vida desencantada: ameaças ao modo índio de viver dos...

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VIDA DESENCANTADA: ameaças ao modo índio de viver dos Jenipapo-kanindé e a promoção de saúde Flávio Nogueira da Costa Fortaleza - Ceará 2003

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VIDA DESENCANTADA: ameaças ao modo

índio de viver dos Jenipapo-kanindé e a

promoção de saúde

Flávio Nogueira da Costa

Fortaleza - Ceará

2003

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VIDA DESENCANTADA: ameaças ao modo índio

de viver dos Jenipapo-kanindé e a promoção de

saúde

Flávio Nogueira da Costa

Fortaleza - Ceará

2003

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Flávio Nogueira da Costa

VIDA DESENCANTADA: ameaças ao modo de viver dos Jenipapo-

kanindé e a promoção de saúde

Dissertação submetida à coordenação do curso de pós-graduação de Mestrado

em Educação em Saúde, como requisito para a obtenção do título de mestre em

Educação em Saúde.

Orientadora: Prof.ª Dra. Marilyn Kay Nations

Fortaleza - Ceará

2003

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C837v Costa, Flávio Nogueira

VIDA DESENCANTADA: ameaças ao modo de viver dos

Jenipapo-kanindé e a promoção de saúde / Flávio Nogueira da

Costa.-Fortaleza,2003.

157pp.

Dissertação (mestrado). Universidade de Fortaleza, 2003.

1. Medicina Tradicional – índios. 2. Educação em Saúde.

3. Saúde Pública. 4.Índios.

CDU 615.89:397

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Flávio Nogueira da Costa

VIDA DESENCANTADA: ameaças ao modo de viver dos Jenipapo-kanindé e a

promoção de saúde

Dissertação apresentada ao curso de pós-graduação de Mestrado em

Educação em Saúde.

Aprovada em : ____ / ____ / ______

Banca Examinadora:

__________________________________________

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marilyn Kay Nations

__________________________________________

Prof. Dr. Carlos E.A. Coimbra Junior- FIOCRUZ

(Convidado)

__________________________________________

Prof.ª Dr.ª Fátima Luna Pinheiro Landim (UNIFOR)

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Dedicatória

Aos profissionais da Educação e da Saúde, que utilizem este

instrumento para desenvolver atividades de educação em saúde

junto as comunidades mais carentes, em especial as tribos

indígenas do Ceará e em particular a tribo Jenipapo Kanindé, com

o objetivo de promover a saúde.

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AGRADECIMENTOS

À Deus por estar comigo o tempo todo, proteção e por seu amor incondicional.

À minha mãe por estar sempre presente, principalmente nas horas mais difíceis, pela energia

e força que tem me dado nesses tempos de exaustão.

Aos meus irmãos: Rubens , Jocélia e Ana, que me apoiaram em todas minhas decisões .

À minha orientadora, Marylin Kay Nations, por seu compromisso e disposição, orientação e

amizade, seriedade na realização desta conquista.

Aos meus Superiores e Coordenadores, Dr.ª. Fátima Fernandes Veras , Dr.ª Vânia Cordeiro de

Matos e Dr.ª Raimunda Magalhães da Silva pela compreensão e incentivo que me deram

nesse trajeto.

À Sra. Maria de Lourdes, a Cacique Pequena, e todos que compõem a Comunidade da Lagoa

Encantada, a tribo Jenipapo-Kanindé, que me receberam e acolheram meu pleito e assim

pudemos desenvolver esse trabalho que terá seu retorno em breve para comunidade.

Ao Prof. José Bastos , por sua assessoria na análise gramatical e lingüística, pela paciência,

disponibilidade e competência.

À Prof.ª Fátima Luna Pinheiro Landim e ao Prof. Dr. Adalberto Barreto, por aceitarem

participar da banca de qualificação e defesa, contribuindo com suas sugestões., e ao Prof. Dr.

Carlos Coimbra Jr. por estar presente e participar desta defesa de dissertação.

À todos meus colegas de mestrado e amigos , por compartilharem comigo esperanças,

dúvidas, inseguranças, e por me incentivarem a continuar nessa minha jornada.

Aos meus alunos do curso de Ciências Farmacêuticas que souberam compreender meus

momentos de aflições, em particular ao Victor Rafael e Daniel Gustavo pela ajuda na

apresentação deste trabalho.

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PENSAMENTO

Certa vez, foi perguntado ao índio mais velho da tribo: Quem é o responsável pelo bem e pelo mal? O índio descreveu que seriam como se fossem conflitos internos em cada um de nós e lhe falou: "Dentro de nós existem dois lobos: um deles é cruel e mau, o outro é pacífico e muito bom. Os dois estão sempre brigando" Foi então que lhe perguntaram: Qual dos lobos ganha essa briga? O mais velho e sábio índio parou, refletiu e respondeu: "Aquele que você alimentar"

sabedoria de um velho índio

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RESUMO

O modo índio de viver retrata o pensamento de uma das dez etnias indígenas do Ceará-Brasil. O

estilo de vida indígena baseia-se no desenvolvimento sustentável, na harmonia e coexistência do

homem com a Mãe Terra, na proteção e preservação da natureza, valendo como um exemplo para a

humanidade. Esse estudo etnográfico, baseia-se nos referenciais teóricos e metodológicos da

Antropologia Médica, tendo como principal objetivo: Promover o modo de viver saudável dos índios

Jenipapo-Kanindé, através do resgate da sua identidade cultural e do empoderamento dos membros

da tribo, e mais especificamente: 1) Levantar o histórico sócio-cultural do grupo indígena Jenipapo

Kanindé, identificando as ameaças à tribo; 2) Desvendar o processo da formação da identidade

indígena entre os membros da tribo, incluindo as contradições e contestações; 3) Descrever como a

vida ameaçada da tribo é refletida nas noções básicas de sua existência; 4) Subsidiar uma proposta

para promover a saúde e bem viver do povo Jenipapo Kanindé. Durante dezoito meses, ou seja, de

Janeiro de 2001 a Agosto de 2002, o trabalho de campo foi realizado, incluindo o mapeamento e a

identificação dos informantes-chave. Após essa etapa, nos últimos meses foram aplicados trinta e

seis (36) questionários estruturados sobre o perfil sócio-demográfico dos membros da tribo,

conduzidas vinte e oito (28) entrevistas etnográficas, e realizada observação-participante do cotidiano

da tribo. As freqüências das respostas dos questionários foram calculadas. As entrevistas foram

gravadas, transcritas , codificadas e processadas para serem analisadas em software apropriado (The

Ethnographic 5.0). Os resultados revelam que toda trajetória de vida dos Jenipapo-Kanindé é

marcada por massacres no passado e ameaças à sua autonomia no presente. Demonstra um povo,

"Os Cabeludos da Lagoa Encantada", como foi tradicionalmente conhecido, sofrido e a essência de

sua cultura fragilizada e desvalorizada. Foram identificados três aspectos de vida particularmente

vulnerável e contestados: 1) sua identidade como índio; 2) a relação e posse legal da "Mãe Terra" ; 3)

a etnomedicina ou o modo tradicional de cuidar e curar doenças. A memorização da sua própria

historicidade, das lutas e resistências está "gravada" nos mitos e lendas, que fazem parte do

apanágio simbólico popular: a Mãe D'água, seu canto e encantos; o Morro do Urubu, que encobre um

templo sagrado; e o Toré, a dança comunitária que resgata a energia terrestre e vital. Essas lendas,

cantos e danças evidenciam seu modo índio de viver, sua identidade, e seu agir em saúde. Desvelam

tragicamente as ameaças que aflingem a tribo, implicando um estilo de vida menos saudável, ou pior,

um etnocídio. É necessária uma intervenção nas práticas de Educação em Saúde e promoção

humana proferida nas declarações internacionais e respeitada a cultura local, para resgatar e "re-

encantar" o modo Jenipapo-Kanindé de viver saudável em sintonia com a natureza.

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Abstract

The Indian way of life of the Jenipapo-Kanindé, one of ten indigenous ethnic groups

in Ceará, Brazil, residing near the beach in the country of Aquiraz, is being

threatened by economic and tourist development occurring throughout the Northeast.

The Enchanted Lake sacred spot and home to 56 families registered and recognized

by FUNAI as the Jenipapo-Kanindé tribe. Due to industrial pollution "white man's"

cultural invasion and the enchanted spirits residing in the magical kingdom located in

the depths of the Enchanted Lake, are frightened and fleeing. Locals say the

"invaders" are threatening to disenchant the lake, disenchant life. Ironically, this

native lifestyle is an ecologically-sustainable, harmonious co-existence of man with

Mother Earth and nature, an example for humanity. This ethnographic study,

grounded in Medical Anthropology theory and method, aims to: Promote the

Jenpapo-Kanindé healthy way of living, through the revival of your cultural identity

and empowerment of tribal members, and more specifically: 1) reconstruct the socio-

cultural history of the Jenipapo-Kanindé, identifying threats to the tribe; 2) reveal the

process of identity formation as Indians among tribal members, including

contradictions and contestations; 3) describe how the threaten life of the tribe is

reflected in the basic notions of your existence; and 4) support a proposal to promote

health and good living and the Jenipapo-Kanindé people. During eighteen months,

January de 2001 to August de 2002, fieldwork was conducted familiarity and mapping

the community, identifying and building rapport with key informants, conducting

ethnographic interviews and making participant-observations of daily tribal life.

Interviews were tape recorded, transcribed, coded and processed for content analysis

utilizing the computer software, The Ethnographic 5.0. Results reveal that the entire

Jenipapo Kanindé´s life trajectory is marked by massacres in the past and threats to

its autonomy and possessions in the present. The "Long-Haired People of Enchanted

Lake," as they were traditionally called, are suffering with the undermining and

devaluing of their culture's essence. Three aspects of life are identified as particularly

vulnerable and highly contested: 1) their identity as Indians; 2) member's relationship

to Mother Earth and legal possession of indigenous lands; and 3) the tribe's

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ethnomedicine, or customary way to treat and cure. The historical memory of their

struggles and resistance is recorded in the myths and legends, part of the popular

symbolic universe. These include stories, songs and dances of Water Mother and her

chants and enchantments, Buzzard Hill which covers-up a hidden, sacred temple and

the Toré, a communal dance which revives vital earthly energies and restores health.

Tragically, they also reveal the threats that afflict the tribe, leading to an unhealthier

lifestyle, or worse, impending ethnogenocide. An intervention based on health

promotion and human empowerment is suggested, based on international

declarations and respecting the local culture, to revive and to "re-enchant" the

Jenipapo-Kanindé exemplary way to live harmoniously with nature.

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LISTA DAS TABELAS Tabela 1 . Distribuição do número e percentual de respondentes à pesquisa etnográfica por Sexo dos índios da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002 ....................50 Tabela 2 . Demonstrativo do número de famílias por Renda Familiar dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002. ....................50 Tabela 3 . Distribuição do número e percentual de respondentes à pesquisa etnográfica por Ocupação dos índios da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002. ....................51 Tabela 4 . Demonstrativo do número e percentual de residências, por tipo de construção, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002. ....................51

Tabela 5 . Demonstrativo do número e percentual de residências, e o destino do lixo, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002. ....................51 Tabela 6 . Demonstrativo do número e percentual de residências e o destino de fezes e urina, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002. ....................51 Tabela 7 . Distribuição do número e percentual de residências, e suas fontes de água, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002. ....................52 Tabela 8 . Distribuição do número e percentual de residências, e as formas de tratamento de água das residências, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002........52 Quadro 1 . Distribuição por sexo e nível de alfabetização dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002. ....................53 Quadro 2 . Distribuição da faixa etária e sexo dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002.........53

Tabela 9 . Distribuição do número e percentual, sobre a quem procuram em caso de doença, dos respondentes à pesquisa etnográfica na comunidade Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE :2002………54

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ANEXO 9 : GRÁFICOS Gráfico I. Demonstrativo do número e percentual de respondentes à pesquisa etnográfica por Sexo dos índios da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002. Gráfico II. Demonstrativo do número e percentual de famílias, por Renda Familiar, respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002. Gráfico III. Demonstrativo do número e percentual de respondentes à pesquisa etnográfica por Ocupação dos índios da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002. Gráfico IV. Demonstrativo da faixa etária e sexo dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002. Gráfico VI. Demonstrativo do número e percentual de residências, e o destino do lixo, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002. Gráfico VII. Demonstrativo do número e percentual de residências, e suas fontes de água, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002. Gráfico VIII. Demonstrativo do número e percentual de residências, e as formas de tratamento de água das residências, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002. Gráfico IX. Demonstrativo do número e percentual , sobre a quem procuram em caso de doença, dos respondentes à pesquisa etnográfica na comunidade Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE :2002. Gráfico X. Demonstrativo do nível de alfabetização e sexo dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002. Gráfico XI. Demonstrativo do percentual por faixa etária dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002.

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SUMÁRIO

Agradecimentos

Dedicatória

Pensamento

RESUMO

ABSTRACT

LISTA DE TABELAS e QUADROS

1. INTRODUÇÃO

1.1 Envolvimento com a temática ................................................ 16

1.2 A luta dos Jenipapo-Kanindé: A “Mãe-Terra” em questão.......... 18

2. OBJETIVOS

Objetivo Geral ..............................................................25

Objetivos Específicos ..............................................................25

3. REVISÃO DA LITERATURA

3.1. Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI’s) ..................... 27

3.2. O modelo biomédico ................................................................. 30

3.3. Educação em saúde ................................................. 33

3.4. Atenção à saúde: saúde para todos .......................... 36 3.4.1. O que dizem as Conferências Internacionais sobre promoção da saúde ......................... 38 3.5. Biomedicina X Etnomedicina e os Xamãs .......................... 46

4. PERCURSO METODOLÓGICO

4.1. Abordagem e tipo de estudo ........................... 51

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4.2. Métodos , técnicas e instrumentos de coleta e organização dos dados .......................... 52 4.3. Cenário da pesquisa ........................... 55 4.4. Descrevendo os participantes e sua realidade sócio-contextual. 57 4.5. Aspectos éticos da pesquisa ............................62

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1. Identidades, do índio, contestadas ...........................65

5.1.1. O índio “verdadeiro” idealizado pela sociedade ...............66

5.1.2. Os Cabeludos da Lagoa Encantada ...............68

5.1.3. “Esse Povo” não índio .......................... 71

5.1.4 . O índio “inventado” ......................... 75

5.1.5. O índio orgulhoso de ser . .......................... 78

5.2. A” Mãe Terra” em disputa ......................... 81

5.21. A terra com “Mãe”: a cosmologia Indígena .......................... 82

5.2.2. Posse da terra: fundamental para uma vida sustentável

e saudável ....................... 88

5.2.3. Disputa pela terra e as doenças ........................ 91

5.2.4. Desencantamento: os espíritos protetores estão fugindo .... 92

5.3. Etnomedicina em extinção ...................... 95

5.3.1. A Etnomedicina valorizada como “aliada” na luta para

sobreviver ...................... 96

5.3.2. A mistura “medonha” de etnomedicina e biomedicina ....... 103

5.3.3. A dominação da biomedicina ........... 106

5.3.4. Etnomedicina esquecida: Deslegitimização e

desvalorização dos segredos indígenas de curar ........... 110

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6. REFLEXÕES FINAIS

Uma proposta para promoção de saúde dos índios

Jenipapo-Kanindé ............120

7. CONCLUSÕES ........... 121

8. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........... 125

ANEXOS

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CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO

18

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1.1 Envolvimento com a temática

Nosso envolvimento neste projeto deve-se, em muito, à experiência em trabalhos de

extensão universitária os quais nos proporcionaram a visibilidade de práticas

complementares em saúde, sendo a utilização de plantas medicinais uma das mais

freqüentes, especialmente, em comunidades mais isoladas. Outra linha de raciocínio que

nos levou a engendrar este projeto foi a relação de suas práticas em saúde com a questão

da identidade cultural.

A idéia de pesquisarmos uma comunidade indígena surgiu quando precisávamos

fazer um estudo acerca de grupos minoritários que necessitassem receber apoio institucional

da universidade, concomitante a oportunidade de ampliação do universo de informações

sobre plantas medicinais. Visitamos, então, comunidades suburbanas (Projeto Quatro Varas,

Comunidade São Francisco e Associação Umbandista do bairro Dias Macedo) e

comunidades indígenas (Tapeba, Pitaguary e Jenipapo-Kanindé). Optamos em trabalhar

com os Jenipapo-Kanindé por conta do difícil acesso à aldeia e devido ao fato de se

manterem mais isolados das relações urbanas.

Sabemos que a apreensão de um conhecimento específico, precipuamente no que

tange a práticas e valores culturais de uma tribo indígena, requer, de antemão, um

envolvimento cotidiano com suas vivências e o universo simbólico que a norteia, além do

estabelecimento de uma relação de confiabilidade no tocante as demandas e vicissitudes da

comunidade estudada. Foi nesta perspectiva que encetamos o trabalho de campo.

A abordagem de uma temática como saúde passa por vários aspectos teóricos e

metodológicos. A idéia contemporânea de saúde está relacionada a qualidade de vida

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como um todo, já a concepção indígena apresenta conceitos próprios, por exemplo, divide o

entendimento de doença por grau de severidade. Um outro aspecto que merece destaque

tem a ver com a relação saúde/doença e a questão da posse da terra, como elementos

intrinsecamente ligados.

Segundo SANTOS & ESCOBAR (2001), a área da saúde indígena está atravessando

uma fase singular no Brasil. O momento atual caracteriza-se por alterações profundas, que

englobam desde aceleradas transformações em perfis epidemiológicos, até a reestruturação

do sistema de assistência à saúde indígena. Concomitantemente, percebe-se que a

quantidade de grupos de pesquisa debruçados sobre o tema ampliou-se, algo mais que

bem-vindo. Mesmo que transbordem evidências quanto às condições de marginalização

socioeconômica, com amplos impactos sobre o perfil saúde/doença, muito pouco se

conhece sobre a saúde dos povos indígenas no Brasil, ainda mais se considerarmos a

enorme diversidade socio-cultural e de experiências históricas de interação com a sociedade

nacional.

“... nos últimos três anos, aconteceram importantes mudanças no sistema

de saúde voltado para os povos indígenas com a implantação dos Distritos

Sanitários Especiais Indígenas, de norte a sul do país. Há de se aguardar a

acumulação de dados e experiências, antes de ser possível aquilatar a

extensão dos impactos associados a essa reestruturação.”. SANTOS &

ESCOBAR (2001)

Os autores afirmam que um dos grandes desafios para a implementação desse novo

modelo de assistência é estruturá-lo, envolvendo usuários e agências governamentais e não

governamentais, sem perder de vista a imensa sociodiversidade indígena.

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1.2 A luta dos Jenipapo-Kanindé: A “Mãe Terra” em questão.

A questão indígena no Brasil suscita várias dimensões de análise que, apesar de

bastante estudadas, oferecem um vasto campo para discussão. Não apenas no que

concerne aos aspectos de sua riqueza cultural, mas também quanto as atuais e

contraditórias relações sócio-econômicas, especialmente relacionadas a questão da terra.

Várias tentativas de se retirar os índios de suas terras aconteceram durante todo o

processo histórico da colonização brasileira. O índio brasileiro mostrou-se extremamente

amistoso, com raras exceções, o que facilitou a rapinagem de suas terras. A terra, além de

ser fonte de recursos naturais, para o índio é também a sua própria identidade. Ao se retirar

a terra do índio está se roubando também o sentido de sua própria existência. “O tempo é

adimensional, a vida se realiza no espaço”.1

Atualmente o processo de retomada das terras indígenas passa por um processo

legal, para garantir o seu espaço mínimo de sobrevivência. Esse processo se dá por meio

de um reconhecimento de identidade através do qual o índio deve se mostrar, ou se

apresentar como índio, visto que sua terra foi legalmente desapropriada, ou seja, o índio foi

retirado da sua terra “legitimamente”, segundo os preceitos jurídicos em cada época em que

isto ocorreu.

1 GASTON BARCHELAR. A poética e o espaço.

21

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O processo de apropriação das terras dos índios está definido na Constituição Federal

de 1988, porém antes dessa data algumas tribos já se encontravam em processo de

reconhecimento, de retomada de sua posse de terra. Porém a Constituição determina que

seja discutida, apresentada a verdadeira identidade do índio, a identidade cultural do índio,

para que sejam comprovados os seus laços hereditários com a terra e, a partir daí, definir

uma área para que seja (propriamente) para toda a tribo. Nesse caso, a etnia deve ser

presumidamente genuína.

Até 1999, a FUNAI reconheceu 561 áreas indígenas. As etapas do processo de

regularização dessas terras seguem esta ordem: identificação (aprovação dos limites pela

FUNAI), delimitação (reconhecimento dos limites pela União), demarcação dos limites em

campo, homologação (aprovação da demarcação pela União) e, por último, o registro da

área em cartório pela União. Do total de áreas indígenas, 352 acham-se demarcadas,

homologadas ou registradas, o que soma cerca de 75.980.336 de hectares. Existem ainda

40 terras delimitadas, 22 identificadas e 147 áreas reconhecidas pela FUNAI aguardando

estudos para a sua identificação. O processo de regularização das terras indígenas inicia-se

nos anos 90, com a constituição de 1988 (artigo 67), que estabelece um prazo de cinco anos

para sua demarcação. Em 1996 é criado o Decreto 1.775, que fixa os procedimentos

administrativos e jurídicos para a regularização das áreas indígenas. Ao mesmo tempo que

oferece credibilidade a esses processos, abre a possibilidade de contestação à demarcação

das terras.

As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens públicos de domínio da

União. São inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

Enquadradas como bens públicos de uso especial, essas terras destinam-se à posse

permanente dos índios, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e

dos lagos nelas existentes.

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A situação contextual da comunidade Jenipapo-Kanindé é, de uma maneira geral,

bastante delicada devido a não legalização da propriedade de suas terras, e a perca da

historicidade de suas tradições. Tal realidade acarreta uma série de problemas relacionados

à sobrevivência do “modo índio de viver”2, quais sejam, entre outros: a dificuldade de se

perceber e se aceitar como índio, a descontinuidade do manejo de práticas complementares

de saúde, a aculturação produzida pelo fenômeno midiático e a inserção institucional do

Estado através do Programa Saúde da Família – PSF.

No tocante à dimensão da saúde observamos que há um limite de similaridade entre

os índios nesta questão da terra, que vai desde a sobrevivência até a sua liberdade. Nesta

sua liberdade e disponibilidade de uso da terra está compreendido todo o processo

relacionado aos problemas de saúde, que é nosso foco principal, ou seja, como os índios

tratam suas doenças, como se percebe a questão de saúde dentro da comunidade indígena.

O quanto a questão de saúde depende da utilização de sua terra e de sua liberdade é o que

estudaremos e, mais especificamente, dentre os processos de busca da saúde dos índios,

como eles utilizam a terra para obter esses resultados satisfatórios.

Os Jenipapo-Kanindé passam por um processo de reconhecimento de sua identidade

para a reivindicação de suas terras, tão cobiçadas por interesses comerciais. Sabemos, no

entanto, o quanto isso é longo, pois atualmente encontra-se na Justiça Federal um

questionamento sobre a identidade indígena dos Jenipapo-Kanindé alegando não serem

índios, ou seja, citando que a tribo foi extinta e que não existe mais, por parte da Agro-

industrial . A empresa explora a água da Lagoa Encantada e a polui bastante. Este fato de

2 Esta terminologia refere-se, a partir do discurso dos próprios índios, às práticas e vivências cotidianas peculiares ao seu modo de vida.

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alegar a inexistência de índios remonta a 1863 quando uma decisão administrativa declarou

extintos os índios no Ceará, sob o motivo implícito de explorar as terras dos nativos.

Nesse momento cabe a pergunta: Será uma Neo-Colonização em terras indígenas?

Uma nova roupagem se apresenta recheada de artifícios judiciais, de tal forma

semelhante ao que já ocorreu no período do Império. A idéia de turismo ecológico,

devastando e desapropriando áreas indígenas, para favorecer o lazer de uns, abstém os

moradores da terra, com submissão e miséria, não se parece em nada com o atual

desenvolvimento político brasileiro.

Está provado que os índios não foram extintos e sim banidos de suas terras e de

suas tradições, expurgados por atos indignos dos governantes da época. Daí os índios no

Ceará terem que provar sua identidade e, por conseguinte, ter o direito as suas terras antes

tomadas, e mais, garantir ao seu povo melhores condições de vida e de saúde, pois isto está

consolidado na posse da terra para os índios. Segundo CORDEIRO (1989), no antigo

território cearense viviam cerca de vinte e dois povos indígenas, Século XVI, cada um com

idioma e espaço próprios. E, hoje dez grupos lutam por definir sua identidade étnica para

garantir seu espaço no Estado.

Daí, fomos surpreendidos de tal modo, por uma declaração da Cacique da tribo

Jenipapo-Kanindé: “Aqui não tem índio”. Segundo ela conta, foi uma das pioneiras no país

em comando de tribos indígenas saudada em Brasília, por ocasião de um encontro de índios

do país. Ainda segundo a Cacique alguns costumes e tradições não existem mais, o grande

fluxo do homem branco na tribo alterou a forma de vida e, ademais, os grandes problemas

têm causado desassossego e conflitos políticos dentro da tribo, e em sua hierarquia. Isso

pode ser uma conseqüência dos problemas vivenciados diariamente pela tribo. Daí ser

conveniente então fazermos algumas interrogações pertinentes aos grupos indígenas: O que

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é ser índio? Que diferenças há para as outras raças que compõem a diversidade étnica do

Brasil? O que podemos considerar como patrimônio indígena?

O resgate da identidade, a busca por justiça social e a cidadania brasileira como

grupo étnico definido socialmente têm sido as lutas mais freqüentes dos índios no Ceará e

no Brasil, que encontram eco nas universidades.

Os Jenipapo-Kanindé, caso sui generis, apresenta mais uma situação delicada do

ponto de vista dos costumes em relação à saúde. O curandeiro da tribo, o pajé, é uma

pessoa distante das ações políticas e sociais da comunidade. Esse fato faz com que

principalmente as mães indígenas utilizem os recursos da saúde do homem branco, e com o

tempo enterra a tradição de usar recursos naturais, dentre os quais, plantas medicinais.

Portanto um resgate desse sistema de medicina indígena, baseado nos costumes e

conhecimentos dos pajés e xamãs, é de fundamental importância, essencialmente por

apresentar como informantes-chave as próprias famílias e mães da comunidade indígena. O

conhecimento e reconhecimento desse sistema etnomédico é uma arma de grande

relevância na reconstituição da identidade cultural desse povo.

Intervir junto aos índios conceitualmente sobre educação em saúde, empoderando-os

com mais recursos úteis a sua luta, utilizando a etnofarmacologia como instrumento, pode

ser um exemplo que a universidade pode dispor ao conhecimento e extensão no seu dia a

dia. Contribuir de forma significativa no processo de reconhecimento da identidade cultural

dos Jenipapo-Kanindé, especialmente no que concerne ao estudo da etnomedicina

indígena, e com ênfase na utilização de plantas medicinais nativas úteis, exatamente as

formas e males que acometem aquela comunidade, faz parte da relevância deste estudo.

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No caso dos Jenipapo-Kanindé, interesses industriais e comerciais estão interferindo

diretamente no seu habitat e no seu modo de vida e, por conseqüência, na sua saúde. A

relação do índio com a natureza é bastante forte, uma verdadeira simbiose, pois dela

dependem sua sobrevivência, seus costumes e suas crenças.

A auto-identificação é considerada como um critério de identificação vigente na

Antropologia, e é aceita oficialmente para fins de reconhecimento étnico. Atualmente critérios

raciais e culturais de identificação ainda são utilizados por parte de alguns segmentos

sociais, principalmente quando há interesses em negar a etnia de uma comunidade que

busque o seu reconhecimento como indígena. De tal modo grupos indígenas com sinais de

miscigenação e perda de elementos culturais são questionados quanto à perda de

autenticidade de sua etnia, dita em tribunais como extinta, desaparecida ou mesmo

inexistente. Segundo BEZERRA (1999), há segmentos sociais que, alimentado por

interesses econômicos e políticos, não reconhecem a existência de índios no Ceará.

Portanto assegurar direitos e reconhecer sua continuidade histórica com seus antepassados

traduzem a necessidade do estudo antropológico e social de uma comunidade indígena.

Para responder a todas essas inquietudes e conhecer melhor os Jenipapo-Kanindé,

principalmente no que tange à questão saúde, nosso estudo apresenta os objetivos a

seguir.

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CAPÍTULO 2: OBJETIVOS

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2.1 Objetivo Geral

Construir conhecimento acerca do modo de viver do índio Jenipapo-Kanindé, afim de

subsidiar proposta de empoderamento dos membros da tribo, para o resgate de sua

identidade cultural.

2.2 Objetivos Específicos

2.2.1 Investigar a história sócio-cultural do grupo indígena Jenipapo Kanindé;

2.2.2 Identificar as principais ameaças aos costumes da tribo e/ou ao exercício da

cidadania, por parte de seus componentes;

2.2.3 Desvendar a formação da identidade indígena entre os membros da tribo,

incluindo as contradições e contestações;

2.2.4 Descrever como a vida ameaçada da tribo é refletida nas noções básicas de

sua existência: 1) na sua identidade cultural de índio; 2) na posse da terra; 3)

na saúde e etnomedicina;

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CAPÍTULO 3: REVISÃO DA LITERATURA

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3.1 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI´s)

ALCÂNTARA (2000) relata acerca do nível de desigualdades existentes no país e

denuncia: “a extrema marginalização socioeconômica, política e cultural a que estão

relegados expressivos contingentes da população, comunidades e regiões quase inteiras, a

descentralização deverá ser norteada pela democracia participativa” .

Conquistando avanços em direção aos princípios dos SUS, tem-se a oferecer às populações

serviços com:

• Maior justiça e equilíbrio na participação dos diferentes grupos sociais;

• Universalização da prestação dos serviços públicos, em termos qualitativos e

quantitativos, priorizando os grupos sociais mais carentes de atendimento;

• Democratização da informação, principalmente no que se refere aos direitos e aos

deveres necessários ao exercício da cidadania;

• Incentivo à participação dos cidadãos nas decisões das políticas que afetam a vida em

comunidade. Essa prática não deve ser confundida com o sistema representativo, nem estar

restrita às escolhas eleitorais pelo voto. 0 que se deseja é uma maior capacitação e

comprometimento dos cidadãos, dos movimentos sociais, articulados aos seus

representantes formais e outros canais de participação, para que possam sair do plano da

denúncia ou das soluções imediatistas, contribuindo concretamente com alternativas

voltadas para a qualidade do meio ambiente urbano.

Caracterizadas as condições que o sistema deve ter como norte, na questão da saúde,

o princípio balizador da descentralização envolve o conceito de poder partilhado no campo

da divisão de competências entre as instâncias de governo - União, Estados, Distrito Federal

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e municípios, gozando de autonomia política, administrativa e financeira, não se

subordinando a vínculos hierárquicos entre si, mas dotados de atribuições comuns e

concorrentes, tendo por objetivo o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito

nacional. A descentralização deverá obedecer a um prévio planejamento, na busca da

eficiência no atendimento às necessidades fundamentais da população.

Nos últimos anos, a responsabilidade pela atenção à saúde indígena no Brasil tem

flutuado entre a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), a Fundação Nacional de Saúde

(FUNASA) e, com a paulatina implantação do subsistema de atenção à saúde, em 1999, que

tem os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI’s) como base, diversas prefeituras

e/ou Organizações Não Governamentais têm assumido a questão de prover os serviços.

Algumas missões religiosas e universidades também vinham prestando cuidados de saúde

às comunidades indígenas. Estas ações e missões caracterizadas por uma heterogeneidade

social e cultural, as quais se inserem serviços biomédicos descontextualizados das

realidades dos povos indígenas.

Com a implantação dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas pretendia-se melhorar

a atenção à saúde indígena em particular as políticas de saúde indígena e a gestão dos

recursos direcionados ao atendimento dessas populações. DIEHL (2001) destaca em seu

estudo dados preliminares que apontam para uma nova organização dos serviços de saúde,

seu uso pela comunidade e o perfil saúde/doença, a partir da implantação do DSEI em uma

comunidade Kaingang em Santa Catarina.

ATHIAS & MACHADO (2001) referencia o atual modelo de organização dos serviços de

saúde para as áreas indígenas. Na concepção, os Distritos Sanitários nasceram no âmbito

das Conferências Nacionais de Saúde, no início da década de noventa, no bojo do

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movimento da Reforma Sanitária. Porém, somente na II Conferencia Nacional de Saúde

para os Povos Indígenas (II CNSPI), ocorrida em 1993, este modelo foi referendado pelo

movimento indígena e por profissionais de saúde que atuam com estas populações.

Devemos ressaltar que uma proposta para a saúde indígena deve versar a respeito da

implantação de um modelo de saúde que seja prioritariamente adequado às áreas

indígenas, inserido em um subsistema de atenção à saúde diretamente ligada ao Sistema

Único de Saúde (SUS).

A decisão política de implantar o modelo assistencial referendado pela II Conferência

foi tomada pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) ao final de 1998, obedecendo à

proposta no que se refere à participação social na elaboração das políticas de saúde.

Contrariando dizeres da Constituição Federativa de 1988, da Lei 8080/90 e da Lei

8142/90 sobre a participação popular no SUS, o modelo apresenta algumas distorções

quanto ao aspecto de autonomia orçamentária e financeira dos DSEI’s. Segundo DIEHL

(2001), o modelo administrativo adotado pela FUNASA conecta duas vertentes. Na primeira,

as Coordenações Regionais da FUNASA atuam como ordenadoras de despesas e, por

conseguinte, controlam os recursos financeiros destinados aos Distritos; na segunda

modalidade administrativa, o nível central da FUNASA realiza a celebração de convênios

com organizações indígenas, Organizações Não-Governamentais (ONG’s), Secretarias de

Saúde e Universidades para a execução das ações de saúde nas áreas indígenas.

Nesse caso salienta-se que a pluralidade em suas concepções é importante e

necessária, pois reflete as características de cada área. No entanto, dada às diversas formas

de contato das populações indígenas com a sociedade envolvente e, em conseqüência, os

diferentes estágios de organização política frente a esta mesma sociedade, o processo de

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distritalização nas áreas indígenas tende a desenvolver-se de forma variada de uma região

para outra.

A saúde é tema central em muitas regiões em virtude da situação precária, em termos

de acesso aos serviços de saúde, a que a maioria dos povos indígena do Brasil está

submetida. Apesar de toda essa diversificação e das dificuldades pertinentes ao processo,

existe o vislumbre de serem gerados modelos sanitários que atendam às necessidades

básicas e estratégicas das comunidades indígenas.

COIMBRA JR & SANTOS (2000) chamam a atenção para a falta de informações

fidedignas a respeito de populações indígenas brasileiras nos bancos de dados oficiais,

conferindo-lhes “uma danosa invisibilidade demográfica e epidemiológica”. De maneira geral,

os registros existentes no que tange às condições de saúde dos índios são referidos aos

grupos que vivem nas regiões Amazônica e Centro-Oeste, relegando as comunidades das

regiões sul, sudeste e nordeste a abismo ainda mais profundo. Porém, se os dados sobre

saúde são poucos e esparsos, é marcante a ausência de referências concernentes à

utilização dos serviços de atenção biomédica que lhes são dispensados.

3.2 O modelo biomédico

NOBRE (2002) declara : “O enfoque do modelo biomédico é predominantemente

biologicista e prioriza a patologia sobre o sujeito, reduzindo as necessidades de saúde a

processos fisiopatológicos.” Essa afirmação está baseada essencialmente na patogênese e

no fato de se tratar a doença e não o cidadão, a parte e não o todo.

As relações existentes entre os contextos sociais, culturais, ambientais, econômicos e

a saúde são particularmente complexas e ainda mal conhecidas. CONTANDRIOPOULOS

(2001) descreve que “À medida que se conhece melhor a complexidade das relações entre

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os contextos sócio-econômico, ambiental e a saúde da população, parece claro que os

conceitos de saúde-doença, embora não sendo independentes, não são sinônimos.”

A conduta de que o estado de saúde é influenciado de maneira inequívoca pelas

características contextuais como o status social, o nível de educação, a ocupação, a riqueza

do ambiente durante a infância, o suporte social etc..., existindo um gradiente entre a

posição ocupada em função destes indicadores e a saúde, é necessariamente responsável

por boa parte das ações em saúde caracterizando o sistema biomédico de atenção à saúde.

Duas grandes constatações mostram que os fatores, as situações, os contextos que

são favoráveis à saúde, isto é, que aumentam “a possibilidade para o ser vivo de se

realizar”. CONTANDRIOPOULOS (2001) conclui que se as doenças e a saúde não são

fenômenos independentes, elas não são no entanto redutíveis uma à outra. A doença não é

o inverso da saúde. Isso se manifesta muito claramente nas sondagens junto à população.

A formulação da doença como uma entidade separada, marcada pelo desvio de

normas fixas e fisiológicas, levou a uma prática reducionista. A referência ao paciente como

indivíduo foi posta de lado. Medidas, testes e diagnósticos eram feitos sem considerar-se as

características sociais, morais e psicológicas do paciente. Fatores psíquicos e sociais foram

considerados um epifenômeno sem impacto sobre o organismo e, portanto, ficaram fora do

tratamento clínico. CAPRA (1982) enfatiza que seria um reducionismo pensar em doenças

de causas puramente psicológicas ou puramente orgânicas, havendo sempre um pluralismo

na observação de qualquer fenômeno.

As ciências fundamentais que contribuem para diagnosticar, prevenir, tratar as doenças

baseiam-se principalmente nas funções biológicas do ser humano. Elas visam, ao decompor

o homem, analisar de maneira científica cada um de seus componentes para compreender

os mecanismos biológicos da vida e a patologia. A saúde e a doença são duas entidades

que não podem ser quantitativamente comparáveis.

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O contexto em nível sistêmico é estruturado pelas relações que existem entre, de um

lado, o ambiente físico (condição de higiene, poluição, condições de trabalho, que estão na

origem dos riscos ambientais, dos riscos ocupacionais e da difusão de todo tipo de agentes

patogênicos) e, do outro lado, o ambiente social. Este último é definido, em uma dada

sociedade, em um determinado momento, pela interação entre os valores ou a cultura dessa

sociedade e suas modalidades de organização, isto é, sua estrutura econômica, suas

instituições políticas e o nível de desenvolvimento da tecnologia. Estas dimensões

sistêmicas têm uma influência direta sobre o conjunto de outros fatores que afetam a saúde.

Trata-se primeiramente das condições de vida que se materializam pelas condições de

acesso aos diferentes bens e serviços consumidos. Diante de tais afirmações determina-se

que os agentes atuantes no sistema e o próprio sistema devem contrapor as situações

críticas e sensibilizantes à população no que concerne às alterações de saúde e que esse

mesmo sistema seja recuperador da condição de saúde e como conseqüência das

condições de vida.

Desta perspectiva, deve-se entender o binômio saúde/doença como um processo

coletivo, recuperando o “lugar” como o espaço organizado para análise e intervenção,

buscando identificar (para situações específicas) as relações entre as condições de saúde e

seus determinantes culturais, sociais e ambientais, dentro dos ecossistemas modificados

pelo trabalho humano, através de um enfoque interdisciplinar.

Em contraposição aos conceitos biomédicos, SEGRE & FERRAZ (1997) questiona a

atual definição de saúde da Organização Mundial da Saúde: “situação de perfeito bem-estar

físico, mental e social” da pessoa, considerada ultrapassada, primeiramente, por visar a uma

perfeição inatingível. E segundo que se trata de definição irreal por que, aludindo ao “perfeito

bem-estar”, coloca uma utopia. - O que é “perfeito bem-estar?” - É por acaso possível

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caracterizar-se a “perfeição”? Perguntam os autores. É questionável realmente um estado

perfeito de saúde se considerarmos todos os fatores condicionantes desse estado. Situa-se

então a questão da saúde indígena, que nos últimos anos tem decorrido diversas ações

contraditórias à manutenção de um status de plena saúde.

No processo saúde X doença dos povos indígenas existe a dupla causalidade das

doenças: a mística que explica o porquê e as naturais que seguem nitidamente nossa

tradição. Sendo assim o pajé, rezador, é solicitado a descobrir e neutralizar a causa através

de meios simbólicos. As plantas e outros remédios são fundamentais no tratamento de

sintomas e as doenças operam com princípios de uma ciência de senso de causa e efeito.

3.3 Educação em Saúde

O interesse em especial pela saúde do índio tem como objeto a investigação do seu

modelo etnomédico, enfatizando as práticas alternativas e o uso de plantas medicinais.

Empoderar a comunidade indígena e resgatar sua identidade através de uma intervenção

educativa junto aos professores índios e seus escolares devem ser a particularidade final

deste trabalho, não somente dos aspectos de saúde de um grupo, mas essencialmente as

características que lhe são muito peculiares. A identidade étnica e cultural de um grupo

serve para orientar relações de vida dentro do próprio grupo social com outros de fora desse

grupo, daí a percepção de suas diferenças tornar-se um referencial de uma cultura própria.

Os estudos feitos no Brasil sobre a saúde dos índios se apresentam de forma isolada

e referente apenas a uma realidade mínima, e não detalhada de todas as situações ou de

enfermidades que possam acometer toda uma comunidade local, sobretudo quando esses

estudos relatam de forma quantitativa, sob a ótica epidemiológica, os níveis de saúde

dessas populações. Esse aspecto dificulta em muito a compreensão de determinados

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problemas da saúde indígena, e ainda mais dificulta as formas de avaliação dos problemas,

o que conseqüentemente emperra o planejamento de ações que melhor venham cumprir

uma cobertura total dos problemas dessas comunidades indígenas, quando não levam em

consideração os pressupostos culturais e tradicionais desses povos.

Segundo CASTELLANOS (1995), a situação de saúde de um grupo de pessoas

traduz-se em um conjunto de problemas descritos e explicados a partir de uma perspectiva

de um ator social.

Para se entender o processo saúde e doença de um determinado grupo faz-se

necessário inicialmente reconhecer a historicidade desse grupo, isto é, sua contextualização

em vários aspectos, principalmente de ordem social e cultural e, no caso dos índios, sua

religiosidade, e ruptura dessa religiosidade, parece ser importante para o comportamento em

diversas áreas da comunidade. PAIM & ALMEIDA FILHO(1998) citam que para a superação

do biologismo dominante, da naturalização da vida social, da sua submissão à clínica e da

sua dependência ao modelo médico hegemônico, representam elementos significativos para

o marco conceitual da saúde coletiva, faz-se “necessária à identificação de uma nova

positividade” na articulação das dimensões objetiva e subjetiva no campo social da saúde.

SCHALL & STRUCHINER, citando CZERESNIA (1995), descrevem a prática educacional e

as tendências em educação em saúde: Humanista, Comportamentalista e Político-Social. Os

autores do trabalho citam quatro modelos intervencionistas diferenciais aplicados à AIDS e

às possibilidades de prevenção: a) Modelo de autofortalecimento; b) Modelo de ação

coletiva; c) modelo de mudança de comportamento que se subdivide em reorientação

comunitária e modelo socialmente transformado; d) Modelo de autonomia afetiva e de

responsabilidade sócio-ecológica. Os modelos são interdependentes e portanto aplicáveis

em diversas situações. Esclarecendo a utilização de um modelo que conduza a uma

melhoria da auto-estima individual e coletiva, da responsabilidade social, e que fortaleça a

auto-valorização aliada a um modelo que visa a uma transformação social. Este modelo

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torna-se necessário a uma pequena população que precise reorientar seus destinos em

busca de sua verdadeira identidade. CZERESNIA (1999) apresenta uma perspectiva à

compreensão da diferença entre prevenção e promoção da saúde, que tem a ver com os

limites dos conceitos da saúde e da doença em relação à experiência concreta das mesmas.

A consciência prática desse limite implica em mudanças abrangentes na maneira pela qual o

conhecimento científico se relaciona com a formulação e organização das práticas em

saúde.

GRIMBERG (1998) cita que mais relevante que avaliar as condições de risco, faz-se

necessário desvendar os processos e condições que minoram os sujeitos e grupos,

incluindo suas relações econômicas, sociais, políticas, ideológicas e culturais. NATIONS

(1992) e NATIONS & MONTE (1996) consideram importante se conhecer as crenças

populares e suas práticas terapêuticas, para que se possa estabelecer hipóteses e,

eventualmente, relacionar os fatores socioculturais a determinadas doenças. Nesse sentido,

conhecer o processo saúde e doença de um grupo social, permite ampliar-se na

interdisciplinaridade que envolve esse grupo. NATIONS & REBHUN (1998) complementam

esse conceito afirmando que até a década de 1970 não se conseguiu determinar um modelo

único de práticas de medicina no Brasil, e que os modelos populares tem sido resgatados,

no intuito de se articular com a medicina científica.

CANDEIAS (1997) esclarece que educação em saúde constitui apenas uma fração

das atividades voltadas para a saúde, portanto conclui ser uma atividade-meio, enquanto

promoção em saúde visa a provocar mudanças de comportamento organizacional, capazes

de beneficiar a saúde de camadas mais amplas da população. A autora estabelece que

educação em saúde procura desencadear mudanças de comportamento individual como

forma complementar à função precípua de promoção de saúde. SILVA (1996) então sugere

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que um conceito amplo considera: a organização cotidiana, a sociabilidade, a afetividade, a

sensualidade, a subjetividade, a cultura, o lazer e o meio ambiente. Essa amplitude do

conceito foi primeiramente citada na Convenção de Alma-Ata, 1978, sobre a promoção da

saúde para todos os povos.

3.4 Atenção à saúde: saúde para todos

A Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma

Ata (URSS), no ano de 1978, é um marco importante na construção de uma estratégia de

atenção primária à saúde, respaldado pelo pacto internacional da proposta de saúde para

todos no ano 2000.

A declaração de Alma Ata amplia a visão da atenção à saúde, abordando-a sob os

novos paradigmas da intervenção intersetorial; da auto-responsabilidade; da participação da

comunidade no planejamento, organização, funcionamento e controle da atenção primária à

saúde. Considerando a promoção e proteção à saúde como ações indispensáveis para o

desenvolvimento econômico e social, valorizando, portanto, os níveis locais para melhor

responder às necessidades de saúde da comunidade e melhorar sua qualidade de vida.

A Atenção Primária à Saúde foi definida pela Organização Mundial de Saúde, 1978,

como:

"Atenção essencial à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos, famílias, na comunidade, por meios aceitáveis para eles e a um custo que, tanto a comunidade como o país, possa arcar para manter o espírito de autoconfiança e autodeterminação. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local

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onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde." OMS.

Na Conferência de Alma Ata, foram especificados como componentes fundamentais da

Atenção Primária à Saúde: a educação em saúde; o saneamento ambiental, especialmente

de águas e alimentos; os programas de saúde materno-infantil, inclusive imunizações e

planejamento familiar; a prevenção de doenças endêmicas locais; o tratamento adequado de

doenças e agravos comuns; o fornecimento de drogas essenciais; a promoção de boa

nutrição e a medicina tradicional.

A atenção primária é uma estratégia para equilibrar as metas de otimização da saúde e

de eqüidade na distribuição de recursos. "É o nível básico oferecido uniformemente a todos.

Responde aos problemas mais comuns da comunidade ao oferecer serviços preventivos,

curativos e reabilitadores, para maximizar a saúde e o bem-estar. Integra a atenção quando

existe mais de um problema e lida com o contexto no qual existe a enfermidade,

influenciando as respostas das pessoas aos seus problemas de saúde. É a atenção que

organiza e racionaliza a distribuição de todos os recursos, tanto básicos como

especializados, direcionando-os para a promoção, manutenção e melhora da saúde."

No Brasil, o Programa Saúde da Família, desde 1994, tem se constituído, uma

estratégia estruturante de um novo modelo de organização dos serviços de saúde, para a

implementação do enfoque da Atenção Primária à Saúde, a consolidação dos Sistemas

Locais de Saúde (SILOS) e a viabilização dos princípios do SUS: Universalidade, Eqüidade,

Integralidade e Participação Comunitária.

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3.4.1 O que dizem as conferências internacionais sobre promoção da saúde.

Em Ottawa, 1986, dando prosseguimento aos desígnios de Alma-Ata e constituindo a

primeira Conferência para promoção de saúde, seu documento final preconiza como um dos

campos de ação a criação de ambientes saudáveis e o reforço da ação comunitária, este

último proposto desde Alma-ata. A conferência de Ottawa enfatiza a importância dos

recursos sociais, físicos e humanos no desenvolvimento das nações, tornando assim

relevante a dimensão da qualidade de vida da população. Desenvolvimento de políticas

públicas para se viver com qualidade; reforço à ação comunitária; desenvolvimento de

habilidades pessoais; preocupação com o meio ambiente; re-orientação dos serviços,

implicam em procedimentos de ações interdependentes, são considerados pontos

essenciais da Carta de Otttawa, cujo cenário de intervenção social tem por alvo a qualidade

de vida como objetivo básico do ser humano.

A definição de ambiente favorável descrito em Ottawa parece-nos muito oportuna em

virtude das necessidades culturais das tribos indígenas do Brasil. Para o índio o ambiente

não é somente a casa, e sim todo o contexto histórico e natural de suas vivências, sendo

assim a terra o bem maior para sua saúde, pois dela tiram todos os frutos e, mais do que

isso, lendas, mitos, tradições e costumes estão atrelados no seu dia-a-dia. Portanto saúde

não é apenas o bem-estar físico, é sim toda a capacidade de conviver no ambiente em que

seus antepassados viveram.

A declaração de Adelaide, 1988, reforça como área prioritária para promover ações

imediatas em políticas públicas a criação de ambientes favoráveis, como parte integrante de

políticas públicas saudáveis. Isso mostra a preocupação das autoridades sanitárias no

mundo com o ambiente onde o cidadão vive e sua relação no processo saúde e doença,

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sendo fundamental que esse ambiente seja propício ao desenvolvimento de várias

atividades, lazer e cultura, para uma formação realmente saudável. Além das conferências

internacionais para saúde, a Conferência Mundial das Nações Unidas para o Meio Ambiente

e Desenvolvimento , Rio-92 , traz a notável exigência ao mundo o tema do ambiente voltado

para a saúde e a preservação dos povos que subsistem com os pequenos e médios

ecossistemas. Em Sundsvall (Suécia), 1991, a conferência priorizou o discurso da

interdependência inseparável entre saúde e ambiente. Bogotá, 1992, reconhece o desafio

da prevenção da saúde porém relaciona a transformação das relações excludentes,

conciliando interesses econômicos com propósitos sociais. No Brasil predomina a lógica

atual da medicina, entendida como uma ação intencional de difusão de preceitos higiênicos,

ou seja fazer chegar a idéia e as informações, conhecimentos e regras de boa conduta para

a manutenção da saúde. Tal prática traz para o nível individual a questão da determinação

de saúde-doença, deslocando o foco da atenção das reflexões políticas, econômicas,

sociais, culturais, condições de vida e trabalho da população. Esses pressupostos estão

estabelecidos em um dos princípios constitucionais e na Lei Orgânica da Saúde que é a

integralidade das ações em saúde.

Conclui-se então que Educação em Saúde pressupõe o respeito à condição social e à

dignidade humana, valor essencial para coesão social e humanização de interesses

individuais. Portanto o norte da Educação em Saúde deve ser dado por referenciais éticos

da Justiça, Solidariedade e busca da Eqüidade. A Promoção da Saúde, em seus aspectos

ideológicos, é um empreendimento de natureza holística que, conectado a dinâmicas de

transformação social, demanda estratégias articuladas com as necessidades sentidas,

percebidas e desejadas pela população. A prática com Promoção da Saúde deve estar

alinhada a uma pedagogia dialógica, crítica, reflexiva e problematizadora, bem como em

acordo com os princípios da filosofia freiriana.

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Aportam-nos nesse campo as questões culturais e tradicionais. LARAIA (1988) define

que estudar a cultura é identificar um código de símbolos compartilhados pelos membros

que apresentam essa cultura. Para GEERTZ (1989), cultura se define como um padrão de

significados incorporados em suas formas simbólicas, que podem se manifestar através de

formas verbais nas quais os membros de um grupo se comunicam entre si compartilhando

experiências, conceitos e crenças. VALLA (1998) cita que a cultura das classes subalternas

é uma tentativa de explicar esse mundo em que se vive. Se não explica tudo, também a

ciência pouco explica, diz o autor. VALLA (1998), citando Marilena Chauí3, explicita seu

conceito: “Um estilo de vida que se manifesta na linguagem metafórica, na teatralidade que

põe na boca do outro o que é palavra do sujeito emudecido”. O mesmo autor busca ainda

em Martins4 a sugestão que : “Cultura popular deve ser repensada como conhecimento

acumulado, sistematizado, interpretativo e explicativo”. Conclui portanto que para o

profissional o que pode ser absurdo para a população pode ter uma lógica clara.

UCHOA (1994) cita que: “O conjunto de sinais, significados e ações possibilitam uma

sistematização da investigação antropológica, e permite associar elementos no contexto

cultural”. UCHOA (1997) e NATIONS (1992) reafirmam que características socioculturais de

grupos específicos podem produzir informações interessantes para se descobrir suas

concepções sobre saúde e doença. Esse conceito foi evidenciado em dois estudos com

populações diferentes em diferentes regiões. Sob esse conceito, o presente estudo buscará

evidenciar quais características o grupo indígena pronuncia, e buscará ainda diferenciar os

padrões conhecidos entre outras comunidades indígenas.

3 CHAUÍ,M. Notas sobre cultura popular.In:Cultura e democracia: O discurso competente e outras falas. Pp 61-85.1990. São Paulo: Ed. Cortez. 4 MARTINS,J.S. Dilemas sobre as classes subalternas na idade da razão.In: Caminhada no chão da noite. Pp 97-138. 1989. São Paulo: HUCITEC

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Para tanto permitimo-nos rebuscar os referenciais teóricos de saúde e doença

inseridos no contexto da educação em saúde pelo que se orientaram vários pesquisadores.

EISENBERG (1977) define "doença-processo" (disease) como sendo o ponto de vista

biomédico, alterações físicas e bioquímicas, e "doença-experiência" (illness) como sendo do

ponto de vista do paciente e familiares ou grupo social. É a percepção subjetiva de como as

pessoas visualizam a doença, o que inclui explicações comuns e quase sempre aceitas

dentro do grupo social.

KLEIMAN (1980) e HELMAN (1994) consideram que o olhar do paciente a respeito

de seus problemas de saúde denota um conceito amplo que envolve dimensões psicológica,

moral e social de um grupo. É fato que os estudos acerca dos grupos indígenas possibilitem

a sistematização de um modelo explicativo próprio, baseado na tese de ARTHUR KLEIMAN,

às etnias índias, estabelecido por uma construção sólida de suas concepções para saúde e

doença. KLEIMAN (1995) afirma que em toda sociedade as atividades de saúde estão

relacionadas entre si, precisando ser estudadas de uma forma holística, constituindo assim

um sistema complexo de cuidado da saúde.

SILVA (1996) comenta que as percepções saúde e doença têm muito a ver com os

universos individuais, e que as redes sociais entre famílias têm sido meios de troca e de

difusão das práticas populares em saúde. Nas redes sociais as partes não formam um todo

social, mas estão cercadas por uma fronteira comum, que guardam entre si certa

conectividade. As mudanças sócio-ambientais derivadas do contato com a sociedade formal

têm ocasionado graves alterações no estado de saúde de grupos indígenas conforme

diversos autores. Essa situação de saúde alterada é resultado de mudanças de ordem

cultural, a televisão e o contato interétnico por exemplo; mudanças de ordem econômica, a

moeda como obrigatória dentro da comunidade e de grupos econômicos em áreas

indígenas; mudanças de ordem social, a presença de posseiros e brancos cônjuges de

índios, dentre outros exemplos que podemos citar. A carta de Ottawa (BRASIL (1986)) cita

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que: "Saúde é a resultante das condições de habitação, alimentação, educação, renda, meio

ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso

a serviços de saúde." Em verdade, esse conceito é mais amplo quando se identificam vários

componentes que se associam à saúde , e reforça a concepção de que esses componentes

para a cultura indígena são sua própria identidade, pois tudo isso acontece em seu

ambiente.

Observamos prerrogativas pouco comuns em nossa sociedade. No caso dos indígenas

no Brasil e no Ceará, esses pressupostos são menos comuns, conforme relata CORDEIRO

(1989) acordos eram feitos e descumpridos pelos próprios colonizadores a fim de

desorganizar a estrutura social indígena, subjugá-los e deixá-los sem terra. Isso se

concretizou e os índios foram afastados de seus locais de origem, porém no Ceará isso

rendeu sangrentos massacres. O ato que determinou o início do etnocídio jurídico no Ceará

aconteceu em 1863, através de uma decisão administrativa, que considerou extintos os

aldeamentos indígenas.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, cita que todos são iguais perante a

lei e a inviolabilidade do direito à vida , à liberdade, à segurança e à propriedade. A lei

assegura inclusive a direito ao culto e às crenças. A Constituição Federal de 1988 assegura

ainda o direito de todo cidadão, inclusive aqueles que seriam considerados minoria em

função de sua raça ou cor, a condição de propriedade para tanto aos índios restabelecem o

direito a terra baseado no rito da demarcação, que passa pela identificação da identidade

cultural. Desse ponto de vista a nação brasileira reinicia algo perdido há mais de 120 anos

de história, ou seja, no Ceará o etnocídio anunciado no ato administrativo de 1863 só pôde

ser reparado a partir de 1988, quando concebeu a existência oficial de nações e

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comunidades indígenas, e recobrando assim seus direitos, como por exemplo, a posse de

suas terras ocupadas tradicionalmente.

LANDGON (2000) levanta uma questão importante ao mostrar que quando se

conclui que uma prática nativa é identificada e sua conseqüência seja maléfica, esta prática

deve ser eliminada. Isso reforça o ideário biomédico o qual vem passando por algumas

transformações no sistema formal de saúde brasileiro desde a criação do Sistema Único de

Saúde (SUS). Essa questão verdadeira rebaixa várias concepções populares e

principalmente indígenas sobre saúde e doença. Os índios por vezes fazem referências às

causas naturais e causas mística, tratando-as através de seus ancestrais espirituais e de

seus pajés, pessoas que não apresentam uma educação formal e tampouco são médicos.

Para algumas culturas indígenas a doença está relacionada ao meio ambiente ou a sua

interação com o meio ambiente. SANTOS & LIMA (1991) relatam o encantamento, o

quebranto e o mau-olhado como exemplos de doenças causadas por forças naturais.

BARASCH (1997), em contraposição ao biologismo e ao sistema biomédico, dá ênfase à

visão holística, concebendo o ser humano como um todo, formado por corpo, mente e alma,

que estão intimamente ligados.

Para que tenhamos uma verdadeira abordagem holística em Educação em Saúde,

SILVA (1998) estimulada por DELREY (1994) aborda a questão, citando que essa

abordagem sustenta-se na concepção de que a partir da compreensão das forças que

interagem no seu ambiente de vida, é que as pessoas serão capazes de agir no sentido de

superar as adversidades, tendo como horizonte a conquista da referida qualidade de vida e,

por conseguinte, as condições favoráveis à saúde. DELREY (1994) cita ainda :

"Educação em saúde é o processo que capacita o indivíduo, propiciando seu auto-conhecimento da realidade, identificação das forças que interagem em seu ambiente de vida e participação na

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busca conjunta de alternativas de transformação das suas condições de vida”. DELREY (1994)

Fica claro, interpretando a expressão que, para DELREY, o homem é ciente de sua

realidade, mesmo do ponto de vista filosófico, e que ele próprio é capaz de transformá-la

com recursos próprios. Esta condição humana é que faz gerar novos conhecimentos, e

promove a busca de novos paradigmas que melhorem as condições de vida dos povos.

Dialeticamente esses novos paradigmas servirão para futuras reflexões e novas teses sobre

a realidade. DELREY (1994) sugere que a mudança de paradigmas seja levada por rupturas

para um "novo fazer saúde". DELREY (1996) reafirma as preocupações de outros autores:

"Os problemas que interferem na vida do homem, em geral, podem ser equacionados como

ambientais, econômicos, sociais, comportamentais e de formação de recursos próprios”.

PAIM & ALMEIDA FILHO (1998) mencionam que romper com os paradigmas

vigentes não significa recusa pura e simples. Impõem-se movimentos de crítica, elaboração

e superação. "Trata-se de uma construção no plano epistemológico ao tempo em que se

mobilizam vontades no âmbito da práxis para alimentar o pensamento e a ação.".

Surgem-nos alguns questionamentos a se fazer aos Jenipapo-Kanindé : Como as

ameaças e conflitos interferem em suas condições de saúde no dia-a-dia ? Baseado em que

aspectos do cotidiano o viver bem e a paz estão relacionados com as condições de saúde ?

Como quaisquer interferências podem afetar sua condição de saúde e doença? Para a

comunidade, como é promover a saúde e viver bem com interveniências em seu habitat ? E,

que lições os Jenipapo-Kanindé podem nos apresentar, em virtude de seus costumes e

modo de vida, para melhorar sua realidade na questão da saúde e principalmente na

questão de sua verdadeira identidade cultural?

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VASCONCELOS (1998) explica como as questões culturais, cognitivas e subjetivas

dificultam e favorecem o funcionamento de um serviço de saúde, a partir de uma pesquisa-

ação, com uma observação participante.

“Buscando novas estratégias de enfrentamento das doenças infecciosas por meio de uma pequisa-ação portanto, de uma pesquisa-ação com ênfase na observação participante, em que o envolvimento com os problemas de saúde de crianças desnutridas foi desencadeando uma série de mudanças no relacionamento do serviço com a comunidade local, mostrando que a educação popular não é uma atividade a mais que se desenvolve nos serviços de saúde, mas uma atividade que reorienta a globalidade de suas práticas.”. (VASCONCELOS, 1998)

O autor questiona como os serviços hospitalares, ambulatoriais e as campanhas de

saúde pública, que interferem apenas pontualmente e ocasionalmente, atuam nesta

dinâmica. Pouco se tem estudado sobre como as classes populares estão entendendo,

elaborando e se apropriando das mensagens e saberes transmitidos nas ações oficiais de

saúde. Diarréia, escabiose, verminoses intestinais, impetigo, micoses cutâneas, doenças

venéreas, infecções exantemáticas agudas, resfriados, pediculose, pneumonia, faringites e

outras doenças infecciosas e parasitárias fazem parte da rotina diária das famílias das

classes populares brasileiras, e apesar de serem preveníveis fazem parte, em sua maioria,

das enfermidades mais comuns na população. VASCONCELOS (1998) após análise da

problemática envolvendo doenças parasitárias, então aponta a educação popular em saúde

como sendo um instrumento viável, facilitador e aplicável por profissionais e instituições.

“ A educação em saúde é o campo de prática e conhecimento do setor saúde que tem se ocupado mais diretamente com a criação de vínculos entre a ação médica e o pensar e fazer cotidiano da população.... O método da educação popular, sistematizado por Paulo Freire, constitui-se como norteador da relação entre intelectuais e classes populares. Muitos profissionais de saúde, insatisfeitos com as práticas mercantilizadas e rotinizadas dos serviços de saúde, engajam-se naquele processo”. (VASCONCELOS, 1998)

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Analiticamente NOBRE (2002) identificou prioridades concordantes entre profissionais

de saúde e índios Pitaguary, mesmo que o conhecimento desses profissionais sobre a

cultura indígena não seja uma posição marcante. De qualquer forma a autora cita, dentre as

providências e ações a serem tomadas para promover saúde, que ambos os grupos

concordam em: a) demarcar as terras indígenas; b) alimentar regularmente com comidas

naturais; c) resgatar a cultura e valorizar a cura pelas plantas medicinais; d) criar parcerias

entre biomedicina e medicina popular indígena. Este último ponto, é bastante viável para os

Pitaguary visto que os pajés da tribo além de inspirarem da comunidade alta confiança,

demonstram conviver harmoniosamente dentro da aldeia e dirimindo casos que às vezes a

clínica médica não resolveu, segundo relatos apresentados.

Nesse sentido o conhecimento da realidade da população, por parte também dos

profissionais de saúde, é útil apenas na medida em que possibilita encontrar estratégias

facilitadoras da transmissão. A questão é simplificar para facilitar a mensagem e, ao mesmo

tempo, buscar a construção de um outro conhecimento que é resultado de uma relação entre

as duas partes. Tão importante quanto à evolução tecnológica da medicina, é o avanço na

definição de modelos de atenção à saúde que sejam, ao mesmo tempo, compatíveis com a

realidade política, econômica e cultural de uma sociedade e com a realidade das instituições

onde se inserem.

3.4.2 Biomedicina X Etnomedicina e os Xamãs

MEDINA (1988) levanta a questão da medicina oficial e a medicina popular como uma

relação antagônica dos sistemas tradicional e moderno, entendidos como a etnomedicina e

biomedicina. O autor cita que essa relação antagônica tem sido freqüente em toda América

Latina e que, devido isso, tem-se produzido uma série de conceitos e uma abertura mútua

anos últimos anos. Neste sentido postular a equivalência funcional dos sistemas médicos

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tradicional e moderno não significa sustentar um completo relativismo entre ambos. É sabido

que a medicina oficial existe dentro de um modelo ideológico que sustenta e reforça sua

posição de predomínio social. No Brasil, assim como na América Latina, diversos trabalhos

mostram os contrastes de desenvolvimento e a dependência econômica do atual sistema

oficial. Esses contrastes marcam contundentemente a população menos favorecida que

aprecia serviços de qualidade que ainda ficam a desejar. Contudo a medicina tradicional,

que deriva principalmente de conceitos e práticas relacionadas ao contexto histórico e sócio-

cultural, vem de forma a resolver seus problemas relacionados da forma como a população

a concebe.

GARNELO & WRIGHT (2001), em seu estudo, tentaram compreender a correlação

entre a cosmologia de um grupo indígena no Amazonas, seu sistema de representações de

doença e as práticas de cura . As práticas tradicionais de cura dos Baníwa são

demonstradas a partir das doenças que são explicadas por seus aspectos míticos e a

incorporação dos saberes biomédicos.

O campo médico Yawanáwa é caracterizado pela presença e concorrência de diversas

opções terapêuticas, as quais nem sempre convivem de forma pacífica, segundo afirma

PEREZ-GIL (2001). A biomedicina está representada de várias formas, em especial, pelos

agentes indígenas que administram o posto de saúde situado na aldeia; todavia, na vida da

aldeia, são importantes também as ações realizadas por instituições governamentais

(Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, Fundação Nacional do Índio – FUNAI) e não

governamentais (Comissão Pró-Índio do Acre). Além desses representantes da biomedicina,

os membros do grupo valem-se ainda dos seringueiros brancos da região, que praticam um

tipo de medicina baseada no catolicismo popular.

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Nesse contexto plural, deparamo-nos com a medicina praticada tradicionalmente pelos

especialistas Yawanáwa, a qual se caracteriza por estar inserida em um sistema de tipo

xamânico similar aos descritos por outros autores, a respeito de sociedades amazônicas,

citados por PEREZ-GIL (2001) (Chaumeil, 1983; Langdon, 1974; Langdon,1996).

O sistema xamânico é considerado um marco conceitual e cosmológico, cuja

manifestação não se limita à prática do especialista, mas permeia outros aspectos da

cultura. Na tribo Jenipapo Kanindé é possível conceber uma ação xamânica expressa nas

palavras e ações da Cacique Pequena, porém esse poder cosmológico não é perceptível

pela comunidade, pois as orientações são restritas por vezes a rituais e festejos culturais, ou

no caso de reuniões ou em concentrações para discussões políticas e de problemas da

aldeia. LANGDON (1996) conceitua o xamanismo como um sistema de representações

coletivas que se expressa e se atualiza não apenas nas ações específicas e próprias do

xamã – e nos rituais que ele realiza –, mas também na forma como os demais membros do

grupo, os não especialistas, o acompanham. Diante desse pressuposto, entender o

xamanismo Yawanáwa como manifestação dessa instituição social e cosmológica presente

em muitas outras sociedades amazônicas, sem renunciar às especificidades e

particularidades que ele apresenta e, de acordo com uma perspectiva interna ao próprio

grupo, possibilita-nos estudar e analisar, práticas e técnicas diversas . Permite então

comparar essas práticas em outras tribos e em outras regiões. Neste sentido, o estudo

acerca do xamanismo conclui que este, mais do que um conjunto constituído de saberes,

conteúdos e crenças, mais do que um sistema de fatos conhecidos, é um conjunto de

técnicas para conhecer.

Ambos os trabalhos citados acima, assim como diversos outros trabalhos da mesma

forma consultados e analisados, apontam para uma mescla dos sistemas biomédico e

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etnomédico presentes em comunidades indígenas, mesmo na Amazônia, onde se presume

existir índios menos aculturados do que em outras regiões do país.

NOBRE (2002) em seu estudo com a tribo indígena dos Pitaguary no Ceará,

identificando os pajés dessa tribo como verdadeiros Xamãs, afirma que para esse grupo ter

saúde é necessário estar com o outro e viver em paz. Esse “estar com” privilegia o respeito

à vida, à “mãe terra”, à “mãe natureza” e todas as entidades espirituais que ela permite

habitar, incluindo seres animados e inanimados, como as árvores, as pedras. Por sua vez os

Jenipapo-Kanindé assumem a crença a Tupã, considerado seu Deus e orientador, ao qual

vários índios fazem suas preces e adorações.

Além de desvendar o sentido simbólico contido no termo “medicina alternativa”, suas

influências teóricas, seu sentido epistemológico, seus objetivos e estratégias, o trabalho teria

algumas singularidades na trajetória individual assumida por membros da comunidade.

QUEIROZ (2000) definiu em sua pesquisa “medicina alternativa” como uma proposta

terapêutica que foge da racionalidade do modelo médico dominante, que adota uma postura

holística e naturalística diante da saúde e da doença. Um aspecto teórico fundamental que

unifica essas várias medicinas e práticas é a idéia vitalista de que a energia organiza a

matéria (e as estruturas orgânicas) e não vice-versa. A ênfase no doente, e não na doença,

e a crença de que esta provém, principalmente, de um desequilíbrio interno, ao invés de uma

invasão por um agente patogênico externo, são outros pontos comuns.

Para desenvolver todo este trabalho propõe-se uma metodologia baseada na

entrevista etnográfica e a categorização das falas dos informantes-chave, o que veremos a

seguir no percurso metodológico.

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CAPÍTULO 4: PERCURSO METODOLÓGICO

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4.1 Abordagem e tipo de estudo

Para o desenvolvimento desse estudo optamos pela abordagem qualitativa de cunho

antropológico por esta permitir trabalhar as relações conceituais de crenças, tradições e

valores associados às ações das pessoas que compõem a comunidade Jenipapo-kanindé,

suas percepções e as interpretações de realidades, principalmente as relacionadas com a

saúde.

UCHOA e VIDAL (1994), justificam a metodologia qualitativa para investigações

antropológicas referindo-se ao fato de que noções aparentemente simples de saúde e

doença, são mostras de fenômenos complexos que comungam fatores biológicos,

sociológicos, econômicos, ambientais e culturais. Particularmente, em comunidades

indígenas observa-se suas tradições e costumes, bem como o regime de exclusão e

afastamento social ao qual diversas comunidades estão submetidas. HELMAN (1994)

corrobora esse conceito quando cita que a antropologia médica é ramo da antropologia

social que se ocupa dos fenômenos biológicos, especialmente sobre a questão saúde e

doença.

O tipo de estudo por nós proposto foi etnográfico por entendermos ser esse que

melhor corresponde ao nosso propósito de investigar a cultura do povo Jenipapo-kanindé.

GEERTZ (1989) faz referência à etnografia como instrumento da antropologia capaz

de estabelecer as amplas relações conceituais dos informantes da pesquisa com suas

ações, mesmo que empíricas. Essas ações e suas experiências são apresentadas de forma

simbólica que representam significados diversos.

Concordamos com PAIM & ALMEIDA FILHO (1998) quando salientam que a

abordagem etnográfica é capaz de demonstrar o conhecimento enriquecedor de um grupo.

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"A importante contribuição das abordagens etnográficas contemporâneas

da prática científica, especialmente no contexto da chamada " virada

hermenêutica ", indica que os âmbitos da prática humana não se

configuram a partir de uma estrutura racional e de base normativa ou

prescritiva, nem pela vertente da doutrina, com o estabelecimento de

objetivos hetero-regulados, nem pelo viés epistemológico formal.". (PAIM

& ALMEIDA FILHO, 1998)

4.2 Métodos, técnicas e instrumentos de coleta e organização de dados

Métodos são valores mensuráveis e necessários à efetividade, eficiência e eficácia

da pesquisa científica. A esse respeito, TONES (1998) ressalta que para atuar

preventivamente em uma pesquisa diversos métodos são aplicados, o que se denomina de

pluralismo metodológico. O pluralismo metodológico tem aplicação em pesquisa etnográfica

por permitir o cruzamento de informações que vão desde a política, passando pela economia

e antropologia, podendo reorientar a construção de um modelo que não só explique a forma

de organização de determinada população ou comunidade, como também identifique

necessidades que essa manifeste em termos sociais e econômicos ou formas de

opressão/dominação a que é submetida, podendo redundar em medida de intervenções

mais eficazes.

GADOTTI (1998) afirma que uma das muitas lições de Paulo FREIRE é a

continuidade e o compromisso com a luta dos oprimidos, os excluídos. Cita ainda que a

desigualdade não é natural, portanto o legado de FREIRE é para que tenhamos um mundo

menos feio, de amor , esperança e justiça. FREIRE ensinou que a justiça por ser o maior

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bem dos homens desde que se exerça sua liberdade, liberdade de suas expressões e

emoções.

Nesse estudo, tivemos a preocupação inicial de realizar observação dos

comportamentos das pessoas que compõem a comunidade, um período de aclimatação

dentro da comunidade para visualizar os principais questionamentos e preocupações do

grupo. Essa observação iniciou a partir de nosso contato com a comunidade que aconteceu

através de uma visita com representantes da pastoral que nos conduziram a aldeia, e teve

caráter construtivo na elaboração das perguntas a se fazer nas entrevistas, adquirir a

confiança dos comunitários e para poder apresentar a proposta do estudo, bem como seus

objetivos estabelecidos dentro da realidade local. Para isso foi necessário realizar algumas

reuniões com líderes da comunidade, e após esclarecimentos e discussões realizamos

reuniões com vários membros da aldeia. O acesso às informações advindas dos índios

vinculou o entendimento de sua linguagem e das dificuldades vivenciadas. Daí, conhecendo

a forma de convívio da tribo, buscou-se elaborar um perfil de atuação que se baseou em

visitas periódicas, com espaço médio de quinze a vinte dias de uma visita para outra. A

forma aconteceu dessa maneira devido a não interferência na rotina das pessoas da

comunidade.

Seguindo-se a fase de observação, deu-se prosseguimento a coleta de dados com a

aplicação de questionário que visava elaboração das fichas de cadastro e de levantamento

da situação de moradia e saneamento (VER MODELO EM ANEXO nº 5 e 6,

respectivamente). Essas duas fichas são modelos originalmente concebidos pelo Núcleo de

Atenção Médica e Integrada da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), utilizadas para

estudos junto a uma comunidade pobre da Cidade de Fortaleza. Para utilização dessas

fichas nesse estudo, procedeu-se com algumas alterações no formato original das fichas, de

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maneira a adequá-las às peculiaridades da comunidade indígena e propósitos de

investigação.

A aplicação do questionário às pessoas da comunidade não obedeceu a um critério

rígido de escolha, sendo aleatório, apenas caracterizando as pessoas que estavam na

residência no momento da visita.

Os dados originados da aplicação dos questionários são apresentados a seguir como

parte integrante da caracterização do grupo investigado, suas condições de higiene e

saneamento básico, através de tabelas e quadros, e em ANEXO na forma de seus gráficos

correspondentes.

Alem da observação e aplicação de questionário, realizou-se entrevistas semi-

estruturadas (VER ROTEIRO ANEXO nº 4), em que se abordava o sentido de ser índio, seu

modo de vida e hábitos, as práticas usadas de cura, as concepções de vida e morte, o uso

de plantas medicinais, o que é saúde e que é doença na concepção de cada aldeão

entrevistado. Responderam ainda a relação posse da terra e saúde, posse da terra e

doença, bem como qual a participação individual de cada um no processo de demarcação

das terras. Ao conceber a relação posse da terra, saúde e identidade surgiram outros

questionamentos.

As entrevistas foram gravadas “in loco”, foram registrados em fita K-7. Após as

gravações as entrevistas foram ouvidas e transcritas para Microsoft® WinWord 7.0, e

arquivada. Depois as entrevistas foram decodificadas da linguagem popular e codificadas

para um a leitura etnográfica, usando o software Ethnographic 5.0., para posterior análise

dos dados.

57

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A análise dos dados foi organizada em categorias e subcategorias, sendo estas

analíticas e empíricas, como mostra o quadro abaixo:

Categoria Subcategoria Tipo

1.1. O índio verdadeiro idealizado pela sociedade

Analítica

1.2. Os Cabeludos da Lagoa Encantada

Analítica

1.3. “Esse Povo” não índio Empírica 1.4 . O índio “inventado” Empírica

1. Identidades do índio contestadas

1.5. O índio orgulhoso de ser Analítica XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXXX

2.1. A terra com “Mãe”: a cosmologia Indígena

Empírica

2.2. Posse da terra: fundamental para uma vida sustentável e saudável

Empírica

2.3. Disputa pela terra e as doenças Empírica

2. A” Mãe Terra” em disputa

2.4. Desencantamento: os espíritos protetores estão fugindo

Empírica

XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX XXXXXXX 3.1. A Etnomedicina valorizada como aliada na luta para sobreviver

Empírica

3.2. A mistura “medonha” de etnomedicina e biomedicina

Analítica

3.3. A dominação da biomedicina Analítica

3. Etnomedicina em extinção

3.4.Etnomedicina esquecida: Deslegitimização e desvalorização dos segredos indígenas de curar

Empírica

4.3 Cenário da pesquisa

O cenário maior da pesquisa foi a Aldeia Jenipapo-Kanindé que está situada no

município de Aquiraz, Ceará, próximo a praia do Iguape e a 50Km de Fortaleza. Como

pontos de referência se tem a Lagoa Encantada e o Morro do Urubu.

É necessário que se diga que é assim mesmo que se escreve Jenipapo-Kanindé, a

tribo pode ter se originado de duas tribos conhecidas separadamente. A escrita indígena não

segue plenamente os padrões da língua portuguesa. Inclusive, vale salientar, esse povo

58

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indígena não guarda a herança de qualquer língua indígena falada pelos seus

antepassados, cabendo um estudo de profundidade para avaliar essa herança perdida.

A confluência dos estudos realizados e relatados por JOSÉ CORDEIRO e SILVYA

PORTOALEGRE da Universidade Federal do Ceará, resultou em estabelecer, como afirma

BEZERRA (1999)5, em uma denominação etnômica como referência para sua identidade

cultural. Jenipapo-Kanindé afirmou CORDEIRO (1989), e Paiakú, explicitou PORTOALEGRE

(1994). Muito embora por ocasião de sua identificação para registro na FUNAI os índios se

autodenominavam, em parte, os Cabeludos da Encantada. Para BEZERRA (1999) a

denominação Jenipapo-Kanindé pode ser definida como simbólica e ideológica.

Após anos de preconceito contra os dois nomes pelos quais os índios eram

conhecidos : “ Os cabeludos da Lagoa Encantada” e os Paiakús, aliás este último o nome

provavelmente mais original para a tribo descendentes dos Payaíus, os moradores próximos

da Lagoa Encantada em Aquiraz receberam a nova denominação Jenipapo-Kanindé.

Na primeira visita a tribo, deparamos com belezas naturais e um povo simples. Ao

ver o morro sagrado tem-se a vontade de logo explorá-lo. Querer ver o que tem lá em cima é

um desejo natural, até iniciar a subida. A cada passo acima, ver-se o quanto bela é a

paisagem. Do topo ver-se o mar de um lado, todo o sertão e as serras ao longe do outro

lado, até onde a nossa vista alcança. Também há no cume do morro um local sagrado,

designado para os festejos e rituais indígenas. o Toré, por exemplo, é dançado lá. E

imediatamente abaixo da vista, bem próxima, está a aldeia. Ao seu lado repousa a lagoa. É

possível vê-la até onde faz uma curva e se esconde por trás da mata. A Lagoa Encantada,

5 ROGILANE BEZERRA escreveu dissertação de mestrado em sociologia com o objetivo de reconhecer e identificar culturalmente os paiacús, denominados Jenipapo Kanindé

59

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que também dá nome à tribo, é o espaço sagrado onde se depositam suas estórias, lendas e

mitos. O ambiente ecológico formado por ela e a mata circundante são centrais na

cosmologia e unidade grupal.

Mas toda essa beleza está ameaçada, pode ser perdida, pois, do alto do morro,

avista-se a fábrica de uma agro-industrial bem ao longe, a oeste. E, entre o morro e a praia,

uma área de dunas e matas onde se deseja construir um conglomerado de chalés e hotéis,

porém sem saber se os índios que reivindicam a área permitem.

Este “pequeno” povo de grandeza em sua herança, por suas tradições e

conhecimentos, diz que vai lutar e que já resiste a bastante tempo, para ser mais preciso,

desde a época das sangrentas batalhas com os colonizadores. Daí é possível ver a luta dos

índios contra a injustiça e as desigualdades. Percebe-se então o potencial desse povo que

tenta alcançar melhores dias, subir na vida, como subir no morro sagrado, com coragem,

garra e perseverança.

4.4 Descrevendo os participantes e sua realidade sócio-contextual

A comunidade Jenipapo-Kanindé é composta de 56 famílias, sendo 218 habitantes

segundo dados da FUNAI- Núcleo de Apoio Local.

Toda a comunidade foi envolvida no estudo, no período de Janeiro a Agosto de 2002,

após vários meses de visitas e acomodação e adaptação com os aldeões. Porém apenas

50% das famílias foram ouvidas, respondendo às entrevistas e ao questionário, ou seja, das

cinqüenta e seis famílias (56), vinte e oito (28) residências foram visitadas, sendo os

familiares ouvidos, principalmente os chefes das famílias.

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Os respondentes dos questionários se dividiram em dezessete (17) do gênero

feminino, equivalente a sessenta virgula sete por cento (60,7%), e onze (11) do gênero

masculino, equivalente a trinta e nove virgula três (39,3%).

Tabela 1. Distribuição do número e percentual de respondentes à pesquisa etnográfica por gênero dos índios da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

gênero N % Feminino 17 60,71 Masculino 11 39,29 Total 28 100

No referente à renda familiar, 50% dos entrevistados responderam ter renda entre um

e dois (01-02) salários mínimos; 25% têm renda de até um (01) Salário Mínimo; 14,28%

citaram ter renda superior a dois (02) Salários Mínimos e 10,72% não informaram a renda.

Ver Tabela 2.

Tabela 2. Distribuição do número de famílias por Renda Familiar dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

VALOR DA RENDA Número de famílias (n)

Percentual das famílias (%)

Menos de 1 Salário 07 25,00 1 a 2 Salários 14 50,00 Mais de 2 salários mínimos 04 14,28 Não informado 03 10,72 Total 28 100

A maioria das mulheres se caracterizou como sendo do lar (39,29%) do ponto de

vista da ocupação, e a maioria dos homens como agricultores (21,43%). Outras ocupações

de homens e mulheres referidas foram: artesãos, aposentados, professor, comerciante,

costureira e caseiro, representando 17,85% dos entrevistados. Tabela 3.

61

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Tabela 3. Distribuição do número e percentual de respondentes à pesquisa etnográfica por Ocupação dos índios da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002.

Ocupação N % Agricultor/pescador 06 21,43Artesão 02 7,14Dona de casa/doméstica 11 39,29Aposentado 04 14,28Outros 05 17,85Total 28 99,99

Uma grata surpresa demonstrada no estudo deu conta de que 57,1% são

alfabetizados, incluídas algumas pessoas idosas, contra 42,9% de não alfabetizados, como

mostra o Quadro 1 abaixo. A surpresa vem de encontro à crença de que muitos dos aldeões

não têm estudo o que compromete as ações praticadas em saúde, principalmente sobre

hábitos e manejos com medicamentos, por exemplo.

Quadro 1. Distribuição por gênero e nível de alfabetização dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002.

Sim n=16 Não n= 12

Masc Fem Masc Fem

6 10 5 7

Com relação à faixa etária dos respondentes do questionário não se observou

preponderância de uma faixa sobre outra, porém se levarmos em conta a faixa de 22 a 50

anos, temos 16 questionários, o equivalente a 57,1% do total, destacados no Quadro 2.

Outro aspecto interessante é o número de pessoas acima de 61 anos respondendo aos

questionários e entrevistas, cerca de 21,4%.

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Quadro 2. Distribuição da Faixa Etária e Gênero dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002.

Faixa etária N % Masc Fem 16-21 04 14,28 - 4 22-30 04 14,28 1 3 31-40 06 21,43 3 3 41-50 06 21,43 3 3 51-60 02 7,14 - 2 > 61 06 21,43 4 2 Total 28 99,99 11 17

Sobre as condições de moradia foram registrados vinte e quatro (24) questionários

viáveis. Destes, com relação ao tipo de construção, apresentam: 08 (33,3%) casas de tijolo

e alvenaria e 16 (66,6%) de barro e taipa, apresentados na Tabela 4. Cerca de 70,8%

dessas residências têm energia elétrica.

Tabela 4. Demonstrativo do número e percentual de residências, por tipo de construção, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

Material da edificação das residências

N %

Tijolo 08 33,3 Taipa 16 66,6 Madeira - - Total 24 99,99

O trato com rejeitos domésticos, por não apresentar coleta sistemática do lixo, é feito

da seguinte forma: queimado em 58,3% das residências; enterrado em 79,1% e exposto a

céu aberto em 45,8%. A Tabela 5 mostra esse achado. Esses números são excedentes a

100% devido a vários comunitários realizarem mais de um procedimento com o lixo.

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Tabela 5. Demonstrativo do número e percentual de residências, e o destino do lixo, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:2002.

Destino do lixo n % Queimado 14 58,3 Céu aberto 11 45,8 Enterrado 19 79,1

O número de entrevistados que responderam sobre o destino das fezes foi de 18

pessoas. A fossa asséptica é o destino final para 83,3% das residências dos que

responderam essa questão. Há ainda 13,3% das residências dos visitados, que deixam esse

material a céu aberto. Ver a Tabela 6.

Tabela 6. Demonstrativo do número e percentual de residências e o destino de fezes e urina, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

Destino de fezes n % Fossa asséptica 15 83,3 Fossa negra 01 5,5 Céu aberto 02 11,1 Total 18 99,9

O poço artesiano é a maior fonte de água para as residências dos Jenipapo-Kanindé,

constituindo-se em 70,8% das moradias. Tabela 7. Porém uma grande preocupação se

forma quando 16,6% das moradias utilizam água de riacho ou da lagoa para consumo

caseiro.

Tabela 7. Distribuição do número e percentual de residências, e suas fontes de água, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

Fonte de Água n % Rede geral 03 12,5 Poço 17 70,8 Riacho / Lagoa 04 16,6 Total 24 99,99

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A Tabela 8 mostra como as famílias tratam a água consumida diariamente . 16,6%

tratam a água com a fervura, não sendo correspondente aos mesmos que colhem essa água

no riacho ou na lagoa. 37,5% utilizam água filtrada; 33,3% fazem a cloração da água para

consumo, e outros 16,6% não tratam a água para consumo.

Tabela 8. Distribuição do número e percentual de residências, e as formas de tratamento de água das residências, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002. Tratamento de

água Filtrada Fervida Clorada Sem Tratamento Total

N 09 04 08 03 24 % 37,5 16,6 33,3 12,5 99,9

4.5 Aspectos éticos da pesquisa

A ética da pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil é regulamentada pelo

CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE , através da RESOLUÇÃO Nº 196 DE 10 DE

OUTUBRO DE 1996 que, dentre os seus pressupostos, destaca vários aspectos os quais

que consideramos a seguir:

A Resolução fundamenta-se nos principais documentos internacionais que

emanaram declarações e diretrizes sobre pesquisas que envolvem seres humanos, dentre

os quais estão : o Código de Nuremberg (1947), a Declaração dos Direitos do Homem

(1948), a Declaração de Helsinque (1964 e suas versões posteriores de 1975, 1983 e 1989),

as Propostas de Diretrizes Éticas Internacionais para Pesquisas Biomédicas Envolvendo

Seres Humanos (CIOMS/OMS 1982 e 1993) e as Diretrizes Internacionais para Revisão

Ética de Estudos Epidemiológicos (CIOMS, 1991). Cumpre as disposições da Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata: Lei Orgânica

da Saúde 8.080, de 19/09/90 (dispõe sobre as condições de atenção à saúde, a organização

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e o funcionamento dos serviços correspondentes), Lei 8.142, de 28/12/90 (participação da

comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde).

A Resolução incorpora, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, os quatro

referenciais básicos da bioética: autonomia, não maleficência, eqüidade e justiça, levando-se

em conta também a vulnerabilidade a que todos os indivíduos voluntários de pesquisas

estão expostos. Esses pressupostos éticos visam assegurar os direitos e deveres que dizem

respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado.

Nesse sentido o que temos a relatar pode ser bastante aprofundado em virtude dos

conceitos e símbolos clarearem determinados aspectos sobre a vida dessas pessoas, porém

não são suficientes para entendermos suas atitudes em seu dia-a-dia.

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CAPÍTULO 5: RESULTADOS E DISCUSSÕES

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As ameaças que rodeiam os Jenipapo-Kanindé são muitas. Amedrontam e mudam

as suas maneiras de se identificar, de viver e curar, entre outras coisas. De fato as

mudanças expostas pela invasão da vida moderna nas terras indígenas são refletidas em

toda sua maneira de ser, penetra em sua essência e em seu sentido de viver.

Nos discursos e falas dos aldeões que entrevistamos foram destacados três grandes

aspectos da vida cotidiana dos índios Jenipapo-Kanindé que são ameaçados, conflitantes,

indefinidos e contestados no mundo de hoje: a sua própria identidade cultural como índio, a

posse da terra e sua relação com ela, e sua etnomedicina e maneiras tradicionais de curar.

Esses aspectos geraram em nosso estudo as categorias que iremos desvelar: 1.

Identidades do índio contestadas; 2. A mãe terra em disputa; e 3. Etnomedicina em

extinção. Vamos agora aprofundar cada assunto, ouvindo a voz, as preocupações, as

injustiças sofridas pelos membros da tribo que, cada vez mais, enfraquecem sua união e

força para se defender contra as ameaças e assegurar uma melhor qualidade de vida.

5.1 - Identidades do índio contestadas

O referencial do que é ser índio para o Jenipapo-Kanindé é confuso, ambíguo e vive

em constante fluxo. Não há uma imagem em que todos os membros da tribo se espelhem,

se orgulhem e se identifiquem. São múltiplas as identidades, são conflitantes e contestadas

por alguns segmentos da sociedade e, pior, entre os próprios membros da tribo, como

declara o índio em sua citação: “Negócio de índio é muito misturado” (Raimundo. 60a .

Aposentado e sem instrução escolar).

Em suas falas nas entrelinhas, identificamos nada menos que cinco “índios”, ou seja,

cinco identidades culturais distintas e conflitantes, que em momentos diferentes e para

membros diferentes, proclamam ser Jenipapo-Kanindé. Estas falas foram divididas em

subcategorias, são elas: 1. O “índio verdadeiro” idealizado pela sociedade, uma

identidade estereotipada do homem indígena selvagem amazônico; 2. Os Cabeludos da

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Lagoa Encantada, uma identidade de “um povo” ou um “bando de gente” que tem um modo

de viver herdado dos seus ancestrais, em volta da lagoa a “casa”, ou melhor, “o castelo” de

espíritos encantados e os encantamentos; 3. “Esse povo” não índio, uma identidade

“genérica” e indefinida que nega totalmente seus traços indígenas culturais e seu partence a

tribo Jenipapo Kanindé, pois para a sociedade “não são índios”; 4. O “índio inventado”,

pois essa identidade (até o nome oficial Jenipapo-Kanindé) surgiu, ou melhor, foi “inventado”

pela necessidade legal no processo de reconhecimento e demarcação das terras indígenas

ocupadas; 5. O índio orgulhoso de ser, uma última identidade assumida por poucos,

embora sendo os membros mais politizados e engajados na luta pela sua identidade e

demarcação das terras indígenas. É um forte referencial, o orgulho de seu passado e

determinação de conquistar, finalmente, os seus direitos como cidadãos.

A seguir aprofundamos as discussões de cada uma dessas identidades culturais

buscando desvelar como foram construídas e, depois, contestadas pela sociedade e os

próprios membros da tribo Jenipapo-Kanindé. Vale ressaltar que a existência desses “índios”

Jenipapo-Kanindé, e talvez outros não identificados por nós, resultam numa confusão sobre

“quem é índio mesmo?”, enfraquecendo a união desse povo, e tornando-o cada vez mais

vulnerável à extinção cultural, ou seja, um etnocídio.

5.1.1 - O índio verdadeiro idealizado pela sociedade.

Uma das identidades do índio é desvelada nas entrevistas, demonstrando o "índio

verdadeiro", ou seja, aquela visão estereotipada de índio selvagem idealizada pela

sociedade de índios que vivem nus, na floresta amazônica, que vivem exclusivamente da

caça e da pesca, como no caso das tribos isoladas e ainda sem contato com o branco.

Apesar de distorcida para a realidade local é presente para alguns índios Jenipapo-Kanindé,

que inclusive retratam como um conceito próprio entre o índio manso e o índio brabo. Este

último como sendo aquele que anda nu e vive lá pelo estado do Amazonas, dentro das

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matas, de raízes inquebráveis. Considerado o índio verdadeiro, o bravo é encarnado em

várias falas, as quais destacamos algumas. A razão dos preconceitos e estereótipos tem

origem no interior da própria comunidade, e tem repercussão em toda sociedade, sobretudo

entre aqueles que contestam sua identidade.

Nas seguintes cinco falas de membros da tribo, podemos constatar a sua dúvida de

ser realmente índio "verdadeiro", vez que não preencham os requisitos dessa imagem

idealizada, por exemplo, de ter vindo , ou de origem, de uma região de índios selvagens, ter

vida selvagem; de “andar nu e comer cru”; adquirir o alimento apenas pescando e caçando

com flecha e só viver de plantas e raízes.

Eu nunca saí daqui pra ir pra nenhum canto, só pra Itapebussu e lá eu

conheci o que era índia. Essa foi pegada na Amazônia, pegada dentro de

cachorro. Essa aldeia tem uma no Iguape, a véia do Itapebussu, veio da

Amazônia e era pegada dentro de cachorro.

É braba, índio brabo. Os índio daqui não são brabo, são manso. Tem uma

aldeia aqui que é imitando a índio mesmo. (Joaquim. 59a , cinco filhos.

Agricultor e sem instrução escolar )

O pessoal veio dizer que nós não somo índio verdadeiro, porque diz que

índio verdadeiro vevi (vive) na Amazônia, não sei onde, mas deixe que esses

índios nunca andaram aqui, é uns índios brabo, aqui tudo é manso mas

tudo é índio. Diz que índio verdadeiro anda nu e come cru, mas lá é

diferente daqui. (José: 61a , quatro filhos . Agricultor e sem instrução

escolar)

... ser índia é andar nua, tem muitos cantos por aí que índio anda nu.

(Francisca. 35a , dois filhos. Dona de casa e sem instrução escolar)

Acho que é diferente de nós, é caçar, pescar, é fazer as invenções dos índio,

as flecha, as tarrafa, uns samburá, colher de pau, aí pronto. Os índios

vivem assim, pegando caça pra comer... (Maria das Dores. 65a , quatro

filhos. Dona de casa e sem instrução escolar)

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O índio pra mim é aquele que vevi (vive) da caça, da planta, da raiz. Pra

mim o índio vevi assim. Aqui não tem nada disso. (Pedro. 34a , não índio e

casado com índia, um filho.Comerciante e alfabetizado)

5.1. 2. Os Cabeludos da Lagoa Encantada

Uma segunda identidade do índio, que é um referencial forte e mais palpável, sendo

seu próprio antepassado, é a autodenominação de “os Cabeludos da Lagoa Encantada”,

pois retrata “um povo” ou “um bando de gente” com cabelos pretos, longos e soltos que vive

no meio das dunas de areia, na beira da tal lagoa, “a Lagoa Encantada”. A lagoa que,

segundo as lendas, embaixo d´água, no fundo, tem um reino encantado habitado por

espíritos “encantados “ e uma corte de reis, rainha, príncipes e princesas, como a “mãe

D´água”. Deixando as lendas de lado por enquanto, “os Cabeludos da Encantada” são

referidos também por outros de fora do grupo, porém num sentido pejorativo, sem fantasias,

princesas ou encantamentos. São atualmente referidos como “os caboclos da praia”.

Os Jenipapo Kanindé têm um costume de se chamar “os povos indígenas” ou,

simplesmente, “os povos”, o que representa fazer parte de uma grande nação indígena no

país.

A referência de sua origem encontra também , em alguns membros , a resistência de

ter a origem dentro da comunidade. E como conseqüência dessa historicidade retratada, os

índios identificam o modo de vida de seus ancestrais, que era distinta e muito antiga, pois

antes da Guerra do Paraguai e da seca de 1888 já existiam. Não eram chamados de índios

mas sim reconhecidos como gente diferente que vinha das “bandas do Rio Choró” e

conhecidos como “os povos”. Reconhecidos por herdar a maneira de viver dos pais e avós, e

mais antigos os tataravôs, por nascer e se criar perto da Lagoa Encantada, por morar em

casa de palha. Reconhecidos por sua tradição de fazer esteira de palha, pescar de landuá e

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samburá, caçar “solto”, sem agredir a natureza e que tinham tradições, como dançar o Toré,

numa referencia por vezes dita a preservação das lendas, do passado e do ambiente em

que vivem.

As famílias que moravam aqui que eram “os Cabeludos da Lagoa

Encantada” e hoje em dia são os caboclos da praia. Tanto que nós não era

esse povo que dizia “somo índio”. A gente dizia “somo povos”. Era esse

povo que vivia aqui há tantos séculos. Na guerra do Paraguai já existia esse

povo. Na seca dos três anos já existia esse povo. Em 1888 já existia esse

povo, quer dizer era povo . (Cacique, 57 anos.)

Eu morava em Fortaleza e tinha o cabelo muito grande em baixo da bunda

e a minha patroa me chamava eu de índia... (Maria José. 38a. Oito filhos e

filha de índios)

A família do meu avô e da minha vó não eram índio não. Eles era das

bandas do Chiró.... Com o tempo, vira e mexe, descobriram que isso aqui

era uma aldeia de índio. (Joaquim. 59a , cinco filhos. Agricultor e sem

instrução escolar)

Essa história da gente dizer somo índio e se orgulha de ser índio já vem de

nossos antepassados, não é de agora. Porque a FUNAI veio aqui e

delimitou essa área de chão que nós vamos dizer que somo índio? Não. Há

muito tempo que temo esse hábito de se reconhecer como povo diferente,

tanto que antes não era nem tido como índio, era conhecido como “os

povos”.( Cacique, 57 anos.)

Quando eu me entendi de gente eu ouvi meu avô dizer que nós somo esse

povo e por esse povo nós vamo morrer, já vem dos tempo velho, dos bisavô,

tataravô, já vem dos tronco velho pra passar pros outro. (João. 37a , seis

filhos. Pescador e alfabetizado. Filho e neto de índios)

Sou índia porque eu morei em casa de palha, eu sou daqui. Não fui criada

em outro canto.... os sapinhos subiam pelas paredes com as boquinhas

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aberta, a cobra vinha e comia os sapinho. Hoje em dia eu moro nessa casa

de alvenaria, ela não é boa não, mas eu morei em casa de taipa que as

paredes eram assim, cortava a madeira e atravessava de um lado pro outro.

Toda vida eu morei em casa de palha, é como eu digo eu sou índia. Eu sou

índia, nascida e criada por aqui mesmo. (Fátima. 47a , dezesseis filhos.

Dona de casa e sem instrução escolar)

Eles não sabem o quanto o índio tem valor, enquanto o índio pode ter a

cultura formal dele, de ser índio, todos seus costume, todos seus hábitos,

mas ele também, nessa vida que nós vive hoje em dia, tendo contato com a

sociedade nós não podemos viver só no passado, tem que também procurar

viver no modelo que a gente vévi, por isso que tem uns que acham difícil

esse lado, depois de viver em família querer ser índio como nós somos.

(Cacique, 57anos, filha e neta de índios. Considera-se “índia pura”)

No trabalho ando pra cima e pra baixo, dando ração pra animal,

apanhando murici, pra lanchar, caju, pescaria de landuá. Landuá é um

negócio redondo assim pra pegar peixe. Pego aqui na lagoa na maré, na

lagoa do encantado.( Raimundo. 60a. Aposentado e sem instrução escolar )

Aquela terra deve ser preservada, pra gente ver crescer, o mato crescer, o

pau crescer, a caça solta. A gente tem vontade que cresça essas coisas

todas. A gente faz parte de tudo isso. (João. 37a, seis filhos. Pescador e

alfabetizado )

Meus pais e meu avô era um pessoal que gostava muito de ter a tradição

deles, na cultura. Dentro da cultura eles fazem outro tipo de trabalho que

era uma tradição pra eles, que era fazer esteira, pescar e caçar, mas um

tipo de caça que não ia agravar em nada. (Cacique, 57 anos.)

Ser índio é conservar sua cultura, pegar peixe com samburá... Conservar

sua cultura do índio. (Joana . 34a, cinco filhos. Artesã e alfabetizada)

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Dança era com eles mesmo, com os familiares deles. Em cima de tudo isso

tinham aquela tradição que traduzia o modo deles viverem. Trabalhar entre

o riacho e o encantado, o modo de dividir entre a arte e o trabalho.

(Cacique, 57 anos.)

Podemos observar que para os Jenipapo Kanindé ser índio é definido como nascer,

crescer, viver e morrer no mesmo local, isso porque esses indígenas eram os donos da

terra. É possível que um número considerável de pessoas dentro da comunidade se ressinta

da história por não conhecer realmente a genealogia de seus antepassados, isto já afirmado

por antropólogos (PORTOALEGRE, 1994 e BEZERRA,1999) e historiadores (CORDEIRO,

1989) que fazem referências aos Paiacus, povo massacrado pelos portugueses em

sangrenta batalha, aos Jenipapo e aos Kanindé, todos de etnias distintas.

5.1.3. “Esse povo” não índio

Uma terceira identidade desvelada nas entrevistas foi a de não ser índio, o não índio.

Ironicamente é uma identidade “genérica”, que simplesmente chama “esse povo”, com

desprezo e distanciamento das suas raízes indígenas. É uma identidade que encobre

completamente “Os Cabeludos da Lagoa Encantada”, e toda sua história e tradições. É uma

identidade da negação, construída para esconder o medo e a vergonha de ser reconhecido

como índio, como selvagem e como cabeludo. Preferem assumir uma identidade de caboclo

ou “Caboclos da Praia”, pois é menos pejorativo e perigoso ser chamado assim, do que “sair

criticado” , discriminado e até agredido pelos brancos.

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Esse medo é real desde que, recentemente, em abril de 1997, o índio pataxó Galdino6

foi assassinado em Brasília por rapazes de classes média e alta, filhos de políticos e

magistrados.

Não sei dizer porque eu não entendo o que é ser índio. (Francisca. 35a ,

dois filhos. Sem instrução escolar e filha de índios)

... tem muitos que ainda tem vergonha. (Fátima. 47a , dezesseis filhos. Dona

de casa e sem instrução escolar. Filha de índio, e casada com não índio)

Eu acho que tem gente que tem é vergonha de dizer que é índio. Aí eu não

sei, porque eu mesmo não tenho vergonha de dizer que sou índio não.

(Rosa. 42a , dois filhos. Dona de casa a alfabetizada)

A gente sai criticada... Vem aquelas pessoas e vê a gente trabalhando e diz:

“Ah, eu pensei de encontrar uns índio nu....”, mais é como a gente fala pra

eles, os índios são assim igualmente aos outros, porque muitas vezes

quando a gente sai eles gritam, dá vaia, tem muita gente com preconceito,

tanto do lado da gente como do lado deles, existe mesmo. (Fátima. 47a ,

dezesseis filhos. Dona de casa e sem instrução escolar. Filha de índio, e

casada com não índio)

Essa resistência de assumir uma identidade de indígena não é à toa, pois tem fortes

razões históricas e atuais. “Esse povo” tem referências históricas como o sangrento

massacre em 1713, pelas tropas paulistas invasoras de suas terras, que é descrito como

um etnocídio por CORDEIRO (1989), deixando poucos sobreviventes, dos quais “esse povo”

provavelmente é descendente.

6 Crime contra Índio Pataxó comove o país Dois dias depois de receber de braços abertos a marcha pacífica e heróica dos Sem Terra, a Capital do País está chocada com o ato monstruoso de cinco jovens de classe média alta contra um indígena indefeso, poucas horas após o "Dia do Índio". Galdino Jesus dos Santos, 44, Pataxo Hã-Hã-Hãe da área indígena Caramuru / Paraguassu, sul da Bahia, chegou a Brasília, DF, na manhã do dia 18 último. Brasília-DF, 21 de abril de 1997. Conselho Indigenista Missionário - Cimi

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A memória do brutal assassinato de seus antepassados pelo “homem branco” e as

lágrimas de desespero7 dos poucos que escaparam amedrontam os Jenipapo-Kanindé até

hoje. Como podemos constatar na fala da Cacique da tribo:

Eu não sei porque eles têm medo de dizer que é índio, e sabendo foi de tanto

massacre, o massacre foi muito forte nessa região, dessas bandas pra cá,

então nem todo mundo mesmo sabendo que são índios não querem ser

reconhecidos como índios, querem ser reconhecidos como outro, e não

mostrar que são esse povo. Próximo aqui no Aquiraz tem um pessoal que é

índio mas quando eles sentem que são índios acho que sentem uma

vergonha... não querem dizer que são esse povo, é diferente de nós aqui que

nascendo e se criamos aqui, sem ter outra novidade, sem ter outra coisa.

Nunca vamo dizer que vamo deixar de ser índio e esses outros povos que

não querem ser índio, não querem se assumir, com certeza foi por causa do

grande massacre que houve na vida deles . (Cacique, 57 anos)

Um tempo atrás mesmo sabendo que era esse povo tinha vergonha de se

identificar como índio porque nosso antepassados pra trás se fosse dizer

que era índio podia muito bem ter um massacre, uma reação, ser

discriminado, mandar matar, isso aquilo outro.( Maria das Graças. 35a ,

seis filhos.Artesã e alfabetizada. Casada com índio)

Enfim, para alguns, é melhor “calar” e negar sua verdadeira identidade de que ser

massacrado, de que sofrer um grande genocídio, de ser extinto. Também é fruto dos dias

atuais o preconceito e a discriminação étnica que “esse povo” (prenunciado com desprezo)

sofre dos vizinhos, do homem branco, da sociedade com quem são obrigados a interagir

diariamente.

7 Lendas locais dizem que o Rio Choró ganhou esse nome porque foi formado das lágrimas dos poucos sobreviventes do massacre em São João do Jaguaribe e Aracati (CE), esta então a capital do Estado na época e alvo de ataques.

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A caracterização de preconceitos atinge diretamente na auto-estima do Jenipapo-

Kanindé, transportando para ele o mito do não índio. Esses fatos, o massacre e o

preconceito fizeram calar várias tribos por muitos anos e até mesmo esconder suas origens,

de tal forma que a repercussão nos dias atuais é: a identidade contestada ou confusa.

Questionados principalmente pelo preconceito imposto pela sociedade que os cerca, os

Jenipapo-Kanindé ainda conseguem transpor essa barreira que repercute enormemente

dentro da comunidade. Isso está retratado nas falas seguintes:

Às vezes quando a gente sai pra um lugar perto que tem aqui, não sei se

você já ouviu falar, a gente passa o pessoal “Olha, um bocado de índio...”,

sempre diz essas coisa com a gente, tem muita gente que não gosta. (Fátima.

47a , dezesseis filhos. Dona de casa e sem instrução escolar )

O pessoal diz assim “a gente somo índio, a gente vévi (vive) feliz”, mas tem

muito canto que a gente não é bem recebido. Essa menina foi desmaiada

pra Fortaleza. Ela desmaiada, as meninas pedindo socorro, uma pessoa

desmaiada fica todo mundo aflito, a amiga dela foi com ela e quando

chegou lá não apoiaram. A doutora não atendeu porque a FUNAI não tava

lá. A doutora disse na cara dela “porque ela é índia”. Foi um tipo de

preconceito. (Maria das Graças. 35a , seis filhos. Artesã e alfabetizada)

A Cacique , digna representante dos índios Jenipapo-Kanindé, faz uma referência às

lutas travadas no passado pelos índios, inclusive de sua etnia, os Jenipapo e os Paiakú,

como uma forma de justificar a identidade contestada pelos próprios índios Jenipapo-

Kanindé. O medo e a insegurança vividos fazem parte do cenário a que cotidianamente esse

grupo está submetido, daí tantas provações tornam-se obstáculos para o caminho de sua

identidade. Um outro aspecto está na visibilidade do outro, ou seja, do homem branco, de

sua cultura que tende a ser desvalorizada e em alguns casos, o índio que constitui família

com o branco passa a perder seus valores, segundo raciocina a líder da tribo, e arremata

com assertiva de que não conhecemos os valores indígenas:

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Eu vejo muito negativo do povo que casar branco com índio, porque já fica

uma família partida, um índio casar com o branco, viver com o branco, fica

uma coisa que as famílias deles não querem assumir a responsabilidade de

ser índio, vai querer assumir a responsabilidade de ser branco....

Eles têm muita vaidade... eles não sabem o quanto o índio tem valor.

(Cacique, 57 anos)

5.1.4. O índio “inventado”

Ainda outra identidade dos índios Jenipapo Kanindé desvelada nas entrevistas é o

índio “inventado”, um índio que jamais existiu, que é pura ficção, o produto de imaginações

férteis e interesses egoístas. Devido ao processo legal para o “reconhecimento” da

existência desse povo indígena, um requisito para a demarcação de suas terras, é preciso

comprovar legalmente que são, de fato, índios. Essa comprovação de sua autenticidade, ou

seja, seu selo de qualidade de ser 100% índio para as grandes autoridades da lei dos

brancos. É obrigado resgatar sua identidade de “índio de verdade” , ainda que esses traços

culturais tenham sido ao longo do tempo apagados, esquecidos e desvalorizados com a

invasão do homem branco e a aculturação do mundo moderno.

A necessidade jurídica de denominar “esse povo”, de se tornar índio diante da lei da

nação brasileira, gerou mais uma identidade como as falas seguintes revelam:

Com o tempo, vira e mexe, descobriram que isso aqui era uma aldeia de

índio, aí veio muito cara por aqui e eu não sou índio, tem muita gente que

veio pra cá que é mais índio do que eu. Acredita? Tem um bocado de gente

nesse meio do mundo que é índio, e quando chega “mas você não parece

índio não, né?”, “rapaz eu digo que sou índio porque eu vivo dentro da

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aldeia e tenho que cumprir as ordens que tem”. Eu agora sou índio mesmo.(

Joaquim. 59a , cinco filhos. Agricultor e sem instrução escolar )

Antigamente quando eu me entendi de gente a gente não ouvia falar desses

negócio da pessoa ser índio, mas com o passar do tempo disseram (FUNAI)

que todo mundo aqui era índio e muita gente aqui aceita sem intriga, mas

muita gente não aceita. ( Rosa. 42a , dois filhos. Dona de casa e

alfabetizada)

O nome Jenipapo Kanindé é, realmente, uma “invenção” de um historiador.

“Esse povo” , sendo os mesmos “Cabeludos da Lagoa Encantada”, foi batizado no início da

década de 80, dado por José Cordeiro, com o nome Jenipapo-Kanindé. Constam nos

processos legais, mas poucos índios sabem o que significam os nomes Jenipapo e

Kanindé, que são referências a duas tribos distintas e que lutaram contra a invasão de suas

terras, que foram aldeados às margens do Rio Choró , nas quais também os Paiakú eram

aldeados, que foram transferidos para Limoeiro e depois migraram para a Serra de Baturité,

em terras de hoje Ceará.

A prova de averiguação que realmente todo “esse negócio” de ser índio não passa de

uma grande enganação, é comprovada quando membros da tribo e outros comparam o índio

atual com aquele “verdadeiro” índio idealizado, e ver as diferenças apesar de ainda ter

cabelos longos. Ser “os Cabeludos” que não vivem e não trabalham mais na Lagoa

Encantada, e sim nos apartamentos na capital Fortaleza, como empregadas domésticas.

Não sabem mais o modo índio de viver, e não andam com “o rabo de fora”, como alguns

membros explicam :

Tem muita gente que chateia por dizer que não somos índios, isso aí eu já

passei, os próprios índios diz que não é índio, que isso foi uma coisa

inventada pela minha mãe, só que não é, é a raiz dela e eu acho que a

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pessoa tem que lutar até o resto da vida. (Joana . 34a, filha de índio e cinco

filhos. Artesã e alfabetizada)

Às vezes a gente diz que é índio, só que a gente não é índio verdadeiro que

todo mundo sabe, só da descendência, mas só a gente tendo essa origem.

Dos meus avô, bisavô, eu já sou mãe de oito filho, agora que eu vim saber

que era índio. (Maria José. 38a . Sem instrução escolar e filha de índio)

Os próprios índios diz que não são índios, que isso foi uma coisa inventada

pela cacique. (Maria das Graças. 35a . Alfabetizada e filha de índio)

Não sei nem explicar... Pra mim ser índio é uma coisa... Eu não fui criado

sendo índio e não sei bem o que é ser índio... Não sei não... Eu não sei

responder...(Francisco. 29a , três filhos. Agricultor e alfabetizado)

Aqui não pode caçar pra viver... Que apoio é esse que tem o índio? ... A

realidade hoje o índio não é mais aquele índio do passado. O índio hoje em

dia tem muita diferença, modificou. (Pedro. 34a, não índio e casado com

índia )

Pra mim é igualmente os outros, porque onde há índio provado tem um

modo de viver, só que aqui... somo tudo índio só que já tamo (estamos)

muito longe e não sabe como é o modo do índio viver. (Rosa. 42a , dois

filhos. Alfabetizada )

Eu morava em Fortaleza e tinha o cabelo muito grande embaixo da bunda e

a minha patroa me chamava eu de índia, só que às vezes a gente... (Maria

José. 38a. Oito filhos e filha de índios)

Ser índia é andar nua. Tem muitos cantos por aí que o índio anda nu. Os

meus meninos dizem “mamãe aqui não tem índio não...” porque aqui

ninguém anda de rabo de fora... (Francisca. 35a , dois filhos. Sem instrução

escolar e filha de índio)

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5.1.5. O índio orgulhoso de ser E, finalmente, há a identidade do índio orgulhoso de ser indígena, assumindo

plenamente suas origens étnicas. São poucos os Jenipapo-Kanindé, infelizmente, que

internalizam essa identidade, cerca de 12% dos entrevistados, sendo aqueles mais

politizados e engajados nas lutas políticas da tribo. A necessidade de se identificar como

índio é o principal aspecto a considerar no processo de reconhecimento da identidade. O

índio Jenipapo-Kanindé trava uma luta nesse sentido dentro da própria comunidade, daí ser

importante ressaltar as falas que demonstram que muitos desses índios também sentem

orgulho de sua etnia e o faz mantendo referências passadas e presentes, sobretudo de suas

tradições.

Ser índio significa estar ambientado e relacionado com os costumes, valores e

tradições do grupo, a organização cotidiana, a sociabilidade, a afetividade, a sensualidade, a

subjetividade, a cultura, o lazer e o meio ambiente. Exercer as mesmas atividades e ter o

olhar para a questão ecológica, para a questão da cidadania étnica, pois esses pontos

sugerem a manutenção de uma cultura secular. Sugere também que o índio é um tipo étnico

de luta, pois a terra é seu espaço e deve ser preservada, e não se deixar conquistar.

Ser índio, no atual estágio, significa buscar reconhecimento dentro e fora da

comunidade dos seus próprios direitos, porém isso só é possível quando o mesmo

autodefinir-se como tal e se autoidentificar como cidadão, como nativo, índio de origem e

que habita a terra há algum tempo. Todas as citações a seguir têm uma menção a esses

pontos destacados :

Eu dizer que tenho orgulho de ser índia porque foi herança dos meus pais é

porque a única coisa que os pais deixaram pra nós foi essa história da

gente ser um povo. Um povo que viera a tantos anos conduziu todos esses

hábitos que nunca se perdeu, por mais anos que passou, a gente nunca

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esqueceu. Isso é uma grande herança pra nós, ter nossos atos, nossos

costumes, nossa cultura, isso é a grande herança pra nós. E a terra que é

nossa que Deus fez e deixou pra todo mundo sem ter partia, ser ter nada de

divisão.( Cacique, 57anos) .

Eu acho que ser índio é não ter vergonha de ser o que a pessoa é. Só.

( Ana: 29a , três filhos e alfabetizada)

Somo índio e se orgulha de ser índio já vem de nossos antepassados, não é

de agora. (Cacique , 57anos) .

Pra mim eu acho muito legal ser índio, eu gosto de passar e dizer “ó, uma

índia”, eu gosto, eu não acho nada não. (Maria: 18a , solteira sem filhos e

alfabetizada )

A gente mora aqui, é uma área indígena, ninguém pode vender nada. A

gente é índia e vê os dois lados. O índio é bem visto, ele tem valor, eu acho

bom ser índia. Ter a minha casa aqui, o pessoal perguntou se eu era índia,

eu disse que era. (Rosa. 42a , dois filhos. Dona de casa e alfabetizada)

Eu vou ali no rio e pego uma sarassa, mando fazer um beiju”. Um filho meu

não querer comer. Isso daí é uma coisa que eu não nego. Eu já escapei com

maxixe na água e sal, eu escapei com pirão de beiju, a minha mãe secava a

massa e fazia farinha da massa no tacho mesmo. Hoje eu não vou me

orgulhar e dizer “eu não sou índio”? Não .

Dentro de mim eu devo me orgulhar, porque nos tempo pra traz eu sei o

que eu passei.(Maria das Graças. 35a , seis filhos.Artesã e alfabetizada)

A líder da comunidade elabora um retrato buscando em seus antepassados a natureza

de ser índio e projeta em seu ciclo de liderança e família , tentando sensibilizar um

contingente humano maior na luta de sua identidade contestada interna e externamente. “É

preciso união de todos” , diz a cacique, para que o movimento seja vitorioso.

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Esse movimento que não é só pela posse da terra, mas sobretudo para dizer que os

verdadeiros cidadãos brasileiros são os índios. Um ideal que deve ser reconhecido pelas

entidades, governos, justiça e todos que fazem parte desse país. A cacique invoca todos a

se engajar numa luta árdua que tem “cachorro grande” brigando e tentando impedir que o

grupo étnico se estabeleça e passe a ter direitos. Nesse sentido faz-se necessário o

estabelecimento de metas e ordenamento de um processo a tratar, levando em

consideração todas as decisões discutidas dentro da comunidade.

As pessoas que têm vontade e capacidade de lutar, porque é uma coisa que

não faz medo... esse povo tinha vergonha de se identificar como índio

porque nossos antepassados pra traz se fosse dizer que era índio podia

muito bem ter um massacre, uma reação e ser discriminado. (João. 37a ,

seis filhos. Pescador e alfabetizado)

Hoje nós temo que apóia nós, temo nos direito, nós não temo que negar. A

proposta é se identificar e se orgulhar. O que vale de nós hoje é se

identificar e não ter vergonha. Quem fumo (fomos) e quem somo, não temo

que falar só o que somo hoje. Temo que falar no que passou pra trás

também.(Maria das Graças. 35a , seis filhos. Artesã e alfabetizada)

Pra mim é muito importante, porque você tem seus direitos. Depois que a

cacique começou essa luta a gente tem direito a muitas coisas que antes não

tinha. Tem muita gente que se recusa, mas eu estou vendo que o índio tem

mais valor do que algumas pessoas brancas. Não é debochando do branco,

mas você é mais valorizado do que outras pessoas. (Joana . 34a, cinco

filhos. Artesã e alfabetizada)

É ter meus direitos, saber valorizar a minha terra que eu tenho, e saber

valorizar a família que tenho, todos índio da aldeia. (Paula. 24a , um filho.

Dona de casa e alfabetizada)

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As palavras da Cacique reforçam a necessidade de discutir mais o assunto dentro da

própria comunidade pois há uma resistência pela identificação indígena que ainda é

misteriosa sobre os aspectos que pesquisamos, ou seja, não compreendemos o porquê de

não se dizer índio e ter seus atributos e tradições reconhecidos. A Cacique também deixa

claras suas virtudes e sua disposição para estabelecer, de fato e de direito, que a etnia

Jenipapo Kanindé irá lutar e se estabelecer um povo indígena, “seja de onde tenha vindo”.

5.2. A Mãe Terra em disputa

A segunda categoria por nós descrita reforça a preocupação com a posse da terra e

a relação dos Jenipapo-Kanindé com a mesma. Uma grande ameaça ao modo de viver índio

dos Jenipapo-Kanindé é a invasão, a expropriação e a poluição de suas terras pelos projetos

de desenvolvimento do turismo, da cidade que cresce na sua direção e das fábricas que

jogam seus dejetos poluentes na Lagoa Encantada.

O impacto dessas ameaças vem modificando o modo e a cosmologia dos índios, que

tradicionalmente percebiam a terra como algo muito sagrado, a sua mãe e fonte da vida para

uma visão cada dia mais de conflitos, brigas judiciais e uma fonte de estresse, desarmonia e

desequilíbrio que geram doenças. Isso caracterizou a formação da segunda categoria que foi

subdividida em: 1. A terra com “Mãe”: a cosmologia Indígena; 2.Posse da terra: fundamental

para uma vida sustentável e saudável; 3. Disputa pela terra as doenças; 4.

Desencantamento: os espíritos protetores estão fugindo. Entraremos na questão da terra

avaliando as falas dos aldeões sobre esta questão.

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5.2.1 A terra como mãe: a cosmologia indígena

Desde “os velhos tempos” a terra era vista como algo sagrado e encantado, pois é

personificada como uma mãe, um ser vivo que deu luz ao homem feito de barro, e o

mudasse com a energia terrestre que flui de seus seios. Sendo tão querida, protetora e

cuidadosa, não é nenhuma surpresa que o índio, seu filho, mantenha uma relação de maior

intimidade e de muitos anos. A Mãe Terra é tudo que há de mais sagrado no mundo.

Como retrata a Cacique, líder espiritual do grupo, a terra é fonte de energia e de

sabedoria, de onde ela e alguns índios buscam inspiração e força para caminhar e se

defender dos animais, dos males físicos e espirituais que a afligem e que afetam a todos do

grupo, como mostra a fala que se segue:

Essa energia a gente tem da natureza, e são dois controles: energia que

vem dos alto, e energia que vem da natureza, da terra. E esse pensamento

positivo são dois controles que a gente recebe.

Essa energia positiva é a própria natureza, eu não sei se todos têm. Eu

tenho isso comigo, não sei se todos os índios aqui da encantada têm. Não

sei se os do Jenipapo-Kanindé têm esse pensamento positivo como sempre

eu tenho. Isso não é de agora, há muito tempo que eu tenho esse

pensamento comigo. Esse pensamento eu conduzo comigo muito antes de eu

ser cacique, que de a gente conduzir a natureza, os alto. Esses dois se

encontram dentro da gente e é uma energia que a gente sente que tem força.

Que tem um elo dentro da gente, que dá energia pra caminhar, pra se

defender de animal. Isso aí há muitos anos eu conduzo comigo, eu não sei

se faz parte dos meus dias que eu conduzo, ou se faz parte do próprio Pai

Tupã, não sei se os outros têm. (Cacique, 57 anos.)

Devido à importância da tradição oral entre os índios Jenipapo-Kanindé, são nas

lendas e mitos que sua relação intrínseca com a terra, a mãe de todos, é descrita, guardada

e repassada de geração a geração. Vale a pena ver de perto as lendas e músicas sobre dois

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lugares na face da terra de extrema importância na vida dos Jenipapo-Kanindé: A Lagoa

Encantada e o Morro do Urubu. Nesses dois lugares sagrados da tribo, estão enraizadas sua

identidade, modo de viver, história e espiritualidade. Neles se encontra a essência da vida

indígena. Isso, com certeza, é a razão que, durante nossa primeira visita a tribo, nos levam

primeiro a esses dois lugares: rodear e passear pela lagoa e subir até o cume do Morro do

Urubu para ver as terras indígenas do sertão até o mar.

As lendas e mitos são os pontos de fixação do índio com a terra e vice-versa, que são

repassados dos antigos para os mais novos, desfrutam de imenso saber e simbolismo e, ao

mesmo tempo, reforçam sua identidade cultural de índio, pois é ele que vive uma relação

intensa com a natureza.

Como podemos ver nas falas que se seguem, a Lagoa Encantada guarda tesouros,

guarda os encantados, que são os protetores da tribo, são os reis e rainhas, a princesa, a

Mãe D´água, que sobe às margens para salvar seu pai, que foi traído ou agredido pelo

homem que ameaçou toda a existência do reino e suas belezas, descritas nas palavras de

um ancião ancestral Jenipapo-Kanindé. E toda e qualquer agressão à esse espaço

cosmológico reflete a reação dos aldeões, como a poluição na Lagoa e a tentativa de

desencantá-la, espelhada numa metáfora como continuação da lenda. Um simbolismo que

dá a conotação de invasão do seu espaço e de destruição de sua fonte de vida e riqueza.

Porém os contadores das estórias se ressentem de os mais jovens não darem importância

para a necessidade de preservar essa cultura e as tradições a que essas lendas estão

vinculadas. A seguir as falas contando as lendas da Mãe D´água e do Morro do Urubu:

Disseram aí que é encantado porque a Lagoa é Encantada.

Disse que tem a Mãe D’água aí, já viram ela. (Raimundo. 60a . Aposentado

e sem instrução escolar)

Eu não conheço não mas meu avô contava muita estória dessa lagoa, o avô

dele contava. Ele morava com o pai pra lá da associação, quando foi um

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certo dia perto daquele pé de pau, existia jacaré nessa lagoa. Não é do meu

tempo mas do tempo do meu pai. A gente tinha um pé de cajueiro e, fazia

uma foice, carregava bem debaixo do braço. O bicho agarrava... porém

acabaram esses jacarés. Quando foi um certo dia, o bisavô dele, perto da

lagoa, meio-dia, pensava que era um peixão... Ele disse “eu vou pastorar

aquele peixe”, e foi meio-dia porque o peixe só passeava ao meio-dia, veio

vindo, veio vindo... Eles ficaram comendo peixe quase uma semana, daqui e

dacolá aparece aquela sombra debaixo d’água.(João. 37a , seis filhos.

Pescador)

A lenda da lagoa que é muito bonita. Muitos dos mais velho não conta

porque os mais novo de hoje, se a gente for contar uma história da lagoa e

do nosso morro os mais novo diz “ah, isso é história dos antepassado”.

Meu pai cansou de contar, nossos avô, cansaram de contar história do

nosso morro, da nossa lagoa. (João. 37a , seis filhos. Pescador)

Já ouvi a história, dizem que foi aí perto do morro, cabelo grande, ela

pegou uma criatura inocente, mas não fez nada com ele não, só se ele fosse

lá na morada dela, aí pegou ele botou nas costas e sumiu, dizem que

naquela lagoa tem outra cidade em baixo, ninguém sabe, depois ele voltou

já mais velho. (José: 61a , quatro filhos. Agricultor )

Meu bisavô foi buscar um pote de água na beirada do riacho, no pé do

morro e aí apareceu um camorim (camorupim) muito grande. Aí ele voltou

em casa, deixou o pote e voltou, quando chegou lá o camorim tava no

mesmo canto e o meu bisavô arpoou o camorim. O camorim tomou o ferrão

do braço dele e foi simbora, ele foi buscar outro pote em casa e quando deu

fé a mãe d’água veio buscar ele pra tirar o ferrão do corpo dele porque não

era um camorim.

Era um cristão, a mãe d’água levou ele e disse que quando ele chegasse lá

ele não tocasse em fruta nenhuma, que lá ia ter caju, ia ter todo tipo de

fruta mas que ele não tocasse em nada. Porque senão ele ia ficar dentro do

reinado, porque se ele tocasse ele não voltava mais pra cá, ficava lá com

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ele. Ele não tocou em nada, quando terminou o pessoal deu graças a Deus a

ele e deixou ele no mesmo canto da beirada d’água. Mandou fechar os olho,

destampar, e veio deixar no mesmo canto de novo, só isso que eu me

lembro.

Ele desceu debaixo d’água pra tirar o ferrão do Rei.

Era o pai da mãe d’água, porque ela chegou e perguntou o que é que ele

tava olhando.

- “Eu tô aqui espiando porque eu vi um peixe bem grande que eu fui em

casa peguei um arpão e arpoei ele. Ele deu um supapo e arrancou o arpão

da minha mão e desapareceu. Eu tô caçando pra ver pra onde ele foi.

- Ela disse: “Pois você arpoou não foi um peixe não, foi o meu pai. Eu

vim lhe buscar pra mode você tirar o arpão do lombo dele”.

- Ele disse: “ah, eu não posso ir, eu vou morrer afogado”.

- “Não, você não morre, eu vim lhe pegar pra você ir”.

- ”Não, eu tenho que ir em casa avisar a minha família”.

- “Não, você vai é agora, eu vou lhe levar e vou vir lhe deixar”.

- “ih comé que eu vou?”.

- “Não se incomode, se amonte aqui no meu cangote e feche os olhos”.

Feche os olhos e só abra quando eu mandar abrir”.

Ele se amontou no cangote dela, assim ele fez. Quando abriu os olho tava

num reinado muito grande e bonito, todo arrudiado de fruteira, de tudo. Aí

ela disse:

- “Agora vamo lá pra dentro”. Quando ele foi pro quarto, ela disse: “tá

aqui, esse aqui é um peixe?”.

- Ele disse: “Não, é um cristão”.

- “Mas você aferrou um peixe?”.

- “Aferroei”.

- “Pois você não aferroou um peixe não, foi um cristão. Um rei, ta aqui

ele. Eu fui lhe pegar pra você tirar o arpão”.

- Ele disse: “E agora como é que eu vou fazer?”. Aí ele foi pelejou,

pelejou e tirou, quando ele terminou, ela perguntou:

- “Você quer ficar aqui mais nós?”.

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- “Não vou ficar não”. Aí vira e mexe e “home fique aqui, aqui é

bonito”.

- “Não eu não posso ficar por causa da minha família”.

- Ela disse: “Pois então vamo dar uma volta”. “Você não vai ficar mais

nós não?”.

- “Não”.

- “Pois então vamo”. Aí mandou ele se montar no cangote dela, fechar

os olhos e só abrir quando ela mandasse. Quando ele abriu os olhos ele

estava na beira do riacho de novo e ele só sabe que...

- Ela disse: “Tá satisfeito com o que fez?”.

- Ele disse:“To. Só num tô mais satisfeito porque pensava que tinha

arpoado um peixe”.

- Aí ela disse: “Pois é. Por você ter pensado que era um peixe, eu não

tinha como tirar o arpão do espinhaço dele e eu vim lhe buscar”.

A lenda da princesa da lagoa que chama de Mãe D’água é essa daí. (João.

37a , seis filhos. Pescador)

A lenda do Morro do Urubu assemelha-se em sua alusão à proteção dos moradores do

local, pois é nele que residem os espíritos dos antepassados, dos ancestrais e dos mais

velhos. Segundo os Jenipapo-Kanindé há também uma cidade embaixo do morro com um

templo sagrado enorme em ouro. O Morro tem uma fonte de água perene, fazendo com que

entre o morro e a lagoa haja uma inter-relação.

Aparece lá em cima do morro um caixão e diz que tem uma igreja em cima

do morro. O pai sempre conta essas história da lagoa, diz que aparece um

poste na lagoa e some. Eu não sei... (Joaquim. 59a , cinco filhos. Agricultor

e sem instrução escolar)

Em época de festa de final de ano, descia do pé do morro uma parede de

ouro e parava no pé da lagoa. Meu pai conta que debaixo desse morro

existe uma lagoa. O pessoal chama de morro da encantada porque debaixo

dele tem uma lagoa e hoje nós temo a confiança que debaixo desse morro

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tem uma igreja, que é verdade as coisa dos mais velho. Que é uma coisa

que a gente não tinha em nosso pensamento, hoje quando a gente tem um

introzamento com as história dos mais velho. Hoje tem um olho d’água no

pé desse morro que é de inverno a verão.Se a lagoa baixar, ele não baixa,

pode baixar o tanto que baixar, pode subir o tanto que subir, ele está lá

debaixo dela. Correndo por debaixo dela, daquele nível ele não sai. É uma

história que a gente conhece desse Morro, dessa Lagoa. (João. 37a , seis

filhos. Pescador e alfabetizado)

No Morro do Urubu são realizados os rituais da tribo como, a dança do Toré, entre

outros. Há ainda a canção que é uma alusão ao morro e aos antepassados da tribo, que

também é cantada e dançada nos festejos e no Toré.

No Morro do Urubu tem samba e maracá

O açude é bonito, tem cheiro de maresia

Calidarrá... calidarrá...

Lá naquele morro, lá no alto vejo o mar

Lá naquele morro, lá no alto vejo o mar

O Morro do Urubu é a beleza do lugar.

O Morro do Urubu é a beleza do lugar.

Tem Jenipapo, que veio fazer aqui

Tem Jenipapo, que veio fazer aqui

Vim subir o morro, foi lá que eu nasci

Vim subir o morro, foi lá que eu nasci

Lá naquele morro, lá no alto vejo o mar

O Morro do Urubu é a beleza do lugar.

(Jenipapo Kanindé)

Apesar da centralização da lenda da Lagoa Encantada e do Morro do Urubu na

cosmologia dos índios Jenipapo Kanindé, revelando a sua profunda intimidade com a terra

como algo vivo, miraculosa e encantada, os índios mais jovens, influenciados pela

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modernidade, mostram-se desinteressados em ouvir essas estórias de “trancoso”, dos

antepassados como reclamam seus pais:

A lenda da lagoa que é muito bonita, muitos mais velho não conta porque

os mais novo de hoje, se a gente for contar uma história da lagoa e do

nosso morro os mais novo diz “ah, isso é história dos antepassado”. (João.

37a, seis filhos. Pescador e alfabetizado)

É uma lenda muito bonita, o meu pai contou muito isso, o finado meu avô,

contava muito essa história. É uma coisa que hoje em dia a gente fica até

meio triste porque quando vai contar essas histórias pros mais novo eles diz

“isso é história de trancoso”. Uma coisa é a gente ficar triste dos nosso

parente que diz que é estudioso abre a boca e fala uma coisa dessa, que é

história de trancoso, isso aquilo outro. (João. 37a , seis filhos. Pescador e

alfabetizado)

5.2.2. Posse da terra : fundamental para uma vida sustentável e saudável A questão da terra é um dos temas mais abordados pelos membros da tribo Jenipapo

Kanindé. A questão assume proporções bastante significativas, visto que em todas as áreas

pretendidas pela ocupação tradicional dos índios são questionadas por grupos empresariais,

conturbando assim o já moroso tempo para o processo de demarcação e registro das terras.

O índio Jenipapo Kanindé apresenta uma relação com a natureza bastante íntima e

sinestésica, pois na sua visão são “filhos” da Mãe Terra, feitos da mesma essência , o barro.

Tentaremos estabelecer a correlação da questão da terra e sua influência, como ambiente

saudável e favorável à questão da saúde. Desvelaremos como os índios lidam com o

conflito gerado em torno da briga legal pela posse da terra, e toda a repercussão que isso

possa ter na saúde da coletividade indígena Jenipapo-Kanindé.

O sentimento, até mesmo a paixão, do Jenipapo-Kanindé pela terra é evidente em

suas falas. São depoimentos emocionantes e sinceros. Também a forte ligação entre terra e

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a saúde é revelada, pois na sua ótica, “a saúde vem de baixo para cima e não de cima para

baixo”. Da terra vem o alimento que nutre o corpo e as plantas medicinais que curam

doenças. Até a formação de médicos e outros profissionais de saúde “brancos” depende dos

remédios das plantas que, naturalmente, são cultivadas na terra. Devido a sua preciosa

função na vida, é obrigatório a todos respeitar e preservar a natureza, pois sem a terra, “nós

não somos ninguém”, cai na mão do atravessador para comprar comida, perde a identidade,

perde a saúde, e pior, perde a vida encantada.

Se nós não tiver a terra pra nós viver, nós não têm saúde, porque na

terra se tem tudo, remédio, alimentação, água e vida, se nós não

tiver isso, se os índios do Ceará e do mundo inteiro não tiver essa

herança de herdar a sua terra livre pra ele viver, andar, trabalhar,

preservar a natureza e tudo o que existe na terra ele não tem

saúde, porque a saúde vem de baixo pra cima e não de cima pra

baixo, a terra é uma coisa que constrói tudo isso, pra pessoa viver, é

da própria natureza que sai os remédio pro próprio pessoal branco

se formar pra ser médico, enfermeiro, farmacêutico, se aquela terra

for destruída como é que pode ter saúde? (Cacique 57anos)

Só pode ter saúde se a gente souber preservar e respeitar a terra, e se não

tiver respeito pela terra não podemos ter saúde e nada nessa vida. (João.

37a, seis filhos. Pescador e alfabetizado)

A terra dá... A gente estando com saúde, é bom porque pode trabalhar.

(Joaquim. 59a, cinco filhos. Agricultor e sem instrução escolar)

Se nós não tiver a terra pra plantar, nós não somo ninguém. Da terra a

gente planta a batata, o feijão, o mio e o jerimum e as verduras. Sem o

verde nós não somo nada, do mesmo jeito eu sei que uma pessoa tira um

peixe de dentro d’água, o peixe morre. Do mesmo jeito é o cristão em cima

da terra. A gente tem que lutar pela terra, o nosso objetivo é lutar pela

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terra, da terra é que sai o alimento pra poder se manter.(João. 37a, seis

filhos. Pescador e alfabetizado)

É importante pra pessoa trabalhar aquela terra, plantar, sem fazer mais.

Fazer de um modo pra ter saída pra frente, plantar feijão, batateira, roça.

Nela plantando, ela dá e tira... (Ana: 29a, três filhos.Dona de casa e

alfabetizada)

Da terra nós tiramos o alimento, plantamos, da terra tira os alimentos pra

nossa saúde. (Maria: 18a, solteira sem filhos. Alfabetizada)

Do pensamento de que a terra propõe sua identidade, o grupo busca o resgate dessa

identidade e, ao mesmo tempo, a sua conservação. Terra é igual a energia. Terra é a mãe, é

a força que os une e que determina sua própria existência. A questão da terra reacende o

espírito guerreiro, o de lutar pelos seus direitos como legítimos ocupantes desde que vieram

os colonizadores. Reafirma a definição de ser alguém, que tem algo a oferecer e construir.

Nesse sentido toda a luta dos Jenipapo-Kanindé não se resume somente a terra como

propriedade, ou pior, um pedaço de chão para desmatar, para lotear, chamar turista ou

vender como mercadoria qualquer, como é encarada pelo homem branco. A terra é sua vida,

sua história, sua vida ameaçada, sua saúde que precisa ser “conduzida” e preservada. Daí

se vê em várias citações o espírito guerreiro e defensor da natureza o qual destacamos nas

três falas a seguir:

Quando ele ( o homem branco) pega um pedaço de terra ele não vai querer

conduzir aquela terra, sem não ser cortada, o trabalho dele é destruir

aquela terra, cortar, lotear, fazer o que dá na cabeça dele, vender, é

diferente de nós índio, nós queremos terra pra trabalhar, pra ter o pão de

cada dia pra nossa família e aquela terra ser preservada, pra gente ver

crescer, o mato crescer, o pau crescer, a caça solta, a gente tem vontade

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que cresça essas coisas todas, a gente faz parte de tudo isso, e o branco é

diferente, os brancos quer um pedaço de chão pra fazer um territorial

ecológico, mas pra quê? Pra boniteza, pra chamar turista, pra conhecer,

pra eles fazer uma divisa deles, é diferente de nós, nós queremos preservar

a natureza, o índio não quer destruir a terra, o índio não quer destruir a

natureza. (Cacique, 57 anos)

...A nossa defesa em cima da terra é ter a terra pra cultivar. Ter uma planta

nativa pro nosso sustento financeiro lá de fora, sem passar pra mão do

atravessador. Se nós tá comendo uma batata ali nós ta comendo uma coisa

sadia, nós não ta plantando hoje pra comer amanhã, depois de outro dia, no

outro mês. Porque uma planta a gente cultiva é uma coisa sadia. (João.

37a, seis filhos. Pescador e alfabetizado)

A gente tem que lutar e proteger a terra. Se nós não proteger a terra,

principalmente, nós, povo indígena, não tamo protegendo a saúde.

Porque qual é a proteção que nós temo? (João. 37a, seis filhos. Pescador

e alfabetizado)

5.2.3. Disputa pela terra e as doenças Saúde é vista pelos Jenipapo Kanindé como resultante de fatores subjetivos que

incidem sobre as mentes dos índios. A tribo reconhece a terra como um componente

essencial à vida e à sua sobrevivência, incidindo diretamente sobre a saúde.

A noção de terra para os aldeões está diretamente relacionada com seu estilo de vida

e sua própria identidade, considerando suas raízes, pois para a cultura indígena, a terra é “a

única herança” é Mãe e é fonte de saúde. Quando se menciona um descaso ou agressão

com a terra, a desarmonia e o desequilíbrio aparecem e daí surgem as doenças. Ainda há a

noção ao contrário e simplista, introduzida pelo sistema biomédico, de que terra adoece o

índio porque é fonte de germes e parasitas, é a visão higienista, e atinge principalmente as

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crianças que andam descalças pela comunidade, como podemos observar nas falas

seguintes:

A terra é a única herança deixada pra nós. (Cacique , 57 anos)

É da terra que a gente come e vevi (vive), Você planta e colhe. Sem a terra

você não tem nada disso pra sobreviver. (Joana . 34a, cinco filhos. Artesã e

alfabetizada)

A terra dá e tira, a terra tem os micróbio... (Joaquim. 59a, cinco filhos.

Agricultor e sem instrução escolar)

Se for criado com os pés no chão, que as unha fica suja, não dá saúde não.

Dá doença a terra.( Rosa. 42a, dois filhos. Dona de casa e alfabetizada)

Porque se a pessoa andar muito na terra, não souber se cuidar se calçar, eu

acho eu pega doença da terra sim. Eu acho que é o vapor da terra. A pessoa

que anda muito no sol quente, o vapor sobe, aí eu acho que não é muito

bom pra saúde da gente. (Maria das Dores. 65a, quatro filhos. Dona de

casa e alfabetizada)

5.2.4. Desencantamento: os espíritos protetores estão fugindo

Como definiu a Cacique, a busca de energia e pureza está na natureza, na divindade

de Tupã, em que os Jenipapo-Kanindé acreditam, e em todo o ecossistema que os cercam.

A naturalidade do povo retrata inclusive a forma de como levavam a vida: viver debaixo de

uma árvore, tomar banho na lagoa. Isso traz tranqüilidade e felicidade na ótica do Jenipapo-

Kanindé, desapercebida em outros momentos. Porém quando esse ecossistema é invadido

ou ameaçado os índios demonstram sua referência aos mitos e adoração a natureza.

O fato de realizar um estudo nas águas da Lagoa Encantada foi motivo para mais um

episódio da história dos Jenipapo-Kanindé.

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Dos mitos e lendas citados pelos membros da tribo Jenipapo Kanindé aquele que mais

demonstra preocupação com o espaço e a natureza está relatado em “Mãe D´água”. O

protesto contra a poluição das águas é “registrado” para todos ouvirem dentro do mito,

dentro da lenda. Como cita SCOTT(1985) 8 e SCOTT(1990) 9 o folclore se torna uma arma

dos enfraquecidos (Weapons of the weak) pois esconde a crítica das autoridades e

poderosos, para que não possam ser identificados e punidos pessoal e fisicamente os

autores, ou seja, encondem-se atrás dos mitos e lendas de forma impessoal. Os índios

criticam a invasão de suas terras e a poluição da Lagoa Encantada por indústrias do homem

branco, atrás de dois mitos, usando metáforas: Dizem que a Lagoa está ficando

“desencantada”, que os “encantamentos” estão fugindo, pois a vida no “Reino” debaixo das

águas encantadas fica insuportável com a poluição causada pelos resíduos da cana-de-

açúcar jogados na Lagoa. Dizem também que os americanos “vêm para tirar as riquezas da

Lagoa e desencantar a Lagoa”, mas não tiveram sucesso. Dizem que até os peixes estão

ficando cada vez menor com todo esse “desencantamento”. Na verdade, sem os castelos,

sem o Rei, sem a Mãe D´água, esse mundo vivo debaixo da água poluída da Lagoa, a

existência dos Jenipapo-Kanindé se torna uma VIDA DESENCANTADA, “um mundo

perdido”.

O encantamento da lagoa, onde se apresenta a proteção das águas e correntes que

são fontes de vida, energia e alimento para a comunidade a Mãe D´água representa a

origem da tribo, assim como o Morro do Urubu guarda os espíritos dos seus antepassados.

Ambos formam a corrente de proteção da tribo contra todos os males que podem afetá-los.

8SCOTT, James C. Weapons of the weak: Everyday forms of peasant resistance. New Haven. Yale University Press, 1990. 8 SCOTT, James C. Domination and the arts of resistance:Hidden transcripts. New Haven. Yale University Press, 1990.

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Isto significa que qualquer agressão a este microcosmo pode resultar em enfraquecimento

do grupo e mesmo na saúde de todos.

Preocupados com a situação de agressão ao que compõe esse microcosmo, que

tem gerado vários transtornos e discussões, assim como doenças advindas do uso da

água poluída, como doenças diarréicas, inclusive cólera.

O desencantamento da Lagoa Encantada, ou melhor, as tentativas de desencantá-la, é um

tópico muito comentado nas entrevistas São estórias diferentes, mas com a mesma

mensagem ou advertência: alguém de fora, seja um americano ou dois rapazes, chegam

admirando a Lagoa por sua riqueza e tenta tirar os encantamentos, sempre sem sucesso,

pois apesar dos “homens brancos” pelejarem e pelejarem dominar o Rei, rainha e seus

príncipes e princesa, não conseguem. Os encantados resistem à exploração e reina.

Essas estórias são, de fato, metáforas da resistência não dos espíritos encantados,

mas dos índios Jenipapo-Kanindé contra os invasores e poluidores de seu ambiente. Veja a

seguir três versões da lenda do desencantamento da Lagoa:

Foi o tempo que chegou o americano. Diziam que a gente era índio e tal

Queriam desencantar a lagoa. Aí pelejaram, pelejaram, mas não houve

meio.

P- Mas por que queriam desencantar a lagoa?

R- Eu não sei, mas não houve meio, mas se fosse desencantar essa lagoa o

mundo estava perdido... Diziam que essa lagoa nunca era pra ser

desencantada na vida. Eu sei que os americanos trabalharam muito pra

desencantar a lagoa mas não teve jeito não. (Joaquim. 59a. Agricultor e

sem instrução escolar)

Muita gente acredita que a nossa lagoa não é encantada. Meu pai diz que

meu avô morando ali, do lado daquela lagoa, um dia por volta de 5h da

tarde, ele ouviu bater palma na porta. Aí ele saiu e foi lá, chegou lá e eram

2 rapazes.

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- O que viemos fazer, aqui né lagoa encantada que chama?

- É!

- Nós viemo desencantar ela, porque ela é uma lagoa muito rica, com

um encanto muito rico e nós veio pro mode (nós viemos para que de

maneira à) desencantar ela

- “Mas desencantaram?”. Desencantamo não. ( João. 37a. Pescador e

alfabetizado)

Nós viemos com tudo certo e o rapaz que eu truge,(trouxe) pro mode... Eu ia

fazendo a minha reza, eu ia ficar fazendo pensamento e ele ia

acompanhando. Mas que ele podia ver, o que ele visse que ele não se

admirasse, que fosse do maior império do mundo. Mas quando comecei a

fazer minha penitência, que comecei a fazer meu pensamento, que ele

começou a descobrir as coisas, ele avistou uma coisa mais linda que tinha

dentro da lagoa. O homem se soltou e a água voltou pro mesmo canto.

- Por isso ninguém desencantou ela e eu acho que é difícil alguém

desencantar. Só sabe que é difícil . ( João. 37a. Pescador e alfabetizado)

5.3. Etnomedicina em extinção

As ameaças que agridem a identidade cultural dos Jenipapo-Kanindé também afetam

sua etnomedicina e sua relação mística e interna com a Mãe Terra, ou seja, a sua maneira

tradicional de cuidar e curar as doenças que enfraquecem seus corpos e espíritos.

Entendemos ainda que a etnomedicina dos Jenipapo-Kanindé não pode ser considerada

como naturalmente tradicional, em virtude das aculturações vividas durante décadas, e de

suas migrações que resultaram em uma mistura de povos, e assim não compreendendo de

fato o que é próprio e o que é aculturado. Porém há de se compreender o que os Jenipapo-

Kanindé resguardam de seus antepassados mais próximos e daquilo que tentam repassar

aos seus filhos e netos.

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A seguir aprofundamos a terceira categoria em quatro passos distintos no processo

de quase extinção da etnomedicina dos Jenipapo-Kanindé e a invasão e a dominação do

modelo biomédico na tribo, estabelecidos em subcategorias que são elas: 1. A Etnomedicina

valorizada como aliada na luta para sobreviver; 2. A mistura “medonha” de etnomedicina e

biomedicina; 3.3. A dominação da biomedicina; 4.Etnomedicina esquecida:

Deslegitimização e Desvalorização dos segredos indígenas de curar.

5.3.1. A Etnomedicina valorizada como uma “aliada” na luta para sobreviver.

Os Jenipapo-Kanindé, como todos os humanos, desenvolveram sua própria

etnomedicina para ajudar a combater as ameaças de doenças e sobreviver como um povo.

Faz parte da evolução cultural, buscar na natureza, nas pessoas e na imaginação noções

sobre saúde e doença, explicações e respostas na forma de medicina popular para garantir

sua saúde e continuidade da espécie humana e etnia em particular; Criar explicações sobre

as doenças (etnoetiológicas), especialistas para tratá-las (pajé, curadores), rituais para cura

dos enfermos (purificação, benzimento) e plantas medicinais para fazer os remédios e aliviar

os sintomas.

Esse sistema de etnomedicina é único, pois evoluiu em um contexto específico,

utilizando os materiais locais disponíveis (plantas, raízes,etc.) e criou explicações para dar

sentido às ameaças vividas pelo grupo. A etnomedicina dos Jenipapo Kanindé, seus

segredos de cura, sempre fez parte da sua existência, uma grande arma na sua

sobrevivência contra as ameaças que os atingem. Perder essa sabedoria milenar, tão

adaptada ao seu ecossistema, seria trágico e, pela lei da evolução, prejudicaria suas

chances de sobreviver como espécie. A perda da medicina popular dos Jenipapo-Kanindé,

coloca em risco a sua existência e torna mais perto e real a extinção de seu modo de viver

índio.

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Embora enfraquecida pela “invasão” da biomedicina, a medicina popular indígena

permanece importante na aldeia e ainda é uma arma importante na luta para sobreviver.

Noções indígenas de saúde, por exemplo, são muito mais amplas do que o conceito restrito

na biomedicina, da mera falta de patologia ou doença. Ser saudável para o Jenipapo-

Kanindé engloba noções fundamentais para seu bem viver e sobrevivência no mato, a vida

nômade do índio. Em suma, tudo, a alegria de viver, a disposição, o vigor e poder de se

locomover. Todos esses atributos são essenciais para ser um índio saudável, pois é preciso

alto astral e energia física para buscar seu alimento e sobrevivência “nos matos”. Quando se

tem saúde, segundo o Jenipapo-Kanindé tem-se, realmente, tudo que vale na vida. A

sensação de estar com saúde é tão comemorada que ter saúde é visto como “ter tudo de

bom”. Apesar de que essa definição pode ser muito vaga do ponto de vista científico, ela é

cheia de significados para os índios Jenipapo Kanindé, como podemos constatar nas suas

falas:

Ao que se segue a utilização da terra como meio de sobrevivência, e mesmo fator

primordial na saúde, o Jenipapo Kanindé reafirma o conceito cultural indígena quando os

meios naturais e tradicionais são fontes para a recuperação de estados de não saúde. O

itinerário terapêutico do índio Jenipapo Kanindé envolve consultas ao pajé, com rezador ou

outro curandeiro popular que cura através das rezas ou outros rituais de purificação e

utilização de plantas medicinais.

Essas referências foram destacadas por 85% dos entrevistados que mencionaram

inclusive utilizar e saber fazer as preparações caseiras. As citações que se seguem mostram

o uso de plantas medicinais e suas formas de preparação e uso, bem como o nível de

confiança que se tem nos curadores locais:

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Eu uso muito o rezador com meus meninos, quando tinha criança pequena

eu usava muito o curador, não o pajé, porque ele veio ser apresentado

recente agora, mas eu usava outras pessoas como rezador. (Joana . 34a,

cinco filhos. Artesã)

... Já procurei, um curador.

...É de fora. O curador me deixou melhor, mas quando foi depois voltou de

novo.... Eu tô tomando mais mastruz e banho com a erva e depois tomo o

chá. (Raimundo: 60a . Aposentado)

Nós faz remédio (caseiro). Não procuro (remédio de farmácia) não. Eu

acho que ele não cura não. (Joaquim. 59a . Agricultor)

Faz de tudo pra tudo, pra gripe, faz um lambedor de malvarisco, de

pepacaconha, de beterraba, pra gripe eu uso esse remédio.

( Maria das Dores. 65a , quatro filhos. Dona de casa)

Tem raízes pra fazer remédio, tem muitas coisas, a raiz da pecaconha, a

baba do cajueiro, e muita coisa pra fazer remédio, tem a água do coco

vermelho, pra diarréia é só tomar, é um santo remédio. (José: 61a , quatro

filhos . Agricultor)

Pra dor de cabeça eu gosto de usar peão-roxo, que é muito bom, ou outro

tipo de chá caseiro, pra barriga tem o chá da malva santa, tem o chá de

malvacorama, pra gripe tem o chá de lambedor de raiz de jatobá, esses

tipos de remédio caseiro.

( Joana . 34a, cinco filhos. Artesã)

Usa lambedor caseiro pra gripe, também tem o boldo que serve pra dor de

barriga, do estômago, também tira o mel da abelha que serve pra gripe, o

jatobá, faz um lambedor dele também. (Maria: 18a)

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Esse itinerário terapêutico que o índio na aldeia busca depende, em parte, e a sua

percepção da gravidade da doença e a habilidade do terapeuta de resolver ou curá-la. De

acordo com os índios Jenipapo Kanindé as doenças podem ser classificadas entre as menos

severas, que chamam de doenças “bestas” ou “leves” , passa pelas doenças mais severas,

que nomeiam como doenças “má” e “grave” e vão até as doenças “mais perigosas”. Embora

exista muita flexibilidade no processo de classificação, que muda até dentro de um episódio

de enfermidade, caso, por exemplo, ocorre com a dengue hemorrágica, que em poucas

horas pode ser ao mesmo tempo uma “doença besta” e a doença “mais perigosa”.

Mesmo assim, há uma tendência de associar a severidade com um tipo de terapeuta e

terapia. De acordo com as falas, as doenças menos severas, aquelas “bestas” e “leves”,

como dor de cabeça e dor de dente, e a gripe “mal curada”, são tratadas em casa com

remédios do mato na forma de chás, cozimentos e lambedores, e cuidados utilizando

recursos disponíveis na comunidade, como o pajé ou outro curador popular, como

explicam esses informantes:

Essas doenças bestas de dor de cabeça, dor de dente, uma dismentidura no

pé, na mão, em outro lugar do corpo. Ensinar um remédio caseiro, isso é

pro pajé ensinar pros índios. Isso daí a gente sabe bem que isso é um

trabalho do pajé. (Cacique 57anos. Agricultora e sem instrução escolar)

Nós antes se tratava muito com remédio caseiro e esse remédio servia

antes pra pessoa ficar bom, não é essas doenças todas... antes tinha até

essas doenças que chamavam os médico, e índio morria muito no período

que dava essa doença na tribo até porque não sabia como se defender,

mas se defendiam dessas doenças mais leve, como uma gripe mal curada...

eles sabiam como curar. (Cacique 57anos. Agricultora e sem instrução

escolar)

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As doenças chamadas de “má” e “grave”, “brava” e “mais perigosa”, como câncer e

diabetes, pode ser tratada por esses curandeiros populares no início ou até mesmo

simultaneamente com outros terapeutas, pois muitas vezes “não fique bom” refere ao

médico, pois dizem que “não tem cura” . E aí, recorre-se também ao popular e/ou espiritual,

pois quando “não tem cura”, a procura de ajuda é só com Deus, o Pai Tupã.

Tem muito tipo de doença que os próprios curandeiros mandam as

pessoas procurar os médicos. Porque eles não têm capacidade de fazer

aquela pessoa ficar boa, quando eles falam de doenças má. É quando a

pessoa tem câncer, diabetes, esses tipos de doença que o pajé passa até

remédio caseiro pra pessoa tomar e a pessoa toma e não fica boa. Aí

chega o tempo dele dizer “procure outras fontes pra você ao menos evitar

de sentir muita dor”. (Cacique, 57anos)

Quando tem uma doença contagiosa... um câncer, vamos dizer, eu acho que

não tem cura. A minha prima tem um câncer na cabeça, é uma doença que

não sai, não tem cura. Mas uma coceirinha, uma dor de cabeça, uma cólica,

uma coisa, eu acho que não é doença que seja que nem essa minha prima

que não tem cura de jeito nenhum, é uma doença grave. (Fátima. 47a .

Dona de casa e sem instrução escolar)

A doença mais perigosa que tem, que quando a gente fala tem que pedir a

Deus pra poder falar é o câncer. A gente vê na televisão, a minha avó

morreu dum câncer, a minha tia já morreu do câncer. Não teve cura, a

minha avó foi um câncer que deu na boca do estômago dela, quando foi

cuidar era tarde demais. A diabetes é outra doença que o doutor não cura,

diz que cura, mas não cura. Tem que ter fé de Deus pra poder ser curado,

senão não é curado. (João. 37a.. Pescador e alfabetizado)

Podemos perceber também a prática ou pequenos acertos na saúde feitos de forma

xamânica, principalmente revelados na fala da Cacique, líder política e espiritual, quando da

busca de orientação cosmológica e em Tupã. Tupã é considerado o Deus para os índios, e

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alguns acreditam em sua divindade, porém com a imersão de grupos religiosos, essa

tradição de adorar um Deus próprio também está ameaçada e porque não dizer dizimada

dentro da comunidade , daí a líder espiritual do grupo não conhecer aqueles que tem essa

sua mesma adoração. As citações abaixo revelam esse lado da etnomedicina Jenipapo-

Kanindé:

É a gente se vigiar a si mesmo. Vigiar como está seu corpo dia a dia, e falar

consigo mesmo. Ver como é que você amanhece o dia e ver a potência do

seu corpo ao levantar duma rede, duma cama e se vigia dentro de si. Como

é que você por dentro se sente, vê se você por dentro tem condições de se

levantar, se o seu corpo tem condições de se levantar você se levanta numa

boa. (Cacique, 57anos)

A cacique coloca até o Pai Tupã que dê força nas orações dela, se ela baixa

a cabeça e pede ao pai Tupã que dê força. É porque eu quero o que existe...

mas o Deus é um só. Não tem diferença do índio pro branco, o Deus é uma

coisa só. (Fátima. 47a . Dona de casa e sem instrução escolar)

Quando eu me acho muito preocupada, quando eu sinto que ta querendo

chegar algo mais próximo de mim, algo que não é do meu agrado, eu

procuro me defender. Eu entro nas mata, eu não faço dentro de casa porque

tem muito barulho de menino, eu prefiro procurar um canto isolado. Nem

mesmo meu marido sabe, ninguém sabe. Eu saio ali devagarinho, entro

dentro das mata. Lá eu me ajoelho e oro e peço ao pai Tupã do céu que me

livre de todo mal, malefício, de todas as perseguições que está me atraindo,

que está me perturbando. E ali eu me concentro de tal forma que eu recebo

uma energia positiva que naquela hora eu fico ali quase suspensa do chão

quando eu tenho essa coisa comigo. Aí pronto os caminhos se abrem, as

luzes se iluminam e eu fico outra pessoa, com outra coragem, outra

potência, eu sou dessa maneira. Eu me ajoelho, rezo e peço a Tupã que me

dê força, coragem, que me defenda de tudo que é ruim, que me cubra de

energia positiva, saúde, de paz, de tudo que é de bom. Naquela hora eu não

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quero saber de nada negativo. Eu sempre procuro querer só o bom, e chega

uma ocasião que eu me transformo em outra pessoa.(Cacique, 57anos )

O conhecimento sobre o uso das plantas medicinais é um dos mais acessíveis a

iminente perda, com a aculturação das tribos e a conseqüente ausência de repasse desse

saber para os mais jovens. Os Tiriyó, tribo da Amazônia, apresentam 328 plantas úteis

como medicinais, e o conhecimento sobre o uso destas espécies não é agregado para

homens e mulheres, velhos e jovens. Na flora medicinal conhecida pelos Xucuru, tribo de

Pernambuco, 53 espécies relatadas, o conhecimento medicinal das plantas é exclusivo às

mulheres e homens mais velhos da tribo, porém não há a preocupação de repasse aos mais

jovens. Isso vem acumulando uma falta de uso, à medida que a população envelhece e não

busca essa prática dentro da tribo.

A orientação do uso de medicamentos por parte dos médicos e enfermeiros, práticas

introduzidas e bem difundidas nos curso universitários, contrapõe-se ao uso de plantas

medicinais, este bastante difundido em várias camadas da população, principalmente a

menos favorecida e interiorana no nordeste do país, e faz parte atualmente da maior

influência biomédica e da tecnologia que chega às mãos dos índios através do sistema

oficial de saúde, como forma rápida e fácil de combater problemas de saúde que antes

poderiam ser resolvidos em casa. Essa lógica, obediência de mercado, tem influência das

propagandas em mídia, como rádio e televisão, e sugere a aculturação vivenciada pela

comunidade, da mesma forma que a cultura não índia, porém sem a segurança de um

profissional, do sistema de saúde, no acompanhamento dos resultados propostos,

diferentemente de como a família trataria e acompanharia seus entes queridos. Podemos

nos perguntar o quanto isso é correto, é necessário e é possível dentro de uma comunidade

indígena, visto não serem mais prisioneiros em seu próprio espaço. Pois para uma

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comunidade indígena, é preferível deixar suas tradições em troca das vantagens oferecidas

pela medicalização? A que ponto isso é prejudicial ou não ao controle da comunidade em

seu processo de desenvolvimento cultural? É sabido que em diversas comunidades

indígenas o processo de aculturação, principalmente na saúde, debilita e em alguns casos

extingue as formas mais nativas dos tratos em situações de doença. Portanto permitir a

entrada do sistema biomédico em substituição total à etnomedicina aplicada pode ser

considerado um suicídio etnocultural.

Embora menos freqüente na fala dos Jenipapo Kanindé, é evidente uma avaliação

crítica da biomedicina e, sobre a sua onipotência de curar, é questionada como mostra as

falas seguintes:

As pessoas às vezes têm várias doenças, como eu. Minha doença é nas

pernas. Eu sinto uma dor muito grande nas pernas. Essa perna aqui, na

semana passada, eu não conseguia dormir, botava assim, esquentava,

botava assim, impacientava, esquentava, doía, foi um sufoco. Graças a

Deus está mais mió. (Maria das Dores. 65a, quatro filhos. Dona de casa e

sem instrução escolar)

5.3.2. A mistura “medonha” da etnomedicina e biomedicina

A dualidade de concepções, que as falas demonstram a que alguns índios concebem,

e até mesmo o conflito resultante dos dois modos de como se aceitam tratar de saúde, é

freq6uente. A dor física pode ao mesmo tempo ser tratada com medicamentos

convencionais ou remédios caseiros à base de plantas medicinais facilmente encontradas na

comunidade. No entanto confunde-se saúde com estado de não doença. Uma clara mistura

conceitual dos sistemas etnomédico e biomédico pode ser observado em certas descrições

constatando a invasão da dominação do modelo biomédico e a aculturação indígena.

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O Jenipapo-Kanindé, por vezes, usa a etnomedicina e resolve seu problema de

saúde em contraposição à biomedicina. Mas há as citações que demonstram que o sistema

etnomédico é dispensado muitas vezes e a escolha do sistema biomédico é preferida. De

fato, a procura de alívio é pluralista, multifacetada, mutante e sem regra fixa, associa ao

mesmo tempo o médico com pajé, chá com injeção, cascas de aroeira com antiinflamatórios

e cozimentos com comprimidos de Benegripe. É realmente, uma “mistura medonha” que os

índios Jenipapo-Kanindé aprenderam a utilizar na busca de tratar as doenças como mostram

as falas ambíguas e conflitantes a seguir:

Se a gente pudesse nunca tinha doença perto da pessoa, mas só que não é

como a gente quer...Só que quando a gente diz assim, “corre pro médico”,

às vezes o médico nem dá jeito. A gente mesmo tem um remédio em casa e

socorre melhor do que ir pro médico. O que aconteceu comigo, se eu tivesse

feito o remédio logo melhorava, é assim mesmo. (Maria José. 38a , oito

filhos. Artesã e sem instrução escolar)

Eu sinto uma coisa no meu corpo que já faz um bocado de tempo que eu me

sinto doente. Sobe pra cabeça. Já andei em doutor, rezadeira... melhoro

mas não fico bom. Eu sinto um negócio no meu estômago que quando ataca

ferve o corpo todinho. Já faz tempo que eu sinto isso. O doutor passou um

remédio, melhorei um pouquinho mas não fico bom. (Raimundo. 60a .

Aposentado e sem instrução escolar)

Eu tenho fé no médico, mas não sou muito chegada em doutor não. Não sou

muito de andar em hospital, eu não tomo nem remédio de farmácia, difícil

de eu tomar. A mãe às vezes briga até com a gente porque tem um remédio

de casa ali e a gente vai atrás de um remédio de farmácia, sempre diz “o

de casa é melhor”.( Maria José. 38a , oito filhos. Artesã e sem instrução

escolar)

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Eu não sou muito chegada em doutor não, eu só vou no médico, quando

estou nas últimas, mas enquanto eu posso falar eu mando fazer o um chá

de cidreira, capim santo, manjerioba, alho, jurubeba e pode trazer pra cá

que eu bebo, quero saber se eu melhoro, eu tomo toda qualidade de

remédio, eu sei que é pra gente melhorar de certas mazelas, se não

melhora eu ainda fico por ali. (Cacique, 57anos)

Saúde é a pessoa... Quer dizer não ter doença e mesmo que tenha vai ao

médico, o médico passa um remédio e a pessoa fica boa, porque se a gente

não melhorar com aquele remédio que o médico passa, a gente tenta fazer

um remédio do mato porque os remédios do mato são muito bom, vamo

dizer que eu faço a prevenção e der algum tipo de inflamação a pessoa não

vai usar remédio do mato, raiz de xanana, a casca da ameixa, a aroeira,

pra inflamação. Cozinha ele, vai tomando o dia todinho, não tem nem um

gosto, é ótimo, toma com água, quem não quer ter trabalho no pé do fogo,

bota de molho e vai tomando o chá. Eu fiz a prevenção e o médico disse

“tem um pouquinho de inflamação”, ele passou um remédio e eu nunca

tomei. (Fátima. 47a. Dona de casa e sem instrução escolar e do lar)

Saúde é que tem no remédio, porque a gente faz o xarope com eucalipe, café

amargoso, pra febre, tá com dor de cabeça, amarra as folha de manjirioba,

se a pessoa não melhorar leva pro médico, o meu menino teve doente e eu

levei ele pro médico duas vezes e ele veio melhorar com o chá de casa. Dei

café amargoso com manjirioba e dei com o remédio, ele tava com 38o de

febre e melhorou. (Maria José. 38a, oito filhos. Artesã e sem instrução

escolar)

Eucalipto, limão, alho e café, só. Isso aí é só pra uma doença, a gripe... A

gente toma comprimido... Benegripe...(Maria das Dores. 65a, quatro filhos.

Dona da casa e sem instrução escolar)

O conflito com o sistema formal biomédico é também presente na comunidade

indígena, pois se espera dele, o sistema, resolutividade. De modo geral a comunidade

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apresenta as mesmas reclamações e falhas que a sociedade não índia manifesta. Vale

esclarecer que desde a Constituição de 1988 e a criação do atual Sistema Único de Saúde,

1990, os índios devem ter acesso próprio ao sistema, pois lhes são garantidos cotas para

essa participação. Essa não assistência recobre sobremaneira aqueles que, ao invés de seu

sistema próprio, passa a utilizar o sistema “do homem branco” e assim não resolvem seus

problemas nem de uma forma nem de outra. Daí é possível observar as duas concepções,

biomédica e cultural indígena, nas falas dos Jenipapo-Kanindé.

Eu mando fazer um chazinho pra mim, vou pro médico e chegando lá ele

disse que era pressão, que eu não podia ter raiva, quando tivesse essas

coisas eu me retirasse pra não me aborrecer, eu só vinha sentindo dor de

cabeça, é o que eu sinto mais. (José: 61a. Agricultor e sem instrução

escolar)

É que tem condição de fazer um posto de saúde, fazer um grupo do índio,

aqui tem, mas é do branco, tem que fazer um do índio porque esse aí é da

prefeitura, pretendem fazer um grupo aqui, uma igreja, um posto de saúde.

(Pedro. 34a. Comerciante e alfabetizado)

Eu só vou no médico, quando estou nas últimas, mas enquanto eu posso

falar eu mando fazer o um chá de cidreira, capim santo, manjurioba, alho,

jurubeba e pode trazer pra cá que eu bebo, quero saber se eu melhoro, eu

tomo toda qualidade de remédio.(Cacique,57 anos)

O remédio vegetal é reconhecido, empregado e valorizado por vários povos

indígenas, mas o completo conhecimento está concentrado entre poucos, os mais velhos.

De modo geral, os rituais e a medicina tradicional são usados inicialmente no tratamento de

doenças, mas em casos mais sérios há uma combinação criativa de medicina tradicional e

oficial que pode ser empregado.

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5.3.3. A dominação da biomedicina

O sistema biomédico tem influência junto às comunidades indígenas interferindo nos

conceitos indígenas. Essa influência representa o contato interétnico, representa o processo

de interação entre culturas diferentes, principalmente pela invasão e dominação do “branco”

nas aldeias indígenas. Do alerta sobre a existência de grupos interessados nas riquezas

indígenas. Mas existiram, desde a chegada dos colonizadores, referências feitas pela

Cacique, grupos de interesses diversos atuando dentro das comunidades indígenas, dentre

eles os grupos religiosos. Com o tempo, o contato interétnico levou a uma tendência ainda

existente que é a mistificação de práticas indígenas e seus conceitos originais, como, por

exemplo, os xamãs. Esses conceitos podem ser considerados ultrapassados, pela medicina

e profissionais de saúde, o que dificulta a inter-relação profissional e comunitária, ou mesmo

arcaicos para o sistema oficial. Daí surgir mais um fator associado ao processo de

aculturação, a desvalorização da cultura e da tradição étnica.

Diante de tal situação a comunidade se vêr tolhida para encarar o sistema oficial como

útil e, conseqüentemente, extremamente necessário à recuperação de seu bem-estar. Essa

correlação distancia o homem se suas concepções holísticas, relega-o a segundo plano, e o

exclui da sociedade formal. Para tanto é fundamental manter a cultura preponderante e

originária da comunidade, bem como desenvolver um resgate dessa cultura e tradição.

As falas a seguir permitem visualizar as concepções de saúde e doença com o foco

valorizado da biomedicina, sistema dominante nas citações dos índios Jenipapo-Kanindé.

De forma surpreendente as explicações, de acordo com o conceito biomédico para

saúde e doença, dominaram os discursos dos índios, para 62% dos entrevistados, sendo

relacionados à higiene corporal e ambiental, à limpeza, à desinfecção e à sujeira. A voz de

sanitarista parece cada vez mais ter abafado a fala holística dos Jenipapo Kanindé. Onde

estão as referências à alegria de viver, à disposição, ao vigor, ao poder de locomover tão

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essencial para o modo nômade de viver índio? Igual aos encantamentos no fundo da lagoa,

estão desaparecendo, estão fugindo. A “nova ordem” é reduzir a saúde às bactérias,

anticoncepções e higienização, embora a maioria dos índios morem em casas onde essa tal

falada “higiene” é difícil, senão quase impossível de se realizar. E, ironicamente, nessa nova

era, enquanto os profissionais de saúde impõem uma cobrança sanitarista dos índios, eles

mesmos buscam novos paradigmas de saúde holística, naturalista e espiritual (CAPRA,

1982; BARASCH,1999) que embora desperdiçados, os índios ainda são os grandes mestres.

As falas mostram essa idéia de saúde higienista e sanitarista:

Saúde eu acho que é limpeza. (Ana: 29a . Reside em casa de taipa.

Alfabetizada)

Saúde é higiene, é sempre andar limpo, lavar sempre as comida. Nas

refeições, lavar bem as frutas, tudo o que possa comer, tem que ser lavado.

Você tendo saúde tem tudo na vida. (Joana . 34a. Reside em casa de taipa.

Alfabetizada)

Saúde é higiene, comer alimentos bem cuidados, bem lavados. Os lixos

devem ser cavado buraco e enterrado, vez por outra queimado. Isso aí tudo

é limpeza pra saúde da gente. A água deve ser bem cuidada, filtrada pra

gente tomar.( Maria das Dores. 65a. Reside em casa de taipa. Sem

instrução escolar).

Na saúde tem que ter higiene, pelo pouco que seja, mas tem que ter higiene

na limpeza da casa, na higiene na comida. Quando vai fazer as refeição tem

que ter um pouco de higiene. Não tacar as mão do jeito que ta pegar e

come. Quando terminar tem que ter higiene de lavar as mão, escova a boca.

A pessoa limpar a casa, pegar aquele lixo, queimar ou enterrar e daí por

diante, manter a casa limpa, os terreiros. Pra pessoa ter higiene é ter

saúde. (João. 37a, Reside em casa de taipa. Alfabetizado)

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O sistema biomédico atua intervindo com a presença do profissional médico e com

medicamentos, principalmente para as doenças “mais rigorosas” ou “mais brabas”. Essa

intervenção, por vezes necessária, conduz a uma fala constante nos discursos dos índios,

demonstrando, muitas vezes, uma maior credibilidade na biomedicina do que no sistema

etnomédico, que é constantemente desvalorizado, como podemos constatar na fala da

Cacique. É também possível ter uma visão restrita da biomedicina, sobretudo a

medicalização, pois doenças preveníveis e para os quais a comunidade conhece

tratamentos etnomédicos são realizados constantemente com a presença de medicamentos

distribuídos nos postos de saúde. A dominação da biomedicina tem forte presença com o

médico, os medicamentos e o hospital, como citam os índios nas falas que seguem abaixo:

A gente acha que tudo é com o doutor mas não é não, tem muito meio de

doença maneira, que não é essa doença mais rigorosa que dá pra se curar

com remédio caseiro. Mas a comunidade não procura o pajé, e a gente não

sabe como é pra se tratar. A gente fica nessa mania de correr pro remédio,

que só o médico salva. Só o médico dá vida. Então nessa história, tem gente

que toda semana vai ao médico. Toda semana tá contente porque vem um

médico na aldeia. (Cacique, 57anos)

Do meu ponto de vista saúde é o melhoramento pra família. Aqui tem um

médico presente, ele vem duas vezes por semana, às vezes quatro ... O

atendimento está especial. Sobre a saúde não tem o que falar aqui, só isso

aí mesmo. (Pedro. 34a. Comerciante)

Nós paramos de usar esses remédios (naturais) depois que a gente teve

contato com os médicos, com hospital. Porque é mais fácil... pode dizer que

é novidade pra nós... Mas não é, porque se for de morrer, enquanto você

corre daqui pro Aquiraz, você morre. (Cacique, 57anos)

Saúde é a pessoa... Quer dizer não ter doença e mesmo que tenha vai ao

médico. O médico passa um remédio e a pessoa fica boa, porque se a gente

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não melhorar com aquele remédio que o médico passa. (Fátima. 47a.. Dona

de casa)

Eu, há mais de dois anos, que eu tenho problema de pressão alta. Eu tomo

remédio e de certos tempos pra cá me apresentou uma dor no meu

estômago. Eu vivo tomando esses remédio. Já fiz tanto exame, até do peito,

já bati um raio X. (Fátima. 47a . Dona de casa)

Quando uma pessoa ta com dor de cabeça, com febre e toma aqueles

comprimidinhos, as gota, Paracetamol ... aí vai embora, eu acho que a

doença seja assim. (Fátima. 47a . Dona de casa)

A intromissão do sistema biomédico, principalmente esboçado pelo Programa de

Saúde da Família, adiciona ao grupo indígena a opção do medicamento industrializado que,

por deficiência do próprio sistema, não contempla a todos, o que marginaliza e exclui boa

parcela da população. Entre o “melhor” e o tradicional, há pessoas da comunidade que

descartam cuidados caseiros para tratamentos médicos, dispensam o uso de plantas para

adotar o remédio do branco, que é considerado mais fácil.

Hoje em dia a gente corre, vai pro médico, é gesso. Eles nesse tempo faziam

uma tala de pau pra segurar aquela queda, isso refletia em cima da

saúde.(Cacique, 57anos)

É ir pro médico, hoje em dia qualquer coisinha é médico, quando era de

primeiro fazia um lambedor, uma farofada de mandioca. (Raimundo. 60a.

Aposentado.)

Pra febre, pra frio, hoje em dia a gente não vê nada disso, só nesses

remédios do doutor. (Fátima. 47a. Dona de casa)

5.3.4. Etnomedicina esquecida: deslegitimização e desvalorização dos segredos indígenas de curar

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Da mesma maneira que a vida dos Jenipapo-Kanindé é fragilizada, o uso de plantas

medicinais como remédios também está sendo substituído, e as famílias estão deixando de

procurar o pajé, pois “não acreditam” nos seus poderes de cura, além do mais este se

distanciou um pouco mais da aldeia. Outra grande conhecedora da etnomedicina dos

Paiakú, ou seja, Jenipapo Kanindé, também não mora na aldeia, pois mudou para Fortaleza

e atualmente mora numa favela, ironicamente, na “Praia do Futuro”. Ali é conhecida pelos

vizinhos “brancos”, como “ a índia” de cabelos longos que tem um dom poderoso para curar.

Mas, em seu barraco, tão longe, na grande cidade, poucos, se há, da tribo a procuram.

Agora tem a “mania” de correr atrás do médico em busca de remédios, em busca de

remédios industrializados, a “novidade” então atraente entre os índios da aldeia. A Cacique

até propõe a culpabilidade dos próprios membros da tribo por suas novas preferências.

Disse ela: “Eu vejo esse lado negativo dos próprios índios em vez de procurar o pajé

procurar um curador de fora “.

Vejamos nas falas a seguir o sutil, mas desastroso, processo de delimitação e

desvalorização da etnomedicina dos Jenipapo-Kanindé:

A necessidade maior quando eles tá doente é procurar o pajé pra ver qual remédio

é pra tomar. Fazer cura e tudo mais. Mas o povo não acredita. O povo daqui não

acredita em si. Porque se eu sei que tem um pajé num lugar eu vou procurar ele.

(Cacique, 57 anos)

A comunidade não procura o pajé, e a gente não sabe como é pra se tratar. A gente

fica nessa mania de correr pro remédio que só o médico salva. (Cacique, 57 anos)

Eu acho que nós da comunidade indígena do Ceará inteiro, a gente está perdendo

muito, a gente está perdendo muito o lado de ser tratado com remédios caseiros

como era antes. (Cacique, 57 anos)

Nós paramos de usar esses remédios depois que a gente teve contato com os

médicos, com hospital, porque é mais fácil... pode dizer que é novidade pra nós.

(Joana . 34a, cinco filhos. Artesã).

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As opções expostas deixam em desvantagem o tradicional frente ao oficial, compondo

assim a predominância do sistema biomédico sobre o sistema etnomédico, e o curandeiro

fica relegado a segundo plano. Essa observação não nega a necessidade de medicamentos

farmacêuticos, para um conjunto de “doenças graves” , para os quais nem sempre há

disponíveis plantas medicinais tão eficazes.

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REFLEXÕES FINAIS

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O modo de viver índio dos Jenipapo-Kanindé parece, realmente, desencantado. A

“invasão” da vida moderna, do homem branco, das fábricas, dos turistas, acelerada com a

globalização, está modificando radicalmente a vida dos Jenipapo-Kanindé, na sua

identidade, na sua relação com a terra e em suas concepções de saúde e doença, ou seja,

na utilização da sua etnomedicina desvalorizada.

Tão promovido nos encontros internacionais, o ambiente deve ser favorável as

atividades do dia a dia do cidadão. A preservação da natureza está enraizada na cultura

indígena. Por quanto tempo haverá agressão ao meio ambiente? Quando será que os

interesses econômicos se subjulgarão a própria existência do homem. O Jenipapo-Kanindé,

é um povo indígena que também pensa na natureza sob sua forma de dar a fonte de suas

necessidades e por isso pensa em protegê-la, ironicamente esse povo que respeita e

entende a natureza pode ser a vítima dos interesses sobre sua própria terra. Isso afeta sua

saúde e impõe vários desafios.

Os achados das falas revelam que os comunitários referem ser índio , a paz, o bem

viver, a terra e sua relação harmoniosa com a natureza. Referenciamos aqui, dentre várias

percepções distintas e dependentes que fazem parte do modo índio de viver: A identidade ,

a questão da terra e as concepções de saúde do ponto de vista etnomédico e biomédico.

Discutiremos então a intervenção da educação em saúde sob o ponto de vista dessas três

categoria.

Cultura deve ser entendida como conhecimento acumulado, sistematizado,

interpretativo e explicativo . Talvez seja difícil para profissionais de saúde entender a cultura

popular como teoria imediata, ou seja ,um conhecimento acumulado e sistematizado, a

interpretar e explicar a realidade. Isto porque a educação formal sempre os leva a negar o

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conhecimento produzido de forma não científica, fora dos meios acadêmicos. E identidade

deve ser entendida como o conjunto de significados que tem este grupo com o qual

trabalhamos; além de sabermos entender qual sua representação em seu território. Os

grupos, dentro de uma comunidade, não existem por existir. Eles têm o seu papel,

significado e representa, por assim dizer, o todo.

Após a Constituição Federal de 1988 acirrou-se ainda mais a disputa pela demarcação

das terras indígenas processo que se tem mostrado bastante penoso para várias tribos,

inclusive a tribo Jenipapo-Kanindé. O critério da auto-identificação étnica vem sendo o mais

amplamente aceito pelos estudiosos do assunto. No Ceará vivem 9.936 índios, em processo

de reconhecimento de sua identidade e demarcação de seu território, das tribos: Jenipapo-

Kanindé, Kalabaça, Pitaguari, Potiguara, Tabajara, Tapeba, Tremembé e Kanindé.

A emergência de uma identidade étnica é proporcional a consciência de sua

historicidade, que os remanescentes da tribo harmonizam como conceitos. Deste modo a

medida que se constrói uma identidade, contestada ou não, impõe-se o contraditório, daí a

etnia indígena tende a ocupar um sistema social inclusivo.

Propomos então para uma identidade contestada por 69% e confusa em 12,5% dos

pesquisados da tribo Jenipapo-Kanindé os seguintes pontos: Reforçar a identidade

“orgulhoso de ser índio” através de métodos que envolvem o aprendizado baseado na teoria

de Paulo Freire, utilizando inclusive a participação de professores indígenas apresentando

recortes de suas lendas , costumes e tradições, seus significados e simbolismos; Fortalecer

o elo dos jovens com o seu passado, criando materiais educativos para a escola baseado

nos mitos e lendas dos Jenipapo Kanindé, buscando principalmente a valorização da história

de vida e lutas dos antepassados que originaram a tribo, e restabelecer a autoconfiança e

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autoestima dos Jenipapo-Kanindé, possibilitando a sua autodefinição do que é ser índio e

incorporá-la de vez nas mentes dos aldeões.

Entendendo a posse da terra com a principal luta que atualmente envolve o

Jenipapo-Kanindé propomos inserir, dentro da proposta de reforço de sua identidade,

informações colhidas deste trabalho que dão o significado de terra para o Jenipapo-Kanindé.

Isto inclui redefinir o processo de identidade, como evolui e a importância que isso deve ter

nos rumos da tribo. A proposta envolve também apresentar o que pode significar a relação

da terra com a questão da saúde, visto que cerca de 56% dos entrevistados não conseguem

visualizar a posse da terra e o movimento de luta dos índios com a concepção socio-cultural

que envolve saúde.

Propomos ainda: Auxiliar e apoiar as lideranças indígenas Jenipapo-Kanindé em sua

luta para ser “reconhecidos” como índios de verdade e poder demarcar suas terras;

promover uma visão indígena de que “saúde vem de baixo “ ou seja vem da terra,

introduzindo intervenções naturalistas e ecologicamente corretas, promovendo também um

desenvolvimento sustentado; e explorar a visão indígena da relação pessoal e íntima que os

índios tem com a “Mãe Terra” como uma lição de ecologia e conservação do meio ambiente

para o mundo do “homem branco”, tendo o índio como o mestre e grande conhecedor sobre

como conduzir a vida em harmonia com a natureza.

A saúde do ponto de vista do Jenipapo-Kanindé também se mostra debilitada em

seus conceitos, fragilizada sua etnomedicina e severamente aculturada pelo modelo

biomédico , na comunidade Jenipapo-Kanindé.

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No que concerne a saúde e doença , os Jenipapo-Kanindé adotam conceitos que

visualizam os fatores concorrentes ao seu bem viver , sem no entanto esquecer que o que

há de físico a consertar faz parte de sua trajetória de vida. Distinguir o serviço biomédico,

seus benefícios de suas capacidades e conhecimentos, torna-se natural diante das

dificuldades historicamente vividas pelo grupo étnico.

Portanto conclui que existem coisas mais importantes que o processo físico da cura.

Na melhor das hipóteses, curar é uma relação de poderes entre a filosofia, a patologia, a

psique, a história emocional, o contexto social, os remédios, os médicos e os deuses de

cada indivíduo. Quem busca apenas se livrar de algo que deu errado pode nunca atinar com

o fator que lhe paralisa a vida.

A qualidade de vida indica que a vida física e espiritual do ser humano está vinculada

à natureza e esta relação ecológica vital assim configura-se: o homem vive na natureza, o

que significa que a natureza é seu corpo, com o qual deve permanecer em contínuo

intercurso se não quiser morrer. A vida física e espiritual do homem está vinculada à

natureza.

Conceber todas essas informações na busca de um estado de perfeição em saúde

destina-se ser utópico, pois a comunidade Jenipapo-Kanindé apresenta uma série de

dificuldades para transpor essas estruturas mencionadas em seu micro e macrosistema ,

assim como as relações de poder de si mesmo não favorecem a um desenvolvimento ideal.

Considerando que os Jenipapo-Kanindé tem uma necessidade de valorizar suas

conquistas, a prática educativa em saúde, partindo de uma percepção fragmentada e

descontextualizada, da visão unicausal do processo saúde doença , sem autocrítica dos

profissionais que a executam e desligada da vida social da comunidade, se propõe a facilitar

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a compreensão desses conceitos de forma a modificar os paradigmas vigentes para a

adoção de práticas que visem adaptar suas condições e qualidade de vida levando-se em

consideração os costumes, hábitos e tradições desse povo indígena. Isso envolve uma série

de mudanças no seio da comunidade e que somente com o poder conferido a essas

pessoas seria possível. Para tanto é necessário uma renovação teórico-metodológica que

incorpore uma releitura dos profissionais de saúde e seu papel diante da comunidade; uma

percepção mais ampla do processo saúde-doença entendido dentro de um contexto socio-

econômico e cultural; a ampliação da atuação no campo da promoção da saúde para as

populações indígenas e a construção da autonomia dos indivíduos da comunidade

Jenipapo-Kanindé. Devemos entretanto sair dessa idéia de que devemos conscientizar um

outro, pois todos temos consciência, o que provavelmente não percebemos é o outro se ver

e se sente consciente. Daí argumentamos do modo de como gostaríamos que o outro

visualizasse sua consciência.

Compactuando com a idéia de que historicamente Educação em Saúde se constrói a

partir da visão e da tecnologia biomédica, concordamos que a cidadania coletiva é um passo

dentro do movimento social pela vida como um novo fato histórico para essas

transformações. Isso pode ser iniciado a partir de uma reapropriação dos domínios do saber,

popular e formal, adequando-os às necessidades da população. Assim deve ser repensada

a educação popular para saúde com a participação de todos.

Algumas considerações sobre os xamãs e seus rituais não se constituem em

representações imóveis e rígidas, que pode perecer em contextos diversos de mudanças,

mas se constitui sim como um sistema aberto e fluido, sujeito principalmente as

modificações e trocas como elementos essenciais a evolução, considerando seu aspecto

sociológico, nas relações intra e intergrupais dos povos indígenas. Denota-se sobre esse

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ponto de vista que os Jenipapo-Kanindé caracterizam mudanças extremas, sendo inclusive

necessária a interveniência política dos líderes do grupo no sentido de resgatar sua história

e sua cultura.

Para a maioria dos profissionais de saúde as manifestações que são conhecidas na

medicina popular merecem diferentes classificações e opiniões, e os levam a taxá-las de

crenças folclóricas, ações antiquadas, ignorância , baixo nível de instrução formal e um

perigo para a saúde quando de sua eventual utilização onde os recursos técnicos estão

distantes. Boa parte da população exercita saúde com apoio de herbários, curandeiros,

rezadores e parteiras como uma forma de buscar alívio sintomático para determinadas

doenças, principalmente baseado em ervas medicinais.

Além de desvendar o sentido simbólico contido no termo “medicina alternativa”, suas

influências teóricas, seu sentido epistemológico, seus objetivos e estratégias, o trabalho com

os Jenipapo-Kanindé apresenta algumas singularidades na trajetória individual assumida por

membros da comunidade, como por exemplo de acordo com a gravidade o conceito de

doença leve e doença má; a utilização de suas plantas medicinais, o uso e os costumes de

como usar essas plantas e sua relação com a gravidade da doença.

A etnografia demonstra a utilidade de focalizar agentes em posição de liderança, uma

vez que isso permite a expressão do que um conjunto maior da comunidade sente, pensa e

faz. Entre os entrevistados, observou-se uma compatibilidade consistente com o

conhecimento popular e o senso comum e uma recusa a admitir uma divisão radical entre

conhecimento científico e conhecimento popular, em que o primeiro significa conhecimento

verdadeiro e o segundo conhecimento falso. Sendo assim, se um curandeiro for bem

sucedido na utilização de rituais e cerimônias pode influenciar a mente e as emoções do

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paciente, aliviando sua apreensão diante da doença e estimulando poderes curativos

naturais que todos possuem.

As pessoas julgam que tem o poder de agir de um modo determinado, porque

tomaram consciência de que todo modo de agir é perfeitamente lícito e legítimo, em função

de seu valor e de suas necessidades, dentro de uma sociedade e em determinada época. A

filosofia do empoderamento é baseada no pressuposto de que para ser saudável é

necessário que as pessoas tenham como fazer mudanças, não somente no seu

comportamento pessoal, mais também na suas situações sociais e nas organizações que

influenciam suas vidas. Neste sentido o objetivo de empoderamento do paciente é prepará-lo

para que possa fazer escolhas informadas sobre sua saúde.

CAREY ( 2000 ) anuncia que o conceito de empoderamento é um deferimento para

mudanças sociais. O autor observa o uso da palavra poder como dominação, sendo

dominação inserida no contexto político, relatando que atualmente isto é disperso e

disfarçado. quanto poder, como centro do empoderamento, o autor elabora uma critica ao

conceito utilizado em Educação em Saúde, questionando o fato de darmos o poder ao outro

para decidir por si, ou seja para mudar seu comportamento, seu modo de agir e o que fazer.

Em verdade dar poder , significaria ter domínio de um sobre outro.

È um questionamento que temos que ter sobre a questão indígena exatamente pois no

Brasil esses povos são tutelados, ou seja não tem a autonomia necessária para determinar

sobre vários pontos de sua vida. Se a tutela não foi imposta sobre os negros, acabou sendo

impingida no século XX pelo Estado Brasileiro para controlar os indígenas.

Os Jenipapo-Kanindé também entraram nesse processo, sendo que a situação

apresenta um fator complicador que é a prática do Pajé que é pouco consultado. Nesse

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sentido o resgate da etnomedicina Jenipapo-Kanindé é de extrema urgência devido poder

ser perdida em pouco tempo.

O percurso do aproveitamento dessa cultura por parte da comunidade deve seguir

passos que possam ser desenvolvidos pelos próprios aldeões:

1. Entender o sentido cultural de uma dada doença e dos processos de cura por

populares da própria comunidade.

2. Levantar o uso tradicional das plantas medicinais e as formas farmacêuticas

conhecidas na comunidade e a relação com os efeitos medicinais e terapêuticos.

3. Reproduzir os conhecimentos a partir de resultados obtidos dentro da comunidade, e

o aproveitamento das espécies investigadas.

Uma proposta para promoção de saúde dos Jenipapo-Kanindé

Propomos em linhas gerais o re-encantamento do modo de viver indígena: O resgate

de sua etnomedicina, conceitos e práticas; a valorização de sua etnofarmacologia; pesquisar

e valorizar as formas de cura espiritual; e reorientar os profissionais de saúde sobre a

etnomedicina indígena e avaliação diante da biomedicina.

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CONCLUSÕES

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Após a realização do levantamento histórico do grupo indígena, visualizamos

que tradicionalmente os Cabeludos da Lagoa Encantada passaram a denominar

Jenipapo-Kanindé, porém para registros também consta a etnomínia Paiacú

resgatada dos registros históricos de ocupação de espaços e migração dos povos

indígenas pelo interior do estado do Ceará.

No tocante a promoção à saúde denota que os índios Jenipapo-Kanindé

concebem saúde dentro de duas vertentes distintas, com valores próprios. A

concepção biomédica é predominante, decorrência de dois fatores principais: A

condição socioeconômica, e a baixa credibilidade nos ritos xamânicos como as

rezas, as benzeduras, as meizinhas dentre outras, e a condição observada pela

busca de outros curadores de fora da aldeia. Esse último fato credencia a uma

intervenção em saúde que vise proporcionar o resgate dos curadores locais, bem

como um aprendizado das principais formas de prevenir e tratar doenças no seio da

comunidade, principalmente no uso de seus recursos como demonstrou a

etnomedicina indígena e a utilização de plantas medicinais com seus conhecimentos

próprios.

De fato a fragilização do sistema etnomédico é confirmada quando a maioria

relata procurar o hospital e o posto de saúde como as principais opções em caso de

doença . Os Jenipapo-Kanindé responderam a quem eles procurariam. Recorrer ao

Hospital, para 75% dos entrevistados, é o primeiro ato pensado. Em 70,8% dos

casos seria procurar a unidade de saúde ou o PSF. Ir a farmácia e buscar orientação

foi respondido por 37,5% dos comunitários que responderam ao questionário.

Comprovando o descrédito com o pajé ou sua simbologia, apenas 33,3% buscariam

ajuda desse profissional quando em caso de doença. Outro fator que corrobora co

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essa tese é o fato de que os mesmos que procuram o pajé, assinalaram também

como outras opções o hospital, o posto de saúde e mesmo a farmácia, esta mais

procurada que o pajé. Essa deferência foi feita por sete (87,5%) dos oito que

responderam o questionário citando o pajé.

A concepção biomédica dentro da comunidade indígena está muito forte e

assume proporções que podem futuramente descaracterizar os próprios costumes

da comunidade. A busca do curandeiro citado no questionário significa , procurar um

curador fora da comunidade indígena , e essa opção foi comentada por 37,5% dos

entrevistados que responderam procurar um pajé ou curador.

A concepção socio-cultural foi demonstrada em várias falas principalmente

quando tratava a questão da terra, considerada pelos indígenas como fator

condicionante da qualidade de vida e saúde. Essa concepção também teve

caracterização em outras categorias, demonstrando uma visão própria desse povo

indígena.

Foi de grande relevância o entendimento sobre o universo simbólico dos

Jenipapo-Kanindé e suas representações sociais principalmente sobre suas

concepções de saúde e doença, rituais de cura, vida e morte. Boas referências

foram feitas, as crenças e rituais, como cantos e lendas, por parte dos índios

demonstrando ainda manterem viva sua tradição e seu folclore.

Os conceitos etnomédicos dos Jenipapo-Kanindé são amplos, porém não se

sobressaem tanto quanto necessário pois esses conceitos e conhecimentos da

questão saúde ficam enuviados por conta da assistência biomédica ser prestada de

forma centralizada. De todo modo o uso de plantas medicinais é muito comum pelos

índios Jenipapo-Kanindé, sendo reportado por 85% dos entrevistados.

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Na questão indígena posta, temos a compreensão de que para delimitar e

resolver os problemas de saúde decorrente da falta de assistência é dado a

comunidade o poder ou seu empoderamento que deve ser circunstanciado em

habilidades , conceitos e concepções próprios avaliando crenças , costumes e

tradições aliadas as necessidades de cada indivíduo.

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ANEXOS

139

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ANEXO 1 : LEGISLAÇÃO DE POVOS INDíGENAS Decreto nº 58824, de 14 de julho de 1996: promulga a Convenção nº 107 sobre as

populações indígenas e tribais.

Lei 5.371, de 05 de dezembro de 1967: autoriza a instituição da Fundação Nacional

dos índios e dá outras providências.

Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973: dispõe sobre o Estatuto do índio.

Decreto 92.470, de 18 de março de 1986: Estatuto da Fundação Nacional do Índio.

Decreto 89.420, de 16 de abril de 1980: Altera o Estatuto da Fundação Nacional do

Índio - FUNAI - e dá outras providências

Decreto 84.638, de 16 de abril de 1980: aprova novo Estatuto para a Fundação

Nacional do Índio - FUNAI

Decreto 22, de 04 de fevereiro de 1991: dispõe sobre o processo administrativo de

demarcação das terras indígenas.

Decreto 23, de 04 de fevereiro de 1991: dispõe sobre as condições para a prestação

de assistência à saúde das populações

indígenas.

Decreto 24, de 04 de fevereiro de 1991: dispõe sobre as ações visando a proteção

do ambiente em terras indígenas.

Decreto 25, de 04 de fevereiro de 1991: dispõe sobre programas e projetos para

asseguar a auto-sustenção dos povos indígenas.

Decreto 26, de 04 de fevereiro de 1991: dispõe sobre a educação indígena no Brasil

140

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Decreto 1.775, de 08 de janeiro de 1996: dispõe sobre o procedimento administrativo

da demarcação de terras indígenas.

Decreto nº 564 data: 08.06.1992. Data de Publicação no DOU: 09.06.1992

Aprova o Estatuto da Fundação Nacional do Índio e dá outras providências.

Estabelece os princípios gerais para a proteção e integração das populações

indígenas e tribais e semitribais de países independentes.

Decreto nº 1.141 data: 19.05.1994. Data de Publicação no DOU: 20.05.1994

Dispõe sobre as ações de proteção ambiental, saúde e apoio às atividades

produtivas para as comunidades indígenas.

Decreto nº 2 data: 03.02.1994. Data de Publicação do DOU: 04.02.1994

Aprova o texto da Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada durante a

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada

na cidade do Rio de Janeiro, no período de 5 a 14 de janeiro de 1992.

Convenção sobre Diversidade Biológica Reconhece a estreita e tradicional dependência de recursos biológicos de muitas

comunidades locais e populações indígenas com estilos de vida tradicionais, e que é

desejável repartir eqüitativamente os benefícios derivados da utilização do

conhecimento tradicional, de inovações e de práticas relevantes à conservação da

diversidade biológica e à utilização sustentável de seus componentes. (art. 8º item j e

Art. 10º itens c e d.

Decreto nº 1.479 data: 02.05.1995. Data de Publicação no DOU: 03.05..1995

Altera os artigos 2º e 6º do Decreto nº1.141, de 19.05.1994, que dispõe sobre as

ações de proteção ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas para as

comunidades indígenas.

141

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Portaria Interministerial nº 559/MJ/MEC data: 16.04.1991. Portaria nº 542/MJ-GM

data: 21.12.1993

Garante a educação específica e diferenciada para as comunidades indígenas, com

acesso aos conhecimentos e o domínio dos códigos da chamada sociedade

nacional; assegura o respeito aos processos próprios de aprendizagem; garante o

ensino bilíngüe nas escolas indígenas; cria a Coordenação Nacional de Educação

Indígena, no âmbito do MEC, para coordenar, acompanhar e avaliar as ações de

governo nesta área; bem como prevê a criação de núcleos de educação escolar

indígena no âmbito das secretarias estaduais de educação.

Portaria nº 14/MJ-GM data: 09.01.1996. Data de Publicação no DOU: 22.12.1993

Aprova o Regimento Interno da Fundação Nacional do Índio

Estabelece regras para a elaboração do relatório circunstanciado de identificação e

delimitação de terras indígenas a que se refere o § 6º do art. 2º do Decreto nº 1.775

de 08.01.1996.

Decreto 1.775/96Sistemática atual de demarcação das terras indígenas - Decreto 1.775/96Primeiramente, a FUNAI nomeia um antropólogo com qualificação reconhecida para

elaborar estudo antropológico de identificação em prazo determinado.

O estudo do antropólogo fundamenta o trabalho do grupo técnico especializado, que

realizará estudos complementares de natureza etnohistórica, sociológica, jurídica,

cartográfica e ambiental, além do levantamento fundiário, com vistas à delimitação

da terra indígena. O grupo será coordenado por antropólogo e composto

preferencialmente por técnicos do quadro funcional do órgão indigenista. Ao final, o

Grupo apresentará relatório circunstanciado à FUNAI, do qual deverão constar

elementos e dados específicos listados na Portaria nº 14, de 09/01/96, bem como a

caracterização da terra indígena a ser demarcada.

O relatório tem que ser aprovado pelo Presidente da FUNAI, que, no prazo de 15

dias, fará com que seja publicado o seu resumo no DOU e no Diário Oficial da

unidade federada correspondente. A publicação deve ainda ser afixada na sede da

Prefeitura local.

142

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A contar do início do procedimento até 90 dias após a publicação do relatório no

DOU, todo interessado, inclusive estados e municípios, poderá manifestar-se,

apresentando ao órgão indigenista suas razões, acompanhadas de todas as provas

pertinentes, com o fim de pleitear indenização ou demonstrar vícios existentes no

relatório.

A FUNAI tem, então, 60 dias, após os 90 mencionados no item anterior, para

elaborar pareceres sobre as razões de todos os interessados e encaminhar o

procedimento ao Ministro da Justiça.

O Ministro da Justiça terá 30 dias para: a) expedir portaria, declarando os limites da

área e determinando a sua demarcação física; ou b) prescrever diligências a serem

cumpridas em mais 90 dias; ou ainda, c) desaprovar a identificação, publicando

decisão fundamentada no parágrafo 1º do artigo 231 da Constituição.

Declarados os limites da área, a FUNAI promove a sua demarcação física, enquanto

o INCRA, em caráter prioritário, procederá ao reassentamento de eventuais

ocupantes não-índios.

O procedimento de demarcação deve, por fim, ser submetido ao Presidente da

República para homologação por decreto.

A terra demarcada e homologada será registrada, em até 30 dias após a

homologação, no cartório de imóveis da comarca correspondente e no SPU.

143

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ANEXO 2

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO

Eu, Francisco Araújo Magalhães , Diretor da Fundação Nacional do Índio (fUNAI ), ou meu preposto , abaixo assinado , de acordo com solicitação feita pela comunidade indígena Jenipapo Kanindé sobre levantamento sócio-sanitário, concordo na participação, da comunidade indígena dos Jenipapo Kanindé situada no município de Aquiraz , na pesquisa do professor Flávio Nogueira da Costa sob orientação da Professora Doutora Marilyn Kay Nations para fins de dissertação de mestrado em Educação em Saúde , que será realizado através de entrevistas aos comunitários . Ressalto que estou ciente de que teremos garantido os direitos, dentre outros assegurados pela resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, de: 1. Receber esclarecimento a qualquer dúvida acerca da pesquisa e do caráter de

nossa participação ; 2. Retirar meu consentimento a todo e qualquer momento da pesquisa, sem que

isso ocorra em penalidade de qualquer espécie; 3. Receber garantias de que não haverá divulgação de nosso nome e/ou de

qualquer outra informação que ponha em risco a privacidade e o anonimato de todos envolvidos na pesquisa;

4. Acessar as informações sobre os resultados do estudo. Fortaleza, 18 de Junho de 2002. _________________________________ Francisco Araújo Magalhães

144

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AEXO 4 : ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA Perguntas a seguir na entrevista:

1. O que é saúde para você?

2. Como você se sente saudável?

3. O que é doença?

4. Como ou quando você sente que está doente?

5. Você participa do movimento pela posse da terra?

6. Como você vê a questão da terra e a saúde do seu povo? Para você tem relação

a terra com a saúde?

7. O que é ser índio para você?

8. Você se sente índio?

9. Você já vivenciou algum tipo de preconceito?

10. Você usa plantas medicinais para curar doenças?

11. Que plantas utiliza?

12. Quais as crenças e costumes mais comuns da aldeia? Você participa dos rituais

na aldeia?

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ANEXO 5: FICHA DE CADASTRO FAMILIAR

UNIVERSIDADE DE FORTALEZA PESQUISA DE CAMPO Nº do Formulário: ________ data: ____/_____/ 2002 Microárea

End. Nº de familiares:

Nome Chefe da família

Idade:

Renda familiar

Menos de 1 Salário

1 a 2 Salários Mais de 2 salários mínimos

CADASTRO DA FAMÍLIA

Nome das Pessoas com mais de 15 anos

nascimento

idade sexo Alfabetizado

SIM NÃO

Ocupação

Doença ou condição referida

/ / / / / / / / / / / / / / / / / / / /

Nome das Pessoas de Zero a 14 anos

nascimento

idade sexo Alfabetizado

SIM NÃO

Ocupação

Doença ou condição referida

/ / / / / / / / / / / / / / / / / / / /

146

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ANEXO 6 : Situação da moradia e saneamento

Tipo de casa Destino do lixo

Tijolo Taipa revestida Taipa não revestida Madeira Outro tipo Número de cômodos Energia elétrica

Fonte de Água : Rede geral ( )Tratamento de agua: Filtrada ( )

Em caso de doença a quem procuraHospital Unidade de saúde / PSF Benzedeira / Pajé Farmácia Outros

Meio de transporte Onibus Moto bicicleta

Anotações que acreditar se

Coleta pública Queimado Céu aberto enterrado

Destino de fezes e urinas

Rede geral Fossa asséptica Fossa negra Céu aberto

Poço ( ) Outro ( ) Fervida ( ) Clorada ( ) Sem Tratamento ( )

meio de comunicação mais comum Radio Televisão Telefone Outro Animais domésticos

Cães

Gatos Vacas Outros

r importante:

147

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AXEXO 7: MAPA DAS TRIBOS INDÍGENAS NO CEARÁ

148

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ANEXO 8: MAPA DA ÁREA DA TRIBO JENIPAPO-KANINDÉ

149

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Gráfico I. Demonstrativo do número e percentual, por sexo, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

60,71%

39,29%

feminino=17

masculino=11

Gráfico II. Demonstrativo do percentual de famílias, por renda familiar, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:

2002.

14,3%

50,0%

25,0%10,7%

Menos de 1 Salário 1 a 2 SaláriosMais de 2 salários mínimosNão informado

150

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Gráfico III . Demonstrativo do número e percentual de respondentes à pesquisa etnográfica, por Ocupação dos índios da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:

2002.

Artesão7,14%

Do lar/domestica39,29%

Aposentado14,29%

Outros17,86%

Agricultor/pescador

21,43%

151

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0

4

1

3

3

3

3

3

0

2

4

2

0

0,5

1

1,5

2

2,5

3

3,5

4

16-21 22-30 31-40 41-50 51-60 > 61

Gráfico IV. Demonstrativo do número de respondentes, por faixa etária e sexo, à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

Masc

Fem

Gráfico V. Demonstrativo do número e percentual, por renda familiar, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE:

2002.

50% (14)

14,3% (04)

10,7% (03)25% (07)

Menos de 1 Salário 1 a 2 SaláriosMais de 2 salários mínimosNão informado

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14

58,3

11

45,8

19

79,1

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Queimado Céu aberto Enterrado

Gráfico VI. Demonstrativo do número e percentual de residências, e o destino do lixo, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé.

Aquiraz-CE: 2002.

n

%

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Gráfico VIII. Demonstrativo do percentual de residências, e as formas de tratamento de água , dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo

Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

37,50%

16,67%

33,33%

12,50%

FiltradaFervidaCloradaSem Tratamento

18

75,0

17

70,8

8

33,3

9

37,5

0

10

20

30

40

50

60

70

80

Gráfico IX. Demonstrativo do número e percentual, sobre a quem procuram em caso de doença, dos respondentes à pesquisa etnográfica na comunidade

Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

n 18 17 8 9

% 75 70,8 33,3 37,5

Hospital PSF pajé Farmácia

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6

10

5

7

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

Masc Fem Masc Fem

Sim n=16 Não n= 12

Gráfico X. Demonstrativo do nível de alfabetização e sexo dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

14,2814,28

21,4321,43

7,14

21,43

4 4 6 62

6

0

5

10

15

20

25

16-21 22-30 31-40 41-50 51-60 > 61

n

%

Gráfico XI. Demonstrativo número e do percentual, por faixa etária, dos respondentes à pesquisa etnográfica da tribo Jenipapo-Kanindé. Aquiraz-CE: 2002.

n%

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