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VETORES ESTRATÉGICOS PARA A AUTOPERPETUAÇÃO DA EMPRESA Nilo Martins de Andrade Filho Universidade Federal do Rio de Janeiro – URFJ Instituto COPPEAD de Administração Mestrado em Administração ORIENTADORA: Denise Lima Fleck, PhD Rio de Janeiro – Brasil 2003

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VETORES ESTRATÉGICOS PARA AAUTOPERPETUAÇÃO DA EMPRESA

Nilo Martins de Andrade Filho

Universidade Federal do Rio de Janeiro – URFJ

Instituto COPPEAD de Administração

Mestrado em Administração

ORIENTADORA: Denise Lima Fleck, PhD

Rio de Janeiro – Brasil

2003

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ii

VETORES ESTRATÉGICOS PARA A

AUTOPERPETUAÇÃO DA EMPRESA

Nilo Martins de Andrade Filho

Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de

Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.).

Aprovada por:

___________________________________ – Orientadora

Profª. Denise Lima Fleck, PhD

___________________________________

Prof. Donaldo de Souza Dias, DSc

___________________________________

Prof. José Vítor Bomtempo, DSc

Rio de Janeiro – Brasil

2003

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FICHA CATALOGRÁFICA

Andrade Filho, Nilo Martins de.

Vetores Estratégicos para a Autoperpetuação da Empresa/Nilo Martins de Andrade Filho. – Rio de Janeiro, 2003.

xi, 197 f. 21il.

Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federaldo Rio de Janeiro – UFRJ, Instituto COPPEAD de Administração,2003.

Orientadora: Denise Lima Fleck.

1. Comportamento Organizacional. 2. Estratégia Empresarial. –Teses. I. Fleck, Denise Lima (Orientador). II. Universidade Federaldo Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração. III.Título.

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iv

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Vani e Nilo, pela compreensão e suporte dados durante o

curso.

À minha irmã, Lissandra, por ter dedicado parte do seu tempo ao meu bem-

estar.

À minha namorada, Raquel, pela compreensão, suporte e respeito dados.

Superou seus limites em prol da nossa relação.

À minha orientadora, Denise, por ter se tornado minha coach. Foi além do seu

papel provendo informações e mecanismos, que me ajudaram a desenvolver uma

linha de raciocínio mais profunda e acurada.

Aos meus amigos, Leonardo, Eduardo, Daniel Bruno, da Hora, Oswaldo e

Juan, por compreenderem meus momentos de ausência.

Aos meus colegas de turma, Priscilla, Ricardo, Simone e Maurício, pelo suporte

e contribuições para a pesquisa.

Aos funcionários do COPPEAD.

A Ceras Johnson pela bolsa de estudos.

À Fundação Estudar, em especial à Ilona, pela credibilidade e suporte

financeiro dados para a realização do meu intercâmbio nos EUA.

À Universidade de San Diego (USD) por ter ajudado a complementar meus

estudos.

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v

RESUMO

ANDRADE FILHO, Nilo Martins de. Vetores Estratégicos para aAutoperpetuação da Empresa. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro:

UFRJ/COPPEAD, 2003. Dissertação (Mestrado em Administração).

A dissertação investigou as sete dimensões de padrão comportamental de

organizações em contexto de crescimento propostas por Fleck (2001). São elas: modo

de organização, alocação de recursos, resolução de problemas, formação de

hierarquia gerencial, empreendedorismo, motivação para expansão, gestão de

mudança. Em situação de crescimento, cada uma das dimensões pode ser submetida

a pressões de natureza oposta que podem conduzir à autoperpetuação ou à

autodestruição da empresa. Tais tensões constituem vetores estratégicos cuja

configuração fornece indícios quanto à propensão da firma a se autoperpetuar ou a se

autodestruir.

A investigação examinou o processo de crescimento da Casas Sendas ao

longo de sua existência. A análise permitiu identificar três períodos caracterizados por

distintas configurações dos vetores estratégicos. O primeiro período exibiu uma

configuração sugestiva de propensão à autoperpetuação. No segundo período,

caracterizado por grandes mudanças de orientação estratégica da empresa, ocorreu a

desconfiguração dos vetores, posicionando a empresa numa zona de indefinição

quanto à propensão à autoperpetuação ou à autodestruição. No terceiro período

ocorreu uma reconfiguração dos vetores estratégicos no sentido do desenvolvimento

de propensão à autoperpetuação.

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ABSTRACT

ANDRADE FILHO, Nilo Martins de. Vetores Estratégicos para aAutoperpetuação da Empresa. Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro:

UFRJ/COPPEAD, 2003. Dissertação (Mestrado em Administração).

This research investigated Fleck’s (2001) growth-related behavioral dimensions

of organizations. The seven dimensions are: organizing, resource allocation, problem

solving, managerial hierarchy formation, enterprising, growth motives, change

management. As firms grow, each one of these dimensions can undergo pressures of

opposite nature that can drive to a company’s self-perpetuation or its self-destruction.

Such tensions work as strategic vectors whose configuration provides insights about

the company’s chances of self-perpetuation or self-destruction.

The investigation scrutinized the growth process of Casas Sendas. The analysis

allowed to identify three periods characterized by distinct configuration of the strategic

vectors. The first period’s configuration suggested the firm had developed a propensity

to self-perpetuate. In the second one, the firm underwent changes in corporate strategy

and the former configuration of vectors placed the firm in an ill-defined zone in terms of

self-perpetuation and self-destruction. The reconfiguration of the strategic vectors took

place in the third period by signaling the firm’s propensity to self-perpetuate.

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vii

LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Desenvolvimento do Caráter Organizacional 12

FIGURA 2 – Caminhos para a Formação do Traço 14

FIGURA 3 – Foco da Dissertação 16

FIGURA 4 – Desenvolvimento do Caráter Organizacional 99

FIGURA 5 – Caminhos para a Formação do Traço 113

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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 – Organização X Instituição 7

GRÁFICO 2 – Grau de Institucionalização 11

GRÁFICO 3 – Metas X Risco 19

GRÁFICO 4 –Chances de Fomentar o Crescimento Continuado 20

GRÁFICO 5 – Configurações do Traço de Fleck 22

GRÁFICO 6 – Exemplo de Configuração do Traço Organização 23

GRÁFICO 7 – Configuração de um Traço no Pólo da Autoperpetuação 33

GRÁFICO 8 – Configuração de um Traço no Pólo da Autodestruição 35

GRÁFICO 9 – Configuração de um Traço na Zona de Indefinição 36

GRÁFICO 10 – Análise AGREGADA dos Sete Traços de Fleck (2001) no

Período I 37

GRÁFICO 11 – Configuração do Vetor Organização no Período I 74

GRÁFICO 12 – Análise AGREGADA dos Sete Traços de Fleck (2001) no

Período I 79

GRÁFICO 13 – Configuração do Vetor Organização no Período II 81

GRÁFICO 14 – Configuração do Vetor Alocação de Recursos no Período II

82

GRÁFICO 15 – Análise AGREGADA dos Sete Traços de Fleck (2001) no

Período II 85

GRÁFICO 16 – Análise AGREGADA dos Sete Traços de Fleck (2001) no

Período III 90

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ix

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Principais Características dos Traços de Ordem Interna 18

TABELA 2 – Principais Características dos Traços Associados aos Negócios

21

TABELA 3 – Resumo da Configuração dos Traços 24

TABELA 4 – Amostra da Tabela de Eventos 31

TABELA 5 – Amostra da Tabela Organização 32

TABELA 6 – Configuração dos Traços 39

TABELA 7 – Configuração dos Traços 73

TABELA 8 – Configuração dos Vetores Estratégicos no Período I 80

TABELA 9 – Configuração dos Vetores Estratégicos no Período II 85

TABELA 10 – Configuração dos Vetores Estratégicos no Período III 90

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SUMÁRIO

1) INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 1

2) REVISÃO DE LITERATURA ....................................................................................... 4

2.1) TRAÇO ORGANIZACIONAL......................................................................................... 5

2.1.1) Institucionalização .......................................................................................... 5

2.1.2) Definição......................................................................................................... 9

2.1.3) Exemplo de Traço Organizacional ................................................................. 9

2.2) CARÁTER ORGANIZACIONAL................................................................................... 11

2.3) DESENVOLVIMENTO DE UM CARÁTER ORGANIZACIONAL .......................................... 12

2.3.1) Estímulos...................................................................................................... 13

2.3.2) Formação ..................................................................................................... 13

2.3.3) Caráter Organizacional ................................................................................ 14

2.4) FOCO DA DISSERTAÇÃO......................................................................................... 15

2.5) OS TRAÇOS DE FLECK (2001)................................................................................ 16

2.5.1) Vetores Estratégicos para a Autoperpetuação da Empresa........................ 22

2.5.2) Os Traços de Fleck (2001) e o Caráter Organizacional .............................. 25

3) METODOLOGIA ........................................................................................................ 27

3.1) CRITÉRIOS PARA A ESCOLHA DA EMPRESA ............................................................. 27

3.2) A COLETA DE DADOS............................................................................................. 28

3.3) ANÁLISE DE DADOS ............................................................................................... 30

3.3.1) Confecção da Tabela de Acontecimentos: .................................................. 30

3.3.2) Classificação dos Acontecimentos............................................................... 31

3.3.3) Configuração de um Traço em um Período................................................. 32A) Pólo da Autoperpetuação............................................................................................33

B) Pólo da Autodestruição ...............................................................................................34

C) Configuração Indefinida ..............................................................................................35

3.3.4) Análise Agregada dos Traços em um Período ............................................ 36

3.3.5) Considerações ............................................................................................. 37

4) ANÁLISE.................................................................................................................... 40

4.1) HISTÓRIA DA CASAS SENDAS ................................................................................. 40

4.1.1) Armazém Transmontano e Casa do Povo: os Antecedentes ...................... 40

4.1.2) O Início da Casas Sendas............................................................................ 43

4.1.3) A Consolidação no Mercado Fluminense .................................................... 48

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xi

4.1.4) A Década de 1990 e as Mudanças no Setor ............................................... 54

4.1.5) A Reestruturação da Sendas ....................................................................... 65

4.2) RESULTADOS DA ANÁLISE ...................................................................................... 72

4.2.1) Período I (1935 a 1987) ............................................................................... 74

4.2.2) Período II (1988 a 1994) .............................................................................. 81

4.2.3) Período III (1995 a 2002) ............................................................................. 86

4.2.4) Outras Considerações sobre a Análise dos Resultados.............................. 90

5) CONCLUSÕES .......................................................................................................... 92

6) BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 95

7) ANEXO I..................................................................................................................... 98

7.1) DESENVOLVIMENTO DO CARÁTER ORGANIZACIONAL DA EMPRESA ........................... 98

7.1.1) Formação do Traço sob a Perspectiva do Tempo....................................... 997.1.1.1) Início das Operações da Organização e a Formação dos Seus Traços...........100

7.1.1.2) Traços Adquiridos ao Longo do Tempo............................................................101

7.1.2) Estímulos.................................................................................................... 1037.1.2.1) Estímulo Organizacional...................................................................................104

7.1.2.2) Estímulo Ambiental...........................................................................................105

7.1.3) Maneiras de Formar os Traços .................................................................. 1087.1.3.1) Formação Deliberada .......................................................................................108

7.1.3.2) Formação Emergente.......................................................................................109

7.1.3.3) Ferramentas .....................................................................................................110

7.1.3.4) Caminhos para a Formação dos Traços...........................................................111

7.1.3.5) Retenção dos Traços Organizacionais .............................................................113

8) ANEXO II.................................................................................................................. 116

8.1) TABELAS DE CLASSIFICAÇÃO DOS ACONTECIMENTOS............................................ 116

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1) INTRODUÇÃO

Alguns pesquisadores da administração, como Selznick (1957), Aldrich (1979),

Hannan e Freeman (1984), sugerem que organizações específicas detêm padrões de

comportamentos, possíveis de serem identificados. Em situações semelhantes,

ocorridas em momentos diferentes da trajetória de uma organização, por exemplo,

verifica-se que ela tenderia a portar-se de maneira idêntica evidenciando a existência

de padrões. Esses padrões comportamentais, inclusive, seriam uns dos responsáveis

por conferir às organizações um caráter próprio, ou mesmo, uma “personalidade”. De

forma semelhante ao caráter humano, o caráter organizacional seria formado ao longo

da existência da organização e faria com que as ações de uma empresa não fossem

completamente aleatórias. Ou seja, decisões futuras seriam, em parte, influenciadas

pelos padrões de comportamento dela, adquiridos no passado.

A interpretação da organização como uma entidade detentora de um caráter

próprio ajuda não só na compreensão dos rumos tomados por ela, mas também serve

de suporte às posteriores tomadas de decisão do gestor. Da mesma forma que uma

pessoa ciente de seus traços tem chances maiores de escolher o melhor rumo para si,

o mesmo pode ser estendido a uma organização. Sabendo das características

portadas pela organização a qual gerencia, o gestor buscará por medidas mais

condizentes com a realidade dela.

O assunto traço organizacional, contudo, ainda não está bem difundido dentro

do campo da administração. Concentra-se na sociologia organizacional, uma das

áreas da administração, boa parte do que vem sendo escrito. Essa concentração do

assunto em uma área não impede, porém, a falta de um esforço para se compilar o

que vem sendo escrito. Na verdade, tal dispersão já se observa na inexistência de um

termo único para tratar do assunto. Alguns autores, por exemplo, chamam-no de

padrão, outros de gene organizacional, como Nelson e Winter (1982), e ainda há

aqueles que o chamam de traços, como Selznick (1957).

Mesmo pouco difundido na literatura da administração, o assunto traço

organizacional é extenso e seus autores focam em diversas subáreas do tema. Há

autores que se concentram mais no surgimento e no processo de desenvolvimento

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desses traços enquanto outros nas conseqüências de sua existência para a gestão.

Fleck (2001), por exemplo, examina a relação entre os traços e o crescimento de uma

firma propondo um conjunto de sete traços, que ajudam a compreender a trajetória de

uma empresa ao longo do tempo. Nesta dissertação, esses sete traços serão referidos

como os sete traços de crescimento de Fleck.

Para Fleck (2001), traço é um comportamento consistente que a organização

exibe ao longo do tempo podendo ser visto como o modo de resposta da empresa a

um desafio gerencial associado ao processo de crescimento organizacional. Na visão

de Fleck, o processo de crescimento está associado a diversos desafios gerenciais em

razão de crescente diversidade, complexidade, escopo e visibilidade da firma, bem

como de novas oportunidades de negócios. Enfrentar cada um desses desafios

implica em lidar com um par de tensões que trabalham em sentidos opostos

conjugando a empresa na direção de sua autoperpetuação ou de sua autodestruição.

Nesta dissertação, as tensões associadas aos desafios do crescimento são chamadas

de vetores estratégicos, os quais fornecem indícios quanto à propensão da empresa

de desenvolver a capacidade de se autoperpetuar (ou de se autodestruir) ao longo do

tempo.

O presente trabalho buscou indícios da ocorrência desses traços dentro de

uma organização. À luz desse contexto, esta dissertação teve como principal objetivo

operacionalizar o framework dos sete traços de crescimento propostos por Fleck

(2001) para responder a seguinte questão: Afinal, no decorrer da trajetória de umaempresa, será realmente possível identificar esses padrões de comportamentoem termos dos sete traços de crescimento de Fleck (2001)?

Para responder a essa pergunta, foi necessário adquirir um bom entendimento

do assunto traço organizacional. A revisão de literatura dessa dissertação teve

justamente esse objetivo; o de percorrer o que já foi escrito a respeito do tema

sintetizando as idéias de diversos autores. Uma das resultantes desse esforço foi o

framework da formação do Caráter Organizacional também apresentado nessa seção.

A exposição dele na revisão de literatura auxilia o leitor a compreender o contorno e a

amplitude do assunto melhor situando os sete traços de Fleck dentro do tema traço

organizacional. O leitor, dessa forma, pode compreender o rumo tomado pelo trabalho

levando, ainda, consigo uma visão mais completa acerca do assunto.

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3

Para identificar esses padrões de comportamento dentro dos sete traços de

crescimento de Fleck (2001), um trabalho de campo fez-se necessário. Optou-se pela

Casas Sendas, empresa brasileira que atua no setor supermercadista e é líder no

mercado fluminense. Para um melhor entendimento da análise dos sete traços do

crescimento de Fleck (2001), ofereceu-se um estudo de caso com a história da

empresa, situado após a seção metodologia.

Posterior ao caso, encontra-se uma seção com os resultados da análise da

trajetória da Casas Sendas. Nessa seção, a dissertação respondeu a pergunta

principal, acima, ressaltando as implicações trazidas pelo estudo. Por fim, apresentou-

se a conclusão com as considerações finais expondo contribuições, limitações e

sugestões de continuidade para o presente estudo.

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4

2) REVISÃO DE LITERATURA

Dentro da administração, já há algum tempo, discute-se a possibilidade de

padrões de comportamento existirem dentro das organizações, os quais seriam mais

facilmente notados no decorrer da trajetória de uma empresa. Não é incomum

encontrar relatos desse tipo dentro da literatura. Alguns empreendedores, fundadores

de empresas, impõem marcas que continuam presentes nas organizações, mesmo

depois de afastados. De forma análoga ao ser humano, detentor de padrões

comportamentais possíveis de serem identificados no decorrer de sua vida, o mesmo

pode ser sugerido em relação ao comportamento das organizações. Elas possuiriam

traços que fazem parte de uma possível “personalidade”, formada com o tempo.

Apesar de o assunto já ter sido abordado por alguns autores, como Selznick

(1957), Cyert e March (1963) e Aldrich (1979) ao longo das últimas décadas, pouco

ainda se sabe sobre ele. É um tema que necessita de pesquisas mais aprofundadas

para se avaliar a sua relevância para a administração. Suas dificuldades já começam

pela falta de termos comuns. Gene organizacional, padrão de comportamento e ainda

traço organizacional (SELZNICK 1957) são algumas das denominações encontradas

na literatura. Para o desenvolvimento desta dissertação, que seguiu muitos dos

conceitos lançados por Selznick (1957), adotou-se o termo traço organizacional.

Por ser o assunto traço organizacional ainda pouco desenvolvido dentro da

administração, essa revisão de literatura teve um caráter exploratório. Adicionalmente,

essa revisão expôs as implicações estratégicas por trás da observação dos traços

organizacionais. Nessa seção, um conceito e um framework foram sugeridos; ambos

com a função de facilitar o entendimento da pesquisa por parte do leitor. Noções

complementares concernindo o processo de formação do caráter organizacional foram

apresentadas no anexo I. O desenvolvimento desse anexo teve como base o

framework, exposto ao final desse capítulo.

O corpo da revisão de literatura foi subdividido em cinco subseções e

estruturado de forma a buscar uma compreensão mais clara a respeito do tema. As

três primeiras subseções tiveram o objetivo de proporcionar ao leitor um entendimento

mais claro a respeito do assunto traço organizacional buscando coalescer idéias da

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5

literatura acerca de sua ocorrência. Com um entendimento mais claro a respeito do

assunto, uma subseção indicando o foco da dissertação foi apresentada em seguida.

Finalmente, a última subseção abordou os sete traços de Fleck (2001) destacando a

sua relevância para o desenvolvimento de futuras pesquisas.

2.1) Traço Organizacional

Assim como não existe uma padronização entre os termos utilizados para

discutir o assunto traço organizacional, também não existem definições únicas para

tratar do assunto. Apesar de boa parte dos autores entendê-lo de forma semelhante,

nuanças são verificadas. Geralmente, as definições são desenvolvidas de acordo com

as especificações das publicações de cada autor. Fleck (2001), por exemplo,

desenvolveu uma definição baseada nos traços que estão sob a perspectiva das

atividades gerenciais. Como essa revisão de literatura teve um caráter exploratório,

desenvolveu-se uma definição de contornos amplos. Antes de elucidá-la, contudo,

discutiu-se o conceito de institucionalização proposto por Selznick (1957); conceito

esse importante para delimitar a aplicabilidade da pesquisa.

2.1.1) Institucionalização

Dentro da administração, existe uma corrente, formada principalmente pelos

autores da sociologia organizacional, como Selznick (1957), Aldrich (1979), Hannan e

Freeman (1984), que considera possível encontrar um conjunto de características

recorrentes nas organizações. Essas características, as quais podem ser

freqüentemente identificadas ao longo de sua história, podem ser observadas,

principalmente, através do modo de uma organização tomar suas decisões e agir. Na

tomada de decisão de uma empresa, por exemplo, ela é influenciada por esses

padrões de comportamento. Também significa dizer que as decisões passadas

influenciam as do futuro. Como conseqüência, chega-se à conclusão de que a tomada

de decisão dessas organizações não seria totalmente aleatória. Das componentes

atuantes na tomada de decisão de uma firma, uma delas teria como base os

processos decisórios passados e suas implicações.

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6

Selznick (1957) sugere que esses traços organizacionais sejam encontrados

nas organizações que passam pelo processo de institucionalização. Para o autor,

quando ocorre esse processo dentro de uma organização, esta passa a portar-se

como uma instituição. Por definição, a institucionalização ocorre “quando uma

organização adquire uma identidade própria, distinta... Isto envolve a tomada de

valores, maneiras de agir e acreditar que são sumamente importantes para a sua

própria salvaguarda” (pág. dezoito). Nesse sentido, uma organização que adquire a

sua identidade – compreendida como um conjunto de traços ou como detentora de um

caráter organizacional – é, então, definida como uma instituição.

Ressalta-se a diferença entre organização e instituição para Selznick (1957). A

organização “é um instrumento técnico para a mobilização das energias humanas

visando uma finalidade já estabelecida... Tudo é formulado como um exercício de

engenharia e subordinado aos ideais e disciplina correlatos de racionalidade e

disciplina”. O autor diz ainda que “o termo organização sugere, assim, uma certa

pobreza, uma insuficiência, não um sistema absurdo de coordenação consciente de

atividades. Refere-se a um instrumento perecível e racional projetado para executar

um serviço” (pág. cinco).

Já a instituição para o autor, é, “no todo, o produto natural das pressões e

necessidades sociais – um organismo adaptável e receptivo” (pág. cinco). A

institucionalização é “um processo ocorrendo ao longo do tempo, refletindo sua

história particular, o pessoal que nela trabalhou, os grupos que englobam os diversos

interesses que criaram, e a maneira como se adaptou ao seu ambiente” (pág.

quatorze). Com o tempo, é verificada a existência de uma identidade.

Uma firma que não tenha essa identidade totalmente formada, mas que

possua, ao menos, poucos traços desenvolvidos teria algum grau de

institucionalização (pág. quatorze). Essa exposição do autor abre espaço para o

entendimento da dimensão instituição como detentora de níveis distintos de evolução.

A institucionalização seria um processo e não seguiria a lógica booliana de resultados.

Através dos conceitos de instituição e organização propostos por Selznick, Fleck

(2001) propôs um gráfico com as duas dimensões.

A dimensão organização, por exemplo, tem como um dos seus principais

componentes a forma pela qual a empresa está estruturada. Quanto mais eficiente ela

estiver, maior o seu grau de organização. Já a dimensão instituição segue os

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propósitos de Selznick (1957) vistos acima. Quanto maior a quantia e o nível de

institucionalização dos valores de uma empresa, maior será o seu grau de

institucionalização. Como resultado da interação entre as duas dimensões, Fleck

observou quatro tipos básicos de empresas (ver gráfico um):

• Baixa organização/ baixa instituição;

• Baixa organização/ alta instituição;

• Alta organização/ baixa instituição;

• Alta organização/ alta instituição.

Por essa classificação, uma empresa alta organização/ alta instituição teria

uma organização eficiente e se encontraria em um processo avançado de

institucionalização. Caso o gráfico, abaixo, seja observado como uma representação

do nível de evolução de uma empresa, tal configuração representaria o nível mais

elevado em termos de institucionalização e organização alcançáveis por uma firma.

Um exemplo desse tipo de empresa foi apontado no estudo feito por Pagès et al.

(1987) na empresa TLTX, codificação usada para não explicitar os processos internos

da IBM no mundo. Nele, foi possível observar a marcante ocorrência tanto das

dimensões organização e instituição na TLTX. No momento em que o estudo foi

realizado, a TLTX tinha uma estrutura eficiente para os padrões do setor e valores não

só reconhecidos pelos seus funcionários, mas também por terceiros.

GRÁFICO 1

Organização X Instituição

baixa instituição/

alta organização

alta instituição/ alta

organizaçãobaixa instituição/

baixa organização

alta instituição/

baixa organização

InstituiçãoFonte: FleckGráfico 1

Org

aniz

ação

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Em um sentido oposto ao do tipo de configuração acima, encontra-se a de

baixa organização/ baixa instituição, representante do nível mais baixo dessa

suposta escala evolutiva. Uma empresa que esteja começando suas operações tem

chances maiores de portar-se nesse patamar por sua estrutura não ter um

aproveitamento ótimo e por valores não terem sido ainda institucionalizados. Ressalta-

se, no entanto, que essa escala de evolução não tem a pretensão de explicar a

performance das empresas. Empresas baixa organização/ baixa instituição podem ter

boas performances e vice-versa.

Para essa dissertação, essa divisão em duas dimensões foi oportuna por dar a

chance de ampliar o conjunto de empresas detentoras de traços englobando desde

aquelas com baixo grau de institucionalização até aquelas com alto grau.

Adicionalmente, para o desenvolvimento do conceito de traço organizacional, o

destaque para o grau de institucionalização embutiu a noção de processo, também

sugerido por Selznick (1957; pág. quatorze). A institucionalização é o resultado da

interação da empresa com seus stakeholders no decorrer de sua existência. É um

processo que tende a se aprimorar com o tempo. Como conseqüência, traços

organizacionais podem ser solidificados ou enfraquecidos. Ou seja, a configuração de

um traço deve ser diferente em momentos distintos.

Uma vez institucionalizados, os valores de uma empresa passam a exercer um

papel importante dentro de sua estratégia. Os valores observados em uma instituição,

como qualidade dos seus produtos e serviços, influenciam os funcionários na tomada

de decisões e nas conseqüentes ações. Na história do fabricante de pianos Steinway,

isso ficou evidente. Para confeccioná-los, seus funcionários tomavam naturalmente as

decisões referentes à produção tendo a alta qualidade, principal valor da empresa,

proeminência sobre as demais variáveis. O valor alta qualidade do produto, há

décadas, já fora institucionalizado pela empresa e passado de geração para geração

desde a sua fundação.

Por sinal, a exacerbação de um valor é uma das formas de notar a ocorrência

de traços dentro de uma firma ficando evidente em uma tomada de decisão. Sugere-

se, inclusive, que quanto maior o grau de institucionalização de uma empresa, mais

notória fica para um terceiro sua institucionalização. Na visão de Aldrich (1979),

“quanto maior o sucesso do processo de institucionalização, menor será a chance dos

seus membros questionarem a ordem estabelecida, e maior a chance [dos membros

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9

dessa organização] reconhecerem aqueles rituais bizarros que passam por ‘processos

de operação padrão’...” (pág. cinqüenta e um). Para uma pessoa não pertencente a

essa instituição, mais clara fica a intensidade do seu grau de institucionalização.

Nelson e Winter (1982) sugerem que esses padrões possam ser reconhecidos.

Dizem que, em estudos empíricos realizados dentro de uma companhia, verificaram-

se padrões de comportamento em relação às tomadas de decisão envolvendo

políticas de preço, gerenciamento de estoque, e até as políticas de propaganda. Com

o tempo, constataram o surgimento das rotinas resultantes das decisões passadas.

Para os autores, esses padrões ficaram mais evidentes nas áreas com características

mais operacionais, como as citadas acima, e menos evidentes em políticas de caráter

mais estratégico, como o P&D e da forma de enfrentar as regulamentações (pág.

dezesseis). Contudo, isso não significa que, em políticas de cunho estratégico, não

seja possível encontrar padrões de comportamento ao longo do tempo.

2.1.2) Definição

À luz dos conceitos acima, essa dissertação propôs uma definição para traço

organizacional, utilizada no desenvolvimento dessa pesquisa. Traço organizacional éuma característica adquirida pela empresa ao longo de sua existência, seja noinício ou não de sua formação, resultante de um processo de institucionalização(SELZNICK; 1957). O reconhecimento desse traço pode ser observado mesmoem empresas com baixo grau de institucionalização e fica mais evidente nas demaior grau quando o traço reflete, inclusive, o modo delas decidirem e agirem.

2.1.3) Exemplo de Traço Organizacional

Uma vez conceituado traço organizacional, exemplos ficam mais fáceis de

expor. Selznick (1957) reconhece no zelo pela qualidade do processo produtivo um

traço organizacional da empresa Gar Wood. O autor tirou das anotações de Edward

Boehm, antigo vice-presidente da Gar Wood, a seguinte passagem que evidenciou a

existência desse traço:

“Os primeiros barcos construídos pela Gar Wood eram de alta qualidade

e os melhores materiais eram empregados por mestres na arte naval. Mais

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tarde, a companhia decidiu dedicar-se à produção em massa por preço

relativamente baixo para maior distribuição. A organização inteira sentiu-se

incapaz de colaborar com a nova mudança. Tanto trabalhadores como

supervisores continuaram a preocupar-se com a alta qualidade profissional. A

equipe de vendas também não conseguiu modificar sua tática de atrair pela

qualidade e não pelo preço. O empenho na qualidade era tão forte, que uma

divisão inteiramente nova – localizada a milhas de distância e, portanto, formada

por um estafe recrutado de um mercado de trabalho diferente – teve que ser

criada para levar a cabo as novas metas com sucesso” (pág. quarenta e seis).

Selznick (1957) complementou essa passagem:

“Foi necessária uma atitude radical para fornecer condições

organizacionais apropriadas à execução de uma nova política. Este não era o

problema ao qual pudessem ser aplicados simples critérios de planejamento.

Exigiu a determinação das capacidades e limitações arraigadas à organização,

isto é, do seu caráter como instituição” (pág. quarenta e nove).

No caso acima, observou-se claramente que a institucionalização do traço

qualidade no processo produtivo refletiu-se no modo de agir dos seus funcionários.

Dependendo do grau de institucionalização do traço, ele pode ser, inclusive,

estendido para outros negócios da empresa. Uma companhia com o traço Zelo pelos

Custos nos Processos Produtivos institucionalizado caso entrasse em um novo

negócio, provavelmente lhe estenderia tal traço. Na elaboração do processo produtivo

desse novo negócio, a preocupação com os custos seria levada em consideração de

forma proeminente. Contudo, somente a observação da incidência desse traço ao

longo dos anos indicaria se o traço teria sido estendido a esse novo negócio.

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11

2.2) Caráter Organizacional

Caráter organizacional nada mais é do que um conjunto de traços. Uma

empresa pode ter no seu caráter organizacional traços, como a qualidade dos

produtos, a manutenção da satisfação dos empregados, a busca por metas agressivas

etc. Inclusive, os sete traços de crescimento de Fleck (2001), desenvolvidos

posteriormente nesse capítulo, fazem parte do caráter organizacional. Nota-se que as

empresas com maior grau de institucionalização, possivelmente, são as de caráter

organizacional de contornos mais claros.

Como a própria definição de traço organizacional indica, existem graus distintos

de institucionalização como sinaliza o gráfico dois (adaptação do gráfico um –

Organização X Instituição de Fleck). Através dele, nota-se que uma firma com pouco

grau de institucionalização estaria mais próxima da extremidade esquerda dessa

escala enquanto uma com maior grau estaria mais próxima da extremidade direita.

GRÁFICO 2:

A constatação da existência de diferentes graus de institucionalização é dada

pelas quantidades dos valores institucionalizados e suas intensidades. Quanto maior

qualquer uma dessas duas componentes – quantidade de valores institucionalizados e

o estágio aonde se encontra a institucionalização de cada um dos valores – mais

Grau de Institucionalização

Baixa Média Alta

DimensãoInstituicionalização

Fonte: FleckGráfico 2

Dim

ensã

oO

rgan

izaç

ão

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próxima da extrema direita uma firma está no gráfico acima. O caráter organizacional,

definido como a soma dos traços organizacionais de uma empresa, caminha no

mesmo sentido da dimensão instituição do gráfico dois. Conseqüentemente, sugere-se

que quanto maior o grau de institucionalização da companhia, mais nítido se tornará o

seu caráter organizacional.

2.3) Desenvolvimento de um Caráter Organizacional

Para a exposição do processo de desenvolvimento de um caráter

organizacional, essa pesquisa utilizou o framework abaixo (figura um), o qual englobou

os principais estágios desse processo. Ressalta-se que o framework é apenas uma

interpretação desse processo.

FIGURA 1

CARÁTERORGANIZACIONAL

Estímulos X1 Formação X1Organizacional Deliberada Traço

Ambiental Emergente X1

Estímulos X2 Formação X2Organizacional Deliberada Traço

Ambiental Emergente X2

Traço Xn

Figura 1

Desenvolvimento do Caráter Organizacional

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13

O objetivo foi dar ao leitor uma visão abrangente do processo, bem como a

compreensão da inserção dos sete traços de crescimento de Fleck (2001) dentro

dessa literatura. O entendimento de tal framework passa por três etapas seguindo

essa ordem: estímulos, formação e caráter organizacional. Caso o leitor queira

entender de forma mais detalhada o desenvolvimento do caráter organizacional,

maiores informações a respeito desse processo encontram-se em anexo. A seguir,

apresentam-se as três etapas desse processo:

2.3.1) Estímulos

O primeiro estágio do processo de desenvolvimento de um caráter

organizacional é o grande responsável pelo direcionamento de cada traço. Para uma

empresa desenvolver um determinado traço, é preciso a ocorrência de estímulos.

Identificaram-se dois tipos de estímulos: o ambiental (proveniente do ambiente no

qual a empresa se insere) e o organizacional (proveniente do lado interno da

organização).

Ao perceber que seus clientes estão mais exigentes em relação à qualidade

dos produtos, uma empresa visando sua sobrevivência melhorará a qualidade deles.

Este é um exemplo de estímulo ambiental. A empresa tomou essa medida por uma

das componentes do seu ambiente – clientes – demandar uma mudança de

comportamento. No entanto, se o gestor melhorasse a qualidade dos produtos de sua

empresa, independente das variáveis externas à empresa, o estímulo seria

organizacional. Ressalta-se que os estímulos podem atuar de forma concomitante e a

sua captação é fundamental para a formação de um traço.

2.3.2) Formação

O segundo estágio do processo de desenvolvimento de um caráter

organizacional é o responsável pela maneira de transmitir o traço. São duas as

maneiras de os traços se formarem: a emergente (sem um planejamento prévio para

que o traço se forme) e a deliberada (com um planejamento prévio por trás da sua

formação).

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Quando um gestor não canaliza, de alguma forma, os esforços para que se

desenvolva um traço que, mesmo assim, desenvolve-se, diz-se que o processo de

formação foi emergente. Ou seja, o traço desenvolveu-se naquela organização sem o

planejamento do gestor para a formação do traço, diferente da formação deliberada, a

qual exige o uso de ferramentas para o desenvolvimento do processo. Ferramentas,

nesse caso, são normas, leis, regras e procedimentos estabelecidos pela companhia,

que geralmente têm como base valores e princípios cultivados por ela.

Da mesma forma como ocorrem nos estímulos, os dois tipos de formação de

traços podem atuar de forma concomitante. Nota-se que para a formação dos traços

existe o auxílio das ferramentas que atuam com os estímulos. Ainda, nesse estágio,

identificam-se quatro possíveis caminhos para a formação de um traço já que os dois

estímulos podem influenciar quaisquer das maneiras de os traços se formarem. Na

figura dois, abaixo, têm-se os quatro caminhos para a formação dos traços.

FIGURA 2

2.3.3) Caráter Organizacional

Esse estágio nada mais é do que a coalescência do traço organizacional

recém-formado aos demais. Todos os traços da companhia formam o seu caráter

Caminhos para a Formação dos Traços

Estímulo Ambiental/ Estímulo Ambiental/

Formação Deliberada Formação Emergente

Estímulo Organizacional/ Estímulo Organizacional/

Formação Deliberada Formação Emergente

Modo de Formação

Baseado na revisão de literaturaFigura 2

Estím

ulo

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organizacional. Nesse estágio, dependendo do grau de institucionalização o qual a

empresa tenha atingido, é possível melhor delinear trajetórias mais compatíveis com a

“personalidade” da organização. Entre os vários traços que compõem o caráter

organizacional estão os sete traços de crescimento de Fleck (2001). Como será visto

adiante, eles funcionam como vetores que indicam se a empresa caminha, ou não,

para a autoperpetuação.

2.4) Foco da Dissertação

Com um melhor esclarecimento do assunto traço organizacional, fica mais fácil

de entender o contorno tomado por essa dissertação. Nessa primeira passagem pelo

assunto, viu-se que o seu desenvolvimento é incipiente e que, em muitos casos, as

conclusões são tomadas através de suposições. Há, no entanto, estudos mais

avançados que indicam com maior nitidez os contornos do tema. Os sete traços de

Fleck (2001), um deles, foram sugeridos através de uma bem fundamentada base

empírica. Foi um estudo longitudinal feito pela autora nas empresas General Electric

(GE) e Westinghouse Electric (WH) abrangendo mais de onze décadas de existência

das duas empresas.

Essa dissertação concentrou-se no bloco Caráter Organizacional do framework

proposto, mais especificamente dentro dos sete traços de crescimento de Fleck (2001)

como pode ser visto na figura três a seguir. O trabalho de campo teve como objetivo a

identificação de padrões de comportamento de uma empresa brasileira atuando há,

pelo menos, três décadas. A análise dos padrões de comportamento dentro da

perspectiva dos traços propostos por Fleck (2001), na empresa estudada, permitiu

ainda identificar indícios do desenvolvimento da propensão à autoperpetuação e/ou à

autodestruição.

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FIGURA 3

2.5) Os Traços de Fleck (2001)

Uma vez definidos os contornos do tema traço organizacional, o

aprofundamento dos sete traços de crescimento de Fleck (2001), foco dessa

pesquisa, tornou-se apropriado. Fleck (2001) identificou um conjunto de traços

relacionados ao crescimento de uma firma. No estudo longitudinal englobando a

General Electric (GE) e a Westinghouse (WH), Fleck (2001) identificou duas classes

de orientação de traços organizacionais relacionados ao crescimento da firma: uma

orientada para os aspectos internos da organização e outra orientada para o negócio.

Ao todo, essas duas classes foram responsáveis por sete traços chamados de os setetraços de crescimento de Fleck (2001).

CARÁTERORGANIZACIONAL

Estímulos X1 Formação X1Organizacional Deliberada Traço

Ambiental Emergente X1

Estímulos X2 Formação X2Organizacional Deliberada Traço

Ambiental Emergente X2

Foco dessa dissertação

Traço Xn

Figura 3

Os 7 traçosde Crescimento de Fleck(2001)

Foco da Dissertação

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Na classe de orientação para o aspecto interno da organização, foram

identificados quatro traços: organização, alocação de recursos, resolução deproblemas e desenvolvimento de hierarquia gerencial. Já na classe de traços

orientados para o negócio, foram identificados três: empreendimento, motivaçãopara o crescimento e gerenciamento de mudança.

Como forma de melhor entender os sete traços de crescimento de Fleck

(2001), a autora desenvolveu uma definição de traço mais ligada às características da

organização diferenciando-se da definição inicial proposta por esta dissertação de

caráter mais abrangente. Para a autora, traço é um comportamento consistente que a

organização exibe ao longo do tempo, podendo ser visto como o modo de resposta da

empresa a um desafio gerencial associado ao processo de crescimento

organizacional. Os desafios associados aos traços de ordem interna dizem respeito à

gestão das conseqüências advindas do aumento de tamanho: maior diversidade,

crescente complexidade, aumento dos conflitos de prioridades, crescente demanda de

talentos gerenciais.

O traço organização, por exemplo, está associado ao desafio de gerenciar um

conjunto de atividades cuja diversidade aumenta à medida que a firma cresce. A

gestão do escopo ampliado (resultante da crescente diversidade) constitui um desafio

gerencial envolvendo tensões opostas: de um lado as pressões exercidas com o

sentido de enfatizar as semelhanças e que, portanto, indicam um caminho de

integração; e de outro lado as pressões que colocam em relevo as diferenças e

sinalizam uma necessidade de fragmentação. Em seu estudo, Fleck observou um

consistente comportamento por parte da GE no sentido da integração de suas

diversificadas atividades, enquanto a WH exibiu um consistente comportamento

voltado à fragmentação.

Em suma, associadas aos traços de Fleck estão as noções: desafio gerencial e

modos de resposta ao desafio. Tais modos espelham as tensões associadas ao

desafio gerencial, situando-se em pólos extremos. Fleck sugere que cada pólo de

tensão enseja propriedades que contribuem para a autoperpetuação ou para a

autodestruição da empresa. A seguir, a tabela um que sintetiza as principais

características dos traços de ordem interna:

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TABELA 1

Principais Características dos Traços de Ordem Interna

TRAÇO ASSOCIADOA ASPECTOSINTERNOS

DESAFIOGERENCIAL

NATUREZA DATENSÃO ASSOCIADA

PÓLOS DA TENSÃO(MODOS DERESPOSTA AODESAFIO)

IMPLICAÇÕES DOSPÓLOS NO LONGOPRAZO

! Ênfase nassemelhanças

! Integração viabusca desinergias

AutoperpetuaçãoOrganização À medida que aempresa cresce,aumenta o graude diversidade

! Ênfase nasdiferenças

! Fragmentaçãovia busca deautonomia daspartes

Autodestruição

! Processodeliberado dealocação derecursos

! Fortecoordenação daalta direção

AutoperpetuaçãoAlocação derecursos

À medida que aempresa cresce,aumentam osconflitos deprioridade ! Processo

emergente dealocação derecursos

! Fracacoordenação daalta direção

Autodestruição

! Identificaçãominuciosa egeralmentedemorada deevidências buscandodescrever comprecisão osproblemas

! Modosistemático deresolverproblemas

AutoperpetuaçãoResolução deproblemas

À medida que aempresa cresce,aumenta acomplexidade(torna-se maisdifícil entender asquestões)

! Busca desoluções imediatas àmedida que surgemos problemas

! Modo ad hoc(casuístico) deresolverproblemas

Autodestruição

! Investimento derecursos (tempo edinheiro) naformação interna degestores

! Desenvolvi-mento degestores: cedo ede formadeliberada

AutoperpetuaçãoFormação dehierarquiagerencial

À medida que aempresa cresce,aumenta ademanda portalentosgerenciais

! Recrutamentorápido de gestoresno mercado namedida danecessidade

! Desenvolvi-mento degestores: pobre ede formaemergente

Autodestruição

Fonte: Fleck

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Enquanto os desafios gerenciais associados aos aspectos internos da

organização dizem respeito à gestão das conseqüências decorrentes do aumento de

tamanho, os desafios gerenciais relacionados aos aspectos de negócio compreendem

as questões envolvidas no relacionamento da empresa com o ambiente visando ao

fomento do crescimento contínuo dos negócios: empreendedorismo, motivaçõespara o crescimento, gestão da mudança.

O desafio de fomentar empreendedorismo na empresa relaciona-se às noções

de enterprising sugeridas por Penrose (1959), as quais compreendem dois aspectos: a

estipulação de metas e os cuidados com a proteção da organização em relação aos

riscos potenciais de seus negócios. De acordo com Fleck, as metas podem ser

satisfatórias ou audaciosas, enquanto os riscos assumidos podem ser compatíveis ou

ultrapassar a capacidade da organização de lidar com infortúnios em caso de

insucesso de um empreendimento. A composição dessas duas dimensões deu origem

a quatro possíveis modos de resposta ao desafio, conforme mostra o gráfico três,

abaixo.

GRÁFICO 3

Destes, somente o modo que combina metas audaciosas com níveis de risco

compatíveis com a capacidade da empresa de lidar com os insucessos (hachurado no

gráfico três) contribuiria para a autoperpetuação da empresa.

Já o desafio gerencial associado às motivações subjacentes a um movimento

de expansão foi inspirado nos tipos de motivos para expansão de Chandler (1977).

Metas X Riscos

Metas Audaciosas

Riscos Compatíveis

Metas Audaciosas

Riscos ExageradosMetas Satisfatórias

Riscos Compatíveis

Metas Satisfatórias

Riscos Exagerados

RiscosFonte: FleckGráfico 3

Met

as

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São eles: produtivos, quando a expansão objetiva ganhos de produtividade via

economias de escala e/ou de escopo, e defensivos, quando o crescimento busca

defender os negócios existentes de rivais existentes ou potenciais, e/ou de incertezas

no fornecimento de insumos, ou ainda quando a expansão busca reduzir o grau de

competição na indústria. Combinando estes dois tipos, Fleck sugere a possibilidade de

dois outros motivos para expansão: híbrido (tanto produtivo quanto defensivo) e nulo

(nem produtivo nem defensivo). Segundo Fleck, os quatro modos de resposta ao

desafio gerencial de fundamentação de movimentos de expansão apresentam

diferentes graus de contribuição para estimular o crescimento contínuo dos negócios

(ver gráfico quatro).

GRÁFICO 4

Finalmente, o desafio da gestão da mudança diz respeito à identificação e

atuação sobre fontes de mudança que podem atuar em benefício ou em prejuízo dos

negócios da empresa. Fleck propõe que os modos de resposta ao desafio podem

buscar adaptação às mudanças iniciadas por outrem, ou manuseio da mudança

interferindo de forma a promover ou neutralizar mudanças. A tabela dois, a seguir,

sintetiza os principais aspectos dos traços associados aos negócios.

Nula Defensiva Produtiva Híbrida

Menos provável Mais provável

Fonte: Fleck (2001)Gráfico 4

Chances de fomentar o crescimento continuado

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TABELA 2

Principais Características dos Traços Associados aos Negócios

TRAÇO ASSOCIADOA NEGÓCIOS

DESAFIOGERENCIAL

NATUREZA DATENSÃO ASSOCIADA

PÓLOS DA TENSÃO(MODOS DERESPOSTA AODESAFIO)

IMPLICAÇÕES DOSPÓLOS NO LONGOPRAZO

! Otimização deretornos (máximos)com riscos(mínimos)

! Metasaudaciosas comníveis de riscocompatíveis

AutoperpetuaçãoEmpreendedoris-mo

Fomento deiniciativasempreendedorasno seio daempresa

! Sub-otimizaçãode retornos e/ouriscos

! Metas apenassatisfatórias oumetas audaciosascom níveis derisco exagerados

Autodestruição

! Desenvolvi-mento de domínioscom produtividadecrescente e eventualdefesa dos mesmos

! Híbrido ouprodutivo

AutoperpetuaçãoMotivações paraexpansão

Fundamentaçãodo movimento deexpansão

! Defesa dedomínios existentesou conquista denovos domínios quenão aumentam aprodutividade globalda empresa

! Defensivo ounulo

Autodestruição

! Identificaçãogeralmente custosae demorada depossíveis fontes demudança buscandopoder moldar oambiente

! Manuseio dasfontes demudança a favorda empresa

AutoperpetuaçãoGestão damudança

Identificação de eatuação sobrefontes demudança quepodem beneficiarou prejudicar osnegócios daempresa

! Identificação demudanças ocorridasbuscando o melhor emais rápido ajusteda empresa aoambiente

! Adaptação àsmudançasocorridas

Autodestruição

Fonte: Fleck

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2.5.1) Vetores Estratégicos para a Autoperpetuação da Empresa

Como deixam claras as duas tabelas, associadas a cada um dos sete traços de

Fleck (2001) há um par de tensões, cada uma das quais dirigidas para um pólo distinto

– autoperpetuação e autodestruição. O gráfico cinco, abaixo, exemplifica possíveis

configurações de um traço ilustrando as tensões na forma de vetores de idêntica

direção e de sentidos opostos. A configuração a indica equivalência de ações das

tensões enquanto as configurações b e c representam predominância de orientações à

autoperpetuação (b) e à autodestruição (c).

Finalmente, as configurações d e e representam formas extremas de traço

orientado à autoperpetuação (d) e à autodestruição (e). Nestas (d e e), identifica-se

uma configuração “pura”, resultante da atuação de apenas uma das duas tensões

sobre o traço organizacional. A representação da configuração de tal traço é propícia

em análises que só encontrem evidências de mesmo sentido na trajetória de uma

companhia.

GRÁFICO 5

As expostas configurações do traço de Fleck deixam clara a existência de

intensidades diferentes. O traço é representado de acordo com o encontro de

evidências de cada uma das suas duas tensões. Verificando-se a ocorrência do traço

AUTODESTRUIÇÃO AUTOPERPETUAÇÃO

a

b

c

d

eGráfico 5Fonte: Fleck

CONFIGURAÇÕES DO TRAÇO DE FLECK

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organização (ver tabela um) em uma empresa, podem ser encontradas muitas

evidências de que a gestão das conseqüências advindas do aumento da diversidade

leva a empresa para o sentido da tensão de integração. Contudo, na mesma empresa,

também podem ser encontradas poucas evidências de que essa gestão a ruma para o

sentido da tensão da fragmentação. Ponderando-se o encontro desses dois tipos de

ocorrências, conclui-se que o traço organização dessa empresa teria predominância

da tensão integração já que houve um encontro maior de evidências dessa última. O

gráfico seis, abaixo, ilustra a configuração do traço organização desse suposto

exemplo. Ressalta-se que, no longo prazo, a tensão de integração leva a firma para o

pólo da autoperpetuação.

GRÁFICO 6

Além da intensidade, a representação dos traços de Fleck (2001) também

contempla direção e sentido. Para cada traço, a direção das duas tensões do vetor é

idêntica, enquanto o sentido das mesmas é oposto (ver gráfico seis). O exemplo aqui

exposto para o traço organização pode ser estendido para os seis restantes. A tabela

três, abaixo, sintetiza as tensões associadas a cada um dos traços sobre sua

representação na forma de vetores.

AUTODESTRUIÇÃO AUTOPERPETUAÇÃOTENSÃO b TENSÃO

FRAGMENTAÇÃO INTEGRAÇÃO

Gráfico 6Fonte: Fleck

EXEMPLO DE CONFIGURAÇÃO DO TRAÇO ORGANIZAÇÃO

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24

TABELA 3

Resumo da Configuração dos Traços:

Fonte: Fleck (2001)

A análise conjunta desses sete vetores pode dar um indício a respeito da

trajetória de uma empresa indicando se a mesma caminha, ou não, para a sua

perenidade. Por ser o assunto de importância considerável para a sobrevivência da

empresa, os sete traços de crescimento de Fleck (2001) também são chamados de

vetores estratégicos para a autoperpetuação da empresa.

Ressalta-se que, em seu estudo sobre a GE, Fleck encontrou indícios de que

os traços da empresa norte-americana tinham apontado, predominantemente, para o

pólo da autoperpetuação justificando a sua existência por mais de onze décadas

(FLECK 2001; pág. duzentos e noventa e quatro). Em conseqüência, os vetores

estratégicos da GE apontavam predominantemente para o pólo da autoperpetuação.

Em um movimento contrário, foram encontrados na WH indícios de que, durante sua

existência, seus traços e, conseqüentemente, seus vetores apontavam para o pólo da

autodestruição justificando o fim da empresa após onze décadas de existência

(FLECK 2001; pág. 294).

ABORDAGEM DOS TRAÇOS PÓLO da Zona de PÓLO daAutodestruição Indefinição Autoperpetuação

Traços orientação – internai. Organização Fragmentação Integração

ii. Alocação de recursos Fraca coordenação de topo Forte coordenação de topo

iii. Resolução de problemas Caso a caso Sistemática

iv. Desenvolvimento de hierarquia gerencial

Desenvolvida de forma pobre Desenvolvida cedo

Traços orientação – negóciosv. Empreendimento Metas satisfatórias, inferiores Metas ambiciosas, esticadas

vi. Motivação para o crescimento Defensiva, nula Produtiva, híbrida

vii. Gerenciamento da mudança Adaptando Moldando

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25

2.5.2) Os Traços de Fleck (2001) e o Caráter Organizacional

Por fim, destaca-se a importância dos traços de Fleck (2001) para aferir

contornos mais precisos a respeito do caráter organizacional de uma empresa. Como

proposto por essa dissertação, caráter organizacional é um conjunto de traços. Por ser

a literatura ainda incipiente no assunto, a identificação de um caráter para uma

empresa torna-se ainda mais difícil. Nesse sentido, a identificação dos sete traços de

Fleck (2001) é uma tentativa de decifrar o caráter organizacional de uma empresa

dando indícios a respeito de seu crescimento.

Ressalta-se, no entanto, que a constatação dos sete traços de Fleck (2001) em

diferentes empresas não significa, necessariamente, que todas possuirão o mesmo

caráter organizacional. Mesmo sendo possível a identificação dos sete traços em

distintas empresas, estes podem assumir diferentes configurações para cada um dos

traços. As numerosas possibilidades de configuração dos traços de crescimento

indicam, conseqüentemente, as numerosas configurações de caráter organizacionais

passíveis de representação.

O traço motivação para o crescimento (ver tabela três), por exemplo, pode

assumir diferentes posicionamentos: produtivo, defensivo, híbrido ou nulo. Como

conseqüência, levando-se em consideração apenas esse traço, uma firma pode

assumir diferentes caráteres. No estudo longitudinal na GE e WH, Fleck identificou em

ambas empresas os sete traços de crescimento, porém, com diferentes configurações

conferindo-lhes, assim; caráteres organizacionais distintos.

Mesmo que duas organizações apresentem as configurações dos sete traços

de forma semelhante, dificilmente o caráter organizacional de cada uma será igual ao

da outra. Afinal, os traços de crescimento de Fleck (2001) são apenas alguns dos

traços existentes dentro do caráter organizacional. Frisa-se, também. que a

configuração de um traço em um momento não significa que a mesma assim

permanecerá ao longo de sua trajetória. Em períodos diferentes de uma empresa, o

mesmo traço pode estar situado em pólos opostos.

Sendo a literatura da administração incipiente nesse assunto, é possível haver

outros traços que complementem a própria noção de Fleck (2001) de autoperpetuação

ou autodestruição. Mais ainda; é possível existir outros traços, ainda não identificados,

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que não influenciem na longevidade da empresa, mas que lhe dão um caráter

particular. Tais suposições evidenciam que a definição de um caráter organizacional

para as empresas tem um extenso percurso à frente.

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3) METODOLOGIA

Essa dissertação teve como objetivo principal a identificação daqueles sete

traços de crescimento de Fleck (2001) em uma empresa brasileira. A ocorrência

desses traços pode ser observada através de padrões comportamentais que, por sua

vez, levam a indícios de suas configurações. Como visto anteriormente, cada traço foi

representado na forma de vetor que poderia estar apontado para o sentido do pólo da

autoperpetuação ou da autodestruição.

Esse trabalho investigou uma organização brasileira cuja trajetória possibilitava

examinar a ocorrência desses padrões de comportamento. Como a própria palavra

trajetória deixa implícita, um estudo longitudinal dessa empresa foi realizado. Além

de ser qualitativo, esse trabalho teve caráter exploratório devido à existência de

poucos trabalhos desenvolvidos dentro desse assunto.

3.1) Critérios para a Escolha da Empresa

Para identificar a existência de um traço organizacional, foi preciso lidar com a

variável tempo. A consistência das ações de uma empresa é melhor observada

através de sua história dando mais consistência a um estudo de tal natureza.

Estabeleceu-se, assim, que a escolha da empresa seria basicamente fundamentada

pelo seu tempo de atuação no mercado. Conseqüentemente, um patamar mínimo de

trinta anos foi adotado. Adicionalmente, optou-se por empresas situadas no estado do

Rio de Janeiro devido à facilidade na coleta de dados como foi o caso das entrevistas.

A rede de supermercados Casas Sendas, preenchendo todos os requisitos

acima, foi a escolhida. Antes, outras empresas foram cogitadas, mas a dificuldade de

obter dados secundários destas inviabilizou a escolha. Contribuiu também para a

escolha da Casas Sendas o fato de sua origem datar da década de 1930 embora,

oficialmente, ela tenha pouco mais de quarenta anos de idade. A matriz da empresa

situa-se em São João de Meriti (SJM), na Baixada Fluminense do estado do Rio de

Janeiro. Praticamente todas as operações do grupo Sendas concentram-se nesse

estado, no qual é líder de mercado no setor supermercadista.

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28

3.2) A Coleta de Dados

Uma vez tendo sido a Sendas escolhida para a análise da aplicabilidade dos

propósitos dessa dissertação, partiu-se para a coleta de dados. Tal coleta teve o

objetivo de viabilizar um estudo longitudinal com a reconstituição mais fidedigna

possível da história dessa empresa. Nesse caso, a identificação dos padrões

comportamentais de uma empresa somente é viabilizada caso eles sejam encontrados

na trajetória da organização. Alguns autores, entre os quais cita-se Mohr (1982), vêem

o estudo longitudinal, inclusive, como a pedra inicial para se chegar a teorias dentro da

administração caso existam.

Contudo, para se alcançar a fidedignidade necessária, é preciso uma boa

coleta de dados. Como sugerem Brewer e Hunter (1989), nenhum método de coleta

de dados sozinho dá essa segurança. Cada método tem a sua imperfeição (pág.

quatorze). Para diminuir as fraquezas de cada um dos métodos e fortalecer a

complementaridade das informações coletadas, optou-se pela triangulação de dados

(BREWER e HUNTER, 1989; SMITH, THORPE e LOWE, 1994, QUINN, 1995). A

triangulação de dados facilitou, inclusive, a posterior análise dos sete traços do

crescimento de Fleck.

Na visão de Brewer e Hunter (1989), a escolha dos dados é de extrema

importância para a validação da pesquisa (pág. oitenta e dois). Por isso, para

reconstituir a história da Casas Sendas, foi necessário não somente coletar dados

referentes à empresa, mas também coletar dados do setor supermercadista. Com

isso, obteve-se uma maior sensibilidade de como o ambiente influiu na evolução da

empresa. Ressalta-se, ainda, que a coleta de dados do setor focou no mercado

fluminense haja vista a concentração das operações da Sendas nesse mercado ao

longo de sua história. Partindo dessas premissas, para a coleta de dados, foram

utilizadas informações secundárias e entrevistas.

A coleta de dados secundários foi feita, necessariamente, antes da entrevista.

Essa ordem deveu-se à freqüente dificuldade de se conseguir uma entrevista com

algum funcionário da empresa em questão. Quanto mais informado estivesse o

entrevistador a respeito da daquela empresa, maiores seriam as chances da entrevista

trazer fatos novos ou versões mais detalhadas de eventos já pesquisados. Essa

divisão da coleta em duas etapas também teve o objetivo de confrontar as

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informações dos dados secundários com as da entrevista conforme previsto na

triangulação.

Como fonte da coleta de dados secundários, utilizaram-se publicações de

empresas brasileiras, publicações setoriais, dados existentes na internet, relatório

anual da empresa, além de reportagens em jornais. No caso das publicações setoriais,

quase todas as reportagens de cada publicação foram pesquisadas. Foram mais de

duzentos e cinqüenta fascículos pesquisados a respeito do setor supermercadista

SUPERHIPER.

Contudo, dentro das publicações, nem sempre os dados são consistentes.

Quando havia uma grande quantidade de dados que refutassem um dado

contraditório, este era excluído. No caso de haver poucas evidências para refutar ou

aceitar um dado contraditório, este era selecionado e levado para ser confirmado na

entrevista. Caso o entrevistador não soubesse acerca da veracidade daquele fato, os

dados eram, então, desconsiderados.

De posse dos dados secundários, uma primeira reconstituição da trajetória da

Casas Sendas foi feita. No entanto, eles deixaram algumas lacunas, as quais foram os

principais motivadores para a elaboração das perguntas da entrevista, bem como pelo

direcionamento da mesma.

As entrevistas que, de acordo com Snow e Thomas (1994), é o segundo tipo de

método de campo (pág. quatrocentos e sessenta e um) foram realizadas no mês de

março de 2002 com dois funcionários Sendas. Eunice Gomes, do departamento de

relações com o mercado, e Leo Ambram, do departamento de logística, foram os que

estiveram acessíveis ao entrevistador. Parte dos objetivos iniciais foi alcançada.

Muitas das inconsistências de dados foram eliminadas e fatos novos foram incluídos

na reconstituição da história da empresa. Contudo, algumas lacunas, na sua maior

parte referente ao início da operação da empresa, não receberam o preenchimento

inicialmente devido pelos dois entrevistados não terem participado daquele momento

da empresa. Com a coleta de dados finalizada, uma compilação foi feita dando origem

ao relato da Casas Sendas, base para a posterior análise dos dados.

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30

3.3) Análise de Dados

Após a reconstituição da história da Casas Sendas, foi feita a análise dos

dados com o objetivo de encontrar evidências acerca das postulações de Fleck (2001)

em relação às tensões associadas a cada um daqueles sete traços. Cada um dos sete

traços foi analisado separadamente. As evidências foram identificadas através de

acontecimentos que indicassem a ocorrência do traço na Sendas em um período. Com

a identificação desses acontecimentos, abriu-se espaço para classificá-los em uma

das duas tensões do traço (pólo de autoperpetuação e autodestruição).

A classificação em um dos pólos foi dada pelo número de vezes às quais

determinado comportamento se manifestava. Ou seja, o maior número de

acontecimentos, ocorridos dentro de um dos dois pólos, foi o indicador para a

classificação do traço em distintos períodos.

3.3.1) Confecção da Tabela de Acontecimentos:

Para chegar a essa classificação, uma tabela auxiliar foi preparada.

Inicialmente, o procedimento aplicado foi o de classificar os acontecimentos uma única

vez em um dos sete traços de Fleck (2001). O resultado desse procedimento foi

insatisfatório e uma nova tabela foi elaborada por se verificar que cada acontecimento

poderia ser uma evidência da ocorrência de mais de um traço dentro da Sendas. A

análise do estudo, através do primeiro procedimento, mostrou-se incompleta e não é

aconselhada sua utilização no caso desse estudo vir a ser replicado.

Contudo, a primeira tabela permitiu a confecção de uma segunda mais bem

estruturada possibilitando um acontecimento ser classificado até sete vezes, número

correspondente dos traços de Fleck. Duzentos eventos provenientes das diversas

fontes foram identificados e organizados em uma lista em ordem cronológica. A tabela

quatro, abaixo, exibe uma amostra da Tabela de Acontecimentos apresentada no

anexo II:

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TABELA 4

Amostra da Tabela de Eventos

Fonte: Tabela de Eventos

3.3.2) Classificação dos Acontecimentos

Constituída de duzentos acontecimentos, foi, então, realizada uma análise

qualitativa. A tabela de acontecimentos deu origem a uma nova de apoio à análise.

Quatorze colunas foram acrescentadas à coluna descritiva dos acontecimentos. A

análise consistiu em identificar evidências relacionadas a um, ou mais, dos quatorze

pólos possíveis, pois, em princípio, cada evento podia conter evidências de um traço

de crescimento de Fleck (2001). Ou seja, cada evento foi analisado sete vezes. Sendo

identificada(s) evidência(s) de característica(s) do traço que estava sendo analisado,

incluía-se, na célula correspondente da tabela, um comentário justificando a

classificação. Abaixo, na tabela cinco, encontra-se uma amostra da tabela de

classificação dos traços.

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TABELA 5

Amostra da Tabela de Traços Organizacionais

Fonte: Tabela de Traços

Para ilustrar o procedimento de classificação utilizado na análise de cada traço,

expôs-se, como exemplo, o acontecimento número vinte e oito, o qual retratou uma

das conseqüências da viagem de Arthur Sendas aos EUA em 1969 (ver tabela cinco

acima). A análise indicou que essa tentativa de dar uma imagem única às lojas ajudou

a Sendas a padronizar as suas lojas facilitando a integração dentro da empresa. Como

conseqüência, na tabela do traço organização, o acontecimento foi classificado como

um fato indicador da tensão de integração (pólo de autoperpetuação) havendo, ainda,

a justificativa do porquê daquela classificação dentro do pólo.

3.3.3) Configuração de um Traço em um Período

Após a classificação dos eventos em termos dos sete traços de crescimento de

Fleck (2001), identificou-se a freqüência em que as duas tensões se manifestaram no

período. A referida freqüência analisada em conjunto com a percentagem da

manifestação das tensões foi responsável pela intensidade e pelo sentido do traço

naquele período. Ressalta-se que a direção do vetor é a mesma independentemente

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do seu sentido. Para a representação da intensidade e sentido do vetor, a seguinte

linha de raciocínio foi adotada:

A) Pólo da Autoperpetuação

Independente da direção do traço, a intensidade e sentido do vetor são

resultantes de dois vetores de sentidos opostos. Os traços podem ter evidências nos

pólos de autoperpetuação e autodestruição. Quando isso ocorre, é necessário que

ambas as manifestações sejam levadas em consideração para que se calcule a

resultante do vetor e, conseqüentemente, o seu sentido. Em um suposto exemplo (ver

gráfico sete abaixo) em que oitenta por cento das manifestações estejam no pólo da

autoperpetuação e o restante (vinte por cento) no pólo da autodestruição, o vetor de

manifesto do pólo de autoperpetuação do traço será de 0,8 positivo enquanto o vetor

de manifesto do pólo de autodestruição será de 0,2 negativo. A intensidade do traço

no período será a resultante da soma dos dois vetores, ou seja, 0,6 positiva com

sentido para a autoperpetuação.

GRÁFICO 7

Manifestos de Autoperpetuação: 0,80

Manifestos de Autodestruição: -0,20

INTENSIDADE DO VETOR VETOR RESULTANTERESULTANTE: 0,60SENTIDO: AUTOPERPETUAÇÃO PÓLO

AUTOPERPETUAÇÃOGráfico 7 Intensidade entre 0,4 e 1Fonte: Fleck

CONFIGURAÇÃO DE UM TRAÇO NO PÓLO DA AUTOPERPETUAÇÃO

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Considera-se que um traço está configurado no pólo da autoperpetuação

quando a resultante dos dois vetores for maior do que 0,4 positiva. Logicamente, o

maior valor dessa resultante é um (1) positivo; quando apenas ocorrências no pólo da

autoperpetuação são encontradas. Esse intervalo foi estipulado utilizando os mesmos

princípios da pesquisa de Couger (1986). Em sua pesquisa sobre motivação, o autor

utilizou a Escala de Likert (1 a 7) tendo associado o intervalo de valores cinco a sete a

uma zona de alta motivação. Tendo em vista que o grau cinco, patamar inferior desse

intervalo, eqüivale a aproximadamente setenta por cento do valor máximo da escala,

adotou-se o patamar mínimo de setenta por cento para caracterizar a predominância

de um pólo. Ou seja, quando a percentagem das evidências dentro da tensão da

autoperpetuação fosse igual ou maior do que esse patamar, configura-se a

predominância da autoperpetuação. Como conseqüência, um vetor de 0,7 positivo

apontado para a autoperpetuação somado com o vetor de 0,3 negativo apontado para

a autodestruição produz um vetor resultante de 0,4 positivo apontado para a

autoperpetuação. Em suma, os vetores resultantes situados entre o intervalo 0,4 a um

(1) positivos foram classificados no sentido de autoperpetuação.

B) Pólo da Autodestruição

A mesma linha de raciocínio é aplicada para o pólo da autodestruição. Para o

vetor de um traço configurar-se apontado para esse pólo, é necessário que a

resultante dos dois vetores (autodestruição e autoperpetuação) seja menor do que 0,4

negativa. O intervalo foi, da mesma forma, estipulado de acordo com a pesquisa de

Couger (1986). Ou seja, as evidências de manifesto no pólo da autodestruição têm de

ser maior do que setenta por cento de todas as evidências no período. Esse valor

correspondente a 0,7 negativo que somado com o 0,3 positivo, correspondente aos

trinta por cento de evidências do pólo de autoperpetuação, resulta em um vetor 0,4

negativo. A intensidade máxima desse vetor é de um negativo quando apenas

ocorrências no pólo da autodestruição são encontradas. O gráfico oito, abaixo, ilustra

a situação:

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GRÁFICO 8

C) Configuração Indefinida

No caso de a resultante dos dois vetores se situar entre 0,4 negativo e 0,4

positivo, configura-se o traço como indefinido. O vetor tem uma intensidade

insuficiente para definir um sentido para o traço. Essa indefinição será observada

quando houver mais de trinta por cento das evidências no pólo de autodestruição e

menos de setenta por cento no pólo da autoperpetuação. Em um suposto exemplo,

quando há quarenta por cento de evidências no pólo de autoperpetuação e sessenta

por cento das evidências no pólo da autodestruição, a resultante da intensidade será

0,2 negativa; valor esse insuficiente para definir um sentido para o vetor como

ilustrado no gráfico nove abaixo:

Manifestos de Autoperpetuação: 0,30

Manifestos de Autodestruição: -0,70

INTENSIDADE DO VETOR VETOR RESULTANTERESULTANTE: -0,40SENTIDO: AUTODESTRUIÇÃO

PÓLOGráfico 8 AUTODESTRUIÇÃOFonte: Fleck Intensidade entre -1 e -0,4

CONFIGURAÇÃO DE UM TRAÇO NO PÓLO DA AUTODESTRUIÇÃO

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GRÁFICO 9

3.3.4) Análise Agregada dos Traços em um Período

Após a análise individual de cada um dos sete traços de Fleck (2001), fez-se

uma análise agregada por períodos. Essa análise seguiu a mesma linha de raciocínio

da análise individual e também foi representada em forma de vetores. Somou-se a

quantidade de vezes às quais os acontecimentos se manifestaram em cada um dos

dois pólos e, de forma semelhante à análise individual dos traços, atribuíram-se

intensidade e sentido à resultante das evidências de todos os traços em um período. O

gráfico dez, a seguir, expõe um exemplo da análise agregada dos acontecimentos da

Casas Sendas no período I. Neste, oitenta e nove por cento das evidências situaram-

se no pólo da autoperpetuação resultando em um vetor com intensidade de 0,78

positiva e sentido apontado para a autoperpetuação.

Manifestos de Autoperpetuação: 0,40

Manifestos de Autodestruição: -0,60

INTENSIDADE DO VETOR VETOR RESULTANTERESULTANTE: -0,20SENTIDO: INDEFINIDO

ZONA DEGráfico 9 INDEFINIÇÃOFonte: Fleck Intensidade entre -0,4 e 0,4

CONFIGURAÇÃO DE UM TRAÇO NA ZONA DE INDEFINIÇÃO

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GRÁFICO 10

3.3.5) Considerações

Ressalta-se ainda que, por motivo de simplificação, a análise dessa pesquisa

tratou os acontecimentos apenas como eventos. Não houve diferenciação entre

evento e processo pela dificuldade de coletar dados capazes de verificar o impacto de

determinados acontecimentos na trajetória da Casas Sendas. A abertura da

Sendolândia no final da década de 1970 é um exemplo. Não houve informações

suficientes para analisar o seu impacto na empresa ao longo dos anos, bem como o

seu fechamento no final da década de 1990.

Antes da análise, próximo capítulo, uma breve explicação de cada um dos sete

traços de Fleck (2001) foi exposta. O intuito foi deixar o leitor mais bem integrado aos

resultados da análise.

Organização: À medida que uma organização cresce, ela se torna mais

diversa. Ela pode, então, crescer de forma integrada procurando as sinergias entre os

negócios, ou crescer de forma fragmentada, com cada negócio crescendo de forma

isolada.

Alocação de Recursos: À medida que a organização cresce, aumentam as

chances de conflitos de prioridades na alocação de recursos. É medido pela maneira

como a organização aloca seus recursos. Caso a alocação de recursos tenha forte

influência da alta gerência, sugere-se que a organização tenha esse traço apontado

para o pólo forte coordenação de topo. O mesmo vale para o movimento inverso.

Manifestos de Autoperpetuação: 0,89

Manifestos de Autodestruição: -0,11

INTENSIDADE DO VETOR VETOR RESULTANTERESULTANTE: 0,78SENTIDO: AUTOPERPETUAÇÃO PÓLO

AUTOPERPETUAÇÃOGráfico 10 Intensidade entre 0,4 e 1Baseado na Análise de Eventos

ANÁLISE AGREGADA DOS SETE TRAÇOS NO PERÍODO I

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Resolução de Problemas: Trata da maneira como a organização soluciona

seus problemas. Uma das maneiras de resolvê-los seria de forma sistemática

possibilitando a identificação de padrões no decorrer do tempo. Em um outro extremo,

tem-se a resolução de problemas caso a caso observando a falta de uma

sistematização para lidar com os problemas ao longo do tempo.

Desenvolvimento de Hierarquia Gerencial: Identifica a capacidade de uma

organização preparar seus gestores para ocupar os cargos devidos. No pólo

hierarquia desenvolvida cedo, a organização tem a preocupação de, desde cedo,

treinar seus funcionários para eles poderem ocupar os cargos elevados na hierarquia.

Em um sentido oposto, encontra-se uma abordagem sem a preocupação em

desenvolver a capacitação dos seus funcionários.

Empreendimento: Tendo como base as noções de Penrose (1959), esse traço

é uma coalescência de duas dimensões. A primeira tem a ver com a estipulação de

metas enquanto a segunda com a proteção da organização em relação aos riscos

potenciais dos seus negócios. Na primeira dimensão, estipulação de metas, esse traço

é evidenciado pela intensidade das metas organizacionais, que podem ser

satisfatórias ou audaciosas.

A segunda, proteção da organização, é identificada pelos riscos tomados por

ela nos negócios. Uma organização, por exemplo, pode ser cautelosa investindo

somente naquilo que a sua estrutura pode suportar em caso de fracasso, ou pode ser

mais audaciosa arriscando-se mais do que a sua estrutura pode suportar em caso de

fracasso.

Motivação para o Crescimento: Foi inspirado nos tipos de motivos para o

crescimento continuado (CHANDLER; 1977). Uma empresa, ao realizar uma

expansão, depara-se com uma tensão subjacente que envolve, por um lado, a busca

de maior produtividade via ganhos de escala e escopo e, por outro lado, a defesa dos

negócios existentes. Dessa forma, os pólos produtivo e híbrido são de ordem produtiva

buscando na sua essência o aumento da produtividade. Já o nulo e o defensivo são de

ordem defensiva, cuja preocupação é a proteção dos domínios da organização. Neste

último, a produtividade do negócio não é um dos principais motivadores.

Gerenciamento da Mudança: Identifica a forma como uma organização se

prepara para a mudança. Para isso, uma varredura e preparação do seu ambiente são

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importantes deixando a organização mais bem preparada para os diferentes modos de

mudança. Dois extremos podem ser observados para esse traço: o de manuseio do

ambiente e o de adaptação e obediência ao mesmo.

A seguir, o resumo da tabela:

TABELA 6

Configuração dos Traços

Fonte: Fleck (2001)

ABORDAGEM DOS TRAÇOS PÓLO da Zona de PÓLO daAutodestruição Indefinição Autoperpetuação

Traços orientação – internai. Organização Fragmentação Integração

ii. Alocação de recursos Fraca coordenação de topo Forte coordenação de topo

iii. Resolução de problemas Caso a caso Sistemática

iv. Desenvolvimento de hierarquia gerencial

Desenvolvida de forma pobre Desenvolvida cedo

Traços orientação – negóciosv. Empreendimento Metas satisfatórias, inferiores Metas ambiciosas, esticadas

vi. Motivação para o crescimento Defensiva, nula Produtiva, híbrida

vii. Gerenciamento da mudança Adaptando Moldando

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4) ANÁLISE

Esta seção teve como objetivo o encontro de indícios da existência dos sete

traços de crescimento de Fleck (2001) dentro de uma empresa brasileira. Nessa

seção, primeiramente, o leitor tem contato com a história da Casas Sendas, empresa

escolhida para a análise. Em seguida, encontram-se os resultados da análise com a

identificação de períodos distintos, classificados de acordo com a configuração dos

dois pólos de cada um dos traços de Fleck (2001). Ressalta-se, ainda, que a divisão

da história da Casas Sendas em cinco períodos serviu apenas para deixar o caso mais

bem estruturado. Essa divisão em nada interferiu na posterior análise.

4.1) História da Casas Sendas

4.1.1) Armazém Transmontano e Casa do Povo: os Antecedentes

Em 1914, o português Manoel Antônio Sendas (nascido em Cardanha, região

de Trás-os Montes, em 6/7/1899), então com quinze anos, chegou ao Brasil trazido

por um tio que o contratou para trabalhar em seu armazém, localizado na avenida

Boulevard Vinte e Oito de Setembro em Vila Isabel, bairro da zona norte da cidade do

Rio de Janeiro. Manoel Sendas saiu da aldeia aonde morava em Portugal em busca

de melhores oportunidades no Brasil. No armazém do tio, Manoel Sendas trabalhava

de domingo a domingo e era o responsável por tarefas, como a arrumação das

mercadorias nas prateleiras, o atendimento de clientes no balcão, e a entrega das

mercadorias nas casas dos fregueses. Manoel Sendas tinha dois destinos para o

dinheiro ganho com o seu trabalho: ajudar os pais que ficaram na Cardanha, e guardar

o restante para, futuramente, abrir o seu negócio.

O tio de Manoel Sendas, muito severo e exigente, acreditava que só o trabalho

“duro” faria com que o sobrinho aprendesse todos os segredos do negócio

(SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número dez, pág. cinqüenta e oito). Uma das

passagens que retratam a busca do tio de Manoel Sendas pelo desenvolvimento

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desse traço no sobrinho foi a da lavanderia. Uma vez, seu tio perguntou para Manoel

Sendas se ele queria dinheiro para pagar a lavanderia. Ao responder para o tio que

não precisaria de ajuda por ele já ter ganhado dinheiro o suficiente no jogo do bicho,

Manoel Sendas recebeu um tapa do tio. Em seguida, seu tio justificou: “afinal, deixaste

Portugal para trabalhar ou para jogar?” (SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número

dez, pág. cinqüenta e oito). Além de a absorção dos ensinamentos transmitidos pelo

tio, outros fatores ajudaram Manoel Sendas na sua trajetória de comerciante no Brasil,

como o desenvolvimento da sua habilidade de negociar. Tal necessidade ficou clara

cedo a partir de um desastroso negócio feito com ciganos. Ainda em Portugal, Manoel

Sendas deixou-se enganar por estes trocando seu burro por um cavalo cego. Esse

episódio tornou-se uma lição para sempre lembrada.

Com o dinheiro acumulado ao longo de dez anos de trabalho em diversos

armazéns, Manoel Sendas abriu o seu próprio negócio. Em 1924, surgia, finalmente, o

Armazém Trasmontano, inaugurado um pouco antes de seu casamento com Maria da

Fonseca, filha de um imigrante português (SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número

dez, pág. quarenta e oito). O lugar escolhido para a abertura da loja foi São Mateus

em São João de Meriti (SJM), na Baixada Fluminense. Em 1932, sentindo saudades

de sua terra natal, Manoel Sendas vendeu o armazém e mudou-se para Portugal com

a esposa e as duas filhas; Maria Tereza e Érica. O Armazém Transmontano foi

vendido e Manoel Sendas permaneceu por lá três anos até voltar, novamente, com

toda a família para o Brasil. A volta para o Brasil ocorreu pela falta de oportunidades

em sua aldeia natal (SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número dez, pág. cinqüenta e

oito).

Assim, 1935, ano de sua volta ao Brasil, ficou marcado pela inauguração da

Casa do Povo, aberta na mesma localidade de São Mateus, município de São João de

Meriti no estado do Rio de Janeiro, e também pelo nascimento do seu filho Arthur

Sendas. Em 1942, a Casa do Povo ganhou a sua primeira filial em Tomazinho,

também na Baixada Fluminense. Ambos os armazéns tinham a colaboração dos filhos

de Manoel Sendas que, da mesma forma que o pai, desde cedo, trabalhavam nos

armazéns. Manoel Sendas também procurava desenvolver nos filhos determinados

valores não admitindo que eles não tivessem senso de responsabilidade e

honestidade (SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número dez, pág. cinqüenta e oito).

Arthur Sendas era considerado um retrato dessa política. Aos nove anos (nascido em

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16/06/1935), já dividia o seu tempo entre escola e o armazém. (SUPERHIPER, 1989,

ano quinze, número dez, pág. cinqüenta e oito).

Em 1951, após um acidente de carro, Manoel Sendas foi obrigado a afastar-se

das operações dos armazéns (SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número dez, pág.

cinqüenta e oito). Arthur Sendas, que estudou até o quinto ano primário, então prestes

a completar dezesseis anos, assumiu o controle das duas lojas da Casa do Povo.

Apesar de a pouca idade de Arthur Sendas, algumas mudanças significativas foram

implantadas. Naquela época, para os armazéns do porte da Casa do Povo, o

fornecimento de mercadorias era normalmente feito através de intermediários. Arthur

Sendas, buscando a competitividade do negócio, eliminou esse intermediário e

começou a abastecer os armazéns com as mercadorias da Rua do Acre, no RJ, assim

como os grandes armazéns da cidade do Rio de Janeiro faziam. Esses armazéns

compravam diretamente desses fornecedores devido ao menor preço e ao poder de

barganha que eles tinham. Sidônio Rodrigues de Vasconcelos, amigo de Manoel

Sendas, foi quem apresentou Arthur Sendas a esses fornecedores na Rua do Acre

(SUPERHIPER, 1990, ano dezesseis, número dois, pág. noventa e oito). Com a ajuda

de Sidônio, Arthur Sendas conseguiu crédito para comprar diretamente desses novos

fornecedores. Insatisfeitos com tal mudança, os antigos fornecedores da Casa do

Povo reclamaram pessoalmente com Manoel Sendas, que apoiou as mudanças

implantadas pelo filho (Vídeo Gente Que Faz, 1992).

Junto com as mudanças nas Casa do Povo vinha a evolução do setor

supermercadista no Brasil e no mundo. Em agosto de 1953, o conceito das lojas de

auto-serviço chegou a São Paulo trazido dos Estados Unidos, país pioneiro na

utilização desse serviço. Tal novidade permitiu maior mobilidade e rapidez para os

clientes dos antigos armazéns que não ficavam mais na dependência dos atendentes

no balcão. No Rio de Janeiro, a novidade só chegou na década seguinte

(SUPERHIPER, 1983, ano nove, número nove, pág. quarenta e três). Em relação ao

desenvolvimento dos supermercados no estado do Rio de Janeiro, Aprígio Xavier,

vice-presidente da Casas Sendas até a década de 1990 e hoje aposentado, deu sua

visão sobre essa evolução:

“Na década de 1960, o Rio era um mercado de grande expansão. Na

década de 1970, houve restrição por parte do governo... A expansão do mercado

no RJ foi decorrente da evolução dos próprios negócios e do atendimento de

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uma necessidade de conveniência com a realidade da evolução de todos os

ramos da atividade humana” (SUPERHIPER, 1980, ano seis, número oito, pág.

vinte e seis).

4.1.2) O Início da Casas Sendas

Em 1960, vendo uma oportunidade única, Arthur Sendas endividou-se para

abrir uma nova loja no município de São João de Meriti (SJM) apesar de a reticência

do seu pai (SUPERHIPER, 1985, ano dez, número três, pág. nove). A data de

inauguração (dezesseis de fevereiro de 1960) é, inclusive, considerada o segundo

batismo da Casas Sendas (Vídeo Gente Que Faz, 1992). Em 1961, surgiu a

oportunidade de um negócio ainda mais arriscado. Em um grande espaço em SJM,

Arthur Sendas abriu uma nova loja que, oficialmente, recebeu o nome de Casas

Sendas. Manoel Sendas, pai de Arthur Sendas, dessa vez, foi totalmente contra a

abertura dessa loja. Contudo, a mãe de Arthur Sendas convenceu o pai a dar apoio ao

filho; e o projeto seguiu adiante (Vídeo Gente Que Faz, 1992). A reticência de Manoel

Sendas pode ter decorrido do fato da loja ser considerada “muito grande e dos demais

concorrentes de SJM apostarem que a loja quebraria em menos de três meses de

funcionamento” como recordou Arthur Sendas posteriormente. Em relação a essa

passagem, ele ainda acrescentou: “Deu certo e a partir daí demos nossa virada”

(SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número dez, pág. cinqüenta e oito).

Em julho de 1962, no entanto, a Sendas sofreu um grande baque, que seria

para sempre lembrado por Arthur Sendas. Devido ao momento de turbulência política

pelo qual o Brasil passava, a Sendas perdeu boa parte das mercadorias das suas

cinco lojas. Com a renúncia do presidente do Brasil, Jânio Quadros, e a posse do

esquerdista João Goulart, alguns saques e greves ocorreram pelo país, inclusive nas

lojas Sendas em São João de Meriti (Vídeo Gente Que Faz, 1992). Arthur Sendas

relatou:

“Aquilo foi uma lição de vida para a gente. Tivemos que começar abaixo

do zero. Os amigos ajudaram. Começamos a reconstruir as lojas. Tínhamos que

abrir as portas para vender. Procurei os credores, pedi prazos maiores para

pagar as dívidas. Com um deles não consegui. Ele me disse: 'Arthur, vê o que é

melhor para você, trinta, quarenta e cinco ou sessenta dias, mas tem um

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detalhe, assina uma duplicata aí para mim'. Ninguém tinha me pedido duplicata,

era tudo compromisso de boca e aperto de mão. Aquilo me deu uma revolta e eu

disse: 'Fulano, passa um recibo para a duplicata que eu vou te pagar agora'.

Puxei o talão de cheque e paguei. Aquilo acabou sendo uma mensagem para o

mercado. Muita gente achava que eu ia quebrar, que não ia ter condições de

levantar. Retomamos o crescimento a partir daquele dia." (Gazeta Mercantil,

23/12/1999, pág. cinco).

Esse episódio pode ter sido um dos grandes motivadores que fizeram a

Sendas se aproximar dos vários stakeholders, incluindo o governo e as comunidades

próximas aos seus supermercados. Tal esforço ficou mais nítido a partir de 1965

quando a Sendas foi o primeiro supermercado, pelo menos no estado do RJ, a investir

de forma mais evidente no seu relacionamento com o mercado. Em 1968, nesse

mesmo sentido, criou o departamento de relações públicas cujo principal objetivo era o

de vender uma imagem positiva da empresa. Com isso, um trabalho junto às

comunidades foi idealizado. Como resultado desse esforço, citam-se o patrocínio de

eventos e festejos, a coordenação de cursos destinados às donas de casa, o

empréstimo de material de som para a comunidade entre outros (SUPERHIPER, 1984,

ano dez, número três, pág. setenta e um).

Outro esforço de Arthur Sendas, verificado desde o início das atividades da

Sendas, foi o de trazer novidades para as suas lojas. Um exemplo foi a introdução do

cafezinho gratuito para os clientes já no início da década de 1960 (História pela

Sendas, 2002). Outras novidades chegaram às lojas em 1969 quando Arthur Sendas

fez uma viagem aos EUA. Ele trouxe para suas lojas inovações que, às vezes, nem

haviam chegado ao mercado fluminense ou mesmo ao nacional (Vídeo Gente Que

Faz, 1992). Dessa viagem resultou a introdução das lojas auto-serviço. Arthur Sendas,

percebendo a importância da adoção desse tipo de loja, inaugurou em 1969 a primeira

Sendas totalmente auto-serviço no bairro de Jacarepaguá. Aos poucos, as demais

lojas foram sendo convertidas para esse modelo (SUPERHIPER, 1997, ano vinte e

três, número duzentos e cinqüenta e nove, março, pág. sessenta e oito).

A viagem para os EUA também ajudou a Sendas na implementação de outras

novidades no mercado nacional, como as sacolas de compras dos clientes o

estacionamento grátis, e a introdução dos empacotadores de compras, conhecidos

como Marrequinhos devido à cor de seus macacões. Além de ter sido uma novidade

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no mercado, os Marrequinhos também faziam parte do plano de melhor integrar a

Sendas à comunidade. Os Marrequinhos eram adolescentes da comunidade, que

tinham os mesmos direitos trabalhistas dos demais funcionários da empresa. Para

serem contratados e lá permanecerem, a Sendas vinculava o trabalho dos

Marrequinhos com a obrigatoriedade do estudo (SUPERHIPER, 1997, ano vinte e três,

número duzentos e cinqüenta e nove, março, pág. sessenta e oito). Em entrevista

dada à ACRJ em 1999, Arthur Sendas mencionou a importância do projeto:

“A preocupação com os projetos sociais faz parte da filosofia das Casas

Sendas muito antes de a política de recursos humanos ganhar espaço entre as

empresas no Brasil. Há trinta anos [em 1969], o Projeto marrequinho oferece

uma série de benefícios aos meninos com idade entre quatorze e dezessete

anos que trabalham como auxiliares dos caixas nas lojas. Além da remuneração

com carteira assinada, os cerca de mil jovens que integram atualmente o

programa recebem auxílio-escola e assistência médica. Simpáticos, os

Marrequinhos já se transformaram em uma das marcas registradas das Casas

Sendas e no orgulho de todos os funcionários. O sucesso do programa também

é resultado do apoio de fornecedores da empresa.”

No início da década de 1970, o desenvolvimento da empresa continuou

acelerado. A cada ano, eram abertas uma ou duas lojas; todas medindo entre três mil

e seis mil metros quadrados (História pela Sendas, 2002). Em 1970, houve a primeira

diversificação do seu negócio quando a Sendas começou a investir em agropecuária,

área de forte relação com os supermercados. A Fazenda Modelo de Magé pertencente

ao grupo ficou sob a gestão do irmão de Arthur Sendas (Vídeo Gente Que Faz, 1992).

Em 1972, a Sendas implementou o Centro de Processamento de dados. Esses

investimentos acompanharam a política conservadora de Arthur Sendas; permitir à

empresa crescer na medida em que houvesse condições para tal evitando colapsos

financeiros. A Sendas iniciou o seu processamento de dados implementando um

sistema de gestão contrário à maioria das empresas do setor, que haviam

desenvolvido, inicialmente, sistemas administrativos, como os de contabilidade, contas

a pagar e folha de pagamento. A Sendas optou por um sistema voltado para a sua

atividade fim por entender que a implantação dos sistemas administrativos era uma

conseqüência do bom desempenho do sistema comercial (TINOCO, 2000, pág. cento

e trinta e oito).

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Desde o início da década de 1970, quando instalado, o Sistema de Gestão

Comercial passou a fazer o controle de estoque das centrais de abastecimento, o

controle financeiro das lojas de auto-serviço, a fornecer os preços e a demanda para a

área de compras e a fazer o controle da transferência de mercadorias do depósito

para as lojas. Todas as informações processadas por esse sistema tinham como

principal alvo compradores, que precisavam dessas informações para encomendar a

mercadoria aos fornecedores.

Por meio de terminais, os funcionários da área comercial obtinham os dados de

demanda e estoque, além de uma lista com os fornecedores de um determinado

produto com seus prazos de pagamento e entrega. O Sistema de Gestão Comercial

controlava a entrada de pedidos e mercadorias nos depósitos possuindo também um

módulo responsável pelo armazenamento dos produtos nas prateleiras. O controle de

armazenamento funcionava da seguinte forma: de acordo com cada pedido, o sistema

fazia remanejamento da mercadoria nos endereços de cada prateleira de forma a

facilitar o trabalho de transporte das mercadorias. Aquelas a serem despachadas eram

postas nas prateleiras mais baixas facilitando, dessa forma, a entrega para as lojas

(TINOCO, 2000, pág. cento e trinta e oito).

Em 1974, a Sendas, com vinte supermercados, fez sua primeira aquisição

através da compra de algumas lojas da Rede Ideal. Em 1978, com trinta e um pontos

de venda, fez uma nova aquisição incorporando a rede de supermercados Mar e

Terra, que contava com trinta e duas lojas. O grupo Sendas vendeu um pouco menos

da metade das lojas da adquirida mantendo ativos apenas vinte e um supermercados.

A central de abastecimento do Mar e Terra foi transformada em várias empresas

anexas, as quais viria, mais tarde, dar origem ao Shopping Center Sendas.

(SUPERHIPER, 1997, ano vinte e três, número duzentos e cinqüenta e nove, março,

pág. sessenta e oito). Conseqüentemente, após essa aquisição, a Sendas passou a

contar com um total de dez mil empregados e dez por cento do mercado fluminense

de auto-serviço. Apesar de o aumento da participação no mercado fluminense, Arthur

Sendas ficou insatisfeito com essa aquisição como visto abaixo:

"Foi um erro. O Mar e Terra passava por uma fase muito difícil, as

pessoas viviam aquele problema há muito tempo. Incorporamos o Mar e Terra

no final de julho, em uma semana pegamos quatro mil funcionários que viviam

uma fase difícil e absorvemos. Eram culturas totalmente diferentes. Isso, de

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certa forma, provocou uma situação difícil. Eram muitas lojas, e logo depois

fechamos as lojas menores e ficamos com aquelas mais adequadas ao nosso

tamanho. Na época a gente estava tomando posição no mercado e compramos

o Mar e Terra. Achávamos que estávamos fazendo uma grande coisa"

(Entrevista à Ângela da Rocha, 2000).

Em 1978, a Sendas já era a terceira maior rede de supermercados do Brasil

em termos de faturamento. Nessa mesma época, o CB, segunda maior rede de

supermercados do Brasil e a maior concorrente no mercado fluminense, crescia

através de aquisições mais agressivas do que as dos seus concorrentes

(SUPERHIPER, 1978, ano quatro, número dez, pág. sete). Nos anos que se seguiram,

o CB fez as aquisições da Rede Camponesa de BH (1978), a de parte da Rede Ideal

em um total de vinte e quatro lojas no Rio de Janeiro (1979), entre outras. No ano de

1979, o CB já possuía cento e nove lojas espalhadas pelo país, inclusive em São

Paulo. Diferentemente da Sendas, a direção do CB mantinha todos os funcionários e a

estrutura das lojas adquiridas (SUPERHIPER, 1979, ano cinco, número oito, pág.

onze).

Com o crescimento do número de lojas no estado do RJ, mercado focado pela

Sendas, a empresa buscou a melhora da sua atividade operacional. Em 1978,

inaugurou sua Central de Abastecimento, que lhe dava um melhor gerenciamento

sobre suas operações.

A concentração de suas operações no mercado fluminense também

possibilitou a Sendas desenvolver projetos para os seus funcionários como a

Sendolândia, inaugurada em 1979. Esse projeto, existente até o final da década de

1990, permitia aos funcionários Sendas e aos seus parentes desfrutarem de um

complexo de lazer com campos de futebol, piscinas, sauna e lanchonetes. Um dos

propósitos para a abertura desse complexo foi dar aos funcionários Sendas o mesmo

tipo de lazer oferecido pelos clubes da Zonal Sul da cidade do Rio de Janeiro. Para

operacionalizar a Sendolândia, uma série de experimentos foi feita no ano anterior até

que se tivesse a certeza de sua viabilidade. Para a construção da Sendolândia,

também localizada em São João de Meriti, foi investido o equivalente à construção de

duas lojas Sendas médias. Sobre a importância da Sendolândia, Newton Furtado, o,

então, diretor de recursos humanos da Sendas em 1984, disse:

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“encurtam-se as distâncias entre os funcionários na Sendolândia... Não

existe nenhuma recompensa financeira objetiva, pois os resultados são

imensuráveis... Mas o lucro psicológico é muito grande... Alguns benefícios

podem ser citados como maior integração, diminuição do turn over; diminuição

dos casos trabalhistas... Também há o caso de funcionários que saíram da

empresa e retornaram devido aos benefícios oferecidos pela empresa [Sendas]”.

4.1.3) A Consolidação no Mercado Fluminense

O início dos anos 1980 foi marcado pela intensificação do movimento de

diversificação dos negócios iniciado na década anterior. Com o crescimento dos

negócios e de sua complexidade, criou-se a Sendas Trading (empresa de

beneficiamento e exportação de café). Em 1980, a Sendas entrou em um novo

negócio com a inauguração do Shopping Sendas, também em SJM (complexo com

trinta e cinco mil m2), composto por várias lojas de terceiros, um supermercado

Sendas e uma loja de atacado, a Estoque (dezoito mil m2). Esta última tinha como

clientes alvos os grandes compradores da Baixada Fluminense, como pequenas e

médias empresas, o governo, hotéis e hospitais. Para sua gestão, foi trazido Carlos

Alberto Fernandes, que já trabalhara no Makro e que tinha experiência nesse tipo de

operação (SUPERHIPER, 1980, ano seis, número onze, pág. dezoito).

Na década de 1980, o ritmo de crescimento da Sendas diminuiu e a empresa

cresceu apenas de forma auto-sustentada. A expansão da rede foi feita,

predominantemente, a partir da aquisição de novos terrenos. Depois da difícil

experiência da compra do Mar e Terra, Arthur Sendas convenceu-se de que estava no

caminho certo com sua filosofia de comprar terrenos para a abertura de novas lojas. A

empresa havia aprendido que a absorção de um concorrente, por menor que fosse,

criava problemas de assimilação de pessoal tão grandes, que praticamente

invalidavam as vantagens da absorção das lojas (TINOCO, 2000, pág. cento e vinte).

A Sendas descartava o crescimento com financiamentos ou mesmo com a

abertura de capital. Em entrevista, Aprígio Xavier, o, então, vice-presidente da Sendas,

descartava a participação do Grupo Sendas no Mercado de Capitais. Principalmente,

pela Sendas ter capital financiado por seus fornecedores e por receber pagamento à

vista dos seus clientes. No Brasil, até aquele momento, somente dois supermercados

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possuíam ações na Bolsa de Valores: Peg Pag e CB (SUPERHIPER, 1981, ano sete,

número sete, pág. quinze).

Enquanto a Sendas procurava crescer apenas pela abertura de novas lojas,

seus principais concorrentes no mercado fluminense, CB e Disco, continuavam indo às

compras de redes de supermercado. O CB, por exemplo, comprou não apenas redes

de supermercados, mas também empresas provenientes de outras indústrias com um

aparente bom retorno; caso do Jornal dos Sports no Rio de Janeiro (SUPERHIPER,

1982, ano oito, número dois, pág. dezenove). Essas duas redes fluminenses de auto-

serviço estavam investindo no mercado paulista desde o início da década de 1980. Foi

somente em 1984 que a Sendas chegou a São Paulo. Nesse primeiro momento,

investindo apenas em uma loja de atacado com a bandeira Estoque, abriu sua loja de

varejo no final daquela década (SUPERHIPER, 1984, ano dez, número seis, pág. oito).

Uma explicação para o menor ritmo de crescimento, talvez, se encontre no

depoimento de Arthur Sendas sobre o balanço anual da empresa do ano de 1983:

“Não recorremos aos bancos, trabalhamos com capital próprio e evitamos

intermediários, buscando comprar os gêneros para abastecer nossos

supermercados diretamente do produtor rural ou produzindo por conta própria”

(SUPERHIPER, 1984, ano nove, número um, pág. onze).

Em 1982, foi criada, no Rio de Janeiro, a Casa Propaganda, união da Sendas

Empreendimentos Ltda. com a Lema Administração e Participações Ltda., holding da

MPM Propaganda. Além de prestar serviços de publicidade ao Grupo, a Casa

Propaganda atendia a outros clientes (TINOCO, 2000, pág. cento e vinte).

Em 1983, visando um público diferente do de costume, a Sendas inaugurou

sua qüinquagésima segunda loja; essa em São Conrado (SUPERHIPER, 1983, ano

nove, número oito, pág. doze). Cada vez mais, procurava se fortalecer no domínio

fluminense adaptando-se aos diferentes públicos existentes no estado. A diminuição

no número de lojas em relação ao ano de 1978 (logo após a incorporação das Lojas

Mar e Terra, a Sendas passou a contar com sessenta e duas lojas) deveu-se ao fato

de somente parte daquelas lojas adquiridas da Rede Mar e Terra ter sido aproveitada.

Além de fortalecer sua posição no mercado fluminense, a Sendas também

procurava a melhoria de sua relação com os stakeholders. O departamento de relação

com o mercado, instituído na década de 1960, fortalecia-se com o passar dos anos e

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ganhava maiores contornos. Em 1984, já era conhecido como o departamento de

comunicação e era constituído por mais de cento e cinqüenta funcionários. Para

coordená-lo, a Sendas contava com Ely Bittencourt, profissional diplomado em

relações públicas. Também fazia parte do quadro desse departamento outros

cinqüenta profissionais com nível universitário, entre jornalistas e administradores. O

departamento era dividido em duas coordenadorias:

• Relações públicas (caráter mais técnico): Seu principal objetivo era o de

desenvolver um contato permanente com o governo, ajudando nas resoluções de

problemas que envolviam a empresa;

• Eventos especiais: Organização de eventos nas comunidades que tivessem

contato com a empresa.

Um dos resultados trazidos por esse departamento foi identificado no relato do

Walmir Fonseca, então assessor de relações públicas. Uma das lojas da empresa na

Zona Norte do Rio de Janeiro estava quase impossibilitada de funcionar devido à

ocupação da área por camelôs. Foi só a Sendas enviar um ofício para uma autoridade

responsável para o problema ser contornado rapidamente. Adicionalmente, essa

assessoria mantinha uma forte relação com a imprensa. Constantemente, reforçava o

institucional da empresa e estreitava a relação com os fornecedores. Isso podia

resultar na redução dos preços dando à Sendas uma maior liberdade acerca de sua

estratégia. Também melhorava a imagem da Sendas a doação de alimentos para a

comunidade local ou para aqueles atingidos por tragédias nacionais, como a seca no

Nordeste.

Embora a maior parte das atribuições do departamento de comunicação fosse

de caráter externo, havia também atribuições de caráter interno, como a de produção

do jornal interno, Sendas em Família. Esse jornal, que teve sua primeira edição em

1977 e é publicado até hoje, tinha o propósito de deixar os funcionários a par dos

acontecimentos mais importantes da empresa.

Outra atribuição do departamento de comunicação era o gerenciamento do

sistema de locução nas lojas, novidade introduzida pelas Sendas ainda na década de

1960. Havia um trabalho com os locutores para que estes aprendessem a anunciar

nas lojas. Contudo, a Sendas adequava o serviço de locução de acordo com os

anseios dos clientes de suas lojas. Na Zona Sul do Rio de Janeiro, por exemplo, esse

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trabalho de locução não era utilizado já que os clientes não se sentiam à vontade com

esse tipo de propaganda. Além da atenção dada aos locutores, era responsabilidade

do departamento o treinamento dos funcionários para que eles soubessem passar

para os clientes as devidas informações (SUPERHIPER, 1984, ano dez, número três,

pág. setenta e um).

Elly Bittencourt explicitou o que se esperava do departamento de comunicação:

“Nosso trabalho visa o desenvolvimento de atividades de integração junto

ao consumidor e, em uma segunda instância, obviamente procura conduzi-lo

para dentro das lojas. Procuramos ser parciais e onipresentes... [no período de

carnaval], podemos doar recursos para uma escola de samba e ao mesmo

tempo nossa empresa pode patrocinar retiros espirituais no carnaval”

(SUPERHIPER, 1984, ano dez, número três, pág. setenta e um).

Em 1984, a Sendas começou o investimento nos produtos de marca própria.

Essa prática, adotada há muito nos supermercados de alguns países, servia para a

Sendas reter o cliente (SUPERHIPER, 1984, ano dez, número onze, pág. dezesseis).

Em 1985, a Sendas investiu em um novo negócio; o de material de construção.

Inaugurou o Casa Show, maior loja de material de construção do estado do Rio de

Janeiro localizada no Shopping Sendas em São João de Meriti. Com o mercado de

construção civil em baixa, naquele momento, a marca Casa Show consolidaria seu

nome durante aquele momento para um posterior fortalecimento com a alta do setor

(SUPERHIPER, 1985, ano onze, número seis, pág. nove).

Além de os investimentos no lazer dos seus funcionários, a Sendas incentivava

o desenvolvimento profissional dos mesmos. Nesse sentido, foi criado em 1982 o

prêmio de Funcionário Sendas existente até hoje. Através do formulário intitulado de

Sistema de Valorização Profissional, valores como assiduidade, pontualidade,

iniciativa e educação eram medidos anualmente (SUPERHIPER, 1984, ano dez,

número cinco, pág. oito). A Sendas também oferecia aos seus funcionários facilidades

para aqueles que comprassem nas suas lojas. Na metade da década de 1980,

passaram a ter descontos e financiamentos para as compras de eletrodomésticos ou

de materiais de construção nas lojas da rede. A única restrição para esse

financiamento era não ultrapassar trinta por cento do salário (SUPERHIPER, 1986,

ano doze, número cinco, pág. quatorze). Em 1987, o Grupo Sendas contava com

dezoito mil funcionários e oferecia-lhes assistência médico-dentária, auxílio

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alimentação e bolsas de estudo do primário à universidade (SUPERHIPER, 1988, ano

quatorze, número quatro, pág. vinte).

Junto com o fortalecimento da Casas Sendas, também vinha o do seu

presidente, Arthur Sendas. Ele se tornava, cada vez mais, presente entre o meio

empresarial. Em 1987, a Associação Comercial do Rio de Janeiro concedeu-lhe o

título de Personalidade Empresarial e ainda foi eleito por um biênio presidente da

ABRAS, Associação Brasileira dos Supermercados.

As atividades políticas de Arthur Sendas começaram em 1964, “em uma

reunião entre empresários e representantes do governo para organizar a primeira lista

de preços, realizada na Igreja de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema”, recordou

posteriormente. Depois, ocupou por onze anos a vice-presidência da Associação de

Supermercados do Rio de Janeiro e por seis anos a ASSERJ. Em 1987, era diretor

benemérito do Conselho Superior da Associação Comercial do Rio de Janeiro

(SUPERHIPER, 1987, ano treze, número quatro, pág. trinta e três).

Como presidente da ABRAS, procurou fortalecer o setor supermercadista. Para

a sua eleição como presidente da entidade, houve um espírito de união e um

consenso de que a classe precisava se fortalecer. Com o congelamento de preços

imposto pelo governo devido aos vários planos econômicos que se sucederam na

metade dessa década e no começo da posterior, a classe teve mais um motivo para

se unir. Além do fortalecimento da categoria, Arthur Sendas tinha como objetivo a

criação de um lobby do setor em Brasília e as parcerias no desenvolvimento do

abastecimento do setor (SUPERHIPER, 1987, ano treze, número quatro, pág. vinte e

um).

Em 1987, a rede francesa Carrefour chamava a atenção do setor

supermercadista. Ficava evidente de que o modelo da empresa francesa de só abrir

hipermercados poderia ser o caminho para os próximos anos. Com apenas quinze

lojas, já era a segunda maior rede do país. Enquanto isso, o CB, grande concorrente

da Sendas no mercado fluminense, perdia faturamento e viu-se obrigado a mudar sua

estratégia focando-se nas lojas populares. Também chamadas de COOP, essas

pequenas lojas tinham seiscentos metros quadrados situados nas áreas periféricas de

algumas grandes cidades brasileiras. O Rio de Janeiro era detentor de vinte e quatro

das quarenta e seis unidades das COOP. Ao todo, o CB possuía duzentas e treze

lojas (SUPERHIPER, 1987, ano treze, número três, pág. treze).

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O trabalho de fortalecimento do setor feito no Brasil por Arthur Sendas através

da ABRAS também estava sendo repetido em um contorno maior pela recém-criada

ALAS (Associação Latino Americana de Supermercados). Em 1988, o então

presidente da entidade, Paes Mendonça trabalhava com o Uruguai e a Argentina para

a padronização dos paletes para facilitar a armazenagem, o transporte e a

movimentação de cargas. Os paletes já estavam padronizados na Europa desde 1951

e foram importantes para o desenvolvimento do Mercado Comum Europeu

(SUPERHIPER, 1988, ano quatorze, número dez, pág. dezenove). Com o constante

fortalecimento do Mercosul, viu-se a necessidade de caminhar-se no mesmo sentido.

Em 1988, a Sendas, finalmente, chegou a São Paulo com uma loja de varejo.

Situada à margem do Tietê, abrigava tanto o atacado como o varejo, resultado de um

investimento de dezessete milhões de dólares. Arthur Sendas sobre sua chegada a

São Paulo relatou: “Viemos apenas para disputar um pequeno pedaço de mercado”.

“Achamos que tem lugar para todos”. Sendas Filho complementou: “Vir para São

Paulo é natural para quem quer crescer”. A loja paulistana tinha características

inovadoras como o lay out e a falta de preços individuais. Ao passar pelo check out, a

mercadoria era baixada do estoque; movimento esse observado em boa parte dos

supermercados atuais.

Além da loja de varejo e atacado, outros serviços foram disponibilizados nesse

complexo de São Paulo como o Beef Palace, churrascaria pertencente ao Grupo

Sendas (SUPERHIPER, 1988, ano quatorze, número doze, pág. cento e trinta e três).

Com um ano de hipermercado em São Paulo, as vendas superaram as expectativas.

O resultado da loja paulistana ajudou no resultado de 1990 quando o faturamento

cresceu quinze por cento em relação ao ano anterior. Arthur Sendas dizia: “Para

vencer no nosso ramo, bastam coisas simples: produtos certos, loja agradável, rapidez

e atenção no atendimento, preços competitivos”. (SUPERHIPER, 1990, ano

dezesseis, número um, pág. doze).

Em 1989, o Disco, segundo maior concorrente da Sendas no mercado

fluminense, com problemas de liquidez, pediu concordata e foi vendido para o Paes

Mendonça no ano seguinte. Com quase dez mil funcionários, o Disco possuía

cinqüenta e quatro lojas distribuídas nos estados do RJ, MG e SP. Para Amaral, o

então presidente do Disco, naquela década, acertou quem não havia investido no país.

A estratégia de verticalização da rede fluminense não teve os resultados esperados. O

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Disco investiu em granjas, fábrica de rações etc; investimentos estes que, segundo

Amaral, demoravam a dar retorno.

Independente das justificativas, acima, o controle de preços imposto pelo

governo influenciou esse processo de derrocada da Rede Disco. Com ele, os

supermercados foram obrigados a se focar na estratégia de preços baixos. Para

aquelas redes que tinham os custos operacionais acima da média do mercado, as

conseqüências foram maiores. Os supermercadistas reclamavam constantemente da

atuação do governo federal nas lojas e mesmo as maiores redes brasileiras, como

Carrefour e Pão de Açúcar, eram autuadas pelo não cumprimento das tabelas de

preços impostas pelo governo. O setor supermercadista lutava contra o governo e a

sociedade para ter o livre mercado (SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número dois,

pág. trinta e oito).

Dentro do meio empresarial brasileiro, Arthur Sendas fortalecia-se. No mesmo

ano de 1989, foi reeleito por unanimidade presidente da ABRAS por mais um biênio.

Adicionalmente, a ABP (Associação Brasileira de Propaganda) elegeu-o, também por

unanimidade, a personalidade do ano de 1988. As pessoas com quem trabalhava se

referiam a Arthur como uma pessoa que gostava de trabalhar em equipe

(SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número quatro, pág. quarenta e cinco). Também

em 1989, o então presidente do Brasil, José Sarney, nomeou-o um dos integrantes do

CMN (Conselho Monetário Nacional) (SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número cinco,

pág. onze).

Enquanto isso, no final da década de 1980, a Sendas continuava com seus

programas de investimento na qualificação de seus empregados. Em 1989, o

programa educacional da empresa completava cinco anos e havia formado quinhentas

e oito pessoas, entre funcionários e filhos de funcionários. Arthur Sendas justificava

esse investimento dizendo que: “Não há empresa forte com funcionários fracos”

(SUPERHIPER, 1989, ano quinze, número três, pág. cento e trinta).

4.1.4) A Década de 1990 e as Mudanças no Setor

O começo da década de 1990 foi marcado por mudanças no setor

supermercadista. A começar pela perda da liderança em faturamento da rede Pão de

Açúcar que, por mais de duas décadas, liderava o setor. As mais de quatrocentas lojas

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do grupo não foram suficientes para fazer com que a rede permanecesse à frente dos

vinte e dois hipermercados da rede francesa Carrefour. A conquista da liderança do

mercado brasileiro, em pouco mais de quinze anos, provocou mudanças nos seus

concorrentes, que se fizeram valer do modelo Carrefour de operação. A Sendas, um

deles, começou o seu processo de descentralização influenciada pela gestão do

Carrefour e de alguns supermercados europeus. Mais autonomia foi dada para seus

gerentes que ficaram responsáveis pelo estoque e lucro de suas lojas (Vídeo Gente

Que Faz, 1992). Essa nova forma de gerenciar também pode ter sido afetada pela

abertura do mercado brasileiro promovida pelo governo do presidente Collor. A

abertura da economia provocou não só mudanças no nível administrativo, mas

também no operacional. Os supermercados, por exemplo, interessaram-se em montar

departamentos de importados (SUPERHIPER, 1990, ano dezesseis, número nove,

pág. cento e cinqüenta e oito).

Em agosto de 1990, a Sendas inaugurou o primeiro Hipermercado Bon Marché,

localizado na Ilha do Governador, RJ. Tal investimento marcou o início da operação da

bandeira Bon Marché representando os Hipermercados do grupo com oito mil metros

quadrados. “De agora em diante, o que vale é a eficiência”, disse José Pujol de Faria,

Diretor Comercial do Grupo Sendas, no dia da inauguração. Pujol viera do Carrefour,

que dava total autonomia para seus funcionários e tinha o título de supermercado mais

eficiente do Brasil. Ele complementou:

“O cliente não quer só mercadoria. Ele quer fazer compras em um

ambiente onde haja conforto e, principalmente, calor humano. Ele também quer

se sentir valorizado, dando opiniões e sugestões à direção da loja”

(SUPERHIPER, 1990, ano dezesseis, número oito, pág. noventa e oito).

Para a abertura do hipermercado, pesquisas de caráter qualitativo e

quantitativo foram feitas. De acordo com Pujol e Mayoli, o hipermercado foi construído

escutando o cliente. Queriam a loja mais próxima do cliente justificando a introdução,

por exemplo, de um “fraldário” na loja (SUPERHIPER, 1990, ano dezesseis, número

oito, pág. cento e dois). No início de suas operações, o Bon Marché funcionava com

maior autonomia em relação à Sendas. Ele e o Hipermercado Sendas de São Paulo

ganharam status de lojas independentes. A autonomia na Sendas começara há cinco

anos quando se criaram as divisões de varejo, atacado e material de construção. A

divisão de Hipermercados era a mais recente. Para o Bon Marché da Ilha foram

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investidos quatorze milhões de dólares. Seus executivos apontavam como a principal

vantagem desse modelo de gestão a agilidade nas decisões enquanto a principal

desvantagem um eventual problema no abastecimento de alguns produtos. O regime

de compras descentralizado não permitia uma estocagem tão grande quanto o sistema

centralizado (SUPERHIPER, 1990, ano dezesseis, número oito, pág. cem).

As mudanças na indústria também atingiram a Sendas. Desde 1990, a

empresa passava por uma fase de rígido enxugamento para melhorar a produtividade

e reduzir os custos. Tal enxugamento resultou na redução do número de escritórios

espalhados pelo país de cinco para um, da frota de veículos que passou de trezentos

e vinte para cento e cinqüenta, das diretorias que passaram de dezenove para dez e

do quadro de funcionários, reduzido de dezoito mil e quinhentos para doze mil e

duzentos. A Sendas, embora quarta no ranking de faturamento da ABRAS, em termos

de produtividade era a vigésima quinta do setor (TINOCO, 2000, pág. cento e trinta e

um).

Em uma homenagem feita ao Grupo Sendas em 1992, um vídeo que contava

parte da sua trajetória foi feito. Nele, entrevistas com os principais executivos da

empresa falando a respeito do gerenciamento do Grupo Sendas foram realizadas. A

descentralização da administração, um dos assuntos mais comentados, era tida como

uma das principais estratégias para o crescimento da empresa. Contudo, o caminho

seguido pela Sendas parecia ser diferente daquele que Manoel Sendas, pai de Arthur

Sendas, trilharia para a empresa. Caso o mesmo ainda estivesse no comando da

empresa, Arthur Sendas disse, em um de seus depoimentos, que seu pai não aceitaria

tal mudança. No entanto, Arthur Sendas justificava a mudança na gestão da seguinte

forma: “O mundo está sempre em evolução... o que deu certo há trinta anos é

diferente do que dá certo hoje” (Vídeo Gente Que Faz, 1992).

Ainda em 1990, depois de quase dois anos de inaugurada, a loja mista

(atacado e varejo) Sendas de São Paulo recebeu mais dois milhões de dólares para

transformá-la em uma loja, predominantemente, de varejo. Essas mudanças

ocorreram depois das sugestões recolhidas dos seus clientes. Os preços, que não

eram etiquetados nos produtos, mas nas gôndolas passaram a ser como em todos os

supermercados da época. A inovação nesse tipo de disposição dos preços não

agradava aos clientes. Na capital paulista, a estratégia de marketing da Sendas para

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esse mercado era o de trabalhar com o preço dez por cento menor do que o da

concorrência (SUPERHIPER, 1990, ano dezesseis, número oito, pág. cento e seis).

Até 1991, a então maior rede supermercadista no Brasil, a francesa Carrefour,

a qual mantinha suas operações de forma mais espalhada pelo país, era a empresa

que mais havia investido em marcas próprias nos últimos anos possuindo uma grande

quantidade de produtos ofertados (SUPERHIPER, 1991, ano dezessete, número doze,

pág. dezoito). Enquanto isso, a rede Pão de Açúcar continuava sua reestruturação.

Seu objetivo era voltar a ter a rentabilidade e a posição de líder perdida para a rede

francesa. Com isso, o número de lojas diminuiu de quinhentas para trezentas e dez

dando prioridade às mais rentáveis. Já a Sendas, com sua liderança consolidada no

estado do Rio de Janeiro desde 1988, modernizava suas lojas. Data de 1991 a

introdução das duas primeiras lojas que receberam scanners de leitura de preços

dentro do estado fluminense (SUPERHIPER, 1992, ano dezoito, número doze, pág.

doze).

A modernização da Sendas também estendeu-se para outras áreas de

negócios. O Shopping Sendas, por exemplo, inaugurado na década de 1980, foi

demolido para dar lugar a um novo empreendimento. Tratar-se-ia do Shopping Grande

Rio, que seria ancorado por um Bon Marché, um Casa Show e um Sendas Clube.

Além dessas lojas, o empreendimento contaria com mais duzentas lojas satélites. No

período de sua construção, rumores sobre a conclusão desse empreendimento

surgiram. “Foram épocas difíceis. Apesar da nossa sólida situação financeira, surgiram

boatos de que não concluiríamos a obra” como recordou Arthur Sendas

posteriormente (SUPERHIPER, 1997, ano vinte e três, número duzentos e cinqüenta e

nove, março, pág. sessenta e oito).

O ano de 1991 marcou a chegada da Sendas a Belo Horizonte através de dois

investimentos. O primeiro foi o hipermercado Bon Marché, na Pampulha, com

investimentos na ordem de vinte milhões de dólares. O segundo foi o Shopping Del

Rey, parceria da Sendas com a construtora Ecisa. O hipermercado Bon Marché,

aberto meses antes da inauguração do shopping na capital mineira, serviu de âncora

para as demais lojas do shopping Del Rey (SUPERHIPER, 1991, ano dezessete,

número nove, pág. dezoito). Tais investimentos não significaram, no entanto, o fim da

modernização das lojas existentes, as quais continuavam a ser reformadas

(SUPERHIPER, 1992, ano dezoito, número dez, pág. quatorze).

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Em março de 1991, Arthur Sendas foi substituído na presidência da ABRAS por

Levy Nogueira. Anthur Sendas foi considerado por muitos dos supermercadistas como

um homem que colocou o setor no centro das decisões do país. Com sua saída da

presidência, ele poderia dedicar-se mais a outros assuntos que ficaram de lado nesses

quatro anos, como a sua rede de supermercados e família. Na sua gestão, a ABRAS

comprou duas sedes, a de São Paulo e a de Brasília, que ainda permaneciam em

obras. Adicionalmente, novos equipamentos foram comprados; novas assessorias

especializadas nas áreas macroeconômica e parlamentar foram criadas; um serviço

ágil de informação foi implementado, com o envio semanal de análises

macroeconômicas e de outras informações às associações regionais dos

supermercados e às principais empresas do setor; e um acordo técnico com o FMI

(Food Marketing Institute) foi feito (SUPERHIPER, 1991, ano dezessete, número

quatro, pág. oitenta).

Nessa época, houve uma crescente aproximação do governo com o setor

supermercadista. Algumas sugestões do setor passaram a ser analisadas pelo

governo, como as reformas constitucionais (SUPERHIPER, 1992, ano dezoito, número

seis, pág. trinta e quatro). No final do primeiro semestre de 1992, essa aproximação foi

responsável, por exemplo, pela revogação da CLD (Custo-Lucro-Despesa). A CLD

limitava as margens de comercialização de um grupo de cinqüenta e três produtos

além de exigir a publicação de balanços mensais pelas empresas do setor. Antes de

sua adoção, a obrigatoriedade da publicação era semestral. Essa medida foi adotada

pelo governo brasileiro no meio de 1991 com o propósito de substituir o congelamento

de preços. No lançamento da CLD, tal medida foi comemorada pelos

supermercadistas por o congelamento ser considerada uma resolução pior do que a

CLD, que limitava menos o grau de liberdade das estratégias dos supermercadistas do

que o congelamento. A completa revogação da CLD, em 1992, fez o setor comemorar

ainda mais (SUPERHIPER, 1992, ano dezoito, número seis, pág. cinqüenta e dois).

Até 1992, a maior parte das empresas do setor supermercadista era controlada

por famílias. Nas cinco maiores redes, apenas a multinacional francesa Carrefour não

era de capital nacional familiar. Nesse mesmo ano, depois da venda da rede Disco

para a baiana Paes Mendonça, foi a vez do CB, maior concorrente da Sendas nas

décadas de 1960, 1970 e 1980, sair definitivamente do setor supermercadista.

Algumas de suas lojas foram fechadas e outras arrendadas por alguns supermercados

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do Rio de Janeiro, como o Mundial (SUPERHIPER, 1992, ano dezoito, número sete,

pág. sessenta e quatro).

Apesar de a trajetória derradeira de seus concorrentes fluminenses, a Sendas

continuava mantendo sua posição no mercado fluminense. Mesmo com a

descentralização ocorrida no começo da década de 1990, Arthur Sendas costumava

visitar as suas lojas para verificar o seu funcionamento (Vídeo Gente Que Faz, 1992).

Procurava formas de manter-se integrado com seus funcionários, por exemplo,

participando de jogos de futebol na Sendolândia (SUPERHIPER, 1990, ano dezesseis,

número dois, pág. cem).

Além dessa integração com os funcionários, a Sendas também era destacada

por ter mulheres no alto escalão da empresa. Como disse José Pujol, o então diretor

comercial: "A gente não abre mão de um profissional de talento, seja ele homem ou

mulher". Nessa época, a Sendas tinha duas mulheres no comando de suas lojas, uma

delas vinda do Carrefour e a outra proveniente da própria Sendas (SUPERHIPER,

1993, ano dezenove, número seis, pág. quarenta e seis). Uma outra preocupação de

Arthur Sendas era a sua sucessão. Estava treinando os seus dois filhos, que

acreditavam ser a liderança e a determinação do pai as principais características que

tornaram a Sendas uma das maiores empresas do setor (Vídeo Gente Que Faz,

1992).

O ano de 1992 também foi marcado pelo lançamento do cartão de crédito

Sendas. Foram investidos cerca de quinhentos mil dólares para a implementação do

Sendas Card. Segundo José Pujol de Faria, o então diretor Comercial da Sendas, a

decisão atendia a uma exigência de mercado. Os primeiros a receber foram os

clientes dos hipermercados do Rio, SP e MG. Mil funcionários estavam sendo

treinados para recebê-lo (SUPERHIPER, 1992, ano dezoito, número cinco, pág.

dezoito). Inicialmente, para a administração do cartão, a Sendas fez-se valer da Casa

Administradora, empresa do grupo Sendas (SUPERHIPER, 1992, ano dezoito, número

sete, pág. dezoito). Contudo, a administração do cartão mudou de mãos quando, em

1995, o grupo Sendas fez uma parceria com a Mastercard e lançou um cartão de

crédito que podia ser usado nas suas quarenta e sete lojas de supermercado, sete de

materiais de construção Casa Show e nos quatro Bon Marché (SUPERHIPER, 1995,

ano vinte e um, agosto, pág. vinte).

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Enquanto isso, uma nova mudança ocorreu no hipermercado Sendas de São

Paulo. Dessa vez, a loja paulistana fora transformada em Bon Marché. A mudança,

ocorrida em 1993, foi feita porque as tentativas anteriores de tornar a loja rentável não

haviam sido bem sucedidas. Segundo seus executivos, os paulistanos continuavam a

associar o nome Sendas a uma loja de atacado por ela ser assim no início de suas

operações na capital paulista. Para essa mudança foi gasto um milhão e meio de

dólares. Arthur Sendas Filho comentou: "Nossa principal estratégia é conquistar os

clientes com preços competitivos e com um atendimento diferenciado muito especial"

(SUPERHIPER, 1993, ano dezenove, número nove, pág. vinte e quatro).

Com a chegada do Plano Real, em 1994, a imagem dos supermercados

perante a população começou a mudar. Antes, os clientes viam-nos como inimigos já

que a inflação obrigava-os a aumentar constantemente os preços. Nos primeiros anos

do Plano Real, a demanda reprimida foi responsável por um crescimento considerável

do setor. Esse crescimento ajudou empresas como a rede Paes Mendonça a ter, por

exemplo, o seu primeiro lucro na década, acontecimento de 1996 (SUPERHIPER,

1997, ano vinte e três, número duzentos e sessenta e um, maio, pág. setenta e dois).

O começo do Plano Real também foi marcado pela abertura de capital de algumas

empresas. Em 1995, a rede Pão de Açúcar, segunda maior do Brasil, e a Makro

colocaram suas ações para serem negociadas na bolsa de valores (SUPERHIPER,

1995, ano vinte e um, número quatro, pág. duzentos e um).

Em 1996, mais um Bon Marché entrou em operação. Depois do Freeway,

Carrefour, Paes Mendonça e Makro, a Sendas inaugurou um hipermercado Bon

Marché na Barra da Tijuca, bairro carioca de classe média alta. Nesse mesmo

período, Arthur Sendas voltou a ocupar o posto de presidente de uma associação. Foi

eleito presidente da ACRJ (Associação Comercial do Rio de Janeiro), cargo no qual

permaneceu por dois biênios.

A Sendas também continuava a criar formas de homenagear os seus

stakeholders. Foi criado o prêmio Top Sendas cujo objetivo era incentivar o

desenvolvimento de parcerias e de fidelidade com os seus fornecedores buscando a

diminuição do preço final dos produtos. No ano de 1996, noventa e três fornecedores

ganharam o prêmio (SUPERHIPER, 1997, ano vinte e três, número duzentos e

cinqüenta e sete, Janeiro, pág. cento e vinte e cinco). Em um movimento inverso, a

Sendas também era homenageada. No mesmo ano, recebeu pela primeira vez o

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Prêmio "Destaque PROCON" como reconhecimento ao seu bom atendimento,

eficiência e profissionalismo.

Baseado no modelo de venda de atacado dos mercados Makro e Sam's Club, a

Sendas inaugurou o Sendas' Club em 1996. Da mesma forma, a loja vendia seus

produtos para os associados na forma de atacado (SUPERHIPER, 1996, ano vinte e

dois, número duzentos e quarenta e seis, fevereiro, pág. dez). Nesse ano, a empresa

também começou a aumentar os investimentos em logística com a compra de

dezessete caminhões. O objetivo era agilizar, ainda mais, o abastecimento das lojas

do grupo na região fluminense. Segundo Jaime Reis, o então diretor de logística da

Sendas, a idéia era racionalizar, ao máximo, o transporte para todos os

supermercados da rede trabalharem com estoque baixo; suficiente para as

mercadorias de alta rotatividade terem um dia de giro. Jaime Reis ainda acrescentou

que “informatizar o sistema com o que [havia] de mais moderno no mundo não foi

difícil, complicado mesmo [era] escoar a mercadoria do armazém para as lojas em

uma metrópole com as características do Rio de Janeiro em tempo hábil”.

Ao todo, a Sendas contava com uma frota de oitenta veículos, que abasteciam

sessenta e cinco por cento das necessidades de suas lojas. De acordo com Arthur

Sendas, manter uma frota própria nesse tipo de negócio oferecia maior segurança na

operação e garantia preços mais competitivos já que as mercadorias não sofriam com

possíveis variações no frete (SUPERHIPER, 1997, ano vinte e três, número duzentos

e cinqüenta e oito, fevereiro, pág. cento e oito).

Com a consolidação do Plano Real, supermercados e, principalmente,

hipermercados ampliavam as suas ofertas de produtos. Eletrodomésticos, materiais

escolar, livros, CDs, móveis bem como produtos do setor automotivo passaram a ser

oferecidos (SUPERHIPER, 1996, ano vinte e um, número duzentos e quarenta e

quatro, dezembro, pág. oitenta). Houve também aumento considerável na oferta das

marcas próprias que passaram a ter boa aceitação (SUPERHIPER, 1996, ano vinte e

um, número duzentos e quarenta e quatro, dezembro, pág. cento e vinte e seis). Até

então, havia um certo preconceito do consumidor em relação a esses produtos.

Adicionalmente, a estabilidade econômica permitiu a difusão de novas formas de

pagamento como ticket alimentação e cartão de crédito. Em 1995, o setor

supermercadista atingiu seu ápice representando 6,6 por cento do PIB brasileiro

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(SUPERHIPER, 1996, ano vinte e dois, número duzentos e quarenta e oito, abril, pág.

quarenta e cinco).

Em 1997, para quem ganhava até três salários mínimos, a Sendas continuava

a bancar parte da mensalidade dos estudos de seus funcionários. Outra tradição que o

grupo mantinha desde o funcionamento do Armazém Transmontano foi o de

presentear as grávidas. Inicialmente, eram as clientes grávidas do Armazém

Transmontano que recebiam doce de goiaba. Depois, essa tradição foi transferida

para as funcionárias que passaram a ganhar o primeiro enxoval do bebê.

Ainda em 1997, em um dos últimos anos de funcionamento da Sendolândia, os

funcionários participaram de alguns dos eventos, ocorridos no centro de lazer, como o

Bebê Sendas, a festa de final de ano, a Rainha da Sendolândia e o Campeonato de

futebol dos funcionários (SUPERHIPER, 1997, ano vinte e três, número duzentos e

cinqüenta e nove, março, pág. sessenta e oito). Depois, para reduzir os custos, a

Sendas fechou a Sendolândia, embora tenha permanecido com o ativo (Entrevista à

Eunice Gomes – Março de 2002).

Para os funcionários no nível gerencial, algo em torno de oitocentos, foi

oferecido o plano de previdência privada em 1997. (SUPERHIPER, 1997, ano vinte e

três, número duzentos e sessenta e cinco, setembro, pág. quatorze). Para eles, havia

uma avaliação semestral, feita por um superior, que ajudava a empresa melhor

direcionar seus esforços de acordo com os seus anseios (Entrevista à Eunice Gomes,

2002).

O processo de informatização das lojas Sendas continuava e, em 1997, das

cinqüenta e três lojas do grupo, apenas sete operavam sem scanners de leitura ótica.

Da mesma forma, o processo de reforma das lojas e o investimento em logística

permaneciam (SUPERHIPER, 1997, ano vinte e três, número duzentos e cinqüenta e

nove, março, pág. setenta e cinco). No que tange os produtos de marca própria

Sendas, representavam cinco por cento do seu faturamento.

Os filhos de Arthur Sendas, enquanto isso, continuavam a se preparar para

ocupar o posto do pai. Arthur Sendas Filho, o mais velho, cuidava da área

administrativa, dos investimentos da empresa e substituía o pai quando ausente.

Nelson Sendas cuidava da parte de compras dos supermercados Sendas

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(SUPERHIPER, 1997, ano vinte e três, número duzentos e cinqüenta e nove, março,

pág. sessenta e oito).

Em relação aos clientes, o grupo fazia reuniões com os mesmos de modo a ter

um retorno do desempenho da empresa (SUPERHIPER, 1997, ano vinte e três,

número duzentos e cinqüenta e nove, março, pág. sessenta e oito). Era a maneira

encontrada de ficar mais próxima dos anseios dos clientes. O cartão de crédito, outro

benefício oferecido aos clientes, lançado inicialmente em 1992, ficava cada vez mais

importante e, no meio de 1997, a Sendas novamente em parceria com a Credicard

substituiu o Sendas Card pela bandeira RedeShop. As duas empresas partiram de

uma base de cem mil usuários do Sendas Card. (SUPERHIPER, 1997, ano vinte e

três, número duzentos e sessenta e seis, outubro, pág. duzentos e trinta e quatro ).

Em 1998, a Sendas trouxe uma inovação para seus clientes com a

inauguração do Espaço Gourmet. Tratava-se de uma delicatessen localizada dentro

do supermercado Sendas do Leblon. O espaço possuía um atendimento

personalizado e áreas para degustação de vinhos e queijos em uma das áreas mais

caras da cidade do Rio de Janeiro. A experiência, pioneira no setor, tinha a direção do

chef José Hugo Celidônio.

No mesmo ano, a Sendas reestruturou suas lojas de pequeno porte (com até

mil m²). Nascia, então, a SuperEx, idealizada para atender o cliente com

características de pequeno e médio consumo (Reportagem da ACRJ, 1999).

No final da década de 1990, o panorama do setor supermercadista já estava

bem diferente daquele observado no início da década. Muitas multinacionais, vendo

seus mercados nacionais saturados, interessaram-se pelo mercado brasileiro

adquirindo grandes redes nesse período. A título de ilustração, cita-se a venda dos

vinte e três supermercados da Lojas Americanas e da rede Eldorado para a

multinacional francesa Carrefour. Ocorreram também as vendas da Cia Real de

Distribuição, da Cândia e da Demerteco para a portuguesa Sonae, que concentrou

suas operações no sul do Brasil e já figurava entre as quatro maiores redes do país.

Já as redes Barateiro e Millo’s foram compradas pelo Pão de Açúcar que, por sua vez,

associou-se com uma multinacional o que permitiu a compra dessas redes. No que se

diz respeito à maior rede de supermercado do mundo, a norte-americana Wall Mart,

que chegara ao Brasil em 1995 e optara por crescer nesse país sem aquisições, já era

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a oitava rede do país em 1998 (SUPERHIPER, 1999, ano vinte e cinco, número

duzentos e oitenta e cinco, maio, pág. dezesseis).

No mesmo ano de 1998, alguns supermercados de médio e pequeno porte do

Rio de Janeiro, vendo o aumento da concentração das empresas no setor, criaram a

Rede Economia de supermercados. Era uma associação formada por oito empresas

com trinta e seis lojas em trinta e uma localidades do estado do Rio de Janeiro. Em

número de ponto de vendas, a rede perdia apenas para a Sendas. Faziam parte da

rede os seguintes supermercados: Princesa, Rosana, Celma, Germans, Cariocão,

Feira Nova e Torrebela. Essa reunião tinha o propósito de combater os grandes

hipermercados. Segundo seus idealizadores, haveria um ganho de escala na hora das

compras (SUPERHIPER, 1998, ano vinte e quatro, número duzentos e setenta e sete,

março, pág. doze).

Com um plano de fortalecer sua presença no interior do estado do Rio de

Janeiro, no ano de 1999, a Sendas continuou a inaugurar operações como o

HiperSendas Volta Redonda, Piratininga e Petrópolis; este último ainda contava com

um Espaço Gourmet. Além disso, foram lançados os projetos do HiperSendas Cabo

Frio e Macaé (História pelas Sendas).

Após vinte e um anos sem fazer nenhuma aquisição, a Sendas comprou os

dezessete supermercados Três Poderes, no ano de 1999, consolidando de vez a

liderança no mercado fluminense. A Sendas assumiu o fundo de comércio da rede

Três Poderes passando a ser locadora das lojas e administradora da rede com mil e

novecentos empregados. A propriedade das lojas Três Poderes e a razão social

continuaram com os antigos donos. Conseqüentemente, a Sendas passou a ter

setenta e sete lojas (SUPERHIPER, 1999, ano vinte e cinco, número duzentos e

oitenta e sete, julho, pág. quatorze). A abertura das novas lojas e a compra dos Três

Poderes puderam ser justificadas, em parte, pelo empréstimo de cento e vinte e três

milhões de reais tomado do BNDES. O empréstimo também teve o objetivo de

modernizar a rede (SUPERHIPER, 1999, ano vinte e cinco, número duzentos e

noventa, outubro, pág. treze).

Com a compra da Rede Três Poderes, uma integração foi necessária já que

alguns funcionários Três Poderes foram trabalhar na matriz da Sendas em São João

de Meriti. Todavia, a integração foi facilitada pela vinda de Manoel Fontes, o

presidente da rede adquirida, que assumiu o cargo de vice-presidente da Sendas.

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Também facilitou a integração a boa aproximação de Arthur Sendas com Manoel

Fontes (Entrevista à Eunice Gomes – Março de 2002).

No final da década de 1990, a Sendas perdeu o seu maior concorrente no

estado. Os supermercados Paes Mendonça pediram concordata e suas lojas foram

arrendadas pelo grupo Pão de Açúcar, que não aproveitou os ex-funcionários da

concordatária. No geral, em 1999, o setor supermercadista detinha seis por cento de

participação do PIB brasileiro (SUPERHIPER, 2000, ano vinte e seis, número

duzentos e noventa e sete, maio, pág. dezesseis).

4.1.5) A Reestruturação da Sendas

Em 2000, o Hiper Bom preço, quarta maior rede de supermercados do país,

passou a ser controlada pelo grupo holandês Royal Ahold (SUPERHIPER, 2000, ano

vinte e seis, número duzentos e noventa e oito, junho, pág. vinte e seis). Assim, das

cinco maiores empresas do setor, apenas a Sendas, quinta colocada no ranking

nacional, tinha capital totalmente nacional. Lembra-se que, no começo da década de

1990, a situação era inversa sendo o Carrefour a única multinacional a figurar entre as

cinco primeiras posições do setor. Mesmo com essa tendência no setor, a Sendas não

pretendia fazer nenhuma associação ou mesmo vender a empresa para algum grupo

multinacional. Ser de capital cem por cento nacional era, inclusive, uma das bandeiras

carregadas pela empresa (Entrevista à Eunice Gomes – Março de 2002).

O fortalecimento da Sendas no estado do Rio de Janeiro, o crescimento real

das receitas e a liderança nos produtos de marca própria (com uma oferta acima de

novecentos produtos) ainda foram insuficientes para tornar os resultados operacionais

da Sendas aceitáveis. Com isso, em 2000 e 2001, a empresa passou por uma nova

reestruturação havendo mudanças significativas em boa parte da sua estrutura. Dessa

vez, as conseqüências da reestruturação foram maiores. O departamento de relações

com o mercado, por exemplo, de papel relevante para a empresa, foi terceirizado.

Restou apenas a assessoria de imprensa, responsável por manter um contato

permanente com os meios de comunicação e governo. Outra função desse

departamento era a de coletar as principais notícias do setor realizando, assim, um

monitoramento do ambiente. Além da mudança nesse departamento, alguns outros

foram criados, extintos e fundidos (Entrevista à Eunice Gomes – Março de 2002).

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Com a reestruturação, a Sendas focou ainda mais suas operações no mercado

fluminense. Concentrar-se no estado do Rio de Janeiro era operacionalmente mais

fácil, pois a central de abastecimento situava-se em São João de Meriti, local

estratégico para as operações. Sua meta era a de cobrir todo o estado do Rio de

Janeiro. Dessa forma, depois de quase quinze anos no mercado paulistano, a

empresa encerrou suas atividades naquela cidade fechando o seu Hipermercado Bon

Marché no ano de 2000. A concorrência em São Paulo era considerada mais intensa

do que a do Rio de Janeiro. Já o hipermercado Bon Marché de Belo Horizonte foi

mantido. Talvez por conta do seu menor custo de manutenção já que ele se localizava

no Shopping Del Rey, empreendimento no qual a Sendas tinha sociedade (Entrevista

à Eunice Gomes – Março de 2002). Além da loja de São Paulo, a unidade gráfica e o

frigorífico foram vendidos (Relatório Anual 2000).

No começo de 2000, a Sendas mantinha a estrutura organizacional que a

acompanhou por boa parte de sua história. Além de haver um presidente para o Grupo

Sendas, Arthur Sendas, o grupo tinha diretores comuns às áreas de negócio e

diretores funcionais. O diretor financeiro e o de recursos humanos, por exemplo, eram

os responsáveis pelas finanças e contratações, respectivamente, de todas as

empresas do grupo. Já cada área de negócio do grupo possuía o seu diretor comercial

(Entrevista à Eunice Gomes – Março de 2002). Tanto a diretoria de RH como a de

Marketing tinham acabado de ser criadas (Relatório Anual 2000).

Quanto à descentralização ocorrida no início da década de 1990, houve uma

reversão. As lojas, que no começo de 1990 foram responsáveis pelo seu lucro e

estoque, ficaram mais dependentes da matriz com a ampliação de sua central de

abastecimento. Com a informatização das lojas, centralizar e controlar o estoque

ficaram mais fáceis. Passou-se a transferir um produto de uma loja para uma outra de

acordo com a demanda das lojas. Adicionalmente, houve uma centralização do

departamento de compras na matriz. Antes, cada loja comprava seus produtos, mas

com essa mudança, a matriz ficou responsável por quase todo o departamento de

compras. A exceção ficou por conta dos cereais, comprados na BGA (Bolsa de

Gêneros Alimentícios) situada no mercado São Sebastião (Entrevista à Eunice Gomes

– Março de 2002).

No departamento de marketing, que ganhou uma diretoria, também houve

centralização em algumas de suas atribuições. Em 2000, pela primeira vez em vinte

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anos, o Grupo Sendas promoveu uma concorrência para a escolha de uma agência de

propaganda que atendesse a todas as empresas culminando na escolha da V&S

Comunicação. Esse procedimento buscava a redução do custo de marketing já que a

empresa trabalhava com várias agências simultaneamente (Relatório Anual 2000).

No final de 2001, a Sendas iniciou o processo de abertura de capital com o

intuito de captar recursos. Com juros mais baixos e prazos de pagamento mais longos

do que os praticados no mercado, ela anunciou o lançamento de cento e vinte milhões

de reais em debêntures conversíveis em ações, dos quais o BNDES subscreveria um

montante de cento e cinco milhões de reais, para o financiamento de sua expansão. O

restante seria subscrito pelo mercado. O contrato firmado entre a Sendas e o BNDES

previa a entrada das ações da empresa na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa),

dentro do chamado Novo Mercado. As empresas listadas nesse grupo seriam

formadas por aquelas que se dispusessem a cumprir uma série de exigências que

protegessem os acionistas minoritários. Até aquele momento, nenhuma empresa

negociada na Bovespa havia assumido tais compromissos. A conversão das

debêntures em ações poderia acontecer até a data de seu vencimento em 2007.

Segundo Arthur Sendas, a empresa preferia distribuir bons dividendos a pagar juros

bancários como observado no relato abaixo:

"Decidimos trocar as amarras dos juros altos e créditos escassos por

uma nova plataforma de crescimento que dará sustentação aos nossos

investimentos. Podemos competir em termos de custo de capital com menos

desvantagem com as empresas estrangeiras... Vamos dividir com os nossos

clientes a participação de resultados e dar condições para que a empresa cresça

com mais rapidez. Essa abertura de capital marca o ponto de mudança na

história da Sendas. Queremos garantir resultados para que os brasileiros tenham

orgulho de participar de uma empresa genuinamente brasileira e de capital

nacional. A meta é continuar sendo transparente entre as cinco maiores do

setor" (Relatório sobre a abertura de capital da Sendas, 2001).

Sobre a venda ou associação da Sendas com um grupo estrangeiro, Arthur

Sendas disse:

"Fomos muitas vezes procurados por gente que queria se associar,

comprar... Pessoas conhecidas, que trabalharam nesta ou naquela empresa,

dizendo que o representante de uma empresa determinada estava vindo ao

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Brasil, que queria um parceiro. Seria a última coisa que eu faria na minha vida.

Não digo não faria, porque a gente nunca sabe. Nem socialmente quero me

sentar para falar sobre isso... Houve tentativas... Se você quiser me ofender,

basta vir me procurar para falar desse assunto” (TINOCO (2000) apud OITICICA

(1990)).

A citação dos clientes como sendo sócios da empresa é passível de

explicação. O grupo Sendas e o BNDES planejaram a venda pulverizada de ações

com a instalação nas próprias lojas Sendas/Bon Marché de terminais eletrônicos

ligados à Bovespa. Com um mínimo de duzentos reais, os clientes poderiam comprar

ou vender lotes de ações da Sendas e acompanhar a evolução do mercado acionário

brasileiro. Arthur Sendas Filho, então vice-presidente da empresa, relatou:

"A Sendas já tem um público fiel, formado por mais de dez milhões de

pessoas que freqüentam as nossas lojas a cada mês. Agora, com a oferta de

ações, elas poderão ser sócias da empresa e, com isso, ficarão ainda mais fiéis

às nossas bandeiras ajudando-nos a crescer" (Relatório sobre a abertura de

capital da Sendas, 2001).

Para a abertura de capital da empresa, mudanças foram necessárias. Como

acontecera em outros momentos, novos profissionais foram trazidos do mercado;

dessa vez, em um movimento mais intenso. Procurou-se por pessoas com boa

experiência e formação acadêmica. Foi o caso da Ana Sílvia que viera da CSN para

ocupar o cargo de diretora de recursos humanos do grupo. Vieram também

profissionais do Carrefour, Lojas Americanas, Zonal Sul entre outras empresas.

Apesar de toda mudança no médio e alto escalão da Sendas, a tomada de decisão

acerca da alocação dos recursos para as diferentes áreas ainda continuava sob o

ofício da diretoria e dos conselheiros (Entrevista à Eunice Gomes – Março de 2002).

Toda essa mudança atingiu, inclusive, a avaliação semestral de gerentes, que

deixou de existir temporariamente. Foi contratada a consultoria Hay Group do Brasil

para traçar uma nova arquitetura de remuneração dos executivos da empresa;

basicamente, um programa de remuneração variável direcionado para um grupo de

cento e oitenta e cinco profissionais. No entanto, os gerentes das lojas continuaram a

receber e a ser avaliados por suas metas durante esse período. Essa busca pela

profissionalização da Sendas atingiu, inclusive, a tradição de ter diretores que haviam

começado no nível mais baixo; alguns deles começaram como Marrequinhos,

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empacotadores Sendas. Apesar de essa mudança, funcionários com até trinta anos de

casa permaneciam indicando que a rotatividade da empresa não era alta nesse nível

de funcionários (Entrevista à Eunice Gomes – Março de 2002).

A fidelidade dos funcionários para com a empresa talvez pudesse ser

identificada na sua cultura. De uma forma geral, os funcionários viam a Sendas como

uma empresa familiar. Alguns funcionários consideravam-na sua segunda casa. Esse

tipo de sentimento era encontrado principalmente naqueles que haviam crescido com

ela. Alguns funcionários comentavam: “o que eu tenho, a minha casa, graças a Deus,

foi a Sendas que me deu” (Entrevista à Eunice Gomes – Março de 2002).

Dependendo da área de negócio, poderia haver uma transferência de

funcionários de uma loja para outra, principalmente nas áreas de negócios

hipermercados e supermercados. Ou seja, um gerente de um supermercado Sendas

poderia ser transferido para um hipermercado Bon Marché e vice-versa. Talvez, a

mobilidade nessas duas áreas de negócios ocorresse devido ao rodízio proposto pela

empresa. A cada dois ou três anos, os gerentes dessas lojas eram transferidos para a

gerência de outras caracterizando uma promoção horizontal. No que tange as outras

áreas de negócio, tal mobilidade era de difícil ocorrência.

Embora a Sendolândia tivesse sido fechada no final da década de 1990, a

Sendas continuava a oferecer outros benefícios aos funcionários e dependentes. No

cardápio de benefícios estava a assistência médica e odontológica, cobertura médica

hospitalar, através da empresa de medicina do grupo bem como o programa de

alimentação gratuito. O treinamento para os funcionários permaneceu com a

introdução de novos treinamentos. Em 2001, com a inauguração do Bon Marché

Magazine Tijuca, foi introduzido o conceito de funcionário multifuncional. Através dele,

todos os funcionários seriam capacitados para executar diversas tarefas facilitando a

ascensão profissional (Relatório Anual 2000).

Com a reestruturação da área de recursos humanos, alguns serviços internos

foram terceirizados em 2000, como os refeitórios, a área de recrutamento e seleção

das lojas. Houve um aumento do nível escolar para a contratação de funcionários; e

para os profissionais de equipe das lojas cinco competências indispensáveis foram

definidas: relações interpessoais, foco no cliente, orientação para resultados, liderança

e ética. Além disso, por meio de um programa chamado Banco de Talentos, foi

analisado o potencial de setecentos e cinqüenta funcionários em cargo de chefia. A

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análise identificou deficiências profissionais em relação às competências exigidas aos

líderes de equipe possibilitando, ainda, o investimento em treinamento direcionado

para as necessidades de cada um (Relatório Anual 2000).

Apesar de a reestruturação de 2001 ter atingido grandes contornos, a

preocupação da integração da Sendas com a sociedade não se alterou. O

Hipermercado Bon Marché oferecia, em todas as suas lojas, o programa Bon da

Melhor Idade para mais de dois mil clientes com mais de quarenta anos. Para as

crianças, havia uma colônia de férias. Ademais, a empresa estava presente em alguns

eventos como o “Dia da Solidariedade” no qual ela doava cinco por cento do

faturamento do dia quinze de dezembro para AMINCA (Associação dos Amigos do

Instituto Nacional do Câncer) (Entrevista à Eunice Gomes – Março de 2002). A Sendas

também mantinha o Projeto Diversidade e parcerias com a APAE (Associação de Pais

e Amigos do Excepcional) e com o Instituto Nacional de Surdos Mudos (Relatório

Anual 2000).

Com o propósito de atender melhor as necessidades dos seus clientes, a

Sendas investiu em um projeto de armazenamento de dados (data warehouse), que

permitiu o armazenamento e a análise de dados extraídos dos seus sistemas

operacionais. Segundo seus executivos, o projeto ajudaria no processo de decisão da

empresa. Todas as lojas passaram por um processo de estratificação em clusters,

através do qual foram definidos produtos específicos para atender melhor às

necessidades dos seus clientes de cada região. Esse investimento em tecnologia

também serviu para melhorar a comunicação entre as filiais com o uso do correio

eletrônico.

Nesse sentido, permitiu a centralização das transações financeiras entre as

filiais e as operadoras de cartões de crédito e débito resultando no desenvolvimento

do projeto de correspondente bancário com o Banco do Brasil (Relatório Anual 2000).

Esse último projeto em parceria com o Banco do Brasil permitiu que os clientes da

Sendas pudessem pagar suas contas nos supermercados da rede, sendo a empresa

pioneira nesse tipo de serviço.

Dentro de algumas lojas Sendas e Bon Marché, foram instaladas as Droga

Sendas. Era a única rede de supermercados no Rio a oferecer esse tipo de serviço

dentro de seus estabelecimentos com uma marca própria. Para os clientes, outros

serviços também foram disponibilizados. Um deles, o de compra de produtos por

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telefone iniciado no ano 1998, cresceu e ganhou novos contornos com o crescimento

da Internet. Visando a classe A, a Sendas oferecia seus produtos por Internet, fax e

telefone (Relatório Anual 2000).

Para a Sendas, outro meio de reter seu cliente era através das marcas

próprias. Responsável por 7,6 por cento do seu faturamento em 2000, a Sendas tinha

o planejamento composto de quatro estágios para elas. No ano de 2001, de acordo

com a empresa, encontrava-se no terceiro estágio oferecendo produtos clones da

marca líder de mercado. Posteriormente, a Sendas avançaria para o quarto estágio

quando ofereceria produtos diferentes, exclusivos e com imagem própria baseando-se

principalmente na qualidade. Tal planejamento objetivava posicionar a marca em um

patamar elevado abrindo espaço para margens maiores (Relatório Anual 2000).

Em 2002, a Sendas era a quinta maior rede de supermercados em termos de

faturamento no Brasil, segundo o ranking da ABRAS, e líder do setor supermercadista

no mercado fluminense. No ano de 2001, seu faturamento foi de 2,6 bilhões de reais.

A composição do grupo Sendas, hoje composto por cerca de quinze mil funcionários,

dava-se da seguinte forma:

• Sessenta e uma Sendas;

• Nove SuperEx;

• Sete Bon Marché;

• Sete Casa Show;

• Uma Farma Sendas;

• Sistema Delivery de entrega (internet, telefone e fax);

• Beneficiamento, torrefação e exportação de café;

• Fazenda de piscicultura - Guapimirim (RJ);

• Fazenda de suinocultura – Magé.

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4.2) Resultados da Análise

A análise da trajetória da Casas Sendas permitiu não só a identificação

daqueles sete traços de Fleck (2001), mas também a identificação de três períodos

distintos. O primeiro foi do início da Casa do Povo, empresa que deu origem à Casas

Sendas, ao final de1987. A maior parte dos eventos indicou ser este um período em

que os traços situaram-se na autoperpetuação. O segundo período foi de 1988 até o

final de 1994. Nele, apesar da verificação da ocorrência de quase todos os traços, a

análise agregada dos traços não apontou para nenhum dos dois pólos, ou seja, os

vetores situaram-se na zona de indefinição. No terceiro período, que foi de 1995 até

2002, novamente encontrou-se uma tendência dos traços apontarem para o pólo da

autoperpetuação.

Os acontecimentos apresentados para justificar a classificação de cada traço

são apenas alguns dos que poderiam estar nessa seção. O interesse do leitor por

todos os fatos, que justificaram a ocorrência do traço dentro da organização e sua

classificação em um dos dois pólos, encontra-se no anexo I. Antes da apresentação

dos períodos, o leitor terá contato novamente com a tabela dos sete traços de

crescimento de Fleck (2001), fundamental para o entendimento da análise dos

resultados. Caso a tabela ainda deixe dúvidas, sugere-se ir à Revisão de Literatura no

item os Traços de Fleck (2001).

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TABELA 7

Configuração dos Traços

Fonte: Fleck (2001)

ABORDAGEM DOS TRAÇOS PÓLO da Zona de PÓLO daAutodestruição Indefinição Autoperpetuação

Traços orientação – internai. Organização Fragmentação Integração

ii. Alocação de recursos Fraca coordenação de topo Forte coordenação de topo

iii. Resolução de problemas Caso a caso Sistemática

iv. Desenvolvimento de hierarquia gerencial

Desenvolvida de forma pobre Desenvolvida cedo

Traços orientação – negóciosv. Empreendimento Metas satisfatórias, inferiores Metas ambiciosas, esticadas

vi. Motivação para o crescimento Defensiva, nula Produtiva, híbrida

vii. Gerenciamento da mudança Adaptando Moldando

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4.2.1) Período I (1935 a 1987)

Nesse primeiro período, foi possível encontrar indícios da ocorrência dos sete

traços de crescimento de Fleck (2001). Todos apontaram para o pólo da

autoperpetuação.

No primeiro traço da tabela, organização, a maior parte dos fatos apontou para

a tensão de integração, situada na autoperpetuação. O gráfico onze ilustra a

configuração desse vetor no período. Nele, observou-se que o sentido apontou para o

pólo da autoperpetuação com uma intensidade resultante de 0,72. Embora essa

representação gráfica não seja exposta para os demais traços, a sua representação

lhe é replicável. Não se expuseram os gráficos com as configurações dos seis

restantes por ser apresentada uma tabela com o resumo das configurações do período

I no final desta seção.

GRÁFICO 11

Alguns fatos ilustram o porquê dessa configuração. Desde o início das

operações da Casa do Povo, existia uma preocupação de crescer de forma integrada.

Mesmo quando a Sendas iniciou o processo de diversificação, este foi feito, na maior

parte das vezes, de forma integrada. Quando, na década de 1970, a Sendas foi para a

agropecuária, o propósito de tal investimento era dela mesma se tornar um dos seus

fornecedores. Os negócios se complementavam.

Entretanto, seu principal concorrente, Casas da Banha (CB), não tinha a

mesma preocupação de crescer de forma integrada. Velloso, presidente do CB na

Manifestos de Autoperpetuação: 0,86

Manifestos de Autodestruição: -0,14

INTENSIDADE DO VETOR VETOR RESULTANTERESULTANTE: 0,72SENTIDO: AUTOPERPETUAÇÃO PÓLO

AUTOPERPETUAÇÃOGráfico 11 Intensidade entre 0,4 e 1Baseado na Análise de Eventos

CONFIGURAÇÃO DO TRAÇO ORGANIZAÇÃO NO PERÍODO I

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década de 1980, justificou, por exemplo, a compra do Jornal dos Sports baseado na

rentabilidade daquele negócio. Já a Sendas, nas suas aquisições, procurava integrar

as operações adquiridas às suas não permitindo que elas trabalhassem isoladamente.

Isso ocorreu nas duas aquisições da empresa nesse período: 1974 e 1978. Nessa

última, quando adquiriu as trinta e duas lojas da rede de supermercados Mar e Terra,

houve um aproveitamento de somente metade daquelas lojas. Ao mesmo tempo, a

empresa procurava padronizar as suas lojas.

O fato de os funcionários da empresa terem o mesmo direito dos demais

também foi um indício de integração. Os Marrequinhos, empacotadores de compras

dos clientes, eram tratados da mesma forma que os demais funcionários tendo os

mesmos direitos. Ademais, independentemente de qual empresa do grupo o

funcionário pertencia, todos tinham direito ao uso do complexo de lazer Sendolândia,

também uma forma de integração.

Além da Sendolândia, havia o jornal Sendas em Família que procurava

sintonizar todo grupo. Tanto no jornal como no Prêmio de Funcionário Padrão, a

empresa destacava os valores importantes para o grupo. Nesse período, muitos

diretores começaram de níveis hierárquicos baixos gerando consistência entre os

valores da empresa e diminuindo as chances de coalizões. Embora, em 1980, a

Sendas tenha trazido uma pessoa da rede Makro para gerenciar as operações da

divisão Estoque, recém-criada na época, esta não era uma tendência dentro do grupo.

Sendo assim, a análise do traço organização apontou para a integração.

Em relação ao traço alocação de recursos, os fatos relacionados a esse traço

foram classificados na tensão forte coordenação de topo, situado no pólo de

autoperpetuação (sua intensidade foi de 0,8). Um dos fatos que ilustraram a influência

de Arthur Sendas, presidente do grupo, na alocação de recursos foi o da

implementação de novidades na Sendas, trazidas por ele após uma viagem aos

Estados Unidos em 1969.

No traço resolução de problemas, foi encontrada a tendência de resolvê-los

sistematicamente. Quase todos os fatos no período I indicaram essa tendência

fazendo com que o traço se configurasse no pólo da autoperpetuação (sua intensidade

foi de 0,86). A sistematização foi observada, por exemplo, na expansão da empresa

na década de 1970. Critérios foram estabelecidos para a sua expansão, como um

número de lojas a ser aberto por ano, bem como as especificações de localização e

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medidas. Essas especificações, possivelmente decorrentes das experiências

anteriores, ajudaram no processo de expansão.

Até para a abertura da Sendolândia em 1979, houve a realização de testes. Em

1978, a Sendas elaborou testes em que se observava a viabilidade de operação do

complexo de lazer levando-se em consideração a freqüência de todos os funcionários

e respectivos parentes. O relacionamento com seus fornecedores também se

destacou. Desde o acidente de 1951 com o pai quando Arthur Sendas assumiu a

gestão da empresa, procurava maneiras de melhorar as suas margens no negócio

seja pela procura de novos fornecedores, ou por uma maior aproximação deles.

Sistemático também foi o convívio da Sendas com as comunidades perto de suas

lojas, talvez pelos saques de 1962.

No traço desenvolvimento de hierarquia gerencial, os fatos classificados

configuraram-se na tensão desenvolvimento gerencial cedo, situada no pólo de

autoperpetuação (sua intensidade foi de 0,72). Desde cedo, Manoel Sendas, pai de

Arthur Sendas, colocava os filhos para trabalhar ao seu lado o que possibilitou Arthur

Sendas a assumir o lugar do pai em 1951. A gestão de Arthur Sendas, inclusive, foi

responsável pela implementação de novas medidas na empresa. As decisões tomadas

por Arthur Sendas, nos momentos seguintes, indicaram que ele já tinha um bom

conhecimento a respeito do negócio do pai. Outro indício de desenvolvimento de

hierarquia gerencial desde cedo foi a criação do cargo de marrequinho. Arthur Sendas

condicionou a permanência desses funcionários à continuidade de seus estudos

melhorando, assim, o nível de escolaridade dos funcionários.

Apesar de a forte tendência do traço desenvolvimento de hierarquia gerencial

ter apontado para o de desenvolvimento dos funcionários em nível gerencial desde

cedo, também se encontrou um fato indicando o pobre desenvolvimento desse traço.

Em 1980, Carlos Alberto Fernandes do Makro foi contratado para gerenciar a nova

área de negócio da empresa, o atacado Estoque. Contudo, isso se mostrou um caso

isolado já que muitos diretores Sendas, nesse momento, tinham começado de

posições hierárquicas baixas.

Dentro do traço empreendimento, houve uma concentração dos fatos dentro

da tensão metas ambiciosas, esticadas. Foram encontradas dentro dessa tensão

contida no pólo de autoperpetuação (sua intensidade foi de 82%) evidências datando

de 1951. A busca de Arthur Sendas por novos fornecedores quando assumiu o

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controle da Casa do Povo foi uma delas. O aumento da margem permitiu o aumento

do grau de liberdade das estratégias. Nesse caso, ele repassou para o consumidor

essa diferença.

Notou-se também que os saques sofridos em 1962 talvez tenham lhe ajudado

na adoção de uma abordagem que prezava pela minimização dos riscos. Em 1960 e

1961, ela se endividou para abrir duas lojas, consideradas investimentos de alto risco,

devido à representação delas frente à estrutura da empresa. Foram investimentos que

prometiam bons retornos, mas que não tinham os riscos minimizados como ficou

evidente com os saques de 1962. A empresa perdeu todas as mercadorias de suas

lojas e foi obrigada a pegar um novo empréstimo com seus fornecedores além de

alongar as dívidas antigas. No final, tudo foi pago. Contudo, desde desse episódio, os

fatos seguintes evidenciaram que os investimentos foram feitos minimizando os riscos.

Na década de 1980, Aprígio Xavier, um dos diretores da Sendas, disse que a empresa

orgulhava-se de crescer sem pedir dinheiro emprestado ou de crescer sem abrir o

capital.

A aquisição dos supermercados Mar e Terra também foi baseada em metas

ambiciosas. Com essa aquisição, a empresa praticamente dobrou de tamanho

passando a contar com sessenta e duas lojas. Contudo, fechou lojas improdutivas e

ficou algum tempo sem abrir novas. Assim, pôde re-arrumar a empresa e partir para

novos investimentos. Esses fatos evidenciaram que esse traço apontou para a

autoperpetuação.

No traço motivação para o crescimento, os fatos relacionados indicaram que

as principais motivações eram de ordem produtiva ou híbrida. Conseqüentemente, os

houve uma tendência para a autoperpetuação (a intensidade do vetor foi de 0,9). Em

1942, quando foi inaugurada a primeira filial da Casa do Povo, já se observava essa

tendência. O intuito de Manuel Sendas era o crescimento. O mesmo se observou no

começo da década de 1960. Arthur Sendas abriu duas lojas em São João de Meriti.

Essa análise indicou que, em nenhum momento, a Sendas teve o propósito de se

defender com esses investimentos já que nem a concorrência achava que tais

investimentos se vingariam.

A expansão da Casas Sendas, no começo da década de 1970, quando eram

abertas uma ou duas lojas por ano, também foi outro indício de crescimento motivado

pela produtividade. Ainda, nesse momento, pareceu que a empresa não estava

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preocupada em defender-se dos seus concorrentes. No entanto, no final da década de

1970, quando seus principais concorrentes, Casas da Banha e Disco, intensificaram a

compra de redes de supermercados menores, a empresa também fez o mesmo. Como

conseqüência, aliou a sua necessidade de crescer com a defesa de seu território no

mercado fluminense.

Híbrida também pareceu ter sido a estratégia para a abertura da loja Estoque

em São João de Meriti. Com a rede Makro trazendo para o Brasil o seu conceito de

loja de atacado, a Sendas procurou um novo negócio já defendendo seu “território”

(São João de Meriti). Assim, abriu a loja em SJM procurando sinergias entre os seus

negócios melhorando a produtividade e defendendo o seu território. Dificilmente, a

Makro abriria uma loja na região já que SJM não comportaria duas lojas de atacado.

Provavelmente, a abertura dessa loja atrapalhou os planos da rede Makro de abrir

uma loja de atacado na Baixada Fluminense caso fosse esta sua intenção.

Por último, como indício de que a motivação para o crescimento apontou para

a autoperpetuação, cita-se o investimento no Casa Show. Além de não existir nada

similar na época, o Casa Show já nasceu com a ambição de tornar a Sendas líder

nesse mercado. Mesmo tendo surgido em um momento em que a construção civil

estava em baixa, a Sendas já estava investindo com o propósito de assegurar sua

posição quando o mercado se aquecesse como, de fato, aconteceu.

No que diz respeito ao traço gerência da mudança, foi encontrada uma

proeminência de fatos situada na tensão moldando o ambiente, também indicadora de

autoperpetuação (sua intensidade foi de 0,62). Boa parte da mudança foi feita de

forma manuseada. Nos saques de 1962, Arthur Sendas foi o primeiro na sua região a

abrir as lojas depois do acontecimento. Além disso, esse evento foi um dos

responsáveis pela criação do departamento de relações com o mercado em 1965.

Uma das funções do departamento era buscar um bom relacionamento com a

sociedade e o governo. Na década de 1980, por exemplo, a empresa usou o

relacionamento desenvolvido há anos com o governo para garantir a abertura de uma

loja. A viagem aos EUA, em 1969, também serviu para Arthur Sendas trazer algumas

novidades para o mercado fluminense. Datam dessa época, novidades como o

estacionamento grátis, os empacotadores, as sacolas de papel para colocar as

compras. Além dessas novidades, datam dessa década o sistema de locução dentro

das lojas através dos microfones e o cafezinho para os clientes. Criou-se, então, um

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79

diferencial competitivo que posteriormente veio a constituir-se em um padrão para a

indústria.

Observou-se também que a Sendas oferecia vantagens para seus funcionários;

algo não verificado nos seus concorrentes. Como indícios, teve a Sendolândia. Ela,

inclusive, foi citada pelos executivos como um meio de diminuir o turn over dos

funcionários da empresa. Em relação à comunidade, também se percebeu um esforço

da empresa para se desenvolver um bom relacionamento. Fosse através de

patrocínios ou projetos sociais, a Sendas procurou estar presente.

Contudo, também foram encontrados poucos fatos sugerindo que a Sendas

adaptava-se ao mercado. A inauguração da sua loja de auto-serviço em Jacarepaguá

em 1969 foi um deles. O conceito de auto-serviço chegou ao Brasil primeiramente em

São Paulo, em 1953. No Rio de Janeiro, chegou através da rede de supermercados

Disco ou da rede Casas da Banha, no final da década de 1950. Ambas alegaram

serem elas as primeiras a adotarem o conceito no mercado fluminense.

Dessa forma, verificou-se a ocorrência dos sete traços de Fleck (2001) nesse

período na Casas Sendas. A análise agregada dos sete traços de Fleck (2001)

apontou para o sentido da autoperpetuação e uma intensidade de 0,78, como pode ser

visto no gráfico doze. A concentração das ocorrências dos traços em um dos pólos

facilitou o encontro de uma tendência de crescer de forma longeva durante tal período.

GRÁFICO 12

Manifestos de Autoperpetuação: 0,89

Manifestos de Autodestruição: -0,11

INTENSIDADE DO VETOR VETOR RESULTANTERESULTANTE: 0,78SENTIDO: AUTOPERPETUAÇÃO PÓLO

AUTOPERPETUAÇÃOGráfico 12 Intensidade entre 0,4 e 1Baseado na Análise de Eventos

ANÁLISE AGREGADA DOS SETE TRAÇOS NO PERÍODO I

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TABELA 8

Configuração dos Vetores Estratégicos no Período I

Baseada na Análise

ABORDAGEM DOS TRAÇOS PÓLO da Zona de PÓLO daAutodestruição Indefinição Autoperpetuação

Traços orientação – internai. Organização Fragmentação 0,72 Integração

ii. Alocação de recursos Fraca coordenação de topo 0,8 Forte coordenação de topo

iii. Resolução de problemas Caso a caso 0,86 Sistemática

iv. Desenvolvimento de hierarquia gerencial

Desenvolvida de forma pobre0,72

Desenvolvida cedo

Traços orientação – negóciosv. Empreendimento Metas satisfatórias, inferiores

0,64Metas ambiciosas, esticadas

vi. Motivação para o crescimento Defensiva, nula 0,9 Produtiva, híbrida

vii. Gerenciamento da mudança Adaptando 0,62 Moldando

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4.2.2) Período II (1988 a 1994)

Nesse segundo período, cinco dos sete traços foram identificados.

Diferentemente do primeiro período, não se verificou uma tendência desses traços

apontarem para uma das duas tensões. Os traços, de uma maneira geral,

configuraram-se na zona de indefinição. Quando havia fatos suficientes para indicar

um sentido para o traço, as evidências dos pólos de autoperpetuação e autodestruição

estavam equilibrados.

Isso foi observado no traço organização. Por exemplo, a abertura de uma

nova loja Sendas em São Paulo, longe das operações fluminenses, foi um indício de

fragmentação. Não por ela ter sido aberta longe do foco das operações da empresa,

mas, sim, por operar de forma autônoma. Não estava integrada às operações da

Sendas como os demais supermercados da rede. Depois, com a intensificação do

movimento de descentralização dentro da empresa e a conseqüente “independência”

de outras lojas da rede, essa tendência de fragmentação tornou-se mais forte.

Por outro lado, a Sendas continuava a investir em negócios que tivessem uma

certa complementaridade. Foi o caso do Shopping Grande Rio que colocava algumas

das operações do grupo atuando juntas. Nele, encontravam-se um Bon Marché e um

Casa Show. O cartão de crédito, lançado em 1992, foi outra evidência de integração

entre os negócios do grupo. Apesar de a descentralização das lojas, das quais cada

gerente era o responsável pelo lucro e estoque, Arthur Sendas visitava as lojas para

verificar o funcionamento das mesmas evidenciando a integração.

Logo, a análise de todos os fatos ligados ao traço organização não foi

suficiente para identificar uma tendência para esse período. O traço posicionou-se na

zona de indefinição (de – 0,40 a 0,40) com uma intensidade de 0,06 negativa como

pode ser visto no gráfico treze a seguir.

GRÁFICO 13

Manifestos de Autoperpetuação: 0,47

Manifestos de Autodestruição: -0,53

INTENSIDADE DO VETOR VETOR RESULTANTERESULTANTE: -0,06SENTIDO: INDEFINIDO

ZONA DEGráfico 13 INDEFINIÇÃOBaseado na Análise de Eventos Intensidade entre -0,4 e 0,4

CONFIGURAÇÃO DO TRAÇO ORGANIZAÇÃO NO PERÍODO II

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Em relação ao traço alocação de recursos, verificou-se uma tendência dele

se situar na tensão baixa coordenação de topo, situada no pólo da autodestruição (a

intensidade foi de 0,42 negativa) como pode ser visto no gráfico quatorze. A

autonomia dada à loja de São Paulo e a posterior descentralização das operações dos

supermercados, como no Bon Marché, fizeram com que a alocação de recursos, antes

mais concentrada nos níveis elevados, passasse para os níveis mais baixos

enfraquecendo a forte alocação de recursos existente na empresa.

GRÁFICO 14

Apesar de a maior parte dos fatos estar situada no pólo da autodestruição,

também houve poucos fatos situados dentro da tensão forte coordenação de topo. Os

investimentos nos projetos sociais, constantemente defendidos por Arthur Sendas,

continuaram sendo uma característica da empresa nesse período. Embora Arthur

Sendas estivesse um pouco ausente das operações do grupo devido ao seu mandato

de presidente da ABRAS, ele criou, por exemplo, o Prêmio Sendas de Saúde. Esse

prêmio, que era uma forma de ligar a iniciativa privada às instituições de ensino,

indicou a sua forte influência na alocação de recursos.

O traço resolução de problemas se configurou na zona de indefinição (sua

intensidade foi 0,20 negativa). Fatos indicaram que alguns problemas eram resolvidos

de forma sistemática enquanto outros caso a caso. A abertura da loja de varejo em

São Paulo, em 1988, foi um indício de que a empresa seguia um planejamento.

Mesmo com seus concorrentes fluminenses atuando em São Paulo há alguns anos, a

Sendas seguiu seu planejamento de primeiro atuar como atacadista e, depois, como

varejista. Esse planejamento pôde ter sido oriundo das experiências anteriores da

empresa no que diz respeito à abertura de lojas.

Manifestos de Autoperpetuação: 0,29

Manifestos de Autodestruição: -0,71

INTENSIDADE DO VETOR VETOR RESULTANTERESULTANTE: -0,42SENTIDO: AUTODESTRUIÇÃO

PÓLOGráfico 14 AUTODESTRUIÇÃOBaseado na Análise de Eventos Intensidade entre -1 e -0,4

CONFIGURAÇÃO DO TRAÇO ALOCAÇÃO DE RECURSOS NO PERÍODO II

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Contudo, a descentralização iniciada no final da década de 1980 fez com que

alguns problemas fossem resolvidos caso a caso. A autonomia, que fora dada aos

gerentes de cada loja, fez com que cada um resolvesse os problemas das lojas de

maneiras diferentes. Esses dois fatos retratam a dificuldade em identificar um

posicionamento do traço entre as duas tensões.

No traço desenvolvimento de hierarquia gerencial, também não se

encontrou nenhuma tendência embora o pólo desenvolvimento cedo dos gerentes

tenha obtido um número de fatos evidenciados ligeiramente superior ao número de

fatos do pólo desenvolvimento pobre. Contudo, a intensidade do vetor de 0,34 foi

insuficiente para dar um sentido para o traço.

No período II, por exemplo, verificou-se que muitos dos diretores do grupo

Sendas haviam começado como Marrequinhos, cargo de baixa hierarquia gerencial. A

empresa procurava desenvolver essas pessoas para assumir tais cargos. Todavia,

esse esforço não foi suficiente para que todos esse cargos fossem preenchidos por

funcionários do grupo. Pujol, que viera do Carrefour justamente para preencher o

cargo de diretor comercial do grupo, foi um exemplo. Também, nesse período,

funcionários de outras empresas foram contratados para assumir a gerência de

algumas lojas.

Em relação ao traço empreendimento, praticamente não houve fatos que

indicassem a ocorrência do traço nesse período. Com isso, a análise para esse traço

ficou prejudicada. Percebeu-se, de qualquer forma, que os novos investimentos da

empresa buscavam a minimização das perdas. Os investimentos só eram feitos de

acordo com as suas possibilidades.

O mesmo ocorreu com o traço motivação para o crescimento. Não foram

encontrados fatos suficientes para indicar a sua ocorrência nesse período. Como um

fato que evidenciou uma atitude defensiva, cita-se a chegada da loja de varejo Sendas

à cidade de São Paulo em 1988. A chegada da empresa a capital paulista pareceu um

mecanismo de defesa já que, cada vez mais, concorrentes no nível nacional estavam

invadindo os domínios fluminenses da Sendas.

Já a inauguração do Shopping Grande Rio sugeriu que o seu investimento teve

uma motivação híbrida. O Shopping Sendas possuía apenas quarenta lojas. Logo,

havia a possibilidade de um concorrente abrir um shopping em São João de Meriti

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diminuindo a rentabilidade do seu empreendimento. Como forma de evitar que isso

ocorresse, ela demoliu o Shopping Sendas e construiu o Shopping Grande Rio, bem

maior do que o anterior. Assim, defendeu-se de possíveis ataques e procurou a

melhoria da rentabilidade desse investimento. Contudo, o encontro desses dois fatos

não foi suficiente para a ocorrência desse traço no período.

No traço gerenciamento da mudança, observou-se, novamente, uma mistura

de fatos entre as tensões moldando e adaptando-se ao ambiente inviabilizando a

identificação de um sentido (a intensidade do vetor foi zero já que as evidências dos

pólos de autoperpetuação e autodestruição foram de cinqüenta por cento). A chegada

da Sendas a São Paulo, por exemplo, indicou que obedecia ao mercado. Lá, instalou-

se depois dos seus grandes concorrentes fluminenses. Contudo, trouxe novidades

para a loja paulista, como o lay out e a precificação por leitura ótica.

O fato de Arthur Sendas ter presidido a ABRAS nesse período também foi algo

que facilitou o manuseio do ambiente pela Sendas. Embora ele estivesse

representando o setor supermercadista, sua exposição na mídia garantia também aos

seus supermercados grande visibilidade. Nesse período, Sendas foi eleito

personalidade do ano por duas entidades além de ter integrado o CMN (Conselho

Monetário Nacional).

Por outro lado, a Casas Sendas seguiu a tendência de mercado que era a

descentralização da administração, no final da década de 1980 e início da década de

1990. Com o sucesso do modelo do Carrefour, que havia se tornado uma das maiores

redes do país, muitas empresas adotaram o seu modelo, inclusive a Casas Sendas.

As lojas de São Paulo e Belo Horizonte, distantes da maior parte das operações,

contribuíram para essa decisão. Em suma, os fatos relacionados ao traço mudança

não foram suficientes para indicar um sentido, apesar de ter se observado a sua

existência.

Conforme a análise agregada identificou, no segundo período, não houve um

sentido definido apontando para nenhum dos dois pólos em quatro dos cinco traços de

Fleck (2001) identificados. Esse período foi configurado como de indefinição. O gráfico

quinze, abaixo, retratou essa situação.

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GRÁFICO 15

O fato de não ter sido identificada nenhum tendência nesse período talvez seja

explicado por o período ser de transição. Nele, mudanças profundas ocorreram, como

a descentralização das lojas. Se uma empresa vai de um pólo a outro, é natural que se

passe por um período de transição. No caso da Sendas, esse período de oito anos

serviu para que se definisse um novo rumo para si como será visto na análise do

período III. A seguir, encontra-se a tabela nove representando a configuração dos

traços no período II.

TABELA 9

Configuração dos Vetores Estratégicos no Período II

Baseada na Análise

Manifestos de Autoperpetuação: 0,52

Manifestos de Autodestruição: -0,48

INTENSIDADE DO VETOR VETOR RESULTANTERESULTANTE: 0,04SENTIDO: INDEFINIDO

ZONA DEGráfico 15 INDEFINIÇÃOBaseado na Análise de Eventos Intensidade entre -0,4 e 0,4

ANÁLISE AGREGADA DOS SETE TRAÇOS NO PERÍODO II

ABORDAGEM DOS TRAÇOS PÓLO da Zona de PÓLO daAutodestruição Indefinição Autoperpetuação

Traços orientação – internai. Organização Fragmentação -0,06 Integração

ii. Alocação de recursos Fraca coordenação de topo -0,42 Forte coordenação de topo

iii. Resolução de problemas Caso a caso -0,2 Sistemática

iv. Desenvolvimento de hierarquia gerencial

Desenvolvida de forma pobre0,34

Desenvolvida cedo

Traços orientação – negóciosv. Empreendimento Metas satisfatórias, inferiores Metas ambiciosas, esticadas

Traço não identificadovi. Motivação para o crescimento Defensiva, nula Produtiva, híbrida

Traço não identificadovii. Gerenciamento da mudança Adaptando Zero Moldando

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4.2.3) Período III (1995 a 2002)

Da mesma forma que no primeiro período I, verificou-se a ocorrência de todos

os traços, bem como a definição de um sentido. Nesse período, assim como no

primeiro, os traços apontaram para o pólo da autoperpetuação. Quase noventa por

cento das evidências situaram-se no pólo de autoperpetuação.

No traço organização, observou-se essa tendência do traço apontar para a

tensão da integração (a intensidade do vetor foi de 0,62). Como parte das evidências

encontradas nesse setor, notou-se, novamente, um processo de integração das

operações. A compra de uma frota de caminhões, no ano de 1996, para integrar a

Central de abastecimento às lojas foi uma evidência. Também houve investimentos

em informática, no final da década de 1990, permitindo uma maior comunicação entre

as lojas da rede. Isso facilitou a integração do departamento de compras, agora,

responsável pela compra dos produtos para todas as lojas dos supermercados

independentemente da divisão (SuperEx, Sendas ou Bon Marché).

Em 2000, a Sendas desfez-se dos negócios que não se integravam às suas

operações, como a loja de São Paulo, que operava de forma autônoma. Houve

também a venda da unidade gráfica e dos frigoríficos, que, segundo a empresa, não

tinham necessidade de fazer parte dos negócios do grupo. Embora a maior parte dos

fatos tenha se situado no pólo de integração, também foram encontrados alguns fatos

de fragmentação, como a contratação de vários funcionários de concorrentes. Em

2000, com a reestruturação da Sendas, lançou-se mão dessa medida facilitando o

aumento das coalizões.

Também se observou no traço alocação de recursos uma tendência de

configuração do traço no pólo da autoperpetuação (a intensidade do vetor foi de 0,80)

devido a uma forte coordenação de topo. Além dos projetos sociais empreendidos por

Arthur Sendas, foram encontrados fatos e ações que evidenciaram essa forte

coordenação. No ano de 2000, por exemplo, houve a escolha de uma agência de

propaganda para cuidar dos anúncios de todas as empresas do grupo indicando a

necessidade de uma forte coordenação de topo. É preciso haver um esforço da alta

gerência para que a empresa trabalhe com uma única agência de propaganda, em vez

de várias. É mais fácil a alta gerência convencer todos os departamentos a ter uma

única agência de propaganda do que os demais níveis gerenciais se reunirem e

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convencerem a todos de tal necessidade. Ademais, a centralização de várias

operações da empresa também indicou uma forte coordenação de cima.

No traço resolução de problemas, novamente notou-se uma tendência à

autoperpetuação (a intensidade do vetor foi de 0,54). A maior parte dos fatos no

período III situou-se na resolução de problemas de forma sistemática. Houve um

aprimoramento no entendimento da função de cada supermercado Sendas. Isso

permitiu, por exemplo, a criação das lojas SuperEx e Híper Sendas que se originaram

dos supermercados Sendas. Antes, independentemente do tamanho e da localização

dos supermercados, elas tinham a mesma função. Nesse período, essas variáveis

passaram a ter um significado diferente evidenciando a necessidade de explorar as

lojas do grupo de maneira diferente, mas aproveitando as sinergias existentes.

Expõe-se ainda um outro caso que mostrou a sistematização no traço

resolução de problemas. A evolução dos produtos de marca própria, que, no ano de

2000, foi responsável por mais de sete por cento do seu faturamento, também indicou

a sistematização. Lançados no começo da década de 1980, houve um plano para

tornar os produtos de marca própria um diferencial dentro do setor supermercadista. A

Sendas ainda não havia chegado a esse estágio, mas considerou que não faltava

muito para atingi-lo.

Apesar de a forte tendência favorável à tensão de sistematização, existiram

alguns casos evidenciando a resolução de problemas dentro da tensão caso a caso. A

recente contratação de pessoas de outras empresas de nível gerencial com a

reestruturação de 2000/2001 foi um deles. Essa contratação sugeriu que os assuntos

relacionados ao desenvolvimento gerencial dos seus funcionários não foram

resolvidos de forma sistemática e, por isso, foi necessária a contratação de pessoas

de fora.

No traço desenvolvimento de hierarquia gerencial, também se notou a

proeminência de evidências na tensão desenvolvimento cedo da gerência (a

intensidade do vetor foi de 0,66). Mesmo contratando funcionários de concorrentes

para assumir posições importantes, encontraram-se mais indícios de que ela

procurava desenvolver seus funcionários. Como evidência, cita-se a preparação dos

filhos de Arthur Sendas. Eles, já há algum tempo, vinham sendo treinados para

assumir o cargo do pai, após o seu afastamento. A elevação do patamar mínimo de

escolaridade também foi um indício da preocupação da empresa com a qualidade de

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88

sua mão de obra. Desde o ano 2000, a Sendas definiu o segundo grau como uma

condição necessária para a contratação de funcionários. Ademais, a empresa

continuou subsidiando os estudos dos seus funcionários e respectivos familiares que

fizessem faculdade.

Os treinamentos para os funcionários das lojas também favoreceram o

desenvolvimento gerencial. Em 2001, a Sendas iniciou o treinamento multifuncional

com a inauguração do Bon Marché Magazine Tijuca. Segundo a empresa, isso

facilitaria, inclusive, a ascensão profissional do funcionário. O prêmio de Funcionário

Padrão, existente desde o começo da década de 1980, continuava a passar os valores

considerados importantes para a ascensão dos funcionários. Era uma vitrine das

qualidades que os funcionários deveriam ter.

Nesse período III, o traço empreendimento configurou-se no pólo da

autoperpetuação (sua intensidade foi de 0,60). Arthur Sendas criou, por exemplo, o

prêmio Top Sendas com o objetivo de incentivar o desenvolvimento de grandes

parcerias com seus fornecedores e a conseqüente melhoria das margens. O mesmo

se aplicou na administração do cartão de crédito Sendas que passou da Casa

Administradora, empresa do Grupo Sendas, para a Credicard, empresa especializada

nesse negócio. Adicionalmente, a empresa buscou novos negócios, como o Espaço

Gourmet, inaugurado no Leblon, e a abertura das Drogarias Sendas, localizadas

dentro de suas lojas. Ambas aproveitavam o espaço físico das lojas, minimizando

parte dos riscos desses investimentos além de aproveitar as sinergias dos negócios.

Um fato que indicou que a empresa procurava se guiar por metas mais

audaciosas foi o das centralizações que ocorreram novamente. A centralização do

departamento de compras, o aprimoramento do departamento de logística, a escolha

de apenas uma agência de publicidade para toda a empresa e a unificação dos

bancos de dados foram apenas alguns dos indícios de que a empresa procurava a

melhoria na sua margem.

O traço motivação para o crescimento apontou para a tensão

produtiva/híbrida, a qual leva a empresa à autoperpetuação (a intensidade do vetor foi

de 0,72). A abertura do Espaço Gourmet, por exemplo, foi uma tendência de

crescimento produtivo. A abertura desse novo negócio não pareceu de caráter

defensivo, pois a Sendas não tinha intenção de se defender de outras delicatessens.

O objetivo pareceu de melhoria da produtividade dos negócios através de sinergias. Já

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a entrada da empresa no sistema delivery pareceu ter sido híbrida, pois todos os

grandes concorrentes estavam seguindo essa tendência. Entrou em algo que pode se

tornar forte no futuro defendendo, desde já, o seu espaço.

Apesar de quase todos os fatos relacionados a esse traço terem uma tendência

à autoperpetuação, houve um fato tendendo ao pólo de autodestruição. A aquisição da

rede Três Poderes em 1999 pareceu de caráter defensivo. Com a chegada das

multinacionais ao mercado brasileiro, na segunda metade da década de 1990,

aumentou-se a compra de rede de supermercados por parte desses novos

competidores, inclusive, no Rio de Janeiro. A Sendas pareceu ter comprado essa rede

de supermercados com o intuito de manter ao seu domínio no mercado fluminense

defendendo-se, assim, de novos competidores.

No traço gerência da mudança, também foi encontrada uma tendência à

autoperpetuação (a intensidade do vetor foi de 0,40). A maior parte dos fatos foi

classificada dentro da tensão mudança moldada. Uma das poucas evidências

encontradas de que a Sendas seguia o mercado foi a da abertura da loja Sendas Club

em 1996. Essa loja seguia os conceitos utilizados pelo Sam’s Club do grupo norte-

americano Wall Mart e pela rede Makro. Fora isso, como indícios de que a Sendas

procurou moldar o mercado, cita-se a liderança dentro do mercado fluminense que

facilitou as ações estratégicas do grupo. Como sugerem Pfeffer e Salancik (1978), a

liderança do mercado pode ajudar na eficácia da gestão.

Outras novidades trazidas pela Sendas foram o já citado Espaço Gourmet e o

convênio com o Banco do Brasil. Este último possibilitou, por exemplo, que os clientes

da Sendas pagassem suas contas nas lojas do grupo; algo ainda inexistente nas

outras redes. Adicionalmente, nesse período, a Sendas ganhou duas vezes o Prêmio

Destaque Procon pelo atendimento diferencial prestado pela empresa aos seus

clientes indicando que, nesse quesito, procurou estar à frente de seus concorrentes.

Em uma análise agregada, nesse período III, observou-se a ocorrência dos

sete traços de Fleck (2001). Todos apontando para o sentido da autoperpetuação

depois da falta de um sentido para os traços no segundo período. A análise agregada,

retratada no gráfico dezesseis, abaixo, apresentou um vetor de intensidade de 0,64

com sentido para a autoperpetuação.

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GRÁFICO 16

TABELA 10

Configuração dos Vetores Estratégicos no Período II

Baseada na Análise

4.2.4) Outras Considerações sobre a Análise dos Resultados

Outros pontos merecem ser destacados na análise de resultados. Um deles foi

a coincidência entre o afastamento parcial de Arthur Sendas na gestão da Sendas e a

Manifestos de Autoperpetuação: 0,82

Manifestos de Autodestruição: -0,18

INTENSIDADE DO VETOR VETOR RESULTANTERESULTANTE: 0,64SENTIDO: AUTOPERPETUAÇÃO PÓLO

AUTOPERPETUAÇÃOGráfico 16 Intensidade entre 0,4 e 1Baseado na Análise de Eventos

ANÁLISE AGREGADA DOS SETE TRAÇOS NO PERÍODO III

ABORDAGEM DOS TRAÇOS PÓLO da Zona de PÓLO daAutodestruição Indefinição Autoperpetuação

Traços orientação – internai. Organização Fragmentação 0,62 Integração

ii. Alocação de recursos Fraca coordenação de topo 0,8 Forte coordenação de topo

iii. Resolução de problemas Caso a caso 0,54 Sistemática

iv. Desenvolvimento de hierarquia gerencial

Desenvolvida de forma pobre0,66

Desenvolvida cedo

Traços orientação – negóciosv. Empreendimento Metas satisfatórias, inferiores

0,6Metas ambiciosas, esticadas

vi. Motivação para o crescimento Defensiva, nula 0,72 Produtiva, híbrida

vii. Gerenciamento da mudança Adaptando 0,6 Moldando

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indefinição no sentido dos vetores no período II. Quando Arthur Sendas se tornou

presidente da ABRAS, precisou dividir seu tempo entre sua rede de supermercados e

a associação. Além disso, o exercício de presidente da ABRAS exigia várias viagens

pelo país, bem como a sua permanência na entidade em São Paulo. Talvez, por isso,

ele tenha permitido a descentralização da administração no final da década de 1980.

Essa forma de gestão permitia a Arthur Sendas lidar com todos seus compromissos.

Após o retorno de Arthur Sendas ao total comando das atividades da empresa,

verificou-se, novamente, uma tendência à autoperpetuação. Nesse período III, a

centralização das operações foi evidente, diferentemente da descentralização do

período II. Ressalta-se que essa ligação entre a permanência de Arthur Sendas à

frente das operações do grupo e a tendência de autoperpetuação foi apenas uma

indução. Além disso, questiona se a empresa realmente está preparada para o seu

afastamento.

Essa pesquisa analisou apenas fatos passados classificando-os de acordo com

os sete traços de Fleck (2001). Em alguns casos, não se encontraram dados

suficientes para identificar e classificar os traços, como ocorreu no período II,

dificultando a análise. Em relação a esta análise, observa-se que ela não assegurou

que a Sendas terá longevidade assegurada. Apenas analisou o passado da empresa

identificando as tensões e as polaridades dos traços durante a sua trajetória. Em

suma, procurou a compreensão do destino tomado pela empresa descartando o

caráter de predição dessa análise.

Um outro ponto importante foi a difícil mensuração do isomorfismo nessa

indústria. De uma forma geral, os supermercados possuem serviços e padrões

operacionais semelhantes. Salvas algumas redes que possuem um modo particular de

operação, como o Wall Mart nos EUA, a maioria possui operações que se confundem.

Isso faz com que novidades implementadas por um supermercado sejam facilmente

copiadas por outros reduzindo, conseqüentemente, os seus efeitos. Como exemplo,

citam-se as novidades implementadas pela Sendas, em1969, que depois foram

copiadas pelo mercado. Conseqüentemente, em relação ao traço Gerenciamento de

Mudança, a identificação do manuseio ou da adaptação ao ambiente foi de difícil

mensuração.

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92

5) CONCLUSÕES

O assunto traço organizacional, apesar de pouco desenvolvido na literatura,

contribui em vários aspectos para o gestor. Não só por lhe dar uma melhor

compreensão do seu papel dentro de uma gestão, mas também por indicar os

melhores caminhos a serem seguidos pela organização. A ocorrência de traços na

história de uma empresa sugere possíveis comportamentos organizacionais futuros.

Não se trata de previsões, mas apenas de tendências comportamentais compatíveis

com a estrutura da empresa.

O entendimento do mecanismo de desenvolvimento do traço organizacional

também dá ao gestor a possibilidade de procurar meios para que isso ocorra

deliberadamente. Traços poderiam ser desenvolvidos a partir da necessidade de uma

gestão ajudando-a na obtenção de seus objetivos. Como se viu, alguns autores

sugerem ser isso possível não só no início da trajetória de uma firma, mas também no

seu decorrer. Nesse sentido, os sete traços de crescimento de Fleck (2001) apontam

para um bom começo. Caberia às organizações a escolha das ferramentas que

julgassem necessárias para o desenvolvimento dos traços.

Além disso, a identificação dos sete traços de Fleck também é um começo para

se delinear um caráter organizacional para uma empresa. Os traços de Fleck lidam

com o aumento da complexidade na medida em que a empresa cresce; contudo,

traços de outra natureza podem ser encontrados na trajetória da empresa. Um

exemplo seria o traço qualidade. Uma empresa poderia desenvolver seus produtos

com altíssima qualidade sem que isso fosse de suma importância para sua

perenidade. Seria apenas a identificação de um novo traço que ajudaria na melhor

compreensão do caráter organizacional. Quanto melhor delineado estiver o caráter

organizacional, maiores as chances dos gestores se sucederem à frente das

empresas.

Em relação ao objetivo principal dessa dissertação, foi alcançado com a

pergunta principal sendo respondida. Identificaram-se indícios da ocorrência daqueles

sete traços de Fleck (2001) dentro de uma empresa. Além disso, a análise permitiu o

encontro de uma maior complexidade envolvendo o funcionamento dos traços de

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93

Fleck. Como destaques dessa análise, tem-se a ligação encontrada entre os sete

traços na trajetória da Sendas. Nos três períodos identificados pela análise, os sete

traços tiveram um movimento sincrônico com os vetores apontando para os mesmos

sentidos. Do primeiro para o segundo período, os sete traços partiram de uma

configuração de autoperpetuação para uma configuração de indefinição. O mesmo

sincronismo foi observado do segundo para o terceiro período, porém com um sentido

inverso partindo-se da configuração de indefinição para uma de autoperpetuação.

Futuras pesquisas poderiam indicar se esse sincronismo na Casas Sendas foi, ou não,

um movimento isolado.

Destaca-se também esse encontro de configuração de indefinição no segundo

período, em que não foi possível identificar um sentido para nenhum dos dois pólos

dos vetores. Dos cinco traços identificados nesse período, apenas um apontou para

um dos pólos. Os demais se situaram na zona de indefinição. Mesmo não tendo sido o

propósito dessa pesquisa, a identificação de uma terceira configuração, a de

“indefinição” ou da “transição”, é algo que pode complementar a pesquisa de Fleck

(2001) acerca das polaridades. Durante esse período, o traço da empresa não

tenderia para nenhum dos dois pólos até que um rumo lhe fosse dado. Passada essa

fase, o traço tenderia para um dos dois pólos.

Novas pesquisas complementando a veracidade dessa terceira configuração

podem ajudar na compreensão dos traços de Fleck. Caso realmente se verifique a

existência dessa terceira configuração, será que existiria a possibilidade de um traço

permanecer com essa configuração indefinidamente? A permanência de uma

organização por longos períodos dentro de um dos dois pólos (autoperpetuação e

autodestruição) foi identificada no estudo de Fleck (2001) na GE e WH, bem como na

Sendas. Entretanto, a permanência nessa terceira configuração de “indefinição” ainda

não havia sido verificada.

Apesar de os resultados satisfatórios da dissertação, a pesquisa teve suas

limitações. A principal talvez tenha sido o acesso às informações internas da empresa.

Embora alguns funcionários tenham colaborado com informações a respeito da

empresa, encontram-se lacunas na história da empresa em muitos momentos. Seja

porque o entrevistado não acompanhou a trajetória da empresa desde o seu início, ou

por não dispor das informações solicitadas.

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Como sugestão para futuras pesquisas deve-se considerar o aprimoramento da

metodologia. Nessa primeira operacionalização da tipologia dos traços de Fleck

(2001), evento e processo foram tratados como eventos. Embora muitos dos

acontecimentos relevantes sejam claramente eventos, a exemplo de lojas ou

aquisições de empresas, outros se assemelham mais a noção de processo. Para

efeito de ilustração, cita-se o acontecimento número trinta e sete (ver tabela de

classificação dos traços no anexo II) – surgimento do jornal Sendas em Família. Esse

acontecimento esteve presente desde 1977 na trajetória da Sendas e, para essa

análise, ser considerado como um processo talvez fosse o indicado. Já outros

acontecimentos, como o prêmio de personalidade do ano recebido por Arthur Sendas

em 1989, devem continuar a ser tratados como eventos não sendo apropriada a

mudança de abordagem.

Por fim, ressalta-se a representação dos traços de Fleck através dos vetores

estratégicos. Trata-se de uma quantificação que dá um posicionamento mais claro

sobre a trajetória de uma empresa. Nessa pesquisa, por exemplo, no primeiro e

terceiro períodos, um mesmo sentido para os traços foi encontrado, porém com

intensidades diferentes. Para o leitor, ficou claro que apesar de os períodos terem o

mesmo sentido, o ritmo com o qual caminharam para esse sentido foi diferente.

Embora os vetores estratégicos sejam desprovidos de caráter preditivo, um

estudo desta natureza permite a retratação dos traços ao longo do tempo ajudando o

gestor a identificar possibilidades, limitações e posicionamento de sua organização no

ambiente. Ou seja, parte do sucesso de uma organização viria do seu

autoconhecimento em relação a sua maneira de agir dadas determinadas situações.

Uma empresa que conhecesse e soubesse lidar com seus vetores estratégicos estaria

mais preparada para alcançar a perenidade.

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98

7) ANEXO I

Essa segunda parte funciona como um mapa que situou cada um dos vários

autores citados dentro de uma determinada área. Lembra-se que esse framework é

apenas uma sugestão de um possível caminho para a formação de um traço

organizacional. Sua pretensão é a de apenas organizar idéias já desenvolvidas na

literatura a respeito do processo de desenvolvimento do caráter organizacional de uma

empresa.

7.1) Desenvolvimento do Caráter Organizacional da Empresa

O corpo desse capítulo foi subdividido em três subseções e foi estruturado de

forma a buscar uma compreensão mais detalhada do assunto, já visto na revisão de

literatura. Essas subseções têm como objetivo percorrer de forma mais abrangente o

assunto traço organizacional, buscando coalescer as idéias da literatura, indicando,

principalmente, as zonas de convergência do assunto traço organizacional. As seções

foram divididas de modo a facilitar o entendimento do framework de Caráter

Organizacional, figura quatro, a seguir. Esse framework serviu de base para o

desenvolvimento dessa seção. A seguir, encontram-se os assuntos que serão

desenvolvidos aqui:

• Formação do traço sob a perspectiva do tempo;

• Estímulos;

• Maneiras de formar-se os traços.

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99

FIGURA 4

7.1.1) Formação do Traço sob a Perspectiva do Tempo

Como a própria definição de traço organizacional sugere, a sua constituição dá-

se ao longo do tempo. É um processo. A constituição de um traço pode ser verificada

tanto no início da vida de uma organização como no decorrer de sua história. Contudo,

a formação dos traços parece ser altamente influenciada pelo início das atividades da

empresa. Esta é, pelo menos, algumas das opiniões vistas na literatura da

administração. A seguir, serão apresentadas duas formas possíveis pelas quais os

traços constituem-se sob a perspectiva temporal: no início de sua formação e; no

decorrer de sua existência. Ressalta-se que uma forma não exclui a possibilidade de a

outra acontecer.

CARÁTERORGANIZACIONAL

Estímulos X1 Formação X1Organizacional Deliberada Traço

Ambiental Emergente X1

Estímulos X2 Formação X2Organizacional Deliberada Traço

Ambiental Emergente X2

Traço Xn

Figura 4

Desenvolvimento do Caráter Organizacional

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100

7.1.1.1) Início das Operações da Organização e a Formação dos Seus

Traços

No trabalho de Mintzberg e Waters (1982) os dois lançam a idéia de que o

início das atividades de uma organização influencia fortemente os seus traços. Os

autores sugerem que os “traços desenvolvidos cedo são os que provavelmente guiam

o comportamento das firmas por toda a sua existência”. Ou seja, elas tenderiam a

comportar-se de acordo com suas primeiras formas de agir. Fleck (2001) complementa

essa visão dos autores. Para ela “a real noção de que os traços desenvolvidos cedo

provavelmente determinam a trajetória da firma ao longo do tempo parece implicar

uma trajetória de dependência, uma idéia de auto-reforço de mudança, em que os

primeiros movimentos voluntários terminariam por determinar os movimentos

seguintes da firma... Fazendo uma analogia à biologia, esses traços teriam a função

de genes determinando alguns dos componentes do comportamento de uma

organização” (pág. duzentos e noventa e oito).

Outro indício da importância dessa fase dentro da composição dos traços de

uma organização é visto no estudo de Stinchcombe (1965), que ainda expõe outras

possibilidades. Para ele, as possíveis hipóteses para a persistência das características

das organizações ao longo de sua história seriam três:

• A forma original pela qual a organização evoluiu é a mais eficiente;

• Crescimento em um ambiente com nenhum competidor, onde ocorre o monopólio

natural, não exige mudanças na sua estrutura e;

• A institucionalização que talvez tenha preservado a sua forma através de forças

tradicionais, de proteção por vastos interesses, ou de uma posição ideológica

fortemente legitimada.

Sendo realmente essa fase inicial de extrema importância para a formação dos

seus traços, uma organização, de certa forma, teria uma forte influência do ambiente e

dos valores trazidos pelos primeiros gestores daquela organização (ver também na

subseção estímulos). Talvez isso possa explicar porque algumas organizações

carregam consigo valores trazidos pelo seu fundador. Esse é o caso da rede de varejo

canadense Steinberg’s, citado por Mintzberg e Waters (1982). Nessa rede, os autores

verificaram que algumas decisões tomadas no passado repetiam-se posteriormente,

em intervalos de tempo espaçados.

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Da mesma forma, o ambiente, no qual uma empresa surge, pode ter forte

influência na formação dos traços dela, já que para sobreviver nele, é preciso adaptar-

se a ele. No estudo de Fleck (2001) sobre a General Electric (GE), há indícios de que

a criação dessa empresa em um ambiente turbulento contribuiu para a formação de

seus traços e até mesmo para a trajetória de sucesso que se sucedeu. Esses dois

casos sugerem como o início das operações de uma empresa influencia a formação

dos seus traços.

7.1.1.2) Traços Adquiridos ao Longo do Tempo

Outra maneira de uma organização formar seus traços, de acordo com a

perspectiva do tempo, seria ao longo de sua existência. Da mesma maneira da

perspectiva anterior, o ambiente e a própria organização são os grandes motivadores

para esse processo. Tal assunto torna-se relevante quando uma organização,

percebendo que determinada característica é essencial para a sua sobrevivência, quer

buscar a formação desse traço.

Contudo, esse processo de aquisição de traços ao longo do tempo encontra

certas restrições. Selznick (1957) sugere que as organizações têm uma capacidade de

absorver um ponto de vista e isso teria de ser levado em consideração pelos

“fazedores de política” (pág. cinqüenta). A mudança não parece ser tão simples como

parece, como pode ser visto no trecho abaixo (THOMPSON (1967) apud MOORE e

FELDMAN (1960)):

“Embora nas sociedades modernas as instituições de cargo e carreira e

as estruturas de oportunidades associadas resultem das ações agregadas de

muitas organizações, raramente a organização pode, no curto prazo, provocar

mais do que uma ondulação nesses padrões institucionais. A organização

específica precisa trabalhar dentro desse fluxo de ação da maneira como ela o

encontra” (pág. cento e setenta e seis).

Desse modo, pode-se caracterizar a capacidade de absorver novos padrões

como uma das variáveis determinantes para a formação de novos traços no decorrer

da trajetória da empresa. Isso pode justificar o porquê de algumas organizações há

algum tempo no mercado não conseguirem a incorporação de novos traços. Para um

gestor que esteja administrando uma firma a qual está iniciando suas operações, esse

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tipo de conhecimento permite-lhe trabalhar em uma questão de grande impacto para o

futuro da empresa.

No caso dos traços adquiridos ao longo do tempo, duas formas de obtê-los são

observadas: a primeira através de aquisição de características não existentes e a

segunda através da mudança de um traço já existente. A seguir a explicação para

cada uma das duas.

7.1.1.1.1) Organização Adquirindo Novos Traços

A aquisição de novos traços seria uma das maneiras pela qual uma

organização obtém um novo traço ao longo de sua história. Essa aquisição poderia ser

resultante de um estímulo do ambiente, no qual a organização se insere, ou de

estímulos provenientes da própria organização, como a absorção de novas práticas de

gestão. Um exemplo da influência do ambiente na formação de traços, no decorrer da

existência de uma organização, talvez seja observado na indústria automobilística

brasileira. Com a abertura da economia brasileira no começo da década de 1990, as

montadoras brasileiras foram obrigadas a prezar pela qualidade dos seus produtos, de

modo a tornar o carro nacional tão competitivo quanto o importado. Embora ainda seja

cedo para dizer se o traço da qualidade realmente foi incorporado à cultura dessas

empresas, há pelo menos indícios de que isso seja verdade. Contudo, caso isso

realmente se confirme, saber-se-á que esse traço foi adquirido após esse período de

mudanças.

7.1.1.1.2) Mudando um Traço

A segunda maneira de adquirir uma nova característica seria através da

mudança de uma característica já existente. Um exemplo disso seria o de uma

empresa sem a preocupação de desenvolver seu corpo gerencial desde cedo, não o

preparando para a ocupação de cargos importantes, passando a fazê-lo

posteriormente. Ou que fizesse esse movimento no sentido contrário. Embora alguns

autores (SELZNICK, 1957; ALDRICH, 1979; NELSON e WINTER, 1982),

principalmente os da sociologia organizacional, sugiram isso ser possível através de

um processo análogo ao da biologia, no caso da mutação genética, poucas evidências

empíricas são encontradas nesse sentido.

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Contudo, Nelson e Winter (1982) dão a entender que as organizações podem

preparar-se melhor para enfrentar essas mutações, no caso delas serem possíveis. O

search proposto pelos autores seria esse caminho. Por definição, search é a adoção

de uma rotina, a qual ajuda a organização a melhor situá-la dentro do processo de

mudança, facilitando a caracterização de uma população de novas rotinas ou a

modificação de rotinas existentes.

Com o seu uso, a organização pode encontrar dentro do ambiente ou dentro da

própria organização sinais de que a mudança nas suas rotinas é necessária. Vale

ressaltar que esses autores sugerem as rotinas da organização funcionando como os

seus genes. Desse modo, Nelson e Winter propõem que, da mesma forma que a

teoria genética da biologia coloca como parte do tratamento para a mutação genética

a própria composição genética do organismo, o tratamento de search deles também é

parcialmente determinado pelas rotinas da firma (pág. dezoito). Ou seja, aquelas

rotinas desenvolvidas pela organização teriam um impacto positivo em um momento

de mudança abrupta, aumentando, assim, as chances da organização de manter a

sua longevidade.

7.1.2) Estímulos

Quando uma empresa é constituída, alguns estudos, como o de Fleck (2001),

sugerem que o ambiente, no qual a organização cresceu, influencia a composição de

seus traços. Essa proposição é interessante por dar indícios de que as características

de uma organização são formadas por motivadores. O ambiente, por exemplo, seria

um desses motivadores. No entanto, ele não parece agir sozinho na formação dos

traços de uma organização. As características de um gestor, por exemplo, também

parecem servir de estímulo para a constituição dos traços organizacionais. Um gestor

que preze o baixo custo na produção pode ajudar na institucionalização desse valor

dentro da sua organização, mesmo o ambiente naquele momento não prezando tanto

por esse valor.

Foi o caso, por exemplo, da montadora de automóveis Ford que, no início do

século XX, procurou desenvolver os seus produtos com custos baixos, mesmo não

sendo essa uma tendência do setor. Naquele momento, a maior parte das empresas

estava procurando ofertar seus carros para a nata da sociedade, não sendo o baixo

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custo uma de suas maiores preocupações. A Ford, que seguiu um caminho diferente,

posicionou-se, desde o seu começo, como uma montadora que fabricava seus carros

através do sistema de fabricação em massa, prezando pelos baixos custos. Essa é,

inclusive, uma característica atual da empresa.

Percebem-se, então, dois tipos de motivadores diferentes, não trabalhando de

maneira mutualmente exclusiva e influenciando a constituição dos traços

organizacionais. Esses dois tipos de estímulos, o ambiental – oriundo do ambiente

aonde a empresa está inserida – e o organizacional – oriundo da organização, como

deixou evidente o exemplo da influência do gestor – seriam o primeiro estágio para o

desenvolvimento dos traços da organização. A seguir, seguem algumas possibilidades

de como eles atuariam.

7.1.2.1) Estímulo Organizacional

No início de algumas organizações, são comuns suas histórias se mesclarem

com as de seu fundador ou com as de seus primeiros gestores. Isso porque algumas

características pessoais de seus primeiros gestores seriam transmitidas para a

organização. Quando Thomas Watson tornou-se o CEO da, então, recente IBM em

1924, ele enfatizou a importância da força de vendas. Característica esta que Watson

trouxera da sua experiência na CTR, principal concorrente da IBM. Isso ajudou o

departamento de vendas a tornar-se uma das vantagens da IBM ao longo de sua

história. Ademais, o departamento de vendas era utilizado como parte integrante da

sua estratégia de manter seus clientes fiéis aos produtos IBM. Essa característica é,

inclusive, reconhecida como de grande importância para o sucesso dela.

Mesmo com a crise pela qual a empresa passou no início da década de 1990,

a importância da força de vendas manteve-se. Na verdade, alguns até afirmam que foi

a reconfiguração da área de vendas da IBM, que teve os seus contornos ampliados

nesse período, a responsável pela volta por cima da empresa. A experiência ao longo

dos anos da sua força de vendas permitiu à IBM mudar sua configuração. No seu

início a IBM era uma empresa que focava no produto, oferecendo serviços

complementares para seus clientes. Na década de 1990 mudou para uma nova

configuração de empresa que se focava em serviços, oferecendo produtos

complementares para seus clientes.

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105

Esse caso retrata bem como as características de um gestor podem servir de

estímulo para uma organização adquirir determinados traços. Contudo, é importante

ter em mente que esses estímulos também podem ser provenientes de outras partes

da organização, que não os dos gerentes de alto escalão. Um gestor pode contratar

um conjunto de funcionários com determinadas características, não percebidas no

momento de sua contratação, que depois venham a florescer dentro da organização.

Em um estágio posterior essas novas características podem ser até expandidas para

novos negócios. Todavia, nota-se que as conseqüências da ação de um gestor do alto

escalão indicam o contorno da influência deles dentro dos traços organizacionais. No

entanto, nada garante de que essa proposição seja verdadeira. Ademais, para esses

gestores terem sucesso nessa empreitada é necessário que os funcionários de

escalões mais baixos também colaborem.

7.1.2.2) Estímulo Ambiental

Pfeffer e Salancik (1978) falam da importância de que a organização precisa

dar ao ambiente. É preciso haver sintonia entre a organização e o ambiente. Essa

busca pela sintonia, a qual eles definem como eficácia, seria uma das responsáveis

pela sobrevivência da organização. Aquela organização que quer se manter dentro de

um determinado espaço precisa ampliar a sua visão para além dos seus domínios.

Isso a leva para a melhoria do uso dos recursos disponíveis no seu ambiente.

Percebe-se, então, que buscar estímulos no ambiente ajuda a manter a longevidade

da empresa. Isso talvez justifique o porquê de o ambiente ser um dos motivadores

para a formação de traços organizacionais.

Selznick (1957), por exemplo, evidencia a importância do ambiente para o

surgimento de padrões dentro da organização. Segundo o autor, a transformação dos

ambientes faz padrões surgirem e morrerem dentro dela. Essa interferência do

ambiente dentro de uma organização é responsável pela formação do seu caráter

(pág. quatorze). Thompson (1967) é mais específico quanto aos estímulos ambientais.

Cita, por exemplo, o desenvolvimento do legislativo, executivo e judiciário, que com

suas histórias e dinâmicas, influencia os padrões institucionais.

Um caso em que se nota a presença dos estímulos ambientais na formação

dos seus traços é o da General Electric (GE), observado no estudo de Fleck (2001).

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106

Logo após o surgimento da GE, em 1892, resultante da fusão da EGE e TH, a nova

empresa passou por sua primeira crise. Esta se deveu a uma recessão na economia

norte-americana e exigiu que a GE, desde então a maior companhia da sua indústria,

fosse obrigada a fazer ajustes na sua estrutura para adaptar-se àquela nova realidade.

Uma das medidas adotadas foi o uso de uma contabilidade mais conservadora, como

preza a cartilha da contabilidade. As despesas seriam lançadas na dúvida de sua

realização e as receitas lançadas apenas com sua confirmação. Tal padrão de

comportamento, que permitiu a essa empresa lidar melhor com aquela crise, pode ser

observado até hoje nos seus relatórios contábeis ainda tidos como conservadores.

Até aqui, viu-se que o ambiente tem importância fundamental na formação dos

traços organizacionais. Contudo, como já visto anteriormente, as organizações têm

dificuldades em alterar os seus padrões (MOORE e FELDMAN, 1960; MILLER 1993).

Sendo assim, uma organização poderia buscar o domínio do seu ambiente, evitando

que estímulos indesejados fossem emitidos pelo ambiente. Aldrich (1979), por

exemplo, sugere que algumas organizações, fazendo-se valer de suas forças,

procuram por proteção do governo (pág. cento e noventa e seis). Este seria um jeito

de controlar o ambiente e, conseqüentemente, seus estímulos.

No entanto, o uso dessa estratégia também requer um estudo de suas

conseqüências no longo prazo. Meyer e Zucker (1989) retratam o caso das firmas da

indústria siderúrgica norte-americana que se fizeram valer dessa prática durante

décadas. Foram classificadas, inclusive, por esses autores, de organizações que

falham permanentemente por elas serem de baixa performance e alta persistência.

Nota-se que tal estratégia ainda se mantém nos dias de hoje em meio ao prolongado

enfraquecimento e esfacelamento daquele setor nos EUA. Uma alternativa para a

organização lidar com as contingências oriundas do ambiente seria a realização de um

scan – varredura – (THOMPSON, 1967) permanente no ambiente capaz de captar

esses estímulos. Assim, a empresa poderia agir antecipadamente.

Independentemente dos estímulos ambientais ou organizacionais recebidos por

uma organização, é importante também levar em consideração a existência da

cognição das pessoas atuando em cima delas. Essas pessoas quando coletam as

informações do ambiente ou da organização podem não interpretar esses sinais

emitidos por esses dois motivadores da maneira apropriada, prejudicando a empresa.

Por isso, o uso de ferramentas como o scan (THOMPSON, 1967) e como o search

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107

(NELSON e WINTER, 1982) deve ser ajustado sistematicamente com o tempo,

amenizando esse problema.

7.1.2.2.1) Isomorfismo Institucional

O isomorfismo institucional é abordado dentro da teoria institucional para

descrever a convergência progressiva. Isso se observa através da imitação entre as

organizações de uma determinada indústria. É interessante frisar que o isomorfismo

institucional (MEYER e ROWAN, 1977) também oferece um bom complemento para o

entendimento do estímulo ambiental dentro da organização. Com o passar do tempo,

percebem-se características comuns entre as empresas de um setor. O isomorfismo

institucional provê uma cobertura sob a qual a organização ganha a proteção, por

exemplo, de “ter sua conduta questionada. A organização torna-se, de certa forma,

legítima” (pág. trezentos e quarenta e nove).

O isomorfismo institucional possibilita a determinação de padrões comuns em

uma população de uma indústria. Esses padrões são formados devido a

regulamentações, imitação das abordagens entre as empresas entre outras. Na

indústria de telefonia celular, por exemplo, as empresas, nela instaladas, precisam

seguir normas estabelecidas pelo governo. Algumas vezes, elas até precisam seguir

os padrões de funcionamento daquela indústria para poder se comunicar com suas

concorrentes. O conceito de isomorfismo sugere ser a organização compelida a seguir

determinadas normas que mantém o bom funcionamento da sua indústria.

Dessa forma, uma empresa querendo crescer com a sua indústria precisaria

melhor compreender os estímulos ambientais, responsáveis pelo funcionamento de

sua indústria. Contudo, há casos em que a empresa precisa verificar como seus

concorrentes estão reagindo àqueles estímulos. Poderia ser mais complicado para

essa empresa se ela captasse estímulos ambientais isolados, como o desejo do seu

cliente por um novo serviço, por exemplo, e não seguisse as normas de sua indústria.

Principalmente se, dentro dessa indústria, ela for de pequeno porte e tiver pouca

influência sobre a mesma. O isolamento pode ser prejudicial. O motor de co-evolução

da firma/indústria proposto por Fleck (2001, pág. trezentos e sete), inclusive, prevê a

padronização dos procedimentos dentro de uma indústria como uma condição

necessária para o desenvolvimento dela.

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108

Observa-se que os estímulos, sejam eles ambientais ou organizacionais,

precisam ser trabalhados de forma a adequar-se à estrutura já existente. Como diria

Mintzberg, a estrutura segue a estratégia, assim como a estratégia segue a estrutura

(1998; pág. trinta e seis). Nota-se que não basta uma organização captar os estímulos

ambientais e compreendê-los, é também preciso saber adequá-los ao que já existe

dentro de uma estrutura.

7.1.3) Maneiras de Formar os Traços

Uma vez dados os estímulos ambientais e organizacionais, o processo de

desenvolvimento do traço organizacional segue para o estágio seguinte: o de

FORMAÇÃO dos traços. Esse estágio talvez seja o mais demorado, já que é nele que

aqueles estímulos percebidos pela organização como sendo importantes são, através

de alguma ferramenta, transformados em traços. É nesse estágio que a organização,

interpretando os estímulos, procurará transformá-los em ações que a façam atingir

seus objetivos. Os traços organizacionais podem ser formados de dois modos:

deliberado (com um planejamento prévio por trás) e emergente (sem esse

planejamento). A seguir a explicação mais detalhada para ambos.

7.1.3.1) Formação Deliberada

Com o intuito de formar os seus traços, uma organização pode lançar mão de

regras, leis e burocracias. Estas parecem ser a evidência mais tangível de como

alguns autores (CYERT e MARCH, 1963; ALDRICH, 1979; NELSON e WINTER,

1982) vêem a formação dos traços organizacionais ao longo do tempo. Uma

organização que queira desenvolver uma determinada característica pode fazer-se

valer da formação deliberada. Ela tem esse nome já que há um planejamento por trás

das ferramentas utilizadas para suportar tal objetivo.

Nas leis de uma organização seus gestores incluem valores que consideram

importantes para a sobrevivência da organização. Uma organização que, através de

estímulos ambientais, perceba a qualidade como uma característica importante para a

sobrevivência da empresa naquele mercado pode criar rotinas em suas operações que

deixem isso claro. Selznick (1957), contudo, chama a atenção para as limitações por

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trás dessa deliberação. Para o autor, a liderança de uma organização que busque a

modificação de sua natureza ou a direção de sua organização precisa fazer auto-

avaliações. É preciso ainda apreciar as pressões internas e as exigências externas.

Isso porque a organização possui limitações que devem ser identificadas.

Cyert e March (1963) expõem um outro exemplo de como pode funcionar a

formação deliberada. Na visão dos autores, as regras de uma organização permitem a

transferência de conhecimentos passados. Regras estas oriundas de procedimentos

desenvolvidos por empregados anteriores que, em algum momento do passado,

lidaram com os mesmos problemas dos empregados atuais (pág. cento e quatro).

Essas regras que ajudam os empregados a lidar com determinadas situações são

passadas ao longo do tempo. Adicionalmente, elas dão uma visão mais clara de como

esse processo requer tempo para a formação dos traços organizacionais.

De outra forma, Aldrich (1979) estabelece uma analogia com a biologia para

explicar a importância da rotina dentro da formação de traços. Segundo o autor, essas

rotinas têm o papel de genes, responsáveis pela persistência da organização no

ambiente bem como a determinação do seu comportamento, como pode ser visto no

trecho abaixo:

“... elas [rotinas] seriam hereditárias com os organismos de amanhã

sendo gerados a partir dos organismos de hoje (como a construção de uma nova

planta para a fabricação de um produto) tendo muitas das mesmas

características”. “E elas seriam selecionáveis com o sentido de que os

organismos com certas rotinas talvez fizessem melhor do que os outros..., nesse

caso, sua importância relativa na população [indústria] seria aumentada no

tempo” (pág. quatorze).

Embora esses autores sugiram serem estas formas de passar-se os traços

organizacionais, nada garante que tais procedimentos são suficientes para a sua

ocorrência.

7.1.3.2) Formação Emergente

Já a formação emergente, a segunda maneira de formar-se os traços, tem essa

denominação por ser o traço formado sem a ocorrência de um planejamento prévio.

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Uma organização pode adquirir traços que não havia planejado e dar-se conta de sua

existência somente a posteriori (alguns exemplos poderão ser vistos no item caminhos

para a formação dos traços).

Mesmo leis, regras, burocracias e rotinas tendo sido citadas como algumas das

maneiras de formar-se deliberadamente os traços organizacionais, nada garante que

elas também não possam ser utilizadas de forma emergente. Uma empresa pode

fazer-se valer de rotinas ou de quaisquer outras ferramentas, sem dar-se conta de que

um traço está sendo desenvolvido. Ou seja, aconteceria sem um planejamento prévio,

caracterizando assim a formação emergente. Frisa-se também que, dentro do

processo de desenvolvimento de um traço, tanto a formação deliberada como a

emergente podem atuar juntas para a constituição de um traço.

7.1.3.3) Ferramentas

O processo de formação de traços pode ser visto como uma coalescência de

estímulos e ferramentas. Os estímulos, já vistos anteriormente, seriam os motivadores

para o início desse estágio de formação. Independente de serem ambientais ou

organizacionais, eles seriam os responsáveis pela sinalização da característica a ser

incorporada à organização. Já as ferramentas seriam os instrumentos utilizados pela

organização para desenvolver os traços. Dentro do processo de formação dos traços,

elas seriam o elo entre a transformação dos estímulos e a forma pela qual aquele

traço florescerá dentro da organização. Nesse contexto, ferramentas podem ser as

regras, rotinas, burocracias, políticas organizacionais, o sistema de controle da

organização. Enfim, todos aqueles instrumentos que uma organização utiliza para

fazer com que os traços organizacionais possam desenvolver-se.

Selznick (1957) expõe um exemplo de como a ferramenta pode ser utilizada na

formação dos traços. Para aumentar as chances de que certas políticas tornem-se

fontes de orientação mais significativas e eficientes, uma organização pode lançar

mão da contratação de estafes inteiros pertencentes a uma determinada camada

social (pág. quarenta e nove). O uso desse tipo de ferramenta, contratação de

pessoas adequadas, permitiria que determinadas características trazidas por aquelas

pessoas pudessem ser incorporadas à organização. Esse exemplo, inclusive, parece

ter sido aplicado em algumas empresas de telecomunicações privatizadas no Brasil,

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no final da década de 1990. Algumas substituíram o alto escalão das teles recém

adquiridas por gestores provenientes de outras empresas. O intuito talvez fosse o de

dar àquelas empresas recém privatizadas características novas. Nesse caso, o tipo de

formação ocorrido foi o deliberado, já que um planejamento prévio, que detectou a

falta de alguma característica, será o responsável pela formação de novos traços,

caso isso ocorra.

Apesar de o uso da ferramenta ser necessário para a formação dos traços

organizacionais, a eficácia do seu uso não parece ser certa. O uso de tais ferramentas

pode não ser suficiente para uma organização adquirir aquelas características

julgadas importantes. Esse estágio de formação de traços é um processo, solicitador

de tempo, que demanda uma atenção especial por parte da empresa, quando esta

tem como objetivo a formação de traços organizacionais de forma deliberada. Uma

forma de facilitar tal processo pode ser através da doutrinação. Para Selznick (1957)

ela se torna importante quando as políticas da empresa não estão seguras. Isso

porque “quando a implementação da política depende, consideravelmente, das

atitudes e modos de pensar dos funcionários, deve-se fazer um esforço para traduzir

política em doutrina da organização e para inculcar essas idéias sempre que

necessário” (pág.quarenta e nove).

No caso da formação deliberada, pouco adianta uma organização reconhecer

os estímulos ambientais ou organizacionais se ela não souber formá-los. Esse tipo de

formação parece dar oportunidade à organização de moldar o seu caráter, embora os

efeitos da formação emergente também tenham de ser considerados. Todavia, este

parece um caminho a ser considerado pela organização que queira determinados

traços dentro de sua “personalidade”.

7.1.3.4) Caminhos para a Formação dos Traços

Como já visto anteriormente, os estímulos ambientais e organizacionais são os

motivadores para a formação dos traços organizacionais. Independente de ela se dar

de modo deliberado ou emergente, a influência dos estímulos pode ser vista nos dois

tipos de formação. Dado esse contexto, quatro tipos de caminhos para a formação dos

traços organizacionais podem ser identificados, como mostrado na figura cinco. A

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seguir alguns exemplos de como se dão esses caminhos serão listados com o objetivo

de melhor compreender suas diferenças.

Na formação deliberada o ambiente pode sugerir que para a organização nele

permanecer o uso de metas audaciosas seja necessário para mantê-la competitiva

naquele ambiente. Dessa forma, a organização buscaria, através das ferramentas que

julgasse mais adequadas, o desenvolvimento desse traço. Entretanto, os gestores não

precisam ficar somente dependentes dos estímulos ambientais, eles também podem

ter consigo valores que considerem importantes para a sobrevivência de uma

organização como a adoção de metas audaciosas. Eles buscariam de forma

consciente ferramentas que possam ajudá-los nesse sentido. Aqui, vê-se como os

estímulos organizacionais podem, através da formação deliberada, ajudar a

organização a constituir seus traços.

FIGURA 5

Quanto à formação emergente, os mesmos estímulos podem ser identificados.

Uma indústria bem competitiva (estímulo ambiental), por exemplo, pode exigir de uma

organização resultados audaciosos de forma a garantir sua sobrevivência dentro

daquela indústria. Com o tempo, a organização perceberia que a adoção de metas

audaciosas é importante, fazendo com que ela naturalmente faça-se valer dessa

prática. Quando isso ocorre, percebe-se a institucionalização desse traço, sem que

houvesse um planejamento por trás. A institucionalização desse traço fica mais

Caminhos para a Formação dos Traços

Estímulo Ambiental/ Estímulo Ambiental/

Formação Deliberada Formação Emergente

Estímulo Organizacional/ Estímulo Organizacional/

Formação Deliberada Formação Emergente

Modo de Formação

Baseado na revisão de literaturaFigura 5

Estím

ulo

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113

evidente no momento em que a organização estende-se para um novo negócio. Sem

dar-se conta de que esse traço foi transposto para esse novo negócio, a meta

audaciosa é lá encontrada já fazendo parte do seu cerne.

Nesse caso, uma mudança na competitividade do ambiente pode ser uma

prova para verificar se aquele traço foi, ou não, incorporado à exigência por metas

audaciosas da organização. Caso a mudança no ambiente não altere a utilização de

metas audaciosas por parte da organização, isso pode ser um forte indício de que

aquele traço realmente foi institucionalizado. Por outro lado, caso a mudança para um

ambiente menos competitivo faça com que a organização não as utilize mais, isso

pode ser um forte indício de que a organização procura apenas adaptar-se à exigência

momentânea do ambiente.

A aquisição do traço de metas audaciosas também pode ser verificada através

da formação emergente via estímulo organizacional. Uma organização, por exemplo,

pode contratar novos gerentes que se encaixem no seu perfil, sem ela perceber que

eles carregam consigo a fixação de metas audaciosas como uma forma de

desenvolvimento da organização. Com a permanência desses gerentes dentro da

organização e a conseqüente conquista de cargos mais importantes por parte deles

dentro da pirâmide organizacional, o uso de metas audaciosas pode ser ampliado.

Com o passar do tempo, essa política pode ser institucionalizada, caracterizando a

formação daquele traço. Novamente, não se nota um planejamento prévio por trás

dessa política. Apenas estímulos diferentes. Adicionalmente, frisa-se que a formação

de um traço pode ser a resultante de mais de um desses quatro caminhos. O uso de

um não exclui o outro.

7.1.3.5) Retenção dos Traços Organizacionais

Independente de a formação ser deliberada ou emergente, o processo de

desenvolvimento dos traços organizacionais requer tempo. Aldrich (1979) diz que a

“retenção de adaptações de sucesso nos sistemas sociais depende da retenção e da

formação de conhecimento de uma geração para a próxima” (pág. quarenta e sete).

Como se pode observar o autor sugere que a constatação da formação de um traço

deva ser observada na sucessão das gerações dentro de uma organização. Essa

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passagem também dá indícios de que o sucesso do desenvolvimento de um traço

depende de duas variáveis: a retenção e a formação.

A retenção de um traço dentro da organização talvez esteja ligada à

capacidade da própria. Como já visto anteriormente, (ver também na subseção

formação do traço sob a perspectiva do tempo) uma organização tem uma certa

limitação para absorver mudanças dentro de sua estrutura, podendo ser esta uma

justificativa para a retenção, ou não, de um traço. Já o sucesso da formação estaria

ligado à escolha das ferramentas para o desenvolvimento do processo. Dessa forma,

talvez seja possível identificar essas duas variáveis como condições necessárias para

a formação dos traços organizacionais (MOHR, 1982). Saber lidar com as duas pode

ser de grande valia para uma organização preocupada com a questão.

No caso, a não observação da retenção e da formação de conhecimento de

uma geração para a outra parece ser explicada por aquilo que Miller (1993) chama de

habilidade secundária. Segundo o autor, aquelas habilidades das quais uma

organização faz-se valer durante um tempo e depois perde pela sua falta de prática

podem ser chamadas de secundárias. Para explicar a não perpetuação dessas

habilidades, Miller apud Milliken & Lant, (1991) que dizem que as habilidades

secundárias são perdidas porque os seus praticantes falham em armazenar muito

poder ou respeito. Talvez essa incapacidade em armazenar poder ou respeito esteja

ligada ao fato de os funcionários, envolvidos nessas habilidades, não terem um

compromisso de longo prazo com a organização. Haveria, assim, uma diferenciação

entre as habilidades que levariam à formação dos traços organizacionais e as

habilidades secundárias.

Miller (1993) ainda vai mais longe ao sugerir que a estratégia da organização

torna-se crescentemente restringida por esse conjunto estreito de habilidades

[secundárias] (pág. cento e vinte e três), podendo este tornar um perigo para a

sobrevivência dela. Sendo assim, percebe-se que a busca de uma organização pela

formação das habilidades de uma geração para a seguinte, como maneira de garantir

o sucesso da formação de um traço, vai além do seu desejo em formá-los.

Contudo, quando se constata que as habilidades foram formadas de uma

geração para a outra, uma organização pode fazer-se valer dessa percepção para, por

exemplo, potencializar sua estratégia. Miller (1990a) diz que: “eventualmente, todos os

aspectos de uma organização refletem um conjunto core de valores, metas e

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interesses. Estrategicamente, por exemplo, tornam-se espelhadas pela cultura e

estrutura e vice-versa. Tente reduzir o nível de inovação de uma firma inovadora e a

cultura se regenerá” (pág. cento e vinte e nove). Uma organização que saiba

potencializar os valores já institucionalizados poderá ter os resultados de sua

estratégia ampliados.

Por outro lado, não se deve deixar de expor que, da mesma forma que a

estratégia de uma organização pode ser potencializada pela institucionalização de

alguns valores, a institucionalização destes também pode prejudicá-la em um período

no qual a mudança desses valores seja necessária. A institucionalização desses

valores pode levar a uma inércia. Pode criar uma resistência à mudança de uma

política de sucesso no passado (HANNAN e FREEMAN, 1984). A resistência para

mudá-la é maior do que em uma organização que não tenha experimentado essa

institucionalização.

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8) ANEXO II

8.1) Tabelas de Classificação dos Acontecimentos