universidade livre e colaborativa: memÓria, cultura e … · 2018. 3. 24. · regulamentou a...
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UNIVERSIDADE LIVRE E COLABORATIVA: MEMÓRIA, CULTURA E
PAISAGEM NAS ESCOLAS PÚBLICAS DE PERUS
Os desafios enfrentados pelas escolas públicas na atualidade exigem professores
implicados em refletir sobre sua prática, evitando tornarem-se meros executores das
teorias elaboradas pela universidade. Nesse sentido, destaca-se a iniciativa da
Universidade Livre e Colaborativa, que vem firmando parcerias com as escolas públicas
de Perus. O presente trabalho tem como objetivo apresentar estudos realizados em
parceria com duas escolas, tendo como objeto de estudo a memória, a cultura e a
paisagem. O artigo ―Cultura: a escola e os movimentos sociais de Perus‖ relata o
trabalho de pesquisa a respeito das lutas operárias que se travaram no bairro Perus e
como a escola se relaciona com esta memória na constituição da subjetividade docente,
identidade dos professores, estudantes e demais agentes, tornando-se importante polo de
reflexão acerca das condições vivenciadas na atualidade e historicamente conquistadas
pela comunidade e seu entorno, utilizando como referenciais teóricos Williams (1980),
Bourdieu (1992) e Bezerra (2002). O artigo ―Parceria entre a Universidade Livre e
Colaborativa e a escola no trabalho de TCA‖, relata uma experiência inovadora
realizada na EMEF Profª Philó Gonçalves dos Santos, que surgiu a partir de uma
demanda real da escola, aparecendo nas pesquisas realizadas pela ULC na unidade
escolar, e teve como resultado modificações na organização da escola, no trabalho
pedagógico e na postura dos alunos, utilizando-se dos estudos de Giovanni (2009);
Marin (2014) e Le GOFF (1996).Finalmente, o artigo ―A Paisagem como Ferramenta de
Conservação Ambiental na EMEF Profª Marili Dias‖ apresenta uma pesquisa realizada
na unidade, utilizando-se como método para o estudo da paisagem, a cartografia social
participativa, e tendo como objetivo verificar se o estudo da paisagem no âmbito da
escola pública pode contribuir para a conservação ambiental.
Palavras-Chave: Universidade, Escola, Parceria.
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PARCERIA ENTRE A UNIVERSIDADE LIVRE E COLABORATIVA E A
ESCOLA NO TRABALHO DE TCA
Íris Siqueira Bozolão – PMSP/ULC
Regina Célia Soares Bortoto – PMSP/ULC
Sirleine Brandão de Souza – PUC-SP/ULC
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar uma prática de colaboração entre a
Universidade Livre e Colaborativa - um programa de ―aprendizagem em ação‖, fruto da
partilha e da tensão promovida pelo trabalho conjunto de diferentes atores sociais – e
uma escola da Rede Pública Municipal de São Paulo – EMEF Profª Philó Gonçalves
dos Santos – situada no bairro de Perus, zona noroeste de São Paulo, destacando os
limites e as possibilidades de um trabalho conjunto no qual participaram diferentes
sujeitos – pesquisadores, professores, alunos e gestores - com o intuito de organizar
novas formas de se relacionar com o conhecimento transmitido pela escola, numa
perspectiva dialógica de construção e indagação contínua, proveniente do caráter
experimental, partilhado e processual do aprendizado como descoberta em uma
existência ativa e criativa, considerando inclusive as contradições e tensões decorrentes
desse estar junto. Pretende ainda, refletir, a partir de tal envolvimento, se a prática
pedagógica contribuiu para a produção das subjetividades relacionadas à história local,
tendo em vista a constituição de cidadãos críticos e atentos para questões que envolvem
a sua localidade e, portanto, para a construção de uma sociedade justa e fraterna. Para
tanto, foram realizados encontros com os professores e gestores da escola; discutidos
ponto referentes ao documento elaborado a partir do decreto nº 54.452/2013 que
regulamentou a Portaria 5930/13 instituiu o ―Programa Mais Educação – São Paulo, de
reorganização curricular da rede; construídas propostas de trabalho com os alunos -
Trabalho Colaborativo Autoral (TCA); desenvolvimento das propostas; apresentação e
avaliação dos resultados. Utilizou-se como fonte teórica, estudos situados na
confluência das questões acerca da memória, formação de professores, inovação,
desenvolvimento profissional e condições de trabalho. Os resultados demonstraram que
ocorreram modificações na organização da escola, no trabalho pedagógico e na postura
dos alunos.
Palavras-chave: Trabalho Colaborativo Autoral. Universidade Livre e Colaborativa.
Desenvolvimento Profissional.
INTRODUÇÃO
A partir dos anos de 1990, em Perus, bairro localizado na região noroeste da
cidade de São Paulo, coincidindo com propostas de uma educação mais
democrática para o país, o movimento pela criação de um Centro Cultural do
Trabalhador e toda ambiência vivida em relação à Fábrica de Cimento Portland
Perus e à Ferrovia Perus-Pirapora, passaram, de forma efetiva, a fazer parte do
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cotidiano de muitas escolas, considerando, então, os aspectos sociais vividos pelos
estudantes e não apenas os conteúdos curriculares propostos tradicionalmente pelo
sistema de ensino, tendo em vista a revitalização da memória popular e a
constituição de narrativas históricas a partir dos acontecimentos de Perus,
interligadas à história da constituição da cidade de São Paulo e do Brasil.
Desde a década de 1990 as escolas foram consideradas, por movimentos
sociais a favor da criação de um centro de cultura e de memória, essenciais para
desenvolver, entre os estudantes, assuntos relacionados à fábrica de cimento, à
constituição do bairro, às lutas dos movimentos organizados, contribuindo para a
construção da história e da memória, entendendo ser esta última carregada de mitos
e anacronismos, entretanto, como nos alerta Le Goff, a memória é ―essencialmente
mítica, deformada, anacrônica, mas constitui o vivido dessa relação nunca acabada
entre o passado e o presente‖. (LE GOFF, 1990, p. 29)
Hoje, não se tem dúvidas de que utilizar os acontecimentos e a cultura locais
como conteúdos escolares, produziu e continua produzindo grande envolvimento de
estudantes e professores das escolas de Perus. Entende-se que tais ações
pedagógicas em torno da história e memória contribui na constituição de uma
identidade entre os moradores do bairro, mesmo que muitos dos estudantes de
agora não tenham tido qualquer relação com as pessoas que viveram o auge de
funcionamento da fábrica.
Julga-se, entretanto, necessário refletir sobre os resultados em termos de
ensino e aprendizagem, principalmente em relação à produção das subjetividades,
ou seja, é necessário saber se a prática pedagógica com a história local contribui
para a constituição de cidadãos críticos e atentos para a construção de uma
sociedade justa e fraterna. Assim, a reflexão da ação pedagógica deve ser constante.
A Universidade Livre e Colaborativa (ULC), iniciou-se em 2011, a partir do
encontro do Núcleo de Estudos da Paisagem (NEP) do LABCIDADE (FAU/USP)
com lideranças sociais, artistas e professores no bairro de Perus, em especial a
Comunidade Cultural Quilombaque e o coletivo de educação Coruja, gerando uma
série de atividades experimentais didático-pedagógicas e de enfrentamento e busca
de soluções de questões urbanas e sociais na região. Tanto o NEP, quanto os grupos
parceiros em Perus são oriundos de experiências anteriores de articulação entre
universidade e comunidade, o que permitiu a criação de um programa de trabalho
novo, de uma abrangência maior.
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A experiência constitui-se como uma ação dialógica, não isenta de conflitos,
envolvendo protagonistas e interlocutores ligados à universidade, ao universo
técnico-profissional, à comunidade local, estudando e articulando, portanto, as
questões urbanas, culturais e ecológicas implicadas em suas diversas escalas.
A Universidade Livre e Colaborativa, desta forma, é um programa de
―aprendizagem em ação‖, fruto da partilha e da tensão promovida pelo trabalho
conjunto de diferentes atores sociais, sejam aqueles presentes no ambiente
acadêmico tradicional, sejam aqueles que detém saberes e conhecimentos oriundos
da prática e da vivência, frequentemente desprezados pela academia.
Assim, até o presente momento, a ULC se define como um trabalho
conjunto, construído coletivamente, procurando reconhecimento, enriquecimento e
transformação dos saberes e do aprendizado de todos, construindo o conhecimento
sem hierarquia entre os saberes decorrentes de titulações acadêmicas. Nesse
sentido, se faz necessário dizer que a ULC mantém uma lista de pautas prioritárias
adotadas no início da construção deste projeto, a partir da região Perus/Anhanguera,
e que acabam norteando suas ações1.
Deve-se observar ainda que tal pauta é complexa, dinâmica e não pode ser
alcançada toda ao mesmo tempo nem por um grupo apenas, ou seja, exige uma
duração longa, continuada do projeto e sua cooperação com outros coletivos e
organizações.
Os objetivos e processos da ULC estão em construção e indagação contínua,
proveniente do caráter experimental, partilhado e processual do aprendizado como
descoberta em uma existência ativa e criativa, considerando inclusive as
contradições e tensões decorrentes desse estar junto.
A ULC adota estratégias que se conjugam em várias frentes.
Direciona,também, em um programa de trabalho na região, a inclusão de
pesquisadores do NEP, de graduação, pós-graduação, bem como o oferecimento de
disciplinas colaborativas.
Por exemplo, entre 2012 e 2014, semestralmente, foram oferecidas disciplinas de
graduação e pós-graduação, com oficinas abertas à comunidade, ministradas em
Perus e organizadas conjuntamente de modo colaborativo e horizontal.
Vale ressaltar que a cada disciplina oferecida, por vezes envolvendo bem
mais de 40 integrantes entre moradores, pesquisadores de pós-graduação e alunos
de graduação, no que tange àquela disciplina, constitui-se um novo círculo de
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gestão, de modo que todas as decisões são tomadas coletivamente no processo de
realização da disciplina.
As três instâncias, ou seja, disciplina de graduação, de pós-graduação e oficina
ocorreram nos mesmos espaços, normalmente aos sábados, em diferentes locais da
Subprefeitura de Perus. Formalmente não havia — e assim se pretendia — qualquer
diferença no trato das três instâncias. Para isso, a cada caso se desenvolve processos de
trabalho em que se produza uma leitura coletiva da realidade e dos projetos e planos
previstos para a região: em alguns dos semestres, as equipes de trabalho eram mistas,
em outros, definiam-se produtos diferenciados para a graduação e a pós-graduação, mas
em todos os casos a experiência dialógica era comum entre a totalidade dos
participantes.
A diversidade promovida desde o início reflete justamente um dos desejos por
trás da construção desta experiência: a da constituição de uma cultura dialógica e plural
mais do que de um conteúdo (que também se apresenta) a ser transmitido aos
participantes. Os resultados dessas frentes contribuíram para subsidiar movimentos
sociais locais e desencadear outra frente de trabalho, ou seja, trabalhar com as escolas
públicas, além de intervenções que direcionaram vários aspectos regionais e mesmo
municipais da gestão urbana e da legislação urbanística, inclusive na criação de um
instrumento potencialmente inovador, denominado Territórios de Interesse da Cultura e
da Paisagem2.
Destaca-se entre as ações com escolas públicas, a desenvolvida na Escola
Municipal Professora Philó Gonçalves dos Santos, quando da retomada de trabalho
desenvolvido com uma professora dos primeiros anos do Ensino Fundamental com
ações de pesquisa sobre Perus com os estudantes de sua turma no ano de 2011. Depois,
em 2013, já por ocasião da presença de um grupo de participantes do Movimento pela
Reapropriação da Fábrica de Cimento convidados pela escola, os mesmos estudantes
puderam falar sobre os momentos que viveram quando ainda estavam no segundo ano e
o quanto consideravam importante a história de Perus, agora com outros entendimentos.
Atualmente, cabe enfatizar, as escolas da Rede Municipal de São Paulo passam
por reestruturação curricular3 e uma das grandes mudanças foi a de considerar que os
estudantes, durante o Ciclo Autoral, deveriam produzir pesquisas de seus interesses, ou
seja, intenta-se que os estudantes produzam conhecimento.
Neste sentido, a ULC, que não reconhece a hierarquia dos saberes e entende a
Educação como alargamento de horizontes, num contínuo processo colaborativo e
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participativo, contribuiu com o processo do Trabalho Colaborativo Autoral (TCA) na
EMEF Professora Philó Gonçalves dos Santos propondo uma abordagem para construir
conhecimento a partir dos problemas e das soluções locais.
O ENCONTRO COM A ESCOLA “PHILÓ” E O DESENVOLVIMENTO DO
TRABALHO DE PARCERIA
É corrente na literatura especializada sobre formação de professores o destaque
que se dá para a parceria entre a universidade e a escola, entre o pesquisador e o
professor, no entanto, muito pouco sobre essa parceria tem sido publicada e discutida
com vistas à ampliação da discussão referente a consolidação de conhecimentos gerados
por esta troca, tanto do ponto de vista do pesquisador quanto do professor em seu fazer
cotidiano na escola.
Nesse sentido, há uma ampla discussão que se refere ao distanciamento da
universidade - na figura do pesquisador - em relação à escola - na figura do professor -
e de sua prática gerando um discurso de distanciamento entre teoria e prática. Esse é um
discurso que faz parecer que o professor é um mero executor daquilo que o pesquisador
elabora, muitas vezes, distante da realidade.
Partindo do pressuposto de que o professor elabora conhecimento em seu fazer
cotidiano e que este conhecimento diz respeito, de alguma forma à teoria, não se pode
dicotomizar teoria e prática. E, portanto, esta é uma discussão que merece muito mais
reflexão do que simplesmente a naturalização de um fato considerado senso comum.
Nesta perspectiva, a prática que é desenvolvida pelo professor no seu fazer
cotidiano demonstra muito a teoria que a embasa e que este não é destituído de
conhecimento.
Muitas pesquisas abordam o ato reflexivo como se este fosse algo apartado do
dia a dia do professor, que na agitação da escola não consegue refletir sobre o que está
ensinando ou mesmo sobre sua prática. É verdade que como um conceito, deve ser
considerado de forma mais aprofundada, embora há que se pensar também nas
condições necessárias para que este ato de reflexão seja possível de ser realizado e isso
tem a ver com a própria organização e estruturação da escola.
De acordo com Marin (2014), falar de organização da escola é diferente de falar
em organização do trabalho pedagógico, e nesse sentido, pôde-se perceber com esta
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experiência que a mudança de uma rotina já estabelecida pelos atores que participam da
escola não é tarefa fácil, mesmo que a parceria entre a escola e a universidade sempre
fez parte das discussões desta escola, posto que seus atores entendem que esta relação
pode contribuir para que o conhecimento produzido na academia se aproxime da prática
cotidiana e que quanto mais consciência se tome a respeito, melhor a compreensão em
relação ao fazer pedagógico.
De acordo com Givanni (2009, p. 18):
Da mesma forma as discussões que vem sendo realizadas nos últimos
anos, sobre pesquisas realizadas com professores ou sobre pesquisas
realizadas no interior das escolas, também são acompanhadas de
referências sistemáticas à importância da concepção de professor
como produtor e sujeito de seu próprio conhecimento e ação, à
necessidade de reconhecimento do caráter reflexivo de que se reveste
o trabalho desse profissional e ao papel desempenhado pelas
universidades na elaboração e promoção de investigações, realizadas
em parceria com escolas dos diversos graus de ensino, que possam
reunir, ao mesmo tempo, tanto a intenção de pesquisar a realidade
escolar, quanto a intenção (e o compromisso) de intervir sobre essa
mesma realidade, modificando-a.
Dessa forma, em 2014 a Universidade Livre e Colaborativa, por intermédio da
Assistente de Direção e também integrante deste movimento, desenvolveu um trabalho
com alguns professores da escola, por entenderem que a escola tem um papel
fundamental na constituição da memória local.
Os encontros entre a ULC e a escola coincidiram com o momento em que a
Secretaria de Educação da Cidade de São Paulo apresentava a reorganização curricular
para todas as escolas da rede. Assim, ainda confusos em relação à nova organização dos
ciclos, a escola e a ULC firmaram parceria, objetivando estudar e pesquisar juntos
estratégias que pudessem auxiliar professores e alunos a entender e desenvolver o
TCA(Trabalho Colaborativo Autoral), proposta da Secretaria Municipal de Educação de
São Paulo, para o Ciclo Autoral, que compreende alunos de 7º, 8º e 9º ano.
Cabe ressaltar o fato de que alguns professores se dispuseram a participar desta
iniciativa, mesmo com todas as dificuldades encontradas por tal implementação e pelo
fato de que esta parceria não era novidade nesta escola. Pode-se apontar, por um lado e
de acordo com Giovanni, (2009, p. 30), que ―[...] a ideia de mudança para um padrão
colaborativo de trabalho, com novos hábitos profissionais [...] é sempre ameaçadora
para a maioria das pessoas‖. Embora não se tenha desenvolvido um trabalho
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colaborativo tal qual é conceituado por esta autora, vale a pena o destaque, visto que,
mudanças sempre causam certo estranhamento. E por outro, de acordo com Canário,
(2005, p.62 apud Marin 2014, p.64), que a escola, ao longo dos séculos, ―sofreu um
processo de naturalização, que lhe confere um caráter inelutável e o faz parecer como
natural‖. Torna, portanto, toda a questão organizacional da escola algo invisível e
natural, contribuindo para sua estabilidade e encobrimento de ―questões relativas ao
trabalho pedagógico envolvendo professores e alunos‖. (Marin, 2014, p. 64).
Entretanto, como já mencionado acima este encontro não se deu sem conflitos e
sem tensões. Surgem, então, os primeiros encontros entre a Universidade Livre e
Colaborativa e os professores envolvidos no projeto, que consistiu, basicamente, na
escuta das dúvidas, angústias e expectativas dos professores em relação ao TCA e à
própria parceria com a Universidade.
Nesse processo foi se construindo um tipo de relacionamento entre os
pesquisadores e desses com os saberes elaborados pelos professores participantes a
partir de sua própria experiência prática na relação estabelecida com os alunos, no
processo de elaboração do TCA, o que propiciou, além de momentos de reflexão
encorajando novas interações, gerando possibilidades dos professores assumirem novos
papéis e exibirem lideranças, também, a legitimação do conhecimento prático do
professor.
O grupo discutia formas de organização, tanto da escola quanto da ação
pedagógica para levar adiante a proposta de elaboração do TCA junto aos alunos, nesse
sentido, o que era proposto nessas reuniões era encaminhado pelos professores que
faziam parte e que estavam orientando os alunos. Dessa forma pensava-se em questões
diversas, por exemplo: como evitar que somente os estudantes que já possuem certas
habilidades escolares fossem ―valorizados‖? Como pesquisar por meio da internet?
Como estimular a pesquisa do assunto para além de uma única obra? Como a escola
trabalha a escrita do estudante? Como partilhar a escrita individual? Como juntar os
professores para pensar o TCA, o currículo escolar...? Como estimular os alunos para a
pesquisa? Como priorizar o que ensinar? Como organizar a exposição desses
resultados? Como dar continuidade a esse movimento dentro da escola? etc. Assim
como também foram organizados momentos de escuta dos alunos, que puderam falar
livremente sobre os conhecimentos que tinham sobre o TCA, o que pretendiam
pesquisar e como os assuntos de interesse deles estavam ligados à memória coletiva do
bairro e aos problemas que mais afligem a comunidade e a si próprios.
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Alguns grupos de estudantes escolheram pesquisar a história de Perus, o que
resultou em grande envolvimento na busca de informações de modo a compor uma
narrativa sobre o bairro e nesse sentido, os princípios adotados pela ULC, quais sejam:
uma ação poética e uma ação de resistência política, abarcando criatividade,
investigação, participação, compromisso social, alegria e afetividade puderam permitir
entender a educação muito além de conteúdos pré-estabelecidos e os objetivos
propostos para esta parceria apareceram nas produções realizadas pelos alunos, embora
muitos temas propostos pelos alunos já tivessem sido apontados por eles, antes mesmo
do início dessa experiência, o que pode, de certa forma, comprovar a força simbólica e
de constituição da subjetividade que a história do bairro de Perus tem sobre os atores
sociais.
Um trabalho dessa natureza se mostra importante no processo de formação do
professor na medida em que possibilita momentos de troca e atualização do potencial
didático presente nos momentos de elaboração das intervenções, da aplicação prática
daquilo que foi discutido no grupo, da devolutiva dos resultados alcançados, enfim, são
momentos muito ricos e eficazes que constituem possibilidades de mudanças daquilo
que parece estar cristalizado. Um trabalho que ―[...] se reveste das características
específicas do ato pedagógico, revelando em cada um dos seus momentos, sua intenção
de se tornar, um ato de busca de conhecimento [...]‖ (GIOVANNI, 2009, p.29).
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Cabe destacar, em primeiro lugar o olhar de uma professora que participou
ativamente do processo todo, segundo ela:
Estes encontros foram fundamentais para a compreensão de todo o
pensamento filosófico em que se pauta a nova organização proposta pela
SME e pudemos, apesar e por causa de todos os conflitos e tensões que
surgiram durante o processo, construir um plano de ação que norteou todo o
trabalho do ano de 2014 e 2015. (Profª Íris).
Ainda que as tensões tenham sido muitas e a adesão à parceria entre a ULC e a
escola não tenha sido unânime, houve um fortalecimento do grupo, que pôde orientar os
trabalhos de pesquisa dos alunos, com mais segurança e uma maior compreensão no seu
papel de mediador entre o conhecimento e o aluno.
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Para aqueles que se propõe a embarcar na ideia e participar como colaborador,
como sujeito ativo na elaboração do conhecimento e da prática, conta muito a sua
história vivida, sua experiência em outras parcerias, sua disponibilidade para ouvir o
outro, para aceitar, para refletir sobre sua prática e para modificá-la, foi assim que
aconteceu: aqueles que se sentiram à vontade nesta posição aderiram ao projeto, ao
passo que aqueles outros que possuíam uma prática mais individualizada não puderam
participar neste momento.
Em segundo lugar, tão importante quanto à adesão da equipe de professores é a
adesão da equipe gestora da escola que pode facilitar e possibilitar o ambiente e o clima
de interação necessários para incentivar a colaboração entre os diversos segmentos da
escola, elevando, dessa forma, o padrão de qualidade, de intervenções e de mudanças no
ambiente escolar. Nesta escola especificamente, mesmo com um número reduzido de
participantes o ambiente escolar se modificou drasticamente em relação a este trabalho.
Para cada participante [...] o ato de engajar-se numa investigação
colaborativa está quase sempre ligado ao desejo de aprender mais
sobre o próprio trabalho, seja construindo conceitos para orientar
ações, seja reaprendendo a estudar, seja aprendendo a ter paciência e
esperar o ―tempo do outro‖, a pôr em questão velhas certezas ou a
considerar o contexto de cada fato, situação ou dado em análise.
Trabalhar junto também é um aprendizado. Reconhecer falhas e
limitações individuais ou coletivas não é fácil. Procurar ajuda e
localizar fontes e recursos para melhoria da própria prática ou de
ações do grupo constituem movimentos que progressivamente se
acentuam. (GIOVANNI, 2009, p.33)
Em terceiro lugar, cabe destacar que o movimento de parceria entre a ULC e a
escola possibilitou uma experiência em que a escola passou a ser repensada em função
das novas necessidades de tempos e espaços, currículos, agrupamentos, ainda que não
de forma unânime, tudo isso fez com que formas novas e ousadas fossem testadas,
colocando em xeque a organização habitual da escola, embora, esta modificação não
signifique mudança estrutural, ainda assim, algumas vezes, prevalecem as formas de
―escapadas‖ da rotina burocratizante na qual todos nós, professores e alunos, estamos
submetidos.
Em quarto e último lugar ressalta-se o fato da mudança de atitude e postura dos
alunos, que passaram a ter preocupação com sua história de vida, com a história do
próprio bairro e suas relações com a cidade, com o país e com o mundo e das questões
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por eles consideradas relevantes, tais como: saúde, educação, ambiente, cultura,
patrimônio, etc.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GIOVANNI, Luciana Maria. O papel dos professores e dos pesquisadores: um desafio
no processo de pesquisa colaborativa. In: Marin, Alda Junqueira et al. (orgs.). Pesquisa
com professores no início da escolarização. Araraquara, SP: Junqueira &Marin; São
Paulo, SP: FAPESP, 2009.
LE GOFF, Jacques. História e memória. Trad. Bernardo Leitão. et al.. Campinas, SP:
Unicamp. 1990.
MARIN, Alda Junqueira. Em busca da compreensão sobre a escola. In: BUENO, José
Geraldo Silveira et al. (orgs). A escola como objeto de estudo. Escola, desigualdades,
diversidades. 1ª ed. Araraquara, SP: Junqueira&Marin, 2014.
Prefeitura da Cidade de São Paulo. Diário Oficial da cidade de São Paulo,
30/06/2014, LEI 16.050/2014 - Seção II -Dos Territórios de Interesse da Cultura e
da Paisagem – TICP. 2014.
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. Decreto nº 54.452/2013 que
regulamentou a Portaria 5930/13 instituiu o ―Programa Mais Educação – São
Paulo. 2013.
______________________
1. 1) a proteção, restauração e uso público da Fábrica de Cimentos Portland; 2) elaboração de um plano participativo de proteção ambiental integrado com equipamentos de educação, saúde, lazer
e procurando possibilidades de geração de renda; 3) estímulo e apoio ao desenvolvimento de
incubadoras locais nesses temas, sobretudo por jovens e no formato de gestão autônoma e
coletiva; 4) desenvolvimento de uma estratégia inovadora de gestão pública local baseada na integração e na participação direta e na capacitação de moradores, administração pública e
demais órgãos descentralizados; 5) atenção a uma noção de desenvolvimento fundada em uma
perspectiva humanista que valorize as potencialidades de crescimento intelectual, sensível,
solidário, sobretudo a partir da educação e cultura, da saúde e do ambiente e da capacitação dos
diversos estratos da população para ações baseadas nessas perspectivas; 6) o desenvolvimento de
material de apoio didático e dinâmicas sobre a história de Perus e programas de curta duração de
formação na área de cultura, meio ambiente e cidade; 7) compreensão e interferência crítica e
construtiva nos processos de desenvolvimento e gestão urbana, na transformação das paisagens e
no desenvolvimento humano e cultural baseado na fruição cognitiva e sensível, solidária e
afetiva da cidade, visando a transformação de seus valores e prática 8) contribuição para ampliar
o acesso ao sentido e conteúdo de instituições culturais em outros locais da cidade em projetos
educativos visando ampliar estratégias para potencializar uma irradiação cultural e educativa em
Perus; 9) contribuição para a valorização da memória e da história vivida pela população, de seu
conhecimento e para a reflexão sobre o sentido dessas experiências na construção da cidade;
10) priorização a projetos de parceria com as escolas públicas no escopo e princípios assumidos
pela Universidade Livre e Colaborativa; 11) homologação da Terra Indígena do Jaraguá,
melhoria da qualidade de vida respeitando os valores e práticas guaranis decididos por processos
próprios da comunidade, reconhecimento de sua importância e valorização de seu potencial
cultural e educativo para a cidade; 12) colaboração na implantação do Território de Interesse da
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Cultura e da Paisagem Jaraguá Perus, aprovado no Plano Diretor em 2014, reconhecendo a
herança de lutas na região e seu patrimônio, em grande medida decorrente dos esforços da
Universidade Livre e Colaborativa na criação desse novo instrumento de gestão para o
planejamento urbano.
2. (Diário Oficial da cidade de São Paulo, 30/06/2014, LEI 16.050/2014 - Seção II -Dos Territórios
de Interesse da Cultura e da Paisagem – TICP - Art. 314. Fica instituído o Território de Interesse
da Cultura e da Paisagem, designação atribuída a áreas que concentram grande número de
espaços, atividades ou instituições culturais, assim como elementos urbanos materiais, imateriais
e de paisagem significativos para a memória e a identidade da cidade, formando pólos singulares
de atratividade social, cultural e turística de interesse para a cidadania cultural e o
desenvolvimento sustentável, cuja longevidade e vitalidade dependem de ações articuladas do
Poder Público) – inserir esta nota também.
3. O decreto nº 54.452/2013 que regulamentou a Portaria 5930/13 instituiu o ―Programa Mais
Educação – São Paulo‖, cujo conteúdo reorganizou a estrutura do Ensino Fundamental da Rede
Municipal de Ensino. Tal reestruturação constitui na criação de três ciclos para esta etapa de
ensino: Ciclo I – Alfabetização (1º, 2º e 3º anos); Ciclo II – Interdisciplinar (4º, 5º e 6º anos);
Ciclo III – Autoral 7º, 8º e 9º anos)
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A PAISAGEM COMO FERRAMENTA DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL NA
EMEF PROFª MARILI DIAS
Patrícia Ferreira e Lima [[email protected]]
Universidade de São Paulo (Mestranda do Programa de Ciência Ambiental – Procam-USP)
Avenida Professor Luciano Gualberto, 1289 - Cidade Universitária- CEP 05508-010 - Butantã -
São Paulo SP
Resumo
O novo modo de vida criado pela sociedade implica em modificações, tanto na questão
urbana, social e ambiental, descrito hoje como problemas ambientais contemporâneos.
Mas para que haja compreensão das mudanças ambientais, se faz necessário integrar as
diversas ciências, como as ciências naturais e sociais, possibilitando assim o equilíbrio
com o desenvolvimento econômico e ambiental. Partindo do pressuposto de que os
processos naturais não podem ser dissociados dos processos humanos e a importância
de incluir a população na paisagem, como atores principais e fundamentais para a
conservação ambiental e participação na gestão de seu território, pressupõem-se que o
estudo da paisagem pode servir como ferramenta de conservação ambiental. Já que
estudo da paisagem possibilita trabalhar com a sensibilidade, emoção, sentimentos e
energias as quais podem influenciar nas mudanças de comportamento. Mas para
conservar é preciso conhecer e compreender o real motivo da conservação ambiental,
mesmo com a intensificação das discussões em prol à conservação ambiental em
diferentes seguimentos como governamentais, sociedade civil, movimentos ecológicos e
programas ambientais, o caminho ainda mais legítimo e possível é pela educação, pois a
educação além de promover o desenvolvimento social, econômico e cultural apresenta
maior possiblidade de compreensão do mundo e a busca do direito à saúde e qualidade
de vida. Levando em consideração que o estudo da paisagem pode ser inserido na
educação ambiental como ferramenta conscientização ambiental, o artigo apresenta uma
pesquisa realizada na Escola Municipal de Ensino Fundamental Profª Marili Dias a qual
teve como objetivo verificar se o estudo da paisagem no âmbito da escola pública pode
contribuir para a conservação ambiental. A pesquisa utilizou como métodos para o
estudo da paisagem a cartografia social participativa; registro fotográfico; oficinas e
jogos didáticos.
Palavras-chave: conservação ambiental; percepção da paisagem; educação ambiental
Introdução
A problemática ambiental hoje é descrita como problemas ambientais
contemporâneos (Moran,2011), na qual a sociedade se apropria e explora os recursos
naturais, implicando em modificações em seu meio, provocando impacto ambiental e
alterações no meio físico e social (Giacomini Filho, 2008). Essa nova realidade
promove riscos, em especial os ambientais e tecnológicos de graves consequências, os
quais permitem entender as características, os limites e as transformações da nossa
modernidade (Jacobi, 2006), gerados por uma racionalidade econômica guiada pelo
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propósito de maximizar os lucros à curto prazo, numa ordem econômica marcada pela
desigualdade entre nações e classes sociais (Leff, 2006; Moran, 2011).
Os impactos das atividades humanas sobre os ecossistemas têm aumentado
rapidamente nos últimos decênios, provocando efeitos adversos e mudanças drásticas no
meio ambiente e no bem-estar humano (Millennium Ecosystem Assessment, 2003).
Mas para compreender os impactos causados ao meio ambiente, se faz necessário
compreender a questão social, segundo Boff 2006 ―não fomos criados para
posicionarmos sobre a natureza como dominadores, mas sim para estarmos ao seu lado
como quem convive como irmão e irmãs‖.
Compreender o ambiente e seus significados em conjunto com as relações
sociais, desenvolve a capacidade de pensar o desenvolvimento com liberdade, trazendo
à tona a sua plenitude, a importância do espaço e do território (Rodrigues, 2005). É
importante considerar que a ação humana pode ser positiva e fazer a diferença inclusive
no que diz respeito à participação popular e conservação ambiental.
Mas para conservar é preciso conhecer e compreender o motivo real da
conservação ambiental, isso nos leva a perceber que o tema conservação ambiental tem
se intensificado cada dia mais nas discussões dos governos e sociedade civil,
principalmente no momento em que se passa a maior crise hídrica dos últimos tempos,
sendo assim, um conjunto de práticas sociais voltadas para o meio ambiente se tem
instituído tanto no âmbito das legislações e dos programas de governo quanto nas
diversas iniciativas de grupos, de associações e de movimentos ecológicos. Mesmo
com diversas iniciativas em prol da conservação ambiental o caminho ainda mais
legítimo e possível é pela educação, pois a educação além de promover
desenvolvimento social, econômico e cultural apresenta maior possibilidade de
compreensão do mundo e a busca do direito à saúde e qualidade de vida.
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. “Art1º A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais”.
No âmbito da educação tem se intensificado a formação de um consenso sobre a
necessidade de problematizar a questão ambiental em todos os níveis de ensino, a partir
disso a educação ambiental (EA) vem sendo valorizada como uma ação educativa que
―deveria estar presente, de forma transversal e interdisciplinar, articulando um conjunto
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de saberes, formação de atitudes e sensibilidades ambientais‖ (Carvalho, 2008). A partir
de então foi aprovada a Política Nacional de Educação Ambiental em 1999 (Lei 9.795,
de 27 de abril de 1999), regulamentada pelo Decreto 4.281, de 25 de junho de 2002, em
que a EA é instituída como obrigatória em todos os níveis do ensino e considerada
como componente urgente e essencial da educação formal, desse modo, o ensino
fundamental tem sido objeto de políticas de capacitação do Ministério da Educação
(MEC), o qual estimulou a internalização da questão ambiental como um dos temas
transversais destacados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) tem buscado
disponibilizar materiais didáticos e capacitação de professores em educação ambiental.
A educação ambiental por ser uma ciência interdisciplinar possibilita a utilização
de diversas técnicas e métodos de conscientização e aprendizagem ambiental, esses
métodos são modificados dependendo da necessidade do momento, criando-se novas
formas de discutir determinados assuntos e de promover a aprendizagem, agregando
novas áreas de conhecimento. Sabendo que a interdisciplinaridade contribui fortemente
com a aprendizado, a presente pesquisa pressupõe que o estudo da paisagem pode
contribuir não somente para a melhor compreensão do seu território, mas também como
uma ferramenta de conservação ambiental, colocando o homem como parte integrante
da paisagem.
O estudo da paisagem possibilita trabalhar com a sensibilidade, emoção,
sentimentos e energias as quais podem influenciar nas mudanças de comportamento,
mesma concepção trabalhada na educação ambiental. Sendo assim, o estudo da
paisagem pode ser inserido na educação ambiental como uma ferramenta de
conscientização e conservação ambiental. Sabendo-se que o aprendizado inicia-se na
escola, a presente pesquisa teve como objetivo verificar se o estudo da paisagem no
âmbito da escola pública pode contribuir para a conservação ambiental.
A escolha do local de pesquisa foi baseada nas atividades realizadas e em
realização do Núcleo de Estudos da Paisagem (NEP) o qual é um dos dois núcleos que
estrutura o Laboratório do Espaço Público e do Direito à Cidade (LabCidades), do
Departamento de Projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo –
FAUUSP, além das atividades desenvolvidas durantes algumas disciplinas como
ICA5754- Potencialidades e Gestão da Paisagem, oferecidas pelo Programa de Pós-
graduação em Ciência Ambiental (PROCAM USP) realizada em Perus. O local de
pesquisa escolhido possui particularidades importantes para a realização do presente
estudo como: área de forte representação social e cultural, por levar como herança a
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história da Fabrica de Cimento Perus, as lutas dos queixadas e a estrada de Ferro Perus-
Pirapora; ações realizadas pela Universidade Livre e Colaborativa; Território de
interesse da cultura e paisagem; áreas de grande importância ambiental, pois interligam
o Parque Estadual da Cantareira, Parque Estadual do Jaraguá e Parque Anhanguera,
áreas de grande importância para a conservação da biodiversidade e de serviços
ecossistêmicos prestados para a qualidade de vida.
A chegada da Educação ambiental nas escolas
No final dos anos sessenta e inicio dos anos setenta deu-se inicio a diversas
discussões a respeito dos problemas ambientais, problemas esses que surgiram a partir
da implementação de modelos de desenvolvimento fortemente neoliberais, regidos pela
norma de maximizar os lucros no menor espaço de tempo, seguindo o pretexto da
industrialização acelerada, aproveitando exageradamente os recursos naturais
(MEDINA, 2008). O uso desequilibrado de substancias químicas utilizadas pelas
indústrias e os vazamentos de óleo dos petroleiros nos oceanos, são alguns dos
principais fatos que levaram os ambientalistas a ver a natureza como algo que, quando
afetado pode ter consequências desastrosas.
Esses acontecimentos entre outros receberam ampla publicidade, fazendo com
que países desenvolvidos temessem uma ampla contaminação a ponto de atingir o
homem, algumas descobertas que ajudaram a identificar os primeiros problemas
ambientais originaram-se a partir do conhecimento científico, que contribuiu para a
construção de uma ciência internacional consolidada na década de 1960 e 1970, sendo
parte importante da construção dos conhecimentos sobre os sistemas ambientais do
mundo. O avanço das ciências e o conhecimento da ecologia fez com que surgissem os
primeiros movimentos em defesa da natureza, a revolução social a partir dos
movimentos contra-culturais (hippies, feminismos etc.), que fazem crítica aos padrões
de consumo e propõem limites de crescimento, ocorreram em 1968, quando estudantes
foram às ruas protestar, no movimento denominado ―Dia da Terra‖.
Este movimento resultou na formação do Clube de Roma e na primeira grande
conferencia sobre o tema, o ―Clube de Roma é uma organização internacional cuja
missão e agir como catalisadora de mudanças globais, livre de quaisquer interesses
políticos, econômicos ou ideológicos, buscando analisar os problemas chave diante da
humanidade‖ (NEIMAN, 2007). A partir de então o conceito de ecologia foi ampliado à
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capacidade de suporte, tentando ampliar a visão da correlação entre o crescimento
populacional e a preservação dos recursos naturais, segundo o mesmo autor:
“O “ecologismo” contemporâneo insere-se na sociedade como um
fenômeno de contracultura, herdeiro das visões românticas de europeus que
alteram a compreensão iluminista de uma natureza transformada ela razão,
e do imaginário sobre a América como paraíso natural. Esse movimento é
fruto, também, da hostilidade da experiência urbana e usas inóspitas
condições ambientais, que impulsionaram o surgimento de um sentimento
estético e moral de valorização da natureza selvagem, e que se constituem
nas raízes histórico-culturais do ambientalismo contemporâneo”
No Brasil na década de 70 foi criada a Secretaria Especial do Meio Ambiente
(SEMA), sendo responsável pelos projetos de Educação Ambiental e Ministério dos
Transportes, nessa época a educação ambiental foi importante somente como referência
histórica. A discussão do tema foi sendo ampliada no decorrer do tempo tendo como um
marco importantíssimo a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, realizada em Estocolmo – Suécia, que visava alguns princípios os quais
ofereciam a humanidade um guia para preservar o meio ambiente e a sua relação com o
homem, nessa Conferencia surgiu a Declaração sobre o Ambiente Humano e as
diretrizes para o Plano de Ação Mundial, trazendo a questão ambiental para o público
em geral com o objetivo de preservar o meio ambiente tendo a Educação Ambiental
uma ferramenta para o combate da crise ambiental mundial.
“ E tendo o governo o dever de promover a proteção e o melhoramento do
meio ambiente humano, por o homem vem causado diversos danos a
natureza como poluição da água, do ar, da terra e dos seres vivos, além de
grandes transtornos de equilíbrio ecológico da biosfera, destruição e
esgotamento de recursos naturais, usados para fins individuais do homem,
sem pensar nas consequências do todo” (Declaração de Estocolmo, 1972).
Alguns importantes resultados surgiram a partir da Conferência de Estocolmo,
como a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) pela
Organização das Nações Unidas (ONU); Encontro Internacional em Educação
Ambiental promovido pela UNESCO em Belgrado (Iugoslávia), onde criou o Programa
Internacional de Educação Ambiental – PIEA que formulou os seguintes princípios
orientadores: a Educação Ambiental deve ser continuada, multidisciplinar, integrada às
diferentes regionais e voltada para os interesses nacionais ( Zanardi, 2010). Em 1975
ocorreu uma reunião de especialistas em educação, biologia, geografia e história, onde
se definiram os objetivos da educação ambiental, publicados na chamada Carta de
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Belgrado na Iugoslávia, propondo temas que falam da erradicação das causas básicas da
pobreza como a fome, o analfabetismo, a poluição entre outros.
Essa Carta ampliou o pensar no que se refere à necessidade de uma ética global
que promova mudanças de atitudes e comportamentos, onde a reforma dos sistemas
educacionais é a chave para o cumprimento desse objetivo, proporcionando uma nova
forma de pensar em educação produzindo um novo relacionamento intelectual entre os
professores e estudantes. Segundo a Carta a Educação ainda deverá contar com os
princípios básicos incluídos na Declaração das Nações Unidas sobre a Nova Ordem
Econômica Internacional, visando à melhora ambiental e qualidade de vida.
Cinco anos após a Conferência de Estocolmo, aconteceu em Tilibisi na Geórgia
em 1977 a Conferencia Intergovernamental sobre Educação Ambiental, cuja
organização ocorreu a parir de uma parceria entre a Unesco e o então recente Programa
de Meio Ambiente da ONU (Pnuma), onde foram apresentados os primeiros trabalhos
que estavam sendo desenvolvidos por diversos países, foi deste encontro firmado pelo
Brasil que saíram os objetivos, as principais estratégias para a Educação Ambiental
adotadas até o presente momento ( NEIMAN, 2007).
A partir da década de 80 o termo Educação Ambiental já começava a ficar
familiarizado, no ano de 1985 o parecer 819/85 do MEC, reforça mais ainda a
necessidade da inclusão de conteúdos ecológicos ao longo do processo de formação do
Ensino de 1º grau e 2º grau ( GUIMARÃES, 1995) por conta dos sérios problemas
ambientais que o país passava e pela realidade econômica a qual não permitia produzir
grandes transformações ambientais e sociais, a educação então é trazida como uma
ferramenta importantíssima para a melhora da qualidade de vida e equilíbrio ambiental
(Zanardi, 2010).
Somente a partir de 1983 a educação ambiental começou a surgir no Brasil em
consequência do que estava acontecendo em outros países, sendo realizado timidamente
por pequenos grupos, em escolas, parques, clubes e associação de bairros, em 1984
ocorreu em Sorocaba (SP) o primeiro encontro Paulista de Educação Ambiental, onde
reuniram-se pela primeira vez os poucos praticantes e pesquisadores em educação
ambiental no Brasil (REIGOTA, 1994).
Na década de 90 foram realizadas diversas ações as quais permitiram uma maior
reflexão sobre o tema e o maior envolvimento do Brasil, sendo considerada uma época
histórica da Educação Ambiental no Brasil, em 1992 aconteceu a Segunda Conferencia
das Nações Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento no estado do Rio
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de Janeiro (Rio 92), onde foi desenvolvido o tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, nesse tratado evidencia a
importância da educação como um processo dinâmico a qual precisa ser debatido de
forma reflexiva e modificado quando necessário, colocando-a como fonte central na
formação dos valores e na ação social, envolvendo as comunidades no objetivo de criar
uma nova sociedade sustentável. O Tratado tem grande relevância por ter sido
elaborado no âmbito da sociedade civil e por reconhecer a Educação Ambiental como
um processo político dinâmico (Zanardi, 2010).
Outro documento importantíssimo aprovado na Rio 92 foi a Agenda 21,
considerado um significativo plano de ação para ser adotado global, nacional e
localmente por organizações do sistema das Nações Unidas, governos e pela sociedade
civil, em todas as áreas em que a ação humana impacta o meio ambiente. Além da
Agenda 21 foi acordado também na Conferencia um dos mais importantes documentos
a Convenção da Diversidade Biológica–CDB, seu principal objetivo é salvaguardar a
vida em todas as suas manifestações (LINO et. al 2011).
No mesmo ano foi criado o Ministério do Meio Ambiente (MMA), e em julho
desse mesmo ano, o IBAMA instituiu os Núcleos de Educação Ambiental em todas as
suas superintendências estaduais, tendo como objetivo operacionalizar as ações
educativas no processo de gestão ambiental. Em 1993, além do trabalho desenvolvido
pelo IBAMA de acordo com a Política Nacional de Meio Ambiente, capacitando
recursos humanos e estendendo a temática ambiental às regiões Norte, Nordeste e
Centro-Oeste, começou a discussão, na esfera legislativa, de uma Política Nacional de
Educação Ambiental que interligaria os sistemas nacionais de meio ambiente e de
educação em um sistema único, por meio do Projeto de Lei nº 3.792/93 (Programa
Nacional de Educação Ambiental- ProNea, 2005), criou-se no mesmo ano os Centros de
Educação Ambiental do MEC, com a finalidade de difundir metodologias em Educação
Ambiental (MMA).
Ao mesmo tempo em que a educação ambiental estava presente nos acordos
nacionais e internacionais a pesquisa em educação ambiental ganhava corpo e espaço,
diversos pesquisadores já tratavam a educação ambiental como prática educativa
essencial para a promoção do equilíbrio ambiental, Segundo Carvalho 2001 a
preocupação ambiental foi incorporada na educação como objeto da teoria e prática
educativa por parecer mais como um movimento da sociedade para a educação,
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repercutindo no campo educativo parte dos efeitos conquistados pela legitimidade da
temática ambiental na sociedade.
No contexto fundacional a questão ambiental enquanto debate e ação organizada
emerge na esfera pública como tema de interesse e relevância para a sociedade, em sua
maior parte realizados por profissionais e/ou militantes, ativistas, cientistas ou técnicos
governamentais considerados como as primeiras referencias na ação direta e no debate
público sobre as questões ambientais (Carvalho, 2001). Segundo Reigota alguns nomes
podem ser apontados como os fundadores da discussão ambiental:
“O intenso debate político-cultural do final dos anos 70 e início dos anos 80,
foi de fundamental importância para a formação de muito profissionais da
educação de minha geração. É nessa época e nesse contexto que gostaria de
situar o surgimento do pensamento ecologista brasileiro contemporâneo,
cujos principais nomes, ma minha escalação, são: José Lutzermberger,
Fernando Gabeira, Augusto Ruschi, Aziz Ab´Saber, Paulo Nogueira Neto,
Cacilda Lanusa e Miguel Abella‖ ( Reigota 1998)
Essa abertura para a discussão ambiental surge a partir da necessidade de superar
as injustiças ambientais, desigualdade social, da apropriação capitalista e funcionalista
da natureza e da propriedade humana (Sorrentino et al., 2005), a educação ambiental
por tanto passa a ser mais que uma necessidade social mais sim a transformação em
política publica. “Vivemos processos de exclusão nos quais há uma ampla degradação
ambiental socializada com a maior parte submetida, indissociados de uma apropriação
privada dos benefícios materiais gerados” (Sorrentino et al., 2005). A educação
segundo o mesmo autor trata de uma mudança de paradigma que implica tanto uma
revolução científica quanto política.
As questões políticas para uma transformação socioambiental foram discutidas
nos compromissos internacionais assumidos na Conferência do Rio, sendo criado pela
Presidência da República o Programa Nacional de Educação Ambiental (PRONEA)
sendo executado pela Coordenação de Educação Ambiental do MEC e pelos setores
correspondentes do MMA/ IBAMA, responsáveis pelas ações voltadas respectivamente
ao sistema de ensino e à gestão ambiental (Programa Nacional de Educação Ambiental-
ProNea, 2005). O PRONEA previu três componentes: 1º capacitação de gestores e
educadores, 2º desenvolvimento de ações educativas, e 3º desenvolvimento de
instrumentos e metodologias, tendo sete linhas de ação:
Educação ambiental por meio do ensino formal.
Educação no processo de gestão ambiental.
Campanhas de educação ambiental para usuário de recursos naturais.
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Cooperação com meios de comunicação e comunicadores sociais.
Articulação e integração comunitária.
Articulação e integração comunitária.
Articulação intra e interinstitucional.
Rede de centros especializados em educação ambiental em todos os estados.
Em 1997 foram aprovados os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), os
quais tem como objetivo subsidiar e apoiar a elaboração de projetos educativos,
inserindo procedimentos e valores no convívio escolar, bem como a necessidade de
tratar alguns temas transversais como meio ambiente entre outros. Após sua criação,
foram criados alguns cursos de capacitação em educação ambiental para os técnicos das
Secretarias de Educação e Delegacias Regionais do MEC com objetivo de orientar a
implantação dos Parâmetros Curriculares, a educação ambiental ganha força e
amplitude no país, garantindo assim a criação da Diretoria do Programa Nacional de
Educação Ambiental (ProNea), vinculada à Secretaria Executiva do Ministério do Meio
Ambiente, com a atribuição de implementar o Sistema Brasileiro de Informações sobre
EA, implementação de cursos de Educação Ambiental a distância, sensibilização à
questões ambientais e etc..
Esse período foi repleto de iniciativas e ações as quais fortaleceram a aprovação
da Lei nº 9.795/99 que dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental, em
2000 a educação ambiental integra pela segunda vez o Plano Plurianual (2000-2003),
institucionalmente vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, em junho de 2002 a Lei
9.795/99 foi regulamentada pelo Decreto nº 4.281, que define entre outras coisas a
composição e as competências do Órgão Gestor do Programa Nacional de Educação
Ambiental (ProNea, 2014).
A I Conferência Nacional do Meio Ambiente (CNMA) realizada em 2003
contribuiu para a formulação de um documento importantíssimo o qual contempla
deliberações para a Educação Ambiental, considerado um ponto de partida para as
futuras Conferências como as realizadas em 2005, 2008 e 2013, segundo o ProNea
2014, após a realização de uma pesquisa feita com os delegados da IICNMA colocou a
educação ambiental em primeiro lugar entre os programas mais eficientes do MMA,
seguida do Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia Legal. A educação
ambiental no MEC atuava em todos os níveis de ensino formal, mantendo ações de
formação continuada, constituindo uma visão sistêmica da EA e com o passar do tempo
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a educação ambiental foi sendo fortalecida no ensino público superior a partir de
pesquisas em parceria com a Rede Universitária de Programas de Educação Ambiental.
Após a divisão do Ibama em 2007 foi constituído o Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio), sendo extinta a Coordenação Geral de
Educação Ambiental (CGEAM/IBAMA), aos poucos o ICMBio estrutura a área de
educação ambiental no órgão ligada a gestão da biodiversidade e das Unidades de
Conservação. A partir de então a Educação Ambiental no país foi ampliada e fortalecida
com a criação e consolidação da comissões Interinstitucionais de Educação Ambiental
(CIEAs) nos estados da federação; a criação de Coletivos Educadores, Coletivos Jovens
de Meio Ambiente, fóruns locais da Agenda 21, inclusive no âmbito das escolas, com a
constituição das Comissões de Meio Ambiente e Qualidade de Vida- COMVIDA; a
criação de redes de educação ambiental nos estados, regiões e municípios do país; a
realização dos Fóruns Brasileiros de Educação Ambiental; as Conferências Nacionais de
Meio Ambiente; a instituições de Salas Verdes em espaços não formais de educação; a
expansão da educação ambiental nas instituições de ensino e o fomento de pesquisa e
extensão em diferentes níveis do ensino formal; praticas socioambientais em diferentes
organizações (ProNea, 2014).
Além deste grande avanço da EA percorrendo diversos níveis da sociedade civil
e movimentos sociais, foram realizadas outras diversas ações ligadas transversalmente
como a estruturação das políticas públicas e temáticas, como por exemplo, a Estratégia
Nacional de Educação Ambiental e Comunicação em Unidades de Conservação
(Encea); o Programa de Educação Ambiental e Mobilização Social em Saneamento-
PEAMSS; o Programa de Educação Ambiental e Agricultura Familiar – PEAAF; A
Estratégia e Educação Ambiental e Comunicação Social na Gestão de Resíduos Sólidos
entre outros. Essas ações estruturantes conduziram em 2012 na Rio+20 diversas
discussões relevantes no âmbito da conservação ambiental, mas infelizmente a EA não
foi regida como tema central, porém estava presente nas discussões em diversas
atividades paralelas, como na Cúpula dos Povos (II Jornada Internacional de Educação
Ambiental).
No mesmo ano de 2012 alguns instrumentos legais foram aprovados, com o
objetivo de garantir a maior integração da educação ambiental em diferentes áreas de
conhecimento, como por exemplo, a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – Lei
12.608/12, que dispõem sobre o Sistema o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil
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e o Conselho Nacional de Proteção e Defesa Civil, autorizando a criação de sistema de
informações e monitoramento de desastres. Segundo o Art26 - §7º:
“Art.26 - § 7º Os currículos do ensino fundamental e médio devem incluir os
princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma
integrada aos conteúdos obrigatórios”.
Nesse mesmo contexto foram aprovadas as ―Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação Ambiental‖ pelo Conselho Nacional de Educação, além da aprovação
da Instrumentação Normativa nº 2, que trata a EA nos processos de licenciamento
ambiental federal, com o objetivo de monitorar, avaliar e implementar projetos e
programas de educação ambiental. Essas diversas ações as quais auxiliaram a
construção de instrumentos e tratados para a utilização responsável dos recursos
naturais bem como a promoção do bem estar humano foram criando ―corpo‖ e espaço
nas discussões nacionais e internacionais as quais até hoje estão presentes nos principais
temas debatidos.
A educação ambiental e a paisagem na EMEF Profª Marili Dias
A Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Marili Dias teve início
em 18 de fevereiro de 2008 com a denominação de EMEF Estrada de Pirapora, tendo 12
classes no período da manhã e 16 classes do período da tarde formadas por alunos
vindos das escolas municipais e estaduais da região do Morro Doce (Projeto Político
Pedagógico- EMEF Prof Marili Dias, 2015), nome dado ao bairro a partir do cultivo da
cana de açúcar e hortaliças nas chácaras no distrito de Anhanguera (Pinesso, 2006).
No ano de 2009 a escola recebeu o nome de Escola Municipal de Ensino
Fundamental Professora Marili Dias e atualmente é formada por 15 classes no período
da manhã e 16 classes no período da tarde, atendo alunos na faixa etária de 06 a 15
anos, na maioria oriundos de famílias de baixa renda e em situação de risco social.
A escola esta localizada no distrito de Anhanguera, situado na zona noroeste da
cidade de São Paulo, pertencente à subprefeitura de Perus, região que compreende o
Vale do Rio Juquery e a Serra da Cantareira. O distrito possui 33,3 km2 de superfície,
sendo que sua maior parte é ocupada por áreas verde, segundo o Censo de 2000 foi
registrado em seu total 33 973 habitantes, sendo que 18 497 estão em áreas rurais.
A EMEF apresenta grande capacidade no desenvolvimento do pensar, pois parte
do pressuposto que o ensino não pode ser visto enquanto aquisição de informação via
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relação passiva professor-aluno-livro sem a relação com a realidade e sem a
possibilidade de transferir essas informações para diferentes situações. O ―saber fazer‖ é
o grande diferencial na proposta pedagogia da escola, pois leva ao aluno a resolver
situações reais as quais eles se deparam no decorrer da vida com auxílio dos
conhecimentos adquiridos durante a vida escolar.
Segundo o Projeto Político Pedagógico da EMEF ―Não há nada no mundo físico,
social ou psíquico que, em princípio, não possa ser relacionado aos conteúdos da
educação básica, porque o próprio currículo é um recorte representativo da herança
cultural, científica e espiritual de uma nação, de um grupo, de uma comunidade. É quase
inesgotável a quantidade de contextos que podem ser utilizados para ajudar os alunos a
atribuir significado ao conhecimento‖.
O conhecimento passa por diversas modificações as quais necessitam de certas
competências como: relacionar os conteúdos das disciplinas e áreas com fatos,
fenômenos e movimentos da atualidade; articular no trabalho de sua disciplina as
contribuições de outras áreas do conhecimento; fazer uso de novas linguagens e
tecnologias; aplicar o princípio da contextualização dos conteúdos como estratégias de
aprendizagem; selecionar contextos, problemáticos e abordagens que sejam pertinentes
à aprendizagem de cada saber disciplinar e adequado à etapa de desenvolvimento do
aluno; utilizar diferentes e flexíveis modos de organização do tempo, do espaço e do
agrupamentos de alunos; manejar diferentes estratégias de aprendizagem; selecionar,
produzir e utilizar materiais e recursos didáticos diversificados; utilizar estratégias
diversificadas de avalição e a partir de resultados formular propostas de intervenção
didática; promover uma prática didática, interdisciplinar e contextualização são partes
intrínsecas de um mesmo complexo fenômeno: o ensino (PPP- Marili Dias, 2015).
Observando as atividades na EMEF Marili Dias pode-se notar que as
competências são bem distribuídas pelos principais responsáveis em levar a
transformação dos alunos, os professores. Os quais com grande amor e dedicação
desenvolvem diversos projetos unindo problemas reais e teóricos, são projetos
interdisciplinares os quais envolvem diferentes disciplinas e diferentes temais inter-
relacionados, os projetos desenvolvidos anualmente pela EMEF são: Nas Ondas do
Marili; Imprensa Jovem; Núcleo de Ciências; Cultura Digital; Teatro & Contadores de
Histórias; Música; Trabalho Colaborativo Autoral; Projeto Palmares Vive; Mostra
Cultural; Semana de Geografia da USP.
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A escolha do local para a realização da pesquisa partiu das atividades realizadas
no Núcleo de Estudos da Paisagem (NEP) o qual é um dos dois núcleos que estrutura o
Laboratório do Espaço Público e do Direito à Cidade (LabCidades), do Departamento
de Projetos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo –FAUUSP, além
das atividades desenvolvidas durantes algumas disciplinas como ICA5754-
Potencialidades e Gestão da Paisagem, oferecidas pelo Programa de Pós-graduação em
Ciência Ambiental (PROCAM USP) realizada em Perus. A partir do envolvimento com
alguns professores da Rede Municipal de Ensino observou muitos comentarem sobre a
EMEF Marili Dias e sua localização de difícil acesso, nesse exato momento a
curiosidade em conhecer a escola foi crescendo e com ela a necessidade de colocar em
prova a hipótese que o estudo da paisagem pode ser dado como uma ferramenta de
conservação ambiental.
A partir de então a proposta de trabalho foi apresentada a direção e aos
professores da EMEF, tendo como maior finalidade desenvolver as atividades em
conjunto com os projetos em andamento, a inicio proposta ousada pois envolve muitas
atividades fora do horário de aula, porém os professores e a direção aceitaram com
muita alegria e expectativa. A escola por participar fortemente com projetos
interdisciplinares possui entre os seus muitos projetos o tema ambiental presente em
suas atividades, como o projeto de sustentabilidade o qual é desenvolvido pelos
professores de ciências.
A mudança para uma sociedade ambientalmente equilibrada exigirá mudanças
na forma como as pessoas percebem umas às outras, como avaliam suas necessidades e
prioridades e como se conduzem no meio ambiente, essa percepção vai além de uma
observação interna, mas sim uma percepção do seu território. O estudo da paisagem
propõem desenvolver essas habilidade a partir do momento que todos colocam-se como
parte integrante da paisagem, segundo Besse : ― A paisagem guarda em suas formas os
sinais e marcas das vidas daqueles que nela vivem, a paisagem é um testemunho
humano, sendo por tanto, o fruto das relações entre a sociedade, sua cultura e a
natureza‖.
A paisagem é trabalhada na EMEF sendo discutida na disciplina de geografia no
6º ano, com discussões conceituais e teorias de paisagem, espaço geográfico e espaço
natural, facilitando o maior envolvimento dos alunos. O método utilizado durante as
atividades foram: a de oficina, jogos e a cartografia social participativa. Segundo Rojas
et al., Oficina é um processo de construção coletiva de uma práxis (saberes e práticas),
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que se desenvolve através da reflexão tematizada em grupo que tem como pontos de
partida a experiência afetiva, cognitiva e de ação do grupo e o conhecimento já
sistematizados a respeito do tema (referencias teóricas). Utilizando técnicas vivenciais
e lúdicas e outros recursos didáticos convencionais ou não, na medida da sua
pertinência no ―aqui e agora‖ do processo de ensino/aprendizagem em andamento.
Os jogos possibilitam que os alunos espontaneamente apresentem os seus
conhecimentos cognitivos além de adquirir novos conhecimentos com a troca de
experiências e convívio com os demais alunos. A cartografia social participativa permite
agregar sugestões, indagações políticas, interesses e a posição do homem em seu
território; com auxílio de todos os alunos a cartografia é construída de acordo com as
experiências e a vivencia dos alunos em seu território.
As atividades foram desenvolvidas uma vez por semana após a aula regular, com
a participação inicialmente de 17 alunos do Ciclo Interdisciplinar (4º, 5º e 6º) apenas os
alunos do 6º ano e também os do Ciclo Autoral (7º, 8º e 9º) durante o período de cinco
meses (Fotos1;2;3).
Foto 1,2,3 e 4: Atividades desenvolvidas durante as oficinas
Foto: Patricia Ferreira e Lima
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Reflexões Finais
Todo o ser humano é responsável de forma direta ou indiretamente por seu
impacto sobre a natureza, por isso é de suma importância a percepção das ações que nos
conduzem a modificar a nossa paisagem e de que fazemos parte dessa paisagem em
modificação. A escola é um dos principais ambientes para se trabalhar com percepção
da paisagem para a conservação ambiental, pois possibilita agregar novas práticas
educacionais durante as disciplinas curriculares e interagir com a interdisciplinaridade
em diferentes ciclos.
A evolução e o crescimento da educação ambiental nas escolas proporcionou
uma maior intimidade com o tema, já que os alunos estão bem familiarizados com as
questões e problemas ambientais, o tema paisagem dentro da educação ambiental ainda
não está muito difundido, porém pode ser facilmente trabalhado já que é um tema
discutido na disciplina de geografia.
A experiência na EMEF Marili Dias evidenciou que atividades expositivas e
participativas possibilitaram a maior participação dos alunos, juntamente com
atividades que colocam problemas reais em discussão. Os alunos se sentem
responsáveis em resolver problemas que envolvem sua escola, seu bairro enfim sua
paisagem. O tema paisagem dentro da perspectiva da educação ambiental é realmente
favorável para trabalhar no Ciclo interdisciplinar e autoral do ensino fundamental.
As atividades desenvolvidas proporcionaram a construção da cartografia social,
a qual garantiu a identificação dos pontos positivos e negativos do bairro e também
propostas e ações para melhorar o bairro e conservar o meio ambiente, tanto dentro
quanto fora da escola (Figura 2).
Figura 2: Cartografia Social construída pelos alunos da EMEF Profª Marili Dias
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Foto: Patricia Ferreira e Lima
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CULTURA: A ESCOLA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS DE PERUS
Marcio Antonio Melhado Bezerra PMSP/ULC
Maria Helena Bertolini Bezerra PMSP/ULC
Miriam Marcolino dos Santos PMSP/ULC
Resumo:
A constituição do bairro de Perus, município de São Paulo, é marcada por uma grande
greve dos operários da Fábrica de Cimento Portland Perus na década de 1970, além de
reivindicações visando conquistar um Centro de Cultura e Memória do trabalhador nas
instalações fábrica, hoje desativada e tombada pelo Patrimônio Histórico de São Paulo.
Em decorrência de tantas lutas e envidando fortalecer os movimentos sociais, foi criada
a Universidade Livre e Colaborativa que, em parceria com a Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da USP, passaram a realizar disciplinas acadêmicas no bairro. Em um dos
estudos realizados na disciplina ―Potencialidades em Gestão Ambiental‖, em 2013,
apreendeu-se a escola como importante polo de reflexão, num diálogo com Movimentos
Sociais e a universidade. Já em 2014, uma nova disciplina tinha por objetivo saber sobre
a memória da população em relação ao movimento operário e seus desdobramentos.
Estabeleceu-se a escolha de uma das escolas do bairro para saber qual a memória dos
professores e de outros integrantes a respeito da constituição do bairro, da escola e da
profissão docente. A escola selecionada foi a EMEF Profª Philó Gonçalves dos Santos.
No estudo utilizou-se a metodologia focal, em que são realizados encontros entre os
integrantes do grupo interessado em atender os objetivos da pesquisa e os integrantes da
instituição selecionada. Entre as atividades desenvolvidas na escola foram realizadas
palestras, oficinas e elaboração de biografias. A base teórica utilizada foi a dos estudos
culturais, focalizando o conceito de Sistemas de Significações e Tradição de Raymond
Williams. Dentre os resultados da pesquisa foi confirmada a centralidade da escola
como constituidora das subjetividades docentes e evidenciada a relação entre a memória
da constituição do bairro operário e a identidade dos professores, estudantes e demais
agentes daquela unidade educacional.
Palavras chave: movimentos sociais; escola; cultura.
Introdução
Perus é um bairro localizado na região noroeste do município de São Paulo. Há
registros de sua constituição como distrito a partir do início do século passado. Pode-se
afirmar que seu adensamento populacional se deu inicialmente pela instalação de duas
ferrovias, a Estrada de Ferro Perus Pirapora e a Estrada de Ferro São Paulo Railway, a
segunda, ainda no século XIX. Mas foi a instalação de uma primeira fábrica de cimento
em 1926, a Companhia de Cimento Portland Perus em seu território, destinada à
produção de cimento em larga escala, que provocou a vinda para a localidade de
famílias de operários em busca de trabalho.
É importante informar que a partir dos anos de 1950, as relações entre
proprietários e operários tornaram-se bastante tensas – até este período a fábrica
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pertencia a um grupo de empresários, sendo a maioria das ações da fábrica pertencentes
a empresários canadenses, o que não significava que as relações de trabalho fossem
mais justas. Porém na década de 1950, a fábrica foi vendida a um empresário brasileiro,
José João Abdalla, cuja administração da empresa piorou ainda mais as relações
trabalhistas, especialmente pelo alto grau de exploração do trabalho e atrasos nos
salários e impostos.
Ressalta-se a importância da organização dos operários da fábrica de cimento
dentro do panorama do movimento operário brasileiro, pois suas lutas – dentre elas uma
longa greve de sete anos a partir do final da década de 1960, com ganhos consideráveis
ao seu término -, serviram de exemplo para outras tantas organizações sindicais
brasileiras.
Em decorrência do fechamento da fábrica em meados da década de 1980 e da
continuidade das lutas dos operários, seus familiares e muitas outras pessoas
participantes de movimentos sociais do bairro, as instalações desativadas da fábrica
passaram a ser reivindicadas para a constituição de um Centro de Cultura e Memória do
Trabalhador. Como resultado das mobilizações, em 1992, a fábrica e todo seu entorno
foi tombada como patrimônio histórico pelo Departamento do Patrimônio Histórico de
São Paulo.
Se consideradas as lutas operárias da década de 1960/1970 e a reivindicação de
um centro cultural como marcos de mobilização de boa parte da população do bairro,
outras manifestações de caráter semelhante e mais atuais, principalmente algumas delas
em torno de produções culturais, podem ser localizadas como caudatárias das
mobilizações operárias.
Da perspectiva conceitual de cultura do autor inglês Raymond Williams,
depreende-se que as práticas dos movimentos sociais do bairro de Perus constituem um
sistema de significações marcado pela tradição e que se desdobra em outras
movimentações em busca da melhoria da qualidade de vida.
Entende-se, dessa maneira, que a escola se insere em um mesmo sistema de
significações, selecionando na tradição aquilo que é considerado digno de continuidade,
sem eliminar processos de contra hegemonia – hegemonia e contra hegemonia são
conceitos elaborados por Antonio Gramsci e com os quais Raymond Williams trabalha
para explicar eventuais mudanças nas tradições.
Bezerra (2002) apresenta inúmeros elementos sobre a presença de várias práticas
escolares que se relacionam a toda ambiência histórica e cultural do bairro de Perus
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envolvendo a fábrica de cimento e a história de luta dos operários por melhores
condições de vida, assim como pela conquista de um centro de cultura dos
trabalhadores.
Além de muitas das escolas do bairro continuarem mantendo ações pedagógicas
em torno da constituição operária do bairro, há muitos grupos organizados denominados
por coletivos culturais que constantemente se referem à luta vivida pelos trabalhadores
da fábrica de cimento como exemplo de organização e mobilização.
De Agosto a Dezembro do ano de 2013, como desdobramento de um trabalho de
pesquisa realizado pela Universidade Livre e Colaborativa (A ULC surgiu em
decorrência da organização dos movimentos culturais e sociais de Perus em torno da
criação do Centro Cultural do Trabalhador), em parceria com a Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo