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Incluso social e cidadania*
Vicente de Paula Faleiros**
A questo da incluso social est profundamente vinculada da excluso, alis,
duas faces da mesma moeda: as relaes sociais dominantes de desigualdade expressam-se
nas polticas pblicas.
A incluso poltica na esfera do direito, no corrige de per se a excluso
socioeconmica, sendo que a relao entre ambas se manifesta num movimento histrico
diversificado. As lutas sociais vo modificando as relaes, e a construo de pactos
polticos estabelece a possibilidade de novos conflitos entre as foras que apiam ou que
discordam dos pactos. O pacto poltico do ps-guerra que articulou a seguridade social
para enfrentar a crise do capitalismo se modificou nos anos 70 do sculo XX com a crise
de energia e a mundializao do capital de grandes empresas e do capital financeiro. Os
estados nacionais ficaram mais dependentes da interao globalizada e da competitividade
dos mercados globalizados.Pfaller, Gough, Therborn (1991) mostraram, num estudo sobre os EUA, Inglaterra,
Frana, Alemanha e Sucia que a competitividade se relaciona mais com a compra e a
venda de mercadorias, no estando associada rigidez do Welfare State. Ao contrrio, a
pesquisa mostrou que os mais completos Welfare States, como os da Sucia e da
Alemanha, foram os que obtiveram maior sucesso na orientao das suas economias
nacionais e na obteno de alta produtividade que, por sua vez, foi associada relativa
boa cooperao entre capital e trabalho como o importante ingrediente desse sucesso.Na lgica neoliberal, entretanto, a competitividade estaria vinculada a uma maior
disciplina e baixa de salrios dos trabalhadores e no garantia de direitos. A incluso em
direitos, ao contrrio do que prope o neoliberalismo, pode contribuir para maior
produtividade, pois mostra uma responsabilidade coletiva pelos seres humanos. No se
deve, pois confundir competitividade com lucratividade, pois o que os mercados
capitalistas buscam ganhar vantagens e lucros, com maior taxa de explorao.
*
Palestra proferida na ICSW32, em Braslia, em 17 de julho de 2006.** Vicente de Paula Faleiros assistente social, doutor em sociologia, professor da Universidade Catlica deBraslia, pesquisador do CNPq, coordenador do Cecria, autor, consultor e poeta.
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Os processos de incluso e excluso vo se estabelecendo numa correlao de
foras. A excluso do desemprego pode, hoje, estar aumentando ou se acumulando com
outras excluses que foram reduzidas com a associao entre seguridade social e existncia
do emprego. A incluso pelo emprego formal tem contribudo para o pagamento da
previdncia, o acesso ao crdito pela estabilidade do rendimnento, o acesso a referncias e
identidades slidas e a vnculos sociais, como para garantia de renda e posio social.
A perda desta forma de incluso, tpica da modernidade capitalista, tambm
desestruturou as referncias a direitos garantidos, pois os direitos da cidadania expressam
as relaes sociais. Por sua vez, a desestruturao e reduo de direitos condicionam as
relaes econmicas e as referncias identitrias. O fato de ser considerado sem emprego
fixo, no Brasil, ainda est associado, por exemplo, com vagabundagem. A carteira de
trabalho, para a Polcia, em muitos casos, vale mais que a carteira de identidade. No
contexto de mundializao, o que parece valer o carto de crdito.
A incluso pelo consumo ostenta uma aparente identidade de crdito na praa, mas
novos mecanismos vm controlar as informaes e a garantia desse mesmo crdito, por
exemplo, os servios de informao sobre o consumidor, que chamado de proteo ao
crdito, ou seja, proteo do lucro.Desta forma, a incluso e a excluso se referem s dinmicas de expulso ou de
insero nas esferas socialmente reconhecidas.
A categorizao e percepo da pobreza se vincula a experincias vividas de auto-
designao, confrontadas s expectativas sociais, conforme realidades heterogneas de
nao, Estado e cultura.. A incluso/excluso tambm pode se referir a maior ou menor
dependncia de outrem ou de instituies pblicas, aos rendimentos, ao valor dos
rendimentos, qualificao ou desqualificao social, presena ou ausncia de bensmateriais, solidez ou degradao moral, periferizao/centralidade no territrio, posse
ou desapossamento da terra e ativos, discriminao/aceitao, violncia maior ou
menor, s condies de nacionalidade, raa, etnia, ou a opes e modos de vida. Alm
disso, o sofrimento marca as condies de incluso e excluso sob o ngulo subjetivo.
Estas questes j foram mencionadas ou trabalhadas ao longo da histria, por exemplo,
quando Marx aborda a realidade da populao sobrante para o capital, quando Castel
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(1996)1 fala da marginalizao, quando Paugam (1996) fala da desqualificao ou Sawaia
(1999) fala do sofrimento e Faleiros (2006) do poder ou da falta de poder.
Schnaper (1996) se refere excluso como falta de comunidade poltica (direitos
iguais), impedimento de participao, de identificao com a vida coletiva, de sucesso das
trocas econmicas, do trabalho, dos laos familiares, da cultura.
A excluso um impedimento, uma barreira, uma fronteira elaborada socialmente
em relaes de poder, que dividem os grupos, de forma a estabelecer hiatos tanto nas
condies objetivas de vida ou de meios de vida como na percepo de si mesmo como
sujeito historicamente situado, numa sociedade e num determinado Estado em se que
pactuam direitos e se compactuam com excluses.
Como assinala Bruto da Costa (2005), devemos olhar a excluso, como um
fenmeno complexo e heterogneo com causas estruturais e intermediarias ao mesmo
tempo econmicas, sociais, culturais, patolgicas, ou auto-destrutivas. A pobreza, no
entanto, a forma de excluso mais generalizada. Segundo Pochmann e Amorim, (2003) a
excluso configurada por segmentos sociais deserdados de alguma condio de vida
digna e por segmentos que nunca foram dignamente considerados. A nfase nessa
definio a dignidade, conceito que depende de valores, culturas e normas. Alis, oprembulo da declarao universal dos direitos do homem de 1948 comea pela
considerao de que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da
famlia humana e de seus direitos iguais e inalienveis constitui o fundamento da
liberdade, da justia e da paz no mundo.
A excluso, na tica de Stoer, Magalhes e Rodrigues (2004), se configura pela
invisibilidade das pessoas em relao a lugares de impacto nas pessoas: o corpo, o
trabalho, a cidadania, a identidade e o territrio: na insegurana quanto ao futuro emfuno das perdas de referncia do passado; na precarizao; na perda da importncia da
cidadania (o estado mnimo e a sociedade de risco) com solues ambguas e falta de
confiana na modernidade, globalizando-se os riscos; na periferizao dos territrios e na
concentrao de servios; na desconstruo das identidades, pela mundializao dos
1Na viso de Castel (1996), os marginais ou marginalizados sempreestiveramhistoricamente na fronteira dasociedade e os integrados so os inscritos na rede da riqueza e do reconhecimento, com uma grande
variedade de integrados e com uma estigmatizao das diferenas: os sem trabalho, os sem famlia e os semterra, estigmatizados como vagabundos.
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espaos, mesmo dos espaos domsticos. Nessa perspectiva, a excluso se transforma em
invisibilidade social, poltica, cultural configurando perdas ou incapacidades que so
socialmente estruturadas. A excluso de uma pessoa do emprego por sua aparncia fsica
no significa um evento fragmentado, mas o rebatimento de uma estrutura de lucratividade
que estabelece parmetros de venda segundo o aspecto fsico.
A excluso definida, neste contexto, como negao da cidadania, da garantia e
efetividade de direitos civis, polticos e sociais, ambientais e da equidade de gnero, raa,
etnia e territrio. A excluso um processo dialtico e histrico, decorrente da explorao
e da dominao, com vantagens para uns e desvantagens para outros, estruturante da vida
das pessoas e coletividades, diversificada, relacional, multidimensional, e com impactos de
disparidade, desigualdade, distanciamento, inferiorizao, perda de laos sociais, polticos
e familiares, com desqualificao, sofrimento, inacessibilidade a servios,
insustentabilidade e insegurana quanto ao futuro, carncia e carenciamentos quanto s
necessidades, com invisibilidade social, configurando um distanciamento da vida digna, da
identidade desejada e da justia.
O processo de incluso/excluso se inscreve em relaes complexas que vamos
dimensionar como formas de afirmao/negao do sujeito seja nas condies do mercadocapitalista, na auto-significao das condies pessoais, nas relaes/condies de vida, na
relao ao Estado de direitos. A excluso uma expresso direta da desigualdade social,
econmica, poltica, cultural e simblica, desigualdade estruturada e estruturante.
A desigualdade condio de existncia do capitalismo, embora encoberta pela
aparente igualdade perante a lei, de contatos, de relacionamentos ou de algumas
oportunidades. A desigualdade estruturante da sociedade no est isenta de conflitos e de
mudanas em algumas relaes. Desigualdade significa relao de explorao de uns sobreoutros, de concentrao de poder, riqueza, ativos, capitais culturais, simblicos, polticos,
familiares de habilidades, reconhecimentos e diplomas. A desigualdade estruturada
tambm estruturante das relaes de organizao e participao na vida social e convm
aos que dela obtm vantagens em mant-la e ampli-la. A desigualdade traz benefcios
para uns em detrimento de outros, configurando uma relao dialtica, portanto em
permanente movimento e, no raro, em conflito. As posies decorrentes da estrutura de
desigualdade se combinam na vida cotidiana, tornando-a mais fcil para os detentores de
foras dominantes de lugares do topo da sociedade.
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O mercado capitalista, por sua vez, estrutura condies desiguais que negam ou se
opem igualdade formal estabelecida pelo direito. Os sujeitos se movem
simultaneamente no mercado e na busca de direitos, mas nem sempre essa movimentao
se combina harmoniosamente. No mercado capitalista as trocas so desiguais, baseadas no
capital, na propriedade e nos ativos, com um processo de velocidades diferentes para os
grupos socialmente detentores de poder e de riqueza e os no detentores de poder e
riqueza, isto , quanto mais riqueza h mais probabilidade de acumulao e de
distanciamento entre segmentos, grupos e classes e mais concentrao de poder e riqueza
entre os dominantes.
O alargamento dos hiatos entre ricos e pobres vem aumentando. A riqueza lquida
das duzentas pessoas mais ricas do mundo passou, em 1994 passou de 440 mil milhes de
dlares para 1.042 mil milhes de dlares em 1998 (PNUD,1999). O coeficiente de Gini,
que mede a desigualdade, tem permanecido estvel ao longo do tempo2 em torno de 0,60.
O Brasil ocupa os 125 lugar no coeficiente de Gini, ficando entre os 5 ltimos colocados
(Bird 2005). O 1% mais rico dispe da mesma renda que o 50% mais pobres = 13%
(IBGE 2003). 22,1% dos domiclios so pobres, sendo 46,4% na zona rural (2002). 29,2%
das pessoas so pobres, sendo 57,8% na zona rural. 11,2% das pessoas so indigentes,sendo 28,1% na zona rural (IBGE 2002). Alm da situao de maior incidncia da pobreza
na zona rural, podemos destacar, ainda, que h um agravamento da pobreza nas regies
metropolitanas.
Essa desigualdade no passa despercebida da populao, pois conforme a pesquisa
sistematizada por Gacita-Mari e Woolcock (2005), os brasileiros vem a sua sociedade
como muito desigual. Os autores assinalam que 96% concordam ou concordam muito em
que as diferenas de renda so muito grandes. No entanto, essa percepo no provocarevolta, pois aparece como natural, seja pela aceitao passiva de um destino, seja pela
falta de uma fundamentao poltica na percepo das relaes sociais, ou mesmo de falta
de informao em grande parte da populao. A desigualdade passa a ser aceita como um
dado natural sem perspectiva de mudana, pois se torna constitutiva da ordem social
existente. O chamado jeitinho brasileiro talvez seja uma forma de enfrentar a falta de
jeito poltico coletivo e organizado para a mudana, entendendo-se nesse jogo de palavras
que o jeito um processo que se joga com foras em confronto.
2 Com a poltica de transferncia de renda, a partir de 2003 nota-se uma pequena inflexo do coeficiente.
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Considerando que a cidadania tem como pressuposto a participao e a garantia e a
efetividade de direitos, isso implica a real prestao de servios pelo poder pblico e
existncia de condies (ou meios) de vida, com desenvolvimento pessoal na diversidade
explcita de culturas, gnero, raa, etnia e opes religiosas, sexuais, e de modos de
existncia. A negao da cidadania, por sua vez, pressupe o impedimento e ausncia
desses direitos e dessas condies.
Marshall (1988) ao definir a cidadania pelos direitos civis (liberdade), polticos
(voto e participao) e sociais (mnimos de subsistncia) buscou conciliar as desigualdades
de classe com a convivncia de classes, no pressuposto de que capitalismo e cidadania
possam se harmonizar. No entanto, esta convivncia pressupe a construo de pactos
polticos, que por sua vez pressupem foras em presena na sociedade e lutas por
interesses e valores.
Trata-se, em realidade, de uma pactuao permanente do institudo em sua relao
com o instituinte. A democracia e o estado de direito vo se implementando nos conflitos
para efetivao dos direitos. O pacto implica condicionalidades e dinmicas que vo
propiciando incluses, por sua vez, condicionadas pelas foras em presena. Os
movimentos sociais, como assinala Turner (1986), vo interferindo na cidadania, ou sejano pacto poltico que se estabelece entre as foras em presena por uma articulao e
organizao do estado.
Nessa dinmica conflituosa, nesse pacto conflituosa, a prpria legislao inscreve
no seu desenho, incluses e excluses, como aconteceu com o direito de voto das
mulheres, excludo e depois includo, e com a discriminao religiosa (ao estabelecer, por
exemplo, critrios religiosos para cargos pblicos ou para a educao). A emancipao
social desses grilhes foi o horizonte da cidadania na construo dos pactos direitoshumanos na referncia defesa da dignidade da pessoa humana independente de credo,
raa, cor, gnero, territrio, opo poltica ou sexual.
Na realidade, essa emancipao dos grilhes da discriminao e de barreiras
sociais, culturais e econmicas um movimento que contraria a prpria lgica do mercado
capitalista, que se estrutura pela desigualdade social e de renda. Na lgica do mercado
capitalista os incapazes ou ineficientes que no tm acesso ao mercado de trabalho. A
busca do aumento de produtividade e dos investimentos, por sua vez, produz e reproduz
uma excluso em cascata, onde os mais frgeis so os primeiros a serem excludos.
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A produtividade, fundada na competitividade, por si mesma excludente da
cidadania pactuada em direitos trabalhistas e no acesso a consumo e a bens e servios. Um
grande grupo da populao outsider, fica de fora. Por exemplo, segundo dados do IBGE
de 2002 (Rezende e Tafner, 2005) a taxa de participao no mercado de trabalho menor
para os pobres (57,6%) e indigentes (56,4%) que a mdia da populao (61,2%), sobretudo
no mercado formal respectivamente de 20,7% (pobres) e, 10,4% (indigentes) enquanto a
populao total participa em 38,4% do mercado formal. Na informalidade vivem 61,6% da
populao, o que significa, muitas vezes, uma excluso. A incluso na Previdncia Social
tem a uma barreira economicamente construda3. O rendimento do trabalho (em
porcentagem da renda total do trabalho) do 1% mais rico de dez vezes mais que o de 10%
mais pobres (1,2% segundo dados de 1999 do IBGE).
H tambm excluses de gnero.Em 1999 o rendimento mdio mensal das
mulheres era de 65% do recebido pelos homens nas regies metropolitanas e o rendimento
mdio por hora de trabalho variava de 71% a 79% do recebido pelos homens.( IBGE,
2002) O rendimento das mulheres com at 3 anos de estudo era de 62% em relao ao dos
homens, e de 58% para as pessoas com 11 anos de estudo. As mulheres tm a mesma
insero formal que os homens no mercado de trabalho (38,4%) embora com salrioinferior e com menor insero no mercado informal.
As condies de raa e de idade tambm se mostram desiguais no mercado de
trabalho. Os negros (10,4%) tm maior desemprego que os brancos (8,2%). Quanto ao
rendimento da ocupao principal os afro-descendentes apenas chegam a 48% da mdia
dos brancos. A mesma situao acontece com os jovens de 15 a 24 anos, com uma taxa de
desemprego de 18,1%, maior que a taxa dos no jovens. Em 2003 53,8% dos jovens
tinham remunerao de at um salrio mnimo, com remunerao mdia de 48% emrelao a remunerao mdia do conjunto dos trabalhadores.
As condies de vida refletem a desigualdade social, que aceitas pelo pacto
dominante. Nesse pacto, a efetivao dos direitos se faz desigualmente em todas as
dimenses. Vamos enfatizar a relao entre as condies de vida e as condies de renda,
destacando que a efetivao da cidadania. Conforme Rezende e Tafner, podemos destacar
o seguinte com dados de 2002:
3 As propostas de Reforma da Previdncia, na tica capitalista visam mais a excluso de direitos que aincluso de pessoas.
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Os domiclios pobres e indigentes (23,1%) tm mais pessoas por dormitrioque o total (18,57%) 2002.
Os domiclios pobres (64,3%) e indigentes (56,7%) dispem de guaencanada em nmero inferior do que o total (83,4%). Os domiclios pobres (84,6) e indigentes (79,5%) dispem de luz eltrica
em nmero inferior do que o total (93,0%). Os domiclios pobres (54,2%) e indigentes (48,9%) dispem de coleta de
lixo em nmero inferior do que o total (73,3%).
A condio de acesso tecnologia, prpria da ps-modernidade, tambm se mostra
desigual. Assim apenas 16,6% dos brasileiros dispem de computador em casa e 55%
nunca usaram um computador na vida.
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H outros equipamentos disponveis: 95,7%dispem de televiso e 61,2% dispem de celular, mas de forma desigual para alguns
equipamentos, pois dentre os 20% mais pobres, 91,5% no tm telefone.
A efetivao da cidadania social, pressupe um Estado credor dos membros da
coletividade, que contribuem com impostos e taxas, alm de servios para a coletividade se
mostra desigualmente estruturada. Os dados seguintes mostram que o prprio Estado no
garante a mesma cidadania para todos, embora se afirme, na Lei, que todos sejam iguais.
A desigualdade se expressa pela condio de classe, de renda, de raa e de gnero. Os
dados seguintes, de 2002 do IBGE traduzem de forma gritante essa desigualdade. Assim:
Negros (32,8%), pobres (19,3%) e indigentes (8,6%) contribuem para a
previdncia social em taxa inferior, ao do total da populao (41,0%), que
j muito baixa para garantia da aposentadoria;
O analfabetismo, que de 11,9% na populao total atinge mais os negros
(17,3%), os pobres (24,1%) e os indigentes (25,4%);
Se 3% ficam fora da escola na faixa etria de 7 e 14 anos, essa realidade
atinge mais os negros (3,8%), os pobres (4,3%) e os indigentes (5%);
Menos de 1% (0,75) de pobres e indigentes freqentam a Universidade,
enquanto que a taxa referente ao conjunto da populao de 9,8%;
Crianas e adolescentes vivem em condies mais vulnerveis, sendo 45%
em famlias com renda familiar per capita de at salrio mnimo (2000);
Enquanto 45,2% de gestantes brancas tm atendimento pr-natal de 6
consultas ou menos isso acontece com 66,0% de gestantes negras;
4 Pesquisa do Comit Gestor da Internet, 2005 - O Globo 25/11/2005.
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A cidadania do registro negada a 21,3% de crianas de at 1 ano de idade
que no tm registro de nascimento (2000);
A taxa de mortalidade infantil de 81,6 entre os 20% mais pobres e de 29,8
entre 20% mais ricos;
A qualidade da educao precria: metade dos estudantes que cursam a 4
srie no sabem ler e escrever corretamente.
A anlise dos dados acima mostra que a efetivao dos direitos da cidadania
concretizados nas condies de vida digna impedida pela realidade dura da
excluso social de classe, renda, raa e gnero.
Alm das excluses acima evidenciadas, existe a excluso no territrio,
com diferentes IDHs ndice de Desenvolvimento Humano e ndices de Excluso
Social. Esse ltimo ndice foi elaborado por Pochmann e colaboradores, incluindo
componentes de padro de vida, conhecimento e risco juvenil. Segundo o autor, as
regies Norte e Nordeste possuem maiores ndices de excluso quanto ao nmero
de municpios. A regio Nordeste tem 72,1% dos municpios nessa condio,
enquanto que em So Paulo e Rio Grande do Sul a porcentagem de 0,2%. No
entanto, as condies variam conforme a metropolizao e a situao do municpio.
As condies do territrio esto entrelaadas com as condies sociais. Uma anlise
do territrio sem enfoque nas relaes sociais no mostra a realidade da excluso,
embora seja um indicador espacial que possa ajudar a priorizar regies ou zonas de
excluso. Nas metrpoles pode-se observar a justaposio de favelas e prdios de
luxo no mesmo territrio. A desigualdade territorial ou espacial reflete a
concentrao de servios nas zonas centrais, configurando uma periferizao ou
uma segregao social, que tambm impede o acesso cidadania.No somente nas relaes de mercado, nas relaes sociais e nas relaes
com o Estado observa-se a marca da excluso, mas tambm na anlise dos direitos
civis. No so igualmente implementados os direitos de ir e vir, de exerccio da
liberdade e de acesso a Justia. Sua efetivao tambm est marcada pelo hiato
social e poltico e pelo deteno do poder. A seguir vamos destacar algumas
condies do exerccio desses direitos:
O volume de demanda para acesso Justia varia conforme aregio, sendo que no Sudeste h um processo judicial, em mdia
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para cada 20 habitantes, e no Nordeste 1 para cada 137 habitantes
(Rezende e Tafner, 2005);
Os processos julgados so de 65% em mdia no total de sentenas
proferidas, enquanto que no Nordeste e no Sudeste so de 5%;
80% dos processos e recursos que tramitam nos tribunais superiores
tratam de interesse do governo;
Os recursos e a morosidade favorecem os setores dominantes;
A defensoria pblica no est igualmente distribuda no territrio;
A qualidade dos servios da Justia pior para os pobres;
O acesso ao Legislativo ainda manifesta relaes de clientelismo.
Apenas 10% dos eleitores esto filiados a partidos polticos; dados
de 1996 (Gacitu-Mari e Woolcock, 2005) indicam que a maior
taxa de filiao partidria era em Porto Alegre com 5,7% enquanto
que em So Paulo era de 2,3%.
Em 1995 havia 11.281.372 pessoas sindicalizadas no Brasil sendo
16% do total de ocupados (PNAD,1995).
O impedimento do exerccio da cidadania provm, no s da informalidade do
trabalho que atinge a 60% da populao, mas da dificuldade de organizao no cotidiano,
onde a sobrevivncia exige a ocupao do tempo das pessoas de forma constante.
O tempo social de participao em associaes condicionado pelo tempo do
trabalho, da ocupao e do descanso. A participao um trabalho voluntrio adicional,
um dom de tempo. , pois, fundamental que seja garantido o tempo da greve, assim como
o tempo do domingo, da no obrigao do trabalho.
A neofilantropizao do social, com campanhas de doao (tipo Criana
Esperana da Rede Globo de Televiso), usa o dinheiro do dom para se promover a marca
do produto ou da empresa, com a voz da bondade e da incluso.
Godelier (2001) chama a ateno sobre as mudanas do dom :
O dom no Ocidente recomea, assim, a ultrapassar a esfera da vida privada e dasrelaes pessoais em que estava encurralado na medida em que se estendia a ascendnciado mercado sobre a produo e as trocas e aumentava o poder do Estado na gesto dadesigualdades. Mas, hoje, diante da amplido dos problemas sociais e da incapacidademanifesta do mercado e do Estado de resolv-los, o dom est em vias de voltar a ser uma
condio objetiva, socialmente necessria, da reproduo da sociedade (p.316).
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Ampliam-se as experincias de solidariedade, de economia da solidariedade,
fundadas no dom, na reciprocidade e tambm na deciso coletiva. O Estado tambm usa o
discurso da solidariedade para propagandear polticas de mnimos sociais de sobrevivncia,
para no comprometer as exigncias do mercado e para aliviar a pobreza sem reduzir a
desigualdade.
A solidariedade s se constri com liberdade e igualdade e no como caridade do
mais forte diante dos vulnerabilizados. na sustentabilidade de si e do coletivo que a
solidariedade se arquiteta como direito e autonomia na cidadania inclusiva.
Esse discurso da solidariedade vem muitas vezes, escamoteado pelo discurso da
competitividade, tentando-se uma quadratura do crculo isto , na tica do
neoliberalismo e do mercado, tornar a sociedade mais competitiva, , e na tica do direito
promover e garantir o desenvolvimento humano, retomando o paradoxo da convivncia do
capitalismo com a cidadania. Assim reza a proposta de Constituio Europia de 2006, no
seu artigo I-3:
A Unio Europia trabalha pelo desenvolvimento sustentvel da Europa, fundado sobreum crescimento econmico equilibrado e sobre a estabilidade dos preos, por umaeconomia social de mercado altamente competitiva, que tende ao pleno emprego e ao
progresso social e um nvel elevado de proteo e de melhora da qualidade do meioambiente. Ela promove (promeut) o progresso cientfico e tcnico. Ela combate a exclusosocial e as discriminaes e promove a injustia e a proteo sociais a igualdade entre asmulheres e os homens, a solidariedade entre as geraes e a proteo dos direitos dacriana... Ela respeita a riqueza de sua diversidade cultural e lingstica e cuida dasalvaguarda e do desenvolvimento do patrimnio cultural Europeu.
Esta declarao da Constituio Europia promete, ao mesmo tempo alta
competitividade e proteo social, com o preo da fragmentao dos direitos sociais nas
relaes adulto/criana, homens/mulheres, falantes/no falantes das mesmas lnguas,
velhos/jovens, ambiente so/ambiente no saudvel. Essas relaes so modificadas pelacompetitividade que se inscreve como um novo pacto. o pacto da competitividade que
predomina sobre o pacto da igualdade.
Assim, orienta-se pela fabricao de um sujeito correspondente s exigncias da
acumulao e da produo dominante para a lucratividade, com a reproduo da
desigualdade econmica, social e politicamente estruturada. Sistema de explorao e
dominao articulado com a violncia legalizada e legitimada pelo contrato imposto como
normal e como liberdade.
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Emancipao, cidadania e incluso
A incluso e a cidadania so processos complexos, histricos, diversificados, de
mobilidade, de reduo da desigualdade, da polarizao, da assimetria, das formas
desiguais de implicao dos sujeitos, e de afirmao da identidade, da segurana, do
trabalho, da efetivao dos direitos, da criao de oportunidades, da formao de
conhecimentos, competncias e habilidade, do fortalecimento dos laos sociais, do
respeito, da vida digna, de justia, do empoderamento, do acesso a ativos e renda, do
respeito diversidade, cultura e vida social e comunitria.
O processo de emancipao humana, que Marx denominou no incio de suas
publicaes, de humanizao, significa libertao de grilhes, barreiras e prises que os
seres humanos vo estabelecendo uns para os outros em termos de dominao. Ao colocar
um horizonte da emancipao, no final do sculo XIX, Thomas Paine (1987), destacou o
estupor e a controvrsia provocados pela Revoluo Francesa em todo o mundo, ao
estabelecer claramente a ruptura no poder pessoal de um homem sobre outro homem,
dizendo que o homem no tem nenhum direito de propriedade sobre um outro homem,
nem as geraes atuais sobre as geraes futuras, acrescentando que cada gerao tem
e deve ter a competncia de agir conforme a exigncia de suas necessidades (p.75).A emancipao humana implica, tanto o reconhecimento de direitos iguais, como a
efetivao e garantia desses direitos e a possibilidade de reclam-los, de gritar por eles, de
constituir-se em atores polticos, de afirmar identidades, de aglutinar foras de protesto , de
usar meios de presso para forar os dominantes a ceder.
Esta prtica social supe organizao e enfrentamento em nvel local, regional,
nacional e global, pois a incluso e a cidadania adquirem um dimenso de direitos
internacionais com suas cortes de direitos humanos, pactos internacionais, organismos decontrole, transparncia, denncia e presso.
A constituio de direitos de liberdade, de voto, de garantias sociais, culturais e
econmicas de uma vida digna um movimento emancipatrio que vai tornando essas
garantias indivisveis como prope a perspectiva dos direitos humanos.
Nas constituies polticas liberais ou neo-liberais estrutura-se a fragmentao
desses direitos em partes separadas, seja por grupos de pessoas, por setores, por segmentos
aos quais se ouve separadamente, para dividi-los. A determinao das foras
conservadoras de manter o fundamentalismo do mercado, os grilhes do mercado e da
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desigualdade com a justificativa da competitividade. As concesses podem ser feitas com
mais acesso a identidades e expresses, mas com menos acesso a bens que so privatizados
como gua, luz, telefonia, internet e, sobretudo com a reduo do emprego e do Estado.
nessa dupla opresso que se encontra o processo de agrilhoamento ou
aprisionamento da populao: por um lado com a reduo dos empregos formais pela
tecnologia e gesto da produtividade e da competitividade e, por outro, com a reduo do
Estado de direitos e de garantias. O desemprego provoca mais demanda social para o
Estado, que por sua vez, se reduz em termos de garantias de direitos trabalhistas, de
direitos sociais, de segurana, de incluso.
O Estado no se constitui em uma praia segura na tormenta do desemprego pois
tambm est aprisionado pelo capital internacional. As foras sociais de emancipao
precisam lutar para desprivatizar ou desreligiogizar o Estado. A religio tambm no est
separada das multinacionais. e por meio do neofilantropismo, consegue-se obter a lealdade
das massas desprotegidas e deserdadas do mercado.
Os excludos no servem para o mercado e no tm proteo do Estado, sendo uma
excluso bem reforar a outra. Na mudana da sociedade tambm os grupos tradicionais de
vizinhana e solidariedade se vem fragilizados pela separao, pela vida cotidianaheterognea e insegura. um caldo de cultura para as mfias e o crime organizado que, ao
mesmo tempo, protegem clienteliscamente e agrilhoam a populao.
Como no liberalismo tradicional dever-se-ia somente proteger apenas os pobres
merecedores de assistncia, incapazes para o mercado, trocando tutela por liberdade, no
neoliberalismo volta-se a tutelar a populao com proteo mnima em troca dos grilhes
da lealdade ao grupo, da perda da identidade da luta, do movimento, do protesto.
Assim, o que parece libertar as pessoas de um grilho, o do desemprego, ata-as aoutros, o da perda da liberdade, da autonomia. A autonomia coletiva, socialmente
construda, um processo de unio, direito, e liberdade que alguns movimentos sociais
tambm no respeitam, atando os sujeitos merc das estratgias dos dirigentes. A
construo de relaes de autonomia e direito com o Estado e o mercado implicam
relaes de autonomia e direito nas relaes sociais, incluindo as familiares, as existentes
nos movimentos e nas instituies. fundamental, em todas esferas da vida, a efetivao
do direito liberdade, participao, democracia e identidade, versus o modelo nico
da competitividade.
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Esta efetivao implica o direito participao e ao compartilhamento das decises
do poder (voz e deciso), com multiplicao e articulao de instncias de deciso - fruns,
assemblias, conferncias, comisses, debates, consultas, conselhos, votos, sugestes.
Seria longo, penoso e intil enumerar todos os grilhes e todos os direitos das
pessoas. Os direitos esto nas constituies, nas leis, nas normas e muitos grilhes a esto
tambm, limitando-os, fragmentando-os, circunscrevendo-os.
A metodologia de estudo da cidadania, da incluso e da excluso deve enumer-los
e assinalar os mas, as condicionalidades, as restries, os limites, as temporalidades,
assim como as aes afirmativas que favoream a baixa renda, as zonas degradadas, as
periferias, os segmentos mais excludos. A universalizao dos direitos e oportunidades,
muitas vezes, deixa de lado as condies de acesso aos mesmos. So estas condies que
precisam ser mudadas para se interferir na mobilidade social. O status de cidadania real
implica a combinao das oportunidades com os desejos, possibilidades e dispositivos de
garantias.. As barreiras vo se diversificando, exigindo-se novas pactuaes de incluso
social com o pressuposto da cidadania e da garantia da cidadania na normatizao de
direitos num Estado de Direitos, democraticamente construdo.
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