"velhos respeitáveis": notas sobre as pesquisas de manuel querino e a origem dos africanos na bahia

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    Manuel Querino (1851-1923) foi um dos primeiros estudiosos brasileirosa pesquisar as origens tnicas dos africanos trazidos para a Bahia na condio de

    escravos. Foi o primeiro intelectual afro-brasileiro2

    a dedicar-se Histria do Brasilcom o objetivo de detalhar, analisar e fazer justia s contribuies africanas ao seupas. Muito antes de se debruar sobre a presena africana e a influncia positivado colono preto na civilizao brasileira (Querino, 1918), foi lder operrio,abolicionista e jornalista militante. Embora no tenha chegado eminncia doslderes da campanha abolicionista, ingressou na Sociedade Libertadora Baiana eescreveu artigos publicados na Gazeta da Tarde,tentando sensibilizar o pblicosobre as injustias da escravido. Diplomou-se em 1882, no curso de desenhistada Escola de Belas Artes, e matriculou-se na aula de arquitetura. Foi aprovadocom distino no segundo ano, mas no chegou a se formar em virtude de noter sido lecionada uma das cadeiras do 3oano (Vianna, 1928, p. 307).

    Membro fundador e depois beneficente do Instituto Geogrfico e

    Histrico da Bahia IGHB, Querino pesquisou e escreveu A raa africana eseus costumes na Bahia3numa poca em que o negro era visto mais comoum problema que um legtimo objeto de estudo no seu pas. Na apresentao, Querino cita, como a inspirao de seus esforos, as palavras de um ex-diretorda Biblioteca Nacional (de 1853 a 1870):

    2O pioneiro foi Manuel Bomfim, um mdico e socilogo branco, autor de A Amrica Latina, males de origem (2005).Querino sempre se autoidentificou como mulato ou mestio, pelo menos na sua obra, mas foi caracterizadocomo preto ou negro pelos comentaristas de suas obras e outros, inclusive Artur Ramos e Edison Carneiro. Maisrecentemente, voltou a ser caracterizado como um jornalista mulato por Wlamyra de Albuquerque (2009, p. 39).3O texto utilizado neste trabalho a verso de A raa africana e seus costumes na Bahia republicada e anotada porArtur Ramos no livro Costumes africanos no Brasil(Querino, 1938).

    Notas de Pesquisa

    Velhos respeitveis: notas sobre a pesquisa de ManuelQuerino e as origens dos africanos na Bahia

    Venerable elders: Notes on Manuel Querinos researchand the origins of Africans in Bahia

    Sabrina [email protected]

    1Doutoranda em Estudos tnicos eAfricanos no Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federalda Bahia.

    Histria Unisinos

    14(3):340-344, Setembro/Dezembro 2010 2010 by Unisinos doi: 10.4013/htu.2010.143.10

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    H mais de meio sculo, o sbio beneditino, Fr.Camilo de Montserrat, estranhando o pouco apreoe a nenhuma importncia em que eram tidos osestudos referentes aos usos e costumes dos africanos,entre ns, traou aos escritores brasileiros o seguinteroteiro, apenas iniciado pelo malogrado professor

    Nina Rodrigues: Conviria muito, pois, antes daextino completa da raa africana, no Brasil, e,sobretudo, antes que desapaream as variedadesmais interessantes e menos vulgarmente conhecidas,apanhar dos prprios indivduos, que as represen-tam, informaes que dentro de pouco tempo serimpossvel ou pelo menos muito difcil de obter. H,entre os negros transportados da frica, indivduosoriundos de regies do interior do continente, at ondenenhum viajante conseguiu ainda ir, e que no seacham mencionados em nenhuma relao publicada.Pode-se ainda distinguir e estudar os tipos diversos,constatar-lhes autenticamente a origem, interrogaros indivduos sobre suas crenas, suas lnguas, seususos e costumes, e recolher assim da prpria boca dosnegros, tanto mais facilmente quanto certo que elesfalam a lngua comum, informaes que os viajantess a muito custo obtm, correndo grandes riscos emcustosas expedies e ainda sujeitos aos mais graveserros (Querino, 1938, p. 19-20, grifo nosso).

    Mas, imediatamente, o pesquisador baiano observaque no ser possvel seguir este roteiro risca,

    [...] entre outros motivos, por nos faltarem os requisitosindispensveis a um estudo psicolgico das tribus quepor largos anos conviveram entre ns, e, sobretudo,porque se extinguiram, precisamente, os africanos que,sendo aqui escravizados, ocuparam, na terra natal,posio social elevada, como guia dos destinos da tribu,ou como depositrios dos segredos da seita religiosa(Querino, 1938, p. 20, grifo nosso).4

    e caracteriza seu trabalho como apenas um esboo,como uma tentativa (Querino, 1938, p. 20).

    Decerto, Nina Rodrigues forneceu um estudomuito mais extenso e detalhado no livro Os africanos noBrasil,mas esta publicao s foi lanada em 1933, umavez que o mdico legista faleceu em 1909, quando o livroestava sendo impresso (Pires in Rodrigues, 2008, p. 13).5Portanto, ao que tudo indica, o primeiro a divulgarasorigens tnicas dos africanos na Bahia foi mesmo Ma-nuel Querino, no V Congresso Brasileiro de Geografia

    presidido por Teodoro Sampaio em Salvador, em 1912,e nos anais desse congresso, lanados em 1916.

    Embora no tenham sido reproduzidas emedies mais recentes, as primeiras edies de A raaafricana e os seus costumes na Bahia so ilustradas comvrias pranchas, apresentando fotos de typos africanos

    e exemplares de cultura material analisadas por Vas-concellos (2009).O trabalho de Querino tambm sedestaca pela maneira respeitosa com a qual o africano eseus descendentes so tratados, e vai muito alm, comas seguintes palavras:

    [] deixamos aqui consignado o nosso protesto con-tra o modo desdenhoso e injusto por que se procuradeprimir o africano, acoimando-o constantemente deboal e rude, como qualidade congnita e no simplescondio circunstancial, comum, alis, a todas as raas

    no evoludas (Querino, 1938, p. 22).Querino confronta os preconceitos do racialismo e

    exige respeito ao africano. Mais do que isso, sublinha suacapacidade de evoluir atravs da instruo, tanto quanto ogrego da Antiguidade ou qualquer outra sociedade outroraoprimida pela escravido.

    Identidade tnica

    A primeira referncia especfica identidade tnicados grupos africanos na Bahia referidas como tribus

    em A raa africana ocorre no segundo captulo, inti-tulado Na Amrica portuguesa, onde Querino fornecea seguinte relao:

    Cambinda, Benin, Gge, Savar, Maqui, Mendobi,Cotopori, Dax, Angola, Massambique, Tpa, Fila-nin, Egb, Iorub, Efon ou cara queimada, Quto,Ige-b, t, Oi, Iabaci, Congo, Galinha, Auss,Ige-ch, Barb, Mina, Oond Nag, Bona, Calabar,Born, Gimum, a gente predilecta ou preferida dosolhadores etc., tribus de que temos aqui ainda alguns

    representantes [...] (Querino, 1938, p. 38-39).

    Numa nota de rodap, o autor faz a seguinte obser-vao: O vocbuloNagabrange as tribus seguintes:MinaIorub, Ige-ch, Ige-b, Efon, Ot, Egb,devido grandeextenso de territrio que abrange as terras da Costa dosEscravos. As tribus Egb e Iorub, as mais distinctas, eramconsideradas primitivas (Querino, 1938, p. 38).

    4Segundo Costa e Silva (2000), esta observao sobre a posio social elevada de alguns africanos escravizados no Brasil hoje comprovada.5O ttulo da obra de vrios volumes do qual Os africanos no Brasil o primeiro foi O problema da raa negra na Amrica portuguesa (Pires inRodrigues, 2008, p. 14).

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    Como Querino (1938, p. 40) mesmo comenta eArtur Ramos observa numa nota de rodap,6as denomi-naes fornecidas por Querino s vezes designam naes,localidades ou cidades africanas, mas, como os trabalhosapresentados a seguir demonstram, longe de ser um equ-voco, refletem a realidade do prprio africano muitas

    vezes, as pessoas se identificavam mais com seu local deorigem do que com um grupo lingustico ou tnicoimaginado ou imposto por estrangeiros.7

    Respeitando as restries de espao, limitar-me-ei discusso de quatro termos utilizados no Brasil paracaracterizar um grupo ou grupos encontrados na Costados Escravos8e nas reas vizinhas, ou seja, iorub e nag(iorub-falantes),jeje(fon ou gbe-falantes)e mina.Comoveremos, alguns dos nomes das tribus citadas por Querinose enquadram em um termo guarda-chuva ou outro.

    Os iorub ou nagEm A raa africana, Querino apresenta os seguin-

    tes esteretipos dos iorub-falantes no Brasil: Iorubs,Egbse Qutos, muito considerados em suas prprias terras,eram ali de ordinrio preferidos nas posies locaes. Osque mais se adaptaram nossa civilizao foram: oAngola,que deu o typo do capadocio, engraado, o introductor dacapoeira; oIge-ch, o Congoe notadamente oNag, o maisintelligente de todos, de melhor ndole, mais valente e maistrabalhador [...] (Querino, 1938, p. 39-40). As mulheresijex e egba eram tidas como as mais amorosas, quanto

    funo da maternidade e tambm se distinguiriam pelacorreco esculptural; no tinham o rosto recortado delinhas e costumavam pintar a plpebra inferior com umatinta azul, por faceirice ou enfeite9(Querino, 1938, p. 98).As ijex tambm eram consideradas boas amas de leite ede ndole mais branda (Querino, 1938, p. 98).

    A relao de grupos tnicos fornecida por Querinoinclui vrios hoje considerados iorub ou iorub-falan-tes, ou seja: egbado, iorub, efon, ktu, ijebu, ota, oi, ijesa,ondo. Como veremos mais adiante, o termo Mina tam-bm poderia abranger grupos de pessoas iorub-falantes.

    De acordo com o historiador nigeriano Biodun

    Adediran (1984), vrios subunidades com diferentes cos-tumes e subgrupos lingusticos j foram identificados naregio conhecida hoje como iorublndia, os principaissendo os iagba, owo, akoko, equiti, igbomina, ijesa, ife,

    ilaje e ondo, no leste; os oio, owu, egbado awori e ijebu nocentro, e os sabe, anago, idaisa, manigri, isa e ana no oeste.A maioria dos subgrupos iorubanos seriam consideradosgrupos tnicos, uma vez que todos so politicamentecentralizados. Outrossim, cada subgrupo se autoidentificae identificado por um nome especfico e tem sinais dia-

    crticos como escarificao e dialeto (subgrupo lingustico)prprio da lngua iorub. Mesmo assim, compartilham atradio de que todos eram organizados sob a lideranade Il-If em tempos remotos e mitolgicos.

    Sigismund Whilem Koelle e Samuel Johnson ar-gumentaram que o termo Yoruba seria uma designaoincorreta para os retornados chamados aku na SerraLeoa. Mesmo assim, como o prprio Koelle indicou, otermo nagun (nag) tambm era usado em Serra Leoapara denominar os aku. H indcios que nagun ou nagse referia originalmente lngua falada por este povo. Nag a verso jeje/fon de anago, outro termo usado para

    denominar os iorub-falantes e considerado mais antigo.Outra denominao utilizada era olukumi ou lucumi(Adediran, 1984).

    Os retornados utilizavam o termo nag, queainda usado no Brasil para identificar povos que falama lngua iorub. Como Robin Law (s.d., p. 111) observa,[m]uito provavelmente, esta acepo do termo passou aser usada na frica Ocidental a partir de 1830, quandoos ex-escravos retornaram Costa dos Escravos e for-taleceram o uso de um termo brasileiro que originou nafrica como anago.

    Os jeje

    Querino (1938, p. 40) fornece esteretipos con-traditrios dos jeje no Brasil, os quais teriam assimiladoum pouco os costumes locaes, mas no em tudo. Erammuito dados a tocatas, a danas e um tanto fracos parao trabalho de lavoura [...]. Mesmo assim, no captuloCaracterstico das diversas tribus, o autor comenta ocontrrio: Das tribus africanas, as que assimilaram melhora nossa civilizao foramAngolas, Gges, CongoseMinas(Querino, 1938, p.99). As mulheresjejedistinguiam-se

    pela sensualidade, pelo porte senhoril e maneiras delicadase insinuantes; por isso chegaram a confundir-se com ascreoulas elegantes, mas tambm teriam possudo ndegassalientes, e talvez houvessem servido de modelo Vnus

    6Manuel Querino confundiu, nesta enumerao de tribus africanas, nomes de naes e simples designaes de localidades[...] (inQuerino, 1938, p. 38).7Segundo Elise Soumonni, o local de origem podia ser muito mais importante como fator de autoidentificao e unificao que o fator lingustico, ou seja, o fato de duaspessoas originarem de duas aldeias distintas podia ser muito mais significante que o fato de falarem a mesma lngua (aula ministrada no dia 14/05/2009 no curso de Ps-Graduao em Estudos tnicos e Africanos do CEAO/UFBA).8A regio denominada de Costa dos Escravos compreende os pases hoje conhecidos como Gana, Togo, a Repblica Popular do Benin e a Nigria, incluindo no apenas o lito-ral, mas tambm o interior, da Baa do Benin at o Gabo. O nome originou do trfico transatlntico no sculo XVII, mas a regio tambm exportava e importava outros bens.9Este esteretipo tambm se aplicava s mulheresJeje (Querino, 1938, p. 98).

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    Hottentote (Querino, 1938, p.99). Destacavam-se entreas africanas mais peritas na arte culinria (Querino,1938, p. 98).

    Embora seja um termo guarda-chuva, a maioriados especialistas associa a palavra jeje com os gbe-falantes da Costa dos Escravos.10 A origem do termo

    jeje um mistrio para Matory e muitos outros es-tudiosos, inclusive brasileiros e brasilianistas, emboratenham proferido vrias teorias desde o incio do sculoXX, quando Nina Rodrigues estabeleceu a tradio eti-molgica brasileira de identificar a palavra ewe o nomedo dialeto falado agora no sudoeste de ogo e no sudestede Gana como a origem do temo jeje (Matory, 1999,p. 62-63). Matory observa que Nina Rodrigues associoua palavra jeje com o termo geng ou gen sem saberque a pronncia do g inicial [...] equivale ao gue emportugus [...] (Matory, 1999, p. 63). Elbein dos Santosatribui as origens da palavra aos administradores coloniais

    franceses, que teriam aplicado o termo aos grupos tnicosencontrados na regio de Porto-Novo. Verger acreditavaque jeje viesse do termo aja, que designa o povo que deuorigem s dinastias que governaram Alad, Porto-Novo eAbomey, e Vivaldo da Costa Lima associa o termo coma palavra iorub para estrangeiro (jj) (Matory, 1999,p. 63) ou refugiado de guerra. Nicolau Pars oferece aalternativa de Adjach, um local prximo a Alad.11Segundo Matory, a africanista Suzanne Blier, autora deAfrican Vodun: Art, Psychology, andPower,concorda comesta hiptese, grafando o nome da aldeia como Adjadji,que teria sido um dos beros da dinastia aja-tado. Matoryacredita que esta seja a mais provvel dentre as mltiplaspossibilidades (Matory, 1999).

    Os mina

    Como vimos na seo sobre os jeje, os estere-tipos dos mina eram parecidos bem assimilados;mulheres sensuais e com porte senhoril (Querino, 1938,p. 98-99). Citando um publicista nacional, Querinotambm observa que a negaMina era considerada umaexcelente companheira e uma criada til e fiel (1938,

    p. 99). Reproduz o texto sobre estas mulheres, que hojeseria considerado preconceituoso, seno racista, semmaiores comentrios.12

    Embora o termo mina seja uma referncia Costado Ouro ou da Mina, os portugueses construram o Fortede So Jorge da Mina em 1482, no local de uma aldeia

    africana chamada Edina, e o forte passou a ser chamadoElmina durante a ocupao holandesa, iniciada em 1637.Depois desta data, a conotao do locativo em portugusmudou novamente, passando a abranger a rea leste dacosta do Ouro (Law, s.d., p. 112). Na Costa do Ouro, otermo mina como designao de um grupo tnico referia-

    se a pessoas oriundas de Elmina, mas, em outras regiesda frica, o nome tambm abrange pessoas da Costa doOuro em geral. ambm havia uma dispora mina paraa Costa dos Escravos, ao longo do litoral.

    No caso da dispora na Amrica, incontestvelque, em alguns contextos, o termo mina indica especifi-camente pessoas vindas da Costa do Ouro (Law, s.d., p.119). Mesmo assim, no Brasil, como Gwendolyn MidloHall observa segundo Law, corretamente em algunscontextos, grupos que falavam lnguas gbe tambm re-cebiam esta denominao. Portanto, um templo fon foidenominado a Casa das Minas no Maranho, e o voca-

    bulrio da lngua geral da mina compilado em MinasGerais em 1741 , na realidade, um vocabulrio da lnguagbe. Uma das observaes mais interessantes deste artigo que o termo mina poderia designar pessoas oriundas deoutros grupos africanos, como os oi, que falavam iorub,mas, em outro caso de bilingismo, tambm falavam alngua gbe (Law, s.d., p. 122).

    No Rio de Janeiro, o termo mina chegou a incluirtodos os povos oriundos da Costa Ocidental da frica, daCosta do Ouro para leste. No sculo XVIII, os minasseriam predominantemente de lngua gbe, mas, no sculoXIX, os falantes de iorub predominavam. Entretanto, naBahia, onde pessoas oriundas da Costa predominavam,os mina eram apenas um grupo entre muitos (Law, s.d.,p. 123).

    Concluso

    Segundo Bernardino J. de Souza, secretrioperptuo do Instituto Geogrfico e Histrico da Bahia,referindo-se a Manuel Querino e Nina Rodrigues em1928: [F]oram eles, at agora na Bahia, os dois maioresestudiosos da raa africana (inPereira, 1932, p. 34).

    Entretanto, pelo tom paternalista das anotaes de ArturRamos em Costumes africanos no Brasil, o leitor poderiase levado a crer que o trabalho de Querino no fosse umafonte vlida, como aconteceu com muitos acadmicos atpouco tempo na rea da Histria da Arte (Freire, 2010).Mesmo que a grande maioria dos autores brasileiros deixe

    10Segundo Pars (2007, p. 14): Gbe o vocbulo compartilhado por todos esses grupos [adja, ewe, fon ou combinaes desses termos] para designar lngua e, embora noseja um termo de auto-identificao autctone, tem a vantagem de no ser um termo etnocntrico que privilegia o nome de um subgrupo para designar o conjunto.11Tambm existe um local chamado Adjach no pas hoje conhecido como Togo.12O publicista observa que, [n]o possuindo fora intelectiva para elevar-se sobre a fatalidade de sua raa, ela empregava toda sua sagacidade afetiva em prender o brancoe a sua gente na tepidez do colo macio e acariciador ( inQuerino, 1938, p. 100).

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    de cit-lo entre os primeiros pesquisadores que levantaramas origens tnicas, lingusticas e culturais dos africanostrazidos ao Brasil como escravos, verificamos que, casoo livro do malogrado Nina Rodrigues no tivesse sidopublicado postumamente em 1933, ainda teramos ind-cios vlidos para futuras pesquisas graas ao trabalho de

    Querino. Por exemplo, em A raa africana, o estudiosobaiano fornece nomes de grupos iorub-falantes quecorrespondem a civilizaes e cidades antigas, muitas dasquais ainda existem na Nigria e no Benin.

    Assim como Freire (2006) observa sobre os traba-lhos deste estudioso baiano na rea da Histria da Arte,a obra de Querino fornece informaes valiosas para ospesquisadores de hoje nos estudos da identidade tnicados africanos e da escravido no Brasil. incontestvelque, comparado maioria esmagadora de seus contem-porneos, Querino forneceu uma perspectiva bastantediferenciada sobre os africanos escravizados. Como ex-

    abolicionista militante e amigo da raa, fez questo dereivindicar a contribuio do negro civilizao brasileirae, principalmente, a dignidade e o valor dos velhos res-peitveis e seus descendentes.

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    Submetido em: 22/08/2010Aceito em: 24/08/2010

    Sabrina GledhillCentro de Estudos Afro-OrientaisUniversidade Federal da Bahia (CEAO/UFBA)P. Inocncio Galvo, 42, Largo Dois de Julho40060-055, Salvador, BA Brasil