vii concurso literário

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VII CONCURSO LITERÁRIO Rede de Bibliotecas do Município de Azambuja 2013/2014

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Page 1: VII Concurso Literário

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VII CONCURSO LITERÁRIO

Rede de Bibliotecas do Município de Azambuja

2013/2014

Page 2: VII Concurso Literário

RICARDO E LÍDIAXana Vale

2º Escalão/Conto

VII CONCURSO LITERÁRIO

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RICARDO E LÍDIA

Ricardo Reis estava sentado a ler o seu jornal quando entrou Lídia para vir buscar a bandeja de pe-queno-almoço. Esta afligiu-se quando reparou que a bandeja não fora tocada.

- O senhor doutor não gostou?

- Gostei, mas distraí-me com o jornal… - disse, não prestando muito atenção ao que fazia. Levantou--se e colocou a mão sobre o braço de Lídia para a sossegar. Ela baixou o olhar para o toque e Ricardo Reis viu-a corar. Após uns segundos, o médico largou-a. Ela pegou na bandeja que tremia como varas verdes e saiu apressadamente do quarto.

A porta já se fechara com um suave rangido há mais de 10 minutos e ainda Ricardo Reis se encontra-va de pé, no sítio onde Lídia o deixara, o braço direito ligeiramente levantado como se à procura de algo. De repente cerra os punhos, deixa de lado as suas divagações inúteis e senta-se novamente, abrindo o jornal numa página ao acaso.

Depois de almoçar na Sala de Jantar, tendo o cuidado de evitar qualquer contacto com os outros hós-pedes do Hotel Paraíso, deixa uma nota na Receção para a gerência, pega na bengala e no chapéu e sai para o Sol brasileiro.

A sua pele de um “vago moreno mate” como descrevia o seu mestre Caeiro num descuido acidental de conhecimento irrelevante, passava despercebido por entre a multidão. Tomavam-no certamente por um dos ricos produtores de café, o “ouro negro” brasileiro.

Por entre passadas rápidas, Reis chegou ao fim da estrada. Na orla daquela vida urbana, uma parede de árvores preenchia o horizonte. Reis entrou, destemido, agradecido pela sombra lhe diminuir o ataque de Apolo. Precisou de 20 minutos para o barulho ser completamente abafado e encontrar a clareira. Um rio com a mais pura água transparente fluía lá à frente mas este deixou-se ficar pela grande pedra junto das árvores que parecia vagamente uma cadeira. Sentou-se e aproveitou a sua existência como fizera tantas vezes com o Mestre. Depois de algumas horas de pensamentos constantes e metódicos voltou ao Hotel. O Sol ainda reinava no céu. Isto fê-lo sorrir.

À secretária, com a janela aberta para deixar o ar quente entrar, colocou uma folha sobre o mogno e escreveu um poema ao qual deu o titulo de “Amo o que Vejo”. Escreveu-o de um fôlego, já o estava a limar desde que se sentara naquele trono natural. Mal coloca o ponto final, um tímido bater à porta fá-lo voltar à realidade. Dá a ordem para entrar e esconde o escrito numa gaveta. Vê Lídia entrar, nervosa. Tal como exigira ao gerente, passaria a ser somente ela a servi-lo.

A sua cabeça baixa faz notar o seu cabelo liso de um castanho baço. As suas mãos, ásperas de traba-lho, agarram firmemente a bandeja. Coloca-a em frente de Reis e, sem dizer nada nem trocar um olhar, prepara-se para sair. Quando já tem a mão na maçaneta ouve uma voz atrás de si, grave e seca, mas que para si é a mais melodiosa de todas.

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- Obrigado – ela lança um rápido olhar ao doutor e fecha a porta atrás de si com mais força do que tinha previsto.

Ricardo Reis deixa-se divagar um segundo sobre os seus olhos negros brilhantes, as suas bochechas rosadas e o seu quase impercetível sorriso doce. Depois toma consciência de si e – “Outra vez?!?” – de-vora avidamente o seu jantar.

Não se permitiu olhar para Lídia nos dias que se seguiram mas não fez nada para mudar a decisão sobre a criada destinada a servi-lo.

Por duas ou três vezes os seus olhares cruzaram-se acidentalmente. Como um vulcão ativo, o escar-late explodiu na face da jovem criada fazendo-a retirar-se ainda mais depressa do que o normal. A sua partida entristecia-o pois segundos antes o seu coração disparara com uma felicidade surreal. Felizmen-te, a sua pele morena não o traía, fazendo com que não se notasse que também ele corara.

Os dias transformaram-se em semanas. Ele desejava a sua presença e sabia que ela também. Via claramente nos seus olhos simples que o amava.

Um dia, amargurado por não conseguir nem, dizendo a verdade, querer apagar aquela alegria e aque-la tristeza, sentou-se zangado à secretária. Naquele momento fartara-se do sentimento de necessidade que tinha por aquela mulher, aquela criada! Odiou-a por amá-lo e odiou-a por fazê-lo pensar nela. As palavras enfurecidas cravavam-se no papel como facas.

“Não só quem nos odeia ou nos inveja Nos limita e oprime; quem nos ama

Não menos nos limita. Que os deuses me concedam que, despido

De afetos, tenha a fria liberdade Dos píncaros sem nada.

Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada É livre; quem não tem, e não deseja,

Homem, é igual aos deuses.”

Sentindo-se subitamente mais leve saiu do quarto e varreu o resto dos seus pensamentos ao vento e às vozes alheias. Quando anoiteceu voltou. Mal entrou no quarto estacou. Inclinada sobre a sua secre-tária estava Lídia, pálida, com o pano do pó numa mão e o seu texto noutra. Quando esta se voltou, os seus olhos vermelhos abriram-se de espanto e terror. Lágrimas grossas escorriam-lhe pela face. Largou imediatamente o poema e começou a correr para a saída. Quando ia passar por si, Reis estendeu o braço e impediu-lhe a passagem. Ela levantou a cabeça mas este mantinha-se hirto, de maxilar cerrado, olhando em frente.

- Desculpe senhor doutor. Eu não devia… Não podia estar…

- Silêncio! – interrompeu-a friamente. Depois olhou para ela. Já não se conseguia controlar mais. Contra tudo aquilo em que acreditava e toda a sua razão puxou Lídia para si e beijou-a fervorosamente.

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Mais tarde recriminar-se-ia por ser um homem tão fraco mas naquele momento nada importava exceto que a mulher que amava lhe derretia nos braços. A sua boca tinha o sabor salgado das lágrimas mas para ele nada havia de desagradável nisso. Os lábios cheios espalmavam-se contra os seus, suaves e irresistíveis.

O momento terminou demasiado depressa. Nenhum dos dois parecia conseguir aguentar-se nas per-nas. Foi ele que deu o primeiro passo. Atravessou o quarto, pegou no poema, amachucou-o num gesto e deitou-o fora.

- Lídia…

- Doutor.

Ele sorriu. Nem se reconhecia!

- Não sou médico, nunca curei ninguém. Chama-me Ricardo – e dispensou-a com um gesto vendo um pequeno sorriso torcer-lhe os cantos da boca.

- Sim senhor Reis - e saiu do quarto.

“Sim, sei bem Que nunca serei alguém.

Sei de sobra Que nunca terei uma obra.

Sei, enfim, Que nunca saberei de mim.

Sim, mas agora, Enquanto dura esta hora,

Este luar, estes ramos, Esta paz em que estamos,

Deixem-me crer O que nunca poderei ser.”

Reis está inquieto. Anda para a frente e para trás no quarto. De certeza que os hóspedes de baixo lhe mandarão algum recado para que pare com aquela correria sem sentido.

- Não é sem sentido – pensa – E esse é o problema. Não! Eu não sou assim! Ela não me vai mudar. É apenas uma criada. Nem sequer é uma mulher digna da minha preocupação. Mas se calhar é por isso… Estou a ser assim por ela. Tem de ser! Ela não é mais importante para mim do que as rosas e as mag-nólias. É alguém que não percebe que nada do que façamos vai mudar o Destino. E o Destino é morrer. Mais vale passarmos por esta vida tranquilamente do que com grandes paixões e tristezas. Porque todo o exagero é triste. Irei ajudá-la a perceber. Sim, sim, é o que tenho feito. Mostrei-lhe a felicidade exacerbada de um beijo. Agora tenho de lhe mostrar o caminho da verdade. Eu não a amo, quero ajudá-la!

Parece que um peso lhe saiu de cima dos ombros. Sente-se ridículo, mas feliz, por ter percebido as suas ações que afinal não tinham nada de extraordinário.

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No dia seguinte tenta falar com ela sobre o poderoso Júpiter, as belas ninfas, o calmo Pã. Tenta mos-tra-lhe que as tristezas não valem a pena, que o melhor a fazer é aproveitar a existência com uma paz estudada e comedida. No entanto, as palavras não lhe soam certas, claras ou verdadeiras. Parecia que o seu cérebro escolhera a pior forma de se governar. Pensa, enjoado, que foi o mesmo que aconteceu com o seu glorioso Portugal que passou a ser dirigido por pessoas sem esse direito.

Quando dá um gole no café este já estava frio. Com uma careta afasta a chávena dos lábios. Lídia sai do quarto confusa com a conversa de deuses diferentes do seu Deus, a morte ser apenas um vazio igual à noite e a felicidade ser algo desagradável. Ambos pensavam o mesmo naquele momento – “Somos demasiado diferentes…”

Mas Reis não ia desistir da sua amada, quer dizer, da sua inconsciente discípula. Passou a noite em claro, escrevendo incessantemente. Lendo, corrigindo, relendo, corrigindo… Pela manhã, quando a sua criada lhe levou o pequeno-almoço, entregou-lhe quatro poemas que ela guardou nas vestes. De alguma forma, a tinta fazia com que os pensamentos fluíssem tão bem quanto divagando e tão corretos quanto trabalhados. A voz era um instrumento maleável e pouco seguro, demasiado imprevisível. E assim não tinha o problema de se distrair com um olhar ou um sorriso.

A partir desse dia as suas conversas passaram a ser constantes e estranhamente interessantes. Ri-cardo Reis estava espantado com o nível de perceção que uma mulher poderia ter em relação àquelas faculdades e com a pertinência das questões que lhe lançava. Chegava à irrealidade de defender fe-rozmente o seu ponto de vista, tendo Reis de recorrer a toda a sua disciplina mental para lhe responder contrariamente em vez de lhe dar razão, às vezes merecida.

Numa tarde, Reis decidiu levá-la à sua clareira. Os momentos das refeições haviam-se tornado dema-siado breves e precisava de lhe mostrar a sua realidade.

Quando pisam a erva quente do Sol, após atravessarem o mar de sombra, Lídia deslumbra-se. Era certo que aquele era o local mais belo que já vira. A sua primeira reação foi descalçar-se. Reis levantou as sobrancelhas mas não disse nada e continuou a andar em frente. A todo o custo conteve um sorriso quando Lídia começou a correr de braços abertos, qual criança, aproveitando aquela tão pura liberdade. Cheirou as flores, ouviu os pássaros e, de olhos fechados, levantou a cabeça vendo o laranja preencher--lhe o vazio e o calor espalhar-se pelo corpo.

- Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira-rio – esta reabriu os olhos e sorrindo foi sentar-se ao lado de Reis.

Este mirava o rio por isso ela imitou-o. Uma suave corrente de ar levantou-se e ela pensou ouvi-lo suspirar de felicidade mas não teve a certeza porque de seguida ele enlaçou a mão na sua e nada mais importava.

Uns segundos depois sente-o estremecer e a sua mão abandona-a.

- Não vale a pena cansarmo-nos – lamenta, sem a olhar – Talvez possamos mas mais vale estarmos sentados, assim, ao pé um do outro a ver e ouvir o rio correr.

Ela tenta acreditar nas suas palavras, sabe que o que diz é verdade, mas mesmo prevenindo um des-gosto desnecessário, cria uma mágoa maior. Controla-se para não lutar contra aquela falta de reciproci-dade. Ela ama-o demasiado para lhe impingir uma paixão efémera e condenada que o fará sofrer mais

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do que ela consegue compreender.

À volta deles as rosas crescem abundantemente. Assim, colhe algumas e coloca-as no colo. O seu perfume não morre logo por isso ambos o aproveitam e ao correr do rio e à companhia não exagerada um do outro.

- Amo as rosas do Jardim de Adónis, doutor.

- Ricardo, Lídia.

- Porquê perder tempo com nomes próprios e aproximações quando nunca passaremos de conheci-dos?

- Não somos apenas conhecidos Lídia! – ele olha-a, perplexo com o ataque inesperado.

- Claro que somos! – ela levanta-se – E o doutor sabe isso – e vai-se embora sem olhar para trás.Ele não faz nenhum movimento para segui-la. A tentação é excruciante mas a morte é implacável e

incontornável. O seu pensamento é definitivo.

Quando regressa ao Hotel as estrelas já brilhavam e a Lua vigiava, atenta, os caminhantes noturnos. Ele próprio faz a mala e prepara a sua partida. Antes de o Sol raiar senta-se pela última vez à sua secre-tária de mogno e escreve.

À hora do pequeno-almoço a sua mala já se encontrava na carruagem. Reis está sentado na cama e revira a carta nas mãos. Pela porta entreaberta surge a figura de Lídia. O homem levanta-se e dirige-se a ela com a carta estendida. Ela olha-o confusa.

- Abre e lê – ordena. Ambos percebem que é um pedido, quase uma súplica.

Ela obedece.

“Já sobre a fronte vã se me acinzenta O cabelo do jovem que perdi. Meus olhos brilham menos.

Já não tem jus a beijos minha boca. Se me ainda amas, por amor não ames:

Traíras-me comigo.”

Ela aperta o papel nas mãos e olha para ele. Este tem ima expressão impassível enquanto espera a sua reação. Ela puxa-o para si e coloca os seus lábios junto ao seu ouvido.

- “Quem quer pouco, tem tudo, quem quer nada / É livre; quem não tem e não deseja, // Homem, é igual aos deuses”. Adeus doutor.

O coração dele encolhe com aquela última palavra.

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- Conhecidos – pensa – Nunca seríamos mais que conhecidos.

Sem dizer mais nada sai do quarto e dirige-se à carruagem. Depois de uma única paragem, segue para a cidade mais próxima. Nunca olhou para trás.

Nessa tarde, a criada foi à clareira. Percorreu lentamente o caminho que não esqueceria jamais. Não sabia bem o que esperava encontrar, ou se esperava sequer encontrar alguma coisa, mas os seus pés continuavam a andar. No local onde ambos se haviam sentado a ver o rio fluir impetuosamente em di-reção ao mar estava um ramo tosco de rosas vermelhas. Quando o agarrou reparou que escondia uma folha de papel. As mãos tremiam quando lhe pegou.

“Lídia, ignoramos. Somos estrangeiros Onde que quer que estejamos.

Lídia, ignoramos. Somos estrangeiros Onde quer que moremos, tudo é alheio

Nem fala língua nossa. Façamos de nós mesmos o retiro

Onde esconder-nos, tímidos do insulto Do tumulto do mundo.

Que quer o amor mais que não ser dos outros? Como um segredo dito nos mistérios,

Seja sacro por nosso.”

A luz do seu sorriso era capaz de encolher as estrelas de vergonha. Vê-lo faria Reis desistir de si pró-prio com a mais pura das certezas.

- Adeus Ricardo…

E nunca mais se viram, falaram ou trocaram cartas. Nunca mais mencionaram o nome um do outro. Nunca mais pensaram nos beijos ou no “talvez”. Mas sempre recordaram que um simples toque no braço podia fazer toda a terra tremer.

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CONCERTOS E CRIATIVIDADEAntónio Raposo

2º Escalão/Crónica

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CONCERTOS E CRIATIVIDADE

Não há dúvida de que a indústria discográfica sofre muito hoje em dia. A venda de discos desceu a pique e o download é cada vez mais uma opção. Mas isto da internet não tem só desvantagens. Talvez a indústria discográfica também tenha de evoluir.

Se eu ouvisse apenas o que pagasse, das duas uma: ou o meu universo musical seria muito mais limitado, e teria de me satisfazer com a medíocre música de rádio, ou gastaria rios de dinheiro em discos. O mercado de CDs em Portugal também não facilita: por exemplo, em Inglaterra compro um álbum de Pink Floyd por dois euros, enquanto que o mesmo em Portugal ronda os vinte euros. Alguns dirão: “Óbvio que são mais baratos em Inglaterra porque os Pink Floyd são ingleses”, e eu responderei: Zeca Afonso também é português e os discos dele não custam menos de quinze euros. Se eu pretender ter uma boa coleção de álbuns de Pink Floyd talvez tenha de esperar por uma viagem porque simplesmente não sai em conta fazê-lo em Portugal. Seria de esperar que saísse barato fazer uma coleção de álbuns de Zeca Afonso no seu país natal, mas também não é.

O objetivo não é explorar os músicos, nada disso, é uma profissão muito difícil, instável, e pela qual eu tenho o maior respeito. É também um facto que para bandas com um menor público, o dinheiro pro-veniente de empresas de streaming online é muito pouco, é rentável apenas para grandes bandas. Se o dinheiro não vem dos discos, nem vem das empresas de streaming, como sobreviverão os músicos? A minha resposta é simples: concertos e criatividade. Se eu não tivesse conhecimento de muitas bandas via internet talvez não tivesse ido a metade dos concertos a que já fui. Uma experiência ao vivo não é comparável com um CD/vinil, é algo pelo qual um verdadeiro amante de música não tem receio em gastar dinheiro. As bandas não podem lançar um disco e ficar simplesmente à espera que o dinheiro chegue. Há que envolver-se em eventos, dar concertos, dar mais visibilidade aos seus projetos. A banda britânica The xx durante o passado verão realizou o projeto “Night and Day”, que consistia num mini-festival no qual eram cabeças de cartaz, mas onde entravam pequenas bandas do género electro e indie e bandas nacionais dos vários países onde atuavam. Este mini-festival decorria em locais ao ar livre e atraentes do ponto de vista estético, começando à tarde e terminando à noite, de maneira a que o público pudesse assistir ao pôr-do-sol. Ora aí está uma experiência nova e criativa que decerto rendeu para os The xx. Foi mais caro do que um concerto normal, mas foi uma experiência que compensou.

Chegará o disco à extinção? Mostrarei eu ao meu filho o meu disco externo em vez da minha coleção de CDs? Creio que não. Continua e continuará a haver pessoas que vão querer gastar dinheiro em su-portes musicais de maior qualidade que o informático. As vendas permanecerão baixas, provavelmente descerão ainda mais, mas acredito que os fãs manterão minimamente rentável o mercado discográfico. A prova disso é o álbum In Rainbows de 2007 da banda britânica Radiohead. Antes de lançar no mercado o suporte físico do álbum, a banda disponibilizou na íntegra o álbum em formato digital no site oficial, os consumidores pagavam pelo formato digital a quantia que desejassem e que achavam que o álbum valia, podendo não pagar rigorosamente nada. Foi a primeira banda a ter uma iniciativa deste género e o álbum foi um sucesso de vendas, tanto no formato físico, como no digital. A prova de que há pessoas que preferem o disco ao formato digital: podiam adquirir o álbum em formato digital a pagar, contribuindo para os músicos, ou adquiri-lo gratuitamente, e ainda assim o formato físico vendeu. Uma forma honesta de vender CD’s: as pessoas sabem o que vão comprar quando compram um CD, porque já o ouviram

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via internet.

Enfim, há que deixar de ser casmurro e ver as coisas de outra perspetiva. Afinal de contas “mudam-se os tempos mudam-se as vontades”, e a indústria musical só tem a ganhar com o streaming, aproveitando a maior visibilidade para investir em novas experiências.

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NATUREZAXana Vale

2º Escalão/Poesia

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NATUREZA

Brota beleza estilhaçada de solos ardentes

Início da Primavera, início de melancolia

Cantos agudos quando ninguém os queria

Silêncios de mudos gritados pelas gentes

Ninguém aproveita tal paz de mármore

Perfeita nos caminhos de pedintes e errantes

Fria de morte nos corações dos amantes

Ingenuamente escondidos atrás das árvores

Penas de oiro percorrem os céus

Cospem-nos a beleza da sua liberdade

Seres cruéis que puxam da vontade

A alegria presente nos olhos meus

Mastros castanhos com verdes velas

Escondem ninhos pequenos e estrelas enormes

Escondem nuvens de algodão, coisas disformes

Que a imaginação nos enganou como belas

O vento traz consigo um aroma de certeza

Tocada com o piano do velho campo

E cobre toda esta terra com o manto

Da leda vulnerabilidade da natureza

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MÚSICA E O FUTURODaisy

2º Escalão/BD

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PIEGAS E PIEGUICESMaria da Fonte

3º Escalão/Conto

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PIEGAS E PIEGUICES

Valério Guerra entrou no consultório do doutor Amado Paz, com passos largos e olhar seguro. Nervo-so mas querendo aparentar calma, caminhou de cabeça erguida, com uma expressão séria, não fosse o médico psiquiatra pensar que ele era maluco.

Era a primeira vez que ia a uma consulta de psiquiatria e sentia-se pouco à vontade. Bem menos à vontade do que nas consultas de urologia, por incrível que pareça. Bem vistas as coisas, a próstata é muito mais pequena do que o cérebro e os testículos, apesar dos espermatozóides, não têm a produti-vidade ilimitada dos neurónios.

Foi com estes pensamentos complexos que se sentou na cadeira estofada em frente da secretária de madeira. Do outro lado, o psiquiatra, de pé, estendeu-lhe a mão, com um sorriso afável.

Cumprimentaram-se e aconchegaram-se nas cadeias, permanecendo em silêncio por breve instante.

- Guerra, faz tréguas… – Disse para os seus botões – Não precisas de atacar nem de estar na defensi-va. Estás aqui, precisamente, para tirar a máscara do dia-a-dia. Máscara que te abafa e que te põe doido.

Aliviou o nó da gravata, na tentativa de aliviar o espírito, mas lá no fundo continuava preocupado com a sua imagem. Valeria a pena causar boa impressão? Sim, claro que valeria, pensou Valério. Não era um coitadinho, e, para isso, conviria ter a máscara sempre pronta a valer.

O médico conferiu rapidamente os dados da ficha clínica do cliente. Nome: Valério Guerra. Idade: 49 anos. Profissão: Gestor.

Em seguida, Amado Paz perguntou-lhe amavelmente:

- O que o traz por cá?

Guerra mexeu-se na cadeira, tossicou, encheu os pulmões de ar como se se preparasse para bom-bardear com dióxido de carbono umas dezenas de velas de um bolo de aniversário. E disse satisfeito consigo mesmo:

- Logo vi que me ia fazer essa pergunta. Sabe, o segredo do meu sucesso como gestor reside em pre-ver o futuro próximo para evitar surpresas e para me antecipar, chegar primeiro que os outros ou, então, passar por cima deles. É uma estratégia infalível!

- E o que o traz por cá? – Insistiu Amado Paz, a modos que indiferente ao palavreado do outro. Valério Guerra não se descompôs:

- Pois bem, em casa, já tinha pensado na resposta a essa pergunta, como tal, serei claro e assertivo. Sou gestor e tenho-me especializado, nos últimos anos, na gestão de empresas em dificuldades econó-micas. Ajudo a recuperá-las, compreende? Eu explico em poucas palavras.

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Então, é assim: chego lá, varro o lixo e deixo tudo limpinho, ou seja, capaz de funcionar e de dar mais lucro. Resumidamente, é isto. Mas ninguém pense que é tarefa fácil!... Nos últimos tempos, esta minha função - nobre função!, digo-o com orgulho – tem-me trazido muitas dores de cabeça. Têm surgido casos complicados, pessoas estúpidas, ingratas, mal-educadas… Enfim, sabe Deus o que tenho penado.

O pior é que, de há uma semana para cá, não consigo dormir. Vivo atormentado. Preciso da sua ajuda, doutor! Neste momento, creio que só a psiquiatria me pode ajudar, para não dar em doido…

- Mas… - Tentou o médico, sem conseguiu completar a frase.

- É que eu dou o meu melhor todos os dias, mas nem sempre sou compreendido. Ele há gente muito difícil, sabe? Gente irritantemente piegas! Difícil de orientar, difícil de mudar, difícil de vergar…

- De vergar?...

- Sim, de vergar, claro! Ainda há dias, na redacção de um jornal em dificuldades económicas, os jor-nalistas opuseram-se à descida dos salários para metade. Não só não aceitaram o corte salarial, que era para bem deles, como ainda queriam que a empresa lhes pagasse as horas extraordinárias! O mais reivindicativo foi logo posto no olho da rua, para servir de exemplo. Porém, os outros não amouxaram logo – alguns deles até tiveram o descaramento de defender o colega despedido! Percebe agora?

- Sim, creio que percebo, mas…

- Este país está cheio de escumalha mal habituada. Andaram anos e anos a viver acima das suas possibilidades e, agora que estamos em crise, não querem fazer sacrifícios. Democracia a mais deu no que deu! Eu podia falar aqui de muitas outras situações que o doutor nem ia acreditar! Olhe-me isto: uma empresa de enlatados admitiu quatro estagiários com mestrado concluído, para, durante seis meses, dis-tribuírem amostras em feiras sectoriais. Os quatro foram seleccionados entre mais de duas centenas de candidatos. Deviam ficar agradecidos, não era? Mas não: dois deles foram-se embora a meio do primeiro dia de trabalho, logo que souberam que o estágio não era remunerado. Grande lata!...

- Mas… Oiça…

- Nós a abrir-lhes as portas de uma empresa prestigiada e eles a desperdiçar a oportunidade. Não querem trabalhar, é o que é! Mas depois queixam-se de que não há empregos e tal e tal… Preferem ir para as manifestações, muito indignados, a gritar contra o governo, a exigir direitos e mais direitos… Não há direito!

- Hum… - Balbuciou o médico.

- E há mais! O doutor desculpe, mas tenho que lhe contar esta, para que veja bem ao que chegou o descaramento desta malta: Há uns oito meses atrás, numa empresa têxtil, dispensei duas fulanas com 20 anos de casa, que já ganhavam 1000 euros mensais, e substituí-as por uma miúda ainda inexperiente, a ganhar o salário mínimo. No início, ela até parecia competente e esforçada, mas acabou por ser uma decepção. Em vez de agarrar o trabalho com unhas e dentes, o que é que ele fez? Isto é surreal! Sabe o que ela fez?

- Não, não sei… Diga lá o que foi? - Disse o médico, um pouco impaciente.

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- Engravidou! Passado uns tempos, veio-me dizer que estava grávida e que tinha direito à licença de maternidade e mais não sei o quê… É preciso descaramento! Depois, ainda se pôs a chorar, quando foi despedida. Deixe-se de pieguices!, atirei-lhe eu. Se calhar, pensava que as lágrimas dela me como-viam… Gente manhosa, está a ver?

- Sim, estou a ver. Mas deixe-me só dizer uma coisa… - Pediu Amado Paz.Sem efeito.

Valério Guerra estava a gostar de se ouvir. Decididamente, as consultas de psiquiatria eram bem mais divertidas que as de urologia. Talvez até houvesse uma ligação entre as duas áreas da medicina, pois, à medida que falava, sentia crescer os níveis de testosterona. A sua voz estava cada vez mais grossa e o tom mais agressivo.

- Enfim, como eu ia dizendo, deixei de dormir. Porém, creio que o caso é de fácil diagnóstico e que o doutor, à luz dos seus conhecimentos, irá encontrar o remédio certo para o meu caso, sem efeitos secun-dários e essas coisas de que tenho muito receio. É que dou voltas e mais voltas na cama e não adorme-ço. São noites e noites de insónia. Uma verdadeira tortura! Se eu pudesse, expulsava essa gentalha toda que não me deixa dormir nem levar o país para a frente!

- Oiça…- Ah, se eu pudesse!... Obrigava-os a todos a emigrar para bem longe…

- Oiça, não me interrompa! – Gritou o especialista – Oiça o que tenho para lhe dizer de uma vez por todas!

Guerra calou-se, surpreendido, atónito.

- Oiça, dê-me só um minuto, por favor! – Frisou Amado Paz em voz baixa, tentando recuperar a tran-quilidade.

- Sou todo ouvidos!... – Aquiesceu o cliente, não refeito da inesperada reacção de Amado Paz.

O médico, então, conseguiu concluir o que há muito tinha para dizer:

- Houve aqui um equívoco, não sei como é que isto aconteceu e peço-lhe desde já as minhas descul-pas…

- Equívoco?

Sem mais rodeios, o médico declarou com voz firme:

- Não sou psiquiatra. Sou oftalmologista.

- Co-co-como?! – Gaguejou Valério, sem querer crer no que ouvia.

- Sou oftalmologista e não psiquiatra. Desde o início da nossa conversa, ou melhor, da sua conversa ou do seu monólogo, percebi que havia qualquer coisa de errado, mas o senhor não me deu tempo de

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lhe explicar e eu, um tanto estupefacto, deixei-me ficar a ouvi-lo. Também tenho responsabilidade nisto, mas…

- Não pode ser!... Quer isto dizer que estive aqui a perder o meu tempo? – Disse Valério Guerra, ele-vando a voz, num tom ameaçador.

Amado Paz olhou-o fixamente.

- Quer dizer que tudo isto foi em vão? – Insistiu o outro, visivelmente zangado.

O especialista levantou-se da cadeira, respirou fundo, inclinou-se colocando as mãos sobre a secretá-ria e respondeu pausadamente, sem desviar o olhar de Valério:

- Não, não foi tudo em vão. Pelo contrário, ainda bem que veio. À luz dos meus conhecimentos, como o senhor disse há pouco, o seu problema torna-se claro, de fácil diagnóstico. Não importa, afinal, se sou oftalmologista ou psiquiatra. Sou médico e é o bastante. Lamento informá-lo, mas sofre de uma doença grave, muito grave mesmo.

Valério ficou muito aflito, os níveis de testosterona desceram repentinamente e foi a tremer todo que suplicou:

- Ai, Jesus, valha-me Deus, cure-me depressa e não me faça sofrer, senhor doutor!

- Ouça o meu diagnóstico em silêncio e controle-se. Deixe-se de pieguices! – Ordenou o médico.

Com as lágrimas a soltarem-se dos olhos, Valério perguntou docemente:

- Que problema é esse, senhor doutor?

Sem mais rodeios, o oftalmologista respondeu, secamente:

- Está cego. Completamente cego.

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O CRISMAK.

3º Escalão/Crónica

VII CONCURSO LITERÁRIO

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O CRISMA

Eu fiz o Crisma. Na minha altura fazia-se o Crisma. Era um percurso quase religioso. A escola porque era lógico, a catequese porque era assim. Fiz o Crisma e não sei porquê, alias, até sei, por uma questão de gestão e racionalidade que não de ordem religiosa e sim temporal. Em pequenos somos católicos antes de sermos pequenos, crescemos e é só confirmar, para isso, serve o Crisma. Tudo movido pela lógica de “Basta rubricar em baixo”.

O essencial é fazer o Crisma, questões de compreensão são meramente pró-forma. No dia do vere-dito o nosso entendimento revê-se no acertar, em consonância com os demais, na altura de dizer “Sim, Creio” ou “Não, Não Creio”, tudo em voz alta, sem rodeios ou medos. Estamos ali para crer, não sabendo quando, aguardamos que os restantes creiam e em pouquíssimo tempo, creio eu, o vizinho, a fila de trás, os pais, o padre, o bispo, tudo em uníssono, numa homogénea profusão. No final, extenuados, tiramos fotografias e vamos para casa comer.

O essencial é fazer o Crisma, perceber fica para uma altura em que compreendamos mais e creiamos menos. Sinceramente, nem sempre assim pensara. Fiz o Crisma aos 17, podia ter acontecido aos 13, mas só aos 14 se está preparado, diziam. O Crisma é o ano bissexto da religião, só acontece quando há Bispo e só há Bispo quando há. Que pena não fazer 14 um dia antes de haver Bispo, pensava. Foi-me ne-gada a confirmação quando eu queria confirmar, foi-me possível quando eu a queria despachar. Coisas da Igreja. Do Altíssimo dos meus 13 anos, quando temos a razão do mundo, senti, talvez, pela primeira vez a indignação de adulto. De todos, apenas um amigo meu estava preparado para a respeitabilidade do ato, tinha 14. Aos 18 tive a carta, levou meses, aos 17 o Crisma, demorou anos. A Carta ainda uso.

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TROUXE-TE PARA OS MEUS VERSOSFlor de Lua

3º Escalão/Poesia

VII CONCURSO LITERÁRIO

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TROUXE-TE PARA OS MEUS VERSOS

Escrevinheio teu rosto claro

numa página vazia.

Escrevinhei-te:com palavras belas, sublimes,simples. As palavras com que

vou tecendo a magia.

Quis elogiar-te,com as palavras delicadas

que li nos romances,ou em páginas aladas

de livros dispersos.

Como antigamente,trouxe-te para os meus versos,

para te embalar os sonhos.Trouxe-te para os meus versos

de palavras soltas,

que voam,como as borboletas, eque têm, como dantes,

o sabor adocicadodas amoras pretas e

o gosto suave da infância.

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Mas se um diaesqueceres o poema

e deixares de escandiros versos, que

para ti vou tecendo,ao meu jeito, simples,

com amor,creio que não sofrerei,porque te imortalizeicom palavras belas,

que encheram de coras páginas brancas– tantas e tantas!–

e florescem no meu seio.