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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Fabrizzi Matos Rocha A DRAMATURGIA DE ANAMARIA NUNES: GERAÇÃO TRIANON São Paulo 2007

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Fabrizzi Matos Rocha

A DRAMATURGIA DE ANAMARIA NUNES: GERAÇÃO TRIANON

São Paulo 2007

FABRIZZI MATOS ROCHA

A DRAMATURGIA DE ANAMARIA NUNES:

GERAÇÃO TRIANON

Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Letras. Orientador: Prof. Dr. José João Cury

São Paulo 2007

FABRIZZI MATOS ROCHA

A DRAMATURGIA DE ANAMARIA NUNES:

GERAÇÃO TRIANON

Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Comunicação e Letras.

Aprovada em ____/____/ 2007.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________

Prof. Dr. José João Cury

Universidade Presbiteriana Mackenzie

______________________________________________________________________

Profª. Drª. Lílian Lopondo

Universidade Presbiteriana Mackenzie

______________________________________________________________________

Profª. Drª. Lílian Jacoto

Universidade São Paulo

Ao meu marido,

por tudo.

AGRADECIMENTOS

Ao Mackpesquisa e à CAPES pelo apoio financeiro concedido para realização deste

trabalho.

Ao Prof. Dr. José João Cury, pelo muito que me ensinou, pela constante paciência e

por tudo que pude aprender nestes últimos dois anos.

À Anamaria Nunes, minha eterna gratidão, por todos os textos que me disponibilizou,

pelo incentivo, pelas aulas de teatro ao longo destes últimos anos, que me deram experiência e

me despertaram o desejo de continuar esta pesquisa.

À Profª. Drª. Lílian Lopondo, pelo incentivo e pelas indicações e sugestões para a

conclusão deste trabalho.

À Profª. Drª. Lílian Jacoto, por compartilhar conosco seus conhecimentos, pelos

comentários e sugestões apontados no exame de qualificação.

Ao ator Vicente Latorre, querido amigo que, gentilmente, cedeu seu material para o

enriquecimento deste trabalho.

Ao ator Rafael Primo, pelo apoio e incentivo às minhas pesquisas, por ter cedido seu

arquivo de fotos e jornais e, é claro, pela amizade.

À Nilce Torquato, amiga de todas as horas, pelo incentivo e apoio para a conclusão

deste trabalho.

Ao Grupo X.P.T.O e à Companhia Trucks que, gentilmente, cederam informações

enriquecedoras para esta pesquisa.

À Profª. Drª. Maria Helena, incansável no trabalho de revisão, por ter compartilhado

seus conhecimentos contribuindo com a conclusão deste trabalho.

RESUMO

O objetivo deste trabalho é investigar, dentro do quadro do Pós-Modernismo, os elementos

estruturantes da narrativa dramática de Geração Trianon, escrita por Nunes em 1987. Com

base na teoria analítica do drama de Ryngaert, analisaram-se o tema, as personagens e seus

conflitos, bem como os demais elementos que compõem este texto teatral. Considerando os

aspectos históricos presentes na obra, são destacados os recursos da paródia e da ironia,

conceitos estudados nesta pesquisa à luz da teoria de Hutcheon. Ainda, com base nos

conceitos propostos pela mesma autora, são discutidas as características pós-modernas

encontradas na peça. A questão da intertextualidade é investigada segundo a perspectiva de

Kristeva. Para a presença das metalinguagens no texto, utilizaram-se os estudos de Abel.

Palavras-chave: Dramaturgia. Pós-modernismo. Paródia. Ironia. Intertextualidade.

ABSTRACT

The aim of this research is to investigate the compositive elements of Geração Trianon, a

play written by Nunes in 1987 and first represented in 1988. Theme, characters and their

conflicts, as well as other elements of the play are examined with the theoretical support of

Ryngaert’s analysis of the drama. The concepts of parody and irony are focused here, under

Hutcheon’s perspective, to support the study of dialogues and intertextualities between past

and present events and the understanding of similarities in the atmosphere of the Stage in the

early decades of the 20th century (atmosphere of the so-called “Geração Trianon”) and now.

Her theory is also the basis for the analysis of post-modern characteristics seen in Geração

Trianon. The matter of intertextuality in the play is studied under Kristeva’s perspective. And

Abel’s concept of metatheatre offers subsides for the study of the metalinguistical events of

the text.

Keywords: Playwriting. Post-modernism. Parody. Irony. Intertextuality.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................8

2 GERAÇÃO TRIANON E O TEATRO BRASILEIRO ....................................................14

3 ELEMENTOS ESTRUTURANTES DE GERAÇÃO TRIANON..................................36

3.1 ESPAÇO E TEMPO.......................................................................................................40

3.2 PERSONAGENS ...........................................................................................................45

3.3 A QUESTÃO DA TEATRALIDADE ...........................................................................52

4 A IDENTIDADE PÓS-MODERNA EM GERAÇÂO TRIANON ....................................56

5 CONCLUSÃO......................................................................................................................75

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................78

APÊNDICES ...........................................................................................................................82

ANEXOS .................................................................................................................................86

8

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende fazer uma análise da peça Geração Trianon, de Nunes, e

encenada pela primeira vez pelo renomado grupo Tapa, em 1988. O sucesso foi

imediatamente reconhecido e, no mesmo ano, Nunes recebeu o prêmio Shell de melhor

autora. Em 2002, o mesmo espetáculo foi dirigido por Marco Antonio Braz, atraindo enorme

platéia durante o “Projeto Formação de Público”, da Secretaria Municipal de Cultura da

Prefeitura de São Paulo. A autora também é citada na Enciclopédia Barsa como revelação da

Dramaturgia em 1988.

Em linhas bem gerais, a peça aqui focalizada - Geração Trianon - retrata, de modo

caricato, o drama de uma companhia teatral decadente que, não tendo público para a peça que

está em cartaz - famosa, porém anacrônica aos olhos do grande público – decide escrever um

texto para ser montado dali a mais ou menos quatro dias. Ao longo do espetáculo, a platéia

(ou o leitor, no caso do texto teatral) verá os bastidores do teatro, a preocupação dos

organizadores, as improvisações dos ensaios, as disputas de papel e o estresse passado pelo

ensaiador; num segundo momento desta peça será encenada a outra peça, que havia sido

escrita na urgência e em meio às improvisações presenciadas pela platéia.

O título da obra – Geração Trianon – refere-se ao tipo de teatro e à geração de atores

que dominou os palcos cariocas, particularmente o “Teatro Trianon”, no Rio de Janeiro, nas

primeiras décadas do século XX, com peças de caráter bem-humorado, cujo sucesso era

garantido por dois ingredientes básicos: o carisma do ator e o aval do público em relação a

esse ator e ao conteúdo – mais ou menos risível – da encenação.

Em síntese, este texto de Nunes (1988) faz uma reconstituição do teatro brasileiro das

primeiras décadas do século XX e, simultaneamente, procura refletir acerca das condições da

dramaturgia e dos recursos teatrais disponíveis desde aquela época até os dias de hoje.

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O desenvolvimento deste trabalho se orientou pelos métodos de análise e crítica

interpretativa, respaldando-se também, como se verá adiante, nos estudos de Hutcheon sobre a

paródia (1985) e o Pós-Modernismo (1991); no conceito de Intertextualidade, tal como é

pensado por Kristeva (1974); finalmente, no conceito de Metateatro, desenvolvido por Abel

(1968). Estas serão, portanto, as principais fontes utilizadas na sustentação das reflexões e

argumentações aqui propostas.

Estruturalmente, esta dissertação se organiza em cinco seções, precedidos de uma

parte introdutória e sucedidos das considerações finais.

Assim, levando-se em conta as muitas citações presentes na obra e que se referem ao

ambiente teatral, o primeiro capítulo é dedicado ao levantamento diacrônico da história do

Teatro Brasileiro, elencando os fatos que inspiraram a autora durante a escritura de Geração

Trianon.

Ao mesmo tempo, já que se pode identificar, no texto em questão, uma intenção

paródica e o uso da ironia como estratégia discursiva, como é de praxe nesse modelo de

paródia, justifica-se a opção pelo recurso aos conceitos de paródia e ironia como uma das

bases teóricas deste trabalho, ambos extraídos das teorizações feitas por Hutcheon (1991).

Geração Trianon enquadra-se no gênero cômico. Nesta peça, e na comédia de modo

geral, está presente o principal preceito ditado por Aristóteles a respeito desse gênero: “A

comédia é, como já dissemos, imitação de maus costumes, mas não de todos os vícios; ela só

imita aquela parte do ignominioso que é o ridículo”. Acerca deste traço específico da

comédia, Aristóteles explica: “O ridículo reside num defeito ou numa tara que não apresentam

caráter doloroso ou corruptor. Tal é, por exemplo, o caso da máscara cômica feia e disforme,

que não é causa de sofrimento”.

Enquanto comédia, Geração Trianon desperta, junto com o riso, o senso crítico do

leitor ou da platéia (no caso da representação cênica). A presença da criticidade integra a

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intenção paródica do texto de Nunes (1988) e, por conta desse ingrediente, questiona o padrão

dramatúrgico e o comportamento de um certo público do início do século XX, ao mesmo

tempo que revitaliza/ressacraliza os paradigmas criticados. Este traço é, segundo Hutcheon

(1991, p. 165), o paradoxo pós-moderno, que será objeto da terceira seção deste trabalho. As

explicações de Hutcheon (1985, 14) acerca da paródia podem ajudar a esclarecer o que se

acabou de dizer: “A paródia é uma forma de imitação caracterizada por uma inversão irônica,

nem sempre às custas do elemento parodiado” e “A paródia é, noutra formulação, repetição

com distância crítica, que marca a diferença em vez da semelhança” (HUTCHEON, 1985,

p.19).

Na segunda seção, intitulada “Geração Trianon e o Teatro Brasileiro”, estudar-se-á,

inicialmente, o tema da obra: a condição de precariedade do teatro brasileiro e desatenção do

poder público em relação às necessidades da classe teatral, tanto no início do século XX

quanto na época da escritura do texto, no final do mesmo século XX.

Em seguida, o conflito central que, como já foi dito, é o de uma companhia que quer

montar um espetáculo cômico para atrair público, buscando, dessa forma, um escritor não

conhecido, um texto novo, e uma representação perfeita, o que dificilmente acontecerá. O

obstáculo com que o diretor da peça-dentro-da-peça se depara é o de montar uma peça em

pouco tempo, e com um elenco que não está apto para representá-la.

Aqui está um dos aspectos interessantes da composição da peça de Nunes. Trata-se do

recurso intitulado “uma peça dentro de outra peça”: numa espécie de peça principal, o autor

redige, os atores ensaiam (orientados pelo ensaiador); o ponto reclama; o empresário contesta;

as atrizes disputam papéis; num segundo momento, enquadrado na peça principal, uma

segunda peça, que vinha sendo escrita/montada perante a platéia/leitor, passa a ser encenada:

Entrou de caixeiro e saiu de sócio, de Abadie Farias Rosa. Significativamente, aquele que, na

ficção, é o autor da peça, um novato na dramaturgia é, na realidade cultural do Estado Novo

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getulista, o diretor do Serviço Nacional de Teatro (SNT), órgão criado em 1937 para ser

responsável pela administração da primeira companhia oficial de teatro do Brasil – a Comédia

Brasileira.

Abadie é um burocrata, portanto aparentemente menos ligado aos interesses da classe

teatral do que aos seus próprios interesses (costumava encenar preferencialmente peças de sua

autoria); do mesmo modo, o SNT, paralelamente a medidas importantes para a evolução do

teatro brasileiro, demonstrou, muitas vezes, sua incapacidade para avaliar criticamente os

méritos das melhores peças da época. É o que comprovam as palavras de Michalski e Trotta

(1992, p. 52-53):

Na sua quase totalidade, as críticas soam tão triunfalistas quanto o espírito dentro do qual ficou inicialmente empostada a atuação da companhia; e, em todo caso, elas revelam um cuidado no mínimo suspeito de não ferir as vaidades dos responsáveis pelo SNT, e uma espantosa incapacidade de avaliar criticamente os espetáculos da Comédia Brasileira: embora hoje seja fácil perceber a desimportância artística dos seus espetáculos e a sua pouca repercussão junto à opinião pública, praticamente todos eles foram saudados pelos críticos de seu tempo com elogios tonitruantes.

Quanto às personagens, serão analisadas por meio de suas ações e de seus discursos,

segundo os princípios da dramaturgia clássica. Através destes, analisar-se-ão os objetos de

desejo dos sujeitos, assim como suas posições de destinador e destinatário. Considerando que

as marcas de espaço e tempo em um texto são o signo de sua estética, como define Ryngaert

(1996), elas serão analisadas de acordo com a organização do enredo. A questão da

teatralidade também será estudada nesta seção, levando em conta as definições de Pavis

(1999) e Anne Ubersfeld (2005).

Na quarta seção, ainda que sem a pretensão de abordar as contradições do pós-

modernismo, o objetivo volta-se para a identificação das características pós-modernas de

Geração Trianon, ainda sob o ponto de vista de Hutcheon (1991, p. 20). Ela define o Pós-

modernismo como “fundamentalmente contraditório, deliberadamente histórico e

inevitavelmente político”.

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Embora a evolução do teatro durante o pós-modernismo tenha sido lenta, pode-se

notar que a práxis teatral tem revelado a criatividade dos diretores e também dos cenógrafos.

A platéia tem deixado de ser simples espectadora para participar dos espetáculos de alguma

forma. Os cenários estão cada vez mais realistas, podendo ser montados em qualquer lugar,

independentemente de ser um palco tradicional. Outras vezes, os cenários são surrealistas, que

precisam da imaginação da platéia para se decodificar o espaço.

No caso específico de Geração Trianon, dá-se a ruptura em relação a alguns códigos

estéticos da dramaturgia; um exemplo seria a transformação da platéia real em platéia

ficcional: o público deixa de ser espectador para participar do “jogo teatral”.

À maneira das novas montagens, novas interpretações e textos, que possuem traços

nitidamente pós-modernos e que também estão voltados para a estética teatral, a autora de

Geração Trianon criou um espetáculo que traz o público para os bastidores do teatro,

desmascarando, assim, os “erros” e as “falhas” do “antes”, do “durante” e do “depois” da

representação teatral. Anamaria inclui diversas citações dos grandes autores da época, além de

atores e textos mais conhecidos da Geração Trianon. Essa intertextualidade, na peça, foi a

forma que a autora encontrou de homenagear e, ao mesmo tempo, divulgar a história do teatro

brasileiro. Alguns aspectos pós-modernos existentes na obra estão retratados no capítulo

“Geração Trianon: uma identidade pós-moderna”.

Relembrando as primeiras décadas do século XX, Geração Trianon revela as facetas

do teatro e seus bastidores em um exercício de metalinguagem, que se pode chamar de

“Metateatro”, onde “o mundo é um palco” e “a vida é um sonho”, como define Abel (1968,

p.141). Abel ainda cita Seis Personagens à procura de um autor como a mais original das

“peças-dentro-de-uma-peça” e, parece, Geração Trianon dialoga com esse texto de

Pirandello, que também possui “peças-dentro-de-uma peça”. Em outras palavras, ambas

trabalham com a “auto-reflexividade”, com a linguagem debruçada sobre a própria

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linguagem: o teatro se referindo ao teatro, a relação entre a linguagem do significado e a

linguagem do significante. O metateatro distancia o público da estória, pois ele passa a ter

uma visão crítica do enredo. Porém existe uma aproximação do conhecimento do processo da

criação teatral, do trabalho técnico que ocorre por trás das cortinas. Em Geração Trianon

podem-se conhecer não só os bastidores de cena, como também o trabalho dos técnicos, o

ensaio dos atores, suas falhas e seus improvisos. Trata-se de uma metapeça, em que a vida

quotidiana dos atores e produtores da época está teatralizada em um palco ou texto.

E, por último, as considerações finais apontam mais do que conclusões já

sedimentadas, os aspectos em que a peça de Nunes faz a ponte entre o teatro feito pela velha

Geração Trianon e um determinado modelo de teatro que se costuma ver nos dias de hoje, por

meio da relação paródica, da ironia e do jogo intertextual.

Após as Referências Bibliográficas, no Apêndice está transcrita a entrevista que esta

pesquisadora realizou junto à autora e que contribui para o desenvolvimento da pesquisa. Nos

Anexos estão agrupadas ilustrações e informações referentes às diversas encenações das peças

de Nunes. Ao todo são quatro anexos sobre Geração Trianon, quatro de O Tambor e o Anjo,

sete sobre a Era do Rádio e um sobre Drogas, Sexo and Rock’n Roll.

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2 GERAÇÃO TRIANON E O TEATRO BRASILEIRO

Geração Trianon é uma reconstituição criativa do teatro das primeiras décadas do

século XX. A autora serve-se da paródia para ressacralizar o teatro brasileiro, assinalando as

mudanças ocorridas no decorrer dos anos. A relação entre a história do teatro e a peça está

explícita. Há citações de textos, atores, figuras importantes ligadas à classe teatral, ao Teatro

Trianon e o conceito de paródia cabe bem ao objeto deste estudo. Não se pode pensar que esse

gênero constitui uma “imitação nostálgica de modelos passados: é, sim, uma confrontação

estilística, uma recodificação moderna que estabelece a diferença no coração da semelhança”

(HUTCHEON, 1985, p.19). Neste capítulo busca-se identificar os textos confrontados e

investigar tanto a dinâmica da codificação quanto a da recepção.

Como Hutcheon afirma (1985, p.34), falar em paródia não implica apenas se referir a

um texto com o qual haja uma inter-relação, mas também envolve a constatação da intenção

de “imitar” outro texto, porém com uma “inversão irônica” (HUTCHEON, 1985,p.19). Deste

modo, deve haver o reconhecimento do texto que está sendo parodiado.

A autora assinala a presença da diferença como condição imprescindível da paródia:

“a paródia é uma repetição com diferença”, sem que, no entanto, essa repetição incorpore,

necessariamente, o ridículo ou o burlesco. Assim, a paródia pode depreciar ou homenagear

ou, até, depreciar e homenagear ao mesmo tempo, como parece ocorrer em Geração Trianon.

Para a leitura que se pretende fazer da peça de Nunes, ainda em se tratando da paródia,

há outros aspectos importantes a considerar. Um deles refere-se ao fato de que a paródia,

constituindo-se como uma síntese bitextual, ou seja, envolvendo a sobreposição de um texto a

outro (não como mera imitação, mas com o distanciamento crítico que permitirá o

reconhecimento da diferença), não pode admitir nem uma análise meramente formal, nem

uma análise meramente interpretativa. Para uma compreensão da paródia, é preciso que se

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reconheça o texto de fundo e o texto que se sobrepõe a ele e que se decodifique a relação que

se estabelece entre ambos. Como afirma Hutcheon (1985, p. 51):

Tanto a ironia quanto a paródia operam em dois níveis – um primeiro, superficial ou primeiro plano; e um secundário, implícito ou de fundo. Mas este último, em ambos os casos, deriva o seu sentido do contexto no qual se encontra. O sentido final da ironia reside no reconhecimento da sobreposição destes dois níveis.

Hutcheon (1985, p. 54) também aponta as considerações de Barthes e Riffaterre, que

seguem transcritas abaixo:

Segundo Barthes só um leitor pode ativar o intertexto. Para Riffaterre, “a intertextualidade é uma modalidade de percepção, um ato de descodificação de textos à luz de outros textos.

Assim, não basta a intenção paródica do autor. Cabe antes ao leitor decodificar,

perceber os dois textos e estabelecer o jogo entre eles.

Em Geração Trianon a transposição, para o texto ficcional, de um elemento da

realidade (no caso, dramaturgos de renome na história do teatro brasileiro se transformam em

elemento intratextual), representa um diálogo entre a realidade teatral de hoje e a história

pregressa do teatro. Trata-se de uma forma de dialogia textual, nos termos postulados por

Bakhtin (1985, p. 86). Segundo ele,

[...] todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o qual está voltado sempre, por assim dizer, já desacreditado, contestado, avaliado, envolvido por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos discursos de outrem que já falaram sobre ele.

As citações cumprem o papel de trazer à vida os sujeitos que, no passado,

viveram/construíram a história do teatro no Brasil e que, porém, no momento da produção de

Geração Trianon, não passam de matéria morta depositada em um canto qualquer da

memória. O que Anamaria faz é trazer à tona elementos do passado teatral, que, de certa

forma, se mantêm/se modificaram no presente. Por meio da paródia e da ironia, é possível

fazer a leitura crítica desse percurso, acentuando, por essa via, as diferenças e semelhanças

entre as duas pontas da história teatral do século XX.

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Para o que se está procurando explicar, chama atenção a afirmação de Renata Coelho

Marchezan (in BRAIT, 2006, p.118) acerca da relativa repetição do passado no presente: “Os

diálogos sociais não se repetem de maneira absoluta, mas não são completamente novos,

reiteram marcas históricas e culturais, que caracterizam uma dada cultura, uma dada

sociedade.”

Por exemplo, Abadie Faria Rosa foi a figura escolhida para ser o autor da peça que

deveria ser escrita. Essa personagem desempenha papel de relevo na cena teatral do final da

década de 30: tratava-se do diretor do Serviço Nacional de Teatro (SNT), órgão criado por

Getúlio Vargas para administrar a recém-criada companhia teatral – a “Comédia Brasileira”;

em que Abadie usou seu prestígio próprio ou de seus amigos, fazendo encenar peças de sua

autoria ou desses mesmos amigos.

Na fala da personagem, Ponto (1988, p.28), por exemplo, Renato Vianna é um dos

nomes sugeridos como possível autor da peça que a companhia pretende encomendar para ser

encenada no fim de semana seguinte. Renato Viana (1894-1953) desempenhou, na realidade,

papel importante na história do teatro brasileiro. Em 1922, atuava, dirigia e escrevia. Fundou

a “Batalha da Quimera” junto com Ronald de Carvalho e Villa Lobos. O grupo estreou com a

polêmica peça A última encarnação de Fausto, do próprio Viana, que foi fortemente atacado

pela crítica. Após anos levando o teatro a diferentes lugares e camadas sociais, Viana assumiu

a direção da Escola de Teatro do Rio (atual Escola de Teatro Martins Pena).

Outros nomes sugeridos são Gastão Tojeiro, Viriato Correia, Oduvaldo Viana,

Armando Gonzaga, porém, rejeitados por já serem conhecidos pelo público, como diz o

Doutor: “Não, não e não. Sabem, gostaria de ter um autor novo.”

Em síntese, a decodificação eficiente de Geração Trianon, com suas implicações e

subtextos, demanda um conhecimento da história do nosso teatro e dos profissionais que

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fizeram parte dessa história. Nesse sentido, convém proceder ao mapeamento dos momentos

marcantes da evolução do Teatro no Brasil.

O teatro chegou ao Brasil no século XVI com os jesuítas portugueses, como

instrumento de catequese. Das primeiras obras, destacam-se os autos pastorais de autoria do

Pe. José de Anchieta, todos destinados à edificação do índio e do branco. Apesar de pouco

conhecidos atualmente, os historiadores indicam o nome de alguns deles: Auto da pregação

universal, Auto da Crisma, Auto de Santa Úrsula, Na festa de São Lourenço. Importante saber

que, até então, o teatro jesuítico não fazia qualquer alusão ao amor profano, e a figura

feminina era excluída. Ainda não havia uma visão artística nem liberdade de expressão, isso

sem mencionar que era sempre vinculado à Igreja.

Durante o século XVII, o teatro ganha novas forças; surgem dois dramaturgos,

Salvador de Mendonça e Manuel Botelho de Oliveira, cujas peças foram escritas em latim e

espanhol. A História mostra quanto foi difícil e árduo até o teatro brasileiro possuir sua

identidade e evoluir até alcançar o profissionalismo.

No século seguinte, o teatro ainda continua com cunho religioso. A identidade cultural

brasileira ainda é incipiente e a cultura européia predomina nos palcos brasileiros. Os autores

encenados na época eram, em sua maioria, espanhóis, mas havia também outros de outras

nacionalidades, como Molière, Metastasio, Goldoni e Maffei, encenados até hoje no Brasil. A

partir da metade desse século surgiram as primeiras companhias de atores, com um grande

número de mulatos e negros, daí a profissão de ator ser, muitas vezes, considerada desonrosa

no Brasil. Esta visão se manteve por muitos e muitos anos, até a chegada da televisão que,

pelos grandes salários e fama trazidos aos atores, tem gerado, durante os últimos anos, um

número maior de pessoas interessadas em seguir essa profissão.

Durante o Romantismo, começam a se destacar alguns autores, como Martins Pena

(1815-1848), cujas comédias possuíam uma linguagem coloquial para a época. Algumas de

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suas obras, como O terrível capitão do mato (paródia de Otelo), O judas em sábado de

aleluia, O inglês maquinista, O diletante, Os três médicos, As casadas solteiras, fizeram

grande sucesso.

Outro dramaturgo que se destacou foi Antônio Gonçalves Dias (1823-1864), um dos

maiores românticos do Brasil. Estreou sua carreira em Portugal, e sua primeira peça foi

Patkull (1843), seguida de Beatriz de Cenci (1844). Já no Brasil, Gonçalves Dias escreveu sua

obra-prima dramática, Leonor de Mendonça (1847), e seu último drama, Boabdil (1847).

Considerado um dos maiores poetas da primeira geração do Romantismo brasileiro, escreveu

diversos poemas nacionalistas. Tinha orgulho de sua raça (era filho de português com índia) e,

apesar de todos os preconceitos da época, conseguiu seu lugar não só na história literária mas

também na história teatral.

Quando se fala em comédia do século XIX, Joaquim de França Júnior (1838-1890)

também é destaque. Estreou na dramaturgia com Meia hora de cinismo (1862), e outras peças

se seguiram, como Ingleses na Costa (1864), O defeito da família (1870), Direito por linhas

tortas (1870), Amor com amor se paga (1871). Sua última obra foi também o seu primeiro

fracasso: Portugueses às direitas (1890). Esse fato não tira seu mérito pelas peças anteriores

que fizeram sucesso.

Machado de Assis (1839-1908) também escreveu diversas peças teatrais e uma delas

marca o início do movimento realista no teatro: Quase Ministro. Ainda jovem escreveu

Desencantos, O caminho da porta, O protocolo e Os deuses de casaca. Em toda sua obra, os

romances ainda ganham maior destaque, alguns deles tendo sido adaptados para o teatro e

para o cinema, com grande sucesso de público.

Entre os dramaturgos realistas um dos mais populares do século XIX foi Artur

Azevedo (1855-1908), autor de Amor por anexins, Jóia (1879), Almanjarra (1888), O dote

(1907), O oráculo (1907), Vida e morte (1908), O mambembe (1904), A capital federal

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(1892). Escreveu também paródias de famosas operetas francesas. Suas peças já inspiraram

grandes montagens por todo o país.

Também não se pode esquecer de José Joaquim Campos Leão (1829-1883), conhecido

como Qorpo Santo, destacado por sua originalidade e polêmica. Conhecido por muitos como

o “louco de Porto Alegre”, criou sua própria tipografia - seus artigos eram freqüentemente

recusados por jornais e suas peças nunca foram representadas em sua época. Apesar de ter

sido esquecido por quase cem anos, Qorpo Santo marcou a história do teatro brasileiro por ter

sido, inicialmente, considerado como precursor do teatro do absurdo, uma forma de teatro

moderno que utiliza elementos chocantes, para a criação do enredo, com o objetivo de

reproduzir os desatinos do homem e da sociedade. Atualmente a crítica o considera como um

dramaturgo surrealista.

Ao conhecer a História do Teatro depara-se com a Semana de Arte Moderna. Um de

seus grandes incentivadores foi o dramaturgo Oswald de Andrade (1890-1954). Apesar das

mudanças na literatura e nas artes brasileiras, a Semana de Arte Moderna não gerou mudanças

na dramaturgia, pelo menos não durante o ano de 1922. Oswald de Andrade contribuirá só a

partir da década de 30, deixando obras como O homem e o cavalo (1934), A morta (1937), O

rei da vela (1937), esta última encenada somente muitos anos após a morte do autor.

Quanto ao teatro dominante nas décadas de 20 e 30, que dá nome ao texto em análise,

Brício de Abreu esclarece (apud CAFEZEIRO, 1996, p.441):

Convencionou-se entre nós chamar o gênero de Teatro leve, sem pretensões, feito exclusivamente para rir, de “gênero Trianon”. Oriundo de mestres da carpintaria teatral como Cláudio de Souza, Gastão Tojeiro, Armando Gonzaga, Heitor Modesto e Abadie Faria Rosa, que tiveram grandes sucessos no antigo “Teatro Trianon”, (que se erguia onde hoje se acha o “Cineac Trianon”). Com Christiano de Souza, Leopoldo Froes e depois Procópio Ferreira, esse gênero perpetuou-se entre nós, tomando o nome do Teatro e emigrando depois para a Cinelândia, onde se estabilizou no infecto porão que o Sr. Vivaldo Leite Ribeiro armou em teatro, com nome de “Rival” e que aluga por um despropósito.

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O teatro Trianon foi inaugurado em 1915, no Rio de Janeiro. Situava-se na Avenida

Central (atual Avenida Rio Branco), era freqüentado pela “classe média” carioca e alugado

pelas melhores companhias teatrais da época. Tinha uma fachada de 10 metros de largura,

com três portas; a sala de espera tinha aproximadamente 22 metros de fundo e acomodava

cerca de 370 espectadores.

Em 1916, após uma reforma, o empresário J. R. Staffa arrendou o teatro. No ano

seguinte, o ator e empresário Leopoldo Froes se fixou ali por três anos. Em 1921, a

Companhia Abigail Maia, formada pelos dramaturgos Oduvaldo Vianna (marido de Abigail)

e Viriato Correia, além do empresário Nicola Viggiani, passou a administrar a Casa, dando

início ao “Movimento Trianon”. Esse movimento almejava valorizar a cultura brasileira e

afastar o clima lusitano da época, só contratando autores brasileiros e atores nascidos no

Brasil ou que tivessem iniciado suas carreiras aqui.

A estréia da primeira temporada se deu com a peça Nossos Papás, de Ribeiro Couto; a

curiosidade da platéia lotou o Trianon nos dois primeiros dias, em seguida o público

diminuiu. Porém a segunda apresentação, com Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojeiro, teve

um enorme sucesso de público. Outras peças como Jurity e Zuzu, de Viriato Correia, Manhãs

de Sol, de Oduvaldo Vianna, Ministro do Supremo, de Armando Gonzaga, Flores de Sombra

de Cláudio Souza, Cala a Boca Etelvina, de Armando Gonzaga, O Bobo do Rei, de Joracy

Camargo, O interventor, de Paulo Magalhães, também foram de grande sucesso. No ano de

1924, a Companhia Abigail Maia se apresentou em Buenos Aires. Segundo a revista

eletrônica teatral Antaprofana, esta talvez tenha sido a primeira vez que uma companhia

teatral brasileira viajava para o exterior.

Havia também um teatro concorrente do Teatro Trianon: o Teatro de Brinquedo,

criado por Álvaro Moreyra (1888-1965) no Rio de Janeiro, em 1927. O nome foi escolhido

porque o cenário se parecia com caixas de brinquedo. A intenção de Moreyra era criar um

21

teatro popular, que fizesse o público rir e refletir ao mesmo tempo. Sua companhia era

formada por atores amadores, que estrearam naquele mesmo ano, com a peça Adão, Eva e

outros membros da família, do próprio Moreyra, com cenários feitos por Di Cavalcanti e Luis

Peixoto. Gustavo Doria, afirma que o diálogo dessa peça talvez tenha sido o primeiro a ser

elaborado num tom coloquial (apud Cafezeiro,1996, p.431).

Mais tarde passou a se chamar “Companhia de Arte Dramática Álvaro Moreyra”, com

subvenção do Ministério da Educação, apresentando-se em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São

Paulo, com peças de Ibsen, Sudermann, Lenormand, Achard, Pirandello, e com originais

brasileiros de Benjamin Lima, Carlos Lacerda etc.

Essa fase do Teatro de Brinquedo revela a intenção de Moreyra de mudar as

características do teatro, buscando diferenciar-se de outros, como o Trianon. Isso demonstra

também que Moreyra já possuía uma visão crítica diferente da do público e também da classe

artística.

Uma referência ao contexto histórico-cultural das primeiras décadas do século ajuda a

compreender melhor as peculiaridades desse teatro. Não se pode esquecer de que a guerra

havia afastado daqui as companhias européias, o que contribuiu para o surgimento de um

teatro mais nacionalista. O país também havia passado por uma crise econômica que também

atingira essa arte e dera início a uma forma de entretenimento puramente comercial. Os

empresários se viam obrigados a equilibrar seus negócios, e o que mantinha as companhias

em atividade era a comédia, a mais freqüentada de então. O mundo capitalista exigia algo que

fizesse rir e que, conseqüentemente, atraísse público, por isso os autores eram contratados

pelas companhias e escreviam textos com esse padrão estético específico. Joracy Camargo

(apud CAFEZEIRO, 1996, p.445) diz que “aos autores que vivem do teatro não é permitido

escrever peças que dão prejuízo aos empresários.” Silveira Sampaio, que também pertencia à

22

“geração Trianon”, no depoimento transcrito na obra de Cafezeiro (1996, p.457), relata a

situação vivida por ele e pelos autores em geral:

Minhas peças foram escritas apenas como um roteiro para o espetáculo.

A não ser a primeira, todas as outras quando começaram a ser escritas.. já estavam atrasadas.

Muitas vezes os atores tiveram que esperar pelo autor. A garçonière de meu marido foi assim. [...] exceção feita de Inconveniência de ser esposa, jamais escrevi uma peça para alguém ler, pois o empresário era eu mesmo, e o diretor idem.

Como o sucesso do Teatro Trianon não se devia apenas às peças, os atores também

tinham grande responsabilidade nesse sentido. Procópio Ferreira (1898-1979), por exemplo,

chegou a ser chamado de “Rei do Trianon”, devido a seu sucesso em diversas montagens.

Dedicou 68 anos de sua vida ao teatro, chegando a apresentar cerca de 460 peças.

Procópio, ao lado de Leopoldo Froes e Jayme Costa, foi uma das fontes de inspiração

para Nunes criar a personagem “Doutor”. Jayme Costa (1897-1967) também atuou em

diversas representações no Trianon; em menos de dois anos chegou a se apresentar em mais

de vinte espetáculos. A fama desses atores na época pode ser comparada à dos atores

contemporâneos da televisão brasileira, hoje tão respeitada quanto o teatro naquela época.

A década de 20 foi marcada pela forte presença de atores, que marcaram a história do

Teatro e muitos deles são citados em Geração Trianon. Eles eram as verdadeiras estrelas do

espetáculo, já que os textos serviam em maioria como roteiros. Como não memorizavam os

diálogos nem os estudavam, a improvisação torna-se algo comum e o andamento das falas

dependia da reação da platéia.

Algumas atrizes fizeram sucesso não só por sua carreira nos palcos, mas também por

suas realizações fora dele. Dulcina de Moraes (1907-1996) foi outra atriz importantíssima da

geração Trianon; estreou aos 16 anos e, dois anos mais tarde, já era a primeira atriz da

Companhia de Leopoldo Froes. Em 1955, Dulcina abriu a Fundação Brasileira de Teatro

(FBT), que mantinha o Teatro Dulcina e a Escola de Teatro, escola que formou grandes

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profissionais da área (entre os professores estavam Ziembinsky, Bibi Ferreira, Sérgio Viotti, a

própria Dulcina, entre outros). Por meio da FBT, Dulcina montou o primeiro Festival

Nacional de Teatro Amador, reunindo grupos de vários estados brasileiros. O Auto da

Compadecida de Ariano Suassuna foi o vencedor do festival. Mais tarde, foi também

responsável pela eliminação do “ponto” nas cenas teatrais, dando naturalidade às

interpretações, e pela drástica mudança dos cenários - antes eram pintados em paredes e

tecidos, passaram a ser trazidos os cenários realistas ao Brasil. Dulcina participou como uma

das líderes do movimento de Regulamentação da Profissão de Artista e Técnico em

Espetáculos de Diversões. Em 1980, inaugurou o Teatro Dulcina em Brasília, um ano mais

tarde a Faculdade de Artes da FBT. O que Dulcina afirma em um vídeo projetado em seu

acervo em Brasília resume toda sua paixão pelo teatro “Dizem que o teatro é uma cachaça.

Nunca experimentei cachaça melhor”.

Outra característica dos teatros da década de 20 seria a presença do “Ponto”, que

ficava em uma caixa embutida no proscênio, parte de frente do palco. Embora praticamente

escondido, sua presença era indispensável, visto que a maioria dos atores não memorizava os

textos. Ele era responsável pela leitura dos textos, em voz baixa; transmitindo aos artistas, na

hora certa, o texto que deveria ser dito, para que eles o interpretassem em voz alta para o

público. Outra incumbência sua era o fechamento das cortinas e a execução dos diversos

ruídos exigidos pela sonoplastia da peça.

As casas teatrais também tinham uma claque, que era responsável pelos aplausos na

hora do espetáculo; muitas vezes ela pedia aplausos para alguns atores em especial.

A parir da década de 30, vai-se eliminando o “estrelismo” dos atores principais. Há

uma renovação, a busca de um teatro mais sério, de um novo enfoque. Com esse objetivo

surgiu, no Rio de Janeiro, o Teatro do Estudante (1938), apoiado por Paschoal Carlos Magno,

colocando a figura do diretor como central. Em São Paulo, nasce o Grupo de Teatro

24

Experimental (1939) dirigido por Alfredo Mesquita, de onde surgiria mais tarde a relevante

Escola de Arte Dramática.

Por sua importância na dramaturgia brasileira, não se pode deixar de enfatizar a

presença marcante de Alfredo Mesquita (1907-1986) não só como autor e diretor teatral,

como também pela criação da Escola de Arte Dramática, à qual se dedicava integralmente.

Anos mais tarde, por volta de 1968, não conseguindo se manter independente, incorporou-se à

Universidade de São Paulo (USP). É uma das escolas de arte mais concorridas atualmente em

São Paulo, devido seu prestígio.

A chegada ao Brasil do polonês Zbigniew Ziembinski (1908-1978), em 1941, foi outro

marco na história do teatro brasileiro. Ator e diretor de teatro e televisão, Zimba (como era

chamado carinhosamente) é considerado o verdadeiro inovador do nosso teatro, após a

montagem de Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, que estreou em 1943 pelo grupo “Os

Comediantes”. O diferencial dessa montagem se deu por conta das marcações cênicas, da

coreografia dos movimentos, da iluminação, sem mencionar o próprio texto de Nelson, que já

era uma revolução na dramaturgia da época. Zimba lecionou na Escola de Arte Dramática

(EAD) entre 1951 e1957, na Fundação Brasileira de Teatro (de Dulcina) em 1960, e em 1969

realiza O Ator na Arena, um Programa Semanal de Ensino de Interpretação na TV Educativa

de São Paulo.

Por intermédio do “Teatro Brasileiro de Comédia”, criado pelo empresário Franco

Zampari em 1947, podem-se conhecer diversos talentos da nova geração do teatro brasileiro,

muitos dos quais é importante mencionar pela boa qualidade de suas atuações. Entre eles,

Cacilda Becker (1921-1969), uma das grandes atrizes do nosso teatro, que, em 30 anos de

carreira, chegou a encenar cerca de 68 peças; quando apresentava a peça Esperando Godot de

Samuel Beckett, em São Paulo, com seu marido Walmor Chagas, sofreu um derrame, vindo a

falecer 38 dias mais tarde. Maria Della Costa (1926), outra grande atriz de teatro, também

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atuou no TBC, assim como Tonia Carrero (1922), conhecidíssima entre os brasileiros através

da TV, que já recebeu diversos prêmios no teatro. Fernanda Montenegro (1929) também

atuou no TBC e é, hoje, considerada uma das maiores atrizes do teatro, da televisão e do

cinema. Chegou a ser indicada para o Oscar como melhor atriz em 1999 por sua interpretação

em Central do Brasil. Sérgio Cardoso (1925-1972) foi ator, diretor e cenógrafo, estreou no

TBC em 1949 com a peça O mentiroso de Carlo Goldoni; como protagonista, participa, em

1951, da montagem de Seis Personagens à Procura de um Autor, de Luigi Pirandello. Paulo

Autran (1922), que trabalhou no TBC nos primeiros anos de sua carreira, atua até hoje nos

palcos de teatro, recebeu diversos prêmios em sua longa carreira, sendo, sem dúvida, um dos

maiores atores de sua geração. Jardel Filho (1928-1983) iniciou sua carreira de ator aos 16

anos de idade, em 1954 estreou no TBC com a peça Assassinato a Domicílio, de Frederick

Kanott; recebeu o Prêmio Saci por sua atuação.

O primeiro dramaturgo que participou ativamente dessa “nova era” do teatro foi, sem

dúvida, Nelson Rodrigues (1912-1980). Sua primeira peça, A Mulher Sem Pecado, não

provocou grandes perturbações na platéia. Porém a segunda, Vestido de Noiva, encenada em

1943 sob a direção de Ziembinsky, conseguiu escandalizar o público. Trata-se de uma

tragédia, em que Nelson se utiliza de um recurso até então nunca explorado, o flashback. Por

meio dele mostram-se, simultaneamente, três fases da mente da protagonista: a realidade, a

memória e a alucinação. Álbum de Família trata de um tema extremamente escandaloso para a

época, o amor incestuoso, sendo proibida pela Censura em 1945. Outras grandes peças de

Nelson Rodrigues são Anjo Negro (1946), Senhora dos Afogados (1954), A falecida (1954),

Bonitinha mas ordinária (1968), Toda nudez será castigada (1969), Boca de Ouro (1960), O

beijo no asfalto (1961), A serpente (1978). Todas essas peças possuem uma linguagem áspera

e extremamente realista.

26

Dramaturgo que também se destacou no teatro internacional foi Pedro Bloch (1914-

2004). Ucraniano naturalizado brasileiro chegou a escrever diversas peças, sendo As mãos de

Eurídice, de 1950, a mais famosa de todas. Essa peça foi encenada mais de sessenta mil

vezes, em mais de sessenta e cinco países, segundo a publicação da Folha Online de 2004. Em

1952, escreveu Dona Xepa, que, alguns anos depois, foi adaptada por Gilberto Braga,

transformando-se em novela de sucesso da Rede Globo de televisão.

Outra figura de peso no teatro brasileiro é o pernambucano Ariano Suassuna (1927);

professor universitário tornou-se crítico de teatro e foi também o criador do “Teatro do

Estudante” de Pernambuco. Foi eleito por aclamação pela Academia Brasileira de Letras,

tomando posse da cadeira numero 32, em 1990. Com uma obra profundamente marcada pela

identidade nordestina e fortemente influenciada pelo catolicismo, destacou-se, inclusive, com

O Auto da Compadecida (1955), obra de grande sucesso, adaptada anos mais tarde para a

televisão e para o cinema. Também escreveu O Santo e a Porca (1957), O Castigo da

Soberba (1960), O Casamento Suspeitoso (1961), Uma Mulher Vestida de Sol (1964) entre

outras peças.

Apesar de ser mais conhecido por meio da teledramaturgia, Gianfrancesco Guarnieri

(1936-2006) foi ator, diretor e dramaturgo, participando ativamente da história teatral no

Brasil. Iniciou sua carreira no teatro amador, sua estréia como dramaturgo aconteceu em 1958

com a apresentação de Eles Não Usam Black-tie pelo Teatro Arena, sob a direção de José

Renato.

Outra forte presença no teatro brasileiro, por suas várias manifestações, mudanças e

criações teatrais é Augusto Boal (1931), que escreveu, em colaboração com Guarnieri, as

peças de valor histórico Arena conta Zumbi e Arena conta Tiradentes. Boal se destaca como

teórico e diretor teatral. Estudou dramaturgia nos Estados Unidos da América com o diretor

John Gassner. Foi diretor do Teatro de Arena, sendo exilado em 1971 por razões políticas até

27

o ano de 1984, quando retorna ao país. Criador do “Teatro do Oprimido”, que tenta

transformar o espectador em protagonista da ação dramática. Divulgou sua metodologia

internacionalmente, escreveu alguns livros como O Arco-Íris do Desejo, 200 exercícios e

jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro, O Teatro como

Arte Marcial e tantos outros que foram traduzidos em mais de vinte idiomas diferentes.

Atualmente, Boal dirige o “Centro de Teatro do Oprimido” (CTO) no Rio de Janeiro.

A dramaturgia de Dias Gomes (1923-1999) também marcou a história do teatro e da

televisão brasileira. Escreveu sua primeira peça A Comédia dos Moralistas aos 15 anos de

idade. Mais tarde, escreveu a peça Pé de Cabra, que foi encenada pelo ator Procópio Ferreira

entre os anos de 1943 e 1944. Trabalhou em rádio, escrevendo e atuando como rádio-ator.

Chegou a fazer mais de 500 adaptações para o rádio-teatro. A peça O Pagador de Promessas

(1959) trouxe a notoriedade de Dias Gomes como dramaturgo, tendo sido depois adaptada

para o cinema e para a televisão e representada nos Estados Unidos da América por diferentes

diretores. Outras peças de sucesso foram O Santo Inquérito, A Invasão, Vargas.

O desenhista, humorista e dramaturgo Millôr Fernandes (1923) fez diversas traduções,

inclusive de algumas obras de Shakespeare. Enriqueceu a dramaturgia brasileira com suas

comédias. Sua primeira peça, Uma mulher em três atos, estreou no Teatro Brasileiro de

Comédias em 1953 Um elefante no Caos rendeu-lhe o prêmio de “Melhor Autor” da

Comissão Municipal de Teatro no Rio de Janeiro em 1960. Também foi autor de Flavia,

cabeça, tronco e membros (1963) e de Liberdade, liberdade (1965), escrita com a

colaboração de Flávio Rangel.

Conhecido como “Vianinha”, Oduvaldo Viana Filho (1936-1974) herdou do pai a

paixão pelo teatro. Iniciou sua carreira como ator aos 19 anos de idade com o grupo “Teatro

Paulista do Estudante”. Quatro anos mais tarde, estréia a primeira peça de sua autoria,

Chapetuba Futebol Clube (1959), no Teatro de Arena. Sua peça mais conhecida e que gerou

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diversas montagens no Brasil foi Rasga Coração (1972). Para a televisão, Vianinha escreveu

o Seriado A Grande Família, em 1973, cujo sucesso foi tão grande que a Rede Globo de

televisão produz hoje o mesmo seriado, com a colaboração de outros autores.

Após se formar em Agronomia no Rio de Janeiro, João Bithencourt (1924) fez

mestrado em Teatro nos Estados Unidos da América, consolidando sua carreira de autor

durante a década de 50. Quando retornou ao Rio de Janeiro, dirigiu algumas peças no Teatro

Nacional de Comédia e no Tablado. Construiu sua carreira escrevendo comédias e dirigindo

peças suas e de outros dramaturgos. De sua autoria, muitas foram representadas no exterior,

sendo a mais conhecida O dia em que raptaram o Papa, que chegou a ser montada mais de

trinta vezes. Com O Padre assaltante, João venceu o “Concurso de Dramaturgia do Instituto

Nacional de Artes Cênicas” em 1987. Como diretor, recebeu o prêmio ANCT (“Associação

Nacional de Críticos Teatrais”) em 1960, por sua montagem de Um elefante no Caos (de

Millôr Fernandes). Também traduziu diversas peças de grandes dramaturgos, como Bernard

Shaw, Molière e Neil Simon.

Apesar de ter cursado apenas o primário, Plínio Marcos (1935-1999) destacou-se

como dramaturgo graças ao seu teatro realista; as peças são marcadas por uma linguagem

grotesca, a realidade do submundo é exposta em diálogos repletos de gírias, revelando o

mundo do crime, da prostituição, de assuntos muito pouco falados até então, impressionando

o público e provocando a censura. Trabalhou também como ator e diretor. Suas principais

obras foram Barrela (1963), Dois perdidos numa noite suja (1965), Navalha na carne (1966),

Abajur Lilás (1967), além de outras que foram traduzidas e publicadas em outras línguas.

A música levou Chico Buarque (1944) aos palcos de teatro no ano de 1965, quando

Roberto Freire, que, na época, era diretor do TUCA (“Teatro da Universidade Católica de São

Paulo”), pediu a Chico que musicasse o poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de

Melo Neto. Dois anos mais tarde, escreveu Roda Viva, um musical que pretendia romper com

29

a estrutura teatral envolvendo o público na ação; essa peça estreou no Rio de Janeiro no início

de 1968 sob a direção de José Celso Martinez Correia (polêmico diretor até os dias atuais).

Em seguida, em colaboração com Rui Guerra, escreveu Calabar (1973) e, dois anos depois,

Gota d’água (1975), com a colaboração de Paulo Pontes.

Em São Paulo, nos últimos 20 anos, vários grupos se destacaram. Entre eles, está o

Grupo Tapa, o Grupo X.P.T.O, a Cia. Do Latão, o Folias D’Arte, o Parlapatões, entre outros

que diversas vezes foram premiados. O Grupo X.P.T.O, formado em abril de 1984,

caracteriza-se pelo fato de a maioria de seus espetáculos não possuírem textos e sim um

grande apelo musical e visual - esta é a marca do grupo dirigido por Oswaldo Gabrieli e sob a

direção musical de Beto Firmino. Os cenários são o destaque do grupo, mesmo quando o

espetáculo é projetado para o teatro de rua. A representação dos atores requer habilidades

circenses.

Conhecido internacionalmente, o X.P.T.O já viajou para Argentina, Uruguai,

Venezuela, Colômbia, Espanha, França, Portugal, Iugoslávia e Chong Kong. Nesses últimos

22 anos, o grupo montou mais de 15 espetáculos recebendo 40 dos mais importantes prêmios

do teatro, como APCA, Mambembe, Shell, APETESP, Governador do Estado, Findassem e

Coca-Cola.

A “Companhia Trucks - Teatro de bonecos” - surgiu em 1990 em São Paulo. Com

espetáculos voltados para o público infantil, mas com sucesso também junto ao público

adulto, a “Trucks” já se apresentou em mais de 500 instituições de ensino, com mais de 2.500

apresentações até hoje. Sua técnica é inspirada na centenária arte japonesa bunraku , um

gênero de teatro em que o boneco é manipulado por três atores que não usam varas ou fios,

comandam o boneco diretamente com suas mãos, buscando um movimento perfeito, muito

parecido com o movimento do corpo humano.

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Seu primeiro espetáculo, Trucks: A Bruxinha, estreou em 1991, ficando em cartaz até

1998; recebeu o prêmio “Mambembe” em 1994. Porém o espetáculo mais premiado até hoje

foi Cidade Azul, com texto e direção de Henrique Sitchin, que recebeu dois prêmios da

“Associação Paulista de Críticos de Arte”, em 1997, nas categorias “Melhor espetáculo para

crianças” e “Melhor texto para teatro infantil”. O mesmo espetáculo rendeu diversas

indicações e ainda foi consagrado com o prêmio “Coca-cola de teatro jovem” nas categorias

“Melhor espetáculo do ano” e “Melhor direção”. A Companhia se apresentou em diversos

festivais, inclusive na Espanha e na França, sendo convidada especial pela União

Internacional de Marionetistas (UNIMA) em 1994.

Outro grupo de sucesso é o “Galpão”, de Minas Gerais, que atua desde 1982, sendo

diversas vezes premiado em todo Brasil. Destacando-se por trabalhar nas ruas ou nos palcos,

busca uma linguagem popular, associada a textos clássicos da dramaturgia, de Nelson

Rodrigues a William Shakespeare. Cerca de 16 mil apresentações já foram feitas em dezesseis

países, como a temporada bem sucedida de Romeu e Julieta (com a direção de Gabriel Vilela)

no Shakespeare’s Globe Theater, de Londres, em 2000.

Quando o assunto é teatro infantil, destaca-se Maria Clara Machado (1921-2001), que

está entre as principais dramaturgas do teatro infantil brasileiro. Das mais de trinta peças

escritas por ela, destacam-se O Boi e o Burro no Carrinho de Belém (1953), A Bruxinha Que

Era Boa (1954), Pluft , o Fantasminha (1955), esta traduzida para vários idiomas. Recebeu os

mais importantes prêmios da literatura e do teatro, como o “Mambembe”, o “Saci” e o

“Machado de Assis”. Foi fundadora do “Tablado”, escola de teatro que existe no Rio de

Janeiro desde 1951.

Com o objetivo de contextualizar a autora dentro da história do teatro brasileiro,

chega-se à dramaturgia de Anamaria Nunes. Nascida em 01 de abril de 1950, na cidade de

Niterói, ela é dramaturga, diretora teatral e roteirista de televisão, cinema, vídeo e balé.

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Incentivada pelo pai a ler clássicos da literatura, sempre ganhava livros de presente. Iniciou

sua carreira no teatro quando ainda cursava a Faculdade de Letras na Universidade Federal

Fluminense.

Em homenagem a Lima Barreto, que completava seu centenário na época, adaptou O

Homem que Sabia Javanês; a partir daí sua paixão pelo teatro cresceu. Em 1987, adaptou o

libreto da ópera Hanzel and Grethel, rendendo ao diretor do grupo “Tapa”, Eduardo Wotzik, o

prêmio Mambembe de direção. Recebeu o “Prêmio Shell de Melhor Autora” por Geração

Trianon, espetáculo montado pelo “Tapa”, em 1988. Recentemente, em 2002, esse espetáculo

foi dirigido por Marco Antonio Braz, dentro do “Projeto de Formação de Público da

Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo”, tendo enorme aceitação do

público - as sessões estavam sempre lotadas. No jornal O Estado de São Paulo, de 15 de

março de 2002, sai a notícia de que a peça teve grande sucesso de público.

Em 1990, escreve Nos tempos da Opereta, também representada pelo mesmo grupo

“Tapa”. A Era do Rádio – Saudades do Brasil retrata o Brasil na década de 50. Esse

espetáculo, escrito e dirigido por ela mesma, fez enorme sucesso de público em Niterói e

outras cidades do Estado do Rio de Janeiro.

Nunes morou alguns anos em Carmo, uma pequena cidade do estado do Rio de

Janeiro, onde montou um grupo de teatro amador, fazendo grande sucesso na região e

revolucionando a pacata vida cultural do lugar. Com esse grupo, a autora dirigiu sua peça A

Era do Rádio no ano de 1999, chegando a fazer uma única apresentação do espetáculo para

mil pessoas no Estádio de Futebol da cidade e arrecadando uma tonelada de alimentos não

perecíveis, que foram distribuídos a entidades carentes do município.

Antes, Nunes escreveu e dirigiu Drogas, sexo e rock’n roll, apresentada em várias

escolas. Atingiu um enorme público jovem e levantou polêmica, alcançando seu alvo de

prevenção contra drogas e sexo inseguro entre os jovens. Escreveu ainda O Tambor e o Anjo,

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espetáculo recentemente montado pelo “Tapa” (2002), dirigido por André Garolli e Paulo

Marcos. A peça revive fatos históricos acontecidos nos anos 60, misturando delírios e

memórias da personagem principal.

Seus textos se caracterizam pela linguagem inteligente e bem-humorada. Algumas

obras de sua autoria são Doidas Folias, o monólogo Clóris e adaptações como Dom Quixote

de la Mancha. Nunes é citada na Enciclopédia Barsa como revelação em Dramaturgia 1988 e

no livro “Teatro Brasileiro – um panorama do século XX”, de Clóvis Levi, publicado em

1997.

Esse panorama atual da dramaturgia brasileira mostra um interesse crescente pelos

espetáculos musicais. Interesse tanto de público, quanto da classe teatral e da crítica

especializada. Talvez esse tenha sido o motivo de tanto sucesso de A Era do Rádio, onde

várias músicas dos anos 50 são relembradas através da atuação e interpretação das

personagens que trabalham na Radio Nacional.

Talvez esse tenha sido também o segredo do sucesso de Miguel Falabella, que se

destacou nos últimos anos trabalhando como ator, produtor, diretor e dramaturgo. Iniciou sua

carreira no “teatro do besteirol”, levando um milhão de pessoas ao teatro com seu espetáculo

A Partilha. Outro grande sucesso de público, de sua autoria, foi Loiro, Alto, Procura. Porém

foi um musical que lhe rendeu prestígio no teatro: escreveu e dirigiu South American Way,

com a parceria de Maria Carmem Barbosa, pelo qual recebeu o Prêmio Shell (2001) de

melhor autor, direção musical e figurino.

A chegada da televisão, a liberalização da censura, o grande número de teatros, a

própria sociedade capitalista, fizeram do teatro um produto comercial, determinando a

necessidade de uma nova linguagem para atrair o público. As mais diferentes montagens estão

sendo criadas, a platéia deixa de ser mera espectadora para participar ativamente dos

espetáculos. O tradicional palco italiano não é mais o espaço essencial para as apresentações,

33

que acontecem, muitas vezes, em ruas, casas, bares - na verdade em qualquer lugar, conforme

a idéia do diretor. Os textos clássicos continuam sendo representados, embora muitas vezes

sob uma direção pós-moderna.

As produções teatrais estão centradas nas grandes cidades, o número de peças em

cartaz é considerável, embora a situação financeira do nosso país não permita que a massa

freqüente o teatro, e muito menos que a classe teatral sobreviva somente das peças, tendo que

recorrer a outros meios de trabalho ou acumular funções. A atual escassez de público dentro

dos teatros brasileiros também se deve ao fator cultural, pois, infelizmente, os brasileiros não

estão habituados a valorizar esse tipo de entretenimento.

A esse respeito, é bastante relevante destacar os anos e anos de trabalho duro, de

discriminação social e de luta contra a censura, até que os atores conseguissem o

reconhecimento oficial da profissão. Essa vitória foi alcançada quando a Lei 6.533, de 24 de

maio de 1978, por meio do Decreto n. 82.385/78, regulamentou, em 05/10/78, a profissão de

artista e técnico em Espetáculos de Diversões, classificada em diversas funções.

Atualmente, se o ator não tiver certificado de curso em Escola de Arte Dramática

regulamentada, ele terá que requerer o Atestado de Capacitação Profissional emitido pelo

Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão (SATED), para poder exercer a

profissão e ter registro na Delegacia Regional do Trabalho (DRT) como artista, na função de

ator, diretor, cenógrafo, figurinista ou técnico.

O conhecimento do percurso histórico, desde o teatro do período colonial até hoje, tem

servido de fundamento para muita reflexão sobre a evolução e as perspectivas dessa arte. Esse

mesmo conhecimento também habilita o leitor (ou a platéia) a decodificar o que a paródia e a

ironia presentes em determinada obra querem dizer. Diz Hutcheon (1985, p. 84): “A paródia

funciona intertextualmente como a ironia funciona intratextualmente: ambas ecoam para

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marcar mais diferença que semelhança”. As palavras dessa autora sobre a ironia permitem

compreender o motivo pelo qual importa contextualizar Geração Trianon:

Porque a ironia, como definida neste estudo, acontece em alguma coisa chamada “discurso”, suas dimensões semântica e sintática não podem ser consideradas separadamente dos aspectos social, histórico e cultural de seus contextos de emprego e atribuição. (HUTCHEON, 2000, p.36)

Levando-se em conta que a principal estratégia retórica da paródia é a ironia, é preciso

entender a interação que existe entre elas. Para Hutcheon (2000, p. 22), “a ironia não é ironia

até que seja interpretada como tal”. Quando se fala em interpretação, é necessário ressaltar

que ela só pode ser feita por quem a cria ou por seu destinatário. Precisa-se captar a

mensagem que está por trás da ironia. Pois é ela que provoca a dimensão crítica existente na

paródia.

Na peça de Nunes (1988, p. 25), a abertura se dá num ambiente de tensão entre os

integrantes da companhia em virtude da péssima repercussão da peça em cartaz - A ceia dos

Cardeais – e da contundência da crítica em relação a esse fracasso:

ENSAIADOR Esperemos a crítica. EMPRESÁRIO Isso acaba mal, olá se acaba! Espera, qual foi o crítico

que cá esteve, ontem à noite? ENSAIADOR Foi o "Meto-lhe o pau". EMPRESÁRIO Esse é novo. ENSAIADOR Mas é crítico de prestígio, todo mundo lê. ENSAIADOR Dá-me o jornal, Esse Menino! (Lendo.) O elenco não se

havia muito bem, errando as marcas e solicitando o ponto a cada frase [...] Mas o pior mesmo eram os postiços que inventaram para ornamento da cabeça do cardeal Montmer...

Fala-se também do prejuízo do empresário com as apresentações, fato que motiva todo

o desenrolar dos acontecimentos, em torno da escritura e encenação da nova peça (ambas

improvisadas), sendo que esta última deve, efetivamente, garantir a boa avaliação da platéia e,

conseqüentemente, trazer lucros.

35

O conhecimento do percurso histórico, desde o teatro do período colonial até hoje, tem

servido de fundamento para muita reflexão sobre a evolução e as perspectivas dessa arte. Esse

mesmo conhecimento também habilita o leitor (ou a platéia) a decodificar o que a paródia e a

ironia presentes em determinada obra querem dizer. Diz Hutcheon (1985, p. 84): “A paródia

funciona intertextualmente como a ironia funciona intratextualmente: ambas ecoam para

marcar mais diferença que semelhança”. As palavras dessa autora sobre a ironia permitem

compreender o motivo pelo qual importa contextualizar Geração Trianon:

Porque a ironia, como definida neste estudo, acontece em alguma coisa chamada “discurso”, suas dimensões semântica e sintática não podem ser consideradas separadamente dos aspectos social, histórico e cultural de seus contextos de emprego e atribuição. (HUTCHEON, 2000, p.36)

Levando-se em conta que a principal estratégia retórica da paródia é a ironia, é preciso

entender a interação que existe entre elas. Para Hutcheon (2000, p. 22), “a ironia não é ironia

até que seja interpretada como tal”. Quando se fala em interpretação, é necessário ressaltar

que ela só pode ser feita por quem a cria ou por seu destinatário. Precisa-se captar a

mensagem que está por trás da ironia. Pois é ela que provoca a dimensão crítica existente na

paródia.

O pequeno levantamento feito sobre a trajetória do teatro brasileiro, particularmente

nos séculos XIX e XX, pode abrir espaço para o exame dos elementos estruturantes de

Geração Trianon, que será examinado na próxima seção, e contribuir para a compreensão do

sentido da paródia tanto no contexto deste texto de Nunes quanto no do teatro brasileiro

contemporâneo.

36

3 ELEMENTOS ESTRUTURANTES DE GERAÇÃO TRIANON

Geração Trianon é composta por prólogo, dois atos e epílogo. Dentro desta peça

ocorre a representação de outra peça – Entrou de caixeiro e saiu de sócio, também com dois

atos, o segundo dos quais contendo onze cenas; entre os dois atos desta última peça, são

encenadas seis “cortinas trágicas” e uma “cortina musical”. Segundo o Dicionário do Teatro

Brasileiro, as cortinas são

rápidos quadros cômicos interpretados, numa revista, à frente da cortina colocada atrás do pano de boca, que se levantava no início do espetáculo, só baixando no final. Esses números tinham como finalidade, além de divertir o público, possibilitar complexas mudanças de cenários, que estavam sendo feitas atrás da cortina. (2006, p.101)

Em Geração Trianon, essas cortinas trágicas parecem parodiar, com ironia bem

humorada, os dramas representados no Brasil pelas companhias européias, com as quais as

nacionais não tinham nenhuma condição de competir. Comentando essa precariedade, Prado

(1999) contrasta, entre os fins do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o

refinamento do repertório encenado aqui (Shakespeare, Ibsen, D’Annunzio) pelos espanhóis,

italianos, franceses, e os dramalhões, farsas e operetas produzidos pelas companhias

brasileiras.

Os quadros trágicos, em Geração Trianon, compõem, eles também, mais uma peça-

dentro-da-peça e contam igualmente com a interferência de personagens que parecem não ter

função na ação que se desenrola, como a “mulher de chapéu”, com seu aparte crítico sobre a

encenação. Quando Mota estrangula Julinha, ela comenta: “Mataste a única atriz que sabia o

papel.”

Ao mesmo tempo, o esquete deixa transparecer as constantes falhas e improvisações

dos espetáculos da época: revólveres que não funcionam, tiros que se ouvem fora da hora

prevista etc.

37

Desde o início, esses e outros aspectos da peça deixam claro para o leitor ou

espectador que se trata de uma peça metalingüística. Ou seja, o teatro representando o teatro.

Não é demais reproduzir novamente aqui o enredo da peça. Uma companhia teatral que atua

no Teatro Trianon, após o fracasso de uma montagem, tenta recuperar seu público produzindo

um espetáculo novo, com autoria de um outro dramaturgo. O prazo para escrever, ensaiar e

estrear é de menos de uma semana. Primeiro vão em busca do autor; após muitos nomes se

decidem por Abadie Faria Rosa, especialmente por ainda não ser conhecido. Em seguida se

iniciam os ensaios e as preparações de cenário e figurino. Os bastidores do teatro estão

abertos ao público, todas as cenas de ensaios são mostradas claramente como aconteciam na

época. O grande lado cômico da peça está evidenciado nisso, o público percebe as falhas e

compreende o que acontecia por trás dos bastidores. Existe um distanciamento crítico da

platéia em relação ao teatro.

O texto de Nunes busca retratar o teatro do início do século XX, um teatro comercial,

devido à expectativa que os encenadores tinham de criar espetáculos que atraíssem uma

platéia habituada ao teatro europeu apresentado periodicamente no Brasil. Com a eclosão da

Primeira Guerra Mundial, as companhias européias, não mais poderiam viajar com segurança

para se apresentarem no Brasil e os encenadores se encontravam dispostos a criar um “teatro

original”, completamente brasileiro.

A escolha de Abadie Faria Rosa para criar o novo espetáculo traduz a preocupação das

companhias da época em relação à realização desse projeto. Até chegarem a Abadie, as

personagens vão sugerindo outros nomes, hoje reconhecidos como grandes dramaturgos da

época, aos quais Anamaria Nunes presta uma homenagem explícita.

No entanto, Abadie é o avesso desses grandes nomes: a história do teatro nacional

associa a figura de Faria Rosa ao Serviço Nacional de Teatro, do qual foi o primeiro diretor. O

SNT foi o órgão criado por Getúlio Vargas em 1937 para administrar os interesses da primeira

38

companhia oficial de teatro brasileiro (a “Comédia Brasileira”) e caracterizou-se pelo

conservadorismo típico da ideologia getulista. Abadie, por sua vez, é historicamente

conhecido por usar o poder em benefício próprio, fazendo, inclusive, encenarem peças de sua

própria autoria (MICHALSKI; TROTTA, 1992). Para quem conhece os subtextos, fica posta

a nu a politicagem e o comportamento oportunista encontrados no cenário teatral daquela

época.

O traço marcante da metalinguagem transparece ainda no diálogo com a peça de Luigi

Pirandello, Seis personagens à Procura de um Autor (1921), cujo título remete à cena da

procura de um autor para o novo espetáculo do Teatro Trianon (interessante apontar a

afinidade de Abadie com a obra de Pirandello: Abadie foi o tradutor da peça Cosi é, si vi pare,

de Pirandello, encenada em 1924 com o nome de Pois é, pela Companhia Jayme Costa).

Trata-se de duas metapeças, que distanciam a visão do leitor ou platéia, estabelecendo

uma visão crítica dos fatos e, ao mesmo tempo, aproximando-o dos conhecimentos técnicos

de uma produção teatral. Esse recurso leva a acreditar que são as personagens que estão

produzindo a estória naquele momento. A metateatralidade, em Pirandello, reside no fato de

as personagens procurarem um autor para sua peça. Em Geração Trianon, as personagens

querem criar uma nova peça no interior da principal, como “uma peça-dentro-da-peça”.

Pode-se dizer que as duas estabelecem relações dialógicas. Além de se caracterizarem

como um dialogismo do tipo constitutivo, o qual é inerente à linguagem em geral, existem

ainda, segundo explica Fiorin, as formas externas, visíveis, do dialogismo, que são formas de

incorporação do discurso do outro e que constituem o dialogismo do tipo composicional.

Fiorin ainda explica, acerca dessa concepção de Bakhtin, que de duas formas se pode

incorporar o discurso do outro: a) quando o discurso do outro é abertamente citado e

nitidamente separado (o discurso direto e o indireto, as aspas, a negação); b) quando o

39

enunciado é bivocal, ou seja, internamente dialogizado (paródia, estilização, discurso indireto

livre, polêmica velada ou clara). (FIORIN in: BRAIT, 2007, p.161)

Na verdade, de um modo geral, o diálogo existe em qualquer ato de comunicação. Diz

Bakhtin (1988, p. 88):

A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa.

Segundo esse conceito de Bakhtin, um enunciador, ao produzir seu discurso, está

inevitavelmente produzindo-o sob o discurso de outrem. No entanto, o diálogo não se dá

apenas entre interlocutores, mas também entre discursos (interdiscursividade). A

interdiscursividade se diferencia da intertextualidade, pois, enquanto esta pressupõe a junção

de enunciados materializados em forma de textos, a interdiscursividade envolve apenas

diferentes posições de sentido. Assim, da posição de sentido de um determinado enunciador

espera-se uma posição responsiva do seu interlocutor. O mecanismo que se observa entre as

personagens de Geração Trianon ilustra essa peculiaridade da linguagem enquanto interação

social e permite ver a confrontação de sentidos como parte integrante da dinâmica da

comunicação interpessoal. Ao mesmo tempo, sendo paródia, caracteriza-se por possuir

diálogos do tipo composicional.

Fiorin (2006, p.52) explica a distinção entre texto e enunciado, sendo este um todo de

sentido, podendo admitir uma réplica com sua natureza dialógica. O enunciado é um sentido,

e o texto a manifestação material do enunciado. A relação entre enunciados e entre textos,

segundo Fiorin (2006, p.51), pertence ao universo bakhtiniano e a esta última Kristeva (1974)

denomina intertextualidade.

40

Geração Trianon se caracteriza, como qualquer outra sucessão de enunciados, pela

interdiscursividade. Mas a intertextualidade é também recorrente no texto, visível nos clichês

que compõem as cortinas trágicas e nas citações de outros textos.

As peculiaridades e vicissitudes da sociedade e do teatro da época também estão

evidentes na peça, representadas pelas personagens-tipo que a integram. Por exemplo, os

produtores, estressados com o pouquíssimo tempo que tinham para montar suas peças, e que

faziam delas uma comédia de improvisações (o contraste com o que costuma ocorrer

atualmente, quando o ensaio de um bom espetáculo pode durar de três a seis meses

aproximadamente, permite ter uma idéia de quantas improvisações e erros eram cometidos

com tão pouco tempo de ensaio). Isso sem comentar a valorização de alguns atores,

considerados “estrelas” e que, muitas vezes, criavam seus próprios textos.

Havia também aqueles fãs que sonhavam em ser atores, como ilustra a personagem

Mocinha, protótipo de um segmento jovem do público, que admirava profundamente essa

profissão.

Ao que tudo indica, os atores eram amadores, não eram renomados (estes já

encenavam em casas teatrais de mais sucesso), mas eram considerados pela platéia como

profissionais, pois viviam do teatro, ensaiavam diariamente. Algumas vezes, um ator poderia

ser escolhido para atrair um número maior de público, como é o caso da personagem Aprigio,

que não tem vocação, mas tem uma família numerosa, capaz de compor metade da platéia.

Outros eram contratados por seu carisma e talento reconhecidos pelo público.

3.1 ESPAÇO E TEMPO

Com base nas teorias de Ryngaert (1996, p. 80) analisar-se-ão as relações entre espaço

e tempo. Em suas pesquisas, ele identifica, na arte teatral, dois tempos importantes: o tempo

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da ficção, que estabelece a organização da narrativa e sua cronologia, e o tempo da

representação, que se refere ao ritmo, à continuidade ou descontinuidade da representação;

O tempo da ficção é um tempo abstrato, detectado por meio das marcas temporais do

texto que identificam o ano em que se passa a narrativa e o tempo de duração da ação narrada.

A partir da nota de abertura do prólogo, identifica-se a época em que se passa esta estória. A

autora escreve que “o texto é elaborado a partir de frases, expressões, citações e situações da

nossa história teatral nas décadas de 10, 20 e 30” (NUNES, 1988, p. 25). Confirma essa marca

temporal a presença da personagem Staffa, ficcionalização do empresário J.R Staffa, que

arrendou o teatro Trianon no ano de 1916, após uma reforma. A partir dessa afirmação, pode-

se considerar que a narrativa acontece nesse ano ou depois dele.

Outra marca temporal está na abertura da peça, em que se representa a última cena de

A Ceia dos Cardeais; nas entrelinhas identifica-se também uma marca espacial: a coxia do

Teatro Trianon, os bastidores de cena onde ocorrerão as próximas cenas de ensaio da próxima

peça-dentro-da-peça. Segue-se o fragmento:

PRÓLOGO

(A companhia apresenta a última cena de “A Ceia dos Cardeais” de costas para a platéia que entra no teatro. No palco temos os bastidores, onde a ação principal se desenrolará.) (NUNES, 1988,p.25)

A marca temporal envolve a identificação de que a peça de Julio Dantas está

ultrapassada para a época (1916). As personagens comentam que se trata de um “clássico”,

mas não dá lucro, dado o seu desgaste junto ao público. A peça A ceia dos cardeais - um ato

em verso - foi representada pela primeira vez no ano de 1902 no antigo Teatro D.Amélia em

Portugal.

Outra marca temporal revela o dia em que é encenada a peça de Dantas, um domingo,

e o dia em que deverá estrear a próxima peça, uma sexta-feira. É o que se pode conferir

abaixo:

42

EMPRESÁRIO Então, Doutor, como ficamos ? DOUTOR Ficamos mal, muito mal. Enfim, é a vida. EMPRESÁRIO Se tirarmos a peça do cartaz hoje, domingo, que peça vamos

dar na sexta-feira? É preciso renovar o repertório. DOUTOR Do repertório cuido eu. EMPRESÁRIO Somos sócios. (NUNES, 1988, p. 26).

Esta cena ocorre no domingo, e a próxima cena já é mostrada como se fosse o dia da

estréia; a sexta-feira. Nesse tempo da narrativa existe uma elipse, pois não se revelam os dias

que antecedem o dia da estréia, mas está implícito que todos passaram a semana produzindo o

espetáculo, em especial o autor, que trabalha sem parar, e, até o último instante, não havia

escrito a cena final. Com algumas horas de atraso, o Doutor (o ator principal) chega da rua

para ajudá-lo a escrever essa cena. No diálogo abaixo, está transcrito o momento em que ele

acaba de chegar (NUNES, 1988, p. 37 e 38).

AUTOR Falta a cena que o doutor prometeu escrever.... DOUTOR E se eu lhe garantir que a última cena não tem mistérios? Será

uma cena curta, muito curta, quando finalmente, está tomando nota, seu Abadie?

AUTOR Sim, senhor. DOUTOR Tudo se resolve! A última cena conterá o título da peça.

Em toda a peça o espaço é único: o Teatro Trianon. No início da peça, o público está

diante dos bastidores do teatro; somente quando a representação da peça de Abadie acontece,

a platéia se transforma na platéia do Trianon, como se estivesse um palco dentro do outro; e,

ainda assim, se continuam a ver os bastidores da cena. A rubrica abaixo revela a existência de

um metaespaço:

INTERVALO (Aos poucos a platéia do teatro vai transformando-se no Teatro Trianon. São colocados dois camarotes e a ribalta. Entra vestido a caráter Esse Menino de apontador de lugares, funcionando também como cabo da claque, convocados sutilmente alguns espectadores a fazerem parte desta. A seguir a Mocinha substituindo a baleira, vendendo balas e bombons em benefício da Casa dos Artistas que o doutor pretende construir. O empresário Staffa, saudando a presença de todos os presentes. Em determinado momento surge do centro do palco uma figura que vem abrir o espetáculo da noite. Ao final de suas palavras a cortina se abre e temos então o início do segundo ato.) (NUNES, 1988, p.39).

Segundo Ryngaert (1996, p.80), o tempo da representação é um tempo real, diferente

do tempo da ficção, que é uma abstração, uma metáfora que engloba a organização da

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narrativa e sua cronologia. A ação das personagens e seus diálogos constroem o tempo real da

peça, que só pode ser avaliado por meio de uma análise da práxis teatral, que não é o objetivo

deste trabalho.

Porém, ao ler as entrelinhas do corpo do texto encontra-se o local (o palco do Teatro

Trianon) e a época em que a ação ocorre - cronologicamente por volta de 1916; a ação narrada

transcorre em uma semana aproximadamente. No início, utiliza-se o palco como se fosse a

coxia do teatro, lugar onde ocorrem os ensaios da peça-dentro-da-peça e todas as cenas até a

hora da estréia. Em seguida, o que até então era a coxia transforma-se no palco do Trianon e a

platéia real se transforma em platéia ficcional.

Durante a cena de ensaio da peça-dentro-da-peça (NUNES, 1988, p.30), com as

personagens Osvaldo, Mota e o Ensaiador, há outra marca espacial. Quando o Ensaiador se

aborrece com Mota por sua atuação, ele aproveita a frase da cena ensaiada e diz a Mota que

ele não sabe onde está realmente; Mota responde rapidamente “No Trianon!”. Essa frase

apenas confirma ao leitor o espaço onde está se desenrolando a peça.

O espaço que não se destina à representação, Ryngaert (1996, p. 86) o define como

espaço “fora de cena”. Esse espaço intervém no enredo, mas não aparece nas cenas. É o caso

do escritório em que a personagem Autor está escrevendo a peça. Faria Rosa aparece

rapidamente no palco e retorna ao seu lugar de trabalho, porém este não é mostrado ao

público. Cabe ao diretor do espetáculo registrar esse espaço pelo som da máquina de escrever

e por uma saída do palco, que será representada como a porta do escritório do autor, ou por

qualquer outra referência, que permita inferir que seja o escritório do Autor. A peça não traz,

em nenhuma cena específica, a sala onde trabalha o Autor. Esse espaço está inferido nas

entrelinhas do primeiro ato da peça:

44

(Luz de serviço. Cortina aberta. Palco nu. Construção do cenário em “off”. Martelo. Máquina. Limpeza. Descem gambiarras, panelões. Luzes vão acendendo no ritmo do samba que o pessoal da técnica improvisa. Acaba o samba. Gambiarras no chão. Palco aceso. Muito papel amassado que o autor atira no palco. O aviador cata os papéis. Barulho de máquina de escrever.). (NUNES, 1988, p. 29).

Como o próprio Ryngaert (1996, p.87) afirma, “tudo é representável no teatro”. Essas

entrelinhas são sugestivas, o encenador ou diretor deve fazer a melhor escolha para mostrar os

bastidores do teatro e a proposta da autora. Essas marcações cênicas e a maneira como as

cenas são dispostas rompem com as regras do teatro tradicional. Compete ao encenador

explorar essas cenas e desenvolver uma representação interessante para o público.

O autor também define o espaço como um dado interior que as personagens trazem

consigo. Segundo seus estudos, o espaço pode “revelar as implicações e os fantasmas das

personagens e, como tal, pode ser uma das metáforas que dão sentido a uma obra.”

(RYNGAERT, 1996, p.89) No caso de Geração Trianon, todas as personagens estão ligadas

ao espaço, pois o palco reproduz o que todos desejam fazer e fazem: representar ou montar

um espetáculo: todas as personagens fazem parte da companhia teatral, até mesmo Mocinha, a

única personagem que não faz parte, mas deseja isso de tal forma que acaba trabalhando no

teatro. Mesmo não conseguindo realizar seu maior sonho de ser atriz, ela consegue trabalhar

na companhia quando solicitada para substituir a baleira durante a estréia da peça-dentro-da-

peça.

O espaço revela os desejos, as tensões, os anseios e as alegrias de cada personagem. O

que se constata, com base nos acontecimentos, é que o palco, dado como espaço cênico único

durante a peça, reflete as emoções das personagens durante suas ações.

Também em relação à situação de enunciação a ludicidade está visível – há o tempo da

escritura, em que Nunes é o enunciador (da peça de 1987), que é o tempo do teatro atual; há o

tempo da ação narrada, à época do Teatro Trianon, quando a história teatral ainda era

incipiente. O conceito bakhtiniano de exotopia ajuda a esclarecer melhor o movimento duplo

45

do olhar da autora. Primeiro, ela tenta captar o olhar do artista do início do século, de entender

o que ele olha e como o faz. Depois, ela retorna ao seu lugar, que é necessariamente exterior à

vivência daquele artista, para sintetizar ou totalizar o que vê, de acordo com seus valores, sua

perspectiva, sua problemática. (AMORIM in: BRAIT, 2006)

3.2 PERSONAGENS

Analisar um texto teatral requer atenção a cada discurso da personagem e,

conseqüentemente, a seus atos, o que vem a ser fator determinante para a recepção do texto –

isso porque um sujeito pode dizer algo sobre si próprio, e o que ele diz não necessariamente é

verdade.

Segundo Ryngaert (1996, p.47), é preciso analisar a organização do diálogo, assim

como sua tessitura lexical. Observar cada texto e sua réplica, tanto as curtas quanto as longas,

não confundindo com a análise da representação, que, muitas vezes, é conflitante, apesar de

ambas serem complementares.

Geração Trianon possui vinte e uma personagens, sendo quatro delas pertencentes à

obra de Abadie Faria Rosa, Entrou de Caixeiro e saiu de Sócio. Todas as personagens

acumulam funções dentro do teatro, fazem parte da Companhia, exceto Mocinha. que entra

em cena, manifestando seu sonho de ser atriz e fazer o papel da ingênua, como podemos

observar abaixo (NUNES, 1988, p. 29):

MOCINHA Dá licença? EMPRESÁRIO Mocinha! MOCINHA E que vim candidatar-me ao papel de ingênua! EMPRESÁRIO Ótimo. Mas de onde saiu esse conto de réis? MOCINHA Eu quero ser atriz. Posso entrar? EMPRESÁRIO Entrar onde, mocinha? MOCINHA Na companhia. EMPRESÁRIO Mas a senhorita já me disse isso.(GRITA) [...] MOCINHA Mas eu pensei... EMPRESÁRIO Pensou errado. Isso é com o doutor.

46

Neste caso pode-se analisar também o modo de informação ao espectador. Segundo

Ryngaert (1996, p.117), essa seria uma informação abundante, pois informa quem é a

personagem Mocinha e o que ela deseja. E, ao mesmo tempo, é uma informação indireta, pois

cabe ao espectador formar uma opinião sobre o que o Empresário quer dizer sobre Mocinha.

Esse tipo de informação é freqüente durante toda a peça. As personagens se apresentam, mas

cabe ao leitor ou espectador formar sua opinião e compreender o que se passa.

Durante toda a peça, a personagem Mocinha deseja e tenta conversar com o Doutor

(ator principal), com o intuito de conseguir uma função na companhia, mas não consegue e

acaba trabalhando no dia da estréia como a vendedora de balas.

Analisando quantitativa e qualitativamente a extensão do discurso das personagens, o

Ensaiador surge em primeiro lugar. Figura responsável pelo ensaio dos atores, também

apresentado como “Professor”, como consta nos diálogos. Sua função é dirigir o espetáculo,

analisar a representação, indicar as marcações cênicas e também instruir os atores em suas

representações.

Essa personagem está sempre preocupada e um pouco estressada com os

acontecimentos inesperados, as falhas durante os ensaios e, inclusive, com os imprevistos na

hora da representação, o que é uma característica típica de um diretor teatral. Algumas vezes

ele cumpre o papel de destinador1 e, outras vezes, o de destinatário2.

Apesar de exercer na companhia um cargo de chefia, muitas vezes ele se submete aos

desejos do Doutor e do Empresário ou, pelo menos, diz estar de acordo com os dois -como se

pode ver no diálogo abaixo, em que o Doutor se auto-elogia dizendo que o público vai ao

Trianon somente para assistir à sua performance, e o Empresário o contradiz (NUNES, 1988,

p.27):

1 Destinador poder ser aquele ou aquilo que faz agir o sujeito; segundo Ryngaert (1996, p.69), é preciso fazer a pergunta: “Por causa de que ou de quem o sujeito age?” 2 Destinatário seria o contrário; aquele que age a partir de algo ou alguém.

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EMPRESÁRIO Ora Doutor, não seja tão vaidoso, as pessoas gostam do Trianon, das comédias ligeiras, do nosso apuro, do nosso estilo, da nossa qualidade. Do Trianon, enfim.

DOUTOR De mim. EMPRESÁRIO Do Trianon. DOUTOR De mim. EMPRESÁRIO Do Trianon. DOUTOR De mim. ENSAIADOR Dos dous. ESSE MENINO Do Doutor.

E ainda se pode notar a admiração do Avisador pelo Doutor, a quem ele está sempre

tentando agradar. Trata-se de um jogo, em que um tem que se submeter às vontades do outro.

A personagem Ensaiador deseja estrear a nova peça com sucesso; durante todo o texto ele está

preocupado com todos os detalhes, desde a encenação até os detalhes do cenário.

Outra personagem de destaque é o Ponto. Ele se mostra sempre muito educado, possui

uma relação cordial com a companhia. Seu nome nos é revelado por meio dos diálogos. Seu

Almeidinha, como é chamado por todos, exerce função importante no teatro daquela época:

sua responsabilidade é lembrar o texto aos atores que não estudavam ou não se lembravam de

suas réplicas. Deveria exercer o papel de destinador, já que os atores precisariam seguir o que

seu texto diz; no entanto, ele não consegue desempenhar esse papel, pois a maioria das

personagens não agem como deveriam, pelo menos é o que se vê durante a representação da

peça-dentro-da-peça.

O Empresário chama-se Staffa. Está claro para nós que seu maior desejo é manter

financeiramente a companhia; sua mente está centrada nisso. Logo no início, quando conta o

número de pessoas que assistem ao espetáculo; em seguida, quando decide junto ao Doutor

uma nova peça para recuperar o público, e também durante cena cômica em que ele decide

colocar o Aprígio na apresentação só porque a família dele é numerosa e ele trará 26 pessoas

para assistir ao espetáculo. E, ao pedir que Aprígio atuasse mesmo não sendo bom, Staffa diz

ao Ensaiador :“Arte se faz com dinheiro!” (NUNES, 1988, p.33). É claro que temos que

relembrar que essa é uma personagem inspirada no verdadeiro Staffa, um empresário que

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arrendou o Teatro Trianon durante a década de 20, são fatos retirados da história do teatro

brasileiro.

Embora a personagem Autor apareça poucas vezes durante as cenas, sua presença

também é relevante, visto que se trata de outra personagem calcada na história do teatro; seu

nome é conhecido devido à sua carreira como dramaturgo da época; Abadie Faria Rosa veio

do Rio Grande do Sul, como o próprio texto nos informa. Seu objetivo, durante toda a peça, é

só o de terminar seu texto. Talvez esta seja uma personagem destinatária e seu destinador seja

o Empresário, que o induz a escrever a peça em apenas cinco dias. A partir daí, surge um

objeto de desejo: ele quer aumento no salário, o que fica claro para o leitor quando, no dia da

estréia, ele tenta falar a respeito com o Staffa:

AUTOR Seu Staffa! Eu gostaria de saber se o senhor não pode me dar um aumento...

EMPRESÁRIO Um aumento?Pois se lhe pago cinco cadeiras por espetáculo! AUTOR E pouco se considerarmos o tamanho do teatro... EMPRESÁRIO E muito se considerarmos o tamanho de seu texto! (NUNES, 1988, p. 29)

O Autor ainda tem que se submeter aos caprichos das “estrelas”, que podem não

aprovar suas falas, como se vê abaixo:

EMPRESÁRIO O que houve, madame ? ISAURINHA Não gosto da frase. Não vou dizê-la. EMPRESÁRIO Madame não gosta da frase ? Troca-se. (Grita) Ô seu Abadie! AUTOR O que é agora ? EMPRESÁRIO Madame não gosta de suas frases. ISAURINHA Desta frase apenas, seu Staffa. AUTOR Que frase, madame? ISAURINHA Rosinha é minha criada. AUTOR Mas é uma frase tola, circunstancial... ISAURINHA Por isso mesmo. EMPRESÁRIO Troque. ENSAIADOR Por favor, seu Abadie. (NUNES, 1988, p. 35).

Novamente se pode observar que a personagem cumpre o papel de destinatário, só

que, neste caso, o destinador é a personagem Isaurinha, que impõe sua vontade ao Empresário

e este transmite a ordem ao Autor.

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Pelo trecho acima, é possível conhecer um pouco sobre a primeira atriz, que é tratada

com respeito pela companhia toda, o que é confirmado quando a personagem Mocinha, que é

uma sonhadora, revela seu desejo de ser atriz, como já foi dito anteriormente. No entanto, ela

não quer ser simplesmente uma atriz, mas a número um da companhia:

MOCINHA A senhora é a 1ª atriz ! ISAURINHA Sim. E você, mocinha? MOCINHA Sou candidata à 1ª atriz ! EMPRESÁRIO Ah é ? Mocinha, já lhe disse que é proibida a entrada de

estranhos aqui. MOCINHA (Rindo do Staffa) É que o senhor não sabe ainda... o avisador

aprovou-me ! (o Avisador se esconde) Só falta agora falar com o doutor. Eu vou ser a 1ª atriz da companhia !

EMPRESÁRIO Vai mesmo ? Mocinha, quer fazer o favor de se retirar ! ISAURINHA (Rindo) Deixa ! Ela fica comigo ! Bonitinha. (NUNES, 1988, p. 36).

Por esse diálogo, nota-se que Mocinha ganha a simpatia de Isaurinha, que a vê como

“bonitinha”. E o empresário sempre tenta colocar ordem e afastar a jovem elenco e do palco.

Outra personagem que está sempre em cena é o Avisador, que todos chamam de “Esse

menino”. Sua função é a de uma espécie de contra-regras, que faz de tudo um pouco, mas

ocupa uma função de pouco status entre os atores. Mocinha se refere ao seu diálogo com o

Avisador, que se fez passar por quase dono da companhia. Interessante esse diálogo, pois

demonstra quanto essa personagem é dissimulada e aproveita-se da ingenuidade da Mocinha

para se aproximar dela.

ESSE MENINO Com licença, seu Aprígio. Quem é a senhorita ? MOCINHA Sou candidata ao papel de ingênua. ESSE MENINO A senhorita é ótima. Já está aprovada. MOCINHA Jura ? Obrigada, obrigada.Mas quem é o senhor? ESSE MENINO Esse menino, um seu criado. MOCINHA O senhor é da companhia ? ESSE MENINO Desde pequerrucho. Sou o avisador. MOCINHA Avisador ? ESSE MENINO Então quer ser atriz e não conhece os termos do ramo?

Avisador é assim... é a figura indispensável! Vulgarmente conhecido como “pau pra toda obra”. Na verdade a companhia sem mim não anda. E muito em breve serei promovido! (...)

(NUNES, 1988, p.35).

50

Mocinha acredita em tudo que diz o Avisador: ele aumenta tanto suas funções na

companhia que parece ser alguém indispensável mesmo. Como as demais personagens dessa

comédia, ele tem traços caricaturais e o tom do seu discurso é absolutamente irônico.

A outra atriz da companhia é Julinha, que ocupa o cargo de segunda atriz e também se

julga “estrela do espetáculo”. Entre a conversa dela com seu Osvaldo, o segundo ator da

companhia, podem-se perceber as rivalidades entre os integrantes do elenco. Assim como o

respeito que todos têm pelo Doutor.

OSVALDO Vou confessar-lhe uma cousa, dona Julinha, sinto-me mal fazendo entreato...

JULINHA Eu também. É uma espiga, seu Osvaldo. Sou a 2ª atriz da companhia, o senhor é o 2ª ator, não temos que fazer cortinas. Somos do elenco principal.

OSVALDO Mais que tudo, dói contracenar com atores do naipe do Mota! JULINHA E a Isolda? E o Aprígio, esse formigão? Seu Osvaldinho, vou

queixar-me ao doutor. (NUNES, 1988, p.36-37).

O foco desta cena são os entreatos, isto é, os intervalos entre os atos da peça, as

“Cortinas Trágicas”, que entretinham a platéia enquanto os atores principais descansavam

antes de continuar o segundo ato do espetáculo. Pode-se perceber a preocupação dos atores

com o eventual fracasso de seus trabalhos enquanto atores renomados que acreditavam ser.

Seu Mota é outra personagem caracterizada pela comicidade; ele também exerce a

função de ator na companhia e, tanto nos ensaios como na apresentação, sua excentricidade e

sua maneira de improvisar são extremamente cômicas. Quando ele se apresenta a Mocinha,

fica evidente o que ele pensa de si próprio e ainda dá para observar o comportamento dela.

Mota não é modesto e tampouco se pode confiar em suas palavras.

MOCINHA Preciso falar-lhe. MOTA Falar o que, se me permite? MOCINHA Sou candidata ao papel de ingênua. MOTA Encantado. Sou Mota, grande ator trágico e dona da Sapataria

Mota, conhece? MOCINHA Claro! (CANTA) Sapataria Mota, sapataria Mota,

sapatos,chinelos e botas, sapataria Mota. Mota! (ENTUSIASMA-SE E CANTA E SAPATEIA DIANTE DE UM MOTA PERPLEXO.)

51

[...] MOTA Pois veio ao lugar certo: ao Teatro Trianon! E esta falando com

a pessoa certa: Mota! Observe-me, mocinha e verá o maior trágico depois de João Caetano!

(NUNES, 1988, p.34)

Durante toda a peça, o comportamento da Mocinha é o mesmo; ela tenta de todas as

formas ser notada e acredita que nasceu, de fato, para o teatro: está em busca do seu sonho de

ser atriz. E seu Mota também acredita ser um grande ator, porém sua atuação trágica é uma

perfeita comédia.

Analisando o discurso de outras personagens, como o pianista, a cantora e os que

trabalham na construção do cenário, observa-se que sua atuação, quantitativa e

qualitativamente, é bem menor do que das outras personagens.

Cada personagem representa um tipo da sociedade da época e, particularmente, do

teatro. Entre a classe artística existia o respeito com relação aos atores mais conhecidos, como

também certa rivalidade, no sentido de que cada um queria ocupar um lugar melhor no

espetáculo - todos queriam alcançar a fama.

Na peça Geração Trianon, os atores vêem a personagem Doutor como ídolo e

referência, mostrando que seu trabalho gerou também o reconhecimento do público, assim

como acontecia com os grandes atores da história do nosso teatro. A partir do movimento

Trianon, as companhias passaram a valorizar os dramaturgos e os atores brasileiros, criando

espetáculos integralmente nacionais. A preferência da platéia era o teatro cômico, por esse

motivo os dramaturgos eram contratados especificamente para escrever novas comédias. As

companhias desejavam alcançar o profissionalismo. Os espetáculos eram montados

rapidamente para satisfazer uma platéia que freqüentava o teatro assiduamente.

52

3.3 A QUESTÃO DA TEATRALIDADE

Pode-se observar, ao longo do texto, que a peça é repleta de réplicas breves, as cenas

ocorrem simultaneamente entre as personagens dentro do mesmo espaço. O único monólogo

existente na peça é o da personagem Simpático Jeremias, retirado da peça de Gastão Tojeiro.

Jeremias participa apenas da abertura da peça-dentro-da-peça.

Encontra-se nesta peça o que Ubersfeld descreveem suas pesquisas como teatralização

da personagem. Segundo Ubersfeld (2005, p.89), pode-se identificar a personagem

textualmente teatralizada por meio de sua máscara, de seu nome, que é como a personagem é

codificada. A personagem Mocinha, por exemplo, é referida como ingênua, uma jovem moça

sonhadora, que parece uma menina. O Doutor, logo se pode identificá-lo por sua importância

na companhia: sua função não é só a de ator, mas é de quem toma decisões junto aos

produtores, sua palavra é “sábia”, valiosa dentro do teatro. Assim como as atrizes, que se

apresentam como primeira e segunda atriz, marcadas por sua importância dentro da

Companhia, uma representando ser melhor em relação à outra (conseqüentemente, a primeira

atriz seria sempre a protagonista das peças). O encenador é identificado como Professor pela

sua capacidade de “ensinar”, indicar as marcações cênicas e avaliar as interpretações dos

atores. Há outros que são identificados por suas funções, como o Empresário, a Pianista, o

Ponto e o Autor. Todas são personagens teatralmente codificadas.

Quanto à teatralidade, o Dicionário de Teatro define o termo “teatral” como

a maneira específica da enunciação teatral, a circulação da fala, o desdobramento visual da enunciação (personagem/ator) e de seus enunciados, a artificialidade da representação. (PAVIS, 1999, p.372)

Com efeito, essa teatralização está presente em todo o texto e, independentemente

dele, as personagens representam essa teatralidade. Pavis (1999, p.372) afirma que a

teatralidade pode opor-se ao texto dramático lido especificamente sem a representação mental

53

de uma encenação. Ele trata a teatralidade como uma espessura de signos e de sensações que

se edifica em cena a partir do texto escrito.

Num primeiro momento pode-se tratar da questão da teatralidade como algo

espetaculoso, relativo ao teatro. O que é muito freqüente hoje, segundo Pavis (1999, p.373),

mas é pouco pertinente. Ele prefere definir “teatral” como a maneira específica da enunciação,

a representação, ou seja a projeção dos conteúdos do drama. Um texto é teatral quando não se

pode privar da representação e que não contém as indicações lúdicas ou de espaço e tempo

auto-suficientes.

No caso de Geração Trianon, por ser com um texto metalingüístico, o público se

lembra a todo o momento de que está no teatro. Alguns elementos existentes na obra fazem

com que o texto seja teatral: as marcas espaço-temporais, o espaço, o palco do Teatro

Trianon, e a maneira como esse espaço se transforma com o cenário da peça-dentro-da-peça,

são elementos específicos que relembram se tratar de uma representação teatral. Ainda se

pode afirmar que as marcas de espaço se tornam mais evidentes no momento da

representação, pois se trata de um metaespaço.

As marcas temporais também funcionam como elemento teatral no texto, visto que

existe uma elipse em que o tempo cronológico pula de um domingo para uma sexta-feira.

Essa elipse novamente faz relembrar que há uma representação, uma ilusão do teatro.

Cafezeiro (1996, p. 457) afirma que “em teatro, o texto se realiza no espetáculo e,

mesmo quando é bem escrito, se não oferecer sugestões válidas para o palco, pouca ou

nenhuma importância terá como literatura teatral”. Esta afirmação valoriza a importância de

Geração Trianon, pois o sucesso de crítica e de público que suas montagens conquistaram,

comprova que a maior realização de um texto está em sua montagem. E, por esta análise,

pode-se descobrir o valor que possuem as rubricas, que revelam as sugestões para a

montagem do espetáculo. É também por meio delas que se notam as diferenças entre a peça e

54

a peça-dentro-da-peça. Cada sugestão oferecida pela autora mostra a ação dos atores, suas

posições, entradas e saídas.

A qualidade da tessitura lexical e o modo como os diálogos estão dispostos reafirmam

a idéia de que se trata de um texto com um enorme potencial de representação e,

independentemente da representação, esse potencial continua a existir, graças à teatralidade

presente no texto.

A importância da personagem de teatro também é ressaltada por Candido (1970, p.

85):

No romance, a personagem é um elemento entre vários outros, ainda que seja o principal. (...) No teatro, ao contrário, as personagens constituem praticamente a totalidade da obra: nada existe a não ser através delas.(...) Com efeito, há toda uma corrente estética moderna, baseada em ilustres precedentes históricos, que procura reduzir o cenário quase à neutralidade para que a soberania da personagem se afirme ainda com maior pureza, Em suma, tanto o romance como o teatro falam do homem – mas o teatro o faz através do próprio homem, da presença viva e carnal do ator.

O crítico ainda afirma que a personagem não necessita de um mediador para dirigir-se

ao público, o que valoriza sua presença, pois a história não é contada e sim mostrada.

Vale a pena frisar que a representação dos atores na época também era “teatralizada”.

Neste caso, usa-se o sentido pejorativo da palavra, visto que havia uma artificialidade ao

representar as personagens nos palcos, certo exagero que tornava artificial a representação.

Essa artificialidade não era percebida pela platéia da época, mas é o que hoje se torna cômico,

pois o teatro se transformou, evoluiu muito nos últimos anos, tanto nas representações e

montagens quanto na criação e disposição dos textos. Os atores da época ainda usavam o

sotaque de Portugal, que estavam habituados a ouvir, já que muitas companhias teatrais desse

país se apresentavam por aqui antes de eclodir a Primeira Guerra Mundial.

Na obra de Nunes, é preciso pensar a respeito da teatralidade das personagens, pois,

sendo esta uma metapeça, uma homenagem ao teatro da época, poderia estar sendo enfatizada

essa teatralidade por intermédio da própria peça. Poderia ser uma homenagem duplamente

55

teatral, para que o público percebesse desde cedo suas funções dentro da estória: a da mocinha

de sonhadora, a do professor que explica a cena e assim por diante.

56

4 A IDENTIDADE PÓS-MODERNA EM GERAÇÂO TRIANON

O pós-modernismo pode ser compreendido como um “estilo estético” que começou a

se desenvolver a partir da segunda metade do século XX. Ao lado desse conceito, de natureza

estética, é importante destacar outro, de ordem da história e da cultura, associado à condição

dos países desenvolvidos e da sua relação com os subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

Trata-se do conceito de pós-modernidade (PROENÇA FILHO, 1988, p.12), que aparece

constantemente ligado a termos como “diferença”, “fronteira”, “des-centramento” e outros

que enfatizam seu interesse na afirmação da diferença, em vez da identidade hegemônica.

(HUTCHEON, 1991, p.22)

A tendência dos teóricos a respeito é pensar que ambos os termos se aproximam e,

muitas vezes, se interligam, como se poderá ver na análise do texto teatral de Nunes.

A obra de Hutcheon (1991) enfoca as mudanças ocorridas particularmente na narrativa

ao longo do Pós-modernismo, porém o ponto de sustentação para seu estudo está na

constatação de que “o pós-modernismo é um fenômeno contraditório, que usa e abusa, instala

e depois subverte, os próprios conceitos que desafia” (HUTCHEON, 1991, p.19). Assim, o

artista opera numa dinâmica que envolve a desconstrução e a reconstrução ou, em outras

palavras, ele examina as condições artísticas e histórico-sociais do passado, à luz do presente,

a não ser por meio de seus restos textualizados (HUTCHEON, 1991, p. 19). A autora assinala,

quanto ao Pós-Modernismo, sua despreocupação em lançar novos preceitos estéticos, novas

teorias, e seu objetivo de rever discursos e convenções em vigor, não para substituí-los por

outros. Diz ela:

O que o pós-modernismo faz, conforme seu próprio nome sugere, é confrontar e contestar qualquer rejeição ou recuperação modernista do passado em nome do futuro. Ele não sugere nenhuma busca para encontrar um sentido atemporal transcendente, mas sim uma reavaliação do passado à luz do presente. Mais uma vez diríamos a isso o nome de “presença do passado” ou talvez de presentificação desse passado (HASSAN, apud HUTCHEON, p.39).O pós-modernismo não nega a

57

existência do passado, mas de fato questiona se poderemos conhecer o passado a não ser por meio de seus restos textualizados. (HUTCHEON, 1991, p. 39)

O que importa para o artista da pós-modernidade é pôr em xeque as convenções já

validadas institucionalmente, procurando verificar o que existe nas margens, nas fronteiras

desse discurso cristalizado. Esta expectativa pode justificar ou auxiliar na compreensão da

auto-reflexividade da arte contemporânea, auto-reflexividade que se manifesta sobretudo por

meio da paródia (concebida como inversão irônica) e da metalinguagem (o discurso

debruçando-se sobre si mesmo). Para Hutcheon (1991), o pós-modernismo tenta historicizar e

contextualizar a condição enunciativa de sua arte.

Quanto à paródia, não é demais transcrever as próprias palavras de Hutcheon a

respeito, principalmente porque elas põem em destaque as relações entre o texto e o contexto

extra-textual, de natureza social e política:

[....] a paródia – esse formalismo aparentemente introvertido – que provoca, de forma paradoxal, uma confrontação direta da relação do estético com o mundo da significação exterior a si mesmo, com um mundo discursivo de sistemas semânticos socialmente definidos (o passado e o presente) – em outras palavras, com o político e o histórico. (1991, p. 42)

Acerca da metalinguagem, a mesma autora apresenta essa característica como

marcante no pós-modernismo, sendo a metaficção historiográfica uma das presenças mais

fortes. Na visão da autora, não há distinção entre ficção e história, pois o conhecimento da

história só pode ser adquirido mediante alguma forma de representação ou de narrativa, ou

seja, ambos são, de algum modo, discursos ficcionais. Daí a necessidade de fazer indagações

a respeito da História, de olhar os fatos passados sob outra perspectiva etc.

Mas há também, no Pós-modernismo, um interesse de questionar as instituições e as a

partir de dentro, inclusive o cinema e o teatro (HUTCHEON, 1991, p.26). A pesquisa de Abel

(1968) aborda essa questão da metalinguagem especificamente dentro da dramaturgia. Esse

autor traz conceitos sobre peças que se referem a si próprias, desencadeando uma

58

manipulação interna entre as personagens que exercem a função de autor da própria trama

(ABEL, 1968, p.73), como se algumas delas tivessem a consciência de um dramaturgo.

Pirandello é um escritor citado por Abel (1968) como autor de metapeças, talvez o melhor

exemplo conhecido internacionalmente até hoje, pois joga com suas personagens por meio da

dramaticidade, uma brincadeira entre ilusão e realidade, um jogo em que temos que descobrir

quem é o verdadeiro autor das personagens vividas no palco e desvendar suas estórias. Tome-

se ainda como referência o que Abel afirma a respeito de Seis Personagens à procura de um

Autor:

Para falar a verdade, o dramaturgo italiano é destituído de interesse moral: sua dramaturgia só conta quando ele está excitado pelo lado metafísico de um conflito. Podemos dizer que Pirandello foi o epistemólogo do metateatro, e não seu ontólogo. Pirandello é sempre interessante quando explora dramaticamente nossa incapacidade de distinguir ente a ilusão e a realidade (ABEL, 1963, p.147-148).

Com referência ao discurso metalingüístico e teatral e ainda quanto à intertextualidade,

observam-se semelhanças entre o texto de Pirandello e o de Nunes. Existe uma relação

dialógica, já que ambos são considerados metateatro.

A auto-referencialização e o discurso metalinguístico existem em Geração Trianon,

com diferenças em relação à peça de Pirandello apenas na situação dramática. Na obra de

Pirandello, as personagens é que procuram um autor, enquanto em Geração Trianon é a

companhia que procura um autor para uma estória que ainda será criada:

PONTO Por que não um texto novo? DOUTOR Por que não? TODOS Por que não? DOUTOR Mas quem escreveria? EMPRESÁRIO Gastão Tojeiro. ENSAIDOR Oduvaldo Vianna. ESSE MENINO Armando Gonzaga. EMPRESÁRIO Renato Vianna. ENSAIADOR Viriato Correia. DOUTOR Não, não. Sabem, eu gostaria de um autor novo,

desconhecido.Precisamos de gente nova. E depois gosto de lançá-los, de levá-los à Glória!

PONTO Posso sugerir? DOUTOR Por favor. PONTO Há um rapazinho magrinho, que veio do sul. DOUTOR E ele é bom?

59

PONTO É jornalista, tem estilo. Dizem que é excelente. DOUTOR Quem é ele? PONTO Abadie Faria Rosa. DOUTOR Está decidido: tragam o homem! (NUNES, 1988, p.28)

Todos os nomes mencionados no fragmento acima fazem parte da história teatral.

Gastão Tojeiro escreveu mais de cem textos, todos de sucesso junto ao público. Oduvaldo

Vianna, figura de destaque entre os comediógrafos pós-guerra e um dos fundadores da

Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), se uniu a Viriato Correia no “Movimento

Trianon”; Viriato escreveu comédias ligadas a assuntos brasileiros, foi membro da Academia

Brasileira de Letras. O dramaturgo Abadie Faria Rosa, aparece no drama como a personagem

que escreve a peça-dentro-da-peça, intitulada Entrou de Caixeiro e saiu de sócio. A autora se

apropria do texto original de Abadie, assim como a própria personagem, que é descrita

abaixo, conforme o diálogo das personagens. Mais uma vez, pode-se confirmar a visão

comercial que se tinha na época e como os autores eram contratados, sendo obrigados a

escrever uma peça encomendada em pouquíssimo tempo, para um público específico e para

atores já contratados pelas companhias.

O próprio texto dramático de Nunes representa aspectos da história do teatro

brasileiro, inclusive com a apropriação de textos e personagens dessa história. Considerando

que a literatura e a história obtêm suas forças a partir da verossimilhança, como afirma

Hutcheon (1991, p.141) em Poética do pós-modernismo, e que as duas formas de escrita são

identificadas como construtos lingüísticos fortemente marcados pela presença da

intertextualidade, e estando o texto de Anamaria Nunes repleto de fatos históricos e

intertextuais, podemos unir o que Hutcheon (1991, p.136) afirma a respeito de que o literário

e o historiográfico estão sempre unidos na ficção pós-moderna e afirmar mais uma vez que

essa peça possui uma identidade pós-moderna. Outro fragmento ilustra esta intertexualidade:

60

DOUTOR Está bem. Reprisamos a última peça que dei no Pathé. EMPRESÁRIO Isso não vai dar em nada. Está muito vista. Quem é que vai

querer ver “O Genro de muitas sogras”? (NUNES, 1987, p.27).

A autora cita o texto de Arthur Azevedo, um dos grandes comediógrafos do nosso

teatro. Mais adiante, menciona outros textos por meio do diálogo entre o primeiro ator da

companhia, o Empresário, o Contra-regras e o Ensaiador, todos tentando escolher um novo

texto para ser apresentado no Teatro Trianon:

EMPRESÁRIO Que tal “Felisberto Café”? ESSE MENINO “O Simpático Jeremias”? ENSAIADOR “Juriti”? DOUTOR Não. Estão muito vistas. EMPRESÁRIO “Não me Conte Esse Pedaço”? ESSE MENINO “ O Bernardo Derrapou”? ENSAIADOR “O Elegante Doutorzinho”? DOUTOR Não, não e não. EMPRESÁRIO “Essa Terra”? ESSE MENINO “Manhãs de Sol”? EMPRESÁRIO “Onde Canta o Sabiá”? [...] ENSAIADOR “Dança o pai, as Filhas Dançam”? ESSE MENINO “Gigolô”, “Sangue Azul”? DOUTOR Não, não, não e....não. EMPRESÁRIO “As Fãs de George Walsh”? ENSAIDOR “Sai da Porta, Deolinda”? ESSE MENINO “Cala a Boca, Etelvina”? DOUTOR “Cala a Boca, Etelvina”! Pois sim! Onde está Belmira de

Almeida? No Carlos Gomes. A Iracema de Alencar? No Félix. Lucília Peres? Em São Paulo. Abigail Maia, Elza Gomes, Alda Garrido? Onde está Max, meu Deus? E Palmira Bastos, hein? Cadê Aimée, a Picante? Ora, não vêem que sem elas não temos o mesmo sucesso de ontem?

(NUNES, 1988, p. 28).

A maioria desses textos foi representada no Teatro Trianon, com grande sucesso.

Dentre eles, podem-se destacar Manhãs de Sol, de Oduvaldo Vianna, Juriti, de Viriato

Correia, Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojeiro.

Esses intertextos paródicos contêm traços históricos e literários e, neste sentido, a

afirmação de Hutcheon de que a “intertextualidade pós-moderna é uma manifestação formal de um

desejo de reduzir a distância entre o passado e o presente do leitor e também de um desejo de

reescrever o passado dentro de um novo contexto (HUTCHEON, 1991, p.157)”, clareia a intenção

da autora ao escrever a peça.

61

O termo “Intertextualidade”, usado pela primeira vez por Kristeva (1974), está

baseado na noção que Bakhtin introduziu na teoria literária de que todo texto se constrói como

mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de um outro texto. Nas palavras

de Fiorin, a intertextualidade é qualquer referência ao Outro, tomado como posição

discursiva: paródias, estilizações, citações, repetições de modelos, de situações narrativas etc.

(FIORIN, in: BRAIT, 2006, p.163). E ele ainda destaca a importância de reconhecer a

diferença entre intertextualidade (cruzamento de textos, compreendidos em sua materialidade)

e interdiscursividade (cruzamento entre posições de sentido diversas e que pode ocorrer no

interior de um único texto), termo este que veio substituir o termo “intersubjetividade”. A este

respeito, Kristeva (1974, p. 64) diz: “Em lugar de noção de intersubjetividade, instala-se a de

intertextualidade e a linguagem poética lê-se pelo menos como dupla”.

A esse respeito, outro elemento é preponderante. A ocorrência do des-centramento do

sujeito, que está atrelada à refutação dos discursos e procedimentos hegemônicos, gera, por

intermédio da intertextualidade, a dissolução do sujeito como “autor” do discurso. O leitor

tem a impressão de que se encontra diante de muitos enunciadores dificilmente identificáveis

e de que o texto de superfície parece não ter autoria definida. Esta é a perspectiva lúdica que

integra a visão pós-moderna de mundo, pautada na valorização do simulacro, isto é, na

confusão entre ilusão e realidade. A mesma ludicidade transparece no trabalho cênico de

Geração Trianon: qual o palco? Qual a coxia? Qual a platéia? Quem é o ator? E o

personagem. Tudo se confunde para o espectador/leitor, que é colocado, sem mediação

nenhuma, no interior do processo de preparação do espetáculo. Aliás, está-se diante da

“boneca russa”, típica dos procedimentos barrocos: um texto dentro do outro, um palco do

outro, uma platéia no interior da outra...

Ainda quanto à auto-reflexividade, pode-se ver como a personagem “Ponto” (ou

Almeidinha) opera como instrumento de representação tanto da precariedade dos bastidores

62

do teatro do começo do século XX quanto, implicitamente, da evolução verificada desde

então em relação a determinadas convenções teatrais. Essa personagem enfatiza o quanto era

importante a sua presença no espetáculo - os atores não decoravam seus textos, e sem o ponto

o espetáculo não acontecia enquanto que, atualmente, seria extremamente cômico e

inaceitável um ponto declamando todo o texto e os atores repetindo suas falas no ato da

interpretação. Os atores eram tratados e considerados como verdadeiras “estrelas”, bem

diferente de nossa atual realidade, em que o requisito básico para um ator é estudar

profundamente seu texto para concorrer com centenas de outros atores por uma única

personagem, reflexo do crescimento populacional, e da competitividade do mercado de

trabalho atual.

Um episódio do texto de Nunes ilustra alguns dos graves ruídos de comunicação

decorrentes da dependência do “Ponto” pelos atores. Trata-se da cena inicial do espetáculo, no

palco do Teatro Trianon, onde a companhia estaria representando A Ceia dos Cardeais. O

espetáculo acaba, os atores se dispersam e o ator principal reclama ao Empresário sobre o

Ponto, que teria cometido um desrespeito a ele, dizendo que deveria “estudar o texto” e não

pedi-lo ao ponto. O mal-entendido se resolve, mas as vaidades já haviam sido feridas...Como

se pode observar pela leitura do texto:

ESSE MENINO Francamente, seu Almeidinha. EMPRESÁRIO Dizer ao doutor que estudasse o texto! PONTO Eu ? DOUTOR O senhor, sim. Quem mais? Pedi-lhe a fala... e o que o senhor

me respondeu ? Estudasse! PONTO Não foi assim, Doutor. DOUTOR Ousa chamar-me de mentiroso? PONTO Não. Digo que o Doutor se engana. O que disse foi: isto dá-se! DOUTOR Pois então! ESSE MENINO Ainda repete! PONTO (Explicando) Isto se dá... ENSAIADOR Creio ter ouvido "estudasse", seu Almeidinha! PONTO Isto dá - hífen - se. Freqüentemente isto se dá! DOUTOR Ah, bem... (NUNES, 1988, p.26)

63

Este diálogo permite imaginar quantos erros e mal-entendidos ocorriam com a

presença do ponto dentro do espetáculo. Outra cena interessante dos ensaios que também

explica a função do ponto nos teatros está transcrita abaixo:

APRIGIO Infelizmente, não. Conheço esta criança desde o dia em que... desde o dia em que nasci! Em que nasceste ? Em que nascemos?

ENSAIADOR Obrigado, seu Aprígio, mas não temos mais tempo. O senhor fará esta cortina na semana que vem.

APRIGIO Então não entro em cena ? ENSAIADOR Está visto que não. O senhor não sabe as falas. APRIGIO Mas temos o ponto. ENSAIADOR O ponto, ponta. Não interpreta. (NUNES, 1988, p.32)

O leitor ou platéia verifica a importância do “Ponto” por meio de um olhar crítico

provocado pela metalinguagem: o teatro se referindo à práxis teatral. Essa cena mais uma vez

relembra que os autores não estudavam seus papéis e confiavam no desempenho deste

“ponto” de apoio. Em seguida, o Ensaiador faz com que a personagem Aprigio reflita a

respeito da função do “Ponto”, que é a de ler o texto, não de interpretá-lo. Esta é a função do

ator, e, para isso, é preciso talento, o que Aprigio não tem. Além disso, não memorizou seu

texto.

A personagem Avisador seria o que se conhece como contra-regras, uma espécie de

ajudante dentro dos bastidores do teatro. Sua função só é identificada durante os diálogos e

nas rubricas, como se pode perceber pelo exemplo abaixo

(Entra ESSE MENINO, o avisador.) ESSE MENINO A crítica do “Meto-lhe o pau”. EMPRESÁRIO Meteu-nos? ESSE MENINO De uma vez só. (NUNES, 1988, p. 25)

Essa personagem é sempre chamada pelo apelido de “Esse Menino”, o que deixa claro

que se trata de alguém jovem, aparentemente um menino ou um jovem rapaz, encarregado de

diversos trabalhos dentro da produção do espetáculo.

64

Quanto ao Ensaiador, figura importante do teatro brasileiro entre o final do século XIX

e as três primeiras décadas do século XX, o Dicionário do Teatro Brasileiro identifica-o à

figura do diretor, que passou a ganhar importância a partir da década de 40. A ele competia

indicar a posição dos atores no palco, ou seja, fazer a “marcação dos papéis”, arrumar os

móveis e os objetos na cena e até mesmo opinar sobre os figurinos dos atores (GUINSBURG,

2006, p.128-9)

O lado materialista de uma sociedade preocupada em fazer dinheiro está representado

na figura do Empresário. Logo no início da peça, a autora descreve a visão comercial do

teatro da época, a preocupação da produção em atrair público, pois as peças eram produzidas

semanalmente - apesar de a profissão de artista ainda não ter sido reconhecida, as companhias

teatrais sobreviviam dessa arte. Inclusive os autores eram obrigados a escrever em

pouquíssimo tempo e, especialmente, para um público que freqüentava os teatros

semanalmente. Veja-se como isso está representado no texto de Nunes (1988, p. 25):

EMPRESÁRIO 102, 103, 104, 105, 106! 106 pessoas! Que prejuízo, meu Deus! ENSAIADOR Não consigo entender, a peça é boa, está bem ensaiada. EMPRESÁRIO É um fiasco! (Ouvem-se soluços na platéia) ENSAIADOR Ouve ? A platéia parece gostar... EMPRESÁRIO Chama meia dúzia de gatos pingados de platéia? ENSAIADOR Quem sabe ? Amanhã o público vem! EMPRESÁRIO Não adianta ficarmos como baratas anunciando chuva...é um

fracasso! ENSAIADOR Mas pode vir a ser um sucesso! EMPRESÁRIO Para o senhor, que é o ensaiador e, infelizmente, não paga

ingresso! ENSAIADOR Esperemos a crítica!

Como se vê, o Ensaiador continua querendo fazer um teatro de qualidade, com bons

atores, mas essa é uma tarefa difícil de ser cumprida, já que a visão e o objetivo do

Empresário são bem diferentes. Trata-se de uma característica social que não se diferencia

muito da atual. A classe teatral quer produzir espetáculos de qualidade, porém os

patrocinadores não estão preocupados com a arte, e sim com os lucros que essa arte pode

65

render. Com isso, fica cada vez mais difícil para um ator ou diretor desconhecido produzir seu

espetáculo.

Devido a essas condições do teatro da época, não era dispensável a figura dos maus

atores, como Aprigio, o que era incompreensível aos olhos do Ensaiador. Segue o diálogo

entre ele e Aprigio:

ENSAIADOR O senhor quer estar em cena ? APRIGIO Se quero. ENSAIADOR Pois então o senhor entrará. E apenas uma rábula. APRIGIO Uma o quê ? ENSAIADOR Uma rábula. Uma ponta, seu Aprígio. APRIGIO Tenho alguma fala ? ENSAIADOR Tem..." o seu jornal, doutor." APRIGIO Só isso ? ENSAIADOR E dê-se por satisfeito. E trate de ensaiar para não esquecer a

fala. O senhor entra pela direita alta, entrega o jornal e sai. (NUNES, 1988, p.34)

Também neste caso, a personagem é identificada por meio da metonímia. “Meto-lhe o

pau” é, na verdade, uma representação por contigüidade do principal atributo dos críticos em

geral, que habitualmente preferem denegrir a obra e o seu criador. Leia-se o fragmento:

EMPRESÁRIO Isso acaba mal, olá se acaba! Espera, qual foi o crítico que cá esteve ontem à noite ?

ENSAIADOR Foi o "Meto-lhe o Pau". EMPRESÁRIO Esse é novo! ENSAIADOR Mas é crítico de prestígio, todo mundo lê. EMPRESÁRIO E por que esse apelido tão desairoso ? ENSAIADOR Conta-se que, numa dada ocasião, uma atriz tipo ingênua, após

dar a sessão, perguntou-lhe: Então gostou ? Ao que ele teria respondido: Senhorita, das duas uma: ou meto-lhe o pau ou meto-lhe o pau!

(NUNES, 1988, p.25)

Em seguida, o Ensaiador comenta sobre a crítica, revelando a importância do discurso

de um conhecedor da área, que, provavelmente, elevaria ou diminuiria o público, conforme o

teor da crítica publicada:

ESSE MENINO (à parte) "Quando a crítica é boa é opinião de todo mundo; quando é má, é a opinião de um imbecil!"

[...] ENSAIADOR (Lendo) Em meio a tal catástrofe teatral se salva a apresentação

do Doutor, que nos deu um Cardeal Gonzaga exemplar! EMPRESÁRIO Ao menos isso... Enquanto o pau vai e vem, descansam as

costas! (NUNES, 1988, p.25)

66

Também a figura do crítico famoso e sua crítica parecem bem significativas, não só

pelo tom irônico do episódio, mas também por se referirem a atuação do “Doutor” na peça

Ceia dos Cardeais. A personagem “Doutor” foi inspirada no grande ator Procópio Ferreira,

assim como no Leopoldo Froes e no Jayme Costa, que conquistaram grande sucesso na época.

Alguns momentos de “metateatralidade” contribuem para tornar caricatas as

dificuldades na relação com os atores. Como no fragmento abaixo:

ENSAIADOR (EM OFF) Elenco no palco! Elenco do entreato no palco! Ensaio do entreato!

ENSAIADOR Por favor, seu Osvaldinho, imprima mais emoção à fala! Teatro é inflexão e mais nada!

OSVALDO Professor, busco apenas a inflexão da fala! ENSAIADOR Pois então, ache-a. [....] MOTA Miserável! Infame! Não sei onde estou que não que não te

esbofeteio! ENSAIADOR Não sabe onde está realmente! MOTA No Trianon! ENSAIADOR Olhe sua posição em cena! [...] (NUNES, 1988, p.30):

A metalinguagem aproxima a platéia da técnica teatral e, ao mesmo tempo, a distancia

da estória, pois o público tem uma visão crítica do que está havendo por trás de falas e

entonações dos atores. Isso fica evidente quando a platéia assiste aos ensaios do teatro e a uma

interrupção do Ensaiador, que pergunta se o ator Mota sabe onde está, ele responde que está

no Teatro Trianon; e em seguida recebe as instruções de marcação de cena, mas, neste caso, a

repetição do ensaio não se torna cansativa, mas sim cômica - a dramaticidade da cena é

quebrada pelos erros de representação dos atores.

Muitos outros erros de encenação são representados por meio da comicidade. Fato

interessante acontece quando seu Mota acredita tanto na representação que quase estrangula a

atriz durante o ensaio (NUNES, 1988, p.31).

MOTA Traidora! ENSAIADOR Vira! Avança! MOTA (Avançando sobre ela.) Eu vou matá- la! Matá-la! (O Mota

estrangula Julinha. O elenco percebe. Todos correm para

67

separá-los. Com dificuldade tiram o Mota de cima de Julinha).

MOTA O que fiz, meu Deus? JULINHA O seu Mota podia ser mais gentil! Quase bato o 31! Que

espiga! ENSAIADOR Menos realismo, seu Mota! TODOS Que horror! (NUNES, 1988, p.31)

Em seguida, novamente a intertextualidade está presente: ao ler o diálogo entre o

Avisador e o Autor da peça-dentro-da-peça, aprende-se um pouco sobre a história do teatro:

ESSE MENINO Seu Abadie! AUTOR Que é? ESSE MENINO O texto! AUTOR Até você, estrupício! ESSE MENINO Se o senhor quiser fazer parte da companhia, tem que ser mais

ligeiro, como o Gastão... AUTOR Gastão? ESSE MENINO O Tojeiro. Escreve com as mãos nas costas. É nosso autor

favorito e deu-nos grandes sucessos. AUTOR E por que não o chamaram? ESSE MENINO Queríamos um autor novo, desconhecido. É que gostamos de

lançá-los, de levá-los à glória. AUTOR (à parte) E essa agora? (NUNES, 1988, p. 32).

Quanto às personagens femininas, são atrizes que fizeram sucesso na época: Belmira

de Almeida, que veio ao Brasil por volta de 1910 e fez tanto sucesso no teatro que

permaneceu aqui e chegou a participar de diversos filmes no Cinema Brasileiro. Outra atriz

portuguesa é Palmira Bastos, atriz da Companhia Portuguesa de Comédia, que fez sucesso em

apresentação no Palácio Teatro e a quem se refere como “estrela” e “querida”, prova de seu

sucesso e do carinho do público em geral. Com Elza Gomes também não foi diferente.

Portuguesa, filha de atores veio para o Brasil ainda criança; começou a atuar aos 13 anos de

idade e conquistou uma carreira de quase 70 anos no teatro de revista.

Todos estes dados históricos levam a repensar a questão da metaficção historiográfica

ou, em outras palavras, do metateatro historiográfico. Como foi mostrado anteriormente, a

autora se apropria de acontecimentos históricos, amalgamando a ficção e a história, em um

processo de distanciamento e promovendo uma crítica aos discursos do passado por meio de

68

ironia e paródia. Em síntese, o texto está sempre recordando, valorizando, fornecendo os

dados históricos em forma de citações espontâneas inseridas nos diálogos entre as

personagens.

Por trás das réplicas das personagens, está o autor, que dirige um discurso destinado ao

público, ou ao leitor, a quem cabe desvendar o sentido de todo esse discurso histórico. Se o

teatro foi criado para “instruir e divertir”, como defende Ryngaert (1996), acredita-se ter sido

esse o intuito da autora de Geração Trianon. Ao ler ou assistir ao espetáculo, constata-se que

o recurso cômico causa o efeito esperado. Levando-se em conta a disposição do diálogo e sua

tessitura lexical, verifica-se que as réplicas foram produzidas tal como se fala (ou como se

falava na época), de modo coloquial, dando um ar de naturalidade à interpretação do ator.

Mostra, ao mesmo tempo, a “artificialidade” da interpretação teatral da época. Ryngaert

afirma ainda que “um bom texto de teatro é um formidável potencial de representação. Esse

potencial existe independentemente da representação e antes dela.” (1996) A qualidade da

tessitura lexical, o modo como os diálogos estão dispostos nos reafirmam que se trata de uma

obra de fácil leitura, e raiz de uma grande comédia, ou seja, um “prato cheio” para diretores,

atores e é claro o público, todos são partes integrantes para a existência do Teatro.

Como se viu, a maioria das personagens está identificada pela função que

desempenham – como se também elas fossem personagens (máscaras) de uma outra peça:

aquela a que a pessoa, leitores/espectadores, estaria assistindo. E tais papéis correspondem à

figurativização caricata da realidade teatral do “velho teatro brasileiro” (aquele que precede a

encenação de Vestido de Noiva, em 1943).

A autora pesquisou fatos e acontecimentos da história do teatro brasileiro entre as

décadas de 20 e 30, respeitando as regras da verossimilhança e criando uma cumplicidade

entre ficção e realidade. Como dramaturga contemporânea atenta à revisão da história, das

convenções e do discurso teatral, seu texto pauta-se pelas palavras de Hutcheon (1991, p.62):

69

“as interrogações e as contradições daquilo que quero chamar de pós-moderno começam com

o relacionamento entre a arte do presente e a do passado, e entre a cultura do presente e a

história do passado”.

De maneira cômica, o texto mostra, acima de tudo, “o que era o teatro” e a

importância de cada membro para a construção do espetáculo. O que faz ao relembrar o

passado é homenagear essa arte, reafirmar a cultura brasileira, valorizar o desenvolvimento e

a evolução pelos quais o teatro brasileiro tem passado nas últimas décadas. Ao ler esse texto,

acredita-se em um teatro puro e repleto de falhas e improvisações que sempre fizeram parte

do “fazer teatral”. Essa paródia do teatro reflete clara e ironicamente, o que acontecia no

passado. Toda essa descrição do teatro das décadas de 20 e 30 foi, provavelmente, extraída de

dados históricos e outros documentos que registram esses acontecimentos. Trata-se, então, de

um teatro historiográfico auto-reflexivo, pois, em todo o texto, a linguagem-objeto é o próprio

teatro, o que caracteriza sua identidade pós-moderna.

Os fatos são abordados de uma forma criativa, com a suposta intenção de rever e

ressacralizar o teatro, valorizar a classe artística e, por meio de uma visão distanciada, fazer

uma releitura do passado por meio da comicidade. Levantando os aspectos cômicos, seriam

evidenciadas também as diferenças em relação ao teatro contemporâneo.

Na verdade, no Pós-Modernismo, por conta da valorização das diferenças, dos

contrastes, os gêneros cômicos reaparecem com força total na contemporaneidade. Se, para

Ryngaert (1996, p. 15), o teatro necessita “instruir e divertir”, Geração Trianon cumpre muito

bem esse papel – e o faz pelo riso da comédia. Sua comicidade revela o lado grotesco da

interpretação e da criação teatral dos anos 20 e 30.

A este respeito também se pode fazer referência ao estudo de Bakhtin sobre os gêneros

sério-cômicos examinados em Problemas da Poética de Dostoievski, os quais contribuem

para promover a justaposição da visão oficial, institucionalizada de mundo a uma outra,

70

rebaixada, que seria o “avesso” da anterior, e que levaria à revisão das normas estabelecidas e

dos padrões de avaliação sacralizados pela ordem vigente.

Este recurso que Bakhtin (1997) denomina de carnavalização está fundamentalmente

presente em Geração Trianon. Por seu intermédio, opera-se uma revisão no conceito do

gênero dramático: no texto de Nunes fundem-se a comédia e o drama, na forma subvertida do

dramalhão, tal como se vê nas cortinas trágicas, na peça Entrou de Caixeiro e saiu de sócio,

em que o motivo dramático da traição é transformado em motivo cômico, e na “peça-base”,

Geração Trianon, em que os bastidores – o teatro enquanto arte – são submetidos ao ridículo

por meio do Grotesco.

Benjamin (1975, p.31) afirma que a massa é a matriz atual de todo um conjunto de

novas atitudes com relação à arte. E essa mesma massa é aquela que procura diversão. As

idéias de Hutcheon (1991, p. 71) a esse respeito vão no mesmo sentido; a autora diz que o fato

de o pós-modernismo não ocultar seu relacionamento com a sociedade de consumo e ainda

explorá-lo é um aspecto positivo, pois o relacionamento com a cultura de massa é de

envolvimento e crítica, e uma das contradições do pós-modernismo é justamente a união

híbrida entre acadêmico e popular, elitista e acessível.

O desenho do texto/espetáculo de Nunes é o protótipo do teatro pós-moderno, à

maneira de Artaud, em que o que está em foco é o processo e não e a peça como um produto

acabado; a peça é, então, “uma organização de experiências teatrais” em que todos os

integrantes estão em sintonia e nenhum deles se situa com passividade perante a construção

do espetáculo. Proença Filho (1988, p. 41) fala da “vivência de uma presentação que a todos

mobiliza”. O mesmo autor acrescenta: “Já não se trata, portanto, de montar um espetáculo que

pessoas preparam e oferecem ao espectador; não se caracteriza mais o conhecido produto

teatral” (PROENÇA FILHO, 1988, p. 41).

71

O que Esslin (1978, p. 37) afirma a respeito do drama é fundamental para

compreensão do teatro pós-moderno:

O drama é a mais social de todas as formas de arte. Ele é, por sua própria natureza, uma criação coletiva; o dramaturgo, os atores, o cenógrafo, o figurinista, o encarregado dos acessórios de cena, o iluminador, o eletricista e assim por diante, todos fazem sua contribuição, do mesmo modo que também o faz a platéia, por sua simples presença. A parte literária do drama, o texto, é fixo, uma entidade permanente, porém cada representação de cada produção daquele mesmo texto é uma coisa diferente, porque os atores reagem de forma diferente a públicos que diferem entre si, bem como, é claro, a seus próprios estados interiores.

Essa citação de Esslin confirma o que já foi dito anteriormente: a importância do

trabalho em equipe, a maneira como se desenvolve uma produção teatral, envolvendo

diferentes pessoas com diferentes papéis dentro da companhia. O mesmo autor ainda relembra

a função social do teatro levantando um tema, divulgando alguma polêmica ou, simplesmente,

fazendo o público pensar. E vai mais longe quando afirma que uma sociedade experimenta e

reafirma sua identidade mediante o teatro, dado como acontecimento político. Neste caso ele

generaliza o drama como uma identidade da vida humana, que “ou reafirma ou solapa o

código de conduta de uma sociedade dada” (ESSLIN, 1978 p.32).

A função do público é essencial, pois sem ele não há teatro. Alguns encenadores até

preferem colocar atores na primeira fileira, representando a platéia da época, tudo para

enfatizar a importância do público. É também importante chamar atenção para a questão do

feedback, que é diferente a cada representação, conforme os diferentes públicos e

representações da mesma peça. No texto teatral isso não ocorre, pois ele é uma entidade fixa,

não muda. No entanto é ele quem produz a estória representada pelos atores, que são

ensaiados e produzidos por uma equipe que não aparece diante da platéia, mas que trabalha

arduamente.

A linguagem de Geração Trianon traz algumas marcas temporais mais específicas. E,

ao mesmo tempo, são casos genuínos.de metalinguagem. Por exemplo, palavras como

“rábula” e “borderô” são utilizadas e, no próprio enunciado, já os falantes introduzem o

72

sentido dos dois termos. Este é o tipo de aproximação técnica que a metalinguagem traz

consigo, aproximando a platéia do vocabulário utilizado na classe teatral. Adiante o Avisador

também explica outro termo específico da área teatral: “bexigada” ou “caco” (NUNES, 1988,

p. 34)

ESSE MENINO Pois então aproveite. Nunca ouviu falar em bexigada ? APRIGIO Bexigada ? ESSE MENINO Caco! É o texto que os atores acrescentam às falas. Juro que

muitas vezes é melhor que o texto original. Tem autores que se alimentam de cacos. Ah, pode-se criar grandes papéis. Eu vi um figurante transformar uma rabulazinha num 2º papel!

APRIGIO Nossa! ESSE MENINO Então? APRIGIO Não sei. ESSE MENINO Quando ele lhe der a moeda... APRIGIO Eu lhe digo... eu lhe digo... eu lhe digo: perdão, doutor, mas

não sou mendigo!

A história do teatro brasileiro comprova que os atores realmente criavam cacos, mas

isso nem sempre os beneficiava. E, muitas vezes, tal fato acontecia por não se lembrarem dos

textos.

Mesmo assim, os atores principais eram tratados como verdadeiras estrelas, tinham o

respeito da companhia. Todos se mostram preocupados com o atraso do Doutor e, assim que

ele entra em cena os próprios atores, junto com a companhia inteira, o aplaudem e dizem

“Boas, tardes, doutor”. Todos demonstram preocupação com o Doutor e logo se preparam

para informá-lo dos últimos acontecimentos, suas dúvidas e dificuldades são questionadas ao

ator principal da companhia.

Em outra cena, conseguimos assistir a tudo que acontecia nos bastidores; num discurso

metalinguístico das personagens, o estrelismo dos atores é desvendado, assim como a

importância dos entreatos e das cortinas que eram apresentadas tradicionalmente na época.

ENSAIADOR O seu Osvaldinho não faz o entreato. DOUTOR Posso saber por que, seu Osvaldinho ? OSVALDO Pode. Somos, dona Julinha e eu, do elenco nobre da

companhia, não somos atores de entreato! DOUTOR Disso sei eu, seu Osvaldinho. Contudo, o senhor há de

compreender que depois do fracasso da semana passada... bem,

73

a companhia não podia arcar com mais despesa de contratação de elenco... estávamos então num impasse: ou não fazíamos o entreato, as cortinas, o que já é uma tradição, ou então usávamos o seu talento e o de dona Julinha pra abrilhantar a nossa noite de estréia.

OSVALDO Sendo assim... DOUTOR Fica em suas mãos, seu Osvaldinho. OSVALDO Bem, se é de tradição, eu faço. TODOS Viva! (NUNES, 1987, p.38)

Com o fim do primeiro ato, inicia-se a peça-dentro-da-peça, a presença da

intertextualidade torna-se ainda mais marcante, a autora novamente transgride os códigos de

representação quando escreve em rubrica que a platéia do teatro se transforma na platéia do

Trianon.

No intervalo da peça aparece a personagem Simpático Jeremias apresentando o

espetáculo que será exibido. Segundo a própria autora, o texto foi arranjado pelo ator Ísio

Ghelman a partir das falas da personagem "O Simpático Jeremias", da peça homônima de

Gastão Tojeiro. A peça-dentro-da-peça é Entrou de Caixeiro e saiu de sócio, de autoria de

Abadie Faria Rosa e, como se nota, constitui uma apropriação da literatura dramática da

época.

O entreato foi criado pela autora a partir de suas pesquisas da história do teatro, a

Cortina Trágica número um é comicidade pura, não só pela interpretação que se fazia na

época como nos imprevistos que aconteciam e o modo com o que os atores lidavam com isso.

O primeiro seria do revólver que não funciona na hora certa e o ator improvisa um discurso

para justificar sua morte sem tiro, e ainda faz um comercial de sua própria sapataria.

MOTA Morra, traidor! (Atira de novo e de novo o tiro falha. É quando, desesperado, Mota chuta Osvaldo com violência.)

OSVALDO Miserável, tua bota arrancou-me a vida porque estava envenenada!

MOTA É uma bota da Sapataria Mota! Canalha! (NUNES, 1978, p.42).

Algo parecido acontece na Cortina Trágica numero dois, a arma não funciona, mas o

ator usa um punhal, em seguida entra a atriz com o texto decorado em grande estilo dizendo

74

“Que tiro foi esse, meu Deus?”. Cenas do mesmo tipo acontecem em todas as seis Cortinas

Trágicas, as armas não funcionam, os atores esquecem e improvisam seus textos e assim por

diante.

Numa volta não nostálgica ao teatro Trianon, a autora utiliza a ironia como sua

principal estratégia retórica durante toda a paródia. Trata-se de uma apropriação paródica e

dialógica do passado, que pressupõe que o leitor a descodifique, reconheça o texto parodiado

assim como seus intertextos. Segundo Hutcheon (1985, p. 119), o leitor precisa ser

competente para descodificar a paródia, necessitando de uma competência lingüística, retórica

e ideológica para entender o que está implícito. Neste caso, observa-se que a produtora do

texto, ao codificar este texto, tentou, por meio dos próprios diálogos, familiarizar o leitor ou

espectador com o conjunto de códigos culturais e lingüísticos do teatro da época.

A partir dessa constatação, junto a tantas outras mencionadas anteriormente referentes

às características pós-modernas, pode-se concluir que o texto estudado neste trabalho ocupa

papel distinto dentro da dramaturgia, tendo sido escrito à luz do pós-modernismo, devido a

seus fragmentos recortados de outros textos, seus personagens reais inseridos, a ironia

presente, o exagero grotesco de alguns detalhes, e suas várias referências ao teatro brasileiro.

Nele não se podem deixar de ver as influências dessa nova tendência tão questionada e

estudada na atualidade, ainda com diferentes definições quanto a sua negação ou reafirmação

perante o modernismo.

75

5 CONCLUSÃO

A maioria das obras de Nunes é repleta de citações históricas. Por trás de seus dramas

existe um estudo histórico, marcado por um olhar crítico de quem quer relembrar e valorizar a

história do Brasil - Nesse caso em especial, a história do teatro brasileiro.

Conhecendo a história do teatro, pode-se compreender a paródia que Geração Trianon

faz do “velho teatro brasileiro”. A autora utiliza a ironia como sua principal estratégia retórica

para fazer essa paródia. Ao aplicar a ironia e apresentar o teatro da época, a autora criou uma

comédia instrutiva, diferente do “besteirol” tão conhecido na contemporaneidade.

É preciso conhecer o trabalho dos atores, dos dramaturgos, das companhias de teatro

para avaliar o processo de crescimento e de evolução do teatro nas primeiras décadas do

século XX. Conseqüentemente, através de um olhar crítico, pode-se comparar o teatro da

época com o que se conhece na atualidade.

Não obstante, a sociedade se inclui nesse processo de evolução, visto que o teatro faz

parte dela. Pois sem platéia não há teatro. Fato este que também é apresentado logo no início

da peça, quando os produtores contam o número de pessoas presentes na platéia. O que vale

ressaltar aqui não é o número de pessoas assistindo ao espetáculo, mas sim a importância de

se ter alguém para assistir à peça, para que esta se torne, de fato, “Teatro”.

Ao analisar as personagens, procurou-se compreender a sociedade da época, assim

como a vida cultural dessa sociedade. Uma época em que o teatro era a principal atração

cultural nas grandes cidades, em especial no Rio de Janeiro, onde existiam várias casas

teatrais que disputavam arduamente suas platéias.

Havia também uma necessidade de produzir vários espetáculos em curto espaço de

tempo. Em meio a uma guerra mundial, a sociedade queria se divertir, procurava um teatro

76

cômico. As comédias tinham sucesso garantido. Seus temas eram simples, sem grandes

intrigas complexas. As representações deixavam a desejar, pois não havia uma postura

profissional por parte dos atores. Estes eram considerados “estrelas”, quanto maior sua

popularidade, maior a pretensão, acabando assim por não ensaiarem seus papéis. Daí tinha-se

um teatro improvisado, cheio de falhas, onde o “Ponto” ficava perdido ao tentar impor um

texto para atores que não decoravam seus diálogos.

Esta peça revela todas as facetas do teatro que, mesmo com suas imperfeições, tentava

construir uma identidade puramente brasileira. Um teatro que queria livrar-se das influências

de companhias européias que se apresentavam aqui constantemente. Tal fato marcou a

história do teatro brasileiro pela primeira vez, após séculos de existência, o teatro cria suas

próprias raízes nacionais, exigindo, assim, que os atores, dramaturgos e diretores fossem

brasileiros.

Os textos ganharam vida ao revelar temas comuns do cotidiano vivido pelos próprios

brasileiros. Esse foi o primeiro passo para que o teatro crescesse; a partir dessa geração, o

teatro ganhou estrutura. Criaram-se escolas de arte dramática, os atores passaram a ter um

respeito maior ao seu próprio trabalho. Os dramaturgos desenvolveram textos mais

consistentes, evoluíram juntamente com as vanguardas, criando fases diferenciadas na

dramaturgia. Mais tarde ainda, o teatro rompe com todos os preconceitos e ganha o

reconhecimento profissional.

O teatro contemporâneo marca as diferenças em relação à antiga geração Trianon.

Alguns espetáculos são representados até mesmo sem texto. O número de espetáculos nas

grandes cidades aumenta a cada ano. A profissão de ator torna-se popular entre os jovens que

buscam a sonhada “fama”, iniciando suas carreiras em teatros, porém seus objetivos são

alcançar o cinema e a televisão. O número de atores disputando papéis em testes para cinema,

televisão e teatro é considerável.

77

Embora o número de peças em cartaz seja grande, a platéia atual não está habituada a

freqüentar os teatros das cidades. Embora sejam minoria, existem alguns grupos que

conseguem sobreviver do teatro, produzindo peças de qualidade, muitas influenciadas pelas

tendências pós-modernas de cenógrafos e diretores. Eles buscam o diferencial, todos querem

inovar seus repertórios.

Constata-se assim que Geração Trianon é uma paródia do teatro da época. Seus

fragmentos recortados de outros textos, suas personagens reais inseridas na obra revelam a

potencialidade dialógica da obra. A ironia, o exagero grotesco de alguns detalhes e suas

referências constantes ao teatro brasileiro são características ultramodernas. E, além disso,

pode-se destacar a constante presença da metalinguagem. A obra é toda metalingüística, o

teatro representando o teatro. As cortinas estão abertas ao público, o ensaio, a produção, as

falhas, os atores, todo o bastidor é revelado à platéia - criando dessa forma um olhar crítico da

platéia em relação ao teatro.

Geração Trianon consegue estabelecer o riso mesmo quando se trata de algo sério.

Não se pode deixar de avaliar essa característica como um gênero difícil de ser produzido

quando mesclado com acontecimentos reais.

Pode-se afirmar que essa peça é uma declaração de amor ao teatro puro, em que a

autora consegue resgatar a história do teatro dentro e por meio do próprio teatro. Além disso,

o olhar que ela lança às origens do nosso teatro, por meio da paródia e dos recursos retóricos

inerentes a ela (a ironia, a caricatura, o grotesco), promove a justaposição da antiga concepção

de Teatro à sua concepção atual, resultando numa nova concepção de Teatro, caracterizada

pelo hibridismo, pela intertextualidade e pela abertura em vez do fechamento.

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ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. São Paulo: Perspectiva, 1978.

RYNGAERT, Jean-Pierre. Introdução à Análise do Teatro. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

______. Ler o Teatro Contemporâneo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

SALOMÃO, Marici. A responsabilidade do artista. BRAVO!, São Paulo, n.47, p.128-131, ago. 2001.

______. Galpão, 20 anos nas ruas. BRAVO!, São Paulo, n.56, p.126, maio, 2002.

SIQUEIRA, José Rubens. Viver de Teatro; uma biografia de Flávio Rangel. São Paulo: Nova Alexandria, 1995.

SUBIRATS, Eduardo. Da Vanguarda ao Pós-Moderno. São Paulo: Nobel, 1986.

UBERSFELD, Anne. Semiótica Teatral. Madrid: Catedral/Universidad de Murcia, 1998.

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - ENTREVISTA COM ANAMARIA NUNES

São Paulo, 23 de janeiro de 2007

1. Você considera seu teatro moderno ou pós-moderno?

Anamaria Nunes: Antigo, muito antigo.

2. Como iniciou sua vida artística? Foi incentivada por alguém?

Anamaria Nunes: Meu pai sempre me presenteava com livros, os clássicos. Ler virou

mania desde os meus 10 anos. O Teatro surgiu na faculdade, na emergência de homenagear

Lima Barreto em seu centenário, esquecido e marginalizado como sempre... Adaptei O

Homem que Sabia Javanês. Entrou na veia. Nunca mais fiquei sem fazer Teatro.

3. Como você colhe material para desenvolver suas peças? (dados históricos) E como

foi em Geração Trianon?

Anamaria Nunes: A minha fonte inesgotável são os clássicos... O Trianon foi também uma

necessidade... O Tapa fazia o Festival de Teatro Brasileiro... Veio vindo desde Martins

Penna... Aí, na Geração Trianon empacou! Os textos eram superficiais, longos demais... Na

verdade, é uma época importante da dramaturgia nacional. Com a guerra, as companhias

estrangeiras não vinham e os nossos atores e ensaiadores foram obrigados a criar seus

próprios textos, o que enriqueceu o teatro carioca porque eles levavam pro palco o nosso

cotidiano, a nossa linguagem, as gírias... E o público se identificava! Era um sucesso depois

do outro! Três sessões por dia, seis dias por semana! No sétimo dia, não descansavam...

Ensaiavam a peça que dariam no dia seguinte... Época dos grandes astros, Leopoldo Fróes,

Procópio Ferreira... E os autores surgindo a cada dia! Infelizmente, para o que desejávamos,

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não encontramos um texto, senão o meio ato cômico do Abadie, que usei como base para a

minha peça.

4. Como você elabora suas personagens?

Anamaria Nunes: De um modo geral, estou lendo, pesquisando... O Trianon surgiu no

entreato... Estava lendo sobre artistas da época, as gafes... Escrevi todo o entreato, como foi

encenado. O Mota existiu mesmo... Era um amador paulista... A primeira pessoa que me falou

do Mota foi o Aderbal... o coração caindo no chão, ele correndo atrás... Eduardo odiou, disse

que era uma droga, que não tinha graça. Eu insisti... Disse que ele mandasse o grupo montar

pra depois dizer se tinha graça ou não... E foi um “estouro”! Depois fiz o prólogo e o 1º. Ato.

O epílogo foi um tormento... Com as personagens bem definidas, envolvi o texto do Abadie

com as sugestões dos ensaios...

5. Você se inspirou em algum ator ou atriz em especial ao criar as personagens

principais da peça?

Anamaria Nunes: O “Doutor” é uma fusão do Leopoldo Fróes com o Procópio e o Jaime

Costa, que Henri defendeu com galhardia! O “Staffa” era empresário do Leopoldo Fróes. A 1ª

atriz é um amontoado de clichês das estrelas de todas as épocas, que Susanna amarrou com

perfeição... As outras personagens, devo aos atores e atrizes que brilhavam nos improvisos...

Lembro que “Esse Menino” surgiu num domingo de manhã... O querido Arildo Figueiredo,

que faleceu em Lisboa, começou a usar a mesma marca, entregando um jornal... O Gustavo

Otoni ou o Ísio, não lembro agora, disse algo assim: “Vem cá... – Quem? - Esse menino aí!”

A “Mocinha” era a cara da Cristina Bittencourt... E a 2ª atriz, Fabiana fez lindamente! O

Aprígio... o 2º ator... Ronaldo, Daniel... E a cantora? Jacian fez milagre... E o Mota do Orã

Figueiredo? O ensaiador do Ísio... Ah, quer saber? Saudade demais... Que gente maravilhosa!

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6. Como você elabora as rubricas?

Anamaria Nunes: No Trianon, especialmente, foram em função da montagem. Eu escrevia

uma cena, Eduardo mandava o elenco improvisar, e as rubricas eram naturais. Aliás, o

Trianon não existiria se eu não tivesse no palco aquele elenco fantástico! A estrutura da peça,

de verdade, foi contribuição do Antonio Mecha... Em uma das reuniões infindáveis para saber

o que montaríamos, Mecha sugeriu um grupo de atores da época ensaiando uma peça que, no

segundo ato, seria apresentada... Descobri isso quando Susanna me deu de presente as

anotações que fazia das reuniões... E lá estava o Mecha com sua sugestão, que não foi aceita,

aliás!

7. E a estrutura dos diálogos?

Anamaria Nunes: Os meus diálogos são sempre muito curtos... Frases curtas, diretas...

8. Que visão crítica você tem dos espetáculos montados pelo Tapa em 1988, e da

montagem dirigida por Marco Antonio Braz em 2002?

9. Anamaria Nunes: Na montagem do Eduardo Wotzik, eu estava muito envolvida,

participava de todos os ensaios... As amizades, o carinho por todos... Foi tudo tão bem

arranjado que pensei que o Trianon jamais seria montado de modo tão brilhante! Vi duas

outras montagens e dormi... Eram horríveis! Em 2002, quando aquela caravela do Gianni Rato

desabou na palco, meu coração parou! Levei um susto! Marco Antonio conseguiu fazer um

Trianon mais moderno, mais crítico... Muito bem assinado... Ele se libertou das rubricas, as

personagens ganharam caras novas... Fiquei em estado de graça!

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ANEXOS

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ANEXO A - Fotos da peça Geração Trianon

Foto: cena da peça Geração Trianon (2002). Fonte: Acervo particular de Vicente Latorre

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ANEXO B – Fotos da peça Geração Trianon

Foto: cena da peça Geração Trianon (2002). Fonte: Acervo particular de Vicente Latorre

Foto: cena da peça Geração Trianon (2002). Fonte: Acervo particular de Vicente Latorre

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ANEXO C - Programa da peça Geração Trianon

Figura – Programa distribuído durante o espetáculo Geração Trianon, dirigido por Marco Antônio Braz

Fonte: Acervo de Vicente Latorre

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ANEXO D – Cartaz da peça O Tambor e o Anjo em cartaz no Teatro Arthur Azevedo

Figura - Cartaz da peça O Tambor e o Anjo em cartaz no Teatro Arthur Azevedo

Fonte: Acervo Particular de Rafael Primo

91

ANEXO E - Cartaz da peça O Tambor e o Anjo em cartaz no Teatro Alfredo Mesquita.

Figura - Cartaz da peça O Tambor e o Anjo em cartaz no Teatro Alfredo Mesquita

Fonte: Acervo particular de Rafael Primo

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ANEXO F - Jornal O Estado de São Paulo (2002)

Figura – Artigo de jornal

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo (15 de março de 2002). Cópia do Acervo particular de Rafael Primo

93

ANEXO G - Programa da peça O Tambor e o Anjo

Figura – Programa distribuido durante apresentação do espetáculo O Tambor e o Anjo, dirigido por André

Garolli e Paulo Marcos. Fonte: Acervo particular de Rafael Primo

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ANEXO H - Primeira parte do programa da peça A Era do Rádio – Saudades do Brasil, espetáculo escrito e dirigido por Anamaria Nunes em Carmo, 1999.

Figura - Primeira parte do programa da peça A Era do Rádio – Saudades do Brasil, espetáculo escrito e dirigido

por Anamaria Nunes em Carmo, 1999 Fonte: Acervo da autora

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ANEXO I - Segunda parte do programa da peça A Era do Rádio – Saudades do Brasil.

Figura - Segunda parte do programa da peça A Era do Rádio – Saudades do Brasil

Fonte: Acervo da autora

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ANEXO J - Jornal da Região (1999)/ Ingresso da apresentação na cidade de Carmo –RJ.

Figura – Nota do Jornal e cópia do ingresso

Fonte: Acervo da autora

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ANEXO K - Joranal da Região (1999)

Figura – Artigo de jornal Fonte: Acervo da autora

98

ANEXO L - Jornal Notícarmo (2000).

Figura – Artigo de jornal Fonte: Acervo da autora

99

ANEXO M - Jornal Notícias e Tendências (2000).

Figura – Artigo de Jornal Fonte: Acervo da autora

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ANEXO N - Jornal O Sol (2000).

Figura – Artigo de Jornal Fonte: Acervo da autora

101

ANEXO O - Jornal Agora (1995)

Figura – Artigo de jornal Fonte: Acervo da autora