título, mas sim sua obrigação. Tratando-se de obrigação inexigível, o título que a embasa será inexequível. Tome-se, por exemplo, a hipótese de se pretender a execução de uma sentença
ilíquida e, portanto, dependente de prévia liquidação.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015, p.873. 171 Enunciado n.º 58 do FPPC: As decisões de inconstitucionalidade a que se referem os art. 525, §§ 12 e 13 e art. 535 §§ 5º e 6º devem ser proferidas pelo plenário do STF. (Grupo: Sentença, Coisa Julgada e Ação Rescisória)
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| Voltar ao sumário 170 Aspectos polêmicos do novo CPC
em decisão posterior a este momento processual, deixa de ser possível a sua alegação
na impugnação, cabendo, para tanto, a ação rescisória172.
IV. penhora incorreta ou avaliação errônea: a penhora é ato constritivo, com o
intuito de vincular valores ou bens do executado ao processo, para dar início a
posterior expropriação. Realizada a penhora, o oficial de justiça, ou outro profissional
com capacidade técnica para tanto, celebra a avaliação do bem, com a indicação de
um valor econômico para tal feito. Qualquer equívoco, tanto na penhora ou na
avaliação, pode ser arguido como matéria de impugnação, contudo esta alegação tem
um aspecto temporal diverso, com a necessidade de um fato posterior (nem que seja a
própria penhora ou avaliação), motivo que delinearemos nos capítulos posteriores.
V. Excesso de execução ou cumulação indevida de execuções: quando houver a
impugnação pela matéria de excesso de cálculos apresentados pelo exequente, deve, o
impugnante, indicar o valor que entende como o correto para o devido pagamento,
conforme o art. 525, § 4º, com a mesma imputação de obrigação que o exequente teve
sobre a apresentação da planilha de cálculo e discriminação correta de como chegou
matematicamente aos valores apresentados. Sem a indicação dos valores e seus
respectivos cálculos, conforme o art. 525, § 5º, a impugnação deve ser rejeitada de
plano, como verse somente sobre esta alegação, se esta for somente um dos pedidos,
este deve ser, de igual maneira, rejeitado, com o prosseguimento dos demais.
VI. Incompetência absoluta ou relativa do juízo da execução: a alegação de
incompetência – absoluta ou relativa – no cumprimento de sentença, da maneira
inserida no novel ordenamento, ganhou um formato diverso e inserto na
impugnação173, especificadamente, pelo fato de que não há mais a exceção como
possibilidade de arguição destas matérias em meio próprio, o que necessitou-se a
positivação como o momento correto da impugnação. Sem um rito específico, abarca-
se na impugnação, mais esta matéria. O interessante foi a especificação de que a
alegação deve se ater ao juízo da execução, sem abrir nova discussão sobre o juízo da
fase de conhecimento.
172 “Esta hipótese de ação rescisória não está elencada em qualquer dos incisos do artigo 966, que delimita as possibilidades de cabimento da mesma, todavia contém previsão legal na dicção do artigo 525, § 15. Ali está disposto que a decisão transitada em julgado em determinado processo cuja matéria, posteriormente, for declarada inconstitucional em controle de constitucionalidade – concreto ou abstrato – será passível de se intentar a ação rescisória, ou seja, um processo sobre determinada matéria, mesmo com o trânsito em julgado, pode ser revisto, desde que haja uma declaração de inconstitucionalidade, com a não recepção daquele texto
legal em que a decisão tenha como base de fundamentação.” LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no novo CPC. 2a. Ed. Lexia, São Paulo, 2016, p. 592. 173 “É perfeitamente possível ao executado arguir, em sede de impugnação, a incompetência (absoluta ou relativa) na impugnação.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015, p.874.
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VII. Qualquer causa modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento,
novação, compensação, transação ou prescrição, desde que supervenientes à
sentença: além destas alegações anteriormente delineadas, todas as causas
modificativas ou extintivas do direito do exequente podem ser apresentadas. Estas
alegações devem ser de fatos supervenientes temporalmente à sentença, o que já deixa
especificado, de maneira clara, que não se pode revisitar aquilo que a fase de
conhecimento definiu materialmente e transitou em julgado.
A impugnação não tem uma amplitude material ao bel prazer do executado, contendo,
necessariamente, argumentos que tenham fundamentos relacionados e contidos no art. 525, § 1º, sob
pena de que aquela defesa não será conhecida, podendo o juízo, de plano, rejeitá-la, se for o caso.
O intuito dessa limitação material é, ao mesmo tempo, proporcionar ao executado o direito de
defender-se durante a fase de cumprimento de sentença, mas ater-se somente sobre matérias
condizentes com este momento processual, impedindo uma rediscussão da lide ou meros intuitos
protelatórios.
3.6 O efeito suspensivo da impugnação ao cumprimento de sentença
Com a interposição da impugnação ao cumprimento de sentença, esta não tem o condão de
suspender o trâmite do cumprimento de sentença, o qual continuará a correr, com seus atos
processuais no intuito da expropriação e a satisfação específica do crédito. A regra passa pela
continuidade de todo o cumprimento de sentença, ocorrendo em paralelo a discussão cognitiva
pleiteada e suscitada pela impugnação, mediante o que se extrai pelo art. 525, § 6º.
A fase de cumprimento de sentença prioriza os anseios da parte titular dos direitos postos no
título executivo judicial, no caso a sentença transitada em julgado, não havendo nenhum sentido
suspender o andamento processual sumariamente pelas alegações impugnativas do executado.
Obviamente, essa é a regra, cabendo, portanto, exceção, com a possibilidade de concessão do efeito
suspensivo, porém mediante a garantia do juízo e, ainda, se “seus fundamentos forem relevantes e se o
prosseguimento da execução for manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de
difícil ou incerta reparação”, conforme o mesmo § 6º do art. 525.
A concessão do efeito suspensivo se limita ao alcance do que foi impugnado naquele ato,
conforme, também, sobre o ponto em que se pleiteia, podendo, o juízo, conceder somente em parte,
restando aquele cumprimento de sentença com um capítulo suspenso e outro que não estaria sob o
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efeito de tal suspensão174
. O pedido realizado e concedido para um dos litisconsortes executados não
alcança os demais, devendo cada qual realizar o seu próprio pedido de efeito suspensivo, na dicção do
art. 525, § 8º.
O efeito suspensivo pode ser concedido à impugnação apresentada dentro do prazo que inicia-
se logo após o transcurso daquele para o pagamento da sentença, bem como somente na apresentação
da simples petição de aditamento quando sobrevier a penhora, avaliação ou seus fatos subsequentes175
.
A fato daquele cumprimento de sentença estar com a suspensão deferida não impede, nos
moldes do art. 525, § 7º, o prosseguimento em algumas matérias e atos, que seriam: a efetivação dos
atos de substituição, de reforço ou de redução da penhora e de avaliação dos bens. O exequente pode
pleitear o prosseguimento do cumprimento, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea a ser
arbitrada após o possível deferimento pelo juízo.
4. A POSSIBILIDADE DE SUSCITAR MATÉRIAS EM MOMENTOS
POSTERIORES: NOVA IMPUGNAÇÃO?
O problema da impugnação ser interligada ao transcurso do prazo de pagamento – quinze dias
– está na impossibilidade, neste momento, de alegar-se qualquer matéria referente a penhora ou
avaliação. Mas, qual seria o motivo? Pelo simples lapso temporal, não há, ainda, a penhora realizada,
já que o prazo para o pagamento espontâneo mal se encerrou.
Sem o devido pagamento dentro do prazo concedido pelo art. 525, § 1º, resta o
inadimplemento pelo agora executado, contudo não há tempo hábil para que nos próximos 15 dias
174 “VII. Efeito suspensivo ope judicis da impugnação ao cumprimento de sentença. A impugnação ao
cumprimento de sentença, à semelhança do que ocorre com os embargos à execução de título extrajudicial (cf. art. 919 CPC/2015), em regra, não será recebida com efeito suspensivo. O efeito suspensivo somente será concedido se estiverem presentes as circunstâncias referidas no § 6.º do art. 525 do CPC/2015, ou seja, desde que sejam relevantes os fundamentos da impugnação e se demonstre que a execução é “manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação”, além de ser “garantido o juízo com penhora, caução ou depósito suficientes”. Mais genérico e, ao mesmo tempo, amplo, no ponto, o § 1.º do art. 919 do CPC/2015 refere-se a “requisitos para a concessão da tutela provisória”, disposição que pode ser
aplicada também à impugnação ao cumprimento de sentença, ex vi do art. 771 do CPC/2015. O efeito suspensivo restringe-se aos capítulos da decisão exequenda que tiverem sido impugnados (cf. § 8.º do art. 525 do CPC/2015), salvo se estes forem de algum modo prejudiciais aos demais. Pelo mesmo raciocínio, o efeito suspensivo concedido à impugnação apresentada por um dos executados não se estende aos demais, se “o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao impugnante” (§ 9.º do art. 525 do CPC/2015). Mesmo nos casos em que se suspender a execução, o § 10.º do art. 525 do CPC/2015 autoriza o seu prosseguimento, desde que o exequente ofereça “caução suficiente e idônea”, que, como diz o § 1.º do art. 300 do CPC/2015,
deve ser suficiente “para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer”. Pensamos que se aplica à hipótese o que estabelece o art. 521 do CPC/2015, no que se refere à dispensa de caução.” MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 4ª Edição. RT: São Paulo. 2015. p.531. 175 Enunciado n.º 531 do FPPC: É possível, presentes os pressupostos do § 6º do art. 525, a concessão de efeito suspensivo à simples petição em que se alega fato superveniente ao término do prazo de oferecimento da impugnação ao cumprimento de sentença. (Grupo: Cumprimento de sentença)
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referentes ao prazo para a apresentação da impugnação, realize-se a penhora e, consequentemente a
avaliação, motivo pelo qual, não há como pleitear-se na impugnação, neste momento, qualquer
fundamento sobre estes atos, pelo simples fato que somente ocorrerão em ato futuro.
Dessa maneira, há uma evidente bipartição da impugnação, num primeiro momento todas as
matérias possíveis elencadas pelo art. 525, § 1º, já num andamento processual posterior, aquelas que
versem sobre o ato da penhora e os demais subsequentes.
4.1 A existência de matérias impossíveis de arguição no primeiro prazo
O grande problema deste deslocamento temporal da impugnação para o início da fase de
cumprimento de sentença está na impossibilidade de suscitar-se todas as matérias neste momento,
restando algumas delas, necessariamente, para um momento processual posterior.
Na maneira pensada no CPC/73, todas as matérias tinham o mesmo prazo de proposição,
devendo ser suscitadas no prazo de 15 dias, após a formalização da penhora e a intimação desta.
Entretanto, no CPC/2015, com o prazo deslocado para o início da fase de cumprimento de sentença,
algumas matérias tornaram-se impossíveis de serem suscitadas neste momento, dentro do prazo
contínuo da impugnação, pelo fato de que não existem processualmente ainda, tais como: penhora,
avaliação ou fato superveniente.
4.1.1 A possibilidade de arguição de vício na penhora incorreta
Como o prazo já inicia-se de modo contínuo àquele para o pagamento, não há como imaginar,
pragmaticamente, que a impugnação possa abarcar o conteúdo de uma penhora, por dois motivos: o
lapso temporal e a necessidade de intimação específica do executado sobre a penhora.
Com a escolha legislativa pela continuidade dos prazos processuais, terminando aquele para
pagamento e iniciando o referente a impugnação, não há, processualmente, tempo de cartório hábil
para que se certifique o transcurso do prazo, remeter-se à conclusão e que o juízo realize a penhora -
seja ela on-line ou em bens – dentro destes 15 dias, ocasionando que, temporalmente, a impugnação
específica sobre a matéria de penhora será em momento posterior, quando houver a formalização da
constrição positiva.
Sem a possibilidade de realizar a penhora durante o prazo para a impugnação, certamente será
oportunizada em momento alheio a este, gerando, necessariamente, uma impossibilidade de arguição
da incorreção da constrição conjunta à impugnação imaginada pelo caput do art. 525. E, mesmo se
penhora fosse realizada dentro dos 15 dias do prazo para a impugnação, necessitaria de uma intimação
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para que o executado fosse cientificado deste ato, o que geraria um prazo diverso daquele contínuo
preconizado pelo CPC/2015.
Dessa maneira, mesmo após o prazo para a impugnação transcorrido, o fato da penhora ser ato
processual posterior, pela própria impossibilidade temporal anterior, o executado será intimado –
independentemente do momento da penhora – para manifestar-se, especificadamente, sobre o ato
constritivo, em um novo prazo de 15 dias, conforme preconizado pelo art. 525, § 11.
Obviamente, neste momento, com a intimação para a manifestação sobre a penhora, o
executado somente pode suscitar a matéria específica sobre a qual foi intimado para fazê-lo.
4.1.2 A possibilidade de arguição de avaliação errônea
O art. 525, § 11, especifica que, além da matéria sobre a penhora incorreta, há a possibilidade
de arguir-se, de igual modo, a matéria sobre a avaliação errônea daquele bem penhorado, seja pelo
fato de que entende que a avaliação foi a menor ou a maior do valor que entende como correto.
O intuito desta alegação pelo executado versa sobre a necessidade de adequar a valoração
daquele bem de sua propriedade que estará agora vinculado ao processo, dentro do patamar mais real
possível, nem majorando para se tornar invendável ou atrapalhar o cumprimento, tampouco que se
avalie a menor, com uma evidente desvalorização daquele bem, o que causaria prejuízos patrimoniais
para o executado.
Entretanto, insta salientar que o ato da avaliação é vinculado, por obviedade, ao da penhora, os
quais são posteriores ao prazo normal da impugnação, ensejando, de maneira idêntica, a abertura de
prazo posterior e específico para manifestação sobre qualquer equívoco na avaliação.
4.1.3 A possibilidade de arguição de fato subsequente
Outro ponto material possível na petição simples que o art. 525, § 11 possibilita a manifestação
– aditamento ou impugnação autônoma – seria sobre qualquer outro fato subsequente à penhora ou a
avaliação. Não há uma especificação delimitada sobre qual seria esse fato, somente deve ser algum
que seja interligado com estes dois institutos e, logicamente, subsequente temporalmente, a eles.
Uma exemplificação de um fato subsequente a penhora ou a avaliação seria a substituição do
bem penhorado por outro, seja pela não concordância do executado sobre este ato ou, ainda, sobre o
indeferimento deste, bem como sobre a avaliação equivocada deste novo bem.
De igual maneira, por se enquadrar no tempo de forma posterior a penhora e a avaliação, se
estes têm prazo específico para manejar processualmente uma impugnação própria – seja por
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aditamento ou de maneira autônoma – os fatos posteriores devem, de idêntica maneira, terem o
mesmo privilégio.
4.2 O aditamento da impugnação já realizada
Dessa maneira, quando sobrevier futuramente a penhora, com a avaliação desta (no caso de
bens) ou qualquer fato subsequente que possibilite impugnação, o executado poderá aditar a
impugnação outrora interposta176
, com mera petição simples, nos moldes da dicção do art. 525, § 11.
Como as matérias são autônomas – penhora e avaliação – sobre as demais que podiam ser
impugnadas anteriormente, novo prazo de 15 dias deve ser aberto para o executado, contudo para falar
exclusivamente sobre este assunto superveniente, como já vimos.
O formato dessa manifestação possível pelo executado neste momento, deve ser visualizado,
neste momento, como um aditamento da impugnação177
já realizada, via uma simples petição,
manifestando-se especificadamente sobre a penhora, avaliação ou, ainda, fatos subsequentes a estes.
Como no CPC/73 não existia a hipótese de manifestação posterior sobre a impugnação,
justamente pela característica já exposta que este ato defensório do executado era atrelado à penhora,
possibilitando que, naquele momento, suscitasse todas as matérias possíveis de um só momento,
causando, de igual forma, a preclusão de todas os argumentos, caso assim não o fizesse. No formato
preconizado no CPC/2015, a impugnação divide-se em dois momentos: um geral, sobre as matérias
amplas e não ligadas a penhora/avaliação e um posterior, com a manifestação específica sobre a
penhora/avaliação.
176 “Assim, se, depois de oferecida a impugnação, vier a ser formalizada a penhora e avaliação sobre bem do executado, este poderá, nos termos do art. 525, § 11, do CPC, manifestar-se, por simples petição, no prazo
de 15 dias, contados da intimação do ato. O mesmo deve ocorrer nos casos de substituição do bem penhorado a pedido do credor ou de reforço da penhora.” MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil Volume Único. 8a. ed. revisada, ampliada e atualizada. Salvador, Ed. JusPodivm, 2016. p. 676 177 Há quem entenda, como uma exceção de pré-executividade esta petição simples a ser apresentada posteriormente, definição a qual não está equivocada, contudo entendo como melhor percebermos como uma nova impugnação ou aditamento àquela já proposta: “Alegações de fatos posteriores à impugnação: Depois da
impugnação, mas ainda durante a fase de cumprimento, a ocorrência de fato novo pode ser arguida por simples petição, no prazo de 15 (quinze) dias, a contar da ciência do fato. Estipula-se assim um prazo para a antes denominada exceção de pré-executividade. A fixação de prazo confere maior previsibilidade ao procedimento, evitando práticas abusivas do devedor que, em tese, poderia deduzir tais alegações a qualquer tempo.” SILVA, Beclaute de Oliveira. Comentários aos art. 525 a 527 do Novo CPC. Código de Processo Civil Comentado. Org. CAMARA, Helder Moroni. Editora Almedina., 2016.
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4.3 A possibilidade de impugnação autônoma em caso da não apresentação
no prazo anterior
Mesmo sem o executado ter se manifestado no prazo do caput do art. 525, sobre as matérias
gerais possíveis para a impugnação, sobrevindo o ato positivo constritivo, pode, de igual maneira,
realizar a manifestação sobre esta, baseado no disposto no art. 525, § 11. Caso o executado não tenha
impugnado o cumprimento de sentença, pode, agora, apresentar uma impugnação autônoma.
Se, na hipótese anteriormente exposada, o executado apresentava somente um aditamento à
impugnação que já constava nos autos, suscitando a complementação daquela, com as matérias agora
possíveis, como a penhora, avaliação ou atos subsequentes, nesta hipótese, não há impugnação
anterior, o que torna esta manifestação uma autêntica impugnação autônoma ao cumprimento de
sentença, materialmente arguindo vício específico sobre a penhora ou na avaliação.
Não será, portanto, um aditamento de impugnação, justamente pela inexistência desta nos
autos, por qualquer que seja o motivo pelo qual o executado não a tenha apresentado antes, a
preclusão operou-se somente sobre as matérias dispostas no art. 525, § 1o
e seus incisos, ressalvando
aquelas atinentes à penhora e a avaliação, as quais serão regidas por novo prazo, não alcançadas pela
preclusão lógica por inexistir impugnação anterior.
Com esta hipótese em específico – a ausência de impugnação durante o prazo do
adimplemento e a sobrevinda da penhora com a abertura de um novo prazo – o executado dispôs de
duas possibilidades de impugnação, a primeira geral e a segunda específica, existente pela
impossibilidade de se aditar uma peça que não existe, possibilitando que a simples petição imaginada
pelo art. 525, § 11, seja uma impugnação totalmente autônoma e atrelada somente à penhora ou
avaliação, corroborando uma impugnação à penhora/avaliação, condizente com a nomenclatura que a
doutrina atribuía à época do CPC/73.
Essa hipótese autônoma é a real impugnação à penhora ou avaliação, seja em termos do
significado processual que a conduz ou o seu próprio nome.
4.4 A impossibilidade de arguição das matérias estranhas à penhora,
avaliação ou fato subsequente pela preclusão lógica
O art. 525, § 11, como já vimos, possibilita que o executado possa se manifestar sobre a
penhora, a avaliação ou fatos subsequentes a estes, justamente por não ter viabilidade temporal de
arguição no prazo comum das outras matérias anteriormente suscitáveis.
Com a superveniência de atos autorizantes à nova manifestação, seja da penhora, avaliação ou
fatos a elas inerentes, a abertura de um novo prazo é medida necessária, para que o executado tenha o
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direito de manifestar-se, de impugnar sobre estas matérias específicas, justamente pelas
impossibilidades lógicas outrora narradas.
Evidentemente que mesmo com a abertura para um novo prazo de 15 dias para manifestação
do executado – seja ela aditamento da impugnação existente ou a interposição da primeira
impugnação, este não poderá manifestar-se sobre as outras matérias elencadas no art. 525, § 1º e
incisos. Sobre estas ocorreu a preclusão material, não podendo serem arguidas, seja pelo fato de que o
executado já manifestou-se anteriormente, gerando uma preclusão consumativa ou pelo fato de que o
executado quando teve a oportunidade – logo após o prazo para pagamento – durante o prazo próprio
para a impugnação, não a interpôs, resultando numa preclusão lógica sobre estas matérias.
Neste ínterim, mesmo com a abertura de um novo prazo para a manifestação do executado, não
há como imaginar-se que este possa arguir as matérias que eram possíveis de suscitação
anteriormente, atendo-se, necessariamente, sobre aquelas previstas no art. 525, § 11, tais como: à
validade e à adequação da penhora, da avaliação e dos atos executivos subsequentes.
Se houver a arguição de outra matéria constante no art. 525, § 1o e seus incisos, que não seja a
penhora, avaliação ou atos subsequentes a estes, há uma evidente má-fé por parte do executado, pelo
fato de que as outras matérias estranhas a estas acima mencionadas são totalmente preclusas, o que
importa em uma notória tentativa protelatória ao processo, merecendo a aplicação de uma multa por
tal feito.
Entretanto, há uma dúvida sobre esta questão: o inciso VI do 525, § 1o
possibilita a
manifestação sobre a incompetência absoluta do juízo do cumprimento de sentença, esta matéria é
suscitável a qualquer momento, sendo, de certa maneria, não preclusiva, o que permite que o
executado requeira sua análise178
, não incorrendo, assim, automaticamente, em litigância em má-fé.
Mesmo a alegação de incompetência absoluta deste juízo, se entender-se que o executado poderia tê-
lo feito antes, pode-se imputar multa pela demora em fazê-lo, mantendo, a parte, se ciente daquele
vício, a nulidade como de algibeira.
4.5 A possibilidade de impugnação mesmo com julgamento da impugnação
anteriormente protocolada
178 Em sentido contrário: “as matérias conhecidas até o prazo previsto para a apresentação da impugnação – sejam de ordem pública, sejam aquelas expressamente consignadas no rol do § 1o. - devem ser nela alegadas; as matérias relativas a fatos supervenientes à sua apresentação, poderão ser alegadas por simples petição.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015, p. 876
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Uma hipótese difícil, mas plenamente factível seria o executado protocolar a impugnação no
prazo correto, logo após o fluxo daquele para o pagamento da obrigação constante na sentença, o ato
ser devidamente instruído e protocolado, com a manifestação do exequente, procedimentos seguidos e
decisão do juízo sobre esta impugnação, seja para acatá-la ou negá-la e, ainda, não sobrevir a penhora.
Nesta possível visualização processual, o juízo decidiria a impugnação, sem contudo constar a
penhora nos autos, com a possibilidade de, mesmo com uma decisão sobre a impugnação de outras
matérias, abrir o prazo para nova impugnação, caso sobrevenha a positivação de uma penhora,
podendo, de igual maneira, arguir a penhora incorreta ou avaliação errônea, bem como os fatos
subsequentes a estes, adequando-se aos moldes do art. 525, § 11.
Apesar de improvável, é totalmente factível que se tenha uma impugnação já julgada sobre as
matérias diversas constantes no art. 525, § 1o e seus incisos gerais e, posteriormente, outra
impugnação específica sobre a penhora, avaliação e seus fatos subsequentes. Essa segunda será uma
autêntica impugnação, mesmo que a anterior já tenha julgamento nos autos, justamente pela
superveniência da realização da penhora e, consequentemente, da possível avaliação dos bens
penhorados.
Dois momentos processuais diversos, dois prazos possíveis e duas impugnações plausíveis,
ainda que entre estas haja a possibilidade de uma decisão que julgue a primeira impugnação, não
alterando, de forma alguma, a característica deste segundo ato impugnativo, sendo uma impugnação
como a anterior, justamente pela impossibilidade de alegação no primeiro prazo, consistindo em uma
nova impugnação, mesmo que realizado por simples petição.
5. A DECISÃO SOBRE A IMPUGNAÇÃO
A impugnação ao cumprimento de sentença tem a sua natureza jurídica envolta, como
anteriormente exposto, de um ato defensório impugnativo, com a abertura de uma defesa sobre aquela
fase processual, seja com o intuito de resolver pendências específicas para a devida correção ou no
intuito claro de atacar a demanda e o título, pleiteando a sua extinção.
Neste ínterim, a decisão que resolve a impugnação tem característica híbrida179
, dependendo
do seu resultado prático para se definir o processo e, consequentemente, a sua devida forma. Se este
179 “VIII. Natureza da decisão que julga a impugnação ao cumprimento de sentença. Recurso cabível. A natureza jurídica da decisão que julga o incidente de impugnação não pode ser compreendida sob o prisma do cumprimento de sentença, mas em função daquilo que por meio da impugnação se tenha alegado. Mas a escolha do recurso a ser interposto contra a decisão que julga a impugnação deve ter como perspectiva o cumprimento de sentença. Assim, se com o acolhimento da impugnação ao cumprimento de sentença se extinguir o processo, caberá apelação; nos demais casos, caberá agravo de instrumento (cf. art. 1.015, parágrafo
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| Voltar ao sumário 179 Aspectos polêmicos do novo CPC
ato decisório coloca fim ao processo, com o acatamento da impugnação, encerra-se aquela fase e será
tida como sentença, impugnável totalmente pelo recurso de apelação.
Por outro lado, se a decisão somente afasta os argumentos da impugnação, não acolhendo-a,
com o devido prosseguimento do cumprimento de sentença, será, claramente, uma decisão
interlocutória, a qual passível de agravo de instrumento, o que difere da anterior, pelo fato da sentença
caber o recurso de apelação, mesmo no cumprimento de sentença.
Um exemplo desta decisão da impugnação visualizável como interlocutória está na rejeição
liminar da mesma, por qualquer que seja o motivo, com este resultado, o cumprimento de sentença
tem continuidade, transformando aquele ato decisório em somente algo intermediário, merecendo,
portanto, um recurso que tenha a mesma característica, neste caso, o agravo de instrumento.
Desse modo, o CPC/2015 manteve esta dúvida sobre a característica da decisão que resolve a
impugnação, necessitando, sempre, da análise consequencial processual daquele ato decisório, sem ter
um caminho fácil de se entender, somente com a visualização de cada fato ali disposto e os impactos
que causam ao processo. Se há decisão com uma consequência de prosseguimento da demanda180
,
evidentemente cabe agravo de instrumento, pela característica meramente interlocutória da decisão,
bem como, de maneira inversa, com a extinção do cumprimento de sentença, a natureza jurídica será
de sentença, a qual passível de apelação, com todos os ditames do art. 1.009 e subsequentes.
Somente o caso processual em concreto, com a análise daquele desenrolar da impugnação e
sua resolução que se tem noção de qual a espécie de decisão ali se encontra, por mais que ambas
resolvam o cumprimento de sentença, cada qual a seu modo181
.
Importante indagação permanece sobre a decisão que resolve a impugnação: se esta, por ter
seu trâmite nos próprios autos, resulta na condenação em honorários advocatícios? A resposta é
positiva, na visualização de que a defesa proposta abre uma certa cognição, mesmo que limitada às
matérias possíveis para tal feito. Com a resolução deste conhecimento, há a necessidade de uma
único, do CPC/2015).” MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 4ª Edição. RT: São Paulo. 2015. p.531 180 Enunciado n.º 586 do FPPC: O oferecimento de impugnação manifestamente protelatória é ato
atentatório à dignidade da justiça que enseja a aplicação da multa prevista no parágrafo único do art. 774 do CPC. (Grupo: Cumprimento de sentença e execução) Enunciado n.º 50 do ENFAM: O oferecimento de impugnação manifestamente protelatória ao cumprimento de sentença será considerado conduta atentatória à dignidade da Justiça (art. 918, III, parágrafo único, do CPC/2015), ensejando a aplicação da multa prevista no art. 774, parágrafo único. 181 “No entanto, como tal não é tratada, porque, se assim o fosse, seu julgamento dar-se-ia sempre por sentença, e a própria lei a está tratando como mero pedido incidental, ao qual se responde com decisão
interlocutória, agravável de instrumento, já que, se não acolhida, nada extingue. Se acolhida, quando não decide simplesmente questão processual, passa a ser sentença, apelável, mas não porque foi julgada procedente, e sim porque extinguiu o próprio processo em andamento, na fase executória.” SANTOS, Ernane Fidélis. Breves considerações sobre o cumprimento de sentença. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.4 - Execução. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. 2 a. Ed. JusPodivm, Salvador, 2016. p.313
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condenação182
, seja imputando ao pagamento para quem impugnou indevidamente, majorando os
honorários já concedidos pelo art. 532, § 1.º ou, em caso inverso, se a impugnação for acatada, ainda
que parcialmente, condenando, dessa maneira, o exequente impugnado ao pagamento de honorários
advocatícios.
6. BIBLIOGRAFIA
ALVIM, Eduardo Arruda; ALVIM, Angélica Arruda. Alguns apontamentos sobre o cumprimento de sentença
de pagar quantia. Execução civil e tema afins. Organizadores: ARRUDA ALVIM; ARRUDA ALVIM,
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BELTRÃO, Antônio Carlos Lima. Da impugnação ao cumprimento de sentença.
http://www.abdpc.org.br/abdpc/artigos/antonio%20carlos%20beltr%c3%a3o.pdf Acesso dia 01 de julho de
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________. Código de processo civil. Lei nº. 5.869 de 11 de janeiro de 1973.
BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2015.
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http://www.editoramagister.com/doutrina_25144822_desnecessidade_da_garantia_do_juizo_para_im
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DELLORE, Luiz. Novo CPC: o prazo para pagamento é em dias úteis ou corridos no cumprimento de
sentença e execução? http://jota.uol.com.br/no-cumprimento-de-sentenca-e-execucao-no-novo-cpc-o-
prazo-para-pagamento-e-em-dias-uteis-ou-corridos Acesso dia 01 de julho de 2016.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento.
17 ed. Salvador. JusPodivm. 2015.
182 “X. Impugnação ao cumprimento de sentença e honorários advocatícios. Na vigência do CPC/1973, a jurisprudência admitia a fixação de honorários em caso de acolhimento da impugnação, ainda que parcial, em benefício do executado (assim, STJ, REsp 1.134.186/RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Corte Especial, j. 01.08.2011). Segundo pensamos, essa orientação mostra-se correta apenas quando o acolhimento da impugnação conduzir à extinção parcial do cumprimento de sentença, e não quando disser respeito a temas pontuais que poderiam ser resolvidos independentemente de impugnação (cf., p.ex., avaliação errônea, cf. art.
525, § 1.º, IV do CPC/2015). A rejeição da impugnação ao cumprimento de sentença também pode repercutir em relação aos honorários advocatícios. De acordo com o § 1.º do art. 523 do CPC/2015, caso não ocorra o pagamento em quinze dias da intimação para cumprimento da sentença, o débito será acrescido de honorários calculados em dez por cento. Esse valor poderá ser elevado até vinte por cento, caso rejeitada a impugnação ao cumprimento de sentença (cf. art. 827, § 2.º, aplicável ao caso ex vi do art. 771 do CPC/2015).” MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 4ª Edição. RT: São Paulo. 2015. p. 531
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DUARTE, Antonio Aurelio Abi Ramia. Os princípios no projeto do novo código de processo civil: visão
panorâmica. R. EMERJ, Rio de Janeiro, v. 16, n. 61, p. 47-71, jan.-fev.-mar. 2013.
FUX. Luiz. O novo processo de execução (o cumprimento da sentença e a exceção extrajudicial). Rio de
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LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no novo CPC. 2a. Ed. Lexia, São Paulo, 2016
MACEDO, Lucas Buril de. A eficácia das decisões judiciais e o cumprimento de sentença no CPC/2015.
Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.4 - Execução. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE,
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MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil Volume
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OLIVEIRA, Weber Luiz de. Execução da parte incontroversa no novo código de processo civil. Coleção Novo
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Doutrina Selecionada - v.4 - Execução. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre;
MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. 2a. Ed. JusPodivm, Salvador, 2016.
SILVA, Beclaute de Oliveira. Comentários aos art. 525 a 527 do Novo CPC. Código de Processo Civil
Comentado. Org. CAMARA, Helder Moroni. Editora Almedina., 2016.
SOUZA, Miguel Teixeira de. Aspectos do novo processo civil português. Revista Forense, v. 338. Ano 93.
1997. Rio de Janeiro. Ed. Forense.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva.
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A STARE DECISIS E O CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Vinicius Silva Lemos183
RESUMO: Este artigo tem o propósito analisar a nova legislação processual, no tocante ao sistema de
precedentes positivado, com a aplicabilidade da teoria do stare decisis. O intuito deste estudo é delinear o instituto do stare decisis, com a sua relação principiológica com a segurança jurídica e a isonomia, estabelecendo uma cultura de precedentes e a viabilidade diante do CPC/2015. Diante disto, um estudo detalhado sobre a stare decisis e as nuances dessa nova realidade processual, com o dever de aplicabilidade e manutenção do status quo jurídico.
Palavra-Chave: Stare Decisis, Precedentes, Segurança Jurídica, Novo CPC.
1. INTRODUÇÃO
Um dos aspectos mais importantes do CPC/2015 é valorização e regulamentação dos
precedentes judiciais. A teoria do precedente judicial já tinha serventia no cotidiano jurídico brasileiro
com a inserção da repercussão geral e os recursos repetitivos, contudo na nova lei, a ênfase é maior, o
cuidado de melhorar cada instituto e impor a necessidade de integridade, coerência e estabilidade das
decisões dos tribunais.
É um novo dogma processual, uma visão para o futuro. Com o precedente e a sua viabilidade
diante deste novo processual civil, o stare decisis ganha uma proporção imensa sobre o modus
operandi dos julgamentos, tanto de primeiro grau quanto em tribunais, com a necessidade de julgar na
forma com que os tribunais superiores julgaram anteriormente. Manter tudo como está decidido.
Entender a teoria dos precedentes passa por entender o instituto da stare decisis e os reflexos
que permeiam essa nova ordem processual, com impacto imenso na forma dos julgamentos.
Delinearemos a relação do precedente e do stare decisis, com a visualização da forma com que o
CPC/2015 privilegia a cultura do precedente e a necessidade de entender o stare decisis.
2. O PRECEDENTE JUDICIAL
Um dos aspectos mais importantes do CPC/2015 é a valorização e regulamentação dos
precedentes judiciais. A teoria do precedente judicial já tinha serventia no cotidiano jurídico brasileiro
com a inserção da repercussão geral e os recursos repetitivos, contudo, na nova lei, a ênfase é maior
183 Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela
Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO. E-mail: [email protected] Endereço: Av. Lauro Sodré, 1903, Pedrinhas, Porto Velho – RO, 76801-501
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ao precedente, com o cuidado de melhorar cada instituto dessa nova sistemática de julgamentos e, ao
mesmo tempo, impor a necessidade de construção de uniformização de posicionamentos que tenham
integridade, coerência e estabilidade.
É um novo dogma processual, uma visão para o futuro. Para estudarmos os precedentes,
importante encontrarmos a definição sobre precedente, que é “a decisão judicial tomada à luz de um
caso em concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de
casos análogos184
.”
Pela conceituação existente185
, construímos os seus requisitos de existência. Para o precedente
nascer, a jurisdição deve ser provocada por uma parte com o pedido de resolução de um caso
concreto, com uma delimitação fática e jurídica pelo estado juiz com a interpretação judicial ao caso,
culminando em uma decisão que, pelos seus elementos, serve como base para utilização posterior em
casos que tragam as mesmas indagações concretas. Para a existência e formação de um precedente,
necessitamos de provocação jurisdicional pela parte, caso concreto, delimitação fática e jurídica,
interpretação, decisão judicial.
Para a utilização do precedente, incluímos um novo item, os casos análogos futuros. O
precedente nasce da atividade jurisdicional, da aplicação do direito ao caso concreto, diferente da lei,
que tem origem de um processo legislativo de regulamentação sobre determinada matéria. A
interpretação realizada entre os fatos e o direito positivo são os elementos que formam o precedente,
com a decisão concreta e a sua possibilidade de utilização em casos posteriores, dada a sua relevância.
Entretanto, não é qualquer atividade jurisdicional que forma um precedente186
. Por exemplo,
uma sentença de primeiro grau não forma um precedente. Os tribunais de segundo grau também não
tem essa função como prioridade, já que a sua função é possibilitar o duplo grau de jurisdição com a
aplicação do direito de reexame. No CPC/2015, com o incidente de assunção de competência e a
resolução de demandas repetitivas, foi atribuído a estes tribunais também a função prioritária de
formar precedentes judiciais, para aplicação de territorial limitada à extensão daquele tribunal.
Naturalmente, os precedentes judiciais, em regra, são formados nos tribunais superiores187
, que têm
em suas decisões, pelo seu alcance territorial, impacto de aplicabilidade em todo o Brasil.
184 DIDIER Jr. Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Teoria da Prova, direito probatório, decisão, precedentes, coisa julgada e tutela provisória. 10 ed. Salvador. JusPodivm. 2015. p. 441 185 “A primeira, de índole objetiva, toca ao comando “dever” que, por certo, depreende-se da inteligência do dispositivo em comento, ao dispor que juízes e tribunais observarão ditas decisões, enunciados, acórdãos, súmulas, orientações a que os próprios incisos do art. 927 prestam conta. Logicamente, dito respeito não se faz às “cegas”! Como bem dita o §1º. do próprio art. 927, ao decidir sob o manto do que estabelece os incisos
supracitados, deverá o órgão julgador subordinar-se às exigências dos arts. 10 e 489, §1º., estes responsáveis pelas balizas relativas à correta validade dos fundamentos das decisões, prevendo o respeito à oportunidade das partes de terem se manifestado sobre o que se fulcrará como base da fundamentação, isso no decorrer da marcha processual (art. 10), bem como se limitar a invocar “precedente” ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos e ainda, deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou “precedente” invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento, ex vi
do art. 489, §1º., V e VI.” GAIO JR, Antônio Pereira. O conceito de precedentes no Novo CPC. http:// portalprocessual.com/o-conceito-de-precedentes-no-novo-cpc/ 186 Enunciado n.º 315 do FPPC: Nem todas as decisões formam precedentes vinculantes. 187 “A função da Corte Suprema, portanto, é a de definir o sentido do direito. Quer isso dizer que as Cortes de civil law não devem continuar a ser vistas como Cortes de correção. Ao decidir, o STJ agrega conteúdo à ordem jurídica vinculante, que deixa, assim, de constituir sinônimo de ordem legislada. Por consequência, a “decisão” da Corte passa a orientar a vida em sociedade e a regular os casos futuros. Se a Corte reconstrói o
produto do legislativo para atribuir sentido ao direito, a igualdade, a liberdade e a segurança jurídica apenas não serão violadas se o precedente instituído for respeitado pelos juízes e tribunais inferiores. De modo que a obrigação de respeito é tão somente consequência da função contemporânea da Corte (Luiz Guilherme Marinoni, O STJ enquanto Corte de Precedentes, 2a. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014). Mas não há como pensar em decisão com eficácia obrigatória sem ter claro que a jurisprudência uniforme, assim como as “máximas” da Corte de Cassação italiana e as súmulas do direito brasileiro, não estão preocupadas com as
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A teoria da utilização de precedentes é uma forma de olhar o passado para decidir o futuro188
,
um olhar processual e material para uma busca de estabilidade judicial, pelo fato de “o passado, por si
só, acaba sendo uma razão que compele o sujeito à tomada de decisão em um certo sentido189
.” A
importância dada à teoria e utilização dos precedentes na nova codificação é louvável, com um olhar
para o futuro e para uma nova sistemática de visualização da importância da decisão judicial.
2.1 A ratio decidendi
A formação de um precedente não está em sua parte dispositiva. O importante de um
precedente é a sua fundamentação quanto à tese jurídica, a construção do julgado como um
procedimento com impacto para a utilização em casos análogos futuros. Não há dúvidas que o
precedente nasce de uma decisão, não de todas, mas uma decisão. O ato de decidir não é o que forma
o precedente, mas o caminho que levou para chegar à convicção da decisão. Isto é o que forma e o que
importa para a aplicabilidade futura.
O precedente nasce da ratio decidendi da decisão. O que seria essa ratio decidendi? A
definição do conteúdo e dos limites da decisão. Numa tradução informal, as razões de decidir. A parte
dispositiva, a decisão em si, a ordem judicial importa para as partes do processo, já as razões de
decidir – ratio decidendi – importam para a utilização como precedente, numa transcendência ao
próprio julgado, como uma formatação basilar para outras decisões futuras que se identificarão com os
fatos constantes na limitação feita pelas razões da decisão190
. Toda e qualquer decisão cria uma norma
jurídica, a interpretação do juí- zo sobre a relação fato x lei. O resultado da decisão é a norma jurídica
almejada para a resolução do conflito de interesses tutelado pela jurisdição.
Essa norma criada pelo ato de julgar se limita às partes, àquela solução jurídica para o caso em
concreto posto em juízo. No entanto, há outra norma criada na decisão, com conteúdo universal, que
ultrapassa os limites da lide e que não está na parte dispositiva, mas na sua fundamentação. Neste
ponto da decisão que o juízo traça um caminho de delimita- ção, com a análise dos pontos fáticos que
estão em julgamento, as intersecções jurídicas afeitas ao caso concreto, é neste ponto que se encontra
a ratio decidendi.
A interpretação dos fatos e sua relação com o direito existente resulta numa norma jurídica
criada no julgamento, não limitada às partes, por não constar da decisão, da parte dispositiva, contudo,
esta mesma norma perfaz uma linha de fundamentação para construir o pen- samento jurídico que
razões que determinam o resultado da interpretação. O sentido do direito está nas razões que determinam o resultado, ou seja, na ratio decidendi. Só as razões que a Corte utiliza para justificar a solução da questão de direito numa específica moldura fática dão ao juiz do novo caso condições de saber se o entendimento da Corte Suprema deve regulá-lo. Porém, ratio decidendi só existe em precedentes. Esse o simples motivo para se ter que falar em precedentes obrigatórios e abandonar as ideias de súmula e jurisprudência uniforme, comprometidas
com uma perspectiva teórica completamente superada.” MARINONI, Luiz Guilherme. A função das cortes supremas e o Novo CPC. http://portalprocessual.com/a-funcao-das-cortessupremas-e-o-novo-cpc/ 188 “A decisão judicial desempenha, portanto, dupla função: define a controvérsia instaurada entre as partes e também tem valor de precedente, de sorte que um princípio de direito, deduzido por meio de uma decisão judicial, deverá ser considerado e aplicado, no futuro, a casos semelhantes” MARCATO, Antonio Carlos. Revista de Direito da ADVOCEF. Ano XI nº 21 nov/2015, p.52 189 BURIL, Lucas. Afinal, o que é um precedente? http://justificando.com/2015/05/15/afinaloque-e-um-
precedente-2/. 190 “Segundo Deflorian apud Gordon, a ratio decidendi consiste no princípio do direito com base no qual o caso é decidido. Nas palavras de Tucci, a ratio decidendi, “constituem a essência da tese jurídica suficiente para decidir o caso concreto”. A ratio decidendi envolve questões levantadas no processo que foram fundamentais para a formação da decisão judicial”. SOARES, Marcos José Porto. A ratio decidendi dos precedentes judiciais. RBDPro. Revista Brasileira de Direito Processual. Ed. Fórum. n. 85 ano 22. 2014. p. 49.
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embasa o resultado final191
. Toda decisão tem uma norma jurídica limitada às partes e outra norma
jurídica transcendental.
O precedente judicial somente se forma na segunda norma, com a sua utilização para outros
casos futuros. Somente as razões de decidir importam como precedente judicial. Somente pode ser
considerada ratio decidendi, para fins de um precedente, o que foi efetivamente discutido para a
formação da fundamentação daquela decisão. Em modo contrário, sem uma arguição e discussão, ou
ainda, decisão sobre a matéria, esta não há como ser parte da ratio decidendi. Muito importante para a
verificação da real discussão e decisão para identificar a ratio decidendi de uma decisão.
2.2 Obiter dictum
Para entender o precedente e a identificação na decisão judicial do que é a ratio decidendi,
importante conceituar e explicar o obiter dictum, que persiste em fundamentação acessória da
interpretação jurídica realizada na decisão. Nem todos os pensamentos jurídicos insertos na decisão
servem como precedente. Muitas vezes numa decisão, para construir um caminho de argumentação
jurídica, o juízo passa por diversos fundamentos, considerações ou comentários, seja para
comparação, contraposição ou para imaginar hipóteses para o caso em concreto. Essa fundamentação
acessória é parte da decisão, ajuda na formação da ratio decidendi, entretanto, não é parte destas
razões, contendo serventia apenas suplementar.
No obiter dictum há uma característica periférica, uma argumentação acessória, por vezes até
inútil ou irrelevante para o julgamento daquele caso e para a formação da ratio decidendi, mas que
sinaliza importantes posicionamentos, discussões jurídicas e debates futuros192
.
O obiter dictum tem uma evidente função de sinalização. Uma discussão paralela que não tem
muito valor para aquele processo, mas que pode direcionar futuramente um posicionamento de outra
matéria. Não serve para este processo que se decidiu, contudo seu conteúdo é importante.
3. A STARE DECISIS
A opção do CPC/2015 por criar um sistema de precedentes tendeu ser natural, no ponto em
que a jurisprudência e a atividade judicante já pedia para este caminho. Diante deste ponto, somente
houve uma positivação, organização e sistematização do que já era pertinente e utilizado. Os
precedentes já existiam no direito brasileiro, influenciando o cotidiano jurídico e pautando, por
diversas vezes, o trabalho tanto do judiciário quanto dos operadores do direito.
Dessa forma, o próprio direito brasileiro já alterna, diariamente, para um fluxo entre a
conjunção entre o civil law e algumas técnicas com características do common law. Um sistema
híbrido para buscar a possibilidade de dar vazão aos princípios da isonomia e segurança jurídica. Com
isso, a stare decisis já é uma realidade sobre a qual o direito brasileiro se debruça há algum tempo,
mesmo sem uma regulamentação, mas por puro sentido prático jurídico.
191 “Trata-se da tese jurídica acolhida, no caso concreto, pelo julgador, sendo composta por 03 elementos: (i)indicação dos fatos relevantes da causa (statement of material facts); (ii) raciocíniológico-jurídico da decisão (legal reasoning); e (iii) juízo decisório ( judgement).“ REDONDO, Bruno Garcia. Precedente judicial no direito processual civil brasileiro. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Direito jurisprudencial: volume 2 . São Paulo: RT, 2014. v. 2, p.
174. 192 “Em decorrência, obiter dictum é a parte da decisão judicial que não servirá para a construção da norma do precedente. É a parte do precedente, por características advindas da sua formação – como a ausência de pedido, contraditório quanto ao tema abordado ou fundamento determinante na votação pelo tribunal –, imprestável para construção de uma ratio decidendi.“ BURIL, Lucas. Afinal, o que é um precedente? http://justificando.com/2015/05/15/afinalo-que-e-um-precedente-2/.
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Qual a definição de stare decisis então193
? O termo vem da língua inglesa do brocardo “stare
decisis et non quieta movere” que significa, numa tradução livre,194
respeitar o que se decidiu e manter
quieto o que está estável. Seria, então, manter estável o que já se decidiu195
. Uma expressão para
explicar toda a base principiológica do sistema de precedentes, respeitar o que se decidiu no sentido
de que o passado e a interpretação jurídica realizada devem influenciar o julgamento de casos
idênticos, simplesmente por não ter o estado uma discricionariedade judicante, mas uma necessidade
de julgar de forma isonômica as situações análogas.
Evidente que o stare decisis tem uma conjunção de que a precedente nasce da atividade
judicante, numa visualização entre o fato julgado e a lei utilizada, criando ali uma norma jurídica
estabelecida para aquele caso. Uma vez julgado o caso e servindo como base precedente a outros
casos, o juízo futuro, ao se deparar com a mesma situação, deve julgar novamente com técnicas aquela
situação ou simplesmente utilizar-se de um julgamento preconcebido?
O intuito é que os julgamentos guardem isonomia e segurança jurídica, no sentido de que
tenham o mesmo resultado quando forem apresentados fatos idênticos e análogos, o que perfaz a
necessidade de uma simetria entre os julgamentos.196
Dessa forma, se há um precedente anterior, num
posicionamento definido, segui-lo é o óbvio jurídico, seja pela justiça que se faz para aquela situação,
o julgamento correto e a correlação que se tem com o decidido anteriormente.
Manter o que já se decidiu tem realmente o sentido de continuar a utilizar aquele
posicionamento enquanto a situação jurídica for idêntica à anterior. Se as condições sociais, políticas,
econômicas e jurídicas continuam de igual maneira àquela época em que o precedente se formou, não
há motivos para ter um julgamento diferente. Essa é a condição base do stare decisis, a manutenção da
mesma linha decisória enquanto a sociedade tiver os mesmos parâmetros de alicerce. Não há motivos
para outros rumos jurídicos e decisórios se as condições sociais são idênticas àquelas anteriores.
Manter o rumo decisório é manter a estabilidade jurídica.
A atividade jurisdicional não é um campo para emoções, para jogos de azar em que uma
mesma matéria se ganha ou se perde, mas sim, uma área para pensamentos e decisões estabelecidas
dentro de um razoável e um campo de certezas. Não se intenta uma ação para uma discricionariedade
do juízo ou qualquer outra liberdade judicante. Se tem um caminho jurisdicional já percorrido
anteriormente sobre a matéria e fatos com similitude, deve o Estado, representado pelo juízo, tomar a
193De regra, o termo stare decisis significa tanto a vinculação, por meio do precedente, em ordem vertical (ou
seja, como representação da necessidade de uma Corte inferior respeitar decisão pretérita de Corte superior), como horizontal (a Corte respeitar decisão anterior proferida no seu interior, ainda que a
constituição dos juízes seja alterada). Esta é a posição adotada, entre outros, por Neil Duxbury e Melvin Aron Eisenberg. Em outra senda, há aqueles que optam por distinguir o termo stare decisis de precedente, como Frederik Schauer, para quem, "tecnicamente, a obrigação de uma corte de seguir decisões prévias da mesma corte é dita como sendo stare decisis (...), e o termo mais abrangente precedente é usado para se referir tanto à stare decisis, quanto à obrigação de uma corte inferior de seguir decisões de uma superior.” MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2º ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 27.
194 “A expressão stare decisis pode ser assim traduzida: mantenham-se a decisão e não altera o que está quieto”. NOGUEIRA, Gustavo Santana. Jurisprudência vinculante no direito norte-americano e no direito brasileiro. Revista do Processo. São Paulo. Vol. 33. n. 161. 2008. p. 101. 195 “A obrigação de recorrer às regras de que foram estabelecidas pelos juízes (stare decisis), de respeitar os precedentes judiciários, é o correlato lógico de um sistema de direito jurisprudencial.” DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. Trad. Hermínio A. Carvalho. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 428.
196 “A advertência de que a lei é igual para todos, que sempre se viu escrita sobre a cabeça dos juízes nas salas do Civil Law, além de não mais bastar, constitui piada de mal gosto àqueles que, perante uma das turmas do Tribunal e sob a inscrição, recebe decisão distinta a proferida – em caso idêntico – pela Turma cuja sala se localiza metros adiante, no mesmo longo corredor do prédio que, antes de tudo, deveria abrigar a igualdade de tratamento perante a lei” MARINONI, Luiz Guilherme. Transformação do Civil Law e a oportunidade de um sistema precedencialista para o Brasil. in Cadernos Jurídicos OAB- junho 2009
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mesma decisão, respeitando seu próprio precedente, seja inferior ou superior e, principalmente,
concedendo confiabilidade no próprio julgamento, bem como no sistema judicial.
Atentar conta o stare decisis passa por não se respeitar o que se decidiu e instituiu-se como
parâmetro para aquela situação. A sociedade merece julgamentos idênticos para situações idênticas,
similitude de julgamento para similitude fática197
.
Dessa maneira, uma vez estabelecida a ratio decidendi daquele precedente que vinculará aos
demais forma ali uma norma jurídica com o sentido de que será seguido pelos juízos posteriores que
encontrarem a mesma situação jurídica. Quando qualquer juízo se deparar com a mesma situação,
simplesmente realiza a comparação entre as razões existentes naquela demanda e na ratio decidendi
vinculante, aplicando a stare decisis.
3.1 O direito common law e a stare decisis
O conceito de decisão judicial criativa de norma jurídica vem como base do direito common
law, sendo em países desta tradição, como a Inglaterra e os EUA, que nasce e se utiliza a teoria da
stare decisis, contudo importante salientar que o stare decisis não se confunde com o direito common
law, apesar de ser parte e base deste.
Importante realizar essa separação, justamente pelo fato de que o direito common law nasce do
privilégio e guarita dos costumes, priorizando-os do que o nascimento de leis. Entretanto, não é por
este motivo que a stare decisis se confunde com o direito common law198, simplesmente se entende
que é um dos componentes desta vertente do direito, não o próprio direito ou seu sinônimo.
De igual forma, não se pode confundir a stare decisis com o precedente. O que se tem é que o
stare decisis é a condição de manutenção do que se decidiu, não necessariamente é o precedente. É
um estado de manutenção das coisas decididas. Por qual motivo irá se alterar aquilo que se decidiu
com autoridade se as situações sociais ainda são as mesmas da época em que se interpretou o direito e
criou a norma jurídica? A stare decisis é a resposta para esta pergunta, justamente por primar pela
manutenção do que foi decidido, seja de forma horizontal, num dever de autorreferência ou em
verticalmente, pela própria autoridade do precedente e do tribunal que o formou.
Mas, a stare decisis confunde-se com precedente? De certa forma sim, pelo fato de que a stare
decisis é para parte da doutrina considerada sinônimo de precedente. Entretanto, há posicionamento de
que o stare decisis seria, de acordo com Odahara apud Frederick Schauer, ““tecnicamente, a
obrigação de uma corte de seguir decisões prévias da mesma corte é referida como sendo stare
decisis”. Dessa forma, precedente seria a obrigação do próprio tribunal e dos tribunais e juízes
inferiores . O stare decisis seria somente a obrigação do mesmo tribunal seguir seus julgados199.”
Dessa forma, o precedente nasce pela norma jurídica resultante do julgamento prolatado pelo
tribunal que tem autoridade para tanto, a stare decisis é a teoria de que o precedente deve ser
respeitado e mantido, simplesmente por definir a questão sobre aquela matéria em conjunção com os
197“Também merece referência manifestação semelhante partida do Chanceler KENT: "Uma decisão formal a
respeito de uma questão de direito suscitada em qualquer processo torna-se paradigma para caso
semelhante, porque constitui-se na maior evidência que podemos ter do direito aplicável à hipótese e os
juízes devem acompanhar tal decisão enquanto ela não for superada, a menos que possa ser demonstrado
que a lei foi mal compreendida ou mal aplicada naquele caso específico."” RE, Edward D. Stare decisis
http://amdjus.com.br/doutrina/constitucional/43.htm 198 “O stare decisis constitui apenas um elemento do moderno common law, que também não se confunde
com o common law dos tempos imemoriais ou com os costumes gerais, de natureza secular, que dirigiam o comportamento do Englishmen.” MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2013, p.32. 199ODAHARA, Bruno Periolo. Um rápido olhar sobre o stare decisis. In A força dos precedentes: estudos dos
cursos de mestrado e doutorado em direito processual civil da UFPR. Luiz Guilherme Marinoni (coordenador). Salvador: JusPODIVM, 2010.
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fatos analisados anteriores. Nos casos vindouros sobre as mesmas questões fáticas e mesmos pleitos,
os tribunais – inferiores ou o mesmo que firmou o precedente – deve, pela teoria do stare decisis,
manter-se com o mesmo posicionamento, decidindo da mesma forma, utilizando o precedente
anteriormente firmado.
3.2 Espécies de stare decisis
A stare decisis tem duas possibilidades de vinculação visíveis: a realizada e necessária pelo
próprio tribunal que firmou o precedente quando julgarem a mesma matéria e aquela realizada quando
os tribunais inferiores ou os juízos de primeiro grau.
A primeira hipótese é a chamada stare decisis horizontal, aquela em que a ratio decidendi
formada pelo tribunal deve ser seguida em casos posteriores de igual similitude quando deparada a
matéria pelo mesmo tribunal. Imputa-se aqui o dever de autorreferência. O tribunal, geralmente
superior, que chegou ao precedente, delimitando-o como norma jurídica – a aplicação da lei para
aqueles determinados fatos – deve, de igual forma aos demais, seguir aquilo que definiu como
pertinente para aquela matéria.
Não pode o próprio tribunal que estabeleceu o precedente entender-se como acima do próprio
entendimento firmado, afinal o intuito de um julgamento paradigma para os demais casos é que seja
utilizado e aplicado para tais fins. Deve, então, o tribunal superior seguir os mesmos parâmetros da
stare decisis, mantendo-a como uma teoria pertinente para sua aplicabilidade. Não se pode modificar
o entendimento sem qualquer alteração social que impacte no entendimento firmado anteriormente,
mesmo que a corte que tenha passado por alterações. O precedente, enquanto estabelecido e com stare
decisis, deve ser a comunhão do entendimento do tribunal para aquele caso e não daquele grupo de
julgadores.
Assim, de forma horizontal, o próprio tribunal superior que firmou o precedente está a ele
vinculado, com total subordinação enquanto houver as condições para tal entendimento. Enquanto não
sobrevier uma lei, uma revogação, uma alteração contundente na sociedade, não há motivos para o
próprio tribunal renegar o que decidiu, ainda que a composição seja diversa.
A outra espécie existente de stare decisis é a vertical, com a necessidade de que os tribunais
inferiores e os juízos de primeiro grau mantenham-se, enquanto não houver alteração social, fiéis na
aplicabilidade do precedente firmado, com utilização da ratio decidendi para os casos que a ela se
emoldura.
O dever deixa ser de autorreferência200
, mas somente de referir e ater-se ao decidido pelos
tribunais superiores sobre a questão. Se já houve um julgamento vinculante em tribunal superior, os
que estão abaixo não devem inovar ou tergiversar sobre a matéria, simplesmente identificando a
materialidade da questão e a comparação necessária entre a ratio decidendi do precedente e daquela
situação a ser julgada, com a total aplicabilidade se houver similitude.
O intuito é manter os casos idênticos com similaridade de resultados finais, guardando, assim,
a isonomia e a segurança jurídica. A necessidade de observar a stare decisis, mantendo o status quo
material sobre aquela questão nasce desde o juízo de primeiro grau, passando pelo tribunal de
apelação, estabelecendo essa vinculação vertical.
Se há um precedente envolvendo determinada matéria, com vinculação, todos os tribunais
anteriores ao que firmou o entendimento devem segui-lo, seja pela sua própria autoridade, mas, de
igual forma, pela conjunção do Judiciário como um só poder, como a representação estatal,
necessitando de que seja uma atuação coesa.
200 “A prática jurídica precisa se preocupar com o que foi feito anteriormente. (...) torna a prática mais comprometida com a coerência no discurso jurisdicional, por meio da criação de uma espécie de linha sequencial de decisões” MACÊDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais e o direito processual civil, cit., p. 271.
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3.1 A manutenção da tese julgada em casos análogos
A teoria do stare decisis está justamente em conceder julgamentos no mesmo sentido quando
tiverem situações idênticas, contudo há de se entender que o stare decisis somente existe quando
houver a vinculação daquele precedente previamente estipulado.
O precedente judicial tem espécies diferentes, desde os vinculantes201
até os persuasivos202
,
com a visualização de sua autoridade. Quanto maior a autoridade do precedente, maior a sua
influência no julgado, até chegar na vinculação propriamente dita, com a necessidade de se seguir
aquele precedente, mantendo aquilo que já foi anteriormente decidido, perfazendo aqui a realidade do
stare decisis.
Se há vinculação, com autoridade judicante permissiva para aplicação para aquela situação
análoga, o juízo diante desse momento deve simplesmente aplicar o precedente, sem entender que há
discricionariedade para tanto, somente a visualização jurídica realizada pelo juízo no intuito de
comparar a situação fática processual daquela demanda com a ratio decidendi do precedente
vinculante com autoridade. Se há identidade, há vinculação e a necessidade de seguir o que se decidiu
anteriormente203
.
A stare decisis agrega justamente o precedente vinculante com a necessidade de sua aplicação
no caso análogo futuro. Manter o que se decidiu pelo fato de que a situação ainda tem autoridade
jurídica para determinar que aquela é a melhor solução judicante para aqueles fatos e que ainda tem
validade para tanto. E, ainda, há a autoridade do tribunal que formou o precedente, com a persistência
valorativa do precedente.
Se o tribunal que estabeleceu o precedente ainda o tem com a qualidade jurídica para
solucionar aquela questão, os juízos anteriores e inferiores devem seguir a stare decisis ali disposta,
pelo simples fato de que não há novidade ou motivo para alteração daquilo que se está julgado e
decidido. Seguir o que se decidiu é conceder às partes a estabilidade jurídica e a isonomia no direito
naquilo que procuraram o judiciário para resolver o seu conflito de interesses.
O próprio tribunal que estabeleceu o precedente deve segui-lo, bem como os tribunais e juízos
inferior devem, de igual forma, continuar a utilizá-lo, enquanto a situação jurídica social for idêntica,
justamente confirmando a lógica da stare decisis quanto ao manter estabelecido aquilo que se encontra
da mesma forma.
Entretanto, insta salientar que a stare decisis e a vinculação somente existem para precedentes
que tem esse grau de autoridade. Não se pode entender que qualquer precedente tem a stare decisis
como base ou vice-versa, somente quando há autoridade, vigência daquelas mesmas condições sociais
201 “Os precedentes vinculantes são os normais no direito common law, onde a sua vinculação é inserta da cultura jurídica. No Brasil, também temos os precedentes de forma vinculante, em formas já existentes anteriores ao novo Código e os recém-criados. Não são todos os precedentes que são obrigatórios, mas a existência de precedentes dessa natureza é a base de aposta,781 neste novo Código, para a resolução da
multiplicidade de demandas pelo judiciário brasileiro” LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no novo CPC. São Paulo: Lexia, 2015, p.472. 202 “Por outro lado, sem a especificação legal de que determinado precedente oriundo de alguma espécie de decisão tenha caráter vinculante, logo, não há obrigatoriedade ao juízo que enfrenta tal matéria em aplicar o precedente. Obrigação não há, mas qualquer precedente detém autoridade jurídica que deve ser respeitada, nos parâmetros e hierarquia que a própria decisão originária do precedente. Para estes precedentes, que não possuem caráter vinculante, atribu- ímos uma característica de persuasão, chamados assim de persuasivos.”
LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no novo CPC. São Paulo: Lexia, 2015, p.473. 203“Na aplicação de um precedente, o jurista precisa determinar a autoridade desse precedente. Será ele
vinculativo ou meramente persuasivo? Se ele for vinculativo, o princípio estabelecido no caso antecedente deve ser aplicado e define o julgamento do caso subseqüente. Se for apenas persuasivo, uma variedade de fatores adicionais deve ser considerada para que se decida sobre sua aplicação e sobre a extensão e o grau desta aplicação.” RE, Edward D. Stare decisis http://amdjus.com.br/doutrina/constitucional/43.htm
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e necessidade de vinculação. Outros precedentes que existem, com caráter meramente persuasivo204
,
muitas vezes sem uma identificação natural da ratio decidendi, não guardam a possibilidade da stare
decisis, pelo fato de que não tem a vinculação, seja pela falta de autoridade do tribunal ou de quem
firmou o precedente ou pela própria ausência de vigência do mesmo, com possibilidade de revogação
ou parcial revogação.
3.2 A estabilidade como base da stare decisis
O intuito de um precedente ser seguido, ser vinculante é justamente proporcionar uma
estabilidade jurídica para a sociedade e para a própria atividade judicante. Uma vez firmado o
posicionamento que resultado no precedente, é dever do Estado, em seu papel judicante, proporcionar
a estabilidade daquele precedente.
Não basta somente que haja a uniformização da jurisprudência ou o julgamento que sirva de
paradigma para os demais, moldando o precedente, há, de igual forma, a necessidade de que este
precedente seja utilizado em outros casos, toda vez em que se conseguir o encaixe jurídico entre a
ratio decidendi do precedente com a mesma matéria fático-jurídica de uma ação posterior.
Um precedente bem firmado, com o estudo do caso, o exaurimento da matéria e a melhor
decisão possível daquele tribunal que tem a autoridade para fazê-lo não basta para a sociedade. Esta é
a função precípua do tribunal que tem a função de firmar o precedente, mas não se completa nesta
visão. Num segundo momento, há de se utilizar o que foi decidido e prosseguir a decidir da mesma
maneira, criando, dessa forma, um sistema jurídico estável e confiável, com a manutenção do que se
decidiu, exatamente a base do que se entende como a stare decisis.
Conclui-se, então, que não há stare decisis sem estabilidade, justamente por entender-se que
manter o que se decidiu se baseia na necessidade da estabilidade205
daquele precedente, seja uma
estabilidade de forma horizontal quanto vertical.
3.3 A segurança jurídica como princípio basilar da stare decisis
A segurança jurídica206
é a base da necessidade do stare decisis, justamente por garantir ao
sistema jurídico e a sociedade um padrão decisório na atividade judicante. O sentido lógico de um
judiciário deve pautar-se em decidir de forma idêntica as situações similares, sem essa visualização,
cria-se uma sensação de total insegurança, acarretando em incertezas sociais, econômicas, políticas e
jurídicas.
204 “Os precedentes persuasivos para que tenha autoridade dependem de vários outros fatores como: a posição do tribunal que proferiu a decisão na hierarquia do Poder Judiciário, o prestígio do juiz condutor da
decisão, a data da decisão, se foi unânime ou não, a qualidade da fundamentação e etc.” SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do Precedente Judicial à Súmula Vinculante. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2008. 205 “A segurança jurídica, vista como estabilidade e continuidade da ordem jurídica e previsibilidade das consequências jurídicas de determinada conduta, é indispensável para a conformação de um Estado que pretenda ser “Estado de Direito.” MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes Obrigatórios. 2. ed. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 2013, p.118-119. 206“A segurança jurídica pode ser vista em outra perspectiva, ou seja, em uma dimensão objetiva. É preciso
que a ordem jurídica, e assim a lei e as decisões judiciais, tenham estabilidade. A ordem jurídica deve ter um mínimo de continuidade, até mesmo para que o Estado de Direito não seja um Estado provisório, incapaz de se impor enquanto ordem jurídica dotada de eficácia e potencialidade de se impor aos cidadãos.” MARINONI, Luiz Guilherme. Os Precedentes na Dimensão da Segurança Jurídica. http://www.tex.pro.br/home/artigos/261-artigos-mar-2014/6443-os-precedentes-na-dimensao-da-seguranca-juridica
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O fato da segurança jurídica ensejar decisões idênticas não se pauta pela falta de liberdade de
pensamento do judiciário, mas, ao inverso, se almeja que a atividade judicante seja previsível,
concedendo à sociedade uma segurança e previsibilidade207
, influenciando na vida social em
diferentes aspectos.
O que se decidiu, com exaurimento material e autoridade para fazê-lo, não deve ser alterado
sem que a própria sociedade também tenha alterado alguns de seus pontos sociais. Se um tribunal
superior decide de uma forma, com um precedente de autoridade, não há motivos para o próprio
tribunal, futuramente, quando se deparar com casos similares contenha uma discricionariedade para
julgar de maneira diversa. Se há uma decisão naquele sentido e os aspectos sociais continuam da
mesma forma, deve o próprio tribunal seguir o entendimento que outrora firmou. Não há espaço para
emoções ou para volatilidade no judiciário, necessitando que seja o primeiro a ´primar pela segurança
jurídica à sociedade.
Essa segurança jurídica passa, necessariamente, pela teoria do stare decisis, pela cultura de que
manter-se o decidido é a melhor maneira de entender que o judiciário não deve ser uma caixinha de
surpresas e, sim, um poder totalmente fiel aos seus princípios e deveres. Se a situação social se
mantêm em similitude sobre aquela existente no momento do estabelecimento do precedente, deve os
tribunais – aqui o próprio tribunal que firmou o precedente, os inferiores e os juízos de primeiro grau
– seguir o mesmo precedente, concedendo à sociedade uma segurança de que aquela matéria é
pacificada e tem um entendimento jurídico condizente com a realidade social, com pacificação
daquele padrão decisório para a resolução de conflitos de interesses idênticos.
4. A STARE DECISIS NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
O CPC/2015 primou por positivar um sistema de precedentes, tímido ainda, mas que existe e
impulsiona um sentido judicante e harmônico aos tribunais, com a visualização de que o julgamento
realizado com autoridade deve se tornar um precedente com características vinculantes, com a
necessidade de ser observado em qualquer julgamento posterior realizado sobre aquela matéria e fatos.
O intuito do CPC/2015 passa por manter-se o que está decidido, atribuindo ao Judiciário uma
noção de previsibilidade decisória, com a necessidade de entender um sistema de precedentes, com a
teoria do stare decisis como plausível e importante para o novo processo civil brasileiro.
4.1 Os precedentes vinculantes no CPC/2015
Numa cultura de multiplicidade de decisões diferentes, por vezes até antagônicas, tanto pelo
reflexo do livre convencimento ou até pela característica do civil law, realizar a transição para um
207“Para que haja previsibilidade, igualmente são necessárias algumas condições. Se é certo que não há como
prever uma conseqüência se não houver acordo acerca da qualidade da situação em que se insere a ação capaz de produzi-la, também é incontestável que estas dependem, para gerar previsibilidade, da possibilidade da sua compreensão em termos jurídicos e da confiabilidade naqueles que detém o poder para afirmá-las. Em sendo assim, sustenta-se que a previsibilidade requer a possibilidade de conhecimento das normas com base nas quais a ação poderá ser qualificada. Porém, como a previsibilidade não descura da circunstância de que a norma deve ser interpretada, tornou-se necessário tocar na questão da interpretação
jurídica, daí tendo naturalmente surgido a preocupação com a efetividade do sistema jurídico em sua dimensão de capacidade de permitir a previsibilidade, na medida em que o conhecimento da norma e a uniformidade da interpretação de nada adiantariam caso o jurisdicionado não pudesse contar com decisões previsíveis.” MARINONI, Luiz Guilherme. Os Precedentes na Dimensão da Segurança Jurídica. http://www.tex.pro.br/home/artigos/261-artigos-mar-2014/6443-os-precedentes-na-dimensao-da-seguranca-juridica
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sistema de precedentes não é um caminho fácil de percorrer, o que importa em criar diversos pontos
obrigatórios para uma mudança real de cultura judicante.
Enquanto em outros países com cultura jurídica calcada em precedentes, seguir a decisão posta
é o natural, no Brasil, há uma liberdade judicante, com interpretações diversas de pontos idênticos da
lei, o que gera uma total instabilidade jurídica. Diante deste prisma, para uma mudança impactante, a
conjuntura deve mudar de uma forma maior, com um sistema de precedentes obrigatórios, com uma
vinculação aos juízes anteriores.
Sem uma cultura de precedentes, a mudança passa pela imposição legal, com a necessidade
que o precedente estabelecido seja seguido. Com isso, na última década alguns novos institutos foram
criados com essa diretriz de vinculação, como a súmula vinculante do STF, com o condão de impor
uma posição para os demais tribunais e juízes, como resultado de uma matéria reiteradas vezes julgada
pela Suprema Corte numa direção, com a provocação de que se torne uma súmula.
Esse é um exemplo do panorama jurídico brasileiro, sem vinculação não há de se pensar num
sistema de precedentes. Neste diapasão, o art. 927 do CPC/2015 estabelece que os tribunais e juízes
observarão uma série de decisões anteriores, os denominados precedentes para prolatarem suas
decisões. Uma clara tendência de uma cultura jurídica brasileira para uma valorização à interpretação
jurídica prolatada em um caso, não somente à lei.
Contudo, não se baseia o precedente em valorizar a atividade judicante que cria norma jurídica,
mas estabelecer que esta deve pautar-se pela isonomia e segurança jurídica, consistindo em chegar em
resultados idênticos quando as situações forem de igual modo. Algo básico juridicamente falando,
porém com dificuldade prática imensa, justamente pela diversidade de entendimentos possíveis entre
os julgadores. Com isso, agora o novo ordenamento estabelece que alguns precedentes serão
parâmetros obrigatórios para as demais demandas, conforme observamos:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II – os enunciados de súmula vinculante; III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Estes são os precedentes que devem ser observados. O CPC/2015 impôs que estas espécies de
precedentes ou decisões são paradigmas necessárias para a resolução de casos análogos, seja de uma
forma argumentativa pelas partes ou, principalmente, para a atividade judiciante.
A palavra “observarão” constante do art. 927 é emblemática ao afirmar que não há como o
juízo de primeiro grau ou até os tribunais de segundo grau não podem deixar de observar, deixar de
cumprir e seguir o precedente. Apesar de não conter a palavra vinculação, é evidente que observar é
vincular, é impor que aquele entendimento deve ser seguido. Esse é o intuito do art. 927 ao
sistematizar quais os precedentes que são necessariamente paradigmas para os juízes inferiores.
Estas espécies de decisões formam a teoria do stare decisis brasileiro, diante dessa nova
realidade processual. A mesma decisão estabelecida neste rol, deve-se pautar o julgamento dos demais
casos que enquadrem na mesma situação, resultando no mesmo julgamento, levando em consideração
tudo aquilo que foi decidido. A observação dessas decisões existentes é dever de qualquer juízo
quando proferir um julgamento, atentar-se ao que já foi decidido e ainda sobre as condições externas,
mantendo-se o mesmo encaminhamento dado pelo precedente. Não se pode inovar com argumentos
que já foram apreciados em modo contrário. Precedente deve ser seguido, pela sua própria autoridade
e pela segurança jurídica.
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4.2 O stare decisis e sua quebra de paradigma
A utilização de um sistema de precedentes no CPC/2015, com a teoria do stare decisis como
necessária para a adaptação a uma nova ordem processual significa uma mudança de paradigma no
direito brasileiro. A nossa cultura não visualiza e abraça o stare decisis naturalmente, tampouco uma
sistemática de precedente, ainda que nos últimos anos, antes mesmo do novo ordenamento processual,
as mudanças já era incessantes, como a criação de súmulas vinculantes, a repercussão geral e os ritos
repetitivos.
Entender que mesmo diante de um sistema civil law há a necessidade de uma sincronia entre as
decisões é o ponto de partida para uma nova ordem processual. Se temos fatos idênticos ao que já foi
firmado um precedente por um tribunal superior, não há motivos, se a conjuntura
social/política/econômica/jurídica for a mesma, para julgar-se de maneira diferente. Casos idênticos,
soluções idênticas, esse deve ser o mantra de qualquer sistema processual, uma busca pela isonomia e
segurança jurídica.
Diante de tal aspecto, o stare decisis significa justamente a manutenção do que está posto,
daquilo que foi decidido. Não há que se atentar sobre aquilo que já está decidido e firmado como
precedente. Se a conjuntura continuar a mesma, o precedente de igual forma permanece válido e,
consequentemente, com a vinculação – seja natural ou obrigatória – para a decisão dos casos que
guardam identidade entre as ratios decidendis – a do precedente e o caso a ser julgado.
O CPC/2015 fortaleceu a cultura de precedentes, com a necessidade de que o operador do
direito – em qualquer dos seus níveis – deva se acostumar com o direito posto e a manutenção deste.
Não há uma discricionariedade do juízo – dos tribunais inferiores e os de primeiro grau – sobre a
utilização do precedente, caso este ainda esteja válido, deve ser utilizado.
O stare decisis passa justamente pela necessidade primordial de manter o que se decidiu, essa é
a cultura que deve ser o novo paradigma processual, algo a ser almejado por todo e qualquer parte,
bem como por todos os juízos.
4.3 A formação correta do precedente como base da stare decisis
Diante de uma nova ótica processual, a importância do precedente é enorme, bem como a sua
formação, ou ainda mais a sua formação. Se uma decisão judicial tem, com base no CPC/2015, o
condão de formar norma jurídica e servir de base para o julgamento de casos análogos, logo, a
importância da formação desse precedente é imensa e deve ser vista cada vez com maior atenção pelo
próprio judiciário e por toda a sociedade, pelo simples fato de que aquela decisão que forma a norma
jurídica como precedente será paradigma para todas as ações idênticas.
Se para a criação de uma lei, muitas vezes, a sociedade concede uma atenção imensa, por
mudar os ditames da sociedade, um precedente, uma vez formado, contém a mesma possibilidade e,
atualmente, ganha menos atenção, apesar de tão importante quanto. Uma incongruência social
jurídica.
Dessa maneira, a formação do precedente passa a ser muito mais importante para o direito a
partir do CPC/2015. Evidentemente que esse momento deve operar-se no intuito de exaurir a matéria a
formar aquele precedente, com a visualização de um contraditório ampliado.
Não se pode entender como precedente e passível de stare decisis qualquer decisão, mas um
encaminhamento de uma decisão de autoridade, com um contraditório exauriente, com a discussão de
maior quantidade possível de argumentos sobre aquela matéria. Deve, de igual maneira, entender-se
que aquela decisão será paradigmática, formando uma norma jurídica – entre a lei para aqueles fatos –
com aplicabilidade posterior, o que imputa àquele momento uma importância enorme, maior do que
uma decisão judicial comum.
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Um precedente mal formado, sem um exaurimento da matéria, com pressa ou insuficiência de
argumentação, vinculará equivocadamente uma decisão sem autoridade ou qualidade jurídica para
tanto, o que revela ainda mais a importância do momento da formação do precedente, com uma
análise pormenorizada daqueles fatos e argumentos para um melhor precedente a ser firmado.
Neste ínterim, a teoria do stare decisis é importante para manter-se o que se decidiu, mas
depende da formação de um precedente completo, com autoridade própria da discussão jurídica para
baseá-lo. Quanto maior a discussão jurídica, melhor o precedente, com uma autoridade diante da sua
própria capacidade de esclarecer e apresentar-se como uma norma jurídica regulamentadora daquela
situação e a relação com a lei.
4.4 A crítica à stare decisis como um engessamento da interpretação
jurídica
A manutenção de uma mesma decisão como base para todas as demais decisões é importante
para a segurança jurídica e a isonomia. Contudo, a utilização da teoria do stare decisis e dos
precedentes constitui um engessamento à interpretação jurídica brasileira? Os juízes não terão mais a
possibilidade, diante de um precedente, de não segui-lo, com a necessidade de decidir de forma
idêntica ao precedente enquanto este ainda for válido.
E a atividade judicante estatal não restará diminuída a uma mera repetição de precedentes? De
certa forma sim, não há, como já dissemos, a discricionariedade para o julgamento se há um
precedente firmado sobre aqueles fatos a serem julgados, simplesmente a função do juízo passa por
definir os fatos, diante do conjunto probatório posto pelas partes, para, a partir de então, visualizar se
aqueles fatos definidos no processo permitem a utilização de algum precedente.
Se há um precedente firmado, com vinculação obrigatória deve o juízo, ao julgar, relacioná-lo
ao processo em questão, para a conjunção entre a ratio decidendi daquele precedente com a ratio
decidendi daquela demanda, aplicando simplesmente o precedente. Por outro lado, se não há
correlação entre as ratios ou se o precedente se mostra inválido, revogado ou ultrapassado, pode-se
tergiversar o próprio precedente, seja para distingui-lo ou para superá-lo, contudo com muita
responsabilidade judicante.
E, em outra visão, se não há nenhum precedente vinculante, somente persuasivos, deve, de
igual forma, considerá-los para proferir a sua decisão, comparando-os com a situação fática a ser
julgada e a possibilidade de aplicabilidade ou refutação de cada precedente persuasivo. Se nem
precedentes persuasivos houverem, o juízo tem a possibilidade de realizar a interpretação jurídica
adequada para a demanda, após a análise minuciosa das provas, conforme a dicção do art. 371.
Dessa forma, não há nenhum malefício do juízo – de tribunal inferior ou de primeiro grau – em
simplesmente seguir e replicar o que está posto, o que está decidido. Esse é o cerne do stare decisis.
Enquanto as condições sociais permanecerem as mesmas, de igual forma o resultado jurídico para
aquela situação fática e as outras idênticas devem permanecer. A responsabilidade estatal judicante208
é imensa e deve pautar-se na segurança jurídica e isonomia, contando sobretudo com a atividade
individual de cada juiz para alcançar tal maturidade jurídica.
A busca pela resolução de conflitos com o Estado como juiz não deve ser pautada por
insegurança e desigualdade jurídica, deve-se alcançar um nível de previsibilidade209
, com a
208. “O fundamento desta teoria impõe aos juízes o dever funcional de seguir, nos casos sucessivos, os julgados já proferidos em situações idênticas. Não é suficiente que o órgão jurisdicional encarregado de proferir
a decisão examine os precedentes como subsídio persuasivo relevante, a considerar no momento de construir a sentença. Estes precedentes, na verdade, são vinculantes, mesmo que exista apenas um único pronunciamento pertinente (precedent in point) de uma corte de hierarquia superior.” TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente Judicial como Fonte do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 209. “Quando se pensa na previsibilidade, como objetivo a ser perseguido e alcançado pelo direito, não se quer com isso dizer que as partes tenham sempre condições de prever de forma precisa como será a decisão de
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visualização jurídica o mais uniforme possível, mantendo-se o já decidido, afinal o Judiciário não é o
local para emoções e devaneios210
.
4.5 A estabilidade da stare decisis somente enquanto for atual e a
possibilidade de revisão
Não há engessamento jurídico por se entender como necessária a teoria da stare decisis.
Manter o que se decidiu como um parâmetro válido e previsível é a base para uma sociedade que
guarda no Judiciário à sua estabilidade. Contudo, essa estabilidade não significa uma perpetuação da
decisão no tempo, já que nem a lei é eterna.
Há a total possibilidade de se rever um precedente, mesmo de caráter vinculante. Não há um
engessamento, o direito evolui e pode, quando houver mudanças sociais pertinentes, alterar o
precedente, adequando-o para a nova realidade. O próprio CPC/2015 tem a previsão de revisão de tese
nas diversas formações de precedentes, como no IRDR, no Rito Repetitivo e na Repercussão Geral.
No entanto, enquanto não houver a necessidade de mudanças no precedente, justamente pela
sociedade estar, sobre aqueles fatos jurídicos, de forma idêntica ao momento da formação do
precedente, deve-se aplicar a stare decisis, com a manutenção daquilo que se decidiu, simplesmente
pela segurança jurídica e a isonomia.
A revisão possível no precedente não pode ser somente pela mudança da composição do órgão
que o formou. Não deve haver espaços para protagonismos jurídicos. O precedente formado deve ser
mantido, simplesmente por ser uma decisão anterior que tem autoridade para tanto. Sem mudanças
sociais, mantém-se o precedente, mesmo com as opiniões pessoais jurídicas daqueles novos
julgadores. A relação da revisão211
deve ser com a mudança na conjuntura social, política, econômica
ou política, nunca somente pela vontade de uma nova composição daquele tribunal que formou o
precedente.
um processo em que contendem. Mas a decisão não deve ser daquelas que jamais poderiam ser imaginadas.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivos do direito: civil law e common law. Revista de Processo, São Paulo, v. 34, n. 172, jun./2009. p. 142. 210. “Em face da pressuposição brasileira de que os Ministros (e juízes) devem possuir liberdade decisória, cria-se um quadro de ‘anarquia interpretativa’ na qual nem mesmo se consegue respeitar a história institucional da solução de um caso dentro de um mesmo tribunal. Cada juiz e órgão do tribunal julgam a partir de um ‘marco zero’ interpretativo, sem respeito à integridade e ao passado de análise daquele caso; permitindo a
geração de tantos entendimentos quantos sejam os juízes”. NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre; THEODORO Jr., Humberto. “Breves considerações da politização do judiciário e do panorama de aplicação no direito brasileiro: análise da convergência entre o civil law e o common law e dos problemas da padronização decisória”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2010, n. 189, p. 43 211 . “O Chanceler KENT também discorreu sobre a possibilidade de uma revisão do caso anterior, com
base na demonstração de que o direito foi "mal compreendido ou mal aplicado naquele caso específico". Em
reflexão sobre a possibilidade de se demonstrar que um caso precedente foi decidido de forma incorreta, o
Ministro da Suprema Corte FIELD afirmou que "é mais importante que o tribunal decida corretamente com
base em análise posterior e mais elaborada dos casos do que ele seja consistente com as decisões anteriores".
Essas citações denotam as limitações que cercam a aplicação da doutrina do stare decisis. A experiência indica
que na maior parte dos casos os precedentes podem ser identificados com base nos fatos ou nas questões de
direito suscitadas. Existe também a possibilidade de demonstrar que o caso anterior foi decidido de forma
errônea ou contrária à razão. Desta forma, embora todos os casos anteriores tenham força de precedentes, seu
valor enquanto precedentes pode diferir radicalmente.” RE, Edward D. Stare decisis
http://amdjus.com.br/doutrina/constitucional/43.htm
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A base legal da stare decisis está no art. 926 quando explicita a necessidade de uma
jurisprudência uniforme, como um dever dos tribunais, bem como depois de uniformizada que seja
estável, íntegra212
e coerente. Ou seja, o CPC/2015 deixou positivado que há a necessidade de julgar-
se da mesma maneira diante de uma situação análoga àquela que formou e firmou o precedente, não
permitindo, portanto, espaço para criacionismos jurídicos enquanto as questões forem as mesmas já
enfrentadas no momento em que o precedente foi firmado. Somente fatos, aspectos e fundamentos
novos podem incidir em uma não utilização do precedente, com autoridade, realizado pelo próprio
órgão que o formou, concedendo uma revogação ou adaptação. Sem novos fatos, não há de imaginar-
se uma reviravolta.
O momento jurídico deve ser de estabilidade, de utilização da stare decisis.
212 “A observância do dever de integridade supõe que o tribunal adote certas posturas ao decidir. Eis algumas delas. a) Decidir em conformidade com o Direito, observada toda a sua complexidade (normas constitucionais, legais, administrativas, negociais, precedentes etc.); não se admite, por exemplo, decisão com base em “Direito alternativo”. (…) b) Decidir em respeito à Constituição Federal, como fundamento normativo de todas as demais normas jurídicas. O dever de integridade é, nesse sentido, uma concretização do postulado
da hierarquia, “do qual resultam alguns critérios importantes para a interpretação das normas, tais como o da interpretação conforme a Constituição”. c) Compreender o Direito como um sistema de normas, e não um amontoado de normas. O dever de integridade é, nesse sentido, uma concretização do postulado da unidade do ordenamento jurídico, “a exigir do intérprete o relacionamento entre a parte e o todo mediante o emprego das categorias de ordem e de unidade”. d) Observar as relações íntimas e necessárias entre o Direito processual e o Direito material. e) Enfrentar, na formação do precedente, todos os argumentos favoráveis e contrários ao acolhimento da tese jurídica discutida. Esse desdobramento do dever de integridade está expressamente
consagrado no §2º do art. 984 e no §3º do art. 1.038 do CPC – também nesse sentido o enunciado 305 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “No julgamento de casos repetitivos, o tribunal deverá enfrentar todos os argumentos contrários e favoráveis à tese jurídica discutida”.” DIDIER JR, Fredie. Sistema brasileiro de precedentes judiciais obrigatórios e os deveres institucionais dos tribunais: uniformidade, estabilidade, integridade e coerência da jurisprudência. http://periodicos.pucminas.br/index.php/direito/article/viewfile/p.2318-7999.2015v18n36p114/9079
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A RECLAMAÇÃO, O NOVO CPC E A LEI 13.256 DE 2016
Vinicius Silva Lemos213
RESUMO: Este artigo tem o propósito analisar a nova legislação processual, com ênfase ao instituto da Reclamação, as suas hipóteses, procedimento e julgamento. Um estudo detalhado desta regulamentação
procedimental da Reclamação e a ampliação de seu cabimento e seu alcance, incluindo a pertinência até os tribunais de segundo grau.
Palavra-Chave: Reclamação, Lei n. 13.256/2016, Precedentes, Novo CPC.
1. INTRODUÇÃO
Com a sanção do Novo Código de Processo Civil muitas mudanças são esperadas no cotidiano
jurídico cível brasileiro. Um ano para desvendar as nuances dessa nova codificação. Com a quantidade
de pontos novos ou remodelados, merecem cuidados ao serem estudados sob o prisma de uma nova
realidade processual.
Um desses institutos é o da Reclamação, sobre o qual a Constituição já tinha a positivação,
porém com hipóteses limitadas e sem um procedimento claro diante do processo civil.
A delimitação de hipóteses determinadas para a Reclamação concede uma importância ainda
maior ao instituto na defesa da autoridade e competência dos tribunais, sobretudo ao estendê-la aos
tribunais de segundo grau, o qual delinearemos durante o estudo.
2. A RECLAMAÇÃO
Os tribunais têm competência delimitada por norma, sejam os superiores, os regionais federais,
pela Constituição Federal, ou os tribunais estaduais, em suas próprias constituições. Com o advento da
necessidade de julgamento em massa, com a criação, como já vimos, do incidente de resolução de
demandas repetitivas e da remodelação do incidente de assunção de competência, há uma evidente
vinculação de precedentes destas decisões, para utilização posterior em casos análogos, com efeitos
para os tribunais e juízos inferiores. Qualquer ato de juízos inferiores, que invada a competência
destes tribunais pode ser fruto de reclamação da parte interessada ou do Ministério Público.
Este instituto tem a finalidade de preservar o cumprimento das decisões e a preservação da
competência dos tribunais, tanto superiores quanto inferiores, nos moldes delineados do artigo 988 e
213. Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela
Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo
Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO. E-mail: [email protected] Endereço: Av. Lauro Sodré, 1903, Pedrinhas, Porto Velho – RO, 76801-501
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seus incisos.214
Os juízes e tribunais têm ao decidirem, fazê-lo nos limites de sua competência,
respeitando as demais competências dos outros órgãos e tribunais, para não configura- ção da
usurpação de competência.215
A cultura judicante brasileira ainda não tem funcionado com base nas decisões dos tribunais
superiores serem sempre seguidas,216
o que causa conflito do conteúdo de decisões de diversas
instâncias com o teor das decisões dos tribunais superiores, causando uma evidente insegurança
jurídica. A reclamação tem a finalidade de atacar essa insubordinação e o não cumprimento das
decisões dos tribunais superiores.217
As decisões formadas em precedentes pelos tribunais têm caráter vinculante, com o dever de
utilização pelos órgãos inferiores.218
O não enquadramento da decisão do tribunal que formou o
214 Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I – preservar a competência do tribunal; II – garantir a autoridade das decisões do tribunal; III – garantir a observância de
enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 4 de fevereiro de 2016.) IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência; (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 4 de fevereiro de 2016.) 215 Enunciado n.º 207 do FPPC: Cabe reclamação, por usurpação da competência do tribunal de justiça ou tribunal regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso de apelação. Enunciado n.º 208 do FPPC: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça, contra a
decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso ordinário, no caso do art. 1.027, II, ‘b’. Enunciado n.º 209 do FPPC: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça, contra a decisão de presidente ou vice-presidente do tribunal de 2º grau que inadmitir recurso ordinário interposto com fundamento no art. 1.027, II, “a”. Enunciado n.º 210 do FPPC: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, contra a decisão de presidente ou vice-presidente de tribunal superior que inadmitir recurso ordinário interposto com fundamento no art. 1.027, I. Enunciado n.º 211 do FPPC: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça, contra a decisão de presidente ou vice-
presidente do tribunal de 2º grau que inadmitir recurso especial não repetitivo. Enunciado n.º 212 do FPPC: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, contra a decisão de presidente ou vice-presidente do tribunal de 2º grau que inadmitir recurso extraordinário não repetitivo. 216 “Tal entendimento justifica-se pelo fato de, por meio da reclamação, ser possível a provocação da jurisdição e a formulação de pedido de tutela jurisdicional, além de conter em seu bojo uma lide a ser solvida, decorrente do conflito entre aqueles que persistem na invasão de competência ou desrespeito das decisões do Tribunal e, por outro lado, aqueles que pretendem ver preservadas a competência e a eficácia das decisões exaradas pela Corte.” MENDES, Gilmar Ferreira. A Reclamação Constitucional no Supremo Tribunal Federal:
Algumas Notas. Direito Público, n. 12, Abr-Maio-Jun/2006, Doutrina Brasileira. p. 25 217 “medida destinada a fazer com que o STF faça cumprir as suas decisões e/ou preserve sua competência. Assim, quando se descumprir decisão de turma ou do plenário, seja por ato do próprio STF (Ministro; Turma, quanto à decisão do Plenário; órgão administrativo) ou por ato externo ao tribunal, o STF, de ofício ou mediante reclamação do interessado, pode determinar o quê de direito para a garantia de sua autoridade. Da mesma forma, quando outra entidade ou órgão do Poder Judiciário, Legislativo ou Executivo, agir invadindo a esfera da competência constitucional do STF, cabe a reclamação para que o STF determine medida tendente a
preservar sua competência. Este modelo federal tem sido aplicado por outros tribunais do País” NERY JR, Nelson e NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 179 218 “Dentre as técnicas de tutela pluri-individual que vêm adquirindo relevo no panorama mundial, destaca-se aquela institula pela Kapitalanleger-Musterverfaherensgesetz (KapMuG) na Alemanha em 2005, e que cria um procedimento específico para as ações indenizatórias oriundas de danos no mercado de capitais segundo o qual é selecionada uma “ação-piloto” individual cuja resolução será projetada nos limites das
questões comuns de fato e de direito existentes em outras demandas individuais. (..) A técnica prevista na KapMuG consiste em escolher dentre as ações individuais uma que venha a ser a ação-piloto. A decisão nas questões idênticas de fato e de direito da ação-piloto se projeto para todas as demais ações individuais registradas, que permanecem suspensas até o julgamento final.” DANTAS, Bruno. Teoria dos recursos repetitivos: tutela pluri-individual nos recursos dirigidos ao STF e STJ (art. 543-B e 543-C do CPC). São Paulo: RT, 2015. p.97/98
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precedente, em situações em que a vinculação é necessária, viola a autoridade das decisões dos
tribunais, cabendo para tanto a reclamação, seja em decisão em controle de concentrado de
constitucionalidade do STF, seja em enunciado de súmulas vinculantes ou de precedentes proferidos
em incidente de resolução de demanda repetitiva ou assunção de competência.
Neste ponto, a lei que alterou o Novo Código – 13.256/2016, impôs a retirada do rol de
cabimento da reclamação dos recursos excepcionais repetitivos, não atribuindo a estes, a possibilidade
de intentar, perante o tribunal superior correspondente, quando houver o não cumprimento do
precedente estatuído, a reclamação. O motivo desta alteração foi o descontentamento dos tribunais
superiores para um possível fácil acesso dos jurisdicionais, em caso de não cumprimento da
vinculação do precedente, aos tribunais superiores, via reclamação. A preocupação era com a
possibilidade de uma infinidade de reclamações, justamente pela sapiência da cultura de não seguir os
entendimentos firmados em precedentes, inclusive dos tribunais superiores. Um total descrédito destes
próprios tribunais com o judiciário como um todo. A reclamação deve ser medida extrema, somente
quando não há a utilização ou o não enquadramento devido do precedente.219
Se o próprio sistema
judiciário sabe da insubordinação das atuações inferiores e inviabilizou, através dessa lei, essa
possibilidade de reclamação, não há como ter, dessa forma, otimismo no sistema de precedentes,
mesmo com a ênfase dada pelo novo ordenamento. A reclamação foi ampliada para o cabimento
perante os tribunais de segundo grau, pelo fato da criação e vinculação de entendimentos pelos
incidentes de assunção de competência e resolução de demandas repetitivas, que podem ser
estabilizadas por estes tribunais, enquanto não houver afetação pelos tribunais superiores. Deste
modo, em situações de estabilização realizada pelo tribunal de segundo grau, cabe reclamação quando
não forem seguidos pelos juízos vinculados. Uma necessidade de ampliação pela própria criação e
força dos incidentes com finalidade de uniformização de jurisprudência. Se estes incidentes têm
utilização possível pelos tribunais inferiores, estas decisões, quando estabilizadas, detêm o dever de
preservação para os entes vinculados. No mesmo sentido, os tribunais de segundo grau também
preservarão suas competências por meio da reclamação, quando os juízes de primeiro grau rea-
lizarem atos privativos de tribunal.220
A figura dos precedentes foi ampliada aos tribunais de segundo
grau com força vinculante, o que determina a necessidade da inclusão destes tribunais para
competentes e destinatários da reclamação.
2.1 Natureza jurídica da reclamação
A reclamação não é recurso, tampouco incidente recursal. Essa ponderação é notória pela sua
não inclusão no rol do artigo 994. A sua natureza jurídica é de ação impugnativa contra uma decisão
que viola a autoridade ou a competência de um tribunal.221
Necessita da iniciativa essencial das partes
219 “Mais do que isso, seria possível afirmar que o cabimento de reclamação nesses casos é precursor de uma nova hipótese a ser estabelecida quando da institucionalização do stare decisis brasileiro: a reclamação
constitucional para forçar o respeito aos precedentes dos tribunais superiores. Nesse passo, ao se defender os precedentes obrigatórios, farse-ia indispensável o cabimento da reclamar para impor o respeito aos precedentes obrigatórios dos tribunais superiores ou às suas súmulas.” BURIL, Lucas. Reclamação constitucional fundada em precedentes obrigatórios no CPC/2015. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.6 - Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Editora JusPodivm, Salvador, 2015. p. 214 220 Enunciado n.º 207 do FPPC: Cabe reclamação, por usurpação da competência do tribunal de justiça ou
tribunal regional federal, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso de apelação 221 “Trata-se, na realidade, de ação, fundada no direito de que a resolução seja pronunciada por autoridade judicial competente; de que a decisão já prestada por quem tinha competência para fazê-lo tenha plena eficácia, sem óbices indevidos, e de que se elidam os estorvos que se antepõem, se põem ou se pospõem à plena eficácia das decisões ou à competência para decidir.” PACHECO, José da Silva. O Mandado de Segurança e outras ações constitucionais típicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 623
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ou Ministério Público e a exigência de postulação, culminando de seu julgamento, uma decisão que
pode produzir coisa julgada material. Inclusive, desta decisão resultado da reclamação, cabe
recurso..222
Não há um prazo específico, tampouco decisão correspondente especificamente para ser um recurso,
somente a limitação da impossibilidade de reclamação, quando houver o trânsito em julgado da
decisão impugnada.223
A alegação da reclamação recai somente sobre a preservação da autoridade e
competência do tribunal. O mérito da reclamação é a existência ou não de violação da autoridade ou
usurpação da competência. Uma vez verificada na decisão que houve a violação ou usurpação, cabe,
via reclamação, ao tribunal cassar a decisão quando exorbitante na aplicação da competência ou
determina a aplicação da medida adequada à solução, no caso de negativa à utilização de precedentes,
determina qual cabe naquela situação. É claramente uma ação impugnativa, com uma efetiva atividade
jurisdicional, uma decisão final com cognição de mérito.
2.2 Cabimento da reclamação
Para possibilitar a interposição da reclamação, precisa da incidência de algumas hipóteses em
decisões judiciais de tribunais inferiores ou até mesmo de juízos de primeiro grau, vinculando a
fundamentação sobre estas possibilidades, que são: preservar a competência de tribunal, garantir a
autoridade das decisões de tribunal ou garantir a observância de determinados precedentes. Quanto à
preservação da competência, esta é necessária quando ocorre usurpação da competência, ao um juiz
ou tribunal julgar além de sua competência, exacerbando no ato da decisão, com um alcance de
competência maior do que a delimitada para aquele juízo, com isso, adentra em competência alheia,
de tribunal que lhe é superior. Com a incidência de um excesso, extrapolando os limites de sua própria
competência, cabe reclamação para o tribunal competente que foi invadido pela decisão, para cassá-la.
A hipótese de cabimento da reclamação está na necessidade de garantir a autoridade das decisões dos
tribunais. O judiciário tem controle jurisdicional do estado, com a decisão sobre as questões que lhe
são propostas em juízo. A de- cisão de um tribunal deve ser cumprida, em caráter liminar ou,
principalmente, definitivo. A inobservância de decisão de algum tribunal, por outro tribunal ou juízo,
além de qualquer ente administrativo, cabe reclamação para preservar a autoridade deste tribunal. O
intuito é, num primeiro momento, demonstrar àquele tribunal, que há uma insubordinação de outro
tribunal ou ente administrativo, para após, determinar a providência cabível para garantir o
estabelecimento ou reestabelecimento da autoridade do tribunal perante o outro ente estatal,
jurisdicional ou administrativo. A última hipótese, a garantia de observância dos precedentes dos
tribunais subdivide-se em duas espécies: garantia de observância de decisão do STF quando realizado
controle concentrado de constitucionalidade e a garantia de observância de precedentes, como
súmulas vinculantes ou decisões formadas em incidentes, seja o de resolução de demandas repetitivas
ou de assunção de competência. Os precedentes criados pelos tribunais têm força vinculante,
especificadamente os criados em incidentes acima mencionados, com a aplicabilidade para os
tribunais e juízos inferiores. Quando existir um determinado precedente e, mesmo dessa maneira, o
juízo inferior desrespeita a sua aplicabilidade, com a negativa de utilização daquele parâmetro
judicial, passível está a decisão para impugnação pela via da reclamação, perante o tribunal que
estabeleceu o precedente. O controle concentrado de constitucionalidade pelo STF tem um caráter
erga omnes, seja qual for seu resultado, com a declaração da constitucionalidade ou
inconstitucionalidade, e, consequente vinculação a todos os tribunais e juí- zos do território
222 A reclamação constitucional é uma ação de competência originária do tribunal, prevista na Constituição Federal e nas Constituições Estaduais, que tem o objetivo de preservar a competência e garantir a autoridade das decisões destes tribunais.” CUNHA, Leonardo José Carneiro da. DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 5ª ed. Salvador: Podivm, 2012, p.323 223 Art. 988. (..) § 5º É inadmissível a reclamação proposta após o trânsito em julgado da decisão.
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nacional.224
Somente há sentido nos tribunais inferiores realizarem o controle difuso de
constitucionalidade antes do STF realizar o controle concentrado, após, não há motivos para qualquer
outro tribunal realizar algum tipo de controle de decisão já definida. Há uma evidente vinculação da
decisão do STF perante os tribunais e juízos inferiores. Caso um destes insista em não cumprir a
decisão com efeito erga omnes em controle concentrado, cabe reclamação diretamente no STF. Na
outra espécie, quando houver um precedente, estabilizado em decisão proferida em incidente de
resolução de demandas repetitivas ou assunção de competência, este vincula os tribunais e juízos
inferiores, com a sua necessária aplicabilidade. Caso estes determinados órgãos subordinados ao
tribunal que estabilizou o precedente não o aplicam nos casos idênticos, àquele que serviu como base
da controvérsia que possibilitou a formalização do precedente, cabe a reclamação.
Houve no novo Código, uma amplificação das hipóteses de cabimento, dada a importância dos
precedentes e a necessidade de cumprimento e observância das decisões dos tribunais superiores,
diante das novas formas de vinculação de decisões. A reclamação deve fundamentar-se em qualquer
uma destas hipóteses explanadas de cabimento para sua própria existência. O judiciário deve
imaginar-se como um só ente, como uma prestação jurisdicional realizada em cada processo,
independentemente de qual juiz ou juízo realiza tal desiderato, bem como de qual grau. Ao não seguir
os precedentes firmados pelos tribunais, nos ritos devidos para tanto, os juízos que devem vincular-se,
ao decidirem de forma diversa, sem distinguir ou superar, comete uma decisão sem importar com a
coerência e integridade de um sistema de precedentes, sem pensar no jurisdicionado e na sociedade,
instalando uma insegurança jurídica. Por estas razões, pertinente a reclamação e a sua efetiva
utilização.
2.3 Legitimidade da interposição da reclamação
Tem legitimidade para interpor a reclamação perante o tribunal superior, a parte interessada e o
Ministério Público. A parte interessada é aquela prejudicada na decisão em que houve a violação da
autoridade ou a usurpação da competência daquele tribunal. Se a determinada parte identifica na
decisão que lhe prejudica uma não aplicação de precedente de tribunal, de segundo grau ou superior,
cabe a reclamação perante aquele tribunal que fixou a estabilização do precedente. De outro modo, ao
identificar que a decisão ou parte desta exacerba os limites de sua competência, adentrando em
competência superior alheia, a parte pode interpor a reclamação. De igual modo, o Ministério Público,
quando for parte, tem os mesmos direitos inerentes à legitimidade para a interposição da reclamação.
Quando atuar como fiscal da ordem jurídica, em hipóteses de interesse determinadas em lei, há
também legitimidade para propor a reclamação, quando identificar as mesmas hipóteses explicadas no
parágrafo anterior.
2.4 Competência para a reclamação
A reclamação deve ser direcionada para o tribunal que a decisão reclamada violou a autoridade
ou usurpou a competência, nos moldes do artigo 988, § 1º.225
Há, então, a necessidade de interpretação
da decisão para verificação da competência. Se um juízo de primeiro grau não aplicou o precedente
vinculante do seu próprio tribunal de justiça, para este deve ser direcionada a reclamação. De igual
modo, se um juízo de primeiro grau usurpar a competência do tribunal a qual pertence, o legitimado
224 Enunciado n.º 168 do FPPC: Os fundamentos determinantes do julgamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade realizado pelo STF caracterizam a ratio decidendi do precedente e possuem efeito vinculante para todos os órgãos jurisdicionais. 225 Art. 988. (..) § 1º A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir
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deve oferecer a reclamação neste mesmo tribunal. Se a decisão ofender a garantia ou usurpar a
competência de um tribunal superior, este é o competente para o endereçamento e protocolo da
reclamação. Importante salientar que, neste caso, para tribunal superior, a decisão que ofende, deve
ser do tribunal inferior ou de outro tribunal superior.226
Não há como possibilitar que uma sentença ou
decisão interlocutória de primeiro grau, que ofenda a garantia ou usurpe a competência de tribunal
superior, seja, desde já, passível de reclamação. Todavia, o julgamento do recurso desta decisão, se
mantida o teor, com a continuação da ofensa, cabe a reclamação. A exceção para uma decisão de juízo
de primeiro grau, com a possibilidade de reclamação, diretamente ao tribunal superior, acontece
quando, na hipó- tese de interposição de recurso ordinário, em ação com país ou ente estrangeiro
contra município ou pessoa residente no território nacional. Neste caso, se o juí- zo de primeiro grau
invadir a competência do STJ, cabe reclamação diretamente para este, ainda que em sentença ou
decisão interlocutória.227
2.6 Processamento da reclamação
A interposição da reclamação deve ser perante o tribunal que tem competência para o
julgamento da mesma, de acordo com a decisão em que se reclama a incidência de alguma das
hipóteses do artigo 988 e seus incisos. Se a preservação da competência, garantia de autoridade ou de
observância de precedentes, for do tribunal de segundo grau, é lá que deve ser protocolado. No mesmo
sentido, se for do STJ ou STF, dependendo da decisão reclamada. O rito de processamento da
reclamação segue da mesma forma que um mandado de segurança. Para o processamento da
reclamação, esta deve ser fundamentada e instruída com documentos que comprovem os motivos
elencados pelo reclamante.228
Sem a comprovação documental de que ocorreu uma das hipóteses de
cabimento do artigo 998 e incisos, há evidente carência de possibilidade da reclamação. Se o
reclamante não comprova que houve violação, não há como instruir e continuar a reclamação em si.
Dependendo do tribunal competente, haverá o pagamento de custas ou não, no STJ há isenção nas
custas em competência originária, diferentemente do STF, que estipula custas iniciais.229
Com o
protocolo e a distribuição no tribunal competente, o relator ao receber a ação, requisita informações da
autoridade que proferiu o ato impugnado pela reclamação, estipulando o prazo de 10 dias para tal, ao
mesmo tempo em que determina a citação do beneficiário da decisão impugnada para apresentação de
contestação pelo prazo de 15 dias. Esses procedimentos de instrução processual são necessários para
formação da lide. O relator, ainda, pode, se entender necessária, proceder a suspensão do processo em
que ocorreu a decisão impugnada pela reclamação, para evitar possíveis danos irreparáveis. O artigo
990 possibilita que qualquer interessado pode impugnar o pedido do reclamante, autorizando a
intervenção de terceiro, desde que demonstre o interesse e vinculação à causa e à decisão impugnada 230
Com ou sem a apresentação de contestação e informações, o Ministério Público é intimado
para manifestar-se no prazo de cinco dias. Dispensada essa manifestação no caso em que o Ministério
226 Enunciado n.º 209 do FPPC: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça, contra a decisão de presidente ou vice-presidente do tribunal de 2º grau que inadmitir recurso ordinário
interposto com fundamento no art. 1.027, II, “a”. 227 Enunciado n.º 208 do FPPC: Cabe reclamação, por usurpação da competência do Superior Tribunal de Justiça, contra a decisão de juiz de 1º grau que inadmitir recurso ordinário, no caso do art. 1.027, II, ‘b’. 228 Art. 988. (..) § 2º A reclamação deverá ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal. 229Verificado o preparo, sua isenção ou dispensa, os autos serão imediatamente conclusos ao Presidente para a
distribuição (art. 60 do RISTF). No Superior Tribunal de Justiça, não há cobrança de custas nos processos de sua competência originária ou recursal (art. 112 do RISTJ).
230 Art. 990. Qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante
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Público for o reclamante, o que torna inócua essa necessidade. Com a realização destes atos, a
reclamação está plenamente instruída e apta para o julgamento pelo colegiado.
2.7 Julgamento da reclamação
O julgamento da reclamação passa pela análise do ato impugnado, auferindo uma comparação
entre esta e as hipóteses do artigo 988 e seus incisos. Se o tribunal não verificar nenhuma das
hipóteses mencionadas, a reclamação é julgada improcedente, em nada reparando a decisão
impugnada. Não configurados os motivos para uma reclamação, naturalmente, há a improcedência. Se
a reclamação for improcedente, não há nenhum efeito prático processual nos autos da decisão
reclamada. O tribunal, neste caso, não vislumbrou nenhuma hipótese de cabimento da reclamação, não
cassando a decisão, sem nenhuma alteração na decisão, continuando-a da mesma maneira. Com a
incidência de alguma destas hipóteses, o julgamento deve ser pela procedência da reclamação, com a
devida cassação da decisão reclamada, e, quando necessário, determina, desde logo, a medida
adequada à solução da controvérsia. Se a simples cassação deixa uma lacuna no processo, o tribunal
ao julgar procedente a reclamação deve solucionar a questão. O cumprimento da decisão é realizado
antes mesmo da lavratura do acórdão, por ordem do presidente do tribunal que julgou a reclamação,
dada a necessidade de adequar aquela situação jurídica ao determinado pelo tribunal competente neste
julgamento da reclamação. O resultado da reclamação, quando procedente, tem, por ordem do
presente deste tribunal, cumprimento imediato, até mesmo antes da lavratura do acórdão em si. Na
decisão, independente do resultado, não cabem honorários advocatícios por seguir os mesmos
preceitos do mandado de segurança. A sucumbência ou não está na ação normal, não na reclamação.
2.8 As críticas e receios da ampliação do cabimento da reclamação
Como já dito, houve uma ampliação do cabimento da reclamação, utilizando-a como uma
forma de controle da aplicabilidade dos precedentes. No STF, rebelou-se um receio dessa nova
amplitude da reclamação, como uma porteira aberta com facilidade para o Supremo. 231
Com isso, houve a proposta de alteração no CPC/2015, que obteve êxito, alterando o instituto
da reclamação para limitar a sua adequação em relação aos precedentes dos tribunais superiores, na
questão dos ritos repetitivos.
231 “O ministro Gilmar Mendes admitiu que seria necessário criar uma alternativa para os advogados que se depararem com decisões erradas dos presidentes de tribunal que inadmitir recurso extraordinário com base em interpretação errada da jurisprudência ou orientação do Supremo. Mas afirmou que da forma como foi previsto no novo CPC, o efeito será danoso para a Corte. “Deveríamos deixar uma porta aberta para casos
graves, teratológicos em que houvesse uma clara, uma rombuda, uma inequívoca violação ao princípio da legalidade consistente na aplicação equivocada, errônea do precedente do tribunal”, disse. “Estávamos construindo com calma essa jurisprudência, mas vem agora o Código de Processo Civil, que deu à reclamação também no 988 para ‘garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência’ sem nenhuma ressalva. Vejam o potencial de multiplicação que isso tem”, enfatizou. O artigo 1.042 teria, de acordo com ele, igual efeito danoso. Na opinião do ministro Gilmar Mendes, o artigo barateia o acesso ao Supremo. A crítica à facilitação
do acesso ao STF foi partilhada pelo ministro Teori Zavascki. Ele afirmou que desde a década de 30 o Supremo busca soluções para impedir a chegada de todo e qualquer recurso ao STF. O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, afirmou que negociará possíveis alterações com o Ministério da Justiça no novo Pacto Republicano. Se incluído no texto de um novo pacto, a tramitação da proposta deve ser acelerada.” RECONDO, Felipe. STF discute mudar Novo CPC antes de entrada em vigor http://jota.info/stf-discutemudar-novo-cpc-antes-deentrada-em-vigor
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Dessa forma, não cabe reclamação quando não for seguido o precedente definido e estabilizado
em rito repetitivo em tribunais superiores, devendo estes, ter controle somente pelas vias recursais
próprias. A preocupação recaia na possibilidade de qualquer parte processual que entender que houve
aplicação errônea de um precedente em seu processo, contrariando determinação de tribunal superior,
de haver o cabimento de reclamação para cientificar que a decisão não fora aplicada no caso em
questão, bem como requerer a cassação e a solução para a questão. Um atalho para chegar aos
tribunais superiores. O Código foi formulado com base em precedentes. Evidente essa constatação.
Para uma validade dos precedentes, elementar a necessidade de controle da aplicabilidade, do
enquadramento correto, com uma forma de gerenciar o erro ou a negativa da vinculação dos
precedentes. Não há solução fácil, o caminho trilhado como mais correto pela nova codificação foi a
reclamação, atribuindo ao tribunal estabilizador do precedente a competência originária para conhecer
e julgar a reclamação, com a devida alteração da decisão anterior, com adequação ao precedente, nesta
hipótese. Importante visualizarmos que não é um recurso, não é um caminho para quem teve o
precedente aplicado, somente há a possibilidade quando não se respeita o precedente, quando
tergiversa a aplicabilidade, utilizando outro conteúdo, por vezes contrário para decidir. Se houve a
aplicação do precedente e a parte entender não cabível, não cabe reclamação, somente o próximo
recurso com a alegação da distinção. Não é, tampouco era, um assunto fácil. De um lado o STF, bem
como o STJ, com um caminhão intermitente de novos processos para julgar e, por outro, os
jurisdicionados querendo a aplicação correta de precedentes, exigindo qualidade, em um sistema ainda
em transição, sobre esta aplicabilidade de julgamentos por amostragem e a vinculação. Tudo é novo,
erros são e serão mais constantes do qualquer mudança outra mudança legal. Há um evidente impacto
desse novo paradigma, importando pelos precedentes. Ao STF assistia parcial razão, principalmente
ao inciso IV, do artigo 988, mas evidentemente, que retirar os recursos excepcionais em ritos
repetitivos do rol de cabimento da reclamação, não foi a melhor saída, como uma queda de braço de
quem quer deixar tudo como está, com essa instabilidade jurídica que permeia o país. Havia, como
ainda há, a necessidade de um filtro sobre o enquadramento equivocado do precedente, uma forma de
ensinar essa aplicabilidade, partindo do tribunal que estabilizou e que, teoricamente, sabe utilizar e
enquadrar a utilização do seu próprio precedente. Uma pena que a reclamação foi minorado logo na
hipótese mais importante.
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A VOLTA DO JUÍZO BIPARTIDO DE ADMISSIBILIDADE
DO RECURSO ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO E A
ASSIMETRIA LEGAL COMO CONSEQUÊNCIA DA
LEI 13.256/2016
Vinicius Lemos Silva
232
Resumo: Este artigo tem o propósito de analisar a mudança proposta pela lei no. 13.256/2016 e a volta do juízo
bipartido de admissibilidade recursal excepcional. Um estudo sobre a proposta do novo código de
processo civil para a matéria e o que a redação original projetava como uma das soluções para garantir
celeridade ao julgamento dos recursos. Uma análise detalhada desta escolha sobre a primeira alteração
legislativa do CPC/2015 e os impactos nos recursos excepcionais e nos institutos correlatos. Palavras-chave: Recursos Excepcionais; Juízo de Admissibilidade; Sistema Bipartido
1. INTRODUÇÃO
O ano de 2016 é o ano da mudança processual, o impacto causador de uma nova realidade
jurídica brasileira. O CPC2015 trouxe uma série de benefícios e novidades a serem apresentadas à
prática forense, o qual devem ser incorporadas diante do uso comum da jurisdição.
O CPC/2015 primou por mudar, desde o projeto, a forma da realização do juízo de
admissibilidade pelos tribunais, de maneira tal, a deixá-lo em um sistema monofásico, realizado
somente por um órgão julgador, aquele mesmo responsável por julgar o mérito recursal. Contudo, a
lei no. 13.256/2016 alterou essa regra, com o retorno legal do modus operandi da admissibilidade
para bifásico, com a bipartição entre o juízo recorrido e o destinatário do recurso.
Se durante todo o projeto o ordenamento foi pensado sem o juízo de admissibilidade
bipartido, uma alteração sobre o formato monofásico, com a permanência do status quo
232 Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela
Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO. E-mail: [email protected] Endereço: Av. Lauro Sodré, 1903, Pedrinhas, Porto Velho – RO, 76801-501
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determinado anteriormente, acarreta em deixar pontas processuais soltas, sem amarras e uma
simetria processual. Qualquer remendo legislativo processual, com o mínimo impacto, pode alterar
a lei de forma a não mais compatibilizar com outros ordenamentos.
De certa forma, a lei no. 13.256/2016 foi por esse caminho, com várias intenções diferentes,
almejando a revogação do dispositivo que impunha aos recursos excepcionais este juízo
monofásico, restando somente os recursos ordinários nesta regra e, por isso, dentre outros motivos,
deixa um rastro de assimetria, sem combinações e quebrando a congruência e unicidade do próprio
código.
Neste estudo, vamos delinear a mudança realizada pela lei no. 13.256/2016, com o impacto
nos recursos excepcionais e cada instituto que sofrerá reflexos dessa alteração, permeando os prós e
contras dessa inovação legislativa, diante de uma análise da novíssima conjuntura processual.
2. O JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE NO CPC/2015
Todo ato jurídico postulatório processual desencadeia um juízo de admissibilidade à forma
de verificação sobre a sua própria possibilidade e validade. Não há como um prolatar uma resposta
sobre qualquer pedido jurisdicional, sem antes, realizar o exame de validade, do cumprimento dos
requisitos de formalidade daquele próprio pleito. Dessa maneira, não basta uma simples postulação
em juízo, esta deve sempre ser acompanhada da formalidade que a própria lei impõe. Com isso,
qualquer juízo antes de conceder a resposta ao pleito, deve proceder o devido “exame de validade
do ato postulatório é, a fortiori, o exame de validade do próprio procedimento, do qual faz parte.”
(CUNHA, DIDIER JR, 2012. p. 42)
Durante o processo, todo requerimento da parte, desde a inicial, passando por qualquer
petição e, inclusive, o recurso, são atos jurídicos postulatórios que ensejam duas espécies de
análises realizadas pelo juízo: a admissibilidade e o mérito.
“Como todo ato postulatório, a impugnação de decisão judicial por
meio de recurso submete-se a exame sob dois ângulos diversos.
Primeiro, cumpre verificar se estão satisfeitas as condições impostas
pela lei para que se possa apreciar o conteúdo da postulação (juízo de
admissibilidade); depois, e desde que o resultado tenha sido positivo – isto é,
que o recurso seja admissível -, cumpre decidir a matéria impugnada através
deste, para acolher a impugnação, caso fundada, ou rejeitá-la, caso
infundada (juízo de mérito).” (MOREIRA, 1999, p. 115)
O juízo de admissibilidade, recursal no caso, é a análise do cumprimento pelo recorrente de
todos os requisitos processuais existentes para a interposição do recurso. Se a legislação impõe uma
Voltar ao sumário
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diversidade de requisitos que devem ser cumpridos para a manifestação do direito de recorrer, em
algum momento, o juízo deve debruçar-se a analisar se houver o preenchimento ou não estes
requisitos. O resultado dessa análise ganha a denominação de juízo de admissibilidade recursal.
O recurso existe para possibilitar ao recorrente a análise do juízo de mérito/pedido,
entretanto, não há como julgar diretamente o que se pleiteou no recurso, sem a averiguação se o
recorrente cumpriu todas as suas obrigações processuais inerentes à interposição recursal. Se
existem regras, em algum momento, estas devem ser analisadas quanto ao seu devido cumprimento,
não ensejando, neste ponto, uma análise do recurso em si, tão somente a verificação da existência
dos requisitos recursais no processo. Se há o direito de recorrer, este não pode ser ad eternum, com
um tempo infinito ou desorganizado, existe um limitador a este direito em forma de uma gama de
regras, requisitos e procedimentos a serem adotados.
O regramento processual admite, incentiva e possibilita a busca da revisão processual,
necessitando, por outro lado, de uma limitação para o próprio bom andamento processual.
Primeiramente, qualquer ato postulatório, sobretudo o recursal, deve passar pelo juízo de
admissibilidade, para, somente após, se cumprir todos os requisitos, passar à análise de mérito.
"O juízo de admissibilidade dos recursos antecede lógica e
cronologicamente o exame do mérito. É formado de questões prévias. Estas
questões prévias são aquelas que devem ser examinadas necessariamente
antes do mérito do recurso, pois que lhe são antecedentes. Deste gênero -
questões prévias - fazem parte integrante as questões preliminares e as
prejudiciais." (NERY JR, 2004. p. 252)
Do resultado deste juízo, realizado pelo mesmo órgão julgador do recurso, temos duas
possibilidades: a positiva, com o cumprimento de todos os requisitos e a negativa, com a falta de, no
mínimo, um dos requisitos de admissibilidade.
Com a admissibilidade positiva, o recurso é conhecido pelo órgão julgador e apto para
adentrar no julgamento de mérito. Em sentido inverso, se a admissibilidade resultar a uma resposta
final negativa, não há o conhecimento do recurso, com a inviabilidade do julgamento de mérito.
2.1 As alterações propostas pelo CPC/2015
Anteriormente, no CPC/73, o juízo de admissibilidade se dividia em dois momentos, com
uma análise pelo juízo recorrido e outra pelo juízo responsável pelo julgamento recursal. A análise
era realizada de maneira preliminar, justamente no juízo ou tribunal recorrido, para, após, em caso
positivo, remeter ao juízo ad quem para a análise do recurso como um todo, a revisão, agora
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definitiva, da admissibilidade e, posteriormente, o mérito. Dessa forma, tínhamos, em termos de
quantidade de análise e momentos, uma espécie de “cisão entre juízo de admissibilidade e o juízo
de mérito, de forma particular, desmembrada ou distribuída entre o tribunal a quo e o ad quem.”
(MANCUSO, 2007. p. 174)
No entanto, o CPC/2015, veio com outra intenção, com a proposição de mudança para uma
forma monofásica, quando somente o juízo competente por analisar o mérito era o com
competência para julgar, tanto a admissibilidade quanto o mérito do recurso.
Uma mudança com o intuito de aplacar uma morosidade e um retrabalho. Duas instâncias
diferentes analisando a mesma matéria em etapas diferentes gerava uma certa morosidade, por
vezes os processos ficavam represados no juízo a quo somente à espera da análise de
admissibilidade. Neste ponto, o CPC/2015 optou por uma alteração para a regra monofásica para
todos os recursos, alterando a norma vigente do bifásico. Na apelação, o artigo 1.010, § 3º dispõe
sobre o recurso subir “independentemente de juízo de admissibilidade,” o recurso ordinário sofre o
impacto por ter o mesmo rito da apelação, já nos recursos excepcionais – especial e extraordinário –
o artigo 1.030, parágrafo único, também dizia com os mesmos termos sobre a mudança para o
monofásico.
“Recebida a petição de recurso, haverá intimação ao recorrido, para
contrarrazoar, no prazo de 15 (quinze) dias. Depois disso, diz o parágrafo
único, os autos serão remetidos ao Tribunal Superior, onde será feito o
primeiro juízo de admissibilidade. Trata-se de alteração relevante que teve
como objetivo evitar um recurso: o que cabe, à luz do CPC/73, da
decisão que nega seguimento ao recurso extraordinário e ao recurso
especial. Esta supressão torna evidentemente o sistema mais simples e
a simplicidade foi um dos principais objetivos almejados pelo legislador.”
(WAMBIER, CONCEIÇÃO, RIBEIRO, MELLO, 2015, p.1497)
Com a mudança para somente um juízo de admissibilidade monofásico não se esperava
somente a agilidade processual, bem como se encerravam algumas possibilidades recursais que
existiam no CPC/73, como agravo de instrumento para negativa de admissibilidade da apelação e o
agravo nos próprios autos do antigo artigo 544 ou o agravo interno para a negativa de
admissibilidade do recurso ordinário.
Nestes casos, com a análise realizada por um só juízo, o mesmo competente para o
julgamento recursal meritório, os recursos que almejavam somente destrancar eventual
inadmissibilidade não necessitariam mais existir.
2.1 A primeira reforma do CPC/2015: A lei no. 13.256/2016
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| Voltar ao sumário 209 Aspectos polêmicos do novo CPC
No entanto, os tribunais superiores entenderam, após a aprovação e sanção do novo
ordenamento, que possibilitar a admissibilidade com competência direta aos graus superiores
importaria numa enxurrada desnecessária de recursos excepcionais, concluindo que o filtro de
admissibilidade realizado pelos tribunais recorridos – tribunais de justiça ou tribunais regionais
federais – tem suma importância para frear a recorribilidade intensa para estes tribunais. Com isso,
pela aprovação da lei no. 13.256/2016, a admissibilidade do recurso especial e extraordinário de
maneira monofásica foi revogada do CPC/2015, com a manutenção do juízo de admissibilidade de
forma e competência bifásica, importando numa análise preliminar pelo presidente ou vice-
presidente do tribunal recorrido, para somente, após, em caso de admissão, remeter-se para o
tribunal superior, para uma análise definitiva.
Por causa desta alteração, a regra da admissibilidade recursal no CPC/2015 será dividida em
duas: na apelação e recurso ordinário foi alterada para um sistema monofásico; nos recursos
excepcionais – especial e extraordinário – permanecem num modelo bifásico, com análise bipartida.
Parte dos recursos sofrerão o impacto da alteração da análise para a monofásica e a outra
continuará, por causa a aprovação da lei no. 13.256/2016, nos mesmos moldes do CPC/73. A
alteração realizada na nova codificação para os recursos ordinários – apelação e ordinário – visa a
simplificação dos ritos recursais, não necessitando a duplicidade de atos por juízos diversos
realizando o mesmo trabalho por duas vezes, por dois juízos diferentes.
Os tribunais superiores não tiveram a paciência necessária com a proposta de alteração
realizada pela sanção do CPC/2015 e o juízo de admissibilidade. Com o tempo, com as diretrizes e
ênfase legal aos precedentes, com o intuito de julgar menos e impactar mais os processos,
teoricamente, apesar de um momento e trabalho inicial com maior complexidade para os tribunais
superiores – STJ e o STF – posteriormente, seriam desafogados pela utilização de mecanismos
como Incidente de Assunção de Competência, Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, os
usuais Recursos Excepcionais Repetitivos e a Repercussão Geral.
No entanto, os tribunais superiores pensaram o hoje, a aflição, correta em parte, que seria o
recebimento, para cada tribunal, de cerca de 200 mil recursos a mais anualmente,1 que são
represados pelos tribunais de segundo instância.
“Entretanto, demonstra-se totalmente compreensível a preocupação de
nossas cortes supremas com o aumento de trabalho diante da assunção do
exercício do juízo de admissibilidade nos recursos extraordinário e especial,
dada a extrema quantidade de trabalho já exercida por estas Cortes.
Devemos considerar ainda que os processos que tramitam atualmente têm
decisões proferidas sem levar em consideração o sistema de precedentes
do novo CPC, o qual terá sua vigência iniciada em março de 2016 e
levará algum tempo para ter seu sistema de precedentes implementado,
mediante decisões sendo proferidas em respeito aos precedentes judiciais
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| Voltar ao sumário 210 Aspectos polêmicos do novo CPC
vinculantes estabelecidos no artigo 927 do novo CPC, até porque algum
destes precedentes passarão a ser criados apenas na vigência do novo CPC,
tais como os decorrentes da assunção de competência e do Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Neste sentido, propomos ao
Congresso Nacional uma regra de transição para o novo CPC no tocante
ao juízo de admissibilidade nos recursos extraordinário e especial, de modo
a conciliar a necessidade de manter íntegro o sistema de precedentes, bem
como a atender a preocupação do STF e do STJ pelo aumento de
trabalho pelo exercício do juízo de admissibilidade nestes recursos,
estabelecendo-se uma emenda ao PLC 168 para impor uma regra de
transição ao novo CPC, incluindo-se nas disposições finais e transitórias
deste diploma legal um prazo de cinco anos para o fim do juízo de
admissibilidade pelos tribunais de origem nos recursos extraordinário e
especial, pois, neste prazo, haveria a sedimentação do sistema de
precedentes e a consequente diminuição drástica da quantidade destes
recursos, sendo mantido assim, incólume o sistema de precedentes
idealizado e que deverá impactar muito positivamente em nosso sistema
judiciário.” (PANUTTO, 2015)
De um lado, há como entender os membros dos tribunais superiores com a alteração
proposta no texto original do CPC/2015 e o impacto que existiriam nestes tribunais. Uma
quantidade imensa de novos recursos chegariam já em 2016. Por outro lado, é trágico imaginar que
os tribunais superiores não quiseram apostar na mudança, o que nos leva a crer que o próprio
sistema judiciário sabe da insubordinação das atuações inferiores e inviabilizou a admissibilidade
monofásica, deixando um ar de que não apostam no sistema de precedentes como uma efetivação e
solução para a multiplicidade de demandas. Dessa forma, não há como ter otimismo no sistema de
precedentes, mesmo com a ênfase dada pelo novo ordenamento.
3. AS IMPLICAÇÕES DO RETORNO DA ADMISSIBILIDADE BIFÁSICA NO RE E O RESP
3.1 A competência bipartida da admissibilidade
A primeira implicação imposta pela lei no. 13.256/2016 passa pelo retorno da competência
bipartida sobre o juízo de admissibilidade, com a divisão entre uma análise perfunctória realizada
pelo tribunal recorrido, neste caso, representado por seu presidente ou vice-presidente e, depois,
pelo tribunal destinatário do recurso, aquele que vai julgar o mérito do que se pleiteou na peça
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1 Números citados nesta matéria: http://www.conjur.com.br/2015-out-19/fim-juizo-
admissibilidade-agilizar-processo- fuxrecursal.
Com isso, o juízo de admissibilidade continua da maneira como era feito no CPC/73, ao
menos quanto aos recursos excepcionais, contendo uma duplicidade de momentos, com a análise
pelo tribunal recorrido para caso a análise tenha resultado “positivo, tem ele como efeito precípuo o
de abrir ao recorrente a vida de acesso ao órgão ad quem.” (MOREIRA, 1999, p. 121)
Por outro lado, se o tribunal recorrido vislumbrar a falta de algum requisito de
admissibilidade, sem a possibilidade de sanabilidade ou correção, não deve permitir a remessa ao
tribunal ad quem, com o intuito de “se negativo, o de trancar-lhe essa via.” (MOREIRA, 1999, p.
121)
Assim, em caso de negativa pelo presidente ou vice-presidente do tribunal quanto a qualquer
dos requisitos de admissibilidade dos recursos excepcionais, a princípio, este não será encaminhado
ao tribunal superior correspondente.
Já a análise definitiva do juízo de admissibilidade, quando possível, é a do juízo ad quem, no
caso dos recursos excepcionais, um dos tribunais superiores – o STF se for o extraordinário e o STJ
se for o especial. Com um evento juízo de admissibilidade perfunctório positivo de admissibilidade,
com a remessa ao tribunal superior, este – seja via relator ou pelo colegiado – deve ater-se
novamente sobre a análise do preenchimento dos requisitos recursais, com a verificação definitiva
sobre esta matéria. Pode, até, rever um eventual juízo de admissibilidade anteriormente considerado
positivo, “se for o caso, para declarar insatisfeito algum (ou mais de um) dos requisitos que no
órgão de interposição se tinham dado como cumpridos.” (MOREIRA, 1999, p. 121)
Há uma total liberdade do tribunal superior, dentro de sua competência, ao recepcionar o
recurso, versar sobre a admissibilidade, com o resultado da análise acarretando sobre duas
possibilidades: se negativa, a impossibilidade de julgamento de mérito; se positiva, a necessidade de
adentrar-se ao mérito recursal.
3.2 A ressurreição pela lei no. 13.256/2016 do agravo contra a decisão
denegatória de Recurso especial ou Extraordinário ou agravo do
artigo 1.042
Os recursos excepcionais, de acordo com a lei no. 13.256/2016, permanecerão com o juízo
de admissibilidade na forma bipartida, com a atuação do presidente ou vice-presidente do tribunal
recorrido como um ponto de passagem destes recursos para a revisão excepcional oriunda dos
tribunais superiores.
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| Voltar ao sumário 212 Aspectos polêmicos do novo CPC
Com essa prerrogativa preliminar de análise sobre a admissibilidade, o presidente ou vice-
presidente deste tribunal recorrido tem duas possibilidades de resultado: a verificação positiva do
preenchimento de todos os requisitos, com a admissão e remessa do recurso ao tribunal superior ou
a verificação negativa, com a constatação da falta de algum dos requisitos de admissibilidade e,
consequentemente, a inadmissão do recurso excepcional, com a decisão por não remetê-lo para o
tribunal superior. Esta possibilidade, porém, somente em caso da falta de requisito possível de
sanabilidade, ou após a prevenção de abertura de prazo para correção e não realizada, de acordo
com os artigos 932, parágrafo único e o artigo 1029, § 3o.
Na hipótese positiva, não há o que fazer, sem recorribilidade, sem prejuízo para as partes,
somente com o aguardo da remessa do recurso excepcional ao tribunal superior a qual se destina e a
posterior análise daquele órgão. Por outro lado, quando decidir com uma análise negativa de
admissibilidade, a parte intentou um recurso ao tribunal superior, com o que entende como devido
enquadramento da questão federal ou constitucional, fundamentando o seu ato recursal e, por esta
decisão prévia de admissibilidade do presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, não haverá
remessa ao tribunal superior pretendido, restando, aquele recurso, sem análise meritória, justamente
pelo filtro realizado pelo tribunal a quo.
Por esta decisão negativa, os pleitos recursais não serão analisados pelo tribunal superior. O
que o recorrente pode fazer sobre esta decisão? Qual a característica da decisão do presidente ou
vice-presidente do tribunal? São perguntas que têm resposta exata pela existência do agravo contra
decisão denegatória de recurso especial ou extraordinário, cabível pela dicção do artigo 1.042.
Se a decisão sobre a admissibilidade preliminar realizada, neste momento, nos recursos
excepcionais for pela inadmissão, um evidente prejuízo causa ao recorrente, com a impossibilidade
latente de seu recurso ser analisado pelas cortes superiores, já que sequer foi remetido a estas. Um
pleito recursal que não obteve êxito nem de forma preliminar na admissibilidade, ensejando a
existência de um recurso para destrancar o outro anteriormente inadmitido.
“Inadmitido o recurso especial ou extraordinário, cabe agravo para o STJ ou
para o STF, respectivamente. O agravo em recurso especial ou
extraordinário é cabível contra a decisão que, em juízo provisório de
admissibilidade, inadmite o recurso especial ou extraordinário. (…) O
agravo em recurso especial ou extraordinário não é processo por
instrumento. Diferentemente do agravo de instrumento, o agravo em recurso
especial ou extraordinário deve ser processado nos próprios autos do
processo em que foi proferida a decisão agravada.” (CUNHA, DIDIER JR,
2016, P. 379/380)
Numa forma conceitual, o agravo do artigo 1.042 é o remédio processual recursal cabível
para a impugnação de decisão monocrática interlocutória denegatória da admissibilidade prolatada
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| Voltar ao sumário 213 Aspectos polêmicos do novo CPC
pelo presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, com a finalidade de remeter ao tribunal
superior adequado, a reanálise da admissibilidade negada e, em caso de provimento deste,
possibilitar a análise de mérito do recurso excepcional, outrora denegado.
No antigo código, este agravo já existia, disposto como agravo nos próprios autos ou do
artigo 544 daquele Código, o fundamento era o mesmo, com a existência da decisão do presidente
ou vice-presidente sobre a admissibilidade, com a negativa dos recursos excepcionais para os
tribunais superiores.
“O agravo, dirigido ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior
Tribunal de Justiça, apresenta-se no juízo recorrido. O prazo passa a ser
de dez dias (art. 544, caput, com redação da Lei n. 8.950/94). Esse
entendimento é o do Supremo Tribunal Federal, que, por meio da Resolução
n. 140, de 1º de fevereiro de 1996 (DJ de 5-2-1996), aconselhou não se fazer
confusão com as disposições do agravo comum. No caso, processa-se perante
o presidente do tribunal de origem, com remessa, sem necessidade de
fundamentação, ao Supremo Tribunal Federal” (SANTOS, 2009, p.701).
Antigamente, era chamado de agravo de instrumento contra a decisão denegatória dos
recursos excepcionais, somente modificado o nome quando os tribunais passaram a utilizar os
processos eletrônicos, sem a necessidade física de instruir-se um novo procedimento, retirou-se, a
partir da lei no. 12.322/2010, o nome de instrumento, restando somente agravo nos próprios autos
ou, então, o agravo do artigo 544.
No CPC/2015, não havia o intuito de reeditar este recurso, pelo fato de que a regra
processual do juízo de admissibilidade mudaria de bifásica para monofásica, como acontece nos
recursos ordinários, de igual forma seria nos recursos excepcionais. Sem juízo de admissibilidade
pelo presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, não haveria necessidade deste agravo do
artigo 1.042. Entretanto, com a lei que alterou o CPC/2015, ainda em sua vacatio legis, o sistema
bifásico de admissibilidade voltou, no tocante aos recursos excepcionais, devolvendo a competência
para o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido proceder a análise preliminar da
admissibilidade.
Se na forma monofásica da admissibilidade, o agravo para impugnar a decisão do presidente
ou vice-presidente do tribunal recorrido não tinha razão para existir, com a retomada desta
sistemática bifásica, evidentemente o agravo volta à tona, com a necessidade de sua ressurreição,
para possibilitar a revisão de qualquer equívoco realizado por qualquer dos mandatários dos
tribunais – estaduais ou federais – possibilitando uma revisão desse juízo de admissibilidade
preliminar. Sem a decisão preliminar não havia necessidade da existência deste agravo, com a volta
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| Voltar ao sumário 214 Aspectos polêmicos do novo CPC
da possibilidade processual desta decisão, de forma primordial, o agravo, agora do artigo 1.042,
retorna em sua taxatividade legal.
3.3 O princípio da primazia de mérito e a relativização da admissibilidade recursal
O CPC/2015, via o artigo 4o, delimita a solução de mérito como o principal motivo de
existência do processo e um direito atinente às partes. A ideia do processo é a satisfação das partes
pela resposta jurisdicional sobre o mérito, a sobressalência da resolução do conflito de interesse do
que a preocupação excessiva com o processo.
Na esfera recursal, uma das grandes mudanças e manifestações deste princípio é a
relativização do juízo de admissibilidade, com a permissão para correção de eventual vício na
interposição do recurso. Não há mais um caminho rigoroso, com uma inadmissibilidade sumária
daquele ato recursal pela existência de um erro, de um vício, sem possibilitar que o recorrente possa
manifestar-se sobre a sanabilidade do ato, quando evidentemente possível.
O processo almeja o julgamento de mérito, por isso deve priorizar uma menor formalidade,
com maior ênfase ao julgamento de direito material. Não se pode esquecer que o processo é mero
caminho para a busca da resolução de um conflito de interesse, do direito material ali vindicado.
Dessa forma, com base no parágrafo único do artigo 932, permitir-se-á ao recorrente sanar a
irregularidade no prazo de cinco dias, a contar da intimação para tal feito.
“O que se espera da lei e de seus aplicadores é um tratamento cuidadoso
da matéria, que não imponha sacrifício excessivo a um dos valores em jogo,
em homenagem ao outro. Para usar palavras mais claras: negar
conhecimento a recurso é atitude correta e é altamente recomendável, toda
vez que esteja clara a ausência de qualquer dos requisitos de
admissibilidade. Não devem os tribunais, contudo, exagerar na dose;
por exemplo, arvorando motivos de não conhecimento circunstância de que
o texto legal não cogita, nem mesmo implicitamente, agravando sem razão
consistente exigências por ele feitas, ou apressando-se a interpretar em
desfavor do recorrente dúvidas suscetíveis de suprimento.” (MOREIRA,
2005, p.187/188)
A falta de um destes requisitos formais, desde que sanáveis, não acarreta mais uma
inadmissibilidade sumária, oportunizando ao recorrente uma chance para correção recursal. Uma
busca pelo aproveitamento recursal, uma forma de julgar ao máximo o mérito, motivo pelo qual o
recurso existe, realizar efetivamente a revisão da decisão.
“Consolida-se, aí, um princípio fundamental: o de que se deve dar primazia
à resolução de mérito (e à produção do resultado satisfativo do direito) sobre
o reconhecimento de nulidades ou de outros obstáculos à produção do
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resultado normal do processo civil. Eis, aí, portanto, o princípio da primazia
da resolução do mérito.“(CÂMARA, 2015, p.16)
Não é faculdade do relator abrir esse momento para regularização do vício, sim um dever.
Constatada irregularidade sanável, o relator não pode inadmitir o recursal sem a oportunidade para
saneamento do vício. A necessidade de intimação do recorrente para sanabilidade do vício passível
de tal feito nasce, realmente, do princípio da primazia ao julgamento de mérito, impondo ao juízo
um dever de prevenção, de atuar, neste momento processual, a possibilitar ao recorrente a
manifestação para eventual correção do vício.
A medida preventiva é profícua e eficaz, almejando uma melhor prestação jurisdicional e
uma efetividade da demanda. Uma prevenção necessária. Óbvio que esta oportunidade é preclusiva,
encerrando-se com a correção do vício ou com o transcurso do prazo, quando de sua inércia. Tem
valor para todos os recursos, permitindo aos tribunais utilizarem em qualquer fase recursal. O
intuito é possibilitar em todas as esferas recursais o máximo aproveitamento, com a realização do
julgamento do mérito recursal.
Evidente que não pode ser um requisito que inviabiliza o recurso em si, como a
intempestividade, mas algum vício sanável que sem aquela correção acarretaria um não
conhecimento, mas que detém a total viabilidade de um saneamento recursal, como a juntada de
procuração/substabelecimento, complementação ou pagamento das custas, indicação do pagamento
correto da guia de preparo, adequação recursal no caso da fungibilidade dos recursos excepcionais,
dentre outras. Não há uma delimitação de qual vício pode ser corrigido ou, simplesmente,
relativizado, variando em cada caso. Quanto menos grave o vício a ser sanado, maior a
possibilidade de utilizar esta relativização para almejar o julgamento recursal.
3.3.1 A relativização da admissibilidade e o juízo bipartido: problema de simetria
Para os recursos excepcionais, o CPC/2015 criou uma regra específica sobre a flexibilização
da admissibilidade. O artigo 1.029, § 3º insere a possibilidade de relativização da admissibilidade
recursal, com o intuito de determinar, de forma clara, que esta regra dos recursos ordinários também
vale para os tribunais superiores. Entretanto, temos duas formas visualizáveis, na dicção deste
referido artigo: a relativização para a correção de vício e a relativização para a desconsideração de
vício.
O artigo 932, parágrafo único, somente dispõe sobre a correção do vício, o que enseja a
necessidade de existência de sanabilidade. Já nos recursos excepcionais, há uma amplitude maior,
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com a possibilidade até de desconsiderar um vício, se o tribunal entender que não reputa a falta de
determinado requisito como grave, por exemplo, quando o valor das custas pagas e as devidas for
mínimo ou eventualmente faltar prequestionamento, mas entenderem como pertinente a matéria.
Entretanto, a regra do artigo 1.029, § 3º cabe somente ao tribunal superior, portanto, aos seus
membros, relator ou o colegiado. Este momento processual de primazia ao julgamento de mérito foi
imaginado nos moldes do ordenamento sancionado, com uma admissibilidade monofásica, com o
relator sendo o primeiro a analisar a admissibilidade recursal excepcional. Agora, com a
permanência da admissibilidade no parâmetro bifásico, o presidente ou o vice-presidente, ao
analisar preliminarmente o recurso, podem relativizar a admissibilidade? Depende. Se o presidente,
ou vice-presidente, entender que falta um dos requisitos, têm de tomar algumas providências. A
primeira é a análise sobre a sanabilidade do vício presente no recurso, se for possível, o presidente
ou vice-presidente tem, de forma idêntica ao relator, a prerrogativa de intimar para a devida
correção, com o prazo de 5 dias para o recorrente proceder com a sanabilidade do recurso. Se o
relator, no tribunal superior, tem pelo artigo 1.029, § 3º essa possibilidade de permitir a
manifestação pela correção, o presidente ou o vice-presidente tem pela regra geral, aquela contida
no artigo 932, parágrafo único.
Uma vez concedido o prazo, este é preclusivo, sem a devida correção recursal, se o prazo
passar, sem a devida sanabilidade, neste caso, o recurso deve ser inadmitido.
O presidente ou o vice-presidente do tribunal a quo não tem a prerrogativa de desconsiderar
o vício existente, como disposto no artigo 1029, § 3º. Essa possibilidade de desconsideração
somente pode acontecer no tribunal superior, pelo relator ou pelo colegiado, o que, de forma
nenhuma, pode ser realizado neste juízo preliminar de admissibilidade. Aqui, nesta hipótese,
somente correção, nunca desconsideração.
Em caso de inadmissão, por qualquer requisito de admissibilidade, caberá o agravo nos
próprios autos, de acordo com o artigo 1.042, no prazo de 15 dias, com o intuito de forçar a ida do
recurso inadmitido para o tribunal superior.
Em qualquer das formas que o recurso chegar ao tribunal superior – via admissão direta ou
agravo do artigo 1.042 – a admissibilidade é novamente analisada, agora, de forma definitiva, pelo
tribunal ad quem.
Por causa da mudança realizada na admissibilidade pela lei no. 13.256/2016, muitas vezes, o
tribunal local, através de seu presidente ou vice-presidente, acabará por negar a admissibilidade a
um recurso excepcional, sendo que, posteriormente, o tribunal superior poderá desconsiderar aquele
mesmo vício apontado pelo tribunal recorrido. É uma situação curiosa, o presidente ou vice-
presidente nega a admissibilidade por motivo que pode ser desconsiderado, mas são obstados de
realizá-lo por falta de competência para tanto. Uma total falta de simetria legal. Como a lei veio a
Voltar ao sumário
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posterior, entrando num sistema imaginado sem a admissibilidade bifásica, o que torna a conjuntura
assimétrica.
3.4 A fungibilidade recursal excepcional: a perda da força do instituto pela volta da admissibilidade bipartida
Os recursos para os tribunais superiores – especial e extraordinário – atacam, por vezes, a
mesma espécie de decisão, o acórdão do tribunal de segundo grau. Um quando há ofensa à
lei/norma federal, outro quando há matéria constitucional pertinente para tanto. É necessário,
portanto, uma análise pelo possível recorrente sobre o conteúdo do acórdão para realizar,
corretamente, o enquadramento recursal, intentar o recurso especial quando for o caso de ofensa a
dispositivo de lei federal e suas vertentes ou o recurso extraordinário quando contiver matéria
constitucional. Um enquadramento equivocado, uma possível confusão entre a matéria federal ou a
constitucional pelo recorrente, se intentar o recurso equivocado, pelo CPC/73, o recurso seria
inadmissível, totalmente prejudicado, diante do erro processual realizado.
Na atual codificação, existe a aplicação do princípio da fungibilidade entre os recursos
excepcionais, tanto na interposição do recurso especial na hipótese do extraordinário, quanto na
situação inversa. Entretanto, há de imaginar que o equívoco somente será possível de ser
tergiversado, quando houver uma dúvida plausível, em hipóteses complementes subjetivas de
cabimento de ambos os recursos.
“E os artigos 1.032 a 1.033 do CPC/2015 têm, exatamente, a virtude de
permitir, vez por todas, uma solução concreta para o conflito negativo de
atribuição, gerando, com isso, padrões decisórios a serem seguidos pela
própria Corte (vinculação horizontal) e pelos demais tribunais de 2o grau e
juízes (vinculação vertical), tudo por observância aos arts.
926 a 928 do CPC/2015.” (CAMARGO,
2015. p. 817)
Dentre as hipóteses de cabimento de cada um dos recursos excepcionais, tem aquelas
subjetivas e, outras, objetivas. Não há como imaginar que um recurso especial que tentou impugnar
um acórdão com declaração de inconstitucionalidade de uma norma federal – alínea B do artigo
102, III – seria possível de fungibilidade. Em casos como este, o equívoco deve ser encarado como
erro grosseiro, já que se pode arguir dúvida plausível entre uma hipótese objetiva e outra subjetiva.
Podemos entender, dessa maneira, que o normal será a fungibilidade entre as alíneas A de cada
dispositivo – artigo 102, III e 105, III – pelo fato de, ambas, falarem sobre a contrariedade à norma,
mesmo que em níveis diferentes, mas que possibilitam uma confusão entre elas.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 218 Aspectos polêmicos do novo CPC
“Com efeito, se determinado tema é prevista na Constituição e,
novamente, em lei ordinária, significa que o legislador, sensível aos anseios
populares, deu ao assunto um grande valor, daí porque, se judicializa a
questão, esta deve, havendo repercussão geral, ser decidida, em último nível,
pelo órgão que tem o dever de dar a palavra final em matéria constitucional.
Se, de ouro lado, o STF entender que a matéria é afeta ao STJ, deve remeter
o recurso à outra Corte e não, como ocorre hoje, negar seguimento
ao recurso extraordinário, porque, com a devida vênia, o Poder
Judiciário não pode aplicar uma interpretação que deixe o jurisdicionado
sem resposta, positiva ou negativa, às suas pretensões.” (CAMARGO, 2015.
p. 817)
Não há como imaginar uma fungibilidade sem ser por estas hipóteses, por total falta de
possibilidade de aproveitamento do recurso equivocadamente interposto. Sendo que ambos os
recursos são para os tribunais superiores, em caso de enquadramento equivocado, a parte recorrente
tem a oportunidade do seu recurso ser reaproveitado, remetido para o órgão correto, não sendo
declarado diretamente inadmissível. Na dicção do artigo 1.032 do CPC/2015, quando o relator do
STJ entender que não houve o enquadramento correto, em vez de questão federal, o certo seria a
impugnação a uma matéria constitucional, há a possibilidade de aproveitamento de tal recurso,
mesmo com a delimitação e fundamentação material equivocada, transformando-o em recurso
extraordinário, com a devida remessa ao STF, para processamento e julgamento. Da mesma forma
ocorre ao inverso, quando o relator do STF, ao receber o recurso extraordinário, verificar que a
matéria ali exposta é uma questão federal, somente com um reflexo constitucional, pode, da mesma
maneira, aproveitar a existência recursal, para transformá-lo em recurso especial, com a devida
remessa ao STJ, conforme disposto no artigo 1.033.
A preocupação com o direito material, baseada na utilização do princípio da primazia de
mérito cominado com o princípio da efetividade do processo, com o alcance da resolução meritória
do recurso, relativizando eventuais percalços processuais para um fim comum, a prestação
jurisdicional mais ampla, com um resultado mais prático da resposta estatal. O processo deve ser
um meio em busca da resolução material, um procedimento para a finalidade da solução ao conflito
de interesses, não impedindo este quando for possível julgar o recurso, mediante alguma
relativização. Esse é um avanço da legislação, com um olhar mais material ao direito do que uma
rigidez processual.
Entretanto, com a mudança realizada no juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais,
pela lei no. 13.256/2016, retornando-os para o formato bifásico, com a análise preliminar realizada
pelo presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, para, somente após, remeter-se ao tribunal
superior, talvez até via agravo para tanto, creio que o instituto da fungibilidade entre os recursos
excepcionais perde quase toda a sua força e aplicabilidade. O instituto nascia pela possibilidade do
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| Voltar ao sumário 219 Aspectos polêmicos do novo CPC
relator, ao analisar o recurso excepcional – tanto faz se o RE ou REsp – não tinha nenhuma análise
anterior de admissibilidade, tampouco decisão sobre o seu aceite ou não. O relator, ao receber o
recurso excepcional, seria o primeiro (talvez o único) a analisá-lo, sem posicionamentos anteriores.
Agora, com a volta da admissibilidade bifásica, com o presidente ou vice-presidente do tribunal
anterior manifestando-se, temos alguns problemas para a efetividade do instituto. O primeiro é a
possibilidade da análise preliminar inadmitir um recurso excepcional justamente pela possibilidade
que, posteriormente, o relator poderá recebê-lo pela fungibilidade, remetendo ao outro tribunal.
Nesta situação, quase que de forma esdruxula, com o presidente ou vice-presidente inadmitindo por
adequação equivocada, o recorrente interpondo o agravo para forçar a ida ao tribunal superior, com
o relator invocando a mesma argumentação feita na inadmissibilidade para tornar o recurso
fungível. Estranho, mas completamente possível.
Outro ponto negativo será que essa inadmissibilidade anterior, de certa forma, macula o
pensamento e posicionamento do relator no tribunal superior, com a possibilidade muito maior de
somente se manter essa inadmissibilidade, sem a visualização maior de uma possível fungibilidade.
E, o terceiro, dentre tantos pontos negativos, é a forma que, talvez, quase sempre que a
admissibilidade via fungibilidade for possível, somente será realizada com a necessária interposição
de um agravo para tanto. Ou seja, ao voltar a admissibilidade em formato bifásico, impacta de
sobremaneira o instituto da fungibilidade recursal excepcional, justamente por criar empecilhos e
dificuldades para tanto.
3.5 A revogação do agravo anterior e a criação do agravo interno de distinção: uma alteração proposta pela lei no. 13.256/2016 antes da vigência do CPC/2015
O próprio novo artigo 1.042, alterado pela lei no. 13.256/2016, em sua parte final, coloca
uma exceção quanto à interposição do agravo em recurso especial ou extraordinário, na hipótese em
que, apesar da inadmissibilidade destes recursos, a motivação desta, foi “fundada na aplicação de
precedente de repercussão geral e de recurso especial repetitivo.”
Neste caso, o presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido inadmitiu o recurso
excepcional, pelo fato de que o intuito recursal deste recurso continha pedidos em caminhos
diversos de precedentes de repercussão geral ou recursos excepcionais repetitivos. Dessa forma, se
o recurso excepcional foi interposto contrariando tese já firmada em repetitivo ou em repercussão
geral, ou, ainda, sobre matéria já delimitada como ausente de repercussão geral, não existem
motivos para remeter estas possibilidades recursais para os tribunais superiores, justamente por
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 220 Aspectos polêmicos do novo CPC
serem matérias com definição jurídica realizada em forma de julgamento por amostragem em
recursos excepcionais, com aplicabilidade em casos futuros, como nestes.
Dessa forma, ao receber este eventual recurso excepcional, verificando a sua matéria e
contrastando com o precedente firmado em repercussão geral ou repetitivo, não há motivos para
levar ao tribunal superior, inadmitindo, desde já, com a impossibilidade de interposição de agravo
do artigo 1.042, por causa do enquadramento da pretensão recursal de maneira diversa, ao já
pacificado em precedente anterior.
Entretanto, o que fazer, se o recorrente não concorda com este enquadramento, alegando que
o seu recurso é de matéria diversa daquela do precedente utilizado para fins comparativos? Mesmo
assim, não caberá agravo do artigo 1.042. Nesta hipótese, o recurso cabível será o agravo interno,
nos moldes do disposto no artigo 1.030, § 2º, remetendo a impugnação da decisão do presidente ou
vice-presidente para o seu próprio pleno ou órgão especial. A questão não é nova, tampouco é fácil.
Uma aplicabilidade equivocada de um precedente pelo tribunal recorrido não pode ser combatida
para uma transferência de competência recursal, mas, de forma interna, ao mesmo tribunal. Não é
uma possibilidade que resolve a situação de maneira correta, já que o tribunal superior, que firmou
o precedente, será inalcançável pelo recurso.
Com uma aplicabilidade equivocada do tribunal recorrido – seja do precedente em si ou do
sobrestamento – não há forma do recorrente requerer a adequação ao tribunal superior, mas somente
a este próprio tribunal, impugnando a decisão do presidente ou vice-presidente, levando a questão
para o pleno ou o órgão especial, seja suscitando: o enquadramento equivocada na suspensão em
recurso repetitivo ou repercussão geral por diferença fático-jurídica; a negativa equivocada de
repercussão geral; a aplicação equivocada de precedente de repercussão geral ou de recurso especial
repetitivo ou o indeferimento do pedido que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o
recurso especial ou o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente.
O sistema imaginado pelo CPC/2015 impunha ao próprio tribunal superior que firmou o
precedente, o controle da aplicabilidade do mesmo, com a possibilidade do agravo em recurso
especial ou extraordinário do texto sancionado (hoje já alterado) avisar o tribunal superior desse
“desrespeito” sobre o precedente.
“E para piorar, contra tal decisão somente caberá um agravo interno para o
próprio tribunal de Justiça, de modo que não haverá mais acesso ao STJ e
STF para que o mesmo modifique seus entendimentos. Entenderam,
senhores senadores? Parece que a ideia do projeto repete o estilo
“organizações tabajara” — “seus problemas acabaram”: se eu, tribunal
superior, julguei um caso repetitivo, você, patuleu, não me venha mais com
churumelas (ou coisas desimportantes); simplesmente aplique
mecanicamente meu entendimento celestial e, perceba, nem existirá mais
recurso que consiga me fazer mudar de entendimento. Uma vez dito,
acabou! Aqui, de novo, apelamos aos senadores e senadoras: se não for por
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 221 Aspectos polêmicos do novo CPC
amor ao direito e à Justiça, apelamos para o seu senso de sobrevivência:
afinal, sua causa poderá ser uma das vítimas no futuro (quem dos senadores
não tem um litigiosinho por aí?).” (STRECK, NUNES, 2015)
Agora, com a alteração para que o pleno ou o órgão especial do próprio tribunal realize essa
averiguação correta do precedente pelo seu próprio presidente, retirou-se um acesso ao tribunal
superior e, por vezes, uma inviabilidade do próprio precedente, se um tribunal firmar que não
seguirá o precedente, com o presidente agindo neste caminho e o seu pleno seguindo, não há óbice,
por mais absurdo que seja, tudo isso para desafogar os tribunais superiores, mesmo causando uma
possível e latente insegurança jurídica.
Sobrevém dois problemas: o primeiro passa pela negativa de distinção, com o pleno
continuando a dizer que a sua matéria é idêntica ao repetitivo; já a segunda é a impossibilidade de
realizar-se a superação do precedente, já que não seria possível ter acesso aos tribunais superiores.
Da primeira hipótese, a situação é tenebrosa, se realmente for caso de distinção, por mais
que fique uma injustiça, não há, neste ponto legal, nada o que fazer, necessitando de uma
construção jurisprudencial sobre o assunto e de uma responsabilidade judicante dos tribunais para
que hipóteses esdruxulas, como esta, não aconteçam. Sobre a segunda hipótese, Alexandre Câmara
propõe para dirimir essa assimetria, uma solução para a possibilidade da superação do precedente –
via repercussão geral ou repetitivo – anteriormente fixado, ainda que via agravo interno o pleno
daquele tribunal já o tenha negado. Seria a possibilidade, mesmo diante de uma negativa do agravo
interno, se houver novos argumentos que o precedente anteriormente fixado não tenha visualizado –
talvez por nova lei ou fatos sociais novos – que caiba novo recurso especial ou extraordinário.
“Pois aqui está a solução: interposto REsp ou RE contra decisão conforme
com padrão decisório ao fundamento de existir motivo para sua superação,
deve-se admitir o recurso. E no caso de não ser o recurso admitido, o que se
terá a fazer será percorrer caminho mais longo para chegar ao tribunal de
superposição: interpor o AInt e submeter a questão ao Pleno ou ao Órgão
Especial do tribunal de origem. Caso este não proveja o agravo, interpor
novo recurso (REsp ou RE), para fazer com que a matéria chegue ao STJ ou
ao STF.” (CAMARA, 2016)
É fruto de uma construção doutrinária para corrigir uma assimetria legal. Uma lei que altera
um código, muitas vezes, não percebe que ao modificar certo ponto, causa impacto em outros que
nem se imaginou ali, o que pode gerar um impacto não pressentido. Este fato ocorre neste ponto,
quanto a lei no. 13.256/2016, necessitando uma simetria almejada no cotidiano forense.
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| Voltar ao sumário 222 Aspectos polêmicos do novo CPC
4. OS TRIBUNAIS SUPERIORES E O RECEIO DE ATUAREM COMO TRIBUNAIS DE PRECEDENTES
Desde a sanção do CPC/2015 em março do ano passado, a discussão sobre a extinção do
juízo de admissibilidade tomou conta dos tribunais superiores, com declarações dos membros tanto
do STJ quanto do STF. Os posicionamentos eram tanto favoráveis, porém minoritários, como do
Ministro Luiz Fux,2 quanto amplamente contrários, como o Ministro Gilmar Mendes do STF e o
Ministro Mauro Luiz Campbell do STJ,3 gerando uma eminente preocupação com a quantidade de
recursos excepcionais que seriam automaticamente transportados para as cortes superiores com o
fim da admissibilidade preliminar pelos tribunais recorridos.
Neste ínterim, por atuação intensiva do STJ e de seus Ministros, o projeto de legislativo que
culminou na lei no. 13.256/2016 tramitou com celeridade em ambas as casas do congresso com o
intuito de reestabelecer o juízo preliminar de admissibilidade nas hipóteses dos recursos
excepcionais – especial e extraordinário – estancando a mudança que o CPC/2015 pretendia
promover no processamento recursal em grau superior.
A análise realizada, por ambos os lados, não é equivocada, tampouco somente
corporativista. Se de um lado a extinção do juízo de admissibilidade previa uma celeridade maior, a
extinção de um recurso – o agravo em REsp e RE – com uma remessa mais rápida e,
consequentemente, com um acesso maior aos tribunais superiores, de outro lado, o argumento era
de que, num primeiro momento, seriam muitos recursos - cerca de quase 200 mil/ano – a mais para
cada corte superior recepcionar, que eram represados pela admissibilidade dos tribunais de segunda
instância/anteriores.
Qual dos argumentos continha maior validade? Ambos são bons argumentos e traziam
razoáveis preocupações práticas, seja com o jurisdicionado, que intenta com a demanda e quer ver o
resultado, seja com o próprio trabalho jurisdicional praticado pelos tribunais superiores. No final,
com a sanção da lei no. 13.256/2016 e a volta/permanência do juízo de admissibilidade preliminar
pelos tribunais de segunda instância, o argumento do excesso de trabalho e a possibilidade de
entupimento dos tribunais superiores venceu, justamente para permanecer tudo como está e aplacar
2 “A mudança do juízo de admissibilidade dos recursos destinados aos tribunais superiores,
pelo segundo grau de jurisdição, pode trazer mais rapidez ao processo. É o que avalia o ministro
Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, que presidiu a comissão de juristas que elaborou o
anteprojeto que embasou a reforma do Código de Processo Civil.”
http://www.conjur.com.br/2015-out-19/fim-juizo-admissibilidade-agilizar-processo-fux 3 “De acordo com o ministro da 1ª Seção do STJ Mauro Luiz Campbell Marques, “só o fato
de ser suprimida a admissibilidade de recursos e que tudo subirá contabilmente já haverá um reflexo de quase 100% do acervo que chega ao STJ”.” http://www.conjur.com.br/2015-out-20/ministros-stf-stj-criticam-mudanca-juizo-admissibilidade
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| Voltar ao sumário 223 Aspectos polêmicos do novo CPC
o temor que tinham da alteração prevista no CPC/2015 primitivo.
Foi a melhor saída? De certa forma, os tribunais superiores têm razão imediata, o que
geraria um evidente aumento de recursos recepcionados em suas distribuições a partir de 2016,
caso nada fosse feito. Todavia, com a ênfase aos incidentes de precedentes, com a necessidade de
uniformização e pacificação de entendimentos, talvez, em boa utilização destes institutos não
chegariam, a médio prazo a mesma quantidade recursal. Não houve tempo para visualizar
qualquer realidade, positiva ou negativa, a alteração, proposta no novo ordenamento, já
caiu por terra, quando da alteração legislativa de 2016.
O intuito, a médio prazo, com a vigência do CPC/2015 era permitir que os tribunais
superiores, através da sistemática de precedentes criada pelos artigos 926 e 927, julga-se com
maior efeito repetitivo e vinculativo, com uma aplicabilidade maior de seus julgados como
precedentes pelos tribunais de apelação e pelos juízes de primeiro grau, e, consequentemente,
houvessem menos recursos especiais e extraordinários a serem julgados. A norma processual
visa uma quantidade maior de processos que utiliza a base do treat like cases alike4 (Tradução
livre: julgar todos como se julgou um) para a resolução dos conflitos. Julgar menos processos,
com a utilização destes como base para as outras demandas idênticas.
Se os tribunais superiores já se estabelecessem como cortes de exceção e interpretação da
norma, com uma visualização perene da função primordial de criar precedentes, uniformizar a
interpretação da norma federal e constitucional, com o dever de autorreferência, mantendo os
precedentes estáveis, íntegros e coerentes, não haveria, em tese, uma grande quantidade de
recursos excepcionais. Contudo, muitas vezes as próprias cortes superiores não respeitam seus
próprios precedentes, muitas vezes as turmas internas pensam de forma totalmente diversa, sem a
menor preocupação da uniformização, e, quando esta existe, tampouco há preocupação da
estabilização desta, na utilização paulatina, com constantes mudanças de entendimentos
somente pela mudança de membros do judiciário, o que não corresponde a um sistema seguro.
Sem uma atuação das cortes superiores como tribunais de precedentes, com a devida
utilização de julgamentos uniformizados, trabalhando somente para os casos realmente diferentes
e excepcionais, realmente a quantidade de recursos para estes tribunais nunca diminuirão.
Somente com uma atuação diferente que se chega em resultados diferentes. A retirada do juízo
de admissibilidade previa uma mudança no modus operandi dos tribunais superiores para se
permitir atuar mais em casos paradigmáticos, com um reflexo social maior, e, paulatinamente,
trabalhar com menos casos, processos e recursos. Evidentemente, o resultado não seria imediato,
tampouco daqui um ou dois anos, mas a utilização correta de um sistema de precedentes, com a
incidência da assunção de competência, do incidente de resolução de demandas repetitivas, os
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 224 Aspectos polêmicos do novo CPC
recursos repetitivos e a repercussão geral, os recursos diminuiriam, mesmo com o acesso
mais fácil aos tribunais superiores.
Se os tribunais superiores sabem que as suas decisões não são seguidas pelos tribunais e
juízes do Brasil inteiro – motivo pelo qual existem diversos recursos excepcionais – e, os
membros internos destes mesmos tribunais muitas vezes mudam sem razão de entendimento,
realmente não há como pensar o novo e imaginar um processo sem o juízo de admissibilidade.
Imaginando dessa maneira, a manutenção do status quo realizado pela lei no. 13.256/2016 é uma
boa forma de manter o funcionamento dos tribunais superiores da mesma maneira, contudo,
teoricamente, chegando aos mesmos resultados.
5. CONCLUSÃO
O CPC/2015, com a sua base de mudanças, tentou sistematizar uma nova sistemática
ao juízo de admissibilidade dos recursos, criando como regra uma análise sobre monofásica, a ser
realizada pelo juízo ad quem. Esta inovação impactaria, de acordo com o texto original, todos os
recursos que transfere a competência de um tribunal para o outro, desde a apelação até os
recursos aos tribunais superiores.
Entretanto, com o receio de um fácil acesso aos tribunais superiores via os recursos
excepcionais e a admissibilidade monofásica, com um consequente entupimento de recursos e
processos nestes tribunais, a lei no. 13.256/2016 alterou a redação inicial do CPC/2015, para
manter o sistema bifásico de análise dos requisitos de admissibilidade, dividindo-os entre o
tribunal recorrido, numa momento preliminar, e o tribunal superior responsável e competente para
julgar o mérito, de maneira definitiva.
A motivação de uma lei de reforma da nova legislação, ainda na vacatio legis,
foi exatamente a constante preocupação das cortes superiores com o seu andamento processual,
com a possibilidade de esgotamento da capacidade judicante e o entupimento proveniente de um
fácil acesso. Neste ponto, o argumento era, como vimos no desenvolvimento, bastante válido e
perspicaz, com um aumento considerável da quantidade de recursos represados pelos tribunais
recorridos – de justiça ou regionais federais – justamente por não prever mais o juízo de
admissibilidade preliminar.
Com o advento da lei no. 13.256/2016, o sistema de admissibilidade para os
tribunais superiores continuou da mesma forma, com dois momentos e dois juízos competentes
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| Voltar ao sumário 225 Aspectos polêmicos do novo CPC
para fazê-lo, um de forma preliminar e outro de forma definitiva. Uma lei que alterou o
CPC/2015 para não alterar nada em relação ao CPC/73.
O grande problema de qualquer reforma de uma codificação passa pelo impacto
imaginado somente após as alterações. O CPC/2015 foi projetado como um sistema monofásico
de admissibilidade, com uma proposta diferente. Neste ínterim, diversos institutos e
procedimentos foram criados e imaginados com o pensamento que o relator do recurso no
tribunal excepcional seria o primeiro a analisar a admissibilidade recursal, sem nenhuma
ponderação do juízo recorrido, tampouco alguma decisão sobre o recurso e o cumprimento dos
requisitos de admissibilidade.
A análise imaginada no projeto e no texto original do CPC/2015 previa um contato
do relator com o recurso excepcional sem os vícios e diretrizes de uma decisão anterior,
com a possibilidade de decidir, de imaginar a fungibilidade para outro recurso excepcional, poder
determinar a correção ou a desconsideração do requisito de admissibilidade formal, dentre outros
pontos. Diante da mudança proveniente da lei no. 13.256/2016, o relator somente terá a
competência para a análise após a remessa do recurso pelo tribunal anterior, com o juízo de
admissibilidade positivo, ou via agravo do artigo 1.042, caso a decisão seja pela inadmissão. Com
isso, o contato do relator passa a ser de maneira diferente, já num segundo momento, não mais
uma primeira análise e sem parâmetros anteriores.
Com estas ponderações, a volta do sistema bipartido de admissibilidade nos recursos
excepcionais acaba por criar assimetrias, pontos em que o CPC/2015 imaginava uma análise ou
rito de um jeito e que com a alteração não foram adaptados à nova realidade processual, o que
leva a necessitarmos criar uma série de hipóteses e pontos a serem discutidos, para permitir que o
jurisdicionado veja o novo código como uma lei simétrica, ainda que literalmente falando, não
o seja.
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A NÃO PRECLUSÃO DAS DECISÕES
INTERLOCUTÓRIAS E A LIBERDADE DECISÓRIA
DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU233
THE NOT ESTOPPEL FROM INTERLOCUTORY DECISIONS AND DECISIONAL
FREEDOM OF JUDGMENT OF FIRST GRADE
Vinicius Silva Lemos234
RESUMO: Este artigo tem o propósito de analisar a escolha legislativa pelas hipóteses restritas de agravo de
instrumento das decisões interlocutórias no novo código de processo civil e a consequente momentânea impossibilidade de recorrer das demais decisões não inclusas no rol taxativo das hipóteses do agravo de instrumento. A especificação da nova decisão interlocutória no novo ordenamento, bem como delimitação da escolha pela não preclusão das decisões não recorríveis via agravo de instrumento. Um estudo detalhado sobre esta não preclusão e a relação da atividade judicial decisória nesta nova perspectiva. PALAVRAS-CHAVE: Preclusão, Decisões Interlocutórias, Liberdade Decisória, Agravo de Instrumento
ABSTRACT: This article has the purpose to analyze the legislative choice by the assumptions of tort of instrument restricted from interlocutory decisions in the new code of civil procedure and the consequent momentary impossibility of other decisions not included in the muster list exhaustively enumerated hypotheses of tort of instrument. The specification of the new interlocutory decision on the new regional
planning, as well as the delimitation of the choice by not estoppel of decisions not track tort of instrument. A detailed study on this not estoppel and the relationship of the decisional judicial activity in this new perspective.
KEYWORDS: Estoppel, interlocutory decisions, decisional freedom, tort of instrument
233 Artigo publicado originalmente na Revista de Processo – RePro – Ed. 257.
234Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
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1. INTRODUÇÃO
A vigência do CPC/2015 é uma realidade, com um real impacto sobre os processos em todo
o Brasil, com a necessidade de estudo, pesquisa e entendimento sobre cada instituto, para delinear
as nuances da norma.
O ano de 2015, certamente, será de transição por parte dos operadores do direito, com o
impacto que uma mudança dessa magnitude propicia. As alterações foram significativas e trazem
uma nova ordem processual, com mudanças para as partes, para os advogados e, também, para o
judiciário.
O período transitório permeia uma complexidade imensa, com a necessidade da doutrina
aprofundar as pesquisas e entregar estudos detalhados sobre cada instituto, com diferentes visões
sobre os mais variados temas, desvendando os diversos novos pontos e problemáticas jurídicas, para
se entender a nova sistemática processual civil brasileira.
Os paradigmas processuais do novo ordenamento representam uma evolução legislativa,
com novos institutos, intenções diversas e a busca pela celeridade processual, diante de uma norma
processual com novidades.
Diante disto, neste trabalho, a decisão interlocutória é delineada dentro de nova concepção e
da diferenciação entre as passíveis de impugnação via agravo de instrumento e aquelas que assim
não o comportam. Essa escolha legislativa guarda detalhes e modificações interessantes e
impactantes, que alteram a sistemática de recorribilidade das decisões interlocutórias e acarretam
uma alteração no sistema de preclusões.
Numa nova realidade processual, o ato de litigar evidentemente não será o mesmo, com as
necessárias adaptações para as novidades. De outro lado, não menos impactante, o ato decisório
sofre igual impacto, devendo guardar uma nova relação com a demanda e uma maior amplitude do
entendimento processual como veremos no trabalho a seguir. Este estudo almeja aprofundar a
análise sobre a mudança no sistema de preclusões das decisões não agraváveis e a relação com a
liberdade decisória do juízo de primeiro grau.
2. A NOVA DECISÃO INTERLOCUTÓRIA NO NOVO CPC
O CPC/2015 sistematizou em seu artigo 203, as espécies de decisões judiciais, com o
intuito de promover uma simetria entre o conteúdo das decisões, suas funções e seus formatos
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 230 Aspectos polêmicos do novo CPC
processuais. Com as alterações constantes realizadas no decorrer dos anos ao CPC/73, muitas das
conceituações legais das decisões não guardavam correlação com suas funções e conteúdos.
O primeiro passo foi conceituar a sentença como “o pronunciamento por meio do qual o
juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem
como extingue a execução.”235
Com a alteração proposta pela lei 11.232/05, tornando o processo
sincrético, a sentença não sofreu a devida adaptação no CPC/73, tornando uma assimetria entre a
espécie de decisão e a sua conceituação.
De igual forma, a decisão interlocutória no CPC/73 tinha somente a conceituação como
aquela que “decide incidentes.” Evidentemente, os atos judiciais interlocutórios não servem apenas
para decidir incidentes,236
muitas vezes, não incomum, serviam para decidir o próprio mérito da
demanda ou, ainda, por fim a alguns pedidos sem adentrar-se no mérito. Dessa maneira, não era
correta a limitação da decisão interlocutória como uma mera solução de incidentes.
A nova conceituação da decisão interlocutória passou como uma forma antagônica à própria
sentença. Tudo aquilo que não for tido como sentença e for de conteúdo decisório, proferido por um
juízo de primeira instância, será considerada como decisão interlocutória.
“Decisão interlocutória é, de acordo com o § 2o. Do artigo 203, todo pronunciamento com
conteúdo decisório que não se enquadre na definição de sentença. Melhor seria que dissesse: é o pronunciamento judicial com conteúdo decisório que não põe fim à fase de
conhecimento em primeira instância. Tal qual se dá com a sentença, para identificação da decisão interlocutória não importa seu
conteúdo. Ela pode ter o mesmo conteúdo de uma sentença – baseando-se no art. 485 ou no
art. 487.”237
Uma conceituação mais fácil e evidente. Ao dispor que todo ato judicial decisório que não
for classificado como sentença é, automaticamente, uma decisão interlocutória, alcança-se, de
maneira geral, uma conceituação maior, já que esta espécie de ato decisório não levará em conta seu
conteúdo, mas sim o formato, o seu antagonismo à sentença.
235“O CPC/2015 passa a conceituar a sentença como o ato que põe fim à fase cognitiva do procedimento
comum, ou à execução. Portanto, pelo que se pode perceber, procura o novo texto conceituar este pronunciamento pelos seus efeitos (suas consequências) e pela recorribilidade.” ARAÚJO, José Henrique
Mouta. Os pronunciamentos de mérito no novo CPC: reafirmação de um posicionamento. Revista Dialética de Direito Processual n. 149, agosto/2015, p. 62-68, Ed. Dialética, São Paulo 2015, p.66
236“Em suma, decisão interlocutória é aquela pela qual um incidente processual é resolvido. Já por questão incidente cabe entender não apenas aquelas que o sejam em sentido próprio, mas também as demais “relativas a providências cautelares, ao desenvolvimento da relação processual e à formação do material instrutório”, como lembrado por Hélio Tornaghi. No Código novo, a seu turno, o respectivo conceito é fornecido por exclusão, na medida em que, no parágrafo 2o do art. 203, afirma que constitui decisão
interlocutória “toda pronunciamento judicial de natureza decisória” que não seja sentença.” DECOMAIN, Pedro Roberto. Decisões interlocutórias, agravo de instrumento e mandado de segurança no Novo CPC. Revista Dialética de Direito Processual nº 153, v. 115-127, dez-2015. São Paulo. p.116
237 DIDIER Jr. Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Teoria da Prova, direito probatório, decisão, precedentes, coisa julgada e tutela provisória. 10.ed. Salvador, JusPodivm, 2015. p. 306
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O que não for sentença, será decisão interlocutória. Uma facilidade que o CPC/2015 decidiu
seguir.
2.1 A escolha pela recorribilidade taxativa
No projeto que originou o CPC/2015, decidiu-se pela extinção do agravo em sua espécie
retida e, consequentemente, por limitar-se a recorribilidade das decisões interlocutórias. Desde o
início da tramitação almejou-se que as decisões não fossem amplamente recorríveis imediatamente
pelo agravo de instrumento. No projeto de Código existiam somente três possibilidades materiais de
recorribilidade via instrumental: as tutelas provisórias, as decisões de mérito e as provenientes da
fase de cumprimento de sentença ou do processo de execução.
Ultrapassando o cansativo trâmite legislativo, ao aprovar o CPC/2015, a recorribilidade
imediata via agravo de instrumento foi aumentada para outras hipóteses, mas, ainda, com uma
relação de taxatividade. Não serão todas as decisões que terão o agravo de instrumento como forma
de impugnação, o legislador optou por uma extensa lista de hipóteses agraváveis, mas, nas demais,
não terão o agravo de instrumento como recurso passível. No entanto, essa limitação se resume ao
processo de conhecimento, nas demais hipóteses – liquidação e cumprimento de sentença, execução
e inventário – todas as decisões são passíveis de agravo de instrumento.
Uma complexa opção dogmática e legislativa, imputando ao sistema anteriormente amplo de
recorribilidade da decisão interlocutória, um atraso ao processo de forma geral. A impugnabilidade
destas decisões existentes durante o conhecimento, teoricamente trazia o atraso à demanda, o que,
ao limitar as hipóteses de agravo, tender-se-á a ter uma demanda mais enxuta, com menos
possibilidade de recorribilidade a cada decisão. Uma visão um tanto casuística para aplacar e
reformar o sistema de impugnação das interlocutórias.
De acordo com a exposição de motivos do CPC/2015, haveria uma modificação para tornar
o sistema recursal geral de 1o grau mais simplificado, “com o objetivo tratado no item seguinte,
maior rendimento a cada processo individualmente considerado.”238
Numa explicação geral, a
ampla recorribilidade das decisões interlocutórias ganhou um ar de atraso processual, como um
vilão para a celeridade processual ou, ainda, a duração razoável do processo.
Evidente que o agravo retido, na modalidade proposta pelo antigo artigo 522, do CPC/73,
não cumpriu a sua função de regra na impugnação a interlocutórias, deixando um vácuo que foi
preenchido pelo agravo de instrumento, transformando a impugnação destas decisões quase sempre
via a forma instrumental. Mas, ainda assim, não vislumbro o sistema de agravo – retido ou
238 Exposição de motivos da Comissão de Juristas para o PL 166/10.
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| Voltar ao sumário 232 Aspectos polêmicos do novo CPC
instrumental – como o mal a ser combatido, conforme o disposto nas alterações legislativas
propostas e aprovadas no CPC/2015.
“O CPC/2015 contém relevante modificação relativamente ao sistema de recorribilidade
das decisões interlocutórias que culmina por afetar a amplitude do recurso de apelação,
alargando-a. Com efeito, ao contrário do que sucede no CPC/1973, as decisões
interlocutórias não serão, em regra, passíveis de recurso de agravo (no CPC/2015, agravo
de instrumento): serão objeto de impugnação ou no bojo da apelação, em capítulo
preliminar próprio, ou nas contrarrazões. O CPC/2015, portanto, torna absolutamente
excepcionais as hipóteses de interposição de recurso em separado (agravo de instrumento)
em face de decisões interlocutórias.”239
Entretanto, a positivação alterando a recorribilidade das decisões interlocutórias é real, com
um artigo 1.015 que delimita hipóteses taxativas de agravo de instrumento, transformando as
decisões proferidas durante o processo de conhecimento em duas espécies diversas quanto à sua
recorribilidade: aquelas passíveis de agravo de instrumento e as decisões não agraváveis na
modalidade instrumental.
2.2 As implicações da recorribilidade restrita
A escolha pela recorribilidade restrita das decisões interlocutórias não passa incauta,
simplesmente pelo fato de que, consequentemente, terão decisões interlocutórias durante o processo
de conhecimento que não serão passíveis de agravo de instrumento. Ou seja, com decisões que são
impugnáveis de maneira imediata e outras que não serão cobertas por esse privilégio processual.
Por causa da escolha legislativa pela recorribilidade restrita e taxativa, o processo, durante
sua fase de conhecimento, terá decisões interlocutórias de categorias diferentes, com impactos
diversos ao processo. Ora de uma decisão interlocutória, a parte pode interpor um recurso imediato
na forma do agravo de instrumento, ora não será possível. Duas situações diferentes dentro de um
mesmo processo de conhecimento.
Quais os critérios legislativos que levaram a determinada das escolhas que preenchem a
taxatividade? A busca, certamente, foi para inserir as hipóteses de decisões interlocutórias tidas
como as mais urgentes,240
aquelas em que detém maiores urgências processuais, bem como que
239WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da
Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015, p.1439/1440
240 Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: I. tutelas provisórias; II. mérito do processo; III. rejeição da alegação de convenção de arbitragem; IV. incidente de desconsideração da personalidade jurídica; V. rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI. exibição ou posse de documento ou coisa; VII. exclusão de litisconsorte; VIII. rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio; IX. admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros; X. concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à
Voltar ao sumário
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trariam maior estrago processual em caso de nulidade posterior. Claro que outras possibilidades
recursais com muita importância e certa urgência deveriam ser inseridas, como as provas,241
contudo, no geral, as decisões mais importantes estão ali elencadas, com a recorribilidade imediata,
as demais não.
Não será fácil, no cotidiano forense, para os profissionais se acostumarem que certas
decisões têm recorribilidade imediata e outras, não. A forma de pleitar-se os requerimentos
interlocutórios certamente serão modificados, com maior cautela pelas partes, com a consideração
de que o resultado destes podem ser impugnados naquele momento da prolação ou não. Creio que
será um dos pontos de maior dúvida na atividade cotidiana processual.
A maior das implicações desta escolha da taxatividade recursal passa pela escolha que se
realizou da forma da recorribilidade destas decisões não agráveis, optando-se por estagnar a
discussão naquele momento processual, transferindo-as para o momento posterior pós-sentença – na
apelação ou nas contrarrazões.
3. A ESCOLHA PELA NÃO PRECLUSÃO DAS DECISÕES
INTERLOCUTÓRIAS NÃO AGRAVÁVEIS
Com a não recorribilidade imediata da maioria das espécies das decisões interlocutórias,
uma escolha legislativa foi feita, optar-se por impedir a recorribilidade imediata pelo agravo de
instrumento, com a evidente limitação. Todavia, as decisões que não se enquadram nestas
determinadas hipóteses, também merecem a possibilidade de impugnação, porém, para isto, o
CPC/2015 optou por extinguir “o agravo retido, tendo, correlatamente, alterado-se o regime das
preclusões.”242
A opção por não permitir uma recorribilidade geral das interlocutórias fez com que as
decisões que não comportam a impugnação via agravo de instrumento, aguardem o momento pós-
sentença para que almejem a devida irresignação recursal. Contudo, para que possa alegar na
apelação ou nas contrarrazões o inconformismo sobre as decisões interlocutórias não agraváveis,
execução; XI. redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º; XII. (VETADO) conversão da ação individual em ação coletiva; XIII. outros casos expressamente referidos em lei. 241“Portanto, devemos tomar cuidado na análise da técnica preclusiva imposto pelo Novo CPC, já que, em
verdade, só há efetiva alteração na sistemática especificamente em relação à preclusão para as partes envolvendo decisão interlocutória de menor monta; não havendo substancial alteração em relação à
preclusão para as partes envolvendo as principais decisões interlocutórias e a decisão final, em relação à preclusão para as partes envolvendo os atos de impulsionamento da demanda, bem como em relação à preclusão para o Estado-juiz.” RUBIN, Fernando. As decisões interlocutórias e a aplicação da técnica preclusiva no Novo CPC (Lei n. 13.105/15). Revista Dialética de Direito Processual nº 150, v. 117-128, set-2015. São Paulo. p.31
242 Exposição de motivos da Comissão de Juristas para o PL 166/10.
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estas não podem ser cobertas pela preclusão, com a possibilidade de serem revisitadas em momento
posterior, como já explicado.
De rigor, a preclusão, em relação à possibilidade de impugnar tais decisões ocorre em
relação à apelação, ou seja, a oportunidade de que essas decisões impugnadas é a apelação
ou as contrarrazões de apelação. Não havendo impugnação neste momento e por este
instrumento, incide a preclusão. (…) Esta preclusão que não há à luz do NCPC, é aquela
que o agravo retido tinha a função de evitar. Não há mais essa preclusão, nem o agravo
retido e nem há exigência de protesto.”243
Assim, o artigo 1.009, dispõe em seu § 1º que as “questões resolvidas na fase de
conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas
pela preclusão (...).” O intuito foi sistematizar uma recorribilidade limitada e adiar todas as outras
espécies que não foram contempladas por essa possibilidade para a discussão eventualmente
existente quando da apelação/contrarrazões. Com isso, a importância da escolha pela não preclusão,
com a permissão de uma decisão anterior ao ato sentencial, ser impugnado conjuntamente com a
matéria fruto da resolução da demanda – com ou sem mérito.
Durante o trâmite legislativo, principalmente na Câmara dos Deputados, houve a tentativa
de emplacar a preclusão das decisões não agraváveis, com a exigência do protesto sobre estas. O
imaginado seria que logo após esta forma de decisão, a parte prejudicada deveria manifestar-se
através de petição simples ou de via oral na audiência, com o protesto,244
já manifestando a sua real
discordância daquela matéria, para que posteriormente pudesse ser fruto de impugnação, após a
sentença, via apelação/contrarrazões.
Apesar dessa tentativa prosperar na Câmara dos Deputados, não logrou êxito no texto final,
que preferiu um sistema sem a preclusão das decisões não agraváveis, bem como não imputou à
parte prejudicada realizar, durante o processo de conhecimento, nenhum ato para demonstrar o
prejuízo ou o interesse recursal, somente deixando para o momento posterior, quando realmente for
recorrer daquela decisão, no caso, na apelação ou nas contrarrazões.
Desse modo, saímos do CPC/73 de um sistema de recorribilidade das decisões
interlocutórias que, apesar de possibilitar a escolha da espécie de agravo – retido ou instrumento –
para a parte, diante de uma subjetividade, continha uma regra preclusiva. Se uma decisão
243WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da
Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015, p.1439
244 “Oportuno repisar que em versão anterior do Projeto no. 8.046/2010, havia sido suprimida a
necessidade de apresentação do recurso formal de agravo retido para a parte embargar eventual decisão interlocutória de menor envergadura, desde que verifica a apresentação junto ao juízo a quo de um protesto antipreclusivo. Inegavelmente a solução projetada se aproximava da construção já formatada no processo laboral, o que acabou não vingando na derradeira versão apresentada para sanção presidencial.” RUBIN, Fernando. As decisões interlocutórias e a aplicação da técnica preclusiva no Novo CPC (Lei n. 13.105/15). Revista Dialética de Direito Processual nº 150, v. 117-128, set-2015. São Paulo. p.32
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interlocutória não fosse impugnada via qualquer das espécies de agravo existentes, não poderia ser
rediscutida posteriormente, pelo fato de estar já envolta pela preclusão. Agora, o intuito foi deixar
uma regra diversa, um sistema diferente, com a preclusão para as decisões passíveis de impugnação
via agravo de instrumento e a não preclusão para as decisões não passíveis.
3.1 A recorribilidade via preliminar de apelação ou contrarrazões
Com a opção legislativa, na inserção do § 1º do artigo 1009, pela não preclusão das decisões
interlocutórias não agraváveis, retardou-se a recorribilidade destas para o momento da apelação ou
das contrarrazões. Ou seja, mesmo que haja uma decisão interlocutória no início, meio ou qualquer
fase do processo de conhecimento, caso não esteja no rol do artigo 1015, ou de algumas outras
exceções, a impugnação somente será realizada em momento posterior. Diante disso, não podemos
dizer que há uma irrecorribilidade para estas decisões, pelo fato de que existe realmente uma forma
impugnativa recursal, somente não da maneira com que nos habituamos processualmente, não mais
imediatamente à decisão a ser impugnada, mas em momento posterior.
Com isso, a conceituação da apelação foi modificada, não sendo mais somente o recurso que
impugna a sentença, mas acrescentando, de igual forma, ser o recurso que impugna as decisões
interlocutórias não agraváveis na forma instrumental. Importante salientar a possibilidade de,
querendo a parte, impugnar-se somente as decisões interlocutórias nesta apelação, sem ater-se a
impugnar a sentença em si. É uma hipótese plenamente plausível e aceitável, apesar de ser um tanto
quanto processualmente arriscada.
Se a parte prejudicada pela decisão interlocutória não tiver interesse recursal para impugnar
a sentença (no caso de ser o vencedor), obviamente não tem como interpor a apelação, já que na
decisão final obteve êxito, contudo se a outra parte interpuser a apelação contra a sentença – ou até
contra decisões interlocutórias também – pode, o vencedor, nas contrarrazões, impugnar qualquer
decisão interlocutória não passível da impugnação via agravo de instrumento. Assim, uma nova
espécie recursal nasce no processo civil pátrio, as contrarrazões com viés recursal, pelo simples fato
de que nesta peça, que outrora somente tinha o caráter de responder as alegações do recurso
principal, agora pode impugnar a decisão interlocutória realizando um pedido de forma idêntica a
qualquer outro recurso.
Em regra, essas contrarrazões têm um caráter de condição e subordinação ao recurso
principal, já que quase sempre o julgamento dessas decisões interlocutórias impactariam a sentença
e a matéria inserta dela ou de eventual julgamento da apelação alheia. Entretanto, há a hipótese
excepcional da decisão interlocutória impugnada não guardar relação com o conteúdo da sentença,
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 236 Aspectos polêmicos do novo CPC
com uma real independência material, como no exemplo de uma decisão que aplicar a multa
atentatória a justiça à parte pela falta a audiência de conciliação/mediação. Neste caso,
excepcionalmente, as contrarrazões não seriam condicionadas e nem subordinadas ao recurso de
apelação, sendo um recurso autêntico e autônomo.
3.2 A forma tardia da impugnação das decisões interlocutórias não
agraváveis e seus reflexos
Com a ausência de preclusão da impugnação das decisões interlocutórias não passíveis e a
consequente remessa do momento impugnativo para após a sentença – seja na apelação ou nas
contrarrazões, o conteúdo material do que foi decidido continua em aberto, como uma decisão que
tem eficácia durante o processo de conhecimento, com efeitos pertinentes para as partes da
demanda.
Todavia, a decisão interlocutória não passível de agravo de instrumento até o momento da
sentença não tem um viés definitivo, com um ar de instabilidade, justamente pela possibilidade de
impugnação até o momento pós-sentença. Esta situação gerará ao processo uma real sensação de
provisoriedade a todo o andamento do processo de conhecimento, seja em matérias processuais ou
do direito material, ainda mais sobre as decisões pertinentes ao estágio probatório.
Tudo o que for decidido pelo juízo de primeiro grau tem um viés não impugnativo
momentaneamente, pelo fato de que somente pode ser impugnado posteriormente, mas, em
caminho contrário, tem um ar, até a prolação da sentença – independentemente do conteúdo, de uma
forma quase que absoluta, já que as partes não terão ali a possibilidade de recurso. Com isso, a
decisão interlocutória não agravável tem um impacto maior ao procedimento de primeiro grau do
que as decisões agraváveis, já que não podem, naquele momento, serem impugnadas.
O reflexo processual dessa decisão pode se dar em diferentes formas, com uma força
decisória maior, justamente pela sapiência de todos, inclusive do juízo de que a decisão não pode
ser impugnada naquele momento, o que se decidir deve ser cumprido e, certamente, influenciará o
processo. Os operadores do direito não estão acostumados a tamanha influência da decisão no
processo de primeiro grau, ainda que no procedimento de juizado especial seja dessa maneira, mas
naquele rito as decisões são menos complexas e a instrução de igual forma. Tanto as partes quanto
os juízes não estão acostumados a este grau de impacto decisório da interlocutória, o que,
consequentemente, necessitará de um maior cuidado e atenção processual neste período transitório.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 237 Aspectos polêmicos do novo CPC
3.3 A consequência temporal-processual de uma possível reversão
A escolha pela não preclusão empurrou para após a sentença a impugnação das decisões
interlocutórias não agraváveis, como já vimos anteriormente. O complexo dessa situação,
processualmente, passa pela sensação de provisoriedade destas decisões, com a plena possibilidade
de, em caso de recorribilidade via apelação ou contrarrazões, o processo ter uma total reversão
daquela decisão.
Evidente que qualquer decisão é passível de reversão, contudo com esse retardamento da
recorribilidade, o eventual provimento do recurso contém a possibilidade do processo voltar ao
exato momento procedimental em que se realizou aquela decisão interlocutória impugnada na
apelação ou contrarrazões. Desse modo, com a regra pela não recorribilidade imediata destas
decisões e a excepcionalidade das hipóteses agraváveis, o normal, em caso de equívoco do juízo na
prolação da decisão, será o tribunal anular ou revogar a decisão, com a consequência de anular
todos os atos posteriores àquela decisão, o que torna, de igual forma, a sentença existente naquela
demanda nula/sem efeitos.
Dessa forma, ao limitar a recorribilidade das decisões interlocutórias para conceder uma
maior celeridade processual245
e menor intervenção das partes sobre o andamento processual
durante o processo de conhecimento de primeiro grau, o legislador pode, com essa escolha, em caso
de provimento recursal, acabar por ter um efeito inverso, com um atraso na demanda e a reversão
daquela almejada celeridade processual.246
Na hipótese do juízo, por exemplo, não conceder uma produção de prova – uma perícia – a
instrução prossegue, com o estágio probatório eventualmente realizado, se existirem outras provas,
as devidas alegações finais e a prolação da sentença. Se a parte que requereu e teve o indeferimento
da produção de prova pericial apelar ou contrarrazoar impugnando àquela decisão interlocutória, no
caso de provimento, todo esse avanço processual será em vão, com a volta do processo para aquele
245 “Entendemos que tal inovação possui o condão de simplificar a recorribilidade das decisões interlocutórias. Afinal, se, sob a égide do CPC de 1973, cabe à parte ratificar o agravo retido na preliminar de
apelação/contrarrazões, mais simples se afigura dispensá-la de interpor previamente o recurso de agravo retido, concentrando a impugnação das decisões interlocutórias no próprio recurso de apelação.” HILL, Flávia Pereira. Breves comentários às principais inovações aos meios de impugnações de decisões das decisões judiciais no Novo CPC. Doutrina Selecionada - v.6 - Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Editora JusPodivm, Salvador, 2015 246 “Trata-se, no nosso entender, de retrocesso, ao passo que a parte – sem qualquer freio preclusivo –
pode levar ao tribunal, no momento derradeiro de apelo extremo, determinadas matérias que sequer teria realmente interesse em rediscutir, aproveitando o momento processual para causar tumulto no regular andamento do feito, exigindo do segundo grau prestação jurisdicional de eventuais temas, quem sabe, irrelevante ou desnecessários de discussão nesta etapa recursal.” RUBIN, Fernando. As decisões interlocutórias e a aplicação da técnica preclusiva no Novo CPC (Lei n. 13.105/15). Revista Dialética de Direito Processual nº 150, v. 117-128, set-2015. São Paulo.p. 32
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 238 Aspectos polêmicos do novo CPC
momento da instrução em que se indeferiu a produção da prova. Ou seja, a recorribilidade tardia da
decisão interlocutória não agravável pode ocasionar um atraso na prestação jurisdicional, com esse
ida e volta da demanda para o tribunal e a volta ao juízo de primeiro grau. Um verdadeiro vai e vem
processual.247
O fato desta decisão interlocutória, quando não passível de agravo de instrumento, não
precluir concede um caráter absoluto à decisão, mesmo que momentaneamente, para, após a
eventual recorribilidade, relembrar-lhe da condição provisória, com a liberdade das partes
prejudicadas devolverem a matéria para revisitação em grau recursal.
Com essa total abertura dada pela conjunção do artigo 1015 com § 1º do artigo 1009, o
momento da apelação ou das contrarrazões contem ampla possibilidade de recorribilidade, já que as
partes podem escolher qualquer decisão interlocutória proferida na demanda – desde que não
agravável – para que seja revista pelo tribunal, necessitando somente que contenha um prejuízo
processual ou material oriundo da decisão a ser impugnada. Não há como saber, antes da
interposição destas hipóteses recursais, qual o real alcance do que se impugnará, pelo fato das partes
terem a liberdade de revisitar quase todo o processo. Não se saberá, até a interposição da apelação
ou contrarrazões, quais as decisões que ainda causam controvérsias entre as partes.
Essa dúvida permanecerá no ar até o prazo para a apelação ou contrarrazões.
4. A LIBERDADE DECISÓRIA DO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU NAS
MATÉRIAS DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO
AGRAVÁVEIS
A recorribilidade restrita das decisões interlocutórias impõe aos processos somente algumas
poucas decisões que são passíveis de serem atacadas pelo agravo de instrumento, com revisão
imediata pelo tribunal de segundo grau. A maioria das espécies e possibilidades de decisões
interlocutórias não serão agraváveis, com uma não recorribilidade naquele momento, concedendo
àquela decisão um imediatismo em termos de eficácia.
Com isso, o juízo de primeiro grau, ao decidir, deve ter a consciência de que aquela decisão
interlocutória não tem meios legais, ao menos no CPC/2015,248
de impugnação imediata,249
com os
247“Duas preocupações devem ser apresentadas: será que a nova sistemática irá gerar um número elevado
de processos anulados em decorrência do provimento das apelações, envolvendo vícios ocorridos durante a fase cognitiva e incluídos no § 1º do artigo 1.009, como nos casos de cerceamento de defesa?” ARAUJO, José Henrique Mouta. Mandado de Segurança. 5. ed. Salvador. Ed. JusPodivm. 2015. p.370
248“Será que, mais uma vez, não se estará dando margem para utilização do mandado de segurança contra ato judicial, a partir do momento em que se veda o manejo de recurso imediatamente após o
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 239 Aspectos polêmicos do novo CPC
seus efeitos impactando o processo a partir daquele momento processual. Ou seja, a sua decisão
será cumprida pelas partes, justamente por, naquele momento, terem de resignar-se com aquela
ordem judicial e acatá-la.
Essa ausência de recorribilidade imediata concede ao juízo, neste momento, um poder quase
que absolutório, com a certeza deste que ao proferir a decisão, esta impactará o processo de maneira
tal que as partes devem cumprir a decisão. O juízo de primeiro grau deve ter o cuidado e a
parcimônia necessária ao proferir essa decisão judicial interlocutória com efeitos imediatos e não
passíveis de correção, naquele momento, com a precaução de antever todos os possíveis reflexos
processuais imediatos daquele ato decisório.
A decisão deve ser a mais adequada possível para aquela situação, como já em qualquer
espécie de decisão, mas com um cuidado maior, com a visualização e a sapiência do juízo de
primeiro grau que, em um eventual equívoco decisório interlocutório, os efeitos não serão sentidos
imediatamente, já que a decisão até ser impugnada terá validade e, talvez, um ar correto. Porém,
posteriormente, com um eventual recurso – apelação ou contrarrazões – a decisão interlocutória
pode ser anulada ou reformada, acarretando em prejuízo processual para todas as partes, com a
devolução do processo para o primeiro grau, justamente naquela fase em que houve a prolação da
decisão anulada/reformada.
O juízo de primeiro grau, diante de tal aparente liberdade decisória, com a sensação
absolutória, não pode ater-se a convicções pessoais ou, simplesmente, a decidir como se houvesse
preclusão. A provisoriedade da decisão interlocutória não agravável deve atrelar ao juízo uma
responsabilidade ainda maior pela correta condução processual, nos ditames legais e, ainda, de
acordo com os precedentes existentes.250
A preocupação deste juízo para a prolação desta decisão
interlocutória não agravável deve recair em pensar o judiciário como um único aspecto, almejando
proferir decisões que tenham uma integridade jurídica com as outras instâncias e que contenha uma
pronunciamento interlocutório?” ARAUJO, José Henrique Mouta. Mandado de Segurança. 5. ed. Salvador. Ed. JusPodivm. 2015. p.370
249“Esta opção do legislador de 2015 vai, certamente, abrir novamente espaço para o uso do mandado de segurança contra atos do juiz. A utilização desta ação para impugnar atos do juiz, no ordenamento jurídico ainda em vigor, tornou-se muito rara. Mas, à luz do novo sistema recursal, haverá hipóteses não sujeitas a agravo de instrumento, que não podem aguardar até a solução da apelação. Um bom exemplo é o da decisão que suspende o andamento do feito em 1º grau por prejudicialidade externa. Evidentemente, a parte prejudicada não poderia esperar.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários
ao novo código de processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015, p.1453 250 “A integridade e a coerência revelam-se, também, no enfrentamento dos argumentos suscitados para a formação da tese jurídica do precedente. Quanto mais argumentos suportem a tese jurídica firmada, mais consistente (íntegra e coerente) ela é.” DIDIER Jr. Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Teoria da Prova, direito probatório, dec18ão, precedentes, coisa julgada e tutela provisória. 10.ed. Salvador, JusPodivm, 2015. p. 318
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similitude jurisprudencial, justamente para, diante destas precauções, conter menos decisões
impugnadas e, se existirem estas, que menos ainda sejam anuladas/reformadas.
4.1 As decisões interlocutórias não agraváveis e as possíveis nulidades
Uma decisão sempre pode conter um vício causado pelo conteúdo ou pelo momento
processual em que se prolatou tal ato. A impugnação das decisões podem ser tanto no erro in
procedendo – intrínseco ou extrínseco – ou no erro in judicando. Na primeira hipótese, a parte
prejudicada pela decisão interlocutória alega que a decisão foi prolatada no momento ou de forma
equivocada, provocando uma necessidade de anulabilidade do ato decisório, com a necessidade de
sua revogação.251
Entretanto, esta somente acontecerá no julgamento da apelação ou das
contrarrazões, o que, em possível provimento das alegações recursais impugnativas às decisões
interlocutórias, o processo, em regra, voltará até o momento da decisão. Um exemplo de alegação
de um erro in procedendo seria a decisão que determina a repetição de um ato já coberto pela
preclusão, o que, procedimentalmente, não deveria existir, em regra.
Na segunda hipótese, na alegação do erro in judicando, o intuito da impugnação passa pelo
entendimento daquela parte recorrente de que o juízo de primeiro grau decidiu de maneira
equivocada,252
com a aplicação do direito de uma forma sobre a qual não seria o melhor
entendimento ou não coaduna com a jurisprudência/doutrina/legislação. O recurso, nesta alegação,
ataca o conteúdo da decisão, o teor que se extrai do ato, para argumentar-se que não houve uma
interpretação correta para aquele ato, eivando de um vício, mas, este, é de interpretação e aplicação
do direito, não do procedimento. Para termos uma melhor noção, um indeferimento de uma
produção de provas é um exemplo de uma decisão em que pode-se impugnar o conteúdo, os
motivos de tal indeferimento – alegando que havia motivos e direitos para o deferimento. O intuito
é demonstrar ao tribunal de que a decisão interlocutória foi equivocada na sua aplicação do direito.
De igual forma ao anterior, o erro in judicando, em caso de provimento, pode acarretar um
retrocesso da demanda ao momento em que a decisão interlocutória foi proferida, talvez, até, com a
251 “O erro in procedendo é uma alegação de um vício no procedimento, na atividade de andamento processual realizada pelo juízo da causa. O que se impugna na decisão, neste momento, não guarda relação com o teor ou o conteúdo e, sim, com sua forma ou na condução processual em questão.” LEMOS, Vinicius
Silva. Recursos e Processos nos Tribunais no Novo CPC. 2a. Edição. Editora Lexia, São Paulo. 2016. p. 117 252 “A impugnação é sobre a qualidade da decisão, colocando dúvidas sobre a interpretação jurídica realizada no ato decisório, impugnando de forma a argumentar que há saídas jurídicas mais pertinentes a serem aplicadas ao caso em si. O que se ataca nesta hipótese, é a substância do ato judicial, o teor do que se decide, alegando vício do juízo em sua argumentação jurídica.” LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais no Novo CPC. 2a. Edição. Editora Lexia, São Paulo. 2016. p. 118/199
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necessidade de mudar-se o rumo da demanda e seu procedimento, como no caso um indeferimento
de provas virar, por causa do provimento recursal, um deferimento, o que demonstra que aquela
prova deveria ser produzida e, agora, será produzida, anulando todos os atos processuais posteriores
àquela indeferimento anterior.
Em ambos os casos, qualquer que seja a fundamentação e o pedido recursal impugnativo da
decisão interlocutória não agravável, o eventual provimento judicial acarretará, em regra, em
nulidade dos atos posteriores àquela decisão, perfazendo uma necessidade de volta do processo ao
momento daquela interlocutória. Se levarmos em consideração que estas decisões somente são
impugnadas via recurso de apelação ou contrarrazões, ou seja, posteriores à sentença, esta também
cairá por terra, impactada pela anulabilidade do processo desde o momento da decisão interlocutória
recorrida.
Com a não preclusão, a apelação ou contrarrazões terão uma infinidade, como já vimos, de
temas para se impugnar dentro de uma demanda, já que, além da sentença, podem impugnar
quaisquer das decisões interlocutórias dentro do processo de conhecimento que não foram passíveis
de agravo de instrumento. Há uma insegurança de se saber quais destas decisões interlocutórias que
podem ser revistas, pelo fato de somente se estabilizarem caso as partes não a impugnem em um
eventual recurso – seja apelação ou contrarrazões, não recorram ou depois do julgamento do recurso
pelo tribunal.
O sentido de provisoriedade da decisão interlocutória não agravável deve atingir a prestação
jurisdicional? O juízo deve preocupar-se com a possibilidade anulabilidade da decisão? Diante da
sistemática do CPC/73, as decisões também eram passíveis de recorribilidade e, consequentemente,
anulabilidade. Todavia, os momentos de preclusão eram próximos da prolação das decisões, com a
estabilidade ou não do ato vislumbrado de maneira mais clara. Com isso, em tese, o juízo decidia
conforme tinha que decidir, sem preocupar-se com uma possível anulabilidade ou reversão via
recurso. E, mesmo que houvesse anulação ou reversibilidade da decisão, o impacto era deveras
menor do que será no CPC/2015.
A ampliação do impacto produzido pela reversibilidade da decisão interlocutória não
agravável, somente é comparável a que o agravo retido produzia, porém esta espécie mal era
utilizada no cotidiano forense, o que difere da situação que se desenha pelo CPC/2015, já que a
maioria das decisões interlocutórias serão impugnadas pela nova sistemática. Nesta possibilidade, o
juízo, de igual forma às partes, deve conduzir o processo com um estilo e intuito mais cuidadoso,
aplicando ainda mais o princípio da cooperação, disposto no artigo 6o, para prolatar uma decisão
mais ponderada e com a ciência de que a reversão causará um impacto ainda mais danoso à
celeridade processual e aos jurisdicionados ali litigantes.
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4.2 A necessidade de maior consciência decisória na interlocutória não
agravável
A preclusão tem função primordial ao processo,253
para conceder-lhe um funcionamento
para o futuro, com o procedimento caminhando para a busca de uma resolução, possibilitando a
finitude das impugnabilidades. Sem a preclusão – da prolação da decisão até a sentença – o sistema
recursal fica um tal alvoroçado, com uma série de novidades diversas e, consequentemente, uma
responsabilidade judicial maior.
A importância do instituto da preclusão é enorme, “é instituto complexo, fator estruturante
do procedimento”254
que serve como um “virar de página” processual, uma forma de possibilitar as
partes impugnar os atos e, não o fazendo, ultrapassar aquela fase com o andamento processual para
a busca de devido andamento processo. O processo não deve ater-se a pormenores, para não acabar
por sempre impor dificuldade o seu próprio trâmite.
Entretanto, a escolha foi por caminho inverso, por deixar-se para pós-sentença o momento
de poder revisitar todas as decisões interlocutórias não passíveis de agravo de instrumento. A
escolha pela não preclusão, alterando o regime destas, ocasiona um sistema complexo, mitigando o
próprio instituto e criando uma possibilidade de reversão da decisão em momento muito posterior,
deixando as decisões interlocutórias com um ar de provisoriedade.
De certa maneira, com esta escolha pela taxatividade de um lado e a não preclusão das
demais decisões, o manuseio processual, por todos os atores da demanda, deve ser mais cuidadoso,
com a condução pelas partes de um processo que contenha menos incidentes e com uma busca mais
coesa e oriunda da boa-fé processual.
Se a boa-fé é essencial para o novo ordenamento, vislumbrando as partes com um litígio
mais condizente com a lealdade processual, no tocante às decisões interlocutórias não agraváveis, o
juízo – ator primordial do processo – tem uma responsabilidade ainda maior, com a necessidade de
uma análise ainda mais minuciosa e acrescida de fatores antes não conhecidos, como a sensação de
253 “A preclusão desempenha fundamental papel na ordenação e no devido processo legal, “garantindo seu avanço contínuo e evitando agires desordenados, que comprometeria seus resultados.” (…) Não pairam dúvidas sobre a importância do instituto da preclusão para a celeridade, razoável duração e efetividade do processo, que somada à justiça na prestação jurisdicional, tem o tripé de sustentação para um processo
qualificado.” JOBIM, Marco Felix. CARVALHO, Fabricio de Farias. A disciplina dos agravos no novo código de processo civil. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.6 - Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Editora JusPodivm, Salvador, 2015 p. 633 254 NUNES, Dierle José Coelho. Preclusão como fator de estruturação do procedimento. Estudos continuados de teoria do processo. Vol. IV. Porto Alegre Síntese, 2004.
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provisoriedade das decisões e a possibilidade aberta de impugnabilidade posterior de cada uma
destas.
O zelo decisório na interlocutória não agravável deve ser ainda maior, com uma amplitude
de critérios que não faziam parte do cotidiano dos magistrados, com a necessidade de uma visão
maior do aspecto decisório, justamente pela relação com a não preclusão e a possibilidade de
reversibilidade daquele ato. A retirada da técnica preclusiva tangencia o processo de um caminho de
certezas processuais com a consumação e perfeição do ato realizado, para um sistema de
rediscussão posterior de diversos atos, acarretando uma nova visão processual, sem preclusão e com
impugnações posteriores.
Não pode o juízo de primeiro grau sentir-se absoluto nas decisões interlocutórias que não
são passíveis de agravo de instrumento. A ponderação e a visão processual devem ser
preponderantes, limitando a liberdade decisória e o anseio por um processo mais célere. A medida
deve ser ater-se sempre a entender que cada decisão não agravável poderá ser revista
posteriormente, com a necessidade do máximo de conjuntura entre este ato, seus precedentes e o
direito posto. Evidentemente que a responsabilidade do juízo de primeiro grau ganha um fator
importante na medida que o seu poder decisório também aumenta. Maiores poderes, maiores
responsabilidades.
A possibilidade quase que perene da impugnabilidade das decisões interlocutórias ressalta a
importância de uma capacidade decisória ainda maior do juízo, com uma visão processual ainda
mais aguçada e a preocupação da condução processual além daquele momento, com a necessidade
de imaginar-se um sistema sem preclusão até o momento da apelação, com uma responsabilidade
maior pelas decisões. É uma brutal mudança na sistemática decisória, devendo ser assim encarada
pelos magistrados, como uma nova forma de decidir no processo, sem as certezas processuais da
preclusão, caminhando por pedras inconstantes que podem voltar sempre à tona.
Essa é a nova realidade do processo de conhecimento e suas decisões interlocutórias: um ar
total de provisoriedade até o momento preclusivo da apelação.
5. BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, José Henrique Mouta. Os pronunciamentos de mérito no novo CPC: reafirmação de um
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| Voltar ao sumário 244 Aspectos polêmicos do novo CPC
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________. PL 8.046/10. Projeto do Novo Código de Processo Civil.
DECOMAIN, Pedro Roberto. Decisões interlocutórias, agravo de instrumento e mandado de
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HILL, Flávia Pereira. Breves comentários às principais inovações aos meios de impugnações de
decisões das decisões judiciais no Novo CPC. Doutrina Selecionada - v.6 - Processo nos
Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Organizadores: DIDIER JR., Fredie;
FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Editora JusPodivm,
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JOBIM, Marco Felix. CARVALHO, Fabricio de Farias. A disciplina dos agravos no novo código
de processo civil. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.6 - Processo nos Tribunais e
Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE,
Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Editora JusPodivm, Salvador, 2015
LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais no Novo CPC. 2a. Edição. Editora
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NUNES, Dierle José Coelho. Preclusão como fator de estruturação do procedimento. Estudos
continuados de teoria do processo. Vol. IV. Porto Alegre Síntese, 2004.
RUBIN, Fernando. As decisões interlocutórias e a aplicação da técnica preclusiva no Novo CPC
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processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015.
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AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AUTOS
ELETRÔNICOS: A POSSIBILIDADE DE
INTERPOSIÇÃO SEM A INTIMAÇÃO DA DECISÃO
INTERLOCUTORY APPEAL IN ELECTRONIC PROCESS: THE POSSIBILITY
INTERPOSITION WITHOUT THE INTIMATION OF DECISION
Vinicius Silva Lemos255
RESUMO: Este artigo analisa o agravo de instrumento, a permanência da exigência de cópias obrigatórias no processo físico e a relativização no processo eletrônico e as consequências destas inovações, mediante a conjunção da validade do ato realizado antes do início do termo e o impacto quando houver a desnecessidade da juntada de cópias obrigatórias. Palavra-Chave: Agravo de Instrumento; Cópias Obrigatórias; Autos Eletrônicos; Flexibilização.
ABSTRACT: This article analyzes the interlocutory appeal, the permanence of the requirement of copies required at the physical process and the relativization on the electronic process and the consequences of these innovations, through the combination of the validity of the act done before the commencement of the term and the impact when the exemption from spliced of copies required.
Key Words: interlocutory appeal; copies required; Electronic process; Flexibility.
1. INTRODUÇÃO
O CPC/2015 trouxe uma série de inovações na sistemática processual, com mudanças
paradigmáticas, com um desenho de uma nova ordem legislativa. Não foi somente meras alterações
numéricas ou de posicionamento de artigos, as alterações foram drásticas e profundas, com a
intenção de mudar a realidade da efetividade processual brasileira.
255Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela
Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
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Um dos pontos mais impactados, talvez o mais, foi a fase recursal, em especial, o agravo de
instrumento, o qual sofreu alterações intensas, desde a nova conceituação da decisão interlocutória,
a escolha por um rol taxativo de recorribilidade desta via agravo de instrumento, a extinção da
espécie retida de interposição, dentre outras alterações.
Uma nova realidade, praticamente um novo recurso dentro de uma recorribilidade
totalmente novel para as decisões interlocutórias.
Neste artigo, a delimitação passa pela relação do agravo de instrumento com os autos
eletrônicos e como quais as modificações procedimentais que impactam a recorribilidade das
decisões interlocutórias quando houver processo virtual em primeiro grau, não somente com a
desnecessidade das cópias obrigatórias, mas, sobretudo, como isso cria uma relação com a
intimação e, também, da desnecessidade desta para a interposição do agravo de instrumento, quando
em autos eletrônicos.
2. O AGRAVO DE INSTRUMENTO NO CPC/2015
O agravo de instrumento é o remédio processual voluntário competente para a impugnação
das decisões interlocutórias do processo de conhecimento, em hipóteses determinadas no art. 1.015,
e das decisões interlocutórias da fase de liquidação ou cumprimento de sentença, do processo de
execução ou inventário pela parte prejudicada256
.
Essa é a nova conceituação do agravo de instrumento diante das alterações provenientes do
CPC/2015, inclusive na própria conceituação das decisões interlocutórias, passando esta a ser
qualquer decisão proferida pelo juízo de primeiro grau que não seja caracterizada como uma
256 “Chama-se agravo porque é recurso destinado a impugnar ato decisório do juiz, causador de gravame ou prejuízo ao litigante, e de instrumento porque, diversamente dos demais recursos, não se processa nos próprios autos em que foi proferida a decisão impugnada, mas sim em autos apartados...” SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil: adaptadas ao novo código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 3. v., 8. ed. 1985. p. 129. Ainda sobre o CPC/73: “Agravo é o recurso cabível contra as decisões
interlocutórias (art. 522), ou seja, contra os atos pelos quais o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente (art. 162, § 2°).” THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. v. I, 51 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010. p. 609. Já sobre o CPC/2015, o agravo de instrumento tem outras possibilidades: “Somente são agraváveis as decisões nos casos previstos em lei. As decisões não agraváveis devem ser atacadas na apelação. As hipóteses de agravo estão previstas no art. 1.015 do CPC/2015; nele, há um rol de decisões agraváveis. Não são todas as decisões que podem ser atacadas por agravo de instrumento. Esse regime, porém, restringe-se à fase de conhecimento, não se aplicando às fases de liquidação ede
cumprimento da sentença, nem ao processo de execução de título extrajudicial. Nestes casos, toda e qualquer decisão interlocutória é passível de agravo de instrumento. Também cabe agravo de instrumento contra qualquer decisão interlocutória proferida em processo de inventário (art. 1.015,parágrafo único, CPC/2015, para todas essas ressalvas).” CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JR, Fredie. Agravo de instrumento contra decisão que versa sobre competência e a decisão que nega eficácia a negócio jurídico processual na fase de conhecimento. Revista de Processo | vol. 242 2015 | p. 275 - 284 | Abr / 2015. p. 275/276
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sentença257
. Com isso, a modificação258
foi intensa na modalidade do agravo de instrumento, com
alterações significantes no instituto em si.
Com a extinção do agravo retido259
, não há mais a comparação entre os agravos como a
norma anterior previa260
, somente a via instrumental continuou com vigente, não havendo mais
dúvidas sobre qual o agravo a ser interposto nas decisões interlocutórias do juízo de primeiro grau,
tampouco persiste a necessidade de grave lesão ou difícil reparação. O instituto recursal continua
como a maneira adequada a se atacar a decisão interlocutória, mas sua reformulação foi profunda, já
que na fase de conhecimento, não são todas as decisões que comportam a recorribilidade via agravo
de instrumento.
Sai o critério subjetivo,261
anteriormente necessário, para alterar a forma recursal com a
criação de um cabimento com critérios objetivos, seja dentro da fase de conhecimento, com onze262
possibilidades taxativas de interposição deste agravo, ou em qualquer decisão interlocutória nas
fases de liquidação ou cumprimento de sentença e nos processos de execução ou inventário. Sai a
subjetividade, entra a objetividade, tornando um recurso com adequação mais óbvia, apesar de a
257 “Em suma, decisão interlocutória é aquela pela qual um incidente processual é resolvido. Já por
questão incidente cabe entender não apenas aquelas que o sejam em sentido próprio, mas também as demais “relativas a providências cautelares, ao desenvolvimento da relação processual e à formação do material instrutório”, como lembrado por Hélio Tornaghi. No Código novo, a seu turno, o respectivo conceito é fornecido por exclusão, na medida em que, no parágrafo 2 o do art. 203, afirma que constitui decisão interlocutória “toda pronunciamento judicial de natureza decisória” que não seja sentença.” DECOMAIN, Pedro Roberto. Decisões interlocutórias, agravo de instrumento e mandado de segurança no Novo CPC. Revista Dialética de Direito Processual nº 153, v. 115-127, dez-2015. São Paulo. p.116 258“Com o Código de Processo Civil de 2015, está esvaziado um pouco mais o cabimento de recurso em
relação às interlocutórias de primeiro grau, ao consagrar: (a) maior restrição ao recurso de agravo de instrumento (art. 1.015), (b) extinção do agravo retido, (c) revisão do regime de preclusão, (d) a ampliação do efeito devolutivo por profundidade do recurso de apelação (art. 1.009) e das contrarrazões.” ARAUJO, José Henrique Mouta. A recorribilidade das interlocutórias no NOVO CPC: variações sobre o tema Revista De Processo | vol. 251/2016 | p. 207 - 228 | Jan / 2016. p. 252.
259 “Com o fim do agravo retido, a impugnação das decisões interlocutórias que não são agraváveis por via instrumental acontecerá pela arguição na preliminar da apelação, devolvendo a matéria para o tribunal.”
LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no Novo CPC. 2a. ed. São Paulo. Ed. Lexia, 2016. p. 167. 260 Código de 1973 – Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. 261 “O agravo de instrumento passou, então, a ser a modalidade excepcional, cabível apenas quando se
tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida.” DONOSO, Denis. O novo regime de interposição do agravo contra as decisões de primeiro grau. A importância da audiência de instrução e julgamento e a maior relevância da atuação do advogado. p. 7-14 Dialética 41agosto 2006. p. 8 262 Comentário do autor: onze elencadas no artigo 1.015 e veremos mais duas hipóteses também delineadas no código, a do art. 354, parágrafo único e a do art. 1.037, § 13º, I.
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| Voltar ao sumário 248 Aspectos polêmicos do novo CPC
mudança criar possibilidades de confusões processuais, principalmente sobre as decisões não
agraváveis263
.
Ao limitar o agravo de instrumento na fase de conhecimento, o momento mais importante do
contraditório, no qual se realiza a instrução probatória, em possibilidades limitadas que teriam mais
urgência e impossibilidade de se esperar a apelação, deixou-se diversas possibilidades recursais das
decisões interlocutórias de lado, atrelando-as para a sentença e, consequentemente, para a apelação
ou contrarrazões264
.
O rol taxativo limita as partes, concedendo poderes maiores ao juízo de primeiro grau, que
pode proferir decisões que, agora, mesmo durante a instrução processual, não podem ser atacadas
por recursos, ao menos, não naquele momento265
. As questões decididas durante o processo de
conhecimento que não estejam no rol taxativo imposto no artigo 1.015, terão de esperar a formação
da sentença para serem impugnáveis, o que somente na prática poderemos analisar como funcional
ou não266
. A escolha pela rol taxativo é uma aposta, uma solução proposta, talvez vejamos na
263 “As decisões interlocutórias, no entanto, têm formas diferentes de recurso a partir da nova
codificação. As hipóteses previstas no artigo 1015, seus incisos e parágrafo único serão atacados pelo agravo de instrumento, as demais hipóteses de decisões interlocutórias serão atacadas via apelação ou outra forma de impugnação que a parte entenda como possível, pelo fato de não haver a preclusão sobre sua matéria, sendo possível a rediscussão neste recurso de acordo com o artigo 1009, § 1º, quando do momento propício para tal recurso, após a sentença.” LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e processos nos tribunais no Novo CPC. 2a. ed. São Paulo. Ed. Lexia, 2016. p. 167. 264 “Não se deve estranhar: como visto em item precedente, no sistema do Código de Processo Civil de 2015, a apelação é um recurso que também serve à impugnação de decisões interlocutórias – aquelas não
impugnáveis por agravo de instrumento.” CUNHA, Leonardo Carneiro da. DIDIER JR, Fredie. Apelação contra a decisão interlocutória não agravável: a apelação do vencido e a apelação subordinada do vencedor. Revista de Processo 2015 RePro n. 241 RT p. 237. 265 “O CPC/2015 contém relevante modificação relativamente ao sistema de recorribilidade das decisões interlocutórias que culmina por afetar a amplitude do recurso de apelação, alargando-a. Com efeito, ao contrário do que sucede no CPC/1973, as decisões interlocutórias não serão, em regra, passíveis de recurso de agravo (no CPC/2015, agravo de instrumento): serão objeto de impugnação ou no bojo da apelação, em
capítulo preliminar próprio, ou nas contrarrazões. O CPC/2015, portanto, torna absolutamente excepcionais as hipóteses de interposição de recurso em separado (agravo de instrumento) em face de decisões interlocutórias.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015, p.1439/1440. 266 “O que fazer com o agravo? (…) Militantes da advocacia (privada ou pública) preferirão, na maior parte, a adoção do sistema da recorribilidade imediata; ou até mesmo o intermediário, com a mais ampla
liberdade de escolha, de tal modo que possam fazer uso da melhor estratégia possível. Membros do Poder Judiciário tendem a eleger como predileto o sistema de irrecorribilidade, concentrando os questionamentos num recurso único. Mas tais posições resultam muito mais das conveniências profissionais de cada um do que propriamente de um convencimento científico. (…) Pode mudar a lei à vontade, porque, na prática, nada mudará.” DONOSO, Denis. Recorribilidade das decisões interlocutórias de primeiro grau: o agravo em perspectiva. p.9-22 Revista Dialética n 127. Outubro/2013 p.22
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| Voltar ao sumário 249 Aspectos polêmicos do novo CPC
prática uma enxurrada de mandados de seguranças267
ou agravos de instrumentos aceitos quando a
lei não autoriza. São reflexos que os casos em concreto nos brindarão.
2.1 O trâmite do agravo de instrumento no CPC/2015
O agravo de instrumento teve a modificação do seu praz de interposição o para 15 dias,
mediante a regra do art. 1.003, § 5º, válida para todos os recursos, menos os embargos de
declaração. A contagem do prazo realiza-se da intimação da decisão a ser agravada. A petição de
interposição deve ser dirigida para o tribunal, em petição escrita endereçada ao presidente ou vice- -
presidente do órgão em questão, instruída com as qualificações das partes, com as razões de fato e
de direito e os motivos de impugnação sobre a decisão interlocutória a ser impugnada no presente
ato, bem como o pedido pelo qual delimita o mérito recursal.
O agravo ao ser protocolado diretamente no tribunal, ou de outras maneiras, ao chegar ao
tribunal, é distribuído por sorteio, com a escolha do órgão e relator, caso não tenha já outro recurso
do mesmo processo já julgado, o que ocasiona a distribuição por prevenção. Com a publicação da
distribuição para ciência das partes sobre a interposição do agravo e sua localização física, é
remetido para a secretaria do órgão fracionário vinculado pela distribuição.
Ao ser concluso ao relator, este pode decidir monocraticamente o recurso no intuito de não
conhecer do recurso, caso este seja inadmissível ou negar provimento ao mesmo, se houver
confronto com precedentes judiciais de tribunais superiores e do próprio tribunal. Não sendo
nenhuma destas hipóteses contidas nos incisos do art. 932, o relator, no prazo de cinco dias, em
hipótese de requerimento da parte, pode atribuir efeito suspensivo ao recurso, diante da
possibilidade evidente de grave lesão ao recorrente, ou ainda, decidir pelo deferimento da
antecipação da tutela recursal, de forma total ou parcial.
Após, cumprindo o contraditório, intima-se o agravado oportunizando a apresentação das
contrarrazões recursais, no prazo igual de 15 dias, utilizando, neste caso, os dados indicados no
recurso sobre o advogado da parte.
O Ministério Público, nas hipóteses em que atua como fiscal da ordem jurídica, deve ser
intimado também para conceder parecer ministerial em 15 dias. Realizada a intimação do agravado
para contrarrazões, no prazo de 30 dias, o relator deve pedir inclusão do processo na pauta para
julgamento do recurso.
267 “Será que, mais uma vez, não se estará dando margem para utilização do mandado de segurança contra ato judicial, a partir do momento em que se veda o manejo de recurso imediatamente após o pronunciamento interlocutório?” ARAUJO, José Henrique Mouta. Mandado de Segurança. 5. ed. Salvador. Ed. JusPodivm. 2015. p.370.
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2.2 A manutenção e a ampliação das cópias obrigatórias no CPC/2015
O agravo de instrumento é um recurso que tem um trâmite em segundo grau, porém com o
processo continuando com a jurisdição em primeiro grau, ou seja, correndo em paralelo. Pertinente
se faz, então, que o recorrente retire cópias do processo para instruir o recurso, possibilitando a
análise pelo tribunal. O CPC/2015, mantendo a regra do código anterior, estipula quais são as
peças-chave268
para a interposição recursal, sem as quais, se torna inviável a análise pelo tribunal. O
art. 1.017, I trouxe a estipulação dos documentos: “obrigatoriamente, com cópias da petição inicial,
da contestação, da petição que ensejou a decisão agravada, da própria decisão agravada, da certidão
da respectiva intimação ou outro documento oficial que comprove a tempestividade e das
procurações outorgadas aos advogados do agravante e do agravado;”
Sem esses documentos, não há análise do agravo de instrumento pelo juízo ad quem,
impactando negativamente na interposição recursal, importando em seu não conhecimento,
tornando-as peças obrigatórias. No CPC/2015, houve ampliação269
dos documentos de preparação
do agravo de instrumento, com a inclusão da petição inicial, contestação e a petição que gerou a
decisão a ser agravada.
Destes novos documentos, agora necessários para a preparação do agravo de instrumento,
pertinente destacar a inclusão da petição que enseja a decisão a ser agravada, com o intuito de
demonstrar qual o pedido que originou a decisão impugnada. Importante, também, salientar a
mudança de certidão de intimação para qualquer outro documento oficial que comprove
tempestividade, abrindo um leque de possibilidades mais reais com os processos no dia a dia, não
guardando uma formalidade desnecessária, simplesmente aceitando documento que comprove ato
equivalente à certidão ou que comprove que quando o prazo iniciou-se, o verdadeiro intuito da
questão.
268 ”Por óbvio, cuida-se de peças que instruem o recurso a fim de permitir a verificação de alguns de
seus requisitos de admissibilidade, bem como visualizar o posterior exame dos fundamentos da postulação (forma-se o instrumento). O motivo de existirem peças ditas obrigatórias repousa no fato de que, os autos originais, permanecem no juízo de origem, de modo que o juízo ad quem não seria possível fiscalizar a admissibilidade do recurso sem que esteja acompanhado de determinados documentos.” PEREIRA, Mateus Costa. Da exigência contida no art. 526 do CPC e as razões em que se funda: uma análise sob a perspectiva do juízo de admissibilidade dos recursos. p.88-97 Revista Dialética n 87. junho/2010 p.90 269“a quantidade de peças obrigatórias exigidas pelo art. 1.017, I, aumentou em relação ao dispositivo
equivalente na legislação revogada, pois passou a incluir a petição inicial, a contestação e a petição que ensejou a decisão agravada, a demonstrar que as peças obrigatórias passam também a ter um papel relevante não apenas no juízo de admissibilidade, mas também no de mérito.” SICA, Heitor Vitor Mendonça. Recorribilidade das interlocutórias e sistema de preclusões no Novo CPC – primeiras impressões. http://genjuridico.com.br/2016/04/07/recorribilidade-das-interlocutorias-e-sistema-de-preclusoes-no-novo-cpc-primeiras-impressoes/
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As demais inclusões – petição inicial e contestação – entendemos que não foram pertinentes,
já que essa necessidade demonstra uma inutilidade na maioria dos casos em que se possibilitou a
interposição do agravo de instrumento ou, ainda, nas hipóteses de decisões na fase de liquidação ou
cumprimento de sentença, para cumprir os requisitos juntar-se-á uma petição que nada guarda com
o contexto da própria pretensão recursal.
Vale destacar que sempre houve a possibilidade da inclusão de outros documentos nos
agravos, caso o recorrente entendesse como necessário, hipótese em que seria pertinente anexar a
petição inicial ou a contestação, tornando tais requisitos como imposições desnecessárias. Logo, a
regra que permite a inclusão de qualquer outro documento persiste270
.
Uma novidade salutar está na hipótese em que qualquer um desses documentos obrigatórios
inexistir no processo271
, com a inovação da simples declaração por escrito do advogado272
recorrente salientando a inexistência já supre a ausência de tal documento, como na ausência de
procuração da outra parte por ainda não ser realizada a citação ou no caso de revelia sem
constituição de advogado. Se o documento existir, o que reputaria numa declaração equivocada, o
agravante, nesta hipótese, pode impugnar pela má-fé, bem como a inadmissibilidade do recurso.
No momento do protocolo, em anexo, deve vir o comprovante de pagamento das custas
pertinentes à interposição do agravo de instrumento. O local do protocolo pode variar, mesmo sendo
dirigido ao tribunal de segundo grau, este, geralmente, localiza-se nas capitais, e, pela urgência do
recurso, outras hipóteses de protocolo serão aceitas para melhor manejar o recurso, como preconiza
o art. 1017, § 2º273
.
2.3 A flexibilização da juntada dos documentos obrigatórios: o princípio da primazia de mérito no agravo de instrumento
270 “Permite-se a ele, ainda, instruir seu recurso com as cópias facultativas, consistentes em quaisquer outras peças, cuja juntada lhe pareça conveniente para contribuir na formação do convencimento do tribunal. Ao agravado também se confere a possibilidade de juntar cópias facultativas.” CUNHA, Leonardo Carneiro
da. O agravo de instrumento e as peças que a instruem. Revista Dialética n.2 São Paulo, p. 85. 271 “A ausência de peças obrigatórias poderá ser objeto de declaração por parte do procurador do agravante (CPC, art. 1.017, inc. II). A prerrogativa conferida ao advogado do agravante afasta a necessidade de certidões explicativas para fins de chancelar a situação envolvendo o documento faltante.” KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Sistema Recursal CPC 2015: em conformidade com a Lei 13.256/2016. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 178. 272 “Caso inexistente um desses documentos, deverá o advogado do agravante declará-lo (cf. inc. II do
art. 1.017 do CPC/2015).” MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 4ª Edição. RT: São Paulo. 2015. p. 921 273 Art. 1017. (..) § 2º No prazo do recurso, o agravo será interposto por: I – protocolo realizado diretamente no tribunal competente para julgá-lo; II – protocolo realizado na própria comarca, seção ou subseção judiciárias; III – postagem, sob registro, com aviso de recebimento; IV – transmissão de dados tipo fac-símile, nos termos da lei; V – outra forma prevista em lei.
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O CPC/2015, com seu viés da instrumentalidade das formas, com base no princípio da
primazia de mérito, relativiza a consequência da existência de vício na interposição do recurso em
regra. Não há mais um caminho rigoroso, com uma inadmissibilidade sumária pela existência de
erros. O processo deve buscar o julgamento de mérito, menos formalidade, mais julgamento de
direito material. Não se deve esquecer que o processo é mero caminho para a busca da resolução de
um conflito de interesse.
Dessa forma, com base no parágrafo único do art. 932274
, permitir-se-á ao recorrente sanar a
irregularidade no prazo de cinco dias, a contar da intimação para tal feito. Não acarreta mais uma
inadmissibilidade sumária, oportunizando ao recorrente uma chance para correção recursal. Uma
busca pelo aproveitamento recursal, uma forma de julgar ao máximo o mérito, motivo pelo qual o
recurso existe, realizando efetivamente a revisão da decisão.
Não é faculdade do relator abrir esse momento para regularização do vício, mas um dever.
Constatada irregularidade sanável, o relator não pode inadmitir o recursal sem a oportunidade para
saneamento do vício275
. Óbvio que esta oportunidade é preclusiva, encerrando-se com a correção do
vício ou com o transcurso do prazo quando de sua inércia. Tem valor para todos os recursos,
permitindo aos tribunais utilizarem em qualquer recurso. O intuito é possibilitar em todas as esferas
recursais o máximo aproveitamento, com a realização do julgamento do mérito recursal.
Evidente que não pode ser um requisito que inviabiliza o recurso em si, como a
intempestividade, mas algum vício sanável que impossibilite um não conhecimento sumário, mas
permita a sua saneabilidade, como a juntada de procuração/substabelecimento, complementação ou
pagamento das custas, indicação do pagamento correto da guia de preparo, adequação recursal no
caso da fungibilidade dos recursos excepcionais, dentre outras276
.
Não há uma delimitação de qual vício pode ser corrigido ou, simplesmente, relativizado,
variando em cada caso. Quanto menos grave o vício a ser sanado, maior a possibilidade de utilizar
esta relativização para almejar o julgamento recursal.
274 Art. 932. (..) Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível. 275 Enunciado n.º 82 do FPPC: É dever do relator, e não faculdade, conceder o prazo ao recorrente para sanar o vício ou complementar a documentação exigível, antes de inadmitir qualquer recurso, inclusive os excepcionais.
276 “O que a jurisprudência defensiva faz, em geral, é dar importância exacerbada à forma processual, em situações nas quais essa forma, e a relevância que se lhe atribui, em nada contribuem para o atendimento das apontadas finalidade.” MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Os recursos no novo CPC e a “jurisprudência defensiva”. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.6 - Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Editora JusPodivm, Salvador, 2015. p.201.
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No agravo de instrumento277
, especificadamente, o princípio da primazia de mérito tem
importância enorme, mudando a visualização extremamente formal dessa possibilidade recursal,
sobretudo sobre a sua instrumentalidade, com a criação de um novo procedimento e a necessidade
de se extrair cópias do processo principal de primeiro grau.
Dessa maneira, com este princípio, não há mais a inadmissibilidade sumária quando houver
a possibilidade corrigir um equívoco, como na falta de algum documento obrigatório para a
interposição do agravo de instrumento. Se falta algum documento, mediante a leitura do art. 1.017,
§3°, não há possibilidade de denegar sumariamente o recurso, abre-se o prazo de 5 dias278
,
concedendo a possibilidade de correção, prevenindo uma inadmissibilidade279
.
Este seria o exemplo mais geral do agravo de instrumento, mas tem valor para todas as
outras possibilidades denegatórias do agravo de instrumento, como correção das custas, guia de
preparo, petição de informação, dentre outras.
2.4 A ciência da decisão a ser agravada como requisito de admissibilidade do
recurso
Com a manutenção das cópias obrigatórias como requisito de admissibilidade do agravo de
instrumento, mediante o art. 1.017, I, se o processo em primeiro grau for físico, o recorrente deve
comprovar, no ato recursal, que foi intimado da decisão interlocutória que pretende impugnar,
conclusão lógica da manutenção da juntada “da certidão da respectiva intimação.” Logo, no
processo físico, enquanto a parte não for intimada, não há possibilidade de interposição do agravo
de instrumento, justamente pela impossibilidade lógica de se cumprir o requisito da juntada da
intimação.
Sem intimação da parte que pretende recorrer, não há possibilidade, ainda, de interposição
recursal. Dessa maneira, conclui-se que não somente a comprovação da intimação da decisão
interlocutória é requisito de admissibilidade do agravo de instrumento, mas a própria intimação
277 “O § 3º do art. 1.017 do CPC, alinhado com outros dispositivos correlatos (CPC, 932, § único), corrobora o princípio da primazia em prol do julgamento de mérito. Assim, na falta de traslado de qualquer ou no caso de algum outro vício que comprometo a admissibilidade do agravo de instrumento, deve o relator aplicar o disposto no art. 932, § único, concedendo o prazo de 05 (cinco) dias para que seja sanada a questão ou complementada a documentação.” KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Sistema Recursal CPC 2015: em conformidade com a Lei 13.256/2016. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 178.
278 Enunciado n.º 278 do FPPC: O CPC adota como princípio a sanabilidade dos atos processuais defeituosos. 279 “O §3° do art. 1.017 cuida da possibilidade de eventuais vícios na formação do instrumento serem sanados por determinação do relator. É interpretação que decorre do art. 515, § 4°, do CPC atual, mas cuja explicitação, com expressa remissão ao parágrafo único do art3 932, é bem-vinda.“ BUENO, Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 655.
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também é, já que sem a existência desta, impossível se conseguir a certidão ou documento que a
comprove.
2.5 A desnecessidade de cópias obrigatórias quando os autos forem
eletrônicos
O CPC/2015, mediante o art. 1.017, § 5º, positiva que sendo os autos eletrônicos, a juntada
de documentos do agravo de instrumento não é obrigatória, já que o relator280
tem acesso aos dados
do processo para consulta pelo próprio sistema processual eletrônico, sem necessidade281
de
instrução do agravo neste caso. Continua, no entanto, a possibilidade de juntar outros documentos
que ajudem na compreensão do caso, o que não estão no processo em si, mas que guardam
pertinência com a situação recursal.
O intuito dessa dispensa é a desnecessidade do recorrente de realimentar o sistema, ao
interpor o agravo de instrumento, imaginando que o relator tenha acesso ao processo em primeiro
grau282
, o que tornaria uma duplicidade inócua fazer o upload no sistema em segundo grau, sendo
que está disponível em primeiro grau283
.
Entretanto, há a dúvida: quando se fala em autos eletrônicos seriam em primeiro grau,
segundo grau ou ambos? No mínimo, necessita que o primeiro grau seja eletrônico, sendo que sem
este ter essa facilidade, não há como aplicar essa regra. Prudente seria pensar que é necessário
280 Comentário do autor: há, em alguns tribunais, principalmente aqueles que tem o sistema do PJe, problemas sistêmicos, de que o relator não tinha, no início da vigência do CPC/2015, acesso total ao primeiro grau, mas tão somente consulta normal como qualquer indivíduo, o que demonstra o espírito, por vezes, reativo dos tribunais em somente adaptar-se depois da realidade posta. 281 “Interposto agravo de instrumento em processo que tramite em autos eletrônicos, não há mais qualquer exigência. O agravante deve atender apenas aos requisitos previstos no art. 1.016 do CPC, sendo-
lhe franqueada a possibilidade de fazer juntar cópias ou documentos que repute úteis para a análise a ser feita pelo tribunal.” CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p.232. 282 “Primeiramente porque, a exemplo Sistema de Transmissão Eletrônica de Atos Processuais da Justiça Federal da Primeira Região - e-PROC, no ato da interposição do recurso, ao advogado é possível vincular diretamente de seu portal, no ato do peticionamento eletrônico, as peças do processo de origem,
dentre elas, naturalmente, as obrigatórias e as facultativas. Em segundo lugar, em se tratando os autos digitais na instância de origem, é possível ao magistrado de instância superior consultá-lo a fim de constatar não só as peças obrigatórias, mas também as facultativas e necessárias à tese sustentada.” LOPES, Leopoldo Fernandes da Silva. O Agravo de Instrumento no processo eletrônico à luz do Novo Código de Processo Civil. http://flcadvogados.adv.br/pt/publicacoes/o-agravo-de-instrumento-no-processo-eletronico-a-luz-do-novo-codigo-de-processo-civil-13 283“A rigor, à luz do CPC de 2015, essa classificação se torna desnecessária, seja porque o §3º do art. 1.014
obriga o relator a oportunizar ao recorrente a complementação do instrumento sem limitar às peças facultativas, seja porque o §5º dispensa a apresentação de cópias no agravo de instrumento interposto contra decisão proferida em autos digitais, cabendo ao tribunal consultá-los diretamente.” SICA, Heitor Vitor Mendonça. Recorribilidade das interlocutórias e sistema de preclusões no Novo CPC – primeiras impressões. http://genjuridico.com.br/2016/04/07/recorribilidade-das-interlocutorias-e-sistema-de-preclusoes-no-novo-cpc-primeiras-impressoes/
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também que a interposição seja, de igual maneira, eletrônica em segundo grau, completando a
desnecessidade. Contudo, não vejo óbice de que se o primeiro grau for eletrônico e o segundo não,
de que se tenha a aplicabilidade do art. 1.017, § 5º, com a dispensa da juntada de cópias obrigatórias
pelo agravante.
3. O ART. 218, § 4º E A POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DO ATO ANTES
DO INÍCIO DE SEU PRAZO
Na época do CPC/73, no entendimento especialmente dos tribunais superiores284
, quando
antes do início de seu prazo, sem ainda ter ocorrido a publicação oficial, contudo com a
disponibilização do conteúdo do acórdão nos autos, se a parte interpusesse o recurso excepcional
neste lapso temporal, entre a decisão já estar vinculada ao processo – físico ou eletrônico, porém
início oficial do prazo, atuando de forma diligente, antecipando o ato, dando-se por intimado, ainda
assim, o recurso era considerado intempestivo285
, por não ser interposto dentro do prazo.
Se levarmos em consideração a semântica da intempestividade, a interpretação estava, de
certo modo, correta, pelo fato de antes do prazo, ser também fora dele, gerando, dessa maneira,
realmente uma intempestividade. Contudo, dois pontos importantes eram acertadamente
argumentados: a validade da interposição como a própria cientificação pela parte da intimação,
tornando a decisão válida a partir daquele momento286
e a diligência da parte em querer antecipar o
prazo, não causaria nenhum prejuízo ao processo, devendo, por isso, considerar-se como um ato
com total eficácia287
.
No entanto, apesar de argumentos pertinentes, o STJ e o STF mantinham o entendimento de
que o recurso somente era possível a interposição de um recurso, com a devida publicação do
284 Comentário do autor: apesar da jurisprudência pacificada do STJ, STF e TST, os tribunais de segundo grau não tinham esse entendimento, com maior flexibilização sobre a interposição de recursos antes da publicação da sentença, por exemplo. 285“Os fundamentos que dão suporte a essa orientação jurisprudencial põem em evidência a circunstância de
que a publicação do acórdão gera efeitos processuais específicos, pois, além de formalizar a integração dessa peça essencial ao processo, confere-lhe existência jurídica e fixa-lhe o próprio conteúdo material. É mediante a efetiva ocorrência dessa publicação formal que se viabiliza, processualmente, a intimação das partes, inclusive para efeito de interposição dos recursos pertinentes”. Cf. STF AI 606790 RS, ReL. Min. Celso de Mello, DJe 06/04/2010.
286 “Os fundamentos não se sustentam, até mesmo pela irrazoabilidade: se o recurso foi interposto, o recorrente dera-se por intimado da decisão independentemente e publicação.” CUNHA, Leonardo José
Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 9ª ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 58/59 287 “O Código adotou o princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual que importa é a finalidade do ato e não ele em si mesmo considerado. Se puder atingir sua finalidade, ainda que irregular na forma, não se deve anulá-lo.” NERY JUNIOR, Nelson Nery; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 513
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acórdão e o início do prazo, não admitindo que a parte, ao interpor este recurso, adiantando a sua
ciência e tornando válido o ato jurídico, tanto o da decisão quanto aquele recurso. Um claro
exemplo de jurisprudência defensiva em ambos os tribunais, no intuito de não adentrar no mérito
recursal, inadmitindo os recursos por motivos formalistas que poderiam ser desconsiderados.
No novel ordenamento processual, de acordo com o artigo 218, § 4º, apesar de não ter a
formalidade da publicação, se a integralidade da decisão já está disponível – de maneira física ou
eletrônica – o recurso protocolado antes da publicação é totalmente tempestivo, diferente do que os
tribunais superiores tinham como entendimento na legislação anterior, um verdadeiro avanço na
nova codificação.
Dessa maneira, como dispõe a norma acima mencionado, é “tempestivo ato praticado antes
do termo inicial do prazo,” o que positiva uma prática saudável processualmente, que coaduna com
o princípio da boa-fé, privilegiando a realização daquela faculdade antes mesmo da abertura do
prazo, com o claro intuito de possibilitar que o processo tenho maiores movimentações, não
dependendo de intimação, cientificando-se288
– informalmente no processo físico ou virtual – e
oficialmente pela própria realização do ato.
Não há nada demais, pragmaticamente falando, para o processo a sentença/decisão/acórdão
estar no processo ou virtualmente disponível, a parte interessado já interpor com o devido recurso,
mesmo antes da publicação daquela decisão, afinal, a nulidade, em questão, o ato da intimação,
seria suprida pela interposição do próprio recurso que pode ser considerada uma intimação
automática. Uma evolução processual digna de elogios.
O STF, mesmo antes da vigência do CPC/2015, em março de 2015, alterou o seu
posicionamento para passar a aceitar como tempestivo o recurso interposto antes da publicação do
acórdão, mediante o julgamento do Agravo de Instrumento (AI) 703269289
, demonstrando, desde
288 “Ora, se intimação é o ato pelo qual se dá ciência (art. 269 do CPC/2015), é evidente que, tendo a parte tido ciência da decisão judicial por outro modo, está autorizada a praticar, desde logo, o ato correspondente (interpor recurso, por exemplo). A despeito disso, a jurisprudência era no sentido de considerar o recurso interposto antes da publicação da decisão intempestivo. Ex.: “A jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça é pacífica, no sentido de que é intempestivo o Recurso Especial, quando interposto antes da publicação do acórdão da apelação, ainda que não interpostos Embargos Declaratórios contra o aludido acórdão” (STJ, AgRg no AREsp 376.539/RS, rel. Min. Assusete Magalhães, 6.ª T., DJe 03.02.2014). Referida decisão cita julgado do STF no mesmo sentido (RE 449.671 AgR-EDv-AgR/CE). Corretamente, o CPC/2015 impede que se considere intempestivo o recurso apresentado antes de iniciado o prazo (cf. § 4.º do art. 218 do CPC/2015), razão pela qual referida orientação jurisprudencial deve ser abandonada. Sobre a Súmula 418 do STJ (que, segundo pensamos, também não tem aplicação, à luz do
CPC/2015), cf. comentário ao art. 1.024 do CPC/2015.” MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 4ª Edição. RT: São Paulo. 2015. p. 226 289 “O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) alterou a jurisprudência da Corte para afastar o conceito de intempestividade para os recursos apresentados antes da publicação do acórdão – data até então considerada marco temporal do início do prazo para a interposição de embargos declaratórios ou agravos. A decisão foi tomada durante o julgamento de embargos de declaração (convertidos em agravo regimental)
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logo, a sintomia com a novel norma, com o intuito de já adaptar à realidade, possibilitando uma
melhoria para quem teve a diligência de interpor o recurso. A alteração do entendimento do STF já
coaduna com o novo entendimento legal290
, primando não somente pelo julgamento de mérito291
,
mas em beneficiar a boa-fé do recorrente, com o claro intuito de promover o ato judicial,
desincumbindo-se, desde logo, da faculdade que tem de interpor o recurso.
3.1 A conjunção do art. 218, § 4º e o art. 1.017, § 5º: a interposição do agravo
de instrumento independe da ciência da decisão
Partindo do prisma de que para a interposição do agravo de instrumento, quando o processo
– em primeiro e segundo graus – for eletrônico, não há necessidade das cópias obrigatórias,
analisamos que, especificadamente, não há mais, também, o requisito da juntada da certidão de
intimação ou qualquer outro documento que comprove esta. Se a regra oriunda do art. 1.017, § 5º
isenta o recorrente da juntada das cópias obrigatórias, isenta de todas, incluindo a comprovação da
intimação.
Esse é um aspecto interessante para as partes, pela dificuldade em muitos casos,
pragmaticamente, de conseguir a certidão ou o teor integral do que o juízo decidiu. Em diversas
situações, principalmente em tutelas provisórias deferidas ou indeferidas, para interposição o devido
agravo de instrumento, havia dificuldades práticas em se conseguir a certidão e a integridade da
decisão, o que, de certa maneira, o legislador já antecipou em resolver com a positivação de uma
amplitude no entendimento do que seria a comprovação da intimação, quando, no art. 1.017, I,
dispõe sobre a necessidade da juntada “da certidão da respectiva intimação ou outro documento
oficial que comprove a tempestividade (…),” o que abre a possibilidade de uma cópia do diário
oficial, por exemplo, enquadrando-se nesse qualquer outro documento oficial.
no Agravo de Instrumento (AI) 703269, que trata de um litígio entre um ex-funcionário do Banco Bradesco S/A e a instituição financeira sobre questões salariais, pagamento de horas extras e auxílio-alimentação.
Ao apresentar a questão, o ministro Luiz Fux (relator) considerou que não pode ser considerado intempestivo um recurso apresentado dentro do prazo, ainda que antes da publicação do acórdão, lembrando que jurisprudência atual considera intempestivo o recurso apresentado tanto antes, quanto após o prazo. “Revela-se uma contradição considerar-se intempestivo um recurso que é interposto antes do escoamento do prazo”, afirmou.” Matéria jornalística da assessoria do STF. http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=286657 290 Enunciado n.º 22 do FPPC: O Tribunal não poderá julgar extemporâneo ou intempestivo recurso, na
instância ordinária ou na extraordinária, interposto antes da abertura do prazo. 291 “Consolida-se, aí, um princípio fundamental: o de que se deve dar primazia à resolução de mérito (e à produção do resultado satisfativo do direito) sobre o reconhecimento de nulidades ou de outros obstáculos à produção do resultado normal do processo civil. Eis, aí, portanto, o princípio da primazia da resolução do mérito. “ CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da primazia da resolução do mérito e o novo código de processo civil. Revista de Direito da ADVOCEF. Ano Xi nº 21 nov/2015, p.16.
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No entanto, com a desnecessidade de juntada das cópias para a interposição do agravo de
instrumento, o recorrente não precisa juntar nenhum documento ou preocupar-se, processualmente,
com esse detalhe para o seu agravo de instrumento ser apreciado.
Se o intuito da juntada especificadamente da certidão de intimação292
era para possibilitar
que o tribunal de segundo grau, que não tinha contato com os autos – que continuavam na origem,
pudesse realizar o juízo de admissibilidade, verificando se o recurso foi interposto fora do prazo ou
não, atestando, assim, a tempestividade, uma dúvida nasce do art. 1.017, § 5º, ao dispor sobre essa
desnecessidade da juntada dos documentos nos autos eletrônicos: se o tribunal de justiça consegue
visualizar a tempestividade pela consulta aos autos eletrônicos de primeiro grau, a intimação
permanece a ser requisito do agravo?
A questão é interessante, e tendemos a construir que a intimação, quando os autos forem
eletrônicos, deixa de ser requisito para a interposição do agravo de instrumento, pela conjunção do
art. 1.017, § 5º (desnecessidade de cópias nos autos eletrônicos) com o art. 218, § 4º, com a
validade do ato realizado antes do início do seu prazo.
O tribunal, se os autos forem eletrônicos, tem como certificar se o recorrente interpôs o
agravo de instrumento dentro do prazo, ainda que o mesmo o tenha realizada antes mesmo do início
deste, utilizando o que a regra do art. 218, § 4º permite. Desse modo, nos autos eletrônicos, não
somente há a desnecessidade da juntada dos documentos, como também da própria existência da
intimação, já que, caindo a regra da juntada dos documentos ao recurso serem requisitos de
admissibilidade e com a possibilidade do tribunal, por si só, certificar a tempestividade pela
consulta no sistema, segue-se a regra de que todo ato realizado antes mesmo do início da contagem
de seu termo, é válido.
Evidente que somente será possível essa visão nos autos eletrônicos, já que, nos físicos,
permanece a necessidade da juntada dos documentos obrigatórios e, continuando a certidão de
intimação, ou qualquer outro documento oficial que lhe substitua, a ser requisito de admissibilidade,
a própria existência da intimação também é requisito da interposição do agravo de instrumento.
Dessa maneira, sobre a intimação da decisão interlocutória a ser agravada e a sua relação
como requisito de admissibilidade do agravo de instrumento passam a ter duas regras: no processo
físico, a intimação é necessária, pelo fato de ser pressuposto lógico da existência de uma certidão293
;
292 “Já a certidão da respectiva intimação tem por finalidade permitir a aferição da tempestividade do agravo de instrumento. De fato, cotejando-se a data da intimação (comprovada pela certidão) com a data em
que protocolado o agravo, possibilita-se a verificação de sua tempestividade. A certidão pode ser dispensada quando houver “outro documento oficial que comprove a tempestividade” (art. 1.017, I, CPC).” CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 234. 293 “Quando o agravo de instrumento for interposto em processo que tramite em autos de papel, será preciso instruí-lo com cópias de peças processuais, expressamente relacionadas no art. 1.017 do CPC.”
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no processo eletrônico, a intimação é desnecessária para a interposição do agravo de instrumento,
pela flexibilização da validade dos atos realizados antes do termo inicial.
É uma mudança extrema no próprio agravo de instrumento, pelo fato de que esta espécie
recursal era a única que incumbia-se ao recorrente o ônus da comprovação de que houve a
intimação, com a mudança, não somente o ônus se esvai, não existindo mais, bem como o próprio
ato da intimação passa a não ser mais um requisito, tanto pelo fato do tribunal, por via eletrônico,
poder realizar a contagem da tempestividade, quanto pela flexibilização proposta pelo art. 218, § 4º,
possibilitando o ato antes do início do seu termo.
O art. 218, § 4º é uma regra geral que vale para todos os atos processuais que ensejam
faculdades das partes, não necessitando de uma especificação dentro do seu limite e alcance
processual, contudo, quando o próprio CPC/2015, insere um requisito de admissibilidade como a
juntada da cópia da intimação, conforme o art. 1.017, I, a própria intimação passa a ser um limitador
à utilização da regra do art. 218, § 4º.
Todavia, quando o art. 1.017, § 5º dispensa a juntada das cópias obrigatórias, dispensa
também, por conseguinte, a existência de intimação, passando a ter incidência da regra geral do art.
218, § 4º, possibilitando a interposição do agravo de instrumento mesmo sem a intimação realizada,
simplesmente com a disponibilização desta no sistema eletrônico.
Essa conjunção construída entre o art. 218, § 4º e o art. 1.017, § 5º possibilita uma maior
facilidade para a interposição do agravo de instrumento pelas partes, sem a necessidade de que o
agravante aguarde a intimação, o que, por vezes, pode demorar um lapso temporal de dias, ainda
mais em se tratando de decisão interlocutória que verse sobre tutela provisória ou qualquer outra
matéria que detenha urgência na interposição do agravo de instrumento.
Conclui-se, então, que, na hipótese dos autos serem eletrônicos, não há necessidade da
intimação da decisão agravada, podendo o agravante, desde logo, independente de intimação,
interpor o recurso, alterando a realidade processual, tanto da legislação processual anterior, bem
como do agravo de instrumento quando os autos forem físicos.
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A FUNGIBILIDADE RECURSAL EXCEPCIONAL: O
PROBLEMA DA CUMULAÇÃO DOS PEDIDOS
RECURSAIS294
THE EXCEPTIONAL APPEAL FUNGIBILITY: THE PROBLEM OF OVERLAPPING OF
REQUESTS REMEDIAL
Vinicius Silva Lemos295
RESUMO: Este artigo tem o propósito de apresentar a hipótese da fungibilidade recursal excepcional,
inserta do CPC/2015 nos art. 1.032 e 1.033 e a relação com o princípio da primazia ao julgamento de mérito. Delinear ainda o aprofundamento da questão da fungibilidade recursal excepcional quando houver cumulação de pedidos, com a sistematização de procedimentos para as hipóteses possíveis. Palavra-Chave: Recursos excepcionais; Fungibilidade; Cumulação de pedidos
ABSTRACT: This article aims to present the hypothesis of exceptional appeal fungibility, inserted on the
CPC/2015 at articles 1.032 and 1.033 and the relation with the principle of primacy to the judgment of merit. Further delineating the deeper question of exceptional appeal fungibility when overlapping of requests, with the systematization of procedures for the possible hypotheses.
Keyword: Exceptional Resources; Fungibility; Overlapping of Requests
1. INTRODUÇÃO
A vida processual brasileira vive uma efervescência desde a sanção do CPC/2015, passando
pela transição que permeou a sua entrada em vigência. Muito estudo, muitas diretrizes e dizeres
doutrinários. Estudar processo civil foi a tônica dos anos anteriores para a academia e a base
necessária para a adaptação forense de 2016 em diante.
A nova legislação processual trouxe novas realidades, institutos remodelados, hipóteses
procedimentais inovadoras, uma mudança significativa na processualística brasileira. Uma dessas
294. Artigo publicado originalmente na Revista de Processo – RePro – Ed. 258.
295. Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
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grandes alterações, tema deste estudo detalhado que apresentamos, é a possibilidade da
fungibilidade inserta no CPC/2015, em especial aquele agora possível entre os recursos
excepcionais – especial e extraordinário, com um detalhamento das possibilidades em que é
plausível entender-se como fungível, bem como realizar a conjunção minimalista das consequências
que essa opção acarreta para o jurisdicionado e o próprio exercício da jurisdição.
O objetivo deste ensaio, no entanto, além de delinear toda essa novidade, com um estudo
minucioso do instituto para desvendar exatamente as suas nuances e a nova realidade processual,
passa por imaginar uma sistematização de procedimento quando em um mesmo recurso houver
cumulação de pedidos e como proceder quando somente um destes está enquadrado nas hipóteses
do art. 1.032 e 1.033.
2. O CPC/2015 E O PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DE MÉRITO
A necessidade de uma nova codificação processual demonstrava a busca por novos
caminhos, por uma alteração não somente de regras, mas, concretamente, de paradigmas. Mudar a
forma de pensar processo. Essa é a tônica da nova lei, ver o processo de forma diferente.
Com essa pegada legislativa, a tendência é colocar em prática o processo como meio, como
uma forma de almejar a resposta jurisdicional sobre o direito material. O art. 4o296
delimita a
solução de mérito como o principal motivo de existência do processo e um direito atinente às partes.
A ideia do processo é a satisfação das partes pela resposta jurisdicional sobre o mérito, a
sobressalência da resolução do conflito de interesse do que a preocupação com o processo.297
É uma mudança excepcional de paradigma. A tendência é evitar o excesso de formalismos
processuais para almejar sempre que possível a sanabilidade dos atos para realizar-se o julgamento
integral do mérito.298
Entre o rigor processual e a tergiversação dos procedimentos, há a necessidade
296 Artigo. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a
atividade. satisfativa. 297 “Consolida-se, aí, um princípio fundamental: o de que se deve dar primazia à resolução de mérito (e à produção do resultado satisfativo do direito) sobre o reconhecimento de nulidades ou de outros obstáculos à produção do resultado normal do processo civil. Eis, aí, portanto, o princípio da primazia da resolução do mérito. “ CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da primazia da resolução do mérito e o novo código de processo civil. Revista de Direito da ADVOCEF. Ano Xi nº 21 nov/2015, p.16. 298 “Em tempos de redação de um Novo Código de Processo Civil entra em pauta a necessidade de se
conceber um formalismo que se adeque às diretrizes do processo democrático, de modo a se evitar que as formas processuais sejam estruturadas e interpretadas em dissonância com os ditames conteudísticos do modelo constitucional de processo.” NUNES, Dierle. CRUZ, Clenderson Rodrigues da. DRUMMOND, Lucas Dias Costa . Novo CPC, Formalismo democrático e Súmula 418 do STJ: a primazia do mérito e o máximo aproveitamento. http://justificando.com/2014/09/18/novo-cpc-formalismodemocraticoe-sumula-418-stj-primazia-merito-e-o-maximo-aproveitamento/ Acesso em 04/04/2015
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de satisfazer a sociedade, utilizar o processo como meio social para a resolução de conflito, sem
imaginar o processo como um protagonista de si mesmo.
De nada adianta outros princípios gerais processuais como o da duração razoável do
processo,299
se este não for solucionado em seu mérito. Um processo somente existe para a
concretização do direito material, a lembrança dessa realidade é importante para primar-se por
julgar o mérito, com o dever de possibilitar a emenda e a correção dos atos para instrumentalizar ao
máximo o processamento dos autos.300
Esta imposição ao juízo de consultar a parte sobre a
sanabilidade do formalismo, nomeia-se como “dever de prevenção”, a atitude de preventivamente
tentar solucionar o processo, para, somente após eventual inércia ou continuidade no erro, extinguir
o processo ou julgar o recurso sem adentrar no mérito.
Evidente que uma maior preocupação em transformar o caminho final processual no efetivo
julgamento de mérito passa por aplicar a mesma tendência dogmática aos recursos. Não há como
pensar em instituir-se novas diretrizes processuais basilares sem imaginar o impacto disto na fase
recursal, conhecida exatamente pelo excesso de formalidade, pela prioridade à análise do
cumprimento dos requisitos processuais do que à análise meritória.
O combate do CPC/2015 à jurisprudência defensiva,301
almejando mudar a realidade do
excesso de barreiras impostas pela norma e pelos tribunais para não se julgar o mérito recursal é a
demonstração da mudança dogmática que o processo civil passa, uma forma de salvar o
procedimento em busca da resolução de mérito. Uma nova realidade processual, uma tentativa
legislativa louvável.
No âmbito recursal, o artigo 932, parágrafo único,302
dá a tônica da instituição do princípio
da primazia de mérito ao impor ao relator a concessão de prazo para a correção de erro ou vício,
com o intuito de complementar documentação ou corrigir algum ato, para possibilitar o
conhecimento do recurso e o julgamento do mérito. Um simples parágrafo que combate toda a
299 “Realmente concretizado estará sendo o princípio se a razoável duração do processo levar em conta
não só o tempo até a sentença, mas a duração integral do caminho a ser percorrido pelo autor até que se obtenha integralmente a satisfação de seu direito.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015, p.61. 300 Enunciado n.º 278 do FPPC: O CPC adota como princípio a sanabilidade dos atos processuais defeituosos. 301 “Por força deste princípio, combate-se a jurisprudência defensiva, sendo, portanto, equivocado
identificar obstáculos superáveis (à resolução de mérito) e não envidar esforços para os superar.” CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da primazia da resolução do mérito e o novo código de processo civil. Revista de Direito da ADVOCEF. Ano Xi nº 21 nov/2015, p. 16. 302 Enunciado n.º 82 do FPPC: É dever do relator, e não faculdade, conceder o prazo ao recorrente para sanar o vício ou complementar a documentação exigível, antes de inadmitir qualquer recurso, inclusive os excepcionais.
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jurisprudência defensiva praticada pelos tribunais, sobretudo os superiores.303
Um impacto da nova
legislação e a sua maneira de olhar para o processo.304
Durante todo o processo, o CPC/2015 concede demonstrações legislativas que prioriza o
julgamento do mérito, por vezes gerando um aproveitamento processual quando dantes não era
possível, em hipóteses inovadoras. Uma delas, sobre a qual recai este estudo, possibilita a
fungibilidade recursal em grau excepcional, com a possibilidade de um relator – do STF ou do STJ
– aceitar o recurso equivocadamente interposto como o outro, procedendo a remessa ao tribunal
correto, com as ressalvas de cabimento e possibilidade de complementação recursal.305
3. A FUNGIBILIDADE RECURSAL EXCEPCIONAL
No CPC/2015, inovou-se na admissibilidade recursal excepcional, no intuito de flexibilizar o
cabimento destes recursos, quando houver dúvida entre algumas hipóteses de cabimento,
possibilitando a aplicação do princípio da fungibilidade entre estes recursos, tanto na interposição
do recurso especial na hipótese do extraordinário, quanto na situação inversa. Entretanto, há de
imaginar que o equívoco somente será possível de ser tergiversado, quando houver uma dúvida
plausível, em hipóteses completamente subjetivas de cabimento de ambos os recursos.
Muitas vezes há um conflito negativo306
de admissibilidade entre os tribunais superiores,
justamente pelo fato desta dúvida sobre a matéria a ser impugnada no acórdão do tribunal de
303 “O que a jurisprudência defensiva faz, em geral, é dar importância exacerbada à forma processual, em situações nas quais essa forma, e a relevância que se lhe atribui, em nada contribuem para o atendimento das apontadas finalidade.” MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Os recursos no novo CPC e a
“jurisprudência defensiva”. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.6 - Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Organizadores: DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Editora JusPodivm, Salvador, 2015. p.201. 304 “Esta novidade representa relevante passo adiante, sob o ângulo da necessidade de que o processo tenha o adequado rendimento, no sentido de que resolva efetiva e inteiramente o conflito subjacente à demanda.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª.
Ed, São Paulo: RT. 2015, p.1500. 305 “O art. 1.032 do CPC traz regra que concretiza o princípio da fungibilidade dos recurso e, por consequência, também, o princípio da primazia da decisão de mérito e o princípio da cooperação. Em vez de levar à extinção do procedimento recursal sem exame do mérito, o fato de o recurso versar sobre questão constitucional leva à conversão dele em recurso extraordinário, com a remessa dos autos ao STF.” CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 137
306 “E os artigos 1.032 a 1.033 do CPC/2015 têm, exatamente, a virtude de permitir, vez por todas, uma solução concreta para o conflito negativo de atribuição, gerando, com isso, padrões decisórios a serem seguidos pela própria Corte (vinculação horizontal) e pelos demais tribunais de 2o grau e juízes (vinculação vertical), tudo por observância aos arts. 926 a 928 do CPC/2015.” CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A fungibilidade de mão dupla entre os recursos excepcionais no CPC/2015. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.6 - Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Organizadores:
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apelação. Quando persistia a dúvida se havia uma ofensa a dispositivo da Constituição ou lei
federal, normalmente o Recurso Extraordinário interposto, no CPC/73, era inadmitido por falta de
adequação correta. O STF por muitas vezes entendia como ofensa reflexa307
à Constituição, não
enquadrando na hipótese do art. 102, III, A, respondendo pelo não conhecimento.308
Por outro lado,
o STJ entendia em situações idênticas que havia uma contrariedade a Constituição e não a lei
federal, não admitindo a interposição de Recurso Especial.
Dessa forma, o jurisdicional com uma situação idêntica a esta se via diante de um limbo
processual,309
sem saída sobre a recorribilidade correta, sem ter uma visão de adequação e
correspondência310
fácil sobre a real ofensa existente no acórdão a ser impugnado pelo recurso
excepcional. Pelo princípio da primazia de mérito e a possibilidade criada nos art. 1.032 e 1.033311
,
o CPC/2015 imaginou uma saída processual para a eventual omissão de um ou ambos tribunais
DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Editora JusPodivm, Salvador, 2015. p. 817.
307“O STF não admite recursos extraordinários nos quais se pretenda discutir o que denomina de inconstitucionalidade reflexa ou indireta. Esse conceito descreve, de forma geral, hipóteses nas quais a parte interpõe o recurso alegando que a decisão recorrida interpretou equivocadamente a legislação infraconstitucional e, ao fazê-lo, violou normas constitucionais.” BARROSO. Luis Roberto. Disponível em: http://www.arcos.org.br/periodicos/revista-eletronica-de-direito-processual/volume-iii/recurso-extraordinario-violacao-indireta-da-constituicao-ilegitimidade-da-alteracao-pontual-e-casuistica-da-jurisprudencia-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em 04/04/2015
308 “Vale destacar que milhares de recursos extraordinários são negados pelo fundamento de ofensa reflexa ou indireta e que, com o disposto no art. 1.033, serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça para o juízo de admissibilidade.” SILVA, Christine Oliveira Peter da. Sistemática da Repercussão Geral no Novo Código de Processo Civil. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. v. 13 n. 97, set/out/2015, IOB. p.382 309 “Exemplo disso é a regra no sentido de que o STF só cabe conhecer de “ofensa direta” à Constituição Federal. Isto significa dizer que, se para demonstrar que houve a ofensa à Constituição Federal, a argumentação da recorrente tem necessariamente de passar pela lei ordinária (que, v.g., repete o princípio
constante na Constituição Federal) e porque se estaria diante de ofensa “indireta” à Constituição Federal, que, por isso, não deveria ser examinada pela via do recurso extraordinário. Esta regra, em nosso entender, leva a um paradoxo: a Constituição Federal consagra certo princípio e se, pela relevância, a lei ordinária repete, por isso, o tribunal, cuja função é de zelar pelo respeito à Constituição Federal, abdica de examinar a questão.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio dos recursos de estrito direito e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei? São Paulo: RT. 2001. p. 169. 310“Sabe-se que o sistema recursal brasileiro é informado por uma série de princípios, entre eles o da
singularidade e o da correspondência. Pelo princípio da singularidade, para cada pronunciamento judicial recorrível existe, em regra, somente um recurso previsto. E, pelo princípio da correspondência, existe verdadeira correlação entre os pronunciamentos judiciais e os tipos de recurso cabíveis. O princípio da fungibilidade recursal consiste, então, numa atenuação desses princípios, num abrandamento das respectivas regras, na medida em que autoriza o recebimento de um recurso por outro, proporcionando o conhecimento de mais de uma espécie de recurso contra uma única decisão judicial.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os Agravos no CPC Brasileiro. 3a. Edição. São Paulo: RT, 2000. p. 34.
311 “Para obviar aos inconvenientes de se impedir a análise da questão de direito aventada no recurso extraordinário, o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu que, caso o STF entenda que a violação à Constituição é reflexa, porque a questão foi resolvida à luz de norma federal infraconstitucional, deverá remeter o recurso extraordinário ao STJ, para que este o julgue como recurso especial (art. 1.033 do CPC/2015).” MEDINA, José Miguel Garcia. Direito Processual Civil Moderno. 2ª Ed. RT: São Paulo. 2016, p. 706
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superiores quando houver essa negatividade sobre o cabimento recursal. Pela nova regra, não há a
inadmissibilidade e, consequentemente, algum dos tribunais julgará o recurso interposto, nem que
seja pela fungibilidade.
3.1 Hipóteses de cabimento da fungibilidade
Dentre as hipóteses de cabimento de cada um dos recursos excepcionais têm aquelas
subjetivas, e têm outras, objetivas. Para que a fungibilidade recursal excepcional seja possível deve
ater-se em hipóteses eminentemente subjetivas, tanto no Recurso Especial quanto no Recurso
Extraordinário312
. Podemos entender, dessa maneira, que o normal será a fungibilidade entre as
alíneas A de cada dispositivo – artigo 102, III e 105, III – pelo fato de, ambas, falarem sobre a
contrariedade à norma313
, mesmo que em níveis diferentes – uma federal e outra constitucional, mas
que possibilitam uma confusão entre elas até pela subjetividade314
existente nestas hipóteses e pela
sobreposição muitas vezes dos textos legais, repetindo-se o conteúdo da norma constitucional em
diversas leis federais.315
312 “A ideia de que os tribunais superiores ocupariam ”nichos” bem separados e definidos, em que o STF julgaria apenas questões constitucionais através de recursos extraordinários, e o STJ resolveria somente
questões federais infraconstitucionais ao julgar recursos especiais, resta, segundo pensamos, totalmente comprometida. O Código de Processo Civil de 2015, atento a esses problemas, estabeleceu, para os casos em que os tribunais superiores controverterem quanto a tratar-se de constitucional ou federal a questão de direito suscitada na decisão recorrida, a possibilidade de conversão do recurso extraordinário em recurso especial, ou vice-versa.” MEDINA, José Miguel Garcia. Direito Processual Civil Moderno. 2ª Ed. RT: São Paulo. 2016, p. 706. 313 “A regra nasceu da dificuldade que há em se distinguir ofensa à lei de ofensa à Constituição. De fato, há questões que são simultaneamente constitucionais e legais. Há matérias que comportam análise sob a
ótica constitucional sob a perspectiva de lei ordinária. Em muitas ocasiões, a distinção entre ofensa direta e reflexa à Constituição Federal é tarefa bastante difícil, senão impossível.” MIRANDA, Pedro de Oliveira. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/2015. 1a. Ed. Florianópolis, Conceito Editorial, 2015. , p. 267 314“a dúvida objetiva acerca de qual o recurso adequado para atacar determinada decisão pode se originar da
imprecisão dos termos da lei, da divergência doutrinária quanto à natureza do pronunciamento e da circunstância de o juiz proferir um pronunciamento em lugar de outro. Pode-se dizer, de todo o modo, que há erro grosseiro: a) quando a parte faz uso de um recurso, no lugar de outro, afrontando de maneira
flagrante os princípios da sistemática recursal do Código de Processo civil; b) e quando a jurisprudência e a doutrina são absolutamente indiscrepantes quanto ao cabimento de outro recurso, que não o interposto, contra a decisão recorrida”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Recursos e ações autônomas de impugnação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 64
315 “Com efeito, se determinado tema é prevista na Constituição e, novamente, em lei ordinária, significa que o legislador, sensível aos anseios populares, deu ao assunto um grande valor, daí porque, se judicializa a questão, esta deve, havendo repercussão geral, ser decidida, em último nível, pelo órgão que tem
o dever de dar a palavra final em matéria constitucional. Se, de outro lado, o STF entender que a matéria é afeta ao STJ, deve remeter o recurso à outra Corte e não, como ocorre hoje, negar seguimento ao recurso extraordinário, porque, com a devida vênia, o Poder Judiciário não pode aplicar uma interpretação que deixe o jurisdicionado sem resposta, positiva ou negativa, às suas pretensões.” CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. A fungibilidade de mão dupla entre os recursos excepcionais no CPC/2015. Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - v.6 - Processo nos Tribunais e Meios de Impugnação às Decisões Judiciais. Organizadores:
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Não há como imaginar uma fungibilidade sem ser por estas hipóteses, por total falta de
possibilidade de aproveitamento do recurso equivocadamente interposto. Sendo que ambos os
recursos são para os tribunais superiores, em caso de enquadramento equivocado, o recorrente tem a
oportunidade do seu recurso ser reaproveitado, remetido para o órgão correto, não sendo declarado
diretamente inadmissível.
Impossível, por exemplo, imaginar que um Recurso Especial que tentou impugnar um
acórdão com declaração de inconstitucionalidade de uma norma federal – alínea B do art. 102, III –
seria possível de fungibilidade. Em casos como este, o equívoco deve ser encarado como erro
grosseiro, já que se pode arguir dúvida plausível entre uma hipótese objetiva e outra subjetiva.
Na dicção do art. 1.032 do CPC/2015, quando o relator do STJ entender que não houve o
enquadramento adequado, em vez de questão federal, o correto seria a impugnação a uma matéria
constitucional, há a possibilidade de aproveitamento de tal recurso, mesmo com a delimitação e
fundamentação material equivocada, transformando-o em Recurso Extraordinário, com a devida
remessa ao STF316
, para processamento e julgamento.317
Da mesma forma ocorre ao inverso, quando o relator do STF, ao receber o Recurso
Extraordinário, verificar que a matéria ali exposta é uma questão federal, somente com um reflexo
constitucional, pode, da mesma maneira, aproveitar a existência recursal, para transformá-lo em
Recurso Especial, com a devida remessa ao STJ, conforme disposto no artigo 1.033.
A decisão final, em ambas as hipóteses, é do STF, justamente por ter a competência de
definir se há ou não afetação material sobre a norma constitucional.318
Quando entender que há,
aceita a fungibilidade do Recurso Especial como Extraordinário, e, na outra hipótese, determina que
o Extraordinário seja remetido como Especial ao STJ, sem a possibilidade de retorno.
DIDIER JR., Fredie; FREIRE, Alexandre; MACEDO, Lucas Buril de; PEIXOTO, Ravi. Editora JusPodivm, Salvador, 2015. p.817.
316 Enunciado n.º 565 do FPPC: Na hipótese de conversão de recurso extraordinário em recurso especial ou vice-versa, após a manifestação do recorrente, o recorrido será intimado para, no prazo do caput do art. 1.032, complementar suas contrarrazões. 317 “A fim de evitar tal situação, o CPC/2015 estabeleceu que, se o relator do REsp entender que o objeto do recurso tem cunho constitucional, deverá intimar o recorrente para que demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional, convertendo-se, na verdade, o REsp em RE. Em seguida remeterá o novo recurso extraordinário ao STF, que poderá devolvê-lo ao STJ se entender que a
matéria é de natureza infraconstitucional.” MIRANDA, Pedro de Oliveira. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/2015. 1a. Ed. Florianópolis, Conceito Editorial, 2015. p. 269. 318 “A última palavra a respeito da natureza da matéria do recurso é, como é natural, do STF.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1ª. Ed, São Paulo: RT. 2015, p.1500.
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3.2 A nova admissibilidade alterada pela Lei n.º 13.256/2016 e o impacto na
fungibilidade recursal excepcional
O processo deve ser um meio em busca da resolução material, um procedimento para a
finalidade da solução ao conflito de interesses, não impedindo este quando for possível julgar o
recurso, mediante alguma relativização. Esse é um avanço da legislação, com um olhar mais
material ao direito do que uma rigidez processual. A fungibilidade recursal excepcional se enquadra
exatamente nesta hipótese visionária processual.
Entretanto, com a mudança realizada pela Lei n.º 13.256/2016 no juízo de admissibilidade
dos recursos excepcionais, retornando-os para o formato bifásico, com a análise preliminar
realizada pelo presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, para, somente após, remeter-se ao
tribunal superior, talvez até via agravo do art. 1.042 para tanto. Com isso, creio que o instituto da
fungibilidade entre os recursos excepcionais perde quase toda a sua força e aplicabilidade.
O instituto nascia pela possibilidade do relator, ao analisar o recurso excepcional – tanto faz
se o Recurso Extraordinário ou Recurso Especial, não ter nenhuma análise anterior de
admissibilidade, tampouco decisão sobre o seu aceite ou não. O relator, ao receber o recurso
excepcional, seria o primeiro (talvez o único) a analisá-lo, sem posicionamentos anteriores.
Agora, com a volta da admissibilidade bifásica, com o presidente ou vice-presidente do
tribunal anterior manifestando-se, temos alguns problemas para a efetividade do instituto. O
primeiro é a possibilidade da análise preliminar inadmitir um recurso excepcional justamente pela
possibilidade que, posteriormente, o relator poderá recebê-lo pela fungibilidade, remetendo ao outro
tribunal.
Nesta situação, quase que de forma esdruxula, com o presidente ou vice-presidente
inadmitindo por adequação equivocada, o recorrente interpondo o agravo para forçar a ida ao
tribunal superior, com o relator invocando a mesma argumentação feita na inadmissibilidade para
tornar o recurso fungível. Estranho, mas completamente possível.
Outro ponto negativo será que essa inadmissibilidade anterior, de certa forma, macula o
pensamento e posicionamento do relator no tribunal superior, com a possibilidade muito maior de
somente se manter essa inadmissibilidade, sem a visualização maior de uma possível fungibilidade.
E o terceiro, dentre tantos pontos negativos, é a forma que quase sempre que a
admissibilidade via fungibilidade for possível, somente será realizada com a necessária interposição
de um agravo do art. 1.042 para tanto. Ou seja, ao voltar a admissibilidade em formato bifásico,
impacta de sobremaneira o instituto da fungibilidade recursal excepcional, justamente por criar
empecilhos e dificuldades para tanto.
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4. A POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDO RECURSAL
A cumulação de pedidos é natural em qualquer demanda, desde que se cumpra a conexão de
fatos e matéria. Em vez de intentar várias demandas contra um mesmo réu, é facultado ao autor, se
interessar, cumular diferentes pedidos que guardem conexão na mesma demanda. A maioria das
ações são com pedidos cumulados.
Se a regra vale para a ação, dividindo a sentença que julga essa demanda em diversos
capítulos materiais diferentes, o mesmo deve ser possível em grau recursal, agora com a
impugnação em um só recurso, de todos os pontos que aquela parte sucumbiu, conglomerando toda
a insatisfação sobre a decisão judicial no mesmo recurso.319
No entanto, existem diferentes espécies, no recurso, de cumulação de pedidos. Existe a
cumulação entre os pedidos sobre capítulos diferentes da decisão, o que, de certa forma, importa em
recursos diferentes, em termos materiais, ainda que sejam conjuntos da mesma peça.
Por outro lado, existe ainda a cumulação de pedidos recursais sucessivos320
sobre o erro in
procedendo e o erro in judicando, mesmo que seja de somente um pedido da demanda. Neste caso,
os pedidos recursais cumulados são possíveis justamente por, no primeiro, almejar-se a invalidação
da decisão por um vício no processo. Já no segundo, o que se busca é a alteração da decisão, para
alcançar uma nova interpretação jurídica daquele pedido. 321
Contudo, sobre a fungibilidade recursal, quando falarmos de cumulação de pedidos – o
assunto que exploraremos a seguir – o que importa será a cumulação sobre pedidos diferentes, sobre
pontos ou capítulos diferentes do acórdão via recurso excepcional, importando, em algum
momento, em recursos diferentes para pontos diferentes, o qual tentaremos sistematizar e
oportunizar uma simetria de procedimento recursal diante da fungibilidade em somente um dos
pedidos e com os outros pedidos o reconhecimento do cabimento correto do recurso interposto.
319 “Tudo isso, que é aplicável à cumulação de pedidos na petição inicial, também se aplica no recurso. O recurso pode veicular mais de um pedido. Pode haver cumulação própria de pedidos: o recorrente pode postular a reforma de mais de um capítulo diferente da decisão.” CUNHA, Leonardo José Carneiro da;
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 136/137 320 “Com efeito, o error in procedendo e o error in iudicando podem ser alegados, simultaneamente, no recurso. Há possibilidade de cumulação dos mencionados “vícios” como “causas de pedir” recursais.” CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 137 321 “Um recurso pode, ao mesmo tempo, requerer os dois pedidos, dividindo o mérito recursal sobre os
dois pontos, cumulando no recurso as alegações de erro in procedendo e o erro in judicando, sendo, nesta hipótese, pedidos alternativos, primeiramente, há a análise da existência ou não de vício de atividade, o que, em caso positivo, acarreta a anulação da decisão, não havendo necessidade da análise adentrar na matéria do vício do juízo. Somente em caso de afastamento da hipótese de erro in procedendo pelo colegiado que se passa à análise do vício do juízo. LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais no Novo CPC. 2a. Edição. Ed. Lexia, 2016. p. 368/369.
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4.1 A cumulação com ambos pedidos com possibilidade de fungibilidade
Sobre a fungibilidade recursal excepcional, quando houver a cumulação de pedidos, temos
diversas possibilidades e caminhos a seguir. Num primeiro momento, na hipótese de um recurso
excepcional – seja extraordinário ou especial – conter uma cumulação de pedidos, com a
possibilidade de, em ambos, realizar-se a fungibilidade, o relator, ou se já em julgamento o
colegiado, deve proceder pela aceitação de um recurso pelo outro.
Não há nenhuma divergência ou ponto diferente sobre essa possibilidade – com a cumulação
de pedidos – do que a fungibilidade normal realizada quando houver somente um pedido recursal,
com a devida remessa, depois das providências processuais necessárias, para o Tribunal Superior
que seja cabível a aceitação de um recurso excepcional como o outro.
Apesar de a análise realizada necessariamente ser mediante a cada um dos pedidos, com a
visualização independente sobre a fungibilidade, com o resultado, em cada caso, pela possibilidade
desta hipótese fungível, não há diferenças sobre o que fazer, devendo o relator remeter o recurso ao
tribunal que acredita ser competente para tal decisão.
4.2 A cumulação com um dos pedidos do Recurso Extraordinário com
possibilidade de fungibilidade
Outra hipótese possível acontece quando em um Recurso Extraordinário houver uma
cumulação de pedidos recursais, contudo somente um destes couber a fungibilidade, neste ponto,
causará aqui uma complicação diante da análise recursal, com a necessidade de sistematização e
organização.
Apesar de academicamente parecer uma hipótese complexa e limitada, na prática, os
recursos, inclusive os excepcionais, têm uma gama imensa de pedidos, quase nunca realizados de
forma isolada, o que leva a imaginar a seguinte questão: o que fazer quando somente uma das
hipóteses for plausível a fungibilidade e a outra não? É uma pergunta necessária e que o CPC/2015
não responde, justamente por não ser tão detalhista, tampouco pensar em todas as variáveis.
Ao relator – ou o colegiado – a possibilidade da fungibilidade proposta pelo art. 1.033
continua válida, com a necessidade de verificação e definição de qual procedimento adotar neste
caso, justamente por, ao mesmo tempo, vislumbrar uma possibilidade de aceitar o recurso interposto
como outro, mas necessitando, em outro ponto material recursal, analisar o pedido que seja de
competência daquele tribunal.
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Não pode se furtar a aceitar o recurso admissível pela fungibilidade, bem como não pode
transferir a competência sobre o outro ponto recursal de algo que é atinente a este tribunal e juízo.
Neste ínterim, há uma necessidade de uma conjunção sobre os pedidos para construir
doutrinariamente uma solução que, ao mesmo tempo, resolva o julgamento do pedido recursal e a
fungibilidade. Não há possibilidade de uma parte material do recurso ter uma solução e a outra ficar
prejudicada, o que leva a necessidade de sistematização dessas hipóteses.
4.2.1 Quando o outro pedido for pelo não conhecimento da questão constitucional
A primeira hipótese que levanto passa pela conjunção de pedidos recursais diversos, sendo
um deles com a possibilidade da fungibilidade do Recurso Extraordinário, contudo, na outra
hipótese, o pedido continua versando sobre a questão constitucional, com a possibilidade e
competência pelo STF.
Porém, neste pedido que a competência permanece ao STF, se for inadmissível, sem a
plausibilidade pelo conhecimento do recurso, o relator deverá, no mesmo julgamento monocrático,
enfrentar a matéria de ausência da admissibilidade e, quanto a outra hipótese, proceder pelo
processamento da fungibilidade, determinando a remessa ao STJ, neste caso.
Resolve, dessa maneira, a questão constitucional ao não conhecer do recurso extraordinário
e aceita o outro pedido interno deste recurso com a aplicação da fungibilidade inerente ao art. 1.033,
com a determinação da intimação para complementação, ainda que não haja previsão legal e depois
a remessa ao STJ, salientando-se, neste ponto, que somente a matéria entendida como questão
federal que será remetida.
Se houver o agravo interno sobre a decisão da inadmissibilidade, evidentemente, a
fungibilidade deve aguardar o julgamento deste, para, somente após, proceder-se a remessa para o
STJ.
4.2.2 Quando o outro pedido for pelo conhecimento da questão constitucional
Outra hipótese recai na possibilidade de Recurso Extraordinário conter, de igual forma, a
cumulação de pedidos, sendo que um deles se enquadra na hipótese da fungibilidade recursal
excepcional e o outro tem a questão constitucional conhecida.
Nesta situação, temos dois pedidos diversos que, em tese, devem ter destinos diversos, um
para ser julgado conforme a questão constitucional com o conhecimento em sua admissibilidade e
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outro para ser aceito como uma questão infraconstitucional e sua possibilidade de adequação como
Recurso Especial.
A pergunta pertinente é: o que fazer nesse caso?
A regra que deve ser levada em consideração é a mesma quando há concomitância322
de
recursos excepcionais e o relator do STJ, ao receber o Recurso Especial, entender que possa haver
prejudicialidade sobre ambos os recursos, remetendo o processo, sem julgar o Recurso Especial,
para o STF, com a necessidade de análise do relator deste tribunal sobre o impacto material de um
recurso no outro. Contudo, a observância da regra da concomitância é somente para a visualização
da influência entre os recursos, com um prejudicando a análise do outro, pelo fato de que a
fungibilidade deve aguardar o julgamento da questão constitucional, simplesmente pelo fato de que
o recurso interposto foi correto, naquele pedido e sobressai sobre a questão entendida e visualizada
pelo relator quanto à questão infraconstitucional.
Neste caso, temos duas hipóteses: a questão infraconstitucional que enseja a possibilidade de
fungibilidade é prejudicada pela análise da questão constitucional ou, em caso contrário, não há
relação, sem a prejudicialidade.
A análise sempre deve ser prioritária sobre a questão constitucional, até pelo fato do recurso
ser o correto sobre aquele ponto, o que leva a necessidade de julgamento primeiro pelo STF. A
importância sobre a prejudicialidade passa pela verificação se haverá ou não, posteriormente ao
julgamento da questão constitucional, a necessidade de remessa ao STJ, com a fungibilidade afetada
ao ponto em que entendeu-se como ofensa reflexa e pertinente como questão infraconstitucional. Se
for constatada, não há, após o julgamento pelo STF, necessidade de remessa ao STJ, pelo simples
fato de que a questão constitucional já resolveu a demanda, abarcando materialmente a outra
questão, por expansividade prejudicial.
De outra forma, se as questões forem independentes, sem guardar conexão e,
consequentemente, sem nenhuma influência ou impacto entre elas, há a necessidade de que, após o
julgamento do Recurso Extraordinário sobre a questão constitucional, sejam remetidos os autos ao
322 “Se houver uma confusão entre as matérias de ambos os recursos, deve entender o recurso especial como prejudicado, por envolver questão constitucional, decidindo pela remessa dos autos ao STF para apreciação do recurso extraordinário, já que ao analisarem este, estariam já enfrentando a questão material do processo, pelo fato de ter confusão entre as duas questões, a constitucional, mais importante engloba a questão federal, nos ditames do § 2º do artigo 1031.636 Essa decisão pela remessa dos autos para o STF ocorre em decisão irrecorrível. No caso dessa remessa, ao chegar ao STF, após distribuído o recurso
extraordinário, o ministro-relator analisa se a prejudicialidade imputada pelo relator do STJ procede ou não. Na hipótese da prejudicialidade, o recurso extraordinário tem o seu processamento comum e eventual julgamento. Em sentido diverso, caso o ministro relator entenda que não há a prejudicialidade, decide, de forma irrecorrível, pela devolução dos autos para o STJ, para julgamento do recurso especial, entendendo as questões recursais serem independentes.” LEMOS, Vinicius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais no Novo CPC. 2a. Edição. Ed. Lexia, 2016. p. 368/369.
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STJ323
, para o processamento da questão que entendeu como infraconstitucional, com a adequação
via fungibilidade daquele ponto do Recurso originalmente tido como Extraordinário como Recurso
Especial.
4.3. A cumulação com um dos pedidos do Recurso Especial com possibilidade
de fungibilidade
O art. 1.033 prevê o sentido inverso da fungibilidade com a admissibilidade de um Recurso
Especial para aceitá-lo como Recurso Extraordinário quando houver ali uma questão constitucional
e não uma questão infraconstitucional como suscitado no recurso originário. Com isso, esta técnica
vale nos dois caminhos, neste funciona para remeter ao STF um recurso que não se enquadra na
competência do STJ.
A diferença para a hipótese anterior recai somente na necessidade de que a parte realize a
complementação do recurso para a inclusão da alegação de repercussão geral324
, pelo simples fato
de que o Recurso Especial não tem esse requisito de admissibilidade, o que, ao atender a
fungibilidade, há a necessidade de adequá-lo por completo, incluído esse ponto que não existe a
exigência para o recurso originário.
De igual forma à hipótese anteriormente explicada, quando houver uma cumulação de
pedidos no Recurso Especial, com o relator ou a turma verificando que, dentre estes, algum é
passível de utilizar-se a fungibilidade para remetê-lo ao STF como Recurso Extraordinário, este
ponto recursal material deve ser remetido ao tribunal, contudo, a dúvida paira em quando e como
proceder essa conversão e remessa, para não causar o prejuízo para dos demais pedidos e matérias
recursais também internas daquele Recurso Especial interposto.
Sobre estes pontos, o relator deve tomar o cuidado de analisar a matéria, para entender a
necessidade recursal e proceder com o processamento recursal de forma correta, sem prejudicar o
julgamento do recurso especial, tampouco dar a prioridade à matéria que será fungível em recurso
extraordinário. De igual forma a fungibilidade inversa, deve-se dar uma sistematização quando
houver essa hipótese na cumulação de pedidos.
323 Enunciado n.º 566 do FPPC: Na hipótese de conversão do recurso extraordinário em recurso especial, nos termos do art. 1.033, cabe ao relator conceder o prazo do caput do art. 1.032 para que o
recorrente adapte seu recurso e se manifeste sobre a questão infraconstitucional. 324 “Nos termos do art. 1.032, se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que, em vez de Recurso Especial, seria o caso de Recurso Extraordinário, deverá conceder o prazo de 15 dias para o recorrente demonstrar a repercussão geral e se manifestar acerca da questão constitucional.” MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil. Volume Único. 8a. Ed. JusPodivm, Salvador, 2016. p. 1211
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| Voltar ao sumário 275 Aspectos polêmicos do novo CPC
4.3.1 A análise da prejudicialidade
No STJ, diferente do STF, a primeira providência que deve o relator proceder quando
visualizar a possibilidade de fungibilidade em um dos pedidos recursais pela análise da
prejudicialidade sobre as matérias, se aquela que o STJ entende como constitucional contiver
prejudiciais sobre a análise dos outros pedidos que seriam somente sobre as questões
infraconstitucionais.
Em caso negativo, sem nenhuma relação entre os pedidos cumulados, as questões atinentes
ao Recurso Especial não serão prejudicadas pela questão que será fungível em constitucional,
devendo, então, o STJ proceder pelo julgamento do Recurso Especial, contudo, atendo-se somente
sobre os pedidos que entendem como pertinentes, as questões infraconstitucionais.
Após este julgamento, com o encerramento da análise sobre as questões infraconstitucionais,
deve remeter o recurso ao STF, com a ressalva da abertura de prazo para o recorrente adequar a
repercussão geral ou qualquer outra modificação/alteração que pretenda realizar.
De outra forma, se houver a prejudicialidade entre os pedidos cumulados, a situação e a
ordem deve ser invertida, de igual forma ao que acontece quando há a concomitância entre os
recursos excepcionais e a relação material entre estes for visível. Neste caso, com o entendimento
do relator de que a questão constitucional que será fungível prejudicando a análise das questões
infraconstitucionais, deve não julgar o Recurso Especial e proceder a remessa do processo para o
STF, com a necessidade de análise do relator deste tribunal sobre esta relação material.
O relator do STF, ao ser designado para tanto e receber o processo, neste momento, deve
proceder duas análises sequenciais: primeiramente, verificar a plausibilidade sumária da
fungibilidade e, após, se positiva, ater-se à questão da prejudicialidade.
A importância da análise perfunctória sobre a fungibilidade passa pelo crivo do relator, com
a decisão pela convalidação ou não do que o relator do STJ prolatou como fungível. Se entender
que não há motivos para tal desiderato, pendendo para uma decisão que não a acata e, com uma
visualização de que a matéria não é passível de Recurso Extraordinário, pode o relator determinar o
retorno dos autos para o STJ, revogando a decisão anteriormente prolatada, para que seja julgado
como Recurso Especial.
No entanto, se entender que é correta a fungibilidade, mantém o processo e o recurso, por
enquanto, como extraordinário, passando à análise da prejudicialidade. Se entender que não há
conexão entre as matérias, tampouco que o julgamento da questão fungível, agora constitucional,
influencie as questões infraconstitucionais, deve proceder pela remessa ao STJ, com a devolução do
processo para que se julgue, primeiramente, o Recurso Especial e aquelas matérias afetas a este
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recurso. Contudo, a diferença é que, neste caso, já seria decretada e convalidada pelo relator no
STF, somente com a remessa novamente ao STJ pela falta de prejudicialidade para se julgar os
outros pedidos do Recurso Especial.
4.3.2 Quando o outro pedido for pelo não conhecimento
Se um Recurso Especial tiver uma cumulação de pedidos de questões infraconstitucionais, o
relator, ao analisá-las, deve proceder pelo seu devido julgamento, com a permissão para que o faça
de maneira monocrática. Se dentre essa cumulação, um dos pedidos for passível de fungibilidade,
por não se ater à questão pertinente ao STJ, enquadrando-se como uma questão constitucional, deve
assim proceder o relator.
Entretanto, a dúvida está no momento em que deve realizar tal desiderato e a consequência
sobre os pedidos que não se enquadram na mesma hipótese. Contudo, importante analisar o
conteúdo deste outro pedido. Se o outro pedido for, ao ser analisado pelo relator do STJ, de
antemão, descartado em sua admissibilidade, de maneira monocrática, deve o relator, na mesma
decisão, já manifestar-se pela fungibilidade, determinando a remessa do Recurso Especial para o
STJ, porém delimitando-o em termos materiais, ressalvando os pontos em que serão fungíveis.
Evidentemente que a questão infraconstitucional sobre o não conhecimento do Recurso
Especial é impugnável pelo agravo interno, o que, ao existir, deve ser julgado pelo colegiado, para,
somente após, ser remetida a questão constitucional para o STF, com a fungibilidade determinada
pelo relator.
4.3.3 Quando o outro pedido for pelo conhecimento
Outra situação possível acontece quando há, de igual forma, a cumulação de pedidos no
Recurso Especial e, em um destes, houver a possibilidade da fungibilidade recursal excepcional e
no outro houver o enquadramento correto da questão infraconstitucional, com o conhecimento do
recurso, neste ponto, e a necessidade de julgá-lo.
Se o julgamento for de forma monocrática – pelo provimento ou improvimento – já pode o
relator, desde logo, julgar a questão infraconstitucional e decidir pela fungibilidade recursal do
outro pedido, com a determinação da remessa ao STF, após todos os trâmites e complementações
necessárias. Em caso de agravo, igualmente a hipótese anterior, deve este recurso ser julgado, para
posteriormente, remeter-se ao STF.
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| Voltar ao sumário 277 Aspectos polêmicos do novo CPC
Se o julgamento for pelo colegiado, independente do resultado, após o término deste, com o
encerramento da análise da questão infraconstitucional, o recurso, no tocante àquela parte que será
fungível é remetido ao STF, para que realize o julgamento daquele ponto que entendeu-se que era
questão constitucional.
Obviamente, como já vimos, que o STF pode devolver a matéria325
, se entender que não há
plausibilidade para tanto, o que ensejaria um novo julgamento pelo STJ, agora da questão que
outrora entendera como constitucional, como uma matéria de Recurso Especial.
5. CONCLUSÃO
A fungibilidade, mesmo sendo uma exceção recursal, é uma realidade no CPC/2015,
totalmente positivada. Se no CPC/73 era uma construção jurisprudencial e uma aceitação pela
doutrina, agora temos hipóteses reais e tipificadas de fungibilidade recursal. Um exemplo da
incidência positivada consiste na existência dos art. 1.032 e 1.033, como já vimos, sobre a
possibilidade de aceitar um recurso especial como extraordinário ou vice-versa quando a questão
discutida no recurso interposto for entendida – geralmente pelo relator de cada tribunal – como mais
afeita à outra espécie de recurso excepcional.
O intuito imaginado pelo legislador foi possibilitar a devida adequação recursal para que,
diante de uma situação complexa de recorribilidade, a matéria possa ser julgada pelo tribunal
correto para tal desiderato. Como as questões constitucionais e federais, em suas respectivas
infringências, podem ser confundidas em seu real conteúdo material, igualmente a impugnação
àquela decisão não é das mais fáceis. Permitir a aceitação de um recurso como o outro e o envio
para o tribunal correto é uma novidade que almeja atingir o jurisdicionado, possibilitando que a
questão suscitada seja julgada pelo tribunal superior, entregando uma melhor prestação
jurisdicional.
Nesta exposição delimitamos a matéria sobre o instituto, a sua relação com o princípio da
primazia ao julgamento de mérito, bem como o impacto que Lei n.º 13.256/2016 ocasionou no
instituto, ao alterar o sistema de admissibilidade dos recursos excepcionais. No entanto, o cerne
deste estudo foi a sistematização procedimental quando em um mesmo recurso – Extraordinário ou
Especial – contiver mais um pedido recursal e, com esta cumulação, somente um dos pedidos for
passível da fungibilidade.
325 “Quando chegar ao Supremo Tribunal Federal, se o respectivo relator considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.” MADRUGA, Eduardo; MOUZALAS, Rinaldo; TERCEIRO NETO, João Otávio. Processo Civil. Volume Único. 8a. Ed. JusPodivm, Salvador, 2016. p. 1211
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Diante desta possibilidade, sistematizamos o procedimento para as diversas hipóteses,
quando acontecer com em Recurso Extraordinário – com o conhecimento da outra matéria ou não –
bem como do Recurso Especial – de igual forma. O intuito do estudo foi promover uma linha lógica
de fungibilidade, sem afetar o instituto, tampouco atrapalhar o pedido que outrora foi interposto de
maneira correta.
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| Voltar ao sumário 279 Aspectos polêmicos do novo CPC
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| Voltar ao sumário 280 Aspectos polêmicos do novo CPC
A FUNGIBILIDADE RECURSAL ENTRE OS RECURSOS
EXCEPCIONAIS NO NOVO CPC
THE FUNGIBILITY RECURSAL BETWEEN THE EXCEPTIONAL RESOURCES IN
NEW CPC
Vinicius Silva Lemos326
RESUMO: Este artigo tem o propósito de apresentar a fungibilidade dos recursos excepcionais – especial e extraordinário – proposta pelos artigos 1.032 e 1.033 do CPC/2015. As hipóteses possíveis, a competência,
os impactos e reflexos no cotidiano recursal, bem como as implicações da mudança da admissibilidade proposta pela Lei 13.256/2016 diante dessa instituto novo. Palavras-Chave: Fungibilidade, Recursos Excepcionais, Primazia de Mérito, Complementariedade
Recursal.
ABSTRACT: This article has the purpose of presenting the fungibility of exceptional features - special and
extraordinary - proposal by articles 1,032 and 1.033 of CPC/2015. The possible hypotheses, competence, the
impacts and reflexes in daily recursal, as well as the implications of the change of the admissibility proposal
by Law 13.256/2016, before this new institute.
Key words: Fungibility, Exceptional features, primacy of merit, Complementarity Recursal.
1. INTRODUÇÃO
A vida processual brasileira vive uma efervescência desde a sanção do CPC/2015, passando
pela transição que permeou a sua entrada em vigência. Muito estudo, muitas diretrizes e dizeres
doutrinários. Estudar processo civil foi a tônica dos anos anteriores para a acadêmia e a base
necessária para a adaptação forense de 2016 em diante.
A nova legislação processual trouxe novas realidades, institutos remodelados, hipóteses
326 Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC.
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| Voltar ao sumário 281 Aspectos polêmicos do novo CPC
procedimentais inovadoras, uma mudança significativa na processualística brasileira. Uma dessas
grandes alterações, tema deste estudo detalhado que apresentamos, é a possibilidade da
fungibilidade inserta no CPC/2015, em especial aquele agora possível entre os recursos
excepcionais – especial e extraordinário, com um detalhamento das possibilidades em que é
plausível entender-se como fungível, bem como realizar a conjunção minimalista das consequências
que essa opção acarreta para o jurisdicionado e o próprio exercício da jurisdição.
Delinear toda essa novidade, com um estudo minucioso do instituto para desvendar
exatamente as suas nuances e a nova realidade processual.
2. A FUNGIBILIDADE RECURSAL
Fungibilidade significa troca, uma coisa por outra, substituição. Na seara recursal, o
princípio da fungibilidade nasce na possibilidade de que o tribunal receba um recurso por outro.
Essa alternativa vai de encontro com os princípios da singularidade e da correspondência que
sintetizam a forma recursal numa relação de unicidade entre a decisão e o recurso.
Com isso, a fungibilidade evidentemente é um princípio excepcional, para balizar uma
situação dentro de uma curva fora do comum, nunca como regra, possibilitando um aproveitamento
processual, almejando uma maior satisfação do jurisdicionado, porém há de se respeitar requisitos
básicos, como ausência de erro grosseiro, possível dúvida jurisprudencial sobre a escolha, bem
como não preclusão do prazo recursal sobre a dúvida entre os recursos.
“É aquele pelo qual se permite a conversão de um recurso em outro, no caso de equívoco da
parte, desde que não houvesse erro grosseiro ou não tenha precluído prazo para a
interposição. Trata-se de aplicação específica do princípio da instrumentalidade das
formas”. (CUNHA, DIDIER JR., 2012. p. 45)
Na existência de dúvidas sobre a recorribilidade correta, o recorrente realiza dentro das
possibilidades recursais postas, a que melhor lhe permite trabalhar as garantias processuais, o que
tornar a fungibilidade uma forma de garantir ao jurisdicionado que o seu recurso seja conhecido e
julgado, mesmo sendo interposto de maneira equivocada ou diferente daquela imaginada pelo
legislador.
Para se tornar possível a fungibilidade, requisitos são necessários para tornar factível a sua
utilização, não são a bel prazer do recorrente, tem a necessidade do preenchimento de um conjunto
de situações para ser aceito o recurso em questão. Para a aplicabilidade do princípio é importante
verificar a existência da dúvida objetiva, qualquer que seja essa dúvida e, após, que não exista erro
grosseiro, o que de certa forma estaria interligado à inexistência de uma dúvida plausível.
“a dúvida objetiva acerca de qual o recurso adequado para atacar determinada decisão pode
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 282 Aspectos polêmicos do novo CPC
se originar da imprecisão dos termos da lei, da divergência doutrinária quanto à natureza do
pronunciamento e da circunstância de o juiz proferir um pronunciamento em lugar de outro.
Pode-se dizer, de todo o modo, que há erro grosseiro: a) quando a parte faz uso de um
recurso, no lugar de outro, afrontando de maneira flagrante os princípios da sistemática
recursal do Código de Processo civil; b) e quando a jurisprudência e a doutrina são
absolutamente indiscrepantes quanto ao cabimento de outro recurso, que não o interposto,
contra a decisão recorrida”. (WAMBIER, MEDINA, 2008, p. 64)
O CPC/2015 não trata do tema da fungibilidade de maneira ampla, seguindo a mesma forma
da codificação anterior, utilizando-se com os mesmos requisitos, com as mesmas formalidades, nas
situações peculiares somente. Entretanto, houve especificadamente uma positivação de
fungibilidade no caso de dúvidas entre o recurso especial e o recurso extraordinário, constantes nos
artigos 1032 e 1033, dispondo que se houver erro na interposição de um dos recursos excepcionais
para os tribunais superiores, será automaticamente remetido para o tribunal que lhe couber, seja o
STJ remetendo para o STF ou ao inverso, assunto que aprofundaremos adiante.
2.1 O histórico desde do CPC/1939
Não há no ordenamento de 1973 uma expressão sobre a aceitação deste princípio, restando
uma interpretação sobre a dúvida objetiva em si, abrindo essa possibilidade para a aplicabilidade da
troca recursal. Porém, na história vemos que já foi diferente, como acontecia no Código de Processo
Civil de 1939, que versava claramente em seu artigo 810 sobre a fungibilidade, tornando-a
positivada: “Salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela
interposição de um recurso por outro, devendo os autos ser enviados à Câmara, ou Turma, a que
competir o julgamento”.
Era entendível na codificação de 1939, já que a existência de muitos recursos dificultava o
trâmite dos processos, com um imenso leque de possibilidades recursais para cada decisão, levando
à necessidade da adoção expressa da fungibilidade recursal na letra da lei, tornando mais fácil uma
justificável confusão sobre a interposição recursal. Sobre a mudança de postura entre as
codificações, o Código de 1973 delimitou de forma mais clara a correspondência entre os atos
judiciais e recursos, dirimindo várias dúvidas, primando pela objetividade, o que retirou a
necessidade de se aceitar, em regra, um recurso pelo outro, aperfeiçoando a técnica de escolha
recursal.
“O Código de 1973 eliminou a regra jurídica que se concebera em 1939. Dela não precisava
como dela precisara o Código de 1939, porque a redução do número de recursos
simplificou o problema. Não há mais dúvidas quanto ao cabimento de recurso, como
poderia ocorrer sob o Código de 1939 e o direito anterior.” (MIRANDA, 2005. p. 43)
Entretanto, a legislação por mais perfeita que pareça, não consegue prever o futuro, não tem
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 283 Aspectos polêmicos do novo CPC
o dom de visualizar na prática a sua eficácia ou todas as possibilidades legais e processuais,
situações diversas e inesperadas. Com isso, mesmo na codificação de 1973 que buscou simplificar e
objetivar as formas recursais, várias decisões processuais criaram ou permaneceram com dúvidas
objetivas sobre a sua recorribilidade que possibilitavam a utilização da fungibilidade.
3. O NOVO CPC E A PREVISÃO EXPRESSA DA FUNGIBILIDADE
RECURSAL
3.1 A Fungibilidade entre os recursos: especial e extraordinário
Os recursos para os tribunais superiores – especial e extraordinário – atacam, por vezes, a
mesma espécie de decisão, o acórdão do tribunal de segundo grau. Um quando há ofensa à
lei/norma federal, outro quando há matéria constitucional pertinente para tanto.
É necessário, portanto, uma análise pelo possível recorrente sobre o conteúdo do acórdão
para realizar, corretamente, o enquadramento recursal, intentar o recurso especial quando for o caso
de ofensa a dispositivo de lei federal e suas vertentes ou o recurso extraordinário quando contiver
matéria constitucional. Um enquadramento equivocado, uma possível confusão entre a matéria
federal ou a constitucional pelo recorrente, se intentar o recurso equivocado, pelo Código de 1973, o
recurso seria inadmissível, totalmente prejudicado, diante do erro processual realizado.
Conforme já destacamos, um dos problemas enfrentados atualmente pelo jurisdicionado é a
inadmissão de recurso especial pelo STJ quando entende que se trata de questão
constitucional e, por outro lado, a inadmissão de recurso extraordinário pelo STF por
entender que há apenas ofensa reflexa às normas constitucionais. No tocante a este aspecto
especificamente, faz-se mister uma análise dos artigos 1.03224 e 1.03325 do Novo Código,
os quais possibilitam que os próprios Tribunais Superiores, tanto STJ quanto STF, remetam
os recursos um ao outro quando entenderem adequado.” (NUNES, PIRES, 2015)
E o impacto disto no cotidiano, justamente por ter, entre o cabimento de ambos os recursos
excepcionais, uma conectividade, com a possibilidade de dúvidas entre a adequação recursal correta
para o acórdão do segundo grau, com isso, “vale destacar que milhares de recursos extraordinários
são negados pelo fundamento de ofensa reflexa ou indireta e que, com o disposto no art. 1.033,
serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça para o juízo de admissibilidade.” (SILVA, 2015,
p.382)
Na atual codificação, existe a aplicação do princípio da fungibilidade entre os recursos
excepcionais, tanto na interposição do recurso especial na hipótese do extraordinário, quanto na
situação inversa. Entretanto, há de imaginar que o equívoco somente será possível de ser
tergiversado, quando houver uma dúvida plausível, em hipóteses complementes subjetivas de
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 284 Aspectos polêmicos do novo CPC
cabimento de ambos os recursos.
“E os artigos 1.032 a 1.033 do CPC/2015 têm, exatamente, a virtude de permitir, vez por
todas, uma solução concreta para o conflito negativo de atribuição, gerando, com isso,
padrões decisórios a serem seguidos pela própria Corte (vinculação horizontal) e pelos demais tribunais de 2o grau e juízes (vinculação vertical), tudo por observância aos arts.
926 a 928 do CPC/2015.” (CAMARGO, 2015. p.817)
Dentre as hipóteses de cabimento de cada um dos recursos excepcionais, tem aquelas
subjetivas e, outras, objetivas. Não há como imaginar que um recurso especial que tentou impugnar
um acórdão com declaração de inconstitucionalidade de uma norma federal – alínea B do artigo
102, III – seria possível de fungibilidade. Em casos como este, o equívoco deve ser encarado como
erro grosseiro, já que se pode arguir dúvida plausível entre uma hipótese objetiva e outra subjetiva.
Podemos entender, dessa maneira, que o normal será a fungibilidade entre as alíneas A de cada
dispositivo – artigo 102, III e 105, III – pelo fato de, ambas, falarem sobre a contrariedade à norma,
mesmo que em níveis diferentes, mas que possibilitam uma confusão entre elas.
“Com efeito, se determinado tema é prevista na Constituição e, novamente, em lei
ordinária, significa que o legislador, sensível aos anseios populares, deu ao assunto um
grande valor, daí porque, se judicializa a questão, esta deve, havendo repercussão geral, ser
decidida, em último nível, pelo órgão que tem o dever de dar a palavra final em matéria
constitucional. Se, de ouro lado, o STF entender que a matéria é afeta ao STJ, deve remeter
o recurso à outra Corte e não, como ocorre hoje, negar seguimento ao recurso
extraordinário, porque, com a devida vênia, o Poder Judiciário não pode aplicar uma
interpretação que deixe o jurisdicionado sem resposta, positiva ou negativa, às suas
pretensões.” (CAMARGO, 2015. p. 817)
Não há como imaginar uma fungibilidade sem ser por estas hipóteses, por total falta de
possibilidade de aproveitamento do recurso equivocadamente interposto. Sendo que ambos os
recursos são para os tribunais superiores, em caso de enquadramento equivocado, a parte recorrente
tem a oportunidade do seu recurso ser reaproveitado, remetido para o órgão correto, não sendo
declarado diretamente inadmissível.
Na dicção do artigo 1032 do atual Código,327
quando o relator do STJ entender que não
houve o enquadramento correto, em vez de questão federal, o correto seria a impugnação a uma
matéria constitucional, há a possibilidade de aproveitamento de tal recurso, mesmo com a
delimitação e fundamentação material equivocada, transformando-o em recurso extraordinário, com
a devida remessa ao STF, para processamento e julgamento.
Da mesma forma ocorre ao inverso, quando o relator do STF, ao receber o recurso
extraordinário, verificar que a matéria ali exposta é uma questão federal, somente com um reflexo
327 Art. 1.032. Se o relator, no Superior Tribunal de Justiça, entender que o recurso especial versa sobre questão constitucional, deverá conceder prazo de 15 (quinze) dias para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral e se manifeste sobre a questão constitucional. Parágrafo único. Cumprida a diligência de que trata o caput, o relator remeterá o recurso ao Supremo Tribunal Federal, que, em juízo de admissibilidade, poderá devolvê-lo ao Superior Tribunal de Justiça.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 285 Aspectos polêmicos do novo CPC
constitucional, pode, da mesma maneira, aproveitar a existência recursal, para transformá-lo em
recurso especial, com a devida remessa ao STJ, conforme disposto no artigo 1033.328
3.2 A necessidade de simetria entre as fungibilidades excepcionais
O novo ordenamento decidiu por trazer a possibilidade da fungibilidade entre os recursos
excepcionais, quando, em determinadas situações, houver possibilidade de aceitar um recurso por
outro, de acordo com dúvida sobre a matéria impugnada e sua recorribilidade. Sempre deve ser
vista tal possibilidade como exceção, como uma tentativa de melhorar a prestação jurisdicional para
as partes, todavia com limitações, sem uma liberdade total de fungibilidade, somente quando houver
uma plausibilidade.
Há, portanto, uma fungibilidade tanto na interposição equivocada do recurso especial,
interposto equivocadamente, aceitando-o como recurso extraordinário, com eventual remessa ao
STF, bem como no caminho inverso, do recurso extraordinário aceito como recurso especial e
remetido para o STJ. Uma autêntica manifestação do princípio da primazia ao julgamento de
mérito.
Uma iniciativa louvável do legislador para propiciar uma melhor aproveitamento recursal,
ainda que seja de forma a beneficiar quem, teoricamente, não soube manejar o recurso correto para
a situação correspondente.
Com essa possibilidade devidamente positivada no ordenamento jurídico processual
brasileiro, os impactos previstos, caso o instituto seja utilizado de maneira correta, será uma
flexibilização na admissibilidade destes mesmos recursos, com a adequação do recurso interposto
equivocadamente para uma nova situação processual, remetendo-o para o órgão competente para
julgá-lo nesta nova faceta processual que ganha.
Um ponto passa a ser importante, essa fungibilidade deve ser vista como mais um ponto em
comum entre os recursos especiais e extraordinários, da maneira excepcional que são, o que leva a
necessidade de imaginar o instituto dessa fungibilidade necessitar de uma simetria entre as suas
hipóteses, tanto do recurso especial transformado em extraordinário, quanto ao inverso, estipulando
que os procedimentos para acontecer qualquer das fungibilidades sejam idênticos, para não causar
nenhum prejuízo com a substituição realizada.
Neste ínterim, uma eventual regra que estiver em um dos lados da fungibilidade deve ser
328 Art. 1.033. Se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário, por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para julgamento como recurso especial.
Voltar ao sumário
| Voltar ao sumário 286 Aspectos polêmicos do novo CPC
vista como possível no sentindo reverso, guardando suas devidas diferenças recursais, mas
propiciando um só entendimento entre as admissibilidades e possibilidades de se remeter um
recurso para o tribunal superior correto.
3.3 Competência para a atribuição da fungibilidade: relator ou colegiado
No entanto, é importante necessário analisar a prerrogativa de competência para tal decisão.
No caso do artigo 1032, na fungibilidade do recurso especial recebido para transformá-lo em
extraordinário, a decisão cabe ao relator, com a sua discricionariedade em decidir
monocraticamente, já que expressamente está disposto que a competência será somente dele. Pode,
no entanto, o relator colocar para o colegiado? Evidentemente. Ou, ainda, pode o colegiado, durante
o julgamento do recurso, decidir por proceder pela fungibilidade, não será a regra, já que seria
medida extrema, contudo, não há óbice procedimental para tanto.
Já, no STF, acontece de igual forma? Uma dúvida pertinente. A princípio, há de se imaginar
que sim, mas, analisando a dicção do artigo 1033, o ali disposto passa pelo “se o Supremo Tribunal
Federal considerar,” o que, num primeiro momento, coloca como uma competência colegiada, pelo
STF, como uma forma de julgamento conjunto, sem a possibilidade do relator fazê-lo
monocraticamente. Há plausibilidade em imaginar essa hipótese? Não há como pensar que a
fungibilidade seria somente pelo colegiado, ainda que, durante o julgamento, possam realizar a
decisão, todavia, o normal é que seja realizada, quando possível, pelo relator, até para não enviar a
matéria, desnecessariamente, para o colegiado/pleno.
Como a fungibilidade acaba por ser uma via de mão dupla, uma simetria em suas
possibilidades é e deve ser visualizada como possível e plausível. Dessa maneira, mesmo não
dispondo, no artigo 1033, que a função de análise é do relator, para transformar o extraordinário em
especial, não há problema que assim o faça, se entender pertinente. Em ambos os casos, o relator
deve fazer,329
sempre que possível e pertinente, a fungibilidade, com a possibilidade somente de
fundo e em última situação, do colegiado realizá-lo. Essa decisão monocrática pode ser agravável?
A princípio, se imagina que o relator realizou tal desiderato, com uma clara “ajuda” ao recorrente,
para adequar o recurso excepcional equivocado ao que seria correto para aquela situação. Por qual
motivo, então, o recorrente teria interesse recursal em agravar da decisão que, teoricamente, lhe é
auxiliar? Em todo caso, a decisão judicial pode ser falível, com erro/equívoco na questão, decidindo
329 Enunciado n.º 566 do FPPC: Na hipótese de conversão do recurso extraordinário em recurso especial, nos termos do art. 1.033, cabe ao relator conceder o prazo do caput do art. 1.032 para que o recorrente adapte seu recurso e se manifeste sobre a questão infraconstitucional.
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pela fungibilidade quando não seria necessário, dessa forma, quando ocorrer qualquer situação em
que o recorrente entenda que não é pertinente a fungibilidade, com a possibilidade do colegiado se
manifestar. A fungibilidade será, de todo modo, pouco utilizada, a recorribilidade de sua decisão
menos ainda, contudo, plenamente possível.
3.3 A fungibilidade recursal como manifestação do princípio da primazia de
mérito
O intuito de existência dessa fungibilidade, entre os recursos excepcionais, perfaz a
utilização do princípio da primazia ao julgamento de mérito, como uma evolução do princípio da
instrumentalidade das formas, para almejar que se julgue o mérito recursal, relativizando a
formalidade processual do cabimento, para almejar a resolução do conflito, a prestação jurisdicional
ao cidadão.
“Sem transformar as regras formais do processo num sistema orgânico de armadilhas
ardilosamente preparadas pela parte mais astuciosa e estrategicamente dissimuladas do
caminho do mais incauto, mas também sem renegar o valor que têm, o que se postula é,
portanto, a colocação do processo em seu devido lugar de instrumento que não pretenda ir
além de suas funções; instrumento cheio de dignidade e autonomia científica, mas nada
mais do que instrumento”. (DINAMARCO,, 2005, p. 329)
A confusão entre as matérias existe, não de forma sazonal ou excepcional, mas com certa
frequência, ocasionando, muitas vezes, o não conhecimento ou o improvimento do recurso pelo
tribunal superior, gerando prejuízo ao jurisdicionado. O intuito do CPC/2015 foi positivar uma
forma de combater a indefinição entre os tribunais superiores de quem julgará a demanda, o que
“em muitas ocasiões, a distinção entre a ofensa direta e reflexa à Constituição Federal é tarefa
bastante difícil, senão impossível.” (WAMBIER, CONCEIÇÃO, RIBEIRO, MELLO, 2015.
p.1500)
O princípio da primazia ao julgamento de mérito, inserto no artigo 4o330
do CPC/2015,
preconiza que, além da duração razoável do processo, a jurisdição deve ser prestada de maneira
efetiva, com o alcance dos anseios da resolução meritória, resolvendo o conflito colocado em juízo.
Uma demanda que se encerra, sem o julgamento do mérito, quando há possibilidade de
correção do ato, é um erro para todo o sistema, consistindo na possibilidade de aproveitar -se o ato
falho, possibilitando sua devida correção, para almejar a possibilidade julgar o mérito, entregando
uma melhor jurisdição – para os indivíduos em juízo e para o Estado.
“Consolida-se, aí, um princípio fundamental: o de que se deve dar primazia à
330 Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa
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resolução de mérito (e à produção do resultado satisfativo do direito) sobre o reconhecimento de nulidades ou de outros obstáculos à produção do resultado normal do processo civil. Eis, aí, portanto, o princípio da primazia da resolução do
mérito. (…) Por força deste princípio, combate-se a jurisprudência defensiva, sendo, portanto, equivocado identificar obstáculos superáveis (à resolução de mérito) e não envidar esforços para os superar.” (CÂMARA, 2015, p.16)
A criação de uma fungibilidade entre os recursos excepcionais recai justamente no intuito da
nova lei processual de sistematizar de maneira a combater a jurisprudência defensiva, deixando
claro que um dos dois tribunais superiores – em casos de subjetividade e dúvida – terão que julgar o
recurso excepcional, seja ele enquadrado em especial ou em extraordinário. A questão é propiciar o
julgamento do mérito recursal.
As hipóteses apresentadas no artigo 1032 e 1033 devem ser vistas como fungibilidade ou
eventual conversão recursal? O relator está aceitando um recurso como outro ou, simplesmente,
transformando-o um recurso em outro, adequando à hipótese recursal para a situação mais correta.
A dúvida parece irrelevante, no sentido prática que o efeito seria possibilitar julgar o mérito,
entretanto, a fungibilidade existe para aceitar-se a interposição de um recurso, com os efeitos do
outro. A conversão seria transformar um recurso interposto em outro, uma diferença sutil, mas
contundente para esta situação. Muito mais me parece que houve a aceitação de um recurso como
outro, do recurso extraordinário como recurso especial e vice-versa.
A preocupação nesta hipótese acaba por ser com o direito material, baseada na utilização do
princípio da primazia de mérito cominado com o princípio da efetividade do processo, com o
alcance da resolução meritória do recurso, relativizando eventuais percalços processuais para um
fim comum, a prestação jurisdicional mais ampla, com um resultado mais prático da resposta
estatal, já que “esta novidade representa relevante passo adiante, sob o ângulo da necessidade de
que o processo tenha o adequado rendimento.” (WAMBIER, CONCEIÇÃO, RIBEIRO, MELLO,
2015. p.1.500)
O processo deve ser um meio em busca da resolução material, um procedimento para a
finalidade da solução ao conflito de interesses, não impedindo este quando for possível julgar o
recurso, mediante alguma relativização. Esse é um avanço da legislação, com um olhar mais
material ao direito do que uma rigidez processual.
3.4 O impacto da alteração do juízo de admissibilidade pela lei 13.256/2016
na fungibilidade dos recursos excepcionais
Com a mudança realizada no juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais,
proveniente da sanção da lei 13.256/2016, retornando-os para o formato bifásico, com a análise
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preliminar realizada pelo presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, para, somente após,
remeter-se ao tribunal superior, talvez até via agravo para tanto, creio que o instituto da
fungibilidade entre os recursos excepcionais perde quase toda a sua força e aplicabilidade.
O instituto nascia pela possibilidade do relator, ao analisar o recurso excepcional – tanto faz
se o especial ou extraordinário – não tinha nenhuma análise anterior de admissibilidade, tampouco
decisão sobre o seu aceite ou não. O relator, ao receber o recurso excepcional, seria o primeiro
(talvez o único) a analisá-lo, sem posicionamentos anteriores sobre tal recurso, sem máculas e
indeferimentos de outros juízes – presidentes ou vice-presidentes dos tribunais recorridos.
Agora, com a volta da admissibilidade bifásica, com o presidente ou vice-presidente do
tribunal anterior manifestando-se, temos alguns problemas para a efetividade do instituto. O
primeiro é a possibilidade da análise preliminar inadmitir um recurso excepcional justamente pela
possibilidade que, posteriormente, o relator poderá recebê-lo pela fungibilidade, remetendo ao outro
tribunal. Nesta situação, quase que de forma esdruxula, com o presidente ou vice-presidente
inadmitindo por adequação equivocada, o recorrente interpondo o agravo do artigo 1042331
para
forçar a ida ao tribunal superior, com o relator neste invocando a mesma argumentação feita na
inadmissibilidade para tornar o recurso fungível. Estranho, mas completamente possível.
Quando uma lei posterior a um código – de qualquer matéria – reforma-o em parte, como a
lei 13;256/2016 o faz no Novo CPC, acontece, quase sempre, uma falta de análise minuciosa do
impacto da alteração ou revogação que será feita. Ao dispor que o tribunal a quo voltaria a realizar
o juízo de admissibilidade, outros institutos que somente foram pensados pela existência dessa
admissibilidade monofásica, deviam ser adaptados e esclarecidos para adequar-se à nova regra
processual que altera o Novo CPC. Sem essa determinação, cabe à doutrina enfrentar os problemas
para tentar conceder uma coerência ao ordenamento.
O impacto sentido neste ponto foi justamente a volta da admissibilidade bifurcada aos
recursos excepcionais, sem a adequação desta com a possível fungibilidade proveniente dos artigos
1032 e 1033. Como este novo instituto foi pensado à luz da ausência de análise preliminar de
admissibilidade, uma nova regra, com a volta da dualidade de momentos em que se verifica os
requisitos de admissibilidade, o instituto acaba por perder a sua forma, a sua vitalidade, impactado
pelas mudanças.
Um outro ponto negativo: será que essa inadmissibilidade anterior, de certa forma, macula o
pensamento e posicionamento do relator no tribunal superior, com a possibilidade muito maior de
331Art. 1.042. Cabe agravo contra decisão do presidente ou do vice-presidente do tribunal recorrido que
inadmitir recurso extraordinário ou recurso especial, salvo quando fundada na aplicação de entendimento
firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
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somente se manter essa inadmissibilidade, sem a visualização maior de uma possível fungibilidade.
A criação do instituto imputava uma análise pela fungibilidade pelo relator como o primeiro a fazê-
lo – talvez o único – o que acarretaria um estudo detalhado da demanda, seja para julgar o recurso,
indeferir a admissibilidade ou determinar a fungibilidade. Agora, se houver uma decisão anterior, o
mais comum e normal será mantê-la, o que de certa forma enfraquece do próprio instituto da
fungibilidade.
E, o terceiro, dentre tantos pontos negativos, é a forma que talvez, quase sempre que a
admissibilidade via fungibilidade for possível, somente será realizada com a necessária interposição
de um agravo para tanto. Ou seja, ao voltar a admissibilidade em formato bifásico, impacta de
sobremaneira o instituto da fungibilidade recursal excepcional, justamente por criar empecilhos e
dificuldades para tanto.
4. A FUNGIBILIDADE DOS RECURSO EXCEPCIONAIS E O PRINCÍPIO
DA COMPLEMENTARIEDADE
4.1 A necessidade da complementação na hipótese do recurso especial
transformado em recurso extraordinário
Com a possibilidade da fungibilidade recursal entre as espécies excepcionais, a interposição
para os tribunais superiores ganha uma flexibilidade processual, de forma a reaproveitar o que seria
um recurso inadequado, transformando-o em outro recurso, seja do especial para o extraordinário,
como vice-versa.
Entretanto, quando a fungibilidade ocorre na aceitação do recurso especial como
extraordinário, para a mutação processual ser completa necessita da complementação recursal,
concedendo prazo para o recorrente adequar o recurso à nova situação, fundamentando sobre o
requisito de admissibilidade específico do recurso extraordinário, a repercussão geral,
argumentando sobre a sua existência, aproveitando também para motivar a questão constitucional,
delimitando os pontos em que compreende, motivado pelo fato da fungibilidade, haver alguma
matéria pertinente.
Sem essa complementação, não há possibilidade da fungibilidade, diante da necessidade de
qualquer recurso extraordinário de manifestar-se sobre a repercussão geral. O recurso nasce aqui
como especial, transformando-o por interpretação do ministro-relator em extraordinário, exigindo
do recorrente para o aproveitamento deste, a adequação aos ditames de admissibilidade recursal
específicos da espécie recursal ao STF.
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A utilização do princípio da complementariedade não somente será eficaz, mas como
obrigatória, pela alteração do viés recursal determinado pelo ministro-relator. O recorrente não
imaginava intentar um recurso extraordinário, preparando-se com as regras do recurso especial, o
que, sem sua consulta, fora transformado em extraordinário, necessitando, dessa forma, de prazo
para a complementação recursal.
4.2 A competência definitiva do STF sobre a fungibilidade recursal
excepcional
Como já vimos, é plenamente possível o relator do STJ remeter ao STF o recurso especial
interposto equivocadamente, aceitando-o como extraordinário fosse. Contudo, com base no
parágrafo único do artigo 1032, essa remessa tem um aspecto preliminar, num primeiro momento,
cabendo ao STF decidir, definitivamente sobre essa possível flexibilização na admissibilidade via a
fungibilidade.
Dessa forma, assim que o recurso especial chegar ao STF aceito como se recurso
extraordinário fosse, o relator, neste tribunal, pode discordar sobre a matéria recursal ter cunho
constitucional, podendo nesta hipótese determinar a devolução dos autos ao STJ para análise do
recurso especial.
Esta competência e discricionariedade dada ao STF decidir se aceitará ou não a
fungibilidade, devolvendo os autos em caso de negativa, demonstra que a competência definitiva
para a resolução da questão da competência pertence ao STF. Logicamente, por se tratar de uma
decisão monocrática, proferida pelo relator, não há óbice para que o recorrente, entendendo tratar-se
realmente de matéria constitucional, intentar agravo interno para levar a questão ao colegiado do
STF. De qualquer forma, a decisão final sobre a fungibilidade/admissibilidade ficaria com o STF,
ainda que por sua forma colegiada ou, anteriormente, pelo seu relator.332
Todavia, a possibilidade do relator devolver o recurso excepcional remetido pelo outro
tribunal com base na fungibilidade não ocorre quando a situação for inversa, qual seja o STJ ao
receber um recurso extraordinário, em que houve a mutação em especial pelo STF, não pode rever
esta conclusão, necessariamente acatando-o como especial, concedendo o prosseguimento da
instrução recursal da mesma maneira que os demais recursos especiais.
332 “A última palavra a respeito da natureza da matéria do recurso é como é natural, do STF.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins. RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva. MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao novo código de processo civil. 1a. Ed, São Paulo: RT. 2015. p. 1499.
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4.2 A necessidade de visualização do caminho inverso: complementação na
hipótese do recurso extraordinário transformado em recurso especial
Se na fungibilidade do recurso especial para recurso extraordinário há expressamente a
necessidade da complementariedade, não há, no caminho inverso, ao menos expressamente no
Código, a necessidade da complementação do recurso extraordinário aceito como especial, com a
decisão somente para realizar a remessa do STF para o STJ, sem a menção sobre qualquer
adaptação do recurso interposto como extraordinário e, posteriormente, aceito como especial.
Mas, será que isso é correto? Imaginemos que um recurso extraordinário, que impugna a
contrariedade direta à Constituição será aceito como especial pelo relator no STF. Não há, neste
recurso, nenhuma menção à lei federal, nenhuma formalidade que o coloque como plausível de
impugnação à lei federal.
Dessa forma, sem uma adequação, um prazo para a complementariedade recursal, não há
nenhuma chance ou plausibilidade para tal recurso, ainda que o relator tenha concedido ali, uma
relativização com o anúncio de uma fungibilidade.
Com isso, pertinente se faz, a interpretação de que o prazo de 15 dias para a adequação do
recurso, após a fungibilidade, deve ser em qualquer das vias, a do especial em extraordinário, como
já preconizado na norma e, por analogia a esta, quando do recurso extraordinário fungível para
recurso especial, utilizando como uma regra para este instituto.
O intuito da fungibilidade passa justamente por salvar o recurso, aceitar um pelo outro,
tentando procedimentalmente viabilizar uma maneira de que qualquer destes recursos, se interposto
equivocadamente, em hipótese plausível de se salvar, há essa via aberta. Contudo, como imaginar
que o legislador almejou conceder uma chance de reversão de um eventual não conhecimento para
que fosse possível o aproveitamento processual, mas não concede a possibilidade de
complementação do recurso quando for um extraordinário transformado em especial.
Ou seja, é plenamente possível e viável imaginar que não há prejuízo nenhum a
possibilidade do relator no STF, possibilitar a complementação recursal para enviar o recurso
fungível ao STJ. Ou, ainda, caso o relator do STF não abra essa via, ao chegar no STJ, o relator
deste tribunal deve proceder dessa maneira, possibilitando a devida adequação do recurso à questão
federal necessária para aquele julgamento em grau recursal excepcional.
Com o relator decidindo pela fungibilidade recursal destes recursos excepcionais, como
vimos, há plausibilidade que conceda, em qualquer dos casos e hipóteses, o prazo para a
complementação recursal, seja para adequar ao requisito da repercussão geral, seja para adequar as
questões – federais ou constitucionais – tornando o recurso aceito pela fungibilidade, com chances
mais reais de provimento. O prazo deve ser para ambos os recursos, ainda que somente na hipótese
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do recurso especial em recurso extraordinário seja prevista legalmente.
5. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E A FUNGIBILIDADE DOS
RECURSOS EXCEPCIONAIS
5.1 A necessidade de permissão de prazo para as contrarrazões recursais após
a fungibilidade
Um outro ponto importante que não foi abordado pelo legislador quando pensou no instituto,
foi a necessidade de contar com o princípio do contraditório nestes momentos em que a
fungibilidade é plausível.
Por esta construção, já que há a possibilidade dos recorrentes complementarem seus
recursos, deixando-os mais robustos processual e materialmente, por outro lado, necessita-se, de
todo modo, que haja a abertura de prazo para novas contrarrazões,333
de igual tamanho temporal.
O intuito dessa necessidade está no contraditório e ampla defesa. Se, por um lado, os
recorrentes, para salvaguardarem seus recursos, podem remendá-los, o mesmo benefício deve ser
concedidos para os recorridos, já que foi aberto prazo para a outra parte manifestar-se e pelo fato de
que podem haver alegações ali que não estavam no recurso original, necessitando de uma
impugnação específica pelo recorrido. Se uma parte tem prazo para manifestação nos autos,
consequentemente, a outra parte deve, de igual modo, ter o mesmo benefício.
Evidentemente, as contrarrazões devem ter cunho material parcial, somente para impugnar
o que eventualmente foi acrescido pelo recorrente para adequar a fungibilidade decidida para aquele
recurso. Não há possibilidade, nas contrarrazões, do recorrido falar sobre as matérias que já foram
interpostas anteriormente, sem ater-se às alterações realizadas pela complementariedade recursal
possibilitada pela fungibilidade. Há uma limitação material para se contrarrazoar, totalmente afeita
ao mesmo limite material para se adequar as questões recursais – federal ou constitucional – nos
recursos excepcionais, porventura, fungíveis.
Se o recorrente tem um prazo para aditar seu recurso, ainda que de forma mínima, o
recorrido, deve, em igual prazo, manifestar-se sobre essas alterações, com a possibilidade de
impugnar, tanto a admissibilidade como na repercussão geral, pleiteando sua inexistência ou falar
333 Enunciado n.º 565 do FPPC: Na hipótese de conversão de recurso extraordinário em recurso especial ou vice-versa, após a manifestação do recorrente, o recorrido será intimado para, no prazo do caput do art. 1.032, complementar suas contrarrazões.
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dos pontos de adequação da questão federal ou constitucional que, eventualmente, foram
alteradas/adequadas. Não há como possibilitar o recorrente de uma manifestação, tolhendo o direito
do recorrido de, igual forma, se manifestar.
Pelo princípio da ampliação do contraditório, deve possibilitar que o recorrido possa
impugnar, não somente a fungibilidade em si, bem como qualquer outro argumento realizado nesta
complementação recursal.
4.3 A possibilidade de recorribilidade adesiva do recorrido ao recurso
excepcional fungível
E uma pergunta se torna pertinente sobre as hipóteses da fungibilidade recursal elencadas
pelos artigos 1.032 e 1.033 e a visualização da possibilidade das contrarrazões: o recorrido pode,
neste momento, realizar a recorribilidade adesiva? Imaginemos que o recorrido não se manifestou
por impugnar a decisão adesivamente, quando da interposição do recurso especial – ou vice-versa,
justamente, por não visualizar motivos para impugnar a decisão com uma questão federal, mas,
agora, com a alteração para uma questão constitucional, se o recorrido entender que há
plausibilidade, pode, neste momento impróprio recorrer adesivamente? Não vejo óbice para tanto,
já que, realmente, deve ter as contrarrazões para tanto, com a possibilidade da interposição do
recurso adesivo.
O ponto complexo de se imaginar essa possibilidade de adesividade, não recai em sua
própria plausibilidade, mas, sim, na necessidade da construção de que as contrarrazões –
inexistentes na norma – são imprescindíveis para esta etapa, na fungibilidade entre os recursos
excepcionais.
Em caso de possibilidade das contrarrazões, já que o recorrente deve “emendar” seu recurso,
para adequá-lo à questão federal ou constitucional, o próximo passo será aceitar a recorribilidade
em sua forma adesiva, justamente pela mudança no status recursal proferido pelo relator/colegiado
daquele órgão superior. Novo momento, nova possibilidade recursal para o recorrido.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fungibilidade, mesmo sendo uma exceção recursal, é uma realidade no CPC/2015,
totalmente positivada. Se no CPC/73 era uma construção jurisprudencial e uma aceitação pela
doutrina, agora temos hipóteses reais e tipificadas de fungibilidade recursal. Um exemplo dessa
fungibilidade está disposta nos artigos 1.032 e 1.033, como já vimos, sobre a possibilidade de
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aceitar um recurso especial como extraordinário ou vice-versa quando a questão discutida no
recurso interposto for entendida – geralmente pelo relator de cada tribunal – como mais afeita à
outra espécie de recurso excepcional.
O intuito imaginado pelo legislador foi possibilitar a devida adequação recursal para que,
diante de uma situação complexa de recorribilidade, a matéria possa ser julgada pelo tribunal
correto para tal desiderato. Como as questões constitucionais e federais, em suas respectivas
infringências, podem ser confundidas em seu real conteúdo material, igualmente a impugnação
àquela decisão não é das mais fáceis. Permitir a aceitação de um recurso como o outro e o envio
para o tribunal correto é uma novidade que almeja atingir o jurisdicionado, possibilitando que a
questão suscitada seja julgada pelo tribunal superior, entregando uma melhor prestação
jurisdicional.
Nesta exposição delimitamos a matéria sobre o instituto, para detalharmos a sua
competência, que tem no relator de cada tribunal, a pessoa/juízo competente para tanto, mas com a
possibilidade de também ser realizada pelo colegiado a qual este faz parte. E também a
recorribilidade desta decisão para o colegiado, caso o recorrente não entenda como plausível a
aceitação do seu recurso como um outro, se a decisão for monocrática.
Em outro ponto, mais importante ainda, construímos a ideia de que essa aceitação somente é
possível se houver uma possibilidade de complementariedade recursal, fato já positivado na
hipótese do recurso especial em extraordinário, contudo no sentido inverso não há a mesma
previsibilidade, o que nos parece inviabilizar a própria fungibilidade nesta via, o que leva a
necessidade de sempre o relator abrir o prazo para a complementariedade, independente de qual
será a fungibilidade.
Por último, não há disposição sobre as contrarrazões complementares em qualquer das
situações de fungibilidade e, de igual modo, construímos, pela lógica do princípio do contraditório,
essa necessidade do relator, antes de enviar ao tribunal correto, a manifestação do recorrido. Neste
momento, abrimos ainda a análise sobre a hipótese da recorribilidade adesiva.
6. BIBLIOGRAFIA
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________. Código de Processo Civil. Lei 5.869 de 11 de janeiro de 1973.
________. PL8.046/10. Novo Código de Processo Civil.
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| Voltar ao sumário 296 Aspectos polêmicos do novo CPC
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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Recursos e ações autônomas de
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A REPERCUSSÃO GERAL NO NOVO CPC: A
CONSTRUÇÃO DA VINCULAÇÃO DA DECISÃO DE
MÉRITO PROFERIDA EM REPERCUSSÃO GERAL
PELO STF
THE OVERALL REPERCUSSIONS IN THE NEW CPC: THE CONSTRUCTION OF THE
BINDING DECISION OF MERIT IN OVERALL REPERCUSSIONS BY STF
Vinicius Silva Lemos334
RESUMO: Este artigo tem o propósito de analisar o instituto da repercussão geral no novo código de processo civil, a sua relação com os precedentes obrigatórios e a correlação com as novas redações dos arts. 1.030 e 1.042 para criar uma vinculação do precedente criado em julgamento de recurso extraordinário em repercussão geral.
Palavra-Chave: Recurso Extraordinário; Repercussão Geral; Vinculação; Precedente.
ABSTRACT: This article has the purpose to analyze the overall repercussions in the new code of civil procedure, its relationship with the mandatory precedent and the correlation with the new writings of arts. 1.030 and 1.042 to create a binding of the precedent set in judgment of extraordinary resource in the overall repercussions.
Keyword: Extraordinary Resource; Overall Repercussions; Junction; Precedent.
1. INTRODUÇÃO
O CPC/2015 trouxe uma novel sistemática de precedentes, com a positivação do art. 926
com o dever da uniformização de entendimentos pelos tribunais, para a manutenção da segurança
jurídica, com o intuito de prezar-se pela isonomia das decisões judiciais, para a manutenção de uma
estabilidade, coerência e integridade na aplicabilidade dos precedentes.
334. Advogado. Mestrando em Sociologia e Direito pela UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela
Faculdade de Rondônia – FARO. Professor de Processo Civil. Coordenador da Pós-Graduação em Processo Civil da Uninter/FAP. Vice-Presidente do Instituto de Direito Processual de Rondônia – IDPR. Membro da Associação Norte-Nordeste de Professores de Processo – ANNEP. Membro do Centro de Estudos Avançados em Processo – CEAPRO. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPRO.
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Já no art. 927, o CPC/2015 especifica um rol de precedentes considerados como
obrigatórios, com a necessária vinculação, quando formados, aos juízos inferiores aos tribunais que
os firmaram, com claro intuito de positivar esta obrigatoriedade a uma gama de espécies decisórias
que o legislador entendeu como importantes.
Neste rol estão decisões que a própria Constituição Federal já considerava como vinculantes,
como a decisão do STF em controle concentrado de constitucionalidade ou a súmula vinculante,
contudo inova totalmente a considerar outras decisões com tal vinculação, como: os enunciados das
súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça
em matéria infraconstitucional; os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de
resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos; a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
O objeto deste estudo é o fato da decisão proferida pelo STF em regime de repercussão geral
não estar neste rol disposto no art. 927, com a dúvida sobre a autoridade desta decisão e a existência
de sua vinculação ou não sobre os demais processos idênticos e sua força argumentativa como
precedente.
2. DA REPERCUSSÃO GERAL
2.1 O instituto inserido pela emenda 2004
O STF tem uma função da interpretação da Constituição Federal, como já vimos, contudo
até pouco tempo atrás, principalmente antes da criação do STJ, abarcava também as questões
infraconstitucionais, o que, de certa maneira, moldou o costume do próprio STF em julgar grandes
quantidade de demandas335
.
Com o intuito de aplacar essa grande quantidade de demandas e recursos no STF, a emenda
constitucional no. 45/2004 instituiu a repercussão geral como requisito de admissibilidade do
recurso extraordinário, almejando que este fosse cada vez mais excepcional, com a possibilidade do
próprio tribunal escolher e verificar quais as matérias pertinentes a seu crivo e julgamento. Parar de
335 “Para a solução do problema certamente não terá trazido a mínima contribuição o caráter analítico da Constituição: quanto maior a quantidade de normas que contém, maior é naturalmente a quantidade de
questões que suscita, e maior a probabilidade de que se tente submetê-las ao crivo da Suprema Corte. O problema aqui se agrava substancialmente pela formidável instabilidade do texto constitucional, objeto de dezenas de emendas ao longo de sua vigência” ASSUMPÇÃO, Hélcio Alves de. Recurso extraordinário: requisitos constitucionais de admissibilidade, in Meios de Impugnação ao Julgado Civil – estudos em homenagem a José Carlos Barbosa Moreira, Adroaldo Fabrício (coord.), Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 265.
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julgar casos meramente inter partes336, passando a portar-se realmente como uma corte de
precedentes, como Marinoni337
assevera.
Há que diga que a repercussão geral substituiu a arguição de relevância, pela proximidade
em termos de requisitos do próprio recurso extraordinário, contudo o critério é o inverso, já que na
análise anterior, o que se tinha era a necessidade do recurso excepcional que versasse sobre questão
não constitucional338
arguir uma relevância para forçar o julgamento pelo STF, o que difere da
própria repercussão geral, seja pela imposição a todos os recursos, fato inexistente no requisito
anterior, seja em recair sobre questão constitucional, não em questão federal. E, por último, a
arguição de relevância era um pedido de julgamento de matéria que não era competência do STF,
mas, que por existir relevância, pleiteava-se que assim fosse, almejando339
, uma inclusão recursal,
diferentemente da repercussão geral, a qual deve demonstrar para a Corte, que a matéria
constitucional – de competência natural – deve ser julgada por transcender340
a própria ação.
2.2 A legislação no tempo: lei 2006 e o CPC/2015
336 “A criação desse requisito é, a nosso juízo, elogiável, já que faz com que o Supremo Tribunal Federal, Corte Suprema do País, só se debruce sobre causas realmente relevantes para a Nação. Não faz sentido que o Pretório Excelso perca seu tempo (e o do País) julgando causas que não tem qualquer relevância nacional, verdadeiras brigas de vizinhos, como fazia antes da EC 45/2004.” CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, volume II. 14ª edição, Revista e atualizada. – Rio de janeiro: Editora Lúmen Júris, 2007. p. 141. 337 “As Cortes Supremas definem o sentido da lei federal e da Constituição, agregando sentido à ordem jurídica, e apenas por isso os seus precedentes devem ser obrigatoriamente respeitados pelos juízes e
tribunais. Toca às raias do absurdo elencar entre os pronunciamentos com força obrigatória as decisões proferidas em recursos repetitivos, esquecendo-se das demais decisões, inclusive das tomadas em repercussão geral pelo STF. Isso apenas teria lógica se a função das Cortes Supremas estivesse limitada a otimizar o trabalho do Poder Judiciário.” MARINONI, Luiz Guilherme. A função das cortes supremas e o novo cpc. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil n. 65 – Mar/Abr/2015. p. 21 338 “será relevante a questão federal quando o interesse no seu desate seja maior fora da causa do que, propriamente dentro dela”. BAPTISTA, N. Doreste. Da arguição de relevância no recurso extraordinário.
Editora Forense, Rio de Janeiro. 1976. p.34. 339 “Por sua vez, a repercussão geral é instituto que possui o objetivo de possibilitar o não-conhecimento do mesmo recurso, caso possa não haver reflexo da referida decisão junto à sociedade. Logo, o antigo instituto buscava a inclusão, enquanto o atual justifica a exclusão, de feição bastante pragmática: uma alternativa ao congestionamento do STF.” LAMY, Eduardo de Avelar. Repercussão geral no recurso extraordinário: a volta da argüição de relevância?, in Reforma do Judiciário – primeiras reflexões sobre a Emenda Constitucional nº 45/2004, coord. Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo, RT, 2005. p. 178
340 De certa forma, agora a parte deve demonstrar que há relevância no seu recurso, o que, de modo antagônico, como sugere Maltez, deve comprovar que não é irrelevante: “acaba por se reduzir a uma argüição de irrelevância’. Isso porque a relevância é presumida e a irrelevância somente será reconhecida se neste sentido se manifestarem dois terços de seus membros” MALTEZ, Rafael Tocantins. Repercussão geral da questão constitucional, in Recurso Especial e Extraordinário – repercussão geral e atualidades, Rogério Licastro Torres de Mello (coord.), São Paulo, Método, 2007. p. 194
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Dessa maneira, a partir de 2004, criou-se um novo requisito de admissibilidade do recurso
extraordinário, a repercussão geral, porém somente em 2007 que passou a ser realmente cobrado, já
que sua regulamentação ocorreu via lei infraconstitucional – no. 11.418, de 19 de dezembro de 2006
– acarretando, a partir de então, um novo requisito de admissibilidade341
. A validade prática do
requisito passou a ser o dia 03 de maio de 2007, momento da aplicabilidade da regulamentação pelo
Regimento Interno do STF.
A base conceitual da repercussão geral perfaz a necessidade da demonstração, pelo
recorrente, da transcendência342
daquela causa para a sociedade, com impacto social, jurídico,
econômico ou político. Além da Constituição Federal, em seu art. 102, § 3º conceituar a própria
repercussão, o art. 1.035, § 1º, determina, conceitualmente343
, a necessidade de existência de
“questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os
interesses subjetivos do processo.”
Há total subjetividade no próprio requisito, apesar da regulamentação constitucional e
infraconstitucional, na tentativa de pormenorizar o instituto, contudo na aferição do mesmo, é um
conceito juridicamente indeterminado, como bem pontuam Medina, Wambier e Wambier344
. Desse
modo, pertinente é a visualização da repercussão de matéria a matéria345
, sem a existência de um
regramento objetivo de auferimento deste conceito jurídico indeterminado.
2.3 Requisito de admissibilidade prévio ou posterior?
341 A natureza jurídica da repercussão seria, então, um autêntico requisito de admissibilidade, como bem asseveram Cunha e Didier Jr.: “ter que funda mentar o seu recurso em uma das hipóteses do artigo 102, III
da CF/88, terá, também, de demonstrar o preenchimento desse novo requisito.”CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 8a. ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 313. 342 “haverá repercussão em determinada causa/questão quando os reflexos da decisão a ser prolatada não se limita apenas aos litigantes mas, também, a toda uma coletividade. Não necessariamente a toda a coletividade (país), mas de uma forma não individual.” GOMES JR, Luiz Manoel. A Repercussão Geral da Questão Constitucional no Recurso Extraordinário. Revista Forense. 2005, p. 54.
343 Marinoni critica esta conceituação, seja pelo CPC/73 ou pelo CPC/2015, do que seria a repercussão geral, insistindo que a própria constituição já define o tema de modo satisfatório e, ademais, o STF teria competente e discricionariedade para fazê-lo. “Ora, a legislação processual deve passar longe do significado de repercussão geral, uma vez que cabe apenas e unicamente ao STF dizer quando ela está presente, nos termos da norma constitucional respectiva.” MARINONI, Luiz Guilherme. A função das cortes supremas e o novo cpc. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil n. 65 – Mar/Abr/2015. p. 21 344 “Pensamos estar‐ se, aqui, em hipótese típica de interpretação de conceito vago ou indeterminado”
MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Breves Comentários às Nova Sistemática Processual. Civil 3. São Paula: Ed. Revista dos Tribunais, 2007. p. 242 345 “que deverá ser demonstrado pelo recorrente, cuja interpretação e conclusão acerca de sua presença são tarefas do STF, que, por meio de decisão fundamentada, reconhecerá ou afastará o requisito” ARAÚJO, José Henrique Mouta. A eficácia da decisão envolvendo a repercussão geral e os novos poderes dos relatores e dos tribunais locais. Revista de Processo, São Paulo, v. 32, n. 152, p. 185- 186, 2007. p.57
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O STF, após a inserção da repercussão geral como requisito de admissibilidade, não julga o
recurso extraordinário de qualquer processo ou demanda, mesmo diante do cabimento correto em
uma das alíneas do art. 102, III da Constituição Federal, o que reforça de sobremaneira a visão de
um tribunal constitucional realmente influenciante para a sociedade, como deve sempre apresentar-
se judicialmente.
O recurso extraordinário perde a exclusividade de uma relevância interna para as partes346
,
com a necessidade da matéria recorrida suscitar questões relevantes, que impactem a sociedade
ultrapassando as barreiras inter partes, com um interesse amplificado. A repercussão geral é uma
admissibilidade específica, que serve como filtro para que o STF escolha o que lhe compete julgar,
com uma relevância maior do que aquele próprio processo. Não importa para o julgamento do
recurso extraordinário, somente a existência de uma questão constitucional, mas, ainda, uma
relevância daquela matéria para a sociedade, a propagada transcendência material do recurso
extraordinário.
Se um processo tem questão constitucional pertinente ao enquadramento ao cabimento
recursal, mas não tem êxito na demonstração da repercussão geral, o recurso extraordinário, mesmo
com enquadramento correto da supramencionada hipótese de cabimento, o que geraria uma
irrelevância constitucional347
. Uma questão constitucional pertinente somente a uma parte pequena
da sociedade, ao não conter uma repercussão geral, não é julgada pelo STF.
Medina tem uma visão ímpar sobre a repercussão geral, colocando-a em dois planos:
restrição de questões constitucionais a serem apreciadas pelo STF e um veículo de transposição do
próprio recurso extraordinário348
. Nesta visão, entende que realmente há o filtro de admissibilidade,
seja para impor uma dificuldade para o próprio recurso extraordinário, mas para que o STF decida
com impactos maiores para a sociedade, no outro ponto, entende que a repercussão geral seria o
requisito mais importante, o que até flexibilizaria outros pontos, caso existente a repercussão, ponto
346 Comentário do autor: Não deixa de ter essa relevância, somente não há mais este ponto específico do controle difuso como a principal característica, podendo até imaginar que há uma mutação do próprio
controle difuso, já que transcende ao que foi ali julgado. 347 “em princípio, qualquer situação envolvendo a aplicação de norma constitucional é de interesse público. Mas, na prática, muitas questões têm repercussão limitada às partes ou a pequeno número de casos, e há problemas reais cujas consequências são muito reduzidas, mesmo para os interessados, servindo antes como pretexto para manobras processuais protelatórias ou que visam a subtrair o mérito do litígio do direito aplicável.” OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Recurso extraordinário e o requisito da repercussão geral. São Paulo: RT, 2013. p. 293.
348 “Temos sustentado que repercussão geral opera em dois planos, em relação ao recurso extraordinário: de um lado, funciona como mecanismo de restrição das questões constitucionais que podem ser levadas ao STF; de outro, funciona como veículo de transposição de recurso extraordinário, já que, uma vez havendo repercussão geral, tende a jurisprudência do Supremo a abrandar a exigência de presença de outros requisitos do recurso.” MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado. 4ª Edição. RT: São Paulo. 2015. 948.
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que não é pacífico na doutrina349
, tampouco no STF. O entendimento é que a repercussão geral seja
o último dos requisitos analisáveis350
, com o preenchimento dos demais351
, sejam aqueles
intrínsecos ou extrínsecos de admissibilidade.
349No ponto em que Medina defende que, se houver repercussão, esta seria mais importante do que os
outros requisitos, com a possibilidade de gerar uma flexibilização, a pacificação é por outro entendimento. Bruno Dantas discorre sobre a controvérsia existente no passado da seguinte maneira: “De um lado, a corrente capitaneada pelo Prof. Arruda Alvim sustenta que, por se tratar de pressuposto especial (e de natureza política) do cabimento do recurso, o exame da repercussão geral deveria ser prévio ao exame de admissibilidade tradicional. De outro, autores renomados, como José Rogério Cruz e Tucci, já defenderam que a operatividade do sistema requer que repercussão geral seja examinada juntamente com os demais requisitos de admissibilidade, sob pena de sobrecarregar o plenário do STF
com a análise de recursos que eventualmente não teriam chances sequer de ser conhecidos, como nos casos de falta de prequestionamento ou mesmo intempestividade.” DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 292-293. Contudo, o entendimento é que a admissibilidade é bipartida, com o relator analisando as questões anteriores e, somente colocando para o plenário virtual, o recurso extraordinário que seja admissível sobre os outros requisitos. Conlui Dantas que: “deve ser analisada no contexto da avaliação dos requisitos de admissibilidade desse recurso, sem qualquer precedência sobre os
demais pressupostos ou requisitos de admissibilidade.” DANTAS, Bruno. Repercussão geral: perspectivas histórica, dogmática e de direito comparado: questões processuais – São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008. p. 294.
350 Houve um posicionamento divergente sobre o tema, quando a então Ministra Ellen Gracie no julgamento do AI 375011, Informativo 365, minorando a necessidade do prequestionamento quando a matéria comportar a presença da repercussão geral, referindo-se à possibilidade da relativização deste requisito dependendo da importância da manifestação superior sobre a matéria de fundo. Entretanto, este
posicionamento foi isolado no STF, em situação somente excepcional, como a situação do julgado analisado, não acarretando adeptos entre os demais membros do tribunal, nem da própria ministra, que defendeu por diversas vezes posteriormente, demonstrando a impossibilidade dessa relativização como regra, mas sim como possibilidade remota: 2. Tal circunstância não constitui óbice ao conhecimento e provimento do recurso extraordinário, pois, para tanto, basta a simples declaração de constitucionalidade pelo Tribunal a quo da norma municipal em discussão, mesmo que desacompanhada do aresto que julgou o leading case. 3. O RE 251.238 foi provido para se julgar procedente ação direta de inconstitucionalidade da competência originária do Tribunal de Justiça estadual, processo que, como se sabe, tem caráter objetivo, abstrato e
efeitos erga omnes. Esta decisão, por força do art. 101 do RISTF, deve ser imediatamente aplicada aos casos análogos submetidos à Turma ou ao Plenário. Nesse sentido, o RE 323.526, 1ª Turma, rel. Min. Sepúlveda Pertence.4. Agravo regimental provido. (AI 375011 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 05/10/2004, DJ 28-10-2004 PP- 00043 EMENT VOL-02170-02 PP-00362) 351 “(..) O prequestionamento da questão constitucional é requisito indispensável à admissão do recurso extraordinário.3. As Súmulas 282 e 356 do STF dispõem, respectivamente, verbis: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada” e “o ponto omisso da
decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não podem ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.4. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RISTF). Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida “a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso” (art. 102, III, § 3º, da CF).(..) Além disso, não foram opostos embargos de declaração para sanar eventual omissão, faltando, ao caso, o necessário prequestionamento da questão constitucional, o que inviabiliza a pretensão de exame do
recurso extraordinário. Incide, portanto, o óbice das Súmulas 282 e 356 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada.” e “O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”. A respeito da aplicação das aludidas súmulas, assim discorre Roberto Rosas: “A Constituição de 1891, no art. 59, III, a, dizia: ‘quando se questionar sobre a validade de leis ou aplicação de tratados e leis federais, e a decisão for contra ela’. De forma idêntica
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Inegavelmente, o STF, após a inclusão do instituto da repercussão geral no ordenamento, de
certo modo, escolhe o que entende como pertinente julgar, sendo um filtro processual de
admissibilidade, com uma função de, além da própria devolutividade normal, delimitar a relevância
das matérias constitucionais. Uma forma de delinear-se, o que deve ser julgado, bem como,
igualmente importante, do que não deve352
. Demonstrando, por modo antagônico, a reflexão de que
o STF debruçar-se-á, materialmente, somente em questões mais condizentes com o impacto social
ao qual se espera de uma Corte Suprema, inadmitindo as que não se enquadrem a esta definição.
Talamini explica isso como uma seletividade do próprio STF353
em seu modo de atuação, o que,
teoricamente, faz com que se aprimore as discussões realmente relevantes e os processos de
competência da Corte Suprema.
dispôs a Constituição de 1934, no art. 76, III, a: ‘quando a decisão for contra literal disposição de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado’. Essas Constituições eram mais explícitas a respei to do âmbito do recurso extraordinário. Limita-se este às questões apreciadas na decisão recorrida. Se foi omissa em relação a determinado ponto, a parte deve opor embargos declaratórios. Caso não o faça, não poderá invocar essa questão não apreciada na decisão recorrida. (RTJ 56/70; v. Súmula 356 do STF e Súmula 211 do STJ; Nelson Luiz Pinto, Manual dos Recursos Cíveis, Malheiros Editores, 1999, p. 234; Carlos Mário
Velloso, Temas de Direito Público, p. 236). Os embargos declaratórios visam a pedir ao juiz ou juízes prolatores da decisão que espanquem dúvidas, supram omissões ou eliminem contradições. Se esse possível ponto omisso não foi aventado, nada há que se alegar posteriormente no recurso extraordinário. Falta o prequestionamento da matéria. A parte não considerou a existência de omissão, por isso não opôs os embargos declaratórios no devido tempo, por não existir matéria a discutir no recurso extraordinário sobre essa questão (RE 77.128, RTJ 79/162; v. Súmula 282). O STF interpretou o teor da Súmula no sentido da desnecessidade de nova provocação, se a parte opôs os embargos, e o tribunal se recusou a suprir a omissão (RE 176.626, RTJ 168/305; v. Súmula 211 do STJ).” (ROSAS, Roberto, in Direito Sumular,Malheiros).
(..) .” Ex positis, DESPROVEJO o agravo, com fundamento no artigo 21, § 1º, do RISTF. Publique-se. Brasília, 29 de abril de 2014.Ministro LUIZ FUX Relator (STF - ARE: 727284 MG, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 29/04/2014) 352 Comentário do autor: A negativa da repercussão geral, daquele recurso extraordinário sobre a matéria, causa efeitos nos demais processos, primeiramente no próprio STF, se houver recursos extraordinários com outros relatores, sobrestados ou não, estes negam seguimento, com base na ausência de repercussão geral, igualmente nos recursos extraordinários que se encontram em outros tribunais,
aguardando a remessa para o STF, também serão negados em seu seguimento, inadmitindo remessa ao tribunal superior, pelos presidentes ou vice-presidentes destes tribunais, com base no artigo 1035, § 8º. Neste efeito cascata, perante todos os outros recursos extraordinários que são afetados pela decisão, na ausência da repercussão geral em determinada matéria, é importante verificar-se com cuidado a coincidência das matérias recursais, tanto do recurso extraordinário analisado pelo STF, como em cada um dos demais a serem negados pelos relatores do STF e pelos presidentes ou vice-presidentes dos tribunais. 353 “Instaura-se uma atuação seletiva. Pretende-se que a restrição quantitativa confira ao Supremo
Tribunal um incremento qualitativo na sua atuação. Em tese, a filtragem propiciará mais tempo e recursos humanos e materiais para a Corte dedicar não só aos recursos extraordinários que versem sobre as questões tidas por relevantes, como também para os demais processos que permanecem em sua esfera de competência.” TALAMINI, Eduardo. Novos Aspectos da Jurisdição Constitucional Brasileira: Repercussão Geral, Força Vinculante, Modulação dos Efeitos do Controle de Constitucionalidade e Alargamento do Objeto do Controle Direto, São Paulo, Tese de Livre-Docência, USP., 2008. p. 25).
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3. O JULGAMENTO DE MÉRITO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM
REPERCUSSÃO GERAL
Quando o STF realiza a decisão do recurso extraordinário de matéria com repercussão geral
reconhecida, o entendimento jurídico firmado tem de ser aplicado. Mas tem um efeito vinculante?
Onde tem de ser aplicado? Não há um efeito vinculante para nenhum juízo em força legal, mas
causa impacto em todos os recursos extraordinários interpostos nos tribunais anteriores ao STF e
que encontram sobrestados, seja em julgamento repetitivo ou não.
Neste modo de julgamento por amostragem, ao julgar aquele recurso extraordinário com a
repercussão geral, essa única decisão do STF deve ser multiplicada em todo o Brasil, afinal, este é o
intuito da própria existência do instituto, propiciar à Suprema Corte que “escolha” as matérias
relevantes para apreciar, com um efeito cascata para os demais casos.
Se, com a decisão positiva da admissibilidade daquele recurso extraordinário com
repercussão geral, num primeiro momento, há uma suspensão nos demais processos idênticos, para
quando ocorrer a decisão pelo STF neste regime de repercussão geral sobre a matéria, haver, de
igual modo, impacto desta nos demais processos sobrestados existentes no próprio tribunal ou,
ainda, represados nos tribunais anteriores.
O intuito da própria repercussão geral passa por prestar uma melhor atividade jurisdicional,
com a análise superior para chegar-se somente a uma decisão, a qual definida, impactar todos os
recursos que ficaram sobrestados para tal desiderato. Tal aplicabilidade da decisão proferida em
regime de repercussão geral, com impacto aos recursos extraordinários sobrestados gera uma maior
segurança jurídica, com a aplicabilidade de um único direito definido pelo STF.
Dessa maneira, não há necessidade de julgar todos os recursos em forma minimalista, ao
definir a questão constitucional pela repercussão geral, numa análise mista entre caso concreto e
aplicabilidade em abstrato, consegue um rumo material de decisão para aplicabilidade múltipla
dessa decisão, aplicando nos processos sobrestados. O ganho processual do STF repassa pela
ausência de julgamento caso a caso, suspendendo em um primeiro momento os processos para,
após, aplicar uma decisão comum a todos, desafogando da análise pormenorizada dos tribunais,
existente ou não uma multiplicidade de processos.
3.1 A construção do efeito vinculativo da decisão de recurso extraordinário
em regime de repercussão geral
Uma grande questão sobre a repercussão geral recai na existência ou não de vinculação do
que foi decidido pelo STF em recurso extraordinário. É uma questão pertinente, já que trata-se da
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Suprema Corte, o que, por si só, já serviria para criar tal vinculação ou autoridade para a criação de
um precedente dessa magnitude.
No entanto, se considerarmos o art. 927 do CPC/2015 como taxativo para as espécies de
decisões vinculantes, não encontraríamos ali, a decisão proferida pelo STF em tese definida em
repercussão geral. Ou seja, na escolha legislativa processual, não há, claramente, vinculação da
decisão recursal realizada via repercussão geral aos demais processos que tenham a mesma ratio
decidendi.
Mas, esse raciocínio é correto? Entendemos que não. Primeiro, pelo motivo do art. 927 não
ser um rol exaustivo de decisões vinculantes, mas meramente exemplificativo354
, o que possibilita
que outras espécies que não encontram-se ali delineadas também podem ter o grau de vinculação,
pela conjunção de outras normas e a pela própria escolha legislativa.
Depois, pela conjunção existente na redação do art. 1.030 e do art. 1.042, permitindo
perceber que o legislador inseriu a necessidade de seguir os precedentes criados a partir de
julgamentos de recursos extraordinários dotados de repercussão geral, ainda que não tenha incluído
no rol do art. 927, como precedente legalmente vinculante.
3.1.1 A construção do efeito vinculativo sobre os recursos sobrestados no STF
O art. 1.036, § 5º determina que, uma vez reconhecida a existência de repercussão geral –
independentemente de multiplicidade – todos os processos de igual matéria devem ser suspensos355
.
Logo, a razoabilidade recai no pensamento de que há uma cautela para que estes processos não
sejam decididos enquanto o STF não fixar entendimento sobre a questão, o que, consequentemente,
vinculará quando assim fizer.
354“O rol do art. 927 é meramente exemplificativo, devendo os tribunais concretizá-lo em conformidade à
Constituição Federal, que resguarda o princípio da segurança jurídica, da igualdade e da eficiência, todos
eles plenamente aplicáveis à atividade jurisdicional. Realmente, não se concebe que possa um juiz de primeiro grau julgar em desconformidade a um precedente do STF em recurso extraordinário sem fazer uma distinção.” MACEDO Lucas Buril de. Precedentes judiciais: como podemos sentir falta do que nunca tivemos http://justificando.com/2015/05/06/os-precedentes-judiciais-no-cpc2015-ou-de-como-podemos-sentir-falta-do-que-nunca-tivemos/
355 Em sentido contrário, Cunha e Didier Jr entendem que a suspensão somente seria para recursos que fossem aceitos como repetitivos, posição que entendo que não há pertinência, até pela visualização
quantificativa do que seria essa repetição e, ainda, a regra está disposta tanto na repercussão geral quanto nos repetitivos, o que importa em técnicas suspensivas parecidas, contudo diversas: “A regra aplica-se exclusivamente aos casos em que a repercussão geral será julgada pela técnica dos recursos extraordinários repetitivos” CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 374.
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Uma vez decidida a questão constitucional em regime de repercussão geral, os demais
recursos, outrora sobrestados, sofrem o impacto deste entendimento jurídico firmado, como já
imaginava José Henrique Araújo Mouta356
.
Essa vinculação aos recursos sobrestados causa um efeito cascata, primeiramente, dentro do
próprio STF, quando serão julgados pelos seus relatores, aplicando o conteúdo da decisão proferida
por amostragem. Se o recurso extraordinário contém pedido no mesmo sentido da decisão proferida,
deve ser julgado provido. Por outro lado, se a decisão recorrida tinha o mesmo entendimento da
questão jurídica decidida e firmada pelo STF e, consequentemente, o recurso tem pedido contrário à
decisão, deve ser julgado prejudicado, pela aplicação da decisão paradigma amostrada.
A vinculação sobre a qual o próprio STF deve julgar os recursos sobrestados mediante a
orientação realizada em regime de repercussão geral, ganha o nome de horizontal, quando o próprio
tribunal que firmou o precedente, deve segui-lo.
No caso do não reconhecimento da repercussão geral, há uma vinculação latente e notória,
exposta no próprio art. 1.036, § 8º quando dispõe que “negada a repercussão geral, o presidente ou
o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados
na origem que versem sobre matéria idêntica.”
Esse impacto negativo é uma vinculação da decisão ali criada de que aquela matéria não tem
repercussão geral e, assim, não comporta julgamento pelo STF. Em consequência, todos357
os
outros recursos extraordinários que versem sobre a mesma questão, não terão a repercussão geral ,
importante em uma evidente inadmissibilidade358
.
Numa construção doutrinária, se o não reconhecimento da repercussão geral atinge todos os
recursos de matéria idêntica, logo, em sentido contrário, a decisão que admitir a repercussão geral,
possibilitando o julgamento meritório daquele recurso extraordinário, deve, de igual maneira,
vincular-se aos recursos sobrestados e idênticos, seja pelo reconhecimento da matéria, bem como do
resultado futuro do mérito daquele recurso paradigma pelo STF.
356 “De mais a mais, a decisão do STF, ao interpretar a questão constitucional concreta será vinculante, devendo ser aplicada pelos demais tribunais nacionais e pelos próprios ministros relatores, em casos repetidos.” ARAUJO, José Henrique Mouta. O julgamento dos recursos especiais por amostragem: notas sobre o art. 543-C do CPC. Revista Dialética de Direito Processual n. 65, São Paulo : Dialética: p. 55/62. ago/2008, p.55 357 “eficácia futura, pois todos os casos idênticos de Recursos Extraordinários deverão ser liminarmente
indeferidos.” CRUZ E TUCCI, José Rogério. Anotações sobre a repercussão geral como pressuposto de admissibilidade do Recurso Extraordinário (Lei nº 11.418/2006), in Revista do Advogado, nº 92, 2007. p. 29 358 “Vê-se, assim, que a decisão do STF tem caráter absolutamente vinculante, quanto à inadmissibilidade do recurso em razão da ausência de repercussão geral. Deverá o órgão a quo, assim, ater-se ao que tiver deliberado o STF a respeito.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recurso Extraordinário e Ação Rescisória. 2ª ed., São Paulo, RT, 2008. p.305/306.
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3.2 O efeito vinculativo da decisão de mérito em regime de repercussão geral
nos recursos em tribunais anteriores
O mesmo impacto realizado internamente no STF, aos recursos sobrestados, acontece nos
tribunais anteriores que também tem recursos extraordinários para serem tramitados, o que
Marinoni e Mitidiero denominam como vinculação vertical359
.
Se o acórdão recorrido, deste recurso sobrestado, coincidir com a decisão da repercussão
geral, o presidente do tribunal recorrido deve negar seguimento ao recurso, com a impossibilidade
de recurso desta decisão. Se o acórdão recorrido for em sentido diverso da decisão do STF, o
presidente daquele tribunal devolve o processo para o órgão fracionário que decidiu daquela
maneira, para reexame sobre a matéria, entre o que o acórdão decidiu e a decisão do tribunal
superior.
Entretanto, essa adequação, a qual chegamos pela conjunção do art. 1.030 e do 1.042 resulta
numa real vinculação legal? Essa é a grande questão, o tribunal anterior – seja o STJ ou aqueles de
segundo grau – devem seguir, obrigatoriamente, a decisão de mérito do recurso extraordinário
paradigma decidido em regime de repercussão geral? A construção visualizada neste trabalho opta
pela existência de uma vinculação legal, com a demonstração de que a conjunção destes artigos
acima mencionados, cominados com o art. 1.035, o qual o CPC/2015 remodela a repercussão geral,
obrigam os tribunais anteriores a seguirem o decidido pelo STF em regime de repercussão geral,
atribuindo um efeito híbrido, o que Dinamarco chamaria de capacidade expansiva360
.
Esta vinculação, com a impossibilidade de recurso extraordinário seguir ao STF se opta por
pleitear matéria contrária ao que já se estabeleceu em regime de repercussão geral, impõe a própria
Suprema Corte a atuar como uma corte necessariamente de precedentes361
. Nesta visão, a decisão
do mérito do recurso extraordinário em regime de repercussão geral tem uma notória vinculação,
359 “A rigor, se houver clara identificação da ratio decidendi utilizada pelo Supremo Tribunal Federal para o julgamento de mérito da questão a ele apresentada, há mesmo vinculação jurídica, em sentido vertical,
dos Tribunais de origem, à decisão do Supremo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é, aliás, de há muito nesse sentido.” MARINONI, Luis Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário. 2ª ed., São Paulo, RT, 2008. p. 64 360 “mirando o exemplo da Corte Suprema norte-americana, quer agora a Constituição que também a nossa Corte só se ocupe de casos de interesse geral, cuja decisão não se confine à esfera de direito exclusivamente dos litigantes e possa ser útil a grupos inteiros ou a uma grande quantidade de pessoas.” DINAMARCO, Candido Rangel. O processo civil na reforma constitucional do Poder Judiciário, in
Reforma do Judiciário – Comentários à Emenda Constitucional nº 45/2004, Sérgio Rabello Tamm Renault – Pierpaolo Bottini (coords.)., São Paulo, Saraiva, 2.005. p. 300-301 361 “Ora,a função da Corte Suprema, mais do que evitar decisões diferentes para casos em que se repetem em massa, dirige-se a casos que abrem oportunidade para a orientação da sociedade mediante a instituição de precedentes.” MARINONI, Luiz Guilherme. A função das cortes supremas e o novo cpc. Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil n. 65 – Mar/Abr/2015. p. 21
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ainda que limitada e que não esteja contida no rol dos precedentes obrigatórios elencados no art.
927, mas pela conjunção dos outros dispositivos legais cominados e citados acima.
3.2.1 O novo art. 1.030 e a vinculação como precedente: negativa de seguimento ou juízo de
retratação
Para se chegar que há uma vinculação – dos recursos já existentes e os futuros – sobre o
julgamento em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, utilizamos,
primeiramente, a base do art. 1.030, I, quando dispõe que “negar seguimento: a) (…) a recurso
extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do
Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral; (Incluído pela Lei nº 13.256, de
2016).”
A alínea A disposta acima especifica que o presidente ou vice-presidente do tribunal
recorrido, quando em análise do filtro de admissibilidade prévia, se constatar que o pleito existente
naquele recurso extraordinário interposto for baseado materialmente contra entendimento firmado
pelo STF em regime de repercussão geral, deve ser negada a admissibilidade362
.
O intuito é explicitar ao recorrente que o pleito material recursal que pretende não tem razão
de existir, por ir contra um precedente firmado pelo STF em processo com a mesma ratio decidendi,
não necessitando a remessa ao tribunal superior, justamente por ir contra uma matéria definida em
repercussão geral, estando, assim, o acórdão do tribunal recorrido condizente com o precedente
existente, não merecendo reparo, pelo fato da argumentação recursal ser negar somente ser
contrário ao precedente firmado.
Para que o recorrente tenha chance no seu pleito contra um acórdão embasado em um
precedente oriundo de julgamento do STF em repercussão geral, deve trazer subsídios de distinção,
para explicação ao próprio tribunal superior que houve enquadramento equivocado de sua matéria
na questão ali definida como aplicável do precedente ou, ainda, trazer um ônus argumentativo de
revisão de tese para o que se decidiu no STF, o que ensejaria novos fundamentos, pleiteando uma
superação de um precedente.
Sem qualquer um destes argumentos recursais – distinção ou superação – e, se realmente
houver a identidade entre o caso recorrido e a ratio decidendi do precedente do STF em regime de
362 “A segunda hipótese é o recurso extraordinário interposto contra acórdão que esteja em conformidade com o entendimento do Supremo Tribunal Federal exarada no regime de repercussão geral. Ainda que tal julgamento tenha eficácia vinculante erga omnes, entendo que nesse caso a questão é de mérito, somente sendo tratada como sendo de admissibilidade para permitir que o recurso seja inadmitido em segundo grau.” NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. Salvador: Jus Podivm, 2016, 2245/2246
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repercussão geral, o recurso extraordinário deve ser pela inadmissibilidade, com uma decisão
proferida pelo presidente ou vice-presidente neste sentido, negando seguimento.
Outro ponto pertinente sobre vinculação que retira-se do art. 1.030 está na inciso II, quando
dispõe que o presidente ou vice-presidente, ao analisar o recurso extraordinário, deve “encaminhar
o processo ao órgão julgador para realização do juízo de retratação, se o acórdão recorrido divergir
do entendimento do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça exarado,
conforme o caso, nos regimes de repercussão geral.”
Ou seja, se, realizada a análise do recurso extraordinário, verificar-se que o ato recursal
utiliza como base argumentativa a existência de julgado do STF em regime de repercussão geral e
que o acórdão impugnado que não segue o que se definiu em grau superior, deve ser possibilitada
ao colegiado, em juízo de retratação, que verifique a existência de precedente de tal autoridade, com
a plena possibilidade de reanálise para a aplicabilidade do precedente ali invocado363
.
Dessa maneira, se o acórdão não seguir a orientação do STF em regime de repercussão geral
e, houver um recurso extraordinário, ao invés deste ir diretamente ao tribunal superior, o presidente
ou vice-presidente encaminha novamente para a turma, com a disposição de que utilize o
precedente ali citado e não superado pela turma em ônus argumentativo.
Pode-se argumentar que o órgão que proferiu o acórdão pode manter a sua decisão,
refutando o juízo de retratação, ensejando uma não vinculação do precedente do STF em regime de
repercussão geral, contudo, nesta hipótese, com base no art. 1.030, IV, alínea C, o presidente ou
vice-presidente deve optar pela admissibilidade positiva do recurso extraordinário interposto,
remetendo-o a Suprema Corte, para que lá se verifique a aplicabilidade do precedente ou eventual
flexibilização, com possível superação ou distinção364
.
363 O dispositivo permite a conclusão de que na hipótese de possível retratação pelo órgão julgador não cabe ao presidente ou vice-presidente do tribunal de segundo grau analisar a admissibilidade do recurso, conclusão corroborada pela alínea “a” do inciso V do art. 1.030 do Novo CPC, que prevê a realização do
juízo de admissibilidade somente se o recurso não tiver sido submetido ao regime de julgamento de recursos repetitivos. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 2246 364 “A posição assumida pelo Supremo Tribunal em julgamento destinado precisamente a pautar uma pluralidade de recursos (portanto, uma decisão que se pode supor adotada com adicional prudência), se não vincula estritamente, é fortíssimo argumento de autoridade. Some-se a isso a imposição de razoabilidade: se a decisão não for objeto de retratação, será revista depois pelo próprio STF. Daí que, ainda que o órgão
prolator da decisão recorrida tenha a possibilidade de não se retratar, apenas deverá seguir por essa senda se reputar que o caso posto para o exame reveste-se de peculiaridades que não autorizam submetê-lo à decisão quadro, ou, ainda, se entender que dispõe de argumentos que não foram considerados no julgamento do recurso-amostra” TALAMINI, Eduardo. Novos Aspectos da Jurisdição Constitucional Brasileira: Repercussão Geral, Força Vinculante, Modulação dos Efeitos do Controle de Constitucionalidade e Alargamento do Objeto do Controle Direto, São Paulo, Tese de Livre-Docência, USP, 2008. p. 76/77
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3.2.2 O art. 1.042 e a impossibilidade de agravo em RE contrário ao entendimento firmado em
repercussão geral
Outro ponto que permite a construção de uma vinculação do precedente criado em regime de
repercussão geral está no art. 1.042, quando dispõe que a decisão do presidente ou vice-presidente
proferida em juízo prévio de admissibilidade, pela negativa de recurso extraordinário, baseando-se
que o acórdão recorrido fundou-se na aplicação correta do entendimento firmado em regime de
repercussão geral, não caberá agravo para levar este recurso excepcional ao STF.
Desse modo, se o presidente ou vice-presidente entender que o tribunal recorrido utilizou
corretamente, no acórdão recorrido, a tese firmada em julgamento em regime de repercussão geral
e, este recurso extraordinário não trouxer nenhum pedido de revisão de tese ou distinção, além de
inadmiti-lo, advertirá o recorrente que, dessa decisão, não caberá recurso ao STF.
O art. 1.042, nesta leitura, concede ao precedente firmado em regime de repercussão geral
uma autoridade imensa, com a impossibilidade de recurso extraordinário demonstrar mero
inconformismo com a decisão do tribunal recorrido, necessitando, quando confrontar precedente de
autoridade em repercussão geral, que o distingua ou supere, o que, sem fazê-lo, nem poderá interpor
agravo para destrancar o recurso.
E, ainda, se o presidente entender que o precedente foi bem utilizado pelo tribunal recorrido,
com o devido enquadramento, mesmo que o recorrente queira a revisão de tese ou distinção, o
agravo do art. 1.042 não será o meio adequado, optando o legislador por incluir o agravo interno
dessa decisão, o que, mesmo assim, deve versar sobre distinção ou superação, não podendo, de
igual maneira, versar somente sobre mero inconformismo.
Nesta conjunção, se o tribunal – de segundo grau ou o STJ – aplicar corretamente o
precedente firmado em regime de repercussão geral, o recurso extraordinário deve ter negado a sua
admissibilidade, com a impossibilidade de recurso sobre tal decisão – se for calcado em mero
inconformismo – o que leva a construção de que este precedente tem um alto grau de vinculação,
impossibilitando recurso para o tribunal superior quando a sua aplicabilidade for correta.
3.3 O efeito sob a matéria para os recursos vindouros
Se a vinculação proposta pela construção de uma legalidade desta via art. 1.030 e 1.042
impacta os recursos extraordinários já existentes, de igual maneira, deve vincular a matéria decidida
em regime de repercussão geral para qualquer outro julgamento ulterior. Se, após a decisão do STF,
com a definição do mérito daquela matéria sobre a qual foi reconhecida a repercussão geral, algum
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tribunal – o STJ ou tribunais de segundo grau – insistirem em decidir de maneira contrária ao
definido em precedente pela Suprema Corte, o possível recurso extraordinário futuro deve ser
encaminhado, como já vimos, no art. 1.030, II, para que o colegiado recorrido realize o juízo de
retratação.
Ora, na hipótese de algum colegiado de tribunal não seguir o que o STF determinou em
matéria julgada em regime de repercussão geral, o presidente do tribunal recorrido devolve para um
juízo regressivo, com a evidente orientação de que siga aquilo que determinado como precedente.
Caso, ainda assim, não siga o precedente firmado em regime de repercussão geral, o presidente do
tribunal admitirá o recurso extraordinário, pelo fato de não ter competência para manifestar-se sobre
o mérito recursal, cabendo ao STF, ao recepcionar tal recurso, somente aplicar o precedente criado
anteriormente, podendo fazê-lo monocraticamente.
De modo diverso, se o acórdão do tribunal anterior aplicar o que o STF determinou em
regime de repercussão geral, o eventual recurso extraordinário também será negado em sua
admissibilidade pelo presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, demonstrando que o
acórdão segue o precedente de maneira correta, impondo, ali, que uma vinculação da utilização da
decisão realizada em sede de repercussão geral, num controle, pelo próprio tribunal recorrido, da
aplicabilidade correta do precedente, sobre o qual, inadmite recurso extraordinário.
No entanto, cabe a diferenciação desta vinculação futura daquele proveniente dos recursos
sobrestados para o julgamento do mérito da repercussão geral, nestes últimos a vinculação decorre
da própria suspensão – com ou sem multiplicidade – pelo reconhecimento da repercussão e a espera
para a definição material de seu julgamento. Já a vinculação futura passa pelo aspecto de eficácia
futura da própria decisão, a qual tem uma valoração argumentativa e, consequentemente,
vinculativa, por ser do STF365
e, também, por ser em regime de repercussão geral.
3.4 A opção do legislador no CPC/2015 pela não vinculação legal
Se todos estes argumentos de construção interpretativa e pela conjunção dos art. 1.030 e
1.042 primam pela vinculação, aos recursos sobrestados e como precedente judicial, por qual
365 “Boa parte desses precedentes obrigatórios advém de julgamento de recurso extraordinário. O recurso extraordinário passa a servir como um instrumento para a solução do caso do recorrente e para a definição do precedente obrigatório sobre a questão constitucional nele versada. Como o recurso
extraordinário é o principal instrumento do controle difuso de constitucionalidade, os precedentes do Pleno do STF em tais casos passam a ter eficácia obrigatória, transcendendo os limites subjetivos da causa da qual surgiu. A solução do caso vale apenas para as partes (coisa julgada, art. 506 do CPC); mas o precedente tem eficácia erga omnes.” CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 376.
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motivo o acórdão proferido em regime de repercussão geral em recurso extraordinário não entra no
rol do art. 927, dos precedentes obrigatórios? Essa é uma das grandes questões do sistema de
precedentes.
O primeiro ponto passa pela existência da vinculação da atividade do STF ser realizada,
mesmo em sede de repercussão geral, tanto pelas turmas, quanto pelo pleno, o que, na primeira
hipótese, talvez, o regime de repercussão geral não seria realmente vinculante, já que não
representaria o que a Corte entende naquela matéria. Este é um ponto chave para o questionamento
contrário à vinculação da repercussão geral, o qual, de igual forma, mesmo entendendo pela
vinculação, construímos que não há como entender que a decisão de uma turma do STF vincule.
Neste ínterim, pertinente pensar se as turmas deveriam julgar recurso extraordinário em
repercussão geral? Com os milhares de recursos extraordinários interpostos, o pleno conseguiria
sanar todas as matérias? São questões pertinentes e que demonstram que somente a repercussão
geral utilizada pelas turmas, não traz a capacidade máxima do instituto, com muitas vezes, o
julgamento, mesmo em repercussão geral, pelas turmas de maneira divergente, o que permite o
cabimento de embargos de divergência.
Outro ponto que inviabilizou a inserção do entendimento em regime de repercussão geral ser
visualizado de forma obrigatória seria igualar este à própria súmula vinculante366
, o que, de certa
maneira, seria acabar com o instituto constitucional vinculante. Se todos os julgamentos oriundos de
recursos extraordinários em regime de repercussão geral fossem imbuídos de vinculação
obrigatória, não necessitaria da edição de súmula vinculante, quiça nem de súmulas, já que o
próprio recurso extraordinário permitiria a vinculação automática de suas teses.
Esses são dois pontos argumentativos para que não houvesse a inserção do regime de
repercussão geral como precedente obrigatório quando julgado seu mérito, ainda que entendemos
que o funcionamento da Corte Suprema devesse ser remodelado para fins de maior vinculação e
autoridade do próprio julgamento dos recursos extraordinários em repercussão geral. Uma pena não
ter esse avanço367
.
366 “Daí falar em repercussão geral – e não porque toda decisão que vier a ser tomada em recurso extraordinário vincule todos, com eficácia ou autoridade erga omnes, mas porque certamente exercerá influência em julgamentos futuros e poderá até abrir caminho para a edição de uma súmula vinculante.” DINAMARCO, Cândido Rangel. O processo civil na reforma constitucional do Poder Judiciário, in Reforma do Judiciário – Comentários à Emenda Constitucional nº 45/2004, Sérgio Rabello Tamm Renault – Pierpaolo Bottini (coords.)., São Paulo, Saraiva, 2005. p.300-301
367 “Na lista de decisões que devem ser seguidas, a mais expressiva previsão foi simplesmente excluída: não se vê determinação de que os tribunais sigam os precedentes do STF em matéria constitucional, mas apenas as decisões em controle concentrado de constitucionalidade.” MACEDO, Lucas Buril de. Precedentes judiciais: como podemos sentir falta do que nunca tivemos. http://justificando.com/2015/05/06/os-precedentes-judiciais-no-cpc2015-ou-de-como-podemos-sentir-falta-do-que-nunca-tivemos/
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3.4.1 O argumento de autoridade da decisão de mérito em repercussão geral
Mesmo sem uma vinculação obrigatória e legal, construindo doutrinariamente um sentido de
legalidade de obrigatoriedade via a conjunção dos art. 1.030 e 1.042, o decidido em sede de
repercussão geral tem uma autoridade enquanto precedente, o que entendemos como vinculativo, se
realizado pelo pleno e, somente persuasivo, se realizado pela turma, construindo uma diferenciação
entre os julgados oriundos do próprio instituto, fato que já expusemos como nocivo para a própria
Corte, que deveria ater-se, enquanto plenário, à análise do mérito da repercussão geral.
3.4.1.1 Decisão de mérito proferida pelo pleno
Se a decisão do recurso extraordinário em regime de repercussão geral for proferido pelo
pleno do STF, há uma sedimentação do entendimento, produzindo, dessa maneira, o precedente da
própria Suprema Corte, a qual, naquela ratio decidendi, entendemos que haja uma vinculação
obrigatória aos recursos eventualmente sobrestados, em regime de repetitivo ou não, aos recursos já
interpostos e não sobrestados e, por aplicação obrigatória de precedente, a todos os tribunais
anteriores quando futuramente forem julgar processos e recursos sobre a mesma matéria.
A decisão oriunda do pleno do STF detém, por si só, uma argumentação imensa de
capacidade vinculativa, mesmo sem estar inserta ao art. 927 e aquele rol, o qual entendemos como
exemplificativo.
Nesta visualização, temos duas situações: a primeira, a evidente vinculação sobre os
recursos sobrestados; a segunda, a obrigatoriedade de utilização como precedente em casos futuros.
Em ambas, entendemos que o julgamento de recurso extraordinário em regime de repercussão geral
pelo pleno, tem, pela conjuntura proposta pelos art. 1.030 e 1.042, uma eficácia vinculante.
Se o art. 1.030 entende que é eivado de latente inadmissibilidade um recurso que impugna
acórdão que segue orientação firmada em regime de repercussão geral, a obrigatoriedade de seguir
o entendimento está ali positivado e, aqui, tanto faz se para os recursos outrora sobrestados ou nos
futuros, quando sobrevier a aplicação de um precedente e não de tese jurídica.
Mesmo resultado chegamos quando, pela leitura do art. 1.042, quando o presidente ou vice-
presidente do tribunal recorrido proferir a inadmissibilidade disposta no art. 1.030, pelo fato do
recurso extraordinário atentar contra acórdão baseado em regime de repercussão geral, desta
decisão monocrática, não caberá o agravo para levar ao STF, o que importa numa autêntica
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vinculação, obstando a revisão por mero inconformismo, justamente por atentar contra um
precedente firmado em recurso extraordinário em regime de repercussão geral.
3.4.1.2 Decisão de mérito proferida por turma
A dúvida, como já expusemos, está quando a decisão do STF em regime de repercussão
geral é firmada em decisão de mérito proferida por turma deste tribunal e, não pelo pleno. Nesta
possibilidade, há vinculação? Analisemos, anteriormente, a conjunção do art. 1.030 e 1042 quando,
ambos, dispõe sobre entendimento firmado em regime de repercussão, não diferenciando ali, se este
foi proferido pelo pleno ou pela turma.
Entretanto, é difícil imaginar que, mesmo com a possibilidade da interpretação literal da
norma, conceder o julgamento pela turma uma obrigatoriedade, não conseguindo esse efeito
cascata, nem para os recursos eventualmente sobrestados, evidentemente sem repetição, já que se
houver repetição, será realizado pelo plenário. Tampouco há como pensar que se firmará um
precedente vinculante a casos futuros, se o STF julgou somente via turma, com isso, não firmando
um entendimento que responda pela plenitude da Suprema Corte.
A saída passa pelo STF não julgar mais em regime de repercussão geral pela turma, até para
que não haja divergência, prevenindo, desde já, entendimentos contrários. Cunha e Didier Jr368
entendem, acertadamente, como saída, que a turma utilize o incidente de assunção de competência,
mesmo que não haja efetiva repetição de processos, transferindo a competência para o pleno e,
criando, desde logo, um precedente vinculante.
O intuito é julgar os casos em que se analisa a repercussão geral sem multiplicidade e
recursos repetitivos também somente pelo pleno, deixando cada vez mais, a competência das turmas
para as ações de competência originário – que nada guardam relação com a repercussão geral – e as
análises posteriores à decisão de repercussão geral e os eventuais recursos futuros, seja agravos
internos contra as decisões monocráticas, ou, ainda, os eventuais recursos extraordinários que sejam
admitidos na origem por não seguirem o que se definiu em regime de repercussão geral.
368 “Assim, é preciso perceber as três situações possíveis: a) Recursos extraordinários repetitivos: a análise da repercussão geral será feita no contexto do julgamento dos recursos extraordinários repetitivos. b)
Recurso extraordinário não repetitivo julgado pela turma: reconhecida a repercussão geral, a turma julgará o recurso. c) Recurso extraordinário não repetitivo julgado pelo Plenário: reconhecida a repercussão geral, a turma pode afetar o caso para julgamento pelo Plenário, instaurando o incidente de assunção de competência.” CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 371/372
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Dessa maneira, apesar de defender a vinculação obrigatória – aos recursos sobrestados ou
como precedente judicial – do entendimento firmado em repercussão geral, construo a ressalva de
que somente deve ser utilizado quando julgado pelo pleno do STF.
A decisão em recurso extraordinário em regime de repercussão geral proferida somente por
turma do STF detém uma autoridade persuasiva argumentativa imensa, contudo, sem a vinculação.
4. A FUNÇÃO DO STF, A REPERCUSSÃO GERAL E A NECESSÁRIA
CULTURA DE PRECEDENTE
A repercussão geral é elemento base do recurso extraordinário desde a sua regulamentação
na década passada, com a visualização de que somente recursos com tal transcendência devem ser
apreciados como temas pertinentes à análise da Suprema Corte. É, ao mesmo tempo, filtro de
relevância de natureza processual, quanto de natureza política, possibilitando ao STF que “escolha”
o que entende como pertinente para debruçar-se em julgamento.
Dessa maneira, se há uma definição proferida pelo STF de que não se debruçará sobre
questão específica, ainda que seja constitucional, por esta não conter repercussão geral,
consequentemente, todos os processos e recursos daquela matéria não serão apreciados369
. Contudo,
em sentido inverso, se o recorrente conseguir demonstrar que o seu recurso ultrapassa os interesses
inter partes – social, econômica, política ou juridicamente, este será julgado, justamente por
importar além de sua própria limitação processual, com aplicabilidade para outras demandas ou
para a própria sociedade, pela importância ali demonstrada.
Com essa possibilidade de escolha, o STF, cada dia mais, deve assumir o seu papel enquanto
Corte de Precedentes, julgando menos e impactando mais a sociedade, o que, de certa maneira, a
repercussão geral obteve êxito em seu desiderato. Todavia, o CPC/2015 pouco avançou sobre a
eficácia370
da decisão proferida em repercussão geral, deixando a questão constitucional ali decidida
no recurso extraordinário com menor eficácia do que o decidido se o caso for repetitivo.
Logo, uma decisão do STF, em regime de repercussão, pelo rol do art. 927, se considerar-se
como taxativo, não vincularia371
o próprio STF, bem como os tribunais e juízos anteriores. Uma
369 Comentário do autor: salvo, evidentemente, revisão de tese com novos argumentos impossíveis ou não analisados na época da decisão de admissibilidade do tribunal superior. 370 Em sentido contrário, acreditando que não há como entender que a decisão proferida pelo STF fosse
vinculante, contudo, ainda antes da Repercussão Geral: “Atribuir eficácia erga omnes a essa decisão recursal, ampliando a eficácia subjetiva da sentença, equivaleria a apagar da Constituição a garantia inscrita em seu art. 5º, incisos LIV, LV e XXXV. Isso é impossível sem ruptura da lei magna” CUNHA, Sérgio Sérvulo da. O Efeito Vinculante e os Poderes do Juiz, São Paulo, Saraiva, 1.999, p. 30 371 “Falar-se em decisão de tribunal superior sem força vinculante é incidir-se em contradição manifesta. Seriam eles meros tribunais de apelação.” CALMON DE PASSOS, J. J. Súmula vinculante, in Revista
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pena esta lacuna na legislação, por mais que seja uma opção do legislador. No entanto, uma decisão
da Corte Constitucional, pela própria função do STF deve ser eivada, quando proferida pelo seu
pleno, de caráter obrigatório, seja pela autoridade de órgão máximo do judiciário, seja pelo controle
ali realizado sobre a matéria constitucional.
Para a construção de tal pensamento vinculativo, há de se conseguir a conjunção de alguns
pontos: definir que tal a decisão seja proferida pelo plenário; o STF entenda cada vez mais sua
função de Corte de precedentes; a visualização do recurso extraordinário como uma
excepcionalidade para se criar paradigmas.
A utilização do requisito de admissibilidade da repercussão geral não pode somente ser um
filtro da admissibilidade por relevância, mas, o próprio CPC/2015, nas alterações provenientes da
lei no. 13.256/2016, com as novas redações dos art. 1.030 e 1.042, deu a deixa para que a decisão ali
proferida tenha uma capacidade vinculante anda maior do que a prática a impõe, imputando a
repercussão geral uma importância ainda maior do que a redação original imaginava.
A decisão oriunda do plenário do STF em regime de repercussão geral tem caráter
vinculativo, com total inserção no sistema372
de precedentes obrigatórios instituídos pelo novel
ordenamento.
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dos relatores e dos tribunais locais. Revista de Processo, São Paulo, v. 32, n. 152, p. 185- 186, 2007.
ARAÚJO, José Henrique Mouta. O julgamento dos recursos especiais por amostragem: notas sobre o art.
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Eletrônica de Direito do Estado 9/9, http://www.direitodoestado.com.br/artigo/j-j-calmon-de-passos/sumula-
vinculante 372 “A consagração de um sistema de precedentes obrigatórios no Brasil (aparentemente inquestionável ao menos após o CPC-2o15, tal como examinado no v. 2 deste Curso) alterou o modo como se deve encarar o controle difuso de constitucionalidade das leis e, por consequência, a função do recurso extraordinário.” CUNHA, Leonardo José Carneiro da; DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. Meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. 13ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 376
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CALMON DE PASSOS, J. J. Súmula vinculante, in Revista Eletrônica de Direito do Estado 9/9,
http://www.direitodoestado.com.br/artigo/j-j-calmon-de-passos/sumula-vinculante
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, volume II. 14ª edição, Revista e
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| Voltar ao sumário 319 Aspectos polêmicos do novo CPC
A DECISÃO DE AFETAÇÃO: UMA POSITIVAÇÃO DO
INSTITUTO NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL
THE DECISION OF AFFECTATION: A POSITIVE OF THE INSTITUTE IN THE NEW
CODE OF CIVIL PROCEDURE
JULIANA DAL MOLIN DE OLIVEIRA LEMOS
Advogado – Pós-Graduanda em Processo Civil na Uninter/FAP
VINICIUS SILVA LEMOS
Advogado – Mestrando em Sociologia e Direito na UFF/RJ. Especialista em Processo Civil pela
Faro – Faculdade de Rondônia. Professor da Faro e da Uniron.
RESUMO: Este artigo tem como objeto de estudo o instituto da decisão de afetação, presente em qualquer
julgamento por amostragem, com uma positivação e detalhamento de suas diretrizes de forma minuciosa
pelo novo código de processo civil. Além da verificação pormenorizada da incidência da decisão de afetação
nos institutos de julgamento por amostragem: rito repetitivo em recursos excepcionais, repercussão geral no
recurso extraordinário e o incidente de resolução de demanda repetitiva.
PALAVRAS-CHAVE: Decisão de Afetação, Amostragem, Novo CPC, Multiplicidade.
ABSTRACT: This article has as its object of study the institute of decision of affectation, present in
anyjudgment by sampling, with a positive and detail its guidelines in the new code of civil procedure. In
addition to the detailed verification of the impact of the decision of affectation in institutes of judgment by
sampling: rite repetitive in exceptional recourse, overall repercussions the extraordinary recourse and the
incident resolution demand repetitive.
KEYWORDS: Decision of Affectation, Sampling, New CPC, Multiplicity.
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1. INTRODUÇÃO Um dos grandes desafios que o novo código de processo civil almeja é a resolução mais célere
de matéria com multiplicidade de processos, apostando o texto em formas de julgamento por
amostragem.
Na antiga codificação, esta espécie de julgamento já era contemplada pela repercussão geral,
implementada em 2007 e pelo rito repetitivo no ano subsequente. Na prática, ambos os institutos
deram resultados, mudando a forma dos julgamento recursal excepcional nos tribunais superiores.
Entretanto, com a mudança normativa era necessário ir além, verificar os pontos omissos em ambas
as formas já existentes, com a positivação mais detalhadas de todo o procedimento para a formação
dos precedentes.
Havia, ainda, a necessidade de ir além, de inserir um novo instituto sobre julgamento por
amostragem. Neste caso, a criação do incidente de resolução de demandas repetitivas, uma nova
espécie de julgamento para formação de precedente, todavia com competência voltada para os
tribunais de segundo grau, antecipando essa forma de resolução para as instâncias inferiores.
Diante de todas as técnicas de formação de precedentes, um instituto comum entre todas é a
decisão de afetação, o momento da delimitação material para a discussão processual e cognitiva do
precedente vinculante que será futuramente formado.
Na antiga codificação não havia uma especificação detalhada deste instituto, mesmo sendo
essencial para o início de qualquer julgamento de amostragem, sem uma visualização legal dos
moldes de sua prolação.
Este estudo almeja aprofundar a análise sobre a preocupação, no CPC/2015, de estipular
critérios e parâmetros para serem seguidos, fixando técnicas determinadas para este momento
processual, com a definição clara do que é a decisão de afetação.
2. A MULTIPLICIDADE DE PROCESSOS PERANTE O JUDICIÁRIO
BRASILEIRO O poder judiciário deve promover o acesso à justiça, possibilitando a todos que necessitam da
intervenção estatal para a resolução de seus conflitos de interesses essa acessibilidade.
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| Voltar ao sumário 321 Aspectos polêmicos do novo CPC
Apesar da necessidade do custeio da máquina pública pelo demandante, pelo fato de retirar este
poder da inércia, para a resolução daquela lide, não se pode limitar o acesso ao judiciário das
pessoas que não tem a possibilidade de arcar com os gastos processuais.
Mesmo a máquina judiciária contendo uma onerosidade, com a necessidade de pleitear o seu
custeio, há a necessidade, como direito fundamental, de propiciar essa interlocução de
acessibilidade com a sociedade, quando for o único caminho para a justiça.
Não somente o acesso à justiça pela forma da gratuidade, mas a constituição federal concedeu
diversas maneiras de contemplar o jurisdicionado com uma acessibilidade maior ao judiciário,
ampliando direitos, positivando a aplicabilidade do dano moral, permitindo uma base para o direito
do consumidor, dentre outras medidas. Um leque bem maior de direitos para a sociedade, com um
acesso ainda maior ao judiciário.
Sem reclames, mas com constatações, essa amplitude desembocou na sobrecarga do judiciário,
com quase 100 milhões de processos373
para serem julgados por menos de 20 mil juízes. Um fluxo
intenso de litigiosidade, como quase metade da população estivesse a litigar. Uma situação caótica.
Muitos desses processos são de matérias idênticas, com razões fáticas e jurídicas parecidas,
como um comportamento litigioso gerando demandas em massa, seja em matérias do consumidor
até em ações contra o poder público, com impacto em milhões de pessoas. Uma mazela diante de
um judiciário emperrado em seu próprio funcionamento.
Desde a emenda constitucional de 2004, com estudos e medidas para aplacar essa excessiva
litigiosidade, um caminho proposto para lidar com a multiplicidade de processos foi o julgamento
por amostragem, a escolha de alguns processos sobre determinada matéria para uma análise
pormenorizada e exaustiva, com reflexo nos demais com o mesmo conteúdo material.
Julgar menos nos tribunais superiores, contudo impactar mais a jurisprudência como um todo,
criando precedentes para serem utilizados com maior força, impacto e ênfase pelos juízes e
tribunais inferiores.
2.1 O julgamento por amostragem como solução para o excesso das demandas
Com o acúmulo de demandas nos tribunais, muitos deles com a mesma matéria, a legislação
processual na última década evoluiu para uma técnica de julgamento por amostragem para um
efeito em massa, com uma consequência em cascata, com o intuito de julgar-se menos, com uma
373 http://www.conjur.com.br/2015-set-15/brasil-atinge-marca-100-milhoes-processos-tramitacao
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| Voltar ao sumário 322 Aspectos polêmicos do novo CPC
minuciosidade maior neste momento judicante, para, após, com um resultado de precedente
definido, somente aplicar nos demais casos massificados, sem a necessidade de um trâmite tão
intenso.
“a explosão dos denominados processos de massa, em que milhares de ações versam sobre
matérias juridicamente idênticas, mas com pluralidade de partes e consequentemente
recursos individuais, despertou no legislador a necessidade de um instrumento de contenção
nos tribunais superiores, a fim de que a atividade jurisdicional não fosse inviabilizada por
força de uma completa obstrução dos tribunais.” (LIMA, 2013, p. 280/281)
Uma real mudança no modus operandi recursal brasileiro. Uma tendência mundial para se
julgar por amostragem, com um aspecto de maior participação da sociedade e esgotamento material
em um só processo, para impacto em demais processos. Uma mudança de paradigma no
ordenamento jurídico brasileiro.
Se há um julgamento por amostragem, o processamento da discussão material enseja uma
“ainda mais ampla e prévia participação da sociedade civil e do próprio Estado no estabelecimento
dos casos que, a final, serão julgados pelo Supremo Tribunal Federal por oferecerem repercussão
geral.” (BUENO, 2014, p. 225/226)
O resultado do julgamento deste recurso ou recursos representativos da controvérsia definirá a
posição sobre a matéria para os demais recursos com identidade material com estes, tornando, ainda
mais importante este julgamento, servindo como uma amostra do direito que será base para a
aplicação nos demais.
Não há mais como o judiciário encarar o julgamento individualizado de milhares de recursos
idênticos, com a mesma matéria, aprofundando a tendência de julgar-se o mérito de poucos recursos
selecionados, “devendo os demais ficar sobrestados, enquanto o recurso amostra não for julgado.
Julgado o recurso amostra, os demais - que ficaram sobrestados - deverão seguir o mesmo
resultado.” (CUNHA, DIDIER, 2012, p. 298).
É necessária a vinculação do precedente formado neste julgamento por amostragem para a
utilização nos casos posteriores, para, de fato, diminuir a incidência de remessa de recursos aos
tribunais superiores, bem como estancar a recorribilidade em questões já decididas em precedente,
resolvendo materialmente aquela questão. Somente com a vinculação e a utilização posterior do
posicionamento firmado no julgamento por amostragem que a própria existência desses
procedimentos se legitima como uma possível solução para o excesso de demandas idênticas,
minorando a letargia do judiciário.
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3. A DECISÃO DE AFETAÇÃO NOS JULGAMENTOS POR AMOSTRAGEM
O julgamento por amostragem foi inserido no ordenamento primeiramente pela repercussão
geral no recurso extraordinário e, logo após, ampliado ao rito repetitivos em ambos os recursos
excepcionais. Uma necessidade para estancar a demasia de recursos nos tribunais superiores.
Com a nova codificação, a tendência aumenta com a inclusão do incidente de resolução de
demandas repetitivas, ampliando o leque da existência do julgamento por amostragem também para
os tribunais de segundo grau.
A importância desse modo de julgamento aumentou, com maior espaço para sua
regulamentação, com mais detalhes, positivando questões que restavam abertas ou empíricas,
melhorando os ritos e processamentos desses julgamentos, como no caso da definição sobre a
decisão de afetação, legislando de forma a estipular com maior claridade sobre a existência e
nuances deste instituto.
Não há como se pensar em julgamento por amostragem sem passar pela decisão de afetação,
um instituto já existente no cotidiano dos tribunais acostumados com esta espécie de julgamento,
mas sem estudos ou conceituações fáceis sobre este momento processual.
A decisão de afetação é um momento processual dos mais importantes para o julgamento por
amostragem, justamente por ser a hora da delimitação material da questão de direito – federal ou
constitucional – a ser julgado no precedente que futuramente será firmado. Com o estabelecimento
claro dos limites materiais naquele rito de formação de precedente, há uma maior facilidade de
enquadramento dos recursos sobre os mesmos parâmetros ali dispostos, alcançando a similitude
fática e material quando houver a comparação entre as situações.
Como, no novo código, há algumas formas de julgamento por amostragem, com diferentes
formas de processamento, em graus e instâncias diferentes, a decisão de afetação acaba por ter
algumas mudanças e impactos diversos em cada uma das espécies destes julgamentos.
3.1 O julgamento pelo Rito Repetitivo
Como há uma grande quantidade de processos no Brasil que versam sobre algumas matérias
idênticas, é necessário se possibilitar que os tribunais superiores julguem estas controvérsias, ao
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julgar alguns poucos recursos e esgotem as possibilidades materiais do tema, com a posterior
aplicação do decidido em larga escala.
Uma busca pela celeridade processual, segurança jurídica e da razoável duração do processo.
O artigo 1036 estipula a possibilidade de um julgamento de um recurso, ou alguns recursos,
representativo da controvérsia quando houver identidade de matéria e multiplicidade de processos,
escolhendo pela atribuição de um rito especial ao recurso ao tribunal superior, neste caso específico,
o recurso especial.
O recorrente não intenta um recurso especial com o pedido do rito repetitivo, essa possibilidade
é atribuição pelo juízo competente, quando verificar a necessidade da mudança do processamento
normal de um recurso, para o julgamento via este rito repetitivo, de acordo com a verificação da
multiplicidade e a identidade da matéria.
De certa forma, o recurso especial repetitivo acaba por ser um ou mais recursos que pela
atribuição deste rito diferente, representam uma multiplicidade de recursos que possuem teses e
fundamentos jurídicos idênticos, mas que aguardam o julgamento de alguns poucos recursos para
depois serem aplicados nos demais.
3.1.1 Competências de atribuição do rito repetitivo
A atribuição do rito repetitivo pode acontecer em dois momentos processuais, seguindo o artigo
1036, §1º e §5º.
Um primeiro momento com a competência para o presidente ou vice-presidente do tribunal
recorrido, ao receber o recurso especial, verificando presentes os requisitos para a atribuição do rito
repetitivo, seleciona dois ou mais recursos representativos da controvérsia jurídica apresentada,
decidindo pela afetação, com a transformação daqueles recursos específicos em recursos especiais
com rito repetitivo, com alteração no processamento.
Esse é o principal momento para a atribuição do rito repetitivo para o recurso especial, antes
mesmo da remessa dos recursos ao STJ, que chegarão neste tribunal já contendo um rito diferente
do recurso normal, com um julgamento por um colegiado maior.
No STJ, os recursos especiais são julgados pelas turmas, quando há uma recurso especial com
rito repetitivo, a competência é alterada para a seção, que é a junção das duas turmas que julgam
determinada matéria, alterando o julgamento de um colegiado de 5 ministros para 10 ministros.
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No antigo código, estipulado no artigo 543-C, também havia essa concessão de atribuição ao
presidente dos tribunais de justiça ou tribunais regionais, entretanto, estes não a usavam de maneira
eficaz ou em quantidade imaginada pelo legislador. O motivo é até entendível, pelo fato de que
atribuir ao tribunal recorrido a mudança do rito normal ao repetitivo no STJ, necessita de uma
apreciação de maneira profunda sobre a admissibilidade recursal, diante de várias atribuições dos
presidentes ou vice-presidentes, na realidade, o que não era uma prática usual.
O complexo da manutenção dessa competência passa justamente nesse não funcionamento no
cotidiano processual da atribuição pelos tribunais recorridos, e, se imaginarmos, que não há mais
um juízo de admissibilidade na atual codificação, para a atribuição do rito repetitivo, o presidente
deve analisar a admissibilidade, verificar a presença dos requisitos do rito repetitivo, para se
manifestar. Um tanto contraditório, não há mais a competência para o presidente ou vice-presidente
realizar a admissibilidade, com a função somente de intimar para as contrarrazões e remeter ao
tribunal superior, como exigir a atribuição do rito repetitivo, que demanda uma análise especial,
detalhada e fundamentada?
Entendo que a situação não mudará no atual código, de igual forma, concordo que a
possibilidade seja aberta aos presidentes que queiram proceder assim, apesar da inutilidade no
cotidiano processual.
Da mesma forma da antiga codificação, no caso de nenhum presidente de tribunal recorrido
atribuir o rito repetitivo, com a verificação da presença dos requisitos, algum relator de um recurso
sobre a matéria, já no STJ, pode, de acordo com o artigo 1036, § 5º, atribuir o rito repetitivo,
independentemente do presidente do tribunal recorrido. Ou seja, o relator tem total possibilidade de
atribuir o rito repetitivo. Os ministros do tribunal superior tem maior amplitude de visualização
sobre a multiplicidade e trâmite interno do tribunal.
Esta é a forma cotidiana da aplicabilidade deste instituto. Ainda, de acordo com o artigo 1037,
§1º, o relator do recurso no STJ pode ainda realizar um juízo de valor sobre a decisão de afetação
feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, caso não concorde com o rito
repetitivo para aquela matéria, revoga essa decisão de afetação, comunicando o tribunal que a
proferiu para a ciência desta revogação, com a consequência de retirada da suspensão dos processos
daquele tribunal, com a volta de cada processo ao trâmite normal.
Dessa forma, por mais que o presidente ou vice-presidente realize a decisão da afetação, ao
escolher e separar alguns recursos representativos da controvérsia, ainda passará pelo crivo e
aceitação pelo relator do tribunal superior a verificação se foi apropriada e correta a decisão.
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Um controle automático do tribunal superior sobre a decisão do tribunal anterior sobre o rito
repetitivo.
3.1.2 Requisitos para atribuição do rito repetitivo
Para a possibilidade da atribuição do rito repetitivo, seja pelo presidente ou vice-presidente do
tribunal recorrido ou pelo relator no tribunal superior, há a necessidade da conjunção de três
requisitos.
Com a visualização da presença destes requisitos, há a possibilidade da alteração do rito normal
de processamento recursal, para o rito repetitivo. Os requisitos são: a multiplicidade de recursos
especiais ou extraordinários, fundamento em idêntica questão de direito e admissibilidade positiva
do recurso analisado.
Sem algum desses requisitos, não há a possibilidade da alteração do rito para o repetitivo, há a
necessidade de todos os requisitos ao mesmo tempo.
3.1.2.1 Multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais
Quando se imaginou um rito para diferenciar um julgamento dos recursos excepcionais com a
necessidade de uma celeridade processual, a multiplicidade de recursos foi um dos motivos
ensejadores desse mudança na norma, que continua na atual codificação.
A existência de milhares de processos nos tribunais superiores é uma preocupação constante do
judiciário. O que fazer com uma quantidade crescente de processos e recursos? Com essa dúvida, a
via legislativa de criar mecanismos para julgar processos em massa se torna cada dia mais comum.
Com isso, para a possibilidade de alteração do rito normal do recurso especial para o repetitivo,
há a necessidade de análise se existem múltiplas ações sobre aquela determinada matéria. Com essa
multiplicidade é possível a atribuição do rito repetitivo, se for uma matéria sem uma multiplicidade,
não há preenchimento dos requisitos para a alteração de rito.
3.1.2.2 Fundamento em idêntica questão de direito
Outro requisito necessário para a atribuição do rito repetitivo ao recurso excepcional é a
existência de fundamento naqueles múltiplos recursos em idêntica questão de direito. Com a
identificação do primeiro requisito da multiplicidade, há a conjunção de identidade de matéria entre
estes recursos.
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A questão de direito impugnada no recurso deve ter uma identidade com os demais recursos,
para possibilitar, num primeiro momento, afetar essa matéria como um rito repetitivo, para
posteriormente, com o julgamento recursal por amostragem, que os demais recursos com a
fundamento idêntico usufruam da decisão do rito repetitivo.
Os recursos podem ter diferentes matérias, mas devem ter algum ponto em comum. Não há
como exigir-se que o recurso somente fale daquela questão de direito, a cumulação de pedidos
recursais é comum. O que importa é a identidade entre os recursos desta matéria afetada, a qual é
atribuído o rito repetitivo.
Com essa identidade da questão de direito, os recursos aguardam a resolução pelo tribunal
superior do julgamento por amostragem para utilizarem quando do julgamento de cada um deles.
3.1.2.3 Admissibilidade positiva do recurso para a concessão do rito repetitivo
O artigo 1036, § 6º delimita que para a concessão do rito repetitivo os recursos devem ser
admissíveis. Um recurso somente é considerado como admissível se presente todos os requisitos de
admissibilidades inerentes à interposição deste. Sem o cumprimento da admissibilidade, não há
possibilidade da atribuição do rito repetitivo.
Um recurso que falta admissibilidade é um recurso sem a possibilidade do tribunal responder o
seu mérito, pela falta de requisito formal para seu conhecimento. Não há como atribuir um rito
repetitivo a um recurso defeituoso em algum dos seus requisitos de admissibilidade, como um
defeito de validade.
A regra do artigo 932, parágrafo único, conjugada ao artigo 1029, § 3º, valem para este caso,
numa possibilidade de relativização do erro nos requisitos de admissibilidade, desde não repute em
erro grave. Quando há uma possibilidade do recorrente sanar o vício da interposição recursal, o
relator concede o prazo de cinco dias para saneamento de tal erro.
Sobre a hipótese da atribuição do efeito repetitivo, não vejo motivos para não aplicação da
relativização dos requisitos, concedendo o prazo para o recorrente realizar o saneamento do vício da
admissibilidade, com este ato realizado, cumprida a diligência pelo recorrente, possibilitando o
conhecimento do recurso, tornando-o admissível, não há problemas processuais para a concessão do
rito repetitivo, sendo totalmente plausível.
3.1.3 Decisão de afetação do rito repetitivo
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Com a visualização da presença dos requisitos por quem tem a competência pelo
enquadramento no rito repetitivo, há a necessidade da decisão de afetação, nos moldes do artigo
1037 especificando e delimitando a questão de direito sobre o qual o recurso tem atribuição do rito
repetitivo.
Esta decisão tinha existência na antiga codificação, porém ganha um nome específico e uma
preocupação maior nos limites específicos de sua estrutura, com a necessidade de estipulação de
critérios fixos e objetivos para esta decisão.
A decisão de afetação é um momento importante para o rito repetitivo, é a decisão de
delimitação da matéria para fins de definição do alcance e âmbito da atribuição do rito repetitivo. É
a decisão de afetação que estipula a matéria a ser discutida nesse novo método de julgamento para
aqueles recursos e a estipulação material da influência que o rito repetitivo traz aos outros recursos
de matéria idêntica à espera da decisão deste recurso.
Sem a decisão de afetação, não há rito repetitivo.
Só há julgamento por amostragem com uma decisão que delimite a matéria afetada por este rito
diferente, para visualização pelo colegiado que julgará a matéria. Somente conhecendo os limites do
que se julga, há a possibilidade de julgar a determinada matéria, sem avançar em assuntos e
matérias que não são pertinentes àquela decisão.
Num segundo momento, os processos que não foram escolhidos como representativos da
controvérsia não serão julgados, com a espera da resolução do rito repetitivo para, após, obterem
um julgamento com base naquela decisão. A visualização se um processo deve aguardar ou não a
resolução do rito repetitivo acontece com a comparação material entre cada processo e a decisão de
afetação proferida para a atribuição do rito repetitivo.
Essa decisão segue critérios para a sua prolação, como a identificação com precisão da questão
material a ser submetida para o julgamento repetitivo, com a consequência da suspensão dos demais
processos pendentes desta matéria, em todo o território nacional, com a possibilidade de requisitar
informações aos presidentes ou vice-presidentes de tribunais estaduais ou federais para a remessa de
um recurso para a ampliação da representação da controvérsia.
A decisão pode ter três partes, a matéria afetada, a suspensão dos demais processos desta
matéria e a possibilidade de ampliação da melhor compreensão da controvérsia com a remessa de
mais recursos para julgamento. O intuito é, num primeiro momento, delimitar a matéria de forma
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clara e concisa sobre o que se julga de forma repetitiva, após, saber os limites da afetação para a
suspensão dos demais processos e, por último, a ampliação da controvérsia com a remessa de mais
recursos para análise, para melhor qualidade do julgamento e das teses jurídicas ali analisadas.
Sem a decisão de afetação não há como se pensar em rito repetitivo, não há delimitação
material, tampouco possibilidade de julgar por amostragem, tamanha é a importância para este rito
desse momento.
Uma decisão de afetação equivocada da matéria, ocasiona em um julgamento repetitivo
complexo e sem muita representatividade, sem uma aplicação correta do direito. Por isso, a
importância desta decisão de afetação.
3.1.4 Efeitos e impactos nos processos afetados
Os efeitos da atribuição do rito repetitivo sobre determinada matéria são visualizáveis de duas
maneiras: afeta aos processos cujo recursos serão julgados em rito repetitivo e afeta aos processos
que não serão julgados pelo rito repetitivo, mas que aguardam a resolução do rito repetitivo.
Para os poucos processos que serão julgados em rito repetitivo, o impacto processual inicial é a
alteração da competência do julgamento recursal, saindo da turma do tribunal superior, para um
colegiado maior, no caso do STJ, uma seção para o julgamento. Com essa mudança de
competência, todos os ministros que julgam essa matéria em seus órgãos de origem, participam
desse julgamento. Com um número maior de ministros e a mudança de órgão, naturalmente o
debate sobre o tema é bem maior, com uma importância mais complexa. Há todo um debate não
somente entre os membros do órgão julgador, mas uma possibilidade de manifestação de terceiros,
da sociedade e do ministério público, que almeja um esgotamento de toda discussão sobre esta
matéria.
Com a afetação realizada, os demais processos sobre a mesma matéria são considerados como
afetados, sofrendo uma suspensão no seu andamento processual, para sobrestamento e espera da
decisão repetitiva, para posterior aplicabilidade.
Não há motivos para cada um destes casos prosseguirem o seu processamento de primeiro e
segundo grau, se o tribunal superior julgará em modo repetitivo, com posterior posicionamento e
aplicabilidade para estes casos.
A suspensão pela decisão de afetação pode acontecer com duas amplitudes: a decisão do
presidente ou vice-presidente sobre a suspensão tem limitação territorial pela extensão do seu
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próprio tribunal, afetando somente os processos vinculados a este tribunal e a decisão do relator do
tribunal superior com um alcance a todos os processos de todo o Brasil.
Com a decisão do presidente ou vice-presidente do tribunal requerido, ocorre a suspensão dos
processos e recursos sobre a matéria afetada, porém, somente aos processos vinculados aquele
tribunal, respeitando os limites da decisão estadual ou regional proferido pelo tribunal. Não há
como uma decisão de um presidente de um tribunal com limitação territorial afetar processos que
não tem vínculo com aquele tribunal, somente os processos vinculados ao referido tribunal tem
enquadramento nesta decisão. O impacto processual da suspensão é delimitado pela área territor ial
do tribunal que decidiu pela afetação, ao menos neste primeiro momento.
Quando estes recursos representativos da controvérsia, com a decisão de afetação pelo
presidente ou vice-presidente são distribuídos no tribunal superior, com o sorteio de um relator, este
realiza a verificação de manutenção ou não da afetação. Se optar pela manutenção, deve ampliar a
suspensão dos processos da matéria afetada para todo o território nacional, com um impacto maior
do que a decisão de afetação inicial, que tinha uma delimitação territorial. Caso opte por não manter
a decisão de afetação, revoga esta decisão, os seus efeitos e notifica o tribunal recorrido.
Se nenhum dos tribunais decide sobre rito repetitivo, o relator de um recurso especial sobre a
matéria, caso verifique a conjunção de requisitos para a atribuição do rito repetitivo, decide pela
afetação, com os limites materiais, mas, neste caso, com a suspensão e sobrestamento dos processos
afetados em todo o território nacional, no próprio tribunal superior, nos tribunais de segundo grau,
estadual ou regional, e, ainda, nos juízos de primeiro grau.
Todos os processos ficam parados, à espera do julgamento pelo tribunal superior, para posterior
aplicabilidade neste processo sobrestado.
O impacto, nesta hipótese, é bem maior, com um alcance enorme, ao parar todo andamento
processual sobre a matéria em todo o território nacional. Não há razão para que os processos
afetados continuem a ter um trâmite processual, com uma possibilidade de decisões diversas sobre a
matéria. A melhor alternativa é a espera por uma decisão repetitiva para uma aplicabilidade em
larga escala com base nesta decisão.
3.2 A Repercussão Geral
Para o processamento do recurso extraordinário, com base na alteração realizada pela emenda
45/2004,
foi inserida a necessidade da repercussão geral como requisito de admissibilidade
específico para o conhecimento e julgamento deste recurso. A base conceitual da repercussão geral
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perfaz a necessidade da demonstração pelo recorrente da transcendência daquela causa para a
sociedade, com impacto social, jurídico, econômico ou político.
O STF não julga qualquer processo, mesmo diante do cabimento do artigo 102, III da
constituição federal. Para possibilitar o julgamento, o recurso deve conter um interesse maior do
que simplesmente o interesse das partes sobre a determinada matéria. Com a “criação desse
requisito é, a nosso juízo, elogiável, já que faz com que o Supremo Tribunal Federal, Corte
Suprema do País, só se debruce sobre causas realmente relevantes para a Nação.” (CAMARA,
2007. p. 141)
Por este interesse maior, o artigo 1035, § 1º, determina a necessidade de existência de
“questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os
interesses subjetivos do processo.” O recurso extraordinário perde a exclusividade de uma
relevância interna para as partes, há a pertinência da matéria recorrida suscite questões relevantes,
que impactem a sociedade ultrapassando as barreiras inter partes, com um interesse amplificada.
A repercussão geral é uma admissibilidade específica que serve como filtro para que o STF
escolha o que lhe compete julgar, com uma relevância maior do que o próprio processo. Não
importa para o julgamento do recurso extraordinário somente a existência de uma questão
constitucional, mas, ainda, uma relevância daquela matéria para a sociedade. Se um processo tem
questão constitucional pertinente ao enquadramento ao cabimento recursal, mas não tem êxito na
demonstração da repercussão geral, o recurso extraordinário, mesmo com enquadramento de
questão constitucional, não é julgado pela ausência de interesse daquela matéria jurídica para além
das partes.
STF, com a inserção da repercussão geral substituindo a arguição de relevância, impõe cada
vez mais como um tribunal de julgamento de questões constitucionais com relevância, não um
tribunal para julgamento de processo para mero interesse das partes.
Não há uma prestação jurisdicional aberta para qual processo, mas somente aos processos
afetos a uma relevância, neste caso, social, econômica, política ou jurídica.
“A repercussão geral jurídica no sentido estrito existiria, por exemplo, quando estivesse em
discussão o conceito ou a noção de um instituto básico de nosso direito, de molde a que
aquela decisão, se subsistisse, pudesse significar perigoso e relevante precedente, como, por
exemplo, o de direito adquirido. Relevância social haveria numa ação em que se
discutissem problemas relativos à escola, à moradia ou mesmo à legitimidade do Ministério
Público para a propositura de certas ações. Pensamos, aliás, que essa repercussão geral
deverá ser pressuposta em um número considerável de ações coletivas, só pelo fato de
serem coletivas. Repercussão econômica haveria em ações que discutissem, por exemplo, o
sistema financeiro de habitação ou a privatização de serviços públicos essenciais, como a
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telefonia, o saneamento básico, a infraestrutura etc. Repercussão política haveria quando,
por exemplo, de uma causa pudesse emergir decisão capaz de influenciar relações com
Estados estrangeiros ou organismos internacionais.” (MEDINA 2009. p. 202/203)
Uma questão constitucional pertinente somente a uma parte pequena da sociedade, ao não
conter uma repercussão geral, não é julgada pelo STF. Essa ausência de repercussão geral em um
recurso com questão constitucional comprovada, é uma ausência de jurisdição? Ocasiona prejuízo
aos jurisdicionados? Se a parte interpôs recurso extraordinário, no mínimo, a prestação jurisdicional
do duplo grau de jurisdição ocorreu, não pertinente a alegação da ausência de prestação
jurisdicional, somente uma não relevância de uma manifestação pelo tribunal superior, com
validade somente das decisões anteriores, com total prestação da jurisdição pelo judiciário como um
todo.
A repercussão geral é um filtro processual de admissibilidade para o STF, com uma função de,
além da própria devolutividade normal, delimitar a relevância das matérias constitucionais. Uma
forma de delinear-se o que deve ser julgado e o que não deve. Admite-se assim, por vezes, uma
questão legitimamente constitucional, mas não relevante para o STF, o que Cruz e Tucci define
como “forçoso é reconhecer que, paradoxalmente, haverá também questões de índole constitucional
“menos importantes” para os fins do recurso extraordinário, porque despidas de repercussão geral.”
(TUCCI, 2008)
A junção de relevância com a transcendência revela a repercussão geral existente no recurso.
Quando há só relevância, mas não transcendência, não há repercussão geral, tanto quanto vice-
versa, há a necessidade da conjunção de ambas as hipóteses para alcançar a demonstração correta
do instituto.
“Também aqui o legislador infraconstitucional alça mão de linguagem
propositalmente vaga, consentindo ao Supremo Tribunal Federal a aferição
da transcendência da questão debatida a partir do caso concreto. A
transcendência da controvérsia constitucional levada ao conhecimento do
Supremo Tribunal Federal pode ser caracterizada tanto em um perspectiva
qualitativa como quantitativa. Na primeira, sobreleva para individualização
da transcendência o importe da questão debatida para a sistematização e
desenvolvimento do direito; na segunda, o número de pessoas susceptíveis
de alcance, atual ou futuro, pela decisão daquela questão pelo Supremo e,
bem assim, a natureza do direito posto em causa (notadamente, coletivo ou
difuso.” (MARINONI, MITIDIERO, 2008, p. 37/38)
Os critérios acabam por conter uma certa subjetividade, algo que não se consegue visualizar
de forma clara, mas simplesmente dependendo de cada situação em peculiar. No caso da
transcendência, dividimos de duas formas: a quantitativa e a qualitativa.
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3.2.1 A decisão de afetação na Repercussão Geral
Reconhecida a repercussão geral, a matéria reconhecida deve ser afetada, para uma delimitação
de quais os fatos, os pontos materiais em que o STF manifestou pela relevância e transcendência.
Cabe ao relator delinear de forma apurada, com detalhes, os limites da repercussão geral.
Essa decisão, no código de 2015, é definida como decisão de afetação, com a visualização da
presença dos requisitos da repercussão, coma especificação e delimitação da questão constitucional
que detêm repercussão geral. A decisão de afetação da repercussão geral é um momento importante
processualmente, quando se define o alcance e âmbito da atribuição da repercussão geral.
Como o STF declara que a matéria tem a repercussão geral, não há necessidade dos demais
processos existentes sobre matéria idêntica continuarem a terem processamento nas instâncias
anteriores se a tese firmada pelo supremo ainda será definida. Pertinente a suspensão dos processos
para aguardo da decisão futuro a ser proferida pelo tribunal superior.
Importante na decisão da repercussão geral é a estipulação material da influência sobre outros
recursos de matéria idêntica que serão sobrestados para espera da decisão deste recurso. Somente
conhecendo os limites do que se julga, há a possibilidade de julgar a determinada matéria, sem
avançar em assuntos e matérias que não são pertinentes àquela decisão.
Sem a decisão de afetação corretamente aplicada, inócua seria a repercussão geral. Somente há
julgamento por amostragem com uma decisão que delimite a matéria afetada por este rito diferente
que julga um processo para impacto em outros processos à espera desse julgamento. Os tribunais
inferiores e os juízes, para sobrestarem os processos da mesma matéria, necessitam do parâmetro
dado pelo STF para enquadramento dos processos de igual matéria.
Os processos de matéria idêntica ficam no aguardo da resolução do recurso extraordinário com
repercussão geral reconhecida para, após, obterem um julgamento com base naquela decisão, de
acordo com o artigo 1040.
A importância da afetação, com a delimitação material e fática da questão constitucional
reconhecida está na visualização por juízo inferior na aplicação da suspensão, para decidir se um
processo deve aguardar ou não a resolução da repercussão geral, com a devida comparação material
entre cada processo e a decisão de afetação proferida pelo STF.
Essa decisão segue critérios para a sua prolação, como a identificação com precisão da questão
material a ser submetida para o julgamento por amostragem em repercussão geral, com a
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consequência da suspensão dos demais processos pendentes desta matéria, em todo o território
nacional.
A decisão tem duas partes, a definição da matéria afetada e a suspensão dos demais processos
desta matéria. O intuito é, num primeiro momento, delimitar a matéria de forma clara e concisa
sobre o que se julga de forma repetitiva, após, saber os limites da afetação para a suspensão dos
demais processos.
Sem a decisão de afetação não há como se pensar em repercussão geral, não há delimitação
material, tampouco possibilidade de julgar por amostragem, tamanha é a importância dessa decisão
e sua prolação correta para esse momento processual.
3.2.2 Os efeitos da repercussão geral positiva: suspensão dos processos com matéria
idêntica
A repercussão geral reconhecida no recurso extraordinário resulta em efeitos processuais, como
a consequência inerente ao próprio processo ao propiciar o julgamento pela turma ou plenário do
STF, mas também resulta na transcendência dos efeitos da concessão dessa repercussão.
Com a concessão da repercussão geral ao recurso e a delimitação da matéria a ser julgada, o
relator determina a suspensão em território nacional de todos os processos ainda pendentes
idênticos aos pontos materiais afetados, com a paralisação do processamento, nos limites que
decisão determinar, seja em primeiro, segundo ou grau superior, recursos ou não e até os outros
recursos que encontram-se no próprio STF, nos moldes do disposto no artigo 1035, § 5º.
O intuito desta suspensão é sobrestar os processos em todo o território para não haja
processamento desnecessário nos autos cuja a matéria está em análise pelo STF, teoricamente até a
decisão do recurso extraordinário com o reconhecimento da repercussão geral.
Se haverá uma decisão definitiva pelo STF, o prosseguimento da ação em primeiro grau, em
fase recursal de segundo grau ou até mesmo no STJ e no STF se torna desnecessária, com a
possibilidades de decisões antagônicas, divergentes e conflitantes, com mais recursos para
impugná-las. Melhor a solução processual da suspensão para sobrestamento dos feitos para
aguardar a decisão final do STF.
Entretanto, o artigo 1035, § 9º determina o prazo de um ano para o tribunal superior realizar o
julgamento deste recurso com a repercussão geral reconhecida, caso não se consiga o julgamento
dentro de um ano, o que normalmente não se consegue pelas experiências processuais atuais do
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STF, os processos suspensos voltam a ter o seu andamento normal, com o prosseguimento
processual do momento em que ocorreu a suspensão, conforme o artigo 1035, § 10º.
Uma forma de pressionar o STF para um julgamento mais célere sobre os recursos
extraordinários com repercussão geral reconhecida.
3.3 O julgamento por amostragem na forma do Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas
Essa novidade processual criada no código de 2015 possibilita um procedimento em tribunais
de segundo grau, estaduais ou regionais, julgarem demandas repetitivas, com âmbito territorial de
seus limites de jurisdição, aumentando os institutos que julgam os processos de forma repetitiva.
Mesmo com a didática processual dos recursos repetitivos e da repercussão geral, a nova
legislação primou por ampliar horizontes, incluindo os tribunais de segundo grau nesse processo de
pensar a resolução de demandas repetitivas, aumentando o leque de órgãos com a finalidade de
alcançar processualmente soluções para os litígios que se repetem no âmbito territorial. Incutir
responsabilidades aos tribunais estaduais e regionais permite uma maior abrangência do código
nesta nova etapa processual. Uma preparação maior para a resolução destes casos, desde os
tribunais de segundo grau.
O instituto teve como inspiração um paralelo estrangeiro, o procedimento denominado de
musterverfahren, oriundo do direito germânico, um procedimento de julgamento de processo-
modelo, no “qual se elege uma “causa piloto” na qual serão decididos determinados aspectos gerais
e comuns a diversos casos já existentes, sendo que a solução encontrada será adotada por todas as
ações pendentes sobre o mesmo tema.” (AMARAL, 2011. p. 255/256)
A utilização no direito alemão serviu como base para a criação desta novidade legislativa do
código de 2015. Foi instituída no ano de 2005, para a resolução de demandas específicas para o
mercado de capitais, com um intuito bem delimitado e com aplicabilidade experimental. Com o
êxito de algumas resoluções foi ampliada, não da forma ampla como foi criada na nossa legislação,
funcionando com três fases distintas processualmente:
“1) eleição da causa representante; 2) processamento da demanda perante o tribunal, com
realização de audiências, produção de provas, e decisão resolvendo as questões de fato e de
direito envolvidas na controvérsia; 3) julgamento posterior de todas as outras causas,
sobrestadas em primeira instância, que serão decididas com base na decisão modelo
prolatada pelo tribunal estadual.” (NUNES, 2014)
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O direito processual brasileiro adaptou este modelo alemão para uma realidade brasileira, a
massificação de demandas, uma proliferação de processos com natureza material ou processual
idênticas, abarrotando o judiciário de causas a serem decididas, com teses idênticas. No direito
alemão, a visualização da quantidade de processos é bem menor, o que no Brasil tem causas com
milhares ou milhões de demandas já distribuídas ou possíveis futuras demandas. Aqui, além de uma
quantidade exacerbada de processos, da busca ao judiciário, trabalha de forma contrária uma
jurisprudência claudicante, quase lotérica.
“A ideia da jurisprudência lotérica se insere justamente nesse contexto; isto é, quando a
mesma questão jurídica é julgada por duas ou mais maneiras diferentes. Assim, se a parte
tiver a sorte de a causa ser distribuída a determinado Juiz, que tenha entendimento
favorável da matéria jurídica envolvida, obtém a tutela jurisdicional; caso contrário, a
decisão não lhe reconhece o direito pleiteado.” (CAMBI, 2001, p. 111)
Mesmo com certo êxito na aplicabilidade do rito repetitivo aos recursos excepcionais e o
filtro da repercussão geral, o código cria uma alternativa de se pensar em resolução massificada
antes, já em segundo grau, imbuindo mais tribunais nesta tarefa primordial, mas árdua.
3.3.1 A decisão de afetação no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas
O pedido de instauração do incidente tem endereçamento ao presidente do tribunal de segundo
grau, que remete ao órgão responsável pela pacificação da jurisprudência naquele tribunal. Não há
uma estipulação do órgão fracionário competente na legislação, impondo a responsabilidade ao
órgão que incumbido normalmente da pacificação da jurisprudência daquele tribunal.
Neste caso, o regimento de cada um dos tribunais deve escolher o devido órgão. Num aspecto
geral, a priori, deve ser o mesmo órgão responsável que antigamente era para julgar o incidente de
uniformização de jurisprudência e da assunção de competência, geralmente as câmaras reunidas,
variando para cada tamanho e organização de tribunal.
“A legislação infraconstitucional pode indicar o tribunal competente,
seguindo as regras já traçadas pela Constituição Federal. O legislador deve
apontar qual o tribunal competente, não estabelecendo qual o órgão interno
do tribunal que deva realizar determinado julgamento. Se o órgão julgador,
num determinado tribunal, é uma câmara cível, um grupo de câmaras, a
corte especial ou o plenário, isso há de ser definido pelo seu respectivo
regimento interno. O que importa é que o tribunal seja aquele previsto na
Constituição Federal.” (CUNHA, 2010, p. 139/174)
Distribuído para este órgão, com o sorteio de um relator dentre os membros deste colegiado, o
pedido de instauração do incidente deve ser colocado em pauta para o julgamento da
admissibilidade, baseando nos requisitos do artigo 976, I e II. Com o cumprimento destes
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requisitos, o incidente é instaurado, permitindo ao relator proferir decisão de afetação,
determinando qual a questão de direito específica e delimitada do incidente de resolução de
demandas repetitivas, denominada tese jurídica, com a consequente suspensão de todos os
processos pendentes de julgamento pelo segundo grau, sobre matéria idêntica, com os limites da
jurisdição territorial daquele tribunal, nos moldes do artigo 982.
Além da suspensão, o relator pode requerer informações de todos os órgãos que julgam aquela
matéria, seja em primeiro ou segundo grau, com prazo de 15 dias para prestá-las, após, procede a
intimação do ministério público para manifestar-se em igual prazo.
3.3.2 A possibilidade de ampliação ou prorrogação da suspensão
Com a suspensão decretada pelo relator do incidente, este comunica, primeiramente os órgãos
competentes ao julgamento em primeiro e segundo grau nos processos normais, com ampla
divulgação, cadastrando o incidente no Conselho Nacional de Justiça – CNJ, para as partes e demais
interessados terem acesso às matérias afetadas, bem como o acompanhamento do incidente.
Os processos afetados ficam sobrestados pelo prazo de um ano para julgamento do incidente.
Este prazo, estipulado no artigo 980, é padrão para todas as espécies de julgamento por amostragem
no código de 2015. Um tempo razoável para o incidente ser processado, instruído e estar apto para
julgamento, de outro lado, causa impacto nas partes pelo sobrestamento por este prazo, mas diante
da possibilidade de solução para as demandas repetitivas, está dentro da razoabilidade.
Ultrapassado este prazo, os processos saem do sobrestamento com o devido prosseguimento do
feito na mesma fase em que foi suspenso. Porém, o relator, caso entenda pertinente, pode,
fundamentadamente, prorrogar a suspensão por mais tempo. Diferentemente das outras espécies de
julgamento por amostragem, há a possibilidade da prorrogação da suspensão, se o relator
fundamentar neste sentido, pela necessidade da manutenção do sobrestamento.
Os legitimados para o pedido de instauração do incidente podem, se entenderem pertinente e
visando resguardar a segurança jurídica, requerer ao tribunal superior competente para o julgamento
daquela tese jurídica delimitada pelo incidente, para que amplie os efeitos da suspensão para todo o
território nacional, com impactos em todos os processos individuais ou coletivos da questão de
direito afetada. Há uma complexidade nesta hipótese pela decisão do tribunal superior ser sem um
rito repetitivo ou sem um recurso excepcional sobre a questão, mas é possível e pertinente essa
hipótese.
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No entanto, não somente os legitimados do incidente instaurado podem requerer ao tribunal
superior a ampliação da suspensão. O artigo 982, § 4º, permite a qualquer parte, em todo o território
nacional, independente da limitação daquele tribunal do incidente, que tenha um processo com a
mesma questão objeto do incidente, requerer a ampliação da suspensão para todo o Brasil,
direcionando este pedido para o STJ ou o STF, de acordo com a tese jurídica definida no incidente,
devendo também fundamentar o pedido e a comprovação da necessidade e requisitos.
4. CONCLUSÃO A multiplicidade de demandas com matérias idênticas permeia o nosso cotidiano forense,
abarrotando toda a estrutura do judiciário com diversas espécies de ações, desde a infinidade de
ações sobre direito do consumidor até contra as esferas da fazenda pública, as maiores litigantes
brasileiras.
Com este quadro de matérias que atingem milhões de indivíduos demandantes, com quase 100
milhões de demandas, o procedimento teve que realmente mudar para encontrar uma solução para
essa multiplicidade. A prioridade pelo julgamento por amostragem é uma tendência mundial, como
a forma de aplacar essa excessiva quantidade de processos com identidade material.
Evidentemente no Brasil não seria diferente e a legislação cumpre a sua função ao seguir,
paulatinamente, essa tendência com a inserção, desde a década passada, de institutos que cumprem
o julgamento por amostragem. O novo código ampliou este leque e regulamentou de maneira mais
precisa o seu processamento, com o detalhamento dos institutos e fases processuais.
A decisão de afetação, cerne deste estudo, já existia na antiga codificação, com a utilização
diante das formas de julgamento por amostragem existentes. Entretanto, a menção legal somente
falava sobre o relator afetar, sem dispor como fazê-lo ou qual a importância, colocando como parte
do rito, mas sem uma determinação de sua formalidade e limites.
Em toda espécie de julgamento por amostragem, a decisão de afetação tem importância
suprema, com a necessidade de prolação concisa, clara e eficiente, para fixar parâmetros concretos e
corretos do precedente a ser firmado futuramente. Cada instituto tem requisitos diferentes que
permitem uma decisão de afetação prolatada de maneira diversa, com efeitos diversos e
possibilidades interligadas a forma que o julgamento será realizado.
O novo código ampliou a importância da decisão de afetação, simplesmente ao mencioná-la de
maneira clara, colocando-o como um instituto fundamental de qualquer julgamento por amostragem
e determinando suas diretrizes em cada caso.
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