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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRA E ARTES
CURSO DE HISTÓRIA
Felipe Henrique Cadó Salustino
BARTOLOMÉ DE LAS CASAS:
à procura de igualdade e justiça aos homens (1550-1552).
Natal, RN
2013
FELIPE HENRIQUE CADÓ SALUSTINO
BARTOLOMÉ DE LAS CASAS:
a procura de igualdade e justiça aos homens (1550-1552).
Monografia apresentada ao Curso de História da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a
orientação da professora Maria Emília Monteiro
Porto, para a avaliação da disciplina Pesquisa
Histórica II.
Natal, RN
2013
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é procurar entender como um dominicano, que antes de sua
conversão era um ecomendero possuidor de índios, ficou considerado como o primeiro
humanista do mundo e como estava a fermentação daquele Humanismo primitivo do século
XVI. A partir de uma análise de seus discursos e sua forma de ação, procurei explorar sua
contribuição para o Mundo moderno que se apresentava de forma a possuir diversos
antagonismos e, principalmente, com carência de definir o que era o homem.
Las Casas se sobressai aos demais de sua época pelos seus relatos aterradores sobre a
Conquista da América empregada pela Coroa espanhola, pois o mesmo – após 1514 – tomara
a postura de condenação daquele tipo de exploração, procurando promover uma consciência
para uma melhor colonização, a qual condenava sua ação, mas assegurava sua legitimidade,
procurando em suas obras que o mundo indígena fosse tocado pelos melhores valores cristãos.
As fontes utilizadas foram as próprias publicações do frei dominicano com uma maior
dedicação a sua mais famosa obra Brevíssima relación de la destrucción de las Índias.
Constatando sua importância no mundo Europeu, Las Casas vira um personagem a parte
daquela sociedade, pois o mesmo naquele período bebeu de um humanismo tão primitivo que
podemos notar o nascimento concomitante deste pensamento de assegurar os direitos das
minorias, fazendo com que respingue até nossos dias seus ideais de libertação se aceitarmos a
ideia de que seu discurso reverbera em nosso cotidiano sempre que nos são apresentados em
manchetes de TVs e jornais a arbitrariedade no trato com o indígena.
RESUMEM
El objetivo de este trabajo es procurar entender cómo un dominicano, que antes de su
conversión era un ecomendero poseedor del trabajo indígena. Fue considerado el primer
humanista del mundo y como estaba la fermentación de aquel humanismo primitivo del siglo
XVI. A partir de un análisis de su discurso y su modo de actuación, trataré de explorar su
contribución al mundo moderno que tuviera tantos antagonismos en sus caracteres y, sobre
todo, con la falta de definición de que sería el hombre.
Las Casas se distingue de otros de su tiempo, debido sus relatos horribles de la Conquista de
América empleada pela Corona española, donde que él mismo – después de 1514 – ha tomado
la postura de condenar ese tipo de exploración, en que busca promover la conciencia para una
mejor colonización, la cual condenaba su acción, pero aseguró su legitimidad, buscando en
sus obras que el mundo indígena fuese tocado por los mejores valores cristianos.
Las fuentes utilizadas en este trabajo son sus propios escritos, con una mayor dedicación a su
obra más famosa, la Relación breve trabajo de la Destrucción de las Indias. Tomando nota de
su importancia en el mundo europeo, Las Casas vira un personaje destacable en esta sociedad,
porque el mismo en mismo periodo se fortificó de un humanismo tan primitivo que podemos
decir que o nacimiento de estos fueron simultáneos e visaron en el pensamiento de asegurar
el derecho de las minorías, haciendo salpicar até nuestros días los ideales de liberación, si
aceptamos la idea de que su discurso repercute en nuestra vida cotidiana siempre que nos son
presentados con los titulares de los periódicos e televisión la arbitrariedad en el trato con el
indígena.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................6
CAPÍTULO I – LAS CASAS E SEU CONTEXTO HISTÓRICO
1.1 Como se constituía o mundo antes e durante o primeiro humanista.................9
1.2 Brevíssima biografia........................................................................................12
1.3 A conversão....................................................................................................16
1.4 Suas publicações como forma de luta..............................................................18
CAPÍTULO II - CONQUISTAS E DERROTAS DE LAS CASAS: ENTRE LEIS E
BULAS, O FREI É UTILIZADO COMO ARMA CONTRA A ESPANHA
2.1 As bulas papais e a bula Sublimis Deus.........................................................23
2.2 Las Casas e as leis..........................................................................................27
2.3 Os dominicanos e a influência na promulgação das leis...............................29
2.4 A Leyenda Negra...........................................................................................32
CAPÍTULO III – A CONTROVÉRSIA EM VALLADOLID
3.1 Institucionalização da consciência humana...................................................35
3.2 A Junta...........................................................................................................37
3.3 Os debatedores e o debate..............................................................................39
3.4 O resultado da Junta.......................................................................................42
CONCLUSÃO....................................................................................................45
BIBLIOGRAFIA................................................................................................50
5
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como tema principal o papel de Bartolomé de Las Casas como
defensor das causas indígenas e figura expressiva do Humanismo cristão. Sua delimitação
temporal compreende o período entre 1550, com o que ficou conhecido como o “debate em
Valladolid”, e 1552, com a publicação da Brevíssima relación de la destrucción de las Índias,
escrita pelo dominicano espanhol. Entendemos que esse período representa o centro da
controvérsia e nos permite um exercício de reflexão para entender Las Casas e a fomentação
do Humanismo do século XVI.
Muito já foi estudado sobre as publicações deste dominicano, as quais trazem relatos
aterradores da sangrenta conquista da América. O frei tinha o objetivo de comover as
autoridades da Coroa espanhola para que cessassem aquele sistema genocida que fizera
presente desde a chegada dos espanhóis ao Novo Mundo, tendo como marco importante a
publicação de sua obra já citada.
O labor deste dominicano norteara este trabalho, em um exercício de reflexão,
pensaremos como as publicações deste podem ser consideradas uma ebulição no mundo
moderno que suscitou a necessidade da Coroa de rever a consciência no trato com o recém-
descoberto e o próprio Humanismo do século XVI. A partir de um empreendimento de estudo
sobre o contexto da época e as circunstâncias históricas que Las Casas e a obra viviam,
recuperaremos seus argumentos humanistas em diálogos com os debates da época.
A institucionalização da conscientização dos espanhóis foi promovida tanto pelo frei
Bartolomé de Las Casas como pelo seu maior opositor, Juan Ginés de Sepúlveda - o debate
em Valladolid de 1550 a 1551. Carlos V reuniu uma junta de teólogos e estudiosos a fim de
que se fizessem ouvir as argumentações dessas duas personalidades antagônicas e importante
da época. O objetivo da junta era saber qual a melhor forma de lidar com aqueles novos tipos
de homens recém-descobertos. Tratava-se de uma discussão que se colocava em oposição a
alteridade e a universalidade da condição humana com a recusa ao Outro que lhes impuseram
um direito natural de subjugação e dominação.
Para que suscitar um debate sobre a condição humana indígena, como o debate em
Valladolid, se Bulas Papais e Leis regidas por volta do final do século XV e início do XVI
atestavam essa condição? Por exemplo, as Leis de Burgos de 1512, que condenava os maus-
6
tratos aos índios e apoiava a conversão ao cristianismo – procurando evitar as barbáries
cometidas contra a população nativa – e o aval dado pelo mundo moderno da condição
humana dos índios desde a primeira carta que um papa escreveu para a América, a bula
Sublimis Deus (1537), são garantias do verdadeiro valor humano dado aos índios, tanto no
campo político quanto no religioso. A resposta desta prerrogativa talvez esteja no fato da
importância de estudar Las Casas, ora se o próprio defensor universal dos índios foi nos
primórdios da Conquista um explorador da mão-de-obra indígena, significa que o mundo
moderno vivia em uma busca incessante de conscientização sobre o trato com o novo mundo
que era exposto.
A compilação dos estudos de autores que já se engajaram em estudar este dominicano
torna a pesquisa mais acrescida de elementos importantes, devido ao fato da abrangência de
análise, pois nesses livros temos uma contemplação maior sobre Las Casas: analisamos
biografias que nos contam com detalhes a vida e obra e outros que procuram se centrar mais
nas produções lascasianas, porém sem deixar de lado a importância de se estudar sobre a vida
do pesquisado. Todavia, com o estudo prévio desses autores é possível uma compreensão
mais concisa das obras do dominicano – obtendo maior entendimento das fontes, elucidar o
significado de vários termos e a explanação das ações de diversas leis proposta no período
estudado.
A produção estrangeira é importante, mas circula de forma precária no Brasil. É o caso de
Lewis Hanke, um reconhecido pesquisador lascasista, entre um dos mais considerados
biografo e estudioso de Las Casas, mas não possui suas obras circulando em nosso território.
Até mesmo autores brasileiros como: Hector Bruit com Bartolomé de Las Casas e a
simulação dos vencidos; Antonio J. do Nascimento Filho, Bartolomé de Las Casas, um
cidadão universal; Carlos Josaphat, Todos os direitos para todos; tem suas produções quase
nulas nas livrarias e editoras daqui. Marcel Bataillon, Estudios sobre Bartolemé de Las Casas
e Manuel Gimenez Fernandez, Bartolomé de Las Casas – são duas publicações que possuem,
em mesmas proporções, o valor que tem e a grande dificuldade de encontrá-las. Isso torna
assaz pertinente este presente estudo, o qual trará efetivamente um benefício para a sociedade,
pois pode preencher essa lacuna da bibliografia quase inexistente no trato desse dominicano e
a propagação de um humanismo universal, os quais são, como vimos, títulos carentes de
análises.
7
Este objeto de estudo possui sua relevância por contribuir para a compreensão de como o
discurso humanista agiu e qual suas conquistas e fracassos nos primórdios de sua propagação.
Uma vez que embates e maus-tratos a índios são assuntos cotidianos em telejornais e revistas,
o estudo sobre esse dominicano que é considerado um humanista universal – mesmo em um
mundo de profundas contradições – faz-se necessário, pois tal tema favorecerá a elaboração
de uma conscientização social acerca do trato com o índio, procurando dar-lhes seus direitos e
justiças, já que parece que o mundo ainda não resolveu seus problemas com a questão
humana.
Las Casas é sempre lembrado e homenageado toda vez que a luta pelos direitos humanos
é ressaltada. São mais de quinhentos anos de luta por esses direitos, cuja empreitada perpetua-
se até hoje. Contudo se observarmos nos indicadores sociais teremos a impressão de que o
tempo de Las Casas não passou e que seus clamores ecoam em toda essa faixa territorial
conhecida como América, funcionando como um suplicio para que salvem as almas dos
nativos contra estes maus tratos.
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CAPÍTULO I –
LAS CASAS E SEU CONTEXTO HISTÓRICO
1.1 Como se constituía o mundo antes e durante o primeiro humanista.
Em 12 de outubro de 1492 a frota marítima de Cristóvão Colombo chegou ao continente
que hoje é conhecido como América. O navegador genovês e sua pequena tropa estavam em
busca de novas rotas para as Índias e ao se depararem com as terras americanas,
convenceram-se de que se tratava do Oriente – uma parte periférica do Japão -, moviam-se a
coragem, o valor renascentista da fama, o prazer do descobrimento, a ânsia pelo ouro e o
dever de evangelizar1. O almirante morreu achando que havia encontrado um novo caminho
para se chegar as Índias.
A Idade Moderna (século XV ao XVIII) é uma época geralmente percebida como um
período de transição, devido ao valor da revolução social que se constituiu na substituição do
modo de produção feudal pelo modo de produção capitalista. Com isso Colombo encontrou
um terreno completamente favorável para seus desbravamentos ultramar, já que se tratava de
um período em que o pioneirismo marítimo de Espanha e Portugal ganhara força. Estes dois
reinos europeus foram os primeiros a reunir condições técnicas e financeiras para começar a
explorar novas alternativas de rotas.
Com essa nova conjuntura mundial foi possível ao almirante genovês chegar à América,
impulsionado por uma necessidade de descobrir novas rotas para livrar a Europa da
supremacia italiana e turca, já que em 1453 os turcos tomaram Constantinopla e fecharam
para a Europa todos os caminhos terrestres para o Oriente, sobrando assim apenas à procura
da via marítima como rota de fuga.
A Espanha acabava de conquistar sua unidade nacional, graças ao casamento de Fernando
II de Aragão e Isabel I de Castela, em que unificaram os reinos ibéricos no país que passou a
chamar de Espanha – em uma empreitada que durara anos e que lhes custaram quase a
liquidação de todo o tesouro imperial. Surgiu então, oferecida para estes, a descoberta de
Colombo – de um equivoco a grandiosas consequências -, proporcionando a conquista e
1 FUENTES, Carlos. O espelho enterrado: reflexões sobre a Espanha e o Novo Mundo. Rio de Janeiro: Rocco,
2011, p. 87
9
exploração daquela parte do mundo ainda desconhecida, porém tão bela que o almirante
chamou de Paraíso terrestre e o mesmo falou de uma inocência de homens e mulheres
daquela ilha, havendo apenas um primeiro contato pacífico e de descobertas de ambos os
lados.
Contudo esta nova descoberta, a partir da expansão ultramarina dos Impérios Ibéricos no
final do século XV, trouxe à tona novos problemas a que se fincou como característica
especial da Idade Moderna e marca o período como época histórica, levando a sociedade a
buscar novos paradigmas de pensar, de fazer com o “novo-homem”, de agir e de compreender
o que era o ser humano. Pois o choque entre culturas despertou variadas discussões que
ecoaram por todo aquele território recém-descoberto até reverberar de volta ao Reino
espanhol, como vemos nas palavras de Antônio José do Nascimento Filho:
Nas primeiras décadas que se seguiram à conquista
do México, as batalhas ideológicas se acirraram em torno
das seguintes questões: a) se os índios deviam ou não
servir aos espanhóis como escravos; b) se os nativos
tinham ou não suficiente capacidade de se tornar cristãos
ou governar a si mesmos.
Durante os anos de 1532 e 1533, o Conselho das
índias procurou harmonizar de várias maneiras as
diferentes posições que começaram a dicotomizar a
opinião dos conselhos reais.” (NASCIMENTO FILHO,
2005, p. 108)
A relação de dominados e dominantes no transcurso da história da América espanhola,
que se apresentou de forma, muitas vezes, com aspectos de autoridade e intolerância, traz à
tona uma sociedade com problemas de definir o homem. A questão das diferentes visões que
se fizeram presentes no entrelaçado contato de espanhóis e índios é um campo que trás
repetidas discussões a respeito de qual forma constituía-se o homem moderno. A primeira
junta que tinha por objetivo esclarecer estas discussões foi a eclesiástica de 1532, em que
obteve como consenso não haver dúvidas de que os nativos tinham suficiente capacidade,
reconhecendo-os como seres racionais e capazes da governança.
No âmbito do Renascimento cultural, que vivia o mundo do século XVI, sabemos que a
ideia primordial de espanhóis ao entrarem em contato com os índios era a dominação. Tal
dominação se fundamentava nas variadas concepções que importava no discurso dos
dominadores, porém o que mais foi ressaltado no discurso da conquista é a relação de
10
dominação por uma certa naturalização da escravatura – discussão esta presente desde a
Antiguidade, em que se colocaram de um lado Aristóteles com seus ideais de escravos por lei
e por natureza e de outro os críticos que afirmavam que a escravidão ao ser introduzida pela
força e violência não poderia ser um fundamento justo.2
Essa questão da escravatura natural é retomada com ainda mais força após os
acontecimentos da Modernidade, em que o mundo europeu se cruzava com o mundo indígena.
Sabemos que a princípio a conquista dos espanhóis se deram por essa subjugação, em que a
autoridade maior ficava para os colonizadores e a escravidão – até então seguindo os moldes
de Aristóteles – com caracteres de natural. Contudo, essa discursão nos séculos posteriores ao
XV estava ligada frequentemente a um jogo de poder, muito devido ao problema da
consciência dos espanhóis do Novo Mundo. Ora, tratando os índios como escravos por
natureza arrancava-se assim a justificativa aceitável para cometerem todos os maus-tratos e
abusos possíveis que fizeram existir na Conquista, tudo causado pela sede insaciável pelo
ouro, como traz Las Casas na Brevíssima relación:
A causa pela qual os espanhóis destruíram tal
infinidade de almas foi para enriquecer em pouco tempo,
subindo de um salto a posição que absolutamente não
convinham a suas pessoas; enfim, não foi senão sua
avareza que causou a perda desses povos, que por serem
tão dóceis e tão benignos foram tão fáceis de subjugar; e
quando os índios acreditaram encontrar algum
acolhimento favorável entre esses bárbaros, viram-se
tratados pior que animais e como se fossem menos ainda
que o excremento das ruas; e assim morreram, sem Fé e
sem Sacramentos, tantos milhões de pessoas.” [...]. (LAS
CASAS,2011 p.29)
Exatamente nessa conjuntura o mundo espanhol e o americano ver surgir o maior
defensor da humanização indígena da época, este que foi o precursor do humanismo cristão3
devido sua defensa para a causa indígena após se deparar e entristecer com as maldades de um
sistema opressor e perverso, se tratando, como disse frei Carlos Josaphat, de uma “pré-história
dos Direitos Humanos”.
2 TOSI, Giuseppe. Aristóteles e os Índios: a recepção da teoria aristotélica da escravidão natural entre a Idade
Média Tardia e a Idade Moderna. In: H., de Boni, Luis A. E Pich, Roberto. (Org.). A recepção do pensamento
greco-romano, árabe e judáico pelo Ocidente medieval. Porto Alegre, 2004, p. 761 3 União filosófica dos princípios cristãos e o humanismo, em que visava à liberdade e o individualismo como
partes intrínsecas naturais.
11
1.2 Brevíssima biografia.
Bartolomé de Las Casas nasceu em Servilha por volta de 1474 ou 1484, são duas datas
prováveis. A primeira é defendida pelo seu primeiro biógrafo – Antônio de Remesal -, porém
em 1975 outra historiadora traz um juramento de Las Casas diante de um julgamento em 1516
que o mesmo afirma ter 31 anos. Em contrapartida, Isacio Pérez Fernandez – um dos mais
reconhecidos lascasianos – apresentou outro documento em que Las Casas afirmava ter 50
anos em 1514, no caso ele teria 10 anos em 1474. Não obstante, o que é mais aceitável no que
diz respeito a data de nascimento de Las Casas é a de 24 de agosto de 1484, pois a maioria das
fontes modernas que temos, coincidem ou se aproximam desta data, já o ano de sua morte
todos são unanimes em 1566.
Este personagem ímpar na história da Conquista da América foi um encomendero, padre
da ordem dos Dominicanos, cronista – com obras extensas sobre a sangrenta colonização -,
com formação teológica e filosófica, jurista e bispo de Chiapas (México). São anos a fio
dedicados incessantemente à causa indígena tornando-se assim o Procurador o protector
universal de todos los índios de las Índias, título este dado pelo Cardeal Cisnero em 1516.
Las Casas era filho de um mercador que esteve presente na segunda viagem de Cristóvão
Colombo às Índias, no ano de 1493. Porém seu primeiro contato efetivo com as Índias e com
os nativos das novas terras descobertas aconteceu seis anos depois da viagem anteriormente
citada, pois seu pai regressou para casa com um escravo presenteado pelo seu comandante de
expedição que fizera em 1499, da qual trouxe para seu filho um jovem indígena como servo.
Contudo tiveram que renunciá-lo e devolvê-lo por ordem da rainha Isabel, já que se tratava de
um período no qual as Bulas Papais e as novas leis manifestavam-se com métodos de diminuir
os abusos e as escravatura indígena.
No auge dos seus dezoito anos Las Casas partiu para uma nova e desconhecida jornada,
rumo a uma América que teria muito a lhe oferecer, movido pelas mesmas perspectivas que
fez o navegador genovês e tantos outros homens europeus enfrentarem a tenebrosa travessia
do Atlântico:
Las Casas é o tipo perfeito do espanhol que vê a
América com certo idealismo e sobretudo com muita
ambição. Parte para cá, buscando riqueza, mas também
quer ajudar na catequese e para isso recebe as ordens
menores. Essa mistura de religião e negócio vai bem no
estilo da cristandade de então. Progride no projeto
religioso e financeiro, pois será o primeiro padre
12
ordenando na América – e disso sempre se orgulhou –
mas será no começo um padre fazendeiro. Mais ainda,
será um encomendero, recebendo do repartimiento uns
bons quinhões de terra e uns lotes de Índios. Será um
bom administrador, fará fortuna, sendo apontado como
modelo para os demais colonizadores. (JOSAPHAT,
2005 p.13)
Las Casas chega ao Novo Mundo em 1502, pois tinha a confiança dos governadores que
se instalaram na América, principalmente Nicolás de Ovando - governador das Antilhas.
Confiança esta adquirida por estudar Direito em Salamanca e ser um jovem bastante
promissor. Contudo Las Casas chega as Antilhas como leigo apenas, e somente em 1510 –
data da chegada da Ordem de São Domingos na Ilha Espanhola e a instalação do primeiro
convento dominicano – que ele consegue tornar-se sacerdote secular.
Esses novos religiosos instalados na América vão marcar uma nova fase na história da
Conquista, pois os mesmos assumiram uma postura de não somente condenarem os
conquistadores e suas explorações, mas lutaram por um novo modelo de colonização,
orientado pela justiça social e inspirado pelo o que prega o cristianismo. Carlos Josaphat
explana bem o modelo jurídico e político que a Metrópole espanhola assegurou na
colonização das Índias Ocidentais e pelo qual os religiosos dominicanos não estavam de
acordo:
Esse tipo de colonização que se baseava na
conquista e no repartimiento da terra em encomiendas,
implantava uma economia que enriquecia de início o
colonizador com o duplo dom do capital imobiliário da
mão de obra gratuita. Olhado do lado da Metrópole e dos
seus enviados, tal sistema parecia ter tudo para dar certo.
Ele contava com a presença e o apoio de eclesiásticos e
de religiosos, que deveriam dar assistências aos
colonizadores e evangelizar os “infiéis”, cuja subjugação
e escravidão começavam a serem exaltados como
condições prévias ideias para sua eficaz evangelização.
(JOSAPHAT, 2005 p. 11).
Como podemos perceber temos nos primórdios da Conquista, um terreno bastante
favorável para a implantação de um sistema de opressão e usurpação. Nesse início de século
XVI a junção da propagação da fé cristã e o saque das riquezas indígenas andavam de mãos
dadas nas areias do território dos nativos, cujo papel desempenhado era o de explorado e de
13
vítima. A Coroa tinha um território vasto e uma mão-de-obra gratuita para explorar: “a espada
e a cruz marchavam juntas na conquista e no butim colonial”.4
A luta dos dominicanos para tal modelo de colonização é impelida efetivamente em 21 de
Dezembro de 1511, quando o famoso sermão do frei Antônio de Montesinos no Quarto
Domingo do Advento, intitulado de “Eu sou a voz que clama no deserto”, é ecoado por toda a
terra recém-descoberta. Em seu sermão pregou para os colonizadores alertando do mal que
estavam cometendo e do imenso pecado social da colonização injusta e opressora. O sermão
citado tem variadas importâncias nesse período colonial: 1) devido ao fato do mesmo ser
considerado o primeiro grande esforço de humanizar a colonização; 2) ajudou à promulgar as
Novas Leis de 1512; 3) é considerado não somente um começo na luta por justiça e igualdade
na América espanhola, como também um importante fato na história do cristianismo; e por
fim 4) pode ser considerado um incisivo começo no cambiar do pensamento de Las Casas, ele
não mudou de ideia de imediato, no entanto o sermão serviu para alertar sobre a realidade em
que estava imerso: dizimação indígena. Contudo, ainda em 1513 tornou-se capelão das tropas
que conquistaram Cuba:
Entre 1513 e 1514, Las Casas acompanhou Diego
Velásquez de Cuéllar em sua expedição a Cuba. Como
recompensa, Velásquez lhe deu índios e terras, depois
recebeu terras com minas de ouro. E assim, como padre,
encomendeiro e colono, viveu por doze anos, cúmplice
do sistema vigente. (NASCIMENTO FILHO,2005 p.72).
Dentre as poucas vozes que se fizeram ecoarem no deserto da colonização, o Frei
Antônio de Montesinos se tornou consistente em conclamar aos colonizadores uma nova
consciência para mudar aquele cenário de horror e mazelas. O mesmo queria que fosse dado
aos indígenas o direito e a igualdade humana que ele acreditava que possuíssem, pois estes
foram criados imagem e semelhança de Deus, assim como os espanhóis:
Duas perguntas de Montesinos perpetuaram-se
inquietantemente até os nossos dias: Não são eles
homens? Não possuem eles uma alma racional?
Inaugura-se ali o primeiro conflito público entre o zelo
pela propagação da fé e a ambição por outro lado e prata
por parte dos colonizadores. (NASCIMENTO FILHO,
2005 p.97).
4 GALEANO, Eduardo. As veias abertas da América Latina. Porto Alegre: L&M, 2011, p.41
14
Essas discussões existentes entorno dos nativos chegou até a Espanha, onde a Coroa
promoveu um Conselho em 1512 para discutir sobre esta justiça em prol dos índios, travado
entre dominicanos que apoiavam Montesinos e os que eram contrários a tal prerrogativa.
Como consequência foram promulgadas as Leis de Burgos5, aceito até então como uma
vitória, pois, efetivamente, tratava-se dos primeiros regulamentos detalhados no que diz
respeito à administração das relações entre os índios e os espanhóis. Porém, especificamente,
estas leis tratavam mais de como deveriam atuar no que diz respeito com o trabalho indígena,
do que conter um discurso contra as explorações espanholas, contendo muitas regras da forma
de procedimentos de coisas diárias, como: comida, roupa e do cuidado que os colonos
deveriam ter para não descuidarem e deixarem de ensinar a doutrina cristã, entre outras
coisas.
Estudando Las Casas ajuda a perceber como se constituiu o mundo americano nos
primeiros anos de Conquista, pois este viveu os dois lados dicotômicos de atitude que aquela
época propiciou: “Nos primórdios, Las Casas não era tão diferente dos demais espanhóis
aventureiros que vieram para cá em busca de fortuna.” (NASCIMENTO FILHO, 2005 p. 101)
Entretanto em 1514 com a influência de monges dominicanos, o frei começa a cambiar o
modo de pensar e agir ao ponto de que em abril do dito ano ele abdica de toda sua
encomienda. Lógico que essa conversão não ocorreu num relance de tempo, mas sim, vem
desde a influência do sermão de Montesinos. Contudo Las Casas afirma em seus escritos que
enquanto estava em meditação e oração um trecho dos escritos bíblicos lhe serviu para que
acordasse para a realidade que estava a sua frente, o trecho é do livro de Eclesiástico,
versículo 26-27, que traz: “é matar o próximo tirar-lhe os meios de subsistência, é derramar o
seu sangue privá-lo do salário devido”.
A partir de então, Las Casas se tornará a voz da minoria, o lutador dos oprimidos o
patrono e protetor universal dos índios a quem aprendeu a amar, mesmo sem os conhecer. O
bispo não os conhecia, porém os amavam de forma ímpar e particular, pois o amor, a
conquista e o conhecimento são três aspectos que independem-se um do outro. Você pode
amar sem conhecer, contudo em mesma proporção o individuo pode conhecer e não amar –
esta assimilação foi colocada por Todorov, em A conquista da América, para contrapor dois
personagens importantes da Conquista: Bartolomé de Las Casas e Hernán Cortez.
5 Promulgada em 27 de Dezembro de 1512 em Burgos, Espanha. É considerada a primeira codificação de leis
direcionadas aos colonos para proibir os maus-tratos aos indígenas.
15
Até 1514 Las Casas não expressou qualquer tipo de reprovação ou incoerência entre o
trabalho cristão e a exploração da economia colonial. O mundo moderno se apresentava como
uma grande interrogação, contendo variadas dicotomias com relação ao ser humano,
sobretudo para Las Casas, assim como para vários dos demais, não existia tal abismo para tal
antagonismo – ou seja, o Las Casas catequizador não condena o Las Casas encomendeiro e o
inverso é recíproco.
Apresentar Las Casas como alguém que chega a
Santo Domingo como catequizador ou como um
explorador de riquezas permite interferir posturas e juízos
distintos. Embora as duas funções pudessem estar juntas,
como na maioria das vezes esteve, o fato de se destacar
uma ou outra implica a formulação de um juízo sobre o
jovem colonizador e seus ideais na área de colonização.
(FREITAS NETO, 2003, p. 35)
Como escreveu José Alves de Freitas Neto, empregar algum valor a Las Casas a partir da
sua posição, seja de encomendero ou de patrono dos índios, é lhe atribuir juízo de valor que
não existiam na época, diria até que o historiador cometeria um erro grave de anacronismo –
empregando um valor muito bem definido em sua época sem este fator está presente nas
ideologias da Idade Moderna –, tendo em vista que estes dois mundos não se separam, nem
mesmo após sua conversão.
1.3 – A conversão.
Las Casas pós-1514 vai seguir de corpo e alma os caminhos que os Dominicanos já
estavam traçando desde suas chegadas, mas sua luta será muito mais aguda e incisiva,
utilizando-se do fator da sua bem sucedida experiência de empresário rural. Procurará os
direitos indígenas, sem causar danos aos seus compatriotas espanhóis. Logo de início tentou
promover uma sistematização do modelo de colonização que beneficiava tanto o colono
quanto o indígena, inspirando-se nos princípios de justiça, igualdade e solidariedade:
Em um primeiro momento, quer juntar a competência dos
europeus e a capacidade de trabalho dos habitantes da América,
irmaná-los em umas espécies de “comunidades” ou
cooperativas de produção. Faz tudo com esmero. Estabelece
projetos bem pensados. Procurando escolher e preparar os
parceiros dessa empresa. Mas é impossível cerzir remendo novo
em pano velho. (JOSAPHAT apud LAS CASAS. 2005 p.15)
16
Este projeto foi chamado de Plano para a reforma das Índias, e foi apresentado na
Espanha em 1516, quando Las Casas retornou para ter uma audiência com o rei Fernando,
todavia não a obteve, pois na época o rei se encontrava-se muito doente, chegando à falecer
pouco tempo depois. Não obstante Las Casas é recebido pelo cardeal Cisnero que assumira a
regência e ouvira todo o relato feito pelo frei da calamitosa situação indígena no Novo
Mundo. Las Casas conquista o apoio de Cisnero que o nomeia “Procurador dos Índios”.
O cardeal impeliu a Ordem de São Jerônimo que ficassem responsáveis pela realização de
tal projeto formulado por Las Casas e seus companheiros. Assim, em 11 de novembro de
1516, retorna a América com os padres jerônimos. No entanto, estes tornam-se inconstantes e
acabam sendo os responsáveis pelo fracasso da implantação do projeto e leis lascasianos,
devido ao fato destes religiosos aliarem-se aos colonos, os quais viam Las Casas como um
inimigo e lhes sempre eram hostil.
Nos anos seguintes Las Casas parte para um projeto ainda mais laborioso e tenta por em
prática o seu grande sonho: uma colonização pacífica. Defendendo que uma colonização teria
que se mover pela força da fé e não pela ambição do ouro, em um processo de leis de
igualdade para que os missionários não somente salvassem as almas indígenas, mas também o
corpo. Seu projeto fincou em fundar três colônias estáveis de lavoura com agricultores que
estivessem dispostos a conviver com índios – o lugar escolhido foi a costa de Paria, região de
Cumaná, Venezuela.
Obteve o aval para tal projeto pelo rei Carlos V, que fora coroado após a morte de
Fernando. Las Casas foi nomeado capelão de Sua Majestade e ficou como responsável de
comandar os dominicanos, franciscanos e lavradores. Contudo, como o anterior, seu projeto
fracassa, devido aos índios de regiões vizinhas, que inflamados pelos maus-tratos dos
colonizadores, mataram alguns religiosos. Somando-se a isto tiveram espanhóis corrompendo
índios com vinho em troca de ouro.
Suas experiências posteriores não tiveram resultados esperados, terminando em banhos
de sangue – os espanhóis instigam os índios, que respondem em um ataque a equipe reunida
por Las Casas e matam seus principais colaboradores. Este episódio ocorre em 1521 e Las
Casas a partir de então decide dar novo rumo à seus projetos. Ele se sente culpado pelo
ocorrido, devido ao fato de ter se apoiado em pessoas que não mereciam confiança, eram
17
homens que desejavam unicamente enriquecer-se naquela região, sem se preocuparem com os
índios.
Daquele momento por diante compreendeu que seus projetos necessitavam cambiar de
eixo e reconheceu que a luta pela justiça teria que ter um outro trabalho ainda mais ardo: a
mudança de consciência dos demais. Convenceu-se de que com suas pregações iria
influenciar os costumes, orientar as pessoas, criar uma nova cultura, chegando ao ápice de
mudar o próprio sistema.
1.4 – Suas publicações como forma de luta.
Em 1524 resolveu dedicar-se aos estudos e orações – as bibliotecas dos mosteiros eram
seu refúgio almejado para levar a frente à tarefa espiritual, cultural, apostólica e social para
mudar aquele sistema que o circundava. Neste período o padre Bartolomé de Las Casas
resolveu entrar para a Ordem dos Dominicanos e dedicar-se, sobretudo a estudar a doutrina de
um grande mestre medieval, São Tomás de Aquino, principalmente a Summa Theologica,
documentos papais, além dos filósofos gregos – entre eles Aristóteles.
“Certamente, Las Casas era possuidor de uma
imensa cultura clássica e medieval e era um mestre do
método escolástico de disputa. [...]. Las Casas era um
filho espiritual de Tomás de Aquino, o maior teólogo da
cristandade medieval, mas recebeu também influência de
Aristoteles [...]. As posições antropológicas, filosóficas e
teológicas de Las Casas eram tão contundentes,
persuasivas e fortes em prol dos índios e contra a
escravatura, que nem a Inquisição espanhola conseguiu
julgá-lo ou condená-lo, apesar das queixas enviadas por
seus oponentes ao Santo Ofício. Mas Las Casas também
era um filho da Renascença. Seus argumentos apoiavam-
se no profundo viés da racionalidade e na igual
capacidade dos índios, o que era corroborado por toda
observação e experiência.” (NASCIMENTO
FILHO,2005 p.84)
Las Casas lutou até os últimos dias de sua vida na defesa do direito à vida para todos os
homens sem distinguir nenhum tipo de raça ou crença, enfrentando conquistadores cegos pelo
ouro, autoridades corruptas, um Estado qualificado de tirânico pelo próprio Las Casas e
desafiou até os desconfiados inquisidores e seus oponentes que o entregava constantemente ao
Santo Ofício.
18
A volumosa obra deste dominicano, a que intitulou de Historia de las Índias, foi iniciada
por volta deste período em um convento dominicano em Santo Domingo. Esta obra virou,
ordenado pela Coroa, como leitura obrigatória para aqueles que entrassem em contato com os
indígenas. Las Casas afirma nesta publicação que o cardeal Cisneiro, em nome do rei,
ordenava que tratassem os nativos como cristão e homens livres. Porém era uma
recomendação e não uma lei ou regra, mesmo que não adiantasse nenhuma destas duas
prerrogativas. Sobretudo observamos que a posição institucional, em forma de lei da Coroa,
era a de preservação dos indígenas contra os maus-tratos. Las Casas não se exclui da história
nessa publicação e faz questão de comentar da parte da sua vida de encomendero:
Em sua Historia de las Índias, afirma que
empreendeu converter os índios, revelando também que
obteve índios como escravos, tendo-os como
trabalhadores de minas e no cultivo de suas terras que
prosperaram. [...] Las Casas continuou cumprindo o seu
papel de eclesiástico encomendeiro, apesar de ter-lhe sido
negada a ministração dos sacramentos por um
dominicano, em virtude do fato de possuir escravos.
(NASCIMENTO FILHO, 2005 p.101)
Em 1543 se tornou bispo de Chiapas, cargo este que se dispôs na luta para colocar em
prática suas ideias, todavia não foi bem aceito pelo colonos, porque os mesmos o considerava
como sendo o responsável pela publicação das Novas Leis. Foi consagrado bispo em um
antigo convento dominicano de San Pablo, atualmente chamada de Paróquia de Madalena,
durante sua residência em Chiapas, em que cumpriu incessantemente seu bispado até decidir
regressar a Espanha em 1547. Exemplo de entrega e renúncia deixou seu bispado para
dedicar-se de corpo e alma à sua labuta em defesa do índio.
Sua ação em prol da mudança de mentalidade não se restringiu apenas a Colônia, mas sua
ação foi propagada até as construções sólidas da Metrópole. Las Casas, entorno de 1547,
compreendeu que sua luta seria mais eficaz se conseguisse cambiar a política, a mentalidade e
a cultural dos colonizadores desde suas raízes jurídicas e sociais – a Espanha. Passa a
trabalhar então na Europa buscando esclarecer as opiniões públicas, despertando a
consciência das autoridades, da corte, dos conselheiros, dos ministros e do Rei. Acreditava
que ao agir na Espanaha em prol de mudanças, estas se tornariam possíveis e viáveis para
chegarem à Colônia. Seu labor intenso e incansável fincava-se na ideia de construir uma
consciência geral, empregando que era necessário um novo modelo de colonização inspirado
na justiça e igualdade a partir de um amadurecimento político, ético e jurídico de todos.
19
Entre a nova mudança de mentalidade e a publicação das suas principais obras houve um
episódio de suma importância, não só para Las Casas, mas para o mundo moderno que este
vivera. O debate em Valladolid foi significativo por se tratar de um conselho no qual foi
formado para discutir sobre a questão humanista em meados do século XVI, pois, como dito
anteriormente, esta se tornara um encalço para o governo espanhol, devido ao fato do mesmo
não compreender de qual forma deveria agir com os “novos humanos” descobertos. Esta
disputa fez a Espanha se dividir e, na verdade, não chegaram a conclusão alguma,
continuando a dicotomia até em estudiosos posteriores. O debate em Valladolid é apenas uma
extensão e institucionalização das batalhas ideológicas que se constituiu nas primeiras
décadas da Conquista da América, fincadas nos seguintes pressupostos: a) se os índios deviam
ou não servir aos espanhóis como escravos; b) se os nativos tinham ou não suficiente
capacidade de se tornar cristãos ou governar a si mesmos. (NASCIMENTO FILHO, 2005)
Contudo, esta não foi a primeira junta de teóricos para debaterem sobre a condição
indígena, pelo contrário, várias ocorreram. Em 1532, os bispos Sebastián Ramírez de Fuenleal
e Juan de Zumárraga presidiram uma junta eclesiástica, cujo parecer foi dado a favor dos
indígenas, afirmando que os mesmos possuíam suficiente capacidade com a arte e com a
agricultura, tinham amor pela fé cristã e reconheceram que os índios eram seres racionais e
podiam governar-se.
Em agosto de 1552 foi publicado dois Tratados escritos pelo frei dominicano que
participou da Conquista da América e é o maior defensor das causas indígenas de até então,
esses Tratados foram publicados também novamente no ano seguinte com o mesmo título –
nessas duas publicações sete desses escritos estavam em espanhol e apenas um em latim, isto
demonstra que a ideia de Las Casas era a de que um maior número de leitores tivessem a
condição de entender seus escritos se pensarmos na efervescência que vivia o mundo do
século XVI com a Reforma Católica . Em 1965 eles são novamente publicados, mas agora
com um fac-símile – um exemplar que, apesar de novo, é bem próxima das reproduções
passadas – e traz um novo título: Tratados do Frey Bartolomé de Las Casas. Um desses
Tratados é o que deu maior fama para o dominicano, o mesmo que se tornou um marco na
luta para o reconhecimento da humanidade dos indígenas, este que é intitulado de Brevíssima
relación de la destruycion de las Índias: Colegiada por el obispo Don Frey Bartolomé de Las
Casas o Cassaus, de la orden de Sancto Domingo – año de 1552.
20
A produção da Brevíssima relación é atribuída a dez anos antes de sua publicação, mais
especificamente em 1542 – Las Casas a apresentou na Junta de Valladolid (1550 – 1551) com
todas suas comoções, fazendo um relato dos horrores da Conquista- , em que que fora posto
em debate a condição do índio e sobre sua humanidade. Neste embate o dominicano travou
uma longa discussão com o jurista Juan Gines de Sepúlveda que defendia a ideia de escravo
tão presente em Aristóteles e em contrapartida Las Casas fazia suas denuncias procurando a
melhora na vida dos nativos que começou a piorar com a chegada dos espanhóis no Novo
Mundo.
Bem se sabe que as obras de Las Casas foram discretamente confiscadas - como afirma
Frei Carlos Josapht. Estas obras vieram a ser publicados novamente somente séculos depois
de escritas. Esta ação da Coroa se deu devido ao teor que os ditos escritos traziam: essas
publicações visavam à restituição dos povos indígenas dos bens que lhes foram privados,
assim como reparação dos danos causados pela conquista. Isso explica o porquê da distância
tão grande das publicações dos tratados, pois Las Casas acumulava opositores com suas
denúncias sobre os abusos cometidos pelos colonos:
La oposición a las opiniones de Las Casas desarrolló
rápida y fuertemente en México después de la
publicación de sus Tratados en Sevilla, en 1552. El
Cabildo6 de la ciudad de México, el 29 diciembre de
1553, aceptó pagar por una copia del libro, descrito como
una obra que “trata sobre la guerra de los indios, y de esta
Nueva España”, y decretó que no debía ser leído por
nadie sin la autorización expresa de ese Cabildo.
(HANKE, 1985, p. 13)
A oposição a estes Tratados se manifestou com mais veemência no México, considerando
que se trata de uma temporalidade na qual as ações de Las Casas estavam mais agitadas e
oportunas na corte espanhola, mas suas ações na Metrópole repercutiu negativamente na
Colônia. Por exemplo, como traz Lewis Hanke sobre um ayuntamiento na cidade do México
que seu governante, discordando dos seus escritos impressos em Servilla, solicita ao rei da
Espanha:
En 1552, este mismo ayuntamiento informo al rey
que los escritos de Las Casas habían causado grandes
problemas y descontento en México y que por ello
dispuso que los abogados de la ciudad y dos teólogos
6 Governante local instituído na América Espanhola que se encarregava na administração geral das cidades
coloniais.
21
preparara una declaración formal que se enviará al
Consejo de Indias contra “este audaz fraile y su
doctrina”. Parecía, por los registros del Ayuntamiento,
que varias personas en la ciudad de México habían estado
ocupado escribiendo sobre el tema en refutación de Las
Casas, desde que las obras impresas de éste llegaron al
país; el Ayuntamiento había solicitado varias veces que el
rey reprobara a Las Casas y prohibiera la edición de sus
libros”. (HANKE, 1985, p. 13-14)
Vemos quão heterogênico era o pensamento do homem no Velho Mundo, pois de uma
mesma nação e uma mesma raiz cultural faz emergir dois pensamentos conflitantes,
suscitando assim a necessidade de se discutir qual seria a forma mais correta de impor-se aos
índios. Observamos hoje, depois de séculos da Conquista, que os ideais dos religiosos existiu
para se perpetuar a longo prazo, em compensação os colonos obtiveram maiores êxitos em um
período bastante curto.
Contudo é importante ressaltar o erro cometido por muitos estudiosos lascasianos em lhe
fazer somente um defensor incondicional dos Índios e um adversário dos colonos espanhóis.
Ele denuncia com veemência a injustiça da colonização pedindo a restituição do roubo e da
reparação dos danos causados, porém era um ato de dá consciência àqueles cujo pecado da
injustiça estava no caminho, fazendo-os perdidos dos designíos do cristianismo. Percebe-se
que o trabalho de Las Casas na Espanha era o de advertir e esclarecer do enorme erro que a
conquista pelo uso da força cometia, defendia que ainda que gerasse lucro para a Coroa, era
um dos piores erros diante de Deus.
22
CAPÍTULO II
CONQUISTAS E DERROTAS DE LAS CASAS: ENTRE LEIS E BULAS, O FREI
É UTILIZADO COMO ARMA CONTRA A ESPANHA.
2.1 – As bulas papais e a bula Sublimis Deus.
As bulas papais, em especial a bula Sublimis Deus, podem ser consideradas as primeiras
ordenanças escritas da luta do alto clero religioso cristão na proteção dos nativos da América
espanhola. Estas bulas agiam como forma de reconhecimento por parte da Igreja da
humanidade indígena que juntas com as leis se tornaram as primeiras promulgações sobre a
liberdade indígena. O índio recebeu formalmente a liberdade e o não a escravidão dos reis
espanhóis no dia 20 de junho de 1500, praticamente concomitante os escritos do papa
Alexandre VI.
Os objetivos do labor na causa indígenas dos missionários começaram com a bula papal
Inter Caertera, de 4 de maio de 1493 que assegurou a verdade sobre a condição humana dos
povos descobertos. Foi a primeira bula editada pelo Papa Alexandre VI e tinha o intento de
dividir o chamado Novo Mundo em duas porções entre Portugal e Espanha a partir de um
meridiano, assim o que estivesse a leste seria português e a oeste espanhol. Contudo os termos
desta bula desagradaram à Coroa Portuguesa e o impasse foi solucionado com a convocação
do Tratado de Tordesilhas7 (1494) que estabeleceu um novo meridiano para esta repartição,
aumentando o território português no Novo Mundo.
No ano de 1508 uma nova bula é promulgada contendo uma concessão à Coroa
espanhola de todos os dízimos arrecadados na América, já que fora outorgado para a Coroa de
Castela as terras descobertas, dando uma espécie de caráter donativo à rainha Isabel. Foi
comum, na segunda metade do século XV, vários documentos pontifícios promulgarem
privilégios aos reis e aos descobridores, incluindo posse de terra e do corpo daquela gente
pacífica.
Há, no final do século XV e inicio do XVI, uma incessante busca nas autoridades
politicas e religiosas para apoiar as correntes contras e a favor à defesa dos índios com o fito
7 Tratado firmado no município de Tordesilhas em 7 de Junho de 1494, celebrado entre o Reino de Portugal e o
Reino de Espanha para dividir novamente as terras recém-descobertas.
23
de legitimar suas posições e atitudes. Com isso, em 1534, o Conselho das Índias promove um
debate que retoma mais uma vez a questão de base: os índios são verdadeiros homens? Com
um acordo da maioria é votado e adotado praticamente a tese contraria a Las Casas. Ocorre
então a autorização da escravidão dos índios como resultado final.
Exatamente nesta conjuntura os religiosos à frente da empreitada indígena passam a
pressionar o Papa para que ele tome posição como chefe espiritual da Igreja, declarando a
verdade sobre o ser humanos com base na legitimidade do ser aos olhos de Cristo. Paulo III
acabara de inaugurar seu pontificado e graças a sua visão humanista, mais aprimorada do que
seus antecessores, passa a aceitar a revogação dos religiosos e entende a necessidade de
renovação da Igreja.
Contudo nenhuma bula antes de 1537 exprimia a ideia da liberdade indígena como tema
central do parecer religioso, muitos teólogos não tinham se convencidos inteiramente da
declaração de que os índios eram “verdadeiros homens”. Por volta deste ano dois
acontecimentos se tornaram um dos mais importantes neste labor para a defensa indígena:
houve, em 1537, a promulgação feita pelo papa Paulo III, da bula Sublimis Deus e a produção
de Las Casas, pouco tempo antes, do seu tratado Único modo de atrair a todos a verdadeira
religião.
Podemos destacar na publicação papal que seu intento modificou, de certa maneira, os
atos dos espanhóis que estavam convencidos da incapacidade e irracionalidade dos índios. Por
se tratar de uma bula que se posicionou contra a submissão a escravatura e a favor do direito à
liberdade dos indígenas da América. Junto com Las Casas essa cúpula religiosa estava
caminhando para a pregação do único meio que o dominicano, após várias experiências
frutadas, acreditava que surtiria efeito nessa nova empreitada: empregavam um meio pelo
qual poderiam reformar as consciências, para despertar e mobilizar a opinião pública e assim
exercer uma influência sobre as autoridades políticas e religiosas da época.
Las Casas, mais especificamente, procura o que chamaríamos hoje de formação da
opinião pública. Seu agir pós-convenção é voltado para o cambiar dos ideais que julgava
errôneos. Seu intento era levar as almas dos espanhóis, trilhados pelo caminha do pecado ao
inferno para o reino de Deus, protegendo assim os indefesos de todos aqueles maus-tratos
ocasionados pela Conquista.
24
Em 1535 começa o fervor dos religiosos pró-indígenas, pois em uma leva de opositores
faziam-se mais ouvintes na corte do que os religiosos, propagando para os governantes de
Castela que a própria “natureza os fizera para ser escravos”, relação que os faziam felizes
quando sujeitados e bem orientados por aqueles que se denominavam homens livres – os
espanhóis. Sempre que preciso era ressuscitado esta doutrina, com maior reverbério nos ditos
de Aristóteles que se baseou na necessidade de existência que as coisas se uniam, por
exemplo a fêmea e o macho, pois uma não existiria sem a outra. Com isso o filósofo analisa
que entre estas coisas, está aquela que manda por natureza e aquela que, para sua segurança,
tem que obedecer. Aristóteles acreditava que quem é capaz de prever com a mente é
naturalmente senhor, e quem pode executar o trabalho com seu corpo, se tornar súdito e
escravo por natureza. Os colonos espanhóis se utilizaram desta máxima para a justificação dos
seus comportamentos em frente aos índios. Ora, subjugando os índios desta forma os
espanhóis encontravam o subterfúgio perfeito para justificar a exploração indígena como
escravos. Este embate é lavado até as controvérsias de Valladolid (1551 – 1552) em que o
jurista Juan Ginés de Sepúlveda apresenta para uma junta de teólogos e estudiosos seus
argumentos baseados nos escritos do filósofo grego. O jurista procurou defender os colonos e
a Coroa espanhola de todas aquelas acusações a respeito da ilegalidade da Conquista da
América.
Não obstante o papa Paulo III tomara conhecimento dos progressos da evangelização no
Novo Mundo, especialmente no México e Nicarágua, e encorajado por elementos da Cúria
romana e as ideias do dominicano Bernardino de Miaya 8 sobre a natureza dos índios – que
exprimia a necessidade de cristianizá-los e protegê-los dos conquistadores, as suas vidas e
propriedades - torna-se favorável a questão indígena e muito particularmente dos feitos dos
dominicanos. Em 2 de junho de 1537 o papa Paulo III promulga a bula Sublimis Deus. Nela o
papa instalou o direito à liberdade indígena – um estandarte da libertação levantado a partir da
declaração do papa Paulo III:
El enemigo de la humanidad, quien se opone a todo
lo bueno para conseguir la destrucción de los hombres,
mirando con envidia tal cosa, ha inventado medios jamás
antes oído, para estorbar la palabra de Dios que ha de
salvar el mundo; él ha inspirado a sus satélites, quienes
para complacerlo, no han dudado en propalar
ampliamente, que los indios del Oeste y del Sur y otras
gentes de las que apenas tenemos conocimiento, deben
8 Monge dominicano que viveu o período da Conquista da América e teve forte influência na bula Sublimis
Deus, quando regressou América e se tornou em 1535 um defensor ferrenho da causa indígena.
25
ser tratadas como brutos, creados para nuestro servicio,
pretendiendo que ellos son incapaces de recibir la fé
Católica. Nos, que aunque indignos, ejercemos en la
Tierra el poder de Nuestro Señor, y luchamos por todos
los medios para traer el rebaño perdido al redil que se nos
ha encomendado, consideramos sin embargo que los
Indios son verdaderos hombres y que no sólo son capaces
de entender la fé Católica, sino que, de acuerdo con
nuestras informaciones, se hallan deseosos de recibirla.
Deseando proveer seguros remedios para estos males,
definimos y declaramos por estas nuestras cartas, o por
cualquier traducción fiel, suscrita por un notario público,
sellado con el sello de cualquier dignidad eclesiástica, a
las que se les dará el mismo crédito que a las originales,
no obstante lo que se haya dicho o se diga en contrario,
tales indios y todos los que más tarde se descubran por
los Cristianos no pueden ser privados de su libertad por
medio alguno, ni de sus propiedades, aunque no estén en
la fé de Jesu-Cristo; y podrán libre y legítimamente gozar
de su libertad y de sus propiedades, y no serán esclavos y
todo cuanto se hiciera en contrario, será nulo y de ningún
efecto.
En virtud de nuestra autoridad apostólica, Nos,
definimos y declaramos por las presentes cartas, que
dichos Indios deben ser convertidos a la fé de Jesu-
Cristo, por medio de la palabra divina y con el ejemplo
de una buena y santa vida.( (CUEVAS apud HANKE,
1985, p. 49)
O teor desta bula é de repúdio a escravidão indígena, declarando-os homens livres mesmo
que se encontrem alheios à fé cristã, contudo esta autoridade apostólica decreta um mando
inteiramente prático, comportando reviravolta no sistema econômico da colônia espanhola.
Este tipo de interdição religiosa, tratada com tanta clareza e imperatividade, chegaram aos
destinatários tanto da Metrópole quanto da Colônia, porém se sabe que o abismo que se
encontra do “derecho” ao “hecho”, 9da promulgação à lei prática, é de uma profundida sem
igual. Apesar desta triste realidade a intervenção é vista como uma grande vitória por aqueles
defensores humanistas, pois se tratava de um texto redigido e abençoado da mais alta cúpula
religiosa da época.
No entanto, se tratava de um período em que o sistema vigente era o de padroado – união
entre Igreja e Estado – fazendo dos Reinos um poder não somente político-administrativo,
como também religioso. Com a vigência da implantação deste padroado entre a Igreja e o
9 Modelo de ação que busca não somente o direito indígena, mas que esses direitos conquistados sejam postos
em prática.
26
Reino de Espanha muitas das atividades características da Igreja Católica eram, na verdade,
funções políticas. Com isso o ato pontifício citado anteriormente deveria ser aceito e
publicado pela autoridade politica da época – o governo espanhol. O que não ocorreu. O
documento romano foi neutralizado e impedido em terra espanhola. Sem que se divulgassem
os textos foram surgindo variadas discussões para que se desfizesse dessas ingerências,
atribuindo-lhe a publicação a um papa mal informado e submetido a missionários
tendenciosos.
A bula não foi oficialmente publicada pelas autoridades espanholas, sendo um bom
resultado para os conquistadores. Todavia os missionários, sobretudo os dominicanos, se
encarregaram de difundi-la, levando-a para a América, e a propagando em seus sermões,
missas e confessionários. Las Casas incluirá esse texto em seu livro Sobre o único modo de
atrair a todos à verdadeira religião, comentando o texto religioso com entusiasmo.
2.2 – Las Casas e as leis.
Desde as primeiras décadas de conquista os embates entre colonos e religiosos foram
acirrados. Missionários franciscanos habitualmente faziam reivindicações à Coroa sobre o
trato dos espanhóis para com os índios. Em contrapartida os colonos visam os missionários
como sendo obstáculos ao empreendimento colonizador. E por sua vez a Coroa respondia-os
com uma ambiguidade cujos valores estavam expressamente no trato da Modernidade: de um
lado, a exploração indígena era a base do sistema colonial, desafogando a Espanha de uma
crise econômica, contudo de outro, temos a verdadeira compaixão que a rainha Isabel sentia
pelos recém-descobertos e queria, na medida do possível, que fossem tratados como súditos
espanhóis. Assim a rainha, para evitar o desenvolvimento de um novo sistema feudal, edita
leis que protegem – de certa forma – os indígenas da exploração pelos colonos. Como atitudes
a favor dos indígenas por parte da rainha Isabel, temos o trecho de Nascimento Filho, no qual
o autor relata um episódio em que a soberana procura os direitos dos nativos a partir de uma
empreitada de Colombo:
Quando Colombo regressou com a armada
espanhola, em 1495, e encontrou os índios amotinados
contra os abusos dos espanhóis, iniciou uma campanha de
pacificação militar. Parte dos resultado dessa campanha
foi um certo número de prisioneiros de guerra que o
almirante enviou à Espanha para ser vendidos como
escravos. [...] Isabel recorreu aos juristas da época a fim
27
de averiguar se Colombo estava em seu direito
escravizando os índios. Quando finalmente Isabel proibiu
que se escravizassem os índios, excluiu dessa legislação
os caribes, por serem canibais. Pouco tempo depois
permitiu escravizar os que fossem tomados como
prisioneiros nos combates e aqueles que fossem
comprados de outros amos índios. Além disso,
desenvolveu-se o sistema de encomendas, que em muitos
casos não foi mais que um subterfúgio para impor de
novo a escravidão. (NASCIMENTO FILHO, 2005, p. 55-
57).
Esta resposta da Coroa com a promulgação de novas leis, as quais supostamente
limitariam as ações dos colonos, não ultimou tais espanhóis, os quais raramente cumpriam-
nas. Nesta empreitada da rainha Isabel em legislar a exploração acabou criando um meio que
institucionalizou os abusos contra nativos – a encomienda. No século XVI alguns teólogos
protestaram contra a escravidão e esta foi formalmente proibida, no entanto, na prática esse
proibicionismo nunca funcionou, fazendo com que a conquista fosse abençoada ao invés de
proibida, como traz Eduardo Galeano:
Antes de cada ação militar, os capitães da conquista
deviam ler para os índios, na presença de um tabelião, um
extenso e retórico Requerimento que os exortava à conversão à
santa fé católica: “Se não o fizerdes, ou se o fizerdes
maliciosamente, com dilatação, certifico-vos que, com a ajuda
de Deus, agirei poderosamente contra vós e vos farei guerra da
maneira que puder em todos os lugares, submetendo-vos ao
jugo e à obediência da Igreja e de Sua Majestade, e tomarei
vossas mulheres e vossos filhos e vos farei escravos e como tais
sereis vendidos, dispondo de vós como Sua Majestade ordenar,
e tomarei vossos bens e farei contra vós todos os males e danos
que puder (...)”. 10
(GALEANO, 2011, p. 31)
Era imposto aos índios que redessem obediência ao Rei de Castela, posto que se não
fizesse seriam lhes feito guerra a ferro, fogo e cães ferozes – matando e escravizando – para a
obtenção do que fora negado. Ou seja, dava-se ordens a tais infiéis pacíficos em seu próprio
território em que a subjugação se inclina para a redenção de um povo a outro do qual nunca
ouvira falar, a um Rei que nunca tinha visto antes e que jamais tinha ouvido menção, sem
falar de seus mensageiros – cruéis e desumanos. É nesta discussão que Las Casas os
condenam como seres dignos para irem ao inferno, porém mostrando-lhes um meio para a
10
VIDART apud GALEANO, 2011, P. 31
28
salvação a partir de uma conquista pacífica (sem genocídios, escravização, perda de bens e de
liberdade).
Esses atos execráveis cometidos pelos espanhóis contra os nativos era a dicotomia que
cegava o raciocínio dos conquistadores que visavam à propagação da fé, porém sem deixar de
lado a exploração e o saque de riquezas, movidos pelo pecado mortal da avareza.
Surge neste período o desenvolvimento do sistema de encomiendas em que funcionou
como um meio eficaz, ou melhor, um subterfúgio para impor a escravidão. A partir das
crueldades e explorações cometidas aos índios, estes passaram a não aceitar mais aquela
submissão e negaram-se a fazer plantações e os trabalhos forçados nas minas. Com isso foi
determinado pela coroa lícito a obrigatoriedade do trabalho indígena com o uso da força em
prol de “um bem comum”. Foi constituído então novas leis que suspostamente limitava os
abusos aos nativos, contudo raramente eram cumpridas.
Importante salientar que estas novas leis promulgadas não condenavam ou proibiam
ainda os colonos a possuírem as encomiendas, apenas reforçavam que era preciso parar com
os maus-trato e ordenava aos espanhóis a prestarem assistência religiosa aos nativos.
Percebemos nos relatos posteriores de Las Casas que com esta medida em nada surtiu efeito
incisivo nas mentalidades da época e que os maus-tratos se fizeram cada vez mais frequentes.
2.3 – Os dominicanos e a influência na promulgação das leis
“Não são eles homens? Não possuem eles uma alma racional?” (NASCIMENTO FILHO,
2005, p. 97) Essas duas perguntas indagadas pelo frei Antônio de Montesinos reverbera
incessantemente sem parar até nossos dias. Este era, como o próprio indagou, a voz que clama
no deserto. Montesinos se torna uma das poucas vozes que lutaram a favor dos povos
indígenas na América recém-descoberta. Este famoso sermão de 1511 pode ser considerado
não somente um fator de luta a favor dos povos descobertos, mas também um divisor de águas
no cristianismo.
A luta em prol indianista dos dominicanos, que davam apoio a Montesinos, chega até a
Espanha para ser ouvida. Então, em 1512 a coroa ordena que se faça uma junta para colocar
em confronto e ouvir os disputantes sobre a questão da alma dos nativos, cujo desfecho temos
a promulgação das Leis de Burgos, em 27 de dezembro do dito ano. Estas leis foram os
29
primeiros regulamentos que regiam o comportamento dos colonos espanhóis na América,
especialmente no que diz respeito ao trato com os índios. Nelas continham regras enumeradas
para o governo dos povos indígenas no Novo Mundo, como: o suprimento de comidas, roupa
e de camas para os índios, proibição aos maus-tratos e apoiava sua conversão ao catolicismo.
Ordenavam que os espanhóis os utilizassem na construção de igrejas e lhes ensinassem a
doutrina cristã e que batizassem os filhos indígenas. Com esta vitória Montesinos se torna o
precursor da luta por justiça na América.
As ditas leis têm muito das lutas de alguns dominicanos e do próprio Las Casas que
visavam a igualdade para todos – colaborando assim não somente para construir uma
representação da conquista, mas também como autores das elaborações processuais de leis de
Castela para o Novo Mundo. As publicações deste tinham pouca sutileza, assustando os
leitores e impressionando através da realidade dos fatos, devido as minúcias relatadas da
exploração espanhola. Um dos que ficaram impressionados com a obra de Las Casas foi o
Cardeal Cisnero e Adriano de Utrecht – tornando viável assim que uma das ideias de Las
Casas, a respeito de uma colonização pacífica, pudesse ser executada – já que o cardeal
concedeu elaborar novas leis para libertar o índio. Em conjunto com Montesinos e Palácios
Rubios formulou leis que extinguiam a encomienda, assim como toda forma de escravidão e
previam que os encomenderos seriam reparados da perda financeira que poderia vir a ter.
A ideia de Las Casas era criar um povoado com índios e colonos, aos pés de uma mesma
jurisdição, onde a passividade reinasse e todos pudessem viver gozando do direito e deveres
de forma igualitária e justa. Todavia como vimos anteriormente esta labuta de colonização
pacificadora é um fracasso.
Em parte, a formulação das Leis Novas11
, regida por Carlos V, pode ser atribuída a
Bravíssima relación, em que o rei limitava os direitos dos espanhóis sobre os índios. Isto foi
alicerce para eclodir na América uma revolta sem precedentes, chegando até a uma rebelião
armada no Peru, quando Blasco Núñez Vela aplicou-as naquele primeiro vice-reinado
tornando-o impopular e fazendo eclodir uma grande revolta por parte dos encomenderos.
Logo a regulamentação do direito e igualdade indígena caíram no esquecimento novamente, e
o abuso e exploração continuaram presentes neste território. Importante salientar a
importância que teve a promulgação dessas leis, pois mesmo que não expressassem a abolição
11
Foi um conjunto legislativo de leis promulgado em 20 de Novembro de 1542 que visou a melhoria das condições indígenas na América espanhola.
30
da escravatura indígena, pelo menos limitava os intentos dos colonizadores. Vemos no trecho
abaixo que a responsabilidade de tal intento era atribuída a Las Casas e assim os condenavam
como sendo o propagador que agitava a corte contra os colonos:
“O ponto central das Leis Novas era a proibição de novas
encomiendas, a retirada das que estavam sob a responsabilidade
do clero, a proibição da servidão indígena, mesmo em situação
de guerra, já que estes eram livres. Nas Índias, a reação às leis
foi a pior possível, e Las Casas foi visto como o responsável
pela edição dessa legislação, que feria os interesses dos
colonizadores, deveria proteger a vida dos índios e garantir o
povoamento das áreas destruídas.” (NASCIMENTO FILHO,
2005, p. 49)
Contudo a força motriz do sistema colonial vigente no início da Conquista era a
exploração da mão-de-obra indígena e é sabido que as ordenações que outorgavam uma
proteção ao indígena chegavam ao Novo Mundo com um segundo caráter velado: regras eram
ditadas pela Corte proibindo o trabalho forçado aos índios nas minas e, ao mesmo tempo, era
enviados instruções secretas ordenando que continuasse o trabalho se aquela medida afetasse
na produção. Ou seja, na mesma lei/regra escrita à tinta pela Espanha, iria escondida uma
ordenação para que não cumprissem se corrompesse o funcionamento do sistema. “A ficção
da legalidade amparava o índio; a exploração da realidade o dessangrava”. (GALEANO,
2011, p 65)
Las Casas experimentou o gosto amargo da derrota durante o seu ultimo ano de bispo da
América, devido a revogação de algumas das famosas Novas Leis pelas quais tanto se
empenhou em 1542. Com isso o sistema de encomiendas que em outrora havia sido abolido,
nessa nova conjuntura recebia o aval de continuar, sendo considerado pelo mesmo um
retrocesso no processo de colonização.
O dominicano comete seus erros ao tentar conciliar interesses inconciliáveis – de um lado
estavam a dominação dos colonos que possuíam mão-de-obra para os metais preciosos e para
lavoura; e de outro o interesse indígena que não queriam ser subjugados e explorados na
proporção que estavam sendo e como maestra desse sistema estava a Coroa que tinha o
interesse de enriquecer a partir das explorações no Novo Mundo. São três diferentes frentes
que Las Casas tentou revisar os métodos de conquista para reconstruir uma nova ordem.
Contudo foi em vão. O conquistador não queria perder o bem que conquistara e explorar –
aquele era um sistema para ele favorável; o explorado não aceitava mais tais condições de
31
exploração e maus-tratos e a Coroa se beneficiando da relação do primeiro com o segundo,
não procurava rever sua condição.
Porém Las Casas tem três importantes momentos quando o ligamos com a propagação
das leis que se fizeram vigentes na América Espanhola: 1) Em 1537 teve a oportunidade de
participar em Vera Paz da implantação de um modelo colonial tal como ele propunha, isto só
foi possível devido aos esforços do grupo dominicano agindo na própria Coroa; 2) Sua
atuação na corte diante da promulgação da novas leis de 1542, destacando a ascensão do
polemista à articulador nos bastidores e influenciando na adoção dessas leis; 3) A sua
importância no Debate de Valladolid e a expressão posterior de sua personagem dessa junta.
As leis promulgadas na época da Conquista legitimavam a condição humana dos índios.
Não faltaram decretos daquela época que estabelecesse a igualdade de direitos dos índios e
dos espanhóis para a exploração das minas, recomendando que os nativos não fossem lesados.
Contudo, mesmo com os intermináveis papéis escritos legislando o trabalho indígena,
sobressaia-se a esperteza dos juristas espanhóis na América para que a lei fosse acatada,
porém não cumpridas.
2.4 – A leyenda negra.
Com seus avanços, principalmente no campo político, a partir da propagação das suas
ideias com suas publicações com cargas aterrorizantes do que era feito na colônia espanhola,
pois havia um debate desde o descobrimento da América em 1492 sobre a forma de como
deviam ser tratada a população indígena, Las Casas ganhara reconhecimento e fama tanto
dentre quanto fora da Espanha. Inicialmente observamos que o modelo de sistema utilizado
foi o de encomiendas, ideal oposto dos que pregavam os religiosos e intelectuais, entre eles
Montesinos, Tomas Ortiz, Francisco de Benavides, Bartolomé de la Peña, entre tantos outros.
Os esforços destes se difundiram ainda mais após a promulgação das, já citadas, Leis Novas
de 1542 que condenavam novas encomiendas e atestavam de certa maneira que a luta a favor
do índio era legítima.
Dentro deste ambiente controvertido que viveu a Espanha no século XVI se destacou,
sem dúvidas, frei Bartolomé de Las Casas e sua obra Brevíssima relación de la destrucción de
las Índias. Uma obra que traz uma impressionante descrição das crueldades e violências
realizadas pelos espanhóis no Novo Mundo. Esta publicação foi utilizada como uma arma
32
produzindo ataques do mundo protestante europeu contra seus vizinhos hispânicos, em que se
criou a chamada Leyenda Negra. Fato que foi reforçando a imagem dos espanhóis como um
povo sanguinário, cruel e corrupto.
A ideia de Las Casa em criar um texto onde se expressasse o seu amor aos nativos, a
defensa dos próprios e um protesto a favor da humanização cai por terra e suas publicações
viram um ataque direto e maciço à Espanha, uma manifestação contra sua própria pátria que
não foi, de forma alguma, a intenção do autor. Las Casas passa a ser visto, pós-publicações na
Holanda, França, Reino Unido, Alemanha e Itália como aliado contra os intentos e progressos
dos espanhóis na América.
O Bispo de Chiapas procurava dar uma nova diretriz para aquela colonização sangrenta,
porém sua motivação não vem em um desejo de suspender a expansão espanhola, intuito este
dos países rivais que, desejosos em acabar com a crescente espanhola, propagaram estas
ideias. Las Casas procurava ratificar e mostrar que era necessário enveredar-se por outro
caminho para a colonização – longe da cobiça, crueldade e violência. É exatamente nesta
empreitada que os outros países acabam por atingir a Coroa Espanhola.
Este sentimento anti-hispânico foi reforçado pelas ilustrações de gravuras de Theodor de
Bry, este que foi o responsável por fazer ver na Europa, em forma de imagens, todo o horror e
violência cometido pelos espanhóis retirados da obra de Bartolomé de Las Casas – reforçando
assim ainda mais a ideia de destruição e selvageria empregadas pela Leyenda Negra.
O papel de Las Casas dentro da Leyenda é muito controvertido, pois culpam o bispo de
haver criado, ou pelo menos difundido, uma legenda negativa para a história da conquista,
falando inúmeras inverdades e exageros. Esta prerrogativa é, de modo geral, defendida por
alguns historiadores católicos espanhóis que viveu no século XVII como Antonio de León
Pinelo e Juan de Solórzano Pereira, os quais defendiam que as críticas do dominicano eram
feitas falsamente em sua origem. Contudo existe outra leva de autores mais contemporâneo
que discordam dessa posição e tiram Las Casas da culpa da Leyenda e a transferem para
aqueles que fizeram mau uso dos textos, entre os que defende-o estão Lewis Hanke e Manuel
Giménez Fernandez. Assim se formaram dois campos de discursão a respeito do trato com
Las Casas: os lascasitas e os antilascasistas.
Sobretudo ainda há autores, antilascasista, que lhe atribui uma “leyenda dorada de los
índios”, afirmando que o dominicano apresentou à América pré-colombiana como uma feliz
33
terra em que não existia violência nem maldade. Contudo Las Casas não pode ser considerado
como o único que demonstrou as maldades dos colonos e propagou esta legenda desfavorável
à Espanha, pois os relatos de Girolamo Benzoni e Gonzalo Fernandéz de Oviedo são tão ou
mais utilizados pelos propagandistas estrangeiros como demonstração do saque e extermínio
de indígenas no Novo Mundo que as do próprio de Las Casas.
Não obstante os textos utilizados contra a Coroa espanhola foi uma tentativa das nações
rivais de argumentar negando, por razões morais, o monopólio ibérico na América.
Deslegitimando assim a Conquista espanhola com as próprias publicações de autores
espanhóis.
34
CAPÍTULO III
A CONTROVÉRSIA DE VALLADOLID.
3.1 Institucionalização da consciência humana.
Hoje em dia é praticamente impossível não ficar de acordo com as ideias de Las Casas
em suas contundentes argumentações utilizadas para provar que os índios não eram bárbaros e
que não precisavam atribuir-lhes civilidade, capacidade ou entendimento.
É indiscutível que Las Casas compreendeu e considerou os indígenas como seres
humanos com boas compreensões, com capacidade de inteligência para qualquer ciência ou
doutrina, possuíam aptidão para as artes, para o canto a dança e a música, entre vários outros
aspectos. Las Casas chega a compará-los aos espanhóis que desembarcaram no Novo Mundo,
entendia que os nativos eram tão ou mais humanos quanto aqueles colonos conquistadores
que ansiavam apenas pela riqueza. Talvez ao descrever os indígenas o bispo tenha exagerado
com as qualidades, fazendo-os tão excepcionais que pareciam pertencerem à uma outra classe
de seres, todavia isto pode ser justificado como um método utilizado pelo dominicano para
enfrentar e obter maior êxito contra as colocações contrarias a sua posição.
Ao se deparar com os textos de Bartolomé de Las Casas, observamos a presença explicita
de seu pensamento religioso. O próprio atesta que o principio do seu Cristianismo justificava
suas ações, afirmando que por ser cristão deveria escrever a obra e dizer a verdade sobre as
Índias. Contudo o fato de ser religioso não pode ser considerado como um fator único para tal
pensamento de defensa indígena, já que possuía vários exemplos que vão de encontro a sua
afirmação, como por exemplo: frei Tomás Ortiz – respeitável sacerdote dominicano que
escreveu uma carta virulenta e demolidora contra a capacidade e os costumes indígenas, o
cronista Fernandéz de Ovando e seu seguidor Juan Ginés de Sepúlveda – ambos defendiam a
subjugação indígena da Coroa sendo como legitima. Este último se transformou no maior
opositor a causa defendida pelo bispo em Valladolid -, logo entendemos que ambos eram
cristãos e isto não definia a defensa das mesmas posições.
Apesar das imagens negativas e pitorescas desses letrados e respeitáveis espanhóis, os
povos da Terra Firme somara um importante triunfo em 1537 com a opinião favorável a causa
35
indígena expedida pelo papa Paulo III, como já citada anteriormente, mostrando assim que até
mesma a instituição que seguiam era contrária as seus pensamento.
Com o ideal de procurar soluções para os problemas a partir de suas raízes em um intento
de remediá-los em sua fonte, Las Casas leva seus argumentos novamente à Metrópole, após
renunciar de seu Bispado em Chiapas (1547), o qual não deixou de cuidar, conseguindo que
fosse enviado para lá um religioso que compartilhava da sua causa – humanitário, integro e
que estivesse na mesma luta em contribuir para a alforria de índios escravizados.
Abandonando sua querida diocese de Chiapas, sob a
violenta pressão dos colonizadores e a imensa
incompreensão do mundo eclesiástico, Las Casas vai
tentar alargar seu campo de influência, agindo sobre os
políticos e sobre a opinião pública da Espanha em favor
das Índias e procurando elaborar uma doutrina, uma
teologia, uma pastoral e mesmo uma visão do direito, da
história, dos descobrimentos, da humanidade no que
chamaríamos uma antropologia cultural. [...].
(JOSAPHAT, 2005 p.138)
Durante seu último ano como bispo da América, Las Casas inteirou-se de que algumas
das celebres Novas Leis, pelas quais tinha lutado tão dedicadamente em 1542 para fazê-las
vigentes, haviam sido revogadas. Depois de tudo, o sistema de encomiendas, ao que as Novas
Leis tinham excluído, podia seguir funcionando sem interrupções e com os encomenderos
incitando a empreender campanha para que tal concessão se perpetuasse, sem lhes cessar a
jurisdição civil e criminal sobre os índios.
Valladolid tornava-se o lugar privilegiado para a abertura de antigas discussões, devido
ao fato de esta ser a capital da Espanha e era um famoso centro de estudos da época – com
isso, o contato que sempre foi preciso com o Rei, com seus ministros e assessores e com o
Conselho das Índias para se tratar de questões jurídicas se fazia presente. Ora, Las Casas
precisava acompanhar e influenciar, na medida do possível, o sistema político; teria que
dispor de bibliotecas, de informações e documentos para defender suas teses. Habitar
Valladolid era o ideal.
Ao chegar ao Velho Mundo o bispo já se depara com um ambiente conturbado de
disputas sobre os descobertos na América – defensores e inimigos dos índios estavam em
constantes disputas, consolidando a necessidade da Espanha em rever seu método de
colonização. Importante acrescentar o agitado espaço político de 1550 que borbulhava de
36
intrigas palacianas e variados tráfegos de influências, pois naquela parte do mundo o que
emanava era o antagonismo de interesse dos diferentes setores espanhol – advogados,
letrados, autoridades religiosas, encomenderos – em obter vantagens da América a partir de
sua cobiça, devido ao fato da questão indígena significar a fortuna de muitos.
Sem dúvidas, o acontecimento mais dramático e importante nestes anos foi a disputa que
travou contra Sepúlveda e que o levou a preparar seu tratado Defensa en contra de los
perseguidores y calumniadores de las gentes del Nuevo Mundo descubierto del otro lado del
mar. Esta disputa se sustentava na verdade sobre a natureza da capacidade dos índios, questão
esta que interessou ao espanhóis desde 1493, como já foi mencionado, porém as controvérsias
se fizeram cada vez mais frequentes após a promulgação, em 1542, das Novas Leis e a
revogação em 1545 da lei que fizera desaparecer o sistema de encomiendas. Aqueles foram
dias tumultuados em que os religiosos – principalmente dominicanos – defensores indígenas
no Novo Mundo se sentiram profundamente comovidos. Por esses agitados anos entorno da
discussão das Novas Leis, se colocava também em dúvida se a Espanha tinha direito a ser
governadora das Índias Ocidentais. Em meio a essa efervescência da Metrópole é constatado
por alguns estudiosos que o Imperador Carlos V, a partir da leitura das ideologias de Las
Casas sobre a soberania indígena, ficou tentado a abandonar o Peru por motivo de
consciência, demonstrando assim a confusão que vivia os primeiros anos pós-1542. Os
direitos dos índios como indivíduos e como povos vão construindo um tema de opinião
pública e para muitos se torna questão de conhecer o outro.
3.2 – A Junta.
Em 16 de abril de 1550 o rei da Espanha ordenou que todas as conquistas fossem
suspensas até que houvesse um debate com teólogos, estudiosos e conselheiros para decidir
sobre como seria um método justo antes de conduzi-la. Esta foi considerado por Las Casas
umas das mais importantes vitórias no trato dos direitos indígenas, pois a máquina da
conquista tinha parado, mesmo que momentaneamente. Tanto Bartolomé de Las Casas como
Juan Ginés de Sepúlveda concordavam que era necessário promover um encontro para que
pudessem discutir o assunto, sendo decretado no ano de 1550 uma junta em que se fez ouvir
as duas argumentações desse trato. Importante salientar que provavelmente nunca antes na
história um Imperador da magnitude de Carlos V, rei do Sacro Império Romano, o mais
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importante governante europeu da época, havia promulgado uma ordem para cessar uma
conquista, até que fosse concebido o que seria mais justo para proceder.
A reunião é formada por catorze teólogos para discutir e mesmo definir uma questão bem
central e necessária na época: deve-se utilizar do meio armado para preparar os caminhos da
evangelização e da colonização? Tudo se passou em um ambiente de descrição, apesar de ser
um embate que tomara proporções nacionais sobre a conscientização do homem moderno,
trocaram argumentações muito precisas, diante de uma “plateia” que não interfere, pondera,
sentindo-se atingidos por questões que tocam as razões e valores daquela conquista.
O debate de Valladolid pode ser considerado como sendo uma disputa entre a Igreja e o
poder secular da Coroa, devido ao antagonismo que ambas as instituições se encontravam.
Temos no meio da tormenta o objeto central de análise, o índio, que era discutido e descrito,
porém em nada compreendido, pois, apesar de ser uma discussão sobre o índio e para o índio,
embora o mesmo não possuísse voz na Europa.
A memoria é construída e arquitetada a partir de
perspectiva de cada um, forjando a argumentação e o
estabelecimento de uma hierarquia de valores para
apresentar ao Outro, mas nem sempre disponível ao
diálogo e à abertura, à alteridade. O debate de Valladolid
foi um debate entre iguais sobre um terceiro que não
parecia ter capacidade nem de governar-se, necessitando
de tutores ou de acusadores. (FREITAS NETO, 2003, p.
54-55).
Vê-se que o frei dominicano amava realmente os índios, porém, como defendeu Todorov,
ele não os conhecia. Amava porque o amor e a compaixão são laços cristãos, vendo-os como
meio para exercitar suas crenças, todavia na contramão deste fato ele não conseguia enxergá-
los além de cordeiros que precisavam ser salvos do terrível destino que os colonos os
reservavam – Las Casas ignorou as suas identidades, misturando culturas e traços,
encontrando talvez apenas seu martírio.
Em contra partida, neste mesmo debate, vemos a figura de Sepúlveda como sendo aquele
que fala do que não conhecia. Se Las Casas convivendo com eles não os entendiam
completamente, como defende Todorov, podemos dizer que o jurista falava com
impropriedades daquilo que não compreendia. Las Casas o reprovava exatamente pelo fato de
escrever sobre os indígenas, porém sem haver vivido entre eles, escrevendo apenas o que lhe
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era chegado, baseando-se apenas nas nefastas histórias de Oviedo. Las Casas assinala também
que Sepúlveda tratava de uma matéria que não sabia e que suas informações foram adquiridas
a partir daqueles que estavam destruindo as Índias, assim como afirma Freitas Neto:
A memória é construída e arquitetada a partir da
perspectiva de cada um, forjando a argumentação e o
estabelecimento de uma hierarquia de valores para
apresentar ao Outro, mas nem sempre disponível ao
diálogo e à abertura.O debate de Valladolid não foi
um espetáculo amorfo; representou caminhos e
perspectivas para a continuidade da colonização. Era
um projeto político-religioso e cultural que se
universalizava, que ampliava fronteiras, mas não,
necessariamente, via o Outro. (FREITAS NETO,
2003, p.55).
3.3 – Os debatedores e o debate
Sepúlveda nasceu em 1490, e possuía apenas seis anos de diferença de Las Casas, foi
cônego de Córdoba (Espanha), um grande letrado, historiador e cronista da Corte, excelente
latinista e helenista, professor de língua latina e assessor do Cardeal Cajetano. Este jurista foi
um apaixonado pela antiguidade clássica, sua argumentação a favor da submissão indígena se
baseava em uma tradição ideológica que outros defensores da desigualdade vão apresentar.
Tinha como patrono Aristóteles. Era um intelectual humanista que traduziu a Política para o
latim, e era um dos maiores especialistas da sua época no pensamento aristotélico. Baseado
nos princípios e afirmações do Livro I do pensador grego, Sepúlveda declara que as
hierarquias baseavam-se no único princípio: “o domínio da perfeição sobre a imperfeição, da
força sobre a fraqueza, da eminente virtude sobre o vício”.12
Ele defendia a concepção hierárquica das coisas, presente nos textos de Aristóteles,
reduzindo assim todas as diferenças a algo que não é uma diferença, por exemplo, o bem e o
mal, a superioridade e a inferioridade. Tomando em seus argumentos a legitimidade da guerra
feita pelos espanhóis. Sua posição era a de que os índios são incapazes de governa-se, e para
ele a presença da colonização espanhola se consistia em um verdadeiro benefício para os
povos recém-descobertos. À servidão natural dos índios e o domínio espanhol
corresponderiam a benefícios.
12
SEPULVEDA apud NASCIMENTO FILHO, 2005, p. 129
39
Seu interesse pela língua grega e pela filosofia levou-o até o pensamento de Aristóteles.
Em 1548 Ginés de Sepúlveda publica sua primeira tradução das obras do estagirita13
, a
Política. Ele aproveita a repercussão deste feito para defender suas ideias referentes ao direito
cristão de conquistar militarmente os índios na América, tidos por ele como povos inferiores
desprovidos da bênção da Igreja e dos ensinamentos que Cristo deixou. Para Sepúlveda era
necessário usar da força viril dada por Deus para libertar os nativos daquela condição de
subjugação – este argumento é apresentado em Democrates secundus14
, em que justifica a
guerra contra o índio, mostrando uma postura autoritária de imposição político-militar.
No fundo, as opiniões distintas que se fizeram presentes nesta junta em Valladolid foi
uma clara demonstração da necessidade da Espanha em compreender a universalidade da
condição humana de seus súditos. A conquista de um Império mundial, que ia de grandes
culturas orientais como as Filipinas a grandes civilizações como a americana, evidenciava a
necessidade de invocar e construir valores universais para colonizar e estender o seu império
sobre culturas e raças distintas das deles.15
As sessões para discutir sobre a condição indígena foi divididas em duas sessões que
começaram em meados de agosto de 1550, e continuaram em maio de 1551. O Rei da
Espanha mandou convocar uma reunião com catorze membros, entre teólogos, juristas e
letrados, para que fosse discutido e até mesmo emitido um juízo acerca de um ponto de vista
concreto: é lícito para o Rei da Espanha declarar guerra aos índios antes de pregar-lhes a fé?
Os índios eram tão bárbaros que era preciso a guerra para tirá-los desse estado? A essas duas
perguntas ambos eram taxativos ao responder, Sepúlveda defendia que sim, enquanto Las
Casas era enfático com o não. Entre os juízes do embate haviam teólogos muito notáveis
como Domingo de Soto16
, Melchor Cano y Bernardino de Arévalo.
Um ano antes do debate os defensores dos índios – acabeçados pelas ideias de Las Casas
e dos humanistas da época – obtiveram uma circunstancial ajuda política, tirando de
Sepúlveda um importante trunfo que possuía e pretendia utilizar em Valladolid, por se tratar
13
Expressão utilizada com referencia a antiga cidade da Macedônia chamada Estagira, e é o local de nascimento do filósofo Aristóteles. 14
Há uma publicação mais recente desse trabalho que se chama Democrates Segundo o de las justas causas de la guerre contra los índios. Organizada por Angel Losada em 1984 15 FREITAS NETO, José Alves. Bartolomé de Las Casas: a narrativa trágica, o amor cristão e a memória. São
Paulo: Annablume. 2003, p. 52 e 53
16 Foi um frade dominicano e teólogo espanhol. Grande mestre da Universidade de Salamanca e importante
assessor no Concílio de Trento.
40
de uma importante personalidade que era frontalmente contra os índios e um dominicano. Frei
Domingos de Betanzos, que em tempos passados cultivou uma amizade com Bartolomé de
Las Casas, ao regressar à Espanha em 1549 procura em seu leito de morte retratar de suas
opiniões, negando tudo que havia dito contra a posição dos índios, reconheceu que os
conquistadores, por sua cobiça, tinham provocados terríveis genocídios na América.
Os dois combatentes nessa junta se empenharam tanto em lutar um contra o outro que se
dedicaram exclusivamente em ler páginas e mais páginas de suas respectivas obras
argumentativas, talvez deixando a desejar um método em que houvesse discussão. Ao final do
quinto dia de encontro, os ouvintes já não aguentavam mais ouvir Sepúlveda e Las Casas
fazerem concessões do que suas publicações traziam; o que foi remediado por Domingo de
Soto, presidente da sessão, que preferiu resumir conciso e objetivamente os pontos essenciais
que sustentavam as teses dos dois adversários para que os juízes da junta compreendessem e
escolhessem qual das teorias lhes pareciam mais justa, após isto o embate propiciou maiores
discussões. Sepúlveda apresentou a plateia um amplo resumo de seu provocante trabalho
Democrates alter. Las Casas utiliza como argumentação para refutar as proposições do jurista
à leitura da Apologética Historia Sumária, uma obra condensada que compôs para refutar o
Democrates ponto a ponto. Todavia os dois contendores mostraram grande seriedade na
preparação, exposição e na elocução dos argumentos.
Sepúlveda é seguidor de uma ideia bastante paradoxal, acreditava ser lícito subjugar os
índios desde o início para tirá-los das idolatrias e práticas de ritos: defendia que era necessário
escravizar para que os índios em toda a liberdade se convertessem, se tornem bons e se
confirmem na bondade e na recusa de todo o mal. Para defender esta posição se apodera de
grandes fontes teológicas e de ética cristã: a Sagrada Escritura, os Padres da Igreja, os
Doutores como Tomás de Aquino, o Direito canônico, as bulas papais, especialmente a de
Alexandre VI. Como podemos observar, Sepúlveda e Las Casas se utilizaram de praticamente
das mesmas referências para a discussão no debate, constituindo duas visões antagônicas do
mesmo objeto.
Em Sepúlveda observamos, ao olharmos para as próprias ideias defendidas no que diz
repeito a temporalidade, que sua defesa só tinha sentido dentro do contexto em que as mesmas
foram formuladas e seu valor é escasso devido ao esgotamento na curta duração de seus ideais
formuladas. A própria marcha da historia ficaria encarregada de ultrapassá-las, tornando o
jurista preso a sua época, mas sem que o mesmo tivesse consciência disso. Por sua vez, as
41
ideias de Las Casas, tiveram a transcendência universal que o fez pairar no tempo. Se por sua
vez suas teses perdiam para o imediatismo de seu rival, pois eram destruídas pelas próprias
circunstâncias da realidade dos fatos, em uma longa duração se revelariam como uma
grandiosa antecipação do futuro que o curso da história da humanidade iria tomar.
Como réplica as proposições do jurista, longe do bispo se perder nas afirmações de seu
oponente tão habilidoso e erudito quanto, Las Casas utiliza-se do texto da Apologia:
defendendo a exclusão absoluta de toda guerra de conquista, a extinção do absurdo de utilizar
a violência como meio de encaminhar à fé, que é fruto de liberdade e de convicção na
docilidade à graça. Sem excluir a legitimidade do poder de colonizar, homologado pelo Papa
aos reis cristão, mas sob a condição de que seja algo benéfico aos povos naturais das Índias e
ajude aos missionários a propagar a fé com respeito à liberdade e os direitos dos índios.
O objetivo de Bartolomé de Las Casas ao insistir na liberdade indígena e de suas
igualdades era a conquista do elemento político a seu favor – sua defesa em confronto com
Sepúlveda exigia que os espanhóis ficassem do lado de Jesus Cristo e não de Aristóteles na
guerra contra os nativos. Ora, Las Casas defendia que todos poderiam virar cristãos, a
diferença não os excluíam. Contudo o mesmo não se pode empregar com a oposição senhor-
escravo derivada de Aristóteles e ressaltada com maestria por Ginés de Sepúlveda. A
hierarquia é irredutível nessa tradição greco-roamana, assim como a igualdade é um principio
da cristandade, mesmo que não posta em prática.
3.4 – O resultado da Junta.
Os juízes de Valladolid, talvez extenuados e confundidos por este debate, discutiram sem
chegar a uma decisão conjunta. Prometeram, no entanto, apresentar uma resposta por escrito.
O que nunca ocorreu. Sendo não confirmado a vitória para nenhum dos conflitantes, ficando a
cargo de cada um proclamar a sua na contenda de 1550 e 1551, como traz Lewis Hanke:
Las Casas afirmo que la decisión le había sido favorable,
“aunque, desafortunadamente para los indios, las medidas
decretadas por el Consejo no fueron bien ejecutadas”. Por su
parte, Sepúlveda ecribió a un amigo diciendo que los jueces
pensaron que era lícito y correcto someter a los bárbaros del
Nuevo Mundo al dominio de los cristianos, y que sólo un
teólogo había disentido. (HANKE, 1985, p. 144)
42
Os historiadores da controvérsia estão divididos a quem coube a vitórias. Menéndez de
Pidal, por exemplo, concedeu a vitória a Sepúlveda atestando que a tese do jurista foi atestada
pelo frei Bernardino de Arévola, ao passo que os outros três teólogos dominicanos não
expressaram qualquer parecer. Angel Losada, tradutor das apoligias dos conflitantes, adimite,
mesmo em entrelinhas, que quem sai vencedor do debate é Juan Ginés de Sepúlveda. Um
estudioso que se opõe as proposições destes dois, citados anteriormente, foi Edmundo
O’Gorman, que considera a vitoria sendo de Las Casas, pois no campo lógico as teses deste
eram muito mais consistentes, tendo em vista que o índio sempre fora considerado humano,
racional. Logo os argumentos de Sepúlveda de considerá-los irracionais não tinha
fundamento, pois a racionalidade é universal.
Para Manuel Giménez Fernández e Lewis Hanke não restam dúvidas que a junta foi
favorável a Las Casas. O primeiro em seu trabalho quase biográfico do dominicano, em um
estudo preliminar, atesta que o bispo sai vencedor – pelo menos na primeira parte do debate –
este triunfa a partir de um acordo firmado pelo Conselho das Índias de 1551, em que rejeitou
a guerra como instrumento prévio à evangelização, refutando veemente umas das premissas
do debate. O mesmo pode ser dito de outro importante lascasiano Hanke formulou que a
proibição à publicação de Democrates constituiu uma clara derrota a Sepúlveda e já que, em
contra partida, Las Casas publica a Brevíssima relação
Todavia observamos como legado dessa junta para Las Casas o fato da Coroa espanhola
adotar a “doutrina de persuasão racional e pacífica” dos índios como método de evangelização
e a aprovação de leis posteriores que incorporaram importantes ideias do dominicano.
Contudo, não se pode deixar de observar que alguns argumentos de Sepúlveda também foram
aceitos pela Coroa, chegando a ser citado em textos pós-1573 que a colonização continuasse a
ser vista como benéfico ao índio e que ficava a cargo dos espanhóis e da Igreja a civilização e
a propagação da fé cristã para aqueles povos descobertos. Ora, Sepúlveda com suas teses foi o
ideólogo indiscutível da real legalidade da conquista e com isso, exerceu um papel ingrato dos
lados, em que o mesmo seria dificilmente aceito com simpatia, por exemplo, entre os
intelectuais modernos.
Com isso a disputa de Valladolid pode ser considerada um fracasso para Las Casas, pois
o bispo não conquistou aquilo que mais ansiava nessa empreitada: o triunfo público e o
reconhecimento de suas ideias. Reconhecia que seus esforços em prol a causa indígena
requeriam resultados mais perduráveis. No fundo, a empreitada para conscientizar a Espanha
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da necessidade de rever suas conquistas e a construção de valores fracassaram, retratado na
inexistência de um parecer oficial que legitimasse uma das proposições.
As publicações dos Tratados de Las Casas foi um dos ótimos resultados posterior ao
acontecido em Valladolid, fazendo com que suas ideias se espalhassem não somente na
Espanha, mas em toda a Europa, propagando assim para outros países suas paixões,
conhecimento, sua causa e seu irredutível compromisso a causa indígena, propiciando estudos
a posteriore. Esses tratados também serviram como uma espécie de manuais e cartilhas para
guiar os religiosos dispersos por toda a terra da América, tendo em vista que estes
enfrentavam constantemente problemas de consciência. Tornando seus Tratados como um
importante legado para as gerações contemporâneas e futuras a sua publicação.
Contudo, analisando as réplicas e tréplicas dos debatedores em Valladolid não cabe
dúvidas de que Las Casas foi o coroado pelo triunfo desta empreitada. Comparado com seu
oponente o bispo se mostrou preparado e perspicaz para preparar seus argumentos para
destruir o jurista, fator este preponderante devido ao estudo prévio feito por aquele da obra
deste. Logo Las Casas obteve o livro Democrates e pode estudar e se preparar para a disputa,
enquanto Ginés de Sepúlveda não obteve as publicações lascasianas.
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CONCLUSÃO
Ao longo deste trabalho procuramos demonstrar dois pontos importantes do trato em se
estudar Bartolomé de Las Casas. O primeiro é como se constituiu seu mundo, com pessoas,
autoridades e diferentes ideologias, para termos uma dimensão em qual esfera ele estava
inserido. No segundo ponto tocamos em como se constituiu a propagação da luta deste
dominicano à causa indígena e como se formulou o humanismo cristão que estava
engatinhando.
A hipótese levantada por este trabalho de que Las Casas fomentou o Humanismo do
século XVI e foi influenciado pelo mesmo, foi investigada a partir de seus relatos e atitudes,
sobre tudo no período de 1550 a 1552. Defendeu amorosamente os nativos das regiões
americanas tendo que lutar diversas vezes contra autoridades corruptas e aliados corruptíveis.
Contudo as benéficas atitudes tomadas que o frei trouxe aos índios para assegurar sua
legitimidade humana em um período, diga-se de passagem, bastante conturbado, o coloca em
um posto superior na classe dos humanistas. Ora, com a apresentação da Brevíssima relación
a Carlos V, sua obra tem como responsabilidade o deixa no rei uma ponta de sensibilidade
com o explorado, fazendo-o promulgar as Novas Leis que limitavam os direitos espanhóis
sobre os índios, como vemos nas palavras de Freitas Neto:
Um dos momentos possíveis de enumerar os efeitos
da atuação de Las Casas é a edição das chamadas Leis
Novas. A edição das leis que regulamentaram a
colonização espanhola, editadas por Carlos V em
novembro de 1542, teve a forte influência do discurso
lascasista. Se há dúvidas sobre a relação imediata e
específica da atuação do frade dominicano, há também,
entre estudiosos, uma clara percepção de que a nova
legislação, que suplantou a de 1512, foi fruto das
campanhas dominicanas, especificamente do ferrenho
sevilhano. (FREITAS NETO, 2003, p 204)
Nos caracteres dessas Novas leis encontramos sem esforços amostras do pensamento de
Las Casas no que diz respeito a operacionalidade política, entre algumas está a relação de
ambos com o discurso de Montesinos sobre a vida humana e a igualdade da condição entre
humanos e a admissão do domínio da metrópole a partir do poder que lhes cabe – Las Casas
nunca quis lutar contra o governo espanhol, apenas estava tentando demonstrar que estavam
equivocado e como deveriam proceder para corrigir aquele erro grava da Coroa.
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Com as novas descobertas de Cristóvão Colombo em 1492 o mundo Europeu se
intensificou em trazer a tona novos problema de como definir o ideal de homem na Idade
Moderna, levando novos paradigmas de como proceder com aqueles recém-descobertos, por
exemplo.
Este dominicano que em 1514 começou a cambiar sua forma de pensar para uma antítese
não muito convencional na época, chegou em 1552 com seus setenta e tantos anos com o
mesmo ardor e efervescência do início do século XVI. Las Casas, contudo, não viveu sua
velhice sossegada, muito menos levou uma vida tranquila, pois nunca deixou de lutar a favor
daquela gente explorada em outro lado do oceano. A não publicação de um parecer no
Concílio Real deixou-o com ainda mais energia, convencia-se de que a causa ainda não estava
terminada.
Depois do debate em Valladolid o dominicano parte para Sevilha, onde gastou longo
tempo recrutando religiosos dedicados à ir ao Novo Mundo e por em pratica seus ideais.
Neste período também formulou uma séries de publicações, entre elas os nove famosos
tratados que foram publicados naquela cidade no começo de 1553. Sua obra mais famosa a
Brevíssima relación de la destruycion de las Índias é datada um ano antes, em que apesar de
se tratar de uma edição com um alcance limitado – falando em termos de distribuição a
princípio – mas sua fama conseguiu ultrapassar as fronteiras da Espanha, passando de um
intento de distribuição somente para o príncipe Felipe do reinado espanhol e seus
conselheiros, para um reconhecimento em grande parte da Europa, devido as traduções em
muitas outra línguas, como: francês, inglês, alemão, italiano e traduções latinas.
As publicações desses tratados foi um valiosíssimo resultado da junta, pois fez com que
muitos outros estudiosos pudessem se inteirar, não só do que ocorria na Tierra Firme, como
também conhecer suas paixões, seus ensinamentos e seu labor a causa indígena.
Ao relatar o horror e tormento dos povos nativos na Conquista, Las Casas não tinha a
intenção de angariar diversos leitores para si. O que ele mais ansiava era o reconhecimento e a
conscientização do alto poder político hispânico sobre as condições de vida e de bens, que
fora sempre usurpados por outras nações. Deseja ver o índio livre, libertos da exploração e
aceitos como cidadãos súditos do Rei, assim como os demais povos do mundo, incluindo os
espanhóis.
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Após vários fracassos na tentativa de promover uma colonização pacífica, Las Casas
desiste do intento e passa a mudar sua forma de agir – não mais procurando juntar espanhóis e
índios em empreitadas que não surtiam resultados esperados, mas entendeu que precisava
mudar as mentalidades a partir das suas raízes. Assim dedica-se aos estudos e orações para
transforma seus textos como principal arma a favor dos indígenas. Contudo suas obras
ganham importante notoriedade e são utilizadas de formas arbitrarias por nações que
desejavam o enfraquecimento da Coroa espanhola; com isso Las Casas se torna o
propagandista de uma Espanha corrupta, tirânica e homicida. Este episódio ficou conhecido
como Leyenda Negra.
Contudo suas obras, principalmente publicadas após o Concílio favoreceu e propiciou a
formulação de muitos estudiosos contemporâneos, não só na Espanha, mas em toda a Europa,
em conhecer a ebulição que se fazia existir com o trato com a América. Las Casas e um
humanismo em seu início fizeram-se nascer quase concomitantemente e estudar seu labor em
prol indigenista é quase escavar para se achar a pré-história dos direitos humanos.
A labuta da colonização proporcionou para a Coroa espanhola uma conscientização que a
muito demonstrara necessidade. Por aquele tempo, após a Junta de Valladolid, a
institucionalização tentada no debate e fracassada ao fim da mesma, estava evidenciando e
alcançando uma nova compreensão sobre qual forma a conquista deveria ser conduzida. Esta
necessidade de rever a consciência dos espanhóis explica os caracteres existentes na Idade
Moderna. Temos dois exemplos que demonstram bem essa antítese de pensamento que por
muitas vezes se apresentaram como um problema de retidão desse entendimento: Las Casas se
apresenta para nós como o melhor modelo dessa divergência temporal, pois temos na figura
deste frei os dois valores modernos que, separados firmemente, podem ser colocados em
conflitos – foi um explorador da mãos-de-obra indígena e pós-conversão patrono dos direitos
dos nativos. O segundo exemplo se constitui na relação das publicações polêmicas de Las
Casas e o Rei Carlos V, que se encontrou indeciso no proceder ou não com o sistema colonial
que se fez existir no Peru, como vimos no capítulo 2.
As crueldades narradas e as denuncias feitas pelo bispo, como vimos, se devem muito
pelo seu compromisso religioso, impondo religiosamente as condenações aos encomenderos
com a proibição do sacramento da Confissão. Contudo as atitudes que mais se destacaram
foram as suas publicações denunciantes e o famoso debate que argumentou contra os ideais de
escravidão natural defendida pro Ginés de Sepúlveda. Hoje seus textos são considerados
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como importantes relatos sobre o final do século XV e parte do século XVI sobre a América
hispânica.
Sob estas perspectivas tão antagônicas que fez necessário a criação de uma Junta para
decidir os rumos da colonização e se é legitimo escravizar os indígenas, pressupondo que eles
estão nesta condição devido a sua natureza – como defendia Aristóteles. Este pode ser o
primeiro grande debate sobre o humano de até então. Las Casas formulou suas defesas sempre
pensando no pró-indígena, pois o mesmo tinha a convicção de que se tratara de homens
vindos de Deus e passivos de receber a santa Fé Católica, já seu opositor, como já virmos,
suscitava a antiguidade para demonstrar a incapacidade e a naturalização da subjugação dos
nativos. Este episódio que ocorreu entre 1550 e 1551 e foi a institucionalização da condição
do índio como humanos. Contudo os representantes do Concílio ao final dos debates não
promulgaram o vencedor. Porém de mesma forma esta junta é considerado como sendo umas
das principais fomentações do Humanismo Cristão que nasceu da necessidade tanto da Igreja
como do Estado em dar o aval da verdadeira condição indígena, pois representou caminhos e
perspectivas para a continuidade da colonização.
Os feitos políticos de Las Casas são inegavelmente magistrais. Num período em que os
poderes do rei e da Igreja estavam ligados, a ação do religioso teve, por detrás do discurso
cristão, uma forte empreitada política. O frei dominicano nunca teve unanimidade estre os
espanhóis, pois era impopular na colônia e figura polêmica na Metrópole, todavia com suas
importantes influencia o bispo sabia se fazer ouvir. Espalhados estão por mais de quatrocentos
anos seus ideais que puderam não ser concordados no século XVI, mas a necessidade dos
tempos de hoje em rever suas questões humanitárias não nos deixara nunca de sempre revisá-
lo.
Como legado, o Bispo nos deixa hoje sua importância e significado tendo seu grande
valor ressuscitado cada vez mais a partir de manchete de jornais, por exemplo, que aborda o
caso da demarcação de terra no Brasil ou genocídios em massa de grandes civilizações que
carregavam em seus últimos descendentes a esperança de algo melhor para os verdadeiros
donos da terra. Las Casas nos deixa a existência de centros de defesas de direitos humanos
com seu nome e as constantes releituras de suas obras como algo para refletir: mas eles não
são homens?
Entender esta os motivos que levaram esta perpetuação ao longo de vários anos ao longo
do tempo é arriscar-se em uma tarefa na qual o próprio texto e as leituras que dele foram
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deitas vão se misturando. Compreender os elementos que levaram a fomentação desse
humanismo tanto o de Las Casas como o de seu tempo foi uma forma que encontramos para
falar do bispo de Chiapas e assim, analisar sua permanência na historiografia do Novo
Mundo.
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