uso de plantas medicinais

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Uso de Plantas Medicinais Use of medicinal plants Cristiane Pimentel Victório 1 e Celso Luiz Salgueiro Lage 2 1 Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Biofísica), Laboratório de Fisiologia Vegetal, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Laboratório de Fisiologia Vegetal, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro Endereço eletrônico: [email protected] Abstract 1 This study presents a summarized bibliographic review about the use of medicinal plant over the years and it shows the importance of empirical knowledge and popular use of medicinal plants directing the discovery of new pharmaceuticals and the obtained of systematized results of the use of medicinal plants from in vitro and in vivo scientific researches. The interaction between popular and scientific knowledge permits new resources to a therapeutic treatment and expand the alternatives to health area. Keywords: alternative therapies, phytotherapy, popular medicine, society, therapeutic. Revista Arquivos FOG – Saúde, Sociedade, Gestão e Meio Ambiente, vol. 5 (1): 33-41, 2008. Introdução Na sociedade em que vivemos é comum o uso de plantas medicinais em ritos religiosos, no tratamento terapêutico popular e científico. Recorrer à natureza como forma de sanar enfermidades é de longa data, até mesmo porque os recursos sistematizados nem sempre estiveram disponíveis a população ou ainda estão em processo de desenvolvimento científico. Observar a história do uso de plantas medicinais nos atenta para a importância que os conhecimentos das sociedades e a interação das mesmas com o meio ambiente gera em benefício das sociedades presentes e futuras. Ao mesmo tempo, urge a necessidade de investigar as riquezas da flora e o uso discriminado, de forma a se obter vias

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Page 1: Uso de Plantas Medicinais

Uso de Plantas Medicinais

Use of medicinal plants

Cristiane Pimentel Victório1 e

Celso Luiz Salgueiro Lage2 1 Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas (Biofísica),

Laboratório de Fisiologia Vegetal, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho,

Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2 Laboratório de Fisiologia Vegetal, Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho,

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço eletrônico: [email protected]

Abstract1

This study presents a summarized

bibliographic review about the use of

medicinal plant over the years and it shows

the importance of empirical knowledge and

popular use of medicinal plants directing

the discovery of new pharmaceuticals and

the obtained of systematized results of the

use of medicinal plants from in vitro and in

vivo scientific researches. The interaction

between popular and scientific knowledge

permits new resources to a therapeutic

treatment and expand the alternatives to

health area.

Keywords: alternative therapies,

phytotherapy, popular medicine, society,

therapeutic.

Revista Arquivos FOG – Saúde, Sociedade, Gestão e Meio Ambiente, vol. 5 (1): 33-41, 2008.

Introdução

Na sociedade em que vivemos é

comum o uso de plantas medicinais em

ritos religiosos, no tratamento

terapêutico popular e científico.

Recorrer à natureza como forma de

sanar enfermidades é de longa data,

até mesmo porque os recursos

sistematizados nem sempre estiveram

disponíveis a população ou ainda estão

em processo de desenvolvimento

científico. Observar a história do uso de

plantas medicinais nos atenta para a

importância que os conhecimentos das

sociedades e a interação das mesmas

com o meio ambiente gera em benefício

das sociedades presentes e futuras. Ao

mesmo tempo, urge a necessidade de

investigar as riquezas da flora e o uso

discriminado, de forma a se obter vias

Page 2: Uso de Plantas Medicinais

alternativas, mas seguras, de utilização

das plantas medicinais pela população.

Objetivo

Abordar de forma sucinta o uso

de plantas medicinais em uma escala

de tempo, no intuito de reafirmar a

importância das plantas medicinais no

tratamento terapêutico entre as

diversas etnias. E mostrar o

crescimento de estudos científicos e

interesse comercial na área de

fitoterápicos como resposta a demanda

do mundo pós-moderno.

Metodologia

Pesquisa bibliográfica em artigos

científicos relacionados às áreas de

etnobotânica, etnofarmacologia,

biologia, fitoquímica, botânica e

medicina. Esta revisão consta em parte

na introdução da dissertação de

Mestrado apresentada a Pós-Graduação

em Ciências Biológicas (Biofísica)

(Victório, 2004).

Desenvolvimento

Há milhões de anos as plantas

são utilizadas pelos homens que

perceberam e continuam a descobrir a

importância que estas possuem para o

bem estar humano. Esta interação se

traduz na religiosidade, modo de vida,

trabalho, no trato com a saúde,

conforme a compreensão dos grupos

culturais que desde antigamente até os

dias atuais praticam alguns dos

conhecimentos repassados através das

gerações.

Um dos primeiros relatos para o

uso de plantas medicinais data de

2.600 a.C., para as civilizações

mesopotâmicas que utilizavam

aproximadamente 1000 substâncias

derivadas de plantas. Na maioria óleos

essenciais obtidos de Cedrus e

Cupressus sempevirens e Papaver

somniferum. Na medicina egípcia, 700

drogas foram documentadas no “Ebers

Papyrus” em 1.500 a.C. Civilizações

antigas que habitavam a China, Índia e

Norte da África utilizavam plantas no

tratamento de uma ampla gama de

doenças. O compêndio “Matéria Medica”

da China teve seu primeiro registro em

1.100 a.C, contendo cerca de 52

prescrições. A Grécia Antiga contribuiu

de forma significativa para o

desenvolvimento consciente do uso das

plantas. As plantas eram descritas e

classificadas por Theophrastus (300

Page 3: Uso de Plantas Medicinais

a.C.), naturalista conhecido como pai

da Botânica e que foi de extrema

importância ao descrever a qualidade

das plantas, desvendar as mudanças

nas características vegetais advindas do

cultivo e anunciar a possível descoberta

dos flavonóides (Newman et al., 2000;

Phillipson, 2001). Dioscorides, físico

grego (100 d.C.), foi um dos mais

importantes representantes na ciência

das drogas vegetais. Também Galeno

(130-200 d.C.) praticou e ensinou

farmácia e medicina com base no uso

de plantas, tendo escrito em torno de

30 livros sobre este tópico (Newman et

al., 2000).

Antigas civilizações do mundo

Oriental, como as culturas chinesa e

hindu, são tradicionais no uso de ervas.

A obra denominada Pentsao, de origem

chinesa, é constituída por 52 volumes

que registram numerosas substâncias

de origem vegetal, animal e mineral

(Ding, 1987)

Até o século XIX, os recursos

terapêuticos utilizados constituíam-se

na maior parte de plantas e extratos

vegetais. Formalmente, muitos

resultados de estudos científicos foram

agrupados na publicação da

Farmacopéia Londrina, em 1618

(Newman et al., 2000). Ainda neste

século, os cientistas Caventou e

Pelletier descobriram o primeiro

princípio ativo isolado de planta – a

quinina, marcando o início dos estudos

para isolamento de substâncias

terapêuticas. O laboratório do professor

Harbornney se tornou um centro no

isolamento de princípios biologicamente

ativos extraídos de plantas (Phillipson,

2001).

Na Segunda Guerra Mundial,

muitos produtos naturais foram

utilizados como agentes clínicos

(Phillipson, 2001). Após a grande

Guerra, os conhecimentos na área de

fitoterapia estimularam o

desenvolvimento de drogas sintéticas

que eram produzidas a partir de

moléculas encontradas naturalmente no

vegetal (Gilbert et al., 1997). O

conhecimento adquirido e acumulado

por populações, que usam as plantas no

tratamento de enfermidades,

representa a base da fitoterapia

moderna e ponto de partida para

pesquisas e produção de novos

medicamentos pelas indústrias

farmacêuticas. É consenso que

investigar plantas comumente utilizadas

por populações tradicionais aumenta as

possibilidades de obter resultados

Page 4: Uso de Plantas Medicinais

positivos quanto ao efeito das drogas

(Souza Brito, 1996).

O Brasil tem uma vasta tradição

no uso popular de plantas medicinais.

As culturas indígenas foram as

primeiras a utilizarem a flora, segundo

relatos feitos pelos portugueses que

chegaram no Brasil em 1500 (Petrovick

et al., 1999). Bertoni, um botânico do

século XIX, citou que a tribo Guarani

teve o melhor conhecimento sobre as

plantas medicinais, inclusive mais que

os europeus do século XVI. O uso de

plantas pelos nativos indígenas foi

significativo para a adoção de métodos

terapêuticos pelos brasileiros e

europeus. A partir do século XVII as

culturas africana e européia são

introduzidas no Brasil, sobrepondo a

indígena. Entre 1823 a 1831, von

Martius e outros botânicos coletaram

várias plantas brasileiras com a

posterior publicação do “Systema

Materiae Medicae Vegetabilis

Brasiliensis” que descreve 470 plantas

(Mello, 1980).

O potencial e diversidade química

das plantas são de alta relevância na

cura de doenças, sendo usufruídos

pelos povos desde tempos antigos

(Verpoorte, 1998). No entanto,

somente a partir de 1976 a medicina

tradicional passou a ser integrada ao

programa internacional OMS

(Organização Mundial de Saúde) que

reconheceu a importância do uso de

plantas pela população, apesar da

medicina alternativa ser praticada há

milhões de anos (Akerele, 1988). A

Alemanha e a França foram os

primeiros países a oficializarem o uso

de plantas medicinais que depois foi

difundido na Comunidade Européia e

nos Estados Unidos da América (Gilbert

et al., 1997). A Comissão E,

responsável por avaliar a segurança e

eficácia de plantas medicinais, foi

estabelecida na Alemanha em 1978

(Calixto, 2000).

Recentemente, tem-se vivido um

modismo naturalista, no qual o uso de

drogas fitoterápicas tem crescido em

profusão (Kapadia, 2003), apesar dos

avanços da quimioterapia (Calixto,

2000). A oferta de plantas medicinais

tem aumentado consideravelmente nos

últimos 10 anos (Capasso et al., 2000).

Cada vez mais testes são realizados no

intuito de encontrar novas alternativas

contra o câncer, vários

microorganismos como vírus, bactérias,

fungos, doenças tropicais,

cardiovasculares, imune e outras

(Janssen et al., 1987; Moura et al.,

Page 5: Uso de Plantas Medicinais

1998; Phillipson, 2001; Luize et al.,

2005). As plantas medicinais possuem

alto valor econômico (Akerele, 1988),

adquirindo a importância por serem um

dos principais recursos na produção de

drogas (Zárate et al., 2001). Ao

contrário, as drogas sintéticas têm

despertado descrédito da população e

são consideradas agressivas ao

organismo (Phillipson, 2003). Segundo

Branquinho (1999) - “o uso das ervas

não se restringe àqueles que não

podem ter acesso à medicina científica,

sendo adotado por pessoas de todas as

classes sociais e, mais do que isso,

sendo fonte de pesquisa para a

indústria farmacêutica.” Como

conseqüência, há uma expansão das

farmácias fitoterápicas e várias

pesquisas estão sendo feitas para

avaliar novos compostos biologicamente

ativos em plantas e os efeitos na

fisiologia humana. As empresas

farmacêuticas do Brasil têm observado

um grande crescimento no mercado

mundial de fitomedicamentos.

Entre 1990 e 1995, a medicina

alternativa, entre elas o uso de plantas

medicinais, cresceu de 33,8% para

42%. Dados publicados em 1999

(Richardson) mostram que a maioria

dos pacientes com câncer, em

pesquisas feitas em 13 países, utiliza as

drogas convencionais associada à

terapia alternativa.

A União Européia possui a

primeira colocação na lista dos países

que utilizam fitomedicamentos,

movimentando um mercado de 6

milhões de dólares (Seidl, 1999). O

Brasil está entre os 10 primeiros do

mundo. Cerca de 30% das drogas

comercializadas e registradas pelo

“Federal Health Office” são classificadas

como fitomedicamentos (Petrovick et

al., 1999), que inclui os extratos brutos

obtidos de plantas e preparações

galênicas (extratos, extrato-fluido,

tinturas, etc.) (Seidl, 1999). O Brasil

exporta considerável quantidade de

plantas medicinais, extratos e

substâncias isoladas que representam

22 milhões de dólares por ano

(Petrovick et al., 1999). Magherine

(1988) relatou algumas razões para o

aumento no consumo de plantas

medicinais, uma delas é o uso de

matéria-prima vegetal na extração de

compostos farmacologicamente ativos

ou como precursores de medicamentos

a base de plantas. As variações

químicas estruturais são por vezes

inviáveis de serem reproduzidas

sinteticamente, no laboratório, por

Page 6: Uso de Plantas Medicinais

causa da complexidade estrutural, alto

custo dos reagentes ou, quando

reproduzidas os efeitos podem não ser

efetivos quando comparado ao extrato

vegetal.

Embora haja uma grande

demanda pelos produtos naturais,

incluso os fitoterápicos, a carência de

pesquisas científicas gera problemas.

Falta controle de qualidade na obtenção

e no processo de produção, bem como

metodologias adequadas de avaliação

dos produtos, conseqüentemente,

muitos dos produtos fitoterápicos

apresentam riscos diversos enumerados

por Capasso et al. (2000): identificação

errônea da planta, presença de

constituintes tóxicos, inadequada

preparação e estocagem da matéria

vegetal, adulteração durante o

condicionamento e presença de

contaminantes biológicos e abióticos.

O código genético rege a

produção de metabólitos especiais, que

em sua maioria representam a

totalidade dos princípios bioativos.

Embora os fatores ambientais induzam

respostas fenotípicas diferenciadas,

aquisições de resultados científicos na

área de produtos naturais precisam ser

realizadas para que cada vez mais a

indústria forneça fitoterápicos a base de

plantas homogêneas, padrão de

qualidade, segurança e eficiência

terapêutica. A partir do momento em

que a fitoterapia tem sido utilizada no

tratamento de enfermidades, eficácia e

segurança devem ser obrigatórias, bem

como a realização de testes para

atividades farmacológicas, toxicológicas

e clínicas (Bauer & Tittel, 1996; Calixto,

2000).

Souza Brito & Souza Brito

(1993), ao fazerem uma retrospectiva

sobre os estudos de plantas medicinais

no Brasil entre 1949 e 1992, relatam

que a submissão de resumos em

encontros científicos, abordando o tema

plantas medicinais, ocorre regularmente

desde 1949; porém menos que 10%

dos compostos bioativos obtidos de

extratos vegetais foram quimicamente

investigados. Existe uma vasta

quantidade de plantas com

propriedades terapêuticas que ainda

não foram descobertas (Gottlieb &

Stefanello, 1991). Por exemplo, mais de

20% da flora mundial está representada

no Brasil, contudo poucos estudos estão

sendo feitos para investigar o potencial

de novas drogas ou matéria-prima para

as preparações farmacêuticas

(Petrovick et al., 1999).

Page 7: Uso de Plantas Medicinais

Relatório publicado pela OMS

confirma que as plantas utilizadas

tradicionalmente pelas comunidades

que não dispõem de conhecimentos

acadêmicos ou manuais farmacêuticos

são efetivas no tratamento de doenças,

sendo justificadas pelos metabólitos

especiais verificados, após constatação

por pesquisas fitoquímicas. A OMS

observou ser importante incorporar à

medicina moderna, a medicina

tradicional, para implementar os

sistemas de saúde e melhorar a saúde

da população. Para tanto estimula

formalmente o interesse pelas ervas

medicinais e remédios tradicionais,

propondo aos países auxílio para

promoção de programas de saúde mais

bem adaptados às suas realidades

sócio-econômicas (Matos, 1997; WHO,

1998; Akerele, 1988).

A fitoterapia é uma importante

alternativa para o tratamento de

doenças, em muitos países em

desenvolvimento. Entre as vantagens

no uso de plantas medicinais está a

redução nas taxas de importação de

medicamentos e valorização das

tradições populares (Garlet & Irgang,

2001).

Várias iniciativas têm sido

empenhadas no intuito de viabilizar o

uso de fitoterápicos na saúde pública.

Em 1983, no Ceará, foi criado o

programa Farmácias Vivas pelo

professor Dr. Francisco Abreu de Matos

da Universidade Federal do Ceará Este

programa visa ao estabelecimento da

prática da fitoterapia, principalmente na

saúde pública. E foi propagado para

vários municípios brasileiros (Matos,

1997). Atualmente, no Brasil, alguns

Estados estão introduzindo o uso de

fitoterápicos na saúde pública (Souza

Brito & Souza Brito, 1993). No Rio de

Janeiro, existe o Programa Estadual de

Plantas Medicinais (PROPLAN) que

vigora desde 1996 pela lei estadual n0

2.537 de 16 de abril, abrangendo várias

localidades, cujo objetivo é estabelecer

políticas públicas nas áreas de

preservação, pesquisa e utilização

terapêutica das plantas medicinais,

dispondo de maneira organizada dos

recursos da flora medicinal do Rio de

Janeiro (PROPLAN, 2004).

Também, pequenas e grandes

empresas têm incluído na linha de

produção fitoterápicos ou cosméticos a

base de plantas medicinais. Em vista

disso, parcerias entre Instituições de

ensino e empresas também mostram

formas positivas de interação na busca

de novos fitoterápicos (Lima et al.,

Page 8: Uso de Plantas Medicinais

2001; Silva et al., 2001; Victório et al.,

2001 e 2002).

Os recursos vegetais são

amplamente distribuídos nos

ecossistemas e diversificados quanto à

composição química, participando de

forma significativa na produção

industrial de comidas, cosméticos e

drogas farmacêuticas (Zárate et al.,

2001). Devido à vasta diversidade na

composição química, 10 a 15% das

pesquisas químicas com vegetais estão

focadas na descoberta de compostos

biologicamente ativos. Em 1995,

estimava-se que 119 derivados de

plantas eram utilizados na medicina

ocidental e dos 25 medicamentos mais

utilizados mundialmente, 12 eram

derivados de produtos naturais

(Verpoorte, 1998). Da maioria dos

medicamentos aprovados entre 1983 e

1994, 6% são considerados produtos

naturais por terem sido obtidos

exclusivamente de plantas, 24% são

derivados de plantas e 9% foram

sintetizadas tendo como precursor uma

molécula extraída da planta (Maraschin

& Verpoorte, 1999).

Diante da diversidade biológica

brasileira, em particular entre os

vegetais, a busca por novas drogas e

seus efeitos requer uma rigorosa e

contínua pesquisa em cada região

fitogeográfica (Matos, 1997; Péret de

Sant´Ana, 2002). Muito do potencial no

uso de plantas medicinais advém dos

esforços em conhecer a farmacologia da

flora local (Souza Brito & Souza Brito,

1993). O Brasil compreende uma ampla

área com diferentes ambientes

geográficos, na qual a flora é

abundante e diversificada, constituindo

um recurso potencial em princípios

bioativos (Mello, 1980). Para Carlini

(apud Pivetta, 2001), em entrevista

dada a Revista Pesquisa FAPESP

(Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado de São Paulo), a busca de novas

drogas na biodiversidade brasileira é

mais lucrativa do que trabalhar com

síntese química de fármacos. Existem 4

áreas de elevada diversidade no Brasil:

Floresta Amazônica, Mata Atlântica,

Cerrado e Caatinga. Na Amazônia está

concentrada a maioria das pesquisas

etnofarmacológicas (Souza Brito &

Souza Brito, 1993), mas ainda assim

pouco conhecida (Elisabetsky &

Wannmacher, 1993). O Cerrado

brasileiro é um bioma que têm sido alvo

de crescente investigação científica pela

abundância de plantas nativas e

biodiversidade (Neto & Morais, 2003).

Page 9: Uso de Plantas Medicinais

Após vários anos de convivência

planta e homem, e apesar dos avanços

técnico-científicos na produção de

drogas, ainda se utiliza plantas de

forma primitiva. Branquinho (1999)

constatou em estudos etnográficos que

“a análise da cultura das ervas no limite

urbano revelou a metrópole como um

local de marcante ambigüidade”,

mesclada pelo popular e científico,

podendo evidenciar um risco a saúde,

quando o popular é utilizado de forma

abusiva, fora do contexto étnico-

cultural. A avaliação criteriosa e

científica das plantas medicinais fornece

subsídios para o esclarecimento do

valor terapêutico e obtenção de

conhecimentos que minimizam os

efeitos advindos das propagandas

massivas, que registram apenas os

benefícios das plantas (Akerele, 1988;

Elisabetsky & Souza, 2003). Os estudos

com plantas medicinais se sustentam

pela elevada porcentagem da população

brasileira que usa fitoterápicos e busca

nas plantas medicinais a cura

(Elisabetsky & Wannmacher, 1993).

Além disso, os estudos científicos dão

uma base confiável de informação para

evitar as complicações inerentes ao uso

indiscriminado de plantas medicinais

(Awang, 1997; Varricchio et al., 2007).

Aproximadamente 11,1% das plantas

estudadas apresentaram atividade

tóxica (Souza Brito & Souza Brito,

1993). Matos (1997) cita que o aspecto

mais importante dos estudos químicos e

farmacológicos com plantas medicinais

direciona o uso correto da planta, que

muitas vezes é utilizada de forma

empírica.

O uso de plantas medicinais se

perpetua visto que inúmeras atividades

terapêuticas são descobertas e

redescobertas pela ciência. É notável o

conhecimento tradicional herdado pela

sociedade, sobre o uso destas plantas,

bem como os estudos científicos que

ampliam as oportunidades para o uso

terapêutico. Conhecimentos de

etnobotânica e etnofarmacologia

indicam a ação farmacológica das

plantas medicinais e aproximam a

ciência da descoberta de novas drogas

(Cox & Balick, 1994).

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Este estudo apresenta uma revisão

bibliográfica sucinta sobre o uso de

plantas medicinais ao longo do tempo e

mostra a importância dos

conhecimentos empíricos e o uso

popular de plantas medicinais

direcionando a descoberta de novas

drogas e a obtenção de resultados

sistematizados do uso de plantas

medicinais, oriundos de pesquisas

científicas in vitro e in vivo. A interação

entre o conhecimento popular e

científico, viabiliza novos recursos no

tratamento terapêutico e expande as

alternativas na área de saúde.

Palavras-chave: fitoterapia, medicina

popular, sociedade, terapêutico,

terapias alternativas.

Revista Arquivos FOG , vol. 5 (1): 33-41, 2008. www.fog.br [email protected]