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UNIVERSIDADE SALVADOR- UNIFACS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS DA COMUNICAÇÃO PUBLICIDADE E PROPAGANDA MARYJANE ALELUIA OLIVEIRA O INCONSCIENTE COLETIVO, SUAS IMAGENS E ARQUÉTIPOS: UMA ABORDAGEM PARA ENTENDER AS IMAGENS DE MARCA Salvador 2007

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Monografia de graduação do curso de Publicidade e Propaganda.

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Page 1: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

UNIVERSIDADE SALVADOR- UNIFACS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS EXATAS DA COMUNICAÇÃO

PUBLICIDADE E PROPAGANDA

MARYJANE ALELUIA OLIVEIRA

O INCONSCIENTE COLETIVO, SUAS IMAGENS E ARQUÉTIPOS: UMA ABORDAGEM PARA ENTENDER AS IMAGENS DE MARCA

Salvador 2007

Page 2: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

MARYJANE ALELUIA OLIVEIRA

O INCONSCIENTE COLETIVO, SUAS IMAGENS E ARQUÉTIPOS: UMA ABORDAGEM PARA ENTENDER AS IMAGENS DE MARCA

Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social-Publicidade e Propaganda-Universidade Salvador-Unifacs Orientador (a) Profa. Dra. Vanessa Brasil Campos

Salvador

2007

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A Vanessa, professora amiga e conselheira. Professoras e terapeutas Sílzen e Margareth, pelas reflexões Jungianas.

Page 4: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

Reserva-se o nome do sábio

apenas àquele cuja consideração é

o fim do universo, fim esse que é também o

início do universo. Eis o princípio básico de

toda mitologia: o início no fim.

São Tomás de Aquino

Page 5: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 1

2. OBJETIVOS ............................................................................................ 5

3. JUSTIFICATIVA ...................................................................................... 9

4. O MITO ................................................................................................. 10

4.1 O conceito de Mito ..................................................................... 12

4.1.1 A experiência do ser com o saber mítico ................................ 12

4.1.2 Religião e Rito ........................................................................ 13

4.2 O mito e o símbolo .................................................................... 14

4.3 O mito e o Inconsciente ............................................................. 16

4.3.1 O Inconsciente coletivo e os Arquétipos ................................. 19

5. O ARQUÉTIPO ..................................................................................... 26

5.1 O conceito de Arquétipo ............................................................ 26 5.1.2 O arquétipo do Herói .............................................................. 27

5.1.3 A Função do Arquétipo ........................................................... 28

5.1.4 A jornada do Herói .................................................................. 29

5.1.5 O Herói e o esporte ................................................................ 34

5.1.6 O herói e o Futebol ................................................................. 36

5.2 O Arquétipo da Criança ............................................................. 38

5.2.1 A Função do Arquétipo ........................................................... 40

5.2.3 A jornada da Criança .............................................................. 43

Page 6: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

6. A IMAGEM ........................................................................................... 46

6.1. Conceito de Imagem ................................................................ 46

6.2 Função da imagem .................................................................... 47

6.3 A imagem como recipiente ........................................................ 49

6.4 Imagem e sedução .................................................................... 51

7. O DISCURSO PUBLICITÁRIO ............................................................ 54

7.1 O comercial de TV ..................................................................... 54

7.2 O comercial sedutor .................................................................. 55

7.2.1 Metáfora delirante ................................................................... 54

7.2.2 O espaço ................................................................................ 57

7.2.3 O traço psicótico ..................................................................... 58

7.2.4 O disfarce do gozo ................................................................. 59

7.2.5 O Fetiche ................................................................................ 60

8. AS MARCAS ......................................................................................... 62

8.1 A marca ..................................................................................... 62 8.1.1 A imagem de marca ............................................................... 63

8.1.2 As identidades ........................................................................ 65

8.1.3 A experiência da marca .......................................................... 67

8.2 Arquétipos e Marcas .................................................................. 68

8.2.1 Nike, uma marca do Herói ...................................................... 71

8.2.2 A Estética do Esporte ............................................................. 72

8.3 As Marcas do Inocente .............................................................. 76

Page 7: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

9. ESTUDO DE CASO Nike .................................................................... 81

9.1Metodologia ...................................................................................... 81 9.1.1 Hipóteses ...................................................................................... 82

9.2 Comerciais ....................................................................................... 83

9.2.1 Bem X Mal .................................................................................... 83

9.2.2 A Missão ..................................................................................... 106

9.2.3 A Jaula ........................................................................................ 137

10. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 153

11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................... 158

Page 8: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

1-INTRODUÇÃO

As marcas fazem parte de nossa vida cotidiana tanto quanto o nosso local

de trabalho e o nosso bairro. Estão, na verdade, entre as mais vibrantes expressões

contemporâneas de desejos e motivações do ser humano, algumas até adotando

papéis duradouros e consistentes na vida de quem participam ativamente.

Elas estão plenas de significados, fazendo parte de nossa cultura pós-

moderna, mas com muito ainda a ser descoberto e pesquisado.

Por isso, dentre os papéis assumidos pelos profissionais de comunicação,

está o de buscar ferramentas de conhecimento que possam tocar a fundo, investigar

as transformações na natureza desses conteúdos tão poderosos e as

conseqüências das suas utilizações, boas ou maléficas, para a garantia de

sociedades saudáveis, inteligentes e responsáveis.

O tema pretende abordar o consumidor como indivíduo dentro do que o

motiva e o faz desejar uma idéia ou produto. Desejo, portanto que se relaciona à

esfera humana e que se difere das necessidades primordiais tais como comer,

acasalar, etc.

Este trabalho poderá auxiliar os profissionais de comunicação em geral, a

fim de ser aproveitado como ferramenta de pesquisa e análise sobre relações de

consumo em nossa atualidade. Pretendemos traçar um esboço do que as marcas

representam em nossas vidas cotidianas, utilizando para isso os estudos sobre os

“Mitos”, os arquétipos e a natureza do inconsciente coletivo.

A partir das análises sobre “Inconsciente Coletivo” e “Arquétipos”,

baseados nos estudos de Freud e Jung, é possível descobrir uma série de inter-

relações entre mais variadas formas da humanidade expressar sentimentos,

Page 9: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

percepções, realidades. Eles verificaram que os símbolos utilizados sempre

revelavam pontos em comum, que podiam representar o psiquismo humano.

Uma das hipóteses que norteia a abordagem do inconsciente coletivo e

seus conteúdos, os arquétipos, como forma de oferecer novas análises sobre as

imagens de marca pretende identificar a presença de arquétipos evocados na sua

forma de comunicação, através da propaganda.

Os elementos comparativos que a pesquisa se destina a descobrir e

investigar também oferece aos profissionais da área a possibilidade de aumentar as

percepções sobre o que pode mover o consumidor em direção às imagens de marca

que os atraiam, a partir das descobertas e conhecimentos que a pesquisa traz sobre

arquétipos, inconsciente coletivo e os mitos.

O método de investigação utilizado para realizar esta abordagem será a

pesquisa qualitativa. Através da modalidade Estudo de caso, serão utilizados como

materiais para análise os comerciais de TV da marca Nike.

A partir das inter-relações entre os enredos míticos e os enredos

explorados pelos comerciais de TV da marca tornamos possível construir

associações com o arquétipo do Herói e as imagens que o comercial de TV pode

oferecer sobre ele seja através de seus recursos visuais e sonoros ou de contextuais

e cênicos.

Sendo assim, a pesquisa explora e analisa os recursos do comercial de

TV e as imagens com as quais ele se comunica com seu espectador para evidenciar

a existência de elementos da narrativa mítica, oferecendo à pesquisa uma

abordagem onde a perspectiva do mito se coloca como ponto de partida para novas

compreensões.

Page 10: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

Sejam em civilizações separadas por séculos, sejam em outras mais

próximas, os arquétipos do que se denomina “Inconsciente coletivo” sempre estão

presentes, embora sob diferentes formas.

Neste inconsciente, o homem carrega dentro de si uma espécie de

memória da humanidade, forma de guardar, no inconsciente, experiências ancestrais

da espécie. São símbolos presentes nas diversas manifestações da mitologia, nos

rituais religiosos, na pintura, signos gráficos, representativos em qualquer civilização

e em qualquer tempo.

“Expressar-se por meios simbólicos é a forma de as mentes individual e coletiva fazerem emergir ao consciente o que nelas jaz ou lateja em profundidade, oclusão, alcance, memória ancestral ou futura”.(Távola, Artur da 1985, pág 12).

No entanto, nossa realidade contemporânea nos confronta com uma

visível perda simbólica, um terreno cada vez mais anulado em detrimento das

ideologias superficiais da nossa época.

Isso fez com que se perdesse a ligação com os mitos, por exemplo. É

comum ver como as nossas realidades instáveis fazem com que as pessoas se

agarrem facilmente a idéias que ofereçam uma segurança e amenizem suas

ansiedades.

Diante disso, é possível perceber a angústia existencial de uma

sociedade inteira, adeptas de ideologias tais como o hedonismo e o materialismo

desenfreado funcionando como amortecedores, mas que só refletem os prejuízos

que a falta simbólica acarreta.

A perda ou negação simbólica de nossos tempos oferece terreno fértil ao

terreno imaginário. E às suas imagens. Por isso, o que vemos é uma vivência ao

nível da imagem e não do símbolo.

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Passamos de uma imagem para outra, vivendo porções fragmentadas de

nossas vidas e realidades. Naturalmente, surgem numa velocidade cada vez maior,

novas afetações e modismos de pensamentos, novas imagens amenizando a

ansiedade de uma cultura inteira.

As marcas, como expressões dos nossos cotidianos também se mostram

como cenários desta realidade, onde o que se vê é uma projeção de imagens

ocorrendo deliberadamente.

Através da mensagem publicitária, ou comunicação em geral com seu

público, elas tentam nos atrair para as rédeas do consumismo sem limites,

utilizando-se das suas “imagens de marca” para fixar e vender mais do que

produtos, mas sim atitudes que motivem cada vez mais seus consumidores e onde o

imaginário é o terreno fértil para atrair cada vez mais os consumidores.

Através das identidades que criam e veiculam, elas prometem

experiências cada vez mais íntimas e subjetivas, pois desejam incentivar e aliar

certos comportamentos ao consumo de seus produtos, uma vez que o receptor

destas mensagens, normalmente os consumidores em geral sofrem suas influências

e estão sujeitos a todo o momento à sua interação, por estarem em constante

contato com estas mensagens.

Cada vez mais, a publicidade deixa de fornecer apenas informação sobre

os produtos da marca em detrimento das experiências e sensações que os

comerciais tentam despertar em nós. Na tentativa de criar identificação com seus

públicos, a comunicação das marcas e seus anúncios utilizam-se de discursos que

pretendem oferecer “significado” às nossas vidas, dando ao discurso publicitário a

possibilidade de assumir papéis na vida das pessoas, interferir e transformar as

relações interpessoais.

Page 12: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

Sendo assim, o que se vê são cada vez mais consumidores projetando

seus desejos, absorvendo e aceitando cada vez mais a idéia de que elas podem

emprestar significado e preencher suas vidas, algo que se evidencia diante do

distanciamento simbólico dos dias atuais.

Ao incentivar experiências que remontam a narrativas e histórias dos

grandes “heróis” mitológicos, por exemplo, a publicidade mostra ser um veículo, ou

produto de nossa cultura, ou seja, algo capaz de projetar e afetar quem recebe seus

conteúdos, os consumidores.

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2.0 OBJETIVO

A proposta norteadora deste trabalho é investigar as relações de

consumo das imagens das marcas a partir de conhecimentos sobre os arquétipos e

o inconsciente coletivo, permitindo assim conhecer o que move esse consumidor ao

deparar-se com uma imagem de marca que o atrai.

Através da identificação dessas figuras e imagens dentro da relação

marcas e consumidores, será possível conhecer e explorar como a marca se

relaciona aos arquétipos.

Serão escolhidos para a análise de caso os comerciais da marca Nike, e

durante a análise do material publicitário - os comerciais de TV, tornaremos

possível identificar a presença do arquétipo do Herói bem como os diversos

contextos míticos que o cercam.

Pretendemos analisar essas imagens de marca a fim de suprir uma lacuna

dentro da área de conhecimento ao proporcionar um estudo descritivo e detalhado

sobre onde e como tornar possível um diálogo entre os dois conteúdos, arquétipos

e marcas, trazendo novas percepções como pesquisadores.

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3.0 Justificativa

Dentre as razões que justificam a realização da pesquisa está a

de abordar a ótica do consumidor e analisar as marcas e suas imagens não mais

somente sob a ótica do grupo, mas sim em sua profundidade, dentro do âmbito da

subjetividade.

Acreditamos que é o momento de investigar o contexto do indivíduo, em

especial este novo consumidor, imerso no imediatismo das identidades e na

velocidade pela busca de informação.

A abordagem trazida pelos arquétipos (formas preexistentes, coletivas,

mitológicas) e o Inconsciente coletivo, utilizada pela psicologia Jungiana para

compreender determinadas forças psíquicas geradas no inconsciente será utilizada

no trabalho. Certamente, o contato com a pesquisa de Jung e de outros estudiosos

de mitologia foi o que impulsionou a realização deste trabalho, tornando possíveis

reflexões sobre fenômenos da atualidade.

A escolha pela abordagem Jungiana neste trabalho se dá a partir da

identificação da importância de resgatar os conhecimentos milenares das narrativas

míticas e toda a riqueza simbólica e ritual de seus elementos, uma vez que não

apenas Jung, mas outros pesquisadores e estudiosos que o antecederam também

reconhecem a importância do mito como referência para compreensão de diversos

fenômenos sociais, culturais e filosóficos em outras épocas.

A análise desses contextos pode ajudar a ampliar e construir, sob a ótica

dos temas do inconsciente analisados e discutidos por Jung e Freud em seus

estudos, uma rede de associações entre elas e as identidades assumidas por

marcas na busca pelo significado, utilizando os mitos, suas narrativas e elementos

como cenários e referências de estudo.

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O trabalho anseia trazer à luz conceitos sobre a natureza do inconsciente

e sua matriz psíquica assim como a formação das imagens simbólicas e dentro

desse contexto analisar como as imagens de marcas se colocam neste terreno.

A marca Nike foi escolhida para a análise de caso por ser um grande

exemplo de consumo, especialmente da sua identidade. Ela tornou-se, ao longo dos

anos um ícone, um modelo de comportamento em seu discurso do ser saudável, do

heróico, que trava batalhas quase sempre vitoriosas na vida, no esporte, nos

caminhos da superação e das glórias.

A sua imagem de marca através da comunicação com seus clientes é um

dos grandes sucessos de ideologias consumista e materialista em nossos dias. Sem

dúvida, há outros exemplos como Coca-cola Company, Hollywood, entre outras.

A partir da discussão e das análises sobre os arquétipos, o inconsciente

coletivo e imagens é que será possível oferecer as interpretações sobre a sua

identidade e o que há por trás dela.

No entanto, o que justifica a razão de ser desta pesquisa não é entender a

imagem de marca Nike. Ela apenas será abordada para exemplificar como os

conceitos teóricos atingem uma realidade.

A nossa intenção é oferecer, como pesquisadores, um diálogo entre os

conceitos sobre os arquétipos (Psicologia profunda - Freud e Jung) refletidos em

nossa realidade, em especial a de consumo de marcas.

Mais do que falar sobre as imagens de marca, o trabalho objetiva uma

reflexão sobre a perda ou desconexão com o terreno simbólico em detrimento das

ideologias e formas de vidas fragmentadas, hedonistas e imediatas. As ideologias do

consumo na qual estão imersas tais “imagens de marca” são apenas um aspecto

desta realidade.

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4. O Mito

4.1 . O conceito de Mito

Mito (mýthos) quer dizer seqüência de palavras que têm um sentido,

propósito, discurso. No livro Odisséia, (Homero, 1985, pág 300) o mito aparece

associado a “épos” que designa palavra, forma. Ele nos dá ainda alguns

significados: conteúdo de palavras, aviso, intenção. “Mas vem, senhor, escuta a

minha palavra (épos), e meu dizer (mýthon), e vence a ira e o coração soberbo”

(Homero, 1985, pág 300).

Kerényi (1993) apud Zilda Gorresio (2005), define o mito como fundante

da razão e do sentido da existência do homem. Não é ficção inventada para explicar

o mundo, é bem mais que isso: ele é uma realidade que organiza a existência

humana, eternizando o existir do homem.

O conteúdo dos mitos é sempre referente às origens. É um traço básico

nas mitologias retomar às origens. É através das histórias que falam das origens, de

maneira simbólica, fala-se sobre o próprio ser, ou como diz a filosofia, sobre as

archaí (princípios), isto é, aquilo a partir do que as coisas são, vieram a ser. Um

mito, por exemplo, traz nele uma história que conta a partir de que poder todo o

cosmo e todo nosso ser organizou-se e veio a ser.

Para Kerényi (1993) mitologia é uma arte com dados materiais

particulares. Existe para ele uma matéria especial que condiciona a arte da

mitologia: é a soma de elementos antigos, transmitidos pela tradição, tratando de

deuses e de seres divinos, de combates de heróis e de descidas aos infernos.

A mitologia é um produto da função criativa e simbólica, própria da

constituição humana que apreende o ser e suscita os mitos, logo, é ela mesma que

deverá inspirar sua interpretação.

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Ainda em Kerényi (1993), mito é arte e como arte é algo capaz de

exprimir-se por si mesmo. Tal com a arte, o mito fala sem a necessidade de ser

explicado, pois o sentido que ele expõe já está nele compreendido.

O pensamento mítico-arcaico tem outra forma de organização, portanto

tem outra modalidade de coerência que não aquela que nomeamos racionalidade

argumentativa, mas que se acomoda em uma perspectiva de conhecimento, em

outra forma de obtenção de respostas.

A mitologia, como se pode perceber não dá causas, razões explicativas,

e não argumenta. É uma linguagem peculiar sobre fundamento, ela é “arché” da

cultura.

“Para os filósofos da Grécia antiga, as ”archaí” podem ser água, fogo, ou o apeíron, o “ilimitado”. Portanto, não são ”causas primeiras”, mas antes matérias primeiras, circunstâncias ou condições primeiras que sempre fazem tudo emanar delas. Assim são os acontecimentos míticos. Eles formam a base do mundo, já que tudo repousa sobre eles. São as “archaí” às quais se remetem cada um deles por si, em particular, e de onde ele emana imediatamente, numa antiga era, fora dos limites do tempo, um tempo que por sua ressurreição e suas repetições, evidencia-se imperecível”( Kerényi, 1993, pág 19 apud Zilda Gorresio, 2005, pág 56).

Segundo Mircea Eliade (1994), o mito relata um acontecimento ocorrido

no tempo primordial, o tempo fabuloso do princípio.

“O mito narra como uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma instituição. É sempre, portanto a narrativa de uma “criação”, relatando de que modo algo foi produzido e começou a ser. Os personagens dos mitos são os Entes sobrenaturais. Eles são conhecidos, sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos “primórdios”. É em razão das intervenções dos Entes sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural”.(Eliade, 1994, pág 11).

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4.1.1 A experiência do ser com o saber mítico

Para Mircea Eliade (1994), “viver” os mitos implica numa experiência

verdadeiramente religiosa, pois ela se distingue da experiência ordinária da vida

cotidiana.

“A “religiosidade”, dessa experiência deve-se ao fato de que, ao reatualizar os eventos fabulosos, exaltantes, significativos, assiste-se novamente às obras criadas pelos Seres Sobrenaturais; deixa-se de existir no mundo de todos os dias e penetra-se num mundo transfigurado, auroral, onde os eventos míticos são reintegrados.” (Eliade, 1994, pág 20).

Isso significa dizer que, ainda segundo Mircea Eliade (1994), o indivíduo

deixa de viver no tempo cronológico, passando a viver no tempo primordial, no

tempo em que o evento teve lugar pela primeira vez.

“Ao recitar os mitos, a pessoa reintegra-se ao tempo fabuloso, e torna-se conseqüentemente contemporâneo, de certo modo, dos Deuses ou dos Heróis. Por isso, podemos falar no tempo “prodigioso” do mito, em que algo de novo, forte, significativo se manifestou plenamente. ”(Eliade, 1994, pág 20).

Reviver esse tempo e reintegrá-lo o mais freqüentemente possível,

reencontrar os entes sobrenaturais e reaprender a sua lição criadora é o desejo que

se pode ler em todas as reiterações rituais do mito.

4.1.2 Religião e Rito

Segundo Campos (1996), o conjunto de atitudes e atos pelos quais o

homem se liga ao divino, aos seres invisíveis e sobrenaturais chamamos de

Religião. A palavra, do latim religione possivelmente se prende ao verbo religare,

ação de ligar, ligação, nó. Compõe eventos rememorados e reatualizados dos mitos.

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Ainda em Campos (1996), através do rito o homem se incorpora ao mito.

Rito, portanto é o mito em ação. O mito rememora, o rito comemora. É o aspecto

litúrgico do mito, transforma a palavra em verbo.

“O rito abole o tempo profano e recupera o tempo sagrado do mito. Enquanto o tempo profano, cronológico, é linear e por isso irreversível, o tempo mítico, ritualizado, é circular, voltando-se para si mesmo.” (Campos, 1996, pág 8)

Malinowski (1955) apud Mircea Eliade (1994), afirma que o mito não é

uma explicação destinada a satisfazer uma curiosidade científica, mas uma narrativa

que satisfaz a profundas necessidades religiosas, aspirações sociais, a pressões e a

imperativos de ordem social, e mesmo a exigências práticas.

“O tempo mítico é reversível e recuperável através dos atos rituais da comunidade que são a própria revivência do mito como revelação divina. O tempo mítico é também revelado no ato da aparição e da revelação da existência. É o tempo da revelação do que existe, de certo modo pode ser chamado do tempo da “Eternidade”, um tempo perenemente presente”.(Gorresio, 2005, pág 60).

Nas civilizações primitivas, o mito desempenha uma função indispensável:

ela exprime, enaltece e codifica a crença; salvaguarda e impõe os princípios morais;

garante a eficácia do ritual e oferece regras práticas para a orientação do homem.

Portanto, o mito é um ingrediente vital da civilização humana; longe de

ser uma fabulação vã, o mito é, ao contrário uma realidade viva, à qual se recorre

incessantemente; não é absolutamente uma teoria abstrata ou fantasia artística, mas

uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática.

“O conhecimento da realidade mítica revela ao homem o sentido dos atos rituais e morais, indicando-lhe o modo como deve ser executado” (Malinowski, 1955, pág 101, citado por Mircea Eliade, 1994, pág 30).

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4.2 O mito e o símbolo

[...] o mito é a abertura secreta através da qual as inexauríveis energias do cosmo penetram nas manifestações culturais humanas. As religiões, filosofias, artes, formas sociais do homem primitivo e histórico, descobertas fundamentais da ciência e da tecnologia e os próprios sonhos que nos povoam o sono surgem do círculo básico e mágico do mito. J. Campbell

A etimologia de símbolo vem do grego sýmbolom, do verbo symbállein,

“lançar com”, arremessar, ao mesmo tempo, “com –jogar”.

Segundo Junito de Souza Brandão (1991), símbolo era um sinal de

reconhecimento: um objeto dividido em duas partes, cujo confronto permitia aos

portadores de cada uma das partes se reconhecerem. O símbolo é, pois, a

expressão de um conceito de equivalência.

Assim, para se atingir o mito, que se expressa através de símbolos, é

preciso fazer uma equivalência, uma “com-jugação”, uma “re-união”, porque, se o

signo é sempre menor que o conceito que representa, o símbolo representa sempre

mais do que seu significado evidente e imediato.

Em Gorresio (2005), ao abordar a linguagem dos mitos como simbólica,

tomando a noção etimológica de sym + boulon, que quer dizer: jogados juntos

retoma a etimologia do símbolo para dizer que seu significado não se encontra num

signo verbal ou pictorial, mas é atestado pela “experiência de um sentimento” que

um signo ou saber evoca, sendo esse sentimento evocado o que torna possível a

compreensão do símbolo. Sem esse pressuposto, o símbolo é um signo morto.

“Símbolo é o que vem inopinadamente das profundezas secretas da natureza, saltando aos olhos do homem como um presságio e impondo-se como uma coisa extraordinária” (Gusdorf, 1993, pág 779 apud Zilda Gorresio, 2005, pág 51).

Para Gusdorf (1993) Apud Zilda Gorresio (2005) a anterioridade do

símbolo, como linguagem do mito, funda-se sobre as profundezas secretas da

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natureza. Como sugere a expressão “salta os olhos” como revelação para o homem

arcaico e apresenta-se como algo que sai da ordem do cotidiano, o extraordinário.

Ainda sobre a perspectiva simbólica dos mitos, Gusdorf (1993) afirma que

esses conteúdos nos abrem para o conhecimento de nós mesmos, ao conferir

significado ao nosso existir, remetendo-nos ao mistério de nossa vida, pois no

mistério experimentamos o sagrado.

Para o autor, (1993) o mito não é uma informação qualquer, mas “une co-

naissance”1, uma conjunção entre uma “e-vidência” de fora e uma “in-vidência” de

dentro. Esse encontro produz um efeito de redobro, ressonância em eco no espaço

de dentro. Daí, a impressão de des-velamento, abertura em abismo sobre as

profundezas do ser, constitutivo da revelação. Para ele, mito e símbolo são palavras

do Ser, chamados do absoluto no seio de um devir da realidade humana.

Cassirer (1992) apud Zilda Gorresio (2005) pág 55, faz uma aproximação

entre as formas de expressão humana, a arte, ciência, linguagem, mito ao concebê-

las como formas diferentes da “apreensão do ser”, fazendo-nos reconhecer nestas

manifestações um modo e tendências originais de expressão, que é algo mais que a

mera estampa de algo dado em rígidas configurações do ser.

Deste ponto de vista, o mito, a arte, a linguagem e a ciência aparecem

como símbolos: não no sentido que designam, indicam e explicam um real existente,

mas sim no sentido de que cada uma delas gera e parteja seu próprio mundo

significativo. Neste domínio, apresenta-se um autodesdobramento do espírito, em

virtude do qual só existe uma “realidade”, um ser organizado e definido.

1 Colocamos em francês, pois se traduzíssemos para o português perderíamos o sentido que o autor quer dar ao mito como co-nascimento, que a língua francesa permite. Gusdorf. Le Romantisme I e II. Payot & Rivages, Paris, 1993 Apud Zilda Gorresio, 2005, pág 51.

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4.3 O mito e o Inconsciente “O sonho é o mito personalizado e o mito é o sonho despersonalizado; o mito e o sonho simbolizam, da mesma maneira geral, a dinâmica da psique”. J. Campbell

Freud apud Campbell (1995) faz um paralelo entre certos aspectos da

psicologia infantil e o mito de Édipo, cuja atuação “universalmente válida” – seria

explicada por pressupostos infantis muito semelhantes.

A fatídica distribuição infantil de impulsos de morte ( thanatos: destrudo) e

amor ( Eros: libido) constitui o fundamento do complexo de Édipo, que Sigmund

Freud apontou como grande causa do fracasso do adulto no sentido de comportar-

se como ser racional.

“O rei Édipo, que assassinou o pai, Laio, e desposou a mãe, Jocasta, nos mostra, tão somente, a realização dos nossos próprios desejos infantis. Todavia, mais afortunados do que ele, fomos bem sucedidos, na medida em que não nos tornamos psiconeuróticos, ao desvincular nossos impulsos sexuais de nossas [respectivas] mães e ao esquecer nosso ciúme em relação aos nossos [respectivos] pais”.(Campbell, 1995, pág 50 citando Freud).

Freud foi um dos primeiros a basear-se nos estudos sobre mitologia grega

para a criação da terminologia dos estados psíquicos, tendo como exemplo o

Complexo de Édipo2. Este complexo revela-se como um fenômeno central do

período sexual da primeira infância.

“Embora a maior parte dos seres humanos passe pelo complexo de Édipo como uma experiência individual, ele constitui um fenômeno que é determinado e estabelecido pela hereditariedade e que está fadado a findar de acordo com as fases seguintes de desenvolvimento”. (Freud, 2006, pág 49)

2 O complexo de Édipo oferece à criança duas possibilidades de satisfação. Ela pode colocar-se no lugar de seu pai, à maneira masculina, e ter relações com a mãe, como tinha o pai, caso em que cedo teria sentido o último como um estorvo, ou poderia querer assumir o lugar da mãe e ser amada pelo pai, caso em que a mãe se tornaria supérflua. Acriança pode ter tido apenas noções muito vagas quanto ao que se constitui uma relação erótica satisfatória, mas certamente o pênis devia desempenhar uma parte nela, pois as sensações em seu próprio órgão são prova disso. Se a satisfação do amor no campo do complexo de Édipo deve custar à criança o pênis, está fadado a surgir um conflito entre seu interesse narcísico nessa parte do corpo e a libido por seus objetos parentais. Neste conflito, triunfa normalmente a primeira destas forças: o ego da criança volta as costas ao complexo de Édipo. (Freud, 2006, pág 197).

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Em Freud apud Campbell (1995), o inconsciente é exclusivamente de

natureza pessoal, muito embora ele tenha sido precursor nas abordagens sobre

formas de pensamento arcaico - mitológico do inconsciente. Em seus estudos

posteriores, Freud modificou seu ponto de vista fundamental: a psique instintiva foi

designada como id e o superego3 correspondem ao consciente coletivo, em parte

consciente e em parte inconsciente (reprimido) pelo indivíduo.

Segundo Freud (2006), a formação do ideal de ego é assumido e

experimentado pelo ego em relação a si próprio como indivíduo. Devido à maneira

pela qual o ideal de ego se forma, ele possui vínculos mais abundantes com a

herança arcaica de cada indivíduo.

“O que pertence à parte mais baixa da vida mental da vida mental de cada um de nós é transformado, mediante a formação do ideal no que é mais elevado na mente humana pela nossa escala de valores”. (Freud, 2006, pág 49).

Para Jung (2000), há um laço indissolúvel que une o homem de todos os

tempos ao homem da antiguidade, ou seja, o mito. O mito é compreendido por Jung

como fundamento da psique e, além disso, passa a ser um firme ponto fixo fora de

nossa cultura, a partir do qual é possível ganhar compreensão de seus

fundamentos.

O paralelo entre o pensar mitológico da antiguidade e a configuração

onírica é facilmente evidenciável, quando comparamos os sonhos e os mitos. A

partir da comparação dos mitos, dos sonhos e delírios que Jung e Freud foram

levados a concluir que deveriam existir elementos constitutivos do psiquismo

inconsciente, isto é, elementos dos mitos. 3 Enquanto que o ego é essencialmente representante do mundo externo, da realidade, o superego coloca-se, em contraste com ele, como representante do mundo interno, do id. Os conflitos entre o ego e o ideal, em última análise refletirão o contraste entre o que é real e o que é psíquico, entre o mundo externo e o mundo interno. O ideal de ego, (superego), responde a tudo o que é esperado da mais alta natureza do homem. Como substituto de um anseio pelo pai, ele contém o germe do qual todas as religiões evolveram. (Freud, 2006, pág 49).

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No sonho, verificam-se inúmeras conexões que podem ser postas em

paralelo com associações de idéias mitológicas (ou muitas vezes eventualmente

com certas criações poéticas, muitas vezes caracterizadas por tomarem emprestado

seus motivos dos mitos, de modo nem sempre consciente).

Segundo Hollis (1997), os sonhos são a rota íntima de saída da alma e

constituem o processo de ligação com os elementos mitológicos em cada pessoa. A

rica tessitura de detalhes, a “transgressão” da lei de tempo e espaço vigente na

vigília, o poder de síntese de novas combinações, as abundantes alusões a

experiências anteriores são aspectos conhecidos dos sonhos.

“Em nosso sono, assim como em nossos sonhos, passamos por todo o pensamento da humanidade que veio antes de nós. Quero dizer, da mesma forma como raciocina em seus sonhos, o homem raciocinou, em estado desperto, há milhares de anos... O sonho nos faz retroceder a estados anteriores da cultura humana e nos fornece um meio de melhor compreendê-la” (Frederich Nietzsche, citado por Jung apud Campbell, 1995, pág 51).

Eles nos vinculam de modo irremediável com o movimento de conteúdos

enigmáticos, surpreendentes, num mundo de personagens e batalhas titânicas - ou

seja, o próprio conteúdo dos mitos.

4.3.1 O Inconsciente coletivo e os Arquétipos

Para Jung (2000), inconsciente é um campo transpessoal, misterioso e

ilimitado, dotado de autonomia e carregado de numinosidade4. Matriz do ego (centro

da consciência) e de todo conhecimento. O inconsciente é a esfera oculta e

transcendente do ser, o abismo do ser, e por isso, só podemos perceber

indiretamente seus efeitos e seus poderes. 4Numinoso é um termo que vem do latim, numem- o medo, o terror, impacto energético e oracular de manifestação divina. Em latim, numem e deus são termos similares, mas numem sempre implica a manifestação da divindade em sua forma mais poderosa e profundamente comovente. A partir disso, Jung cunhou como substantivo, que chamou numinosidade, denotando atemorização, a característica que nos atinge e nos sacode até o âmago, sem considerar se a compreendemos ou não. ( Whitmont, 1969, pág 276 ).

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O inconsciente é autônomo, ou seja, não podemos controlá-lo, nem

resistir a ele. Quando o homem experimenta certos poderes dos quais não se pode

esquivar, nem tampouco modificar, dá a eles vários nomes, como deuses, Deus,

demônio, daimôn, e sente que está diante de uma predestinação.

“Deus e daimôn não são sinônimos de inconsciente, mas se aproximam quanto ao caráter da “insondabilidade” da experiência misteriosa e de perplexidade, e não quanto à reflexão do experimentado”. (Jung, 2000, pág 100).

A psicologia emprega o termo inconsciente e admite que está diante da mesma

grandeza de um “deus” ou de um “daimôn”, dos quais nada podemos afirmar

diretamente.

“Inconsciente é o que não se conhece, impossível de ser totalmente conhecido e esgotado pela consciência. É aquilo que, enquanto ignoto, confunde, perturba, fascina, ameaça toda busca de certeza, sendo hora salvífico, ora devastador”. (Zilda Gorresio, 2005, pág 131).

Jung (2000) define, como uma camada mais ou menos superficial do

inconsciente como pessoal. Nós a denominamos de inconsciente pessoal. Este é um

inconsciente individual, que reage diferente e não é o mesmo do inconsciente

coletivo.

Este inconsciente encerra todos aqueles conteúdos psíquicos esquecidos

no correr da vida, conserva traços desses conteúdos, mesmo depois que se perdeu

qualquer lembrança consciente dos mesmos. Contém, portanto, complexos5 que

pertencem ao indivíduo e formam parte essencial de sua vida.

5 Os conteúdos do inconsciente pessoal são principalmente os complexos de tonalidade emocional, que constituem a intimidade pessoal da vida anímica. Os complexos operam não apenas como conjuntos de tendências e impulsos interiores, mas também como expectativas, esperanças e medos concernentes ao comportamento externo das pessoas e dos objetos. A casca ou estrutura associativa com a qual o complexo nos confronta consiste na soma total do condicionamento ocorrido durante a infância em relação ao padrão instintal particular em questão, sempre apontando para experiências pessoais e é uma rede de associações emocionalmente carregadas, constituídas a partir da história e do condicionamento pessoais, agrupadas em torno de certas situações geradoras de afeto. Padrão autônomo de comportamento e emoção, constituinte do inconsciente pessoal. (Whitmont, 1969, pág 60).

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Este, porém, repousa sobre uma camada mais profunda, que já não tem

sua origem em experiências e aquisições pessoais, sendo inata. Esta camada mais

profunda é o que chamamos “inconsciente coletivo”.

Coletivo porque esse inconsciente não é de natureza individual, mas

universal, pois se refere a modos de comportamento que são os mesmos em todos

os indivíduos. Em outros termos, ele é idêntico a si mesmo em todos os homens e

constitui assim um fundamento psíquico universal de natureza suprapessoal

presente em cada um.

Desta forma, Jung introduz a noção do inconsciente coletivo como

fundamento psíquico universal de todo ser humano. Segundo o autor, o homem

possui muitas coisas que ele nunca adquiriu, mas herdou dos antepassados.

Este homem traz consigo sistemas organizados e que estão prontos para

funcionar numa forma especificamente humana; e isto se deve a milhões de anos de

desenvolvimento humano.

O autor faz uma ligação com as experiências narradas por alguns temas

míticos, citando, por exemplo, situações humanas que existiram desde os

primórdios: juventude e velhice, nascimento e morte, filhos e filhas, pais e mães,

acasalamento, etc. Apenas a consciência individual experimenta estas coisas pela

primeira vez, mas não o sistema inconsciente. Desta forma ele localiza o

inconsciente como um sistema onde está presente o mito.

“Da mesma forma como os instintos dos pássaros de migração e construção do ninho nunca foram aprendidos ou adquiridos individualmente, também o homem traz do berço o plano básico de sua natureza, não apenas de sua natureza individual, mas de sua natureza coletiva”. (Jung, 1992, citado por Zilda Gorresio, pág 130).

Para o autor, o inconsciente coletivo pode ser compreendido como algo

pré-ordenado à consciência individual, como os limites ocultos do ser humano

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apenas não revelados e que estão em aberto para virem a ser experimentados pela

consciência individual.

Ele constitui-se como somatória da experiência da humanidade, e uma

existência virtual, vivente, atual, vibrante, plena de toda indeterminação, onde toda

determinação e contorno individual se dissolvem.

[...] O inconsciente coletivo é como um espaço sem limites, pleno de uma indeterminação espantosa, que parece não ter nem interior nem exterior, nem alto nem baixo, nem aqui nem lá, nem bem nem mal. Lá, eu estou ligado ao mundo numa ligação tão mais imediata que eu esqueço muito facilmente quem eu sou na realidade. É o mundo da água onde paira, suspenso, tudo o que é vivente, onde o eu é inseparável disso ou daquilo, onde sinto o outro em mim e o outro me sente enquanto sendo eu. (Jung, 2000, pág 45).

Ainda em Jung (2000), o inconsciente coletivo traz a idéia de que entre a

vida do grande todo e a vida humana existe uma relação de englobamento. Está

aqui, implicada a idéia de um todo orgânico, de um grande sistema em que cada ser

individual está mergulhado, é onde nos movemos, vivemos e temos nosso ser.

“Este inconsciente coletivo reúne, assim, o indivíduo e o mundo. Mundo e indivíduo são partes de um só e mesmo Todo, isto é, todos os seres e a vida humana fazem parte de uma grande tessitura toda interligada. O inconsciente coletivo nos aparece como uma rede em que todas as formas de vida estão inter-relacionadas e em que os opostos se anulam.”( Jung, 2000, pág 47).

Jung (2000) demonstra através das definições sobre o inconsciente

coletivo a repetição de figuras e temas míticos e religiosos presentes em sonhos e

delírios do homem moderno, em todas as culturas e épocas.

Ele define ser este espaço, o inconsciente coletivo, onde se manifestam

os conteúdos e contextos mitológicos, daí a importância do mito em sua pesquisa

como uma referência para a descoberta destes fundamentos.

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O autor nomeou de inconsciente coletivo o fundamento psíquico universal

de todo ser humano e à existência de disposições típicas do inconsciente, próprias

do ser humano, deu o nome de arquétipos.

O inconsciente coletivo e seus conteúdos, os arquétipos, dão vida a uma

cadeia de conteúdos dotados de autonomia representativa. Suas expressões se

encontram nos mitos, nas concepções religiosas e em todo artefato da cultura.

Do grego arkhétypos, etimologicamente significa modelo primitivo, idéias

inatas. A etimologia do termo deriva do grego, “arché” e “typos” que quer dizer

“impressão original”.

Fazendo referência aos mitos, esses conteúdos remontam a uma

tradição, cuja idade é impossível determinar. Eles pertencem a um mundo do

passado, primitivo, cujas exigências espirituais são semelhantes às que se

observam entre culturas primitivas.

Os arquétipos são possibilidades herdadas, sendo assim, formas a priori

ou típicas de apreensão da realidade e de reação a ela, disposições inerentes à

estrutura da psique.

[...] “a maneira de como o homem retrata interiormente o mundo é, apesar de todas as diferenças de detalhes, tão uniforme e regular como seu comportamento instintivo. É precisamente a esse fator que eu chamo de arquétipo, que poderia muito bem ser descrita como a percepção do instinto de si mesmo ou como auto-retrato do instinto” (Jung, 1995, pág 277).

O caráter mitológico do arquétipo pode ser inferido a partir da observação

de temas míticos, quer nos sonhos, quer nos delírios do homem moderno, bem

como em diferentes culturas, nas mais variadas épocas. A linguagem dos

arquétipos, conteúdos do inconsciente coletivo, é mítico-arcaica.

Para Junito de Souza Brandão (1991), os arquétipos são mais do que a

matriz que forma os símbolos para estruturar a consciência. Eles são também a

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fonte que os alimenta. Por isso, os mitos, além de gerarem padrões de

comportamento para vivermos criativamente, permanecem na história como marcos

referenciais através dos quais a consciência pode voltar às raízes para se revigorar.

Desta forma, o autor define o inconsciente coletivo como este ambiente

ou matriz onde os conteúdos míticos são manifestos com objetivos de recriar,

transformar e estruturar.

“O Inconsciente é como um vasto oceano, com o ego flutuando sobre ele como um pequeno barco”. Então, quando vemos isto, surge a questão se estamos contidos no oceano [...] os peixes são unidades vivas no oceano; eles não são absolutamente como ele, mas estão contido nele;seus corpos, suas funções, estão maravilhosamente adaptados à natureza da água, a água e o peixe formam um “ continuum” vivente [...] quando aceitamos este ponto de vista temos que supor que a vida é realmente um “ continuum vivente” e destinado a ser como é, isto é, toda uma tessitura na qual as coisas vivem “com” ou “por meio” da outra. Assim, as árvores não podem existir sem animais, ou animais sem plantas, e talvez animais não possam viver sem o homem, ou o homem sem animais e plantas e assim por diante. E sendo a coisa inteira uma tessitura, não é de admirar que todas as partes funcionem juntas, porque são parte de um contínuo vivo” (Jung, 1995, pág 180)

O inconsciente não é somente a origem da consciência, mas, também sua

fonte permanente de reabastecimento. A interação do consciente com o

inconsciente coletivo, através de símbolos, forma, então, um relacionamento

dinâmico, extraordinariamente criativo.

“A noite permite às plantas prepararem-se para cada novo dia e o sono descansa e reabastece o corpo, assim também, o Inconsciente renova a consciência. Das trevas fez-se luz, que através delas, se mantém. De noite, por meio dos sonhos; de dia, através da fantasia, os arquétipos produzem e revigoram os símbolos” (Brandão, 1991, pág 10).

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5 O Arquétipo 5.1 Conceito de Arquétipo

“Do inconsciente emanam influências determinantes, às quais, independentemente da tradição, conferem semelhança a cada indivíduo singular e até identidade de experiências, bem como da forma de representá-las imaginativamente. Uma das provas principais disso é o paralelismo quase universal dos motivos mitológicos, que denominei de arquétipos, devido à sua natureza primordial”. Carl Gustav Jung A expressão “Arquétipo” já era existente na Antiguidade, sinônimo de

“idéia” no sentido platônico. A concepção de arquétipo é referente à idéia original de

Platão, segundo o qual a “idéia” é como supraordenada e preexiste a todos os

fenômenos.

Em Platão (1990), apud Walter Boechat (1997) ao desenvolver seu

sistema filosófico coloca sua “teoria das idéias” como ponto central, pois são essas

idéias que representam o que há de eterno entre nós, e o mundo fenomenal nada

mais é do que um reflexo desses arquétipos perfeitos e eternos.

“No pensamento platônico, os deuses, ao invés de estarem totalmente fora da psiquê (mente), passam a integrá-la. Cabe ao homem ir em busca do centro divino, localizado no mais profundo de si mesmo”.( Platão, 1990, apud Walter Boechat, pág 30)

Em Joseph Campbell (1995), arquétipos são formas de natureza coletiva

que se manifestam praticamente em todo o mundo como constituintes dos mitos e,

ao mesmo tempo, como produtos autóctones e individuais de origem inconsciente.

Segundo Adolf Bastian (1895) apud Joseph Campbell (1995), essas

idéias, “os arquétipos”, em seu caráter psíquico primordial, devem ser considerados

“as idéias germinais de caráter espiritual (ou psíquico), a partir das quais toda

estrutura social foi desenvolvida organicamente”.

Em Franz Boas (1911) apud Joseph Campbell (1995), as características

mentais do homem são as mesmas em todo o mundo. Além disso, certos padrões

de idéias podem ser reconhecidos em qualquer lugar, em todos os tipos de cultura.

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Em Freud (1953), apud Campbell (1995), tal simbolismo não é peculiar

aos sonhos, mas é característico da ideação inconsciente, notadamente entre o

povo, é encontrado no folclore, nos mitos e lendas populares, na sabedoria

proverbial, num grau mais completo do que nos sonhos.

Segundo Emma Jung, (1996) resulta em que é, sobretudo um certo

número de figuras típicas que emergem com freqüência por toda parte, como por

exemplo, as figuras do herói, da grande mãe, do mago, do pai, do sábio, da criança

etc. Jung as define como primordiais ou arquétipos, pois elas se tornaram idéias

bem universais e atemporais.

5.1.2 O arquétipo do Herói

Segundo Artur da Távola (1985), o mito é uma forma de conservar e

significar um valor através de um símbolo ou de um metasímbolo, que expressa,

amplia, antecipa, fixa, esclarece, oculta ou exalta o valor. É uma forma comunicativa

e seu conteúdo é o que existe de mais verdadeiro na mente do homem. Por isso, o

mito é uma verdade (da mente) que aparece às vezes sob imagem de exaltação,

fabulação ou exagero.

“O inconsciente nos envia toda espécie de fantasias, seres estranhos, terrores e imagens ilusórias à mente; o reino humano abarca, por baixo do solo da pequena habitação, comparativamente corriqueira, que denotamos consciência, insuspeitas cavernas de Aladim” (Campbell, 1995, pág 19).

O mito do herói, para Artur da Távola (1985), é sempre a expressão

externa desse valor porque simboliza o ser humano na aventura da vida. Ele é o

centro dos acontecimentos por simbolizar o ser humano em sua etapa evolutiva.

O herói significa o Homem diante de um mundo envolto pelo “mistério fundamental da vida”; por luzes e sombras de sua mente, forças e fraquezas de seus músculos.(Távola, 1985, pág 200).

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Segundo palavras do autor, o ser humano é o herói, alguém que ficou

sozinho para enfrentar monstros e dragões, expressões simbólicas das ameaças

físicas ou psíquicas que envolvem os homens diante de impulsos contraditórios do

conhecimento; das paixões, sentimentos, virtudes, tentações, ascensões e quedas,

diante da vida e sua complexidade.

“O herói é um nome para designação de uma personificação de certa “energia” (arquetípica) e intencionalidade que está dentro de nós, embora possamos ter um acesso muito incerto a ela”. (Távola, 1985, pág 203).

O Herói é uma constante em todas as civilizações, tribos, sociedades ou

culturas. Dos grupos mais primitivos às complexas engrenagens da sociedade

industrial, a figura do herói sempre foi uma representação constante, um símbolo,

uma necessidade.

5.1.3 A Função do Arquétipo

As experiências com as narrativas heróicas nos ligam a experiências que

vieram antes de nós, de modo que sempre podemos aprender algo a respeito da

essência do significado do ser humano.

Ainda em Artur da Távola (1985), este arquétipo constitui-se como

imemorial, uma vez que nos une a pessoas de todas as épocas e lugares, e tem a

função de nos impulsionar através dos limites do conhecido para enfrentar o

desconhecido. O herói é a representação exaltada do homem na “peripécia” da vida.

Esta exige esforços vultosos para ser enfrentada e vencida, daí surge o herói como

aspiração central de todas as culturas.

“O herói é a própria expressão da aventura da vida: emerge da estrutura mais profunda do determinismo do desenvolvimento individual inerente ao ato de crescer. Pertence à espécie, como padrão básico representativo de etapa do crescimento”. (Távola, 1985, pág 355).

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Artur da Távola (1985) afirma que figura do herói pode representar, de

maneira simbólica, as necessidades de afirmação do ego individual. No seu

processo de crescimento e desenvolvimento, cada pessoa precisa fortalecer o “eu”

consciente, o que em linguagem corrente se convencionou chamar de personalidade

e caráter.

“Até chegar à maturidade, a formação da “personalidade” é algo repleto de inseguranças, defesas, incertezas, razão pela qual precisamos de símbolos fortes, com os quais se identifique, para compensar as sensações de desvalia e insegurança implicadas no ato de crescer”. ( Távola, 1985, pág 330).

O Herói é a representação simbólica da forma de crescer, evoluir,

enfrentar desafios, preparar-se para embates, dificuldades, trombadas, peripécias,

ameaças.

5.1.4 A jornada do Herói

Em Campbell (1995), o percurso padrão da aventura mitológica do herói é

similar à fórmula representada nos rituais de passagem: separação-iniciação-

retorno- que pode ser considerada a unidade nuclear do monomito·.

A aventura do herói costuma seguir o padrão da unidade nuclear: um

afastamento do mundo, depois a penetração em alguma fonte de poder e um retorno

enriquece a vida.

O chamado da aventura: O herói sofre ameaças de forças externas,

desconhecidas (uma sombra, um obstáculo).

“O emissário ou agente que anuncia a aventura costuma ser sombrio, repugnante, aterrorizador, considerado maléfico pelo mundo; o arauto pode ser um animal (comum nos contos de fada), ou figuras misteriosas, cobertas por um véu-o desconhecido”.(Campbell, 1995, pág 59).

Há uma atmosfera de irresistível fascínio em torno da figura que aparece

subitamente como guia, marcando um novo período, um novo estágio da biografia.

O elemento que tem de ser encarado, e que de alguma forma, é profundamente

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familiar ao inconsciente, apesar de desconhecido para a personalidade “consciente”

- se dá a conhecer.

“O chamado da aventura significa que o destino convocou o herói e transferiu-lhe para o centro da gravidade do seio da sociedade para uma região desconhecida. Ela pode aparecer de várias formas, assim como os arautos. Uma terra distante, uma floresta, um reino subterrâneo, uma ilha secreta. É sempre um lugar habitado por seres estranhamente fluidos e polimorfos, façanhas sobre-humanas, delícias impossíveis. Os exemplos podem vir multiplicados, vir de todos os cantos do planeta”. (Campbell, 1995, pág 61).

Na história do Rei Arthur6, enquanto se preparava com muitos cavaleiros

para a caça.

“Tão logo chegou à floresta, o rei viu um grande cervo. Caçarei este cervo, disse o rei Artur, e ato contínuo, esporeou o cavalo com tal fúria, e cavalgou com tal velocidade, que praticamente conseguiu, pela força, alcançar o cervo. E o rei viu o cervo escondido e seu cavalo, morto; E ali, sentado, o rei se pôs em profunda reflexão”. ((Campbell, 1995, pág 62)

Outro exemplo desta fase do percurso da jornada do herói pede ser

descrita em um sonho de um jovem que busca uma nova orientação do mundo7.

“Estou numa pradaria verdejante em que vários carneiros estão pastando. É a terra dos carneiros. Na terra dos carneiros, uma desconhecida, de pé, aponta o caminho”. (Campbell, 1995, pág 65).

A recusa ou negação a este chamado não é uma constante, mas ela

existe e faz parte desta etapa. Porém, a recusa converte a aventura em sua

contraparte negativa.

Aprisionado pelo tédio, pelo trabalho duro ou pela própria “cultura”, o

sujeito perde o poder da ação afirmativa dotada de significado e se transforma numa

vítima a ser salva. O indivíduo deixa de fazer parte, como unidade e divide-se entre

6 A perseguição do cervo e a visão da “fera que late como cães de caça em perseguição” marca o início dos mistérios associados à busca do Santo Graal. (Campbell, 1995, pág 62). 7 C. G. JUNG, Psychology and Alchemy, Collected Works, vol 12, New York e Londres, 1953, parágrafos 71 e 73. Apud Campbell, 1995, pág 96.

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si, dominado pelo medo, alerta contra tudo, refém de impulsos de aquisição do seu

íntimo.

Em Joseph Campbell (1995), na história do Rei Minos8, que manteve

consigo o touro divino, não atendendo à vontade divina, ele, o rei, prefere aquilo que

considera a vantagem econômica se assemelha à recusa do chamado.

“Apesar de ter construído, com esforços titânicos um renomado império, qualquer que seja a casa por ele construída será um labirinto de paredes ciclópicas construído para esconder dele o próprio Minotauro”. ( Campbell, 1995, pág 91)

Assim, ele fracassou na assunção do papel que lhe cabia à vida.

Cometendo o sacrilégio de recusar o ritual, Minos representa um impulso do auto-

engrandecimento egocêntrico, aproxima-se então, de sua desintegração. Desta

forma, a própria divindade tornou-se o seu terror.

A iniciação: Também conhecida como a etapa das “peripécias”. É a

provação, fase na qual enfrenta terríveis monstros, as injustiças, o terror.

“Ele, o herói, é atingido, combalido, ameaça morrer, tudo parece perdido, há tentações, humilhações, tocaias. Nesta etapa, há a penetração em um mundo de forças desconhecidas e este as enfrenta. Ela, sem dúvida é o miolo de todas as narrativas. Nela, está a ação, a emoção, o despertar dos sentimentos de justiça, solidariedade, valor, remorso, grandeza, recuperação. É a luta por amadurecer”.( Távola, 1985, pág 370).

Nesta etapa, o herói é auxiliado, de forma encoberta, pelo conselho, por

amuletos e por agentes secretos do auxiliar sobrenatural. As mitologias mais

elevadas desenvolvem o papel na grande figura do guia, do mestre, barqueiro, do

condutor da jornada.

8 Conta-se a história do Rei Minos, rei da ilha-império de Creta no período de sua supremacia comercial. Ele contrata Dédalo, um celebrado artista para construir um labirinto. Antes de se tornar rei, pediu ao deus que enviasse um touro do mar, como sinal. Em troca, oferecia o animal em sacrifício imediatamente, como oferenda e símbolo de submissão. Quando se dá conta da majestade da besta que havia sido enviada, decidiu ficar com ela, pensando que seria vantajoso possuí-la e o aprisiona em um impressionante labirinto. (Campbell, 1995, pág 90)

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No mito de Psiquê e Eros, Apud Campbell (1995)9, temos um exemplo do

motivo “das tarefas difíceis”, empreendidas por ela na busca do amante perdido.

Neste caso, ao invés do amado conquistar a noiva, cabe a esta fazê-lo. Ao invés de

um pai cruel que subtrai a filha ao amante, há uma mãe ciumenta, Afrodite ou

(Vênus), que oculta o filho Eros ou (Cupido) da noiva.

Segundo palavras de Campbell (1995), quando Psiquê apela a Vênus, a

deusa a toma violentamente pelos cabelos e atira-lhe a cabeça ao solo; em seguida,

misturou uma grande quantidade de trigo, cevada, painço, sementes de papoula,

ervilha, feijões, formando com eles uma pilha, e ordenou à moça que os separasse

antes de anoitecer.

“A moça foi auxiliada por um batalhão de formigas. A deusa, então ordenou que colhesse o Velocino de Ouro de uma certa espécie de carneiro selvagem, de chifres afiados e mordida venenosa, que habitava um vale inacessível numa perigosa floresta”. Um junco verde lhe ensina a colher os fios de lã que os carneiros deixavam à sua passagem. Exigiu depois, um cântaro de água de uma fonte enregalante, situada no topo de uma altíssima montanha guardada por dragões que nunca dormiam. Uma águia se aproxima e ajuda psique. Por fim, foi ordenado que trouxesse do abismo do mundo, uma caixa de beleza sobrenatural. Mas uma alta torre lhe disse como descer ao mundo inferior e a incentivou a seguir”. (Campbell, 1995, pág 102)

Regresso: É a etapa final. Provado e temperado na luta (isto é,

amadurecido, tratado, curado, vivido, menos onipotente, vencedor da batalha dura e

terrível da existência) o herói regressa, renasce, iluminado, senhor do tesouro da

vida.

Para Campbell (1995), o círculo completo, a norma do monomito, requer

que o herói inicie o trabalho de trazer os símbolos da sabedoria, como o Velocino de

ouro ou a caixa de beleza sobrenatural de Psique e simboliza a volta da princesa

9 Psiquê, palavra que em grego tanto significa “borboleta” como “alma”, é representação do espírito, dos valores subjetivos, da harmonia. Psique era uma mortal deslumbrante. A tal ponto que Vênus (Afrodite para os gregos), sente-se enciumada. Por raiva e inveja, pois todas as homenagens eram para Psique, Vênus quer destruir a amada do filho. ( Campbell, 1995, pág 100).

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adormecida ao reino humano, onde as bênçãos alcançadas irão servir de renovação

para a comunidade, ou nação.

As aventuras do herói se passam fora da terra nossa conhecida, na

região das trevas; ali ele completa a jornada, ou apenas se perde para nós,

aprisionado ou em perigo, sendo assim o seu retorno é sempre como uma volta do

além. Tendo diante de nós uma compreensão sobre mitos e símbolos, sabemos que

esses reinos (lugares) são na realidade um único reino. Só que o reino dos deuses é

uma dimensão esquecida do mundo que conhecemos.

O sentido de toda façanha do herói, segundo palavras de Campbell

(1995), resume-se à exploração dessa dimensão, seja ela voluntária ou relutante.

Sua alma avança com ousadia quando descobre as bruxas convertidas em deusas e

os dragões em guardiões dos deuses.

“Ela abriu os olhos, despertou e olhou com amizade. Juntos, desceram as escadas, e o rei, a rainha e toda a corte acordaram e todos se entreolharam, com estupefação. E os cavalos da corte levantaram-se e sacudiam-se; os cães de caça saltaram e abanaram a cauda; os pombos do teto retiraram as cabecinhas debaixo das asas, olharam à sua volta e voaram pelo campo; o assado voltou a dourar; o fogo se reavivou na cozinha, aumentou e fez o jantar”.(Grimm, nº 50, Apud Campbell, 1995, pág 236).

Segundo Campbell (1995), o ciclo que descreve a jornada do herói não

envolve um trabalho de obtenção, mas de re-obtenção, não de descoberta, mas de

redescoberta. Os poderes divinos procurados ou perigosamente obtidos sempre

estiveram presentes no coração do herói.

A partir do ponto de vista do autor, o herói simboliza a imagem redentora

e criadora, que se encontra escondida dentro de todos nós e apenas espera ser

conhecida e transformada em vida.

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5.1.5 O Herói e o esporte

A luta constante está no cerne do esporte, daí a popularidade de sua

representação. A luta esportiva é sempre capaz de funcionar como um catalisador

de emoções coletivas.

“Sem força, agressividade, batalha, luta, coragem e sólidas relações com a força do princípio masculino e a harmonia do princípio feminino, equipe alguma vencerá”.( Távola, 1985, pág 271)

Para Artur da Távola (1985), o mito incluso no esporte, responsável por

sua popularidade mundial, inclui a expressão, o suplício, mergulhado no qual o

homem vive: a luta permanente da força com a harmonia. A vida é luta e harmonia

em permanente interação, desequilíbrio, nova interação, novos equilíbrios.

“Na força está Eros, impulso básico e potente de amor (normalmente atletas transmudam-se em símbolos eróticos). Nele, está a disposição, a saúde, a energia da ação, sem as quais não se vive. A força (erótica) é condição da existência, o princípio masculino”. (Távola, 1985, pág 273)

A harmonia é o princípio ordenador da força, o que lhe dá inteligência,

sensibilidade, intuição, profundidade. Sem harmonia, a força se perde em atividade

estéril. É o princípio feminino. (Psiquê na mitologia une-se a Eros).

Precisa-se do elemento ordenador, capaz de modelar o conjunto e utilizar

a força de cada jogador de maneira integrada, inteligente, harmônica.

“O espetáculo esportivo representa uma liturgia na qual são sagrados dois mistérios: força e harmonia, elementos voláteis e difíceis de se integrarem, sem os quais a vida se torna impossível, desbaratamento ou inútil. Rituais que celebram os mistérios da existência terrena (os mitos)”.(Távola, 1985, pág 274).

O esporte torna-se desta forma um acontecimento que reúne

componentes capazes de traduzir as peripécias heróicas, seja através da

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combinação de aspectos individuais e coletivos, sempre equilibrando e conciliando

elementos de natureza mítica.

“No plano individual de cada jogador, a necessidade de exaltar virtudes individuais (virtude vem de “virtus” que também quer dizer força); coragem; denodo; harmonia; intuição; capacidade de resistência coloca o desporto na universalidade dos problemas, simbolizados e o aproxima de uma religião leiga, universal, empática e simbólica”.( Távola, 1985, pág 270).

5.1.6 O herói e o Futebol

“O futebol é por excelência a representação de uma das fases do desenvolvimento do herói, a mais dura: a da peripécia, etapa na qual se lança à aventura e enfrenta denodados desafios. Como símbolo social, o futebol é uma representação do todo, do geral de uma nação”. Artur da Távola Poucos espetáculos são tão catalisadores de emoções intensas, trágicas,

dramáticas ou heróicas quanto o futebol. É não só uma representação da vida, mas

principalmente da vida em sua fase heróica: é jogado por homens jovens (como os

guerreiros) e depende de bravura, valor, coragem, inteligência, técnica, táticas.

“O futebol mitologiza a vida por representar a vida no trabalho, da regra, da lei, do conhecimento, do melhor preparo. Está presente a operosidade, a defesa do território (ou da propriedade), através da ação conjunta da comunidade (o time). Esta “comunidade” tem os líderes, guerreiros, sacerdotes, defensores, artistas, teóricos, pensadores. É um país, um clã, um grupo, uma visão do mundo”. (Távola, 1985, pág 268)

Artur da Távola (1985) afirma que o conjunto de regras e representações

transforma o futebol na forma lúdica de se viver alguns mitos contemporâneos, isto

é, vivência inconsciente comum. Um dos seus mitos inclusos, o do herói, (o craque),

vem de tempos imemoriais.

“O herói é a representação exaltada do homem na peripécia da vida. Esta exige esforços para ser enfrentada e vencida. O futebol é, portanto, a sagração (dionisíaca) contemporânea dos mitos de ascensão, através da busca de equilíbrio entre força e harmonia. O homem vive ânsias de transcender suas eternas e trágicas limitações. Subir, alçar-se ao espaço, elevar-se ao alto, cume e indicam impulsos considerados nobres pelo homem. Os mitos de ascensão, elevação indicam a associação profunda entre superação,

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crescimento, progresso, sublimação e a idéia do alto”.(Távola, 1985, pág 268).

Ainda segundo o autor, o elemento harmonia, embutido no futebol e

determinante direto de êxito de cada equipe, entra como regulador.

“Força sem harmonia é destrutiva. Força com harmonia (no sentido profundo e amplo) é construtivo. Harmonia sem força é apenas uma simetria ou decoração superficial da vida. O futebol precisa fundir os dois, tanto no desempenho individual como coletivo”.(Távola, 1985, pág 266)

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5.2 O Arquétipo da Criança

“O motivo da criança representa o aspecto pré-consciente da infância da alma coletiva. O exercício religioso, isto é, a repetição das palavras e do ritual do acontecimento mítico tem por isso a finalidade de trazer a imagem da infância e tudo o que a ela está ligado diante dos olhos da consciência, com o objetivo de não romper a conexão com o estado originário” C. Jung

Segundo Jung (2000), o motivo da criança representa não só algo que

existiu no passado, não apenas um vestígio, mas sim um sistema que funciona para

compensar ou corrigir as uniteralidades ou extravagâncias da consciência.

A natureza da consciência é a de concentrar-se em poucos e

determinados conteúdos. A consciência é seletiva e eleva-se ao máximo grau de

clareza a tudo que beneficia interesses, objetivos e vantagens.

Para Jung (2000), a conseqüência disto é a exclusão de outros

conteúdos, também passíveis de serem conscientizados e o crescente

fortalecimento da uniteralidade, desviando das leis e raízes do ser, contra os

próprios instintos.

Por um lado, isso representa a possibilidade da liberdade humana, mas,

por outro lado, é a fonte de infindáveis agressões aos instintos.

“O homem primitivo se caracteriza pelo fato de estar mais próximo do instinto, como o animal. Este indivíduo pode ser atrasado, enquanto nós exaltamos o progresso. Porém, a valorização do progresso possibilita, por um lado, uma quantidade das mais agradáveis realizações do desejo, no entanto, por outro, acumula uma culpa igualmente gigantesca, que exige de tempos em tempos uma expiação em forma de catástrofes”.(Jung, 2000, pág 78).

A consciência diferenciada é continuamente ameaçada de

desenraizamento, razão pela qual necessita de uma compensação através do

estado infantil ainda presente.

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Jung (2000) afirma que a criança nasce do útero do inconsciente, gerada

no fundamento da natureza humana, ou melhor, da própria natureza viva.

Segundo o que afirma o autor, este arquétipo é uma personificação de

forças vitais, que vão além do alcance limitado da consciência, dos nossos caminhos

e possibilidades, desconhecidos pela consciência e sua uniteralidade. É uma

inteireza e totalidade que abrange as profundidades da natureza.

“A criança representa o mais forte e inelutável impulso do ser, isto é, o impulso de realizar-se a si mesmo. É uma possibilidade de ser de outra forma, equiparada com todas as forças instintivas naturais”. (Jung, 2000, pág 171).

A ocorrência do motivo da criança, segundo palavras de Jung (2000),

significa uma antecipação de desenvolvimentos futuros, mesmo que pareça tratar-se

à primeira vista de uma configuração retrospectiva.

“Não admira, portanto, o fato de tantas vezes os salvadores míticos serem crianças divinas, ou seja, isto corresponde exatamente à experiências as quais mostram que a “criança” prepara uma futura transformação da personalidade”. (Jung, 2000, 87)

No processo de individuação10, este arquétipo antecipa uma figura

proveniente da síntese dos elementos conscientes e inconscientes da personalidade

ou um portador da salvação, um propiciador de completude. Devido a este

significado, o motivo da criança também é capaz de inúmeras transformações.

Ele pode ser expresso, por exemplo, pelo redondo, pelo círculo ou esfera,

formas que tendem à totalidade.

Jung (2000) afirma ser a criança, portanto, não apenas um ser do

começo, mas também um ser do fim.

1010 Processo de desenvolvimento psíquico que leva ao conhecimento consciente de totalidade. A meta do processo de individuação é a síntese do si-mesmo. Jung, 2000, pág 165. O Si-mesmo constitui-se no centro, fonte de todas as imagens arquetípicas e de todas as tendências psíquicas inatas para aquisição de estrutura, ordem e integração. Totalidade significa o sentido emergente de complexidade e integridade psíquica que se desenvolve no transcurso de uma vida inteira. Murray Stein, 1998, pág 206.

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“O ser do começo existiu antes do homem, e o ser do fim, depois dele. Então, esta afirmação significa que a “criança” simboliza a essência humana pré-consciente e pós-consciente. O seu ser pré-consciente é o estado inconsciente da primeiríssima infância; o pós-consciente é uma antecipação, por analogia, da vida além da morte”. (Jung, 2000, pág 170)

A partir desta idéia, se exprime a natureza abrangente da totalidade

anímica11. Esta, que nunca está contida no âmbito da consciência, mas inclui a

extensão do inconsciente, do indefinível e indefinido. A totalidade é uma dimensão

incomensurável, mais velha e mais nova do que a consciência, envolvendo-a no

tempo e no espaço.

“O processo da consciência não só é constantemente acompanhado, mas também freqüentemente conduzido promovido e interrompido por processos inconscientes. A vida anímica estava na criança ainda antes de ela ter consciência”.(Jung, 2000, pág 178).

5.2.1 A Função do Arquétipo

Segundo Hollis (2005), a metáfora da criança é um processo arquetípico,

formativo. Como forma original, ela é a origem, o conceito, o padrão e o agente

padronizador, tudo ao mesmo tempo.

Quando se pensa na criança como futuridade, possibilidade e agente

gerador, está aí reconhecido o fundamento arquetípico de nosso ser. No fim de tudo,

estamos torcendo pela possibilidade, pela renovação, apesar de toda experiência

histórica dizer o contrário. Sendo a vida renovação em face da morte e de toda

história, cada criança começa a “jornada” mais uma vez. “A criança, cada criança é

uma renovação potencial da raça humana, para melhor ou para pior”. (Hollis, 2005,

pág 47).

“Como princípio da futuridade, a criança é, muitas vezes, o precursor do novo, a compensação da uniteralidade do passado. Lembre-se de

11 Anímica palavra que se refere a anima ou animus, ou seja, imagens arquetípicas que formam um elo entre a consciência do ego e o inconsciente coletivo, e abrem potencialmente um caminho para o si-mesmo. (Murray Stein, 1998, pág 205).

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Moisés, exposto ao perigo entre os juncos, Jesus Cristo fugindo do massacre dos inocentes, Guatama escapando das lisonjas do palácio agradável de seus pais, e muitos outros, sugerindo que a criança chega carregando a nova revelação, ao mesmo tempo em que é ameaçada pela velha ordem”.(Jung, 2000, pág 183).

Hollis (2005) afirma que embora a criança possa sofrer um martírio ou

exaltação, valores formativos emergentes infundirão da cultura como uma nova

visão e energia restauradora.

“Em muitos mitos e religiões, valores rejeitados pelo coletivo são carregados por gnomos, anões e outras pequenas criaturas. A princípio, eles quase não são vistos pelo ego coletivo, mas eles provam, em tempo, ser os portadores de valores que são fundamentais para a cura de uma tribo, por exemplo. Muito pequenos, eles muitas vezes provam ser maiores do que se pensava”.(Hollis, 2005, pág 45).

Ainda em Hollis (2005), a criança-deus é o agente do alargamento por

meio de uma reorientação de valores. Psicodinamicamente, o nascimento de fato

aconteceu no inconsciente, simbolizado pela escuridão, pela caverna, pela

manjedoura. Sendo assim, o Todo tem como destino a morte, assim como o

desenvolvimento.

Os humanos são, na abordagem de Hollis (2005), nada além de uma das

coisas passageiras, fato esse que o ego nega ainda que ironicamente a ubiqüidade

múltipla da negação seja uma evidência do caráter extramaterial da psique.

Porém, a psique é eterna e o ego12 é preso ao tempo. Segundo palavras

do autor, como parte da consciência, o ego é subjugado pelos horários, pelos

números finitos e pelos dias cada vez menores. Mas, a psique, como órgão da alma

é portador de todos, de tudo e nada ao mesmo tempo, da origem, do fim do

propósito.

12 O centro da consciência, o eu. Murray Stein, 1998, pág 205.

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“A noção de importância do arquétipo da criança sugere que o germe da totalidade já se encontra na psique e, assim como a criança literal é guiada por um plano de desenvolvimento genético, também a psique revela a pessoa total por meio dessas insinuações da futuridade da criança”. (Hollis, 2005, pág 49).

Hollis (2005) diz que a criança, em sua unidade e pluralidade é um

símbolo desse mistério. Como símbolo da pluralidade, é necessário lembrar que não

temos uma criança única dentro de nós, mas uma multidão, um jardim de infância

virtual de energias, agendas e valores divergentes.

“Dentro de cada um de nós está a criança que se tornaria o herói que irá depor o demônio das sombras. Todos experimentam a criança perdida, a criança abandonada, porém poucas vezes lembramos que tal separação é um requisito básico para o crescimento, para a individuação”. (Hollis, 2005, pág 46)

5.2.3 A jornada da Criança

A criança é tudo o que é abandonado, exposto e ao mesmo tempo o divinamente poderoso, o começo insignificante e incerto e o fim triunfante. A “eterna criança” no homem é uma experiência indescritível, uma incongruência, uma desvantagem e uma prerrogativa divina, um imponderável que constitui o valor ou desvalor último de uma personalidade. C. Jung

O mitologema13 da criança é uma espiral. A jornada deste arquétipo se

inicia com um abandono, ou situação de perigo, desproteção. Porém, é a própria

situação de risco que se constitui como essencial para encontrar o caminho do

crescimento, das descobertas e grandes revelações. Assim como na jornada

heróica, há uma situação de declínio, seguida de uma ascensão resignificadora,

amplificadora da consciência, vencendo a escuridão.

13 Um mitologema é um elemento ou tema isolado em qualquer mito. Os temas de ascensão ou declínio são mitologemas. A busca do herói, por exemplo, reúne dois mitologemas: o herói e a busca, cada um dos quais possui uma linhagem e um significado separados, e ao mesmo tempo engrandecem um ao outro. (Hollis, 2005, pág 10)

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5.2.4 O Abandono

Em Jung (2000), o motivo da insignificância, de estar exposto, do

abandono, do perigo a que está sujeito o motivo da criança configura o início

insignificante, mas, por um lado pode significar o nascimento misterioso por outro.

A criança nasce, então, de uma situação de conflito doloroso,

aparentemente sem saída – para a consciência14·.

“Desta colisão de opostos, a psique cria uma terceira instância de natureza irracional, inesperada e incompreensível para a consciência. São conteúdos que se apresentam sob formas que não correspondem ao sim, nem ao não, sendo, portanto, “rejeitados” pelos dois lados. A consciência desconhece aquilo que une os seus opostos, normalmente o que está além dela mesma. Porém, como a solução do conflito pela união dos opostos é de vital importância e também desejada pela consciência, o pressentimento de criação significativa abre caminho”. (Jung, 2000, pág 168).

Jung (2000), afirma que conflito não é superado pela consciência pelo

fato dela estar presa aos opostos, e por este motivo necessita de um símbolo que

lhe mostre a exigência do desligamento da origem.

“Na medida em que o símbolo da “criança” fascina e se apodera do inconsciente, seu efeito redentor “passa” à consciência e realiza a saída da situação de conflito, que ela não era capaz. O símbolo é a antecipação de um estado nascente de consciência”. (Jung, 2000, pág 170)

Para Jung (2000), o abandono (na consciência) é, pois uma condição

necessária, não apenas um fenômeno secundário. Este é o momento em que a

criança necessita desligar-se, afastar-se da origem como símbolo que mostre a

exigência deste desligamento para a consciência.

“A criança, um conteúdo que exerce sempre um efeito fascinante e secreto sobre a consciência. A nova configuração é o vir a ser de uma totalidade, isto é, está a caminho da totalidade, pelo menos na medida em que ela excede em “inteireza” a consciência dilacerada

14 Aqui, compreende-se a consciência como um espaço onde só cabem o sim ou não. Ela nada sabe além dos opostos e por isso não reconhece aquilo que os une. O inconsciente, portanto, é quem se encarrega, através de seus conteúdos “numinosos” e unificadores tornar-se capaz da união dos conteúdos conscientes, trazendo a solução para os conflitos, também desejada pela consciência. (Jung, 2000, pág 168).

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pelos opostos, superando-a por isso em completude.” (Jung, 2000, pág 169).

5.2.5 A Invencibilidade

Segundo Jung (2000), o conteúdo “criança” pode parecer insignificante,

por um lado, desconhecida, “apenas” uma criança, mas por outro lado, ser divina.

São iluminadoras, são figuras amplificadoras da consciência.

“Não é raro encontrar figuras de crianças que são identificadas com fatores que promovem a cultura, tais como o fogo, o trigo, o metal, o milho. Como portadores de luz, essas figuras vencem a escuridão, elevando e trazendo um novo saber à consciência atual”.(Jung, 2000, pág 171)

O que está presente em todos os mitos da criança é sempre o fato de

estar constantemente ameaçada pelo perigo de ser extinta, ignorada, mas

possuindo forças que ultrapassam a medida humana.

Para Jung (2000), do ponto de vista da consciência, ela parece tratar-se

de um conteúdo insignificante, sem nenhum caráter libertador ou salvador.

Para o autor, a consciência fica aprisionada em sua situação de conflito e

os poderes que se digladiam parecem ser tão grandes que o conteúdo “criança”

emerge isolado, sem nenhuma relação com os fatos que ocorrem na consciência.

“Ela não é notada, ficando então, sozinha e perdida, pois é um saber que elevado,

ultrapassa as fronteiras da consciência atual”. (Jung, 2000, pág 170)

No entanto, este mito enfatiza que a criança é dotada de um poder

superior e que se impõe inesperadamente, apesar de todos os perigos. A “criança”

nasce do útero inconsciente, gerada no fundamento da natureza humana, ou

melhor, da própria natureza viva.

“O impulso e a compulsão da auto-realização é uma lei da natureza e, por isso, tem uma força invencível, mesmo que o seu efeito seja no início insignificante e improvável”. (Jung, 2000, pág 171).

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Segundo Jung (2000), o fenômeno do nascimento da “criança” sempre

remete de novo a um estado psicológico originário do não conhecer, da escuridão ou

crepúsculo, da indiferenciação entre sujeito e objeto, da identificação inconsciente

de homem e mundo. Deste estado de indiferenciação, afirma Jung (2000), surge o

ovo dourado, o qual é tanto homem e mundo; no entanto não é nenhum dos dois,

mas um terceiro, irracional.

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6.0 A Imagem

6.1. Conceito de Imagem

“A imagem desempenha uma função mediadora, é uma ponte entre o si-mesmo e o mundo, o si-mesmo e o outro, e até mesmo entre eu e mim mesmo”. James Hollis A noção de imaginário nos remete à teoria lacaniana, primeiro à relação

do sujeito com suas identificações formadoras, e segundo à relação do sujeito com o

real, cuja característica é ser ilusória.

Segundo Lacan (1973), apud Jacques Aumont (1995) a palavra

“imaginário” deve ser tomada como estritamente ligada à imagem: as formações

imaginárias do sujeito são imagens, não só no sentido de que são intermediárias,

substitutas, mas também no sentido de que representam eventualmente imagens

materiais.

“O sujeito é efeito do simbólico, concedido ele mesmo com uma rede de significantes que só adquirem sentido em suas relações mútuas; mas a relação do sujeito com o simbólico não pode ser direta, já que o simbólico, ao se constituir, escapa totalmente ao sujeito. É por intermédio de formações imaginárias que se efetua esta relação”. (Jaques Lacan (1973), apud Jacques Aumont (1995), pág 75).

Nestas afirmações de Lacan fica mais fácil entender a relação que o

imaginário e as imagens possuem com o terreno do real, representativas de

realidades concretas, mas também intermediárias, possibilitando a relação com o

simbólico.

6.2 Função da imagem

Segundo Jacques Aumont, (1995), em todas as sociedades, a maioria

das imagens foi produzida para certos fins (de propaganda, de informação,

religiosos, ideológicos em geral). Para ele, uma das razões essenciais para a

produção de imagens provém da vinculação da imagem em geral com o domínio do

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simbólico, o que faz com que ela esteja em situação de “mediação” entre o

espectador e a realidade.

“O valor simbólico de uma imagem é, mais do que qualquer outro, definido pragmaticamente pela aceitabilidade social dos símbolos representados”. (Aumont, 1995, pág 79)

Segundo Jacques Aumont, (1995), inicialmente, as imagens serviam de

símbolos; exatamente símbolos religiosos, vistos como capazes de dar acesso à

esfera do sagrado pela manifestação mais ou menos direta da presença divina.

As primeiras esculturas gregas arcaicas eram ”ídolos”, produzidas e

veneradas como manifestações sensíveis da divindade, mesmo sendo essa

manifestação parcial e incomensurável para a própria divindade.

Para ele, o espectador supre o não representado, as lacunas da

representação. Essa completação se dá em todos os níveis, do mais elementar ao

mais complexo.

Para Jung (1987), apud Zilda Gorresio (2005), os arquétipos são

predisposições inerentes à estrutura da psique, como formas a priori, que nos dispõe

a imaginar, sentir, perceber.

Assim concebido ele é uma virtualidade que ao se atualizar toma a forma

de imagem.

“Temos, assim a “imagem arquetípica”, que não pode ser confundida com o arquétipo em si. Não temos acesso a ele, assim como ao símbolo, propriamente dito, apenas podemos inferi-lo, a partir da experiência psíquica, portanto tudo é vivenciado de forma imagética”. (Jung (1987), apud Zilda Gorresio (2005), pág 155).

Não se pode confundir as representações arquetípicas que nos são

transmitidas pelo inconsciente com o arquétipo em si. Para Jung (2000), o arquétipo

é uma forma básica, caracterizada por elementos formais e determinados

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significados fundamentais. Ele põe no centro da vida psíquica o encontro de

determinadas imagens que se atualizam historicamente.

“O arquétipo possui um dinamismo que se faz sentir na numinosidade e no poder fascinante da imagem arquetípica. A realização e assimilação do impulso instintivo nunca ocorrem através da absorção da esfera instintual, mas apenas da integração da imagem que significa, e ao mesmo tempo, evoca o instinto”. (Jung, 1995, pág 100).

As imagens arquetípicas são intensas e de características sobre-

humanas, de valoração energética qualitativa, e de caráter transpessoal.

Ainda em Jung (1987), apud Zilda Gorresio (2005), estas imagens são a

visibilidade imaginativa do próprio inconsciente, o movimento da própria alma

(inconsciente coletivo) que se dá em forma de imagem, de maneira totalmente

autônoma. “A imagem parece conter uma direção instintiva a um destino, como se

profética e prognóstica” (Hillman, 1995, Apud Zilda Gorresio, 2005, pág 160).

Jung (2000), afirma que aquilo que nos é dado a conhecer só é possível

através de imagens: assim como um espaço intermediário entre instinto e espírito. A

imagem, esse “espaço intermediário”, é uma realidade, sem a qual não se tem

acesso ao mundo interno, a não ser por meio de imagens.

A imagem arquetípica se caracteriza como “primordial” quando ela possui

caráter arcaico, quando representa uma concordância explícita com motivos

mitológicos.

“Tudo o que experimentamos, seja o mundo das imagens ”externas”, seja o mundo das imagens “internas”, dá-se pela via da psique como representação”( Jung ( 1987) Apud Zilda Gorresio (2005), pág 24).

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6.3 A imagem como recipiente

Em James Hollis, (1997), a alma (em grego psyche) se expressa por meio

de imagens, mas não é a imagem. “O que há de vivo num símbolo, num mito ou

numa pessoa é a energia divina, não o recipiente”. (Hollis, 1997, pág 12)

Segundo o autor, quando a imagem não sinalizar para além de si mesma,

então está morta, vazia. O seu conteúdo também é passível de esgotamento, apesar

de desempenhar uma função mediadora importante com o símbolo, por exemplo.

A imagem não é a experiência mítica propriamente dita, mas tem uma

carga afetiva tal que nos reconecta com a experiência profunda. Por isso, “quando a

mente destrói a carga afetiva da imagem, ou denigre o poder do elemento não

racional inerente à própria experiência fenomenológica, o “deus”, como energia,

morre”, afirma o autor.

“Quando o intelecto, entendido também como razão, interrompe a ligação da imagem simbólica e a carga afetiva, ou quando uma instituição esmaga a espontaneidade da imago, então o “deus” morre. Desta forma, a mais reverente das atitudes é aquela que periodicamente esmaga imagens que se tornaram ídolos, e humildemente confessa sua ignorância, aprontando-se para receber o arquétipo outra vez”.(Nietzsche (1972) apud James Hollis (1997), pág 85)

James Hollis (1997), portanto, critica a vivência apenas no nível

imaginário, um acontecimento típico de nossa realidade, capaz de abolir totalmente

a presença do simbólico e faz uma referência aos mitos.

Ainda em James Hollis (1997), entender o mito tão somente como uma

velha história engraçada é dizer que a energia que um dia penetrou nestas imagens

e as tornou plena de luz partiu. O que resta apenas é uma casca seca e vazia e por

isso, não é mais digna de ser cultivada.

Page 53: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

O ser moderno, para Hollis (1997), se afasta dos simbolismos mais

essenciais e por isso, não cultiva mais a importância do mito em sua vida como fazia

o homem em outras épocas.

As imagens são representações, pontes que a estrutura psíquica constrói

para ter acesso à realidades mais essenciais do ser humano, porém o que deve ser

cultuado não é a representação, a imagem, o modelo ou “ ídolo” e sim a energia que

o atravessa.

“Atenta para o efeito “coisificador“ da imagem, um aspecto que pode ser visto em nossa realidade moderna, onde as pessoas passam de uma imagem a outra ou de uma moda ideológica a outra, cultivando na maioria das vezes cascas e recipientes vazios, pois a energia simbólica delas muitas vezes se esvaiu. Na medida em que os símbolos, inicialmente apontando para além de si mesmo na direção das experiências primordiais, com o passar do tempo coisificam-se e com isso, não sinalizam mais o mistério, apenas desviam a experiência primal até que se torne um conceito ossificado”. (Hollis, 1997, pág 14).

6.4 Imagem e sedução

A sedução, por exemplo, é um fenômeno que ocorre a nível imaginário,

ao nível das imagens delirantes e do desejo. Através da captura do “Eu” na

identificação com a imagem, abolem todo o simbólico e o real.

As imagens podem aparecer nos comerciais de tv, ou invadir a cultura e

se apoderar das mentes, abolindo o real e o simbólico de nossas vidas. A simples

vivência apenas a um nível imaginário nos oferece uma experiência do mundo

fragmentada e oca, que se repete a todo instante.

Segundo Requena (1999), a imagem pode ser apenas um signo, algo

analógico, mas sem dúvida basicamente arbitrário.

“Uma imagem, também pode ser lida ou decodificada. Mas, há algo mais nela. Enquanto pode ser reconhecida como signo (de tal maneira que o significado pode ser lido) há nela algo mais, algo que escapa a ser um signo: esta imagem também é desejável”.(Requena,1999, pág 16, tradução de Rodríguez).

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Assim, na imagem está presente uma radical diferença que se faz

perceptível desde o momento em que se coloca a questão da desejabilidade: um

signo não é desejável, a imagem sim, é.

“Esta desejabilidade que se faz presente escapa a ordem da informação e da significação. E obriga, por isso, a atender a este outro campo que é o do desejo. De fato, quanto mais desejável resulta uma imagem tanto mais se detém o olhar além do tempo necessário para esgotar seu conteúdo informativo e significativo”. (Requena, 1999, pág 16)

Segundo palavras do autor, “o desejo é sempre ilusório – e assim, ilude

porque o que realmente desejamos não são objetos empíricos. O que nos interessa

não é o objeto empírico em si, o objeto suscetível a ser adquirido, mas certa coisa

que não tem equivalente no real: puras imagens, isto é, imagens imaginárias”.

Requena (1995) continua: existe verdadeiramente algo que é específico

das imagens: isto que não existe em nenhuma outra coisa, isto que, apesar de todas

as ilusões, não existe em nenhum outro lugar: o imaginário, isto é, as miragens do

desejo.

Segundo o autor, as imagens imaginárias são imagens delirantes. E por

isto, todo o tema da sedução-principalmente a sedução publicitária – deve começar

por elas:

“Todo o mecanismo de sedução se desenvolve essencialmente no plano imaginário. Suas ferramentas básicas são as imagens em seu componente delirante, e seu trabalho consiste em colocar em cena o objeto do desejo – é preciso não esquecer que este objeto é puramente imaginário: sua posta em cena deve ser, pois, alucinatória, delirante. Um objeto, então, amoroso”.(Requena, 1999, pág 20).

Para Requena (1995), constitui-se como sedução a captura do Eu do

sujeito na identificação imaginária.

“A primeira forma de identidade, de consciência de si, no sujeito humano aparece, por volta dos seis meses, quando o menino começa a perceber os limites de si, a elaborar a diferença entre o dentro e o fora, entre o eu e o não eu. “A percepção de sua

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identidade separada começa a aparecer com este descobrimento do outro e experiência nuclear da carência: o outro (antes que qualquer pessoa é a mãe, enquanto objeto absoluto do qual depende para sua sobrevivência) é, essencialmente, aquilo do que se carece. E, por isto mesmo, objeto do seu desejo”. (Jacques Lacan, O Seminário 2: O Eu na Teoria de Freud apud Campos (1995), pág 8).

Desta maneira, para Lacan Apud Campos (1995) o sujeito constrói

prematuramente a imagem de si, seu Eu, sobre o modelo desta imagem do outro

que é, ao mesmo tempo, aquilo que deseja. Isto é o que Lacan chamou de

identificação imaginária: identificação com (em) a imagem especular do outro.

“Assim, antes que a linguagem lhe permita pensar-se, nomear-se, o Eu do sujeito se constrói sobre um duplo déficit, sobre a alienação essencial: a partir da experiência de sua carência, do que lhe falta e, ao mesmo tempo, a partir da imagem misteriosa do outro com o qual se identifica. Pois o que deseja, depois de tudo, é ser desejado pelo outro. O desejo do sujeito é, assim, inevitavelmente, o desejo do outro”. (Jacques Lacan, O Seminário 2: O Eu na Teoria de Freud apud Campos (1995), pág 10).

Esta fantasia de relação dual, absoluta, plenamente fechada, com o outro

constitui é a base do narcisismo primário; nela se exclui qualquer terceiro termo que

possa ameaçar a relação dual, ao mesmo tempo em que não existe para o sujeito

referência alguma da lei, dado que esta só pode chegar com a linguagem.

Desenvolve-se, pois, totalmente à margem da linguagem e do tempo (do

simbólico, em suma), mas também totalmente à margem do real.

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7.0 O Discurso Publicitário 7.1 O comercial de TV

Em Requena (1999), a estratégia retórica do comercial de TV trabalha no

campo semiótico para a construção de um discurso informativo e persuasivo. Suas

ferramentas são os signos, tanto as palavras como as imagens icônicas, e seu

trabalho é propriamente sintático e semântico.

Por isso, seu discurso gera um espaço semântico essencialmente

estruturado pelo par verdade/mentira (e equivalentes: bom/mal, necessário/gratuito,

apropriado/desapropriado). Sua estratégia enunciativa acusa sempre,

necessariamente, a diferença entre o emissor e o receptor: o desacordo ou a

diferença entre ambos que pode e deve ser corrigido.

Na estratégia retórica, o objeto publicitado comparece como o referente

do discurso, isto é, como algo nomeado por este e, por isto mesmo, nele ausente. O

comercial de TV apresenta-se então como um discurso que fala persuasivamente do

objeto, ao mesmo tempo que convida a um ato posterior de compra e de utilização

do consumo mesmo.

“A estrutura do comercial retórico é transitiva e pressupõe uma ação posterior. Portanto, a condição de seu êxito vai depender da sua eficácia: de sua capacidade de convencer ao espectador do interesse de certo produto – o objeto publicitado – até o extremo de conduzi-lo à sua posterior aquisição no mercado”. ( Requena,1999, pág 19 , tradução de Rodríguez).

A persuasão, enquanto processo de ordem transitiva, conduz a uma ação

posterior, enquanto a sedução, mesmo quando pode ser utilizada para alcançar

determinado fim, é essencialmente intransitiva.

Enquanto que a estratégia retórica (no plano semiótico do discurso) o

objeto só está presente como efeito referencial – semântico –, na dimensão sedutora

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do comercial de TV, o objeto se faz verdadeiramente construído como plano

subjetivo do espectador, interpelação verbal explícita, etc.

7.2 O comercial sedutor

Em Requena (1999), no texto “O comercial de TV. Entre o signo e o

espelho”, traduzido e adaptado por Profa. Dra. Vanessa Brasil Campos Rodríguez, o

comercial de TV pode estabelecer uma relação de consumo intransitiva, isto é,

capaz de coexistir com a relação transitiva de convite a um ato de compra e

consumo posterior.

Contudo, isto pode acontecer de forma independente em sua estrutura,

então podemos dizer que suas operações não são simplesmente persuasivas, mas

também, e principalmente sedutoras.

“A relação do espectador com o VT constitui, em si mesma, uma relação de consumo –” gosta-se “. Uma relação de consumo imediata, não condicionada a uma fase posterior de contato com o objeto publicitado e, portanto, de estrutura propriamente intransitiva”. (Requena, 1999, pág 21).

7.2.1 Metáfora delirante

Segundo Requena (1999), o dispositivo sedutor está destinado,

obviamente, a seduzir e, por isto, situado à margem de todo mecanismo cognitivo,

como a convicção, por exemplo. Trabalha fundamentalmente à margem do signo,

pois se desenvolve essencialmente no plano imaginário.

O discurso do comercial sedutor segundo Requena (1995) é uma

mensagem delirante que se situa à margem da realidade e por isto não pode ser

submetida à prova da realidade ou da verdade.

A mensagem do sedutor, absolutamente fática, é do Tudo ou nada. Não

só diz o que tem, mas diz que é Tudo. Não só promete que ao seu lado pode ter

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Tudo, mas também te faz suspeitar e temer que se por um momento ele deixar de te

olhar, então o resultado é o caos, o Nada.

Segundo o autor, para que todo terceiro termo (isto é, qualquer termo

diferencial) possa ser eficazmente excluído, é necessário que aquilo que está em

jogo na relação dual possua um caráter total e absoluto.

Assim, ainda segundo palavras do autor, a imagem que enuncia tem que

ter um aspecto absoluto, total. É como se ela dissesse: “Eu tenho, eu sou, tudo,

absolutamente tudo o que você deseja”, exemplifica.

Este “Tudo”, esse caráter absoluto do objeto vai se manifestar em todos

os parâmetros sonoros, verbais e visuais do comercial de TV.

“A imagem que se constrói não é a imagem de um objeto singular (real)

tão pouco de um objeto genérico (semiótico), mas a de um objeto de desejo

(imaginário)”, diz o autor.

Requena (1995) vai mais além e afirma que a essência da produção

semântica do comercial sedutor é a de corpos que se funde e me dizem “Tudo para

você”. “O que, quase não é preciso dizer, eqüivale a um absoluto vazio semântico,

isto é, NADA. Pois, sabemos o significado só nasce da diferença”, esclarece o autor.

Para ele, o núcleo da estratégia sedutora é a configuração do que

poderíamos identificar como “metáfora delirante”. No entanto, ele chama a atenção

para o fato de que é um processo puramente imaginário, nem lingüístico, nem

semiótico.

Requena propõe a seguinte definição: a metáfora delirante é um sistema,

uma cadeia de metamorfoses, que constitui em delirante o objeto publicitário. Isto é,

portanto, o metaforizado: o próprio objeto publicitário como objeto absoluto do

desejo do espectador.

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“Este mundo, de um lado fragmentado e totalizador, oferecido ao olhar voraz do espectador em uma relação dual, imaginária, escópica, se parece incrivelmente a um outro mundo, também fragmentado, sedutor e absoluto, que constitui para o indivíduo o começo de sua existência”.(Requena, 1995, pág 12).

7.2.2 O espaço

Uma característica específica deste tipo de comercial é a questão do

espaço. Segundo Requena (1999), não existe, portanto, diferença entre espaço e

tempo: ele (a voz, o ator, o objeto) se oferece para mim em um único espaço-tempo:

o permanente aqui - agora do Imaginário.

Para Requena (1999), os cenários dos comerciais sedutores são cada vez

menos realistas e verossímeis, mas são cenários fantásticos, surrealistas, espaços

de delírio.

O espaço construído pelo comercial é o espaço da representação feito

para alimentar o desejo do espectador e, por isto, perde todo caráter de verdadeiro.

Requena afirma que podemos perceber este fenômeno de diversas maneiras e no

plano das cores, temos não cores reais, mas cores excitantes.

“Quando o espaço verdadeiro desaparece e surge no seu lugar um cenário delirante que só tem como objetivo ser sedutor para o meu olhar, constatamos os sintomas de abandono da realidade pelo comercial de TV. Seu universo ganha autonomia. É um exemplo vivo do universo narcisista onde a realidade, e, com ela, o tempo e a lei, não cabem”. (Requena, 1995, pág 10)

7.2.3 O traço psicótico

Requena (1995) afirma que o discurso publicitário televisivo se manifesta

assim como um dos sintomas mais relevantes de certo traço psicótico do nosso

discurso visual contemporâneo.

Assim como o psicótico, o discurso publicitário se manifesta no delírio de

uma constante fusão do Eu do espectador com o objeto narcisista.

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O discurso do psicótico, diz Requena (1999), é incessante e vazio,

carregado de estribilhos que se repetem uma e outra vez. “Prolonga-se

indefinidamente em busca de uma coerência que se manifeste como impossível”,

esclarece o autor.

O mesmo acontece com o comercial de TV, pois se constitui num

segmento do discurso televisivo que, ao ver-se separado de todo o processo de

transmissão de informação, eleva ao ponto máximo a tendência à fragmentação.

Outros aspectos referem-se à redundância na apelação visual e sonora, e

a tendência à repetição das mensagens. “Assim como o discurso do psicótico, o

comercial de TV é incessante e vazio, um espetáculo sem símbolos, regido pela

lógica do espelho imaginário”, afirma o autor.

Através do discurso publicitário televisivo é possível visualizar

características da realidade contemporânea. O que vemos, não apenas no nível das

imagens do comercial, mas dentro de um panorama geral de comportamento é um

profundo vazio ideológico ou pelo menos uma fragmentação excessiva de aspectos

importantes em troca de ideologias plásticas e superficiais, como as de consumo.

“O espectador e seu desejo ficam assim aderidos a este universo imaginário, a esse dublê sedutor e oco, esvaziado de toda identidade diferencial, que lhe captura com seu olhar sedutor, absoluto e exclusivamente fático”.(Requena, 1995, tradução Profa. Dra. Vanessa Brasil Campos Rodríguez).

7.2.4 O disfarce do gozo Neste espetáculo do imaginário, onde uma constelação de objetos

sempre desejáveis se encadeia em uma metamorfose permanente, na qual o TUDO

para o desejo não cansa de ser configurado no imaginário, o gozo não pára de ser

nomeado, invocado, representado.

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“Um gozo extremo e absoluto é interpretado voluntariamente pelos atores do comercial, quando entram em contato com o produto. O gesto do ator é sem dúvida, em termos realistas, desproporcionado e inverossímil. Não se trata aqui de um gesto amável de prazer, mas de um gesto que é descomunalmente gozoso, explicitamente orgástico, na grande maioria dos casos”. (Requena, 1995, tradução Profa. Dra. Vanessa Brasil Campos Rodríguez).

Para Requena (1999) convém advertir: não é o gozo verdadeiro que aqui

vemos, mas um disfarce. “Pois não há lugar para o gozo num espaço onde a

expansão narcisista do Eu tende a aniquilar todo o espaço para o sujeito”, esclarece

o autor.

“Se não há lugar para personagem algum, isto é, para alguém dotado de certa experiência no campo das artes dramáticas, com certa resistência no olhar, o VT não oferece outra coisa que um modelo, um manequim, alguém que não se cansa de estar aí, na tela da televisão, para o meu olhar, miragem do meu desejo, que em nada me resiste, mas que Tudo me oferece. Não é alguém que pode gozar, mas alguém que me oferece os signos, atrofiados, o disfarce do gozo”. (Requena, 1995, tradução Profa. Dra. Vanessa Brasil Campos Rodríguez).

O comercial de TV, quanto mais explicita seu gesto sedutor, mais

interpela eroticamente o espectador, mais apaga toda marca do sexo, toda

possibilidade do gozo.

7.2.5 O Fetiche

Freud apud Campos (1995) afirma que o fetiche é um substituto do pênis,

não é o substituto de um pênis qualquer, mas de um determinado e muito particular,

que teve extrema importância nos primeiros anos de nossas vidas, mas que logo se

perdeu.

“Em outras palavras, este pênis teve que ser abandonado, mas surgiu o fetiche para preservá-lo de sua extinção. Para sermos mais claros, o fetiche é o substituto do falo da mulher, da mãe, em cuja existência o menino pequeno criou e ao qual não quer renunciar”.(Freud apud Campos (1995), pág 15)

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O fetiche então é para Freud “um objeto ligado por conseqüência espacial

ou temporal ao descobrimento da falta do pênis na mulher”, afirma o autor. A partir

desta afirmação podemos concluir que o fetichismo se caracteriza por uma estrutura

semiótica propriamente metonímica. A parte pelo todo.

“O fetiche constitui o resultado de uma operação metonímica que tende a restabelecer a plenitude imaginária do objeto primordial, isto é, a reconstituir a plenitude narcisista”.( Freud apud Campos (1995), pág 15)

Agora, precisamente porque sua tarefa consiste na restauração desta

imagem primordial narcisista, o fetiche, está mais próximo da ordem do imaginário

que da ordem simbólica.

A utilização do fetiche como um recurso capaz de restituir, através desta

operação metonímica, imagens primordiais é um dos motivos pelos quais o

comercial de TV se apropria dele para criar e estabelecer com seus espectadores

uma relação escópica no nível da imaginação, de imagens delirantes e totalmente

desviadas do terreno simbólico.

Ao contrário do FALO, do símbolo, afirma Requena apud Campos (1995)

aquele que introduz a Lei, o fetiche atua como uma espécie de tampão que pretende

excluir toda falta. “Ou seja, é um objeto que tem TUDO, nada lhe falta e é

exatamente neste sentido que atua o comercial de TV”, afirma o autor.

“Ao contrário do que sucede com o objeto mágico nos relatos dos contos de fadas que é um objeto transitivo, pois tem que ser conquistado pelo herói para poder prosseguir no seu trajeto de amadurecimento, o objeto publicitário fetiche é intransitivo, apresenta-se como um objeto diretamente associado, sem nenhuma ponte temporal, espacial ou narrativa, com a realização do desejo”.(Requena apud Campos (1995), pág 17)

O homem e a mulher com a cerveja, o carro ou o relógio, o jogador e a

bola ou tênis da marca ainda segundo Requena ignoram toda falta, tornando assim

o comercial de TV um mero cenário totalmente deslocado da narrativa simbólica,

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intransitivo e vazio, algo que se contrapõe ao discurso do mito e muito presente nos

panoramas atuais de nossa cultura.

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8.0 As Marcas 8.1 A marca [...] “Para as empresas, o produto ostensivo era apenas um mero tapa buraco para a produção real: a marca”. Naomi Klein Segundo Pinho (1996), Marca é um nome, termo, sinal, símbolo, desenho

ou combinação dos mesmos, que pretende identificar os bens e serviços de um

vendedor ou grupo de vendedores e diferenciá-los daqueles dos concorrentes.

O conceito de branding equity15, que está relacionado à criação de um

valor agregado à marca das empresas é obtida através da administração de

marketing e de comunicação, envolvendo atributos, valores, sentimentos e

percepções conectados à marca.

Em Naomi Klein (2003), durante algum tempo, a idéia sobre a função

básica e irreversível de uma economia industrial é a “produção de coisas”; que

quanto mais se produz, maior será a renda, seja em dólar ou bens de raiz; É na

fábrica, na terra e no subsolo que o poder de compra tem origem.

“Em inícios dos anos 80, um novo tipo de corporação começa a disputar mercado com os fabricantes americanos tradicionais. Eram as Nike e Microsoft. Esses pioneiros começam a declarar audaciosamente que produzir bens era apenas um aspecto incidental de suas operações e que, graças às recentes vitórias na liberalização do comércio e na reforma das leis trabalhistas, seus produtos podiam ser feitos para eles por terceiros, muitos no exterior”.( Klein, 2003, pág 62)

Naomi Klein (2003), afirma que estas empresas produziam

principalmente não eram “coisas”, mas as imagens de suas marcas, afirma a autora.

Seu verdadeiro trabalho não estava na fabricação, mas no Marketing.

Esta fórmula mostrou-se imensamente lucrativa, e seu sucesso levou às empresas a

15 Expressão que significa gestão da marca, administração ou conjunto de princípios que gerem a marca. Em sua encarnação mais autêntica e avançada, quer dizer, transcendência corporativa. (Klein, 2003, pág 45)

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uma corrida pela produção de mais poderosas imagens, em vez de produtos,

ganharia a corrida.

“Fabricar produtos pode exigir perfuratrizes, fornalhas, martelos e similares, mas criar uma marca pede um conjunto completamente diferente de ferramentas e materiais”.(Klein, 2003, pág 29).

O início da obsessão corporativa pela identidade da marca começa então

a travar uma guerra por espaço público, instituições, na identidade dos jovens, nos

conceitos de nacionalidade, etc.

8.1.1 A imagem de marca

A imagem de marca pode ser definida como um conjunto de atributos e

associações que os consumidores reconhecem e conectam com o nome da marca.

Segundo Pinho (1996), as associações evocadas pela imagem de marca

podem ser tangíveis (hard) ou intangíveis (soft). As primeiras dizem respeito aos

atributos funcionais, tais como performance do produto, preço, garantia, serviços e

tecnologia.

As intangíveis ou emocionais são atributos como masculinidade,

confiança, etc. Os atributos (soft) garantem um maior reconhecimento das diferenças

entre as marcas mais importantes de uma categoria e, portanto, causam maior

impacto no comportamento do consumidor.

Cada vez mais, afirma Pinho (1996), os avanços tecnológicos se

encarregam de anular em pouco tempo, as vantagens funcionais dos produtos e,

assim, as empresas voltam-se para explorar as características mais “soft” da

imagem da marca, que são menos limitadas por não se restringirem ao contexto dos

limitados atributos físicos ou funcionais dos produtos.

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“As marcas fortes são ricas em forma e substância, evocando uma série de associações de idéias mais extensa e fecunda”. (Pinho, 1996, pág 50).

Segundo o autor (1996), a imagem de uma marca é construída por meio

das mais diversas fontes: informações veiculadas pelos meios de comunicação,

experiências no uso do produto, embalagem, identidade da empresa, promoção de

vendas e publicidade.

Entre elas, a publicidade é um importante componente da marca e, por

sua natureza, constitui-se como ferramenta essencial no processo de construção da

imagem da marca. “Como atividade de comunicação, a publicidade destaca-se tanto

pelo elevado grau de controle que permite sobre as mensagens quanto pelo poder

de penetração e convencimento junto aos consumidores e público em geral”,

esclarece o autor.

Em Klein (2003), o papel da publicidade muda na medida em que ela

deixa de fornecer apenas informação sobre os produtos para ajudar a construir uma

imagem de marca em torno de uma variedade identificada de um produto.

Temos, então, um marketing liderado por uma estirpe de empresas que

se viam como “agente de significado” em vez de fabricantes de produtos. O que

mudava era a idéia de “o que” - na publicidade e na gestão de marcas (branding)-

estava sendo vendido.

Segundo o antigo paradigma, tudo o que o marketing vendia era um

produto. A autora afirma que, de acordo com este novo modelo, o produto é sempre

secundário ao verdadeiro produto, a marca, e a venda de uma marca adquire um

componente adicional que só pode ser descrito como “espiritual”. “Assim, a

publicidade trata de apregoar o produto, o branding, da transcendência corporativa”,

diz a autora.

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“Pense na marca como o sentido essencial da corporação moderna, a na publicidade como um veículo utilizado para levar esse sentido ao mundo”. (Klein, 2003, pág 29).

8.1.2 As identidades

As marcas desejam criar idéias e atitudes em torno do consumo de seus

produtos sejam através de veículos como o comercial de tv e a publicidade em geral.

Através da identidade de sua marca, as empresas desejam atrair a atenção do

público.

Para Klein (2003), a partir disso, toda empresa podia ter uma identidade

de marca ou uma “consciência corporativa”. Com a evolução desta idéia, o

publicitário deixa de ver a si mesmo como um vendedor e passa a se considerar o

rei filósofo da cultura comercial.

A busca do verdadeiro significado das marcas, ou a “essência de marca”,

como é freqüentemente chamada- gradualmente distanciou as agências dos

produtos e suas características e as aproximou de um exame psicológico/

antropológico de o que significa as marcas para a cultura e a vida das pessoas, na

tentativa de se identificar com elas e oferecer sentido às suas vidas.

Desta maneira, a relação entre as pessoas e o consumo destas marcas

ultrapassa o sentido do produto empírico e coloca-se como a realização de uma

experiência mais profunda, quase religiosa.

Segundo Naomi Klein, (2003), inicia-se, então, um processo cuja

tendência é abordar as questões de identidade em geral.

O movimento ganha força quando minorias ou até mesmo grupos

políticos, sociais, feministas e de toda ordem começaram a lutar por uma

representação na mídia em geral nos inícios da década de 80 nos EUA. “As

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instituições têm almas, assim como os homens e as nações”. (Bruce Barton,

publicitário americano, citado por Naomi Klein, 2003, pág 31).

“A necessidade de representação desses grupos, inicialmente grupos excluídos da sociedade, como homossexuais, grupos feministas, anti-racistas, etc, por parte de seus membros e a insistência pela representação de suas identidades na mídia e nos temas em geral se transformou em uma grande febre. Quanto mais as questões de representação tinham importância, mais central era o papel que elas pareciam assumir na vida das pessoas”.(Klein, 2003, pág 33)

Rapidamente, diz Naomi Klein (2003), os profissionais de marketing,

mídia e produtores de “cultura pop” começaram a adaptar essas idéias e contextos.

Par a autora, assim que os profissionais de marketing e os publicitários

começam a fazer parte e retocar as imagens de nossa cultura. “Aos poucos, o

embarque na busca por novas fontes de imaginação moderna e a insistência na

afirmação de identidades sexuais, raciais contribuíram para grandes estratégias de

conteúdo de marca e marketing segmentado”, exemplifica.

Portanto, toda empresa que pensasse à frente teria que adotar variações

sobre o tema destas diversidades em sua identidade de marca. E assim, começam a

refletir o estilo de vida e as ideologias de seus públicos.

8.1.3 A experiência da marca

“Os consumidores não acreditam realmente que exista uma grande diferença entre os produtos; é por isso que as marcas devem estabelecer laços emocionais com seus consumidores através da experiência com a marca”. Naomi Klein

Hoje, as marcas estão entre as mais vibrantes expressões do imaginário

contemporâneo. É possível que elas reflitam o panorama atual de nossa realidade

moderna, voltada para as ideologias de consumo, onde o espaço é vendido e a

razão material já toma conta de todo o espaço.

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Apesar de ser um fenômeno de forte penetração em nossa cultura, a

experiência com a marca não se aproxima da experiência simbólica do mito, mesmo

que o cultivo às ideologias de consumo seja muito forte nos dias atuais.

“O papel que as marcas querem desempenhar em nossas vidas não está apenas em nossos ciclos ou clubes que participamos, elas estão sempre querendo capturar mais e mais a motivação do consumidor, sejam elas as mais subjetivas e íntimas. Estão sempre acompanhando os fenômenos sociais, culturais e o comportamento das pessoas em nossa realidade contemporânea”.(Klein, 2003, pág 48)

Exatamente pelo fato de estarem sempre refletindo os contextos de nossa

cultura, os espaços e os ideais de uma época, as marcas podem e têm o poder de

projetar os anseios, as vontades e as motivações das pessoas exatamente porque

vive-se num cenário escasso e limitado da vivência simbólica.

Por este motivo, elas acabam sendo então uma saída ou rota de acesso

onde as pessoas projetam diversos tipos de expectativas, algumas vezes dotado de

certa “religiosidade” pela forma como são cultivadas, porém jamais atingirão o

círculo simbólico dos mitos, por exemplo.

Para Klein, (2003), os construtores de marcas criam um novo consenso:

os produtos que florescerão no futuro serão aqueles apresentados não como

“produtos” mas como conceitos: a marca como experiência, como estilo de vida.

Um exemplo disso é a marca Nike, alavancando uma profunda ligação

emocional que as pessoas têm com o esporte.

“Uma grande marca enaltece-acrescenta um maior sentido de propósito à existência, seja o desafio de dar o melhor de si nos esportes e nos exercícios físicos”.( Bedbury, publicitário criador do slogan, “ Just do it”, -apenas faça,da Nike, citado por Klein, 2003, pág 45).

Estas marcas, então, se libertam do mundo corpóreo dos produtos,

passando fabricantes e produtos a existir em outro plano. Naomi Klein afirma que o

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verdadeiro negócio é criar uma “mitologia corporativa” poderosa o bastante para

infundir significado a esses toscos objetos apenas assinalando-os com seus nomes.

8.2 Arquétipos e Marcas

Na busca pelo significado e para se diferenciar num mercado competitivo

e repleto de marcas, as empresas prometem experiências cada vez mais

motivadoras.

Em Carol Pearson (2005), todos os seres humanos compartilham uma

herança psíquica que subverte as diferenças aparentes de tempo, espaço, cultura.

Os arquétipos expressam preocupações elementares, são atemporais e

universais. Pearson (2005), afirma que os temas e situações em geral refletem

nossas realidades e lutas interiores, sendo, portanto, expressões do drama íntimo do

ser humano no inconsciente coletivo.

Segundo a autora, na tentativa das marcas em oferecer experiências

intangíveis de significado, numa busca por motivações e expectativas mais

profundas do consumidor, uma marca com identidade arquetípica e que evoque

experiências que estão a um nível ou terreno tão profundo da mente, podem ativar

no consumidor um senso de reconhecimento e significado.

“As marcas que se associam a algum arquétipo parecerão perfeitas e confortáveis às pessoas que os expressam. De modo muito interessante, emprestando significado às suas vidas”. (Pearson, 2005, pág 45).

Segundo a autora (2005), o marketing do significado quer conhecer cada

vez mais esse novo consumidor. O que tem acesso à qualquer informação, produto,

viagens, enfim tudo o que deseja.

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“Os compradores de hoje são atentos, profundamente céticos e mais preocupados em exercer sua individualidade do que se adaptar à normas sociais. Eles buscam significado, e não esperam tanto que isso venha de algum tipo de consenso cultural”.( Pearson, 2005, pág 60)

Exemplos da autonomia do consumidor de hoje são as produções de

conteúdo acessíveis a todos e feitas por qualquer pessoa na Internet, afirmando a

democracia desse meio e criando uma nova safra de internautas, mais ousados e

independentes.

No entanto, este mesmo consumidor é alguém que procura nos produtos

e marcas uma forma de preencher suas vidas afastadas dos simbolismos mais

profundos. Aí é que o “marketing arquetípico” encontra um espaço rico para

desenvolver a lealdade dos clientes, uma vez que este se encontra imerso no

universo do consumo e do materialismo sem limites.

“Diante da tentativa de oferecer significado para alavancar a lealdade dos clientes, estas marcas desejam “ajudar” as pessoas a experimentar maior senso de realização na vida e no trabalho, pelo menos nos pequenos detalhes que melhorem ou incrementem a qualidade da vida cotidiana dos consumidores”. (Pearson, 2005, pág 80)

Segundo Carol Pearson (2005), algumas marcas tornaram-se valiosas,

pois possuem uma identidade que se comunica diretamente com o seu público.

Sejam através das imagens do comercial, dos personagens ou através de ações e

apoios a idéias de cunho ideológico.

Segundo a autora, o comportamento de algumas marcas apresenta

identificações com alguns arquétipos. “A análise pode tornar possível associar o

comportamento de algumas marcas, seja no comercial ou em ações de mercado em

geral a figuras típicas do inconsciente coletivo, descrito por Jung”, afirma a autora.

A identidade de algumas marcas, ao longo do tempo, foi sinalizando

através da comunicação atitudes e encarnando características de alguns arquétipos.

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Vale ressaltar que de forma alguma estas marcas são arquétipos, mas

segundo a pesquisa, a relação que os consumidores possuíam com estas marcas

remetia a estes conteúdos psíquicos inconscientes.

Através da mensagem, de anúncios e comunicação em geral, a

identidade corporativa da Nike, incita, através do incentivo ao esporte, à superação

física, os limites do corpo e a transcendência do indivíduo a partir de todo o discurso

e sua ações de apoio ou incentivo à idéias que se relacionem com esses objetivos.

“É comum encontrar nas mensagens publicitárias da marca uma tentativa em explicitar o caráter universal, existencial de conflitos mitológicos do ser humano, ultrapassando contextos históricos, políticos, culturais. A mensagem normalmente procura integrar e reunir, através de espelhos, senhas, signos, representações, aspectos latentes, pungentes da condição humana”.( Pearson, 2005, pág 78)

8.2.1 Nike, uma marca do Herói

Segundo Artur da Távola (1985), o esporte “mitologiza” a vida por

representar a vitória do trabalho, da regra, da lei, do melhor preparo. “Significa a

defesa do território (ou da propriedade) através da ação conjunta da comunidade.

Uma comunidade tem os líderes, sacerdotes, teóricos, pensadores. É um país, um

clã, uma doutrina”, afirma.

Távola (1985), afirma que a humanidade saúda o futebol, por exemplo,

como um de seus ritos preferidos porque é a representação do mito, o símbolo

preciso, em suas complexidades, das principais aspirações do homem, às que estão

ligadas ao dilema (enigma ou suplício) da relação sadia entre força e harmonia16,

única forma de transcender-se, evoluir.

Ele é poderoso em nossa civilização porque esta vive a mesma trágica

disjuntiva: o equilíbrio de sua necessidade de harmonia (conceito dentro do qual

16 Força (Eros), princípio e impulso básico potente (erótico) e Harmonia (psique), elemento intuitivo, profundo. Princípios que se unem e aos quais a condição humana vive.

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entram os ideais de paz, justiça social, convivência saudável) com os mecanismos

de força necessários à vida (progresso, Eros sadio, domínio equilibrado da

natureza).

O futebol simboliza a vida em seu conflito básico: a luta entre o destino e

a possibilidade de o homem interferir na própria vida, planejando-a e pondo-a a seu

serviço.

Ora vive depressões, ora momentos de glória com a exaltação qualitativa de sua expressão eterna. Neste ambiente encontramos o Herói, equilibrando princípios, vencendo desafios, desenvolvendo energia, disciplina, prática, determinação, coragem. (Távola, 1985, pág 70)

Naomi Klein, (2003), expõe as intenções de mercado da Nike, uma marca

que quer transcender, enaltecer a sua existência através de propósitos que

envolvem diretamente as atividades esportivas como um “motivo arquetípico”

universal, unificador, coletivo.

Segundo Phil Knight (2003), C.E. O da Nike apud Naomi Klein (2003), a

Nike quer ser uma empresa de esportes, quer estar envolvida com o conceito de

esporte e depois a idéia de transcendência através do esporte; em seguida

queremos nos relacionar com a determinação pessoal, os direitos das mulheres, a

igualdade social. “Nossas lojas são templos, a publicidade uma religião, e nossos

clientes, uma nação. Nossos trabalhadores, uma tribo”.(Klein, 2003, pág 200).

8.2.2 A Estética do esporte

Segundo Pinho (1996), no início dos anos 90, quando a marca Nike

começou a criar suas lojas temáticas como exemplos a Nike Town, em Nova York, a

loja piloto, sua intenção era criar a impressão grandiosa de um parque temático de

esportes.

“Entrar em uma dessas lojas significa obter mais do que um espaço para compras, e sim penetrar num museu interativo e num centro de informações sobre esportes. Por todos os lugares, vê-se fotos

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grandes em molduras de vidro e outros objetos relacionados à esportes. O consumidor atualiza-se com informações sobre eventos esportivos no mundo inteiro, informações e vídeos sobre atletas de basquete, baiseball, futebol, e outros”. (Klein, 2003, pág 160)

As mensagens que aparecem por toda a loja levam o tema adiante: “Para

todos os atletas e sonhos que buscam, dedicamos Nike Town New York.”

Pearson (2001) relata que as compras, neste local, são transformadas em

partes da história do esporte, ligando o consumidor e sua vida aos melhores atletas

do mundo. Isso, num ambiente onde o vendedor veste-se com roupas e tênis da

marca, onde há uma tela de 11 por 7 metros exibe vídeos promocionais e onde o

ícone (logomarca) é o guia que leva o consumidor por onde ele vá, em aparições

contínuas, onde entra-se por borboletas como em um estádio de verdade.

“Ao entrar na loja, vivencia-se uma estética refletindo esportes, força e movimento. Para nós, a Nike é uma marca de inclusão. Nela, todo mundo pode sentir que faz parte dela”.(Gordon Thompson, vice-presidente de pesquisa da Nike, Naomi Klein, pág 292)

Segundo Carol Pearson (1991), o herói é alguém relacionado à defesa de

limites, alguém comprometido com princípios coletivos e causas nobres para a

humanidade. “O herói reconhece e identifica necessidade em proteger princípios não

apenas individuais, mas também universais, trazendo o bem, a iluminação e a

ampliação da sabedoria coletiva”, esclarece a autora.

De forma semelhante aos enredos das batalhas e lutas heróicas de

grande alcance, os comerciais da Nike repetem os contextos destas lutas, exibindo

atletas guerreiros, lançando-se ao desconhecido, derrotando inimigos predadores e

forças opressoras.

Para Pearson (2001), a Nike posiciona-se como uma marca do herói. O

papel que desempenha, ao longo dos anos com as crianças negras dos subúrbios,

insuflando a possibilidade de ascensão social com a aquisição de tênis caros, o

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envolvimento em causas que lutam por direitos do ser humano (validação social) são

exemplos desta tentativa.

“Aspectos relacionados à realização através do corpo, do esporte e do futebol como cenário arquetípico são tentativas na busca dos temas construídos pelo herói, na medida em que a competição é uma forma de luta presente e comum na sua jornada. Princípios de coragem, força, inteligência, disciplina também fazem parte dos enredos e desafios construídos pelo herói, repetidamente traduzidos em seus comerciais de TV”. (Pearson, 2001, pág 79)

Segundo Pearson (2001), na vida cotidiana, o arquétipo do herói

proporciona às pessoas uma estrutura capaz de liberar a capacidade de se erguer

para enfrentar desafios, correr riscos. “Ele ajuda a desenvolver a mestria, exigindo

que abracem o risco e a mudança”, afirma a autora.

Em épocas de mudança, as pessoas são exigidas para que se energizem

pelo risco e que queiram provar suas aptidões, enfrentando um desafio atrás do

outro.

“A capacidade de correr riscos e perseverar até realmente conquistar alguma coisa significativa tem como resultado a auto-estima elevada e a validação social. Quando o arquétipo do herói está ativo nas pessoas, elas querem agir de maneira que cause impacto no mundo. O herói usa sua energia para deixar suas impressões digitais sobre o mundo ou para mobilizar pessoas a fim de destruir ou transformar as estruturas rígidas que nos desvitalizam. Quando essas figuras estão ausentes na nossa vida pessoal-como freqüentemente acontece, as pessoas suplicam por sua presença no mercado e na mídia”. (Pearson, 2001, pág 110).

Este diálogo entre os arquétipos e identidades de marcas como esta,

tenta trazer apenas uma interpretação de alguns conteúdos do inconsciente coletivo

descritos por Freud e Jung como elementos motivadores, que podem a qualquer

momento ser ativados e despertos.

Porém é importante reforçar que esses conteúdos simbólicos nunca serão

vivenciados através da marca, apesar de haver uma tentativa de determinados

profissionais em garantir a elas uma participação simbólica e o papel deles sempre

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será este: investigar e conhecer mais os consumidores e aprofundar a relação das

marcas com nossas vidas.

8.3 As Marcas do Inocente

[...] É possível encontrar a felicidade por meio do triunfo de certo tipo simples de pureza ou bondade.

Carol Pearson

A marca Nike, perseguindo e cultivando as imagens traduzidas pelo

arquétipo do Herói através das suas ações de mercado, propagandas, ou até

mesmo nos seus relacionamentos com os contextos sociais e culturais vêm

demonstrando através destes meios as identificações com este arquétipo e tudo o

que diz respeito ao seu papel no inconsciente coletivo.

Para Carol Pearson (2005), os apelos ao “Inocente”, como a autora se

refere ao arquétipo “criança”, se relaciona ao retorno à inocência, ou ao “paraíso

perdido”, ou seja, algo que traz possibilidade de renovação seja a de idéias,

comportamentos e vidas. São extremamente atrativos nesta época frenética e

estressante, porque promete que as pessoas possam sair e relaxar, desfrutar a vida.

A promessa básica do Inocente é que a vida pode ser o Édem. Como

exemplo é possível citar os especiais natalinos e os sentimentos que circundam os

períodos do Natal. Normalmente são acompanhados de sentimentos de esperança e

maravilhamento.

“O que determinadas marcas ou artifícios da mídia moderna prometem é que, se ocorrer a queda do Édem, a redenção é possível, assim, os acontecimentos desagradáveis ou desafiadores acabam levando a um final feliz e a estagnação leva à renovação”. (Pearson, 2005, pág 64).

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A idéia de paraíso terrestre exerce tremenda atração sobre a imaginação

do mundo moderno.

“Mesmo numa sociedade mais materialista e competitiva, o arquétipo da ”criança” está associado aos prazeres simples, aos valores básicos e a um atributo saudável que faz dele um significado a ser escolhido para produtos naturais, sabonetes, alimentos e outros produtos de uso doméstico. Alguns alimentos podem incorporar o Édem domesticado pelo qual anseia o Inocente, um lar alegre e confortável, a promessa de um novo dia”. (Pearson, 2005, pág 66)

A experiência perfeita é evocada em infinitas possibilidades de anúncios e

comerciais. Pearson (2001) cita as redes de Hotéis que fazem um apelo explícito a

esse desejo, mostrando imagens idílicas e frases como “o repouso perfeito”.

Algumas marcas admitem os limites de sua capacidade de criar o Édem, apelando

para consumidores que reconhecem esta realidade. “Para muitos deles, já é uma

grande realização tornar maravilhosa uma parte qualquer da vida”, exemplifica a

autora.

Segundo Pearson (2001), este arquétipo ensina às pessoas a ser criança,

no sentido de repensar, ser de outra forma, abrir-se para experiências que sempre

estiveram dentro de nós, ao nosso alcance, porém abandonadas por nós mesmos. A

partir da observação deste aspecto, é possível visualizar a intenção das

propagandas sobre idéias de “renovação”.

Geralmente, os comerciais traduzem esses contextos dentro de temas

que envolvem a rotina e o cotidiano das pessoas, através de anúncios com enredos

que tendem à uma mudança, uma nova atitude, ou até mesmo à volta de valores

fundamentais, básicos, simples, porém tão importantes.

Em Mircea Eliade apud Carol Pearson (2005), afirma que muitas religiões

oferecem renovação espiritual. Em culturas primitivas, por exemplo, um dos

principais rituais é o rito anual em que o mundo é simbolicamente recriado.

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A autora cita a mesma prática em religiões como o cristianismo, através

da “renovação” da Páscoa e da graça que purifica o pecado. Outros como a

confissão, a penitência também são exemplos destas práticas.

“No judaísmo, o período entre o Ano Novo e o Dia do perdão permite a reflexão e a possibilidade de entrar o ano de outra forma. O que estas religiões ensinam às pessoas é como esses rituais podem restaurar a fé, o otimismo, a esperança”.(Pearson, 2005, pág 71).

Segundo Jung (2000), o motivo da criança representa o aspecto pré-

consciente da infância da alma coletiva. O exercício religioso, isto é, a repetição das

palavras e do ritual do acontecimento mítico tem por isso a finalidade de trazer a

imagem da infância e tudo o que a ela está ligado diante dos olhos da consciência,

com o objetivo de não romper a conexão com o estado originário.

Muito diferente, portanto, da repetição das imagens do comercial na

publicidade, onde o que se nota é uma repetição fragmentada e escópica dos

discursos, sem objetivo de qualquer conexão simbólica, está a margem do ritual

mítico.

“Os temas e enredos explorados pela publicidade, na intenção de trazer para as pessoas experiências que evocam as intenções deste arquétipo em suas vidas é cada vez mais confortável, pois a simples desaceleração pode dar uma sensação de espiritualidade. Atraídas pela promessa de renovação, de resgate e redenção são atraídas para idéias positivas e esperançosas, para imagens simples e nostálgicas”.(Pearson, 2001, pág 96)

As marcas do arquétipo da “criança” incluem a Walt Disney, A

McDonald’s, a Coca-Cola, entre outras. Estas marcas prometem a experiência da

volta da inocência, ou seja, a vida pode ser simples, boa, descomplicada.

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Para Carol Pearson (2005), os cartuns de Mickey Mouse17, de Walt

Disney são exemplos típicos de como a persistência pode transformar a derrota em

sucesso.

“Ao inventar o famoso rato, Disney tinha a intenção de fortalecer o que havia de melhor na tradição “dos trapos à riqueza” e ensinar valores como otimismo e persistência. Certamente, valores diretamente relacionados à possibilidades renovadoras, a “novos começos”, e à recriação simbólica”.(Pearson, 2001, pág 90)

De maneira semelhante, na busca pelo paraíso perdido, a Rede

McDonald’s promete um local de diversão para crianças e famílias - “aquele lugar

maravilhoso”. Os arcos são símbolos coerentes para a entrada da Terra prometida.

Segundo a autora, os arcos dourados do McDonald’s anunciam a

disponibilidade de “alimento, comida e alegria”, as cores têm apelos para as

crianças, mas não só isso, os esforços filantrópicos são coerentes com o desejo de

tornar o mundo melhor para elas.

Além disso, prossegue a autora, os restaurantes McDonald’s são sempre

limpos, bem iluminados, aconchegantes. “São aspectos diretamente relacionados ao

desejo que muitas pessoas sentem de escapar, pelo menos temporariamente, da

ambigüidade e incerteza da vida moderna”, acrescenta.

[...] “As pessoas têm o anseio pelo paraíso que caracteriza o inocente, mesmo que elas já tenham deixado de ser simples ou ingênuas. Quanto mais vividas são as pessoas, tanto maior é o ímpeto do grande sonho. A inocência, a verdade, não tem a ver com a realidade; o que ela faz é tentar manter viva a esperança.” (Carol Pearson, 2005, pág 78).

17 Walt Disney, após passar por muitas dificuldades com a perda do emprego em Hollywood, em 1925, assinou vários contratos mal-sucedidos com produtoras de filmes, inclusive perdendo direitos autorais sobre alguns dos seus personagens. Desolado, Walt Disney teria dito à sua esposa Lílian, “Sinto-me um rato”. Ele teria lembrado de um camundongo que havia em seu antigo estúdio, com o qual brincava com a ponta do lápis e que chegou até mesmo a batizar: Mortimer. Mas a esposa, Lilian, achou o nome muito pretensioso e sugeriu "Mickey". (Pearson, 2001, pág 80)

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9.0 Estudo de Caso Nike:

9.1 Metodologia

A pesquisa abordada foi bibliográfica, incluindo material publicitário como

comerciais e anúncios em geral.

A partir da pesquisa qualitativa, através da modalidade Estudo de caso foi

possível identificar elementos comparativos e descritivos, para que possamos

descobrir quais arquétipos envolvidos na formação e expressão da marca Nike,

bem como a influência sobre o que move o consumidor diante de sua imagem.

Para a análise comparativa e interpretativa entre o material publicitário e

os conhecimentos sobre inconsciente coletivo e os arquétipos teremos como

base os seguintes livros: Mitologia Grega 3 vols, o Herói e o fora da lei, O herói

de mil faces, Dicionário mítico- etimológico da cultura grega, Rastreando os

Deuses- O lugar do mito na vida moderna, Él spot publicitário- Las metaforisis

Del deseo.

Desta forma, construiu-se uma rede de associações, onde se possa

perceber a presença de elementos que representem uma relação com as

mensagens publicitárias e com os posicionamentos das marcas.

Através dos temas e histórias mais representativas contadas pelos

comerciais analisados durante o trabalho, a pesquisa reconheceu e verificou

como o arquétipo pode aparecer no discurso televisivo, sejam através das

imagens, da condução do tema, do enredo, dos atores e personagens etc.

O comercial de TV, ao explorar os enredos míticos encontrados no

Inconsciente coletivo pode, através das imagens fetichistas do comercial atrair os

consumidores, tanto para um consumo intransitivo, independente da aquisição

dos produtos e atraí-lo cada vez mais.

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Utilizamos, portanto, o material bibliográfico, associado à comerciais

escolhidos a partir da análise teórica. Os comerciais, escolhidos durante a

análise bibliográfica são os que mais exemplificarem a identidade da marca e os

arquétipos que ela evoca.

Os critérios para a escolha são os temas heróicos e dentro dessa

abordagem, os temas que envolvam disputas, adversários, limites, o corpo, as

glórias. Ou seja, temas que a marca expõe nos comerciais e suas variações em

geral.

9.1.1As Hipóteses

Há a presença de arquétipos evocados na forma como algumas “Imagens de

Marcas” se expressam.

A força de um arquétipo, associado a uma imagem de marca pode reforçar o

consumo de “imagens de marca”, não do produto em si. Evidencia um

consumo, portanto, poderoso e intransitivo.

A ativação de um arquétipo no inconsciente coletivo pode mover o

consumidor em direção a uma imagem de marca que o atraia.

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9.2. Comerciais

9.2.1 Bem x Mal

Duração: 1 min 30 seg Colorido Anunciante Nike O Bem contra o Mal Sinopse: “E naquele dia, o príncipe das trevas apareceu sobre a Terra para destruir o mais

belo dos jogos”.

Assim, dá-se início uma partida de futebol se inicia nas ruínas do Coliseo. Alí se

confrontam forças do bem contra o mal. De um lado, jogadores consagrados

tentando lutar e vencer dignamente e de outro, homens bárbaros que utilizam os

meios mais injustos para vencer a partida. Em meio a confrontos e muita luta para

vencer esta contenda, o time que obtém a vitória é o que se mostrou jogar limpo e

dentro das regras do futebol.

Princípios Míticos-Eros (Força) & Psiquê (Harmonia), Hefesto. Inicialmente, encontramos no cerne da luta esportiva o equilíbrio entre

dois princípios: Eros (a força), Psiquê (a harmonia).

Na cena em que se inicia o confronto esportivo entre os dois times é

possível perceber o equilíbrio entre estes dois princípios. Segundo Távola (1985), o

princípio masculino (Eros) alia a agressividade, a luta, a força física, a disposição, o

corpo e a energia em ação. Psiquê, o princípio feminino é o que ordena esta força. É

o que garante profundidade e intuição à força e aos movimentos. É’ um elemento

ordenador e criativo, capaz de modelar com inteligência as ações dos jogadores.

São os elementos táticos, estratégicos, organizadores.

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Os dois times têm o desafio de conciliar tática, inteligência aliada a

agressividade. Porém, o comercial nos deixa claro a incapacidade do time de

jogadores bárbaros em aliar esses elementos. Há um excesso da agressividade e

uso da força, evidenciado pelo constante embate físico, os socos, pontapés e

cabeçadas.

As feições assustadoras de ódio e ameaça também estampadas nos

rostos dos bárbaros jogadores também evidenciam a predominância do elemento

“Força”.

As máscaras de ferro e as chuteiras pontiagudas aparecem como armas,

demonstrando o perigo e a força que estes homens utilizam. Não é possível

visualizar nenhuma ação intuitiva ou estratégica por parte dos bárbaros. Por não

conciliar os princípios míticos descritos, o time bárbaro não consegue manter por

muito tempo uma situação confortável até o fim da partida.

Alguns recursos televisivos são utilizados pelo comercial para reforçar a

idéia de força, agressividade e imponência do time bárbaro. Podemos evidenciar isto

quando esses jogadores aparecem, pois estão todos em um tamanho incomum, fora

do normal. Parecem ser gigantes, com pés e movimentos de projeção poderosa e

assustadora diante da TV.

No entanto, o time da Nike parece se empenhar para equilibrar sua Força

e harmonia. A cada passe de bola, os jogadores mantêm-se unidos e confiantes,

apesar das dificuldades. As cenas explicitam para o espectador que esses jogadores

são talentosos, sagazes, ou seja, realmente capazes de enfrentar qualquer batalha,

mas que nem por isso se utilizam dos meios desonestos para isso, apenas seguem

as regras do esporte e utilizam suas táticas, inteligência e criatividade aliada à força

física.

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Neste caso, os recursos audiovisuais também explicitam toda a desenvoltura e

técnica utilizada pelo time da Nike. São chutes à distância muito precisos, difíceis

jogadas aéreas, dribles seguros e habilidosos, demonstrando toda intimidade e

conhecimento dos jogadores pelo esporte. Os dribles em câmera lenta também

reforçam a criatividade e o talento dos jogadores com a bola.

Força e harmonia precisam ser integradas o tempo inteiro, são dois

elementos voláteis, de difícil interação entre eles, mas que por esta razão constitui-

se um desafio para o herói e para a conquista de suas batalhas na vida, no esporte,

seja em que jornada estiver. O time da Nike concilia e integra esses dois princípios

todo o tempo e demonstram que não é uma tarefa fácil, exige persistência e

coragem para não se abater diante do inimigo.

O esporte, aqui em especial o futebol tenta manter em consonância esses

dois elementos juntos e equilibrados, tanto no desempenho de cada jogador como

de toda a equipe.

Hefesto, “A luz noturna do inconsciente”.

Um deus que nasce da competição entre sua mãe Hera e seu pai Zeus.

Assim é Hefesto.

Ele é concebido por partenogênese por sua mãe a fim de vingar-se do pai

Zeus, por ter criado Atena (deusa da sabedoria) nascida de sua cabeça. No entanto,

Segundo Boechat (1997), Hefesto é rejeitado por sua mãe ciumenta e narcísica e

por um pai ausente que nada quer saber dele.

Sendo assim, Hefesto reage contra si mesmo através de uma

autocastração. Castração nos relacionamentos e na sua agressividade. Ele é uma

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energia, um deus que não consegue “adequar” seus fogos ao social, mantendo-o

introvertido, debaixo da terra. Por isso, sua libido é mantida no Inconsciente.

Para Junito de Souza Brandão (1997), Hefesto é o único deus que

trabalha e apresenta deformidade física. Ele não habita as luzes, assim como Apolo

ou Atena. Estes são deuses da consciência e representam o belo, os valores

socialmente aceitos por todos, ou seja, as claridades. Ele é, portanto, transgressão

de toda regra, é imaginação, fantasia, pois habita obscuridades, é a luz noturna do

inconsciente.

Hefesto e o Espaço:

Hefesto aparece como um princípio mítico essencial para nos ambientar

acerca de que tipo de batalha ocorre ali, saindo das dependências e ruínas do

Coliseo e entrando em outra esfera. Trata-se de uma batalha no inconsciente. Numa

região distante de tudo, num terreno imaginário. Fora do mundo real. Constrói-se ali

um espaço onde só cabem o imaginário e os conteúdos inconscientes. A

consciência abandona a realidade e entra num espaço sombrio e confuso.

Atente-se para a mudança das luzes do vídeo. Elas começam a

escurecer e uma sombra vai cobrindo a tela aos poucos até chagarmos em um

terreno desconhecido e repleto de fogo. Um lugar distante, nas profundezas da

Terra. Lá, o fogo cerca tudo o que lá se passa.

Então, saímos das claridades e entramos num universo cheio de arenas

de fogo, o fogo Hefestiano (inconsciente) que permeia todas as cenas e nos

convoca. Segundo Carol Pearson (1991), para um guerreiro de alto nível, a

verdadeira batalha é sempre contra os inimigos interiores; a preguiça, a descrença, a

desesperança, e a rejeição. A coragem de enfrentar os dragões interiores é o que

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nos permite enfrentar os dragões exteriores com sabedoria, habilidade e

autodisciplina. No meio destas arenas de Hefesto, os heróis-jogadores irão tentar

vencer seus medos, seus monstros e seus próprios limites.

As linhas de fogo vão compondo os limites do campo no vídeo. As cores

deste fogo não são cores reais, mas cores imaginárias. São extremamente

excitantes e vivas. Deste fogo do inconsciente (o fogo dos medos, do desconhecido,

do sombrio, de Hefesto) é que surgem os inimigos que terão que ser enfrentados

pelos heróis. Há uma cena onde um rajado de fogo faz surgir os monstros e

inimigos.

Por isso, a alusão a Hefesto é oportuna na medida em que ele representa

os conteúdos e forças que não costumamos enfrentar e conhecer. São forças

ocultas do ser, mas que existem e se fazem presentes. Neste momento, os

jogadores estão sob essas forças e terão que enfrentá-la.

O Espaço e as Cores

A construção dos espaços, neste comercial, é acompanhada de uma

inter-relação com as cores. Elas representam um papel importante para situar os

sentimentos, as sensações e idéias envolvidas no contexto do vídeo.

Nas cenas iniciais, por exemplo, as cores pontuam a passagem de

ambientes que ocorre no comercial. A cena em que ocorre a passagem (mudança)

do espaço real, as imagens do Coliseo e suas ruínas e partem para outro espaço,

subterrâneo e desconhecido explicita a presença das cores como um aspecto de

ambientação, norteando e indicando ao espectador o que está por vir. Antes desta

passagem (mudança) de ambientes, temos a presença de cores como o azul, o

branco, o amarelo e a predominância de luminosidade.

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Após este momento, esta mudança (passagem) de ambientes é

caracterizada pelas cores de tons escuros, com pouca luminosidade. As cores

indicam, não só a mudança de ambientes, mas a tendência de algo que sai de cima

para baixo, de algo que abandona a luz, a razão, a consciência e se depara num

terreno desconhecido, escuro e difícil de compreender (conhecido para o

desconhecido).

Este lugar é caracterizado, neste comercial, como um lugar das

profundezas, do subterrâneo, dos esconderijos e quase impenetráveis, o que pode

ser evidenciado pelas cores sem luminosidade e pelas sombras, trazendo até certa

dificuldade para a visão do espectador.

A combinação de cores que este espaço subterrâneo nos remete é

formada por cores excitantes, fortes e surreais, possíveis de existir apenas num

ambiente onde o delírio e a imaginação prevalecem.

A cor vermelha e os tons de vermelho, por exemplo, permeiam quase

todas as cenas do comercial e pontuam principalmente os momentos de tensão e

dificuldade enfrentados pelos jogadores, os embates físicos, etc.

As bandeiras hasteadas no início e durante a competição são bandeiras

vermelhas, bem como as roupas utilizadas pelos torcedores nas arquibancadas.

Além da cor vermelha, os tons e as labaredas de fogo estão presentes por todas as

cenas e servem de cenário para compor o contexto que esta batalha remete.

O fogo e as variações de cor salientam o perigo, o desafio, os medos,

mas ao mesmo tempo reforçam aspectos como coragem, luta e conquista, pois

também aparecem durante as revanches e os momentos de superação, força,

habilidades.

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O espaço, caracterizado como um espaço sombrio e tenebroso tem a

predominância de cores escuras, de sombras, muito pouca luminosidade. Sendo

assim, as cores traduzem e reforçam as características deste espaço inconsciente.

O Herói “guerreiro”

Segundo Távola (1985), o herói simboliza o ser humano em sua fase

evolutiva. O herói representa a forma de evoluir, aprender, enfrentar os desafios. Ele

é uma constante em todas as civilizações. As narrativas do herói têm a função de

nos impulsionar através dos limites do conhecido pra o desconhecido. É o guerreiro

interior que inicia a jornada em busca de um tesouro, uma vitória, uma causa. Nesta

jornada, ele precisa enfrentar e matar dragões e tiranos.

Os heróis do comercial são assim lançados ao desconhecido. Eles

precisam jogar e enfrentar o desafio e a batalha esportiva que os coloca diante dos

seus limites.

Neste comercial, há uma equipe (a equipe dos times mundiais) sendo

convocada a enfrentar monstros desconhecidos. Há uma torcida que não vibra nem

torce por eles. Ela também quer eliminá-los. Ali, naquele ambiente hostil e

ameaçador, eles parecem estar sujeitos a todo tipo de inimigos e forças. Tentam

lutar com as armas que podem para vencer. Eles são os heróis que jogam limpo e

se esforçam até o fim para manter os princípios do futebol.

Eles estão regidos pelo arquétipo do herói, em especial herói guerreiro,

aquele à qual cabe a missão de defender os territórios, os limites do seu clã, do seu

grupo. Geralmente, o guerreiro participa de competições, defendendo suas

fronteiras, seus limites.

Segundo Carol Pearson (1991), o guerreiro é alguém comprometido com

a luta pelo bem, pela justiça. Suas armas são a coragem, a disciplina e o treino. O

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guerreiro arrisca sua vida pelos princípios que acredita e na maioria das vezes em

função de causas que dizem respeito ao coletivo e ao bem de toda humanidade, não

somente à seus próprios interesses.

Para a autora (1991), este arquétipo nos diz como a coragem e o esforço

humano pode vencer o mal. Este mito salienta o fato de que o mal e a

desonestidade realmente existem, todavia se formos suficientemente espertos e

habilidosos e tivermos coragem e apoio suficiente, o mal pode ser vencido.

Assim, o herói guerreiro se propõe a estabelecer o seu lugar no mundo e

transformá-lo num lugar melhor pra todos e é de fundamental importância ter no seu

caminho a escolha entre o bem e o mal. Para os heróis do comercial, também fica

claro o desejo de defender a humanidade e lutar por causas e valores importantes

para todos, como explicita a luta entre o Bem X Mal, mostrada pelo vídeo.

Os guerreiros deste comercial sofrem embates corporais violentos, são

socos, cabeçadas e solavancos aos quais se vêm levados a esquivar o tempo

inteiro. O time inimigo sai de dentro de um fogo muito aceso e forte e se lança em

direção aos jogadores. Eles começam a correr como se partissem para uma luta

onde os embates corporais são constantes durante as posses de bola e os lances

aéreos. Há um juiz apitando a partida, porém ele nada ouve ou fala sobre as

reclamações de um dos jogadores.

Assim, como guerreiros, eles lutam apenas com o que têm. A disciplina, a

determinação e a coragem não faltam nos momentos em que as forças do mal os

golpeiam de todos os lados.

A Jornada do Herói Neste comercial encontramos o Herói nas três fases da sua jornada. São

momentos que se passam em um local distante, atente-se para as ruínas indicando

que ali houve uma ocupação, mas que num tempo presente não mais existe.

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A partir das ruínas do Coliseo, uma outra paisagem vai se configurando.

O cenário inconsciente. Este é o cenário da batalha heróica. Na maioria das vezes,

um cenário que desconhecemos as forças que atuam. Sendo assim, o herói é

alguém que se propõe a explorar esta dimensão, seja de forma voluntária ou

relutante.

O chamado:

Momento em que um pedaço de carne parte de algum local do campo.

Esta ação é acompanhada de um riso sarcástico, gozador, e de onde os jogadores

não sabem de qual direção ele vem. Porém, fica claro que neste momento os

jogadores estão diante de um novo desafio, de uma nova batalha. A partir deste

momento, algo de novo pode acontecer, pois agora eles são convocados à luta.

A iniciação:

Nesta fase, os heróis enfrentam o time inimigo e todos os infortúnios da

disputa. Os adversários jogam inescrupulosamente, usam a força física para

machucar e derrubar o outro time. Para isso, o time inimigo usa chuteiras

pontiagudas, máscaras de ferro sob o rosto pintado e apresentam estaturas muito

acima do normal. Neste ambiente, os jogadores driblam e realizam bons passes e

jogadas, todas com muito sacrifício e talento. Ao final desta fase, num lance que

define a partida, o monstro de patas e asas aparece enfurecido com a possibilidade

de um gol. Ele antecipa-se e sobrepõe suas enormes asas na frente gol dos heróis.

Porém, a bola é chutada com tanta força que atravessa o centro de seu corpo, em

chamas.

Page 91: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

O Regresso:

Cena em que um dos jogadores reaparece sozinho. Através da expressão

do seu rosto, o jogador revive ou relembra dos momentos da luta que participou. A

câmera “arrodeia” o seu rosto e novamente (a primeira vez é no início do filme) a

imagem do Coliseo pode ser vista de uma tomada superior, do alto. A sensação é de

que é foi “trazido”, recolocado novamente no espaço real. Nas histórias mitológicas,

o monstro que engole o herói e luta contra ele, o transporta, o devolve novamente

para seu local de origem.

Os efeitos sonoros e o ritmo da câmera em sua face se encarregam em

traduzir este momento, demonstrando assim que o herói volta, retorna e recomeça

algo.

É o seu retorno. Mas este reaparecimento não é apenas uma aparição

qualquer. Este momento marca o retorno do herói após a luta. Agora, ele está

transformado e conscientizado pela tarefa heróica. Neste regresso, o herói não é

mais o mesmo do início. Através da experiência, ele se conectou ao arquétipo e

reconstrói, reincorpora o material simbólico apreendido. Reabastece e renova a sua

fonte de conhecimento.

Assim, os heróis deste comercial, repetem a jornada do herói mítico na

medida em que a trajetória percorrida por eles é de um ciclo, uma espiral. O herói

mítico penetra o desconhecido e enfrenta o monstro-tirano, a escuridão e depois

retorna, obtém a renovação de seus símbolos, fortalecendo e iluminando sua

consciência18.

18Consciência é o campo iluminado sobre o abismo do ser, ela é o espaço que se ilumina no homem. Fluxo de percepções internas e externas que se constitui ao longo da vida. A consciência do eu se desenvolve ao longo da existência, alcançando maior intensidade e extensão. Assim ocorre com a consciência da humanidade. A consciência é esse espaço intermediário que chamamos de imaginação criativa, onde ocorre a síntese dos sentidos e apreensão do mundo externo. Onde se originam nossos atos, decisões e pensamentos. (Zilda Gorresio, 2005, pág 82).

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O Coliseo, o Futebol e a Luta do Bem X Mal: O Coliseo:

O Coliseo é um espaço emblemático de lutas e conquistas do Ocidente. É

um ícone da história ocidental A sua imagem nos remete, de uma maneira geral às

conquistas e batalhas travadas pelos heróis responsáveis pela construção de nossa

civilização. A associação da imagem e da utilização deste espaço icônico com o

futebol é uma tentativa de atribuir a este esporte e ao contexto da marca uma razão

heróica.

O Futebol e a luta do Bem contra o Mal:

Segundo Távola (1985), no futebol está presente a operosidade, a defesa

do território (ou da propriedade), através da ação conjunta da comunidade (o time).

Os jogadores deste comercial são os “jogadores do universo”. Eles são o

time do universo, pois lutam, aqui, por uma causa que diz respeito a todos os seres,

todos os humanos.

Não há espaço para pequenas disputas. Aqui, eles estão unidos por uma

batalha universal, que independe de rivalidades entre países. A luta do bem contra o

mal. E essas forças estão ali, se confrontando. Todos estão unidos pelos princípios e

valores do esporte, antes de qualquer coisa. Os heróis deste comercial foram

convocados para este intuito grandioso.

Para Campbell (1995), a introdução na experiência de nascimento (o

chamado) e retorno a ela (renascimento), com a experiência do regresso possibilita

ao herói ter a noção de unidade. O indivíduo, então faz parte do todo, da unidade

mais ampla formada pela comunidade como um todo. E assim, todos se tornam Uno

e não o contrário.

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O filme coloca jogadores de times de países diferentes, mas todos eles

estão vestindo e calçando camisas e chuteiras da Nike.

É importante salientar que a marca aparece aqui como um elemento de

união indispensável para impulsionar esses heróis. Algo que não mais se caracteriza

como objeto físico, (produtos), mas algo sim dotado de uma abstração ilimitada em

se tratando de uma marca de produtos. É um valor, um sentimento. A marca

esclarece, portanto, a tentativa de utilizar-se de elementos tais como unidade e

completude, trazidos pelo arquétipo.

O time de jogadores representa os heróis que aceitam da experiência do

arquétipo e do ritual de transformação, ou seja, aceitam o chamado. Estes “heróis do

time universal de futebol” não se deixam levar pelo egoísmo nem pelos impulsos de

engrandecimento e poder que seus monstros e medos internos, representados aqui

pelo demônio alado do comercial tentam impor.

Diferentemente dos jogadores deste comercial, em Campbell (1995),

encontramos a história do Rei Minos, que embebido pelo impulso egocêntrico torna-

se o perigoso tirano Gancho-aquele que reivindica tudo para si.

“Acometido pela ambição, o rei aprisiona o touro divino, desafiando as forças divinas. Ao recusar o chamado, o Rei Minos encara o futuro não como uma série de mortes e nascimentos, mas sim em termos da obtenção e proteção do seu atual sistema de ideais, virtudes e vantagens”.(Campbell, 1995, pág 100)

Aqui, mais uma vez, a marca incita e valoriza iniciativas como coragem, e

desapego material, inclusive, para então anexar e acoplar a noção da marca ao

comportamento do herói.

O monstro tirano Campbell (1995), afirma que o monstro-tirano é familiar às mitologias,

tradições folclóricas e lendas. Suas características, em quase todas as

Page 94: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

manifestações, são essencialmente as mesmas. Para Campbell, ele é o acumulador

do benefício geral. “É o monstro ávido pelos vorazes direitos do “meu e para mim”.

Significa também a proteção do ego e das virtudes, até que os mesmos nos

aprisionem e nos afastem do Herói e dos caminhos da transformação.

A ruína que atrai para si é descrita na mitologia como generalizada,

alcançando todo seu domínio. O ego inflado do tirano é uma maldição para ele

mesmo e para seu mundo. É um ser auto-aterrorizado, com incontroláveis impulsos

de aquisição. Campbell (1995) afirma ainda que onde quer que este ser esteja, há

um grito em favor do “herói redentor”, o portador da espada flamejante, cujo toque,

cujos golpes e existência libertarão a terra.

De forma similar, o monstro-tirano está representado no comercial na

figura do polimorfo demônio alado. Ele representa a maldição da qual Campbell

retrata, ou seja, aquele que é voraz e representa a ruína do auto-engrandecimento,

do impulso do seu ego em dominar, controlar e utilizar os piores meios para isso.

Os recursos audiovisuais utilizados durante algumas cenas do comercial

explicitam como se dá o confronto entre o monstro e o herói.

1ª cena: Os jogadores da Nike se posicionam um ao lado do outro, como no início

de qualquer partida de futebol.

Após esta tomada, o demônio aparece em meio a uma rajada de fogo. Ali,

se prepara para manipular, através de meios torpes o andamento do jogo. Surgem

então, os seus seguidores. São verdadeiros jogadores bárbaros, usando máscaras

de ferro sobre seus rostos. Eles não aparecem em tamanho normal, parecem ser

maiores do que na realidade.

As cenas se preocupam em mostrar a oposição de forças do bem contra

as do mal. As ações do time do bem estão sempre entrecortadas pelas ações do

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time oposto. O telespectador pode então conhecer as estratégias e armas utilizadas

por cada time.

2ª cena:

Os embates físicos se iniciam e há agora, uma tentativa do time do bem

em jogar dentro das regras. Os bárbaros batem e chutam forte, demonstrando que

não apenas querem a vitória, mas exterminar os opositores. Há uma série de chutes

e cabeçadas proferidas aos jogadores da nike. Neste mesmo embate, um dos

jogadores (time da nike), cobra ao juiz qualquer explicação sobre aqueles atos, e

logo em seguida é acometido por um soco em sua cabeça.

3ª cena: O time do bem continua a se esforçar bastante para superar as

dificuldades deste embate. No entanto, utilizam para isso as táticas, dribles e todo o

seu talento em campo para contornar a situação. Quando o monstro polimorfo vê-se

perdido diante das bem executadas e talentosas jogadas, perde o controle. O

monstro está furioso, pois não consegue evitar que sua força se imponha e seus

objetivos sejam satisfeitos.

Quando percebe a tentativa de gol do time oposto, ele salta diante da

trave e projeta enormes asas, impedindo qualquer tentativa de gol. No entanto, após

um chute vitorioso, a bola, após ser tomada pelo fogo, atravessa o seu corpo e o

derrota.

As três cenas explicitam o embate entre as forças do bem e do mal, além

de estabelecer uma relação direta do monstro polimorfo do comercial com o monstro

tirano descrito por Campbell (1995).

Desde a primeira cena descrita, o monstro-tirano se impõe como uma

força ou energia que impede, ameaça e dificulta a jornada heróica. Este monstro

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representa os impulsos incontroláveis do auto-engrandecimento e dominação

destrutiva de cada um de nós, assim como na história do Rei Minos19.

O fogo, aqui, representado como um elemento noturno, que ambienta o

espaço inconsciente e desconhecido, também é utilizado pelo monstro-tirano como

algo que reforça e acentua a sua presença e o garante poder neste ambiente.

Porém, ao fim do vídeo, ele é consumido pelo próprio fogo, ou seja, suas próprias

armas contra o inimigo acabaram por consumi-lo por completo.

Até o fim da sua jornada no comercial, o monstro-tirano tenta impor as

suas vontades, porém como pode ser visto ao fim do filme, o seu impulso desastroso

e as próprias atitudes e idéias que nortearam seus impulsos de autoconquista e

engrandecimento irão levá-lo ao caos e destruição.

O Círculo - A Questão da Circularidade As cenas deste comercial são compostas por espaços circulares, onde o

aspecto cíclico é evocado em diversos momentos, temos então uma evidência da

circularidade e da presença do círculo, marcando as características do contexto e

conteúdo do comercial.

O Sol e a Circularidade

Este comercial já se inicia num movimento de câmera circular. A câmera

parece fazer círculos e voltas, como uma forma de acentuar as imagens circulares

do início do vídeo (Coliseo, Sol, os chifres arredondados do animal)

Uma das primeiras cenas do comercial, antes da penetração no espaço

inconsciente é um grande Sol brilhante, mas que aos poucos vai tendo o seu brilho

19 Segundo Campbell (1995), a recusa do chamado converte a aventura em sua contraparte negativa. O sujeito perde o poder da ação afirmativa dotada de significado e se transforma numa vítima a ser salva. Seu mundo florescente se torna um deserto cheio de pedras e sua vida dá uma impressão de falta de sentido. Possuído por tais forças qualquer que seja a casa que ele construa será um labirinto de paredes ciclópicas. Tudo o que ele pode fazer é criar novos problemas para si próprio e aguardar a gradual aproximação de sua desintegração. Campbell, 1995, pág 67.

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subtraído por uma luz sombria. Aos poucos, essa sombra acomete toda a cena e

nos transporta para o ambiente desconhecido, para outra esfera. Lá ocorrerá uma

batalha onde forças opostas se enfrentam.

O Sol reaparece no comercial durante as cenas que finalizam a história.

Após a destruição do monstro-tirano do comercial, a imagem de um novo Sol

reaparece. Este reaparecimento anuncia e mantém a existência do ciclo, dando

consciência ao espectador que um novo momento se inicia, a idéia de um recomeço.

Trata-se do recomeço que a fase da jornada “O regresso” garante ao

herói.

Para Campbell (1995), o sol é aquele que nutre a humanidade. Uma tigela

do alimento de Deus. O raio solar que aquece a Terra simboliza a comunicação de

energia divina ao útero do mundo. É o eixo que faz girar, e a circulação de energia

pela porta do sol é contínua. O sol é o ponto umbilical através do qual as energias

da eternidade irrompem no plano temporal.

O herói, neste sentido representa um meio onde tudo isso ocorre, ou seja,

um símbolo de contínua criação através do contínuo milagre de vivificação que brota

no interior de todas as coisas.

Sendo, portanto, ubíquo e fonte de toda existência, é nele gerada a

plenitude do bem e do mal no mundo, a feiúra e a beleza, o pecado e a virtude, o

prazer e a dor são igualmente produção sua.

O Sol, a partir da sua circularidade é um elemento que adiciona a noção

de completude, perfeição, de ciclos completos.

O Coliseo reforça esta idéia de completude e ciclos, sendo que representa

um espaço onde lutas tiveram início e fim, começaram e recomeçaram. De certa

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maneira, O Coliseo possui e participa desta identidade cíclica da jornada heróica,

seja pela forma, seja pelo seu conteúdo histórico.

As cenas e os círculos Primeiro, os espaços nos quais a batalha ocorre possuem uma tendência

à circularidade.

A começar pela forma circular do Coliseo, reforçada pelos movimentos

circulares da câmera. Após esta cena, temos a forma circular da imagem que

introduz o telespectador no ambiente Hefestiano do inconsciente. A cena mostra em

primeiro plano uma pata, a pata do monstro tirano, e ao redor dela um círculo de

fogo se forma. Este fogo então se alastra e contorna os limites do campo de futebol.

Em seguida, a câmera leva o telespectador pela entrada do estádio

subterrâneo, que também é circular.

Naquele espaço circular, uma torcida efusiva se organiza e acena suas

bandeiras vermelhas. Mais uma vez, está aí reforçada a questão da circularidade

como um elemento representativo da idéia de ciclo, fechamento.

O discurso televisivo sedutor Segundo Requena (1999), o comercial de tv é um lugar onde o discurso

da utilização de imagens sedutoras se encontra facilmente hoje em dia. Este mundo,

de um lado fragmentado e totalizador, oferecido ao olhar voraz do espectador em

uma relação dual, imaginária, escópica pode ser evidenciado neste comercial como

mostram algumas imagens de cenas escolhidas para a análise.

O comercial apresenta imagens puramente imaginárias (entendendo

imaginário como domínio das imagens delirantes, surreais). Essas imagens formam

as características deste espaço, que como já foi dito é um espaço onde habitam os

conteúdos inconscientes. Elas formam um canário fantástico.

Page 99: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

Acontece exatamente isso: o espaço deixa o real. Ele sai das ruínas, das

tomadas do Coliseo e do sol que é encoberto pela sombra das trevas e entra num

espaço desconhecido, confuso e sombrio.

Imagens fetichistas:

Neste comercial encontramos imagens fetichistas em determinadas

cenas. Segundo Requena (1999) o fetiche se caracteriza por uma estrutura

semiótica propriamente metonímica. A parte pelo todo. Assim, o fetiche constitui o

resultado de uma operação metonímica que tende a restabelecer a plenitude

imaginária do objeto primordial, isto é, a reconstituir a plenitude narcisista.

A sua função é a restauração desta imagem primordial narcisista. Ele está

mais próximo da ordem do imaginário que da ordem simbólica.

Por isso, as imagens fetichistas do comercial tentam remeter o espectador

diretamente à realização de um desejo. Geralmente esta imagem completa, perfeita

e plena é a associação de um personagem e a marca, ou produto da marca.

Esta reunião fetichista é o que possibilita, no comercial de TV, a apoteose

final, ou seja, só na presença deste objeto fetichizado é que o “herói” pode vencer a

luta, o obstáculo e a história, um final feliz.

Cena 1-

Após a narração “E naquele dia, o príncipe das trevas apareceu sobre a

Terra para destruir o mais belo dos jogos”, o espaço escurece e estamos diante de

um outro plano, um plano inconsciente.

Logo em seguida, uma pata de animal aparece sobre o campo. Em

primeiro plano, esta pata “pisa” e marca a entrada no ambiente. A partir disso, os

círculos de fogo se formam e compõe, desenham um campo de futebol.

Page 100: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

A imagem formada pela pata do animal (uma besta, ou cavalo) e o

território onde o espetáculo ocorrerá (o chão com círculos de fogo ao redor)20, ou

seja, a junção destes dois elementos constitui-se uma imagem fetichista, uma

imagem que tenta resgatar, de forma absoluta, o Mal.

Em Campbell (1995) os conteúdos e imagens que dizem respeito a

determinados desafios e fatos que precisamos encarar, vencer, superar são os

próprios medos, limitações e daimôns do ser, do herói. Isto está ou pode ser

diretamente relacionado a algo que represente o mal, o infernal, a besta, o

desconhecido.

Esses demônios, perigosos e distribuidores de poder mágico devem ser

encontrados por todo e qualquer herói que arriscar um único passo fora dos muros

da tradição. Assim, o mesmo ocorre com os heróis- jogadores do filme, pois acabam

de empreender uma luta naquele ambiente hostil e desconhecido, enfrentando os

riscos ( seus próprios medos, daimôns).

Esta imagem traduz e representa as forças opositoras, ditas do mal, sobre

a qual os heróis terão que se defrontar para vencer a batalha final. Essas forças

estão ali, no campo de futebol que se forma, organizado pela força do inconsciente.

É uma imagem que tenta ser absoluta para o espectador, tenta representar o mal.

Tenta não apenas ser fetichista, mas absoluta.

Contrapondo-se a esta imagem, igualmente como se confrontam forças

antagônicas, O bem X mal, também ocorre ao final do filme outra imagem fetichista.

20 O fogo, como já dito anteriormente caracteriza a presença de Hefesto como um princípio mítico que se estabelece aqui. Representa o contato com forças inconscientes desconhecidas e que herói precisa conhecer durante a sua jornada. Campbell, 1995, pág 36)

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Cena 2-

Ao fim do filme, após um drible do craque Ronaldo a bola é colocada

nos pés do goleador. Em primeiro plano, temos, então embaixo e presa ao pé do

jogador a bola e a chuteira da marca Nike.

O conjunto bola e chuteira formam, portanto, a imagem fetichista plena e

absoluta. Esta imagem é a imagem que garante e leva o espectador a apoteose final

do comercial. Ela é a condição para que o monstro finalmente seja derrotado e a

missão esteja cumprida.

Apenas esta imagem absoluta pode contrapor com a imagem anterior, ela

representa o bem. O bem está ali e representa tudo aquilo que pode se opor e

derrotar o mal. Porém, para o discurso do comercial de TV contemporâneo

esta imagem precisa do selo Nike, a presença da marca nesta conjuntura é o que

faz dela absoluta, plena e capaz de derrotar o mal.

O disfarce do gozo:

Segundo Requena (1999), num espaço onde o desejo é invocado o tempo

inteiro através de imagens delirantes no imaginário, o gozo é constantemente

invocado, uma vez que a plenitude, ou seja, Tudo é oferecido a este espectador no

nível do desejo.

Trata-se do gozo espetacular e absoluto que é interpretado pelos atores do

comercial quando entram em contato com o produto. Neste momento, normalmente

gestos desproporcionados e descomunais de prazer tentam expressar o gozo

absoluto, provavelmente derivado do contato com o Objeto Absoluto do Desejo. Vale

a pena ressaltar que não se trata aqui de um gozo verdadeiro, pois não há espaço

para o gozo num ambiente de total expansão narcisista.

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Neste comercial encontramos o disfarce do gozo numa imagem em um dos

momentos finais da partida de futebol.

Cena 3-

Após o drible decisivo de Ronaldo, a bola cai nos pés do jogador que fará o

último gol da partida. Antes de arremessar a bola já em seu domínio ao gol, ele

realiza um último gesto.

Então, temos uma imagem em primeiro plano do seu rosto e sua expressão.

Ele ajeita a gola da camisa e profere a frase “revoir” em francês, que significa “até

logo”. Feito isso, o jogador então arremessa a bola e o seu chute a transforma em

uma bola de fogo incandescente que atravessa o monstro de enormes asas que se

coloca em frente ao gol.

Podemos imaginar um conjunto de imagens que se sucedem com um

propósito definido no comercial de TV.

Após a imagem fetichista e absoluta do “Bem” (conjunto bola+ chuteira da

Nike nos pés do jogador) temos em seguida o gesto orgástico e satisfeito do jogador

que se prepara para triunfar, vencer e derrotar o inimigo, o disfarce do gozo.

A partir desta seqüência de imagens, temos então:

Apenas o herói detentor das armas do “bem”, traduzidas aqui pela força do

fetiche (chuteira e bola da marca) será capaz de chegar até a etapa final e orgulhar-

se disso, mas não apenas orgulhar-se, e sim gozar. Portanto, a completude do seu

gesto em contato com o produto (marca) conclui e finaliza o seu final vitorioso,

apenas possível diante da presença e contato com esses signos.

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9.2.2 A Missão

A Missão Duração: 1.34 min Anunciante Nike Sinopse: Jogadores de futebol são escalados para uma missão importante: Resgatar de uma

fortaleza, uma bola de futebol. Mas não é uma bola qualquer, é uma bola da marca

Nike.

Eles são convocados e convencidos de que precisam ir até lá e realizar esta missão.

As armas que irão auxiliar esses heróis são chuteiras da Nike e outros equipamentos

de escalada. Sendo assim, eles se reúnem e organizam um esquema inteligente e

sagaz, conseguem penetrar na fortaleza e enfrentar os inimigos, aqueles que têm a

posse o objeto que querem resgatar.

Princípios míticos – Apolo Apolo, filho de Zeus e da divindade oriental Leto21.

“Conta-se a história que, grávida de Zeus e sentindo aproximar-se a hora do parto, Leto percorreu o mundo inteiro em busca de um lugar que pudesse dar à luz aos gêmeos Apolo e Ártemis”. (Brandão, 1997, pág 276)

Hera, esposa de Zeus, muito enciumada proibiu a Terra de acolher a

parturiente.Temendo a cólera da rainha dos deuses, nenhuma região ousou recebê-

la. Assim nasce Apolo. Nasce no dia sete do mês délfico. Coincidentemente, o dia

do nascimento de Apolo corresponde ao dia sete, o dia em que se celebravam as

principais festas, e as consultas ao Oráculo de Delfos22 .

21 A ilha de Ortígia, por não estar fixada a parte alguma, não pertencia à Terra e não tendo, por isso mesmo, o que temer da parte de Hera, abrigou a amante de Zeus. Ali, naquela ilha, Leto, abraçada a uma palmeira, contorcendo-se em dores, esperou nove dias pelo nascimento dos gêmeos Apolo e Ártemis. Isto porque, Hera, mordida de ciúmes, aprisionou também Itília, a deusa dos partos. Mais tarde, Apolo, como forma de agradecimento fixo esta ilha no centro do mundo grego, dando-lhe o nome de Delos, “ a luminosa”, a brilhante, pois ali, nasceram a luz do dia( Apolo, o sol) e a luz da noite ( Ártemis, a lua). 22 Miticamente, a partida do deus para Delfos teve como objetivo primeiro matar o monstruoso filho de Géia, com suas flechas disparadas de seu arco divino. Após enfrentar o dragão Píton, que guardava o antigo oráculo de Têmis ou de Geia, mas que igualmente devastava a região, matando rebanhos e pastores, assolando as férteis planícies a mando de Hera. O deus, com suas flechas certeiras, facilmente o eliminou. Apolo substituiu o velho oráculo de Têmis ou Geia , que se realizava por incubação, pelo famoso oráculo de Delfos, cuja tônica era

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Para Junito de Souza Brandão (1997) o Apolo grego, o detentor do

Oráculo de Delfos, é na verdade resultante de um vasto sincretismo e de uma bem

elaborada depuração mítica. Na Ilíada, I, aparentando a noite, o deus do arco de

prata, Febo Apolo, brilha (e por isso é Febo, o brilhante) como a lua.

É importante levar em conta uma longa evolução da cultura e do espírito

grego e mais particularmente da interpretação dos mitos, para se reconhecer nele,

bem mais tarde, um deus solar, um deus da luz, de sorte que seu arco e flecha

pudessem ser comparados ao sol e aos seus raios.

No primeiro canto da Ilíada (Homero, 1985), apresenta-se como um deus

vingador, de flechas mortíferas: “O senhor arqueiro, o toxóforo; o que porta um arco

de prata”.

“Violento e implacável, o Apolo pós-homérico vai reunindo elementos diversos de origem nórdica, asiática, egéia e, sobretudo helênica e, sob este último aspecto, consegui suplantar por completo a Hélio, o “Sol”, propriamente dito. Fundido numa só pessoa e em seu mito influências e funções tão diversificadas, o deus de Delfos tornou-se uma figura mítica deveras heterogênea. São tantos os seus atributos, que se tem a impressão de que Apolo é um amálgama de várias divindades, sintetizando num só deus um vasto complexo de oposições”. (Brandão, 1997, pág 92)

Junito de Souza (1997), afirma que tal fato possivelmente explica, em

terras gregas, como o futuro deus dos Oráculos substituiu e, às vezes, de maneira

brutal, divindades pré-helênicas. O novo Deus-sol, todavia, iluminado pelo espírito

grego, conseguiu, se não superar, ao menos harmonizar tantas polaridades,

canalizando-as para um ideal de cultura e sabedoria. Realizador do equilíbrio e da

harmonia dos desejos, não visava a suprimir as pulsões humanas, mas orientá-las mântica dinâmica.Os habitantes do local celebraram com grandes festas, danças e coros, a vitória de seu novo deus e a posse do santuário. Antes, porém, de reinar soberano em Delfos, o deus teve que passar um ano no vale de Tempe, na Tessália, para purificar-se da morte de Píton. Seu retorno foi um novo trunfo e a cada oito anos celebravam-se no Parnasso a eliminação de Píton e a catarse do filho de Zeus. Apolo, todavia, um pouco mais tarde, foi obrigado a defender seu oráculo. Tendo Heracles se dirigido a Delfos para perguntar à Pítia, a sacerdotisa, como poderia purificar-se da morte de Ífito. A sacerdotisa se recusou a responder-lhe. Num acesso de ódio, o filho de Alcmena apossou-se da trípode sagrada e disse que iria fundar em outro local um Oráculo novo, a ele próprio consagrado. Apolo veio em defesa de sua servidora e travou-se uma luta perigosa entre ambos. (Junito de Souza Brandão, 1997, pág 88).

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no sentido de uma espiritualização progressiva, mercê do desenvolvimento da

consciência.

Levando em conta Apolo, o deus-sol, como princípio mítico, este

comercial aborda contextos de uma missão apolínea. De maneira semelhante à

jornada dos heróis-jogadores, Apolo tinha a missão de defender o “Oráculo de

Delfos”, ou seja, empreender esforços para enfrentar as forças opressoras que o

ameaçaram. Era uma batalha que importava a toda a humanidade.

Além disso, os elementos que caracterizam as ações e as estratégias de

lutas dos heróis referem-se a Apolo, pois, neste comercial os heróis demonstram,

através das tecnologias e as inteligências que dominam, o desejo de aumentar sua

percepção do mundo e desenvolver a consciência.

A tendência à uma racionalização do pensamento é clara, uma vez que a

grande parte das estratégias utilizadas durante essa missão heróica são baseadas

em pensamentos dedutivos, indutivos, a observação do território inimigo, a

capacidade de camuflagem, sempre numa tentativa de ampliação da consciência.

Tudo isso demonstra o desenvolvimento da consciência destes heróis.

Estratégias que se baseiam na percepção alcançada a partir do equilíbrio ou

harmonização de forças opostas, desejos versus pensamentos, Eros (força), Psique

(harmonia), também presentes numa missão Apolínea.

A inteligência, a ciência, a sabedoria são considerados modelos divinos,

concedidos pelos deuses, em primeiro lugar por Apolo.

O princípio Mítico Apolo e os Espaços

Os ambientes nos quais a batalha dos heróis se passam nos remetem à

espaços que caracterizam as idéias e posicionamentos de Apolo e suas lutas .

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Segundo Junito de Souza Brandão (1997), o defensor do oráculo

desenvolveu idéias e conceitos que haveriam de exercer influência marcante sobre

toda a vida política, religiosa e social da Hélade.

O caráter pacificador e ético do deus que tudo fez para conciliar as

tensões entre as pólis gregas também está presente nas suas contribuições para

erradicar a velha lei do talião, isto é, a vingança de sangue pessoal, substituindo-a

pela justiça dos tribunais. As máximas do templo délfico pregam a sabedoria, o

meio-termo, o equilíbrio, a moderação.

Esses aspectos podem ser evidenciados não só e relação à construção

dos contextos, das atitudes e posicionamentos dos atores, mas também em relação

ao local onde ocorre a missão de resgate.

O local onde esta batalha se realiza é um grande prédio, e possui uma

proeminente estátua na sua fachada. Este monumento é formado pela figura de

homens ao redor de um globo, uma esfera redonda entre eles. Esta estátua, então é

formada por esta grande esfera envolta por homens gigantes. Esta cena inicial

mostra, logo em seguida, a parte interior desta grande construção.

Há também, ao lado desta grande estátua, duas esculturas de um

guerreiro com seu cavalo. Possui estátuas expostas por todas as partes e diversas

cavidades, que podem ser vistas em diversas cenas, do início até o fim do vídeo.

É nítida uma alusão que a construção deste local faz aos templos gregos,

principalmente a um templo de Apolo. As linhas retas, a ponderação, a limpeza e

claridade das paredes, a seriedade e o bom senso na utilização dos espaços,

beneficiando a entrada da luz nos ambientes.

Page 107: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

A utilização e organização dos objetos também são feitas a partir da

obtenção de equilíbrio e adequação. Este aspecto pode ser observado, por exemplo,

nesta cena.

Cena 01-

Momento em que os jogadores conseguem entrar no local (o andar onde

se encontra a bola, o objeto a ser salvo do inimigo). As imagens privilegiam e

demonstram a organização deste espaço, numa tomada capaz de fazer-se perceber

a organização dos objetos, das linhas, das formas.

Esta cena explicita a combinação de formas quadradas e redondas, numa

conciliação entre elas que dá a noção de equilíbrio, inteligência, a moderação dos

aspectos apolíneos.

Outra cena explora a parte interna do local, e por toda parte percebe-se a

imensidão e a claridade durante o combate esportivo entre os grupos rivais. Os

espaços amplos garantem aos jogadores mobilidade para obterem sucessos durante

todo o confronto.

Cena 02-

Momento em que se dá início a luta pelo objeto. Os grupos rivais iniciam

uma disputa e as imagens do vídeo vão conduzindo o espectador por diversas

partes do local. As cenas mostram os grupos numa disputa que percorre os

corredores, longas escadarias e saguões espaçosos por onde os jogadores driblam

e realizam jogadas e passes, como numa partida oficial.

Nestes locais, percebe-se a claridade do local, apesar de ser noite

naquele momento. As cenas contrapõem a habilidade dos jogadores com a bola

(momento dos dribles) com as imagens das colunas gregas, compondo as cenas,

atravessando os espaços onde eles passam

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As Estátuas, os guerreiros e as cavidades.

Segundo Junito de Souza Brandão (1997), a presença de Apolo como

divindade entre os outros deuses é confirmada também pela substituição de

estatuetas femininas por estatuetas masculinas.

A estátua na fachada do prédio mostra três figuras humanas ao redor de

um globo, uma esfera. O monumento, a grande estátua, representa o domínio das

emoções e a tendência à um desenvolvimento do pensamento racional humano.

Demonstra o homem que se apropria e domina as tecnologias, descobre a

sabedoria, a inteligência, ampliando sua percepção do mundo a partir de Apolo.

Ao mesmo tempo, os homens ao redor da grande esfera podem

representar o domínio do objeto a ser resgatado, neste caso, a bola de futebol a ser

recuperada durante esta missão.

Os guerreiros que aparecem ao lado da estátua, e representam o

guerreiro em plena luta. A cena não mostra exatamente qual herói está

caracterizado, mas trata-se de um herói e seu cavalo, em posição de ataque, de luta.

Esta imagem traduz uma imponência e um domínio, característicos também deste

contexto.

Em relação às cavidades mostradas nas cenas iniciais deste vídeo, é

possível nos referirmos ao Oráculo de Delfos. Segundo Junito de Souza Brandão

(1997), Delfos, etimologicamente, está relacionado à útero, cavidade misteriosa,

onde a descia Pítia ( a sacerdotisa) descia antes de responder às perguntas dos

consultantes.

Delfos representa o Centro do mundo, o umbigo, pois segundo o mito,

Zeus, tendo soltado duas águias nas extremidades da Terra, elas se encontraram

sobre o omophalós (o umbigo de Delfos).

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As cenas que mostram essas cavidades, tanto da parte de fora como

internamente reforçam o fato destes heróis jogadores estarem penetrando neste

lugar impenetrável, desta forma também representado pela (a fortaleza) no

comercial. Além disso, a entrada nestas “cavidades” demonstra e representa o tipo

de experiência a que estão sujeitos, ou seja, a transformação, a iluminação, a

revelação.

O Espaço e as cores

Segundo Junito de Souza Brandão (1997), Apolo é o deus da

purificação23. O deus da luz, vencedor das forças ctônias.

As cores possuem um papel importante na construção dos espaços e

ambientação do contexto para o telespectador.

Deforma análoga à trajetória do herói, este comercial simula o ciclo

mitológico que traçado pelo herói em sua jornada. Temos, então, os jogadores, no

caso, (heróis) a partir do momento em que são convocados para a missão.

Após a convocação dos heróis, as imagens e as cores sinalizam as

mudanças de ambientes, ou seja, a transição de um território conhecido, real para a

entrada em um ambiente desconhecido, novo.

O território, tido aqui como o território inimigo apresenta-se de forma a

contrapor o ambiente que antecede a jornada, o ambiente real. Propositalmente, a

23 O vigilante do oráculo primitivo e o verdadeiro senhor de Delfos era o dragão Píton. Seja como for, o dragão, que simboliza a autonomia e a soberania primordial das potências telúricas e que por isso mesmo, protegia o Oráculo de Geia, a Terra Primordial, foi morto por Apolo, um deus patrilinear, solar, que levou de vencida uma potência matrilinear, telúrica, ligada às trevas. Morto Píton, Apolo teve primeiramente que purificar-se, permanecendo um ano no Vale de Tempe, tornando-se desse modo, deus “purificador” por excelência. Todo miasma, toda mancha produzida por um crime de morte era como uma nódoa maléfica, quase física e por isso a purificação viria através dos exílios, pelos julgamentos e longos ritos catárticos. (Junito de Souza Brandão, 1997, pág 89).

Page 110: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

cidade é mostrada à noite antes dos heróis entraram no prédio. As cores presentes

são as luzes da cidade e as do furgão.

Depois de convocados para a missão, os jogadores seguem, numa

corrida que levará até as dependências do local desejado.

Ao chegar lá, ocorre uma mudança de cores. Apesar de ser à noite, tudo

ali parece bastante iluminado. Por todos os espaços, percebemos a entrada de luz,

através das frestas, os espelhos.

As cores das colunas de mármore, das paredes e das escadas remetem

às cores de um templo grego, um espaço de purificação, iluminação.

Certamente, a utilização de cores apolíneas no comercial também e

relaciona ao aumento da percepção (por parte dos dois times rivais). Elas se

relacionam ao favorecimento do alcance, do domínio, e ampliação da consciência,

dos sentidos.

As flechas de Apolo e as cordas

Para Junito de Souza Brandão (1997), a serenidade apolínea torna-se,

para o homem grego, o emblema da perfeição espiritual. Mas, é significativo que a

descoberta do espírito conclua uma longa série de conflitos, e de domínios das

técnicas extáticas e oraculares.

A morte do monstruoso Dragão Píton foi feita com suas flechas,

disparadas de seu arco divino. Num plano simbólico, o arco e a flecha representam o

domínio da distância. Na flecha aponta-se, viaja-se, (em direção ao elevado, à luz, a

um novo estágio de desenvolvimento) e o arco possibilita o desapego do concreto,

do imediato. O deus que concilia, pondera e harmoniza as polaridades é o deus que

domina o arco e a flecha, que também possuem formas opostas, porém Apolo as

reúne para conquistar uma nova etapa, a iluminação, a elevação.

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Neste filme, os heróis utilizam as cordas para alcançar as dependências

do prédio onde farão a missão de resgate. Eles lançam suas cordas, e através de

ganchos que se prendem às paredes, os heróis conseguem escalar toda a parede

até chegar ao andar desejado.

Ao invés do arco de Apolo, em uma substituição temos no vídeo o

momento em que os jogadores “lançam” as cordas e têm como flechas, as bolas de

futebol, que por sua vez são arremessadas até se prenderem devidamente até o

local seguro. Sendo assim, temos: o arco (aqui representado pelos pés dos

jogadores).

A função do arco é abrir, expandir, desapegar-se e permitir a nova

experiência. Intencionalmente, a utilização do conjunto (pé + bola) está diretamente

ligada ao esporte, o futebol (através do esporte + a bola Nike), esta experiência se

torna possível ocorre, abre-se para o herói. A flecha (bola Nike) é também aquilo que

alcança ou é capaz de viajar, dominar as distâncias.

Atente-se para o fato de que os heróis do comercial se dirigem e se

projetam para cima e não para baixo, numa referência clara à busca de algo que só

poderá ser alcançado, sob a perspectiva apolínea, a partir da possibilidade de

elevar-se, atingir as alturas, como se em busca de luz. A utilização de elevadores

também reforça as idéias de alcance, projeção, mobilidade.

A Virtualidade

A virtualidade é um aspecto que pode ser evidenciado desde a cena que

inicia o vídeo. O comercial começa mostrando informações de um jogo de vídeo-

game.

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As informações contidas na tela evidenciam a existência de um novo

plano, uma nova esfera que os heróis começam a explorar. Através da tela do

computador, os jogadores vão dar início às suas jornadas.

A virtualidade expressa aqui através de algo que projeta o homem além

das suas fronteiras rumo ao desconhecido, mais uma vez reitera as idéias de

alcance e domínio de novos mundos desconhecidos e desafiadores aos quais eles

se destinam nesta missão.

A Dualidade: Formas redondas e quadradas

Desde a entrada dos heróis na fortaleza até completarem a missão, com a

derrota do exército inimigo, há uma predominância de elementos e formas

arredondadas e quadradas.

A composição dos espaços, por exemplo, é um aspecto que trabalha com

o contraste entre o redondo e o quadrado, numa tentativa de equilibrá-los, por isso

há uma constante aparição de formas retas combinadas à forma redonda, reiterando

as características apolíneas, o Deus conciliador de forças, “é o que harmoniza as

polaridades, canalizando-as para um ideal de cultura e sabedoria”.

Isto pode ser evidenciado nas cenas em que os jogadores percorrem

com a bola por todo o local, e em plena disputa eles aparecem em meio às

esculturas, estátuas e colunas gregas em contraste com movimentos circulares com

a bola, as cavidades, as janelas por onde a luz penetra no ambiente, o percurso ba

bola, sempre mostrado em primeiro plano.

Mas não é só isso: Os movimentos circulares da bola, as cavidades, e as

formas arredondadas aparecem sempre como uma interferência ou representação

do time do bem (os guerreiros-jogadores que salvarão a humanidade), retirando do

Page 113: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

poder opressor do inimigo aquele objeto que representa muito mais do que uma

simples “esfera”, os valores do bem, da perfeição e da iluminação.

Conseqüentemente, as formas quadradas e linhas retas, a limpeza, a

nitidez exploradas aqui pelas salas e saguões retangulares, as paredes, as escadas

de acesso representam tudo o que diz respeito ao ambiente e as características do

exército que ameaça os heróis, aquele que oprime e aliena.

O Herói “Guerreiro”

Neste comercial, encontramos o herói guerreiro em mais uma batalha

onde ele enfrenta forças opressoras e circunstâncias opressivas.

O herói se ergue contra alguma realidade limitadora, repressiva ou

prejudicial. O herói, comumente o herói guerreiro corre grandes riscos pessoais para

derrotar as forças do mal e proteger a sociedade ou valores sagrados.

À medida que o herói guerreiro se desenvolve, tende a usar a força e a

agressividade como últimos recursos. Com isso, ele descobre e desenvolve novas

inteligências e potencialidades, sentindo pouca ou nenhuma necessidade de usar

violência.

Este comercial aborda exatamente o homem, ou seja, o herói que

ultrapassa e conquista novas fronteiras, conhecimentos, habilidades e mundos.

É um herói que luta pela defesa dos seus territórios, mas que ao mesmo

tempo vê a necessidade de desenvolver e dominar realidades virtuais, que estão

além do seu mundo real. Um herói criador, capaz de desenvolver, abstrair e

conquistar novos mundos, não deixando de lado seu caráter guerreiro, arriscando

suas vidas por causa de um princípio que acredite.

Podemos comparar este herói ao do comercial, desde quando ele é

apresentado ao telespectador dentro um plano tático, onde forças são reunidas para

Page 114: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

um bem comum. Ele se mostra fiel aos princípios, munido de honestidade e coragem

como valores que farão diferença para as pessoas e para o mundo.

Segundo Carol Pearson (1991), o herói desenvolve a capacidade de

identificar, em espirais cada vez mais amplas, o que deve ser protegido.

Isto pode ser observado no momento em que os heróis são convocados

para a missão (O chamado) e percebem a importância daquele objeto para a

humanidade. Aquele não é um objeto, uma bola qualquer. Trata-se do círculo, a

órbita, certamente algo que diz respeito à toda humanidade e a sua preservação.

Algo importante que precisa ser resgatado e retirado do poder de forças

predatórias e possessivas e que normalmente depois de resgatadas, trará

tranqüilidade a todos, num nível coletivo.

Possuídos por este arquétipo, os jogadores se reúnem, assim como o

herói guerreiro recruta forças a favor de suas causas, normalmente de amplo

alcance, para chegar ao seu objetivo final. Tanto o herói mítico quanto os heróis do

vídeo têm uma meta, resgatar a vítima, um tesouro, e protegê-la dos predadores.

Portanto, os heróis deste comercial mostram que mesmo para alcançar

um objetivo desta projeção, o uso da força não se faz necessário.

Fica claro, assim, o caráter coletivo e a necessidade de transpor, defender

e estabelecer limites. Neste comercial, as ações são desenvolvidas em conjunto, em

plena sintonia entre o grupo. A noção de grupo está aqui também preservada como

uma qualidade do herói guerreiro.

Outro aspecto da trajetória do herói guerreiro, e que se relaciona à defesa

dos seus territórios e valores é a competição. Ela está no cerne de todas as lutas e

batalhas.

Page 115: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

A competição apóia-se nos atributos que o guerreiro possui, pois eles

necessitam de disciplina, coragem e treino, além do desafio de conciliar as forças de

todos o grupo para enfrentar os exércitos inimigos.

Este aspecto pode ser exemplificado através do enredo do vídeo. A

história gira em torno de uma competição de futebol que ocorre inesperadamente,

quase como conseqüência de uma falha no plano.

As cenas evidenciam e nos remetem à uma disputa entre dois times,

numa mistura de jogo e batalha, apesar de não ser uma nítida partida, organizada

com todas as regras do futebol, como costuma-se assistir em um jogo oficial, por

exemplo.

Para Carol Pearson (1991), a camuflagem, uma das estratégias do herói

guerreiro desenvolvido é também uma forma de defesa utilizada por ele. Segundo

esta estratégia, o herói está protegido contra um possível ataque desde quando ele

não pode ser percebido por seu inimigo.

Estes heróis procuram primeiro controlar o campo de batalha e só entram

em combate quando estão suficientemente preparados para ter uma boa chance de

alcançar a vitória. É uma atitude sensata procurar ganhar tempo para realizar o

treinamento básico e traçar um plano de combate.

De maneira análoga, o grupo de heróis do VT também organiza as bases

de seu pleno estratégico baseados na camuflagem. Eles adentram a fortaleza sem

serem vistos e percebidos pelos opositores e com isso, ganham tempo para

executar seu plano.

A Jornada do Herói

A trajetória percorrida pelos heróis deste comercial pode ser descrita pela

forma padrão da aventura mitológica do herói descrita por Campbell: separação, ou

Page 116: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

o chamado, seguido da iniciação (as provas), e logo em seguida o regresso, ou

retorno à consciência.

O Chamado

Esta é a fase em que um agente ou emissário anuncia a aventura. Ela

marca um novo cenário, um novo estágio da trajetória, mostrando que o destino

convocou o herói para uma missão onde terá que enfrentar monstros e seres

desconhecidos.

A cena inicial do filme mostra como este momento se exemplifica. O

veículo que transporta os jogadores pára em frente a um grande prédio, a fortaleza

onde eles precisam entrar e trazer um objeto muito valioso, sagrado. Antes dos

jogadores saírem para a missão, o motorista que dirige a van mostra uma pequena

fotografia.

Nela, vemos uma bola Nike, em preto e branco e, ao mostrá-la,

atenciosamente ele fala: “Nós precisamos trazê-la de volta. Em seguida, um deles

diz: É apenas uma bola. E então, o emissário afirma: Não, isso é um ciclo, a esfera,

ou órbita”. Neste momento, todos eles param e olham atentos para o emissário.

Está aí a convocação para a missão, acompanhada da entrada em um

lugar desconhecido. No caso desta jornada, temos a entrada em uma fortaleza

protegida por muros altos, quase inalcançáveis.

Os recursos de áudio e vídeo durante esta cena reforçam e enfatizam o

sentido de convocação. Por exemplo, o silêncio diante da afirmação do emissário,

acompanhada das feições estáticas de todos os jogadores. Nesta cena, eles olham

ao mesmo tempo para o emissário, atentos à informação.

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Outro aspecto é a entonação de voz acentuada no momento da revelação

do motorista aos jogadores sobre a importância do objeto a ser resgatado.

Como característica desta fase da jornada, o “chamado” tem o poder de

exercer certo fascínio, e é comum um certo mistério em torno deste instante.

Podemos exemplificar este aspecto no momento em que a fotografia da

bola Nike aparece em primeiro plano. A sua aparição não é uma aparição qualquer,

ou pelo menos é o que evidencia as imagens do comercial, na medida em que todos

se voltam para ela, de forma atenciosa e especial (inclusive o telespectador).

O fato de esta imagem aparecer em primeiro plano e sem áudio no

momento em que ela aparece, são recursos áudio-visuais que evidenciam a idéia do

“Chamado”.

A chuteira que será utilizada como material de escalada para subir até o

local desejado também está em primeiro plano. A sua aparição em primeiro plano

também reforça a noção da marca como “emissária”, aquela que exerce um grande

fascínio sobre a mente do herói, convocando-o a dar um novo passo em sua

jornada, aquilo que vai levá-lo à aventura, ao desconhecido, mas também à sua

superação e vitória.

A Iniciação

Após os heróis serem convocados, é hora de partir para enfrentar essas

forças desconhecidas, é hora de enfrentar o inimigo e suas armas. Esta é a fase em

que os heróis enfrentam humilhações e tocaias.

A preparação dos jogadores antes da entrada na grande fortaleza ocorre

ainda dentro da van. Após aceitarem o “chamado” e estarem prontos para o início

das provações para salvar o objeto que desejam, a cena mostra uma caixa que se

abre e mostra o material que acompanhará e auxiliará os heróis nesta missão.

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Temos então, um par de chuteiras e uma espécie de gancho que será

preso aos muros altos da fortaleza para que possam subir e alcançar o andar

desejado.

Estes objetos são os agentes, as armas em que os heróis depositam toda

confiança para uma efetivar a missão com sucesso. Eles podem ser vistos como

verdadeiros amuletos e agentes auxiliares de algo “sobrenatural”, ou seja, algo que

desempenhe o papel do guia, do mestre, do condutor, aquele que acompanha o

Herói até o fim, diante das dificuldades, dos tropeços e do inacessível.

É a penetração em um mundo de forças desconhecidas e o desafio de

enfrentá-las. Dotados de seus objetos de luta, partem juntos para penetrar a grande

fortaleza, um prédio alto, com escadarias e muros íngremes.

Os heróis lançam, assim, seus equipamentos de escalada até prenderem-

se às paredes altas da fortaleza e começam a escalar os muros até chegar ao salão,

uma espécie de saguão. Lá está o objeto, “a bola” Nike, que precisa ser resgatada

do poder dos vilões.

A partir deste momento, os heróis organizam um esquema tático e cheio

de estratégias para resgatar o objeto. Apesar de estarem num ambiente

desconhecido e cheio de armadilhas, estes heróis se mostram atentos e preparados

com equipamentos de alta precisão e alcance.

A partir de defesas estratégicas, mostradas através da “camuflagem”

descrita anteriormente, os jogadores entram no território inimigo e ganham tempo

para detectar as armas do inimigo.

Carol Pearson (1991), afirma que os heróis guerreiros de alto nível

definem metas e criam estratégias para atingi-las. Ao fazer isso, eles identificam os

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obstáculos e desafios que provavelmente irão encontrar e planejam o modo pelo

qual cada um deles será superado.

Sendo assim, os oponentes também são identificados anteriormente, a

fim de impedir a consecução de suas metas.

De forma semelhante, o comercial mostra uma espécie de campo secreto,

invisível. Uma teia de raios invisíveis está por toda parte, detectando qualquer objeto

que se aproxime do pedestal onde se encontra o objeto sagrado.

Certamente, uma armadilha capaz de identificar a presença deles naquele

lugar, porém os heróis demonstram ter armas suficientemente capazes de detectar e

invadir as defesas deste ambiente secreto. Para isso, eles utilizam os óculos com

visão infravermelha, o microfone preso à face (head-set) para comunicação, o

relógio que marca o tempo da missão, etc.

São auxiliares desenvolvidos com o objetivo de aumentar a intuição e a

sensibilidade durante a missão, ou seja, elementos que participam de um esquema

estratégico, com táticas especiais para penetrar no terreno inimigo.

Estes heróis demonstram um compromisso com algo de amplo interesse

social e adotam como modelo estratégico de combate, baseados em seu nível de

desenvolvimento seu poder intuitivo, sua inteligência, sua capacidade de

observação.

Segundo Carol Pearson (1991), à medida que o “Guerreiro” se torna mais

civilizado e refinado, o combate tende a ser limitado por princípios e regras que

independem da força física, sem causar mal desnecessariamente. À medida que

eles se tornam mais desenvolvidos, o “herói guerreiro” começa a distinguir as

situações em que é necessário respeitar diferenças e aquelas que exigem uma

rápida e vigorosa reparação.

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Para estes heróis, a utilização da força é feita apenas em último caso,

quando os recursos técnicos disponíveis ou seu esquema tático falham.

Este momento é descrito pela cena que mostra a “camuflagem”, uma das

estratégias traçadas para adentrar o território inimigo é descoberta, sendo acionado

o exército inimigo.

Em seguida, dá-se início a um confronto onde forças inimigas lutam, em

um combate que reúne a prática da força física e o caráter tático do esquema.

A partir daí, fica evidente aqui que a competição e o embate direto com o

inimigo é algo que ocorre inesperadamente, ou seja, de forma trágica, como

conseqüência de uma falha do esquema.

Estes heróis se muniram de informações e inteligência suficientes, porém

um simples movimento mal executado comprometeu toda a missão. Algo deu errado

e saiu do controle neste momento. Desta forma, percebidos pelo opositor, a disputa

esportiva ocorre, aparecendo no comercial intencionalmente, como último e único

recurso disponível para chegar ao objetivo final.

Um dos soldados inimigos golpeia um dos jogadores, atirando-o ao

chão. Mesmo assim, seu companheiro insiste em continuar a batalha. Nesta cena,

temos o exército opositor enfileirado e apostos. Um dos Heróis está sozinho, agora.

Neste momento, ele sabe que pode ser destruído, porém, o herói insiste

em resgatar o objeto. Na mesma cena, uma equipe auxiliar aparece no céu, com

helicópteros. Estes homens dão sinal para voltarem, pois corre perigo. O jogador

parte, então, numa corrida raivosa, obtém a bola em seus pés, devolvendo ao outro

jogador, o que parecia morto.

O mesmo, então chuta e atinge um dos saldados, passando novamente a

bola para seu companheiro. Este último profere com força descomunal um chute que

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atinge e quebra as janelas daquele andar. Em seguida, os heróis pulam da mesma

janela, descendo pelas mesmas cordas que subiram.

O momento em que um deles finge uma suposta morte, também faz parte

do plano estratégico uma vez que, neste exato momento, eles não deviam despertar

a ira alheia. O fato de parecer derrotado faria o inimigo recuar.

Quando o exército opositor menos esperava, ele ressurgiu, mais uma vez,

utilizando como recurso indicativo de força (Eros), um chute que atingiu o soldado-

chefe, provocando a explosão. Antes da grande explosão, o líder do grupo opositor é

atingido, logo em seguida esmagado e eliminado. Após esta cena, os heróis se dão

conta que precisam abandonar rapidamente o local, pois o mesmo se encontra

tomado pelo fogo.

O fogo, representando aqui a derrota do inimigo pelas suas próprias

forças ( o fogo é provocado pela destruição da parte elétrica do lugar). O impacto tão

forte atingiu a parte elétrica do elevador, provocando um curto-circuito, seguido da

explosão total do lugar.

O fogo representa uma força inconsciente. Representa o contato com

forças inconscientes desconhecidas e que herói precisa conhecer durante a sua

jornada.

Sendo assim, os heróis projetam-se, quebrando as janelas e agarrando-

se às cordas presas à mesma parede em que subiram até aquele andar.

As cenas descrevem passes, jogadas e dribles feitos pelos heróis -

jogadores numa competição com o exército (time) opositor. Só a partir do início

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deste confronto se pode ver Psique e Eros24, estes dois princípios míticos em ação,

exemplificada, aqui, pela breve luta esportiva.

Os movimentos dos jogadores com a bola, os chutes e a habilidade com a

bola e com o corpo, demonstram também a preparação, o treino, a disposição física

destes homens quando for necessário equilibrar estes dois princípios.

A partida segue, em meios aos dribles e à tentativa de retirar dalí a

qualquer custo o objeto desejado. Nesta batalha, implícita aí a batalha esportiva, vê-

se através da disposição corporal, a força, dos chutes, dribles a presença de Eros

(força).

Psique (harmonia) está representada por toda a técnica que se associa

ao desempenho físico dos jogadores. Além disso, ela representa o plano tático, as

estratégias, a camuflagem no terreno inimigo, o equilíbrio das emoções diante do

embate físico, a inteligência e sintonia do grupo entre si.

O equilíbrio entre Eros e Psique aparece, então, descrito neste confronto

esportivo. O esquema tático permanece, bem como a noção de grupo e integração

de forças individuais, como podemos observar nas cenas onde os jogadores

preparam as jogadas entre si, os movimentos com a cabeça, sinalizando as ações,

aspectos da comunicação e interação do grupo, ações que compõe o esquema

tático e a inteligência do grupo a (Psique), aliada à disposição física (Eros).

O Futebol

Segundo Távola (1985), o futebol é uma representação da busca do

equilíbrio entre estes dois princípios, uma maneira lúdica dentro do seu conjunto de

regras das pessoas viverem este mito. 24 O elemento harmonia, embutido no futebol e determinante direto de êxito de cada equipe, entra como regulador. Força sem harmonia é destrutiva. Força com harmonia (no sentido profundo e amplo) é construtivo. Harmonia sem força é apenas uma simetria ou decoração superficial da vida. O futebol precisa fundir os dois, tanto no desempenho individual como coletivo. ( Távola, 1985, pág .55.)

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Este fato nos faz compreender que a marca Nike utiliza e explora

intencionalmente tais contextos, a fim de que, através da prática esportiva, o

telespectador absorver e internalizar, de maneira lúdica, a existência e a importância

em conciliar esses elementos míticos, já que a combinação destes elementos se

encontra presentes na jornada do Herói, neste caso o herói que existe em cada um

de nós, seu consumidor, transcendendo a atuação desta marca para a sua vida.

Durante o confronto é possível evidenciar que o objeto a ser resgatado ou

o “grande tesouro”, ou seja, é na verdade uma bola, uma bola que caracteriza uma

disputa esportiva. No entanto, ela não deixa de representar “o tesouro”, por estar

sendo utilizada neste confronto.

Muito pelo contrário, a sua importância como “ciclo”, a roda, a órbita,

precisa e deve estar relacionada aos esforços e compromissos do Herói, de

preferência numa disputa esportiva, como prefere o contexto e a intenção do

anunciante, a marca Nike.

Na medida em que os times disputam a posse do objeto tão desejado,

que é ao mesmo tempo a bola com a qual disputam “uma partida”, propositalmente

organizada como uma maneira de obtenção do objetivo heróico.

A obtenção ou o resgate deste objeto, mostrado neste filme como um

objeto sagrado, um tesouro de grande valor diz respeito a uma causa de alcance

universal, e que beneficia toda a nossa humanidade. Trata-se de um “ciclo25”, o

2525 O percurso padrão da aventura mitológica do herói é uma magnificação da fórmula representada nos rituais de passagem: separação-iniciação-retorno. Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região desconhecida; de prodígios sobrenaturais; ali encontra forças e obtém a vitória decisiva. Ele retira de sua misteriosa aventura com o poder de trazer benefícios aos seus semelhantes. Prometeu foi aos céus, roubou o fogo dos deuses e voltou à Terra. Ele foi um Titã que roubou o fogo dos céus para trazê-lo a Terra e oferecê-lo aos homens. Foi celebrado como benfeitor da humanidade. Prometeu não queria destronar Zeus, mas rebela-se contra ele. Ele representa a insubmissão, o desafio de enfrentar forças além dele mesmo e retornar, renascido. Jasão navegou por entre as rochas em colisão para chegar a um mar de prodígios, evitou o dragão que guardava o Velocino de Ouro e retornou com o Velocino de Ouro e com o poder de recuperar o trono, que lhe pertencia por direito, de um usurpador. Enéias desceu ao mundo inferior, cruzou o horrendo Rio dos Mortos, atirou um bocado de bebida embebida em uma substância calmante ao cão de guarda

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círculo ou esfera, como anteriormente, na fase do “Chamado”, este objeto é

identificado e reconhecido pelos heróis como uma causa e princípio coletivo.

Para Campbell (1995), quando o herói chega ao ápice da jornada

mitológica é quando ele passa pelas provações e riscos e logo após vem a

recompensa. O seu triunfo pode ser representado de diversas formas. De forma

análoga, o objetivo desta jornada é trazer à consciência26 deste herói, os símbolos

da sabedoria27, traduzidos aqui, pela bola Nike.

Vale salientar que quando nos referimos à Apolo como o princípio mítico

ativo, a bola Nike está representando o Oráculo de Delfos, o oráculo a ser defendido

por Apolo e retirado das forças do dragão opressor, Píton.

Em diversos momentos, ela aparece como o centro (o umbigo), que

necessita ser protegido, caso contrário toda a humanidade sofrerá. Trazendo para o

contexto apolíneo, a bola Nike (Oráculo) corresponde a algo que diz respeito a

Apolo, como sua missão primordial.

Intrinsecamente, a necessidade de trazer ou resgatá-los para a

consciência significa uma expansão da consciência e, por conseguinte, do ser

(iluminação, transfiguração, libertação). de três cabeças, Cérbero, e finalmente conversou com a sombra de seu falecido pai. Tudo lhe foi revelado: o destino dos espíritos e o de Roma, que ele estava por descobrir: e com esta sabedoria, ele poderia evitar ou enfraquecer todas as provações. Retornou, passando pelo portão de marfim, ao seu trabalho no mundo. (Campbell, 1995, pág 36) 26 Consciência é o campo iluminado sobre o abismo do ser, ela é o espaço que se ilumina no homem. Fluxo de percepções internas e externas que se constitui ao longo da vida. A consciência do eu se desenvolve ao longo da existência, alcançando maior intensidade e extensão. Assim ocorre com a consciência da humanidade. A consciência é esse espaço intermediário que chamamos de imaginação criativa, onde ocorre a síntese dos sentidos e apreensão do mundo externo. Onde se originam nossos atos, decisões e pensamentos. (Zilda Gorresio, 2005, pág 82). 27 Todo o Oriente foi abençoado pela dádiva que Guatama Buda trouxe consigo - seus maravilhosos ensinamentos da Boa Lei- tal como o Ocidente o foi depois de Moisés. Os gregos atribuem o fogo, o primeiro apoio de toda cultura humana, à façanha de Prometeu, que transcendeu o mundo. Da mesma forma, os romanos atribuíram a Enéias a fundação da sua idade, suporte do mundo, realizada após sua partida decadente de Tróia e de sua visita ao lúgubre mundo dos mortos. Em todos os lugares, pouco importando a esfera do interesse (religioso, político ou pessoal), os atos verdadeiramente criadores são representados como atos gerados por alguma espécie de morte para o mundo; e aquilo que acontece no intervalo durante o qual o herói deixa de existir- necessário para que ele volte renascido, grandioso e pleno de poder criador- também recebe da humanidade um relato unânime. (Campbell, 1995, pág 40).

Page 125: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

O objeto conquistado pelo herói, as bênçãos alcançadas através das

descobertas irão enriquecer, servir de renovação para a comunidade ou nação.

Dentro do contexto do comercial, os heróis estão incumbidos de enfrentar

forças obscuras e desconhecidas para trazer a iluminação, a transformação da

consciência, não só individual, mas coletiva, estes símbolos de renovação estão

representados pela bola da marca.

O Regresso

Para Hollis (1997), o ciclo da jornada do herói exige uma ascensão, uma

“subida”, para trazer a dádiva à consciência. A ascensão requer não só uma subida

para fora das profundezas, como também a missão necessária de integrar o que foi

aprendido à consciência.

Muitas vezes, o encontro com a psique pode não ser prazeroso para o

ego28. Porém, ainda assim, tal conhecimento expande os campos de ação e também

a liberdade. O encontro com fontes e forças que estão na esfera inconsciente e a

possibilidade de integrá-los à superfície é capaz de transformar as pessoas.

De forma análoga aos contextos explorados pelo enredo do comercial, é

possível observar a construção de uma seqüência de cenas circular. O roteiro do

comercial simula a trajetória do herói a partir dos efeitos sonoros, visuais, rítmicos,

etc.

O filme a “Missão” aborda jogadores de futebol com uma missão

universal. Resgatar um importante objeto, um valor para toda a humanidade. Este

objeto não tem um caráter pessoal e comum. Trata-se do grande ciclo, que deve ser

preservado, protegido, resgatado o quanto antes possível. Não é também uma

28 Centro da consciência-o “eu”. Murray Stein, 1998, pág 205)

Page 126: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

missão que diz respeito ao grupo, mas de importância para a vida de todos, portanto

os jogadores são heróis do universo.

O futebol, integrando os princípios míticos Eros (força) e Psique

(Harmonia) está no cerne desta conquista, desta disputa pelo bem coletivo.

Propositalmente, a prática esportiva aparece, de forma recorrente, inclusive em

outros vídeos desta marca como a forma equilibrar estes dois princípios míticos.

O “Retorno”, no comercial, é marcado pela cena em que, após aniquilar o

inimigo, os jogadores envolvidos na missão de resgate atiram-se pelas janelas na

tentativa de salvar suas vidas. A benção que ele traz consigo restaura o mundo.

Neste caso, temos a bola da Nike, aqui descrita como o símbolo que trará

renovação, a vitória coletiva. A imagem que explicita o resgate é imagem da grande

vidraça sendo atingida pela bola, após ser chutada por um dos heróis, recuperando-

a das mãos do exército opressor.

Propositalmente, as cenas que representam este retorno, antecedido pela

conquista dos heróis só pode ocorrer a partir de uma luta esportiva que inclua a

equipe de jogadores, os equipamentos e até o objeto a ser resgatado deve pertencer

à marca Nike.

Segundo Campbell (1995), a partir deste momento, o herói prova estar

temperado e amadurecido, trazendo consigo um novo saber. Quando o herói

consegue a vitória, geralmente ele retorna sob a proteção do emissário,

representado neste vídeo através da cena onde aparecem os homens no

helicóptero, dando suporte ao resgate (eles retornam para auxiliar os heróis).

Ele ressurge, deixando para trás as forças transcendentais da jornada,

porém retornando da mesma forma que conseguem entrar na fortaleza: utilizando as

mesmas cordas que deram acesso à entrada no prédio. Alí, certamente darão início

Page 127: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

a uma nova etapa de sua jornada, tendo nas mãos o objeto de tanto precisam para a

transmutação, a iluminação.

O Monstro-tirano

Segundo Boechat (1997), o modelo mítico mostra sempre o herói que

mata o monstro.

“Este mito configura a estruturação da consciência a partir do inconsciente. A morte do monstro-tirano simboliza o domínio de impulsos instintivos primitivos”. ( Boechat, 1997, pág 52)

Este fenômeno traz a passagem de um estágio de consciência para outro,

mais diferenciado. O herói, atuando no eixo ego-si-mesmo, proporciona à

consciência a energia necessária para uma adaptação ao novo estágio do ser.

O monstro-tirano é aquele que representa a ruína do auto-

engrandecimento, do impulso do seu ego em dominar, controlar. Representa os

impulsos instintivos que o herói precisa derrotar e enfrentar. São princípios e forças

inconscientes capazes de destruir e por em risco toda a jornada heróica.

Comumente este monstro-tirano é representado como as forças

opressoras, o acumulador do bem, ou seja, é aquele que aprisiona algo que precisa

ser reencontrado, resgatado e retirado de suas mãos pelo herói.

É a partir da jornada que o herói inicia a fim de aniquilar suas forças,

dominá-las é que ele obterá o tesouro, representado pela transformação, por uma

nova estruturação da consciência.

No comercial A Missão, os heróis enviados pela Nike para resgatar o

“ciclo”, a esfera e trazer algo de bom para a humanidade também precisam

combater um exército opressor. De maneira semelhante à descrição dos monstros

mitológicos, o monstro tirano do comercial é alguém desconhecido, assustador e

sombrio para o herói.

Page 128: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

O comercial contextualiza esta característica ao mostrar o exército

opressor utilizando máscaras de ferro e roupas escuras escondendo suas

identidades secretas. Somente ao final da disputa, após a sua derrota, o monstro-

tirano é atirado a um dos elevadores e destruído após uma pane elétrica. Nesta

cena, é mostrada a sua face em primeiro plano. É um monstro-tirano não humano.

Um robô criado pelas próprias virtudes humanas, um monstro-tirano

criado capaz de desafiar e vencer o seu criador (o homem). Este monstro-tirano

tecnológico (robótico) representa os impulsos do homem contemporâneo e seus

anseios em dominar novos conhecimentos, do homem científico, do homem que

expande os limites de sua cultura e pensamento.

Ao mesmo tempo em que ele se desenvolve em direção a um ideal de

perfeição, domínio (Apolo), também encontra em seu caminho, dominando o ego,

forças de auto-engrandecimento capazes de comprometer toda a jornada, por isso

essas forças interiores inconscientes, representadas aqui por este monstro- tirano

precisam ser derrotadas e é justamente isso o que estes heróis fazem durante esta

batalha.

O Discurso Televisivo Sedutor

Através de uma análise sobre o discurso televisivo é possível concluir que

este discurso explora de maneiras diversas a tendência à fragmentação e intensifica

ao máximo, portanto, o estímulo visual. O discurso televisivo sedutor constitui-se

num terreno onde o imaginário (imagens29) ganha toda força.

29 Em todas as sociedades, a maioria das imagens foi produzida para certos fins (de propaganda,

de informação, religiosos, ideológicos em geral). Para ele, uma das razões essenciais para a produção de imagens provém da vinculação da imagem em geral com o domínio do simbólico, o que faz com que ela esteja em situação de “mediação” entre o espectador e a realidade. A palavra “imaginário” deve ser tomada como estritamente ligada à imagem: as formações imaginárias do sujeito são imagens, não só no sentido de que são intermediárias, substitutas, mas também no sentido de que representam eventualmente imagens materiais. O sujeito é efeito do simbólico, concedido ele mesmo com uma rede de significantes que só adquirem sentido em suas relações mútuas; mas a relação do sujeito com o simbólico não pode ser direta, já que o simbólico, ao se

Page 129: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

Dentro do discurso televisivo sedutor, ou seja, o tipo de comercial de TV

que utiliza e explora os limites da sedução30, é capaz de estabelecer uma relação de

consumo intransitiva, isto é, capaz de coexistir com a relação transitiva de convite a

um ato de compra e consumo posterior.

O espectador então consome os comercias, suas imagens delirantes e

seus conteúdos com forte apelo ao imaginário, através da construção de espaços

irreais, cada vez mais distantes do real.

O comercial de TV trabalha a partir do discurso sedutor, este

essencialmente à margem da realidade e do signo, se desenvolve apenas no nível

da imagem, numa relação dual e escópica com o espectador, excluindo totalmente o

símbolo.

Da mesma forma, as imagens exibidas neste vídeo pretendem

estabelecer uma relação dual com o espectador, numa linguagem onde as imagens

se dizem absolutas, perfeitas e completas e não simbólicas.

constituir, escapa totalmente ao sujeito. É por intermédio de formações imaginárias que se efetua esta relação. ( Aumont, 1995, pág 78)

30 O dispositivo sedutor está destinado, obviamente, a seduzir e, por isto, situado à margem de todo mecanismo cognitivo, como a convicção, por exemplo. Trabalha fundamentalmente à margem do signo, pois se desenvolve essencialmente no plano imaginário. O discurso do comercial sedutor é uma mensagem delirante que se situa à margem da realidade e por isto não pode ser submetida à prova da realidade ou da verdade. A mensagem do sedutor, absolutamente fática, é do Tudo ou nada. Não só diz o que tem, mas diz que é Tudo. Não só promete que ao seu lado pode ter Tudo, mas também te faz suspeitar e temer que se por um momento ele deixar de te olhar, então o resultado é o caos, o Nada. Assim, a imagem que enuncia tem que ter um aspecto absoluto, total. É como se ela dissesse: “Eu tenho, eu sou, tudo, absolutamente tudo o que você deseja”, exemplifica. Este “Tudo”, esse caráter absoluto do objeto vai se manifestar em todos os parâmetros sonoros, verbais e visuais do comercial de TV. A imagem que se constrói não é a imagem de um objeto singular (real) tão pouco de um objeto genérico (semiótico), mas a de um objeto de desejo (imaginário). ( Requena, 1999, pág 12)

Page 130: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

Imagens fetichistas:

São inúmeras as imagens fetichistas encontradas neste vídeo. Dentro do

contexto imaginário, onde o discurso sedutor ganha espaço através da utilização de

imagens que insinuam uma fusão com o espectador, através de um contexto que a

tornam absolutas e escópicas.

As imagens fetichistas são imagens que se dizem completas, plenas. O

objetivo delas é exatamente restabelecer uma imagem plena, que possui esse

“Tudo” que o espectador deseja, suprindo toda a falta na tentativa de resgatar e

reconstituir uma imagem primordial no imaginário de alguém, mas que jamais

conseguirá.

O fetiche, portanto, pertence ao terreno intermediário das imagens (o

imaginário) e está muito distante da ordem simbólica. Apresenta-se como um objeto

diretamente associado, sem nenhuma ponte temporal, espacial ou narrativa, com a

realização do desejo, assim como todos os artifícios sedutores utilizados nos

discursos televisivos dos comerciais de TV.

Cena 01

Conjunto chuteiras + bola Nike = O arco e a flecha de Apolo

Após a convocação dos jogadores para esta missão importante, são

mostradas as armas, os auxiliares que os farão alcançar a fortaleza. A imagem

formada pelo conjunto (bola + chuteiras) representa, através do fetiche, a

possibilidade de resgatar a imagem primordial do arco e a flecha de Apolo. O arco

está aqui representado pela bola. As chuteiras representam as flechas, o domínio da

distância, o alcance.

Cena 02

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Bola Nike = tesouro= símbolo da transformação do herói

Na fase o chamado, após a frase “Nós precisamos trazê-la de volta”,

temos a imagem de uma foto em preto e branco. Todos estão concentrados nesta

imagem. Ela tem um papel importante na jornada dos heróis. Esta pequena

fotografia aparece em primeiro plano e o que temos é uma foto da bola Nike.

Ela personifica o grande tesouro, o verdadeiro motivo da missão, que é

trazê-la, retirando-a do domínio do inimigo e ao mesmo tempo a imagem deste

objeto funciona como “emissária” da jornada. Esta imagem representa e personifica

o símbolo de transformação, o grande motivo coletivo ao qual se destina este

resgate.

Cena 03

Bola Nike = oráculo= umbigo = centro

Na cena que mostra o momento em que os jogadores alcançam o andar

onde está a Bola Nike. Esta cena mostra este objeto ao centro de uma sala, com

estátuas e várias armadilhas (sensores infravermelhos capazes de capturar qualquer

corpo estranho).

Este objeto está totalmente protegido, erguida sobre uma coluna

localizada ao centro do lugar. Nesta cena, temos a bola Nike que, ao ser colocada

ao centro, traz a idéia do Oráculo de Delfos (umbigo).

Esta imagem representa mais uma vez algo que exige a proteção de

forças opressoras e destrutivas. Comparada nesta cena ao Oráculo de Delfos como

umbigo, centro do Universo, ela também aparece sendo resgatada das garras do

dragão malévolo. Da mesma forma, os heróis personificam aqui nesta cena a figura

apolínea, capaz de salvá-la, trazendo a justiça e o bem de todos.

Cena 04

Page 132: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

Dualidade: Redondo = bem X Quadrado = mal

Durante a disputa da bola pelos dois times, as cenas que exploram a

dualidade de formas são as cenas que passam nas dependências do grande prédio.

As cenas percorrem os saguões, as escadarias e os pavimentos, ante-salas e

corredores.

Exploram a presença de objetos e movimentos de câmera circulares,

sempre exibidos a favor das ações, movimentos e contextos do time Nike, o time do

bem. Em oposição aos círculos, temos a arquitetura interna de formas retas e

imponentes, caracterizando todo o ambiente do exército inimigo e opressor.

9.2.3 A Jaula

A Jaula Duração: 3 min Anunciante: Nike Sinopse: Jogadores de futebol famosos estão aprisionados num vagão subterrâneo de um

grande navio de guerra. Eles são prisioneiros numa espécie de jaula e estão sob a

intensa vigilância de um algoz tirânico e opressor, que os obriga a realizar partidas

de futebol entre eles. Manter os heróis habilidosos e o espetáculo de futebol sob o

seu domínio é o que lhe proporciona tal auto-engrandecimento e satisfação.

Princípios míticos- O rei Minos e o Minotauro

Segundo Brandão (1997), filho de Zeus e Europa foi criado pelo rei

cretense Astérion ou Astério, que às vezes, figura como seu pai. Após a morte de

Astérion assumiu o governo da ilha de Creta e tal fato se deu, segundo o mito, três

Page 133: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

gerações antes da guerra de Tróia. Minos, todavia, não assumiu pacificamente o

trono cretense, tendo que disputá-lo com seus irmãos.

O futuro soberano alegou que, de direito e de fato, Creta lhe pertencia por

vontade dos deuses e, para prová-lo, declarou que estes lhe concederiam o bem

que quisesse.

Um dia, solicitou ao deus Posídom que fizesse um touro sair do mar,

comprometendo-se a imolar o animal logo em seguida. O grande deus do mar

atendeu-lhe o pedido, o que lhe valeu o poder supremo. Minos, todavia, dada a

beleza extraordinária da rês, e desejando conservar-lhe a raça, enviou-a para junto

de seu rebanho, não cumprindo o prometido ao imortal deus. O deus, irritado,

enfureceu o touro, o mesmo que Héracles matou ou trouxe para Micenas, a pedido

de Minos.

O castigo divino, todavia, não parou por aí. Minos casou-se com Pesífae,

filha de Hélio, o rei Sol, e como castigo o deus fez com que ela se apaixonasse pelo

célebre touro, pelo fato do rei não ter o sacrificado ao deus.

O rei, então, envergonhado, vai à procura de Dédalo, um grande arquiteto

e artista para construir um labirinto e ali sua esposa consumava seus desejos e a

paixão que nutria pelo touro.

Segundo Junito de Souza Brandão (1997), Minotauro, é aparentemente

um composto de (Minos) e de (tauros), touro, onde “o touro de Minos”. A. Von

Blumental31 julga que o nome significa “homem-touro”.

Para que Pesífae pudesse satisfazer a seus desejos incontroláveis pelo

touro, que Posídon fizera nascer do mar, Dédalo construiu uma novilha de bronze. A

rainha colocou-se dentro do simulacro e concebeu o Minotauro.

31 A. von Blumental, Zeitschrift fur Namenforschung, 16, pág 155 citado por Chantreine, Stier Mennsch, DELG, pág 705, apud Junito de Souza Brandão, pág 128.

Page 134: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

O rei, assustado e envergonhado com o nascimento do monstro, filho da

paixão de sua esposa, encarregou Dédalo de construir o famoso Labirinto, um lugar

com um emaranhado de quartos, salas e corredores com tantas voltas e

ziguezagues que somente o genial arquiteto poderia encontrar o caminho de volta.

Pois bem, foi nesse labirinto que Minos colocou o horrendo Minotauro,

que era, por sinal, alimentado por carne humana.

O mito do Minotauro conserva a lembrança de uma nesga da gigantesca

civilização minóica, que, a par do culto às Grandes Mães, mantinha igualmente o do

touro, símbolo da fecundação, por causa do seu sêmen abundante.

Minotauo, filho de Pesífae, “a lua cheia” cujo crescente se assemelha aos

cornos do touro. Quanto à Labririnto, provém de (lábrys) e do sufixo pré-helênico (

inthos), e significa “bipene”. Labirinto seria, pois, “a casa de bipene”, insígnia da

autoridade.

Princípios míticos e os Espaços:

Os espaços deste comercial se aproximam ao que, na história do Rei

Minos e do Minotauro correspondem tanto ao castigo do Deus diante do

descumprimento de sua ordem, ou seja, o erro cometido pelo rei ao aprisionar o

touro divino.

Mas, a conseqüência desta infração, a suposta paixão de sua esposa,

Pesífae, pelo touro também resultará num segundo acontecimento, um outro

aprisionamento ou esconderijo. Este agora, construída na tentativa de suplantar ou

recuperar sua vergonha e espanto diante do seu reinado.

Assim como o Rei Minos se apodera do touro divino ao invés de obedecer

às exigências do deus Posídom, o carcereiro algoz e pretensioso que aprisiona os

Page 135: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

jogadores numa espécie de jaula também os mantêm ali, enjaulados. Este algoz

conseguiu capturá-los e os heróis são mantidos ali como prisioneiros de guerra.

Numa referência direta aos espaços do contexto da história do rei Minos,

podemos fazer uma comparação com os ambientes onde o comercial acontece.

Primeiramente, temos como cenário inicial o mar, sinalizando aqui a presença de

Posídom, o deus dos mares ao qual o rei, amistosamente solicitou o favor de enviar -

lhe um touro do mar, comprometendo-se depois em recompensar ao deus este

grande pedido.

Posídom é aqui o princípio mítico que se relaciona diretamente a esta

missão, este foi o deus ofendido e o princípio desrespeitado pelo ambicioso rei.

O comercial se passa em pleno mar, num navio que se assemelha a um

navio de guerra, uma espécie de navios que transporta prisioneiros de guerras.

Neste mesmo espaço é possível ver algumas pequenas embarcações que também

se aproximam do grande navio.

Depois, as imagens partem para a parte interna do navio de guerra. São

grandes portões de ferro que se abrem para recolher os prisioneiros que chegam e

seguem para um galpão escuro. Neste local, são colocados numa jaula fechada,

como se fossem animais. Os heróis são mantidos ali sob a vigilância de um

carcereiro.

A jaula

O espaço ocupado pelos jogadores aprisionados é uma jaula. Esta jaula

cercada por grades de ferro e escura faz uma referência ao labirinto que o rei Minos

manda construir para esconder o Minotauro (o castigo divino que representa o seu

auto-engrandecimento). Aqui, vemos um algoz, uma autoridade que impõe seu

poder sobre quem ele domina e que, da mesma forma que o rei Minos está sugado e

Page 136: Universidade Salvador   Monografia Maryjane Aleluia

voltado para seus interesses próprios e o desejo desenfreado pelo auto-

engrandecimento.

Assim, o rei Minos manteve consigo o touro divino, desafiando o deus e

preferindo aquilo que considerava ser a própria vantagem econômica. No comercial,

a autoridade demonstra uma visível satisfação e sensação de poder com o

espetáculo de futebol e as partidas que os jogadores realizam entre si,

principalmente por estar sob o seu domínio, sob a sua proteção, sob o domínio de

suas vontades. Portanto, a referência ao labirinto (lábrys) e do sufixo pré-helênico (

inthos), insígnia da autoridade.

Em Campbell (1995), o rei Minos, mesmo construindo o império

renomado, qualquer que seja a casa por ele construída será uma casa de morte; um

labirinto com paredes ciclópicas construído para esconder dele o seu minotauro, e

tudo o que ele fará é criar novos problemas para si próprio e aguardar a gradual

aproximação de sua desintegração.

O minotauro representa os efeitos calamitosos do seu fracasso, pois a

própria divindade tornou-se seu terror, já que se cada um for o seu próprio deus,

como queria o rei, então o próprio deus, sua vontade e o poder que destruiria o

sistema egocêntrico32 de cada um se transformará num monstro.

Da mesma forma, o algoz do comercial mantém sob seu domínio o touro

divino vindo do mar, representados aqui pelos jogadores que realizam um

espetáculo de futebol.

A Dualidade: Formas redondas e quadradas

32 Diz respeito a uma porção da psique composta de pensamentos, memórias e sentimentos de fácil acesso, em cujo centro de encontra o ego, o eu. O centro da consciência.( Stein, 1998, pág 80).

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Mais uma vez, há uma combinação de formas que se contextualizam nas

mensagens do comercial.

É possível observar que as formas arredondadas representam os

elementos trazidos pela divindade. No caso de rei Minos, o touro divino, mas aqui

tanto a bola como o Futebol (a técnica, a força, a circularidade dos movimentos)

entendido como a representação, através do esporte, da necessidade de equilíbrio

entre Eros e Psique33.

Todos os elementos e contextos que envolvem os jogadores e a disputa

esportiva estão traduzidos pela presença do divino. A agilidade e a inteligência

combinada pelos jogadores através dos dribles passes e técnicas de improviso para

vencer as disputas estão presente neste contexto.

O labirinto da história de Minos está representado pela jaula, o local em

que ele aprisiona suas supostas conquistas, depois transformadas sob o poder

divino no seu fracasso. Este espaço é o local que concentra toda a pretensão

egoísta, os instintos incontroláveis de auto-engrandecimento, o minotauro.

Minotauro, ou seja, o touro de rei Minos, o homem- touro.

O monstro é, portanto o próprio Minos, embebido pelo poder, metade

homem e outra besta. A cabeça do minotauro é representada como a cabeça de um

touro e o corpo de um homem, evidenciando a dualidade desta figura fragmentada,

a aniquilação trazida pela proteção dos sistemas e vontades do ego, as obtenções,

os objetivos e interesses. 33 O mito incluso no esporte, responsável por sua popularidade mundial, inclui a expressão, o suplício, mergulhado no qual o homem vive: a luta permanente da força com a harmonia. A vida é luta e harmonia em permanente interação, desequilíbrio, nova interação, novos equilíbrios. Na força está Eros, impulso básico e potente de amor (normalmente atletas transmudam-se em símbolos eróticos). Nele, está a disposição, a saúde, a energia da ação, sem as quais não se vive. A força (erótica) é condição da existência, o princípio masculino.A harmonia é o princípio ordenador da força, o que lhe dá inteligência, sensibilidade, intuição, profundidade. Sem harmonia, a força se perde em atividade estéril. É o princípio feminino. (Psiquê na mitologia une-se a Eros). Precisa-se do elemento ordenador, capaz de modelar o conjunto e utilizar a força de cada jogador de maneira integrada, inteligente, harmônica. ( Távola, 1985, pág 100)

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São as formas retangulares e as linhas retas que mais chamam a atenção

na caracterização deste espaço. Este local é um espaço que, visto pelas câmeras do

vídeo, identificamos como possuindo quatro cantos e quatro paredes, como um cubo

revestido por grades com espaços também quadrados, permitindo a visão dos que

estão de fora só através dos pequenos quadrados que aparecem na tela.

Princípios Míticos e os personagens:

O Algoz

A autoridade que mantém os jogadores na jaula é levada por impulsos de

auto-engrandecimento e poder.

Trata-se de um homem poderoso e conquistador que se abastece de

satisfação e prazer em possuir apenas para si mesmo a dádiva divina, sendo

representados aqui pelos craques da Nike, num espetáculo de futebol em que ele

organiza e escolhe as disputas entre eles. Ele mantém o controle das partidas e de

tudo o que ocorre durante as jogadas.

O futebol, assim como os jogadores, os uniformes, os tênis, a bola tudo

isso representa a oferenda, o touro divino, ou seja, aquilo que simboliza a submissão

ao deus, mas que por seus impulsos ambiciosos ele aprisiona e mantém para si.

Analogamente, o rei Minos, preocupado com sua supremacia econômica,

ao perceber a majestade da besta enviada pelo deus, ele achou que poderia ser

muito vantajoso possuir tal espécime e se arriscou numa troca comercial, enviando

ao deus um touro de seu rebanho, o melhor deles.

O império cretense havia alcançado grande prosperidade sob o seu

governo. A capital, Cnosso havia se tornado um grande centro comercial do mundo

civilizado. Apesar disso, sua vida particular tornou-se um inferno.

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O mesmo touro divino que ele manteve em seu poder atraiu a rainha

Pesífae, que devido aos desejos incontroláveis pelo touro mantinha encontros

amorosos e destes encontros nasceu Minotauro, que mais tarde o rei esconderia de

todo o palácio.

O Minotauro

O que o rei esconde na verdade é a si-mesmo. Levado pelos impulsos de

obtenção, o rei, pela graça de Deus, tornou-se o perigoso tirano que reivindica tudo

para si.

Segundo Campbell (1995), cometendo o erro de recusar o ritual (o

sacrifício do touro ao deus), o rei Minos deixava de fazer parte, como unidade, da

unidade mais ampla formada pela comunidade como um todo; e assim, O Uno

tornou-se muitos, passando esses últimos a lutar entre-si.

A fragmentação da figura do minotauro mostra, por exemplo, a cisão do

indivíduo que ao negar a divindade torna-se um monstro, uma figura incompleta,

desintegrada, metade homem e metade besta. O minotauro é o monstro ávido e

acumulador dos benefícios. É no que se transforma o ego inflado do tirano que atrai

para si mesmo e para o mundo, a maldição.

O gigante da independência autoconquistada, o Minotauro, um homem-

touro, metade homem e animal representam o mensageiro do desastre do mundo,

muito embora em sua mente ele esteja convencido de ser movido por intenções

humanas.

O Minotauro representa, não só o monstro provocado pelos impulsos de

poder do rei, mas os de todas as pessoas. Este monstro representa, através da sua

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figura, o que se encontra no íntimo de todos quando encaramos as situações em

termos de obtenção e proteção do sistema atual de ideais, virtudes e vantagens,

centrados no “eu”.

O Herói “Guerreiro”

Para Campbell (1995), o herói é alguém comprometido com questões que

dizem respeito ao coletivo e à toda a humanidade, mesmo que estes acontecimentos

atinjam uma esfera pessoal. O herói é um monomito e uma figura arquetípica a qual

cada um pode acessar.

O herói guerreiro se irrompe quando uma situação opressora se instala e

ele precisa utilizar de meios para resolvê-la.

O herói, através da sua jornada é alguém comprometido com o

nascimento de algo novo. Ele traz a percepção de que é preciso retirar-se da cena

mundana e iniciar uma “jornada” por regiões jamais imaginadas, desconhecidas e

torná-las claras e penetrar assim no domínio da experiência e da assimilação.

O comercial traz a referência a dois heróis guerreiros da história do

Minotauro, claramente representados por jogadores talentosos do futebol.

Os heróis deste mito são Dédalo e Teseu. Dédalo foi o grande arquiteto e

artista que construiu o labirinto a mando do rei Minos e Teseu era responsável por

levar rapazes e moças atenienses para alimentar o Minotauro.

Ariadne, filha do rei Minos, apaixonou-se pelo belo Teseu. Ele veio para

Creta do exterior, como um símbolo e agente da civilização grega em ascensão.

Corajoso e destemido, foi convencido por Ariadne a matar o minotauro com a

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condição de a mesma lhe fornecer meios para ajudá-lo a sair do labirinto, desde que

ele prometesse se casar com ela e levá-la para Creta.

Ariadne procurou então a ajuda do habilidoso Dédalo, cuja habilidade

havia construído o labirinto. Dédalo34 lhe deu simplesmente um rolo de fio de linho,

que o herói visitante deveria prender à entrada e ir desenrolando à medida que

entrasse no labirinto.

A jornada do Herói

A jornada do herói é um percurso que pode ser descrito também no

comercial, fazendo uma referência aos personagens do contexto da história do

Minotauro.

O Chamado

Segundo Campbell (1995), no mito do Minotauro, Ariadne, a filha do rei,

aparece como a emissária. É ela que convoca o herói Teseu e o convence a

enfrentar o labirinto onde vai enfrentar o monstro do pai. Da mesma forma, ela

convoca o artista Dédalo e ele aceita ajudá-la.

Dédalo e Teseu combinam forças essenciais para esta missão. A

coragem, a determinação e a força de Teseu aliada à inteligência, sabedoria,

engenhosidade do artista Dédalo.

Semelhante ao que ocorre no contexto desta história, o comercial aborda

o “chamado” de forma que os jogadores percebem que precisam também lutar e

reunir tudo o que o herói guerreiro necessita para enfrentar a situação do comercial.

34 Dédalo, o próprio cientista que a serviço do rei pecador, foi o cérebro criador do horror representado pelo labirinto, porém o mesmo, com a mesma prontidão pode servir aos princípios da liberdade. Durante séculos, Dédalo representou o tipo de artista-cientista: aquele fenômeno humano, curiosamente desinteressado e quase diabólico, que está além das fronteiras normais do julgamento social, dedicado à moral da sua arte, e não à moral do seu tempo. Ele é o herói do caminho do pensamento - de bom coração, dotado de coragem e cheio de fé no fato de que a verdade, tal como ele a conhece nos libertará. Campbell, 1995, pág 31

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Os jogadores reúnem princípios similares ao que os heróis Dédalo e

Teseu precisaram para conseguir ter sucesso e destruir o Minotauro. Primeiramente,

ao aceitar o “chamado”, assim como Teseu e Dédalo aceitaram a o ouvir Ariadne, os

jogadores também sabiam que estavam aprisionados e precisavam estar preparados

o suficiente para não serem mortos, pois estavam em perigo. Eles aceitam os

desafios e as partidas que ao longo do vídeo são organizadas.

A Iniciação

A combinação dos elementos míticos presentes não está só no mito dos

personagens Dédalo e Teseu. Podemos encontrá-los em todos onde há a

combinação de Eros e Psique inclusive no futebol, que como já foi pesquisado pode

representar o caráter heróico desta combinação e a busca pelo equilíbrio entre

esses princípios. Na fase “iniciação” do vídeo vemos jogadores que disputam com

muito talento e futebol-arte35.

É nítida a percepção e senso de grupo que os times possuem o que se

caracteriza também o herói guerreiro. Além disso, a combinação de engenhosidade,

força, além da construção de táticas e estratégias das jogadas. A intuição e

criatividade aliada à força e habilidade, além do preparo físico podem ser

evidenciados aqui.

A fase “iniciação” para os heróis do comercial deixa evidente que ele está

em combate direto com seu opositor e é nela que ele passará por provações,

intrigas, dificuldades e riscos.

Esta fase indica que agora eles terão que enfrentar as forças

desconhecidas e da mesma forma o comercial explora essa situação, pois no

35 Expressão utilizada para falar da forma criativa e inovadora de fazer e jogar futebol, própria de grandes jogadores. (Revista Placar, 2005, pág 13)

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momento em estão enjaulados os jogadores-heróis estão à mercê das vontades e

desejos do monstro-tirano, a própria autoridade que os suprime, representado pelo

personagem que os observa e dá ordens, aplaude e critica, numa demonstração

plena de satisfação pelo poder e domínio, e isto lhe dá enorme sensação de

contentamento e satisfação. São os mesmos desafios que o mito do Minotauro

reflete, diante dos impulsos de engrandecimento, obtenção e poder que se apossam

do rei e o leva ao fracasso.

Como um recurso sonoro utilizado durante o filme, a música Satisfaction

in me, de Elvis Presley evidencia os momentos de deleite e satisfação. Através da

música, as sensações de poder, controle e satisfação se reforçam ainda mais

durante o filme, pois ela está combinada aos recursos visuais utilizados pelo vídeo.

2.1.3 O Regresso

Segundo Campbell (1995), o regresso, momento em que o herói, depois

de uma vitória decisiva retorna de sua misteriosa aventura com o poder de trazer

benefícios aos seus semelhantes.

Os heróis Dédalo e Teseu, representados aqui pelos jogadores que

reúnem dentro da sua missão heróica características também necessárias ao jovem

Teseu e ao artista Dédalo, através da combinação de criatividade, força, coragem e

iniciativa conseguem, assim como eles uma saída daquela jaula.

A morte do minotauro está representada no comercial através do

talentoso espetáculo de futebol, ao ser finalizado. Assistir aquelas cenas e ao

grande final e a forma como foi conseguido pelos atletas agradou ao ânimo e à

ansiedade dominadora daquela autoridade.

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Com muita habilidade e equilíbrio de forças, assim como os heróis do mito

eles conseguem uma saída da jaula.

Dédalo, um dos heróis do mito ofereceu a Teseu, a pedido de Ariadne,

um novelo de lã e ele pode assim encontrar o caminho de volta, ao seguir o caminho

traçado pelo fio. O confronto e a luta com o monstro ficaram a cargo de Teseu. Da

mesma forma, os atletas aliam elementos desta trajetória heróica e retornam

revigorados e renascidos, trazendo com eles os símbolos da jornada.

O vídeo exemplifica as cenas do “retorno”, a fase final do vídeo, após a

última disputa e logo em seguida os jogadores lançando-se ao mar. Agora os heróis

estão livres e podem retornar. Da mesma maneira que, no início do vídeo os

jogadores são retirados do mar para o navio, o retorno explicita e finaliza a jornada

heróica através da libertação.

O retorno ao mar traduz a possibilidade de volta, recomeço,

renascimento, assim como os heróis do mito do minotauro puderam realizar após a

luta com o monstro.

O Discurso Televisivo Sedutor

Mais uma vez, o comercial de TV aparece inserido em um discurso em

que as imagens e os estímulos visuais ganham força.

Através de todas as particularidades deste discurso, tais como a

tendência à fragmentação, totalmente à margem do símbolo e dos signos, mantendo

com o telespectador uma relação dual, que se diz completa e absoluta entre o

olhante, o espectador, e a imagem que se apresenta a ele.

Imagens fetichistas:

As imagens fetichistas são capazes de evidenciar a presença deste tipo

de discurso, o discurso sedutor. Neste comercial, por exemplo, é possível encontrar

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imagens fragmentadas, totalmente à margem do discurso simbólico, pois o que elas

buscam apenas atrair e encantar ao espectador, na tentativa de se fundir com ele,

de oferecer “tudo”, de ser completa e plena, porém sem esforço algum para isso.

São imagens que pretendem atender às necessidades e desejos

narcisistas, numa tentativa incessante e desgastada de substituir ou resgatar uma

imagem primordial e preliminar de quem a observa.

A forma com que estas imagens aparecem no comercial também não é

diferente. Este comercial e outros do mesmo anunciante exploram através de

aspectos visuais, sonoros e dos contextos todo o potencial que a imagem possui de

transmitir para o telespectador as mensagens e também o seu potencial

manipulador.

A imagem, uma ponte de comunicação para os conteúdos simbólicos se

mostra, através do discurso televisivo e das publicidades em geral, um veículo onde

as estratégias de mercado, através das marcas conseguem ampliar as fronteiras do

consumo de suas “imagens de marca”, não só de produtos e algumas marcas, a

exemplo da Nike, vai ainda mais longe.

Como se pode observar nas análises dos comerciais, os contextos míticos

e arquetípicos estão sempre presentes nas historietas dos comerciais, utilizando

como personagens dos enredos míticos os atletas famosos e os produtos da marca,

através de elementos recorrentes encontrados no arquétipo de Herói e os mitos

envolvidos nestas trajetórias.

As imagens, por sua vez acabam nos comerciais, a serviço da expressão

das ambiciosas idéias de marcas como esta, incitando, insinuando e evocando

conteúdos do inconsciente coletivo.

Cena 01

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Bola arremessada = alimento do minotauro

Esta cena exemplifica o que o Rei Minos fazia para alimentar e esconder

o minotauro de seu reino. Ele mandava vir de Atenas, rapazes e moças trazidas por

Teseu para alimentar o monstro, já que ele se alimentava de carne humana.

Esta ação do rei representa os seus impulsos de auto-engrandecimento,

tomado pelo medo e pela insegurança de ameaçar seu reino, os seus valores

pessoais e sua posição.

Na jaula onde se encontra os jogadores, há uma abertura onde são

arremessadas bolas de futebol para dentro da jaula, onde as competições ocorrem.

A cada término de cada competição, mais e mais bolas são arremessadas, sempre

pelo mesmo personagem.

As bolas da Nike representam o alimento, aquilo que encanta e enobrece

os impulsos dominadores do rei, justamente o que ele não possui, porém ele

acredita possuir.

Assim como o rei se apossa do touro divino, ele se apossa e deseja obter

para si próprio a bola e os craques, mesmo que ele nem mesmo a utilize, apenas se

entretenha com o fato de dominá-la, como mostra o vídeo através dos gestos,

movimentos e palavras de poder e satisfação. Neste caso, os jogadores, que no mito

são os heróis Dédalo e Teseu podem fazê-lo parar de alimentar o minotauro. Está

nas mãos dos heróis do comercial o destino do monstro.

Cena 02

Quadrado X Redondo = Bem X Mal

Cena que mostra o ambiente e a ambigüidade das formas dentro e fora

da jaula. Temos aqui um espaço composto de linhas retas e grades por todos os

lados.

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Os movimentos de câmera dão ao espectador a sensação de

claustrofobia dos espaços quadrados, mostrando algumas vezes as imagens através

das grades de ferro.

De fora, temos um ambiente ameaçador, que aprisiona e limita, porém

onde ocorre o espetáculo dos atletas temos um ambiente que se movimenta ao

longo do tempo, através de movimentos, pulos, giros, denotando toda agilidade e

destreza. Aqui, as formas arredondadas. A bola de futebol está sempre lá. E é lá,

junto com os heróis, representando os símbolos divinos é que a sua imagem se

torna plena, perfeita e completa. Nunca fora deste espaço.

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10. Considerações Finais:

A pesquisa tornou possível a contextualização e abordagem do mito como

motivo primeiro e ponto de partida para construirmos referências sobre os

simbolismos que cercam a natureza humana, e, além disso, permite perceber como

tais simbolismos podem conduzir o que criamos, mesmo que este simbolismo seja

ignorado.

O Mito e as figuras mitológicas são declarações intencionais de

determinados princípios de cunho espiritual, que permaneceram constantes ao longo

do curso da história humana. O mito ensina que as coisas e seres são efeito de uma

força ubíqua da qual emergem, força esta que os sustenta e preenche.

A pesquisa e a abordagem do Mito e do arquétipo para compreender as

imagens de marca ofereceram uma percepção na qual retrocedemos à necessidade

simbólica para refletir e repensar o consumo de imagens, exemplificando através do

comercial de TV.

Dentro dos propósitos desta pesquisa, conseguimos alcançar os objetivos

relativos à investigação do consumo de marcas através de um diálogo com

conhecimentos sobre conteúdos do inconsciente coletivo. Através deste diálogo,

tornamos possível suprir uma lacuna dentro da área de conhecimento e trazer novas

abordagens para os pesquisadores da área.

O comercial de TV, um dos grandes veículos de comunicação

contemporâneo, foi utilizado para entender como estas estruturas mitológicas podem

ser observadas, percebidas e analisadas, exatamente num momento em que o ser

humano cada vez mais nega o aspecto simbólico e seus enredos, sem notar que ele,

o homem, está envolto por ele a todo o momento, não o contrário.

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As análises dos comerciais obedeceram à observação de aspectos que

tornaram possível encontrar inter-relações entre histórias e enredos arquetípicos,

principalmente no que diz respeito ao arquétipo do herói.

A presença de princípios míticos foi observada em diferentes aspectos do

discurso televisivo, das imagens aos roteiros, passando pelos espaços e

personagens. O arquétipo do Herói, evocado em diversos elementos dos comerciais,

está também em toda a trajetória dos personagens, representado pelas figuras dos

atletas da marca.

Através do método da pesquisa qualitativa, onde a modalidade escolhida

foi o estudo de caso, o trabalho tornou possível confirmar as hipóteses descritas no

corpo da pesquisa.

Dentre as hipóteses confirmadas está a de que, dentro do que a pesquisa

teórica identificou sobre os mitos e sua importância simbólica, religiosa e coletiva,

manifestas no inconsciente coletivo pode-se concluir que o comercial de TV, ao

explorar estes enredos, mesmo que através dos fetiches de suas imagens pode

evidenciar e reforçar um consumo intransitivo, independente da aquisição do

produto, segundo informações comprovadas nas abordagens sobre o discurso

publicitário que esta pesquisa retratou.

A partir do que foi analisado sobre o arquétipo do Herói, confirmando a

hipóteses sobre a presença de arquétipos evocados na expressão desta marca, os

comerciais analisados apresentam uma estrutura de enredos e roteirização cíclicas,

presente em todos os vídeos analisados, a mesma que obedece ao que chamamos

de trajetória do Herói, segundo Joseph Campbell: separação-iniciação-retorno; (O

chamado, as iniciações e o regresso), além da utilização dos recursos de som,

imagem e aspectos do próprio discurso televisivo também serviram como referência.

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Os comerciais apresentaram também uma clara alusão não só aos papéis

e preocupações do Herói, mas aos compromissos com a comunidade, a exploração

de dimensões e mundos ameaçadores, a luta contra forças opressoras.

O futebol, outra representação constante em todos os comerciais,

exemplifica o equilíbrio entre força e harmonia, tão presentes no enredo deste

arquétipo, segundo as informações obtidas na pesquisa sobre a relação entre o

arquétipo e o esporte.

Não podemos esquecer que a mediação entre a mensagem publicitária e

os enredos míticos só podem ocorrer através de imagens, imagens do discurso

sedutor. Porém, as imagens do comercial diferem das imagens arquetípicas, pois

são escópicas e imaginárias, não simbólicas.

Apesar da semelhança entre a trajetória mítica e cíclica do Herói que a

pesquisa identificou nos comerciais, fica evidente a tendência à fragmentação, à

repetição do discurso sedutor aí imerso, ultrapassando os limites da identificação e

do desejo do consumidor, o desejo de ser o “Herói”, se identificar com ele, mesmo

que em um nível puramente dominado por imagens delirantes.

Então, o que ocorre é uma tentativa da marca em explorar o potencial

imaginário dos conteúdos arquetípicos e não simbólico, através de um discurso

fragmentador que só fará “mover” ou “atrair” o consumidor em direção à sua marca,

originando o consumo cada vez mais intransitivo, ou seja, “gosta-se” dos comerciais,

independente de adquirir o tênis ou a bola da marca anunciante, confirmando desta

forma a hipótese de que a ativação de um arquétipo pode mover e atrair o

consumidor em direção à marcas que o atraiam.

A propaganda e a publicidade participam diretamente dos imediatismos e

da exploração dos ideais de consumo e o apego ao materialismo, seja através das

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curtíssimas mensagens dos anúncios, ou a simples aparição da assinatura no vídeo,

ou até mesmo ao contar as aventuras heróicas de jogadores mortais e talentosos.

Por ser um meio tão penetrante em nossa cultura, é possível que esteja

carregada de conteúdos arquetípicos, muitas vezes numa dimensão deliberada e ao

acaso, fazendo com que essas energias sejam ativadas à nossa volta. Se serão

expressadas de forma moral e saudável dependerá de quem as veicula e as

constrói.

Esta abordagem trouxe a possibilidade de obter novas percepções através de

um diálogo entre conteúdos e estruturas que antecedem a consciência do eu, que

fala das origens, sobre como uma realidade começou a existir, e assim construir

parâmetros para uma abordagem sobre nossa sociedade de consumo.

As marcas e as identidades temporárias assumidas por elas devem ser

cada vez mais analisadas e submetidas a uma observação constante, na medida em

possa acompanhar as suas transformações.

Investigar e fornecer ferramentas que possam construir através dos

conhecimentos adquiridos sobre os mitos e sobre as leituras arquetípicas novas

referências que ampliem a noção de seus rumos para a garantia de sociedades

responsáveis e saudáveis foi o mais importante objetivo desta pesquisa.

A contribuição das análises concluídas neste trabalho, a partir das inter-

relações entre conteúdos presentes nos mitos, tendo relação direta com as

manifestações do inconsciente coletivo, segundo o que relatou esta pesquisa,

compõe um escopo, tendo o princípio simbólico como análise sobre as idéias de

consumo na atualidade, uma preocupação dos profissionais da área atualmente.

A administração de uma marca, na medida em que o seu significado

possui relevância na vida e no cotidiano das pessoas já deve ser submetido à

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cautela e à conhecimentos que ampliem as noções sobre o impacto que causamos

ao reforçar certos padrões de significados.

É um momento em a vigilância e a sensibilidade para estes aspectos nos

alerta para o fato de que o significado de um produto vendido está sempre prestes a

afetar a consciência coletiva de nossos tempos.

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11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

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i Este texto foi extraído e adaptado a partir do livro “El espot publicitário. Las metamorfosis Del deseo”, Madri: Cátedra, 1995. Autorizado pelos autores.