vida intelectual sob a ditadura
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Vida intelectual sob a ditadura
Por Andrei Pleşu[1]
Traduzido por William C. Cruz[2]http://esbocoserascunhos.blogspot.com.br/2013/12/vida-intelectual-sob-ditadura_18.html
Em 1992, já no final do semestre que passamos juntos no
Instituto de Estudos Avançados em Berlim, Bruce Ackerman,
professor de direito na Universidade de Yale, perguntou-me,
com uma espécie de perplexidade inocente, como sobrevivi
intelectualmente num país comunista, durante 45 anos de regime
totalitário. A pergunta era apenas o efeito superficial de
perplexidades mais profundas e cheias de nuanças. Ela abriu um
grande campo a outras questões subjacentes, algumas das quais
surgiam de um legítimo espanto de senso comum, outras de uma
inevitável falta de familiaridade com o tipo de sociedade nascida
no Leste Europeu, sob a ocupação russa, depois da Segunda
Guerra Mundial. Bruce queria saber como foi possível conciliar
a liberdade constitutiva do espírito com a agressividade de uma
ideologia inflexível, como alguém pôde se tornar um intelectual
competitivo num contexto que ressistematizou toda a cultura do
mundo segundo os critérios da luta de classes e que propôs tabus
em vez de modelos; em outras palavras, ele queria saber como
alguém podia agir de maneira normal num ambiente
rigorosamente anormal como o de uma ditadura comunista. Até
certo ponto, a pergunta de Bruce deixou-me lisonjeado.
Significava que eu não tinha atendido às suas expectativas
sombrias: eu não era desarticulado, tinha lido outros escritores
além de Marx e Engels, talvez fosse mais cosmopolita que
estreitamente tribal e podia ser aceito como um interlocutor
plausível numa discussão.
Devo confessar que eu mesmo partilho da perplexidade de
Bruce. E minha perplexidade só aumenta quando, para além do
meu caso em particular, levamos em consideração o
desempenho geral do Leste Europeu. Como se podem explicar –
contra o pano de fundo da censura stalinista, do Gulag, da
vigilância autoritária incessante – os filmes russos, a música
russa, Anna Akhmatova, Boris Pasternak, Vasily Grossmann ou
Andrey Platonov? Como se podem explicar os filmes tchecos
dos anos 1960, os filmes húngaros dos anos 1970, Roman
Polanski, Milos Forman ou Andrzej Wajda, os matemáticos
poloneses ou, se me permitem acrescentar, a poesia romena? E,
em geral, como é possível que um sistema de ensino
hiperideológico e um espaço cultural cujo eixo é a interdição
produzam – não sempre, mas com mais frequência do que era de
se esperar – tipos humanos que, uma vez fora do sistema,
deixam uma impressão mais que honrosa? Aqui só serei capaz
de esboçar brevemente uma resposta, uma coleção de sugestões
que podem abrir a discussão, mas não esgotá-la.
[Cultura como necessidade vital]
Uma forma de resolver este problema seria declarar – como
costumava fazer meu professor de filosofia Constantin Noica, a
quem devo retomar mais adiante – que “para a vida intelectual,
condições ruins são boas e condições boas são ruins”.
Aparentemente tratava-se de uma declaração cínica cuja
intenção era, na verdade, preparar-nos mentalmente para a
máxima valorização do mínimo e prevenir-nos da paralisia
mental que a pobreza dos meios disponíveis e o dürftige
Zeit [tempo de pobreza] podiam ter provocado. O escritor da
Alemanha Oriental Stefan Heym, de modo semelhante, se refere
ao efeito potencialmente desafiador das condições desfavoráveis
quando diz:
Como escritor no Ocidente, pode-se escrever praticamente
qualquer coisa que se queira, não faz nenhuma diferença,
ninguém dá a mínima. Claro, a obra está sendo lida, as pessoas
podem entreter-se, mas há muito pouco efeito político. Deste
lado do mundo é completamente diferente. O escritor tem mais
peso; é por isso que há censura, porque sua palavra tem
importância e porque os políticos devem levar a sério o que ele
escreve. Portanto, é muito mais divertido trabalhar nesta parte
do mundo chamada socialista.[3]
Do meu ponto de vista, o tom de Stefan Heym
é displicente demais, e suas afirmações têm uma linearidade
contestável. Tomando um dos comentários de Jacques Rupnik
como ponto de partida, podemos perguntar se “temos censura
porque a palavra do escritor tem mais peso ou se ela tem mais
peso por causa da censura”.[4] E, neste caso, as lutas com a
censura nem sempre são “divertidas”. Todavia, está claro que
muitos dos limites impostos pelo estado totalitário se
transformaram numa conflagração. A existência da censura
levou à elaboração de subtextos engenhosos, alusões e
camuflagens, técnicas praticadas com grande virtuosismo pelos
escritores e assimiladas rapidamente pela massa de leitores. Os
obstáculos – a interdição a certo conjunto de ideias e métodos
típicos do espírito da época (como o estruturalismo e a
psicanálise), rotulados pela crítica marxista como “formalista”,
“reacionária” e “burguesa”– intensificaram a curiosidade
intelectual e deram a transgressões mais ou menos
conspiratórias o prestígio do risco político, o charme das opções
não convencionais. Ser um estruturalista tornou-se excitante, ser
um criptoestruturalista – isto é, passear furtivamente entre as
linhas, princípios e procedimentos de tipo estruturalista –
tornou-se romântico. O que num país normal é lido
naturalmente ou com diligência burocrática, num país totalitário
é lido com uma paixão tão intensa e tão transfiguradora quanto
inútil. Para o intelectual do leste europeu, diz Gabriel Liiceanu,
um dos mais notáveis representantes desta categoria, cultura não
é o “ritmo natural da respiração espiritual”; é “oxigênio
roubado”, “clandestinamente armazenado”, “uma variante da
sobrevivência”.[5] Carregada de tais conotações, a vida
intelectual sob a ditadura tem um aspecto dramático, inflamável,
capaz de mobilizar todo o ser dos protagonistas, seus últimos
recursos. A necessidade de cultura não é nutrida, nessas
circunstâncias, somente pelos sabores gratuitos ou pela vertigem
desinteressada do conhecimento e da criatividade. A
necessidade de cultura brota de um instinto primário de
sobrevivência e, ao mesmo tempo, da exigência de “salvação”
individual num ambiente interessado apenas em soluções
coletivistas. Alguém pode supor que essa exigência somente
podia existir no pequeno círculo de uma elite. Na verdade, ela
abarcava, por incrível que pareça, grandes grupos sociais: as
pessoas se acostumaram a ficar em filas à espera de livros com a
mesma paciência que ficavam à espera de comida; Platão e
Heidegger eram vendidos às dezenas de milhares de cópias e,
quando se esgotavam muito rapidamente, eram vendidos no
mercado negro junto com manteiga, farinha e carne.
Obviamente, é pouco provável que houvesse quarenta e dois mil
heideggerianos na Romênia (essa era a tiragem
de Holzwege[6]). O fenômeno indica antes
certa fetichização dos livros e da cultura em geral, uma
emulação intelectual provocada pelo fascínio da
clandestinidade.
Assim, podemos dizer que a vida intelectual sob a ditadura era
possível porque, de modo paradoxal, era potencialmente
impossível. Em outras palavras, a possibilidade reduzida de uma
vida intelectual normal habilita sua força irruptiva, sua
capacidade de tirar proveito de todas as falhas do sistema, que
são enormes.
[A imperfeição do mal]
Um segundo conjunto de considerações deve levar-nos longe,
até o nebuloso problema do mal. Aqueles que passaram pela
experiência de um mal imanente (a guerra, uma doença que
ameaça a vida, diferentes variantes do universo carcerário)
sabem que mesmo em sua encarnação mais bárbara, o mal não
pode ter uma textura homogênea e ser perfeitamente compacto.
Ontologicamente – e teologicamente – o mal é imperfeito, o que
quer dizer que sempre deixa um “espaço para o jogo”, uma
chance de manobra, para aqueles sob sua influência. Mesmo o
pior dos mundos é – eu diria – cosmótico; isso é, ilustra uma
ordem na qual todos os ingredientes do mundo normal estão
presentes. Qualquer mundo tem os atributos da totalidade. Nessa
totalidade naturalmente surgem infinitas variantes de dose, mas
o importante é que a “receita” é completa: somente a proporção,
a distribuição interna das quantidades, está errada. Se o mundo
comunista tivesse sido um mundo de mal consistente, os
numerosos mecanismos de sobrevivência concretizados em
performances artísticas e científicas como aquelas mencionadas
acima nunca teriam acontecido dentro de suas fronteiras.
Quando falamos de vida intelectual sob uma ditadura, devemos
evitar os excessos do espírito geométrico, as simplificações
apocalípticas e os chiliques sentimentais. A ideia – difundida no
ocidente e que até hoje afeta a imagem dos países do Leste
Europeu – de que sob a ditadura as pessoas só pensavam à luz
do materialismo dialético, só pintavam em honra àqueles que
estavam no poder, só compunham odes propagandísticas e só
escreviam romances e poemas conformes ao realismo socialista
corresponde apenas a alguns episódios da experiência do Leste
Europeu e, mesmo assim, somente ao estrato oficial desses
episódios. Sob o comunismo – no fronte ou nas prisões –
também havia, simultaneamente ao terror, a experiência do
amor, da esperança e da livre reflexão. E também havia o
humor, que por si só se tornou um mecanismo de sobrevivência.
“A Mente Cativa” – para evocar a expressão de Czeslaw Milosz,
de 1952[7] – ainda é mente, e não necessariamente uma mente
estúpida. O diário da prisão de Nicolae Steinhardt – um dos
mais notáveis e fascinantes escritores romenos – se chama O
Diário da Felicidade.[8] Naturalmente, a felicidade possível na
prisão é diferente da felicidade bucólica, mas ainda é uma forma
de felicidade, simultânea e, às vezes, consubstancial com a
tragédia das circunstâncias. Quando digo isso, não quero
minimizar de maneira alguma as atrocidades do totalitarismo
comunista, absolver a ditadura em sua desumanidade essencial.
Não digo que o mal é bom, mas simplesmente que é, como já
disse, imperfeito – e que um inferno terreno sem horizonte é tão
improvável quanto um paraíso terreno sem mácula.
[A arte de sobreviver]
Gostaria de acrescentar à imperfeição do mal também a
estritamente necessária condição para a adaptação ao mal, com
seus inevitáveis riscos e benefícios. A vida intelectual sob a
ditadura era possível porque, de uma maneira ou de outra, os
intelectuais se tinham adaptado às condições da ditadura. A
perspectiva de uma mudança de regime parecia – até o último
minuto – quase inexistente. Como resultado, todos estávamos
preparados para uma longa corrida, praticamente interminável.
Resignação, sublimação das insatisfações, esperteza conjuntural,
melancolia e humor – estas eram nossa tábua de salvação. Mihai
Botez, que em 1988 se tornou refugiado político nos EUA (hoje
é embaixador da Romênia nos EUA), ofereceu um claro resumo
da situação:
Às vezes se diz que uma vida intelectual sob um regime
comunista sempre será uma escolha entre ser um cortesão ou um
dissidente. Esta é uma simplificação excessiva. Aceitar o
contrato social comunista não significa automaticamente tornar-
se um cortesão – muitos tecnocratas do Leste Europeu e até
mesmo alguns “culturocratas” o provam. Porque há uma triste
mas verdadeira “arte de sobreviver” – dignificada, eu
acrescentaria – sob uma ditadura comunista, que combina
submissão calculada, crítica autolimitada, manutenção tática de
certa discrição e uso inteligente das oportunidades. Claro, para
muitos intelectuais ocidentais, tais estratégias parecem
estranhas, quando não repulsivas. Em princípio, estou pronto
para concordar com eles, acrescentando o meu triste desejo de
que nunca sejam obrigados a aprender tal arte.[9]
[Arbitrariedade desnorteadora]
Um aspecto pouco analisado do mal imperfeito característico da
ditadura é o componente da arbitrariedade. Como regra,
associamos ditaduras a uma atmosfera de necessidade histérica,
de absoluto rigor. De fato, as ditaduras comunistas,
especialmente, se distinguem pelos surpreendentes interstícios
em que as regras são suspensas. A lei pode repentinamente
tornar-se frouxa, sem nenhuma razão aparente. Seja resultado de
um capricho da liderança, de conflitos internos na alta cúpula
seja de estratégias políticas obscuras ao comum dos mortais, a
violação da norma totalitária desempenha uma parte importante
na configuração da vida intelectual sob a ditadura. À primeira
vista, a arbitrariedade parece apenas um enfraquecimento da
rede funcional do poder. Na verdade, ela o consolida, ao somar
um coeficiente confuso de imprevisibilidade. Este é o caso, por
exemplo, de fulano de tal, um dissidente cujos telefonemas a
amigos são proibidos, enquanto ao mesmo tempo permitem-lhe
que dê longas entrevistas, também por telefone, a estações de
rádio “hostis”, como a Rádio Europa Livre ou a Voz da
América. Ou, num país de ateísmo militante, permitem que
certo poeta publique um volume de poesia religiosa. Segundo a
mesma “estratégia”, num país com uma das forças políticas
mais severas, pode aparecer, para surpresa de todos, um
romance cheio de passagens que são nitidamente críticas
à Securitate. Tais exceções ocorrem para manter, no cenário
cultural, uma atmosfera de confusão e insegurança muito valiosa
para a nomenklatura. De qualquer forma, essa estranha mistura
de intransigência e caos, de rigidez e dissolução, era típica do
Leste Europeu e especialmente no Comunismo Sul-Europeu.
E como se explicam – embora numa ditadura nem tudo possa
ser explicado razoavelmente – os desvios da regra do
autoritarismo absoluto a que nos referimos? Como surge um
momento de arbitrariedade num mundo saturado de abuso
normativo? Tanto quanto se pode explicar, precisamos de alguns
elementos históricos.
[A evolução do comunismo romeno]
A evolução do comunismo romeno, como a evolução, com
nuanças específicas, de todo o bloco político do Leste Europeu,
passou por alguns estágios durante os quais houve fraturas com
consequências radicais no plano cultural. Nicolae Ceauşescu,
que chegou ao poder em meados dos anos 1960, decidiu
suspender o modelo soviético e adotou estrondosamente o seu
próprio. À russificação brutal do primeiro período comunista
(em que o único marco ideológico era Andrei Zhdanov)
[10] seguiu-se seu oposto, uma forma de nacionalismo que
realizou mudanças no critério da censura: a tradição local,
particularmente aquela rotulada como “progressista”, tornou-se
mais importante do que qualquer filosofia tomada de
empréstimo e, no limite, do que o próprio marxismo. A história
foi reescrita mais uma vez (pela milionésima vez) a fim de criar,
para o sistema e para o líder, uma legitimidade milenar
autóctone, um pedigree nobre e antigo. Autores proibidos nos
anos 1950 foram reabilitados nos anos 1960, e intelectuais que
estavam na prisão até 1964 foram reintroduzidos na vida
pública, de modo que os contornos da vida intelectual e
acadêmica passaram por uma maciça reestruturação. Os tabus
mudaram: as vacas sagradas já não eram mais os clássicos
soviéticos e marxistas, mas a pátria e o presidente. Enquanto os
Soviéticos tinham gostado da tradução de Immanuel Kant, de
Sigmund Freud e de Gottlob Frege, a pátria e o presidente já não
se importavam com tais heresias marginais. Os intelectuais
agora tinham o direito de jogar o jogo das contas de vidro à
medida que não ameaçassem, com gestos ou declaração
expressa, o avanço do “socialismo desenvolvido
multilateralmente”.
Depois de 1971, deu-se uma nova reestalinização, mas de um
tipo “peculiar”, uma reestalinização “patriótica”, organizada em
torno de uma megalomania autóctone. A liberalização
ideológica do fim dos anos 1960 continuou, portanto, a ter
efeitos surpreendentes. Além dos autores mencionados acima,
George Berkeley, Friedrich Schelling, Rudolf Carnap, Karl
Popper (claro, não A Sociedade Aberta,[11] mas Logik der
Forschung[12]), e outros foram traduzidos. O que podia ser
traduzido também podia ser ensinado nas universidades e citado
em artigos científicos e até na imprensa. Também surgiram
textos patrísticos essenciais, se bem que em edições
confidenciais e a preços proibitivos, no Instituto Bíblico de
Bucareste. A função e o modo de agir da censura mudaram. E
isso aconteceu não só na Romênia, mas em todos os países da
Europa Comunista. Assim György Konrád descreve o processo:
“Sob Stálin, a censura era ao mesmo tempo afirmativa e
agressiva. Hoje, é negativa e defensiva. Antes, prescrevia o que
dizer. Agora, determina o que não dizer”. “Da mesma forma” –
acrescenta Jacques Rupnik –, “tem sido feita a transição do
terror das massas para uma ‘violência civilizada’; os
totalitarismos, agora, preferem a autocensura internalizada à
censura institucionalizada”.[13]
Mas essa reformulação dos objetivos e estratégias do poder nem
sempre explica o caráter arbitrário, ao mesmo tempo
desnorteador e redentor, presente na “receita” da ditadura. Às
vezes, a pura ignorância dos responsáveis pela ideologia
desempenha um papel importante. Quando, no início dos anos
1980, o livro de Mircea Eliade Aspects du myth[14] foi
publicado por uma editora de Bucareste, o ministro da cultura da
época, informado por um simpatizante acerca da não
conformidade ideológica do texto, pediu que o autor fosse
imediatamente trazido à sua presença, junto com o secretário do
partido da instituição em que o autor trabalhava. Um novo boato
começou a circular entre os escritores: não devemos temer o
ministro da cultura, mas a cultura do ministro.[15] Mas, além da
ignorância, a astúcia dos culturniks também devia ser temida.
Tomemos o caso de um romance que, embora se referisse
afrontosamente à polícia política, também foi publicado e
distribuído. Tal romance, deste modo, provava a inexistência da
censura e a liberalidade do governo. Por outro lado, uma
atmosfera de desconfiança começaria a rondar seu autor. Outros
escritores, de cujas obras páginas de longe mais inocentes
tinham sido suprimidas, não conseguiam entender como a
severa “sinceridade” de seu colega tinha sido aceita.
Suspeitariam de um acordo obscuro, traiçoeiro, uma concessão
secreta, uma traição. Garantia-se assim um conveniente núcleo
de discórdia com essa manobra. E se alguém começasse a fazer
perguntas desconfortáveis quanto aos excessos da polícia que o
romance apresentava, a resposta já estava pronta: na verdade, a
polícia retratada no romance era a dos anos 1950, do stalinismo
pré-Ceauşescu ou de sua sobrevida acidental.
Em outros momentos, a aparição de um texto “corajoso” podia
ser explicada por um acesso passageiro de magnanimidade da
parte de um “ativista” superior. Lisonjeado por sua própria
atitude bem disposta perante “artistas”, ele anestesiava sua
consciência ao acrescentar uma boa ação às incontáveis
desgraças pelas quais era responsável em todo o tempo. Há
também o caso em que um livro ou um autor de repente tem
autorização de ser publicado simplesmente porque o responsável
pela interdição desapareceu. Heidegger só pôde finalmente ser
publicado quando um dos guardiães mais rigorosos da pureza
ideológica desertou e se tornou professor de estética marxista no
ocidente.
Eis quão complicada pode ser a “arqueologia” da arbitrariedade.
Às vezes, trata-se de uma arbitrariedade encenada,
uma dissimulação arbitrária para manobras ocultas, mas, em
outros momentos, era arbitrariedade pura, resultante de um
gosto das Bálcãs por aproximação e o beau geste.
[A redenção da marginalidade]
A técnica da sobrevivência intelectual sob a ditadura não era só
uma técnica para fazer o melhor com os meios precários, as
imperfeições do mal e os meandros da arbitrariedade. Também
repousava sobre um exercício bem conduzido de marginalidade.
Normalmente, esquecemo-nos de que todos os países
comunistas, com exceção da Rússia e da China, eram países
pequenos, inevitavelmente marcados pela obsessão do
isolamento, pela distância de um “centro”, pela insignificância
histórica. “O orgulho de uma pessoa nascida numa cultura
pequena sempre está ferido”, diz E. M. Cioran num livro
publicado antes de partir para a França.[16] Este orgulho, que
com frequência toma a forma de um complexo de inferioridade,
favorece, por um lado, uma tendência masoquista à
autoanulação, à resignação diante do que se sente como uma
desigualdade histórica irreparável; por outro lado, favorece um
senso de realização compensador, de autoafirmação apesar das
condições desfavoráveis. O intelectual que pertence a uma
pequena cultura sempre se comporta de maneira demonstrativa:
ele tem de mostrar que é igual a seus colegas pertencentes às
grandes culturas, que se tem mantido a par da última ideia da
moda, que não está deformado por vícios provincianos. Sua
diligência é a diligência da exasperação, suas ambições são tão
grandes quanto suas frustrações. Este intelectual nunca
representa apenas a si mesmo. Ele tem a ideia fixa de que
representa seu país, de que é responsável pela imagem que a
cultura de seu povo terá por meio dele aos olhos do mundo.
Convencido de que é o porta-voz de uma comunidade que tem a
infelicidade de estar mal localizada geográfica e
espiritualmente, o intelectual que temos em mente mobilizará
todos os seus esforços a fim de provar sua capacidade de
competir, independentemente das desvantagens de que partiu.
Logo, a “normalidade” de sua obra pode ser explicada por seu
grande esforço para camuflar a anormalidade da marginalidade,
a precariedade de seu treinamento e das ferramentas em sua
pátria.
Uma passagem do diário de Mircea Eliade ilustra bem este
ponto. Quando um erudito francês lhe perguntou como ele
conseguia sempre dar a impressão de uma exaustiva
documentação em sua obra, respondeu:
Uma vez que pertenço a uma cultura menor, na qual o
diletantismo e a improvisação são quase inevitáveis, entrei na
vida acadêmica cheio de complexos, permanentemente
amedrontado por pensar que não poderia dispor de informação
“atualizada”. Isso sempre me impediu de enviar um manuscrito
para ser publicado antes de ter certeza de que tinha lido quase
tudo que já havia sido escrito sobre o assunto.[17]
O medo de “descobrir” coisas que já são bem conhecidas, de
repetir observações alheias e, sobretudo, de ignorar um
documento fundamental, inexistente nas bibliotecas romenas,
são motivações decisivas para a diligência e precisão de
intelectuais formados, como Eliade, na periferia dos grandes
impérios.
[O intelectual abnegado]
O que temos de ter em mente, então, é que o funcionamento
relativamente normal da vida intelectual sob as condições da
marginalidade imposta pela ditadura comunista ocasiona uma
experiência de marginalidade que, no caso dos países pequenos,
não depende do comunismo, mas o precede. De qualquer forma,
a partir desta combinaçãosui generis de dois tipos de
marginalidade, surgiu uma espécie de intelectual que, nas
sociedades ocidentais, já há muito saiu de moda e que,
provavelmente, está prestes a desaparecer também no Leste
Europeu. Eu o chamaria de “intelectual abnegado (noprofit)”,
um intelectual que faz seu trabalho sem nenhuma motivação
externa, sem nenhuma finalidade palpável. Não delimita sua
vocação de acordo com as prioridades do momento, não regula
seus esforços sob a pressão de cronogramas fixos, não formula
questões de maneira que garantam generosos patrocínios. Sob a
influência alucinatória da especulação pura, livre da obsessão de
ser competitivo e do ritmo mecânico da promoção acadêmica,
este tipo de pesquisador não se integra facilmente na vida
institucional. Ele é sua própria instituição. Na pior das
hipóteses, ele se perde em brilhantes apresentações retóricas e
corre o risco de se tornar um fracasso pitoresco. Mas, se for bem
sucedido, seu sucesso é o sucesso da livre investigação, da
abordagem pouco convencional, do imprevisto. O intelectual
que tenho em mente não tem inibições quanto às fronteiras das
disciplinas. Uma vez que aprendeu a sobreviver sem apoio
oficial, não se sente responsável perante autoridades externas;
sente-se justificado por seus dons e sua eficiência e não tem de
prestar contas a respeito de sua “originalidade”. É um
economista, mas se interessa por Edmund Husserl e Ludwig
Wittgenstein; é um erudito classicista, mas também estuda a
economia de mercado nos países pós-comunistas; é um físico
muito interessado em literatura mística. Tem um critério e um
motivo apenas: curiosidade, a curiositas que Cícero considerava
a fonte do conhecimento desinteressado, nulla utilitate obiecta.
O estudioso de hoje corre o risco de ser um erudito e deixar de
ser curioso. O intelectual abnegado é mais fiel à tradição
socrática, segundo a qual a pergunta é mais consistente que a
resposta, o caminho é mais certo que o fim.[18]
[Paladinos da oralidade]
A invocação de Sócrates numa discussão acerca da
sobrevivência intelectual sob uma ditadura é significativa. Onde
quer que a cultura escrita seja uma empreitada difícil, a
oralidade tem um papel essencial a desempenhar: adquire
enorme importância como meio privilegiado de comunicação
livre, sem censura. Da mesma forma, onde o sistema
educacional oficial está sujeito à ideologia desumanizante, a
identificação de uma didática autônoma, de um mestre fora do
sistema, é essencial. Encontros de pequenos grupos em cafés,
parques ou casas de amigos se tornam um substituto – até certo
ponto tolerados – da vida acadêmica institucional. Uma história
nada convencional do espírito incluiria, dos países ex-
comunistas, uma galeria de paladinos da oralidade, sem obra
alguma senão a evanescente conversação, improvisação e
discussão (retort). Segundo os critérios correntes de uma
carreira universitária, seria uma galeria de fracassos. De fato, a
fala era um depositório da vitalidade das culturas locais, o
fundamento de sua continuidade. Parece-me que,
particularmente na Romênia, a euforia da oralidade explica a
ausência de uma “literatura de gaveta” ou de samizdat. Tudo era
consumido na discreta “ágora” do diálogo, da palavra sem
registro, da volatilidade.
Ironicamente, a prisão política também era um espaço
extraordinário para o exercício oral inspirador. Nas celas com
muitos prisioneiros, onde quer que o “programa” imposto
permitisse, ocorriam palestras e discussões de todo tipo; a
memória era refrescada coletivamente, por meio de histórias,
recitais e orações. A oralidade se tornou, nessas circunstâncias,
uma forma acrobática de sobrevivência espiritual, uma rigorosa
disciplina mental que, por sua vez, deu origem a uma geração
inteira de “profissionais”. Surgiu um vasto inventário de
anedotas, variando estilisticamente entre os sábios paradoxos do
Zen Budismo, histórias de tipo chassídico e apotegmas dos
Padres do Deserto dos primeiros séculos da Era Cristã. A
história tinha criado uma variante da prisão que libertava da
história, de suas determinações conjecturais. Nessa prisão, a
vida intelectual só podia desenvolver-se fora de qualquer
motivação razoável, alimentando-se de sua própria substância.
Certa vez, por exemplo, um prisioneiro, filósofo fervoroso, foi
ouvido explicando a um encanador estupefato, seu colega de
cela, a diferença entre Karl Jaspers e Heidegger. “Que
insensatez”, seus colegas lhe disseram mais tarde, “tratar desses
assuntos perante uma audiência tão inadequada”. “Essa
diferença tinha de ser traçada de uma vez por todas”, respondeu
o filósofo. O episódio me faz lembrar uma passagem de Wilhelm
Meister, de Goethe, em que um grupo de artistas itinerantes dá
um show que tinha sido anunciado, e ninguém o assiste. É uma
parábola perfeita da vida intelectual sob a ditadura, porque a
única razão para alguém preocupar-se com cultura, para fazer
cultura num sistema totalitário, é que esta deve ser feita,
independentemente da audiência, das circunstâncias e dos
resultados. O risco é, obviamente, uma drástica
descontextualização, uma atrofia da necessidade de
compromisso público. Mas, sem assumir este risco, a
sobrevivência é impossível.
Consequentemente, como era de se esperar, o modelo de prisões
se estendeu a toda grande prisão de qualquer ditadura. E gostaria
de acrescentar que os intelectuais mais representativos da minha
geração foram o produto dos estágios “formativos” passados
perto de ex-prisioneiros. Anistiado depois de 1964, tiveram a
oportunidade de se tornarem transmissores de uma tradição de
normalidade intelectual que o ambiente em torno tinha perdido.
Educados antes da Segunda Guerra Mundial na Romênia
democrática com boas escolas e bons professores que tinham
estudado em grandes universidades da Europa – uma Romênia
que tinha possibilitado o surgimento de Constantin Brancuşi,
Tristan Ţzara e, mais tarde, da tríade Mircea Eliade, Eugène
Ionesco e E. M. Cioran – esses ex-prisioneiros políticos foram,
para nós, uma garantia de continuidade. O mundo ao nosso
redor só falava da fratura, do “novo” que tinha de afastar “o
velho”, do “brilho futuro” do comunismo. Sentíamos mais que
tudo a necessidade de uma legitimidade que somente o contato
com a geração anterior poderia nos dar. Precisávamos sentir,
terapeuticamente, que embora estivéssemos numa “terra
desolada”, não éramos criaturas fracas vivendo num deserto. E
este sentimento foi consolidado pela presença pedagógica
daqueles que haviam estado na prisão.
Para mim – e para muitos outros – o prisioneiro providencial foi
Constantin Noica. Colega de escola e amigo de Eliade, Ionesco
e Cioran, Noica escolheu não emigrar – o que para ele
significou nove anos de prisão domiciliar e seis de prisão,
seguindo-se um julgamento político no qual foi acusado, entre
outras pessoas, de incitar jovens a forjar seus documentos de
identidade. (A prova apresentada era um comentário sobre a
“identidade” que começava com a Fenomenologia do Espírito,
de Hegel.) Quando o conheci, ele estava velho e eufórico. De
alguma forma, ele tinha se conduzido para integrar
harmonicamente o episódio da detenção, alegando que sua
prisão acontecera no momento certo, quando suas próprias
ideias tinham entrado num círculo vicioso e precisavam de uma
infusão vital – pouco importa quão dramática. (Por causa dessas
declarações, Cioran o tinha caracterizado, num de seus livros,
como um “camuflado na face do mal”, culpado de ter adotado,
bem no meio do inferno, o comportamento “de turista”.) Em
1975, a fim de evitar os aborrecimentos da capital, Noica voltou
a uma atmosfera de reclusão ao isolar-se num pequeno refúgio
na montanha (Păltiniş), “quatro mil pés acima da humanidade”,
como gostava de dizer. Lá ele tinha um quarto de 8 metros
quadrados numa velha cabana, aquecida por um forno a lenha, e
comia numa taberna do guarda-florestal. O isolamento não
durou muito, todavia. Gradativamente, muitas pessoas diferentes
– jovens, no princípio – sedentos de sabedoria e de um maitre à
penser começaram a visitá-lo. A polícia política não podia
desprezar tais peregrinações. Podia tolerá-las, até certo ponto,
com a condição de que pudesse controlá-las, sempre
confirmando sua “inocência”. A polícia exerceu seu controle
entrevistando regularmente o ex-prisioneiro e de quando em
quando um visitante mais pusilânime. (Após a revolução de
1989, descobrimos que um quarto inteiro dos arquivos da
polícia em Sibiu [a cidade mais próxima de Păltiniş] estava
repleto de fitas com a gravação das conversas entre o velho
filósofo e seus visitantes.)[19] Dentro dos limites impostos por
estas precauções, os encontros em Păltiniş continuaram até a
morte de Noica, que ocorreu em 1987 devido a uma fratura no
quadril. Ele sofrera uma queda enquanto estava atrás de um rato
que tentava comer-lhe o iogurte.[20]
[A pedagogia de Constantin Noica][21]
Em que consistia a
pedagogia de Noica? Em primeiro lugar, ela exigia certa
proficiência técnica. Ele oferecia a qualquer jovem que
declarasse amar a filosofia 10 lições introdutórias de grego
antigo e os instava a aprender alemão e ler “cem importantes
interpretações”. Participei, por exemplo, de seminários sobre
Platão (com ênfase especial nos diálogos aporéticos da primeira
fase), sobre Hegel e de algumas discussões sobre Plotino e
Descartes. Daí seguiu-se uma vívida troca de ideias sobre
nossos próprios projetos de pesquisa e sobre alguns dos projetos
do professor. Mas, para além de todos os exercícios técnicos
(cuja importância é difícil de ser apreendida por quem não tenha
uma noção exata da pobreza do contexto), a pedagogia de Noica
era uma forma de treinar o espírito para a atividade cultural,
desencorajada pela pobreza das condições de vida e de trabalho
oferecidas pela sociedade comunista. “Descobrireis que os
limites interiores são mais difíceis de transpor do que os
exteriores” – era uma de suas fórmulas favoritas. Ou “Não
presteis atenção às circunstâncias imediatas. Considerai a
história pura meteorologia: não mudeis vosso destino e vossas
ideias dependendo do clima. A história precisa de cavalos. Peço-
vos que sejais cavalos de corrida”. Quando indagado por que
nunca pensou em emigrar, ele elaborava um longo discurso
sobre o júbilo do limite assumido, sobre a insuficiência
enriquecedora em oposição à plenitude empobrecedora.
Prefiro viver num país onde tudo ainda está por fazer a viver
num país em que as grandes aventuras do espírito já foram
realizadas. O que eu faria se fosse para a Europa Ocidental? Não
encontraria nenhum espaço a menos que dirigisse minha atenção
a algum obscuro comentador de Aristóteles, a algum texto
apócrifo, a algum fragmento incerto. Aqui posso tranquilamente
ocupar-me com o próprio Aristóteles. O tempo do
“alexandrinismo” ainda está distante. Regozijemo-nos no
frescor do “arcaico” e não esqueçamos – sob a influência de
uma deficiência real – a experiência privilegiada do possível.
Não sei se Constantin Noica queria dizer o que disse. Talvez ele
só quisesse distrair nossa atenção do drama diário, dar-nos
coragem. Se, no entanto, queria dizer o que disse, não tenho
tanta certeza de que estava certo. Mas foi extremamente
eficiente. Muitos de nós, e eu mesmo, sobrevivemos graças à
“obnubilação” que sua maneira de pensar transmitia a nós. Não
compreendo muito bem, nem agora, qual é o preço real da
sobrevivência, em que medida ela criou distorções mentais e
físicas irreversíveis. Às vezes, inclino-me a crer que a resposta
certa à pergunta de Bruce Ackerman “Como conseguiste
sobreviver sob uma ditatura comunista?” deve ser: “Consegui?”.
[1] Filósofo, ensaísta e crítico de arte romeno. Foi Ministro da
Cultura e das Relações Exteriores na Romênia pós-comunista.
Em português, por enquanto, a única obra publicada é: Da
Alegria no Leste Europeu e na Europa Ocidental e Outros
Ensaios. Trad. Elpídio Mário Dantas Fonseca. São Paulo, É
Realizações, 2013.
[2] Tradução de William Campos da Cruz. O tradutor agradece
vivamente a leitura atenta e as emendas e sugestões feitas por
Elpídio Fonseca.
[3] Stefan Heym, apud: Jacques Rupnik, The Other
Europe. London, 1988, p. 201.
[4] Rupnik, The Other Europe, 201-02.
[5] Gabriel Liiceanu, Jurnalul de la Păltiniș. 2. Ed. Bucharest,
1991, p. 6. Salvo indicação contrária, todas as traduções são do
autor.
[6] Caminhos Interrompidos ou Caminhos de Floresta (1950).
(N. T.)
[7] Czeslaw Miłosz, Mente Cativa. Trad. Dante Nery. São
Paulo, Novo Século, 2010. (N. T.)
[8] Nicolae Steinhardt, O Diário da Felicidade. Trad. Elpídio
Mário Dantas Fonseca. São Paulo, É Realizações, 2009. (N. T.)
[9] Mihai Botez, Intelectualii din Europa de Est. Bucharest,
1993, p. 52-42.
[10] Andrei Aleksandrovich Zhdanov (1896-1948), líder do
partido soviético e homem de estado que exerceu importantes
funções na nomenklatura stanilista, contribuiu para a criação do
Cominform, e foi um zeloso defensor da ideologia comunista
ortodoxa.
[11] Karl Popper, A sociedade aberta e seus inimigos (2
volumes). São Paulo, EDUSP, 1974.
[12] Idem, A lógica da pesquisa científica. São Paulo, Cultrix,
1993. (N. T.)
[13] György Konrád, apud: Rupnik, The Other Europe, p. 238.
[14] Mircea Eliade, Aspectos Do Mito. Lisboa, Edições 70,
1989.
[15] O efeito cômico desta passagem se deve ao fato de Eliade
estar exilado na França desde 1945.
[16] E. M. Cioran, Schimbarea la faţă a României [A
transfiguração da Romênia]. Bucharest, 1936, p. 33.
[17] Mircea Eliade, Fragments d’um jornal, vol. 1. Paris, 1973,
p. 13.
[18] Como sabemos, o destino europeu da “curiosidade” é
bastante complexo. O cristianismo condenou o excesso de
curiosidade como um vício, a cupiditas noscendi que mina os
fundamentos da fé junto com a superbia e a concupiscentia. A
curiosidade pode, de fato, ser uma indiscrição e uma blasfêmia.
E, ainda assim, o livre exercício da curiosidade – com todos os
seus riscos – era o eixo do espírito grego (Sêneca invocava a
curiosidade como um Graecus morbus), e a Europa, assim a
velha como a nova, seriam inimagináveis sem o Urphänomen da
Grécia.
[19] Essa história é contada também por Olavo de Carvalho, na
apresentação à edição brasileira de Constantin Noica, As Seis
Doenças do Espírito Contemporâneo. Trad. Fernando Klabin e
Elena Sburlea. Rio de Janeiro, Best Bolso, 2011, p. 10. Outra
obra de Constantin Noica publicada no Brasil éDiário
Filosófico. Trad. Elpídio Mário Dantas Fonseca. São Paulo, É
Realizações, 2011.
[20] Em O Diário de Păltiniş, Liiceanu não sabe se atribui esta
passagem a um delírio de Noica ou à realidade que este estava
vivendo.
[21] Um dos relatos mais importantes a respeito da atividade
pedagógica de Noica se encontra em Gabriel Liiceanu, O Diário
de Păltiniş (que será publicado em breve pela É Realizações.)
Postado por William C. Cruz às 08:52