universidade federal do tocantins campus …...o ensino de história e de cultura africana e...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS
CAMPUS UNIVERSITÁRIO DE ARAGUAÍNA
MESTRADO PROFISSIONAL EM ENSINO DE HISTÓRIA PROFHISTÓRIA
PPGEHIS
ELKA REGINA RODRIGUES VALADARES
SABERES EM MOVIMENTO: APRENDENDO E ENSINANDO A HISTÓRIA DA
ÁFRICA NO ENSINO MÉDIO.
ARAGUAÍNA – TO
2018
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ELKA REGINA RODRIGUES VALADARES
SABERES EM MOVIMENTO: APRENDENDO E ENSINANDO A HISTÓRIA DA
ÁFRICA NO ENSINO MÉDIO.
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
Profissional em Ensino de História da Universidade
Federal do Tocantins para a obtenção do título de
Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Dernival Venâncio Ramos Júnior.
ARAGUAÍNA – TO
2018
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À memória das minhas avós Ananias Pereira
Valadares e Joanna Rodrigues de Oliveira.
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AGRADECIMENTOS
Escrever este trabalho talvez tenha sido o maior desafio enfrentado por mim. Chegou a
hora de agradecer a todos que colaboraram para sua execução.
Agradeço, primeiramente, a Deus; a Ele, toda honra e toda glória.
Agradeço aos meus pais Agenor Crisóstomo Valadares e Meluzina Rodrigues
Valadares, exemplos de coragem que desde cedo ensinaram a mim e a meus irmãos que a
educação é agente de transformação da vida de quem nasce pobre.
Aos meus irmãos Élia Maria, Keila, Maria Lívia, Ageneudes, Helém Nilma, Joanna de
Cássia e Keliane, por todo amor e apoio incondicionais em todos os momentos da minha vida.
Aos meus filhos Ana Luisa, Nathane e Luís Fernando, pela renúncia à minha presença,
pelo companheirismo e parceria nesses tempos de lutas.
Agradeço a meus amigos Abraão Bispo Paz, Rosana Souza da Silva, Ronair Justino e
Sara José Soares, pela amizade e oportunidade de compartilharmos sonhos, angústias, dúvidas
e conquistas.
Agradeço aos colegas de trabalho do IFTO, Campus Colinas do Tocantins e da Escola
Estadual Francisco Pereira Felício, pelo incentivo, auxílio, principalmente pela paciência e
disponibilidade em todos os momentos.
Aos estudantes e professores que participaram desta pesquisa, turma da Segunda Série
B do Ensino Médio – 2017, que contribuíram de forma brilhante para sua realização.
Agradeço de modo especial ao professor Dr. Dernival Venâncio Ramos Júnior, por
tudo: dedicação, incentivo e principalmente por partilhar conhecimentos, orientando de forma
brilhante esta pesquisa. Aos professores Vera Lúcia Caixeta e Allyssom pela valiosa
contribuição desde a participação no exame de qualificação até a conclusão deste trabalho.
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RESUMO
A presente pesquisa, desenvolvida no âmbito do Programa de Mestrado Profissional
ProfHistória, insere-se na linha de pesquisa saberes históricos no espaço escolar, tem como
tema central conhecer os saberes dos discentes acerca da História da África. A partir das
representações presentes no imaginário dos estudantes, foram desenvolvidas estratégias
metodológicas baseadas na pesquisa-ação para identificar os saberes. A pesquisa foi
desenvolvida em Colinas do Tocantins com estudantes da segunda série do ensino médio e
utilizou aportes teóricos de campos diversos. Os participantes pesquisaram, produziram
material pedagógico com a finalidade de construir e desconstruir saberes sobre a história da
África, relacionando-os. Os resultados dão conta de que os saberes construídos por estudantes
em diferentes espaços não destoam das visões de diferentes grupos; conforme pesquisas
recentes, mas vinculadas a uma perspectiva positiva de descolonização dos saberes, na
direção de se produzir uma educação antirracista, multicultural, é possível desenhar um
cenário novo na formação de identidades. Além da metodologia aplicada aos estudantes,
investigou-se a trajetória de lutas dos movimentos sociais, especialmente os Movimentos
Negros pela inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira e indígena nos currículos
escolares. Esta se tornou componente curricular obrigatório com a Lei 10.639/03 que foi
alterada em 2008 pela Lei 11.645. A Lei e sua legislação correlata são parte de um conjunto
de políticas públicas adotadas no Brasil a partir da década de 1990, em atendimento a
reivindicações dos Movimentos Sociais para promover uma educação antirracista e
pluricultural garantindo que grupos tradicionalmente excluídos dos espaços escolares, tenham
sua história e cultura valorizados. Os resultados podem contribuir para uma reflexão acerca do
ensino dessa temática bem como com a formação continuada de professores.
Palavras-Chave: Ensino de História. Saberes e Práticas no Espaço Escolar. Lei 11.645/08.
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ABSTRACT
The present research, developed within the scope of the Professional Master's Program
ProfHistória, belongs to the line of research historical knowledge in the school space, has as
its central theme to know the knowledge of the students about the History of Africa. From the
present representations in the students' imagination, methodological strategies based on action
research were developed to identify the knowledge. The research was developed in Colinas do
Tocantins with students from the second grade of high school and used theoretical
contributions from various fields. The participants researched, produced pedagogical material
with the purpose of constructing and deconstructing knowledge about the history of Africa,
relating them. The results show that the knowledge built by students in different spaces does
not detract from the visions of different groups; according to recent research, but linked to a
positive perspective of decolonization of knowledge, in the direction of producing a
multicultural antiracist education, it is possible to design a new scenario in the formation of
identities. In addition to the methodology applied to the students, the trajectory of struggles of
social movements, especially the Black Movements, was investigated by the inclusion of
African and Afro-Brazilian and indigenous culture and history in school curricula. This
became a compulsory curricular component with Law 10.639 / 03, which was amended in
2008 by Law 11.645. The Law and its related legislation are part of a set of public policies
adopted in Brazil since the 1990s, in compliance with the demands of the Social Movements
to promote an antiracist and pluricultural education, ensuring that groups traditionally
excluded from school spaces have their history and culture. The results can contribute to a
reflection about the teaching of this subject as well as to the continued formation of teachers.
Keywords: Teaching History. Knowledge and Practices in School Space. Law 11.645 / 08.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LDB 9394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação
PPP Projeto Político-Pedagógico
FNB Frente Negra Brasileira
TEN Teatro Experimental do Negro
MNU Movimento Negro Unificado
EPB Estudos de Problemas Brasileiros
PNLD Programa Nacional do Livro Didático
TEN Teatro Experimental do Negro
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
TICS Tecnologia da Informação e Comunicação
EAD Educação a Distância
INEP Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
SEPPIR Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
CEAO Centro de Estudos Africano-Orientais
NEAB Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros
USP Universidade de São Paulo
UFBA Universidade Federal da Bahia
MEC Ministério da Educação e Cultura
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CNE Conselho Nacional de Educação
UNESCO Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura
IHGB Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
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SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................................................10
1 O MOVIMENTO NEGRO, AS LUTAS DOS NEGROS BRASILEIROS E A
TRAJETÓRIA DA LEI 10.639/03..................................................................................19
1.1 Os movimentos sociais..............................................................................................19
1.2 O Ensino de História no Brasil..................................................................................28
1.3 O Ensino de História da África em Questão..............................................................37
2 TECENDO SABERES: REPRESENTAÇÕES SOBRE A ÁFRICA.......................51
2.1 Os sujeitos da pesquisa..............................................................................................51
2.2 Entre saberes..............................................................................................................60
2.3 A África sob o olhar dos estudantes...........................................................................64
3 A ÁFRICA E NÓS: CONSTRUINDO E DESCONSTRUINDO SABERES........ 72
3.1 Confrontando dados....................................................................................................85
3.2 Ensino e transformação...............................................................................................90
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................93
5 Referências...................................................................................................................97
6 Anexos.........................................................................................................................105
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INTRODUÇÃO
O ensino de história e de cultura africana e afro-brasileira tornou-se componente
obrigatório no currículo da educação básica nas redes pública e privada de ensino a partir de
2003, com a alteração dos artigos 26-A e 79-B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN, doravante) pela Lei 10.639, que foi alterada em 2008, pela Lei 11.645
para incluir a obrigatoriedade do ensino de história e de cultura indígena.
O presente estudo foi desenvolvido no âmbito do Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal do Tocantins, através do PROFHISTÓRIA – Programa de Mestrado
Profissional em Ensino de História – e objetivou investigar os saberes dos discentes acerca da
História da África, tendo como referência a Lei 10.639/03.
Este estudo teve como tema central conhecer os saberes dos discentes acerca da
história africana, optou-se por trabalhar diretamente com os estudantes da segunda série do
Ensino Médio da Escola Estadual Francisco Pereira Felício, localizada no bairro Planalto,
periferia da cidade de Colinas do Tocantins.
A escola tem uma estrutura adequada com oito salas de aula climatizadas, biblioteca,
sala de recursos audiovisuais, quadra esportiva coberta, cinco banheiros (sendo um deles
adaptado para estudantes com necessidades específicas), cantina e área de convivência. A
escola ainda não tem laboratório de informática, recurso pedagógico presente na quase
totalidade das escolas da rede estadual do Tocantins.
De acordo com o Projeto Político-Pedagógico (PPP, doravante), esta escola atende
estudantes oriundos de bairros localizados nas proximidades, como Vila São João, Setor
Aeroporto, Araguaia I e II, Setor Planalto, entre outros. Foi fundada em 12 de março de 1990,
sob a Lei de Criação 226/90, de 26 de dezembro de 1990, e autorizada a funcionar em 26 de
maio de 1993 sob a Resolução nº 081/03. Recebeu esse nome em homenagem ao senhor
Francisco Pereira Felício, migrante oriundo do interior de São Paulo, que foi vereador no
pleito 1972-1976 e faleceu em 1984.
A origem da escola está relacionada a reivindicações dos moradores do Bairro, através
da Associação de Moradores, que justificaram a necessidade de sua instalação junto às
autoridades locais para facilitar a vida dos estudantes, que se deslocavam para as unidades do
centro da cidade. A distância e as condições de deslocamento dos estudantes foram
consideradas, e os moradores contaram com o apoio do prefeito à época, senhor Manuel Odir
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Rocha. O terreno onde a escola foi construída foi doado pela Paróquia da Igreja Católica São
Sebastião, localizada ao lado.
Ainda segundo o PPP, a maioria dos estudantes é oriunda de bairros com problemas
estruturais, muitos deles em situação de vulnerabilidade social e econômica. (PPP, 2017, p.
26).
Historicamente, o ensino de História serviu para atender aos interesses da classe
dominante e ficou atrelado a velhos paradigmas que mantiveram as referências sobre a África
e associaram os africanos a imagens distorcidas. De acordo com o pesquisador Valdemir
Zamparoni (2007), as imagens de uma África homogênea não são aleatórias. Elas foram
gestadas ao longo de séculos na Europa e ganharam forma no Brasil.
Imagens estas que foram utilizadas para legitimar a escravidão como referência para
os estudos dos conteúdos sobre a África e os povos da diáspora, representando-os a partir dos
problemas sociais e econômicos, negando ou silenciando as lutas desses povos, sua
resistência, sua diversidade religiosa e cultural, reproduzindo estereótipos pautados na visão
europeia.
De acordo com os pesquisadores Flávio Ruckstader e Vanessa Ruckstader (2010), o
ensino, desde o período colonial, foi pautado no modelo europeu que predominaria por
séculos. Não houve preocupação com a integração de conhecimentos sobre os outros povos.
Ensinou-se História na perspectiva europeia, anulando a participação de outros grupos na
formação da identidade dos brasileiros.
Percebe-se que, apesar dos avanços no campo acadêmico a partir das Leis 10.639/03 e
11.645/08, eles ainda não alcançaram de forma sólida a realidade da escola. Já que a
implementação e a instrumentalização do ensino de História da África na educação não
ocorreu de forma simultânea.
Para Anderson Oliva (2007), o livro didático é um exemplo disso. Para o pesquisador,
o livro ainda está permeado pela concepção positivista da historiografia brasileira,
escamoteando a participação de negros e de indígenas nos processos históricos. (OLIVA,
2007, p. 386).
De acordo com John Kelly Thorthon (1949), a África, ao contrário do que muitos
pesquisadores defenderam por muito tempo ao relacionar o atraso da África ao comércio
destrutivo e desigual com os europeus durante a formação do mundo Atlântico, participou
ativamente desse processo histórico. Para Thorthon (1949, p. 86):
Os africanos tiveram um papel muito ativo no desenvolvimento comercial e o
fizeram por sua própria iniciativa. Por sua vez, o cenário do Atlântico não era tão
crucial para a economia africana como pensam os estudiosos e, por outro lado, seus
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produtos manufaturados tinham as qualidades necessárias para competir com a
Europa pré-industrial. (THORTHON, 1949, p.86).
Compreender esses processos é de fundamental importância para efetivar o ensino de
História africana no Brasil numa perspectiva equitativa que contribua para a desconstrução de
visões negativas e simplificadas sobre sua realidade.
De acordo com Azoilda Loreto da Trindade (2002, p. 37):
Para o povo negro resistir foi algo além da complexidade da existência, resistir e
sobreviver esteve diretamente ligado à preservação da memória, da recriação de
valores culturais e do respeito e veneração pelo plano cosmo que abriga nossos
ancestrais. O ensino de história da África visa à promoção de ações para a promoção
de uma educação pluricultural, que valorize as singularidades africana e afro-
brasileira. (TRINDADE, 2002, p. 37). As lutas dos africanos e de seus descendentes no Brasil remontam à travessia do
Oceano Atlântico para serem escravizados (século XV ao XIX). Mesmo nessa condição, eles
criaram mecanismos de defesa e de resistência manifestados nas tradições culturais,
religiosas, formação de quilombos, entre outros. Da defesa e da resistência frente à
subordinação imposta pelo sistema escravocrata, resultaram bandeiras de luta, que
permanecem vivas por vários séculos.
As ligações entre o Brasil e a África começaram no século XVI. Posteriormente, por
mais três séculos, milhões de africanos fizeram a travessia do Atlântico para trabalhar nas
colônias europeias nas Américas. A interrupção nesse processo deixou lacunas na história dos
dois continentes que de acordo com Zamparoni (2009, p. 09):
Após trezentos anos de intensas dinâmicas, a segunda metade do século XIX e a primeira do século XX formaram um espaço de fluxo limitado para as comunicações
pelo Atlântico Sul, a não ser por uns poucos e concentrados ruídos. Tal afastamento
não ocorreu apenas no campo da economia, da política externa e das relações
pessoais e culturais, mas também na esfera do imaginário. (ZAMPARONI, apud
OLIVA, 2009, p. 09).
Com a interrupção do tráfico de africanos no século XVIII, por imposição da
Inglaterra, até as lutas por independência das colônias europeias na década de 1950, as vias de
comunicação entre brasileiros e africanos foram praticamente interrompidas. Esse período
marca profundamente a visão que os brasileiros criaram sobre a África e os africanos.
Essa interrupção, somada à tradição escolar marcada pela forte influência europeia,
contribuiu para anular a importância da história africana entre os brasileiros, permanecendo a
ideia de África como um continente reduzido à fome, a guerras, e a doenças, entre outras
características que o inferiorizam. Para o historiador Alberto da Costa e Silva, o século XVIII
foi palco:
(...) da luta contra o tráfico humano, que serviu de roupagem limpa à política
britânica de controle do Atlântico e das rotas para a Índia. A história tem suas
ironias. O movimento generoso e humanitário para destruir a ignomínia do comércio
de negros confundiu-se com o que iria transformar, num espaço curto de tempo,
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quase toda a África em colônia europeia. Sob o pretexto do combate ao mercadejo
de escravos, ingleses e franceses ocuparam cidades e portos africanos, humilharam e
depuseram chefes, sobas e reis, depois de debilitá-los, vedando-lhes a compra de
armas e pólvora, impedindo a cobrança de taxas de passagem pelas terras sob sua
soberania e destruindo o monopólio comercial em que muitos deles fundavam o seu
poder. (COSTA E SILVA, 1994, p. 30).
A lacuna provocada pelo período de afastamento contribuiu para a formação de uma
visão comum entre os brasileiros de estranheza em relação à África. Para o pesquisador
Anderson Ribeiro Oliva (2009, p. 03), as visões dos estudantes sobre a África “se confundem,
não com uma relação de ancestralidade direta, mas sim com o cenário de um continente
perdido e distante, em outras palavras, de um pedaço estranho e desconhecido”.
Essa interrupção de contato entre África e Brasil é uma das dificuldades para a
efetivação do ensino de História Africana. Para o pesquisador José Oriá Fernandes (2005), a
predominância da cultura de matriz europeia é um dos fatores relevantes para formar
referenciais de um imaginário negativo sobre a África.
Ainda predomina a cultura de matriz europeia nas instituições educacionais, que
escamoteia a participação dos negros e indígenas, os livros didáticos permeados de
concepções positivistas. Na maioria deles, despreza-se a participação das minorias
étnicas, especialmente negros e indígenas. (FERNANDES, 2008, p. 380).
Ensinar História Africana e Indígena requer, também, o reconhecimento da
participação de diferentes grupos para a formação identitária dos brasileiros, criando
estratégias de enfrentamento contra qualquer forma de discriminação, não sendo este esforço
uma tarefa simples. Para a pesquisadora Nilma Lino Gomes, esse reconhecimento requer:
(...) uma análise que nos permita avançar ou compreender de maneira mais profunda
que esse momento da educação brasileira não pode prescindir de uma leitura atenta
que articule as duras condições materiais de existência vivida pelos sujeitos sociais
às dinâmicas culturais, identitárias e políticas. É nesse contexto que se encontra a
demanda curricular de introdução obrigatória do ensino de História da África e das
culturas afro-brasileiras nas escolas da educação básica. (GOMES, 2012, p. 99).
Esse é um caminho longo e difícil que precisa da adesão de todos os grupos; em
especial, precisa ser abraçado por educadores e famílias de estudantes, visto que a escola
necessita partilhar do desejo de construção de uma educação antirracista, caso contrário, a Lei
se transformará em texto inerte, como tantas outras no Brasil.
A construção da luta contra o racismo precisa atingir todos os grupos e não ocorrer de
forma isolada ou direcionada a grupos específicos. Essa luta demanda construção urgente, que
deve ser partilhada por todos. Esse legado é da sociedade brasileira, não de grupos isolados
mais ou menos afetados. Na condição de educação, os resultados culminarão na permanência
e no êxito de estudantes de classes inferiorizadas e excluídas pelos próprios sistemas de
ensino.
Para Selva Guimarães (2012, p. 74):
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(...) o debate sobre o estudo da história e das culturas africana e indígena deve ser
situado no contexto da história do Brasil, nas trajetórias das relações entre os
diferentes povos que formaram a nação brasileira, reconhecendo, como uma das
marcas desse processo, a diversidade de povos e culturas. (GUIMARÃES, 2012 p.
74).
Segundo Mauro César Coelho e Wilma Nazaré Baía Coelho (2013), foram os
Movimentos Sociais, principalmente os Movimentos Negros, que chamaram atenção para a
falta de conteúdos nos currículos escolares voltados para a promoção da igualdade racial e a
valorização da população negra brasileira nos ambientes escolares. Essa discussão se constitui
em um momento ímpar na história do Brasil porque trouxe para os espaços de formação de
educadores o debate visando à valorização da identidade negra, o que significa avanços para a
construção de uma educação antirracista e plural.
Como construção dos conhecimentos que permeiam a prática escolar, os africanos e
indígenas foram, por muito tempo, banidos dos currículos escolares. Quando eles foram
inseridos nos currículos e manuais escolares, foram postos em situações que serviram de
referência para a construção de imagens negativas sobre o continente africano, seus povos e
descendentes, suas culturas e sua população negra no Brasil.
Para a historiadora Mônica Lima, ao abordar conteúdos relacionados à história da
África, devem ser tomados alguns cuidados para não correr o risco de enfraquecer a
percepção sobre o assunto:
Ao começar nossos estudos sobre a história da África, estaremos lidando com uma
matéria-prima fascinante e delicada: os diversos matizes da nossa formação cultural,
a memória dos nossos ancestrais africanos – e suas heranças, tão longamente
invisibilizadas. Todo o cuidado será sempre pouco para não resvalarmos pelas
trilhas aparentemente fáceis do maniqueísmo, da simplificação e da folclorização.
(SOUZA, 2008, p. 71).
Desafiam professores e estudantes porque são temáticas revestidas de preconceitos. A
problemática desse estudo se situa nos desafios da inserção no contexto do ensino frente a
questões da diversidade étnico-racial. Investigar como os saberes são construídos e como se
efetivam nas práticas cotidianas, considerando as determinações na Lei 10639/03, é mais que
um desafio e configura-se em um projeto de construção pessoal e social.
Tendo como referência a sondagem inicial sobre as representações, pesquisou-se o
modo de vida dos estudantes, considerando que estão inseridos numa realidade social e
econômica de vulnerabilidade, oportunidade para trabalhar com desafios que precisam ser
vencidos no cotidiano.
De acordo com a pesquisadora Ana Maria Monteiro (2003), professores e alunos são
sujeitos portadores de visões de mundo e de interesses diferenciados que estabelecem relações
entre si com múltiplas possibilidades de apropriação e de interpretação. Os saberes que os
discentes constroem são, na verdade, a soma de experiências cotidianas em diversos espaços,
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com diversos sujeitos que compõem seu universo; são saberes que, para serem construídos,
exigem do discente o despertar para possibilidades de aprendizagem em circunstâncias
diferentes.
Diante disso, não é possível pensar o ensino de forma homogênea, considerando que
saberes são construções formuladas pelas vivências próprias e com outras pessoas. Para
Maurice Tardif (2010), saberes consistem em
Tentar validar por meio de argumentos e operações discursivas (lógicas, retóricas,
dialéticas, empíricas e linguísticas) uma proposição ou uma ação. Nesse sentido,
saber significa além de evocar uma sentença que seja verdadeira para si e para o
outro, também ser capaz de explica por que razão que se ajuíza tem validade..
(TARDIF, 2010, p. 96).
O primeiro passo foi fazer uma reunião com os estudantes para apresentação da
temática e dos objetivos. Nesse momento, foi entregue aos estudantes o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido para ser assinado pelos responsáveis, autorizando a
participação dos alunos, já que a maioria era constituída por menores.
Para alcançar os objetivos propostos, o método da pesquisa ação ocorreu pela análise
documental, coleta de dados, oficinas, momentos de discussão, aplicação de questionário
semiestruturado e formação de grupo focal.
Para David Tripp (2005, p. 445), “a pesquisa-ação educacional é principalmente uma
estratégia para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que eles possam
utilizar suas pesquisas para aprimorar seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus
alunos” (...). A opção pela pesquisa está na possibilidade de intervenção na prática, no
sentido de provocar transformações. Implica a identificação do objeto, levantamento e análise
de dados, necessidade de mudança e levantamento de soluções (possíveis ou não). Possibilita
conjugar teoria e prática, visando a transformar o ambiente a ser pesquisado.
Utilizamos como instrumento metodológico uma dinâmica com palavras soltas. Essas
palavras são as representações que os estudantes construíram no imaginário sobre o
continente africano. A dinâmica consistiu na entrega de uma folha de papel em branco para
cada aluno entrevistado, que foi convidado a escrever de forma espontânea entre cinco e dez
palavras que caracterizassem a África segundo sua imaginação.
Essa metodologia teve como referência experimentos didáticos desenvolvidos pelo
pesquisador Dernival Venâncio Ramos Júnior, com turmas de professores no curso de
especialização lato sensu nos anos de 2010 a 2012, no Campus Araguaína, da Universidade
Federal do Tocantins.
Outra metodologia semelhante foi utilizada pelo pesquisador Anderson Ribeiro Oliva
em 2003 com estudantes do ensino fundamental no Recôncavo Baiano. O que difere as
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metodologias nesses casos é que o professor Dernival Venâncio Ramos Júnior solicitou a
descrição de vinte palavras, enquanto o professor Anderson Oliva ofereceu os comandos para
que os estudantes escolhessem.
Após a análise dos resultados, a segunda etapa foi desenvolvida em maio de 2017 e
consistiu na aplicação de um formulário socioeconômico para traçar o diagnóstico dos
sujeitos da pesquisa. Nesta etapa, a intenção era avaliar todos os participantes, porém somente
36% entregaram os questionários devidamente respondidos e assinados. Por esse motivo,
procedemos com a avaliação por amostragem. O objetivo foi conhecer a realidade na qual os
estudantes estão inseridos para propor um diálogo entre os saberes.
Na sequência, foram feitas a aplicação do questionário e a análise, seguindo a proposta
de pesquisa-ação, iniciando uma nova etapa que visa conhecer e relacionar os saberes dos
discentes anteriores aos processos formativos e aos saberes construídos no ambiente escolar
antes e durante a aplicação da pesquisa.
Tendo como referência as oficinas, foi criado um grupo focal com seis estudantes para
proceder com a fase final. Foram realizados três encontros com o grupo quando foram
analisados e discutidos textos sobre o continente africano e a cultura afro-brasileira. O
objetivo nessa última etapa seria utilizar a história oral, tendo como instrumento metodológico
a história de vida dos estudantes. A última etapa foi reservada para a gravação e transcrição
das entrevistas.
Quando marcamos os encontros em que ocorreriam as gravações para posteriormente
serem transcritas, apenas três estudantes compareceram ao primeiro e dois ao segundo
encontro. Houve então a necessidade de reorganizar a metodologia, optando pela narrativa
escrita. Então o trabalho fluiu e a análise ocorreu com base nas narrativas escritas produzidas
em um encontro que durou cerca de duas horas.
Entre as reflexões acerca do ensino de História da África e a construção dos saberes
dos discentes, surgiu a seguinte situação problema: considerando que a educação formal
brasileira está constituída sob forte influência europeia, porém formada por diferentes grupos
como negros, indígena, entre outros, quais os saberes dos discentes acerca da História da
África, tendo em vista a Lei 10.639/03?
O estudo teve como objetivo geral investigar os saberes discentes no âmbito da Lei
10.639/03 e como objetivos específicos: a) Analisar quais e como são construídos os saberes
sobre a África dos estudantes da segunda série do Ensino Médio na Escola Estadual Francisco
Pereira Felício; b) Contribuir para o ensino de História da África pela construção de
proposta de possibilidades metodológicas; c) Conhecer as representações dos estudantes sobre
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a História da África e dos africanos; e d) Analisar a trajetória percorrida pelos movimentos
sociais que contribuíram para a criação da Lei 10.639/03. O estudo tornou-se relevante pelo
fato de oportunizar reflexões sobre práticas de aprendizagem sobre a diversidade na escola.
Para análise das questões propostas, nos reportamos a teóricos como Gomes (2003,
2005, 2007, 2008, 2011), Guimarães (2008, 2009, 2012), Schwarcz (1993), Munanga (2003,
2004, 2005, 2008, 2009, 2010, 2015), Hasenbalg, (2005,) Tardif, (2010) Charlot (2001,
2016) e Oliva (2003, 2007, 2009), entre outros.
Para fins de organização, esta dissertação foi dividida em introdução e três capítulos.
O primeiro capítulo é intitulado “O MOVIMENTO NEGRO, AS LUTAS DOS NEGROS
BRASILEIROS E A TRAJETÓRIA DA LEI 10.639/03”, historiografia africana. Há
considerações sobre os marcos legais que conceituam e normatizam o Ensino de História da
África e Cultura Africana e Afro-Brasileira na Educação Básica Brasileira, bem como sobre o
papel dos Movimentos Sociais, principalmente do Movimento Negro e da luta pela inclusão
da História da África nos currículos escolares.
No segundo capítulo, “TECENDO SABERES: REPRESENTAÇÕES SOBRE A
ÁFRICA EM DEBATE.”, são analisadas as narrativas escritas pelos estudantes com base nas
sugestões metodológicas. Inicialmente, é feita uma análise das representações que os
estudantes construíram sobre o continente africano pela formação de um quadro de palavras,
seguido por duas oficinas e por aplicação de questionário semiestruturado para avaliar os
saberes dos discentes e os diferentes espaços em que são construídos.
O terceiro capítulo, “ÁFRICA E NÓS, CONSTRUINDO E DESCONSTRUINDO
SABERES”, propõe-se a analisar os processos de construção dos saberes discentes, tendo
como referência os ambientes externos à escola, a formação escolar e a participação na
pesquisa.
Inicialmente, a proposta seria trabalhar com um grupo focal utilizando, como
instrumento metodológico, a história de vida dos estudantes, como não houve adesão do
grupo formado por dez estudantes, optou-se por analisar as narrativas escritas produzidas por
eles, que indicaram quais são os saberes e onde são construídos.
Sobre a Pesquisadora.
Brasileira, mulher, negra, quilombola, mãe, professora, filha de lavradores, bisneta de
escravos, servidora pública federal e estadual. Esse lugar deveria pertencer a mais mulheres
brasileiras, mas as estatísticas apontam que o lugar ocupado por mim contraria as estatísticas
para nós no nascimento: menor número de anos de estudos, maior quantidade de filhos,
menores salários; enfim, um retrato da maioria de nós.
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Pertencemos à Comunidade Quilombola Poço D’Anta, localizada no município de
Almas, região Sudeste do Estado do Tocantins, a 300 km de Palmas, certificada recentemente
pela Fundação Palmares.
Como resultado de uma longa trajetória de luta pela sobrevivência, fui a primeira
pessoa da família a ingressar e concluir um curso superior. Em meados da década de 1990,
isso representava uma verdadeira façanha, até porque a Unitins, Universidade do Tocantins, a
única universidade pública do Estado, foi elevada à condição de Fundação Universidade do
Tocantins a partir de 1997.
Inserida no processo de avanço do neoliberalismo durante o Governo Fernando
Henrique Cardoso (1999-2003), passou a cobrar taxas de mensalidade, o curso de História no
campus Porto Nacional custava o equivalente a pouco menos de um salário mínimo.
Com a criação da Lei 10.639 em 2003, começamos a discutir entre professores a
questão da inclusão do ensino da história da África e a chamar os estudantes e a comunidade
para dialogar sobre a questão da diversidade. Entre erros e acertos, na verdade a luta era para
que as crianças e os adolescentes tivessem uma nova realidade nas escolas.
Mesmo que todas as ações não tenham sido exitosas e era muito comum ouvir de entre
educadores que falar de racismo e outros assuntos servia para aumentar o preconceito, a
escola, poucos anos depois, já apresentava um cenário diferente. As discussões avançaram e
mesmo que alguns obstáculos tenham sido vencidos, ainda há muitos desafios no que tange à
conquista de um ensino pautado na diversidade.
A opção por tratar da temática da diversidade é considerada política porque vai de
encontro ao modelo secular de ensino, pautado no modelo europeu e porque este modelo se
configura em espaço de silenciamento.
Os silêncios mencionados aqui não são referências ao professor, não estão
relacionados à falta de vontade de fomentar questões tão importantes para implementar um
ensino para a diversidade, mas sobre o alcance da proposta e as dúvidas que ainda pairam
sobre quando o assunto é “colocar a mão na massa”, de uma questão tão complexa: ensinar
história da África e cultura afro-brasileira e indígena.
Por fim, ressalta-se que empreender um projeto de ensino-aprendizagem com a
finalidade de construir uma sociedade plural, igualitária, numa sociedade que mantém
enraizadas as bases de constituição alicerçadas no modelo eurocêntrico no qual o racismo,
velado por quase um século pelo mito da democracia racial, não pode ser compreendido como
tarefa fácil. Quando os sujeitos do processo, professores e estudantes são também vítimas de
processos de exclusão, torna-se um conjunto de desafios permanentes.
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1 O MOVIMENTO NEGRO, AS LUTAS DOS NEGROS BRASILEIROS E A
TRAJETÓRIA DA LEI 10.639/03
1.2 Os Movimentos Sociais Negros
O ensino da História da África, da História da Cultura Africana e da História da
Cultura Afro-Brasileira constitui a base da Lei 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e
Bases (LDB, doravante) 9394/96, que pode ser considerada o ponto culminante da luta pela
igualdade no Brasil.
Essas lutas são empreendidas há séculos pelos africanos, seus descendentes e pelos
movimentos sociais brasileiros; que, a partir da Primeira República (1889-930), ganharam
aspectos políticos.
A institucionalização da Lei, reforçada pelo Parecer CNE/CP003/2004, que instituiu
as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, é considerada uma vitória pelos
Movimentos Negros.
São conquistas que marcam o limiar de um novo tempo de lutas. A luta pela
implantação e pela implementação do ensino nos espaços de formação, tanto na modalidade
básica (obrigatória), quanto na superior (suporte da básica), de onde saem os professores que
atuam na educação básica, começa a ganhar solidez.
De acordo com os pesquisadores Petrônio Domingues (2007) e Almícar Pereira (2011),
os Movimentos Sociais Negros contribuíram ativamente para a consolidação desse projeto
legal. Os instrumentos legais se converteram na resposta do poder público às demandas da
sociedade. No Brasil, os primeiros registros do movimento organizado são da década de 1920,
quando o foco principal era denunciar a segregação racial.
Nessa fase, o movimento organizado não tinha caráter político, nem um programa
definido, mas a educação formal já estava nas reivindicações como possibilidade para a
superação das precárias condições em que vivia a população negra.
Para Petrônio Domingues (2007, p. 101):
Movimento Negro é a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na
sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das
discriminações raciais, que os marginalizados no mercado de trabalho, no sistema
político, educacional e cultural. (DOMINGUES, 2007, p. 101).
Desde o século XVII, a população de africanos já travava lutas de resistência ao
regime escravocrata, e essas manifestações se deram através das fugas, da formação de
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quilombos das irmandades religiosas nos centros urbanos, de assassinatos de feitores ou
mesmo dos senhores. Todos refletem a não passividade dos negros frente à situação de
servidão.
No século XIX, ocorreu na Bahia a Revolta dos Malês, que, assim como o Quilombo
de Palmares em Alagoas, se configura como símbolo da resistência dos africanos no Brasil.
De acordo com Elisa Larkim Nascimento (2008, p. 141):
Reverenciada a figura de Luisa Mahin, da Revolta dos Malês, como protagonista do
ativismo negro daquele período. Seu filho Luís Gama, além de ter sido um dos mais
importantes abolicionistas do seu tempo, foi um dos precursores da consciência
negra no Brasil. (NASCIMENTO, 2008, p.141).
Os movimentos sociais já existiam antes mesmo do fim do período de escravização
dos negros, mas no início do século XX, assumem caráter político. Foram eles,
principalmente o Movimento Negro, os principais responsáveis pela adoção de políticas
públicas que objetivam corrigir a distância entre brancos e negros, consequência de séculos de
escravidão e de exclusão social.
Os Movimentos Negros brasileiros não se configuraram como uma luta localizada, ou
só dos negros brasileiros, pois já estavam na pauta de populações negras de outras partes do
mundo a exemplo das reivindicações da “Primeira Convenção dos Povos Africanos no
Mundo”, realizada em Nova Iorque em 1920, onde vinte e cinco mil delegados de todos os
cantos do mundo africano lançaram uma “Declaração de Direitos”, na qual condenavam o
colonialismo e afirmavam “o direito inerente do negro de controlar a África”
(NASCIMENTO, 2008, p. 163). Entre outras medidas, pleiteou-se o ensino de história
africana nas escolas públicas.
Na década de 1920, surgem os Movimentos Sociais Negros, que, desde as primeiras
manifestações, mostraram que a intenção era questionar o quadro de marginalização,
discriminação e desigualdades a que a população negra espalhada pelo Brasil era submetida.
De acordo com Petrônio Domingues, a formação inicial tinha cunho assistencialista, pois, ao
final da década de 1930, existiam mais de 250 associações com formatos diversos, como
grêmios, clubes, jornais etc., espalhadas por alguns estados. Destaque para o papel da
imprensa negra e para a fundação da Frente Negra Brasileira (FNB, doravante), em 1931.
Na mesma década, a questão da necessidade de mobilização para o ensino para a
diversidade brasileira já estava na pauta das reivindicações desses movimentos.
O ensino de história africana já estava em discussão. No Brasil já era forte, segundo
Almícar Pereira, a “questão da educação de pessoas negras já despontava como um
tema de grande importância para as organizações de negros em nosso país”.
(PEREIRA, 2011, p. 27 e 28).
A FNB sucedeu o Centro Cívico Palmares, fundado em 1926. Com a FNB, o
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Movimento Negro ganhou aspectos políticos e foi transformado em movimento de massas,
com participantes em dez estados. Com o Estado Novo (1937-45), o movimento perdeu forças
e quase foi extinto, ressurgindo em 1944 com o Teatro Experimental do Negro (TEN,
doravante), sob a liderança de Abdias Nascimento. Com o exílio do líder em 1968, o
movimento foi praticamente extinto.
Durante o período ditatorial, 1964-85, nas lutas contra o regime de exceção, a
denúncia do “mito da democracia racial” como um elemento fundamental para a
constituição do movimento, a partir da década de 1970, pode ser observada, por
exemplo, em todos os documentos do Movimento Negro Unificado (MNU), criado
em 1978, em São Paulo, e que contou com a participação de lideranças e militantes
de organizações de vários estados. Desde a “Carta Aberta à População”, divulgada
no ato público de lançamento no MNU, realizado nas escadarias do Teatro
Municipal de São Paulo, em 7 de julho de 1978, podemos encontrar em todos os
documentos a frase “por uma verdadeira democracia racial” ou “por uma autêntica
democracia racial” (PEREIRA, 2011, p.37).
De acordo com Petrônio Domingues (2007), o Movimento Negro Unificado (MNU,
doravante), assim como os movimentos anteriores, trouxe a proposta de mudanças nos
sistemas de ensino, propondo educação como estratégia utilizada pelas organizações negras
nas lutas contra o preconceito, racismo e reavaliação do papel do negro na história do Brasil.
O programa de ação proposto em 1982 trouxe, entre outras, a proposta de inclusão do ensino
de história da África nos currículos, da literatura negra, em detrimento da literatura de base
eurocêntrica (DOMINGUES, 2007).
Na década de 1940, foi fundado o TEN, que daria origem ao Comitê Democrático
Afro-Brasileiro. A organização promoveu eventos de grande repercussão como a Convenção
Nacional do Negro Brasileiro e a Conferência Nacional do Negro. Ainda no ano de 1950,
ocorreu o Primeiro Congresso do Negro Brasileiro, que foi um divisor de águas, pois chamou
atenção para a valorização do negro como produtor de conhecimento.
Entre os objetivos centrados no fim do racismo, a educação formal se configurou
como um dos alvos do MNU. De acordo com a antropóloga Luena Pereira:
Esta luta pela inclusão (social, econômica, política e simbólica) dá grande peso à
educação, tanto pela reivindicação do aumento do acesso da população negra ao
ensino formal, em especial à universidade, como pela mudança das representações
sobre o negro nos currículos escolares do ensino básico, envolvendo a crítica e a
transformação das relações raciais na escola. (PEREIRA, 2011 p. 254.).
Entre os anos 1980 e o início do século XXI, houve uma diversificação de
organizações sociais vinculadas ao movimento negro, algumas delas defendendo teses
distintas, mas tendo em comum o avanço da resistência, da denúncia para forçar a proposição
de políticas públicas, de diretrizes legais e de ações afirmativas para os afrodescendentes no
Brasil.
De acordo com as pesquisadoras Tânia Mara Pedroso Muller e Wilma Nazaré Baía
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Coelho (2013, p. 33):
Em 1983, o deputado federal Abdias do Nascimento apresentou um Projeto de Lei
(PL 1.332/83) que, entre os diversos pontos defendidos, podem se destacar aqueles
específicos à educação como a inclusão do ensino de História e Cultura Africana e
Afro-brasileira na educação primária, secundária e superior. O projeto não foi
aprovado. (MULLER e COELHO, 2013 p.33).
Nesse período, de acordo com Muller e Coelho (2013), houve severas críticas ao
modelo de educação brasileira, e entre as propostas para inovação estava incluso o ensino
obrigatório e gratuito para todos. Na década de 1980, o Brasil passou por profundas
transformações políticas, econômicas e sociais.
Com o fim da ditadura em 1985 e a implantação do modelo democrático, a
promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe em seu texto mudanças significativas
para a educação do país e para a população de afro-brasileiros.
Entre as mudanças, o racismo passou a ser tratado como crime inafiançável. O Artigo
68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias trouxe a garantia: “Aos
remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é
reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.
(BRASIL, 1988, p. 17).
A Constituição de 1988 em seu Artigo V, inciso XLII, define o racismo como crime
inafiançável e imprescritível. Em 2003, foi criada a, Secretaria para a Promoção da Igualdade
Racial (SEPPIR), destinada a estimular e coordenar as ações de inclusão racial. No mesmo
ano, foi sancionada a Lei 10.639/03 e, em 2004, foram criadas as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais. Em 2008, a Lei 11.645/08
modificou a Lei 10.639/03 para incluir a obrigatoriedade do ensino de história e de cultura
indígena. Essas leis são parte de um conjunto de políticas públicas de ação afirmativa
adotadas pelo Estado Brasileiro no sentido de reconhecer e de superar, especialmente pelo
Estado, a existência de desigualdades e de discriminação.
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
XLI – a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais;
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e
imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
No bojo desse conjunto de transformações pelas quais o país passava, a Lei 10.639/03
foi sancionada e alterada em 2008 pela Lei 11.645/2008, fruto de um longo processo de
debates entre os movimentos sociais, cujos participantes já reivindicavam políticas públicas
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voltadas para a promoção da igualdade, com o intuito de promover a inclusão de grupos
brasileiros que, por séculos, foram vítimas de exclusão e discriminação.
A Lei 10639/03 foi sancionada no governo do então Presidente Luís Inácio Lula da
Silva, em 09 de janeiro de 2003. Esta Lei alterou o Artigo 26 da LDBEN, para incluir a
obrigatoriedade do ensino de História da África e de História e Cultura Africana e Afro-
Brasileira em toda a educação básica. A lei é fruto da conquista dos Movimentos Sociais
Negros, que indicaram a necessidade de acrescentar os conteúdos aos currículos escolares
visando à promoção de uma educação multirracial. A partir de então, a LDBEN passa a
vigorar com o acréscimo dos Artigos 26-A e 79-B.
Em 2008, com a redação da Lei 11.645/08, o Artigo 26 foi mantido, mas passou a
vigorar com os acréscimos do novo texto para incluir o ensino de História e Cultura Indígena:
§ 4º. O ensino de História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes
culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes
indígena, africana e europeia.
At. 26-A Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e
privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e
indígena. (Redação dada pela Lei 11.645, de 2008).
§ 1º. O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos
da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir
desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos,
a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena
brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as
contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
(Redação dada pela Lei 11.645, de 2008).
§ 2º. Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos
indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escola, em
especial as áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras. (Redação
dada pela Lei nº 11.645, de 2008). [...]
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional
da Consciência Negra’. (Redação dada pela Lei nº 11.645, de 2008).
Com a implantação e a implementação da Lei, as ações decorrentes dela devem ser
vistas, segundo Muller e Coelho (2013), como uma política pública em sua definição original,
não como mera ação provisória de governo visando a minimizar problemáticas enfrentadas
pela escola pública. O processo de implementação, por várias razões, ainda enfrenta
dificuldades para se tornar sólido. Segundo a historiadora Selva Guimarães (2005, p. 20):
Discutir o ensino de História no século XXI é pensar os processos formativos que se
desenvolvem em diversos espaços e as relações entre sujeitos, saberes e práticas.
Enfim, é refletir sobre modos de educar cidadãos numa sociedade complexa,
marcada por diferenças e desigualdades. (GUIMARÃES, 2005, p. 20).
Um dos gargalos enfrentados nesse processo está relacionado à formação de
professores. Muitos professores em atividade não tiveram acesso a processos formativos
voltados para atender as demandas da Lei ou, em algumas situações, resistem por entenderem
que a Lei é uma imposição do governo.
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“Não é a sua origem, todavia, o que garante singularidade e importância à Legislação
em referência, mas a natureza do desafio que coloca para o saber escolar, no sentido de alterar
visões de mundo, de redimensionar a memória, de criticar mitos e enfrentar preconceitos”.
(COELHO; COELHO, 2013, p. 96).
A Lei traz a possibilidade de ampliar a discussão sobre questões seculares que
circundam o sistema de ensino, como o enfrentamento do preconceito e da discriminação e a
luta contra um modelo eurocêntrico, isso diz respeito não só ao ensino de História, o novo
modelo também precisa ser pensado em consonância com os saberes e práticas dos docentes.
Daí a importância de projetos de formação continuada para os professores.
As manifestações, fruto da luta do Movimento Negro, permaneceram no cenário
brasileiro, a exemplo da Marcha Zumbi dos Palmares. Em 2005, em Brasília, aconteceu a
“Marcha Zumbi dos Palmares+10”, segunda edição da “Marcha Zumbi dos Palmares pela
Vida e Contra Todas as Formas de Discriminação”, que ocorreu em 20 de novembro de 1995.
Os dois eventos foram considerados divisores de águas na história das relações sociais no
Brasil. O documento elaborado como resultado da primeira marcha abriu espaço para a
discussão sobre políticas públicas entre o governo e a sociedade para o fim do preconceito, e a
segunda marcha denunciou, entre outras questões, as desvantagens em que se encontram os
negros em todos os níveis educacionais.
Os Movimentos Negros continuaram com a agenda de lutas para ampliação dos
direitos da população afro-brasileira e, segundo os pesquisadores Paulo Vinicius Baptista da
Silva, Rosa Amália Espejo Trigo e José Antonio Marçal, dois eventos foram fundamentais
nesse processo:
A “Marcha Zumbi dos Palmares pela vida e contra todas as formas de
discriminação”, realizada em 20 de novembro de 1995, é considerada um marco
para as relações raciais no Brasil. Uma grande mobilização. Movimentos negros e
direitos humanos e articulação de centenas de entidades negras levaram os ativistas a
Brasília. Após uma passeata em direção ao Planalto e algumas horas de espera, uma
comissão foi recebida pelo Presidente da República e pôde entregar diretamente o
documento que continha um diagnóstico da situação social da população negra
brasileira, bem como proposta de combate ao racismo e à desigualdade racial. (SILVA, TRIGO, MARÇAL, 2013).
Recebidos pelo presidente da república Fernando Henrique Cardoso, os manifestantes
entregaram um documento com um diagnóstico da situação da população em questão e foi
criada uma Comissão de Trabalho Interministerial para definir medidas de combate ao
Racismo pelo Estado.
O debate sobre as desigualdades presentes na sociedade brasileira entre a população
não é recente, mas parte de lutas seculares, que só podem ser compreendidas à luz da análise
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da história dos três grupos que estão na base da formação do povo brasileiro: o branco, o
negro e o indígena. Para os historiadores Mauro César Coelho e Vilma Nazareth Baía Coelho:
A introdução das temáticas previstas nas leis nº 10.639/03 constitui uma inversão do
percurso usualmente trilhado pelas políticas educacionais. Ambas as leis não
decorreram da constatação, por parte do Estado, de uma fragilidade no sistema ou
nas condições de oferta. Os dois instrumentos legais resultam de demandas de
movimentos sociais. Nos dois casos, a luta contra as formas de discriminação e
preconceito foi o elemento determinante. (COELHO E COELHO, 2012, p. 02).
Essas temáticas criaram oportunidades para que todas as ações educacionais que
visassem à promoção de uma educação de qualidade fossem repensadas para a inclusão da
diversidade.
Segundo Abdias Nascimento (1978), os estudos sobre preconceito e formas de
dominação sobre os afro-brasileiros ganharam solidez a partir da década de 1950, quando a
Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, doravante)
patrocinou estudos sobre o tema, com a primeira edição em 1951, ampliada em seguida por
pesquisas realizadas na Universidade de São Paulo (USP,doravante), das quais participaram
Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni e Renato Jardim Moreira. Atualmente esses
assuntos ganharam espaço, tanto em virtude da militância das pessoas comuns quanto dos
movimentos sociais organizados.
Além disso, nas últimas décadas, todas essas manifestações dos Movimentos Negros
possibilitaram novas políticas públicas com potencial para promover o debate acerca da
participação desses grupos em todas as esferas da vida em sociedade.
Todas essas ações almejam melhorar os indicadores sobre a participação dos afro-
brasileiros e grupos menos favorecidos na economia, no acesso à educação e na vida em
sociedade como um todo.
Para Munanga (2015), a saída está numa educação e numa socialização que enfatizem
a coexistência ou a convivência igualitária das diferenças e das identidades particulares e a
importância do ensino de história da África e do negro na sociedade brasileira:
A análise crítica da historiografia brasileira ainda existente mostra que essa história
foi ensinada de maneira distorcida, falsificada, preconceituosa comparativamente à
história de outros continentes, principalmente do continente europeu e dos
brasileiros de ascendência europeia. (MUNANGA, 2005, p. 25).
A opção pela educação formal para resolver questões de diversidade no conjunto da
população brasileira é um grande acerto. Através dessa formação, crianças, adolescentes,
jovens e adultos podem e devem encontrar o caminho para convivência harmônica em uma
sociedade pluricultural. Para Munanga (2005, p. 26), “os africanos são vítimas da negação de
sua história nos contextos escolares. Foram os ocidentais, por questões ideológicas e políticas,
que alienaram a personalidade coletiva do africano”.
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Para tanto, precisamos contar com programas educacionais capazes de discutir as
demandas da população e de introduzir um diálogo permanente sobre a necessidade de
diminuição e eliminação das formas de preconceito e discriminação. Segundo Azevedo
(2016), ensinar história da África e Afro-Brasileira em um país que tem 60% de sua
população com ascendência africana “não se trata apenas de ajuste de contas com a memória,
mas se trata também do ajuste de contas com o direito humano de se ter uma memória
recontada sob outro prisma” (AZEVEDO, 2016, p. 235).
Azevedo (2016) destaca ainda a importância dos Centros de Estudos Africano
Orientais os CEAOs, doravante – CEAO UFBA, CEAO USP, 1965, CEAO da Universidade
Cândido Mendes, 1973 – que, a partir de 1959, tiveram destaque na área de pesquisas de
estudos africanos. Mais recentemente, nas décadas de 1990 e 2000, houve o surgimento dos
Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB, doravante) em inúmeras instituições públicas de
ensino, Universidades e Institutos como núcleos de incentivo à pesquisa em torno das
heranças africanas.
As discussões acerca da necessidade de ensinar para a diversidade não são recentes no
Brasil, desde o século XX intelectuais e políticos de diversas áreas debatem o assunto, esse
debate, porém, só tomou forma no mundo acadêmico recentemente, com foco no preconceito
e na discriminação a partir da década de 1980. A grande inovação que a proposta traz em seu
bojo, embasada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino das Relações Étnico-
Raciais, é situar negros, seus descendentes e indígenas como atores na formação do país e na
construção da identidade do povo brasileiro.
Segundo Tânia Mara Pedrosa Muller e Wilma Nazaré Baía Coelho (2013, p.04):
É importante tomar conhecimento da complexidade que envolve o processo de
construção da identidade negra em nosso país. Processo esse marcado por uma
sociedade que, para discriminar os negros, utiliza-se tanto da desvalorização da
cultura de matriz africana como dos aspectos físicos herdados pelos descendentes de
africanos. (MULLER; COELHO, 2013, p. 04).
Vale ressaltar que foi a soma de forças dos movimentos sociais, da comunidade
acadêmica e do poder público que efetivaram as políticas para implantação da Lei. Para
Coelho; Coelho (2013), “daí decorre um dos mais claros desdobramentos da legislação, a
necessidade de alterar o saber escolar, de modo a satisfazer a legislação, desde fora do
sistema, compreendendo os espaços de pesquisa e a formação de pesquisadores e
professores” (COELHO; COELHO, 2013, p.03).
Segundo a historiadora Rebeca Gontijo (1999), as narrativas sobre a história do Brasil,
bem como sobre o modelo educacional, trouxeram a Europa como centro de referência da
formação do povo brasileiro. Nas narrativas, os povos indígenas e africanos foram vistos
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como coadjuvantes. Essa visão sobreviveu ao tempo e permanece impregnada no currículo e
na legislação educacional, sendo perceptível nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,
doravante) de 1997, que, segundo Rebeca Gontijo (1999, p. 65):
Trazem a criticada visão do Brasil como produto da união de três raças (índios,
negros e brancos), contraditoriamente, não está ausente, sendo disfarçada na forma
de "povos indígenas", "sociedades europeias" e "continente africano". Ou seja, os
indígenas são apresentados como povos, os brancos como povos e os negros como
algo sem identidade, definidos pelos limites territoriais de um continente ou de uma
civilização. (GONTIJO, 1999, p. 65).
Os currículos escolares, a partir da Lei, devem atribuir à História da África, dos
africanos e dos indígenas, bem como da América, a mesma relevância atribuída à Europa e
isto é o que sinaliza a Legislação. É importante que crianças e adolescentes, ao fazerem o
percurso da Educação Básica, conheçam a história sobre o continente africano e sobre a
participação dos negros e dos indígenas na formação da identidade e da sociedade brasileiras.
Espera-se que o ensino de história, assim como os conteúdos expressos no livro didático,
oportunizem aos estudantes condições para refletir acerca da participação dos povos não
europeus e de suas respectivas culturas na formação da identidade brasileira.
Como resolver a questão da formação de professores para a implementação da Lei
pelos sistemas de ensino e suas escolas? Segundo a historiadora Mônica Lima (2014, p. 3),
quando essa lei foi promulgada, a impressão que se teve:
(...) a princípio, foi que a obrigatoriedade recaía apenas sobre o trabalho dos professores da educação que, a partir dali, teriam que dar conta de todas as lacunas
de sua formação no que se referia à história da África e dos negros no Brasil. Mas,
em março de 2004, o Conselho Nacional de Educação colocou a público as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e, em junho daquele
mesmo ano, aprovou a resolução nº17, a qual, sem deixar margem a dúvidas,
estabeleceu que as medidas diziam respeito também aos docentes e gestores do
ensino universitário. (SOUZA, 2014, p. 3).
O ensino de história no Brasil foi sempre fortemente influenciado pelo modelo
eurocêntrico, baseado na figura do africano associado à escravidão e, consequentemente, à
África como lugar primitivo e atrasado. Para o pesquisador José Ricardo Oriá Fernandes
(2005, p. 380), “a omissão dos currículos e dos manuais didáticos quanto à condição de
sujeitos históricos e ameríndios contribui para elevar os índices de evasão e repetência de
crianças provenientes dos estratos sociais mais pobres”.
A história ensinada reserva, tanto aos africanos e a seus descendentes quanto aos
indígenas, imagens de condições subalternas; ou seja, negros e índios sendo escravizados,
chicoteados ou expostos a situações de humilhação. Para a criança pertencente a esses grupos,
esse quadro era o referencial da sua história e dos seus antepassados. Essas imagens
contribuíram para a formação de um imaginário social negativo sobre eles. Esses referenciais
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negativos da história dos antepassados dentro e fora da escola colaboram para o fracasso
escolar de muitos estudantes.
Segundo Fernandes (2005, p. 380):
Currículos e manuais didáticos que silenciam e chegam até a omitir a condição de
sujeitos históricos às populações negras e ameríndias têm contribuído para elevar os
índices de evasão e repetência de crianças provenientes dos estratos sociais mais
pobres. (FERNANDES, 2005, p.380)
Para Oliva (2009), esse quadro precisa ser refeito. O papel das escolas e dos sistemas
de ensino é o de adequar o currículo e o livro didático, que está entre os principais recursos
utilizados pelos professores como instrumento pedagógico, no sentido de atender as
demandas de uma educação antirracista. São medidas simples que, somadas ao esforço dos
educadores, dão o tom da transformação.
Neste caso, o papel das escolas e dos manuais escolares é de fundamental
importância. Apesar de encontrarmos leituras e interpretações equilibradas e
positivas acerca dos africanos na legislação escolar, em experiências nas salas de
aula e em alguns dos livros didáticos, a tendência majoritária é a de reproduzir as
imagens dos africanos escravizados, brutalizados ou massacrados pela fome e
conflitos, marcadas sempre pela ausência de uma crítica ou reflexão histórica mais
pontual. (OLIVA, 2009, p.19).
Para dar sequência à discussão sobre a necessidade de se promover educação para a
diversidade no Brasil, – e isso inclui a participação dos africanos, dos indígenas e de outros
grupos tão importantes quanto os europeus para a formação da identidade brasileira –
seguiremos discorrendo sobre ensino de história do Brasil, bem como a maneira pela qual os
africanos são tratados na historiografia.
1.2 O Ensino de História no Brasil
Segundo os pesquisadores Ruckstatder; Ruckstatder (2010), o ensino de história no
Brasil, desde o início do período colonial, excluiu grupos dos processos de formação da
identidade do povo brasileiro e excluiu, também, a criação de mecanismos para democratizar
o ensino e a participação desses grupos. A intenção aqui é discutir o ensino de história
relacionado à inclusão do ensino de história africana e indígena.
A História, como disciplina autônoma, surgiu no século XIX na França e se
fundamentava nas concepções positivistas. Tinha, como principal função, a reconstrução do
passado tal qual ocorrera, enfatizando grandes fatos e a construção de mitos e de heróis. No
Brasil, o ensino da disciplina teve início com os padres jesuítas no período colonial,
fundadores das primeiras unidades de ensino, e foi largamente pesquisado nos diferentes
períodos e contextos históricos com a finalidade de discutir como o conhecimento cumpre as
demandas educativas de determinado período, com o objetivo de contribuir com os modelos
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educacionais.
Até o século XVII, o ensino na colônia pautou-se no atendimento às demandas da
Coroa Portuguesa, assim como a todos os aspectos da vida na colônia. O ensino visava a
atender interesses econômicos, políticos e sociais, e para isso alguns grupos foram excluídos.
A história dos grupos marginalizados, formados por africanos e seus descendentes,
indígenas, colonos pobres, entre outros, não ocupava espaços nos bancos escolares. A
exclusão desses grupos visava a atender as demandas dos dominadores, os europeus, que,
trilhando esse caminho, impuseram a cultura europeia aos grupos dominados.
A inclusão das discussões sobre questões relacionadas à formação e à inclusão de
conhecimentos sobre os arranjos culturais desses grupos marginalizados são bem recentes na
história do Brasil. Durante o período colonial, esses grupos não foram contemplados pelos
programas educacionais. A historiografia da época atendia, sobretudo, aos interesses da Coroa
e à manutenção da fé católica.
Com a expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal em 1759, a Coroa inaugura um
projeto educacional conhecido como "Reforma Pombalina", que não só visava a atender aos
interesses da Metrópole Portuguesa, como "visava à transformação e adaptação da sociedade
portuguesa aos movimentos sociais, culturais, econômicos e políticas que estavam a ocorrer
na Europa do século XVIII" (NETO; MACIEL, 2008 p. 12).
O projeto de educação jesuítico pretendia promover transformações no modo de vida
dos indígenas para inseri-los nos moldes da colonização. Havia também o objetivo de utilizar
a mão de obra indígena no contexto da produção colonial. De acordo com os pesquisadores, o
projeto jesuítico era um projeto de “transformação social”.
Segundo Toledo (2005), com o advento do Império, a partir da Proclamação da
Independência do Brasil em 1822, o ensino de História passa a ser analisado na perspectiva do
ensino ministrado no tradicional Colégio Pedro II, fundado em 1838, e os compêndios
adotados por ele foram, por muito tempo, referência para o ensino de história no Brasil.
Na tarefa de criar a nação, a História consolidou suas bases constituintes como
disciplina escolar. Pensar essa disciplina se construindo no Brasil é, portanto, pensar
o saber histórico se definindo no conjunto das relações sociais imperiais no início do
século XIX. (TOLEDO, 2005, p. 04).
Na visão da pesquisadora, a história ensinada nesse período destinava-se à elite branca
e estava estruturada nos conteúdos sobre as civilizações da antiguidade. Inspirada no ensino
das humanidades clássicas, a exemplo do caso francês, o colégio se converteu em instituição
formadora de uma elite intelectual, capacitando-a para seguir os cursos superiores e assumir
cargos políticos e administrativos do Império.
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Segundo Schwarcz (1993), com a fundação do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB, doravante) em 21 de outubro de 1838, estava “em suas mãos a
responsabilidade de criar uma história para a nação, inventar uma memória para um país que
deveria separar, a partir de então, seus destinos dos da antiga metrópole europeia”.
(SCHWARCZ, 1993, p.144)
Esta tarefa não foi fácil, pois o IHGB tinha pela frente a difícil missão de criar uma
identidade para o Brasil e os brasileiros e se diferenciar dos demais países, principalmente de
Portugal, no intuito de atribuir uma nova identidade, dando solidez à ideia de nação.
Quanto à formação de uma identidade nacional, segundo Pereira:
O Instituto defendia a tese do Brasil miscigenado, formado por brancos, negros e indígenas,
ou seja, defendia que o nosso país era fruto desses três elementos culturais, no entanto
defendia a superioridade do branco. Privilegiava o Estado como principal agente da
História brasileira, enfatizando os principais acontecimentos, os grandes heróis nacionais.
(PEREIRA, 2014, p. 04).
Uma forma peculiar de manter o modelo eurocêntrico em ação foi o projeto de o
IHGB funcionar como instrumento de atendimento às demandas da Coroa. Mas de acordo
com Schwarcz,:
Criado logo após a independência política do país o estabelecimento carioca cumpria o
papel de que lhe fora reservado, assim como os demais Institutos Históricos: construir uma
história da nação, recriar um passado, solidificar mitos de fundação, ordenar fatos buscando
homogeneidades em personagens e eventos até então dispersos. (SCHWARCZ, 1993, p.
129.)
“Quanto à questão racial, difunde-se uma postura dúbia, na medida em que um
projeto de centralização nacional implicava também pensar naqueles que ficariam excluídos
desse processo, ou seja, negros e indígenas”. (SCHWARCZ, 1993, p. 145.) Ainda de acordo
com a pesquisadora (1993) uma forma prática de exemplificar a postura do IHGB sobre as
populações do Brasil é pelo Concurso promovido pelo Instituto em 1844 sobre “Como
escrever a história do Brasil”.
O autor premiado, o naturalista alemão Karl Friedrich Philipp Von Martius, propôs
uma maneira de entender o Brasil, correlacionando o desenvolvimento do país com o
aperfeiçoamento específico das três raças.
Estas, por sua vez, segundo Von Martius, possuíam características absolutamente
variadas. Ao branco, cabia representar o papel de elemento civilizador; ao índio, era
necessário restituir sua dignidade original ajudando a galgar os degraus da
civilização; e ao negro, por fim, restava o espaço da detração, uma vez que era
entendido como fator de impedimento ao progresso da nação. (SCHWARCZ, 1993,
p. 147).
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O negro africano e brasileiro, elemento formador do povo brasileiro, após séculos de
submissão ao modelo de escravização imposto pelo europeu, entre o fim do século XIX e
início do século XX, foi caracterizado para representar um peso para o progresso da nação.
Pesquisadores formularam e divulgaram teorias de cunho racista, que atribuíam ao negro a
culpa pelo atraso do país. Assim, além da exclusão aos direitos essenciais, a partir de então,
aos negros pesou a responsabilidade de prejudicar o progresso, o que se refletiria nas teorias
raciais disseminadas no início do século XX no país.
Mesmo diante da propagação da ideia de hierarquia entre as raças, o negro não se
manteve passivo à condição imposta pela escravização. As lutas em oposição ao regime se
manifestaram de várias formas muito antes da assinatura da Lei Áurea, desde as ações
cotidianas de resistência, conforme o historiador Jayme Pinsky (2016), como as fugas em
massa, formação de quilombos, assassinatos de senhores e senhoras, suicídios e revoltas.
Segundo Carlos Hasenbalg (2005, p. 80):
O preconceito e a discriminação racial apareceram no Brasil como consequências
inevitáveis do escravismo. A persistência do preconceito e a discriminação após a
destruição do escravismo não são ligadas ao dinamismo social do período pós-
abolição, mas são interpretadas como um fenômeno de atraso cultural, devido ao
ritmo desigual de mudança das várias dimensões do sistema econômico, social e
cultural. O que separa e diferencia negros e brancos no Brasil é fruto de um processo
de construção, que durou todo o período colonial, envolvendo as várias etapas de
formação, consolidação e desagregação do sistema escravista. Florestan Fernandes
não vê o preconceito e a discriminação raciais como resultado parcial da mudança
legal do status dos negros, pelo contrário, argumenta que o modelo arcaico de
relações raciais só desaparecerá quando a ordem social competitiva se libertar das
distorções que resultam da concentração racial, de renda, privilégio e poder.
(HASENBALG, 2005, p. 80).
Com a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888 e com a disseminação de
teorias racistas na Europa, o Brasil passou a fazer tentativas de branqueamento da população,
ancorado nos fundamentos da ideologia racial elaborados a partir do fim do século XIX a
meados do século XX pela elite brasileira. Essa ideologia disseminou a ideia de que o atraso
do país estava diretamente relacionado à quantidade de negros. Para solucionar tal situação,
optou-se pela adoção da mão de obra europeia, estimulando a migração de milhares de
pessoas para trabalhar nas lavouras em substituição à mão de obra escrava.
Para Kabengele Munanga (1999, p. 16):
Apesar de ter fracassado o processo de branqueamento físico da sociedade, seu ideal
inculcado através de mecanismos psicológicos ficou intacto no inconsciente coletivo
brasileiro, rodando sempre nas cabeças dos negros e mestiços. Esse ideal prejudica
qualquer busca de identidade baseada na "negritude" e na "mestiçagem", já que
todos sonham ingressar um dia na identidade branca, por julgarem superior.
(MUNANGA, 1999, p. 16).
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A miscigenação seria o caminho para extinguir negros, indígenas e o próprio mestiço
para originar uma raça brasileira, prevalecendo a crença na superioridade da raça branca. De
acordo com esse pensamento, o negro desapareceria em pouco tempo.
Intelectuais e cientistas participaram dessas construções dando todo o respaldo
necessário à política de branqueamento da população brasileira.
O médico psiquiatra Nina Rodrigues formulou concepções baseadas no determinismo
biológico, que contribuíram para acentuar a inferioridade da população negra no Brasil e
serviram de reforço para as teorias racistas que se desenvolveriam no século XX. Para
Hasenbalg (2005, p. 83):
(...) após a abolição, o racismo, a discriminação e a segregação geográfica dos
grupos raciais bloquearam os principais canais de mobilidade social ascendente, de
maneira a perpetuar graves desigualdades raciais e a concentração de negros e
mulatos no extremo inferior da hierarquia social (HASENBALG, 2005, p.83).
No Brasil, durante a Primeira República (1889-1939), o ensino de História foi
fortemente influenciado por cientistas estrangeiros, principalmente os franceses com a
contribuição da "Escola Nova" e do Positivismo. Para Gontijo (1999, p. 62) "o mais
interessante é considerar o fato de que a mudança no regime político promove certa urgência
de reflexão sobre saberes e poderes necessários e sua efetiva consolidação". No campo do
ensino, as mudanças são necessárias para justificar os interesses da classe dominante e atender
a interesses do modelo político vigente.
Com o objetivo de enfatizar as tradições do passado e com o advento da República,
surge a necessidade de adequar o ensino à construção do patriotismo, passando a adotar a
História da Pátria com a missão de integração entre os brasileiros e a civilização ocidental. Na
História da Pátria, os conteúdos deveriam enaltecer a figura dos heróis nacionais.
No contexto de consolidação da República, foi disseminada por alguns estudiosos a
ideia de que os negros eram culpados pelo atraso brasileiro, o que justificou as correntes
migratórias europeias com o propósito de "branquear" o povo brasileiro. Lembrando que,
durante praticamente todo o período colonial, desde a chegada dos primeiros grupos de
africanos para o trabalho na produção açucareira, eles, africanos e seus descendentes, foram
excluídos dos bancos escolares.
Exatamente no período pós-assinatura da Lei Áurea (1888), a maioria dos africanos e
seus descendentes permaneceram excluídos dos programas escolares, que se destinavam à
elite formada pelos portugueses ricos.
Nesse contexto, os africanos, ex-escravizados, viram os postos que ocuparam nas
fazendas serem ocupados por homens e mulheres brancos, livres e assalariados, enquanto a
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eles restou a opção de engrossar as fileiras de excluídos nas periferias das cidades.
Hasenbalg, tendo como referência a análise da obra de Florestan Fernandes, “A
Integração do Negro na Sociedade Brasileira”, concluiu:
Com a desintegração do regime escravista, a mudança do status legal de negros e
mulatos não se refletiu numa modificação substancial de sua posição social. À falta
de preparo para o papel de trabalhador livre e ao limitado volume de habilidades
sociais adquiridas durante a escravidão, acrescentou-se a exclusão de oportunidades
sociais e econômicas, resultantes de uma ordem social competitiva (HASENBALG,
2005, p. 79).
Aos ex-escravizados foi relegada a margem inferior dos sistemas produtivos. Esses
processos históricos marcados pela exclusão deixaram marcas profundas que delineiam as
desigualdades e as distâncias existentes entre brancos e negros nos campos educacionais e
profissionais até nossos dias.
Na década de 1930, dois acontecimentos marcam um novo capítulo da história
brasileira: Gylberto Freyre lança a obra “Casa Grande e Senzala” (1933), que se tornaria a
base para a criação do mito da democracia racial, além disso, surge a FNB em 1931.
Para Munanga, a FNB foi considerada o primeiro movimento racial realmente
reivindicativo após a abolição da escravatura. Esse movimento, transformado em
partido político em 1936 e interditado no ano seguinte, como todos os outros
partidos políticos do país, pela ditadura de Getúlio Vargas, e todos os demais
movimentos negros que apareceram e desapareceram entre 1945 e 1970. Estavam
preocupados em dar ao negro uma nova imagem, semelhante àquela proposta pela
ideologia de "democracia racial". (MUNANGA, 1999, p. 97).
Além dos movimentos citados acima, surgiram várias outras agremiações com o
mesmo fim – discutir a situação dos negros no Brasil. Segundo Petrônio Domingues (2007, p.
102), “no final de década de 1930, havia cerca de 250 associações espalhadas por alguns
Estados da Nação”. As lutas dos Movimentos Sociais Negros passariam por grandes
transformações nas décadas subsequentes.
As pesquisadoras Muller; Coelho (2013) afirmam que, desde cedo, esses movimentos
perceberam que a questão educacional era essencial. “Entre todas as violências às quais a
população negra tem sido submetida, a exclusão do sistema educacional é, certamente, uma
das mais perniciosas formas de ferocidade” (MULLER; COELHO, p. 32, 2013).
Os movimentos negros passaram a reivindicar um ensino que criasse expectativas
positivas de si e da sua história para os alunos negros, acreditando que a luta contra o
preconceito e a discriminação, partindo da escola desde os processos iniciais de formação,
certamente abririam novas perspectivas a esses estudantes.
Nesse contexto, ocorre o que poderia ser caracterizado como mudança de projeto de
branqueamento da população para o mito da democracia racial e, para tal, “a grande
contribuição de Freyre foi ter mostrado que negros, índios e mestiços tiveram contribuições
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positivas na cultura brasileira” (MUNANGA, 1997, p. 98). A sociedade brasileira passou a
incorporar uma forte ideia de democracia racial que, segundo Munanga (2006, p. 12):
O mito de democracia racial, baseado na dupla mestiçagem biológica e cultural
entre as três raças originárias, tem uma penetração muito profunda na sociedade
brasileira: exalta a ideia de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as
camadas sociais e grupos étnicos, permitindo às elites dominantes dissimular as
desigualdades e impedindo os membros das comunidades não brancas de terem
consciência dos sutis mecanismos de exclusão da qual são vítimas na sociedade. Ou
seja, encobre os conflitos raciais, possibilitando a todos se reconhecerem como
brasileiros, afastando os mecanismos de exclusão da qual são vítimas na sociedade,
de se reconhecerem como brasileiros, afastando das comunidades subalternas a
tomada de consciência de suas características culturais que teriam contribuído para a
construção e expressão de uma identidade própria. (MUNANGA, 2006, p.12).
Com isso, a desigualdade não mais é atribuída a questões raciais, mas à condição
social. As desigualdades sociais e regionais entre brancos e negros ganham espaço nas
discussões sobre suas condições. A disseminação da ideia de igualdade racial muito
p