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Este livro narra histórias e acontecimentos do êxodo nordestino para as regiões sul e sudeste do Brasil na segunda metade do século XX. Era muito sofrimento para as famílias sertanejas deixarem o seu povo, a terra natal, os amigos e parentes, para aventurarem-se em regiões distantes. Sofriam com a despedida, a dor da partida, o transporte precário. Uma decisão muito difícil, mas para muitos, necessária....

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Vidas sofridas

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São Paulo – 2015

Vidas sofridasAntenor Dias Aragão

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Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda.

Projeto gráfico Camila C. Morais

Revisão Alexandra Resende

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

________________________________________________________________A671v

Aragão, Antenor Dias Vidas sofridas/Antenor Dias Aragão. - 1. ed. - São Paulo : Baraúna, 2015.

ISBN 978-85-437-0366-4

1. Literatura brasileira. 2. Literatura brasileira - Biografia. I. Título.

15-22152 CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3________________________________________________________________27/04/2015 04/05/2015

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Quitanda, 139 – 3º andarCEP 01012-010 – Centro – São Paulo – SPTel.: 11 3167.4261www.EditoraBarauna.com.br

Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem a expressa autorização da Editora e do autor. Caso deseje utilizar esta obra para outros fins, entre em contato com a Editora.

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Introdução

Este livro nasceu da vontade de contar a história vi-vida por milhares de famílias nordestinas que deixam sua terra natal para se aventurar em outras regiões do Brasil. Por isso se mistura com a história de vida de sua família, baseando-se em histórias ouvidas e vividas desde sua in-fância por diversas famílias nordestinas que moravam no Sul e Sudeste do Brasil.

Cada história ouvida por companheiros nordestinos se parecia muito com a história de sua família. Na verda-de, eu conto a história de uma família que teve a mesma trajetória de vida e de luta. Apreciei por muitos anos de minha vida muitos nordestinos contarem seus lamentos e sofrimentos, sendo cheio de aflição e dor, contudo havia também relatos com muito humor.

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Para escrever o submundo da migração nordestina do século XX tive que recontar e relembrar histórias vi-vidas e ouvidas de muitos anos atrás que, ao chegar a seu lugar de destino o nordestino não era acolhido como devia e merecia. Muitos deles eram enfiados no fundo de fazendas, morando e vivendo precariamente e distan-tes de cidades, de qualquer recurso básico para a família, sem contar aqueles que eram levados enganados para a chamada “quebra de milho”, sendo enganados com falsas promessas e eles, naquela ansiedade de ganhar dinheiro e mandar para seus familiares, sujeitavam-se a encarar o serviço sem conhecer nada a respeito, sem nenhum pu-dor da parte de quem os contratava.

Às vezes ganhando salários miseráveis sem nenhum amparo da lei, sem horário determinado de trabalho, sem nenhuma garantia do emprego e de seu próprio ganho, e muitos deles trabalhavam e não recebiam. Muitos cos-tumavam dizer: “o meu horário aqui é de sol a sol”. Isso quer dizer: do nascer do sol ao pôr do sol. Quando eram dispensados não tinham nenhum direito de receber até mesmo o que a lei prescrevia ou mesmo o salário do mês trabalhado, sem contar aqueles que ficavam devendo ao patrão. A dívida com o patrão geralmente não dava para pagar, pois era uma dívida injusta e crescia muito mais do que o ganho do pobre empregado.

Com isso eram obrigados a ficarem anos e anos trabalhando com o mesmo patrão porque nunca conse-guiam pagar sua dívida.

O sertanejo do Nordeste sofre pela situação em que vive com a seca e a falta d’água, sofre por que não há

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ajuda necessária do sistema financeiro, dos órgãos com-petentes, onde possam facilitar empréstimos, tecnologias que possam ser aplicadas onde vivem e assim melhorar sua vida e de seus familiares. São esquecidos por todos e, às vezes, quando essa ajuda chega, os mais afortunados recebem primeiro os benefícios.

Aventurar-se em outras regiões é tudo o que que-rem, parece ser status para eles vencerem na vida; orgu-lham-se disso. E quantos conseguiram essa proeza? São muitos os conhecidos do grande público e a maioria está no anonimato. Alguns já saíram de sua terra com dons, talentos e outros, com a cara e a coragem.

Para esse êxodo da grande região nordestina tem dois motivos: a seca e o descaso das autoridades, os quais, por muitas décadas, não olharam para essa região como deveriam. A região nunca foi valorizada como merece. Há décadas o Nordeste só é lembrado na hora de pedir voto em época de eleições, são feitas mil promessas e a verdade é que nada acontece após esse período.

A partir da primeira década do século XXI está ha-vendo um olhar consistente para a região. Mais precisa-mente com o governo Lula, com o favorecimento de em-préstimos ao pequeno agricultor, ou seja, favorecendo a economia de subsistência, o programa “bolsa família” ou “fome zero”. Grandes obras, como a transposição do Rio São Francisco que, mesmo com muitos protestos de orga-nizações; denúncias de superfaturamento da obra e a má qualidade dela pode-se dizer que todos podem usufruir para o bem-estar de todos; a refinaria de Petróleo Abreu e Lima, em Pernambuco, e outras tantas obras anuncia-

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das; e outras obras continuam em fase de construção. Isso vem valorizando muito o Nordeste e dá um novo rumo à economia regional melhorando a vida de seu povo. A grande utopia dos nordestinos é chegar um dia e dizer: não preciso sair de minha terra à procura de subsistência para mim e para minha família, aqui mesmo sou capaz de viver e sobreviver.

Quando isso ocorrer não tenho dúvida de que o Brasil será um país de primeiro mundo; não teremos mi-lhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza; o analfabetismo estará erradicado; e não haverá nordestinos perambulando por outras regiões do Brasil, porque a so-lução estará em sua terra natal.

É chegada a hora de o trabalhador nordestino cons-truir para si e seu povo os metrôs, as pontes, as autoestra-das, as indústrias e os prédios monumentais. Fizeram isso tão bem em outras regiões do país; mais precisamente em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília.

O Brasil e os brasileiros vão se orgulhar muito do povo nordestino, de sua autoestima, de seu olhar espe-rançoso no futuro, com a certeza de dias melhores.

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Dificuldade em deixar a terra

Tem sertanejo que para sair de sua terra levam anos planejando a saída, outros não. Você nem sabe se a pessoa vai embora, mas chega se despedindo e dizendo: “estou indo pra São Paulo”.

Todos levam aquele susto, e perguntam: “Mas assim tão rápido? Ninguém estava sabendo!”. Parece que quer surpreender ou não quer fazer alarde com sua viagem.

E o destino preferido da grande maioria dos nordes-tinos era realmente São Paulo. Alegava: “A terra é boa, onde se colhe boas lavouras, é chance de ganhar muito dinheiro”. Para alguns a direção certa era a capital de São Paulo, para trabalharem principalmente na construção civil. Atualmente muitos paulistanos reconhecem isso:

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“São Paulo foi erguida graças à mão de obra nordestina”. “Sem eles talvez São Paulo não fosse o que é hoje”. “O nordestino quando aqui chegava enfrentava qualquer ser-viço, ele não escolhia”.

Porém, ao sair do Nordeste despedindo-se repenti-namente de parentes e amigos, causava essa comoção em todos. Parece ser característico do sertanejo essa forma de resolver as coisas. Para a maioria os problemas deveriam ser resolvidos era já, o mais rápido possível. Para alguns poucos não, sem pressa, deixando as coisas acontecerem naturalmente, planejando os mínimos detalhes, analisan-do todas as possibilidades, todas as chances, tendo o cui-dado para que nada desse errado.

Essa decisão é muito mais difícil para o sertanejo que possui sua raiz fincada no sertão. Deixar o chão, assim, não foi diferente para o casal Jilena e Toinho. Deixar a terra na-tal, a qual o nordestino tanto preza, não era fácil, isso doía demais no coração dos dois sertanejos. Um casal que prezava as raízes, as tradições, a cultura, afinal é uma região muito rica em elementos culturais: festa da vaquejada, corrida de mourão, pega de boi, cantoria, forró, reisado, cavalhada etc. Casal que assim como outros sertanejos estavam acostuma-dos ir ao roçado e beber água em cabaça, mas que quando acabava essa água e eles se encontravam distantes de uma fonte, matavam a sede bebendo água da touceira do gravatá.

Esse sertanejo valoriza o que é. Esse sertanejo valoriza o seu chão.Esse sertanejo já diz quem é.Esse sertanejo não deixa seu torrão.

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Foi nesse cenário que nasceu Antenor, primeiro dos sete filhos do casal Jilena e Toinho cinco nascidos no nor-deste e dois no Paraná.

Lugar onde nasceu

Vinte e nove de setembroÉ o dia em que eu nasciNo estado de Sergipe Na fazenda Vasanico.Um lugar pobre e desertoEmbreado no sertãoNão tinha vizinho por pertoQue pudesse dá uma mão.Um casebre velho e pequenoCom as paredes de barroDisto mesmo ele não lembraOs pais dele é que contaram.Dona Maria CorreiaDa sua mãe foi a parteiraNestas horas socorriaFazia a vez do médico e enfermeira.

Há anos que a família de Antenor alimentava o so-nho de se mudar do Sertão, nem que para isso tivesse que sair de sua terra natal. Aliás, era a possibilidade mais certa. Dizia Jilena, que ali as chances de dar uma vida melhor para seus filhos, eram quase zero. Ela queria ver seus filhos estudando. Enquanto Toinho queria ver seus filhos trabalhando de forma digna. Para ele o estudo es-

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tava num segundo plano e para ela era prioridade. Tan-to é que ela sacrificou um ano inteiro para que Antenor estudasse morando na casa de sua tia Jivalda. Ela passou a fazer tudo o que Antenor fazia: dava água ao gado no riacho, tratava do gado, enfim, fazia tudo para seu filho mais velho estudar.

A educação dos filhos e as oportunidades de empre-go não eram as únicas preocupações do casal, tinham que fugir da seca que assolava o sertão há dois anos seguidos. O sertanejo passava um ano sem inverno, agora dois anos, era muito tempo, muito sofrimento, tanto para as pessoas, quanto para os animais. Sem água, sem comida suficiente, o gado perdia muito peso e dava pouco leite, que era o principal alimento do sertanejo. A causa principal da mor-talidade infantil nesta época era a desnutrição, pela falta de água adequada para o consumo e de alimentação.

“Milagres acontecem” dizia Jilena, e Toinho também acreditava nisso, pois criaram os filhos em meio a todas essas dificuldades. Não era fácil, por isso afirmavam que Deus estava sendo misericordioso com eles.

Nesta época eles afirmavam que tinham o sonho de mudar do Nordeste, não era bem um sonho, mas, digamos, uma necessidade. Para que isso ocorresse era necessário que pelo menos um da família soubesse ler e escrever. Pois eles precisavam se comunicar por cartas com os parentes e ami-gos que ficavam e alguém teria que lê-las e escrevê-las.

Frequentar uma escola em Sergipe, na região conhe-cida como Sertão, era muito difícil. Não havia uma escola pública. As escolas existentes eram particulares e funcio-navam dentro de salas das casas de família, e eram para

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quem tivesse a possibilidade de pagar uma professora para ensinar seus filhos e os filhos de seus vizinhos e parentes. Cada pai pagava uma mensalidade para a professora.

Antenor, talvez por ser o filho mais velho, teve o privilégio de estudar e por capricho da mãe, Jilena, estu-dou em duas escolas diferentes. A primeira foi aos oito ou nove anos de idade na comunidade conhecida por “La-goa Rasa”. A professora, que se chamava Marinalva, era de família pobre, mas havia conseguido estudar. Ela en-sinava o que sabia com um grande carinho e habilidade.

Marinalva resolveu passar seus conhecimentos para muitas crianças que moravam na região. Crianças de mui-to longe vinham com o intuito de aprender a ler, escrever e fazer algumas contas. Isso era o suficiente. Ela usava a pequena sala, da modesta casa dos pais dela, e ali Ante-nor começou a conhecer as primeiras letras do alfabeto. Embora já conhecesse um pouquinho porque a tia que também se chamava Jilena — assim como sua mãe — nas horas de folga, ensinava-lhe o “B-A-BÁ”. Afirmava que a timidez atrapalhou muito o aprendizado. Enquanto ele aprendia a ler e a escrever, teve que conviver com esse problema. A ele foi difícil vencer essa barreira da timidez. E ainda assim, trouxe isso com ele.

A professora Marinava ajudou muito nesse sentido, com leituras de textos e declamações de poesias. Coloca-va-os em cima de um tamborete no meio da sala e ali de-clamavam poesias de Casemiro de Abreu, Castro Alves, Mario de Andrade e tantos outros. A literatura, a poesia, e principalmente, a poesia de Cordel lhe fascinava muito. O Cordel é muito forte na literatura nordestina.

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A segunda escola que frequentou foi em uma co-munidade chamada Lagoa do Tanquinho. Ali, as salas de aula eram revezadas: horas na casa do tio dele. Nivaldo, horas na casa de Chico Nicó um lugar muito conhecido por causa da fazenda de Chico Nicó, que possuía uma grande extensão de terra. Ele era um velho mulato muito considerado no sertão, e era sogro de duas tias e de dois tios de Antenor. Foi nessa época que Antenor precisou morar um ano com tia Jivalda.

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As mudanças

Toinho e Jilena tinham morado na região de lagoa do tanquinho ainda quando ele era criança, numa fazen-dinha chamada “Lagoa do Chocalho”. Nela, o pai dele cuidava de cabras e trabalhava na roça como diarista. Nessa época, ele devia ter uns três anos de idade e é de lá, a primeira lembrança de traquinagens dele como criança.

Toinho tinha acabado de chegar da lida para almo-çar e ele estava no chiqueiro correndo atrás dos cabriti-nhos novos, corria atrás de um, corria atrás de outro e não conseguia pegar, por fim, ele estava furioso. O pai dele deu uma bronca e fê-lo parar com aquilo.

Dali, eles mudaram para a fazenda Malhada Verme-lha. Era uma antiga fazenda, tinha uma velha casa dos an-tigos moradores e mais nada além de mato. Era para eles tomarem conta da casa. E talvez vigiar a terra, sem muito