vanessa machado

196
Universidade Federal do Rio de Janeiro AVALIAÇÃO DE PROFICIÊNCIA LINGUÍSTICA DE PILOTOS: O DISCURSO DO CANDIDATO E SUA INFLUÊNCIA NO COMPORTAMENTO E JULGAMENTO DO EXAMINADOR Vanessa dos Santos Januário Machado 2010

Upload: alertoaugustobia

Post on 07-Sep-2015

28 views

Category:

Documents


3 download

DESCRIPTION

v

TRANSCRIPT

  • Universidade Federal do Rio de Janeiro

    AVALIAO DE PROFICINCIA LINGUSTICA DE PILOTOS: O DISCURSO DO CANDIDATO E SUA INFLUNCIA NO COMPORTAMENTO E JULGAMENTO DO

    EXAMINADOR

    Vanessa dos Santos Janurio Machado

    2010

  • AVALIAO DE PROFICINCIA LINGUSTICA DE PILOTOS: O DISCURSO DO CANDIDATO E SUA INFLUNCIA NO COMPORTAMENTO E JULGAMENTO DO

    EXAMINADOR

    Vanessa dos Santos Janurio Machado

    Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao Interdisciplinar Lingustica Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obteno do Ttulo de Mestre em Lingustica Aplicada.

    Orientadora: Profa. Dra Aurora Maria Soares Neiva

    Rio de Janeiro Maio de 2010

  • Avaliao de proficincia lingustica de pilotos: o discurso do candidato e sua influncia no comportamento e julgamento do examinador

    Vanessa dos Santos Janurio Machado Orientadora: Professora Doutora Aurora Maria Soares Neiva

    Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao Interdisciplinar Lingustica Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Lingustica Aplicada.

    Examinada por:

    _________________________________________________

    Presidente, Profa. Doutora Aurora Maria Soares Neiva PPG Interdisciplinar Lingustica Aplicada

    _________________________________________________

    Profa. Doutora Myrian Azevedo de Freitas PPG em Lingustica UFRJ, Titular

    _________________________________________________

    Profa. Doutora Slvia Beatriz Alexandra Becher Costa PPG Interdisciplinar Lingustica Aplicada UFRJ Departamento de Letras PUC-RJ, Titular

    _________________________________________________

    Profa. Doutora Ktia Cristina do Amaral Tavares PPG Interdisciplinar Lingustica Aplicada UFRJ, Suplente

    _________________________________________________

    Profa Doutora Selma Borges Barros de Faria Depto de Letras Anglo-Germnicas UFRJ, Suplente

    Rio de Janeiro Maio de 2010

  • Dedico este trabalho ao autor de minha vida, Cristo Jesus, a meu marido Emerson por todo companheirismo e cumplicidade durante esta empreitada e a meus pais que sempre investiram em mim.

    Ofereo tambm a todos os examinadores de proficincia lingustica que participaram desta pesquisa, por acreditarem na realizao deste trabalho.

  • AGRADECIMENTOS

    Primeiramente a Deus, sem o qual no haveria flego de vida e todas as coisas seriam desconexas, por ter me inspirado todo o tempo, por me dar sade e foras para pesquisar mesmo quando no tinha tanta vontade de prosseguir.

    Ao meu marido Emerson Machado, pelo encorajamento em todos os meus projetos, por sempre acreditar em minha capacidade, enxugar minhas lgrimas nas horas difceis e por compreender minhas tantas ausncias.

    A meus pais, Wilson e Maria Helena Janurio, que me dirigiram os primeiros passos, me orientaram e investiram em minha formao, por sempre me ajudarem na realizao de sonhos, pelo amor que sempre me deram, por me encorajarem a ser independente, autnoma e forte. Vocs so a minha glria! Sem vocs, eu nunca chegaria at aqui.

    A minha orientadora Aurora por ter aceito meu projeto de pesquisa e acreditar na possibilidade de concretizao desta pesquisa, pela liberdade de suas idias, por sua crena e esperana em mudanas positivas na universidade e no mundo, por doar seu tempo e nos proporcionar momentos to divertidos dentro e fora da sala de aula.

    ANAC, por permitir meu aperfeioamento profissional, por me confiar a tarefa de implementao dos requisitos de proficincia lingustica, que me possibilitou colocar em prtica muitas idias na esfera pedaggica e lingustica, responder a necessidades e assim concretizar minhas potencialidades.

    Fernanda Alves e Silva por todo apoio nos momentos de dificuldade, pela solidariedade, amizade e empatia incrveis! Words cannot express...

    Ao comandante Tito Walker pelas contribuies, companheirismo e por compartilhar emergncias vivenciadas em voo, alm de tantas reflexes na confeco de exames. Uma lenda viva!

    Tatiana Jordo pelo gerenciamento de algumas crises (risos), pela compreenso e apoio nos momentos finais, pelas palavras de encorajamento nas horas de mudanas importantes e, sobretudo pela amizade.

  • Ana Lcia Monteiro, que desde o incio me encorajou na realizao deste projeto e abriu caminhos com o tema no meio acadmico que tanto me facilitaram a caminhada.

    Nathlia Xavier pela ajuda nas transcries e interesse pelo tema. Voc tem um grande futuro pela frente!

    Aos demais colegas da ANAC que torceram e contriburam direta ou indiretamente com este trabalho.

    A Henry Emery, por seu entusiasmo com o assunto, pela ajuda e aventura na Bodleian Library, em Oxford, em busca de textos, por seu profissionalismo e seriedade com os quais vem impactando pessoas ao redor do globo com o tema ingls para aviao.

    A meus colegas de mestrado, companheiros ao longo desses anos de aula, pelo interesse que sempre expressaram em minha pesquisa, pelas contribuies e parceria que me deram a sensao de no estar sozinha diante deste desafio.

    Aos professores do programa que fizeram parte de minha trajetria, me inspiraram e contriburam para minha formao.

    banca examinadora, pela leitura atenta de meu trabalho e valiosas sugestes e orientaes.

    Aos examinadores de proficincia lingustica do Brasil que desde o incio acreditaram que era possvel fazer um trabalho de excelncia, destacando nosso pas na atividade de avaliao lingustica de pilotos, a despeito de tantas dificuldades e recursos escassos. Pelo comprometimento, resistncia durante o curso de formao na ANAC, que tanto lhes exige em criatividade, disciplina e tempo extra, minha admirao e reconhecimento. Sem vocs esta pesquisa no seria possvel. A mensagem da prxima pgina pra vocs!

    Destaco especialmente os examinadores que se voluntariaram a participar diretamente

    deste estudo. Obrigada pelo tempo, seriedade e receptividade de vocs. Obrigada por compartilharem comigo angstias, perseguies e os mais diversos sentimentos gerados pela interao com pilotos. Os benefcios trazidos por este trabalho tm vocs como pedras fundamentais.

  • We are the champions, my friends And we'll keep on fighting till the end

    We are the champions We are the champions

    No time for losers 'Cause we are the champions

    Of the world

    (Freddie Mercury, 1977)

  • Janurio Machado, Vanessa dos Santos. Avaliao de Proficincia Lingustica de Pilotos: O Discurso do Candidato e sua influncia no Comportamento e Julgamento do Examinador / Vanessa dos Santos Janurio Machado. - Rio de Janeiro: UFRJ, 2010. xx, xxxf.: il.; xx cm. Orientador: Aurora Maria Soares Neiva Dissertao (Mestrado) Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010 Faculdade de Letras, Programa Interdisciplinar de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada, 2010. Referncias Bibliogrficas: f. 290-301.

    1. Exames de proficincia lingustica para aviao. 2. Interao entre pilotos de avio/ helicptero e examinadores de proficincia lingustica. 3. ICAO. 4. ANAC 5.Linguagem como ao e cooperao. 6. Segurana do trfego areo internacional. 7. Interao e Discurso Tese. I. Neiva, Aurora Maria Soares.

    II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa Interdisciplinar de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada. III.Ttulo.

  • RESUMO

    AVALIAO DE PROFICINCIA LINGUSTICA DE PILOTOS: O DISCURSO DO CANDIDATO E SUA INFLUNCIA NO COMPORTAMENTO E JULGAMENTO DO

    EXAMINADOR

    Vanessa dos Santos Janurio Machado

    Orientadora: Professora Doutora Aurora Maria Soares Neiva

    Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao Interdisciplinar Lingustica Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Lingustica

    Aplicada.

    Este trabalho enfoca a interao entre examinadores e candidatos participantes de exames orais de proficincia lingustica no contexto aeronutico.Tais exames tm a finalidade de certificar pilotos de avio e helicptero que conduzem voos internacionais e vm sendo exigidos pela ANAC (Agncia Nacional de Aviao Civil), autoridade de aviao civil brasileira, em cumprimento aos requisitos internacionais de proficincia lingustica estabelecidos pela OACI (Organizao de Aviao Civil Internacional). A anlise da conversao nos permite observar como as aes so moldadas pelo contexto e tambm o moldam, influenciando as aes subsequentes dos participantes, bem como o entendimento do que est acontecendo.(NEVILE e WALKER, 2005, p.3, grifo nosso). Sob esse prisma, so analisadas interaes entre examinadores e pilotos com nfase na influncia que a fala daquele exerce sobre a reao desse e vice-versa. Os dados gerados sugerem que determinados padres comportamentais podem promover intimidao do examinador, invertendo a assimetria entre examinador e candidato durante entrevistas de proficincia lingustica, principalmente quando h uma relao hierrquica entre os interagentes. A despeito do desvio comportamental em relao ao padro esperado durante exames orais, nos casos aqui analisados, no foi verificado uso equivocado da escala de nveis da ICAO por parte do examinador. Entretanto, o perfil e a relao entre os interagentes pareceram relevantes para avaliaes mais justas. Dessa forma, este estudo leva reflexo sobre que aspectos deveriam ser observados a fim de que haja maior confiabilidade e consequente validade em entrevistas de proficincia orais que se destinem ao atendimento dos requisitos de proficincia lingustica da ICAO.

    Palavras-chave: Avaliao, proficincia lingustica, Santos Dumont English Assessment, ICAO, segurana de voo, intimidao, assimetria, ANAC, comportamento, examinador.

    Rio de Janeiro Maio de 2010

  • ABSTRACT

    PILOTS LANGUAGE PROFICIENCY EVALUATION:CANDIDATES DISCOURSE AND ITS INFLUENCE IN THE BEHAVIOUR AND JUDGEMENT OF THE

    EXAMINER

    Vanessa dos Santos Janurio Machado

    Orientadora: Professora Doutora Aurora Maria Soares Neiva

    Abstract da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa Interdisciplinar de Ps-Graduao em Lingustica Aplicada da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em

    Lingustica Aplicada.

    This thesis focuses on the interaction between examiners and candidates who take part in language proficiency oral exams in the aeronautical context. Such exams have the purpose of certifying airplane and helicopter pilots who conduct international flights and they have been demanded by CANA (Civil Aviation National Agency), the Brazilian Civil Aviation Authority in compliance with the international language proficiency requirements established by ICAO (International Civil Aviation Organization). Conversation Analysis makes it possible to observe how actions are both shaped by context and also shape context by influencing participants subsequent actions and understandings of what is happening. (NEVILE e WALKER, 2005, p.3, emphasis added). Within this perspective, interactions between examiners and pilots are analyzed with emphasis on the influence that the speech of the former exerts over the reaction of the latter and vice-versa. The data suggest that some behavior standards can promote intimidation of the examiner, inverting the asymmetry between examiners and candidates during language proficiency interviews, mainly when there is a hierarchical relation between interactants. In spite of the behavioral deviation in relation to the standards expected during oral exams, in the cases analyzed in this research, no misuse of ICAO rating scale from the examiner was observed. However, the profile of the interactants and the relation between them seemed to be relevant for fairer evaluations. Thus, this study expects to promote reflection among those involved in language proficiency testing, more specifically on aspects that should be observed so as to allow greater reliability and consequently more validity in oral proficiency interviews aimed at complying with ICAO language proficiency requirements.

    Key words: Language proficiency, evaluation, Santos Dumont English Assessment, ICAO, flight safety, intimidation, asymmetry, ANAC, behavior, examiner.

    Rio de Janeiro May, 2010

  • SUMRIO

    1 INTRODUO 16 1.1 MINHA RELAO COM O TEMA E O SURGIMENTO DAS PERGUNTAS DE PESQUISA

    22

    2 EXAMES DE PROFICINCIA LINGUSTICA: HISTRICO, INQUIETAES E O CONTEXTO AERONUTICO

    30

    2.1 AVALIAAO DE PROFICINCIA LINGUSTICA: UMA TRAJETRIA

    30

    2.2 VARIVEIS: UMA AMEAA VALIDADE 32 2.3 TEMAS NORTEADORES DE PESQUISA NA EREA DE TESTAGEM DE IDIOMAS

    35

    2.4 ESTUDOS BRASILEIROS SOBRE AVALIAAO ORAL DE LNGUAS

    37

    2.5 ESTUDOS SOBRE AVALIAAO DE LNGUAS NO CONTEXTO DOS REQUISITOS DE PROFICINCIA LINGUSTICA DA ICAO

    38

    2.6 ESTUDOS SOBRE O SANTOS DUMONT ENGLISH ASSESSMENT 44 2.7 O SANTOS DUMONT ENGLISH ASSESSMENT 50 2.7.1 Pre -Test 50 2.7.2 Proficiency Test 52

    3 FUNDAMENTAO TERICA 58 3.1 AS CARACTERSTICAS DE UM EXAME DE PROFICINCIA LINGUSTICA

    58

    3.1.1 Os examinadores: entrevistador e avaliador 64 3.1.2 Os candidatos 68 3.1.3 A coconstruo do discurso 69 3.2 ANLISE DO DISCURSO: ALGUMAS CATEGORIAS ANALTICAS FUNDAMENTAIS

    73

    3.2.1 Enquadre, alinhamento e laminao 75 3.2.2 Estruturas de participao 77 3.2.3 Assimetria 80 3.2.4 A preservao da face 81 3.2.5 Pistas de contextualizao 84

    4 METODOLOGIA DE PESQUISA 87 4.1 O PERFIL DA PESQUISA 88 4.2 O CONTEXTO DA PESQUISA 91 4.2.1 Os locais de pesquisa 91 4.3 OS SUJEITOS DE PESQUISA 91 4.3.1 Eu enquanto sujeito participante de pesquisa 92 4.3.2 Os examinadores 93 4.3.3 Os candidatos 95 4.4 OS INSTRUMENTOS DE GERAO DE DADOS 97 4.4.1 Gravaes em udio 99 4.4.2 Entrevistas 101 4.5 CATEGORIZAO E ANLISE DE DADOS 102 4.6 QUESTES TICAS 104

  • 5 ANLISE DE 3 INTERAES ENTRE EXAMINADORES E CANDIDATOS DURANTE O PROFICIENCY TEST

    111

    5.1 CONTEXTO E PARTICIPANTES DA INTERAO I 117 5.1.1 Transcrio e anlise dos dados da interao I 118 5.1.1.1 Enquadre : situao de entrevista 121 5.1.1.2 Enquadre: conversa entre amigos 126 5.1.1.3 Os impactos sociais na carreira de pilotos 131 5.2 CONTEXTO E PARTICIPANTES DA INTERAO II 133 5.3 CONTEXTO E PARTICIPANTES DA INTERAO III 146 5.4 CONCLUSO DA ANLISE 158

    6 CONSIDERES FINAIS 163

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 168

    ANEXO A ESCALA DE NVEIS DA ICAO 175 ANEXO B FICHA DE INSCRIO PARA O PROFICIENCY TEST 177 ANEXO C AUTORIZAO DE FALANTES QUE PRODUZIRAM OS COMANDOS DO PROFICIENCY TEST

    178

    ANEXO D CONSENTIMENTO INFORMADO 179 ANEXO E ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA - INTERAO I

    180

    ANEXO F ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA - INTERAO II

    183

    ANEXO G ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA - INTERAO III

    190

  • LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

    ACTFL American Council on Teaching of Foreign Languages Oral Proficiency Interview ALTE Association of Language Testers in Europe ANAC Agncia Nacional de Aviao Civil CAND Candidato CAE Certificate in Advanced English CEFR Common European Framework of Reference CELPE-BRAS Certificado de Proficincia em Lngua Portuguesa para Estrangeiros CPE Certificate of Proficiency in English CPI Comisso Parlamentar de Inqurito DAC Departamento de Aviao Civil EPO Entrevista de Proficincia Oral ESP English for Specific Purposes EUROCONTROL European Organization for the Safety of Air Navigation EXAM Examinador FCE First Certificate in English FSI Foreign Service Institute GER Gerncia Regional ICAO International Civil Aviation Organization IELTS International English Language Testing System ILTA International Language Testing Association INSPAC Inspetor de Aviao Civil JLTA Japan Language Testing Association KET Key English Test L1 Primeira Lngua LE Lngua Estrangeira MEA Minimum Enroute Altitude MPR Manual de Procedimentos OACI Organizao de Aviao Civil Internacional PC Piloto Comercial PET Preliminary English Test PELA Proficiency in English Language for Air Traffic Controllers Test PLA Piloto de Linha Area PP Piloto Privado RITCME Recruitment, Induction, Training, Co-ordination, Monitoring and Evaluation SDEA Santos Dumont English Assessment SERAC Servio Regional de Aviao Civil UCLES University of Cambridge Local Examinations Syndicate UEPN Unidades Especializadas Polilxicas Nominais UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro UR Unidade Regional

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 3-1: CEFR e os exames de Cambridge 66

    Figura 4-1: Adaptao do quadro apresentado por Nunes (2007) 103

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 4-1: As fases da pesquisa e os aspectos ticos contemplados 105 Quadro 5-1: O perfil dos interagentes como fatores intervenientes 113 Quadro 5-2: Quadro-resumo dos enquadres 159

  • CONVENES DE TRANSCRIO (adaptadas de Schnack, Pisoni e Osterman, 2005)

    [texto] Falas sobrepostas

    Colchete esquerdo indica o incio da sobreposio de vozes. Colchete direito indica o final.

    =

    Fala colada Indica que no h espao entre a fala de um interlocutor e outro.

    (1.8) Pausa

    Representa ausncia de fala ou vocalizao. A pausa medida em segundos ou dcimos de segundos.

    (.) Micropausa

    Equivale a menos de 0.2 segundos de ausncia de fala ou vocalizao.

    ,

    Entonao contnua

    Indica entonao contnua, como ao listar itens.

    .

    Entonao descendente

    Indica entonao descendente e final.

    ? Entonao ascendente

    Indica entonao ascendente.

    _

    Interrupo abrupta da fala

    Interrupo abrupta da fala em curso.

    : Alongamento de som

    Indica alongamento de vogal ou consoante.

    > texto< Fala mais rpida

    Indica fala mais rpida em relao ao contexto anterior e posterior de fala.

    Fala mais lenta

    Indica fala mais lenta em relao ao contexto anterior e posterior de fala.

    texto Fala com volume mais baixo

    Indica fala mais baixa em relao ao contexto anterior e posterior de fala.

    MAISCULA Fala com volume mais alto

    Indica volume mais alto em relao ao contexto anterior e posterior.

    Texto Slaba, palavra ou som acentuado

    Indica slaba, palavra ou som acentuado.

    Texto em Negrito

    Trecho destacado sobre o qual h comentrios especficos

    (xxx) Utilizado em substituio a nomes que possam identificar o interlocutor ou a empresa em questo, no intuito de manter em sigilo a identidade dos participantes.

    [ ] Alterao de termo utilizado pelo respondente para preservao de identidade dos participantes.

  • 16

    1 INTRODUO

    A vontade dos homens de chegar ao cu fez com que eles concebessem uma torre gigante, a Torre de Babel, mas pagaram caro por isso. A partir da, suas lnguas foram confundidas. Hoje, para chegarmos aos cus dispomos de mquinas poderosas, velozes e confortveis: os avies. Contudo, a necessidade de falarmos uma mesma lngua, mostra-se fundamental, para chegarmos perto de Deus com mais segurana. (OLIVEIRA, 2007, p.16)

    Entre 1976 e 1996, mais de 1.100 (ICAO, 2004, p.1-1)1 mortes foram causadas por

    acidentes aeronuticos, em que a proficincia lingustica inadequada de pilotos e

    controladores de trfego areo foi um dos fatores humanos determinantes. A

    representatividade do papel das comunicaes entre pilotos e controladores em acidentes e

    incidentes ficou evidente tambm nos relatrios produzidos pela Organizao de Aviao

    Civil Internacional (ICAO)2, rgo regulador da aviao civil no mbito internacional, pelo

    Conselho Nacional de Transportes e Segurana dos Estados Unidos3, e por autoridades

    competentes no Reino Unido (ICAO, 2004, p.1-1).

    Tais falhas nas comunicaes radiotelefnicas levaram a ICAO a adotar, em maro

    de 2003, maior rigor nos requisitos de proficincia lingustica, exigindo a avaliao formal

    de pilotos de avio e helicptero4 e determinando que tripulantes que no atinjam os nveis

    de proficincia considerados operacionais sejam impedidos de conduzir voos internacionais

    a partir de 5 de maro de 2008.

    1 As tradues de textos que constam da bibliografia em ingls so de minha inteira responsabilidade.

    2 Em ingls, International Civil Aviation Organization.

    3 Em ingls, National Transportation Service Board (NTSB).

    4 A ICAO exige a avaliao de controladores, pilotos de avio e helicptero, dirigveis, aeronaves de

    susteno vertical (powered-lift), tambm chamadas em portugus de aeronaves de decolagem vertical. A ICAO recomenda a avaliao formal de mecnicos de voo, pilotos de planador e balo livre (ICAO, 2006, p. 1-8). No Brasil, optou-se por avaliar formalmente apenas os pilotos de avio e helicptero e os controladores de voo. (ICAO, 2006, p. 1-8)

  • 17

    Como pas membro e signatrio da ICAO, o Brasil5 est na fase de implementao

    de tais requisitos, buscando assegurar que seus pilotos e controladores sejam proficientes na

    lngua inglesa a fim de que sua comunicao oral seja clara, precisa e objetiva,

    proporcionando assim maior segurana de voo. O insucesso de tal implementao poder

    agravar ainda mais a crise area vivida recentemente no pas6, pois aeronaves brasileiras

    podem sofrer restries de acesso no exterior e pases como os EUA e outros da Europa

    podem orientar suas aeronaves a no mais pousar em solo brasileiro.

    Para garantir a proficincia de pilotos e controladores, a avaliao das habilidades

    de falar e compreender, no somente a fraseologia7, mas tambm o ingls de uso corrente,

    faz-se necessria. Tal avaliao deve ser realizada atravs de um instrumento de medida

    vlido, confivel, eficaz e apropriado (ICAO, 2004, p. vii).

    Segundo Messick (1989b, p.5), para que testes de proficincia lingustica sejam

    considerados vlidos devem aludir aos aspectos fundamentais de validade, os quais so:

    significado, relevncia e utilidade da pontuao, suas implicaes como base para tomada

    de deciso e o valor funcional dos pontos em termos de consequncias sociais de seu uso.

    De acordo com McNamara e Roever (2006), teorias sobre validade em avaliao

    educacional tm se voltado tambm para o uso de testes e o papel dos mesmos como base

    para tomada de deciso a respeito de indivduos. Segundo os autores, embora a construo

    do desempenho seja o principal assunto terico em termos de validade das inferncias feitas

    5 Desde a Conveno de Chicago, em 1944, o Brasil consta do primeiro grupo da ICAO, significando dizer

    que considerado uma das maiores potncias em aviao no mundo. Temos, hoje, a segunda maior frota de helicpteros e a terceira maior frota de avies do planeta. 6 Tal crise, alm dos atrasos de voo por problemas no espao areo brasileiro, teve como pontos mais

    expressivos os acidentes da GOL (SET/2006) e da TAM (JUL/2007), os quais causaram mortes em nmeros nunca vistos no pas. 7 Segundo a ICA 100-12 (BRASIL, 2006, p. 175), A fraseologia um procedimento estabelecido com o

    objetivo de assegurar a uniformidade das comunicaes radiotelefnicas, reduzir ao mnimo o tempo de transmisso das mensagens e proporcionar autorizaes claras e concisas. De acordo com o documento, quando estritamente necessrio, tanto os controladores de trfego areo como pilotos podero utilizar frases adicionais, devendo, no entanto, afastarem-se o mnimo possvel da fraseologia. A ICAO recomenda que sejam utilizadas palavras e expresses que possam garantir melhor compreenso nas transmisses radiotelefnicas, que se evite palavras e expresses cujas pronncias possam causar interpretaes diversas e que na fraseologia inglesa , sejam utilizadas preferencialmente palavras de origem latina.

  • 18

    a partir de entrevistas orais em Chalhoub-Deville e Deville (2004), o carter social da

    interao tambm foi conceituado de pontos de vista macrosociolgicos.

    Por determinar mudanas na carreira de pilotos experientes e contribuir para o

    aumento da segurana de vidas a bordo de aeronaves, os impactos sociais e a justia da

    avaliao em questo no podem ser ignorados. No caso de pilotos, as consequncias

    sociais so extremamente severas, pois, sendo reprovado no teste, o tripulante condutor de

    voos internacionais (que j est em patamar elevado dentro do plano de carreira comum na

    profisso) ser impedido de voar para o exterior. Tal impedimento levar demisso de

    muitos e ascenso de outros nem to experientes em termos operacionais quanto os

    primeiros, gerando um conflito com a necessidade de segurana. Em contrapartida, a

    aprovao inadequada de candidatos compromete a segurana de voo e a reputao do

    Brasil enquanto autoridade de aviao civil.

    Este estudo poder nos auxiliar a situar os problemas dos impactos sociais, a relao

    entre a experincia operacional em voos internacionais e o nvel de proficincia

    demonstrado, sobretudo quando nos depararmos com os resultados de avaliaes orais. A

    presente pesquisa tambm busca compreender algumas tenses existentes entre examinador

    (especialista da lngua inglesa) e candidato (piloto) no momento crtico que vivenciam: o

    exame oral. Ciente de que o resultado conferido ao candidato ser influenciado por tais

    tenses, a partir desta anlise poderemos entender de que forma isto ocorre. Cabe ressaltar

    que tais tenses so mutuamente experimentadas, pois se para o candidato o exame

    determinante de sua carreira, para o examinador, o mesmo pode se tornar um evento

    intimidante, pela identidade de especialista que o candidato evidencia atravs de seu

    discurso.

    A ICAO exige, para fins de certificao no idioma, que o exame consista em

    entrevista oral. O processo de avaliao destinado a atender os requisitos internacionais e

  • 19

    criado pelo Brasil o Santos Dumont English Assessment, composto por duas etapas: Pre-

    Test8 (feito no computador e pr-requisito para a segunda etapa) e Proficiency Test

    (entrevista face a face, conforme demanda a ICAO).

    O Proficiency Test objeto de maior preocupao dentro do processo de avaliao

    proposto, uma vez que seu resultado influenciado pela interao entre o piloto (candidato)

    e o entrevistador e h maior subjetividade envolvida na emisso de julgamento.

    Segundo Luoma (2004, p.170), o teste oral especial por sua natureza interativa. A

    autora alega existir variabilidade na avaliao, j que a mesma envolve avaliadores

    humanos. Logo, procedimentos especiais so necessrios para garantir a validade e

    fidedignidade das pontuaes. A autora afirma ainda que na rea de exame de proficincia

    lingustica, confiabilidade e validade so as maiores qualidades tcnicas que especialistas

    buscam (2004, p. 175).

    A confiabilidade (tambm chamada de fidedignidade) est relacionada

    consistncia dos resultados. Em outras palavras, um candidato que demonstre o mesmo

    desempenho no deve receber uma nota diferente, independentemente do examinador e da

    verso do teste que est realizando. A respeito de tal qualidade tcnica, Luoma afirma:

    Fidedignidade importante, pois indica que as pontuaes so interdependentes, de forma que podemos confiar nelas para tomar decises. Pontuaes no confiveis, por outro lado, podem levar a nivelamentos errados, promoes injustificadas, ou notas desmerecidamente baixas, por exemplo, porque a pontuao utilizada para tomada de deciso foi influenciada pelas circunstncias da ocasio da testagem, que no a habilidade dos candidatos, e em uma outra ocasio poderiam ter sido completamente diferentes. (LUOMA, 2004, p. 176)9

    8 Desde fevereiro de 2010 at o momento da publicao deste trabalho, a ANAC interrompeu

    temporariamente a utilizao do Pre-Test e est estudando uma reestruturao da primeira etapa do Santos Dumont English Assessment. 9Reliability is important because it means that the scores are dependable, so that we can rely on them in

    decision-making. Unreliable scores, on the other hand, can lead to wrong placements, unjustified promotions, or undeservedly low grades on report cards, for example because the particular scores that were used to make the decisions were influenced by the circumstances of the testing occasion rather than the ability of the examinees, and they would have come out differently on another occasion. (LUOMA, 2004, p. 176)

  • 20

    O procedimento mais comum por parte de bancas examinadoras para assegurar a

    fidedignidade a calibrao de seus examinadores, o que tem sido feito atravs de cursos e

    oficinas para Examinadores credenciados da ANAC e da fiscalizao corrente10 com o

    intuito de padronizar os critrios de avaliao e a interpretao adequada do desempenho de

    candidatos durante a entrevista. Entretanto, sabido que neste tipo de avaliao no h

    iseno total de pessoalidade e o comportamento do examinador durante a mesma pode

    afetar diretamente o desempenho do candidato, bem como os resultados do exame.

    Nunan (1992, p.3)11 afirma que a pesquisa um processo sistemtico de

    questionamento, o qual consiste de trs componentes: (1) uma pergunta, um problema ou

    hiptese, (2) dados e (3) anlise e interpretao dos dados. Logo, podemos afirmar que o

    processo de avaliao uma pesquisa em si, pois sistemtica e h os trs elementos:

    (1) uma pergunta: Qual o nvel de proficincia do candidato e que evidncias

    respaldam tal classificao?;

    (2) dados: a produo oral do candidato durante o processo de avaliao; e

    (3) anlise e interpretao dos dados: em que nvel a produo oral do candidato

    se enquadra segundo a escala de nveis da ICAO?

    Considerando ainda que os dados analisados na entrevista oral so prioritariamente

    de carter qualitativo, o que classificaria esta pesquisa/avaliao como qualitativa, retomo

    a questo da pessoalidade trazendo novamente a voz de Nunan (1992, p.3)12: a pesquisa

    10 Anlise por amostragem dos testes enviados ANAC por parte de INSPAC (Inspetores de Aviao Civil

    Lei 7565, Art. 197 ) do rgo. Tal anlise feita no sentido de observar se a verso declarada pelo examinador credenciado foi a que realmente usou e se o nvel conferido ao candidato est de acordo com a Escala de Nveis da ICAO. Caso o nvel conferido no esteja de acordo, o credenciado e a entidade para a qual trabalha recebem um relatrio detalhado com aes corretivas a serem adotadas. 11

    research is a systematic process of inquiry consisting of three elements or components: (1) a question, problem or hypothesis, (2) data, (3) analysis and interpretation of data. (NUNAN, 1992, p.3) 12

    Qualitative research, on the other hand, assumes that all knowledge is relative, that there is a subjective element to all knowledge and research, and that holistic, ungeneralisable studies are justifiable (an ungeneralisable study is one in which the insights and outcomes generated by the research cannot be applied to contexts or situations beyond those in which the data were collected. (NUNAN, 1992, p.3)

  • 21

    qualitativa (...) considera que (...) h um elemento subjetivo em todo conhecimento e

    pesquisa. Assim sendo, a interferncia de fatores idiossincrticos na avaliao inevitvel.

    O que se deve buscar, em meu entendimento, impedir o prejuzo da justia na avaliao.

    Desta forma, o foco deste trabalho a investigao de como a pessoalidade e a

    relao do indivduo com seu contexto institucional se d durante a interao oral entre

    pilotos e examinadores no ato da entrevista. Tal anlise tem como pano de fundo a atuao

    profissional de examinadores de proficincia lingustica credenciados pela ANAC. Durante

    a conduo da pesquisa, exerci um duplo papel: o de autoridade de aviao civil e

    pesquisadora. Muitos dados foram gerados durante minha atuao profissional e analisados

    com meu olhar de pesquisadora.

    Trabalharei com algumas asseres acerca do comportamento de examinadores

    durante a entrevista oral derivadas da reflexo de vrios autores e a minha prpria.

    Espero que este trabalho seja til para a comunidade aeronutica internacional

    inserida direta ou indiretamente na tarefa de implementao dos novos requisitos de

    proficincia lingustica da ICAO por permitir reflexo acerca das tenses decorrentes da

    interao face a face entre examinadores e candidatos, sobretudo quando h um elo de

    ligao institucional entre ambos.

    At aqui, abordei as conjunturas internacionais geradoras do problema de pesquisa e

    suas implicaes. Agora, narrarei de que maneira ocorreu meu encontro com este estudo,

    apontando o movimento de criao que o antecedeu, bem como as questes que procurarei

    responder atravs dele.

  • 22

    1.1 MINHA RELAO COM O TEMA E O SURGIMENTO DAS PERGUNTAS DE

    PESQUISA

    A escolha por este estudo visa possibilitar a integrao entre o tema de trabalho a

    que me dedico atualmente e a pesquisa em Lingustica Aplicada.

    Aps oito anos envolvida no ensino da lngua inglesa nos mais diversos cursos de

    idiomas e adotando vrias metodologias distintas, ingressei em 2003 no Sistema de Aviao

    Civil, mais precisamente no Departamento de Aviao Civil (DAC).

    Com formao em Pedagogia e ps-graduao em Relaes Internacionais, tendo

    sido aprovada em concurso naquela rea, inicialmente dediquei-me ao tratamento

    pedaggico de exames tericos de proficincia tcnica para pilotos e mecnicos de

    manuteno aeronutica. Tal tratamento consistia no ajuste do ndice de facilidade de itens

    de testes em exames de natureza objetiva, o clculo do ndice de diferenciao das questes,

    a reviso de enunciados e alternativas com relao clareza, bem como o cuidado com a

    abrangncia do contedo previsto.

    Ao final de 2004, tomei conhecimento dos novos requisitos de proficincia

    lingustica da ICAO e sendo indicada para participar da implementao dos mesmos no

    Brasil, tive como primeira inquietao o processo de avaliao que utilizaramos para

    certificar pilotos como aptos a realizarem voos internacionais no que tange ao domnio da

    lngua inglesa.

    A partir de breve pesquisa, o grupo de trabalho do qual fazia parte averiguou que,

    desconsiderando os pilotos privados (PP) do pas e certificando apenas pilotos comerciais

    (PC) e de linha area (PLA), empregados em empresas areas, nosso pblico-alvo era de

    pouco mais de 5.000 tripulantes. Seria ento importante planejar tal avaliao tendo em

    mente o prazo internacional que a ICAO havia dado aos pases para que seus pilotos j

  • 23

    apresentassem a certificao ao preencher planos de voo internacionais: 5 de maro de

    2008.

    Existiam ainda os pilotos no vinculados a empresas (PP, PC e PLA) que

    recorreriam prpria ANAC e no a examinadores credenciados de empresas areas para

    realizar suas avaliaes.

    Sendo uma das exigncias da ICAO que o exame consistisse em uma entrevista face

    a face, percebi a necessidade de eliminar os candidatos sem possibilidades de aprovao na

    mesma, dividindo a avaliao em duas etapas: PRE-TEST e PROFICIENCY TEST. A

    primeira, de carter eliminatrio, seria feita no computador e a segunda consistiria na

    entrevista em si. Desta forma, faramos melhor uso do tempo, de recursos humanos e

    materiais.

    O quadro funcional era outro problema. A Agncia no dispunha de examinadores

    qualificados para a avaliao de forma a atender aos 5.000 candidatos dentro do prazo

    estipulado. Ento, de forma semelhante ao que j feito em exames de proficincia tcnica

    (check prtico de pilotos), ns credenciaramos examinadores nas empresas areas de

    grande porte, principalmente, e nos centros de treinamento. A ANAC ficaria diretamente

    responsvel pela avaliao de proficincia lingustica de pilotos de empresas menores que

    no desejassem se credenciar e dos no vinculados a empresas. Teramos que disponibilizar

    pessoal, espao fsico, computadores, mecanismos de agendamento de testes, enfim, toda a

    infra-estrutura nas Gerncias Regionais (GER)13.

    Tendo o Grupo de Trabalho aceito a proposta, partimos para uma sondagem nas

    Gerncias Regionais, chamadas SERAC (Servio Regional de Aviao Civil) poca14.

    13 A partir de dezembro de 2009, as GER passaram a se chamar UR (Unidades Regionais). Sem autonomia

    administrativa, tais unidades encontram-se em fase de extino. 14

    Antes da criao da ANAC, atravs da lei 11.182 de 2005, havia o Departamento de Aviao Civil (DAC), que denominava as atuais Gerncias Regionais (GER) de Servios Regionais de Aviao Civil (SERAC).

  • 24

    Averiguamos as necessidades de cada localidade15 para se adequar ao Santos Dumont

    English Assessment: sala de provas, nmero de computadores disponveis para o PRE-

    TEST, de funcionrios para a realizao de inscrio, agendamento e atendimento antes e

    depois do teste. Nossa suspeita se confirmou: no havia pessoas com formao adequada

    para entrevistar candidatos em nenhuma Regional.

    A transio finalmente ocorreu. A ANAC, criada em Setembro de 2005, foi

    instalada em Maro de 2006 e com sua instalao, houve mudana de chefia. No contexto

    do servio pblico, cada mudana implica num perodo de familiarizao da nova chefia

    com as atividades, projetos e cronograma. Os prejuzos ao cronograma justssimo desde o

    incio foram inevitveis.

    Em Outubro de 2006, com a definio do escopo do processo de avaliao e

    batismo: Santos Dumont English Assessment16, iniciamos a aplicao do Proficiency Test

    (entrevista oral) em carter experimental.

    Diante de minhas dificuldades na conduo das quatro primeiras entrevistas, surgiu

    uma grande motivao para pesquisar sobre validao de exames de proficincia

    lingustica. A projeo de um futuro prximo em que teria que treinar pessoas sem o

    background na aviao e os impactos sociais (MESSICK, 1989b) gerados pela avaliao

    tambm foram fatores motivadores.

    Sendo assim, decidi participar do processo seletivo para o ingresso no Mestrado do

    Programa Interdisciplinar em Lingustica Aplicada da Faculdade de Letras da UFRJ,

    apresentando meu projeto de pesquisa. Inicialmente, tal projeto consistia em fazer anlise

    comparativa da proficincia lingustica demonstrada por pilotos na avaliao formal e em

    rota, durante a conduo de voos internacionais, de forma a validar o Santos Dumont

    15 Estive nos SERAC 1 (Belm), 2 ( Recife), 3 (R.J), 4 (S.P.), 5 (Porto Alegre), 6 (Braslia), 7 (Manaus) e

    EAC-CT (Escritrio de Aviao Civil de Curitiba) 16

    Homenageamos o patrono da Aviao brasileira, j que a concepo do processo se findou exatamente no ms do centenrio do primeiro voo.

  • 25

    English Assessment. Porm, uma vez que esta anlise implicava em autorizao especial da

    diretoria da ANAC para o acesso cabine de voo durante as operaes internacionais, fui

    levada a mudar meu tema. Em plena crise area, a alta cpula da Agncia no

    disponibilizara tempo para discusso deste assunto, estando envolvida na CPI do apago

    areo. No contexto acadmico, este procedimento considerado normal, pois,

    (...) ainda que voc comece com uma pergunta de pesquisa especfica, provvel que se pegue modificando-a conforme progride, refinando e reformulando-a progressivamente e at levantando novas questes, [por motivos prticos de coleta de dados ou porque] (...) torna-se mais familiarizado com a situao que est investigando. (ALLWRIGHT & BAILEY, 1991, p. 38)17

    Temendo falta de dados para a pesquisa, decidi deitar olhares sobre o um incmodo

    que me assolou desde a primeira conduo do PROFICIENCY TEST: o comportamento do

    examinador e seus impactos na validade do exame oral processo a cujos dados tive total

    acesso, pois, entrevistei, treinei, avaliei e fiscalizo os examinadores de proficincia

    lingustica credenciados da ANAC.

    Realizei um estudo em carter preliminar, no qual analisei as relaes existentes

    entre examinadora e candidato em um contexto institucional. Tal estudo foi realizado com

    base na anlise do discurso oral, tendo como fonte de dados uma interao ocorrida entre

    um piloto e eu, no papel de entrevistadora, durante a aplicao do Proficiency Test. Nessa

    anlise, verifiquei que me senti intimidada pela identidade de especialista demonstrada pelo

    piloto atravs de seu discurso ao expressar profundo conhecimento do funcionamento da

    aeronave, suas partes, procedimentos adotados durante o voo e sobre o processo de

    formao de aviadores. Por desconhecer grande parte do que o candidato mencionara, me vi

    inevitavelmente intimidada e resolvi investigar as seguintes questes na interao:

    17 Even if you start out with a specific research question you are likely to find yourself modifying it as you go

    along, refining and reformulating it progressively, and even raising new questions, as you become more familiar with the situation you are investigating. (ALLWRIGHT & BAILEY, 1991, p. 38)

  • 26

    - Como o discurso do piloto pode influenciar o comportamento do examinador e

    vice-versa?

    - Quais as possveis consequncias desse discurso na avaliao?

    - Quais as implicaes deste estudo para a formao do examinador?

    Advinda dessas questes teramos outra:

    - Como a atuao do entrevistador durante a entrevista (gestos, parfrase,

    diminuio do ritmo de fala para adequar-se s dificuldades do candidato,

    falta de clareza nas instrues, m preparao do ambiente da avaliao,

    seleo mal feita de questes ou da verso do teste a ser aplicado) pode

    interferir no nvel de proficincia que o candidato demonstra?

    Cheguei a tais perguntas atravs do olhar despreparado que levei para o campo de

    pesquisa, tal como Erickson (1988, p. 1085) diz que o etngrafo deve faz-lo. Outro evento

    que contribuiu para que adotasse tais perguntas foi o processo de treinamento de

    Examinadores em que fui confrontada com a intimidao que vrios deles, ainda sem muito

    conhecimento aeronutico pareciam sofrer por parte de pilotos, seus candidatos durante a

    entrevista oral. A assimetria j prevista em contextos institucionais como os exames em tela

    foi no mnimo curiosa: ao invs do examinador se colocar como dominante, segundo a

    viso de Linnel (1991), houve momentos em que o candidato/ piloto com sua identidade de

    especialista pareceu dominar a interao. Tal inverso levou-me a refletir nos impactos que

    a avaliao sofreria, pois se o candidato mostrou-se o par mais qualificado, abordando o

    assunto com uma propriedade que o examinador no tem, como impedir que a avaliao da

    competncia lingustica propriamente dita no seja afetada?

    Logo, a lacuna que esta pesquisa visa preencher como os resultados obtidos no

    Proficiency Test podem sofrer interferncia inapropriada de examinadores de forma a no

  • 27

    retratar o real nvel de proficincia dos pilotos candidatos certificao na lngua inglesa,

    invalidando o teste.

    Vale ressaltar que este tema ainda muito novo. Conforme ser esclarecido no

    captulo 2, alm deste trabalho sobre avaliao de proficincia lingustica de pilotos, mais

    especificamente o Santos Dumont English Assessment, h apenas algumas monografias

    desenvolvidas no Brasil sobre o assunto, bem como um artigo publicado.

    Como parte da minha qualificao e buscando um envolvimento maior com o tema,

    participei de vrios cursos e eventos, os quais destaco a seguir para que o leitor perceba a

    partir de que ponto de vista interpretarei os significados construdos pelos participantes

    da pesquisa (MOITA LOPES, 1994, p.334):

    a) Curso de Trfego Areo Internacional - VARIG, RJ

    b) Seminrio Regional y Taller de la OACI sobre el Lenguaje en la Aviacin Buenos

    Aires, Argentina

    c) Instructor Development: Aviation English FAA Academy, USA

    d) Curso de Trfego Areo Internacional Base Area do Galeo, RJ

    e) Course for English Language Examiners using ICAO language descriptors

    Mayflower College, UK.

    f) ICAO Regional Workshop on Language Proficiency Requirements Implementation

    Paris, Frana

    g) ICAO Second Aviation Language Symposium Montreal, Canad

    h) Taller Regional de Planes de Implementacin de Requisitos de Proficiencia

    Lingustica Lima, Peru

    i) Train the raters course Oxford academy, UK.

    j) Aeronaultical English Train the Testers Workshop Singapore Aviation Academy

    Singapura, Singapura

  • 28

    k) WAME (Where Aviation Meets English) Forum evento sediado pela Compagnia

    Aerea Italiana (Alitalia) Roma, Itlia

    Ainda como parte do meu trabalho, participei de uma sesso de simulador no

    equipamento B767, momento em que pude presenciar um treinamento voltado para a

    interao de pilotos e controladores, com o objetivo de familiarizar o controlador com a

    realidade de trabalho do piloto dentro da cabine. Participei tambm de uma sesso na

    Oxford Academy, tradicionalmente conhecida por capacitar os futuros pilotos das British

    Airways. Para conhecer um pouco mais sobre os interlocutores que vm ganhando mais e

    mais ateno da OACI e de todo o pessoal que se ocupa de fatores humanos na preveno

    de acidentes (pilotos e controladores), visitei as seguintes torres de controle: do Aeroporto

    de Oklahoma City (U.S.A.) Santos Dumont (RJ), Congonhas e APP (Approach Control) de

    So Paulo.

    Este trabalho est organizado em seis captulos.

    At aqui, apresentei o surgimento do problema gerador deste trabalho e as questes

    de pesquisa advindas do mesmo, bem como minha relao com o estudo proposto.

    No captulo 2, apresentarei alguns estudos sobre exames de proficincia lingustica

    diretamente relacionados com minha pesquisa e o Santos Dumont English Assessment,

    detalhando suas partes, os descritores holsticos e escala de nveis utilizadas na avaliao de

    pilotos.

    No captulo 3, apresentarei a fundamentao terica que pretendo utilizar para

    analisar os dados gerados durante a pesquisa, enfatizando os elementos da anlise do

    discurso e suas categorias analticas, bem como a Sociolingustica Interacional.

    Em seguida, no captulo 4, abordarei a metodologia a ser utilizada no

    desenvolvimento de meu trabalho. Apresentarei o estudo de trs casos que tiveram o

    Proficiency Test como pano de fundo. Descreverei o contexto de pesquisa, os sujeitos,

  • 29

    locais de pesquisa, instrumentos e procedimentos para gerao de dados: observao,

    gravaes em udio, entrevistas, questionrios e retrospeco protelada ou estimulada

    (Stimulated Recall).

    No captulo 5, apresentarei os dados e sua anlise, e finalmente, no 6, minhas

    ltimas consideraes.

  • 30

    2 EXAMES DE PROFICINCIA LINGUSTICA: HISTRICO, INQUIETAES E O CONTEXTO AERONUTICO

    Neste captulo, apresentarei um breve histrico da evoluo de estudos na rea de

    exames de proficincia lingustica, analisando, sobretudo as mudanas sofridas na

    abordagem de exames orais. Farei um breve relato de alguns estudos realizados em

    respostas a inquietaes de pesquisadores preocupados com a validade de exames e

    apresentarei um panorama sobre a produo de trabalhos relativos a testes de proficincia

    lingustica no contexto dos requisitos da ICAO em mbito internacional e nacional.

    Finalmente, apresentarei o Santos Dumont English Assessment, descrevendo as partes do

    processo de avaliao criado pelo Brasil para testagem de pilotos.

    2.1 AVALIAAO DE PROFICINCIA LINGUSTICA: UMA TRAJETRIA

    A avaliao de proficincia lingustica tem como objetivo julgar o nvel de

    competncia lingustica que uma pessoa apresenta para desempenho futuro, tendo em vista

    uma anlise de necessidades. O conceito de proficincia pode ser aplicado tanto ao uso

    global de uma lngua como a uma habilidade lingustica em particular (leitura, fala, escrita e

    compreenso oral) e no absoluto, mas relativo, podendo ser usado em termos do

    propsito que o rege. Logo, ao invs de dizer que um candidato proficiente em lngua

    oral, pode-se, de uma maneira mais informativa dizer que tal pessoa proficiente para

    proferir palestras, discutir assuntos tcnicos de uma determinada rea ou comunicar-se

    eficientemente ao pilotar aeronaves em voos internacionais, como o caso dos candidatos

    participantes desta pesquisa.

    Historicamente, o uso do termo proficincia foi se modificando de acordo com a

    viso de linguagem refletida nas abordagens de ensino e aprendizagem de idiomas. Ao final

    dos anos 50, quando a viso de linguagem era estruturalista, pensava-se na lngua como

  • 31

    sendo divisvel em pequenas partes e saber uma lngua significava saber como combinar

    essas pequenas partes para formar estruturas gramaticalmente corretas. poca, a avaliao

    de idiomas era feita atravs de testes de item isolado (discrete-point test) e a confiabilidade

    foi muito enfatizada, pois era importante que a avaliao fosse realizada de maneira

    consistente e sem variaes. Testes de mltipla escolha foram amplamente utilizados j que

    considerava-se que impediam a subjetividade (com apenas uma resposta correta) e

    variaes decorrentes dela na atribuio de notas.

    Segundo Alderson & Banerjee (2002, p. 92), os primeiros exames orais surgem nos

    anos 50, com a entrevista de proficincia oral (EPO)18 desenvolvida pelo Foreign Service

    Institute (FSI). Tais exames tinham como objetivo avaliar a habilidade oral de militares

    americanos que assumiam postos no exterior.

    Ao final da dcada de 60, a viso de linguagem que mais se destacou foi a

    funcionalista. Logo, a lngua que antes era vista de maneira descontextualizada e

    fragmentada passa a ser vista em seu contexto de uso, com foco nas funes da linguagem

    (pedir permisso, dar esclarecimento, etc.). Diante dessa mudana, o enfoque da avaliao

    de idiomas tambm sofre modificaes, deixando de estar na confiabilidade e passando

    validade. Agora, importava saber se os objetivos do teste estavam sendo atendidos de fato.

    Se o intuito fosse avaliar o desempenho oral, o candidato teria que ser submetido a uma

    situao em que tivesse que demonstrar esse desempenho. Nesse caso, a entrevista oral era

    adequada e no mais um teste de mltipla escolha. Estando o foco no uso da lngua, a

    avaliao se torna mais subjetiva e propcia a variaes j que examinadores iro julgar o

    desempenho do candidato.

    Embora tenham se destacado em pocas distintas, a confiabilidade e a validade so

    vistas hoje como qualidades que se complementam e tecnicamente, so os aspectos que

    18 Adotei a traduo para OPI presente no trabalho de SAKAMORI (2006, p. 3). O termo original em ingls

    OPI (Oral Proficiency Interview) foi tambm traduzido neste trabalho como EPO.

  • 32

    profissionais da rea de avaliao mais procuram nos exames. Para ser considerado vlido,

    um teste deve ser confivel, pois, se houver variaes em relao s condies de sua

    aplicao, modificaes no desempenho de candidatos podero ocorrer, e a amostra de tal

    desempenho no ser significativa, afetando a validade do teste.

    2.2 VARIVEIS: UMA AMEAA VALIDADE

    Sendo verdade que a avaliao oral face a face vlida para avaliar o desempenho

    oral de candidatos j que ao interagir com o examinador eles demonstraro a capacidade de

    falar, necessrio que as variveis durante a conduo da entrevista sejam controladas e

    minimizadas para garantir a confiabilidade. Logo, para que seja confivel, no basta que

    uma avaliao seja composta de exames bem elaborados. preciso que entrevistadores

    recebam uma formao19 especfica para seguir os procedimentos do exame de forma

    padronizada.

    medida que interaes entre candidatos e examinadores so sempre diferentes

    umas das outras, variaes so inevitveis. Porm, no sentido de garantir a validade do

    exame, deve-se observar at que ponto tais variaes ameaam sua confiabilidade.

    De acordo com Alderson & Banerjee (2002, p. 92), foi apenas na dcada de 80 que a

    testagem direta de idiomas se tornou comum graas ao interesse na abordagem

    comunicativa. As Entrevistas de Proficincia Oral (EPOs), foram amplamente aceitas como

    testes diretos vlidos at o final dos anos 80 quando vrias crticas surgiram, fazendo com

    que houvesse uma proliferao de pesquisas na rea. Segundo os autores:

    Anlises do discurso, da conversao e do contedo mostram claramente que a entrevista de proficincia oral apenas um dos vrios possveis gneros de tarefas orais, e que a linguagem gerada pelas EPOs no a

    19 Apesar de sugerir uma viso mecanicista, em alguns momentos usarei o termo treinamento como sinnimo

    de formao por ser um termo muito utilizado no meio aeronutico. Oponho-me viso mecanicista por seu reducionismo e privilgio de atividades repetitivas sem atitude crtica. Minha viso de formao no prescinde da reflexo e compreenso da prtica pedaggica nem de um contnuo aperfeioamento e adaptao s necessidades do indivduo.

  • 33

    mesma gerada por outros tipos de tarefa, que envolvem diferentes tipos de relaes de poder e interao social entre os interagentes. (ALDERSON & BANERJEE, 2002, p. 92)20

    Como exemplo dos estudos da poca, ao questionar a validade das EPOs, van Lier

    (1989) analisa o que elas so e que papis interagentes assumem durante a entrevista. Esse

    artigo distinguiu-se dos estudos anteriores porque ao invs de enfocar questes referentes

    aos procedimentos de avaliaes e atribuies de notas, van Lier (1989) buscou definir mais

    claramente a natureza da avaliao de proficincia oral, ou seja, se as EPOs poderiam ser

    equiparadas a uma conversa ou no:

    O que eu tenho a dizer, portanto no tem a inteno de crtica EPO como um tipo de teste ou de movimento de proficincia em geral. Ao contrrio, ao olhar para a entrevista de dentro, como ela era, eu quero mostrar que tipo de atividade ela e que tipos de tarefas so realizadas pelos participantes em uma EPO. (VAN LIER, 1989, p.492)21

    Ao fazer tal anlise, o autor conclui que uma conversa tem como caracterstica no

    s a interao face a face, mas tambm o no planejamento, a imprevisibilidade da

    sequncia e de seu resultado, bem como a distribuio igualitria de direitos e deveres na

    conversa. Por outro lado, EPOs esto longe de apresentar tais caractersticas principalmente

    se forem altamente planejadas e nunca sero iguais em sua totalidade. Para o autor, a

    entrevista uma contingncia assimtrica, pois o entrevistador tem um plano e ir conduzir

    e controlar a interao de acordo com esse plano. Nas EPO, as tomadas de turno de fala so

    mais estruturadas do que numa conversao, ficando o maior turno sempre a cargo do

    candidato, que tambm no tem controle nenhum sobre o tpico seguinte a ser abordado.

    20Discourse, conversation and content analyses show clearly that the oral proficiency interview is only one

    of the many possible genres of oral test tasks, and the language elicited by OPIs is not the same as that elicited by other types of task, which involve different sorts of power relations and social interaction among interactants (ALDERSON & BANERJEE, 2002, p. 92). 21

    What I have to say is therefore not intended as a criticism of the OPI as a type of test or of the proficiency movement in general. Rather, by looking at the interview from within, as it were, I want to show what kind of activity it is and what kinds of work are done by the participants in an OPI (VAN LIER, 1989, p.492).

  • 34

    Amplamente citado, o trabalho de van Lier (1989) encontra anuncia em Mc

    Namara & Roever (2006, p. 47), que ao concordarem com van Lier, enfatizam a falta de

    naturalidade existente numa entrevista de proficincia oral, principalmente se o candidato

    sabe que seu resultado ter impacto direto sobre sua carreira.

    Outro tipo de varivel com a qual pesquisadores tm se preocupado o efeito do

    comportamento do interlocutor na conduo do exame uma vez que qualquer variao na

    maneira de apresentar as tarefas para o candidato pode influenciar sua performance

    subsequente. Nesse sentido, Richards & Malvern (2000) analisaram a acomodao do

    discurso por parte de examinadores no nativos no sentido de ajustarem a linguagem usada

    em EPOs proficincia dos candidatos. Os pesquisadores analisaram entrevistas de 34

    aprendizes de francs com dois examinadores no nativos do idioma e os dados sugeriram

    que houve de fato acomodao dos entrevistadores ao nvel de proficincia dos candidatos.

    Segundo eles, estudos anteriores j mostravam evidncias de que examinadores nativos

    faziam ajuste de seu discurso ao nvel de proficincia de candidatos e que a fequncia de tal

    ocorrncia era inversamente proporcional ao nvel de proficincia do examinando. Porm,

    nesse estudo, Richards & Malvern (2000, p. 270) esclarecem que os examinadores tambm

    eram professores dos entrevistados e que tais entrevistas ocorreram em sala de aula.

    Segundo os autores, outra fonte de preocupao de estudiosos na rea de testagem de

    idiomas so entrevistas nas quais os interagentes j se conhecem muito bem e onde h

    tpicos previsveis (tais como famlia, escola, frias, amigos, hobbies, etc.). Nelas a

    validade comunicativa se perde, pois o contedo da entrevista j teria sido ensaiado em

    aula.

    Ainda sobre o comportamento do entrevistador, Reed & Cohen (2001, p. 86)

    apontam para a possibilidade de que o comportamento do examinador exera influncia

    sobre a entrevista e consequentemente sobre a avaliao. Estudos amplamente citados como

  • 35

    o de Brown (2003), detalhado no captulo 3 a seguir, e o de Lazaraton (1996) sugerem que

    o apoio dado pelo entrevistador ao candidato no momento da entrevista implica em risco

    confiabilidade dos exames j que o desempenho oral afetado por essa varivel.

    Brown (2003) verifica que o estilo do examinador, bem como perguntas

    introdutrias antes da modificao de tpicos durante a entrevista fez com que a

    performance de uma candidata fosse julgada como sendo melhor. Em outras palavras, a

    candidata recebeu notas maiores do que quando entrevistada por um examinador que no

    lhe dera tal ajuda. Analisando o apoio dado por examinadores, Lazaraton (1996) pontua

    que, se por um lado as prticas de apoio sugerem a presena de processos de uma

    conversao na interao durante o exame, sendo um aspecto positivo em termos de

    validade, por outro a inconsistncia do apoio por parte do examinador afeta a

    confiabilidade, j que alguns candidatos sero privilegiados em detrimento de outros.

    2.3 TEMAS NORTEADORES DE PESQUISA NA EREA DE TESTAGEM DE

    IDIOMAS

    Dentre as revises de literatura realizadas por diversos autores (Alderson &

    Banerjee, 2001; Alderson & Banerjee, 2002; Young, 2002; Challhoub-Deville, 2003;

    Challhoub-Deville, 2004; Mc Namara & Roever, 2006) destaco a reviso do estado da arte

    em testes de idiomas realizada por Alderson & Banerjee (2001 e 2002). Nela, os estudiosos

    reuniram os principais temas norteadores de pesquisa na rea de testagem de idiomas. No

    volume 1, Alderson & Banerjee (2001) falam sobre efeito retroativo22, tica, poltica e

    padres, testagem em nvel nacional, testes para fins especficos, testes informatizados,

    auto-avaliao, avaliao alternativa e avaliao de jovens aprendizes. No volume 2

    (ALDERSON & BANERJEE, 2002), os autores abordam as novas preocupaes na teoria

    22 Traduo para washback effect.

  • 36

    de validao de testes, consequncias de testes (tema agora tratado como uma teoria

    unificada de validade de construto), desenvolvimento de testes, a natureza dos construtos

    (leitura, compreenso oral, habilidades gramaticais, fala e escrita) e finalmente discutem

    temas proeminentes na rea.

    Dos temas elencados acima, ressalto o efeito retroativo de testes por representar um

    aspecto presente na realidade do Proficiency Test e que tem causado grandes polmicas no

    mbito dos estudos de exames de lngua. O conceito de validade foi expandido para uma

    dimenso em que se consideram tambm os impactos sociais de exames.

    O termo efeito retroativo de testes se refere ao impacto que eles apresentam sobre o

    ensino e aprendizagem. Tal efeito se reflete na maneira como professores modelam seu

    currculo de acordo com as partes, formato e contedo de um exame ou na maneira em que

    alunos modificam suas estratgias de aprendizagem para alcanar aprovao ao invs de se

    concentrarem no domnio do contedo e competncias aludidos no teste. Logo, o efeito

    retroativo afeta tanto o professor e o aluno quanto o mtodo de ensino.

    Segundo Alderson & Banerjee (2001, p.214), tal impacto visto como sendo

    negativo: testes supostamente foram professores a fazerem coisas que no necessariamente

    gostariam de fazer. Entretanto, argumenta-se que testes so alavancas para mudana no

    ensino de idiomas: o argumento que se um teste ruim tem um efeito retroativo negativo,

    um bom teste deveria ou poderia ter um efeito retroativo positivo. Chapelle (1999) refere-se

    a efeito retroativo dentro da validade de construto, refletindo o grande interesse existente no

    tema. Alderson & Banerjee (2001, p.214), citam alguns estudos empricos sobre efeito

    retroativo e apontam que em geral, estudiosos concordam com o argumento de que h

    maior impacto e contedo do ensino por parte de testes de alta relevncia23. Em seu estudo

    23Traduo para high-stakes test, adotada tambm por Teresa Helena Buscato Martins, em Martins (2005)

  • 37

    sobre a necessidade de exames de proficincia lingustica para professores de ingls no

    contexto brasileiro, Martins (2005, p. 93) afirma:

    Exames podem, em geral, causar efeito retroativo em qualquer situao acadmica, [sic] entretanto, influenciam principalmente as situaes de sada de um determinado curso e como mecanismo de controle de acesso (gate keeping) ao mercado de trabalho. Os exames podem ser considerados de baixa relevncia (low stakes test) sem que o resultado interfira no encaminhamento da vida do indivduo e de alta relevncia (high-stakes test) por produzirem mudanas importantes na vida do candidato.(MARTINS, 2005, p. 93)

    A respeito do uso de exames de proficincia como forma de controle de acesso ao

    mercado de trabalho, essa uma realidade muito presente no contexto do exame

    investigado neste estudo, o Santos Dumont English Assessment. Pilotos sem aprovao no

    exame tm sido impedidos de acessar o mercado de trabalho mesmo almejando voar em

    mbito nacional apenas. Martins (2005) aborda o fato, destacando a responsabilidade dos

    elaboradores de exames ao afirmar:

    Atualmente as empresas que contratam funcionrios para seus quadros de trabalho do preferncia a candidatos que apresentem certificados de exames na sua rea de atuao. Em alguns casos uma forma de desempate entre candidatos a apresentao de um certificado referente sua rea profissional. Nesse caso, o exame considerado de alta relevncia (high-stakes test), pois significaria mudanas importantes de vida. Assim, quanto maior a percepo de relevncia do exame, maior ser a possibilidade de que ele venha afetar as pessoas envolvidas, [sic] portanto muito mais importante para os elaboradores de exames fornecer evidncias adequadas das consequncias de usar esses exames de modo benfico e no prejudicial ao candidato. (MARTINS, 2005, p. 94)

    Na prxima seo, abordarei os estudos j produzidos sobre a avaliao de idiomas

    em atendimento aos requisitos internacionais de proficincia lingustica da ICAO.

    2.4 ESTUDOS BRASILEIROS SOBRE AVALIAAO ORAL DE LNGUAS

    No so muitos os estudos j produzidos no Brasil acerca da avaliao oral de lngua

    estrangeira. Em sua maioria, tais estudos tratam da avaliao em sala de aula e na lngua

  • 38

    inglesa. Vigia-Dias (1995), por exemplo, analisou a construo da consonncia entre

    abordagem de ensino e a avaliao da habilidade oral em sala de aula enquanto o estudo de

    Amarante (1998) foi enfocado no discurso da avaliao de uma instituio particular de

    ensino superior. Um dos aspectos discutidos por Amarante a relao assimtrica entre

    entrevistador e candidato nas entrevistas de avaliao oral.

    Martins (2005) fez um levantamento de necessidades para elaborao de exames de

    proficincia lingustica para professores de ingls como lngua estrangeira. Ao

    problematizar a m formao de professores de lngua estrangeira, a autora conclui que os

    cursos de Letras no vm cumprindo seu papel de maneira satisfatria. Considerando os

    efeitos retroativos de exames no sentido de redirecionar o ensino-aprendizagem, Martins

    (2005) sugere a criao de um teste para alunos em fase de concluso do curso de Letras

    que enfocasse principalmente a competncia lingustico-comunicativa.

    J o estudo de Sakamori (2006) analisou a atuao de entrevistadores na interao

    face a face do exame Celpe-Bras24 (Certificado de Proficincia em Lngua Portuguesa para

    Estrangeiros). Aps analisar os dados, o autor concluiu que houve variao da atuao dos

    entrevistadores de maneira colaborativa e/ou no colaborativa. Sakamori (2006) chama a

    ateno para os efeitos de tais variaes e sua influncia na confiabilidade do exame.

    2.5 ESTUDOS SOBRE AVALIAAO DE LNGUAS NO CONTEXTO DOS

    REQUISITOS DE PROFICINCIA LINGUSTICA DA ICAO

    Com exceo dos documentos e peridicos produzidos pela ICAO aqui citados, h

    ainda uma grande carncia de estudos que versem sobre a avaliao de proficincia

    lingustica voltada para aviao, sobretudo no contexto dos novos requisitos da ICAO.

    24 Desenvolvido pelo Ministrio da Educao do Brasil e em uso desde 1998, esse exame certifica os

    candidatos estrangeiros em quatro nveis: Intermedirio, Intermedirio Superior, Avanado e Avanado Superior. Ele composto de duas partes: uma prova escrita e outra oral. A avaliao oral uma interao face a face, com durao de 20 minutos.

  • 39

    Neste captulo fao referncia a algumas produes da OACI e de estudiosos que

    fizeram apresentaes durante o Segundo Simpsio de Proficincia Lingustica da ICAO,

    em 2007, por refletirem as preocupaes mais amadurecidas (aps o primeiro simpsio, em

    2004) dos profissionais que se ocuparam da elaborao de diretrizes da ICAO no tocante

    aos requisitos a serem implementados pelos pases membros. Os temas abordados dividem-

    se em duas grandes reas: testagem e treinamento de ingls para aviao. Entretanto, o

    critrio adotado para a seleo dos trabalhos aqui comentados teve foco na avaliao e no

    no treinamento de proficincia lingustica.

    Aps a publicao dos requisitos de proficincia lingustica na nona edio do

    Anexo 1, e do Doc 9835, em 2004, a ICAO publicou o Rated Speech Samples (ICAO,

    2006), um material de referncia para treinamento de avaliadores de proficincia lingustica

    composto de um CD de udio com vrias amostras de pilotos de diversas partes do mundo

    interagindo com examinadores em entrevistas orais. Alm do CD, um relatrio com

    avaliaes das amostras e embasamento da tomada de deciso de avaliadores foi feito,

    estabelecendo uma referncia de como aplicar a escala de nveis. O objetivo central do

    material foi prover exemplos de produes orais classificadas em nvel 3, 4 e 5. O Brasil

    participou da confeco de tal material enviando amostras de pilotos brasileiros. Tal

    material mostrou-se extremamente necessrio j que uma padronizao universal da

    aplicao da Escala de Nveis da ICAO (ANEXO A) essencial. Os nveis de proficincia

    descritos devem ser aplicados ao uso real da linguagem por parte de tripulantes e

    controladores de maneira similar para garantir um padro de comunicao clara e segura no

    espao areo. A uniformidade do que considerado operacional em termos lingusticos em

    relao aos critrios da escala de nveis (pronncia, estrutura, vocabulrio, fluncia,

    compreenso e interaes) deve existir independentemente do teste utilizado ou do pas em

    que tal avaliao ocorre.

  • 40

    Em mbito nacional e internacional, consenso entre examinadores de proficincia

    lingustica, cujo critrio de julgamento a escala de nveis da ICAO, que os nveis mais

    desafiadores de sua expertise so o 3 e o 4. Devido irregularidade da Escala de Nveis, o

    desempenho de candidatos pode ser enquadrado tanto em um nvel como em outro. Por

    exemplo, o advrbio de frequncia utilizado para descrever o nvel 4 do critrio Estrutura

    (geralmente) pode ser interpretado como sinnimo do descritor do nvel 3

    (no...sempre). Adicionando um comportamento facilitador por parte do examinador a

    esta impreciso, poderemos ter um candidato cujo nvel 3 facilmente classificado como 4.

    O mesmo ocorre com o critrio Compreenso. Enquanto para o nvel 4 a compreenso na

    maioria das vezes precisa em tpicos comuns, concretos e relacionados ao trabalho, no

    nvel 3, tal compreenso frequentemente precisa, ou seja, a distino no clara. Da a

    relevncia da constante calibragem entre os examinadores para que interpretem a escala de

    forma mais semelhante possvel.

    No Segundo Simpsio de Proficincia Lingustica da ICAO, Emery (2007) abordou

    a relevncia do papel desempenhado por avaliadores de proficincia lingustica no tocante

    implementao dos requisitos da ICAO. O autor apontou para a necessidade de regulao

    da atividade de avaliao, propondo mecanismos para que se estabelea uma interpretao

    padronizada das escalas de nveis de descritores holsticos da ICAO, dentre os quais a

    criao de uma Associao de Avaliadores de Lnguas25 internacional.

    Roberts (2007) enfocou o papel do interlocutor durante a conduo do teste de

    proficincia lingustica. Segundo o autor, essencial que a conduo ocorra de forma justa,

    padronizada e objetiva. Conforme enfatiza Roberts (2007, p.1), h certos instintos humanos

    que devem ser contidos num teste de proficincia lingustica como a tendncia natural de

    25 Association of Language Rates (EMERY, 2007)

  • 41

    ajudar pessoas em dificuldade, pois, numa situao de exame, tal ajuda pode influenciar

    negativamente os resultados, afetando a confiabilidade do exame. Para Roberts,

    [u]ma soluo simples seria o facilitador seguir as instrues do exame sem nenhum desvio. Infelizmente isso no funciona numa situao de exame onde a interao, checagem e clarificao esto entre as competncias testadas. Modelos de interao como as praticadas por examinadores do IELTS, por exemplo, permitem que interlocutores respondam e parafraseiem, quando necessrio, dentro de limites nos quais examinadores so cuidadosamente treinados. Tais examinadores so avaliados no apenas quanto sua habilidade de julgamento mas tambm em relao a como conduzem um teste. (ROBERTS, 2007, p.1)26

    O comportamento do interlocutor, conforme abordado por Roberts, tem sido alvo de

    preocupao na rea como j citado anteriormente (Lazaraton, 1996; Brown, 2003) e na

    realidade de testes para a aviao no diferente, sobretudo porque a escala de nveis da

    ICAO contempla a verificao das habilidades de confirmao e esclarecimentos de

    informao por parte do candidato. Logo, no treinamento de examinadores, as questes

    comportamentais devem ser essencialmente aludidas, pois o que parece relativamente

    simples e de bom senso na prtica requer uma certa dose de treinamento e diligncia

    (ROBERTS, 2007, p.1)27. Embora alguns profissionais da rea possam argumentar que a

    nica forma de se avaliar eficientemente a capacidade de comunicao de um candidato

    permitindo que o interlocutor reaja e faa perguntas de acordo com o discurso do candidato,

    interrompendo sempre que necessrio para investigar profundamente o conhecimento do

    examinando, Roberts (2007, p.1) contra-argumenta que, numa situao to fluida, ser

    impossvel que o examinador d a mesma quantidade de input. Logo, teremos situaes em

    que um candidato ter recebido uma vasta quantidade de informao e assistncia e outro

    26A simple solution would be for the facilitator to follow an exam rubric without any deviation.

    Unfortunately this does not work in an exam situation where interaction, checking and clarifying are among the skills being tested. Models of interaction as practiced by IELTS examiners for example, allow the interlocutors to respond and paraphrase when necessary, within limits that the examiners are thoroughly trained in. These examiners are assessed not only on their rating ability but also how they conduct a test. (ROBERTS, 2007, p.1) 27

    What seems in theory a relatively straight forward and common sense notion in practice requires a certain amount of training and diligence (ROBERTS, 2007, p.1).

  • 42

    no. Para o autor, h necessidade de que se parafraseiem perguntas se queremos testar as

    estratgias de clarificao de candidatos; porm, deve haver um limite a ser seguido por

    todos os interlocutores. Por exemplo, sugere Roberts (2007, p.3), ao interlocutor pode ser

    permitido parafrasear uma pergunta apenas uma vez. Caso o candidato no compreenda

    mesmo assim, o interlocutor poderia ser orientado a passar para outra pergunta. Para que tal

    comportamento seja seguido de forma padronizada, interlocutores devem ser treinados

    quanto ao que uma parfrase apropriada ou no. Outros pontos levantados por Roberts

    (2007) so a tica, o local de aplicao de provas e o equipamento a ser utilizado. O autor

    finaliza seu trabalho ressaltando que examinadores do IELTS so testados quanto

    habilidade de conduo de testes e, para garantir a manuteno dessa habilidade, devem ser

    reavaliados constantemente:Se este o caso do IELTS, ento a conduo de testes num

    ambiente de to alta relevncia deve primar por nada menos (ROBERTS, 2007, p. 4).28

    No mesmo evento, Stevens (2007) abordou a questo da segurana relativa ao sigilo

    de exames de proficincia lingustica, considerando as tentativas que vrios candidatos

    faro para burlar as medidas de proteo do contedo de exames e controle de certificados

    adotadas por provedores de testes. O autor sugere alguns cuidados que possam resultar nas

    melhores prticas, reduzindo a chance de sucesso de candidatos desonestos.

    Ainda no Segundo Simpsio de Proficincia Lingustica da ICAO, Vecerova (2007)

    orientou provedores de servios areos, operadores e reguladores quanto ao processo de

    seleo de testes, explicando o que deveriam considerar e por qu. A especialista

    apresentou no apenas questionamentos a serem feitos, mas tambm as evidncias

    qualitativas de exames que deveriam ser buscadas.

    28 If this is the case in IELTS, then test delivery in such a high stakes environment as aviation,

    needs to settle for nothing less (ROBERTS, 2007, p. 4).

  • 43

    No intuito de detalhar o Doc. 9835 (ICAO, 2004) e atendendo demanda de

    operadores areos, provedores de servios areos e organizaes que realizam testagem e

    ensino de ingls para aviao, a ICAO publicou a Circular 318 (ICAO, 2009), cujo foco a

    harmonizao global de critrios de testagem. Tal circular visa fornecer subsdios para

    facilitar a implementao dos requisitos de proficincia lingustica atravs de definies de

    conceitos tais como validade, confiabilidade e praticidade. A terceira parte do documento

    traz check-lists para que os estados membros possam verificar se os itens preconizados pela

    ICAO, para os quais evidncias devero se demonstradas, esto sendo atendidos ou no.

    Pouco a pouco a avaliao de proficincia lingustica voltada para a aviao vem

    despertando o interesse de especialistas renomados em avaliao de idiomas. Um exemplo

    disso a publicao de artigo por Alderson (2009), em que divulga o resultado de sua

    pesquisa sobre exames na rea. O autor descreve vrias pesquisas relativas a exames de

    ingls voltado para aviao, a implementao dos requisitos da ICAO, bem como a escala

    de nveis. Aps levantamento, Alderson (2009) conclui que muitos procedimentos de

    avaliao adotados parecem no atender a padres profissionais de testes de idiomas, que a

    implementao da poltica de testagem de idiomas inadequada e que um monitoramento

    muito mais de perto e cuidadoso da qualidade de testes, bem como dos procedimentos de

    avaliao, necessrio.

    Outro exemplo da relevncia que a proficincia lingustica de tripulantes vem

    ganhando em entidades tradicionalmente voltadas para testagem de idiomas foi o enfoque

    no tema em abril de 2010, durante o Colquio anual da Associao Internacional de

    Testagem de Idiomas (ILTA)29, na Universidade de Cambridge. Observando a programao

    do evento, verifiquei que Alderson (2010) organizou um simpsio exclusivamente sobre a

    testagem de ingls para aviao intitulado: Testing Aviation English. No mesmo evento, Ute

    29 Em 2010, o Colquio da ILTA teve o seguinte tema: Crossing the threshold: investigating levels, domains

    and frameworks in language assessment. Informaes sobre o evento podem ser obtidas atravs do link: http://www.cambridgeesol.org/LTRC2010/docs/ltrc-final-programme-2010.pdf , acessado em 14/05/2010.

  • 44

    Knoch analisou os critrios e nveis da escala da ICAO, enquanto Dan Douglas discutiu a

    poltica da testagem de ingls para aviao. Henry Emery, citado acima (EMERY, 2007),

    apresentou um poster sobre desenvolvimento de testes de proficincia para pilotos. Segundo

    informaes passadas a mim pelo autor, em seu poster, abordou o teste criado pela

    consultoria Emery-Roberts Aviation English Training em parceria com a Oxford Aviation

    Academy, ETA (English Test for Aviation). O exame em questo teve como equipe

    desenvolvedora trs especialistas em aviao (instrutores e checadores de vo) e trs

    especialistas em linguagem. Segundo o autor, as especificaes do teste apresentam como

    objetivos medir a proficincia na lngua inglesa voltada para comunicaes radiotelefnicas

    e no ingls geral voltado para aviao, seguindo os descritores holsticos da ICAO.

    A seguir, abordarei os estudos j produzidos no Brasil que, de alguma maneira,

    analisaram o Santos Dumont English Assessment.

    2.6 ESTUDOS SOBRE O SANTOS DUMONT ENGLISH ASSESSMENT

    Ainda muito incipiente a rea de estudos sobre o tema da proficincia lingustica

    de pilotos enquanto requisito internacional. No Brasil, a exigncia s se efetivou

    integralmente para comandante e copiloto que fazem voos internacionais em maro de

    2009.

    Antes de citar estudos que enfocaram a avaliao de proficincia lingustica

    propriamente dita, fao referncia, em ordem cronolgica, a trabalhos produzidos no Brasil

    que podem subsidiar uma melhor compreenso das comunicaes radiotelefnicas entre

    controladores e pilotos.

    Fundamentando-se no arcabouo terico do Ingls Instrumental (ou ESP), Gallo

    (2006) fez um levantamento de situaes-alvo de rotina e de emergncia, nas quais os

    pilotos precisam ter um bom desempenho em ingls e identificou as necessidades de uso da

  • 45

    lngua inglesa pelos pilotos nessas situaes. Os dados pareceram confirmar que o

    conhecimento e uso da fraseologia aeronutica por pilotos s suficiente em circunstncias

    extremamente limitadas e ritualizadas. Gallo (2006) conclui que um conhecimento mais

    abrangente de ingls condio sine qua non para que os pilotos possam estabelecer e

    manter uma comunicao eficiente com controladores e com os outros grupos de

    interlocutores de seu contexto profissional, em situaes onde surjam complicaes ou

    eventos inesperados, para as quais ainda no exista uma fraseologia pronta que possa ser

    utilizada e que, alm das habilidades de compreenso e produo oral, os pilotos precisam

    ser proficientes na habilidade de leitura e compreenso de textos especficos (tais como

    manuais de aeronaves) para um bom desempenho profissional.

    Com objetivos tambm educacionais, Oliveira (2007) apresentou a atividade do

    controlador de trfego areo, enfocando a lngua franca utilizada na comunicao piloto-

    controlador. Ao descrev-la, o autor buscou identificar suas caractersticas lingusticas

    principais, oferecendo subsdios aos professores de lngua estrangeira para a produo do

    seu prprio material didtico para o ensino dessa linguagem.

    No ano seguinte, tambm buscando contribuir para o ensino de ingls junto a

    profissionais da aviao, Bocorny (2008) fez um estudo descritivo das unidades

    especializadas polilxicas nominais (UEPNs) frequentes em textos especializados oriundos

    de manuais de operaes aeronuticas. Ao perceber a dificuldade de alunos de ESP para

    aviao em compreender os conceitos representados pelas UEPNs nos manuais, a autora

    busca, atravs de seu estudo, encontrar maneiras que possam facilitar a interpretao textual

    desses aprendizes. De maneira semelhante, Sarmento (2008) trata do uso dos verbos modais

    em manuais de aviao em ingls sob uma perspectiva da Lingustica de Corpus. O objetivo

    de seu trabalho gerar subsdios que permitam elaborar materiais didticos que reflitam as

    estruturas lingusticas como aparecem em seu contexto de uso. O corpus de estudo

  • 46

    composto de trs manuais tcnicos da aeronave BOEING 737, sendo dois manuais de

    operaes destinados a pilotos e um manual de manuteno destinado a mecnicos. O

    estudo de Sarmento (2008) mostra a relevncia de pesquisas baseadas em corpus para que

    se elabore material didtico com propsitos especficos mais apropriados s necessidades

    do pblico alvo.

    Sem um foco claramente didtico, mas imbuda da problematizao das falhas nas

    comunicaes entre pilotos e controladores, Monteiro (2009) investigou possveis ameaas

    compreenso oral relativas ao uso da lngua inglesa por parte de pilotos e controladores

    brasileiros. A partir de um levantamento sobre o que pilotos e controladores brasileiros

    percebem como problema nas comunicaes radiotelefnicas em que devem utilizar a

    lngua inglesa, Monteiro (2009) prope uma recategorizao dos fatores identificados

    anteriormente considerando os profissionais brasileiros no contexto da aviao

    internacional.

    Sobre o Santos Dumont English Assessment propriamente dito, estudiosos da rea da

    Lingustica Aplicada e Cincias Aeronuticas vm pouco a pouco conhecendo e se

    dedicando sua anlise no Brasil.

    Relacionando os trabalhos em ordem cronolgica, inicio com duas comunicaes

    apresentadas por esta autora durante a XIV e XV Semanas de Estudos Anglo-Germnicos,

    na UFRJ, em 2006 e 2007 respectivamente. Janurio Machado (2006) abordou um projeto

    criado pela autora para validao do Santos Dumont English Assessment. Tal projeto tinha

    como metodologia a anlise comparativa entre performances de tripulantes durante o exame

    formal e no desempenho profissional na cabine de comando. A observao do desempenho

    de pilotos durante emergncias seria observada em sesses de simulador com a cooperao

    do instrutor e as de rotina em voo.

  • 47

    Um ano depois, Janurio Machado (2007) faz uma anlise comparativa entre a

    performance de dois comandantes de avio durante a aplicao do Santos Dumont English

    Assessment. Durante o teste, pilotos foram submetidos a elocues produzidas por falantes

    de ingls como LE, cuja L1 o espanhol. Os dados sugerem que o background lingustico

    dos candidatos fez com que processassem as mesmas amostras de forma bem distinta.

    Enquanto o candidato sem conhecimento do espanhol no compreendeu as amostras, aquele

    que tinha proficincia no idioma conseguiu compreender e responder aos comandos do

    exame adequadamente. Mais tarde, tal estudo deu origem a um artigo (JANURIO

    MACHADO, 2009b).

    Outro trabalho pioneiro o de Fernandes (2007), o qual teve como objetivo analisar

    as exigncias de proficincia de lngua inglesa para pilotos e controladores de voo,

    propostas pela ICAO, a partir de dois exames j existentes: um europeu, PELA Test30,

    criado e utilizado pela EUROCONTROL31, e o Santos Dumont English Assessment, ao qual

    chamou de SDEA. O autor concluiu que o teste que mais se aproxima do proposto pela

    ICAO o PELA, j que o SDEA possui algumas diferenas em relao ao que a ICAO

    preconiza, como, por exemplo, a avaliao da gramtica e da fraseologia padro, ambos no

    recomendados pela ICAO. Fernandes (2007, p. 6) afirma ainda que apesar de o PELA no

    avaliar os pilotos, uma pequena readequao da prova j seria o suficiente para que a

    mesma fosse aplicada em pilotos tambm.

    No intuito de esclarecer a implementao dos requisitos de proficincia lingustica

    para a comunidade aeronutica brasileira, Janurio Machado (2008) abordou as

    caractersticas tcnicas do Santos Dumont English Assessment e a no certificao de

    escolas ou qualquer entidade que oferea capacitao de pilotos na rea. A autora fez aluso

    30 Proficiency in English Language for Air Traffic Controllers Test.

    31 European Organization for the Safety of Air Navigation organizao internacional cujo objetivo principal

    o desenvolvimento de um sistema nico de Controle de Trfego Areo (ATM Air Traffic Management) na Europa. Essa organizao civil conta atualmente com 38 Estados Membros e tem sede em Bruxelas.

  • 48

    tambm ao fato de que a ICAO no certifica testes de Avaliao de Proficincia

    Lingustica, nem examinadores, tampouco os credencia, e que qualquer pessoa fsica ou

    jurdica que assim se intitule o faz sem legitimidade.

    No primeiro semestre de 2009, Oliveira (2009) pesquisou sobre o Santos Dumont

    English Assessment, enfocando os critrios para atribuio de valor s habilidades do

    candidato. A autora analisou o teste, buscando indcios de credibilidade e validade na

    avaliao. Atravs de levantamento realizado por meio de questionrios e entrevistas orais,

    a autora averiguou as prticas adotadas pela ANAC na avaliao de pilotos e as comparou

    com as recomendaes da ICAO quanto s melhores prticas. Os dados apontaram que a

    durao da entrevista, os temas abordados, a complexidade e adequao realidade do

    candidato so suficientes. A eficincia no cumprimento de seus objetivos bem como a

    confiabilidade e validade da prova foram consideradas timas segundo a percepo dos

    trs examinadores; porm, o quesito interstcio para submisso a novo teste, para os

    candidatos classificados com nveis 04 e 05, foi considerado regular. A autora conclui

    que o interstcio de trs anos para avaliao do nvel 04 deveria ser