urgente - mpgo.mp.br...ministÉrio pÚblico do estado de goiÁs - 90ª promotoria de justiça rua...
TRANSCRIPT
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ___
VARA DA FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL DA COMARCA DE GOIÂNIA-GO.
Distribuir por dependência aos autos nº 5094999.16.2016.8.09.0051
URGENTE
PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por
intermédio da Promotora de Justiça que esta subscreve, titular da 90ª Promotoria de Justiça
do Estado de Goiás, no uso de suas atribuições constitucionais, e com fulcro nos artigos 129,
inciso III, da Constituição Federal, artigo 5º, inciso I, da Lei 7.347/85, na Lei Federal
8.429/92 e artigo 25, inciso IV, alínea “b” da Lei Federal 8.625/93, no artigo 46, inciso VI,
alínea “b”, da Lei Complementar Estadual n. 25/98, vem perante Vossa Excelência propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DE ATO
ADMINISTRATIVO
observado o rito ordinário e disposições especiais previstas na Lei 7.347/85 contra
SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS, brasileiro, casado,
servidor público municipal, nascido aos 15/10/1963, natural de Catalão/GO, filho de
Dilurdes Mendes dos Santos e Lázara Francisca de Jesus, inscrito no CPF nº 350.509.001-82
e no RG nº 1527302 SSP/GO, residente na Av. D. José Newton A Batista, Qd. 23, Lt. 11, s/n,
Santo Hilário, CEP 74.780-170, Goiânia/GO,
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
MUNICÍPIO DE GOIÂNIA/GO, pessoa jurídica de direito
público, CNPJ nº 01612092000123, ora representado pelo Procurador-Geral do Município de
Goiânia, nos termos do artigo 75, inciso III, do NCPC, com sede no Centro Administrativo
Municipal, Avenida do Cerrado, n.º 999, Park Lozandes, Palácio das Campinas Venerando de
Freitas Borges, CEP 74.884-900, nesta Capital,
pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.
I – DO OBJETO DA PRESENTE AÇÃO
Objetiva o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
GOIÁS, com o exercício do poder de ação, obter um provimento jurisdicional que declare a
nulidade da Portaria SEMGEP nº 0789/2015, de 08/05/2015, que concedeu a incorporação de
gratificação correspondente a 80% do subsídio de Secretário Municipal, à remuneração de
SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS, em razão do exercício, pelo prazo de 05 (cinco)
anos corridos, do mandato de vereador na cidade de Goiânia (01/01/2009 a 31/12/2012),
de Assessor VII, na Secretaria de Governo Municipal (01/01/2013 a 31/01/2014), de
Secretário Legislativo (31/01/2014 a 16/05/2014) e de Secretário Municipal
Extraordinário (16/05/2014 até, pelo menos, a data do requerimento de incorporação
aos 02/02/2015), a partir de 01/05/2015, com base no artigo 99-A, § 3º, da LC 11/92,
acrescido pelo artigo 1º da LC 220/2011 e artigo 3º da Lei Municipal 8.346/2005.
II – DOS FATOS
Chegou ao conhecimento desta Promotora de Justiça notícia de
que servidores públicos efetivos do Município de Goiânia incorporaram gratificação pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
exercício de cargo de provimento em comissão, em razão do tempo de exercício de mandato
eletivo no Legislativo Goianiense, com base no artigo 99-A, § 3º, da LC 11/92, acrescido
pela LC 220/2011, dispositivo esse apontado inconstitucional, razão por que foi instaurado o
ICP de registro atena nº 201300213928 (ICP – fls. 02/09).
Conforme se apurou no âmbito do ICP de Registro Atena nº
201300213928, no ano de 2011, foi editada a LC 220/2011, a qual, acrescentando o artigo
99-A à LC 11/92, estabeleceu o seguinte:
Art. 99-A. O servidor efetivo e estável do Município de
Goiânia, que na condição de efetivo, tenha exercido cargo em
comissão ou função de confiança, bem como participado de
comissão especial ou de órgão de deliberação coletiva, a
qualquer tempo, no âmbito do Município, por cinco anos
ininterruptos ou dez anos intercalados, terá direito a
incorporar a seu vencimento, a maior gratificação percebida
de forma ininterrupta, por período não inferior a um ano, a
título de estabilidade econômica.
[…]
§ 3º. Poderá ser utilizado para cômputo do tempo do
exercício de cargo em comissão ou função de confiança,
para fins do disposto no caput deste Artigo, o período de
exercício de mandato eletivo no Legislativo Goianiense,
atendidos os demais requisitos previstos em Lei.
Com base nessa disposição legal, SEBASTIÃO MENDES
DOS SANTOS, que ocupava à época dos fatos o cargo de provimento efetivo de Analista de
Urbanismo I, lotado na Secretaria Municipal de Saúde, requereu a incorporação à
remuneração do cargo ocupado, da gratificação percebida como Secretário Municipal
Extraordinário, no período de 16/05/2014 a 02/02/2015, correspondente a 80% do valor do
subsídio de Secretário Municipal Extraordinário, nos termos do que dispõe o artigo 3º da Lei
8.346/2005 (processo nº 57523107 – ICP – fls. 244/245 e Anexo ICP).
Tal requerimento, fundado no que dispôs o artigo 99-A, § 3º, da
LC 221/2011, baseou-se no fato de ter o réu SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS
exercido, no período de 01/01/2009 a 31/12/2012 o mandato de vereador em Goiânia e no
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
período de 01/01/2013 a 31/01/2014, o cargo de Assessor VII, na Secretaria de Governo
Municipal, no período de 31/01/2014 a 16/05/2014, o cargo de Secretário Legislativo e
no período de 16/05/2014 a 02/02/2015 o cargo de Secretário Municipal Extraordinário.
Após parecer favorável dos órgãos de consultoria jurídica do
Município de Goiânia, foi concedida, por meio da Portaria SEMGEP nº 0789/2015, de
08/05/2015, a incorporação, a título de estabilidade econômica, à remuneração do réu
SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS, ocupante então do cargo de Analista de
Urbanismo I, lotado na Secretaria Municipal de Saúde, a gratificação correspondente a 80%
do subsídio do cargo de Secretário Municipal Extraordinário, a partir de 01/05/2015, maior
gratificação percebida no período considerado para a incorporação, conforme disposto no
artigo 3º da Lei 8.346/2005.
Conforme se vê pelos documentos integrantes do processo de
incorporação, o réu SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS, foi eleito vereador para um
mandato de 04 (quatro) anos, no período de 01/01/2009 a 31/12/2012. À época da edição da
LC 220/2011, que introduziu o artigo 99-A, § 3º, à LC 11/92, estava no exercício do mandato
eletivo, de forma que participou da edição da LC 220/2011, que a si próprio beneficiava. Ao
final do mandato, foi nomeado, no período de 01/01/2013 a 31/01/2014, para o cargo de
Assessor VII, na Secretaria de Governo Municipal, no período de 31/01/2014 a
16/05/2014, para o cargo de Secretário Legislativo e no período de 16/05/2014 a
02/02/2015 para o cargo de Secretário Municipal Extraordinário, para assim
incorporar, à sua remuneração pelo exercício do cargo efetivo, a polpuda gratificação
decorrente do exercício, por pouco mais de um ano, do cargo de Secretário Municipal.
Durante as investigações, esta Promotora de Justiça representou
ao Procurador-Geral de Justiça para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade
para a declaração de inconstitucionalidade, dentre outros dispositivos da LC 220/2011, do
artigo 99-A, § 3º, da LC 11/92, acrescido pela LC 220/2011 (ICP – fls. 12/36 e 93/101).
No âmbito da ADI de registro 201390916308, que tramita no
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, foi deferida, aos 21/03/2014, medida cautelar, para
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
suspender a eficácia do artigo 99-A, § 3º, da LC 11/92, acrescido pela LC 220/2011, com
efeitos ex nunc, tendo em vista os veementes indícios de inconstitucionalidade da norma
(ICP – fls. 12/36, 93/101 e 379/381).
Apesar de suspensa a eficácia do artigo 99-A, § 3º, da LC
11/92, aos 21/03/2014, aos 08/05/2015 o então Secretário Municipal de Gestão de Pessoas –
Paulo César Fornazier – concedeu ao réu SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS, aos
08/05/2015, por meio da Portaria SEMGEP nº 0789/2015, a incorporação da gratificação a
título de estabilidade econômica, com base no referido dispositivo legal.
Aos 27/04/2016, a ADI de nº 201390916308 foi julgada
procedente, por unanimidade de votos (ICP – fls. 1195/1196).
O artigo 99-A da LC 220/2011 foi revogado pela LC 276/2015,
publicada aos 03/06/2015. Não obstante, a referida disposição, flagrantemente
inconstitucional, produziu efeitos e constituiu situações jurídicas não desfeitas pela
decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás proferida no âmbito da ADI, as
quais, em razão da inconstitucionalidade, estão a desafiar a propositura de Ação Civil
Pública para esse desiderato, especialmente para a desconstituição do ato de
incorporação de gratificação à remuneração do réu SEBASTIÃO MENDES DOS
SANTOS efetivada por meio da Portaria SEMGEP nº 0789/2015, com violação à
Constituição Federal.
Em razão da incorporação inconstitucional, o réu
SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS percebeu, indevidamente, no período de
01/05/2015, data a partir da qual foi deferida a incorporação da gratificação após a decisão
cautelar na ADI nº 201390916308, até a data da propositura da ação, a quantia de R$
128.840,81 (cento e vinte e oito mil, oitocentos e quarenta reais e oitenta e um centavos),
corrigida monetariamente e acrescida de juros legais, conforme contracheques e planilha de
cálculo (ICP – fls. 439/457 e 1065/1080).
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
III – DO DIREITO
1. DA LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
A legitimação do Ministério Público para promover a defesa do
patrimônio público por meio da Ação Civil Pública advém tanto da Constituição Federal
quanto da legislação infraconstitucional.
Ao tratar das funções institucionais do Ministério Público,
assim estabeleceu a Constituição Federal:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos;
A Constituição do Estado de Goiás, de seu turno, determina:
Art. 117. São funções institucionais do Ministério Público:
[…]
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos;
[…].
A Lei n.º 7.347 de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação
civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e ao patrimônio
público, com redação dada pela Lei n.º 11.448/2007 e Lei 13.004/2014 estabelece:
Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei sem prejuízo da
ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e
patrimoniais causados:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
[…];
VI – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
[…];
VIII – ao patrimônio público e social (Redação dada pela Lei
13.004/2014).
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação
cautelar: (Redação dada pela Lei n.º 11.448, de 2007)
I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei n.º 11.448,
de 2007)
[...]
A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei 8.625 de
12 de fevereiro de 1993 – estabelece:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal
e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda,
ao Ministério Público:
[...]
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na
forma da lei:
a) proteção, prevenção e reparação de danos causados ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a outros
interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e
homogêneos;
b) anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao
patrimônio público ou à moralidade administrativa do
Estado ou do Município, de suas administrações indiretas ou
fundacionais ou de entidades privadas de que participem.
Por fim, prevê a Lei Complementar nº 25/98 – Lei Orgânica do
Ministério Público do Estado de Goiás:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
Art. 46. Além das funções previstas na constituição Federal,
na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, na
Constituição Estadual e em outras leis, incumbe, ainda, ao
Ministério Público:
[…]
VI – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na
forma da lei, para:
a) proteção, prevenção e reparação de danos causados ao meio
ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros
interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e
homogêneos;
b) anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao
patrimônio público ou à moralidade administrativa do
Estado ou do Município, de suas administrações direta,
indireta ou fundacional ou de entidades privadas de que
participem.
Os atos normativos ora mencionados, especialmente a
Constituição Federal, evidenciam a atribuição do Ministério Público para o exercício da
Ação Civil Pública e assentam a adequação dessa via para a defesa do patrimônio público.
2. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 99-A, §
3º, DA LC 11/1992, ACRESCENTADO PELA LC 220/2011 E DO ATO DE
INCORPORAÇÃO NELE FUNDADO
O instituto da estabilidade econômica, disciplinado em vários
Estatutos dos Servidores Públicos, nas diversas esferas federativas, tem como objetivo
primordial conferir uma “estabilidade” remuneratória ao servidor efetivo que, por relevante
período de tempo, percebeu gratificação pelo exercício de cargo/função de confiança,
possibilitando assim, após o decurso do período de tempo previsto em lei, a incorporação da
gratificação à remuneração percebida em razão do cargo efetivo.
A estabilidade, assim, visa a premiar o servidor público efetivo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
que efetivamente exerceu, pelo tempo previsto em lei, atividade administrativa gratificada,
possibilitando-lhe uma estabilidade financeira, com a incorporação da gratificação, até então
temporária, de forma permanente, à sua remuneração.
A razão de ser do instituto encontra-se, primordialmente, no
exercício continuado e por relevante período de tempo, pelo servidor efetivo, de atividade
administrativa gratificada, que lhe permitiu um acréscimo remuneratório. O instituto da
estabilidade econômica objetiva tornar perene uma situação antes temporária, em razão do
longo período de sua manutenção.
Nessa linha de compreensão, não há, na estabilidade
econômica, inconstitucionalidade.
Entretanto, o delineamento do instituto, no âmbito dos entes
federados, não pode se afastar dos princípios constitucionais, especialmente aqueles que
regem a atividade administrativa.
Por primeiro, necessário pontuar que, necessariamente, a
concessão da estabilidade econômica deve ser autorizada em lei, em atenção ao princípio da
legalidade. Por outro lado, impõe-se, na definição dos requisitos para a concessão, a
observância dos demais princípios regentes da Administração Pública, em especial, a
razoabilidade, a isonomia e a moralidade administrativa.
Não é o que se verifica pela redação do artigo 99-A, § 3º da LC
11/92, acrescido pela LC 220/2011.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
Ao permitir, o artigo 99-A, § 3º da LC 11/92, acrescido pelo
artigo 1º da LC 220/2011, a equiparação do tempo de exercício de mandato eletivo no Poder
Legislativo Goianiense ao exercício de cargo em comissão ou função de confiança no âmbito
da Administração Pública e a contagem desse tempo para o fim de obter o servidor efetivo,
que tenha exercido mandato eletivo de vereador, a incorporação de gratificação auferida no
exercício de cargo em comissão ou função de confiança, incorreu o referido dispositivo legal
em flagrante vício de inconstitucionalidade material, por violação ao princípio da
razoabilidade, da isonomia e da moralidade administrativa, extraídos do artigo 37 da
Constituição Federal.
De fato, equiparar o exercício da atividade legiferante, pelo
servidor efetivo que tenha exercido mandato eletivo, à atividade administrativa gratificada,
para o fim de conceder-lhe estabilidade econômica é uma “ficção” que afronta a disciplina
constitucional das funções do Estado e o tratamento conferido aos exercentes de tais
funções, bem como o fundamento constitucional da estabilidade econômica – a
razoabilidade e a isonomia.
A respeito da natureza jurídica do mandato eletivo, o
administrativista José Nilo de Castro assim ensina:
Efetivamente, o art. 37 da CF cuida da Administração Pública
e no seu inciso I peculiariza os cargos públicos, os empregos
públicos e as funções públicas, espaços a ocuparem os
servidores públicos, não os agentes políticos, detentores de
mandato eletivo.
Assim, há que se aplicar, em interpretação autêntica, as
disposições e as ordenações jurídicas do art. 37 e de seus
incisos e parágrafos numa integração sistemática. E nesta
integração compreensiva não se encontra a questão referente a
ter e a exercer o mandato eletivo quanto à sua perda e/ou
suspensão.
De consequência, impõe-se aqui ressaltar que detentor de
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
mandato eletivo é agente político, não titulariza cargo
público, nem emprego, nem função pública. Se o legislador
ordinário quisesse dizê-lo (se pudesse, a matéria é
constitucional), tê-lo-ia feito, identificando, mesmo com a
agressão constitucional, a hipótese suscitada.[…]. (grifou-se)
(CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. 5. ed.
Belo Horizonte : Del Rey, 2001. p.124.)
Ainda sobre a natureza jurídica da relação existente entre o
agente político e o ente federado, Celso Antônio Bandeira de Melo preconiza:
[…] O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é
de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem
um munus público. Vale dizer, o que os qualifica para o
exercício das correspondentes funções não é a habilitação
profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos,
membros da civitas e por isto candidatos possíveis a condução
dos destinos da Sociedade’ (MELO, Celso Antônio Bandeira.
Curso de direito administrativo. 28. ed. rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2011).
Fundado nessa compreensão, firmou-se em doutrina e
jurisprudência o entendimento de que aos detentores de mandato eletivo não se aplicam os
direitos sociais estampados no artigo 39, § 3º, da CF.
É o que se extrai do seguinte julgado:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EX-
DEPUTADOS ESTADUAIS. POSTULAÇÃO DE
PAGAMENTO DE 13° SALÁRIO. INOCORRÊNCIA DE
RELAÇÃO DE TRABALHO COM O PODER PUBLICO.
INVIABILIDADE. Deputado Estadual não mantendo com
o Estado, como é da natureza do cargo eletivo, relação de
trabalho de natureza profissional e caráter não eventual
sob vínculo de dependência, não pode ser considerado
como trabalhador ou servidor público, tal como dimana
da Constituição Federal (arts. 7°, inciso VIII, e 39, § 3º),
para o fim de se lhe estender a percepção da gratificação
natalina’ (RMS n° 15.476-BA, 5ª T., Relator o Ministro JOSÉ
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
ARNALDO DA FONSECA, j. 16.03.2004).
Os mesmos fundamentos que norteiam o entendimento acima
exposto, embasam a tese ora sustentada acerca da impossibilidade de concessão de
estabilidade econômica a servidor público, detentor de cargo efetivo, em razão do tempo de
exercício de mandato eletivo, conforme autorizado pelo artigo 99-A, §3º, da LC 11/92,
acrescido pela LC 220/2011.
Isso porque o exercício de mandato eletivo em nada se
assemelha ao exercício de função administrativa, de caráter profissional, no âmbito da
Administração Pública. O exercício de mandato eletivo, de natureza política e não
profissional, interrompe o exercício da relação profissional existente entre o servidor
público e a Administração Pública, para dar origem a um novo vínculo, como já dito, de
natureza política e não profissional, não equiparável àquele.
Assim como a gratificação pelo exercício de cargo em
comissão ou função de confiança somente é devida pelo efetivo exercício do cargo/função
comissionada, a incorporação somente pode se dar se efetivamente houve o exercício do
cargo/função gratificada pelo período previsto em lei.
A propósito, sobre essa questão, vale transcrever o seguinte
julgado:
APELAÇÃO CÍVEL. SERVIDOR PÚBLICO. EXERCÍCIO
DE CARGO EM COMISSÃO POR MAIS DE DEZ ANOS.
INCORPORAÇÃO DA DIFERENÇA ENTRE O
VENCIMENTO DO CARGO EFETIVO E O DO CARGO
COMISSIONADO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI
ESPECÍFICA. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AOS
PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA,
DA ESTABILIDADE ECONÔMICA E DO DIREITO
ADQUIRIDO. Inocorrência. RECURSO DESPROVIDO.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
1. Sendo de caráter transitório tanto o cargo comissionado
como a função gratificada/comissionada, só será devida a
contraprestação pecuniária correspondente quando o
servidor estiver atuando no (a) cargo/função retro (ex
facto officii).
2. Somente quando a lei dispuser expressamente, o servidor
público poderá incorporar/agregar, aos vencimentos do cargo
efetivo, a diferença entre o valor destes e o do percebido no
cargo em comissão ou, ainda, outras verbas em razão da
peculiaridade das atribuições acometidas ao referido agente
público.
3. Recurso de apelação improvido.
(TJAC – APL 0704416-46.2012.8.01.0001, Relator: Des.
Júnior Alberto, data julgamento: 04/09/2015, Segunda Câmara
Cível, publicação: 16/09/2015).
Se objetiva o instituto da estabilidade econômica conferir ao
servidor público ocupante de cargo efetivo uma estabilidade remuneratória, em razão do
exercício, por longo período de tempo, de uma atividade administrativa que lhe possibilitou
agregar uma parcela remuneratória à sua remuneração, o seccionamento da atividade, para
dar início a uma atividade não profissional, de natureza política, faz cessar a razão
jurídica que fundamenta a concessão da estabilidade econômica.
Esse seccionamento não pode ser transposto por uma ficção
legal, baseada na decisão arbitrária do legislador.
E assim se afirma porque não há razão jurídica, em especial
fundada na razoabilidade, que justifique a possibilidade de contar, para essa finalidade – a
estabilidade remuneratória - um período em que, em razão do exercício de atividade
eminentemente política, não profissional, houve um seccionamento no exercício da atividade
administrativa profissional, gratificada.
Vale lembrar, que ao servidor público, eleito vereador, são
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
aplicadas as mesmas vedações constantes do artigo 54, inciso I, alínea b, e inciso II, alínea b,
nos termos do que dispõe o art. 29, inciso IX, da Constituição da República, que veda ao
vereador, após eleito, ocupar cargo em comissão exonerável ad nutum em pessoas jurídicas
de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista e empresas
concessionárias de serviço público. Vê-se, pois, que o exercício de cargo ou função
comissionada é vedado ao servidor público que tome posse no carto eletivo legislativo.
Se o exercício de cargo ou função comissionada no âmbito da
Administração Pública é vedado, pela Constituição Federal, ao servidor público eleito
vereador, não é possível à lei, por ficção, “equiparar”, para o fim de concessão de benefícios
financeiros, em especial a estabilidade econômica, o exercício da vereança ao exercício de
cargo ou função de confiança, porquanto isso subverte a lógica constitucional.
Ao contrário, a “equiparação” operada pelo artigo 99-A, § 3º
da LC 11/92, acrescido pelo artigo 1º da LC 220/2011, por ir de encontro à “natureza das
coisas”, como bem exposto pelo Procurador-Geral de Justiça na inicial da ADI nº
201390916308, em especial a disciplina constitucional das funções do Estado e à natureza
jurídica da estabilidade econômica, faz resplandecer a concessão de privilégios não
autorizados pela Constituição Federal e, em consequência, a violação ao princípio da
isonomia, estampado no artigo 37, caput, da Constituição Federal.
Ademais, a “ficção” operada pela lei também viola a
moralidade administrativa, porquanto possibilita a incorporação de gratificação, com
acréscimos remuneratórios, sem que o servidor público tenha, efetivamente, exercido a
função administrativa gratificada, pelo período previsto em lei, requisito ínsito ao instituto da
estabilidade econômica. A contagem de tempo de exercício de vereança, como se de
exercício de atividade gratificada fosse, para o fim de implementar o tempo necessário
previsto em lei para a incorporação, é uma ficção legal que, além de violar o postulado
da razoabilidade e da isonomia, afronta a moral administrativa que deve nortear as
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
relações no âmbito da Administração Pública.
Além de tudo, a disposição legal acabou por ser utilizada como
um expediente ardiloso para que servidores públicos exercentes de mandato de vereador
incorporassem a sua remuneração vultosa quantia, a título de estabilidade econômica, sem
razão jurídica para tanto, por meio de uma “manobra”, consistente em se afastar do exercício
do mandato ou exercer, após a sua cessação, pelo exíguo prazo de um ano, o cargo de
Secretário Municipal para, assim, incorporar polpuda gratificação.
Na ADI de nº 201390916308, o Procurador-Geral de Justiça
discutiu todas essas questões. Objetivando agregar a discussão à argumentação ora exposta,
transcrevem-se alguns pontos da peça:
[…] De ´pronto ressai o vício de inconstitucionalidade
material no dispositivo impugnado, no que equipara, para
o efeito de implementar-se a estabilidade financeira, o
exercício de mandato eletivo ao de cargo em comissão ou
função de confiança.
Conquanto não se desconheça a importância, no sistema
constitucional brasileiro – máxime da estruturação dos
Poderes nos diversos níveis do Estado Federal – das elevadas
funções de vereança, elas nada têm de comum com as dos
cargos em comissão e com as funções de confiança, cujo
desempenho justifica, na vida do servidor efetivo, a
concessão legislativa da estabilidade, criada pelo art. 99-A
da Lei Complementar n. 11 de 11.5.1992.
É dizer, com licença do truísmo, que, enquanto o membro do
Poder Legislativo de qualquer municipalidade tem como
atividade qualificadora de suas funções a criação de leis
encartadas no âmbito da competência comunal, o servidor
público que exerça função comissionada ou que ocupe cargo
de provimento em comissão exerce atividade tipicamente
administrativa.
[...]
Transposta a lição ao caso, a atividade edilícia cifra-se, quanto
à sua função primordial, à criação de normas gerais e abstratas
destinadas à inovação na ordem jurídica.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
De seu turno, o plexo de poderes funcionais dos exercentes de
funções comissionadas ou ocupantes de cargos em comissão
resume-se a comportamentos infralegais de atuação oficiosa
das normas primárias e secundárias.
Ademais, o membro do Poder Legislativo, enquanto tal, não
se encontra, no plano do domínio estatal, encartado numa
estrutura administrativa hierárquica, cumprindo-lhe, à base da
mais irrestrita outorga da independência funcional, prestar
contas aos cidadãos pela substância dos atos que pratique no
desempenho do mandato eletivo, sempre transitório.
Por isso mesmo, a ordem constitucional confere aos
vereadores um regime jurídico peculiar, dotado de
prerrogativas teleologicamente voltadas à preservação de sua
independência, típica da 'forte discricionariedade política' do
mandato […].
A toda evidência, a regra do § 3º do art. 99-A da Lei
Complementar n. 11, de 11.5.1992, fruto da ação
normativa do art. 1º da Lei Complementar n. 220, de
24.11.2011, publicada no Diário Oficial do Município n.
5.234, de 25.11.2011, subverte a disciplina do instituto da
estabilidade financeira, que encontra sua ratio essendi na
identidade fundamental de regime jurídico que torna
equivalentes, sob o prisma da função de Estado, mercê da
qual se logra identificá-los como elementos de um mesmo
conjunto, os cargos de provimento efetivo e os de
provimento em comissão e as funções comissionadas, mas
que difere, substancialmente, do regime jurídico da
atividade parlamentar.
Assim, resta tão somente indagar se é dado ou não ao
legislador comunal criar novo instituto, distinto do da
estabilidade financeira, pelo qual se leve em conta o
'período de exercício de mandato eletivo' para o fim de
premiar servidor público efetivo que venha a compor, pelo
período de tempo assinalado na norma, os quadros de
órgão legislativo.
Em outras palavras, revela-se imprescindível perquirir
acerca do alcance, nesse domínio material, do largo
âmbito de conformação legislativa, procurando aquilatar
se se estende ele ou não ao ponto de legitimar normativa
que aquinhoe o servidor público efetivo com a inclusão, na
sua remuneração, de valor que tenha como suporte fático,
ainda que parcialmente, período de tempo gasto no
exercício de função política eletiva transitória.
A resposta à questão, à luz da Constituição do Estado de
Goiás, patenteia-se, à luz do que já foi precedentemente
discorrido, desenganadamente negativa.
Ora, sobre não passar o vereador, nos termos da Constituição
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
deste Estado-membro, de agente político titular de mandato
eletivo (art. 63, I) e, como tal, de duração limitada a 'quatro
anos' (art. 67, caput), a estabilidade financeira somente se
legitima em razão de que, a rigor, inexiste, no caso de
servidor público efetivo e considerada a ocupação de cargo
de provimento em comissão ou o exercício de função
comissionada, seccionamento conteudístico no
desempenho de atividade singelamente administrativa, ou
seja, de função administrativa, em nada equivalente à de
confecção de atos normativos primários, capazes de inovar
na ordem jurídica, típicos da vereança.
No fundo, a norma sob exame, vale dizer, a do § 3º do art.
99-A da Lei Complementar n. 11, de 11.5.1992. oriunda do
art. 1º da Lei Complementar n. 220, de 24.11.2011, mostra-
se, concomitantemente, colidente com o postulado
normativo da razoabilidade (art. 92, caput, da
Constituição do Estado de Goiás) e com o princípio
republicano (art. 1º, caput, da Constituição do Estado de
Goiás).
A violação ao princípio constitucional da razoabilidade
reside em que não se mostra condizente com a 'natureza
das coisas' ou com a 'exigência de vinculação à realidade'
(Ávila, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à
aplicação dos princípios jurídicos, 13ª ed. , São Paulo:
Malheiros, 2012, p. 177-179, v.g), em outros dizeres, com a
natureza jurídica da estabilidade financeira, cogitar da
equiparação legislativa de atividades de natureza diversa
da administrativa, na contramão de um critério
legitimador fundamental do instituto, que é a identidade
da função de Estado cujo desempenho conste do histórico
funcional do servidor e que, para fim de segurança
remuneratória, seja-lhe levada em conta.
Ao dispor o art. 1º, caput, da Constituição do Estado de
Goiás que esta pessoa política compõe a República
Federativa do Brasil, adota-se, claramente, na ordem
constitucional deste Estado-membro, o princípio
republicano, e, no seu diapasão, outros dele emanados,
como o da isonomia.
Ressalte-se, no ponto, que o sempre lúcido José Celso de
Mello Filho, decano, hoje, do Supremo Tribunal Federal,
averba, em lição escorreita, que o 'desrespeito ao princípio
republicano' também 'gera consequências de natureza jurídica
e política', a exemplo da 'declaração de inconstitucionalidade
de todo e qualquer ato emanado do Poder Público que lese, de
modo efetivo e potencial esse núcleo imutável de nossa Carta
Política' (Constituição Federal Anotada, 2ª ed., São Paulo:
Saraiva, 1986, p. 26. v.g).
A norma-regra sob exame descura, a passos largos, do
princípio republicano, pois que confere a ex-exercentes de
mandato parlamentar municipal, de modo a contrariar, na
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
mesma passada, o princípio da isonomia, condições
especialíssimas, privilegiadas e vantajosas para o
implemento de requisito temporal exigido para a obtenção
de incorporação remuneratória.
De seu turno, o mestre Geraldo Ataliba (República e
Constituição, 2ª ed.. São paulo: Malheiros, 2007, p. 158-159),
depois de realçar a íntima conexão entre o princípio
republicano e o da igualdade, averba que o próprio conteúdo
da lei não se pode mostrar arbitrário e ofensivo à isonomia
constitucionalmente exigida, litteris:
'Princípio constitucional fundamental, imediatamente
decorrente do republicano, é o da isonomia ou igualdade
diante da lei, diante dos atos infralegais, diante de todas as
manifestações do poder, quer traduzidas em normas, quer
expressas em atos concretos. Firmou-se a isonomia, no direito
constitucional moderno, como direito público subjetivo a
tratamento igual de todos os cidadãos pelo Estado.
Como, essencialmente, a ação do Estado reduz-se a editar a lei
ou dar-lhe aplicação, o fulcro da questão jurídica postulada
pela isonomia substancia-se na necessidade que as leis sejam
isônomas e que sua interpretação (pelo Executivo e pelo
Judiciário) leve tais postulados até suas últimas consequências
no plano concreto de aplicação.
Aqui, também, as características da lei confundem-se e
harmonizam-se. Ela é abstrata (isto é, abstrai dos casos
concretos, para evitar o arbítrio, traduzido no favorecimento
de pessoas determinadas ou no detrimento de outras pessoas
também determinadas), porque deve ser impessoal, sendo
impessoal, abrange gêneros de situações, categorias de
pessoas e não casos isolados, 'é geral quando apanha uma
classe de sujeitos (Celso Antônio Bandeira de Mello, O
Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, p. 33); sendo
igualitária (isonômica), não pode discriminar arbitrariamente,
mas suas discriminações têm que observar o requisito
constitucional de correlação lógica concreta entre o fato de
discrímen e a diferenciação consequente. Só isso autoriza
abstrair a inserção das pessoas discriminadas em categorias
gerais e impessoais. Sendo abstrata, a lei é necessariamente
genérica, cobrindo os gêneros em todas as medidas descritas;
sendo genérica, não pode excepcionar, salvo a presença de
fatores objetivos, amparados por preceitos constitucionais
inequívocos (Celso Antônio Bandeira de Mello, O
conteúdo...p.14.) […].'
Também o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, na decisão
que suspendeu cautelarmente os efeitos do artigo 99-A, § 3º, da LC 11/92, acrescido pela LC
220/2011, assim pontuou:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
[…]
Malgrado as manifestações dos requeridos, não se pode deixar
de antever a aplausibilidade das alegações do requerente
ressaltadas, na medida que a consequência da segurança
remuneratória abriga o instituto da estabilidade financeira
de forma descaracterizada, posto que sob o viés de valorar
o benefício de incorporação de tempo de serviço às pessoas
determinadas – que exerçam a vereança – em detrimento
de outras, vulnera a igualdade, isonomia e razoabilidade.
Discutível, sim, a premissa de o vereador, em que pese a
atividade política, por excelência, ser agraciado, com
benefício que em tese e a priori só alcança aqueles que
realizem tarefas de cunho administrativo como os
exercidos por servidores comissionados/função de
confiança, ou mesmo porque diferem nos regimes jurídicos
que orientam cada categoria.
[…].
Assim, flagrante a inconstitucionalidade do artigo 99-A, § 3º,
da Lei 11/92, acrescido pela LC 220/2011, inconstitucional e, consequentemente, nula é a
Portaria SEMGEP nº 0789/2015, que concedeu a incorporação, a título de estabilidade
econômica, à remuneração do réu SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS, ocupante do
cargo de Analista de Urbanismo, lotado na Secretaria Municipal de Saúde, da gratificação
correspondente a 80% do subsídio da função de Secretário Municipal Extraordinário, a partir
de 01/05/2015, em razão da percepção da gratificação pelo exercício do cargo de Secretário
Municipal, durante 01 (um) ano, no período considerado para a incorporação, dentro do qual
o réu SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS exerceu por 04 (quatro) anos (01/01/2009 a
031/12/2012), o mandato de vereador no Município de Goiânia.
Por essa razão, necessária a intervenção do Poder Judiciário,
como guardião da Constituição que é, a fim de, reconhecendo a inconstitucionalidade do
artigo 99-A, § 3º da LC 11/92, acrescido pela LC 220/2011, declare a nulidade da Portaria
SEMGEP nº 0789/2015, que incorporou à remuneração de SEBASTIÃO MENDES DOS
SANTOS gratificação equivalente a 80% do subsídio da função de Secretário Municipal
Extraordinário.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
Embora já revogado o dispositivo apontado como
inconstitucional, durante sua vigência constituiu relações jurídicas que continuam a produzir
efeitos no tempo, razão por que necessária a análise da sua inconstitucionalidade, já
declarada, em controle concentrado de constitucionalidade, pelo Tribunal de Justiça do
Estado de Goiás, na ADI nº 201390916308, para o fim de declarar a nulidade do ato
administrativo nele fundado, objeto do pedido.
Sobre o tema:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. VIÚVA DE
SERVIDOR. CF/69. RECEBIMENTO DE PENSÃO
INTEGRAL. LEI AUTORIZADORA. REVOGAÇÃO.
CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE.
1. Parágrafo 2º do art. 117 da Lei 6.745/85 do Estado de Santa
Catarina, instituído por emenda parlamentar, que permitia o
pagamento de pensão integral a dependentes de servidor
falecido por causa de doença grave. Aumento de despesa.
Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade formal. Precedentes:
RE 134.278 e Rp 890.
2. Superada a controvérsia em torno da constitucionalidade da
norma discutida, torna-se prejudicada a questão da existência
de direito adquirido ao recebimento de pensão integral em
face de lei posterior que a revogou.
3. Esta Suprema Corte entende que é inviável o controle
concentrado de constitucionalidade de norma já revogada.
Se tal norma, porém, gerou efeitos residuais concretos, o
Poder Judiciário deve se manifestar sobre as relações
jurídicas dela decorrentes, por meio do controle difuso.
Precedente: ADI 1.436.
4. Art. 40, § 7º, da CF/88. Inaplicabilidade. Discussão
referente a proventos recebidos antes da promulgação da atual
Constituição.
5. Agravo regimental improvido.
(STF - Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº 397354/SC, 2ª
Turma do STF, Rel. Min. Ellen Gracie. j. 18.10.2005, DJU
18.11.2005)
APELAÇÃO CÍVEL. INCIDENTE DE
INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADO DE OFÍCIO.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
ATO NORMATIVO N. 01/2005. ARTIGO 2º, §2º, DA LEI N.
3.879/2009. GRATIFICAÇÃO DE INCENTIVO À
CONSERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO
MUNICIPAL. EFEITOS CONCRETOS. CONTROLE
DIFUSO.
1. Se a norma revogada gerou efeitos residuais concretos,
nada obsta que o Poder Judiciário se manifeste sobre as
relações jurídicas dela decorrentes, por meio do controle
difuso. 2. Tendo em vista a controvérsia sobre a constitucionalidade
do Ato Normativo n. 01/2005 e do art. 2º, §2º, da Lei n.
3.879/2009, ambos do Município de Itumbiara, e não havendo
pronunciamento deste Tribunal nem do STF sobre a questão,
faz-se imperioso suscitar, o incidente de
inconstitucionalidade, nos termos do art. 229, §1º, do RITJGO
e da Súmula Vinculante n. 10 do STF, motivo pelo qual se
determina a remessa dos autos à Corte Especial, para análise
da questão. Precedentes desta Corte.
(TJGO, APELACAO CIVEL 41337-90.2011.8.09.0087, Rel.
DR(A). EUDELCIO MACHADO FAGUNDES, 2A
CAMARA CIVEL, julgado em 18/03/2014, DJe 151 de
00/04/2014)
APELAÇÃO CÍVEL E REMESSA NECESSÁRIA Nº
24050040559 REMETENTE: JUIZ DE DIREITO DA VARA
DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL PRIVATIVA DAS
EXECUÇÕES FISCAIS DE VITÓRIA APELANTE:
ESTADO DO ESPÍRITO SANTO APELADO:
SUPERMERCADOS PORTO NOVO LTDA RELATORA:
DESEMBARGADORA SUBSTITUTA ELISABETH
LORDES ACÓRDÃO EMENTA: REMESSA
NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL -
INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 5º, CAPUT E § 1º,
DA LEI ESTADUAL Nº 5.541⁄97 - REVOGAÇÃO DA LEI -
CONTROLE DIFUSO - POSSIBILIDADE - PRECEDENTE
- PRINCÍPIO DA NÃO CUMULATIVIDADE - ART. 155,
§2º, I DA CF - REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL
PLENO - ART. 480 E SEGUINTES DO CPC - ART. 97 DA
CF.
1) A análise da constitucionalidade do caput do art. 5º e o §1º
da Lei Estadual nº 5.541⁄97 foi submetida ao STF (Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 1995-3⁄ES), sendo deferido,
pela E. Corte, medida liminar para suspender os efeitos dos
referidos dispositivos legais.
2) A revogação posterior da Lei objeto de controle
concentrado de constitucionalidade impediu a análise do
mérito da ADI 1995-3⁄ES pelo Plenário da Excelsa Corte ante
a perda superveniente do objeto.
3) Em sede de controle difuso é possível discutir a
inconstitucionalidade dos efeitos concretos de lei revogada
durante a sua vigência. Precedente desta Corte (Incidente
de Inconstitucionalidade nº 35000026241 - Julgado em
06.11.2008 - DJ 15.12.2008) 4) A constituição Federal em seu art. 155, §2º, I prevê a não
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
cumulatividade do imposto relativo a circulação de
mercadorias (ICMS).
5) A lei estadual nº 5.541⁄97 prevê a apuração de imposto pelo
regime de estimativa e a vedação a dedução de valores de
ICMS contabilizados em outras operações comerciais.
6) Argüição de inconstitucionalidade acolhida, remessa dos
autos ao Egrégio Tribunal Pleno para análise do incidente de
inconstitucionalidade, tendo em vista que a
constitucionalidade dos dispositivos em cotejo não foram
apreciados pelo STF. Inteligência dos arts. 93 da CF e 480 e
seguintes do CPC
(TJES, Classe: Remessa Ex-officio, 24050040559, Relator:
JOSENIDER VAREJÃO TAVARES - Relator Substituto :
ELISABETH LORDES , Órgão julgador: TERCEIRA
CÂMARA CÍVEL , Data de Julgamento: 20/01/2009, Data da
Publicação no Diário: 10/03/2009)
APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL E
PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO ORDINÁRIA. FUNBEN.
INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA DO
FUNDO. LEI ESTADUAL REVOGADA. EFEITOS
RESIDUAIS CONCRETOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL
DE INCONSTITUCIONALIDADE. POSSIBILIDADE.
RESTITUIÇÃO DE VALORES. REPETIÇÃO DE
INDÉBITO. APLICAÇÃO DA SÚMULA 188 DO STJ.
CABIMENTO. PRECEDENTE DA 2ª CÂMARA. APELO
PARCIALMENTE PROVIDO.
I - Por se tratar de prestações de trato sucessivo, a prescrição
não atinge o fundo de direito, sendo atingidas apenas as
prestações vencidas antes do qüinqüídio anterior à propositura
da ação, nos exatos termos da Súmula nº. 85 do STJ.
II - É inviável o controle concentrado de
constitucionalidade de norma já revogada, porém, se esta
gerou efeitos residuais concretos, o Poder Judiciário deve
se manifestar sobre as relações jurídicas dela decorrentes,
por meio do controle difuso. Precedente do STF. III - Declarada incidentalmente a inconstitucionalidade da lei
que instituiu o tributo, há para o contribuinte o direito à
restituição dos valores retirados do seu patrimônio sem
justificativa legal.
IV - Em se tratando de repetição de indébito deve incidir a
Súmula 188 do STJ para determinar o cálculo dos juros a
partir do trânsito em julgado da sentença.
V - Apelo parcialmente provido.
(TJMA – Apelação Cível 0000353-04.2011.8.10.0001,
Relator: NELMA CELESTE SOUZA SILVA SARNEY
COSTA, órgão julgador: Segunda Câmara Civel, Data
Julgamento: 04/06/2013, Data da publicação: 05/06/2013).
RECLAMAÇÃO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO – AÇÃO
CIVIL PÚBLICA – CONTROLE INCIDENTAL DE
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
CONSTITUCIONALIDADE – QUESTÃO PREJUDICIAL –
POSSIBILIDADE – INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO
DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL – PRECEDENTES – RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO.
O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a
legitimidade da utilização da ação civil pública como
instrumento idôneo de fiscalização incidental de
constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou
atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face
da Constituição da República, desde que, nesse processo
coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se
como objeto único da demanda, qualifique-se como simples
questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio
principal. Precedentes. Doutrina.
(STF - Rcl 1898 ED, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO,
Segunda Turma, julgado em 10/06/2014, ACÓRDÃO
ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 05-08-2014 PUBLIC 06-
08-2014) .
3. DA RESTITUIÇÃO DOS VALORES
INDEVIDAMENTE PERCEBIDOS
Conforme relatou-se no item anterior, durante as investigações,
esta Promotora de Justiça representou ao Procurador-Geral de Justiça para a propositura de
ação direta de inconstitucionalidade para a declaração de inconstitucionalidade, dentre outros
dispositivos da LC 220/2011, do artigo 99-A, § 3º, da LC 11/92, acrescido pela LC 220/2011.
No âmbito da ADI de registro 201390916308, que tramita no
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, foi deferida, aos 21/03/2014, medida cautelar, para
suspender a eficácia do artigo 99-A, § 3º, da LC 11/92, acrescido pela LC 220/2011, com
efeitos ex nunc, tendo em vista os veementes indícios de inconstitucionalidade da norma.
Na decisão, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim
consignou:
[…].
Glossando tais preceitos e em análise dos argumentos
expendidos, verifico na presente hipótese que a concessão da
cautelar é conveniente e recomendável, não só pela aparente
incompatibilidade material do ato normativo questionado com
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
a Constituição Estadual (art. 92, caput), como também em
razão do prejuízo advindo da possibilidade de realização
de pagamentos a título de eventuais vantagens salariais
que importam dispêndio de verba pública.
[…].
Sobre o requisito do periculum in mora, sobretudo quando o
ato impugnado não é atual, ou seja, porque in casu editado e
publicado em 25/11/2011, ou mesmo do perigo in mora
inverso, o chamado critério de conveniência, pelo qual se
avalia o que é mais conveniente ao bem comum: se a
manutenção do ato impugnado ou o deferimento da liminar
cautelar (STF, ADIN nº 768 MC/DF; ADIN nº 568 MC/AM;
ADIN nº 1182 MC/DF), tenho que, balizando o
desdobramento de manter-se com plena eficácia os atos
normativos considerados inconstitucionais, prevalece o
aspecto do interesse coletivo no sentido de coibir a
propagação dos efeitos remuneratórios àqueles servidores
públicos que exerceram a atividade edilícia e seus reflexos
no instituto da estabilidade financeira, instituído nos termos
do artigo 99-A, caput, da Lei Complementar nº 220/2011 e
artigo 2º da mesma lei. Conclusivamente, por verificar a possibilidade, segundo as
considerações acima, de afastar, neste momento, eventual
presunção de constitucionalidade dos dispositivos invocados,
à vista da densa verossimilhança das alegações e ante o
critério de conveniência, DEFIRO A LIMINAR como
postulada na exordial para conferir a suspensividade cautelar
da eficácia das normas objetadas até julgamento final, dotadas
de efeitos erga omnes e ex nunc, nos termos do artigo 11, § 1º,
da Lei nº 9.868/99.
Conforme se extrai da decisão, a suspensão cautelar da eficácia
do dispositivo impugnado objetivou “coibir a propagação dos efeitos remuneratórios
àqueles servidores públicos que exerceram a atividade edilícia e seus reflexos no
instituto da estabilidade financeira”. É dizer: objetivou a decisão impedir não somente a
incorporação de novas gratificações, mas obstar que os efeitos financeiros das
incorporações já deferidas se protraíssem no tempo, com sérios danos ao erário.
Não obstante, após a publicação do acórdão, ocorrida aos
21/03/2014, o então Secretário Municipal de Gestão de Pessoas – Paulo César Fornazier –
por meio da Portaria SEMGEP nº 0789/2015, concedeu, aos 08/05/2015, a incorporação de
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
gratificação ao servidor SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS, com base no dispositivo
99-A, § 3º da LC 11/92, cuja eficácia havia sido suspensa pelo Tribunal de Justiça do
Estado de Goiás.
Se a decisão que suspendeu a eficácia do dispositivo legal, com
efeitos ex nunc, irradiou seus efeitos para o futuro, não mais poderia a autoridade
administrativa conceder incorporação de gratificação, a título de estabilidade econômica,
com base no artigo 99-A, § 3º, da LC 11/92, acrescido pela LC 220/2011.
Ressalta-se uma vez mais: a decisão, ao suspender a eficácia do
dispositivo, em razão de sua inconstitucionalidade, afastou a sua validade, a sua existência
como ato normativo capaz de gerar efeitos jurídicos válidos, de forma que todos os atos de
incorporação e os pagamentos efetivados após a suspensão cautelar do artigo 99-A, § 3º, da
LC 11/92, acrescido pela LC 220/2011, por não encontrarem fundamento de validade no
sistema jurídico, são nulos de pleno direito e os valores pagos indevidamente devem ser
restituídos ao erário.
Por essa razão, uma vez julgado procedente o pedido de
declaração de nulidade do ato de incorporação efetivado pela Portaria SEMGEP nº
0789/2015, de 08/05/2015, inexorável seja o réu SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS
condenado a ressarcir, ao erário municipal, todos os valores que percebeu, a título de
estabilidade econômica, com base na Portaria SEMGEP nº 0789/2015, editada após a
suspensão cautelar dos efeitos do artigo 99-A, § 3º, da LC 11/92 acrescido pela LC 220/2011,
ocorrida aos 21/03/2014, os quais perfazem, até a data da propositura da ação, a quantia de
R$ 128.840,81 (cento e vinte e oito mil, oitocentos e quarenta reais e oitenta e um
centavos), corrigidos monetariamente e acrescida de juros legais.
IV – DA TUTELA PROVISÓRIA
O novel CPC, reformulou, de forma substancial e mais
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
sistemática, a tutela provisória no sistema processual brasileiro.
De acordo com a nova disciplina processual, a tutela provisória
pode fundamentar-se na urgência ou na evidência.
Conforme lição de Didier,
Em situação de urgência, o tempo necessário para a
obtenção da tutela definitiva (satisfativa ou cautelar) pode
colocar em risco sua efetividade. Este é um dos males do
tempo do processo.
Em situação de mera evidência (sem urgência), o tempo
necessário para a obtenção da tutela definitiva (satisfativa)
não deve ser suportado pelo titular do direito assentado em
informações de fato comprovadas, que se possam dizer
evidentes. Haveria, em tais casos, violação ao princípio da
igualdade (grifou-se).
[…].
A principal finalidade da tutela provisória é abrandar os males
do tempo e garantir a efetividade da jurisdição (os efeitos da
tutela). Serve então, para redistribuir, em homenagem ao
princípio da igualdade, o ônus do tempo do processo, conforme célebre imagem de Luiz Guilherme Marinoni. Se é
inexorável que o processo demore, é preciso que o peso do
tempo seja repartido entre as partes e não somente o
demandante arque com ele. (DIDIER JR., Freddie. BRAGA,
Paula Sarno.OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de
direito processual civil. Teroria da prova, direito probatório,
decisão precedente, coisa julgada e tutela provisória. 10 ed.
Rev. ampl. atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2015, Vol. 2.)
A tutela provisória de urgência funda-se, além de na
probabilidade do direito, a fumaça do bom direito, no perigo de dano ou de risco ao resultado
útil do processo, ou seja, o periculum in mora (artigo 300, NCPC). Como se vê, o NCPC
superou a distinção entre os requisitos da concessão para a tutela cautelar e para a tutela
satisfativa de urgência, erigindo a probabilidade e o perigo da demora a requisitos comuns
para a prestação de ambas as tutelas de forma antecipada (Enunciado 143 do Fórum
Permanente de Processualistas Civis).
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
A probabilidade do direito resulta evidenciada pela prova
documental acostada aos autos, a qual demonstra a efetiva concessão, por meio da Portaria
SEMGEP nº 0789/2015, da incorporação de gratificação correspondente a 80% do subsídio
de Secretário Municipal Extraordinário à remuneração de SEBASTIÃO MENDES DOS
SANTOS, em razão do exercício, pelo prazo de mais de 05 (cinco) anos corridos, do
mandato de vereador (01/01/2009 a 31/12/2012) e do cargo de Assessor VII, na
Secretaria de Governo Municipal (01/01/2013 a 31/01/2014), de Secretário Legislativo
(31/01/2014 a 16/05/2014) e de Secretário Municipal Extraordinário (16/05/2014 até,
pelo menos, a data do requerimento de incorporação aos 02/02/2015), a partir de
01/05/2015, com base em disposição flagrantemente inconstitucional, qual seja, o artigo 99-
A, § 3º, da LC 11/92, acrescido pelo artigo 1º da LC 220/2011, cuja eficácia, inclusive, já
havia sido suspensa por decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no âmbito da
ADI nº 201390916308.
Assim sendo, patente a fumaça do bom direito necessária ao
deferimento da tutela provisória de urgência, na forma do artigo 300 do NCPC.
Por outro lado, presente também se faz o perigo de dano.
Tal requisito, que materializa o periculum in mora, encontra-se
consubstanciado na possibilidade de perpetuação da situação inconstitucional, com
sérios prejuízos ao erário municipal, haja vista que, até que se julgue definitivamente o
pedido, SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS perceberá, de forma totalmente
inconstitucional, gratificação incorporada aos seus vencimentos, mensalmente, no montante
de 80% do subsídio de Secretário Municipal, a qual, perfaz, atualmente, o valor de R$
10.224,26 (dez mil, duzentos e vinte e quatro reais e vinte e seis centavos).
Necessário pontuar, ainda, que a possibilidade de concessão de
medida acautelatória liminar, em ação civil pública, é expressamente prevista no artigo 12 da
Lei 7.347/85:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
Art. 12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem
justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.
Assim, com base nos fundamentos ora expendidos, bem como
forte nos argumentos expostos ao longo desta petição inicial, requer o MINISTÉRIO
PÚBLICO seja concedida a antecipação dos efeitos da tutela, com fundamento na
urgência (artigo 300 NCPC), após a ouvida do Município de Goiânia, no prazo de 72
horas, nos termos do artigo 2º da Lei 8.437/92, a fim de:
a) suspender os efeitos da Portaria 0789/2015 de 08/05/2015,
da lavra do então Secretário Municipal de Gestão de Pessoas do Município de Goiânia, que
incorporou, a título de estabilidade econômica, ao vencimento do servidor SEBASTIÃO
MENDES DOS SANTOS, ocupante do cargo de Analista de Urbanismo I, matrícula nº
192139-01, lotado na Secretaria Municipal de Saúde, a gratificação correspondente a 80% do
subsídio da função de Secretário Legislativo, a partir de 01/05/2015, a fim de fazer cessar,
imediatamente, os pagamentos inconstitucionais.
Impõe-se ressaltar que a urgência se potencializa em razão do
tempo já transcorrido desde a concessão da incorporação. Saliente-se que o MINISTÉRIO
PÚBLICO não pode exercer há mais tempo o poder de ação em razão da dificuldade
encontrada em obter os documentos relativos ao processo de incorporação. Foram quase três
anos de diligências para a obtenção dos documentos necessários ao exercício da presente
ação, conforme se vê dos documentos que instruem esta inicial. Relativamente à
incorporação discutida nesta petição, somente no mês de novembro de 2015 logrou o
MINISTÉRIO PÚBLICO obter a cópia do processo de incorporação de gratificação (ICP –
fls. 41/92, 102/271, 233/239, 244/257, 283/293).
Por essa razão, necessária e urgente a concessão da medida
acautelatória liminar.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
Vale lembrar, invocando novamente o escólio de Didier, que
impedimentos não há para a concessão de tutela provisória satisfativa (ou antecipada, na
terminologia da lei), no âmbito de ações constitutivas e declaratórias. Isso porque
[...] não se antecipa a própria tutela satisfativa (declaratória,
constitutiva ou condenatória), mas, sim, os efeitos delas
provenientes. Pela decisão provisória, apenas se permite que o
requerente usufrua os efeitos práticos (sociais, executivos) do
direito que quer ver tutelado, imediatamente, antes mesmo do
seu reconhecimento judicial.
Antecipa-se, pois, a eficácia social da sentença – seus efeitos
executivos – e, não, sua eficácia jurídico-formal. Antecipar a
tutela é satisfazer de imediato, na realidade fática, o pleito do
requerente.
É por isso que, no contexto da tutela provisória satisfativa (ou
antecipada, na terminologia da lei), concedida em sede de
ações constitutivas e declaratórias, a antecipação que se opera
não é da declaração ou da constituição/desconstituição (efeito
jurídico-formal), vez que estas serão sempre definitivas – e só
assim serão úteis para a parte. O que pode ocorrer é a
antecipação dos efeitos fáticos, práticos, palpáveis de tais
tutelas (declaratória ou constitutiva). (DIDIER JR., Freddie.
BRAGA, Paula Sarno.OLIVEIRA, Rafael Alexandria de.
Curso de direito processual civil. Teroria da prova, direito
probatório, decisão precedente, coisa julgada e tutela
provisória. 10 ed. Rev. ampl. atual. Salvador: Editora
Juspodivm, 2015, Vol. 2.)
Importante ressaltar que, presentes os pressupostos de lei, o
juiz deverá conceder a tutela provisória. Não há discricionariedade judicial.
V – DOS REQUERIMENTOS FINAIS E DO PEDIDO
Em razão do exposto e de tudo o que dos autos consta, requer o
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS:
a) o recebimento da petição inicial;
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
b) a adoção do procedimento comum, nos termos do disposto
no artigo 19 da Lei 7.347/85 c/c artigo 318 e seguintes do NCPC – Lei 13.105/2015;
c) a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, nos
termos do artigo 300 (tutela de urgência), do NCPC, bem como no artigo 12 da Lei 7.347/85,
conforme requerimento formulado no item IV desta petição inicial, ouvido o Município de
Goiânia, no prazo de 72 horas, nos termos do artigo 2º da Lei 8.437/92;
d) tendo em vista a natureza da questão controvertida e não
sendo cabível a autocomposição, a citação de SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS e do
MUNICÍPIO DE GOIÂNIA, este na pessoa do Procurador-Geral do Município, para que
contestem o pedido no prazo legal;
e) a produção de todas as provas em direito admitidas, inclusive
testemunhal, cujo rol será oportunamente ofertado;
f) a isenção do pagamento de taxas e emolumentos,
adiantamentos de honorários periciais e quaisquer outras despesas processuais.
Postula, por fim, a PROCEDÊNCIA DO PEDIDO para:
1) DECLARAR A NULIDADE da Portaria SEMGEP nº
0789/2015 de 08/05/2015, da lavra do então Secretário Municipal de Gestão de Pessoas do
Município de Goiânia, que incorporou, a título de estabilidade econômica, ao vencimento do
servidor SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS, ocupante do cargo de Analista de
Urbanismo I, matrícula nº 192139-01, lotado na Secretaria Municipal de Saúde, a
gratificação correspondente a 80% do subsídio da função de Secretário Municipal
Extraordinário, a partir de 01/05/2015, fazendo cessar, assim, definitivamente, os
pagamentos inconstitucionais.
2) CONDENAR SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS ao
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de Justiça Rua 23, esq. com a Av. Fued José Sebba, Qd. 06, Lts. 15/25, Jardim Goiás, sala 342, CEP 74.805-100, Goiânia - Goiás.
RESSARCIMENTO ao MUNICÍPIO DE GOIÂNIA dos valores recebidos
indevidamente, a título de estabilidade econômica, fundada na Portaria SEMGEP nº
0789/2015, editada após a suspensão cautelar da eficácia do disposto no artigo 99-A, §
3º, da LC 11/92, acrescido pela LC 220/2011, deferida nos autos da ADI nº
201390916308, a qual se deu aos 21/03/2014, data da publicação do acórdão, os quais
totalizam, até a data da propositura da ação R$ 128.840,81 (cento e vinte e oito mil,
oitocentos e quarenta reais e oitenta e um centavos), e de todos os valores que,
porventura, forem pagos a SEBASTIÃO MENDES DOS SANTOS, a título de estabilidade
econômica, fundada na Portaria SEMGEP nº 0789/2015, a partir da propositura da ação,
todos corrigidos monetariamente e acrescidos de juros legais.
Dá à causa o valor de R$ 128.840,81 (cento e vinte e oito mil,
oitocentos e quarenta reais e oitenta e um centavos).
A presente petição inicial é instruída com documentos que
integraram os autos de ICP de protocolo nº 201300213928.
Goiânia, 04 de maio de 2016.
FABIANA LEMES ZAMALLOA DO PRADO
PROMOTORA DE JUSTIÇA