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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
LILLIANE DE LIMA ANDRADE DO NASCIMENTO
FORMAÇÃO SUPERIOR E INSERÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO: da
brevidade de sonhar em tempos de precarização estrutural do trabalho
NATAL-RN 2016
LILLIANE DE LIMA ANDRADE DO NASCIMENTO
FORMAÇÃO SUPERIOR E INSERÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO: da
brevidade de sonhar em tempos de precarização estrutural do trabalho
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação da Prof.ª Dr.ª Eliana Costa Guerra. Linha de Pesquisa: Serviço Social, Trabalho e Questão Social.
NATAL-RN 2016
AGRADECIMENTOS
“O que eu sou, eu sou em par. Não cheguei sozinho”
Lenine
Elaborei o mestrado dentro do meu projeto de vida e fui extremamente feliz por
encontrar, em meu percurso, verdadeiros anjos, mestres e amigos, que a mim uniram
forças na concretização de todo o aprendizado e aprofundamento até aqui
alcançados. Muitos foram os que contribuíram para a realização desta pesquisa e
muitas foram as mãos a segurar a minha, a me apoiar quando o caminho parecia
pedregoso e de difícil continuidade.
Agradeço ao IFRN por abrir as portas e os arquivos à minha pesquisa,
oportunizar sua realização, respondendo sempre tão prontamente às minhas
solicitações e fornecendo os dados necessários. Também sou grata a esta instituição
por ter atendido minha solicitação de afastamento das atividades de trabalho,
demonstrando-se compreensiva à relevância desse processo formativo em meu
desenvolvimento pessoal e profissional. Aproveito para agradecer aos colegas
parceiros no exercício profissional pelo apoio e por assumir, em minha ausência, as
muitas demandas de trabalho.
Agradeço aos sujeitos da pesquisa, cuja participação foi essencial para o
estudo e seus resultados. Cada um, a cada contato, conferiu a riqueza apresentada
nestas páginas, mas também uma riqueza que está para além do que posso registrar
aqui. Conhecer suas histórias de vida e percepções sobre a formação profissional e a
inserção no mundo do trabalho preencheu de maior sentido as análises e conclusões.
Obrigada por terem sido tão solícitos!
Expresso também minha profunda gratidão aos professores do Programa de
Pós-Graduação em Serviço Social da UFRN pela importante contribuição ao meu
amadurecimento e aprofundamento acadêmico.
Agradeço, em especial, à Eliana Guerra, mais que minha orientadora, uma
amiga querida; mestre essencial ao longo desta densa edificação, por estar junto a
mim numa condução humana, cuidadosa e tranquila dos trabalhos; por partilhar
comigo seus conhecimentos; por orientar e demandar, na correta medida, aquilo que
poderia realizar; por confiar no meu trabalho e a ele conferir autonomia. Grata pela
compreensão e pelo carinho de sempre. Desejo que esta parceria firmada se perpetue
e amplie cada vez mais. Gratidão, Eliana!
Aos colegas de turma, também meu agradecimento. Foi especial compartilhar
tantos momentos de aprendizado com tão bons profissionais. Dividir os espaços de
formação, atuação e luta com vocês será sempre uma enorme satisfação.
Agradeço aos amigos mais próximos e familiares, por compreender a ausência
em meio ao processo de imersão vivenciado, por, ainda assim, estar junto, apoiando
e dando forças até o último momento deste ciclo (e, certamente, nos que virão a
seguir).
De forma particular, à minha mãe, Ernestina, orientadora de minha existência,
a mostrar-me o valor do conhecimento desde meus primeiros passos; mãe que tanto
esforço empreendeu para me oportunizar a educação formal, mas, sobretudo, aquela
que me prepararia para a vida.
Manifesto também de maneira especial minha gratidão ao meu esposo e
companheiro de vida, Moreno Nascimento, pela compreensão, pelo respeito, pelo
estímulo e por sempre me fazer acreditar... só nós sabemos a vitória que significa esta
jornada.
Por fim, sendo este também meu reconhecimento primordial, expresso minha
gratidão aos Deuses, fonte de coragem e inspiração de meu espírito guerreiro. A
Ogma pelo entusiasmo criador e domínio da linguagem. A Brigit por seu acalanto e
força.
“Dê asas pr'eu aterrissar no céu. Dê paraquedas pr'eu saltar do chão pro céu. Para uma estrela acender na minha mão” (Luiz Felipe Leprevost, Thiago Menegassi e Troy Rossilho)
Resumo
Este estudo objetivou conhecer e analisar a inserção, no mercado de trabalho, assim como as condições e relações laborais dos egressos dos cursos superiores de tecnologia do Campus Natal-Central do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), no contexto contemporâneo de expansão institucional e do ensino superior no Brasil, de precarização estrutural do trabalho e de adensamento do precariado. A pesquisa fundamentou-se em uma perspectiva crítica, visando apreender o objeto de pesquisa mediante as determinações sócio históricas da sociedade do capital, em tempos de crise. Do ponto de vista metodológico, constituiu-se uma pesquisa quali-quantitativa trabalhando com dados secundários e primários; estes últimos oriundos de entrevistas semiestruturadas. As análises dos resultados nos permitiram identificar, nos relatos dos egressos, seus perfis, explicitando características inerentes à categoria “precariado” e desvelar os limites da ação do IFRN, que, apesar das pretensões institucionais em contrário, tem atuado como vetor de adensamento dessa parcela da classe trabalhadora no atual tempo histórico. O estudo revelou igualmente elementos importantes do processo formativo e de pós-diplomação que podem ser considerados pelo Instituto na adequação dos currículos, na organização e articulação dos estudantes/profissionais e no processo de acompanhamento dos egressos, a fim de favorecer melhores condições de inserção profissional a seus formandos/egressos.
Palavras-chave: Precarização do trabalho; Expansão do ensino superior; Precariado,
Educação profissional e tecnológica.
Abstract
This study aimed to know and analyze the insertion in the labor market, as well as the conditions and labor relations of graduates from higher education in technology of Campus Natal-Central of the Federal Institute of Education, Science and Technology of Rio Grande do Norte (IFRN) in the contemporary context of institutional expansion and higher education in Brazil, structural work precariousness and densification of the precariat. The research was based on a critical perspective that aims to grasp the research subject by social-historical determinations of the society of capital in times of crisis. From a methodological point of view, it constitutes a qualitative and quantitative research working with secondary and primary data; the latter coming from semi-structured interviews. The analysis of the results allowed us to identify the reports of the graduates their profiles, explaining inherent characteristics of the category "precariat" and revealing the IFRN action limits, that despite institutional claims to the contrary, has acted as a densification vector of this portion of the working class in the present historical time. The study also revealed important elements of both the training and post-graduation processes that may be considered by the Institute in the adaptation of curricula, organization and articulation of students / professionals and monitoring process of graduates in order to promote better conditions for its students/graduates employability. Keywords: Precarious work; Expansion of higher education; Precariat, professional and technological education.
Lista de Abreviaturas
ABEPSS - Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa e Serviço Social
BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
BM - Banco Mundial
CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CE - Ceará
CEE - Coordenação de Estágios e Egressos
CEFET - Centro Federal de Educação Tecnológica
CFESS - Conselho Federal de Serviço Social
CLT - Consolidação das Leis do Trabalho
CONSUP - Conselho Superior
CRA - Coordenação de Registro Acadêmico
DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
EAD -Educação a Distância
FHC - Fernando Henrique Cardoso
FIES - Fundo de Financiamento Estudantil
FIES - Fundo de Financiamento Estudantil
FMI - Fundo Monetário Internacional
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IES - Instituição de ensino superior
IF - Instituto Federal
IFCE - Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará
IFRN - Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação
MEC - Ministério da Educação
MP - Ministério Público
OIT - Organização Internacional do Trabalho
OMC - Organização Mundial do Comércio
ONU - Organização das Nações Unidas
OVEP - Observatório da Vida do Estudante da Educação Profissional
PDE - Plano de Desenvolvimento da Educação
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
PPP – Projeto Pedagógico
PROEN - Pró-Reitoria de Ensino
PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego
PROUNI - Programa Universidade Para Todos
REUNI - Programa de Apoio a Planos de Estruturação e Expansão das
Universidades Federais
RN -Rio Grande do Norte
SERES - Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior
SETEC - Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
TIC - Tecnologias da Informação e Comunicação
UFERSA - Universidade Federal do Semi-Árido
UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura
Lista de Figuras
Figura 1 – Marcos históricos do processo de mudanças na Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica Figura 2 – Distribuição dos Campi do IFRN, por cidade, no estado do Rio Grande do Norte Figura 3 – Organograma da estrutura acadêmica vinculada aos cursos superiores de tecnologia no Campus Natal-Central Figura 4 – Fluxo das mudanças de nomenclatura do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental Figura 5 – Fluxo das mudanças de nomenclatura do curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas
Lista de Tabelas
Tabela 1-Cursos superiores de tecnologia por eixo tecnológico e ano de início das ofertas Tabela 2: Perfil profissional por curso superior de tecnologia, modalidade presencial, do Campus Natal-Central do IFRN Tabela 3 - Quantitativo de discentes aptos a colar grau nos cursos superiores de tecnologia atualmente ofertados pelo IFRN Campus Natal-Central, referente aos anos de 2013 e 2014 Tabela 4 – Cursos de formação dos egressos entrevistados
Lista de Gráficos
Gráfico1 - Evolução do número de IES universitárias e não universitárias no Brasil – 1994-2014 Gráfico2 – Evolução, em números absolutos, de IES por categoria administrativa no Brasil – 1994-2014 Gráfico 3 - Evolução do número de matrículas no ensino superior no Brasil – 1994-2014 Gráfico 4 - Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica - Em unidades. Gráfico 5 - Quantidade de Municípios atendidos com a expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 15
2 O IFRN NO CONTEXTO DA EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR E
TECNOLÓGICO NO BRASIL EM TEMPOS DE REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA
E CRISE DO CAPITAL ............................................................................................. 35
2.1 A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no contexto de
expansão do ensino superior no Brasil e de mutações no mundo do trabalho ...... 35
2.2 Crise e precarização do trabalho e as novas demandas de formação dos
trabalhadores ......................................................................................................... 41
2.2.1 Brasil: inserção tardia, dependente e subordinada ao capitalismo
financeirizado e repercussões sobre o trabalho .................................................. 49
2.3 Precarização estrutural do trabalho e emergência do precariado: novas
configurações do trabalho e permanência de “velhas” estruturas e relações de
exploração ............................................................................................................. 61
2.4 Estado e expansão da educação superior no Brasil em tempos de
reestruturação produtiva, de emergência e ampliação do precariado.................... 77
3 REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA:
CONTRADIÇÕES E PERSPECTIVAS NO PROVIMENTO DE FORÇA DE
TRABALHO NA ÁREA TECNOLÓGICA ................................................................ 106
3.1 Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo em tempos de
crise do capital e de reconfiguração do Estado.................................................... 106
3.2 A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica expande-se no Rio
Grande do Norte e na Grande Natal .................................................................... 117
3.2.1 Cursos de Superiores de Tecnologia do IFRN: o dito e o não dito nas
propostas oficiais e na operacionalização dos novos cursos da área tecnológica
.......................................................................................................................... 125
3.3 Formação técnica e tecnológica de nível superior no IFRN e a inserção
profissional dos egressos no mundo do trabalho ................................................. 141
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 173
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 179
APÊNDICE A .......................................................................................................... 192
APÊNDICE B .......................................................................................................... 198
15
1 INTRODUÇÃO
O estudo ora apresentado teve como ponto de partida inquietações
profissionais e pessoais fomentadas ao longo de alguns anos de inserção
profissional em Campi do IFRN. Desde agosto de 2010, integrando o quadro efetivo
de servidores do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio
Grande do Norte (IFRN), no cargo de assistente social, acumulamos experiências
no exercício laboral em mais de um campus, o que tornou possível perceber
distintas realidades no processo de interiorização do IFRN no estado. Além da
atuação na condução das ações do Serviço Social dos campi nos quais estivemos
lotados1, tivemos também a oportunidade de assumir funções de gestão2, que nos
proporcionaram contato mais direto com documentos e atos da gestão local e do
nível central3.
Intrigava-nos, inicialmente, o processo expansionista por que, notadamente,
vem passando o Instituto nos últimos anos e, com ele, toda uma gama de
interferências sobre a organização institucional, percebidas nas constantes
adequações e mudanças processadas em seu interior. Interpelávamo-nos ainda
acerca dos resultados efetivamente alcançados com a ampliação da Rede Federal
de Educação Profissional e Tecnológica, com destaque para o IFRN.
Assim, os estudos empreendidos nos fizeram demarcar uma questão inicial
– e que se tornou central com relação à mencionada realidade: Como tem se dado
a inserção dos estudantes egressos do IFRN no mundo do trabalho? Isso porque
a elevação quantitativa da oferta de vagas nos cursos oferecidos pelos Institutos
1 Campus Caicó, Santa Cruz e São Gonçalo do Amarante, todos localizados em cidades de mesmo nome. 2 As funções ocupadas foram a de Coordenadora de Atividades Estudantis, em que geria serviços de assistência aos estudantes, e de Coordenadora do Núcleo de Atendimento às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas, sendo responsável pela implantação e gestão do núcleo no Campus Caicó. 3 Refere-se à hierarquia prevista na estrutura administrativa interna do IFRN, tal como descrita em
seu Estatuto. Faz-se menção ao nível local, em que se inserem os gestores de cada campus, tendo por responsabilidade planejar, coordenar, executar e avaliar os projetos e as atividades das suas áreas de atuação no âmbito de cada unidade acadêmica, e ao nível sistêmico, composto pelas diretorias ligadas diretamente às Pró-reitoras e à Reitoria e incumbidas de planejar, coordenar, executar e avaliar os projetos e as atividades das suas áreas de atuação no âmbito no Instituto em sua esfera macro.
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significa, ao menos em princípio, por uma conexão lógica, um maior número de
diplomados, isto é, um quantum de trabalhadores formados, dotados de
conhecimento e certificação em busca de emprego. Não obstante, o crescimento
significativo em oferta de vagas nos cursos de nível superior pelo IFRN, ou a
expansão do ensino superior, não se restringe a esta IES. De fato, o número de
diplomados é adensado por aqueles oriundos das universidades públicas, de
instituições privadas e de outras organizações que surgem via diversificação
institucional4.
Contraditoriamente, Ricardo Antunes (2011a) revela-nos um contexto
socioeconômico e político mundial de reestruturação do trabalho, no qual se
intensifica o processo de flexibilização e de precarização do trabalho, compondo
uma nova morfologia do trabalho, em que se regulamentam iniciativas de interesse
dos capitalistas, tornando o mercado impermeável para muitos e impositivo de uma
exploração cada vez maior do trabalhador. Um quadro manifesto em todo o mundo
e também no Brasil, com caráter incongruente, dado que emerge da própria
contradição do capital e conflito/exploração do trabalho; tanto é assim que Antunes
(2006, 2013) sintetiza na expressão “riqueza e miséria do trabalho no Brasil”.
Consoante com os constructos analíticos de estudiosos como David Harvey
(2011), François Chesnais (2006) e István Mészáros (2002, 2008, 2006, 2016),
vivenciamos tempos em que, ganha corpo mais um episódio a expor a crise
estrutural do sistema do capital, demarcado pelo rentismo global e por suas
implicações sobre o mundo do trabalho. Por ora, cabe-nos destacar que um dos
motes da engrenagem da referida ampliação, é o fato de os Institutos Federais (IF)
funcionarem, para o Estado, como instrumento para a expansão do ensino superior
no Brasil, via diversificação institucional e de áreas de formação, ou mesmo como
maneira de responder às requisições do mercado de trabalho no processo de
substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, nos termos utilizados por Marx
(1978, 2013). Contraditoriamente, verificamos demandas em níveis cada vez mais
elevados de formação profissional em um contexto de precarização estrutural do
trabalho. A formação de nível superior tem sido reiteradamente assinalada no
discurso corrente como indispensável à qualificação dos sujeitos em tempos atuais,
4 Centros universitários, CEFET/IF e faculdades.
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como forma de garantir a chamada empregabilidade e assegurar competitividade
no mercado.
Motivamo-nos, assim, a nos debruçar sobre a realidade dos egressos desse
nível de ensino, cuja oferta aparece recentemente nos IF, por meio da criação de
cursos de tecnologia e de licenciaturas. Ambas as áreas surgem no âmbito dos
Institutos como forma de responder às demandas e carências por mão de obra
qualificada, de um mercado de trabalho contemporâneo cada vez mais exigente.
Tendo em conta todo esse contexto e seu mosaico de determinações, que
tão logo aprofundaremos, ganha forma, em esfera mundial, uma parcela da classe
trabalhadora com recortes muito bem definidos, o precariado. Para nós, Giovanni
Alves (2012, 2014b) formula teoricamente, ou define com maestria, esse grupo. À
luz deste autor, traçamos o perfil de tais sujeitos como sendo pertencentes às
juventudes que têm buscado elevar o grau de escolaridade e qualificação
profissional, atingindo alto patamar, a enfrentar, porém, contexto adverso para sua
inserção no mundo do trabalho, transitando de um emprego ou ocupação, nos
setores formal ou informal, desenvolvendo atividades temporárias, de modo geral,
em relações e condições de trabalho precárias.
Trata-se, pois, de uma parcela jovem, altamente qualificada, repleta de
conhecimentos e expectativas, pronta para a atuação profissional, a deparar-se
com atividades que não condizem com sua qualificação profissional, com salários
insatisfatórios para os níveis de formação, com parca ou nenhuma segurança ou
proteção trabalhista, em contratos flexíveis; condições cujo resultado é, além do
exercício precário do trabalho, frustração, desmotivação e/ou perda da qualidade
de vida. Significa, nos termos de Giovanni Alves (2011), um processo de
precarização existencial, a atingir aqueles cuja busca pela qualificação profissional
representava uma perspectiva de melhoria das condições de vida, promessa que
paira no senso comum, propalada pelo mercado e pelo próprio Estado.
Nesse estudo, tomamos o precariado como categoria de análise e
indagamos acerca da contribuição ou não, por parte do IFRN e de sua nova oferta
de cursos de nível superior, para o adensamento dessa parcela da classe
trabalhadora.
Dentre as áreas de formação assumidas pela instituição, a área tecnológica
destaca-se como aquela que, supostamente, teria o carimbo ou símbolo do
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progresso no seio do sistema capitalista. Na contemporaneidade, tal significado
social atribuído a esta área a torna mais atrativa a incentivos estatais destinados à
formação profissional. No âmbito do IFRN, distingue-se como a área que tem
passado por maior diversificação, com introdução de novos cursos e reconfiguração
dos existentes, concentrando, atualmente, a maior oferta de vagas da instituição5,
além de ser aquela mais procurada.
Atualmente, O IFRN conta com 31 cursos de nível superior, dos quais 1
curso de engenharia, 10 cursos de licenciatura e 20 cursos de tecnologia. Conforme
os Editais nº 01 e nº 16/2015 – PROEN/IFRN, através do Sisu6, em 2015 foram
ofertadas 668 vagas para os cursos da área de tecnologia na instituição, quando
416 vagas foram disponibilizadas para as licenciaturas. Para o primeiro semestre
de 2016, por meio do Edital nº 36/2015-PROEN/IFRN, o IFRN ofertou um total de
408 vagas para os cursos superiores de tecnologia, 302 para as licenciaturas e
apenas 40 vagas para o único curso de engenharia que abriga.
Conforme o Relatório de Gestão do Exercício de 2015 do IFRN (2016), em
2015 foram realizadas 2.595 matrículas ordinárias nos cursos superiores de
tecnologia, enquanto que as licenciaturas registraram 2.080 matrículas ordinárias.
Do total de matriculados nos cursos da área tecnológica, 1.367 situam-se ao
Campus Natal-Central, o maior número apresentado dentre todos os campi. Para
termos ideia da dimensão do referido campus, os dados apontam que a maior
aproximação quantitativa é do Campus Natal Cidade Alta, cujo número de
matrículas foi de 298, em 2015.
Tomando em conta a expansão supramencionada, a pesquisa tece uma
análise do processo de inserção dos sujeitos egressos do ensino superior dos
cursos de tecnologia do IFRN no mundo do trabalho, no atual contexto de expansão
deste nível de ensino no Brasil e no Rio Grande do Norte, inscrevendo tal
problemática no cerne da dinâmica do mercado e da realidade laboral em tempos
de reestruturação produtiva e de expansão do precariado.
Com efeito, em cenário de precarização do trabalho, de informalização da
economia7, de elevada rotatividade nos postos de emprego, torna-se importante
5 Veremos, mais adiante, dados que atestam essa afirmação. 6 Sistema de Seleção Unificado do Ministério da Educação. 7 A informalidade na economia capitalista e, em particular, no desenvolvimento do capitalismo no Brasil, data de longo tempo. Podemos identificar autores que abordaram a temática, nos anos
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indagarmo-nos sobre as possibilidades de inserção no mundo do trabalho de jovens
egressos do IFRN, sobre as modalidades de contrato que estabelecem,
considerando os tipos de formação recebidos, com destaque para a área
tecnológica, além de conhecer melhor seus percursos de vida e as condições de
trabalho com as quais se defrontam.
O objeto de estudo assim delineado parte das sucessivas aproximações
realizadas, as quais nos possibilitaram maior amadurecimento e o estabelecimento
de algumas interconexões teóricas e analíticas imprescindíveis à compreensão da
vinculação entre a expansão dos IF - em especial, neste caso, do IFRN – e a
ampliação do ensino superior no País e, além disto, a sua imbricação com a
realidade complexa de crise estrutural do capital e as novas determinações que
movem e conformam o mundo do trabalho.
Assim, o encontro com a temática e, sobretudo, com o objeto estabelecido
nos indicou a relevância da pesquisa encampada, ora por entender, mediante o
contato com os alunos, proporcionado pela função exercida, as angústias e o receio
diante do inesperado “novo mundo”, que se abre após a conclusão do curso,
quando não o sentimento de despreparo para enfrentar de tal situação; ora por
compreender, pela aproximação com setores das áreas específicas de formação e
acompanhamento de egressos, as perspectivas e os desafios da instituição para
monitorar e/ou permanecer em contato ou mesmo assegurar orientação mínima
aos diplomados de seus cursos.
Assim, a pertinência deste estudo relaciona-se à sua potencial contribuição
ao IFRN e demais instituições que ofertam cursos de nível superior, no sentido de
ampliar as discussões acerca da importância de tal acompanhamento, mas não
apenas, posto que a perspectiva crítica a que se vincula a pesquisa, certamente,
revelará, lacunas, inconsistências, dificuldades e desafios que perpassam a
realidade da formação profissional técnica e tecnológica, além das contradições
entre necessidades reveladas pelos sujeitos sociais e as possibilidades concretas
1950/60 e, de modo mais amplo, nos anos 1970/80 quando se vislumbrava que o desenvolvimento, com a expansão da grande indústria levaria, progressivamente à inserção do conjunto dos trabalhadores no mercado formal de trabalho. A informalidade era, portanto, tida como provisória. Mais recentemente, com o aprofundamento da crise do capital e as decorrentes medidas ajustadoras e de reestruturação produtiva, a informalidade assume espaço central, integrando a própria dinâmica de reprodução ampliada do capital (ANTUNES, 2011b)
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da instituição realizar, além da formação, o acompanhamento e a orientação com
vistas à inserção no mercado de trabalho.
A análise construída neste estudo, por seu embasamento teórico e por
extrair da realidade seus principais elementos, pode subsidiar as diversas
instituições a construção de uma relação que se estabeleça seguindo uma tônica
não apenas quantitativa sobre a inserção profissional, mas dando especial atenção
aos aspectos qualitativos do exercício laboral de tais profissionais, considerando
inclusive a prestação de serviço de assistência com o apoio e a orientação
necessários antes - com a reformulação de currículos e elaboração de atividades
complementares - e após a diplomação. Pode fomentar ainda a mobilização dos
egressos para, em contrapartida, manter contato permanente com as instituições,
de maneira a contribuir com os processos de avaliação e desenvolvimento dos
currículos dos cursos, em consonância com a realidade, tornando visível a
receptividade ou não de suas experiências formativas pelo mercado, expressando
suas dúvidas, facilidades, dificuldades e anseios quanto ao processo de inserção
no mundo do trabalho.
Referimo-nos a esse aspecto porque o IFRN possui em sua estrutura
administrativa, isto é, na estrutura administrativa dos campi, a Coordenação de
Estágios e Egressos (CEE), a quem é atribuída a responsabilidade de manter e
sistematizar as informações referentes ao controle dos egressos, apresentando
relatório anual; a ela também compete promover estudos acerca da situação dos
diplomados, com vistas à atualização contínua dos currículos dos cursos.
Tendo em conta a densidade de questões que envolvem em tempos atuais,
torna-se relevante situar no cerne do debate institucional sobre os egressos dos
cursos superiores - com relevo para os procedentes dos cursos de tecnologia – as
análise que apontamos com referência às dificuldades de inserção no mundo do
trabalho, às relações e condições de trabalho com que se defrontam concludentes,
assim como à precarização existencial a que estejam submetidos, a isso que
evidenciamos como alargamento qualitativo do intento de acompanhamento de tais
profissionais.
Cabe ainda ressaltar que o objeto da pesquisa responde também a uma
perspectiva recente do próprio IFRN, a criação do Observatório da Vida do
Estudante da Educação Profissional (OVEP), cuja implementação visa mapear
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informações da vida do estudante e desenvolver ações de intervenção para
garantia do acesso, da permanência, do êxito e da conclusão do curso, referindo-
se igualmente ao acompanhamento de egressos e de sua inserção no mercado de
trabalho, dimensão a constituir um desafio para a instituição. Assim, o material
produzido pela pesquisa poderá contribuir para o debate interno acerca dos
egressos e para o encaminhamento do próprio trabalho das comissões8 espraiadas
pelos campi do IFRN, com a missão de acompanhar a vida de tais estudantes. Para
além da percepção da efetiva empregabilidade dos estudantes que concluem
cursos no IFRN, a presente pesquisa pode contribuir com análises acerca das
condições de trabalho e de vida/existência, da articulação e/ou organização, assim
como da alocação e do reconhecimento profissional, diante da complexidade que
envolve a inserção dos tecnólogos no mundo do trabalho, especialmente no estado
do Rio Grande do Norte.
Entendemos que a abordagem de tais aspectos de forma crítica é pertinente,
senão indispensável, para a manutenção do desvelo da instituição formadora com
aqueles que a ela estiveram vinculados, ou seja, profissionais oriundos da formação
ofertada. Assim, cremos que a instituição disporá de mais ferramentas para
construir um acompanhamento mais completo e aproximado da realidade de seus
egressos e, sobretudo, para os trabalhadores aí graduados, para que não se vejam
simplesmente expelidos e dispersos em um mundo do trabalho, a lhes parecer
hostil, sem organização política, sem articulação com profissionais de outros
estados.
Não obstante isso, as análises propostas nesta pesquisa podem contribuir,
inclusive, para o Serviço Social do IFRN e da Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica como um todo, uma vez que se referem diretamente ao
público com que trabalhamos, seus anseios e as determinações que envolvem seus
processos formativos e de inserção no trabalho. Os assistentes sociais,
profissionais que ocupam os quadros de servidores efetivos em todos os campi,
possuem grande potencial no que diz às suas competências e habilidades,
especialmente na atuação em equipe, na problematização interna sobre o trabalho
8 O OVEP foi estruturado sob a Coordenação da Pró-Reitoria de Ensino do IFRN, de modo que cada campus conta com uma comissão local, formada por profissionais do próprio campus (equipe técnica pedagógica, diretor acadêmico, coordenadores de curso, assistente social, psicólogo, dentre outros) para pensar as estratégias de acompanhamento a partir da sua realidade peculiar.
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na contemporaneidade, podendo contribuir com o acompanhamento dos egressos
e com análises das informações obtidas pelos setores e/ou projetos da
organização, sempre numa perspectiva crítica. A participação desses profissionais
nas atividades do OVEP em alguns campi, a exemplo do campus Caicó, já denota
esse olhar por parte da instituição e do conjunto de assistentes sociais inseridos
nesse espaço sócio ocupacional.
Essa investigação e seus resultados significam um esforço no sentindo de
desvelar as implicações das iniciativas de expansão do ensino superior por parte
do Estado no contexto de crise do capital e de acentuação da precarização do
trabalho, tendo o pioneirismo de por, no centro do debate, a realidade norte-rio-
grandense. O estudo, portanto, pode contribuir academicamente ao expor questões
bastante atuais, em relação direta com distintas áreas, sendo as principais a
sociologia do trabalho, a educação, e o serviço social; temas que se põem a definir
o presente e o futuro das juventudes, no entanto, ainda carentes, especialmente
em nível local, de maior problematização que resultem construção de alternativas
institucionais e de luta.
Para dar conta dos objetivos propostos, um percurso metodológico foi sendo
desenhado desde o início do mestrado, ao longo da pesquisa até a definição do
objeto. Tal percurso foi revelador das inúmeras determinações, a circunscrever
nosso objeto de estudo, num contexto histórico permeado por conformações
econômicas, políticas, sociais, e culturais com as marcas da contemporaneidade.
A perspectiva investigativa adotada nos impulsiona a apreender o objeto em sua
essência e contraditoriedade. Diante da requisição que nos temos feito,
entendemos ser primordial amparar nossas análises em um método capaz de
apreender o real em sua dinâmica e complexidade, em busca de dar conta da
totalidade concreta e da conexão existente entre as distintas totalidades que a
compõem.
Substancialmente, por estarmos tratando do universo que envolve o mundo
do trabalho em tempos atuais, com forte determinação do conflito capital-trabalho
e das contradições que emergem do sistema de produção capitalista, na relação
que estrutura com a Política de Educação, isto nos reclama a opção por um método
que alcance seus meandros mais íntimos, indo para além da forma como se
23
apresenta na exterioridade. Dito de outro modo, em uma perspectiva de totalidade,
procuramos inscrever a relação entre formação profissional e tecnológica de nível
superior e empregabilidade nos atuais tempos históricos, na complexa teia de
relações sociais, como particularidade/totalidade de menor complexidade.
Assim, ao buscarmos dar conta de compreender – no seio das inflexões da
expansão do ensino superior através da Rede Federal de Educação Profissional e
Tecnológica na esfera local – como tem se dado a absorção (ou não) dos
estudantes egressos dos cursos superiores de tecnologia do IFRN, em face do
processo de reestruturação produtiva e da conformação do precariado,
entendemos ser importante lançar mão de um método que torne possível apreender
as múltiplas, amplas e complexas determinações postas no capitalismo
contemporâneo em torno da categoria “trabalho”. A incidirem sobre nosso objeto
de pesquisa.
Assim, vinculamos nossa perspectiva investigativa ao método crítico-
dialético, o método em Marx, a partir do qual realizamos aproximações sucessivas
com o objeto, tendo por intuito problematizá-lo e compreendê-lo em seus arranjos
e contradições.
Em Marx, as relações materiais dos homens formam/edificam todas as suas
relações, de sorte que as relações sociais estão dialeticamente imbricadas às
forças produtivas. No seio da sociedade capitalista, cuja complexidade das relações
que engendra atinge patamares tão elevados, jamais vistos antes na história, o
trabalho (assalariado) assume centralidade no processo de valorização do capital,
sendo alvo de transformações impostas pelo sistema produtivo.
A formação profissional, elemento de relevo nos modelos produtivos
instaurados nas últimas décadas, é progressivamente afetada por mudanças, uma
vez que se estrutura a todo o momento como forma de atender também às
requisições do mercado em intensa rápida transformação. A formação profissional,
tal como as relações e condições de trabalho no interior da sociedade burguesa,
desta feita, está intimamente ligada à produção das condições materiais de vida
social e às reconfigurações processadas em seu interior, donde nos toca buscar
em Marx os subsídios para desvelar essa realidade.
Tendo em conta as referidas transformações estarem fincadas nas relações
sociais estabelecidas como resultado da complexificação das forças produtivas,
24
destacamos existência de crises associadas à própria estrutura do sistema do
capital como uma acepção marxiana de elevada relevância analítica. O capitalismo,
marcado pela contradição, gera as condições econômicas de sua própria
eliminação, desde que as relações de produção mesmas se tornem obstáculos ao
desenvolvimento (DUMÉNIL, 2011) e, engendra novas contradições que, ao se
desenvolverem, se expressam em crises.
Torna-se, portanto, imperativo para a sobrevivência e perpetuação desse
modo produtivo (sua estrutura e “formas ideológicas”) que se reinvente, isto é,
encontre alternativas para vencer as crises, mantendo o processo de valorização
do capital. Mas a teoria marxiana nos aponta, e a prática social e histórica nos
permite verificar, que a burguesia (classe dominante detentora dos meios de
produção) somente encontra saídas para driblar as crises, por meio da ampliação
de sua dominação, o que significa maior exploração da classe subalternizada, com
subsequente aumento da barbárie social.
Conforme aponta Carvalho (2014, p. 13)
Tomando de modo específico o “novo (e precário) mundo do trabalho no século XXI”, nesta nova temporalidade histórica, ao longo dos “trinta anos perversos do capitalismo global (ALVES, 2013), impõe-se a exigência de uma reflexão teórico-metodológica, mobilizando a imaginação dialética, no desvendamento crítico das novas condições de expansão ilimitada do capital, em novas conexões de tempo e espaço. É esta uma tarefa epistemológica-política do presente, a circunscrever uma agenda de estudos e investigações. [...] Para tanto, a lógica analítica de Marx no desvendamento do sistema do capital e as vias do método marxiano se fazem decisivas, configurando a necessidade premente de trabalhar o “marxismo em movimento” nos circuitos da História. (grifos da autora)
Partilhando do mesmo entendimento, construímos nossa pesquisa no
universo de categorias marxianas, referenciando-nos em constructos de Marx e de
outros estudiosos que o sucederam para pensar o objeto pesquisado no interior da
sociabilidade do capital em atuais tempos históricos. Assim, guiamos nossos
estudos, no movimento do abstrato ao concreto, para, em seguida, concebermos o
concreto no nível do pensamento, como “concreto pensado”, pelas categorias da
25
totalidade, da contradição e da mediação9, entendendo que estamos mergulhando
em um objeto inscrito numa totalidade concreta, complexa e dinâmica, cuja
existência guarda uma série de relações entre processos diversos, parte dessa
totalidade; relações estas mediadas por níveis distintos de complexidade e pela
estrutura peculiar de cada processo ou totalidade que compõe a totalidade mais
geral (NETTO, 2009).
As sucessivas aproximações foram sendo costuradas no curso da
investigação à medida que as estruturas em torno do objeto foram se revelando
aos nossos olhos. Partimos do real, da aparência com que se apresentava o objeto
de pesquisa de maneira imediata, para o aprofundamento teórico por meio do
Estado da Arte - na fase mais incipiente do estudo -, das pesquisas bibliográfica,
documental e empírica, fazendo as articulações necessárias ao entendimento da
complexidade sobre a qual nos debruçamos.
Os procedimentos analíticos e as sínteses feitas - abstraindo os elementos
e mediados por uma análise “concreta”10-, possibilitaram atingir as determinações
mais simples da estrutura do objeto, as quais foram resinificadas, ou melhor,
percebidas com as reaproximações, isto é, os retornos em sentido inverso, como
propõe Marx, a essa totalidade. Esse caminho analítico-investigativo fomentou a
reprodução da realidade estudada no plano ideal (do pensamento), proporcionando
apanhar, o mais possível, a essência do objeto.
Todo o curso da investigação teve na pesquisa bibliográfica o alicerce teórico
necessário à análise crítico-reflexiva, a orientar todos os momentos e caminhos
trilhados. Artigos científicos e obras literárias em que imergimos nos renderam
valiosas reflexões (e conexões) acerca do funcionamento da lógica que movimenta
o sistema do capital, das configurações mundiais e locais do capitalismo, da Política
de Educação brasileira e das políticas relacionadas ao ensino superior (sua
expansão e a formação profissional em tempos atuais), assim como das questões
relativas ao mundo do trabalho na contemporaneidade.
9 A essas categorias metodológicas a conduzir a lógica analítica e, portanto, tomadas em nível mais elevado de abstração, somam-se outras categorias teóricas importantes que iluminam as análises construídas ao longo do estudo, tais como crise, precarização estrutural do trabalho, expansão do ensino superior, dentre outras. 10 Combinação de múltiplos valores explicativos que possibilitem proceder uma análise conforme os múltiplos aspectos da realidade. (DUMÉNIL, 2011)
26
Travamos, assim, profícuo diálogo não apenas com Karl Marx (1859,
2013)/Karl Marx e Friedrich Engels (1894) – em cuja elaboração teórico-
metodológica referenciamos nossa pesquisa -, mas também com as construções
teóricas de autores como István Mézáros (2002, 2006, 2008, 2011), François
Chesnais (1996), David Harvey (2011, 2012), Ricardo Antunes (2006, 2011a,
2011b, 2013), Giovanni Alves (2007, 2011, 2012, 2014a, 2014b, 2015a, 2015b),
Ruy Braga (2012), Márcio Pochmann (2006, 2013), André Singer (2012),
Gaudêncio Frigotto (2010), Roberto Leher (1999, 2016), Lúcia Neves e Marcela
Pronko (2008), Demerval Saviani (2010), Kátia Lima (2011, 2012), dentre outros,
possibilitando ampliar o repertório teórico, com base no qual edificamos a
investigação e as análises procedidas.
Esse foi um alicerce imprescindível para a realização da pesquisa
documental, em especial porque nos instrumentalizou e ampliou nosso olhar para
identificar a dinâmica do real, entendendo as relações entre os fatos de maneira
crítica e aprofundada, inquirindo, a todo o momento, os elementos de sua
configuração. Desta maneira, nos debruçamos sobre os documentos referentes à
expansão do ensino superior e da Rede Federal de Educação Profissional e
Tecnológica, com destaque para o Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Norte, visando compreendê-los no contexto
institucional e local, mas também, além deles, no contexto nacional e mundial do
sistema do capital e das exigências do mundo do trabalho em termos da formação
profissional.
O estudo documental – realizado por meio do acesso a sites oficiais do
Ministério da Educação e Ciência e Tecnologia, assim como dos Institutos Federais
- possibilitou desnudar, por via de uma análise mais acurada, os direcionamentos
políticos da expansão do ensino superior e do IFRN explorando, inclusive as
intencionalidades de alinhamento aos ditames do mercado e das agências
internacionais determinadoras de metas ao Estado brasileiro, aproximando a
pesquisa da melhor compreensão das contradições pressupostas.
A etapa de pesquisa documental, no entanto, não se deu em separado, isto
é, não corresponde a um momento estanque da pesquisa, uma vez que foi sendo
suscitada ao longo do percurso investigativo no contato com as informações
27
fornecidas pela instituição, nas muitas aproximações realizadas e com as sínteses
de leituras teóricas.
Antes de especificar os caminhos da pesquisa de campo é válido ressaltar
que esta etapa da pesquisa esteve direcionada especialmente aos egressos do
Campus Natal Central do IFRN11, escolhido como lócus da investigação por ser,
dentre os campi do IFRN, a unidade mais antiga, aquela que primeiro ofertou cursos
de nível superior, aquela com maior quantidade e diversidade de programas no
referido grau de ensino, e aquela com maior tradição de formação na área
tecnológica no estado do Rio Grande do Norte.
A entrada a campo ocorreu por intermédio do setor denominado
Coordenação de Registro Acadêmico (CRA) do Campus Natal-Central do IFRN12,
responsável pela emissão dos diplomas para todos os cursos operados no
Campus. Buscamos o setor na intenção de obtermos dados que contribuíssem para
o delineamento dos caminhos da pesquisa. Naquele momento, foi importante a sua
contribuição em disponibilizar o demonstrativo de diplomados do Campus Natal-
Central - por ano e por curso superior, entre os anos 2001 e 201413 -, posto que as
análises empreendidas a partir dele nos conduziram a interpelar aspectos
determinantes do objeto, de onde emergiu o imperativo de investigar, por exemplo,
a dinâmica de criação de cursos e de oferta de vagas.
Simultaneamente, a Coordenação de Estágios e Egressos (CEE) do
Campus, não apenas pelas informações que conjuga, mas também pela relevância
de suas atribuições, estando diretamente ligada aos egressos do IFRN, possibilitou
o acesso aos profissionais formados pelo Instituto, fornecendo os dados pessoais
para contato e captação dos egressos a serem entrevistados e ainda nos
mobilizando a compreender a lógica de acompanhamento desses estudantes,
desde o momento da consolidação de sua formação (demarcada pela realização
de estágios) até os passos iniciais para ingresso no mundo do trabalho, naquilo que
concerne à instituição formadora.
Nesta fase da pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas,
envolvendo egressos inseridos em atividades de trabalho – em sua área de
11 Localizado à Avenida Salgado Filho, nº 1559, Tirol, Natal-RN. 12 Ligado à Diretoria de Ensino do Campus. 13 As informações foram fornecidas ainda em 2015, de maneira que não havia levantamento de
dados referentes àquele ano.
28
formação ou não -, egressos em busca de trabalho e/ou ainda empreendendo
novos processos de formação superior. Conforme o que assertivamente nos aponta
Minayo (2006a), o uso de tal instrumento propiciou conhecer, de modo mais
próximo, a realidade em estudo, haja vista que penetramos nas experiências de
tais indivíduos e pudemos descortinar os aspectos cuja expressão constitui reflexo
da totalidade do real, na contemporaneidade. A partir das reflexões dos próprios
indivíduos pesquisados sobre suas vivências, captamos também aspectos
subjetivos, que evidenciam dimensões da representação de sua realidade.
Considerando a abrangência da investigação pretendida – cursos superiores
de tecnologia em funcionamento no Rio Grande do Norte, estado onde o IF tem
destaque como uma das principais instituições a ofertar formação nessa área e a
vivenciar mudanças progressivas a partir de 1999, com a introdução dos cursos de
graduação na área tecnológica - buscamos identificar e captar os principais sujeitos
da pesquisa, ou seja, os egressos de cursos desta área.
Apesar da oferta de cursos superiores de corte tecnológico ocorrer há mais
de uma década na instituição, estabelecemos como delimitação temporal, em
nosso estudo, trabalhar com sujeitos diplomados nos anos de 2013 e 2014, por
serem os anos mais recentes de conclusão - dentre aqueles que compõem o
período de expansão da educação superior no País -, tornando o acesso a esses
egressos potencialmente mais tangível. Isso porque o contato se deu a partir de
dados institucionais, sendo os diplomados mais recentes aqueles com maior
probabilidade de estarem com seus dados atualizados na instituição.
Conforme os dados fornecidos pelas coordenações de curso do Campus
Natal-Central, o quantitativo de discentes aptos a colar grau nos anos de 2013 e
2014 atingiu o total de 145 estudantes, entre o 6 cursos superiores de tecnologia
ativamente ofertados pela unidade acadêmica, quais sejam: Tecnologia em Gestão
Ambiental; Tecnologia em Construção de Edifícios; Tecnologia em Comércio
Exterior; Tecnologia em Gestão Pública; Tecnologia em Redes de Computadores;
e Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas.
Por se tratar de uma pesquisa de mestrado, o tempo disponível para a
realização das entrevistas e análise das informações coletadas, não permitiu
abranger uma amostra muito extensa. Todavia, considerando estarmos realizando
investigação qualitativa, entendemos ser cabível a definição de uma amostra
29
aleatória reduzida, porém capaz de abarcar todos os cursos superiores de
tecnologia do Campus Natal-Central, produzindo um material que nos possibilitasse
a análise geral da realidade de inserção profissional dos egressos desta área de
formação. Incialmente, estabelecemos o total de 12 egressos como amostra geral
dos cursos de tecnologia, definindo o número de 2 discentes por curso, a fim de
entrevistar diplomados em ambos os anos – 2013 e 2014 – para todos os cursos
de formação. Intencionávamos, assim, alcançar a representatividade de todos os
programas formativos da área e experiências de temporalidades distintas.
Empreendemos uma busca ativa, mediante os dados de contato fornecidos
pelo Instituto via coordenações de curso. O convite para participação como sujeito
de pesquisa foi realizado por meio de telefone e e-mail, de maneira que nos
deparamos com inúmeras situações de desatualização de dados ou de negativa
dos egressos, na maior parte das vezes alegando indisponibilidade de tempo. Tais
dificuldades fizeram com que o prazo para a realização dessa etapa da pesquisa
fosse estendido. Não foi possível, entretanto, obter representação de todos os
cursos e anos de diplomação considerados na pesquisa, por insuficiência ou
desatualização de dados no sistema de gestão acadêmica.
Assim, não pudemos contar com egressos do curso de Tecnologia em
Análise e Desenvolvimento de Sistemas em 2013, porque os poucos identificados
não aceitaram participar da pesquisa. O curso de Tecnologia em Comércio Exterior
não apresentou formandos em 2013 e, dentre aqueles cujo contato estava
atualizado, apenas uma pessoa aceitou participar da pesquisa. O curso de
Tecnologia em Gestão Pública, por sua vez, possui a peculiaridade por ter, dentre
os diplomados, uma parcela significativa de servidores públicos, especialmente do
quadro funcional do próprio IFRN. Em razão desse achado inicial da fase de
captação de entrevistados para a pesquisa, optamos por tentar abranger as
distintas realidades dos egressos deste curso, entrevistando um tecnólogo servidor
e outro não servidor. Deste modo, a entrevista precisou ser efetuada com dois
egressos do mesmo ano, 2014.
Procedidas tais adequações, as entrevistas foram sendo realizadas à
medida que os contatos resultavam em respostas afirmativas dos egressos para a
participação. Deste modo, alcançamos o total de 10 egressos entrevistados. Para
tanto, elaboramos e aplicamos roteiro de entrevista composto por perguntas
30
abertas e fechadas, cuja tematização abrangeu o percurso formativo, a inserção
profissional e as experiências de trabalho dos sujeitos, além de distintas dimensões
capazes de denotar a existência de condições dignas ou de precarização do
trabalho – quais sejam: garantias de reprodução de
habilidade/capacidades/competências; segurança do trabalho; garantia de
representação; precarização existencial (STANDING, 2014; ALVES, 2011, 2014b).
O roteiro foi elaborado com a perspectiva de atender aos objetivos
investigativos, tendo como fio condutor as formas de garantia e segurança de
trabalho nos termos da cidadania industrial apontadas por Guy Standing (2014), e
presentes nas formulações de Giovanni Alves (2012, 2014b, 2015a, 2015b), em
diversas obras, no que se refere à conformação da precariedade do trabalho e à
constituição do precariado. Aqui, cabe uma distinção entre dimensões circunscritas
nas relações de trabalho, marcadas pela precariedade e nas condições de exercício
do labor, com destaque para os trabalhos realizados em diversos ambientes, em
alguns casos inadequados, com sistemas de controle do tempo que resultam em
estresses e mesmo adoecimento de trabalhadores. O precariado vivencia relações
de trabalho marcadas pela precariedade dos vínculos salariais e por condições
muitas vezes indignas e insalubres de trabalho, por situações que reduzem e
desconsideram a formação, as competências e habilidades adquiridas durante o
processo de realização do curso superior, conformando o que Aécio Oliveira (2002),
inspirado em Marx, designou por “qualificação desqualificante”14. Interrogar nossos
informantes sobre os saberes e aprendizados decorrentes de sua formação de nível
superiores mobilizados de fato em seus processos de trabalho, além de explorar
características deles para apreendermos a dinâmica real da atividade.
Apesar da incongruência entre os autores supracitados quanto à definição
de precariado, ambos apontam, em termos próprios, ideias semelhantes que dão
luz a elementos capazes de caracterizar essa parcela da classe trabalhadora.
14 Esta designação é utilizada por Marques (2009) para caracterizar a realidade da formação e da
atuação profissional dos egressos do Centro Federal de Educação de Educação Tecnológica do Ceará (CEFETCE) – atualmente denominado Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Os resultados da pesquisa de Marques (2009), realizada com tecnólogos, identificou contradições no centro do sistema de produção, uma vez que a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto associadas às novas exigências de perfil profissional, ocasionam um descompasso entre a formação profissional e as competências e habilidades verdadeiramente demandadas pelos postos de trabalho ocupados.
31
De maneira bastante didática, Guy Standing (2014) expõe sete formas de
garantias das quais o precariado é desprovido total ou parcialmente. São elas:
Garantia de mercado de trabalho; Garantia de vínculo empregatício; Segurança no
emprego; Segurança do trabalho; Garantia de reprodução de habilidade;
Segurança de renda e Garantia de representação. Compreende-se que (a ausência
ou deficiência de) tais garantias convergem com as categorias precariedade no
emprego e precariedade do trabalho, usadas por Alves (2012) para se referir tanto
à inserção profissional em atividades atípicas de contratação salarial quanto às
questões que envolvem a subjetividade do homem-que-trabalha.
Além disso, acrescemos à investigação a dimensão da precarização
existencial discutida por Alves (2011), que considera o espraiamento da
precariedade para além no espaço restrito de trabalho em tempos atuais,
alcançando a existência mesma do trabalhador.
Esses são os elementos que deram norte ao nosso guia de entrevista, por
meio do qual buscamos identificar como tem se dado a inserção dos discentes
egressos dos cursos superiores da área tecnológica do IFRN no mercado de
trabalho.
Todos os entrevistados assinaram Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido, concordando em participar da pesquisa e com o registro da entrevista
em áudio para transcrição e análise.
Além de compreender as entrevistas realizadas com os egressos, a
pesquisa nos incitou a interpelar os Coordenadores de Curso, uma vez que nos
tocou compreender a estruturação, adequações e organização dos cursos, as
percepções daqueles que os conduzem acerca do processo de formação e
inserção profissional na atualidade. Para tanto, aplicamos questionário composto
por perguntas abertas. Tal instrumento foi utilizado a fim de que os coordenadores
de curso pudessem ter maior tranquilidade para responder, buscando, inclusive,
informações, a perguntas acerca de assuntos sobre os quais não tinham,
necessariamente, domínio. Isso porque, a função de coordenador é de exercício
temporário, assumido mediante eleições, de sorte que questionamentos de cunho
histórico, por exemplo – tal como as mudanças para a adequação ao Catálogo
Nacional de Cursos de Tecnologia –, poderiam gerar dificuldades de resposta em
entrevista para quem assumiu há pouco uma coordenação de curso. A necessidade
32
por respostas mais precisas, neste caso, nos fez optar pelo uso de questionário.
Importante destacar que os referidos coordenadores são também docentes
atuantes nos cursos que coordenam, de maneira que suas percepções também se
assentam na sua vivência de sala de aula junto aos discentes. Todavia, apesar dos
contatos feitos na tentativa de mobilizá-los para a relevância da pesquisa e de suas
contribuições, poucos foram os coordenadores que enviaram suas respostas.
Ainda em campo, para subsidiar o processo de análise, buscamos
informações junto à Pró-reitora de Ensino do IFRN, solicitando informações e
indicações dos documentos relativos à criação e encerramento de curso e suas
motivações, bem como às mudanças de estrutura e nomenclatura dos programas.
Fomos orientadas a pesquisar no site oficial da instituição, sob alegação de que
todos os dados existentes estão disponíveis on line.
Entretanto, a busca não resultou na obtenção de todas as informações
requeridas, uma vez que há deficiências de dados no site, frente ao grau de
detalhamento necessário às análises intencionadas. Todavia, a ausência de tais
documentos, não significaram maiores prejuízos à investigação; revelando-nos,
porém, lacunas no trato institucional dos registros e disponibilização de seus
processos, relevantes não apenas para a pesquisa acadêmica, mas também para
o conhecimento e para as próprias avaliações institucionais, dadas as frequentes
mudanças vivenciadas e o número sempre crescente de estudantes e servidores
que abriga.
Partindo para a análise das entrevistas, empreendemos uma primeira leitura
flutuante às transcrições dos registros de áudios, na busca por destacar palavras e
expressões recorrentes nos discursos e a nos despertasse a atenção. Em seguida,
numa segunda leitura, evidenciamos as ideias centrais expostas nos depoimentos,
já traçando e registrando análises sobre elas, a partir da pesquisa bibliográfica e
documental feita ao longo de todo o processo de investigação e estudo. Com isso,
pudemos elaborar um quadro síntese contendo as dimensões indicadas (formas de
garantia para o trabalhador) quando da elaboração das entrevistas, a partir das
quais as perguntas foram elaboradas. Ainda, para compor o referido quadro,
estabelecemos aspectos-chave a partir das perguntas para direcionar a análise,
destacamos as falas mais representativas e marcantes acerca de tais aspectos a
fim de, sobre elas, construir a análise a compor o terceiro capítulo deste estudo. As
33
análises sobre os questionários aplicados aos coordenadores de curso seguiram a
mesma perspectiva, só que, em quantidade bem menor, compôs um quadro com
parcas contribuições e, consequentemente, análises menos densas.
Na sistematização dos dados e na exposição ora realizada, utilizamos
nomes fictícios para os entrevistados e para o coordenador de curso. Para os
primeiros, optamos por nomes próprios os mais comuns, tendo vista considerar que
nossos entrevistados são representativos de tantos outros jovens a vivenciar igual
realidade em nosso estado ou mesmo em nosso País. O coordenador de curso foi
indicado como Coordenador Diogo, pelo significado do nome “aquele que ensina”,
com referência à função de professor também exercida por ele, isto é, sua
participação na construção do conhecimento e da formação dos egressos.
A pesquisa ora apresentada abrange conteúdos e debates circunscritos a
áreas distintas, em virtude, inclusive, da perspectiva de totalidade adotada.
Trazemos reflexões mais intensamente trabalhadas pela Educação e pelas
Ciências Sociais/Sociologia do Trabalho, para o campo do Serviço Social. Sob os
referenciais destas áreas, empreendemos uma investigação de fronteira, situada
no limiar entre as ciências, mas, sobretudo, estabelecendo o diálogo entre elas para
a compreensão da realidade em sua essência e, logo, das expressões da questão
social aí engendradas. Esta é uma relação historicamente estabelecida pela
categoria profissional, a qual tem possibilitado seu amadurecimento teórico-
metodológico e ético-político e lhe permitido elaborar e impulsionar a autonomia na
construção de seus próprios quadros analíticos.
A presente dissertação compreende 4 partes centrais, dentre as quais
destaca-se o Capítulo 1, ou introdução, contendo problemática, processo de
construção do objeto de estudo, além da perspectiva teórico-metodológica e do
delineamento das estratégias da pesquisa de campo. O Capítulo 2 deste estudo
trata, de maneira mais aprofundada, da crise estrutural do capital, em tempos de
economia financeirizada, e das suas inflexões sobre o trabalho e seu processo de
precarização estrutural. Além disso, discute, a partir dessa perspectiva, a
Educação, posta num novo contexto de exigências formadoras, especialmente em
se tratando de formação profissional, para o trabalho. Debate a expansão do ensino
superior e a expansão do precariado, tendo como foco a realidade brasileira. O
Capítulo 3 apresenta a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, em
34
seu crescimento e expansão no Rio Grande do Norte e em Natal, juntamente com
o ensino superior, tomando em conta o processo de diferenciação institucional
então concretizado. Evidencia análises ainda sobre a experiência de oferta de
cursos superiores de tecnologia no IFRN e os depoimentos dos egressos acerca
do processo formativo e de inserção profissional no mundo do trabalho. Nas
considerações finais, tecemos uma análise sintética acerca dos principais
elementos apanhados na pesquisa, com o que expomos as conclusões alcançadas
sobre a relação entre a inserção dos egressos desses cursos no mundo do trabalho
e o adensamento do precariado.
35
2 O IFRN NO CONTEXTO DA EXPANSÃO DO ENSINO SUPERIOR E
TECNOLÓGICO NO BRASIL EM TEMPOS DE REESTRUTURAÇÃO
PRODUTIVA E CRISE DO CAPITAL
Problematiza a expansão do IFRN nos tempos contemporâneos marcados
por intensas mutações no mundo do trabalho, em meio aos seus processos de
reestruturação para enfrentar mais uma de suas crises, eis o objetivo desta seção.
Este debate nos permitirá discutir com mais profundidade a formação técnica e
tecnológica e o ingresso no mundo do trabalho dos jovens egressos, em tempos de
crescimento do precariado no Brasil.
2.1 A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no contexto de
expansão do ensino superior no Brasil e de mutações no mundo do trabalho
Especialmente nas últimas duas décadas, a educação superior no Brasil tem
passado por um processo de mudanças, com a ampliação, via programas
governamentais, do quantitativo de instituições ofertantes e do número e das áreas
de abrangência dos cursos oferecidos. Em um contexto mundial e nacional de
reorganização próprio do sistema do capital perante as crises cíclicas, este nível de
ensino passou a ser apontado como um fator de relevância para o
desenvolvimento, crescimento e mesmo competitividade dos países periféricos
ante os demais, no âmbito do processo de mundialização.
Com isso, a formação para o trabalho entra na ordem do dia com vistas à
manutenção do capitalismo contemporâneo e se observa, conforme as orientações
ou determinações dos organismos multilaterais para os países periféricos, um
esforço do Estado brasileiro em adequar a força de trabalho às demandas e
requisições do mercado em suas conformações atuais, sejam elas de ordem
concreta ou ideológicas, o que se põe sob o discurso da elevação do grau de
escolaridade dos seus cidadãos e da competitividade do país inserido no mercado
mundial.
36
A reestruturação produtiva, no conjunto da reestruturação do sistema do
capital, operada como elemento de manutenção do modo de produção e de
retomada do crescimento das taxas de lucro, após a crise instaurada mundialmente
em 1970, transformou o padrão produtivo e, logo, o perfil profissional exigido dos
trabalhadores. A partir de então, o mercado passa a requerer habilidades e
competências adequadas ao novo padrão de produção implementado, tais como a
multifuncionalidade e a polivalência. Ademais, assentado que está na automação e
no desenvolvimento tecnológico-informacional, o mundo do trabalho exige do
trabalhador conhecimento e domínio de avançadas tecnologias, ainda que a função
a ser exercida seja apenas auxiliar ao sistema de máquinas.
Sobre isso, Marques (2016, p. 126) aponta a subsunção do trabalhador ao
metabolismo do capital, tomando em conta que tais habilidades e competências
deixam de ser concernentes ao produtor imediato, dissolvendo-se em sua atuação
no sistema de máquinas, cujo lugar que lhe é reservado passa a ser o de um mero
“apêndice de um órgão mecânico que trabalha”. Ao retomar o conceito de Aécio
Oliveira e as ideias de Marx, Marques (2016), evidencia o processo de
“qualificação-desqualificante”, encerrado numa estratégia capitalista para exercer o
pleno controle sobre o trabalho, ao retirar das mãos dos trabalhadores ação
baseada em seu conhecimento específico, sua virtuose e competência pessoal e
profissional e, por fim, sua autonomia, à medida que o crescente desenvolvimento
tecnológico transfere para as máquinas o conteúdo do trabalho para o qual o
trabalhador é capacitado.
Assim sua participação fica reduzida, apesar das elevadas requisições de
qualificação apresentadas pelo mundo do trabalho. Isso nos remete diretamente a
uma ideologia da qualificação, a um discurso apologético a contemplar o capital,
não sendo, porém, reflexo da realidade de verdadeiras requisições para inserção
de trabalhadores em ambientes produtivos. O discurso da qualificação se reveste
mesmo de um caráter ideológico precioso ao sistema do capital. Vivenciamos a
valorização do conhecimento na contemporaneidade, mas Marques (2016) nos
lembra que, na sociabilidade atual, considerando os interesses capitalistas, a
qualificação está a seu serviço, refletindo a exata medida do consumo da força de
trabalho pelo capital.
37
Deste modo, qualificar-desqualificando é uma tendência conformada pelo
próprio caminhar lógico-contraditório inerente ao desenvolvimento do valor. A
incorporação de tecnologias cada vez mais avançadas e, por seu turno, os
processos formativos, orientados pela lógica do capital, são mais uma espécie de
instrumentalização para o trabalho, para a valorização, a promoverem uma
verdadeira desqualificação da força de trabalho. A despeito disto, o discurso e as
exigências do mundo do trabalho assinalam demandas por trabalhadores com
habilidades e competências cada vez mais amplas e elevadas.
Desse modo, o mercado demanda uma foça de trabalho altamente
qualificada, dotada de elevado e amplo conhecimento nas especificidades de um
determinado âmbito de formação, mas também na multiplicidade de áreas que o
circunscreve. A ideia de que, na contemporaneidade, vivenciamos a sociedade do
conhecimento se insere nesse contexto, na perspectiva de apologeticamente
condicionar as possibilidades de sucesso à obtenção progressiva de mais e mais
conhecimentos, ou de mais e mais diplomas e certificados, cuja reponsabilidade
recai sobre cada indivíduo em particular.
Com isso, os sujeitos são impelidos a buscar qualificações profissionais e/ou
títulos que as atestem, na expectativa de alcançar a colocação no mundo do
trabalho, em condições dignas, de se manterem nele, de ter estabilidade. Nesse
contexto, ganham destaque os cursos da área técnica e tecnológica, implicando,
de modo especial, as instituições de educação que se ocupam da formação de
trabalhadores para atuar em tal campo. Tais organizações educacionais,
especialmente as de nível superior, vivenciam, assim, nítido crescimento,
justificado pela atenção às demandas do mundo do trabalho e por seu papel na
promoção de empregabilidade e de condições de competitividade dos sujeitos.
No Brasil, a expansão do ensino superior ganha corpo e densidade a partir
do primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) e
continua até o primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff (2011-2014)15,
elevando o quantitativo de instituições; agenciando melhorias e ampliações nos
15 O segundo mandato da presidenta, ainda em curso, tem sido imposta uma política marcada pelos ajustes fiscais e cortes nos orçamentos do Executivo Federal, inclusive na Política de Educação, que em 2015 somou um montante de 10,5 bilhões de reais cortados do orçamento, um impacto da ordem de 10% dos recursos planejados para o ano. Ver: http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2016/01/02/educacao-perde-r-105-bi-em-2015.htm
38
campus universitários já existentes; promovendo, pela via das organizações
privadas de ensino e da modalidade de educação à distância, o crescimento do
número de vagas disponíveis aos brasileiros.
Tal expansão resulta em maior acesso das massas ao nível superior de
ensino, mas encerra em si inúmeras contradições, entre as quais figuram as
questões que envolvem, numa ponta, os interesses e vieses ideológicos da
formação para o trabalho, hoje e, na outra, a inserção (ou não) dos indivíduos
formados, no mundo do trabalho, consideradas as relações e condições de trabalho
e de vida, dada a realidade contemporânea de constante acentuação da
precarização do trabalho, informalização da economia e de elevada rotatividade
nos postos de emprego.
Ao analisar os números da rotatividade do trabalho no Brasil, o DIEESE
(2014) apontou que 12,9% dos trabalhadores que se mantiveram ativos, isto é,
ocupando seus postos de trabalho em 31 de dezembro de 2013, no Brasil, eram
profissionais de nível superior, quantitativo mais elevado que o de 2008, de 10,7%.
No entanto, o mesmo estudo afirmou que 7,8% dos trabalhadores desligados de
seus postos de emprego em 31 de dezembro de 2013, correspondiam àqueles com
ensino superior completo, percentual que em 2008 era de 6,3%. Notamos, pois,
uma elevação da participação dos trabalhadores com maior nível de escolaridade
no mundo do trabalho, havendo elevação de sua permanência, mas também de
sua desocupação. São dados representativos de uma rotatividade expressa,
sobretudo, a partir da desregulamentação e da flexibilização das relações de
trabalho, afluentes da reestruturação produtiva e dos interesses do mercado, a
tornar o trabalho mais e mais precário, inclusive para aqueles dotados de títulos de
altos níveis deformação profissional.
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED,
2016a) de janeiro de 2016 indicam uma retração de 3,86% no número total de
empregos formais existentes no país em comparação ao mesmo período de 2015,
evidenciando uma perda de 1.590,822 empregos. Conforme o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (2016b), no trimestre entre novembro de 2015 e janeiro
de 2016, o número de pessoas, acima de 14 (quatorze) anos, desocupadas,
alcançava 9.623 mil pessoas, quantitativo que, entre novembro de 2012 e janeiro
de 2013, correspondia a 6.998 mil pessoas.
39
Tais números evidenciam elementos pertinentes ao agravamento da
precarização do trabalho no País, com crescimento do desemprego e da
rotatividade nos últimos anos. Não obstante isso, os dados do Ministério da
Educação, via Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira, constantes no Censo da Educação Superior 2014 (BRASIL, MEC/INEP,
2015), revelam o crescimento das matrículas nos cursos de nível superior em todo
o Brasil. Com efeito, entre os anos 2003 e 2014 houve elevação de 96,5% nesse
número, com acentuado acréscimo16 nos cursos da área tecnológica, que cresceu
de 115.000 para 1.029.767 matriculados. O mesmo levantamento indica que mais
de um milhão de estudantes concluíram o ensino superior em 2014, número que
em 2003 não alcançava a marca dos 600.000, tendo o total de concluintes para a
área tecnológica, entre 2003 e 2014, aumentado dez vezes17.
Há, portanto, uma progressiva ascensão do contingente de pessoas
possuidoras de título de escolarização de nível superior sendo postas à disposição
de um mercado de trabalho precário. Destacamos aqui as juventudes que
compõem esse grupo de sujeitos, apologeticamente incentivados a buscar tais
títulos, a fim de garantir a sonhada inserção profissional estável.
Os mais jovens são conduzidos à realização de um curso de nível superior
como percurso natural de sua formação e como forma de atender/se adequar as
exigências de mercado, especialmente em termo da apreensão de conhecimentos
postos como essenciais à sua colocação profissional, respondendo irrefletidamente
ao discurso de que há postos de trabalho disponíveis e suficientes e que, em
contrapartida, não há pessoas apropriadamente qualificadas. São esses os sujeitos
que conformam o precariado, categoria central de análise de nosso estudo.
Segundo o Censo da Educação Superior 2014 (BRASIL, MEC/INEP, 2015),
a Região Nordeste do País apresentou 1.378.920 matrículas em cursos presenciais
de nível superior, ficando atrás somente da Região Sudeste, com 3.048.811
matrículas. O Rio Grande do Norte, embora não seja o de maior representatividade
numérica em termos de estudantes de nível superior matriculados, possui
16 Os documentos sob consulta na base de dados do MEC/INEP não permitem identificar o aumento em números, uma vez que as sínteses publicadas pelo órgão em 2003 não identificam os cursos superiores de tecnologia separadamente. A informação em tela foi retira de nota estatística analítica do MEC/INEP. 17 Ibdem 18
40
quantitativo significativo entre os demais estados da região, compondo com
110.523 matrículas o total já referido. Destacamos a relevância dos números
anteriormente apontados, considerando, especialmente, sua população - estimada
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2014 em 3.408.510
pessoas - e o percentual de jovens, entre 15 e 29 anos - de 26,7%, conforme a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) (2014).
Em 2014, ainda consoante o documento supracitado, todas as instituições
ofertantes de cursos de nível superior presencial, juntas, somaram 15.786
concluintes. Entretanto, o mercado de trabalho local não oferece condições
diferentes daquelas estabelecidas estrutural e conjunturalmente em nível nacional.
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED, 2016b) de janeiro
de 2016 aponta, para o estado do Rio Grande do Norte, a eliminação de 14.201
postos de empregos formais, no acumulado dos doze meses anteriores, o que nos
dá pistas das dificuldades de inserção profissional por parte dos sujeitos dotados
de diplomas de nível superior no estado.
No contexto de expansão do ensino superior no Brasil, a Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica tem assumido papel estratégico,
especialmente na oferta de cursos da área tecnológica. Dentre as instituições que
a compõem, o IFRN tem se expandido e interiorizado, incorporando cursos
superiores de licenciatura e de tecnologia, sendo estes últimos seu espectro de
atuação vocacional, dadas suas próprias características históricas de formação
profissional. Os diversos cursos superiores em funcionamento na instituição têm
sua oferta justificada pelas características e demandas do mundo do trabalho em
suas configurações atuais e, mais especificamente, dos mercados locais.
Essa expansão do IFRN resultou, em 2014, conforme o Censo da Educação
Superior 2014 (BRASIL, MEC/INEP, 2015), em um contingente de 365 concluintes,
entre cursos superiores presenciais e à distância. Os dados fornecidos pela
Instituição dão conta de que, no mesmo ano, 100 discentes estavam aptos a colar
grau nos cursos superiores de tecnologia. Os quantitativos de números de vagas e
de concluintes de cursos superiores para as demais instituições federais18 do Rio
Grande do Norte são bem mais elevados; ainda assim permanece numericamente
18 Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Universidade Federal do Semiárido
(UFERSA).
41
significativo o somatório de profissionais formados pelo IFRN, especialmente em
se considerando a curva ascendente de crescimento. Ademais, sua participação na
oferta de força de trabalho ao mundo do trabalho tem relevância em face da
referência de qualidade formativa que lhe é atribuída no estado.
Contudo, em tempos de crise do capital, de aprofundamento da
reestruturação produtiva, da desregulamentação e flexibilização das relações e
condições de trabalho e mesmo dos crescentes índices de desemprego, os
obstáculos à inserção profissional dos egressos ou sua inserção precária no mundo
do trabalho não devem ser negligenciados. Assim, na contemporaneidade, a
formação desses sujeitos está condicionada às determinações dos interesses do
mercado capitalista, bem como sua colocação profissional está condicionada a tais
interesses e, logo, submetida às contradições do sistema do capital.
2.2 Crise e precarização do trabalho e as novas demandas de formação dos
trabalhadores
Tal como nos esclarece Marx (1984), o sistema do capital se configura
mediante crises periódicas, cíclicas, dadas as contradições que lhe são intrínsecas.
Desse modo, vivencia, ao longo da história, crises cíclicas e estruturais. A análise
da queda tendencial da taxa de lucro, em Marx, dá conta do processo pelo qual o
próprio desenvolvimento do capitalismo lhe cria barreiras, cuja superação abre
espaço para novos ciclos expansivos.
O autor demonstra a tendência ao decréscimo da taxa de lucro analisando o
incremento do capital constante (meios de produção, matéria prima, energia, etc.)
na produção - a fim de expandi-la e de aumentar a produtividade do trabalho -,
mantendo “constante” a taxa de mais-valia19, o que ocorre porque o capital global
cresce. Ademais, no processo produtivo, a força de trabalho consome uma massa
19 Ressalvamos que Marx (1984) mantem constante a taxa de mais-valia como recurso metodológico
para facilitar a exposição e o entendimento de sua análise sobre o decréscimo da taxa de lucro. Não significa afirmar sua ocorrência no sistema do capital; ao contrário, os capitalistas buscam elevar a taxa de mais-valia, caminho para obtenção de maior lucratividade neste sistema.
42
sempre crescente de meios de trabalho, maquinaria, capital fixo, matéria prima e
auxiliares. Assim,
[...] o progressivo decréscimo relativo do capital variável em relação ao capital constante, gera uma composição orgânica crescentemente superior do capital global, cuja consequência [sic] imediata é que a taxa de mais-valia, com grau constate e até mesmo crescente de exploração do trabalho, se expressa numa taxa geral de lucro em queda contínua. (Marx, 1984, p. 164)
Marx (1984) também ressalta que a competitividade impulsiona o capitalista
a introduzir fatores (de capital constante) para reduzir o tempo médio de produção
e, assim, diminuir o valor mercadoria, diante da média do mercado, a um ponto em
que ainda lhe seja possível extrair mais-valia, ganhando, assim, na concorrência
com outros capitalistas.
Como a produção capitalista se presta a gerar lucro e não a satisfazer
necessidades, esse é um mecanismo densamente utilizado. No entanto, a
introdução de capital constante na forma de máquinas reduz, na produção, o uso
do único elemento capaz de gerar valor: a força de trabalho. Esse processo de
substituição de trabalho vivo por trabalho morto é mais um elemento de contradição
no seio do sistema do capital, a relacionar-se intrinsecamente com as crises gerais
apontadas por Marx (1984), porque se coloca na contramão do próprio processo
de valorização do capital. Eis uma das explicações para suas crises.
Destaca-se também, em face do objetivo principal da produção capitalista,
que sua intensiva ampliação promove a chamada superprodução de mercadorias,
saturando os mercados, dadas as limitações de consumo. A partir desse conflito
entre a produção sem limites, não acompanhada da absorção do que é produzido,
ocorrem as denominadas crises de superprodução. Tal conflito se dá exatamente
em razão de uma contradição central e fundamental no seio do modo de produção
capitalista, qual seja o aprofundamento da socialização da produção da riqueza, ao
mesmo tempo em que a massa lucrativa dos donos dos meios de produção se
expande pela apropriação privada da riqueza. Assim, o poder de compra dos
trabalhadores explorados não se amplia na mesma proporção que o ritmo
produtivo. Desta forma, a própria estrutura do sistema, aliada à busca incessante e
desmedida dos capitalistas por mais lucro, gera colapsos sistêmicos periódicos,
43
ocasionando, para os que aderem à manutenção do capitalismo, a necessidade de
criar novas estratégias para elevar a taxa de lucro. Aponta Marx (1984, p. 194)
Caindo a taxa de lucro, então, por um lado, o capital é posto em ação para que o capitalista individual, mediante métodos melhores etc., reduza o valor individual de suas mercadorias isoladas abaixo de seu valor social médio e, assim, como dado preço de mercado, faça um lucro extra; por outro lado, fraude e favorecimento geral da fraude mediante tentativas apaixonadas com novos métodos de produção, novos investimentos de capital, novas aventuras, para assegurar algum lucro-extra, que seja independente da média geral e esteja acima dela. (grifos nossos)
As crises são sucedidas por alterações capazes de minimizar seus impactos
e de fazer retomar a lucratividade capitalista pela forma e não por qualquer
mudança estrutural, de modo que se mantêm as contradições na base sistêmica,
revertendo, portanto, apenas temporariamente cada crise, até alcançar novamente
a insustentabilidade econômica. Segundo Mota (2009, p. 3)
As crises não ocasionam, mecanicamente, um colapso do capitalismo. Elas deflagram um período histórico de acirramento das contradições fundamentais do modo de produção que afetam sobremaneira o ambiente político e as relações de força entre as classes. Por ocasião das crises, deflagra-se um processo no qual mudanças significativas ocorrem, sejam elas no interior da ordem, sejam em direção a um processo revolucionário, dependendo das condições objetivas e das forças sociais em confronto.
Das palavras da referida autora, podemos inferir que, apesar das crises
possuírem determinantes estruturais e de serem organicamente próprias ao
capitalismo, evidenciadas nesses momentos, seus desdobramentos não estão
dados a priori, isto é, não estão condicionalmente postos ou pré-definidos, de sorte
que as mudanças resultantes desse processo são fruto da conformação do cenário
sócio-político e da correlação de forças em disputa.
O curso da história da sociedade do capital nos permite reconhecer um
processo cíclico de crises e de retomadas, com a dinâmica da realidade e de seus
diversos determinantes confluindo neste sentido. Assim, considerando que as
crises fazem parte da natureza mesma do sistema do capital, seria possível superá-
las, ainda que provisoriamente, sem a supressão da ordem capitalista. De fato,
44
crises são resolvidas no interior do próprio sistema sócio-metabólico do capital,
gestando-se novas contradições.
Ao longo de seu desenvolvimento, o capitalismo vivenciou diversas crises,
sucedidas por períodos de crescimento. Esta última, a contemporânea, tal qual as
demais, é movida pela natureza contraditória do desenvolvimento do capitalismo,
no qual a ampliação de sua própria acumulação reproduz exponencialmente as
contradições a acionar crises, cada vez mais duradouras e profundas, intercaladas
por períodos de crescimento cada vez menores. O capitalismo vive, assim, ciclos
de crescimento, auge, crise, recessão/depressão, retomada, sendo que os
momentos de ascensão são espasmódicos, enquanto os de depressão são longos
e cada vez mais reiterados. Em verdade, o sistema capitalista tem, na conjugação
entre a produção social com apropriação privada – a contradição que lhe é central
- e na produção desenfreada, a mola mestra das crises a se expressar na tendencial
queda da taxa média de lucro e/ou na relação superprodução de mercadorias e
subconsumo. Não obstante, são conjugados o enxugamento do trabalho vivo na
produção – a ampliação da população sobrante – com uma massa de capital
excedente, cuja valorização encontra limites no âmbito produtivo stricto sensu,
conduzindo seus possuidores a buscarem novos espaços de acumulação e
valorização do valor (BRAZ, 2012). Parte dessa massa de capital excedente vai
financiar o consumo, via empréstimos, cartões de crédito e outras formas de ação
dos usurários (agiotagem)20.
Para além das crises cíclicas meramente perturbadoras do desenvolvimento
do capital, expressam-se ainda crises estruturais de maior vulto, a estabelecer
laços profundos com os próprios alicerces do sistema, ou seja, o modo como se
estrutura. Tais crises se processam com uma dimensão muito maior, com longa
temporalidade e profundidade e refletem a exaustão de um dado período histórico
de acumulação do capital.
A crise de 1970, de espectro global, deu impulso à chamada “mundialização
do capital” (CHESNAIS, 1996), marcando uma nova fase de desenvolvimento
capitalista. Ora, em resposta à crise de superprodução desta década, o sistema do
20 No caso brasileiro, consideradas as elevadas taxas de juros, a atividade de especulação financeira
e de empréstimo direto ao consumidor tem sido bastante atrativa levando trabalhadores a ficarem reféns de empresas de crédito, de agiotas, de bancos etc.
45
capital intensificou a financeirização da riqueza capitalista, criando as bases para
sua própria imersão numa forte instabilidade (CORSI e ALVES, 2009). Neste
cenário, o neoliberalismo, com a abertura e desregulamentação do mercado assim
como com a reestruturação produtiva promovidas pelo capital aparecem como
estratégia para retomar os níveis almejados de taxa de lucro, então em queda,
chancelando a partir daí um processo que conduziu a mais crises, cujo ápice ocorre
em 2008, com desdobramentos até os dias atuais. Portanto, trata-se de “[...] uma
crise endêmica, cumulativa, crônica e permanente, intrínseca ao modo de
funcionamento do sistema do capital na contemporaneidade. É uma longa crise
estrutural, iniciada nos anos 70, crise em desenvolvimento e cada vez mais
profunda” CARVALHO et al (2011, p. 10).
Segundo Harvey (2011), a crise de 1970 resultou em excedentes de capital,
os quais foram aplicados em finanças, sendo reciclados na economia mundial por
bancos de investimento de Nova York, responsáveis por operar empréstimos a
países em desenvolvimento. Seguia-se, assim, o discurso do FMI, para quem havia
excesso de liquidez, isto é, volume crescente de dinheiro disponível a ser investido
de maneira rentável. Com isso, a financeirização da economia foi aprofundada,
como dito, retirando-se capital da esfera da produção, para a esfera da
finaceirização (HARVEY, 2011).
O baixo retorno dos investimentos na produção stricto sensu conduzem à
fuga de capital para a esfera financeira, para agir de modo especulativo
(SALVADOR, 2010). O capitalista visa, com isso, dinamizar o processo de
valorização do valor, agindo por outras vias que não a valorização por meio do ciclo
produtivo, considerado longo e custoso para o tamanho de suas ambições. A
financeirização, entendida pelos donos do capital como estratégia, a potencializar
o processo de acumulação, expande-se geograficamente.
A mundialização, com expansão global da economia financeirizada,
incumbiu-se de alastrar a crise, que, após forte recessão entre 2000-2001, começa
a dar sinais mais consistentes, em 2007, localizados particularmente no mercado
imobiliário dos Estados Unidos da América, espraiando-se celeremente pelo mundo
através da rede financeira e comercial (HARVEY, 2011).
Netto (2012) ressalta, em consonância com Braz (2012), o fato de que as
crises são parte da natureza deste sistema e se expressam ciclicamente. Mas,
46
adenda que a crise contemporânea é do tipo sistêmica, pois sua manifestação não
está condicionada à obstacularização ou ao impedimento da acumulação produtiva,
sendo antes uma crise, a envolver toda a estrutura da ordem do capital.
Conforme Lohoff (2013), Marx mostra que a tendência do capitalismo à crise
geral e, igualmente, à crise vivenciada na atualidade, em particular, pode ser
explicada pela contradição básica imbricada na própria mercadoria. Aquele autor
faz referência às duas formas de riqueza configuradas no capitalismo, a saber, a
material, expressa na produção de bens, e a abstrata, representada como valor e
reificada na forma dinheiro. Ora,
Sob as condições da produção moderna de mercadorias, ou seja, em uma sociedade capitalista, a riqueza material somente é produzida na medida em que ela também possa ser representada como valor, ou seja, na medida em que contribui para a valorização do capital. Portanto, a produção de bens é sempre um meio para um fim externo: o fim em si mesmo de transformar dinheiro em mais dinheiro. Sempre que este fim não pode ser atingido porque a valorização do capital foi interrompida, a riqueza material também pára [sic] de ser produzida. (LOHOFF, 2013, s/p)
Embora o valor seja fruto da produção de bens, a predominância financeira
global tem promovido a expansão ilimitada da riqueza abstrata. Nesse contexto de
economia financeirizada, o capital parece ter autonomia e se autovalorizar, o que
não é possível sem sua aplicação em bases produtivas reais, resultando num
movimento ilusório de valorização.
Esta é, também, uma crise de realização do valor (CORSI e ALVES, 2009;
CARVALHO et al, 2011; LOHOFF, 2013). De fato, a acumulação rentista do capital
é, como aponta Carvalho et al (2011), instável e insustentável, pois a valorização
do capital que não parte do trabalho não é real, é fictícia, fetichizada. No entanto,
está generalizada mundialmente e se expande formando, no mercado, as
chamadas bolhas financeiras, até o ponto máximo de explodir em crise, ou melhor,
na atual crise financeira do capital mundial, ou, nos termos de Dumésnil e Lévy
(2014)21, crise de hegemonia financeira.
21 Para Dumésnil e Lévy (2014, p. 29), o capitalismo vivenciou dos tipos de crise, as (estruturais) de
lucratividade - ocorridas em 1890 e a de 1970 –, resultado das tendências de queda de lucros, e as (estruturais) de hegemonia financeira – ocorridas em 1929 e nos dias atuais, a que denominam crise do neoliberalismo – a marcar o fim de um período de dominação financeira. “Ambas foram consequência do exercício da hegemonia, a expressão irrestrita das exigências das classes altas
47
Para Lohoff (2013), a crise tem aparência de “crise financeira”, mas, na
realidade, o fracasso reside no mecanismo que possibilitou aprazar, por décadas,
a crise estrutural de valorização. Com isso, o autor não se contrapõe às avaliações
até aqui apresentadas, tão somente nos remete ao cerne da questão da crise
contemporânea e à sua mais genuína origem, qual seja, as contradições estruturais
do sistema capitalista de produção de riqueza, ainda que, na atualidade, as crises
se expressem pela financeirização. Em defesa dessa mesma ideia, Mészáros
(2011) é categórico ao afirmar que, para ser compreendida de fato, a crise
vivenciada atualmente deve ser remetida à estrutura social no seu todo, ou seja,
para entender a natureza desta crise, cada vez mais grave e duradoura, de
espectro mundial, há que se considerar essencialmente a crise do sistema
capitalista na sua totalidade.
Coadunando com a ideia de Carvalho et al (2011) e na esteira de Marx,
Lohoff (2013), ainda pontua a distinção marxiana entre crises gerais e crises
específicas22 para afirmar que a crise contemporânea merece, como nenhuma
outra, ser chamada de crise geral. Segundo o autor, ela consiste em um sistema
de crises parciais, as quais disparam umas às outras, se sobrepõem e se acumulam
mutuamente. Assim,
Na temporalidade histórica da crise estrutural do capital, a economia mundial torna-se bastante instável, marcada por crises financeiras e estouros de bolhas especulativas, como a de 1987 [crise da Bolsa de Nova York] e 1997 [crise financeira asiática]. Em 2008, parece cumprir-se um ciclo ampliado de crises financeiras, com a crise atual assumindo dimensão inédita por conta do acúmulo de contradições do regime de acumulação predominantemente financeirizado. (CORSI e ALVES, 2009, p. 17)
Desde a década de 1990, portanto, as crises financeiras vêm sendo
registradas em todos os continentes, apresentando suas expressões localizadas
no interior da dinâmica do sistema do capital ao redor do mundo. Estas crises,
comumente consideradas de maneira isolada, especialmente pela grande mídia,
que forçaram os mecanismos econômicos até os limites da sustentabilidade, extrapolando-os por fim”. 22 “Marx faz uma distinção entre crises gerais e específicas, dizendo que ‘em crises do mercado mundial, todas as contradições da produção burguesa emergem coletivamente; em crises específicas (específicas em seu conteúdo e extensão) as emergências são mais esporádicas, isoladas e unilaterais’” (LOHOFF, 2013, s/p)
48
são, na verdade, notáveis indicadores de uma única crise, de uma nova crise
sistêmica no sistema capitalista (NETTO, 2012).
Ao longo do tempo, gesta-se essa crise de amplas proporções, que assume
cumulativamente a dimensão de um cataclismo financeiro global, atingindo,
sobremaneira, o dito núcleo orgânico do sistema mundial do capital. Para Corsi e
Alves (2009), “[...] a crise nasce no centro do sistema e sua intensidade e amplitude
decorre da crise estrutural da valorização no amago do ‘núcleo orgânico’.” (CORSI
e ALVES, 2009, p. 17).
Em síntese, duas camadas principais da crise contemporânea precisam ser
postas em análise para o seu desvelar. Inicialmente, há uma crise estrutural de
produção de valor real, como já referenciado. Uma crise em ocorrência desde a
década de 1970, a partir de quando a produtividade tem se elevado tanto, ao ponto
de não manter em funcionamento o processo de valorização do capital. Isso
porque, a competição, especialmente após a chamada terceira revolução industrial,
tem aprofundado e tornado permanente a substituição da força humana de trabalho
por capital imobilizado, ou seja, de trabalho vivo por trabalho morto, tal qual nos
apontam as ideias de Marx. Assim, o capital, que precisa se reproduzir, tem
reduzido a utilização de força de trabalho, de modo crescente, na produção de
mercadorias. A produtividade se torna tão elevada que converte grandes massas
de força de trabalho em elemento supérfluo. Trata-se da contradição interna
fundamental do modo de produção capitalista, a comprometer sua própria base de
valorização (LOHOFF, 2013).
A outra camada da crise diz respeito à própria finaceirização, geradora do
inchaço dos mercados financeiros, notadamente, a partir da década de 1970 e de
um crescimento econômico não baseado na produção real, como aponta Trenkle:
Como a indústria financeira colocou cada vez mais títulos de propriedade em circulação (dívidas, ações, derivativos), ela conseguiu colocar em prática o truque de transformar valor futuro, isto é, valor que ainda não foi produzido e talvez nunca seja produzido, em riqueza abstrata. (TRENKLE, 2013, s/p)
Este modo de reprodução do capital, como capital meramente especulativo,
fictício, entrou em crise, alastrado de tal maneira que assumiu predominância no
49
sistema capitalista; seus abalos têm impactos globais e são capazes de
desestruturar toda a economia mundial. Por isso, os Estados têm se endividado e
os bancos centrais assegurado crédito ou mesmo se inserido no mercado
financeiro, a fim de tentar sustentar o mercado. Todavia, os limites deste processo
estão sendo lentamente atingidos (TRENKLE, 2013).
Essa é assim também uma crise civilizacional, expressa nos âmbitos
ambiental, climático, alimentar, energético, social e do trabalho, em decorrência do
funcionamento do próprio sistema, insustentável, por sua expansão sem limites e
predatória (CARVALHO et al, 2011). Suas inflexões sobre o trabalho se expressam
na redução ou mesmo na eliminação da força de trabalho da produção, tornando
os trabalhadores refugo. Além disso, à medida que o crescimento da riqueza
abstrata dificulta, inclusive, sua própria “valorização”, os capitalistas são impelidos
à reorganização da produção, redimensionada para promover uma nova onda de
exploração da força de trabalho, como forma de conferir bases para valorização de
capital-dinheiro e, deste modo, possibilitar a obtenção de mais-valor (CORSI e
ALVES, 2009).
Para HARVEY (2011) tanto os impactos como as respostas de cada país a
esta crise variaram, na medida das distinções da natureza e profundidade das suas
expressões locais, bem como em razão de escolhas ideológicas, interpretações
das causas, arranjos institucionais, costumes e/ou disponibilidade de recursos.
Além disso, considera a própria conformação geopolítica e a dinâmica econômica
global, com seus deslocamentos e relações entre países, suas interconexões
produtivas e de mercados. Assim, no Brasil, teremos particularidades próprias de
nossa formação econômica e social e do jogo de forças em presença, com
configurações e repercussões singulares sobre o trabalho.
2.2.1 Brasil: inserção tardia, dependente e subordinada ao capitalismo
financeirizado e repercussões sobre o trabalho
O Brasil, país de inserção tardia – 1990 -, porém intensiva, nos circuitos da
mundialização e da acumulação rentista, permeada pelas discussões e pela
50
experiência da redemocratização formal, assume posição ativa, porém dependente
no capitalismo financeirizado. Marcada, inicialmente, por uma agenda de ajuste
ortodoxo do Estado, atende à agenda do Consenso de Washington e aos ditames
do neoliberalismo, executando privatizações, liberalização e desregulamentação do
mercado, além da abertura ao capital estrangeiro. Passamos a viver a experiência
brasileira de ajuste estrutural, em que figura a financeirização como processo de
acumulação, havendo forte intervenção do Estado, ajustando e se ajustando à
expansão do capital. O ajuste estatal brasileiro fragiliza o Estado democrático, cuja
atuação para efetivar os direitos garantidos constitucionalmente é obstacularizada
ou mesmo impedida (CARVALHO e GUERRA, 2015, 2016). Carvalho e Guerra
(2015; 2016)23, delimitam este como sendo o segundo momento histórico ou o
primeiro ciclo de ajuste do Estado brasileiro contemporâneo.
Com a entrada dos anos 2000, mais precisamente entre 2003 e 2010, o País
passa a se guiar por um governo de viés mais progressista, período em que Lula
assume a presidência. Por essa razão mesma, o Estado é objeto de intensa
disputa, com dominância das forças do capital, interessadas na implementação do
ajuste, em seu benefício e em detrimento da classe trabalhadora. Neste período, a
economia mundial experimenta crescimento, especialmente o mercado de
commodities, algo favorável ao mercado brasileiro, que aprimora a política
macroeconômica de ajuste, mantendo a lógica dominante do capital financeiro e
fortalecendo os setores exportadores, com destaque para os produtos primários –
modelo rentista-extrativista (CARVALHO e GUERRA, 2016).
Ao mesmo tempo, ocorre o que Oliveira (2010) caracteriza como a despolitização
da pobreza e da desigualdade, tornando-a questão administrativa, operando o
chamado consenso de classes e, por conseguinte, o apassivamento das massas.
Isso, em larga medida, é feito por meio das iniciativas de enfrentamento à pobreza,
promotoras da adesão das massas e assumidas pelo governo brasileiro
(CARVALHO e GUERRA, 2016). Amparando-se em Gramsci, mas numa inversão
dos termos deste autor, Oliveira (2010) aponta para a existência de uma
“hegemonia às avessas”, neste período, uma vez que representantes da classe
23 Carvalho e Guerra (2015; 2016) apresentam uma periodização histórica ao se debruçar e analisar
o Estado brasileiro contemporâneo, destacando suas fases em momentos históricos ou ciclos de ajuste. Importante destacar que tal periodização não está posta como modelo analítico universal, mas como uma via de apreciação.
51
subalternizada parecem estar hegemonicamente a direcionar as ações do governo,
quando, em termos efetivos, predominam interesses das classes dominantes, das
forças do capital.
Este é o terceiro momento histórico destacado por Carvalho e Guerra (2016),
período que retardou os efeitos mais nefastos da crise do capital no Brasil, apesar
da manutenção dos ajustes por parte do governo e, conjuntamente, da
recomposição do mercado interno, pela via do incentivo e da facilitação do consumo
de massa24. Entretanto, Salvador (2010b), evidencia que, em meio a esse momento
histórico, prevendo os efeitos da crise a abalar o mundo, o governo brasileiro
articula iniciativas a fim de liberar mais recursos para os bancos e lança medida
provisória (MP n. 442, de 6 de outubro de 200825), a qual propõe
[...] uma espécie de ‘cheque em branco’ para autoridades monetárias assegurarem níveis adequados de liquidez no sistema financeiro, [...] aceitando como pagamento ativos das instituições financeiras, sendo os possíveis prejuízos apropriados pelo Banco Central. (SALVADOR, 2010b, p. 110-111)
No Brasil, o remédio para sanar a crise foi lançar mão de recursos do fundo
público, em socorro ao mercado financeiro, um artifício que permite aos bancos a
apropriação dos ganhos e a socialização dos prejuízos. Eis o poder das instituições
bancárias e do mercado financeiro no Brasil e no Mundo. Eis o esfacelamento do
discurso da eficiência dos mercados (SALVADOR, 2010b). Mesmo o quarto momento
histórico destacado por Carvalho e Guerra (2016), referenciado entre 2011 e 2014,
primeiro governo Dilma, em que o Brasil se afirma como potência na economia
mundial e o governo intenta adotar medidas de uma cartilha neoliberal mais
“heterodoxa”, apostando no desenvolvimento, a força dos interesses dos
capitalistas financeiros se impõe, fazendo recuar o governo.
Conquanto o Estado brasileiro tenha tentado estruturar uma reação à crise,
os remédios ofertados foram insuficientes para impedir que o País fosse por ela
atingido, notadamente, porque esta é uma crise de caráter estrutural e porque o
24 Nesse período, a política econômica brasileira foi marcada por iniciativas como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), facilitação do crédito, ampliação do consumo, limite temporário às demissões. 25 “Dispõe sobre operações de redesconto pelo Banco Central do Brasil e autoriza a emissão da Letra de Arrendamento Mercantil LAM e dá outras providências” (BRASIL, 2008b)
52
modelo de crescimento econômico brasileiro está imerso em contradições e
conciliações insustentáveis em médio e longo prazo. Assim, tal cenário é agravado
pelo esgotamento do padrão econômico e político brasileiro, refletido
especialmente no descontentamento das classes dominantes, em função do
afastamento do Estado da ortodoxia neoliberal. A propulsão desenvolvimentista
ambicionada pelo governo vigente é, então, obstaculizada pela não adesão de
segmentos do setor financeiro, contrariado pela política econômica e social de
então (CARVALHO e GUERRA, 2016).
Assim, o País chega ao quinto momento histórico, expresso por Carvalho e
Guerra (2016) como aquele iniciado e encerrado em 201526, portanto, segundo
mandato do governo Dilma. Nele, vivenciamos verdadeiramente o estouro da crise
brasileira. Assistimos à retomada da cartilha neoliberal mais ortodoxa, em um
contexto de grande instabilidade econômica e, ainda, de forte reedição do
conservadorismo e de ataque aos direitos e às políticas sociais, sob o discurso da
crise e da necessidade de contingenciamento orçamentário (CARVALHO e
GUERRA, 2015, 2016).
Assim como no caso brasileiro, a saída encontrada pela maioria dos Estados
em crise foi retomar o intervencionismo estatal, contrariando os arautos neoliberais
e defensores do livre mercado. Este neointervencionismo funciona como elemento
decisivo para a manutenção do sistema nos processos de acumulação e
valorização do capital no seio da mundialização capitalista. Na verdade, um “falso
regresso”, nas palavras de Carvalho et al (2011), visto que o Estado se pôs e se
põe como agente interventor submetido às exigências do sistema do capital. Age,
pois, para apoiar e salvar o sistema e, portanto, de forma funcional à acumulação
capitalista e à valorização do capital em face da economia mundializada
(CARVALHO et al, 2011).
Cabe, entretanto, uma ressalva acerca das respostas à crise. Sendo ela
sistêmica, estrutural, não é possível solucioná-la com a mera administração das
problemáticas, com autorregulação ou medidas anticíclicas (BRAZ, 2012). Como
26 A temporalidade expressa pelas autoras estabelece o início desse momento histórico em 2015 e
situa sua continuidade considerando-a “até os dias atuais”. Todavia, em meados de 2016 - período não abarcado pela elaboração das autoras em suas análises -, o processo de impeachment de Dilma, altera o quadro a partir das implicações impressas na configuração dos aspectos políticos e econômicos em questão.
53
assertivamente evidencia Mészáros (2011) uma “[...] crise estrutural exige
mudanças estruturais”. A solução, desta feita, não pode ser uma aposta no controle
e na administração das consequências do sistema do capital. São equivocadas as
análises que apontam para a chamada “Terceira via”27 ou num neokeynesianismo
– o que no Brasil assume feições de um neodesenvolvimentismo, embora haja
discordâncias a respeito28 - como uma saída para a crise. Tanto que tais iniciativas
implementadas pelo capitalismo têm se mostrado inúteis (BRAZ, 2012).
Assim aponta Carvalho et al (2011, p. 14-15):
A questão decisiva em pauta é a incapacidade deste neokeynesianismo, via intervenção financeira maciça do Estado e das instituições globais, para resolver a crise. A rigor, novas regulações do capital [...] não constituem alternativa de solução para essa crise global do sistema do capital na condição de uma crise sistêmica. Não atende nem mesmo às demandas da crise financeira global. [...] as enormes quantias empregadas pelas autoridades políticas e financeiras apenas atendem, numa extensão muito limitada [...] a liquidez dos bancos e companhias de seguro [...]
A intervenção do Estado é operada pela injeção financeira maciça (dinheiro
advindo dos contribuintes ou do endividamento estatal) e pela via da
regulamentação da flexibilização do mercado de trabalho (condições e relações
trabalhistas), com interferência sobre as vantagens e a lucratividade dos
27 Para Martins (2009), a “Terceira via” se alicerça no entendimento de parte dos capitalistas de que as medidas neoliberais foram incapazes de criar uma base estável em termos econômicos, gerando, em sentido oposto, complicações políticas e sociais em função das estratégias adotadas. O encolhimento do Estado para as políticas sociais e a visão de nocividade em torno da participação social, são elementos identificados pelos propositores desse programa como desconexos da realidade de ocidentalização das sociedades modernas, e sua consequente organização, e do potencial de mobilização por proteção social, em função da experiência vivenciada ulteriormente (keynesianismo-fordismo). Em sua superficialidade, distante das contradições inerentes ao capitalismo e a suas crises estruturais, os capitalistas que defendem esta “via” propõem remédios ilusórios, que visam conciliar o inconciliável, ao propor crescimento econômico com desenvolvimento social, numa tentativa de “humanizar” o capitalismo. 28 “O suposto neodesenvolvimentismo, quando comparado aos traços gerais das políticas [...] está muito longe do modelo original. Segundo especialistas, quando comparado ao paradigma desenvolvimentista que se conheceu no século passado, a hipótese neodesenvolvimentista “se desmancha no ar”, e as razões são claríssimas, seja porque: “a) apresenta taxas de crescimento bem mais modestas; b) confere importância menor ao mercado interno, isto é, ao consumo das massas trabalhadoras; c) dispõe de menor capacidade de distribuir renda; d) aceita a antiga divisão internacional do trabalho, promovendo uma reativação, em condições históricas novas, da função
primário‑exportadora do capitalismo brasileiro; e) é dirigida politicamente por uma fração burguesa,
a qual denominamos burguesia interna, que perdeu toda a veleidade de agir como força anti-imperialista”.” (BRAZ, 2012, p. 413, grifos do autor).
54
capitalistas. Assim, temos uma forte disputa pelo fundo público, num embate de
interesses entre a classe trabalhadora e os capitalistas, em especial, a parcela
rentista (CARVALHO et al, 2011; HARVEY, 2011; SALVADOR, 2010a).
Salvador (2010a) destaca que o recurso ao fundo público por instituições
bancárias falidas constitui característica comum, em tempos de crises financeiras.
Assim, para sobreviver, estas findam por se beneficiar dos impostos pagos pelos
cidadãos. O direcionamento de recursos públicos para a iniciativa privada por si só
já é gerador de impactos negativos nas políticas sociais, posto que reduz,
sobremaneira, o volume de investimentos a serem feitos nestas últimas. Mas
igualmente grave, denuncia Salvador (2010a), a seguridade social torna-se nicho
dos produtos financeiros, o que implica na configuração de uma forte pressão dos
capitalistas rentistas sobre as políticas que atendem a classe trabalhadora,
especialmente as da seguridade social.
Existe uma miríade de formas de gastos sociais e de financiamento, incluindo a questão da manutenção e da valorização dos capitais pela via da dívida pública. A formação do capitalismo seria impensável sem o uso de recursos públicos, que, muitas vezes, funcionam como uma “acumulação primitiva”. Como se mostra na [fase] atual da crise do capitalismo. (SALVADOR, 2010a, p. 608)
Assim, a minimização do Estado apregoada pela corrente neoliberal,
assenta-se tão somente nas desregulamentações de mercado e do seu recuo nas
políticas sociais, abrindo margem para subsidiar o mercado financeiro ilimitado, por
um lado, e abrindo espaço para a atuação dos capitalistas financeiros no âmbito
das políticas sociais, por outro. Uma atuação estatal com drásticas implicações
sobre a classe trabalhadora, que, finda por sustentar o mercado financeiro. Em
contrapartida, os trabalhadores, em especial, sofrem com o desmonte de políticas
como as de educação, saúde e previdência social, sendo substancialmente
impelidos a consumir serviços sucateados, na esfera pública, ou ofertados como
mercadoria, na esfera privada.
Com relação ao espaço mais específico da produção e das relações e
condições de trabalho, a crise e o mercado financeiro deflagram efeitos indeléveis.
Sendo a produção a esfera por excelência de valorização do capital, sobre esta
recaem os desdobramentos de decisões dos capitalistas rentistas, no sentido de
55
estruturar a produção de modo a ampliar os recursos a serem investidos na esfera
financeira, aliás, mais uma estratégia para evitar seu desmoronamento.
Afirma Salvador (2010a, p. 611) que
A pressão dos mercados sobre os grupos industriais impõe novas normas de rentabilidade e exigências de redução de custos salariais, aumento de produtividade e flexibilidade nas relações de trabalho. O corolário da liberalização financeira é a ressurreição de ciclos econômicos, que são intensamente influenciados pelos preços dos ativos financeiros.
Assim, temos, por um lado, a inserção cada vez maior de empresas não
financeiras no mercado financeiro - pela via das operações com derivativos -, e, por
outro, o aprofundamento daquilo que caracteriza a reestruturação produtiva e a
flexibilização do trabalho. Com efeito, a participação de organizações produtivas
nas atividades financeiras é marcada por pressões inclusive dos acionistas por
resultados de curto prazo, favorecendo as realizações de operações de crédito
altamente arriscadas, em detrimento do investimento real. Tal iniciativa expõe a
empresa às instabilidades do mercado financeiro e pode levar à posição
desfavorável, com possibilidades de prejuízos que afetem a sua parte real, ou seja,
a real produção do valor (COSTA e SOUZA-SANTOS, 2012).
São emblemáticas as medidas em discussão nas esferas do executivo e do
legislativo federal, diante da recente proposta29 de reforma trabalhista discutida
pelo Palácio do Planalto, visando flexibilizar a Consolidação das Leis Trabalhistas
(CLT) e levar os direitos dos trabalhadores da esfera da legalidade para a esfera
da negociação entre empregadores e empregados. Direitos como férias, 13º
salário, adicional noturno e de insalubridade, salário mínimo, licença-paternidade,
auxílio-creche, descanso semanal remunerado e FGTS, são alvos do governo em
exercício. Além dessas previsões, já estão em trâmite Projetos de Emenda à
Constituição (PEC) e Medidas Provisórias (MP) que atingem diretamente a classe
trabalhadora. Exemplos disso são a PEC 241, cuja proposta é limitar,
permanentemente, por 20 anos, o crescimento do gasto público; e a MP 739, de 7
29 O País passa por momentos de incertezas políticas com o processo de impeachment instaurado
contra a presidenta Dilma, em meados de 2016. Com o afastamento de Dilma, seu vice assume interinamente o governo do Brasil e, a despeito de o processo estar inconcluso, promove mudanças drásticas com sérios impactos sobre a classe trabalhadora, como as propostas em tela.
56
de julho de 2016, relativa à Previdência Social e editada com o objetivo de extinguir
30% dos benefícios referentes ao auxílio-doença e aposentadorias por invalidez30
(CARVALHO, 2016; DOCA, 2016; TODESCHINI, 2016).
A reestruturação produtiva que se processa desde meados de 1970, como
já referido, tem seu aprofundamento orientado pelas novas e contínuas
conformações da sociabilidade do capital e por toda essa nova conjuntura política
e econômica, em um contexto de acirramento de crise. Parte do pacote capitalista
para resolver a crise vivenciada a partir daquela década, a reestruturação produtiva
possui como marca o enxugamento e a descentralização da produção, com base
nas tecnologias – com destaque para as tecnologias da informação e da
comunicação -, em conformidade com os propósitos da mundialização do capital
(BEHRING, 2003).
O processo de reestruturação, pelo reiterado e rápido avanço tecnológico,
vai se demarcando com constantes alterações na produção, na organização e na
gestão. A múltipla tessitura que deu forma à reestruturação produtiva, desde o
período de sua introdução até os tempos atuais, nos permite falar em um complexo
de reestruturação. Isso porque, “[...] a ofensiva do capital [...] não se limita ao
mundo produtivo e à relação capital versus trabalho” (BATISTA, 2011, p. 16), ao
contrário se expande para todas as esferas que estruturam nossa sociabilidade.
Nos idos da década de 1970 era preciso legitimar o novo regime de
acumulação de capital e de regulação social, de modo que foram reestruturadas
também as esferas política e ideológica, com a introdução do Estado neoliberal.
Assim, o desenvolvimento das empresas nos moldes toytotistas, lançou nexos e
princípios organizacionais, como forma de produzir uma inter-relação psicofísica
para a classe trabalhadora (BATISTA, 2011).
Desse modo, Batista (2011) destaca que os princípios toyotistas de
organização e de gestão da produção e do trabalho estão também disseminados
na legislação, especialmente a educacional. Para Frigotto (2010), com a
reestruturação produtiva, os donos do capital (homens de negócios, como
denomina o autor) passam a defender uma educação básica para a formação
30 Quando da última correção realizada neste estudo o que era um projeto tornou-se uma normativa
concreta. A PEC 241, denominada PEC 55 ao ser encaminhada para votação no Congresso Nacional, foi promulgada como Emenda Constitucional 95, em 15 de dezembro de 2016, limitando efetivamente por 20 anos os gastos públicos.
57
abstrata e polivalente de trabalhadores, a atender suas demandas, advindas da
base tecnológico-material do processo produtivo, com a perspectiva de elevar a
taxa de lucro e possibilitar competitividade diante da concorrência intercapitalista.
O contexto da reestruturação produtiva é marcado por conceitos como
globalização, integração, flexibilidade, competitividade, qualidade total,
participação, pedagogia da qualidade e formação polivalente como injunções da
sociabilidade pretendida e desejada pelos capitalistas. É a tecnologia e seus
constantes avanços que justificam o discurso dos ditos homens de negócio e
condicionam a exigência de obtenção de novos e diversificados conhecimentos por
parte dos trabalhadores. O conhecimento passa, então, a figurar como recurso
essencial nessa sociabilidade, operando, de maneira profundamente ideológica e
apologética, como elemento ilimitado e acessível a todos, o que, notadamente,
constitui uma falácia (FRIGOTTO, 2010).
Neves e Pronko (2008) nos indicam que o capital físico perde importância
como fonte de riqueza, mediante incorporação das teorias que apontam a
existência, hoje, de uma sociedade pós-industrial (sociedade do conhecimento).
Segundo as autoras, a riqueza em tempos atuais passa a ser impulsionada pelas
inovações tecnológicas.
Neste ponto, apresentamos ponto de discordância com Trenkle (2013), ao
afirmar que o processo de valorização, posto em xeque pela reestruturação do
processo de produção se baseia na introdução crescente de novas tecnologias,
devido à transferência da força produtiva para o nível do conhecimento, resultando
em absoluto deslocamento de força de trabalho da esfera da produção real mais
direta em todos os setores para a o setor do conhecimento. Compreendemos não
ser este o ponto chave da questão, pois mesmo neste nível produtivo, o intelectual,
o trabalho desenvolvido contribui para o processo valorização do valor, à medida
que é explorado, tal qual o trabalho manual, dele também se extrai mais-valia.
Entretanto, reconhecemos que, a depender da área de inserção, este pode
contribuir para o aprofundamento da substituição de trabalho vivo por trabalho
morto, ao criar e empregar tecnologia à produção stricto sensu.
Não obstante isso, as políticas educacionais passam a se basear num
discurso que considera a educação formal como uma das condições de integração
competitiva no seio da economia global. E o faz retomando a teoria do capital
58
humano. Tais políticas passam a ser construídas sob a inspiração dos organismos
internacionais - como o Fundo Monetário Internacional (FMI); o Banco Internacional
para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD); o Banco Mundial; a Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) –,
definidores de currículo, práticas pedagógicas, financiamento, padrões
organizacionais, formação de professores e avaliação.
Exemplo disso é o texto comum aos Projetos Pedagógicos dos cursos de
Tecnologia do IFRN, ao apresentar a justificativa para as ofertas. Nele, o discurso
ampara-se nas mudanças perpetradas em face da mundialização do capital e das
suas reestruturações. Assim, destaca aspectos como “[...] a nova ordem no padrão
de relacionamento econômico entre as nações, [...] [e] a busca de eficiência e de
competitividade industrial, através do uso intensivo de tecnologias de informação e
de novas formas de gestão do trabalho [...]” (BRASIL, IFRN, 2012a, p. 8) como
demandas geradoras de novas exigências às instituições de educação, na
formação de profissionais e de cidadãos. Segundo os PPP, tais mudanças
evidenciam as transformações estruturais, a alterar os modos de vida, as relações
sociais e do mundo do trabalho, de maneira que
[...] amplia-se a necessidade e a possibilidade de formar cidadãos capazes de lidar com o avanço da ciência e da tecnologia, prepará-los para se situar no mundo contemporâneo e dele participar de forma proativa na sociedade e no mundo do trabalho. (BRASIL, IFRN, 2012a, p. 8)
É evidente, portanto, a perspectiva de ajustamento da instituição – análise
extensiva a outras organizações de educação – à lógica conduzida pelo sistema do
capital e difundida via orientação dos organismos multilaterais, seja no sentido de
atende-las tão somente, como demanda posta pelo próprio Estado brasileiro, mas
também pela incorporação do discurso corrente como válido.
Com isso, o ajuste neoliberal encontra manifestação no campo educativo e
da qualificação, justamente, na reedição da teoria do capital humano, formulada
originalmente na década de 1960 e ora reapresentada sob aparência mais social
(FRIGOTTO, 2010). Uma teoria adotada para justificar as disparidades econômicas
entre os países e explicar as razões da extrema miséria daqueles ditos periféricos,
por meio da vinculação entre educação e crescimento econômico. Resulta da teoria
59
do capital humano a noção de que o investimento na formação de trabalhadores é
necessário para atender às demandas de mercado e, por conseguinte, assegurar
o desenvolvimento econômico.
Segundo Batista (2011), o conceito (de capital humano) foi apropriado pelos
neoliberais a partir de 1980/90, sofrendo adaptações ao contexto então vivenciado,
passando a dar suporte a reformas educacionais. Essa apropriação do conceito
deslocou a função da educação formal para formação para o emprego e criou o
consenso social, a tornar possível a coexistência e relação entre educação e
desemprego e educação e pobreza, cujos conflitos, conquanto existam, são
funcionais ao desenvolvimento e à modernização econômica.
Ficam, pois, acentuados o individualismo e a meritocracia embutidos nas
acepções de capital humano e de sociedade do conhecimento. Valorizam-se as
tecnologias e o saber politécnico, exigindo cada vez mais conhecimento e grau
elevado de qualificação formal, de modo a transferir para os sujeitos a
responsabilidade pelo investimento em sua formação e ainda sobre seu sucesso
ou fracasso no mundo do trabalho.
Outra questão relevante diz respeito à concepção adaptada de capital
humano. De fato, além do desenvolvimento de habilidade técnica, há uma exigência
de competências relativas à lógica de produção capitalista que se gesta na
contemporaneidade, isto é, as chamadas habilidades cognitivas e habilidades
comportamentais. Para Alves (2007), essas novas qualificações compõem a nova
subsunção real do trabalho ao capital. São conhecimentos práticos e teóricos;
capacidade de abstração, decisão e comunicação; e qualidades relativas à
responsabilidade, atenção e interesse pelo trabalho (ALVES, 2007 apud TEIXEIRA,
1998)
Nos depoimentos dos nossos sujeitos de pesquisa, esta dimensão é
recorrente. Alegoricamente apontamos a fala de um dos egressos entrevistados,
em que trata da relação entre os conhecimentos adquiridos no curso superior e o
seu exercício profissional:
A questão do saber fazer na hora certa, a tomada de decisões no dia a dia, saber administrar situações, resolver problemas.
Você sai com base nas questões de administração, que você tem que aprender a mais ter postura, a mais ter mais coerência, saber
60
lidar com tantos desafios que se tem aqui, que se passa aqui [...]
(André, informação verbal)
Além dos conhecimentos de ordem técnica, são ressaltadas também as
questões comportamentais relativas a conhecimentos teóricos direcionados a
solução de conflitos, negociação, tomada de decisões, dentre outros, na direção
dos interesses de mercado.
Dada à competitividade em tempos de mundialização do capital, a essa
perspectiva formativa correspondem adequações da formação técnica e
tecnológica, levando Estados e instituições de ensino a produzir respostas
“pertinentes”. Nessa direção, o Brasil contempla os interesses e requisições do
sistema financeiro e do mercado interno, especialmente em tempos de crise;
igualmente, atende às orientações multilaterais, assegurando as condições de
competitividade e as relações internacionais, e cumpre a preparação dos sujeitos
para inserção profissional no mundo do trabalho contemporâneo,
independentemente de a que custo para os indivíduos e para a sociedade, isto é,
não importando se estão de acordo com o direcionamento social ansiado pela
classe trabalhadora, desde que estejam alinhados aos interesses de mercado.
Neste contexto de crise e de rearranjos, o elo mais frágil da corrente – os
trabalhadores – sofrem as mais graves consequências das medidas adotadas. No
Brasil e, em particular, no Rio Grande do Norte, onde os direitos sociais e
trabalhistas sequer cobriram a metade dos trabalhadores, em que a flexibilização
das relações de trabalho data do período ditatorial (1964-1985) e onde as
organizações de trabalhadores de maior relevância estavam circunscritas às
regiões Sul e Sudeste, a precarização encontra terreno fértil para se instaurar e se
aprofundar e menores resistências. As novas formas de exploração e de subsunção
do trabalho ao capital expandem em proporções geométricas.
61
2.3 Precarização estrutural do trabalho e emergência do precariado: novas
configurações do trabalho e permanência de “velhas” estruturas e relações de
exploração
O modo de produção capitalista possui como traço estrutural a precarização
do trabalho (ALVES, 2014). A análise marxiana acerca do processo de produção
do valor, no capitalismo nos possibilita também compreender o caminho pelo qual
o trabalhador é explorado pelos donos dos meios de produção para obtenção de
mais-valia e como, de modo contraditório, o trabalhador é deduzido da produção.
O assalariamento engendra a liberdade para a venda da força de trabalho, porém
a condiciona ao jugo do mercado e dos interesses do capital.
As transformações societárias ocorridas desde 1970, a delinear novas
configurações para o capitalismo contemporâneo, estão intimamente ligadas às
mudanças do mundo do trabalho, cujos impactos se puderam sentir nos circuitos
produtivos, profundamente alterados pela revolução técnico-científica, instada a
partir do século XX. O capital mesmo se restaura e expande para a totalidade social
e suas transformações, conformando uma sociedade tardo-burguesa, nos termos
de Netto (2012), gerida pelo projeto do neoliberalismo, marcado pela flexibilização
da produção e das relações de trabalho; pela desregulamentação dos mercados; e
pelas privatizações do patrimônio estatal (NETTO, 2012).
Conforme Alves (2014b), entre os anos 1980 e 2010, período denominado
“trinta anos perversos”, são explicitadas duas determinações fundamentais e
fundantes da nova temporalidade histórica do capitalismo, a saber, a chamada
maquinofatura - definida como uma nova forma de produção do capital mediante
as revoluções tecnológicas (revolução informática e revolução informacional) – e a
crise estrutural de valorização do valor – manifesta destacadamente na
finaceirização da riqueza e hegemonia do capital financeiro na dinâmica de
acumulação capitalista. Para o autor, estas transformações estruturais modificam
no tempo histórico atual a forma de ser da precarização do trabalho, expandindo-
se para além do mundo do trabalho, alcançando a totalidade da vida do homem-
que-trabalha.
62
Assim, junto à reestruturação produtiva e ao neoliberalismo, a mundialização
do capital e a crise contemporânea, são determinantes conjunturais e estruturais,
amplificadores da exploração sobre o labor, precarizando relações e condições de
trabalho e, ademais, a própria existência da classe trabalhadora. As modificações
sofridas a partir de então no mundo do trabalho foram demasiado intensas. Antunes
(2011a) afirma ter sido a mais aguda crise que a classe trabalhadora experienciou
neste século, com repercussões profundas na sua materialidade e na subjetividade.
Desde então, vivemos tempos de aprofundamento das formas de precarização
objetiva e subjetiva do trabalho, a conformar, nos termos deste autor, a nova
morfologia do trabalho.
Essa denominação utilizada por Antunes (2011a) aponta para a
configuração de um novo modo de ser da classe trabalhadora, com o redesenho
da composição das ocupações no mundo do trabalho, de que resultam a retração
do operariado industrial e, concomitantemente, a ampliação de formas flexibilizadas
de relações trabalhistas como as terceirizações, subcontratações, contratos
temporários, etc., além de elevação das novas ocupações com feições flexíveis
como as trabalhadoras de telemarketing e call center, oficeboys, motoboys, e
outros. Ademias, a informalidade também tem parte nessa nova morfologia e,
desde a década de 1990, tem se ampliado significativamente.
O mundo do trabalho hoje enfrenta, sobremaneira, o desemprego. De fato,
as contradições do capital engendradas no processo de valorização do valor - em
termos da substituição de trabalho vivo por trabalho morto, especialmente nos
tempos atuais de acelerado avanço tecnológico – fazem crescer o contingente de
sujeitos excluídos do mundo do trabalho. Assim, segundo Antunes (2013, p. 14),
[...] as formas vigentes da valorização do valor trazem embutidos novos mecanismos geradores de trabalho excedente, ao mesmo tempo que expulsam da produção uma infinidade de trabalhadores que se tornam sobrantes, descartáveis e desempregados.
Conforme Mészáros (2006), o desemprego emerge como característica
dominante no momento atual do desenvolvimento histórico do capitalismo e, assim
como o sistema que o agrava, também se globaliza.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam que o
número final de desempregados, em todo o mundo, para o ano de 2015 foi estimado
63
em 197,1 milhões, significando uma elevação de 27 milhões se comparado ao
quantitativo experimentado antes do estouro da crise, em 2007. As previsões
apontadas no relatório intitulado “Perspectivas Sociais e do Emprego no Mundo:
Tendências 2016” apontam para um acréscimo, até o final de 2016, de 2,3 milhões
de desempregados, o que resultaria no montante de 199,4 milhões para o ano. Os
dados, em sua soma global, referem-se aos países periféricos ou ditos em
desenvolvimento, mas, cada vez mais, refletem também a realidade dos países
centrais. Apesar da redução da taxa de desemprego de 2014, 7,1%, para 2015,
6,7%, nos países desenvolvidos, não houve, na maioria dos casos, melhorias
suficientes para eliminar os problemas causados pelo desemprego, agravado pela
crise mundial (ONU, 2016).
Nos países periféricos, as inflexões desse quadro se impõem em maior
medida. Os números revelam que o emprego vulnerável alcança altos índices nos
países designados pela OIT como emergentes e em desenvolvimento. O emprego
vulnerável atinge 46% do emprego total no mundo e abrange entre metade e três
quartos da população nos referidos grupos de países, respectivamente. São 74%
no sul da Ásia e 70% na África Subsaariana. A perspectiva de emprego fica
enfraquecida nos países periféricos ditos emergentes, tal como Brasil e China
(ONU, 2016).
Conforme Raymond Torres, diretor do Departamento de Pesquisa da OIT, “o
ambiente econômico instável, associado a fluxos de capital voláteis, a mercados
financeiros ainda disfuncionais e à escassez de demanda global continuam a afetar
as empresas e a desencorajar o investimento e a criação de empregos”. Por seu
turno, Guy Ryder, diretor-geral da OIT afirma que “a significativa desaceleração das
economias emergentes, aliada a um declínio acentuado nos preços das
commodities, está tendo um efeito dramático sobre o mundo do trabalho” (ONU,
2016).
Os dados apontados no relatório e os depoimentos dos representantes da
OIT são pistas que evidenciam a configuração atual do mundo do trabalho em
tempos de crise do capital. Reforçam a acertada análise de Mészáros (2006),
demonstrando ainda de que modo o desemprego e a precarização do trabalho têm
se alastrado pelo mundo tomado pela acumulação rentista. A crise que agrava a
realidade do trabalho atinge todos os países, inclusive aqueles de maiores índices
64
de industrialização e de riqueza acumulada, mas se faz sentir, sobretudo, nos
países periféricos. Entretanto, destaca o autor que
Ironicamente, nesse caso, o desenvolvimento daquele que é de longe o mais dinâmico sistema produtivo da história culmina por proporcionar um número cada vez maior de seres humanos supérfluos para o seu mecanismo de produção, embora – de acordo com o caráter incorrigivelmente contraditório do sistema – estejam longe de ser supérfluo como consumidores. A novidade histórica desse tipo de desemprego do sistema globalmente integrado é que as contradições ocorridas em qualquer uma de suas partes específicas complicam e agravam os problemas de outras partes e, consequentemente, da sua totalidade (MÉSZÁROS, 2006, p.32)
Portanto, dadas as características da mundialização do capital e da
reestruturação produtiva, como a produção desconcentrada e localizada, muitas
vezes, em territórios diversos daqueles que originam o investimento financeiro, os
circuitos das interconexões entre os países, produzem em todos eles, em maior ou
menor medida, os efeitos do desemprego e da precarização do trabalho.
Em que pese a rede econômica existente, nesse contexto de transformações
ocorridas mundialmente, os países periféricos se situam em uma posição de
inferioridade econômica, dado o menor grau de desenvolvimento de suas forças
produtivas e sua inserção subordinada na economia mundial, o que resulta na
intensificação da exploração da força de trabalho pela burguesia, como uma
espécie de compensação (PARANHOS, 2010).
Conforme Rosso (2013), das crises socioeconômicas resultam duas fases
distintas, por um lado, impactos destruidores, por outro, tentativas de reorganizar o
trabalho. Para a autora, “os impactos desestruturados preparam o movimento
seguinte de recomposição do trabalho” (ROSSO, 2013, 49). Assim, o desemprego
e as ameaças de desemprego são mecanismos funcionais ao capital, por inibirem
reivindicações salariais, de vantagens ou direitos trabalhistas. A destruição dos
postos de trabalho e a contenção de salários são manifestações da crise, a nos
remeterem à fase desestruturante. A reboque, a reorganização do trabalho sinaliza
um processo marcado pela intensificação do trabalho31, pela via da cooperação. A
31 “A intensidade do trabalho é consequência da ação organizativa, da forma como é acertada a
cooperação entre os trabalhadores. Se o trabalho for organizado de forma a produzir mais resultados, exercerá impactos sobre o grau de esforço físico, intelectual e emocional exigido do
65
reorganização do trabalho se orienta no sentido de retomar a acumulação em
decréscimo em face da crise.
Além da intensificação, que, por si só, torna o trabalho precário, a
flexibilidade e a desregulamentação são estratégias contemporâneas do
capitalismo, a reforçarem e ampliarem a exploração ou, como aponta Mészáros
(2006), a obstaculizarem a atividade laboral. Naquilo que os capitalistas apontam
como modernização de práticas de trabalho, a flexibilidade, é facilitada pela
desregulamentação dos vínculos e direitos laborais, conduzindo, à precarização da
força de trabalho. A flexibilidade produtiva, projetada pelo toyotismo, vincula-se à
flexibilização do trabalho, apologeticamente empreendida como uma “necessária
modernização” do mercado de trabalho. Consolida-se, assim, pelos caminhos
legais, geralmente ligada, nos termos de Mészáros (2006, p. 34), à “autoritária
legislação antitrabalho”.
O processo que confere precariedade ao trabalho não se vale apenas da
desregulamentação dos direitos e vínculos, mas também pela regulamentação de
formas flexíveis da relação trabalhista, a possibilitarem o estabelecimento de
relações formais de trabalho com parcas garantias e pouca, ou nenhuma, proteção
social. As chamadas formas atípicas de relações trabalhistas (VASAPOLLO, 2006),
legalmente respaldadas, multiplicam-se no mundo do trabalho, uma vez que
apresentam maiores vantagens para o empregador, especialmente em função das
oscilações do mercado. Pouco a pouco, vão se tornando cada vez mais típicas,
mais comuns.
As metamorfoses do mundo trabalho, tal qual assinala Antunes (2011a),
resultam na subproletarização acentuada, expressa na expansão do trabalho
parcial, temporário, precário, subcontratado, terceirizado. O desemprego
crescente, outro fruto das transformações do mundo do trabalho, não é senão o
mais brutal de todos eles. É parte do contraditório processo que, por um lado, reduz
o operariado na indústria e na fábrica e, por outro, aumenta o subproletariado no
setor de serviços (ANTUNES, 2011a). Um processo, no entanto, não dotado de
linearidade, visto que o desemprego, cada vez mais, ganha corpo também no setor
trabalhador, consumirá mais energia dele e produzirá mais resultados, mais valores. Elevando-se a intensidade do trabalho, aumenta-se a produção de mais-valor [...] A intensificação do processo de trabalho resulta em mais trabalho, na mesma duração de jornada, com o mesmo número de trabalhadores e o mesmo padrão tecnológico.” (ROSSO, 2013, p.48)
66
de serviços pelas mutações organizacionais, tecnológicas e de gestão por que
passa, mas também pelos efeitos da crise da qual nenhum setor está imune
(ANTUNES e ALVES, 2004).
Desse modo, a força de trabalho, desvinculada dos postos formais e dotados
de proteção, é tornada supérflua ao ambiente produtivo, tornando-se força de
trabalho disponível e suscetível às incursões do mercado formal flexível ou mesmo
da informalidade, sendo submetida à precariedade do emprego, da remuneração,
à desproteção trabalhista e social.
Retomando e ratificando a ideia delineada por Antunes (2011a, 2013), a
nova morfologia do trabalho é emblemática dos tempos atuais, dado o
aprofundamento de novas conformações do mundo do trabalho, a emergir com a
reestruturação do capital entre as décadas de 1970 e 1980, notadamente, com a
reestruturação produtiva, acentuando-se pelos avanços informacionais e da
flexibilização das relações trabalhistas, que afetam o modo de ser da classe
trabalhadora.
Vasapollo (2006) refere-se ao que vivencia a classe trabalhadora como “mal-
estar do trabalho”. Segundo ele, a organização contemporânea do trabalho tem
cada vez mais se caracterizado pela precarização do trabalho, pela flexibilização e
pela desregulamentação. Um processo sem precedentes para os assalariados, a
gerar uma atmosfera de incertezas que promovem
[...] o medo de perder o próprio posto, de não poder mais ter vida social e de viver apenas para o trabalho, com a angústia vinculada à consciência de um avanço tecnológico que não resolve as necessidades sociais. É o processo que precariza a totalidade do viver social. (VASAPOLLO, 2006, p.45)
Na contemporaneidade, a precariedade do/no trabalho não se restringe ao
mundo do trabalho; ao contrário, amplia-se e envolve o cotidiano da vida social do
homem-que-trabalha, precarizando sua própria existência. De fato, na atualidade,
a forma de ser histórica da precarização estrutural engendra três dimensões: a nova
precarização salarial - característica do modo de produção capitalista, aprofundada
pelas suas transformações –, a precarização existencial e a precarização do
homem-que-trabalha – dadas pela incorporação dos traços do sociometabolismo
do trabalho, que marcam o século XXI (ALVES, 2014b).
67
Neste início de século, a precarização salarial, inerente ao modo de
produção capitalista como resultado da exploração da força de trabalho, ganha
novos ares. O trabalho flexível e sua lógica conformam uma nova precarização
salarial, ao promoverem mudanças nas condições de regulação do estatuto salarial
– contratação, remuneração e jornadas de trabalho flexíveis -, na organização do
trabalho - gestão toyotista - e na base técnica produtiva – introdução de novas
tecnologias. A precarização existencial é fruto do modo de vida presente, delineado
por uma sociabilidade assentada na produção toyotista, nas relações sociais que
produz. É o modo de vida just-in-time, ou modo como se arranja a produção,
reverberando na totalidade social e determinando a vida social. Para Alves,
O modo de vida just-in-time significa maior carga de pressão no plano psíquico do homem-que-trabalha, implicando no fenômeno que denominamos vida reduzida. Na media em que a produção
toyotista torna-se totalidade social, o espírito do toyotismo como ideologia orgânica do metabolismo social da produção do valor [...] impregna a vida social com elementos valorativos do produtivismo capitalista. (ALVES, 2014, p. 22, grifos do autor)
Com a expressão “vida reduzida” o autor nos remete à redução do tempo de
“vida plena de sentido”, tal como tomada por Lukács em sua obra. Segundo Alves
(2014b), o tempo de vida disponível dos sujeitos é consumido pela lógica do
trabalho estranhado e pelo consumismo desenfreado, resultando em homens e
mulheres com atitudes e comportamentos individualistas, formados e incentivados
pelas instituições com base nos valores sociais vigentes, o que exacerba o
estranhamento nesta sociedade.
Este autor evidencia que a vida reduzida, precarizada existencialmente, é
veloz, pois o processo de produção como totalidade social é intensificado. A vida
reduzida é sinalizada, avaliada e qualificada, posto que “[...] a nova tessitura da
ideologia da comunicação e [...] a comunicação da ideologia como sinais/marcas
manipulam a subjetividade do trabalho vivo, não apenas no plano da produção, mas
principalmente no plano da vida cotidiana” (ALVES, 2014b, p. 23-24).
Caracterizada por se constituir em vida “capturada”, pela introjeção de
valores-fetiches do capital, a transformarem o homem-que-trabalha em
colaborador; enxuta, com o tempo de vida de que dispõem os sujeitos sendo
ocupado com trabalho e o consumo estranhados e invertida, uma vez que o tempo
68
se resume ao momento presente, sendo alteradas as concepções acerca das
configurações geracionais, a exemplo das juventudes que sofrem um alongamento
cronológico como forma de ocultar a incapacidade do mundo do trabalho de
absorver essa parte dos trabalhadores, especialmente aquela altamente
escolarizada, no sistema produtivo (ALVES, 2014b).
A vida reduzida é perpassada por carecimentos radicais, formados na
sociedade capitalista - estruturada sobre relações de subordinação e domínio -, que
não podem ser satisfeitos em seu interior, algo possível somente em face da
superação do sistema capitalista. O sentido da vida humana, por exemplo, é um
carecimento radical de nossos tempos (ALVES, 2014b). Todavia, vale ressaltar que
se trata de um carecimento permanentemente desvirtuado pelo capitalismo – e
agudizado pelo modo de vida just-in-time -, o qual nega o sentido ontológico do
trabalho e da realização do ser social (trabalho estranhado), substituindo-o pelos
sentidos do sistema do capital, de viver no/do/para o trabalho – sentir-se produtivo,
agente colaborador do progresso - a fim de garantir sua subsistência, que, por sua
vez, passa a significar consumir. Esse ciclo, todo estranhado e perenemente
realizado pelo homem-que-trabalha, ao contrário do que espera, não confere
verdadeiro sentido a sua vida, de sorte que este se mantém como carecimento
radical.
Para Alves (2014b), nas condições históricas da barbárie social
contemporânea, as pessoas enfrentam dificuldades para encontrar tal sentido,
porque se trata de um traço antropológico fundamental e constitutivo do ser
genérico do homem, deformado no âmbito do capitalismo, obstaculizando a
percepção da realidade efetiva do mundo social dos homens e produzindo
personalidades ensimesmadas.
O modo de vida just-in-time conduz ao adoecimento laboral pela pressão
psicológica e emocional vivenciada no mundo do trabalho e à crise de percepção
do sentido pela desefetivação humano-genérica/estranhamento social dos sujeitos,
derivando-se na precarização do homem-que-trabalha. Assim,
Indo além do estresse ideológico provocado pela precarização do homem como ser humano-genérico, a precarização existencial diz respeito à degradação das condições de existência do trabalho vivo [...] isto é, as condições da reprodução social como circulação, territorialidade, consumo e lazer. (ALVES, 2014b, p. 27)
69
Ao tratar da relação entre trabalho e subjetividade, a atravessar, em
especial, a forma de precariedade existencial, Alves (2011) ressalta que, no
capitalismo global, o processo que precariza o trabalho atinge a objetividade, mas
também, a subjetividade dos trabalhadores assalariados, por meio de sua captura,
impondo a lógica que lhe é inerente, já referenciada como uma das características
da vida reduzida. Nesse sentido, afirma o autor que o padrão toyotista de produção
criou um novo nexo psicofísico a fim de adestrar pensamento e ação dos
trabalhadores em sintonia com a racionalização da produção. Isso é feito por meio
de dispositivos organizacionais e gerenciais, cuja estratégia é o envolvimento ou a
captura da subjetividade do homem-que-trabalha. Aqui “[...] o que se busca
‘capturar’ não é apenas o ‘fazer’ e o ‘saber’ dos trabalhadores, mas a sua disposição
intelectual-afetiva, construída para cooperar com a lógica da valorização” (ALVES,
2011, p. 111). Eis o núcleo ideológico do modelo toyotista, pautado na mobilização
e estímulo à participação e ao engajamento do trabalhador tendo como pano de
fundo a afetividade e o envolvimento subjetivo.
Em que pesem a disposição e a doação do trabalhador, ainda que cooptado,
não é parte comum no mundo do trabalho o resguardo de seus interesses, a
exemplo da manutenção de relações e condições dignas de trabalho e de vida.
Toda e qualquer garantia neste sentido estão à mercê das configurações do
mercado e dos interesses dos capitalistas. Entretanto, as atitudes condicionadas
pela captura da subjetividade do trabalhador assalariado constituem exigência para
a permanência do seu vínculo com a organização que o emprega.
Os impactos sobre a subjetividade no mundo do trabalho contemporâneo,
isto é, a precariedade subjetiva, nos termos de Linhart (2014), alcançam inclusive
os trabalhadores sob contrato de emprego de duração indeterminada, ou melhor,
pessoas que trabalham em grandes empresas e mesmo funcionários públicos,
dotados de certa estabilidade, situações que não geram o mesmo risco ou ameaça
de desemprego quanto as relações de trabalho flexibilizadas.
Linhart (2014, p. 45-46) destaca que essas pessoas se defrontam com o
sentimento de não estar “em casa” no trabalho, de ausência de confiança em suas
rotinas profissionais ou mesmo nas redes, nos saberes e habilidades reunidos ao
longo de sua trajetória de formação e de exercício profissional. Trata-se, portanto,
de um “[...] sentimento de não dominar seu trabalho e precisar esforçar-se
70
permanentemente para adaptar-se, cumprir os objetivos fixados, não se arriscar
física e moralmente [...]. É o sentimento de isolamento e abandono. É também a
perda da autoestima, que está ligada ao sentimento [...] de não estar à altura”.
Assim, se processa a precarização subjetiva, a partir das formas modernas
de gestão, a impor aos assalariados a administração das disfunções da
organização falha do trabalho, sob a capa do envolvimento e da concessão de
autonomia e responsabilidade diante do trabalho que desenvolvem. Daí resultam
adoecimento, requisições de afastamento das atividades laborais e inúmeros
pedidos de demissão, motivados pela hiperpersonalização do trabalho moderno e
por um modelo de gestão que, presumidamente, mobiliza inteira e
permanentemente os sujeitos à realização de um trabalho, no qual o próprio
trabalhador precisa encontrar soluções que lhe permitam conciliar objetivos de
produtividade e qualidade nem sempre compatíveis (LINHART, 2014).
O processo de mudanças, promovido no contexto da produção, em escala
global, foi seguido no Brasil com a inserção de novos padrões organizacionais e
tecnológicos e novas formas de organização social do trabalho (ANTUNES, 2006).
O nosso fordismo, já marcado por uma industrialização que não eliminou muitos
dos traços coloniais históricos e limitadores de abertura para a institucionalização
de direitos democráticos, foi mesclado às formas de acumulação flexível. Os
influxos toyotistas no País coincidiram com um momento de recuperação da nossa
economia e de ampliação das inovações tecnológicas, confluindo para requisição
de novos padrões de qualificação profissional à classe trabalhadora, a ser
remunerada em patamar inferior ao praticado nos países centrais. Tais
características têm contribuído para aumentar os níveis de exploração da força de
trabalho em nosso País (ANTUNES, 2006; PARANHOS, 2010).
Com economia globalizada, os influxos de investimento de empresas
estrangeiras no Brasil - país periférico, porém tido como em desenvolvimento – são
atraídos pela própria conformação do mercado de trabalho historicamente
delineado. Aqui, os capitalistas internos e externos encontram mão de obra a baixo
custo e facilidades para acentuar a flexibilização já existente, contando para tal com
a pressão exercida sobre o Estado. Em verdade, na atualidade, uma vez
combinada com as baixas remunerações, a qualificação profissional requisitada
71
aos trabalhadores destaca-se como fator de elevação da superexploração da força
de trabalho no Brasil (ANTUNES, 2006).
Assim, em nosso território igualmente se configura uma nova morfologia do
trabalho engendrada pela reestruturação do capital e seu sociometabolismo,
apresentando, todavia, traços que nos marcam como um País periférico, de
industrialização tardia e de baixa valorização da educação e da formação
profissional, além da histórica dificuldade de organização política por parte da
classe trabalhadora. A situação se agrava com as respostas do Estado, ao
favorecer o mercado, via edição de leis trabalhistas que facilitam demissões e
vínculos laborais instáveis, por exemplo.
Em que pese o fato de os trabalhadores no Brasil serem submetidos desde
há muitos anos – mas não sem intensos processos de luta e resistência a essa
realidade -, nas duas últimas décadas, a precarização do trabalho tem se
constituído como um fenômeno inédito no País, dadas suas características,
modalidades e dimensões. Consubstancia-se uma nova precarização social do
trabalho pela institucionalização da flexibilização e da precarização modernas,
instalada econômica, social e politicamente, a reestruturar a precarização histórica
e estrutural do País. A precariedade é hegemônica e apologeticamente explicada
nacionalmente pelas necessidades de adaptação à nova temporalidade global - o
que inclui o contexto de crise – no qual se torna inevitável a precarização do
trabalho mundialmente. Isso é, apresenta-se a ideia de que as adequações internas
seguem tão somente a lógica e as exigências do mercado global e suas condições
(DRUK, 2013), sem as quais as elevadas taxas de desemprego atingiriam
patamares estratosféricos.
Alves (2014, p. 73), para quem a realidade do trabalho instaurada na década
de 2000, no Brasil configura uma nova precariedade salarial, demarca que
vivenciamos “[...] uma nova morfologia social da exploração do trabalho assalariado
nos locais de trabalho reestruturados”, cujo traço principal é a flexibilização. As
novas determinações sobre o trabalho resultaram na ampliação de modalidades de
contrato flexível no País, com inscrição na CLT. E mesmo tentativas de intervenção
ou negação deste conjunto de leis trabalhistas, haja vista as medidas do Estado
brasileiro, sob o governo atual, objetivando flexibilizá-las e, assim, ampliar as vias
72
de precarização daqueles trabalhadores até então beneficiados por algumas
formas de segurança e garantia.
Portanto, no Brasil, a degradação do trabalho foi reforçada e expandida pela
nova precariedade salarial, ao agregar à flexibilidade a que historicamente é
submetida a força de trabalho em âmbito nacional as formas modernas de
flexibilidade do trabalho características da precarização estrutural do trabalho em
contexto mundial (ALVES, 2014).
Como características da nova morfologia do trabalho no Brasil, impressas
pela nova precariedade salarial, destacam-se a presença de novas máquinas
informacionais – nos locais de trabalho e na vida cotidiana das pessoas -, a
transparecer as mudanças no perfil educacional, isto é, de qualificação profissional
dos trabalhadores, com exigências de novas habilidades técnicas e
comportamentais; novo método de gestão – toyotista -, com a adaptação a novas
rotinas de trabalho e a um novo modo de ser, por meio do qual o trabalhador se
torna colaborador; reestruturação geracional dos coletivos de trabalho, com o
incentivo à saída dos empregados da “velha cultura organizacional” e entrada de
sujeitos formados com base na nova lógica do mercado; diversificação das formas
e relações contratuais no interior das empresas e instituições, complexificando
ainda mais, o mundo do trabalho e, mesmo no âmbito do mercado local de trabalho,
os tipos de vínculos trabalhistas (ALVES, 2014).
Importante ressalvar que a nova precarização social de que trata Druk
(2013), passa pela precarização salarial discutida por Alves (2014), mas amplia-se
para além dela, desde que se refere não apenas ao vínculo empregatício ou
relações de trabalho, como também às relações de sociabilidade dentro e fora do
espaço estrito da empresa ou organização.
No Brasil, às novas relações flexíveis de trabalho - emprego subcontratado,
trabalho autônomo, trabalho terceirizado, por contrato temporário – somam-se
outras situações de trabalho que marcam os tempos atuais, tais como a
informalidade, em ascensão, e o agravamento do desemprego.
A crise do emprego no Brasil e o processo de desassalariamento32, tal qual
denominado por Pochmann (2006), foram uma realidade marcante no Brasil entre
32 Termo utilizado por Pochmann (2006) para se referir à perda da participação do emprego
assalariado no total de ocupações.
73
as duas últimas décadas do século XX e os anos iniciais do século seguinte.
Pochmann (2006), a partir desta demarcação histórica, assinala que o modelo
econômico vigente no Brasil, com baixa expansão da economia, não contribuiu para
gerar empregos. Em contrapartida, as políticas empreendidas pelos governos Lula
e Dilma no sentido de promover a formalização do trabalho, resultam na redução
progressiva das taxas de desempregados, entre 2005, 10,7%, e 2014, 5,1%,
quando, em razão das inflexões da crise, os índices de desocupação começam se
elevar novamente, alcançando, em 2016, a taxa de 8,2% (IBGE, 2016).
Aquela redução do desemprego experimentada entre 2005 e 2014 e o
proporcional aumento do emprego formal no País, ocultam as configurações dos
novos postos de trabalho formalizados, conformadores de um novo e precário
mundo do trabalho. Isso porque, o crescimento da formalização do emprego foi
acompanhado da ascensão da regulamentação das formas flexíveis de trabalho, a
que tem se submetido a classe trabalhadora em território nacional (ALVES, 2014).
Ademais, merece destaque o fato de que o País, imerso na crise estrutural
do capital alastrada mundialmente, tem voltado a elevar seus níveis de
desemprego, embora sejam mantidas as formas flexibilizadas de contratação que
hoje marcam o mundo do trabalho brasileiro. Significa dizer que, em tempos de
agudização da crise estrutural do capital, o homem-que-trabalha tem sido
submetido à extrema precarização salarial e existencial, quando nem mesmo as
formas flexibilizadas (precárias em si mesmas) absorvem sua força de trabalho. O
desemprego e o desassalariamento permanecem, assim, presentes de modo
marcante, na atualidade, com significativa regressão dos postos de trabalho
formais.
Diante desta realidade, cresce a informalização. No Brasil, os modos de ser
da informalidade possuem distintas manifestações, algumas já existentes desde
antes da reestruturação do capital e outras conformadas e expressas pelas
mudanças decorrentes dela. São, por exemplo, os trabalhadores informais
tradicionais – exercendo atividades que exigem baixa capitalização e servem ao
consumo individual e familiar; trabalhadores informais assalariados sem registro –
postos à margem da legislação trabalhista, logo, desprovidos de direitos e de
segurança no trabalho; e trabalhadores informais por conta própria – definidos
como segmento de produtores simples de mercadoria ou ainda pequenos
74
comerciantes. Ressalvamos que a informalidade não é um equivalente direto de
condição de precariedade laboral, contudo a realidade brasileira aponta para uma
informalidade caracterizada pela ruptura com os elos formais de contratação e
regulação do trabalho, expressando, sobremaneira, situações de trabalho
substancialmente precárias (ANTUNES, 2013).
Se o mundo do trabalho contemporâneo empreende essa ofensiva sobre o
contingente assalariado, resultando em diversas formas e dimensões de
precariedade, suas exigências para aqueles em processo formativo, com
pretensões de adentrar o mercado, são igualmente perversas e crescentes.
Nesse contexto, há definição de uma parcela da classe trabalhadora com
novas características de precariedade nas relações de trabalho, as quais passam
a ser fomentadas e regulamentadas com a reestruturação produtiva e todo o
arcabouço ideológico que a acompanha. As políticas de flexibilização das relações
de trabalho fizeram emergir uma camada social do proletariado denominada por
Giovanni Alves (2012, 2014) precariado. Trata-se de uma significativa fração
constituída hoje
[...] por jovens empregados e desempregados do novo mundo do trabalho, recém-graduados e com alto nível de escolaridade, mas que não conseguem inserir-se em relações laborais estáveis [...] Uma de suas características candentes é a invisibilidade social, tendo em vista que estão incorporados em formas atípicas e instáveis de contratação, que disfarçam as relações empregatícias. Além disso, não possuem representação sindical, o que os coloca à margem da camada estável do proletariado organizado. (ALVES, 2012, p. 11)
Todo o processo de modificação do mundo do trabalho, em atendimento às
demandas do capital, tornou os vínculos de trabalho mais frágeis e instáveis, de
modo que a possibilidade de construção de uma carreira profissional sólida por
parte do trabalhador, ainda que qualificado, torna-se cada vez mais incerta, para
não dizer, que raras são as exceções e, em muitos casos, isto se apresenta como
um sonho irrealizável33. Tendo em conta que vivemos uma crise estrutural, com
33 Fazemos referência à obra de Giovanni Alves intitulada “A derrelição de Ícaro: Sonhos,
expectativas e aspirações de jovens empregados do novo (e precário) mundo do trabalho no Brasil (2003-2013)”. Como o próprio título aponta, refere-se às expectativas das juventudes - geradas, especialmente, pelo sistema educacional –, porém confrontadas ao precário mundo do trabalho no Brasil, resultando na frustração de sonhos. Alves, faz analogia à lenda de Dadalus e Ícaro da
75
contrarreformas a buscarem minimizar os impactos desta crise para o capital, as
medidas estabelecidas em resposta somente aumentam o contingente de
indivíduos integrantes deste segmento da classe trabalhadora.
Elementos como as novas formas de organização e administração laborais,
a reestruturação objetiva do trabalho – com a inserção de máquinas e sistemas
informacionais –, bem como os resultantes requisitos de perfil técnico-
comportamentais para os sujeitos, exigem da classe trabalhadora que se prepare
em termos formativos, isto é, que se qualifique e desenvolva as competências
necessárias para ingresso no “novo” - e em permanente mutação - mundo do
trabalho.
Em contrapartida, e contraditoriamente, o próprio mercado prepara
condições nada favoráveis à incorporação dessa força de trabalho e sua satisfação
como direito social, promovendo o incremento da produção por meio de máquinas
inteligentes, em substituição ao homem, estabelecendo relações de trabalho
efêmeras e/ou pouco substantivas, por meio da “captação subjetiva” dos próprios
trabalhadores, os quais passam a absorver e corporificar as ideias proferidas pelo
capital e travestidas pela concepção do novo, da modernidade, tais como, mérito,
eficiência, competitividade e colaboração.
A busca da qualificação profissional nos moldes ora postos pelo capital, nada
mais representa do que a tentativa da classe trabalhadora de se adequar ao
momento de reestruturação por que passa o mundo do trabalho. Expande-se assim
uma massa significativa de profissionais qualificados – e em constante formação -
lançados à própria sorte no mercado, sujeitos a condições precárias de trabalho e
à fragilização dos vínculos (de luta) com seus iguais – a classe trabalhadora
fragmentada.
Como vimos, pela mesma via (respostas à crise), o capital dá liberdade ao
homem de vender sua força de trabalho, limita as possibilidades de sua venda e de
satisfação pela práxis laborativa e reduz por todos os lados as condições objetivas
de sua sobrevivência. Todavia, em geral, pela ação ideológica, estas nuances não
se tornam explícitas aos olhos do trabalhador, que tem dificuldades para somar-se
mitologia grega, destacando, na figura do labirinto, a condição de proletariedade a condicionar as juventudes; a alta escolaridade o sonho para a construção das asas e, logo para emancipação e realização, mas fadado a ser, quando muito, um voo breve dada a precarização que derrete asas
76
à luta coletiva ou que, simplesmente, tende a aceitar e incorporar o novo modo de
ser do homem imposto pelo capital.
As necessárias condições objetivas de subsistência empurram os sujeitos à
busca de inserção social, participação, sentido de pertencimento, o que, se dá pela
via do trabalho. Para tanto, os indivíduos precisam estar alinhados às imposições
feitas pelo sistema capitalista contemporâneo, sendo a formação profissional um
dos aspectos primordiais nos dias de hoje.
O Estado passa a ser requisitado a contribuir com o mercado na formação
de mão de obra adequada às necessidades do capital. As políticas educacionais
para a expansão do ensino, nos moldes neoliberais, seguem a lógica do projeto
societário a que se associa, de sorte que se fundamentam em princípios e
estratégias da chamada “Terceira via”, difundindo uma nova cultura cívica, na qual
não se deve ir além dos limites dos interesses econômicos do capital e de sua
proposição de justiça social (NEVES e PRONKO, 2008).
Antunes (2013) nos mostra que o mundo produtivo contemporâneo tem se
apresentado claramente multiforme. De um lado existem tendências mundiais à
informalização da força de trabalho e ao crescimento dos níveis de precarização;
do outro lado, visualizam-se outras tendências como a maior intelectualização do
trabalho, principalmente nas áreas tecnológico-informacional-digital, cujo impacto
produtivo é maior no atual tempo histórico. O mercado de trabalho tem elevado os
padrões de exigência de formação profissional, direcionando apologeticamente a
classe trabalhadora, em especial os mais jovens, a buscarem elevação do nível de
escolaridade e áreas de atuação ditas promissoras na atualidade.
É neste contraditório contexto de precarização estrutural do trabalho e de
crescentes exigências formativas, que se situa a expansão do ensino superior e,
em particular do ensino tecnológico e técnico e a busca crescente por “diplomas” e
certificados, para compor um currículo atrativo para o mercado.
77
2.4 Estado e expansão da educação superior no Brasil em tempos de
reestruturação produtiva, de emergência e ampliação do precariado
O modelo de acumulação flexível introduzido após a crise de 1970
caracteriza-se pelo ingresso de novos elementos no processo de produção.
Surgem novos setores produtivos/novas áreas de atuação de capital (a
mecatrônica, a biotecnologia, tecnologia de energias renováveis, dentre outros),
flexibiliza-se a produção e acentua-se o processo constante de inovação comercial,
científica tecnológica e organizacional (PINO, 2011).
Assim, todo o processo de reestruturação produtiva e de intervenções
neoliberais vem introduzindo novas demandas para a educação formal. Os
neoliberais consideram que está em curso a chamada era do conhecimento, na
qual a informação e a qualificação profissional se tornaram essenciais ao
desenvolvimento dos Estados e à sua participação no “mundo globalizado”.
O Brasil, apesar da significativa evolução ocorrida no século XX, em que
passou de uma produção predominantemente agrário-exportadora para uma
economia com industrialização, na transição do século XX para o século XXI, opta
por um padrão de desenvolvimento (ou, para melhor dizer, de ajuste) que promove
a produção de bens e serviços de baixo valor agregado e parco conteúdo
tecnológico, redefinindo sua pauta de exportação, ora composta majoritariamente
por produtos primários e oriundos do extrativismo. Paradoxalmente, segue a lógica
de incentivo à qualificação posta globalmente e nas últimas duas décadas promove
a expansão do ensino superior.
De fato, a análise comparativa do número de instituições ofertantes de
cursos superiores no País - entre universidades, faculdades, centros universitários,
institutos federais e centros federais de educação - desde a década de 1980 até os
dias atuais, apresenta uma curva quantitativa ascendente. Naquela década, o Brasil
registrava 882 Instituições de Ensino Superior (IES), crescendo em 1990 para 918
e em 2000 para 1.980 IES. Chegamos a 2014 com o total de 2.368 IES. Significa
um acréscimo, só nesses últimos 14 anos, de 1.270 IES, crescimento maior que o
verificado nos vinte anos anteriores, cujo registro de 1.098 IES (BRASIL,
MEC/INEP, s/a, 2015).
78
Neves e Pronko (2008), ao analisarem a ideologia da sociedade do
conhecimento, dão conta de que a revolução tecnológica tem sido um elemento
essencial da dinâmica do capitalismo ao longo de sua história, significando,
inclusive, um recurso para a superação das crises sistêmicas, ao mobilizar os
sujeitos para uma apropriação cultural dos avanços tecnológicos e estruturação de
um “novo” arquétipo de sociabilidade, fortemente atreladas à dinâmica da
economia. Consoante às autoras supracitadas, na atualidade, o conhecimento
(científico) e o desenvolvimento tecnológico assumem relevância no
estabelecimento de novos padrões de produtividade e competitividade mundial;
ademais, o caráter diretamente produtivo das inovações estrategicamente acelera
o processo de valorização do capital.
Fica patente, portanto, o movimento feito pelos que advogam a manutenção
do sistema do capital, no sentido de sistematicamente considerar o
desenvolvimento científico e tecnológico como objeto de políticas governamentais
visando impulsioná-las. Conforme Cabral Neto e Castro (2014, p. 257)
[...] as economias em desenvolvimento tiveram que se adaptar às novas tendências globais, o que afetou a forma como elas operacionalizavam os seus sistemas educacionais considerando que a acumulação do conhecimento e sua aplicação têm-se convertido em fatores preponderantes do desenvolvimento econômico e determinam cada vez mais a vantagem competitiva de um país na economia mundial.
Assim, a Educação passa a ocupar papel central no desenvolvimento da
economia dos países, especialmente as áreas relativas à ciência e tecnologia,
pelas próprias características desse momento econômico, em que a tecnologia
integra a sociabilidade do capital de forma mesmo assombrosa.
O paradigma da competitividade desponta como elemento-chave na relação
entre Estados Nacionais (e mesmo entre os indivíduos), com impactos econômicos
e ideológicos, a assumir importância estratégica, face à interdependência das
economias ora mundializadas e interconectadas. A produção de novas tecnologias
e conhecimentos constitui, assim, ferramenta de peso nas disputas por mercado,
no nível global.
É sob essa perspectiva que os Estados ao redor do mundo direcionaram
seus esforços às políticas de competitividade, visando à inovação tecnológica e à
79
reestruturação administrativa dos espaços formais de educação. Observa-se assim
que os governos assumem, em certa medida, a intervenção direta no apoio ao
desenvolvimento tecnológico e na preparação de recursos humanos, conforme
requerido pelo mercado. Desse modo, o Estado deixa de atuar meramente na
administração e regulação do comércio, passando a intervir no fomento e edificação
das condições para a sustentação mais ampla do mercado, mediante suas novas
configurações e exigências.
Como bem assinalam Cabral Neto e Castro (2014), o novo paradigma de
competitividade não elimina, pela via da interdependência dos Estados na
economia global, a existência de relações assimétricas entre eles. Na verdade, tal
modelo as reforça. Isso porque, em última instância, fortalece padrões de
dominação resultantes de um processo historicamente determinado.
Exemplo disso é o Brasil, país tido como “em desenvolvimento”, que guarda
em sua formação social, histórica e político-econômica elementos de
subalternidade e dependência com relação às grandes potências mundiais. Assim,
[...] a inserção do país na Divisão Internacional de Trabalho acontece de forma periférica, caracterizada por relações internacionais articuladas por laços de dominação e dependência, o que possibilita, para algumas nações, a imposição de seus próprios interesses. Por outro lado, fatores endógenos também são apontados como responsáveis por essa situação, entre eles: a articulação das elites nacionais no favorecimento de seu próprio interesse e o estágio de desenvolvimento das estruturas produtivas internas. Esses fatores associados determinam a forma como os países se inserem na dinâmica do capitalismo globalizado. (CABRAL NETO e CASTRO, 2014, p.260)
A ideia de competitividade no âmbito dos mercados internacionais revela,
portanto, da parte dos Estados, não se tratar meramente de uma busca pelo êxito
nacional, como se qualificar profissionais para o crescimento e desenvolvimento do
país, gerando bons resultados para os que nele vivem consistisse em interesse
premente. No que se refere ao Estado brasileiro, apesar da posição de
subalternidade que lhe é constitutiva, revela-se uma posição de (minimamente)
confluência com as elites nacionais, uma vez que a pretensão por um maior grau
de competitividade responde, sobremaneira, aos interesses de segmentos desta
classe, em detrimento, muitas vezes, dos interesses da classe trabalhadora.
80
Para Neves e Pronko (2008, p. 143), o conceito de “sociedade da
informação”
[...] constitui um reforço de uma visão meritocrática e segmentada da sociedade, entendida como um conjunto complexo, indeterminado, imprevisível e marcado pela interação (livre e racional) de uma diversidade de agentes individuais (indivíduo, empresa, organização). Assim, as quatro grandes virtudes da chamada ‘sociedade informacional’ se colocam como nova panacéia [sic] para a humanidade: descentralizar, globalizar, harmonizar e dar pleno poder para fazer. Com base nessa receita, a ideologia da ‘sociedade da informação/conhecimento se firma na ocultação das relações sociais concretas nas quais esse conhecimento/informação se produz, se processa [sic] e se distribui, dissimulando a verdadeira natureza do modelo idealizado e proposto. (grifos nossos)
Essa noção de sociedade obscurece, assim, as relações de dominação
impressas na sociabilidade do capital, no atual tempo histórico, bem como os
interesses a que servem as diretrizes norteadoras das políticas de incentivo à
ciência e à produção tecnológica. E é uma concepção de sociedade facilmente
absorvida pelas distintas camadas sociais, inclusive porque todo o contexto social
a materializa muito rapidamente, a partir do próprio poder ideológico do mercado e
das classes dominantes. Ilusoriamente, aponta-se para a meritocracia, concebendo
na informação/conhecimento a solução para problemáticas cuja origem remonta às
contradições estruturais do sistema. Ao fazê-lo, as condições objetivas e subjetivas
de produção e socialização do conhecimento – dimensões essenciais - são
desconsideradas.
Ao se manter, a relação assimétrica de poder já mencionada, deixa sob o
domínio das nações ricas e dos oligopólios nacionais da elaboração e o controle
das regras, dos recursos e as políticas a serem desenvolvias, em nível global
(PINO, 2011). Assim, as desigualdades de poder existentes entre os Estados
conferem aos países periféricos uma situação de dependência com relação aos
países centrais.
Cria-se, então, uma forte abertura para acentuar as interferências dos
organismos multilaterais na consecução, especialmente, das políticas sociais nos
países periféricos. Tais organismos, de que são exemplos o FMI, o Banco Mundial,
o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Organização das Nações
81
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), na renegociação de
dívidas, apresentam o seu receituário aos Estados nacionais como condição para
a efetivação de crédito, às políticas sociais.
Evidencia-se, assim, a existência de influências no campo do financiamento,
mas se verifica de modo ainda mais forte a presença de interferências ideológicas,
as quais se expressam nas concepções que permeiam as propostas para a
construção das políticas. São concepções impregnadas por interesses de mercado
e, logo, por anseios neoliberais. A despeito disso, não se pode avaliar o
direcionamento das intervenções de agentes externos somente pela ótica da tão
propalada necessidade do mercado por indivíduos qualificados. Antes, é importante
perceber outras nuances que determinam o interesse e a presença marcante dos
organismos internacionais, com suas diretrizes, principalmente nos países
periféricos como os da América Latina e Caribe.
Um desses matizes diz respeito à busca da manutenção pela retração e
desmobilização da classe trabalhadora. Assim, numa perspectiva de verdadeiro
alinhamento com as ambições da classe dominante, os Estados nacionais,
referenciados nos organismos internacionais, têm se preocupado com a
preservação do status quo e dos níveis considerados admissíveis para os
movimentos da classe subalternizada na luta por direitos e por melhores condições
de vida. Isso porque a contrarreforma do Estado e a reestruturação produtiva
intensificam os quadros de pobreza e exclusão social, a tal ponto que torna propício
o questionamento por parte da classe subalternizada das condições de vida e de
trabalho a que é submetida, ainda que, por essa mesma via – pelos rearranjos
político-econômicos e ideológicos empreendidos pelo capital –, a organização da
classe trabalhadora esteja dificultada.
Além disso, na concepção da classe dominante, embora as disparidades
político-econômicas entre as classes sejam desejadas para garantir a manutenção
de sua situação de dominação, o agravamento da pobreza implica empecilhos à
própria manutenção do capital, por obstaculizar o estabelecimento de padrões de
consumo e rentabilidade desejados. Pino (2011) expõe que
Já existem investimentos para combater as conseqüências [sic] de uma exploração que reduz as condições de vida abaixo da sociabilidade que o processo civilizatório conseguiu até o momento.
82
Um rebaixamento das condições de vida até níveis inferiores aos aceitáveis pode levar ao reaquecimento das lutas de classe a patamares difíceis de governar. Esse receio tem feito com que o Banco Mundial recomende aos governos dos países da América Latina e do Caribe que prestem atenção a cinco áreas políticas críticas. Entre elas, destaca-se 'a melhoria do desenvolvimento social e humano’.
De fato, o modelo neoliberal ortodoxo disseminado até meados dos anos
1990, agravaram as desigualdades sociais em todo o mundo, com destaque para
os países periféricos, e as mudanças de estratégia levadas a cabo pelos neoliberais
da “Terceira via” sinalizam a adoção de medidas sob o discurso da melhoria das
condições de vida da classe subalternizada.
Em fins da última década do século XX, Leher (1999) já destacava a
inquietação dos organismos multilaterais com a relação pobreza-segurança nos
países periféricos. O autor defendeu a tese de que a redefinição dos sistemas
educacionais, no âmbito das reformas estruturais orientadas pelo Banco Mundial,
delineada naquele momento, estava diretamente vinculada ao par governabilidade-
segurança. Para Leher (1999), a educação escolar passa a ser entendida por tais
organismos como peça-chave no combate à pobreza e, em consequência, na
promoção da segurança.
Nos termos de Neves e Pronko (2008, p. 93), a eleição do binômio pobreza-
segurança fora tomada como norteadora da manutenção da paz universal
capitalista, uma diretriz política que permanece até os fins da década de 1990. As
referidas autoras assinalam ainda que
[...] nos anos iniciais deste século [XXI], quando a internacionalização do capital e da educação atinge seu ápice, as diretrizes político-pedagógicas do BM [Banco Mundial] para os países periféricos se constituíram em materialização setorial do ‘novo’ binômio alívio da pobreza-coesão social, evidenciando com isso que, do ponto de vista do capital, determinações técnicas e ético-políticas, de modo inseparável, impulsionam o desenvolvimento das políticas especificamente voltadas para a
formação para o trabalho. (NEVES e PRONKO, 2008, p. 95,
grifos nossos)
As autoras, em consonância com os apontamentos de Leher (1999),
enfatizam que a análise das diretrizes do Banco Mundial deve se dar para além da
dimensão técnico-instrumental da educação, frente aos movimentos do capital. Tais
83
diretrizes necessitam ser inscritas no marco das relações sociais concretas - uma
vez que delas são expressão -, e das possibilidades históricas de efetivação dos
projetos societários em disputa. Com isso, apontam para questões de ordem
político-econômica que determinam as estratégias do capitalismo para se manter
dominante, perpassando o campo mais objetivo de materialização de seus
artifícios, mas também muito fortemente o campo da sociabilidade, ideologicamente
organizada para a reprodução e validação do modelo neoliberal ora proposto, o que
não passa ao largo dos embates políticos e das disputas de interesse que estão
postos nessa sociedade de classes.
Segundo Leher (1999), o binômio pobreza-segurança ganha centralidade
nas preocupações dos organismos multilaterais e passa a conduzir as suas
determinações, notadamente, após a Guerra Fria, a partir de quando se reafirma o
propósito de proteger a estabilidade do mundo ocidental. O autor afirma que “[...] é
neste contexto que a instituição [Banco Mundial] passa a atuar verdadeiramente na
educação: a sua ação torna-se direta e específica” (LEHER, 1999, p. 22) e destaca
que, naquele momento, o direcionamento do Banco se deu no sentido de combater
as possibilidades de adesão ao “comunismo” por países considerados sensíveis a
ele. Diante do que considerava ser um perigo à segurança, voltou-se aos países
periféricos.
A partir daí, o Banco Mundial se impõe como o maior captador de recursos
financeiros no mundo e, com isso, definidor da direção política dos países
periféricos. Torna-se, nos termos de Leher (1999), o Novo Senhor da educação.
É determinada, dessa forma, a intervenção dos bancos, em especial do
Banco Mundial e organizações internacionais nas políticas sociais dos países por
eles denominados em desenvolvimento. A Política de Educação está estabelecida
assim por todos esses elementos, sem deixar de considerar as peculiaridades de
cada Estado nacional.
O receituário neoliberal para Educação originou um processo de
contrarreformas no âmbito da educação formal, como já apontado, com impactos
sobre os diversos níveis que a compõe. Conforme o que preconizam seus
normativos, as reformas educacionais se prestam a formar trabalhadores para a
economia moderna e para o novo mundo do trabalho, modernizar a gestão e, ainda,
melhorar a qualidade, a eficiência e a equidade no que envolve o acesso e a
84
permanência na escola, tal como a inserção dos sujeitos formados no mundo do
trabalho.
As orientações do Banco Mundial são justificadas pela concepção de que é
preciso ampliar a educação e o mercado para que haja desenvolvimento. Isso
porque associa a defasagem de conhecimento à defasagem na capacidade de
produzir conhecimento, seja em termos infraestruturas (condições materiais) seja
de “recursos humanos qualificados”. Desse modo a educação representa um fator-
chave para o desenvolvimento, haja vista que é a base para a valorização do capital
em tempos atuais. (NEVES e PRONKO, 2008)
Lima (2011, p, 88) discute os elementos de continuidade e as novas
expressões nesse processo, evidenciando a abertura do “setor educacional” para
investimentos de grupos privados. Com isso, ressalta que “[...] o elemento de
continuidade é garantido pelo reforço à concepção de educação como instrumento
de preparação da força de trabalho para o mercado e também de dominação
ideológica através da visão burguesa de mundo”, ao passo que o elemento de
novidade é o ascendente empresariamento da educação superior, empreendido
pelo Banco Mundial, ao lado da Organização Mundial do Comércio (OMC).
No que se refere à educação superior, o projeto neoliberal volta-se para a
formação para o trabalho complexo, na perspectiva de adequação da mão de obra
ao mercado em transformação. Paralelamente, se dedica à constituição de um
corpo de profissionais com base nas ideias e no discurso dominante. Tais sujeitos,
em processo de formação, uma vez habilitados ao exercício profissional, são/serão
propagadores desse projeto nos espaços ocupacionais em que se inserirem ou no
contexto social mais amplo, produzindo e reproduzindo os interesses do capital e
da classe que o comanda.
Esse aspecto ideológico reforça a busca de consenso ou de aceitação por
parte das camadas subalternizadas com relação às reformas operadas na periferia
do capitalismo, sob a batuta dos organismos multilaterais, em consonância com os
Estado a partir dos interesses classistas que a compõe. Daí a ativação renovada
da teoria do capital humano, juntamente com as ideias de competitividade e
individualismo, mobilizados também e muito fortemente, nos espaços educacionais
no sentido de orientar a construção de uma nova sociabilidade imposta pelo capital.
Posto isso, vemos todo um projeto de sociedade pensado e fomentado para os
85
interesses dominantes, à medida que se instaura por meio de elementos práticos e
subjetivos nos processos de formação dos sujeitos e nas relações sociais que
vivenciam.
Assim, é por meio da educação que os neoliberais agenciam o
favorecimento da produtividade capitalista (valorização do valor), por um lado, e
incorporam elementos de caráter ideológico sob a égide do consenso e da
reprodução de valores/sociabilidade por meio da formação de intelectuais
orgânicos, por outro (NEVES e PRONKO, 2008).
As reformas no Brasil têm sido construídas com base em acordos e
recomendações internacionais, com vistas às prioridades e estratégias para a
modernização do ensino. Os programas e as ações governamentais são assim
alicerçados em consensos nacionais e compromissos financeiros para o
desenvolvimento (GAJARDO, 1999). São as orientações das agências
internacionais que norteiam e referenciam o desenho assumido pelos diversos
programas, ainda que, noutro polo, as demandas sociais internas avancem no
embate pela democratização do ensino, por uma educação realmente universal e
com qualidade, dentre outras questões concernentes ao direito à educação.
Ao longo da década de 1990, foi promovida pelos organismos multilaterais
uma série de eventos a fim de discutir e firmar acordos, especialmente com os
países da periferia do capitalismo. Exemplos disso foram a Conferência Mundial de
Educação para Todos, em 1990; o Encontro de Nova Delhi, em 1993; a Reunião
de Kingston na Jamaica, em 1996; a Conferência Mundial sobre Ensino Superior,
em 1998, 2009; e a Declaração de Bolonha, 1999.
Além disso, em 1994, o Banco Mundial inicia um conjunto de “publicações-
chave”, como denomina a própria instituição, como forma de difundir e agenciar a
aplicação de seu discurso, além de situar, nos termos de Barreto e Leher (2008, p.
424), “[...] as condicionalidades funcionais aos interesses geopolíticos (dos países
centrais) e econômicos (de suas corporações e financeiras)”, de modo a persuadir
e impor na condição - ilusória - de única alternativa para solucionar os problemas
identificados.
Em 1994, é editado pelo Banco Mundial o documento “Educação superior:
as lições da experiência”. Nele, é feita uma relação direta entre pobreza e educação
superior, cuja apresentação é reduzida ao mero treinamento. Já nesse período,
86
igualmente, apontam para estratégias de disseminação e barateamento do ensino
superior, a educação à distância e os programas de aprendizagem aberta. Desse
modo, destacam-se três pressupostos que conformam essa publicação, a saber: a
promoção de educação superior através de treinamento de baixo custo para os
grupos desprivilegiados; todos os países estariam aptos a competir no mercado
global; a responsabilidade sobre o alcance desse patamar era dos próprios países
(BARRETO e LEHER, 2008).
Ao principiar a década de 2000, outro documento foi publicado pelo Banco
Mundial em conjunto com a Unesco. Por meio deste novo “receituário”, as duas
entidades perseguiam o aprofundamento das orientações postas na publicação
anterior. Não obstante isso, o texto de “Educação superior nos países em
desenvolvimento: perigo e promessa” apresenta elementos que demarcam,
sobremodo, a compreensão das duas instituições acerca da realidade da época.
Assim, ganham destaque a expansão resultante da significativa elevação do
quantitativo de alunos; a ascensão da diferencia entre os tipos de instituição e
empresas envolvidas no processo; o alargamento do acesso ao conhecimento por
meio da revolução tecnológica (BARRETO e LEHER, 2008). Sobre tal documento,
Borges (2010, p. 372) assinala que
A temática referente ao papel da educação superior e da universidade no processo de desenvolvimento econômico e social constitui o foco central do discurso do Banco no documento conjunto Banco Mundial-Unesco. Nessa ‘nova’ visão, a educação superior assume a responsabilidade de formação de competências necessárias ao mercado de trabalho e de produzir conhecimento e socializá-lo. Segundo essa concepção, a educação superior, sobretudo a universidade, constitui o lugar, por excelência, de produção de conhecimento avançado e onde são formados indivíduos altamente capacitados.
Entretanto, na publicação de 2000, o papel proposto para o ensino superior
nos países periféricos não é mais tomado com capacidade suficiente para modificar
a condição de pobreza, em face da nova realidade já referenciada. Assim, há uma
alteração no discurso professado pelo Banco Mundial-Unesco, quando observamos
sua tônica a partir do texto ulteriormente citado. Segundo Barreto e Leher (2008),
as instituições evocam uma lacuna que nem mesmo será minimizada e transferem
87
o foco para o desenvolvimento da capacidade de acessar e assimilar novos
conhecimentos.
Esse mesmo documento propõe um sistema híbrido de educação superior,
na perspectiva de comportar, no mesmo sistema educacional, instituições com
objetivos diferenciados, conciliando excelência e educação de massas. Este
aspecto é analisado por Borges (2010, 372), nos seguintes termos:
Nesse sistema, as universidades são consideradas instituições que têm como foco central a investigação, ocupando o topo da pirâmide educacional e com o objetivo de alcançar a excelência em matéria de pesquisa. As instituições de educação superior não universitárias vinculam-se mais às necessidades do mundo do trabalho, onde existe uma demanda pela formação de determinadas competências.
Assim, nas orientações do Banco Mundial-Unesco vislumbra-se a
flexibilização institucional no seio do sistema de educação superior no conjunto de
países da periferia do capitalismo, sob um viés que aponta para a limitação de uma
formação profissional qualificada, à medida que abre espaço para proliferação de
ofertantes sob o signo de instituições não universitárias. Estas se desobrigam de
manter o tripé ensino, pesquisa e extensão, podendo centrar-se unicamente no
ensino, sobretudo, aquele constituído para atender as demandas do mercado por
mão de obra.
Os interesses do mercado são também satisfeitos pela via da privatização
do ensino, a qual se instaura por meio da pulverização de instituições (e das
modalidades de ensino), dadas as facilidades que os empresários encontram em
ofertar educação superior, uma vez que os requisitos são menos restritos e
propõem-se maiores incentivos e retornos econômicos. As medidas privatizantes
alcançam, todavia, também as universidades, que, apesar da maior autonomia de
que gozam, são impelidas a cobranças de taxas, à oferta de cursos pagos e ainda
a "associações" com empresas (Parceria Público-Privado), que subsidiem,
principalmente, projetos de pesquisa, tornando-se passíveis de suas interferências
diretas (LIMA, 2011).
É o que Neves e Pronko (2008, p. 103) classificam como dois tipos
articulados de privatização da educação superior. De um lado “a privatização pelo
empresariamento desse nível de ensino, por meio da criação da nova burguesia de
88
serviços educacionais”. De outro lado, “a privatização da educação pública, por
intermédio do financiamento empresarial dos projetos educacionais e pela
disseminação do seu modo de ser no desenvolvimento de suas atividades
curriculares”.
Ganha relevo, pois, a interação entre a universidade e a indústria, numa
relação em que é atribuída a tarefa de realizar, fundamentalmente, pesquisa com
base em investigação aplicada àquela e à esta última a responsabilidade por parte
do financiamento. Assim, a parceria com o setor produtivo reduz a participação do
Estado no financiamento da educação superior. Ao estabelecer este tipo de
relação, amplia-se cada vez mais a participação do setor privado nesse segmento
educacional, sendo que os investimentos resultam em benefícios para o setor
produtivo que, em contrapartida, passar a dispor do direito ao exercício de poder
sobre os processos decisórios e resultados das pesquisas.
Nesse sentido, o setor produtivo “[...] passa a pressionar a universidade por
mais produtividade [e esta] [...] passa a ser entendida como a capacidade de
inovação, possibilitada por processos de investigação orientados para as
necessidades de competitividade do setor produtivo.” (BORGES, 2010, p. 373).
Uma iniciativa, portanto, que não retira a natureza pública e aparente da
universidade, mas privatiza “por dentro”, reformulando sua autonomia e reduzindo
seu papel e sua função social (BORGES, 2010).
No documento intitulado “Construindo sociedades do conhecimento: novos
desafios para a educação terciária”, editado em 2002, o Banco Mundial apresenta
muito claramente a questão da mercantilização do ensino superior. A elaboração,
como posto no próprio título, apresenta de forma clara um conceito que já estava
presente nas formulações anteriores, o de educação superior terciária, e explicita a
ação do mercado sobre essa estrutura educacional e a ‘emergência de um mercado
global para o capital humano avançado’ (em seus próprios termos).
Com isso, tem-se a responsabilização dos países ditos em desenvolvimento
em operar a reforma prescrita, agora evocada como um desafio, diante do contexto
da economia mundial, sem perder de vista sua imbricação com o conhecimento e
lugar que assume na sociabilidade atual, e ainda a centralidade da liberalização do
comércio e dos serviços. O documento aponta, ademais, para a existência de um
mercado internacional de educação terciária, mediante a formação do que
89
denomina ambiente educacional sem fronteiras, e para um quadro de verdadeira
competição entre universidades privadas (BARRETO e LEHER, 2008).
Segundo Lima (2011), o deslocamento da concepção de ‘ensino superior’
para o de ‘educação terciária’, assenta-se no discurso de que vivenciamos a
chamada sociedade do conhecimento, cuja produção e difusão são base para o
bom desenvolvimento da economia mundial. Em face disso, o Banco Mundial
preceitua o aprofundamento da diversificação das instituições de ensino superior,
agora com nova racionalidade, haja vista que o nível terciário passa a abranger
toda sorte de cursos “pós-médio”, além das certificações e aproveitamentos que
podem ser fornecidos pelas diversas organizações ofertantes desse nível de
ensino.
A quarta publicação do Banco Mundial data de 2003 e leva o título de
“Educação permanente na economia global do conhecimento: desafios para os
países em desenvolvimento”. Nesse documento evidencia-se, sobremaneira, a
dimensão do acesso e expansão das oportunidades e aprendizagem. Outrossim,
são apontadas novas emergências para aquele contexto, entre as quais são
destacadas como palavra-chave da nova formulação, os ‘novos instrumentos para
a competência intercultural’ (BARRETO e LEHER, 2008). Sobre o assunto, Barreto
e Leher (2008, p. 427) destacam que
Competência, como noção ou princípio de organização curricular, não constitui novidade. Entretanto, ao ser recontextualizada na conexão dos discursos da ‘globalização’ e da ‘economia do conhecimento’, adquire feições diferenciadas: alia à suposta revolução tecnológica os novos imperativos econômicos [...]
Para os autores referenciados, a revolução tecnológica apregoada pelos
organismos multilaterais encontra seus fundamentos, não nas relações sociais
concretas, mas na tessitura do mercado, sob o signo de “forças do mercado”, isto
é, abstraído de qualquer agente identificável, de modo a esconder e legitimar suas
intervenções e fazer imperar mudanças passivas por parte dos Estados nacionais.
O discurso difundido valida, ideologicamente, a abordagem técnico-cientifica
das desigualdades entre os países, nele situadas como meras lacunas digitais; o
imperativo de intervenção em assistência aos países periféricos, no sentido de
superar tal lacuna; a sustentação do rearranjo geoeconômico em um verdadeiro
90
apartheid tecnológico e educacional. As noções postas são inclusive funcionais ao
“descentramento” da categoria trabalho, haja vista autenticar a insurgência de uma
nova sociedade, dotada de outros elementos centrais (BARRETO e LEHER, 2008).
Ilustrativo dessa compreensão é o que apontam Neves e Pronko (2008, p.
105) quando afirmam que
De acordo com esses organismos, e com parte significativa das teorias que procuram explicar as mudanças atuais em processo nas sociedades contemporâneas, as sociedades do conhecimento substituem as sociedades industriais porque o capital físico vem perdendo importância como fonte de riqueza depois que esta começou a ser impulsionada pelas inovações tecnológicas. A riqueza mundial deixa de estar ‘concentrada nas fábricas, na terra, nas ferramentas e maquinarias’, e o ‘conhecimento, as habilidades e o engenho dos indivíduos’ passam [a] ser decisivos para o desenvolvimento da economia mundial. (grifos nossos)
Fica ainda evidente a importância dada à ciência e à informação no discurso
do capital e de seus representantes. Considerando que, nessa alocução, o
conhecimento assume a centralidade no processo de produção da riqueza, torna-
se um elemento também fetichizado e potencial para o usufruto do capitalista.
Tomando como ponto de partida a análise feita por Neves e Pronko (2008)
ao tratar da publicação do Banco Mundial ainda na década de 1990, importante
recuperar que a privatização e a fragmentação da educação superior fazem parte
do rol de imposições feitas pelos organismos multilaterais aos governos nacionais
para, priorizando a educação (ou adestramento) das massas trabalhadoras, operar
reformas, na perspectiva de reduzir as desigualdades sociais, fruto das reformas
estruturais implementadas e ainda responder às pressões populares por acesso a
uma formação de nível superior.
No Brasil, as reformas educacionais seguiram as mesmas orientações do
neoliberalismo da “Terceira via” - condutores que são das políticas atuais dos
organismos multilaterais. Dessa maneira, as reformas brasileiras têm por finalidade
estratégica contribuir, decisivamente, para um novo projeto de desenvolvimento
nacional capaz de compatibilizar crescimento sustentável com equidade e justiça
social (NEVES e PRONKO, 2008).
91
Tais mudanças para o ensino superior inseriram na agenda da Política de
Educação no Brasil discussões acerca de elementos diversos de sua conformação
no presente. Um novo modelo de gestão (gerencialismo) incorpora o modo de gerir
da administração privada na contemporaneidade, apontando para um Estado
realinhado, cuja ação gira somente em torno do “necessário” – não seria, portanto,
máximo nem mínimo – e cuja organização está pautada em um formato mais
flexível com base em parâmetros de qualidade e eficiência empresariais
(MARTINS, 2012).
Além disso, há a requisição interna e externa por uma intervenção estatal
para assegurar a democratização do ensino, aspecto contraditório quando pensado
a partir da ótica neoliberalizante e mesmo quando percebida em face do que
preconiza o dito neodesenvolvimentismo, cujas diretrizes, embora apontem para o
chamado “novo Estado democrático” e para a ampliação da participação social,
como indica Martins (2012), expressa uma participação limitada, dada meramente
à administração de conflitos/diferenças, visando alcançar a colaboração. A
existência de um novo padrão de formação dos sujeitos, fortemente direcionado
para as necessidades do mercado e da inserção dos sujeitos no circuito do
consumo, bem como da garantia de sua manutenção objetiva constitui elemento
primordial a ser considerado.
Deste modo, os programas e projetos se distinguem e caracterizam por se
situarem no âmbito administrativo-institucional, no financeiro e/ou no pedagógico
(GAJARDO, 1999). Borges (2010), tomando em conta elementos do diagnóstico do
Banco Mundial advoga sobre a “crise da educação superior” e da instituição
universitária no mundo, evidencia que nos países periféricos – incluído aí o Brasil -
a crise se apresenta com maior gravidade, devido a presença de ajustes fiscais e
de mobilização e luta pela ampliação do quantitativo de matrículas. A autora
assinala que o Banco tem “recomendado”, para a educação superior, “[...]
diferenciação institucional; diversificação das fontes de financiamento; redefinição
do papel do Estado e as questões referentes à autonomia e à responsabilidade
institucional e políticas voltadas para a qualidade e equidade”. (p. 369).
No ensino superior brasileiro, tais modificações podem ser claramente
identificadas a partir da gama de leis, decretos e medidas provisórias impetradas,
92
principalmente desde o governo Fernando Henrique Cardoso, adentrando os
governos que o seguiram.
Podem ser citados como marco: a Lei nº 10.861/2004, a qual aprova o
Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes); o Decreto nº
5.205/2004, que regulamenta as parcerias das universidades federais com as
fundações de direito privado; a Lei nº 10.973/2004 ou Lei de Inovação Tecnológica,
referente às parcerias entre universidades públicas e empresas; dentre outros,
inclusive mais recentes como a Medida Provisória nº 520/2010, que autoriza a
criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, vinculada ao MEC, mas
com personalidade jurídica de direito privado (LIMA, 2011).
O Estado brasileiro, portanto, tem papel histórico fundamental na condução
da política de expansão do ensino superior no País, visto ser ele o criador do
arcabouço jurídico a conferir possibilidade de operá-la, autorizando e credenciando
IES privadas, legalizando privatizações internas às instituições públicas e
estimulando o produtivismo e a perspectiva mercantilista de pesquisa e de
produção do conhecimento (LIMA, 2012).
A reforma operada no Brasil, conquanto não faça menção oficialmente às
orientações dos organismos multilaterais, direciona-se no sentido de suas
proposições, dado que o Estado e as elites político-econômicas nacionais partilham
das mesmas concepções e interesses que aqueles (LIMA, 2011). Como Borges
(2010, p. 89) afirma,
Nos marcos do ‘alargamento/intensificação’ da política de diversificação das IES e dos cursos e das fontes de financiamento da educação superior, operada pela concepção de “educação terciária”, defendida e difundida pelo BM, é que será implementada, no Brasil, uma intensa reformulação da educação superior.
Lima (2011, p. 90) agrupa o conjunto de ações desenvolvidas pelo Estado
brasileiro em quatro nucleações, as quais expressam elementos que permeiam a
construção legal e que caracterizam fortemente o processo de reforma da
educação superior no País. Destaca assim “[...] o fortalecimento do
empresariamento da educação superior” – que ocorre pelo aumento do número de
instituições de ensino privadas a ofertar formação de nível superior e pela
privatização que se processa no interior das universidades públicas; a viabilização
93
das “parcerias público-privadas na educação superior”; “a operacionalização dos
contratos de gestão”; “a garantia da coesão social em torno das reformas
estruturais” executadas nos governos FHC e Lula.
Em face do processo de diversificação das instituições de ensino superior
que já se processavam mundialmente à época de seu governo, FHC, ao longo dos
oito anos de mandato, o processo de expansão das universidades públicas foi
retraído, ao mesmo passo em que se estimulava a propagação das instituições
privadas (SAVIANI, 2010). Além disso, este governo fez profundas mudanças no
ordenamento interno das universidades públicas, principalmente as federais,
possibilitando a venda de alguns serviços (cursos pagos), o estabelecimento de
parcerias e empresas privadas; criação de mestrados profissionalizantes em
associação com empresas públicas e privadas, dentre outros. Assim, há evidências
de o governo ter seguido, sobremaneira, a lógica privatizante, inclusive no que
concerne à gestão da educação superior pública (LIMA, 2011).
Essa lógica se mantém no governo Lula, o qual, desde 2003, fomenta,
subsidiando e regulamentando, a reformulação da educação superior. Opera uma
expansão dada pelo estímulo à mercantilização e privatização nesse nível de
ensino, mantendo a lógica do Banco Mundial – diversificação das instituições de
ensino superior, cursos e fontes de financiamento -, ainda que se possa identificar,
quantitativamente, um incremento de instituições de públicas (LIMA, 2011).
Em síntese, Lima (2012) evidencia que a expansão da educação, com
destaque para a educação superior, se dá a partir de três necessidades do capital.
A primeira delas aponta para a subordinação da ciência à lógica mercantil, a incidir,
em países periféricos como o Brasil, em especial, sobre a área de ciência,
tecnologia e inovação e a materializar-se pela venda de “serviços educacionais”
(cursos pagos em instituições públicas, parcerias entre universidades e empresas
privadas) e pelo incentivo à competitividade, ao empreendedorismo e ao
produtivismo acadêmico. A segunda necessidade atendida é a constituição de
novos campos de lucratividade, dada por meio do crescimento quantitativo de IES
privadas, afirmando a educação como negócio lucrativo para a burguesia nacional
e internacional. A terceira demanda do capital, atendida pela expansão da
educação, conforme a autora, consiste na construção de estratégias para o
estabelecimento do consenso em torno do projeto burguês de sociabilidade em
94
tempos atuais, face ao denominado neoliberalismo reformado. A educação terciária
é funcional a esta última requisição do sistema capitalista, uma vez que coaduna
com a nova racionalidade defendida pelos organismos multilaterais para a
educação e difunde a ideia da diversificação – pois qualquer curso pós-médio é
considerado educação terciária – sob a aparência da democratização do acesso à
educação.
Em nossos dias, vivenciamos a terceira fase de expansão34 do ensino
superior no Brasil, a congregar um conjunto de ações que, para Lima (2012), podem
ser identificadas por meio de dois grandes eixos, quais sejam: o empresariamento
da educação – dimensão que inclui a privatização e a mercantilização da educação
superior – e a certificação em larga escala - identificada por ações como o ensino
na modalidade à distância e as propostas de reestruturação das universidades, a
resultar na intensificação do trabalho docente, na massificação da formação
profissional desacompanhada de uma dimensão qualitativa, além da
reconfiguração do papel das universidades públicas.
Cabral Neto e Castro (2014) apontam que a expansão do ensino superior do
país ocorreu mediante três vias, quais sejam: a via da privatização, a via da
expansão do ensino superior público pela racionalização dos recursos e a via da
educação à distância.
Pela via da privatização foram criados o Fundo de Financiamento Estudantil
(FIES)35 e o Programa Universidade para Todos (ProUni)36, cuja acepção propõe a
democratização do acesso ao ensino superior com a intervenção do Estado em sua
garantia. Ambos resultam na ampliação do número de vagas e diversificação de
34 Lima (2012) delineia uma primeira fase da expansão do ensino superior no Brasil, ocorrida ainda na ditadura militar e marcada pela formação de letrados para aptidões gerais e pela perspectiva de controle de professores e estudantes que lutavam contra o padrão dependente de desenvolvimento e de educação. A segunda fase, ocorre no período do governo FHC, sendo caracterizada pelo empresariamento da educação superior e consequente crescimento do número de IES privadas e privatização por dentro das públicas, em consonância com o projeto neoliberal. Segundo a autora, a partir do governo Lula, a expansão do ensino superior alcança uma nova fase, a terceira, embora ainda parte do programa de contrarreforma do Estado brasileiro. 35 Instituído pela lei Lei nº 10.260/2001, está destinado à concessão de financiamento de cursos superiores não gratuitos a estudantes matriculados em instituições de ensino superior não gratuitas e desde que haja avaliação positiva do curso. A Lei nº 12.513/2011 ampliou a abrangência, passando o FIES a atender também os estudantes da educação profissional e tecnológica e os discentes vinculados aos programas de mestrado e doutorados com avaliação positiva, desde que haja disponibilidade de recurso. Por ser financiamento, o estudante precisa fazer o pagamento do valor e dos juros cobrados pelo empréstimo. 36 Criado pela Lei nº 11.096/2005, concede bolsas de estudo integrais e parciais em instituições privadas de educação superior a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior.
95
cursos na rede privada de ensino, mas são acompanhadas de algumas
problemáticas importantes de serem pontuadas. Isso porque implicam na
transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, no endividamento dos
sujeitos, na maior parte das vezes, em limitadas condições de permanência –, e no
fortalecimento da lógica empresarial – e mercantilização do ensino.
Pela via da expansão do ensino superior público, por meio da racionalização
dos recursos, o principal representante é o Programa de Apoio a Planos de
Estruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), o qual propõe a
ampliação do acesso e da permanência na educação superior, aproveitando a
estrutura física e de recursos humanos já existentes nas universidades federais.
Para tanto, submete as instituições, autarquias, a uma gestão pública mediada pela
lógica gerencial de administração por resultados; condiciona o recebimento de
recursos à adesão ao Programa por meio de um plano de reestruturação, em que
conste, inclusive, o estabelecimento de metas; e submete as instituições a
avaliações contínuas para análise de resultados e metas, o que é feito, grosso
modo, sob a lógica gerencial.
Quanto à via da educação à distância, temos inicialmente37 no Brasil, um
quadro de desregulamentação, instado pela inexistência de balizadores normativos
em função de se tratar de uma nova ferramenta educacional não pensada quando
da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)38, por exemplo.
Temos, ainda, nesse âmbito uma forte inserção da iniciativa privada, apesar de
haver um movimento também do setor público, de fazer uso da educação à
distância para empreender a interiorização do ensino superior, algo não
proporcionado de forma maciça pelo REUNI.
No entanto, há grande preocupação com relação ao modo como a formação
ocorre na modalidade à distância, sendo a manutenção da qualidade um dos
desafios, em razão da efemeridade característica de alguns cursos. São cursos que
apresentam uma formação simplificada e/ou aligeirada e/ou com pouca vivência
acadêmica. Cursos pautados na quase ausência do tripé ensino, pesquisa e
37 A partir de 2005 alguns decretos foram regulando a educação à distância no Brasil (Decreto nº 5.622/2005, Decreto nº 5.773/2006, Decreto nº 6.303/2007). 38 Lei nº 9.394/1996.
96
extensão e fortemente cooptados pela lógica empresarial em que se observa, em
boa medida, a mera mercantilização do ensino superior.
Assim, especialmente nas primeiras décadas do século XXI, o governo
brasileiro optou pela expansão do ensino superior substancialmente através da
diversificação, isto é, pela criação de novos cursos em novas áreas de formação
contemporâneas e, principalmente, por meio da oferta de cursos a partir de
instituições não universitárias e incremento do sistema de educação terciária. Em
termos absolutos, na atualidade o número de instituições não universitárias supera
o quantitativo de universitárias. Em 2014, o Censo da Educação Superior (BRASIL,
MEC/INEP, 2015) registrou 195 universidades em todo o Brasil e 2.173 instituições
não universitárias. Em termos percentuais, significa que apenas 8% IES eram
universidades.
No ano em que o Banco Mundial materializou pela primeira vez o seu
discurso, publicando o primeiro documento contendo recomendações para a
educação superior nos países periféricos, qual seja, 1994, o número de
universidades era de 127 e o de instituições não universitárias era de 724. Desde
então ocorre uma progressiva evolução quantitativa de IES no Brasil, a qual pode
ser visualizada no gráfico a seguir.
Gráfico1 - Evolução do número de IES universitárias e não universitárias no Brasil – 1994-2014
Fonte: Brasil. MEC/INEP. Elaborado pela autora
0
500
1000
1500
2000
2500
IES Universitárias IES NãoUniversitárias
1994
2004
2014
97
Dentre as 2.173 IES não universitárias contabilizadas em 2014, a maior
parcela era formada por faculdades, sendo 1.986 em todo o Brasil. Das faculdades,
1.315 possuíam localização no interior do País e 671 nas capitais. Além disso,
aproximadamente 93% do total de faculdades eram privadas e, destas, quase 65%
estavam fixadas no interior. Tais dados revelam que a expansão com interiorização,
tem sido empreendida a partir da absorção pelo empresariado de mais essa fatia
de mercado, passando a ofertar formação de nível superior privada a localidades,
muitas vezes, não atendidas pelas instituições públicas.
Segundo os dados, em 2014, havia 298 unidades das IES caracterizadas
administrativamente como públicas. De outro lado, 2.070 eram unidades privadas,
o equivalente a 87,4% do total. As IES privadas são assim preponderantes,
conformando 92,5% dos Centros Universitários e 93,2% das faculdades.
Destacamos ainda que dos 12,6% de IES públicas, 4,5% são federais, sendo quase
3/5 delas universidades e 37,4% são Institutos Federais e CEFET.
Gráfico2 – Evolução, em números absolutos, de IES por categoria administrativa no Brasil – 1994-2014
Fonte: Brasil. MEC/INEP. Elaborado pela autora
0
500
1000
1500
2000
2500
IES Públicas IES Privadas
1994
2004
2014
98
Como visto, o ensino superior tem sua expansão vertiginosamente
assinalada pela via da privatização, ficando evidente a mercadorização da
educação superior, vendida pelo sistema do capital na forma de serviços. É
indubitável a ampla expansão da iniciativa privada ante a expansão fomentada no
setor público, o que não significa, no entanto, que haja retração do Estado na oferta
de vagas na educação superior. Além das iniciativas realizadas a partir de IES
públicas, é relevante considerar que muitas das vagas disponibilizadas pelas IES
particulares são ocupadas mediante o despendimento de recursos públicos, por
meio de programas governamentais como o FIES e o PROUNI. Portanto, pode-se
denotar a existência de mais vagas movidas/criadas pela administração pública do
que a soma apresentada pelo Censo. Referimo-nos, assim, ao maciço investimento
de recursos públicos na iniciativa privada nos últimos anos, cuja aplicação deixa de
ser investida para assegurar a abertura permanente de vagas no setor público ou
mesmo para melhorar sua qualidade.
O mercado formado em torno da educação superior pública no Brasil tornou-
se, como afirma Leher (2015), um grande negócio. Segundo ele, há uma articulação
(e fusão) de grandes grupos econômicos de áreas distintas – bancos, empreiteiras,
setores do agronegócio e da mineração, meios de comunicação – a investir em
negócios na educação. A mercantilização em curso no tempo histórico atual é
processada por organizações de natureza financeira, em especial os chamados
fundos de investimento. É a financeirização da educação, a desvirtuar seu propósito
ampliado, invertendo valores, de modo que o primordial deixa de ser a educação
em si e a formação dos sujeitos, passando a ser a busca por lucros elevadíssimos.
Leher (2015) ratifica ainda um de nossos apontamentos anteriores. Para ele
é através dessa articulação entre grandes grupos econômicos que as classes
dominantes se organizam e definem um projeto e concepções claras de formação
a seu contento. Com isso, convertem jovens em capital humano, isto é, educam as
juventudes para o dito novo espírito do capitalismo, sem muitas possibilidades de
vislumbrar outro modo de vida que não aquele em que serão apenas força de
trabalho, um mero fator de produção.
Não obstante isso, temos no número de vagas a evidência da expansão do
ensino superior brasileiro. Conforme o INEP, em 2014, nos 32.878 cursos
existentes em toda a rede (entre bacharelados, licenciaturas, tecnólogos e outros),
99
foram registradas 7.828.013 matrículas. O País contabilizou um incremento da
ordem de 61.669.079 matrículas desde 1994 e de 36.642.80 matrículas desde
2004.
Gráfico 3 - Evolução do número de matrículas no ensino superior no Brasil – 1994-2014
Fonte: Brasil. MEC/INEP. Elaborado pela autora
O Brasil registrou o maior percentual de matrículas em IES privadas dos
últimos tempos, segundo o INEP, um percentual de 74,9%. Mas, além da via da
privatização, a expansão da educação superior também está sendo promovida
através da Educação à Distância. A presença das novas tecnologias na produção,
assim como o progresso tecnológico, rearranja a sociabilidade capitalista,
adentrando o cotidiano de vida das pessoas e os processos de ensino-
aprendizagem em tempos atuais. Assim, a formação de nível superior impulsionada
no País é fortemente perpassada e, por vezes, determinada pelos novos padrões
tecnológicos. Os organismos multilaterais e o Ministério da Educação (MEC), no
Brasil, respaldam e disseminam as Tecnologias da Informação e Comunicação
(TIC) como instrumentos potencializadores do acesso à formação e nível superior
(universalizando e conferindo equidade). O fazem sob a anunciada ideia
apologética de tornar mais abrangente a formação dos sujeitos e de melhorar a
qualidade do ensino.
Os dados revelam a abrangência dessa modalidade na educação superior.
Em 2014, mais da metade das matrículas realizadas em cursos de graduação
0
1000000
2000000
3000000
4000000
5000000
6000000
7000000
8000000
9000000
1994 2004 2014
Matrículas
100
presencial (2.633.527 matrículas) foram em cursos de graduação à distância,
1.341.842 matrículas. No mesmo ano, 10% dos cursos eram ofertados na
modalidade EAD, em que pese a diferença do percentual referente à modalidade
presencial, essa é uma parcela significativa quando consideramos sua implantação
relativamente recente no País. Ademais, consoante o INEP, o número de alunos
nessa modalidade tem crescido continuamente, de modo que de 2013 para 2014
houve acréscimo de 16,3%, sendo que as matrículas nos cursos EAD são
predominantes na rede privada.
Destacamos assim, que:
Ao longo do governo Lula se por um lado se retomou certo nível de investimento nas universidades federais promovendo a expansão de vagas, a criação de novas instituições e a abertura de novos campi no âmbito do Programa ‘REUNI’, por outro lado deu-se continuidade ao estímulo à iniciativa privada que acelerou o processo de expansão de vagas e de instituições recebendo alento adicional com o programa ‘Universidade para todos’, o PROUNI, um programa destinado à compra de vagas em instituições superiores privadas [...] (SAVIANI, 2010, p. 14).
A expansão da educação superior no Brasil tem sido, desta forma, operada
com base em uma democratização enviesada. Ao ampliar o quantitativo de vagas,
oportunizando o ingresso de um maior número de pessoas, favorece o mercado
com a injeção de recursos públicos, isenção de impostos, legalização de modelos
de formação desqualificados, formação de profissionais conforme os requisitos do
capital. O Estado brasileiro, que segue as orientações internacionais – desde o
governo FHC, mas principalmente com os governos Lula e Dilma –, formula um
sistema complexo e contraditório de expansão do ensino superior. Posiciona-se de
forma alinhada a toda a lógica de mercado (privatização), mas também investe nas
instituições públicas e responde às demandas sociais por formação profissional.
Investe na preparação de uma mão de obra apta – nos moldes neoliberais – para
o trabalho e para positivar o País na sua participação competitiva no cenário
internacional de mundialização do capital.
A ideia de competitividade entre os Estados nacionais, porque relativa aos
mercados, é também incorporada pelas propostas de formação de trabalhadores.
Assim, são formulados novos padrões de competência profissional, e, é importante
101
enfatizar, não apenas em razão da valorização do desenvolvimento tecnológico em
termos econômicos, mas também como forma de substituir a ideia da qualificação
profissional – associada a uma formação escolarizada e promotora de uma carreira
solidamente construída – pelas concepções de competência e empregabilidade –
descoladas das instituições formais e de experiências adquiridas no processo de
formação e voltada à consideração de aspectos pessoais e subjetivos.
O discurso da competência e da empregabilidade alardeado como condição
sine qua non e mesmo como único determinante para a inserção no mundo do
trabalho, na realidade, é ilusório e utilizado como forma de adequar a força de
trabalho às exigências de mercado e de, estabelecendo o individualismo e a
competitividade entre os sujeitos, enfraquecer sua articulação contra os ditames
desse mesmo mercado. Ademais, constituem justificativas que camuflam mais uma
das contradições do próprio sistema capitalista, especialmente em seu momento
maduro, que é ter no trabalho sua única fonte de geração de valor, sendo este
central para o seu desenvolvimento, e, ao mesmo tempo, promover o crescimento
de exército de reserva de trabalhadores, seja pela substituição do homem pela
máquina (elevação do capital constante) ou pelas adequações administrativo-
gerenciais implementadas.
Os mesmos avanços tecnológicos que hoje têm aberto espaços e novas
áreas de formação profissional, juntamente com as transformações organizacionais
e transformações da estrutura do mercado de trabalho, têm possibilitado e
acentuado a conjugação de uma população marginalizada ou sobrante/excluída do
mercado de trabalho.
A empregabilidade deve ser compreendida, assim, como uma simples
expectativa de inserção nesse mercado de trabalho, haja vista a impossibilidade de
o capitalismo satisfazer plenamente as demandas da população por emprego. Não
há no mercado condições para atender toda a população, ainda que qualificada,
empregável e dotada das mais subjetivas competências propagandeadas pelo
capital.
Ainda assim, a lógica de formação vai sendo impregnada pelo discurso
neoliberal e fomentando a competitividade, o desenvolvimento de competências
subjetivas, o individualismo, o produtivismo, a meritocracia, dentre tantos outros
elementos que retiram do âmbito do direito social o acesso ao emprego e ao
102
trabalho e transferem para o próprio indivíduo o sucesso ou fracasso em se inserir
socialmente.
Em se tratando de ensino superior, do qual devem resultar profissionais bem
qualificados e competentes – não sob a perspectiva neoliberal – e, considerando a
expansão ocorrida nas últimas décadas, os impactos de toda essa conformação do
mercado e do Estado para atendê-lo, promove uma verdadeira inclusão
marginalizada de muitos sujeitos – parte significativa do precariado – que não
conseguem acessar o mercado de trabalho ou, quando conseguem, se inserem de
maneira precarizada.
Forma-se e incentiva-se a formação de um enorme contingente de
indivíduos que serão submetidos à desregulamentação ou a uma nova
regulamentação do trabalho que o flexibiliza cada vez mais. São, em sua maioria,
jovens conduzidos pela promessa de acessarem o mundo do trabalho por seus
méritos individuais e pela construção de um percurso acadêmico que lhes garanta
estabilidade e amplie as possibilidades de melhorar suas condições de vida.
Inclusive porque um dos elementos que dão forma à nova morfologia do trabalho
na contemporaneidade diz respeito ao que Alves (2012) aponta como “a vigência
do espírito do toyotismo”, dada pela presença de novos métodos de gestão e
organização da produção, mediante os quais a classe-que-vive-do-trabalho passa
a estar imersa em um ambiente ideológico esvaziado do discurso das lutas de
classe e, ao mesmo tempo, preenchido por valores, sonhos, expectativas e
aspirações que motivam as juventudes39, ainda assim, ao trabalho flexível.
O ingresso das juventudes no mundo do trabalho tem ocorrido, pois, com o
seu consentimento ativo. Isso porque o modelo flexível ante o precariado age na
“captura” da sua subjetividade, levando as escolhas dessa parcela do proletariado
ao limite do medo da exclusão, do desemprego (ALVES, 2012, ALMADA, 2012).
O trabalhador precisa das condições objetivas de subsistência e, mesmo
ciente do processo de intensificação da exploração a que é submetido, é impelido
à inserção no precário mundo do trabalho. Cardoso (2012), ao analisar a inserção
das juventudes no contexto da dinâmica do mercado de trabalho brasileiro, cita,
39 Utilizaremos ao longo do texto o termo “juventudes”, assim no plural, para nos reportar à parcela
jovem da população. Fazemos essa opção por compreender que a expressão posta no singular, “juventude”, é restritiva e não permite indicar toda a complexidade e heterogeneidade que envolve os sujeitos que a compõem.
103
dentre as questões que levanta, um aspecto essencial: apesar de estarmos
vivenciando um crescimento do mercado formal, tal processo é insuficiente para
absorver as novas gerações de trabalhadores. Some-se a isso o fato de que mesmo
os empregos formais estão construídos sobre bases flexibilizadas, com novas
formas de contratação, remuneração salarial e jornada de trabalho, o que os torna
cada vez mais vulneráveis aos interesses do mercado (ALVES, 2012).
Em face disso, as juventudes intercalam períodos de relações formais de
trabalho com períodos de relações informais e desemprego. Seu ingresso no
mercado de trabalho, costumeiramente, se dá via ocupações informais, nas quais
tendem a permanecer até que sejam considerados “aptos” a assumir uma
ocupação formal (CARDOSO, 2012).
A realidade atual aponta para a elevação das exigências por competências
laborais e para a ampliação da expectativa de vida dos sujeitos, o que, no contexto
da economia do conhecimento, significa mudanças nas concepções de formação
educacional/profissional, a qual passa a se dar ao longo de toda a vida dos sujeitos.
Sendo o conhecimento requisito necessário para que os jovens adentrem e se
mantenham no mercado de trabalho e considerando que o nível de qualificação
para tanto se elevou significativamente na sociedade pós-industrial, a lógica posta
para as juventudes tem sido a de postergar sua inserção laboral, priorizando a
conclusão do ensino superior (POCHMANN, 2013). Todavia, ao fazê-lo,
apresentam-se para o trabalho sem ou com pouca experiência da prática
profissional, algo que, paradoxalmente, lhes é exigido, sendo esse mais um
elemento do discurso do mercado usado para submeter as juventudes ao trabalho
precário e flexível (SANTOS, 2013).
As ideias de Alves (2014b) aproximam-se das ideias de Pochmann (2013),
ao apontar que, no Brasil contemporâneo, o padrão político-econômico
desenvolvimentista gera inflexões a contribuírem para a conformação do
precariado nacional. São três os vetores indicados pelo autor em referência como
os principais elementos potencializadores desse processo, a saber, o adiamento
da entrada dos jovens no mercado de trabalho; o desemprego no início das
trajetórias de vida; e o consequente aumento da competição pelas posições de
mercado.
104
Tomando o contexto brasileiro, há que fazer referência também à dívida
histórica do Estado para com essa parcela da população, não reconhecida em suas
especificidades, ao longo do tempo, especialmente nas décadas de estagnação
econômica do País. Na história do Brasil, as juventudes ignoradas como tal
vivenciaram uma realidade econômica de baixa qualificação profissional e,
ademais, tiveram suas problemáticas e demandas negligenciadas pelas políticas
públicas do Estado. Esse acúmulo histórico só agrava para as juventudes os
impactos das mudanças ocorridas no mundo trabalho nos últimos vinte anos,
afetando-os de modo mais intenso quanto às oportunidades de renda e de trabalho.
(CARDOSO, 2012; SANTOS, 2013)
Não obstante, o discurso de que “vence o melhor” no mercado de trabalho
permanece impulsionando os indivíduos ao ajustamento e, logo, à busca por uma
formação profissional que assegure a venda da sua força de trabalho. Isso tem se
dado, principalmente, por meio de cursos de graduação e pós-graduação que
resultam no crescimento quantitativo de indivíduos altamente qualificados, mas
com poucas perspectivas de inserção laborativas ou com perspectiva de inserção
precária. Essa é, portanto, uma via de emergência, adensamento e expansão do
precariado, a exigir que as políticas públicas para as juventudes sejam repensadas,
conforme aponta Pochmann (2013).
Assim, a expansão do ensino superior, sobretudo no Brasil, tem sido
marcada pelo processo de privatização e diversificação40, elementos que
propiciaram a celeridade do crescimento de instituições, a expansão de vagas e de
profissionais diplomados rumo ao mercado de trabalho. No Brasil, como visto, a
privatização tem se dado com o mote da recuperação da iniciativa privada que
mostrava até 2005 sinais de queda, havendo um elevado número de vagas ociosas.
Estratégias como o ProUni e FIES foram implementadas para impedir o fechamento
de instituições privadas de ensino superior, o que teria sérios impactos no mercado
e significaria o desemprego para muitos.
40 Cabral Neto e Castro (2014) apontam que a expansão do ensino superior no Brasil se deu por três vias: a da privatização, a da expansão do ensino superior público pela racionalização dos recursos e a da educação à distância. Mas as análises apontam ser marcantes nesse processo a privatização da oferta e a diversificação das instituições de ensino. (CABRAL NETO E CASTRO, 2014)
105
A diversificação no País ocorre por meio do surgimento de novas áreas do
conhecimento, áreas que até então não estavam postas como demanda de
formação. Além disso, trata-se de uma diversificação que ocorre pela criação e/ou
crescimento de modelos institucionais diferentes, muitos dos quais se distanciam
do padrão universitário. Nesse processo, as universidades perdem prestígio e
passam a ser valorizadas as instituições que atuam somente com o ensino –
desconsiderando o tripé ensino, pesquisa e extensão. Tanto que Lima (2011, p.
92), ao tratar das iniciativas governamentais como o REUNI, evidencia a existência
de outro tripé, a saber,
[...] aligeiramento da formação profissional (cursos de curta duração, ciclos, exame de proficiência, cursos à distância); aprofundamento da intensificação do trabalho docente (relação
professor/aluno, ênfase das atividades acadêmicas no ensino de graduação) e pavimentação do caminho para a transformação das universidades federais em ‘instituições de ensino terciário’,
quebrando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão e decretando [...] o fim da autonomia universitária [...]. (grifos nossos)
O sistema de ensino terciário, conforme referido, abrange uma gama de
instituições universitárias e não universitárias; dentre estas últimas estão os
Institutos Federais, que mesmo antes de passarem à condição de instituto,
mediante as determinações impressas a partir do governo Lula, isto é, quando
ainda operavam como Centros Federais de Educação Tecnológica, foram inseridos
no processo de reformas por possuir traços característicos de interesse do
mercado. São instituições cuja ênfase é a vertente de educação tecnológica e que
mantêm estreita relação com o setor produtivo de diversas áreas (NEVES, 2003).
Segundo Cabral Neto e Castro (2014), em termos dos tipos de organização
acadêmica, houve um crescimento de 111% dos IF em todo o País, entre os anos
de 1996 e 201241, que se coloca então em segundo lugar no ranking de expansão
do ensino superior, por meio da diversificação institucional provida pelo Estado
brasileiro. É sobre essa expansão que trataremos no próximo item dessa
explanação.
41 A análise dos autores é feita com base em dados da publicação “Censo da Educação Superior: sinopse da educação superior 2012” do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP).
106
3 REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA:
CONTRADIÇÕES E PERSPECTIVAS NO PROVIMENTO DE FORÇA DE
TRABALHO NA ÁREA TECNOLÓGICA
Entender a dinâmica contraditória de retração e de ampliação do Estado em
meio à complexa crise do capital e, neste cenário, a expansão do ensino superior
e, mais especificamente, do ensino técnico e tecnológico constitui o desafio maior
desta sessão. O objetivo é a apreensão da inserção do mundo do trabalho dos
jovens egressos de cursos da área tecnológica, em tempos de crescimento do
precariado e de precarização do trabalho.
3.1 Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo em tempos de
crise do capital e de reconfiguração do Estado
As repercussões dos ajustes neoliberais sobre a Política de Educação têm
sido bastante significativas, com especificidades no campo da educação
profissional e tecnológica e da educação superior da rede pública, em geral. Com
efeito, nesses espaços, os ditames do capital assumem a determinação de toda a
lógica de organização das instituições, em termos dos recursos disponibilizados,
do quadro de ofertas de vagas para estudantes, do quadro de profissionais, das
políticas e serviços que devem/podem ser compostos para assegurar o acesso e a
permanência dos discentes, dentre outros.
Do período demarcado pela entrada das políticas neoliberais no País até os
dias atuais, o governo FHC foi o que mais diretamente e mais negativamente
empregou os ajustes neoliberais na educação profissional e tecnológica brasileira.
Objetivando claramente a redução dos gastos públicos e o favorecimento da rede
privada de educação, provocou uma série de mudanças na legislação que regia a
rede pública de ensino profissionalizante. O referido governo fez opção por uma
educação profissional guiada por um tom tecnicista, ao invés da perspectiva de
formação integral dos sujeitos; separou o ensino médio (propedêutico) do ensino
107
técnico42 e passou ao Ministério do Trabalho a responsabilidade sobre os cursos
de formação do trabalhador (SILVA, 2012).
Assim, não atendeu a necessidade de fomento e consolidação de uma
política capaz de garantir o acesso à educação e a elevação da escolaridade dos
brasileiros. Nesse período, o financiamento da Política de Educação – com
destaque aqui para a educação profissional e tecnológica e a educação de nível
superior – esteve sucateada e o País se tornou palco de inúmeras e prolongadas
greves pela educação.
O governo FHC foi responsável ainda pela edição do Decreto nº 9.649, de
27 de maio de 1998, cujo texto proibia, nas entrelinhas, a expansão das escolas
técnicas com recursos unicamente federais, passando a vincular, de forma direta,
a expansão física (criação de unidades) da educação profissional à articulação da
União com estados e municípios ou à iniciativa privada e organizações não-
governamentais. Tem-se, por um lado, uma descentralização enviesada, na
medida em que transfere a responsabilidade administrativa e financeira para as
esferas estadual e municipal, e, por outro, o claro direcionamento à valorização e
incentivo à mercantilização da educação, por meio da sua venda como serviço
ofertado no mercado.
O governo Lula, iniciado em 2003, foi responsável pela revogação do decreto
que separou ensino propedêutico do técnico e pela retomada da elevação da
escolaridade. Contudo, lança programas que ora visam a formação integral e com
qualidade, ora se revestem de uma pretensa inclusão da classe subalternizada no
sistema educacional, em modalidades de ensino consideradas de baixa qualidade
e restritas, a despeito de algumas avaliações positivas do Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec)43. Esse governo, apesar de
responder, mesmo superficialmente, por meio das estratégias pautadas, no ideário
da chamada da “Terceira via” às demandas da classe trabalhadora no âmbito dos
direitos sociais e das políticas sociais – notadamente a Política de Assistência
Social e de Educação de nível técnico e superior –, não superou o modelo
socioeconômico neoliberal; pelo contrário, estreitou seus laços com o grande
42 Conferir decreto Nº 2.208/97. 43 Criado pela Lei 12.513/2011 objetivando a expansão, interiorização e democratização da oferta
de cursos de educação profissional e tecnológica no País. Ver: http://portal.mec.gov.br/pronatec
108
capital internacional e manteve, ainda que menos drasticamente, em algumas
áreas, o desmonte das políticas sociais.
Conforme Frigotto et al (2005, p. 1095), o Decreto Nº 5.154/2004, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional,
[...] dá continuidade à política curricular do governo anterior, marcada pela ênfase no individualismo e na formação por competências voltadas para a empregabilidade. Reforça-se, ainda, o viés adequacionista da educação aos princípios neoliberais. Neste particular, reafirma-se um dos fetiches ou uma das vulgatas, insistentemente afirmada nos oito anos de Governo Fernando Henrique Cardoso, de que no Brasil não havia falta de empregos, mas de “empregáveis”.
Não obstante, este governo lançou um olhar mais atento às potencialidades
das instituições públicas de educação profissional do País; a partir dele, a Rede
Federal de Educação Profissional e Tecnológica foi implementada e ampliada, ou
melhor, expandida em território nacional e interiorizada. Em 2005, publicada a Lei
11.195, o governo Lula lança o primeiro Plano de Expansão da Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica, mediante o que os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia (IF) foram criados, como uma espécie de
atualização dos Centros Federais de Educação Tecnológica.
Figura 1 – Marcos históricos do processo de mudanças na Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica
Fonte: BRASIL, MEC. Elaboração: BRASIL, MEC
109
Sob essa lógica, foi anunciado o processo expansionista dos IF, apontando
para interiorização da educação profissional e tecnológica como forma de
oportunizar formação com qualidade às populações distantes dos grandes centros
urbanos, de acordo com os documentos que definem a expansão (BRASIL, 2007,
2008a).
Nesse âmbito, os incentivos apontam para configuração de uma Rede a ser
difundida por todo o território nacional, com a pretensão de se firmar não apenas
como um grande formador de mão de obra para o mundo do trabalho – em termos
quantitativos e qualitativos –, mas, sobretudo, como um dos agentes promotores
de desenvolvimento econômico e social das diversas regiões do País, por meio da
tríade ensino, pesquisa e extensão.
Essa perspectiva está claramente posta no Decreto nº 6.095 de 2007, que
estabelece as diretrizes para a constituição dos Institutos Federais de Educação,
Ciência e Tecnologia, e na Lei nº 11.892 de 2008, a qual institui a Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica e implanta os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia. Em seu art. 6º, cujo texto trata das finalidades, a
referida lei aponta aspectos como formação profissional com ênfase no
desenvolvimento da economia local, regional e nacional; produção de soluções
técnicas e tecnológicas às demandas sociais; otimização de estrutura física
(infraestrutura e recursos), pela integração dos ensinos básico, profissional e
superior; fortalecimento dos arranjos produtivos sociais e culturais locais;
constituição como centro de excelência na oferta de ensino; estímulo à pesquisa
aplicada, a produção cultural, ao empreendedorismo, ao cooperativismo e ao
desenvolvimento científico e tecnológico; dentre outras.
Em análise, depreendemos que, naquele momento, a proposta do governo
foi emplacar os Institutos Federais (IF) de forma estratégica, política, econômica e
socialmente, alinhando-se, inclusive com suas propostas de crescimento
econômico e “progresso”. Tal perspectiva foi ratificada ao longo dos chamados
governos petistas, com pequenas diferenças, segundo as conjunturas e os ciclos
de ajuste.
Antes de tudo, é preciso apontar o papel estratégico dos IF no provimento
de mão de obra para compor o mercado, com a qualidade exigida e também na
oferta de tecnologia e conhecimento para o desenvolvimento, além da formação de
110
empreendedores capazes de movimentar o mercado, inserindo aqueles tidos,
anteriormente, como excluídos ou marginalizados na sociedade. A isso se associa
o caráter de desenvolvimento social pretendido, respaldado nos diversos
documentos da constituição dos Institutos. À medida que cumprem esse papel,
atuando na formação profissional e na elevação da escolaridade, os IF atendem às
demandas e valorizam as potencialidades das localidades em que se inserem,
conforme preconizado na legislação, visando ainda à redução das desigualdades
sociais.
Aqui, podemos observar a existência concomitante de duas concepções
bem distintas de desenvolvimento. Por um lado, uma concepção comprometida
com o mercado, atendendo a campos demandantes de indivíduos capacitados para
o trabalho, assim como com os meios necessários à manutenção desse mercado,
contribuindo com pesquisas desenvolvidas. Por outro lado, uma concepção
orientada para geração de oportunidades que visem elevar a renda familiar dos
estratos mais pobres da sociedade, pela via de sua preparação e inserção no
mundo do trabalho. Apesar da coexistência dessas duas concepções, percebe-se
que a primeira possui maior prevalência nas ações e programas no âmbito dos
IF (ERBER, 2011). O papel de difusão e reprodução ideológica cumprido não pode
ser minimizado. Tanto é assim que o processo expansionista dos Institutos teve
como elementos essenciais a incorporação massiva do ensino superior e a
valorização de áreas específicas. Conforme Ignácio et al (2012, p. 4229)
[...] Há, claramente, uma orientação político-educacional que busca fazer com que essa expansão se desenvolva na direção de áreas de conhecimento em que a ciência e a tecnologia são componentes determinantes, como na área das engenharias, assim como a área voltada à formação de professores, sobretudo de ciências da natureza e matemática, e para a educação profissional.
Isso se deve, em grande medida, ao fato de que o Estado brasileiro, norteado
pela política desenvolvida, em especial, nos governos Lula e Dilma, atende aos
requisitos e ordenamentos de organizações multilaterais, a fim de manter “boas
relações” exteriores e possibilitar a contração de empréstimos, além de manter
certo dinamismo econômico. Pelo resultado de sua ação, a aceitação e execução
das proposições de tais organizações responde ainda às necessidades do próprio
111
sistema capitalista em âmbito global, além de corresponder aos anseios da classe
trabalhadora. Assim, observam-se dissensos e consensos, sendo muito forte a
busca por parte do conjunto dominante - a classe e os organismos que a
representam - da manutenção do capital.
Especialmente no que concerne à educação superior, introduzidas nos neste
governo, ao longo da década de 1990, uma série de eventos44 internacionais e
acordos tiveram desdobramentos nas décadas seguintes e forte influência sobre as
políticas públicas do Brasil, em particular, sobre o setor da educação superior. As
discussões e acordos firmados tinham como elemento central a “inadequação da
estrutura e funcionamento” da universidade em face do mundo globalizado e em
processo de reestruturação econômica, de modo que passou a constar das
proposições a nova missão e função da universidade para o século XXI. As ideias
e medidas discutidas nestes eventos também repercutiram sobre os Institutos
Federais. Segundo Lima (2013, p. 86),
A leitura desse quadro solicitava aos países signatários esforços para a erradicação da pobreza, da elevação de maior acervo cultural dos países periféricos, das reorientações das políticas educacionais como suporte técnico de organizações multilaterais e da dimensão da justiça social, da universalização e democratização do acesso ao ensino superior, por meio de políticas de inclusão social, dentre outras.
Tratou-se, portanto, de uma agenda internacional com rebatimentos
internos, a partir de que se estruturou a expansão territorial das instituições federais
de ensino para as áreas mais remotas do País, visando, como aponta o Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), de 2007, o “desenvolvimento econômico e
social, fazendo [com que a] educação superior, seja [...] formadora de recursos
humanos altamente qualificados”. Estes deveriam atuar como “peça imprescindível
na produção científico-tecnológica”, constituindo-se em “elemento-chave da
integração e da formação da Nação” (BRASIL, s/a).
Ainda conforme Lima (2013, p.93),
Há que se pensar em investimentos para educação [...], entretanto, existem questões de fundo que precisam ser reelaboradas pela
44 Cf. Capítulo 2.
112
sociedade brasileira e que passam pelo questionamento e a vontade de superação do imperativo capitalista [...] há que se constituir uma dimensão de democracia em que o direito de educação de qualidade desde a infância seja alcançado pela totalidade, ao ponto de que haja dignificação para todos os cidadãos e com isso a própria sociedade seja dignificada.
Esta mudança estrutural, não se dará por meio de concessão, mas sim de
reivindicação política. Não reside aí uma tarefa fácil para a maioria da população
brasileira, sendo este um de seus principais desafios da atualidade (LIMA, 2013).
Assim, a expansão da educação profissional e tecnológica, por si só, não promove
a transformação social, não assegura que interesses da classe trabalhadora sejam
priorizados, se mantidas as perspectivas norteadoras defendidas pelo Estado
brasileiro.
De fato, a expansão da Rede Federal de Educação profissional tem sido
largamente empreendida sob um discurso, que busca lhe consagrar como
instrumento para a eliminação das desigualdades sociais e da democratização das
oportunidades.
Segundo informações constantes no site do Ministério da Educação, foram
concretizadas a construção de mais de 500 unidades, referentes ao Plano de
Expansão Rede Federal de Educação Profissional, entre 2003 e 2016, totalizando
644 campi em funcionamento. Conforme as informações do MEC, 38 Institutos
Federais estão presentes em todos os estados brasileiros, a ofertar cursos
integrados de ensino médio, cursos técnicos e superiores de tecnologia e
licenciatura45.
Não restam dúvidas de que houve uma expansão considerável em termos
de quantidade de unidades abertas e denúmero de matrículas efetivadas. Contudo,
aspectos relacionados à infraestrutura necessária, ao quadro de pessoal
indispensável, ao acréscimo orçamentário para ações de apoio aos discentes e à
promoção ampliada de políticas de assistência estudantil não acompanharam em
igual medida a propagação e complexificação dos Institutos Federais, de maneira
a não atender na totalidade as demandas por eles absorvidas.
45 No momento da revisão, estes dados permaneciam iguais aos apresentados em 2016 pelo MEC. Depreende-se, pois, não ter havido continuidade da expansão até então promovida na Rede, o que se dá como um reflexo das mudanças políticas ocorridas no País, especialmente a partir de meados de 2016, quando efetivado o impeachment de Dilma Rouseff da presidência do Brasil.
113
Ademais, o processo de expansão, não sendo homogêneo, isto é, não se
processando em todos os estados brasileiros da mesma maneira, com as mesmas
características administrativas - dada a autonomia conferida a cada um deles -,
guarda diferenças qualitativas e quantitativas para cada ente da federação, o que
inclui elementos melhores ou piores numa análise comparativa, mas muito
dificilmente encontrando-se as condições ideais.
Gráfico 4 - Expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica - Em
unidades.
Fonte: BRASIL, MEC. Elaboração: BRASIL, MEC
A Rede conta, além dos Institutos Federais, com instituições que não
aderiram a eles, mas que também são ofertantes de educação profissional em
todos os níveis: dois CEFET, 25 escolas vinculadas a Universidades, o Colégio
Pedro II e uma Universidade Tecnológica. Muitos municípios abrigam as
instituições da Rede em todo o País.
114
Gráfico 5 - Quantidade de Municípios atendidos com a expansão da Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica
Fonte: BRASIL, MEC. Elaboração: BRASIL, MEC
O acesso ao ensino técnico e tecnológico foi significativamente favorecido
com o incremento de unidades de IF pelo Brasil, especialmente, se considerado o
processo de interiorização e aproximação com as famílias de menores
rendimentos, cujos filhos não podiam afastar-se de seu convívio social cotidiano e
enfrentar uma série de mudanças, a fim de obter a formação desejada. Ademais,
nesse processo, as regiões mais afastadas de tais centros urbanos não contavam
com essa perspectiva de desenvolvimento local em suas especificidades,
capilarizadas, na interface com instituições de ensino, capazes de desenvolver
ações de pesquisa e extensão.
No entanto, ainda que a expansão pareça positiva para as camadas
subalternas da sociedade e, em grande medida o é, há que se questionar os
interesses postos nesse cenário, uma vez que o plano político da sociedade do
capital, ainda mais em tempos de finaceirização da economia, de neoliberalismo e
de ajuste, é marcado por conflitos e disputas de interesses, sendo estes ou aqueles
atendidos mediante a correlação de forças entre classes.
115
A investigação em torno da expansão real, qualitativa e quantitativa, e não
somente a meramente numérica, nos possibilitou maiores condições de avaliar o
que está para além do aparente. Todavia, a empreitada expansionista da Rede
Federal de Educação Profissional e Tecnológica, inserida em uma realidade
complexa e a todo momento ainda mais complexificada, possui inúmeras
determinações e razões de ser, que merecem análise, para além das metas
internas de elevação da escolaridade e de profissionalização e dos objetivos de
inserção no mercado de trabalho e de obtenção de rendimentos. De fato, esta
expansão tem atendido a requisitos impostos por organismos internacionais,
visando inserir e/ou manter o País no circuito mundial das relações entre os países
ditos desenvolvidos e em desenvolvimento.
Para tanto, faz-se necessário adentrar a lógica do ideário neoliberal de
(re)organização do Estado no Brasil e no mundo, para apreender seus rebatimentos
nas respostas ofertadas ou não à sociedade, como garantia de direitos sociais e,
assim, entender as intencionalidades e contrassensos que marcam a Política de
Educação no País, notadamente, no que se refere à educação profissional e
tecnológica, em especial de nível superior.
O contexto de globalização da economia e de ascensão e valorização do
mercado, inclusive financeiro/rentista, pelas áreas relacionadas ao
desenvolvimento de ciência e tecnologia, bem como, a busca do Estado brasileiro
pelo cumprimento das orientações dos organismos internacionais, são aspectos
que dão o tom e impulsionam o largo investimento nesse campo da Política de
Educação. Some-se a isso, a presença marcante de um governo com
direcionamento neodesenvolvimentista expresso e, portanto, fomentador de
abertura estratégica às demandas sociais, à minimização dos índices de
desemprego, de pobreza e das disparidades inter-regionais.
Enfim, uma conjuntura propícia a investimentos na educação profissional e
tecnológica, favorecendo, na tensão entre as classes, também o alcance dos
interesses da classe trabalhadora, carente de formação profissional em nível
técnico e superior, de forma integral, com ampliação do acesso e políticas de
permanência previstas. Ademais, há a busca da classe subalternizada pela
propalada empregabilidade, com formação supostamente capaz de elevar o valor
116
da força de trabalho e, com isso, o valor da renda das famílias brasileiras em
situação de pobreza, dimensão a exigir problematização.
A ideia de empregabilidade pela via da formação profissional substitui aquela
anunciada na década de 1960, nos países onde se desenvolveu plenamente o
Estado de Bem-Estar Social – com especificidades em cada caso – de que a
qualificação massiva levaria ao pleno emprego. Agora, além da qualificação
profissional, generalizadamente posta, o discurso dominante aponta para a
necessidade de desenvolver competências e habilidades para, então, ingressar no
mundo do trabalho. Todavia, não existe mais o discurso do pleno emprego,
impensável, em tempos de informalização da economia; em seu lugar, instaurou-
se o discurso da competitividade, mediante o qual somente os mais aptos terão as
melhores condições de trabalho ou, ao menos, terão seu emprego garantido,
mesmo que em condições laborais precarizadas.
Assim, conquanto os Institutos Federais se proponham a uma formação
integral para a vida e para o desenvolvimento social dos indivíduos e da
coletividade, conforme consta em seus documentos balizadores, em seu interior
conforma uma série de subjetivações do capital, que favorecem o ajuste da mão de
obra a seus interesses e necessidades. Nesses espaços, há uma grande
preocupação com a formação de uma força de trabalho adequada aos requisitos
capitalistas neoliberais e com o desenvolvimento de tecnologia, não apenas na
perspectiva de contribuir para o desenvolvimento local, mas também para a
manutenção da competitividade do Estado brasileiro frente aos demais.
O próprio Ministério da Educação aponta tais características à medida que
afirma, ao apresentar o histórico da educação profissional no Brasil que “[...] a
Educação Profissional e Tecnológica está sendo convocada não só para atender
às novas configurações do mundo do trabalho, mas, igualmente, a contribuir para
a elevação da escolaridade dos trabalhadores” (BRASIL, 2009, p. 7). O MEC
considera “extremamente favorável” a conjuntura histórica do final da primeira
década deste novo milênio, para a
[...] transformação da Educação Profissional e Tecnológica em importante ator da produção científica e tecnológica nacional, especialmente porque o espaço social das práticas de ensino, pesquisa e inovação desenvolvidas nessa área possui
117
características diferenciadas daquelas desenvolvidas no espaço do mundo acadêmico. (BRASIL, 2009, p. 7)
O caráter diferencial apontado, sobretudo, para o ensino superior, tem
fundamentação nas possibilidades de vínculos entre educação, território e
desenvolvimento, articulação proposta pela própria lei que institui a Rede Federal
de Educação Profissional e Tecnológica. A finalidade é gerar, pela expansão
territorial e, mediante ações de pesquisa e extensão – aliadas ao ensino –,
condições favoráveis ao progresso das diversas localidades em que os campi
estejam instalados, mas também preparar a força de trabalho local para contribuir
com desenvolvimento das regiões do interior do Brasil.
Sob esta última perspectiva, há uma expectativa de que a mão de obra aí
formada seja absolvida pelo mercado local. Tanto que os cursos criados nos IF
passam antes por um processo de consulta popular e precisam ter relação direta
com a economia local. Importante ressaltar que, desde a década de 1990, no
contexto da reestruturação produtiva, em curso no Brasil, há uma grande
movimentação de empresas que se deslocam das regiões Sul e Sudeste, em
especial, para o Nordeste, em busca de redução dos custos de produção. Neste
sentido, mão de obra mais barata e com formação, menores níveis de
conscientização e de organização política, além de vantagens fiscais figuraram
como moeda de troca utilizada por governantes locais para a atração destas
empresas para seus territórios. Em alguma medida, este processo ainda continua,
em menor intensidade.
3.2 A Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica expande-se no Rio
Grande do Norte e na Grande Natal
A instituição hoje denominada Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Norte segue o mesmo processo de mudanças
organizacionais promovidas nos demais Institutos Federais de todo o Brasil.
Importante destacar que sua adequação às configurações de nível nacional esteve
118
também sujeita as determinações locais e internas, não observando o mesmo ritmo
e as mesmas temporalidades previstas pelo MEC.
A escola foi fundada em 23 de dezembro de 1909, quando, por um decreto,
o Presidente Nilo Peçanha, foram criadas dezenove (19) Escolas de Aprendizes
Artífices no País. No entanto, somente em 1910, a escola do município de Natal foi
instalada, oferecendo curso primário de desenho e oficinas de trabalhos manuais.
A partir de então, ao longo de sua trajetória, várias mudanças foram operadas46.
Mais, tarde, nos anos 1990, mais precisamente em 1994, a organização
começou o chamado processo de “cefetização”47 e, em 1999, transforma-se em
Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (CEFET-RN).
Com a mudança, a escola passa a ofertar educação profissional nos níveis básico,
técnico e tecnológico, além do ensino médio. A oferta de ensino de 3º grau tem
início com cursos de graduação tecnológica, sendo, posteriormente, ampliada com
a abertura de vagas também em cursos de formação de professores
(licenciaturas)48.
A instituição passa, assim, a ser ofertante de um nível de formação
inexistente em sua cartela de cursos, o nível superior, e, consequentemente, torna-
se difusora de um novo patamar de formação para o trabalho complexo no ramo
tecnológico da educação escolar. Afigura, já naquele momento, o direcionamento
a ser dado à formação profissional e ao próprio trabalho complexo (NEVES e
PRONKO, 2008). Ainda em 1994, a organização pôde experimentar a
interiorização, ao inaugurar a Unidade de Ensino Descentralizada de Mossoró.
46 A Lei nº 378, de 13 de janeiro de 1937, do então Ministério da Educação e Saúde, promoveu a mudança de denominação para Liceu Industrial de Natal. Novas mudanças de nomenclatura ocorrem em 1942, quando passou a ser denominada Escola Industrial de Natal; em 1965, quando foi nomeado por Escola Industrial Federal, já atuava há cerca de três anos com a oferta de cursos técnicos e de nível médio; em 1968, quando foi denominada Escola Técnica Federal do Rio Grande do Norte (ETFRN) e são extintos os cursos industriais básicos. 47 Em 08 de dezembro de 1994, pela promulgação da Lei nº 8.948, o então presidente Fernando
Henrique Cardoso instituiu o Sistema Nacional de Educação Tecnológica, composto pelas instituições de educação tecnológica. Nesse momento, as Escolas de Técnicas Federais foram transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica. Tal mudança foi regulamentada três anos depois através do Decreto nº 2.406/97. (NEVES e PRONKO, 2008) 48 A oferta de licenciaturas está posta desde o documento de criação do Institutos Federais, Lei nº 11.892/2008, figurando entre seus objetivos, na perspectiva de atender à necessidade por formação de professores para a educação básica. Atualmente o IFRN oferece os cursos de Licenciatura em Formação Pedagógica de Docentes para a Educação Profissional; Licenciatura em Biologia, Licenciatura em Ciências da Natureza e Matemática; Licenciatura em Espanhol; Licenciatura em Física; Licenciatura em Geografia; Licenciatura em Informática; Licenciatura em Letras Espanhol (EAD); Licenciatura em Química e Licenciatura em Matemática.
119
No período posterior, em princípios do governo Lula, no início dos anos 2000,
a educação passa por reformas49, com diretrizes políticas governamentais
apontando aspectos destinados à reestruturação da formação para o trabalho
complexo, numa perspectiva de formar intelectuais urbanos de novo tipo, tendo em
conta o ensino superior e áreas tecnológicas. Isto coincide com as políticas dos
organismos internacionais em sintonia com a chamada sociedade do conhecimento
(NEVES e PRONKO, 2008).
Marcos relevantes da oferta de vagas no ensino superior na instituição em
tela foram os Decretos nº 5.224/2004 e nº 5.225/2004. O primeiro definiu os CEFET
como instituições especializadas na oferta de educação tecnológica, estabelecendo
entre suas atribuições a realização de pesquisa aplicada e a promoção do
desenvolvimento tecnológico, por meio de cursos superiores de graduação e pós-
graduação. O segundo decreto classificou, dentro do Sistema Federal de Ensino,
as instituições de ensino superior por organização acadêmica. Passaram então a
existir três tipos distintos de instituição: universidades; centro federais de educação
tecnológica e centros universitários; faculdades integradas, faculdades de
tecnologia, faculdades, institutos e escolas superiores.
Para Neves e Pronko (2008, p. 75), o Decreto nº 5.224/2004 mostra “(...) a
importância dos CEFET como centros de referência para o ensino e a pesquisa na
área tecnológica”. Contudo, o decreto uma vez editado, logo depois, minimiza seu
nível de abrangência em termos de atribuições, dada a dualidade de fins
estabelecida entre as universidades e os centros tecnológicos ou ainda a
introdução de patamar superior de outros tipos de instituição, na hierarquia do
sistema. Todavia, este documento define os Centros Federais como instituições de
ensino pluricurriculares, cuja especialidade é a oferta de educação tecnológica,
área de atuação prioritária. Assim, evidencia-se a predominância do ensino voltado
à formação para o mercado de trabalho (NEVES e PRONKO, 2008).
As reformas seguiram um processo de massificação da educação
tecnológica em todo o país. No Rio Grande do Norte, em 2006, houve nova
ampliação com a criação da Unidade de Ensino da Zona Norte de Natal e das
Unidades de Ipanguaçu e de Currais Novos, como primeira etapa do Plano de
49 Neves e Pronko (2008) elencam duas reformas empreendidas no primeiro governo Lula: a reforma da educação superior e a reforma da educação tecnológica.
120
Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica no estado do
Rio Grande do Norte (RN). Nos anos seguintes, o Plano de Expansão, empreende
sua segunda etapa. Em 2007, são aprovadas seis novas unidades - inauguradas
em 2009 -, quais sejam, Apodi, Pau dos Ferros, Macau, João Câmara, Santa Cruz
e Caicó. Em 2009, a instituição passa por mais uma transformação, adquirindo nova
configuração, tornando-se Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Rio Grande do Norte. Com a mudança, a instituição processa novas fases de
crescimento e interiorização, expandindo significativamente o número de campus e
de servidores e, com isso, tornando sua estrutura administrativa ainda mais
complexa. Esse é um processo ainda em curso.
Figura 2 – Distribuição dos Campi do IFRN, por cidade, no estado do Rio Grande do Norte
Fonte: Elaborado pela autora
Dessa forma, no Rio Grande do Norte, a expansão ocorre de modo
significativamente acelerado, passando, de 2 campi50 e 3 Unidades de Ensino
50 Natal-Central e Mossoró.
121
Descentralizadas, em 200651, a 21 campi52, ao final de 201353. Dois, dentre estes
são Campi Avançados54, isto é, a extensão de uma unidade já em funcionamento,
com a possibilidade de oferta dos mesmos cursos ou de cursos distintos dos
ofertados pelo campus a que se vincula, com a perspectiva de transformar-se,
posteriormente, em uma nova unidade. O quantitativo de campus foi sendo
progressivamente aumentado, e o IFRN vivenciou diversas fases da mesma
expansão.
Assim, os campi possuem idade e níveis de desenvolvimento diferentes. Os
de inauguração mais recente, da chamada fase III (datada de 2013), não
compreendem cursos de nível superior. Isso porque, conforme o modus operandi
da gestão do IFRN, cursos de nível superior somente são instituídos quando do
alcance da estabilidade do campus e da adequação do corpo de servidores
(docentes e técnico-administrativo), tornando exequível a implantação dos cursos
superiores com qualidade. Deste modo, a tentativa de manter a qualidade do ensino
prestado pela instituição é percebida, em tempos de um
espraiamento/interiorização, fator que pode, contraditoriamente, se tornar
empecilho à boa gestão administrativa e do ensino no IFRN.
Apesar disso, o IFRN conta em 201655 com um total de 60 ofertas de cursos56
de nível superior, sendo 18 ofertas de cursos de licenciatura (divididas entre
química, física, matemática, informática, geografia, espanhol e ciências da natureza
e matemática); 20 ofertas de cursos de formação tecnológica (como Tecnólogo de
Gestão Ambiental, Tecnologia de Gestão Cultural, Tecnologia de Análise e
Desenvolvimento de Sistemas, dentre outros); 1 oferta de Formação Pedagógica
de Docentes para Educação Profissional e 20 ofertas de cursos de pós-graduação
stricto e lato sensu (de modo mais geral na área tecnológica, de educação/ensino
51 Currais Novos; Ipanguaçu e Natal- Zona Norte. 52 Além da Reitoria, localizada em Natal, mas em prédio próprio. 53 Apodi; Caicó; Canguaretama; Ceará-Mirim; Currais Novos; de Educação à Distância (localizado em Natal); Ipanguaçu; João Câmara; Lajes; Macau; Mossoró; Natal-Central; Natal-Cidade Alta; Natal-Zona Norte; Nova Cruz; Pau dos Ferros; Santa Cruz; Parelhas; Parnamirim e São Gonçalo do Amarante; São Paulo do Potengi. 54 Campus Avançado Lajes e Campus Avançado Parelhas. 55 Segundo consulta feita à página oficial do IFRN na internet (www.ifrn.edu.br) em 22 de ago. de
2016. 56 Consideramos aqui como ofertas de curso o total de ofertas com repetição do tipo de curso/ formação, uma vez contabilizado o mesmo curso em campi distintos. A licenciatura em física, por exemplo, está presente em cinco campi diferentes (Caicó, Ipanguaçu, João Câmara, Natal-Central e Santa Cruz) de modo que conta como um total de cinco ofertas de curso.
122
e de gestão pública) e, mais recentemente, 1 oferta de Bacharelado em
Engenharia. E se vislumbra ainda ampliar esse quantitativo com novos cursos,
especialmente, nos campi mais afastados da região metropolitana de Natal, mas
nela também. Importante destacar que, em termos de cursos de graduação, o IFRN
possui 20 cursos de tecnologia, 10 de licenciatura e 1 de engenharia, de modo que
aqueles representam o maior quantitativo dentre os cursos propostos pela
instituição.
Dentre os 21 campi destaca-se o Campus de Educação à Distância, cuja
inserção mais maciça acontece nos últimos quatro anos, a partir da aprovação da
resolução57 que estabeleceu sua estrutura de funcionamento. Sua atuação abrange
cursos técnicos subsequentes, mas também cursos de nível superior de graduação
e pós-graduação, usando, para tal a estrutura dos campi ora interiorizados a fim de
atender à demanda dos estudantes. O destaque se faz como forma de apontar o
uso das tecnologias para a expansão do ensino superior também em esfera local,
sendo que, minimamente, há uma vinculação mais direta (física) do estudante com
a instituição, não no formato da educação presencial. Não há, todavia, a
generalização de ações de pesquisa e extensão, com a participação de tais
estudantes, mas são oferecidas as condições estruturais e de apoio profissional,
minimamente necessárias, à formação. Não se pode com isso afirmar não haver
precariedade no processo de construção do conhecimento nos cursos da
modalidade EAD, do IFRN.
Podemos afirmar se tratar de uma expansão que está dada e ainda em
curso, em termos de infraestrutura – pois já existem novos campi a serem
instalados no RN58 e outros em negociação com o governo federal, além da
expansão/reestruturação daqueles já existentes – em termos da diferenciação de
cursos e acréscimos no número de vagas.
57 Resolução nº 16/2010 CONSUP/IFRN, de 01 de março de 2012. 58 As indicações até o ano de 2014, conforme as entrevistas concedidas pelo então Ministro da Educação, José Henrique Paim, eram de estar em negociação a implantação de Campus do IFRN nos municípios de Alexandria, Jucurutu, São José de Mipibu, São Miguel e Umarizal. Entretanto, ressalvamos que, devido às incertezas políticas vivenciadas pelo País entre os anos de 2015 e 2016, a continuidade dos acordos firmados até então converte-se ainda mais indefinida. Deste modo, os referidos campi permanecem figurando como possibilidades. Ver: http://blogdolevanyjunior.com/ministro-da-educacao-anuncia-construcao-ifrn-de-touros-e-mais-um-em-mossoro/
123
O contingente de profissionais egressos dos diversos curso direciona-se
essencialmente para o mercado local. Importante frisar que, no estado do Rio
Grande do Norte, a economia está voltada mais fortemente para os setores de
“Comércio e Serviços”, que representam 72,6% do valor agregado bruto do estado.
O segmento de “Serviços” abrange 30,7% do total, seguido, em percentual, da
“Administração Pública” e do “Comércio”, com 28,3% e 13,5% respectivamente. A
“Indústria” possui 23,7% da agregação de valor potiguar, enquanto a
“Agropecuária” responde por 3,7%. É a “Administração Pública” que lidera os
índices de empregos formais no estado, alcançando aproximadamente 32% do
total59. Ao longo dos anos, isto é, entre 2000 e 2010, os setores de “Serviços”,
“Comércio”, “Construção Civil” e “Indústria Extrativa Mineral” tiveram crescimento
quanto à formalização dos empregos, mostrando-se mais atrativos. Todavia, não
existem dados que evidenciem a capacidade de absorção de mão de obra destes
setores, em relação ao quantitativo de profissionais formados.
No que se refere à escolarização, entre 2001 e 2010, o estado do Rio Grande
do Norte contabilizou uma elevação de 171% no total de matrículas no ensino
superior, um salto que significou a superação da média nacional e que se deve,
sobremaneira, ao aumento na oferta de vagas na rede privada60. Apesar do
crescimento abrupto, dentre os estados da Região Nordeste do País, Rio Grande
do Norte é aquele que apresenta maior número de pessoas ocupadas com ensino
superior completo. Porém, os 10,69% - dados de 201061 – ocupados62
correspondem ainda a um número bastante abaixo do potencial do estado63.
Na distribuição territorial, em termos de economia e população, o estado
possui dois polos: Natal, a capital, e Mossoró. A zona que compõe o Litoral Oriental
(região de Natal) concentra o percentual de 48,2% da população potiguar e mais
59 Dados de 2011, retirados do site www.maisrn.org.br. 60 Ibidem 59 61 Ibidem 59 62 Retomando a discussão já realizada ao longo do texto, o “status” de ocupado não permite identificar as condições e relações de trabalho que tais sujeitos vivenciam, de modo que tais dados não revelam com profundidade a realidade do mercado de trabalho Norte Rio-grandense para os diplomados de nível superior. 63 Após a última revisão feita neste estudo, verificamos não ter havido alteração significativa deste percentual até 2013. O Plano Estratégico de Desenvolvimento Econômico para o Rio Grande do Norte 2016-2035, construído e publicado pela FIERN através do portal www.maisrn.org.br - de onde havíamos coletado os dados de 2010 -, indica que 10,7% da população ocupada no estado do RN possui ensino superior completo, taxa que se mantem acima da apresentada pelos demais estados do Nordeste.
124
de 56% do Produto Interno Bruto (PIB) do RN. Natal pertence à faixa do território
Norte Rio-grandense caracterizada por intensa urbanização. Conforme delimitação
do IBGE, em 1970, o município situa-se ainda na chamada Microrregião Natal,
compondo a parte do espaço mais habitado e no qual são concentradas as mais
significativas atividades econômicas do estado (NATAL, 2013). Por ser capital,
Natal assume a posição histórica de centro político-econômico e ganha evidência
na formação para o trabalho, irradiando profissionais para os mercados de todo o
Rio Grande do Norte.
Desse modo, mesmo havendo a expansão física em número de campi do
Instituto Federal para outros municípios do estado, o Campus Natal-Central
constitui a referência estadual para organização dos demais e aquele que
concentra a maior diversidade de cursos de formação de nível superior. Diversidade
essa que reflete as vocações econômicas do Município64 – e também as demandas
do mercado em nível estadual – conciliadas com os interesses do mercado global
e dos organismos multilaterais, assim como, em conformidade com o discurso
apresentado oficialmente e as requisições da classe trabalhadora.
Considerando que o estado do Rio Grande do Norte e, logo, sua capital,
conquanto apresentem peculiaridades, não podem ser subtraídos da conjuntura
nacional e internacional de crise estrutural do capital, do avanço do neoliberalismo,
e da dilatação do precariado, persistem questionamentos e indagações acerca da
inserção dos egressos do IFRN no mercado de trabalho, em tempos de tão larga
expansão institucional e, sobretudo, da expansão do ensino superior ocorrida por
dentro da instituição. É Importante, pois, conhecer melhor o adensamento do
precariado no estado ou, mais precisamente, em Natal, tomando os percentuais
que indicam ascensão do número de matriculados e diplomados em nível superior,
assim como o vasto leque de cursos ofertados pelo Instituto - principalmente na
área tecnológica -, quando o mercado de trabalho local não dá margem ao ingresso
maciço dessa parcela jovem da classe trabalhadora, a buscar qualificação
64 Alimentos, Aquicultura, Aves, Bebidas, Borracha e Plástico, Bovinos, Café Moído, Carne e Pescado, Eletrônicos, Fármacos, Leite e Derivados, Máquinas e Equipamentos, Materiais Elétricos, Metalurgia, Móveis, Óleo e Gás, Pesca, Produtos de Couro, Produtos de Madeira, Produtos de Metal, Produtos de Minerais Não Metálicos, Produtos de Papel, Produtos Químicos, Suínos, Têxtil, Turismo, Veículos e Carrocerias, Vestuário. (Ibidem 59)
125
profissional e a construção do conhecimento, como meios indispensáveis ao
ingresso e permanência nesse mercado.
3.2.1 Cursos de Superiores de Tecnologia do IFRN: o dito e o não dito nas
propostas oficiais e na operacionalização dos novos cursos da área tecnológica
Atualmente, o Campus Natal-Central do IFRN oferta um total de seis (6)
cursos da área tecnológica, na modalidade presencial, os quais foram
implementados em períodos distintos. Alguns foram criados e tiveram suas
atividades encerradas, ao passo que outros sofreram, ao longo do tempo,
mudanças curriculares e de nomenclatura, adequando-se ao Catálogo Nacional de
Cursos Superiores de Tecnologia65 (BRASIL, MEC, 2010), por determinação do
Ministério da Educação.
Assim, apesar das distinções entre os cursos, eles apresentam, muitas
vezes, uma temporalidade coincidente em tais transformações, as quais passam
não apenas por questões internas (de ordem acadêmica ou administrativa), mas,
sobretudo, por definições advindas das instâncias superiores, que se ajustam as
especificidades locais.
As atualizações curriculares e de nomenclatura dos cursos se processam no
IFRN em todos os campi, de sorte que os Projetos Pedagógicos são elaborados
como minuta por comissões em nível sistêmico, socializados e construídos
coletivamente, por meio das discussões e contribuições de cada campus, visando
abranger o mais possível, as distintas realidades existentes na diversidade que
compõe o Instituto, na atualidade. É emblemático o caso do curso, atualmente
designado “Tecnologia em Gestão Ambiental”, ofertado, em sua primeira edição,
65 Com primeira edição lançada em 2006, o Catálogo Nacional de Curso Superiores de Tecnologia, tem o intuito de homogeneizar a formação dos cursos nessa área - recomendando, por exemplo a infraestrutura mínima para cada programa - e oferecer esclarecimentos sobre a configuração dos cursos, configurando-se num guia de informações sobre o perfil de competências do tecnólogo. O Catálogo teve nova edição publicada em 2010, mas passou por recente processo de atualização. No portal do MEC na internet (www.mec.gov.br) já está disponível nova versão do Catálogo. Ressalvamos que, devido sua publicação ao tempo em que finalizávamos o estudo, não o incorporamos às análises.
126
em 2002, como curso “Tecnologia em Meio Ambiente” e, em um segundo
momento66, como “Tecnologia em Controle Ambiental”.
Os cursos superiores da área tecnológica ofertados, hoje, pelo Campus
Natal-Central do IFRN são os de Tecnologia em Gestão Pública; Tecnologia e
Análise e Desenvolvimento de Sistemas; Tecnologia em Comercio Exterior;
Tecnologia em Construção de Edifícios; Tecnologia em Gestão Ambiental e
Tecnologia em Redes de Computadores. Entretanto, a instituição já operou os
cursos de Tecnologia em Automação Industrial, Tecnologia da Fabricação
Mecânica, Tecnologia em Lazer e Qualidade de Vida, Tecnologia em Materiais e
Tecnologia em Estradas.
A seguir, o organograma apresenta a estrutura interna dos cursos ofertados,
por Diretoria Acadêmica do IFRN, no Campus Natal-Central, para situá-los na
estrutura institucional. Indicamos apenas os cursos, visto que, na estrutura
administrativa, não há Coordenações de cursos, embora exista a figura dos
Coordenadores, os quais se inserem funcionalmente nas diretorias a que cada
curso está vinculado.
66 A informação acerca da temporalidade exata das adequações realizadas pelos cursos não nos foi prestada pelo IFRN. Apesar da busca a diversos setores da instituição, para além do Campus Natal-Central inclusive, em nível de Reitoria, não encontramos informações sistematizadas e não nos foi oportunizada a pesquisa aos documentos institucionais, apesar de nossas solicitações.
127
Figura 3 – Organograma da estrutura acadêmica vinculada aos cursos superiores de tecnologia no
Campus Natal-Central
Fonte: IFRN. Elaboração da autora
A Diretoria Acadêmica de Gestão da Informação e Comunicação concentra
um número significativo de cursos superiores, bem mais elevado que as demais.
Isso ocorre em função da grande possibilidade de diferenciação de cursos em seu
interior, haja vista abranger os eixos relativos à Gestão e Negócios, abarcar
também os eixos de Informação e Comunicação, cujo domínio inclui inúmeras
especialidades.
A tabela a seguir contém o eixo tecnológico a que pertencem os cursos
ofertados atualmente pelo Campus Natal-Central, bem como os anos de início das
atividades dos programas67.
67 As informações acerca dos cursos que deixaram de ser oferecidos pelo Campus Natal-Central não nos foram prestadas pelo IFRN (Ibdem 64)
Pró-Reitoria de Ensino (Reitoria)
Diretoria de Ensino (Campus
Natal-Central)
Diretoria Acadêmica de
Gestão da Informação e Comunicação
Tecnologia em Gestão pública
Tecnologia em Análise e
Desenvolvimento de Sistemas
Tecnologia em Comércio Exterior
Tecnologia em Redes de
Computadores
Diretoria Acadêmica de
Construção Civil
Tecnologia em Construção Civil
Diretoria Acadêmica de
Recursos Naturais
Tecnologia em Gestão
Ambiental
128
Tabela 1-Cursos superiores de tecnologia por eixo tecnológico e ano de início das ofertas
Cursos Eixo Tecnológico Início da oferta
de vagas
Tecnologia em Gestão Pública
Gestão e Negócios 2010
Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas
Informação e Comunicação
1998
Tecnologia em Comércio Exterior
Negócios 2003
Tecnologia em Construção de Edifícios
Infraestrutura 2006
Tecnologia em Gestão Ambiental
Ambiente e Saúde 2002
Tecnologia em Redes de Computadores
Informação e Comunicação
2008
Fonte: IFRN. Elaboração da autora
Os cursos entraram em funcionamento em momentos diferentes, porém com
uma concentração maior de abertura a partir dos anos 2000, quando observamos
a expansão mais nítida do ensino superior. Além disso, os eixos estão relacionados
a áreas econômicas em destaque no Rio Grande do Norte, a saber, os setores de
serviços, de comércio e a administração pública. Entretanto, entendemos, ao longo
da pesquisa, que os cursos de formação de tecnólogo são marcados por
dificuldades na aceitação, reconhecimento e absolvição dos profissionais egressos.
De fato, alguns dos cursos em atividade no Campus Natal-Central do IFRN
sofreram adequações, seguindo as orientações do MEC. A seguir, figura o quadro
das mudanças de nomenclatura, por ano, processadas a partir das atualizações
dos Projetos Pedagógicos de cada curso.
129
Figura 4 – Fluxo das mudanças de nomenclatura do curso de Tecnologia em Gestão Ambiental
Fonte: IFRN. Elaboração da autora
Figura 5 – Fluxo das mudanças de nomenclatura do curso de Tecnologia em Análise e
Desenvolvimento de Sistemas
Fonte: IFRN. Elaboração da autora
As alterações não implicam apenas na mudança de nome dos cursos, mas
também nas matrizes curriculares, em face de mudanças compreendidas como
necessárias para acompanhar o desenvolvimento de cada área de atuação
profissional, em consonância com as mudanças da realidade. A última atualização
realizada nos Projetos Pedagógicos dos cursos superiores do IFRN aconteceu em
2012, seguindo, como já apontado, a partir de um processo de construção coletiva.
Antes, as mudanças foram referenciadas pela última publicação do Catálogo
Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia, de 2010, cuja inspiração foram as
Diretrizes Nacionais para a Educação Profissional de Nível Tecnológico (BRASIL,
CNE, 2002), estando em sintonia, segundo o MEC, com a dinâmica do setor
produtivo e os requerimentos da sociedade atual (BRASIL, MEC, 2010).
• Tecnologia em Meio Ambiente
• Tecnologia em Controle Ambiental
• Tecnologia em Gestão Ambiental
• Tecnologia em Processamento de Dados
• Tecnologia em Informática
• Tecnologia em Desenvolvimento de Software
• Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas
130
Os Projetos Pedagógicos então aprovados pelo Conselho Superior
(CONSUP)68, órgão colegiado máximo do IFRN, passaram a definir as diretrizes
pedagógicas para a organização e o funcionamento dos cursos. Os referidos
projetos compreendem identificação do curso, justificativa para sua oferta,
objetivos, perfil profissional, dentre outros. Todos eles são justificados pelas
mudanças societárias ocorridas nas últimas décadas, apontando, diante de cada
especialidade, ora a mundialização do capital, ora a necessidade de modernizar a
administração pública, ora a existência da sociedade da informação, ora o
imperativo de proteção do meio ambiente, etc.
Texto comum nos PPP de todos os cursos, assinala “evidências de
transformações estruturais” que têm incidido sobre os modos de vida, as relações
sociais e o mundo do trabalho, em geral, a exigir tomada de posição e ações
específicas das instituições responsáveis pela formação profissional dos cidadãos.
Dentre as mudanças são destacados:
[...] avanço dos conhecimentos científicos e tecnológicos, a nova ordem no padrão de relacionamento econômico entre as nações, o deslocamento da produção para outros mercados, a diversidade e multiplicação de produtos e de serviços, a tendência à conglomeração das empresas, a crescente quebra de barreiras comerciais entre as nações e a formação de blocos econômicos regionais, a busca de eficiência e de competitividade industrial, através do uso intensivo de tecnologias de informação e de novas formas de gestão do trabalho (IFRN, 2012a, p. 8 )
Notamos, pois, que a oferta dos cursos é reiteradamente justificada por uma
demanda de qualificação profissional advinda das transformações reais ocorridas
nas sociedades (brasileira e norte rio-grandense), originadas nas conformações
assumidas, promovidas e afirmadas pelo sistema do capital em nível mundial, como
elementos de uma nova sociabilidade, a exigir formação específica de mão de obra.
Assim, a partir do discurso expresso nos PPP, identificamos a formação dos
sujeitos sendo justificada pela necessidade de oferta de profissionais qualificados
para o mercado, bem como do estabelecimento de posicionamento competitivo do
Estado brasileiro no mercado mundial. Ao mesmo tempo, as diversas modalidades
68 Instituído pela Lei nº 11.892/2008, que criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
131
de formação propostas apresentam-se como meio potencial de preparação dos
sujeitos sob a ideologia do capitalismo (formação de ideólogos do capitalismo),
conquanto oficialmente se pretenda o inverso. Além disso, fica expressa a
imposição de ajustamento da instituição ao processo de mudanças que ocorrem
socialmente, a exigir novos perfis profissionais. Acerca de tais perfis, consta como
texto comum da apresentação dos cursos nos PPP que:
A formação tecnológica proposta no modelo curricular deve propiciar ao aluno condições de: assimilar, integrar e produzir conhecimentos científicos e tecnológicos na área específica de sua formação; analisar criticamente a dinâmica da sociedade brasileira e as diferentes formas de participação do cidadão-tecnólogo nesse contexto; e desenvolver as capacidades necessárias ao desempenho das atividades profissionais. (IFRN, 2012a, p. 12)
É evidente a vinculação que a instituição intenta fazer entre a
formação/atuação profissional e participação dos indivíduos em sociedade, ao
estabelecer um elo ou uma associação entre o papel do cidadão e do profissional,
expresso no uso do termo “cidadão-tecnólogo”. A instituição defende uma formação
direcionada para a edificação de trabalhadores cuja atuação não esteja descolada
da realidade, mas que, ao contrário, seja capaz de mobilizar conhecimentos para
uma compreensão crítica dela, articulando a isso os saberes técnicos/tecnológicos
necessários à sua atuação profissional.
Tal relação é primordial, dada a imperatividade tecnológica na sociabilidade
contemporânea, que emerge marcada por um contexto notadamente individualista
e competitivo, muito pouco (ou nada) propenso à compreensão da totalidade do
real, dos determinantes políticos, econômicos, sociais e culturais, a influir no
exercício profissional. A afirmação de tal perspectiva denota a premência da
responsabilidade social do IFRN, ao qualificar e disponibilizar, para a sociedade,
profissionais formados em áreas que tanto têm a contribuir com o desenvolvimento,
em termos da coletividade em sentido amplo/integral e não na perspectiva de
interesses meramente individuais e econômicos. Não se pode deixar de explicitar
o caráter contraditório entre o discurso oficial e a realidade material.
132
A apreciação dos perfis profissionais revela importantes elementos para
análise. Com esse intuito, sintetizamos os perfis retirados da página oficial do
IFRN69, dispostos no quadro a seguir:
Tabela 2 - Perfil profissional por curso superior de tecnologia, modalidade presencial, do Campus Natal-Central do IFRN
Curso Perfil Profissional
Tecnologia em Gestão Pública
Processar informações, ter senso crítico e ser capaz de impulsionar o desenvolvimento econômico da região, integrando formação técnica à cidadania, estando apto, principalmente, para: familiarizar-se com as práticas e procedimentos comuns em ambientes organizacionais; atuar nas esferas de governos (federal estadual e municipal), entidades parceiras do setor público, estatais e empresas públicas; desenvolver atividades de planejamento e gestão nos diversos órgãos públicos; planejar e executar projetos de gerenciamento no setor público; posicionar-se crítica e eticamente frente às inovações tecnológicas, avaliando seu impacto no desenvolvimento e na construção da sociedade.
Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas
Produzir e aplicar os conhecimentos científicos e tecnológicos voltados para codificar, documentar, testar e implantar sistemas de informação; compreender e especificar os requisitos e as funcionalidades de um sistema; conceber e organizar sistemas em partes relacionadas; definir o modelo orientado a objetos que será implementado para responder aos requisitos do sistema, aplicando padrões de projeto; definir o modelo de dados que será implementado para responder aos requisitos do sistema; aplicar conceitos de engenharia de usabilidade no desenvolvimento de sistemas de software; utilizar processos de software, adequando-os, quando necessário, a situações específicas; e, administrar bancos de dados, sistemas operacionais e servidores de aplicação.
Tecnologia em Comércio Exterior
Processar informações, ter senso crítico e ser capaz de impulsionar o desenvolvimento econômico da região, integrando formação técnica à cidadania. Além de: Articular e inter-relacionar teoria e prática; Utilizar adequadamente a linguagem oral e escrita como instrumento de comunicação e interação social; Realizar a investigação científica e a pesquisa aplicada; Resolver situações-problema que exijam raciocínio abstrato, percepção espacial, memória auditiva, memória visual, atenção concentrada, operações numéricas e criatividade; Dominar conhecimentos científicos e tecnológicos na área específica de sua formação; Aplicar normas técnicas nas atividades específicas da sua área de formação profissional; Familiarizar-se com as práticas e procedimentos comuns em ambientes organizacionais; Empreender negócios; Posicionar-se criticamente frente às inovações tecnológicas; Conhecer e
69 Informações retiradas da página oficial do IFRN na internet (www.ifrn.edu.br), em 04 de fevereiro
de 2016.
133
aplicar normas de sustentabilidade ambiental, respeitando o meio ambiente e entendendo a sociedade como uma construção humana dotada de tempo, espaço e história; Ter atitude ética no trabalho e no convívio social, compreender os processos de socialização humana em âmbito coletivo e perceber-se como agente social que intervém na realidade.
Tecnologia em Construção de Edifícios
Voltado para o gerenciamento de obras e possui habilidades para atuar como cidadão crítico, participativo e agente econômico, podendo operar na indústria da construção civil, de acordo com a legislação vigente do país.
Tecnologia em Gestão Ambiental
Produzir e aplicar conhecimentos científicos e tecnológicos na área ambiental sendo capaz de lidar, analisar e avaliar as variáveis ambientais com vistas à produção e aplicação de alternativas tecnológicas de prevenção, mitigação e/ou recuperação ambiental; e atuar junto aos setores privado e público na gestão, monitoramento e fiscalização do meio ambiente.
Tecnologia em Redes de Computadores
Compreender os processos de construção e reconstrução de redes de computadores e, dessa forma, realizar atividades de concepção, especificação, projeto, implantação, avaliação, suporte e manutenção de redes de computadores. Atuarão na área de redes de comunicação de dados, podendo exercer atividades de implantação de redes metálicas, redes ópticas, redes sem fio, redes locais, redes WAN, além de gerência destes sistemas.
Fonte: www.ifrn.edu.br
Os perfis profissionais estabelecidos pela instituição refletem o intento do
IFRN em direcionar ao mundo do trabalho profissionais preparados, cada um em
sua área de atuação, para atender às requisições postas pela sociedade no atual
tempo histórico e tendo em conta o desenvolvimento das forças produtivas, em
nível local. São perfis que pretendem conjugar as perspectivas de formação técnica
e crítica, que se justificam pelas novas exigências do mundo do trabalho, mas que
não são construídos, conforme consta do PPP, para atender meramente os
interesses do mercado. Identifica-se, pois, um desafio para os cursos de tecnologia
de superar a lógica imposta pelo sistema do capital, a qual ideologicamente conduz
à adequação dos cursos, de sua estrutura pedagógica e curricular e dos
profissionais aí formados ao que lhe convém.
Grosso modo, os projetos seguem o mesmo padrão de condução
pedagógica e formativa, a buscar aliar função social do Instituto, que visa formação
cidadã crítica e formação profissional em consonância com as demandas locais.
Os PPP, assim, contêm proposta curricular pautada num prisma progressista e
134
transformador na perspectiva histórico-crítica. Ademais, vislumbram a possibilidade
do resgate da formação em que a profissionalização não seja uma finalidade em si
mesma, tampouco seja orientada pelos interesses do mercado de trabalho,
constituindo-se, em vez disso, numa oportunidade para a construção dos projetos
de vida dos discentes. Assim aponta, por exemplo, o projeto pedagógico do curso
de Tecnologia em Redes de Computadores:
A organização curricular busca possibilitar a compreensão crítica e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais resultantes da interferência do homem na natureza, em virtude dos processos de produção e de acumulação de bens. (IFRN,
2012a, p.6, grifos nossos)
Identificamos na proposta de organização do currículo a relevância dada a
compreensão dos sujeitos sobre a totalidade social e sua inserção nela e as
consequências de sua atuação para o movimento do real. Tal proposição aponta
para uma formação, sob os aspectos profissional e individual, de uma ótica
ampliada, disposta a contemplar a complexidade que envolve a inserção
profissional no mundo do trabalho. Com isso, intenta-se possibilitar aos
trabalhadores oriundos desta formação, assimilar a função social de seu trabalho e
contribuir com ele para a promoção do bem comum, para além dos valores que
orientam o mercado de trabalho sob a lógica capitalista. Senão vejamos:
A forma de atuar da educação profissional tecnológica possibilita resgatar o princípio da formação humana em sua totalidade, superar a visão dicotômica entre o pensar e o fazer a partir do princípio da politecnia, assim como visa propiciar uma formação humana e integral em que a formação profissional não tenha uma finalidade em si, nem seja orientada pelos interesses do mercado de trabalho, mas se constitui em uma possibilidade para
a construção dos projetos de vida dos estudantes. (IFRN, 2012a, p.6, grifos nossos)
Essa é a intenção exposta nos documentos oficiais. Todavia, os conteúdos
dos projetos pedagógicos apontam desconexão entre a proposta de formação
integral e aquilo que verdadeiramente se expressa na estrutura curricular dos
cursos de tecnologia ofertados pelo IFRN.
As constantes mudanças e adequações estabelecidas por instâncias
governamentais superiores, em um contexto macro de mutações geopolíticas e
135
sociais do sistema do capital e, ademais, do mundo do trabalho podem ser
entendidas com necessárias. Todavia, não têm sido asseguradas condições de
aprofundamento e maturação das modificações realizadas nas propostas
formativas da instituição, fazendo com que, muitas vezes, alterem-se a forma
(nomenclaturas, objetivos, perspectivas formativas) sem, necessariamente, mudar
o conteúdo da formação e os métodos de ensino-aprendizagem. Assim, adota-se
uma perspectiva histórico-crítica, na teoria, mas se mantem, na essência prática,
uma formação predominantemente tecnicista e voltada para atender o mercado e
as mudanças do mundo do trabalho.
Aspecto que também merece relevo é o fato de tudo isso ocorrer sob um
contexto de autonomia limitada, no que concerne a tais alterações, tendo em vista
se tratarem de respostas da instituição para dar conta de decisões oriundas das
esferas superiores. Sobre isso, é importante destacar que à autonomia limitada
corresponde a um significativo grau de letargia por parte da instituição no processo,
denotada na aceitação e legitimação das imposições governamentais e do mercado
à conformação dos cursos, o que vai de encontro à própria perspectiva crítica
proposta pelos PPP institucionais para formação dos sujeitos.
A análise mais acurada das matrizes e das ementas dos componentes
curriculares revela, salvo poucas exceções, um conjunto de disciplinas dedicadas
apenas à formação técnica, a partir de que entendemos ser possível entremear
conteúdos e discussões capazes de promover a proposta formativa indicada.
Todavia, a densidade de conteúdos técnicos e o próprio direcionamento identificado
nas propostas das disciplinas, indica baixo potencial para que se materialize a
formação crítica e cidadã. De fato, em sua maioria, as ementas dos componentes
curriculares apontam para uma formação promotora de aprendizado técnico e da
adequação dos profissionais às competências e habilidades requisitadas pelo
mercado. Há pouco ou nenhum espaço às problematizações que envolvam o
contexto social, político, econômico, enfim, determinações e noção de totalidade
requeridas pela formação pretendida, com vistas a uma posterior inserção
profissional.
Os cursos de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas,
Tecnologia em Construção de Edifícios, Redes de Computadores e Tecnologia em
Gestão Pública não possuem em sua grade de disciplinas componentes que
136
contemplem especificamente as questões contemporâneas do mundo do trabalho,
a compreensão da sociedade e da realidade social em que se inserirão os
profissionais formados, ou mesmo, conforme versa os PPP, que promovam “[...] a
compreensão crítica e a avaliação dos impactos sociais, econômicos e ambientais
resultantes da interferência do homem na natureza, em virtude dos processos de
produção e de acumulação de bens.”(IFRN, 2012a, p. 7)
Em Tecnologia de Gestão Pública, por exemplo, verifica-se a existência de
disciplinas como "Comportamento organizacional", sem outro componente
curricular que a complemente em uma perspectiva mais crítica e de totalidade
analítica, especialmente acerca das questões relativas ao mundo do trabalho na
contemporaneidade. Assim, torna-se tarefa difícil para os egressos atingir aquilo
que está proposto no PPP e pode, inclusive, fomentar a formação em sentido
contrário, de mera conformação e/ou adequação dos sujeitos, assumindo a ideia
de promoção da modernização da administração pública de modo acrítico.
No curso Tecnologia em Construção de Edifícios, cuja proposta se assenta
na ideia de que os profissionais formados assumirão funções de gestão, existem
disciplinas como "Higiene e segurança no trabalho", "Legislação previdenciária e
trabalhista", e "Ergonomia", que contribuem para a formação destes enquanto
trabalhadores, dando suporte à ação do tecnólogo no exercício profissional,
especialmente, na gestão da equipe. Todavia, a perspectiva é adequar, ou adaptar
as funções e os trabalhadores à legislação e às normas de segurança. Disciplinas
"Relações Humanas no trabalho" e "Gestão de recursos humanos" estão centradas
na compreensão do indivíduo isoladamente e no interior da equipe de trabalho,
contendo a administração de conflitos interpessoais como elemento de preparação
do tecnólogo para lidar com possíveis problemas apresentados pelos sujeitos que
coordenará. Tal perspectiva está desconexa com a ideia de totalidade e criticidade
propostas, uma vez que localiza unicamente nos veios psicológico e emocional as
problemáticas insurgentes no âmbito do trabalho. É preciso reconhecer a
importância das disciplinas, porém entender que elas sozinhas, sem a presença de
outros suportes analíticos, no sentido de construir a referida percepção da
totalidade, são insuficientes.
Encontramos especificidades ainda maiores nos programas de cursos de
Tecnologia em Gestão Ambiental e Tecnologia em Comércio Exterior, os quais,
137
apesar de inseridos nessa área de formação - a tecnológica - guardam em si, pela
natureza do trabalho a ser desenvolvido pelos futuros profissionais, uma relação
bastante próxima com as humanidades.
Em Tecnologia em Gestão Ambiental há destaque para a disciplina
"Segurança, meio ambiente e saúde", a qual proporcionaria uma boa compreensão
sobre segurança no trabalho e o sobre as competências do trabalhador e aos
órgãos específicos da área. A disciplina "Cidadania, ética e meio ambiente¨ possui
uma abordagem da relação entre o meio ambiente (objeto de trabalho desse
profissional) e a sociabilidade do capital. Ainda assim, não são encontrados
elementos que indiquem a promoção de discussões mais aprofundadas acerca do
trabalho na realidade hodierna.
O programa de Tecnologia em Comércio Exterior é aquele que mais se
aproxima da proposta formativa apontada pelo PPP. Nele, a disciplina de
"Sociologia" propõe, de maneira evidente, discutir as questões relativas ao trabalho
na sociabilidade capitalista e as transformações no mundo do trabalho70. Outra
disciplina, intitulada "Direito da cidadania" indica ter boas contribuições na formação
integral e crítica dos sujeitos, por sua proposta e bibliografia básica.
Em parte significativa dos cursos, disciplinas como “Qualidade de Vida no
Trabalho” e “Psicologia das relações de Trabalho”, as quais possuem elevado
potencial para trabalhar questões relevantes acerca do mundo do trabalho, são
ofertadas como componente optativo, de maneira que nem todos os discentes
inscritos no curso as cumprem. A análise da ementa da primeira disciplina
evidenciou haver relação entre a qualidade de vida e o trabalho, não dando conta
de questões referentes, por exemplo, à precarização existencial e das condições
de trabalho dos sujeitos. De certo modo, a ementa conduz os discentes a
construírem uma visão que individualiza a responsabilidade sobre a promoção e
manutenção da qualidade de vida no trabalho.
De forma semelhante, o componente curricular "Psicologia das relações de
trabalho" promove uma espécie de psicologização das relações de trabalho, além
da individualização das responsabilidades sobre o clima organizacional. A
70 O referido componente curricular apresenta uma boa proposta expressa em sua ementa, embora
haja dubiedade em alguns conteúdos programáticos (não nos permitindo compreender qual a análise a ser feita sobre alguns temas) e ainda uma bibliografia que precisa ser ampliada, inserindo importantes discussões atuais como o acirramento da precarização do trabalho.
138
expressão "administração de conflitos", que aparece na ementa como conteúdo a
ser ministrado, pode assumir um teor bastante nocivo à classe trabalhadora, se
tratada, sob uma capa ideológica, a fortalecer a resignação dos trabalhadores
diante de condições e relações de trabalho precárias e/ou em face de ações que
desarticulem sua organização enquanto classe.
Elementos muito presentes nos PPP e nos componentes curriculares que
estruturam os cursos são a noção e os conteúdos que dizem respeito ao
“empreendedorismo”. Apresentados como necessária competência e habilidade a
ser desenvolvida pelos profissionais formados pelo IFRN, e ademais, como uma
virtude capaz de tornar os egressos capazes de exercer seus ofícios com
independência e obter sucesso, podem criar a ilusão de que essa é a alternativa
para o alcance de melhores condições diante do desemprego ou da precarização
do trabalho. Deste modo, passa a impressão de aí residir uma solução capaz de
fazer superar as adversidades para inserção profissional, quando, na realidade,
pode significar a manutenção da situação de precariedade (até mesmo existencial)
do trabalhador, inclusive porque guarda em si o isolamento dos sujeitos, dificulta o
desenvolvimento da consciência de classe e da luta coletiva.
Identifica-se, portanto, contradição entre a proposta formativa e o
mecanismos e instrumentos postos para sua materialização. Uma contradição
determinada por aspectos diversos. Inicialmente é preciso considerar apesar de
sua vocação tecnológica e do diferencial na formação cidadã, reconhecido
socialmente ao longo de sua história, a oferta de cursos superiores no IFRN é ainda
uma experiência recente. Até pouco tempo as propostas pedagógicas centravam-
se basicamente na qualificação técnica. Podemos afirmar que a instituição ainda
carece de maturidade e aprofundamento de seus Projetos Pedagógicos.
Ademais, os cursos seguem as diretrizes do Ministério da Educação,
apresentando para a sociedade uma oferta correspondente ao que se
homogeneizou em todo o país, a partir do Catálogo Nacional de Cursos. Assim, até
mesmo o tempo estabelecido para a conclusão do curso (3 anos) não torna simples
a tarefa de entrelaçar disciplinas que, além de preparar tecnicamente os discentes,
também os formem com competência para identificar e compreender criticamente
a realidade em que se inserem.
139
Não se pode menosprezar o poder da ideologia do capital que permeia a
Educação na atualidade, a criar barreiras para que os propósitos e resultados
esperados com o processo de ensino-aprendizagem alcancem o interior das
instituições, especialmente por meio do corpo de profissionais responsáveis por
promover a formação de tais discentes (docentes e demais trabalhadores da
educação). Estes podem reforçar, na academia, os interesses do mercado, seja
nas contribuições manifestas nas atualizações dos PPP, seja na maneira como
trabalham os conteúdos em sala de aula, seja na reprodução da concepção
alienada dos cursos, da formação e da inserção profissional.
Deste modo, ainda que se expressem perspectivas formativas críticas nos
documentos oficiais, elas não alcançam concretude, uma vez que, na realidade, o
conjunto de competência e habilidades requeridas no mundo do trabalho, que
interessa ao mercado, impõe-se de modo proeminente na formação.
Em verdade, as demandas de mercado se mostram tão velozes e
imperativas que um ano após a última publicação do Catálogo Nacional de Cursos
Superiores de Tecnologia (BRASIL, MEC, 2010), o Ministério da Educação inicia
procedimentos para a sua atualização. Com a coordenação da Secretaria de
Regulação e Supervisão da Educação Superior (SERES) e apoio da Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), entre 2011 e 2013, foram recebidas
propostas de atualização, contemplando inclusive as denominações dos cursos
autorizados em caráter experimental na base de dados do sistema e-MEC71 e de
cursos já constantes no catálogo de 2010.
Em 2014, já havia a versão preliminar de um novo catálogo para consulta
pública72. Segundo versa o documento
O trabalho de atualização do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia - CNCST, que pesquisadores, instituições de ensino superior, entidades contou com a participação de professores, especialistas e de representação profissional, dentre outros, resultou na revisão dos descritores
71 Sistema informacional do Ministério da Educação, em funcionamento desde 2007, destina-se à tramitação eletrônica de processo de regulamentação de cursos superiores (credenciamento; recredenciamento; busca por autorização, reconhecimento e renovação). <http://emec.mec.gov.br> 72 Acabado o processo de consulta e análise, a versão 2016 do Catálogo já foi publicada. Segundo o documento houve revisão dos descritores dos 113 cursos já constantes do catálogo anterior, e o acréscimo de 21 novas denominações. Ao todo são atualmente 134 denominações de Cursos Superiores de Tecnologia a integrarem o novo Catálogo (BRASIL, MEC, 2016).
140
dos 113 cursos já constantes do catálogo anterior, e no acréscimo de 31 novas denominações, totalizando assim 144 denominações de Cursos Superiores de Tecnologia a integrarem o novo catálogo. (BRASIL, MEC, 2014, grifos nossos)
A indicação da participação de distintos atores constitui elemento relevante,
embora o fato de não estarem definidos/nominados no documento nos impeça de
compreender que dimensões da formação estão sendo consideradas pelos
interesses em jogo. Ainda assim, é importante ressaltar, que a versão preliminar da
nova edição do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia ficou
disponível na internet, via página da SERES/MEC na web, para consulta pública
com formulário aberto a toda a sociedade, podendo inclusive participar estudantes
e entidades de representação profissional (novembro/dezembro de 2014).
A abertura para a ampla participação, especialmente, em se tratando dos
cursos já existentes no catálogo de 2010 e ofertados pelas IES brasileiras, é
positiva, uma vez que possibilita acomodar as propostas às realidades vivenciadas
nas instituições de ensino por gestores, docentes e estudantes. Mas, sua realização
unicamente via internet e sem ampla divulgação/mobilização para as contribuições
dos estudantes/profissionais tecnólogos, docentes e coordenadores de cursos
pode ter desfavorecido a mais ampla participação.
Finalmente, na análise de documentos oficiais, PPP de cursos e no
desenvolvimento do IFRN podemos identificar elementos de contradição
expressando interesses em jogo, em uma disputa na qual, determinados sujeitos
diretamente envolvidos não parecem ter a real compreensão de que projetos de
formação e de sociedade estão a reforçar, nos marcos da formação tecnológica e
técnica de nível superior. As contradições parecem mais contundentes e pouco
apreendidas pelos sujeitos diretamente envolvidos no processo de ensino e
aprendizagem.
141
3.3 Formação técnica e tecnológica de nível superior no IFRN e a inserção
profissional dos egressos no mundo do trabalho
Tendo como ponto de partida os quantitativos e contatos de estudantes dos
cursos superiores de tecnologia, do Campus Natal-Central do IFRN, aptos a colar
grau nos anos de 2013 e 2014, recorte temporal desta pesquisa, a busca ativa para
a realização das entrevistas resultou no quantitativo de 10 egressos, os quais
aceitaram participar da pesquisa de campo.
Tabela 3 - Quantitativo de discentes aptos a colar grau nos cursos superiores de tecnologia
atualmente ofertados pelo IFRN-campus natal central-referente aos anos de 2013 e 2014
Curso 2013 2014 Total
Tecnologia em Gestão Ambiental 6 27 33
Tecnologia em Construção de Edifícios 17 19 36
Tenologia em Comércio Exterior 0 7 7
Tenologia em Gestão Pública 9 15 24
Tecnologia em Redes de Computadores 5 16 21
Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas
8 16 24
TOTAL 145 Fonte: Diretorias Acadêmicas/IFRN
A distribuição entre os cursos, conforme apontado no Capítulo 1, expressa
a nossa busca de trabalhar de modo abrangente dentro do recorte empreendido
em termos temporais e de área, abarcando os 6 cursos superiores de tecnologia
ativos na atualidade no Campus Natal-Central do IFRN.
Tabela 4 – Cursos de formação dos egressos entrevistados
Curso Quantitativo de egressos
Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas 1
Tecnologia em Comércio Exterior 1
Tecnologia em Construção de Edifícios 2
Tecnologia em Gestão Ambiental 2
Tecnologia em Gestão Pública 2
142
Tecnologia em Redes de Computadores 2
TOTAL 10
Fonte: Dados da pesquisa/ Elaboração da autora
Nossos entrevistados, egressos de cursos superiores de tecnologia, são
majoritariamente jovens, na faixa etária de 15 a 29 anos73. Um grupo de idade,
portanto, dentro da esperada para o ensino médio, conforme o padrão para a
educação formal em seus ciclos formativos. Trata-se, portanto, do momento
geracional a caracterizar as juventudes, que estão comumente em busca de
definição de um ofício a seguir e planejando sua carreira profissional. É, por fim,
aquela propensa a compor o precariado, em tempos atuais.
A maior parte é formada por pessoas do sexo masculino, algo que tem
relação com o próprio perfil da área tecnológica, notadamente, ocupada por
homens. Não obstante, há que se registrar a participação de quase metade de
mulheres, em diferentes cursos.
Com relação ao tempo empreendido para conclusão dos cursos, entre os
entrevistados, encontramos a média de 4,4 anos. Todos eles, portanto,
ultrapassaram o tempo mínimo previsto nos documentos institucionais, de 3 anos
para conclusão. Esse decurso temporal pode ser fruto de diversos fatores, não
apreendidos pela pesquisa. Ousamos indicar a possibilidade de relação com a
realidade peculiar da maior parte dos sujeitos entrevistados, os quais estiveram
envolvidos em outras atividades acadêmicas e de apoio estudantil, como bolsas,
pesquisas e estágios. Ademais, compreendemos que o breve tempo previsto para
a integralização do currículo acadêmico seja insuficiente diante da realidade dos
discentes e do seu processo de amadurecimento acadêmico, além da premente
necessidade de crescentes parcelas de estudantes de aliarem estudo e atividade
de trabalho ou estágio remunerado. Fazemos referência a isso, porque
significativos foram os relatos a destacar o tempo destinado à conclusão dos cursos
como curto.
No intuito de identificar elementos das origens de vida dos diplomados com
que trabalhamos ao longo da pesquisa, compilamos dados acerca da escolaridade
73 “[...] compreende-se cada vez mais como juventude o estrato social de 15 a 29 anos ou até mais
(14 anos no mínimo)” (POCHMANN, 2013, p. 39).
143
dos pais ou adultos que que assumiram essa função. Com relação aos pais,
identificamos igual quantidade entre aqueles com ensino médio completo e com
ensino fundamental completo, 4 entre 10, e 2 alfabetizados. As mães em maioria,
5 entre 10, possuem ensino fundamental completo; 3, cumpriram o ensino
fundamental, 1 é alfabetizada e 1 apresenta ensino superior.
Em face disso, evidenciamos que a maior parte dos nossos entrevistados
podem ser identificada como pertencente a núcleos familiares em que a elevada
escolarização formal não é uma realidade comum, isto é, não faz parte das suas
experiências de vida anteriores à sua própria formação. No entanto, denotamos das
próprias falas dos entrevistados a relevância que a educação formal assume no
discurso e atitudes de seus pais, ao longo da vida, no incentivo e na busca por
oportunizar acesso a uma formação de nível superior. O desejo dos pais passa a
ser, então, partilhado por seus filhos, tornando-se seu sonho pessoal, conforme o
ideário corrente, de se qualificar, ter uma formação de nível superior, que lhes
assegure realização pessoal e melhores condições de vida que as de seus
mantenedores. A fala a seguir é emblemática, nesse sentido.
Minha mãe e meu pai só têm o ensino fundamental incompleto. Meu irmão mais velho tem duas graduações - ele é dentista e naturólogo -, meu irmão do meio se formou agora em ciências agrárias, na Paraíba. Então, assim, lá em casa, quanto à questão da educação familiar, nesse sentido de incentivo, a gente nunca teve problema... questão financeira sim, mas de incentivo, não. Minha mãe e meu pai sempre foram os braços fortes da gente. Hoje, nós somos três irmãos, por enquanto são quatro graduações, ano que vem [...] vai ser a quinta, porque eu vou me formar no curso de engenharia civil [...] (Felipe, informação verbal)
No relato já é possível identificar questões relativas à renda familiar dos pais.
Para além de ser uma realidade particular do egresso, é parte da configuração
socioeconômica prevalecente entre as famílias dos entrevistados, situadas, a maior
parte (8 entre 10 egressos), em faixa de renda abaixo de três salários mínimos e
meio.
Tratar de aspectos socioeconômicos como escolaridade e renda e,
destacadamente, diante dos dados obtidos, remete-nos às parcas condições
familiares para possibilitar acesso a bens e serviços básicos não ofertados por meio
de políticas públicas à população. Ademais, evidencia o menor favorecimento na
144
busca por alternativas em âmbito privado diante das falhas, lacunas ou mesmo
negação de direitos, referentes à disponibilidade e qualidade de serviços públicos
de responsabilidade estatal, como educação. Exemplo disso é que os sujeitos de
pesquisa são majoritariamente advindos de escola pública - 7 deles, tendo um
vivenciado ao menos uma parte da vida escolar, o ensino médio, em escola pública.
Apesar disso, alguns dos egressos estiveram vinculados a instituições
ofertantes de cursos de nível técnico, que lhes possibilitou um primeiro nível de
diplomação. Estes traçaram como interesse a realização de uma graduação, como
forma de ampliar a abrangência da atuação profissional ou como continuidade na
área de formação ou afim. Para estes e para os demais, a realização de um curso
de nível superior significava uma possibilidade de ampliar condições de inserção
no mundo do trabalho e de sucesso profissional, a se impor como requisição de um
mercado, a exigir constantes adequações e atualizações por parte dos
trabalhadores. Assim, absorver conteúdos e desenvolver competências e
habilidades complexas, demarcadas pelo título conferido por instituição de ensino
formal e reconhecida pelo Ministério da Educação aparece ainda como uma via de
grande interesse, ampla em possibilidades. Os relatos indicam como motivação a
dificuldade de inserção profissional no mundo do trabalho para alguém que
dispõem apenas de diploma de nível técnico e, logo, explicita-se o desejo por
eliminar as limitações oferecidas pelo curso técnico:
[...] eu decidi fazer porque eu fiz um curso técnico e senti dificuldade de ingressar no mercado de trabalho, aí procurei um
outro curso que fosse parecido com o que eu já estava exercendo [...] (Maria, informação verbal, grifos nossos)
Ou ainda as exigências do mercado de trabalho, àqueles já atuantes, de
certificação de nível superior, a fim de alcançar maior reconhecimento e valorização
profissional, bem como melhor posicionamento no mundo do trabalho:
Colocação profissional no mercado. Eu já trabalhava na área, [...] mas foi passando os anos, mas eu via que, sem o diploma de nível superior, eu não conseguia progredir dentro da carreira, [...] aí fui e fiz o curso (José, informação verbal, grifos meus)
145
Ou, tão somente, a preocupação em estar adequado às requisições de
mercado, a fim de assegurar a própria competitividade, em tempos de expansão do
ensino superior e de crescimento quantitativo de diplomados:
[...] pra me qualificar, primeiramente, [...] o mercado de trabalho
está ficando bastante difícil de ingressar, hoje em dia já não é tão fácil com ensino superior, não garante nada. Então eu não poderia ficar pra trás do restante da população. (André, informação verbal,
grifos meus)
A área de tecnologia apresenta-se, ao mesmo tempo, como uma novidade
e como uma demanda do mercado a ser atendida pelos trabalhadores em
formação. Destaca-se assim, apologeticamente, como possibilidade, enquanto
área ainda não saturada e constituída por oportunidades ofertadas pelo mercado
carente de mão de obra qualificada. Entretanto, os cursos com formação de
tecnólogos, não estavam entre as primeiras opções de parte significativa dos
entrevistados, que já haviam tentado ingresso em outras áreas de formação, e que,
por não terem obtido sucesso, encaminharam-se para aquela em que houve
disponibilidade de vagas, em face de sua pontuação no Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM) ou de vestibular simplificado realizado pelo Instituto. O exposto pode
ser observado no relato em destaque:
Foi em função da necessidade e da oportunidade. Eu nunca gostei de tecnologia, mas depois que comecei a fazer o curso, eu passei a gostar (Paulo, informação verbal)
Um dos professores coordenadores de curso superior de tecnologia do
IFRN, questionado sobre o curso, sua relação com a economia local e o
desenvolvimento profissional dos discentes, assevera: “O curso interage
diretamente com o mercado da construção civil, porém muitos alunos ainda buscam
a conclusão deste curso como atalho para cursar o curso de engenharia” (Diogo,
informação escrita). Destaca, assim, o interesse real dos estudantes em curso
distinto do realizado no IFRN, no qual se matriculam para aproveitar a oportunidade
e ter, posteriormente, maiores condições de ingressar no curso desejado.
Assim, existem aqueles que pouco ou nada sabem a respeito da área, dos
cursos e/ou do mundo do trabalho para as profissões em que estão inseridos e,
146
segundo os relatos, as informações, mesmo dentro da instituição, são ainda
dispersas e pouco debatidas com os jovens em formação. Isso faz com que se
aproximem da conclusão do curso sem a real ideia das discussões acerca da
regulamentação profissional ou da realidade que se delineia no mundo do trabalho
na contemporaneidade para os tecnólogos de cada curso. Senão vejamos:
Eu não conhecia o termo 'tecnológica', pra mim era nível superior e acabou. Quando eu cheguei no curso, depois de alguns semestres, já no curso, eu comecei a ver o contexto do curso tecnológico, a questão do curto tempo [...], que não valeu esse curto tempo aqui e a proposta dele, principalmente o curso de gestão ambiental, que a gente não tem a profissão regulamentada. Então foi pra lá do meio do curso que eu descobri que eu ia terminar o curso e provavelmente não conseguisse me encaixar em algum momento no mercado. (Joana, informação verbal)
Aqui já se evidenciam aspectos reiteradamente apresentados pelos
egressos com relação aos cursos de tecnologia, o aligeiramento da formação e a
ausência de regulamentação. Demarcamos que são importantes os debates a
serem feitos junto à comunidade acadêmica, especialmente com os discentes,
principais interessados, desde o início do curso e que, segundo os entrevistados,
não são propostos pela instituição. Assim, se torna possível alcançar períodos
avançados do programa sem ter qualquer noção a respeito da área e dos desafios
postos aos profissionais para o exercício profissional.
Em termos das expectativas, quando da conclusão dos cursos, os
entrevistados consideram que a inserção profissional na área de formação, seja na
função de tecnólogo seja em ocupação mobiliza os conhecimentos adquiridos na
formação pelo IFRN. Alguns ainda indicaram a busca pela continuidade da
formação em áreas associadas às de suas formações, no sentido de ampliar as
possibilidades de inserção no mundo do trabalho.
Salientamos que essa opção pela continuidade dos estudos - quando em
outras áreas de formação -, já ao final do curso, denota o retorno à busca pela
formação realmente desejada e/ou a quebra das expectativas iniciais com relação
ao curso e à profissão de tecnólogo - ainda que haja interesse e afeição pela área
-, em razão dos contatos iniciais com o mundo do trabalho. Assim expõe o André:
147
Quando eu concluí eu já tinha um pensamento diferente, que eu já estava vendo que ia ser bastante difícil conseguir algo na área, assim, sem ser por meio de concurso [...] E o próprio concurso [...] da área de Gestão Pública é difícil de ter [...] (André, informação verbal)
Entretanto, alguns, ainda nesse momento, alimentam expectativas positivas
de inserção no mundo do trabalho. Nos casos encontrados, isso ocorre em razão
de já desenvolver atividades laborais asseguradas por convenção de estágio, com
possibilidades de contratação.
Aqueles que procuram dar sequência à formação por meio de mestrado,
estando na área de informática, enveredaram aí por dimensões consideradas
promissoras e inovadoras, como a Engenharia de Software e a Bioinformática. Isso
pode indicar que, para além da formação de graduação, a pós-graduação em área
de tecnologia apresenta-se como uma aposta de diversificação a ser analisada pelo
IFRN, com criação de novos cursos, no sentido de atender às ditas requisições de
mercado, o que resulta na criação de novas profissões e ainda, como visto, de
novas especializações no interior daquelas existentes.
Dentre os entrevistados, 6 estão realizando outra graduação em área distinta
ou afim. Em termos de mudanças de área, encontramos duas alterações radicais:
uma, em que o egresso do curso de Tecnologia em Desenvolvimento de Software
migrou para a Licenciatura em Letras Libras e trabalha na condição de servidora
pública, como intérprete de libras; e outra, na qual o egresso concluiu o curso de
Gestão Pública e ora cursa Marketing, também no IFRN.
Os demais mudaram para área afim, recorrentemente, para as engenharias
- civil e agrônoma - ou para área distinta, porém com perspectiva de associar as
duas formações, a exemplo do egresso diplomado em Tecnologia em Gestão
Ambiental, que agora cursa Pedagogia. Houve ainda um depoimento que
expressou desejo por mudança de área, indicando interesse também pelas
engenharias.
Evidenciamos, pois, que tais diplomados procuraram uma nova profissão a
fim ampliar as possibilidades de atuação, bem como as condições inserção ou
permanência no mundo do trabalho. Este dado nos revelam os graus de
instabilidade com que se deparam os egressos, ainda que estejam qualificados em
nível já elevado - superior -, mas numa área de abrangência profissional com baixa
148
aceitação e reconhecimento por parte do mercado. Esta é uma das características
definidoras do precariado, a inserção instável e a busca por mais títulos que
incrementem a apologética empregabilidade.
Ao dizermos de tais dificuldades de inserção e da posição ocupada por
profissões de tecnólogo no mundo do trabalho, estamos nos remetendo ao fato de
que, embora a formação pelo IFRN possibilite aos estudantes conhecimentos,
habilidades e competências técnicas para o bom desempenho conforme propõe o
PPP do curso - com previsão no Catálogo Nacional de Cursos de Tecnologia -, de
um modo geral, os tecnólogos não contam com regulamentação a respaldar a
atuação, que considere atribuições, competências e prerrogativas.
O Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (CREA), é um dos
conselhos profissionais que abrange determinadas formações cuja estrutura
curricular tem relação com as engenharias, a exemplo dos cursos de Tecnologia
em Gestão Ambiental e Tecnologia em Construção de Edifícios. Contudo, segundo
os relatos, restam confusas e limitadas as possibilidades de exercício profissional
dos tecnólogos. Estes são compreendidos como tendo mais competências que os
técnicos, a despeito de possuírem formação de nível superior, mas tidos como
profissionais com competências mais restritas que os engenheiros. Desse modo,
são socialmente relegados a uma espécie de limbo, no qual ocupam um "meio
termo", entre um e outro, ou um “não-lugar”. Deles são exigidas competências e
habilidades profissionais do mesmo nível dos demais engenheiros, apesar dos
limites impostos e, contraditoriamente, seus contratos e remunerações
assemelham-se àqueles dos níveis técnicos.
Assim, a elevação da escolaridade via cursos de tecnologia têm significado,
para muitos, possuir um status de nível superior não reconhecido e compreendido
socialmente, nem mesmo pelo mercado; este mesmo mercado que,
paradoxalmente, requer tais perfis profissionais às instituições formadoras.
Essa relação contraditória de uma soma que não possui resultados positivos,
a não ser para o próprio mercado, é responsável por um processo de precarização
objetiva do trabalho, na medida em que profissionais são submetidos a uma
dinâmica complexa (dada a polivalência requisitada) e à sobrecarga de trabalho,
sem receber sequer, em contrapartida, o reconhecimento ou a valorização que lhes
são devidos. A precarização objetiva das relações e condições de trabalho acarreta
149
o sofrimento de tão jovens trabalhadores, a vivenciarem já em suas primeiras
experiências no mundo do trabalho a precarização existencial.
Por isso, quando questionamos se o egresso considera que o curso lhe deu
condições de inserção e sucesso profissional no mundo do trabalho, recebemos
relatos como o de Maria, em destaque a seguir:
[...] o que eu vejo é que deu muitas condições, porque o IFRN é [...] a escola que mais prepara os alunos para níveis técnicos, né? Mas, assim, o curso de tecnólogo, como tecnólogo de construção de edifícios, pelo menos aqui no estado, ainda não é reconhecido como os outros cursos [...] questões de atribuições eles não definem, inclusive o CREA também não define [...], eles definem o do técnico e o do engenheiro, mas o tecnólogo ainda fica no meio termo, aí eu vejo muita dificuldade (Maria, informação verbal, grifos
nossos)
Portanto, dada à ausência de regulamentação e de reconhecimento social
do curso, é frequente, para os tecnólogos, a submissão à contratação para o cargo
de técnico – o que seria o correspondente técnico em sua área –, a gerar baixos
salários e vínculos precarizados, ou desconsideração/desconfiança acerca de suas
capacidades para o exercício de cargo de nível superior e de atribuições referentes
a esse nível de ensino. Vejamos:
[...] por ser tecnológico, a gente tem aquela coisa que fica... Nem é superior, nem é técnico. E eles, ou te pagam o valor de técnico, ou acham que você não é capaz de fazer um trabalho; no caso ambiental, ou você é engenheiro ambiental ou você é técnico ambiental. Então, eles te pagam contratado como... ou não é capaz de fazer algo, porque não é engenheiro, ou você pode se submeter a fazer qualquer trabalho que venha [apareça] de gestor ambiental como técnico. Então, em alguns momentos, o curso de tecnologia não te dá segurança de curso superior, porque você tem que explicar que o curso de tecnologia é curso de nível superior. Todas as vezes isso. (Joana, informação verbal)
A insegurança relatada não passa por questões já conhecidas relacionadas
com a segurança no emprego, no tocante ao vínculo empregatício e aos direitos
trabalhistas ou à integridade física, de saúde, etc., mas sim pela ausência de
credibilidade conferida ao tecnólogo, que goza de título de nível superior, não sendo
reconhecido como tal, confrontando-se à frustração de status e/ou remuneração,
ao tempo em que contribui para maior lucratividade dos empregadores.
150
É marca do precariado, como vimos, o elevado nível de escolaridade e a
inserção precária ou não inserção no mundo do trabalho. No caso dos tecnólogos,
encontramos, para essa mesma realidade, o agravante de os cursos terem sido
chancelados pelo MEC e ofertados pelas instituições de ensino, sem alcançar o
devido referendo do mercado e dos empregadores, tornando ainda mais difícil a
inserção profissional em condições minimamente satisfatórias. Algo reconhecido
por Coordenador Diogo (coordenador de curso), que, em resposta ao
questionamento sobre o cumprimento dos objetivos postos no PPP quanto à
preparação dos sujeitos para a inserção profissional, afirma: “o mercado não
assimilou a necessidade deste profissional, pois o classifica como caro para o ramo
da construção” (Coordenador Diogo, informação escrita). Este depoimento reflete
a não assimilação pelo mercado e a desvalorização do profissional, como já
mencionadas. Talvez, estes profissionais sejam absorvidos, mas não para função
e com o salário correspondentes. Coordenador Diogo acrescenta: “O mercado não
absorve e a maioria dos alunos migra para outro curso de graduação ou pós-
graduação” (Coordenador Diogo, informação escrita).
As considerações dos egressos sobre as condições e possibilidades
decorrentes da realização do curso para inserção e sucesso profissional,
evidenciam que o ambiente acadêmico é dotado de possibilidades, com relação à
construção do conhecimento e ao aprendizado; destacam a dedicação e a
qualificação dos docentes, assim como as experiências decorrentes da formação
para a inserção mesma no mundo do trabalho. Estes são aspectos relevantes na
promoção das boas condições de formação profissional, na consecução de
competências e habilidades que os tornam verdadeiramente aptos a atuar e em
boas condições, portanto, de se inserir no mundo do trabalho. Esses são elementos
peculiares ao IFRN, especialmente, no que se refere à relação estabelecida entre
os professores e os estudantes e entre os professores e o próprio mercado
profissional, a possibilitar a experiência do exercício profissional, explicitando uma
real interação entre a formação e os processos de trabalho. Em termos da formação
técnica, para o trabalho, é notadamente, um aspecto que favorece a reconhecida
qualidade formativa do IFRN.
Não obstante isso, alguns entrevistados destacaram a existência de
elementos requeridos pelo mercado e não contemplados pelas propostas
151
curriculares e ações complementares dos cursos. A ausência de experiência,
reiteradamente citada pelos egressos, constitui exigência que pode significar a
exclusão dos sujeitos de processos seletivos das empresas ou levá-los a situações
de maior precariedade, ao aceitarem condições salariais e de trabalho para obter
registros de atuação profissional, a qualquer custo e, assim, garantir que o
currículo, aos poucos, possa ser preenchido e estar a contento dos empregadores.
Em um dos relatos o egresso afirma: "Tenho amigos que terminaram há dois
anos e não arrumaram emprego até hoje porque eles não têm um mínimo de seis
meses de experiência, porque durante o curso não conseguiram estágio" (João,
informação verbal). Isso indica a importância dada pelos contratantes a este
quesito. Depois relata:
Eu tenho um caso de um amigo específico que, para ele se inserir na área, ele teve que deixar o emprego que tinha [...] fazer um estágio que, de certa forma, não era legal, mas que servia no papel
pra provar que ele tinha experiência. O estágio foi gratuito, ele chegou a conversar com o pessoal da empresa, mostrou que tinha interesse e conhecimento, mas a política da empresa era de não contratar ninguém sem experiência. Ficou oito meses trabalhando de graça e depois conseguiu entrar como funcionário mesmo (João, informação verbal, grifos meus).
Ainda que esta não tenha sido a realidade vivenciada pelo entrevistado,
trata-se de uma vivência que lhe é próxima, tendo sido destacada por mais de um
entrevistado como uma possibilidade a se submeter, vislumbrando um emprego na
área de formação pelo IFRN.
À medida que significa para os empregadores uma estratégia para assegurar
força de trabalho com certo grau de maturidade no exercício profissional, atende
também seus interesses por mão de obra qualificada e barata ou a custo zero,
justificado por uma conduta empresarial de apenas contratar profissionais
minimamente experientes. Muitos trabalhadores, pelo compreensível anseio de
trabalhar exercendo sua profissão, se submetem a essa lógica e terminam por
referendá-la, ainda mais, quando não contam com a regulamentação e a
organização da categoria profissional para fazer frente às imposições do capital.
Há ainda as exigências do mercado de trabalho para que os egressos
apresentem conhecimentos específicos, apesar de a formação ser genérica e
152
aligeirada. Os indivíduos são levados a se especializar e são, via de regra,
responsabilizados por isso. Não bastasse, ainda precisam estar atentos e de
acordo com as mudanças e sazonalidades do mercado. Sobre isso afirma uma das
entrevistadas:
[...] eu trabalhei com gestão ambiental, mas, quando você vai pro mercado de trabalho, ele quer sistema de gestão ambiental, licenciamento... são coisas que quando você tá envolvido numa base de pesquisa que trabalhe isso... a gente sai com esse déficit (Joana, informação verbal)
De fato, as requisições dos empregadores por mais amplos e específicos
conhecimentos se elevam cada vez mais, e, para muitos, o título de nível superior
torna-se essencial, mas não suficiente para o ingresso no mundo do trabalho. As
falas de nossos sujeitos de pesquisa manifestam claramente esta compreensão.
Ao vincularem o imperativo da titularização à seletividade do mercado, trazem à
tona o discurso apologético do mercado que vigora nos dias de hoje, construído a
partir de valores como individualização, responsabilização e competitividade. Tanto
é que a chamada “peneira” do mercado leva à busca por títulos cada vez mais
elevados. Isso pode ser notado no seguinte relato:
[...] mas hoje eu penso que só o nível superior é muito pouco,
que tem que ter mais, no mínimo especialização, na verdade, mas o bom mesmo é ter um mestrado ou doutorado pra você
conseguir se garantir no mercado de trabalho." (Ana, informação verbal, grifos nossos)
Porém, o título, muitas vezes, é tomado em si mesmo como referência
profissional. Possuir diploma de nível superior, embora já não figure como uma
ideia de garantia de emprego, é considerado como requisito básico para uma boa
colocação na competitividade posta no mundo do trabalho. Assim aponta Paulo:
“[...] Acho que quando você é selecionado par um cargo e você apresenta seu título,
certamente, só o fato de você apresentar o título isso já conta a seu favor” (Paulo,
informação verbal).
A respeito do percurso no mundo do trabalho, poucos egressos haviam
trabalhado antes da realização do curso no IFRN. Isto indica um percurso de
escolarização e de formação mais amplo. Mas, entre os que tiveram experiências
de trabalho anteriores, um é servidor público federal, no cargo de técnico
153
administrativo há 32 anos, não havendo mudanças no posicionamento institucional
em razão da conclusão do curso de Tecnologia em Gestão Pública; outro atuava
com vínculo formal, sendo autodidata na área de informática, trabalhando com
desenvolvimento web, ao longo do curso, teve um longo histórico de vínculos
trabalhistas e de participação em programa de apoio estudantil e de realização de
estágios, além de realizar serviços sem contrato.
Aqueles que trabalhavam durante o curso, apresentam situações bastante
distintas: um trabalhou nos períodos iniciais do curso, com registro em carteira de
trabalho, na ocupação de auxiliar administrativo, mas optou por pedir dispensa por
dificuldades de conciliar o trabalho com as atividades acadêmicas; outro prestou
concurso para técnico de informática e, desde então, atua como tal.
Nos relatados dos egressos acerca do percurso no mundo do trabalho,
merece destaque o papel assumido pela Instituição, no sentido de ampliar
horizontes e dar condições mínimas à permanência dos estudantes e ao bom
desempenho acadêmico, oportunizando a realização de estágios e a participação
em programas de apoio ao estudante. Parte significativa, 6 dos entrevistados,
participou de algum programa de apoio estudantil, seja de apoio técnico - em
parceria com a UFRN -, de Iniciação Profissional ou de Pesquisa. Esse aspecto
reflete a preocupação com a construção, pelo IFRN, de possibilidades diversas de
assistência ao estudante e de desenvolvimento acadêmico, os quais se efetivem
no plano real, sendo acessíveis aos discentes.
Ainda assim, destacamos as limitações orçamentárias dos referidos
programas institucionais para empreender uma abrangência verdadeiramente
satisfatória. Em face disso, as reduzidas vagas oportunizam a participação de uma
parcela dos estudantes, a partir de critérios de rendimento acadêmico, aprovação
em processo de seleção com demonstração de habilidades ou com base em
análise de situação socioeconômica. Mesmo neste último caso, há um
afunilamento/focalização para inserção de estudantes, a excluir alguns deles.
Apesar de estar à disposição dos discentes, em dimensão limitada, nem sempre
será acessada de fato.
Além disso, 7 dos egressos informaram ter realizado estágio, que para
alguns – 3 entre 10 - resultou na contratação, com registro em carteira de trabalho,
embora o tenha sido feita para a função de técnico e não de tecnólogo ou para
154
ocupação totalmente distinta da área de formação. Essa é, aliás, uma das lacunas
observáveis: notadamente, mesmo as vagas de estágio ocupadas pelos
profissionais tecnólogos em formação, são destinadas a estudantes do nível técnico
de ensino ou se destinam a funções genéricas, que pouco ou nada têm de relação
com o curso que fazem. Deste modo, o contato inicial dos estudantes com o mundo
do trabalho já ocorre de maneira enviesada, a partir da ausência de reconhecimento
profissional e da baixa valorização de seu trabalho. Assim, conquanto, os estágios
possam significar a experiência tão desejada pelos discentes e requisitada pelo
mercado, além de uma pertinente promessa de contratação, os termos em que
ocorrem e as relações e condições de trabalho que geram são, evidentemente,
precárias.
Observando os percursos, de modo geral, constatamos que os ingressantes
no mundo do trabalho via concurso público gozam de um elemento bastante
valorizado em tempos atuais de aprofundamento e ampliação da precarização do
trabalho, qual seja a estabilidade. Entretanto, trata-se de situação vivenciada por
poucos e vinculada a processos seletivos bastante concorridos e, cada vez mais
exigentes, havendo inclusive, em muitos casos, fase classificatória com prova de
títulos. Ademais, entre os entrevistados, dos ocupantes de cargos públicos,
nenhum atua como tecnólogo ou ocupa cargo de nível superior, encontrando-se em
funções técnicas (um em área afim, para a qual tem formação anterior ao curso de
graduação e o outro em área genérica, cuja exigência é apenas o ensino médio).
No primeiro caso, destacamos, mais uma vez, o aproveitamento de conhecimentos
e competências de nível superior em ocupações de nível técnico, que aqui aparece
inclusive no serviço público, a submeter o trabalhador a um espectro maior de
atribuições do que está previsto em sua contratação/vinculação.
Importante também se faz dar relevo à realidade expressa por um dos
entrevistados acerca da instabilidade e da rotatividade de vinculações laborativas,
bastante emblemáticas da dinâmica do mundo do trabalho na atualidade, em que
a flexibilização e precariedade das relações e condições de trabalho conduzem os
sujeitos à reiteradas entradas e saídas de seus empregos, a submissão a baixos
salários e condições de trabalho. Quando não os leva à realização de trabalhos
temporários e de prestação de serviço informais, a fim de garantir as condições
objetivas de vida. Em seu relato, José expõe:
155
[...] eu tive que pular de uma empresa pra outra durante algum tempo. Eu fiz estágio de um ano na UFRN; teve outra empresa que eu trabalhei 6 ou 7 meses, que era imobiliária; teve outra que passei um ano e meio, mais ou menos, e sempre fazendo freelance
também. Teve dez meses que eu passei penando [...] (José, informação verbal)
Ao avaliar o processo de inserção profissional, os entrevistados ressaltaram
as possibilidades e as dificuldades encontradas ao longo do processo de pós-
diplomação e inserção - ou tentativa de inserção - profissional. Há avaliações
positivas, referenciadas na qualidade formativa, na orientação recebida dos
profissionais que fazem a instituição acerca do mundo do trabalho e no
aproveitamento de oportunidades.
Tais avaliações são, contudo, críticas no sentido da reflexão que agregam
quanto à complexidade do mundo do trabalho em tempos atuais. Ainda assim,
encontramos falas carregadas de relativização das dificuldades de inserção
profissional no mundo trabalho e de individualização do sucesso/fracasso dos
sujeitos nesse processo, a demonstrar a captura da subjetividade evidenciada por
Giovanni Alves (2011). Vejamos:
Eu, olhando o meu lado, eu acho que eu soube aproveitar as oportunidades. Tem um colega meu que, se você for conversar com ele, ele vai dizer exatamente o contrário [...] Mas é complicado, porque, assim, é uma pessoa de perfil diferente do meu. É uma pessoa que até hoje tá na casa dos pais, uma pessoa que fica reclamando porque não tem um emprego [...] (José, informação verbal)
Outros testemunhos mostraram as dificuldades com relação ao
reconhecimento e as limitações profissionais como obstáculos, além das exigências
dos empregadores em torno de experiência e posse de certificados. Estes últimos
expressam a marcante requisição do mercado, que direciona os sujeitos, num
verdadeiro efeito manada, ao acúmulo, muitas vezes indiscriminado, de títulos e
certificações, numa busca produtivista, pouco ou nada reflexiva, e até
desqualificante.
Fica evidente, nesse contexto, também a responsabilização dos indivíduos
sobre a sua diferenciação entre tantos outros formados e possuidores de leques de
156
certificados. O ingresso e a permanência no mundo do trabalho acabam por estar
condicionados a conhecimentos, habilidades e competências e mesmo
comportamentos, que distingam as pessoas e, ao mesmo tempo, as encaixem nos
interesses do mercado. A formação em si, ou o título obtido, são, por vezes,
secundarizados.
Aspecto também destacado foram as questões referentes à crise e à
conjuntura política do Brasil, a aparecer como justificativa para a impermeabilidade
do mundo do trabalho na contemporaneidade. É notório que os egressos não
possuem a exata dimensão da crise estrutural do capital, tal qual discutimos em
capítulo anterior e suas drásticas implicações para a política de educação e para o
mundo do trabalho. Isso porque apresentam o discurso corrente, ou seja, do senso
comum, largamente difundido pelo próprio capital, de que vivenciamos uma crise
conjuntural, a atingir temporariamente o mercado e, consequentemente, o mundo
do trabalho. Alimentando um “sonho” com dias melhores, sempre reportados para
mais tarde.
Tais concepções são reflexo de uma formação profissional que não constrói
espaços de debate acerca da estrutura do sistema que rege nossa sociabilidade,
das (re)configurações postas e das inflexões produzidas sobre a classe
trabalhadora. Nesse ponto da análise mesmo, surge uma questão bastante
pertinente, especialmente em se tratando do âmbito de formação tecnológica, qual
seja, a questão de gênero. Esteve presente em dois dos relatos a dificuldade de
aceitação/ingresso em empregos, para os quais existia a qualificação requisitada,
apenas pelo fato de ser mulher. Um dos relatos nos apontou a recusa na busca por
emprego em razão disso e expressou ser comum em sua área e conduta de
determinadas empresas, tal como minas e parques eólicos, não contratar mulheres.
Assim relatou Joana:
[...] você não pode ir desesperado, só com o curso de gestão... Acho que pra conseguir se inserir, você vai ter que ter o seu diferencial. [...] E se você não tiver no local certo, com a pessoa certa, em determinada situação, você não consegue. [...] não só por motivos acadêmicos, né? Tem a questão agora de toda a política e crise [...], que fizeram com que se fechassem portas, mas, no entanto, outras se abriram. E, acredite se quiser, um fator também que influencia muito na inserção no mercado é o fato de você ser mulher. Infelizmente, eu coloquei alguns currículos e a recusa foi 'A gente não trabalha com mulheres' [...] (Joana, informação verbal)
157
Evidenciamos o percentual de 7 dos entrevistados que não atua
profissionalmente na área de formação, contabilizados aqui os que vivenciam
situação de desemprego e os que atuam em áreas diferentes daquela de formação
pelo IFRN. Os 3 restantes são aqueles que estão empregados na área como
técnicos ou docentes. Temos a seguinte distribuição: 2 empregados/as em outra
área; 2 Empregados/as como técnico/a; 1 Empregado/a como técnico/a
administrativo; 1 Empregado/a como docente; 1 Não está trabalhando por opção; 3
Desempregado/a.
Em face das especificidades elencadas, ratificamos a inexistência de
contratação de profissionais, entre os egressos, para o cargo de tecnólogo.
Ademais, identificamos haver 6 empregados e 3 desempregados, ambos
compostos por casos diversos. As situações de trabalho em termos de
detalhamento de vínculo são as que seguem: 3 Servidores públicos efetivo; 1
Servidor público em contrato temporário; 2 Trabalho com vínculo e registro em
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS); 4 Não estão trabalhando.
Verifica-se a parcela que está em exercício profissional, 6 dos egressos,
estabelece, majoritariamente, relações de trabalho que oferecem segurança de
vínculo empregatício. Apenas um dos egressos está em situação de contrato
temporário com o serviço público. Além disso, aqueles que declararam já ter atuado
na área de formação, ainda que não estejam mais trabalhando ou tenham mudado
de área e de vínculo, informaram ter sido contratado com assinatura em CTPS.
Em termos salariais, considerando, para os que já atuaram na área, o valor
percebido à época e não em seus empregos atuais, identificamos 4 com renda
entre 1 e 3 salários mínimos; e 2 recebendo entre 4 e 4,5 salários mínimos.
Evidenciamos a preponderância das faixas salariais mais baixas e ainda que
a faixa de salário mais elevada é recebida por egresso em situação de vínculo como
servidor público, enquanto que aqueles contratados com vínculo via CTPS ou em
contrato temporário são, inversamente, demarcados pelas menores
remunerações74.
74 A respeito da segurança de remuneração, as informações apontam haver, entre os 7 egressos
que trabalham ou já trabalharam após a realização do curso, apenas 1 possuía remuneração variável, a qual ocorria com base na produção. Para os demais a remuneração é/era estável.
158
Consideramos, pois, que além do contrato temporário em si já ser
representativo da flexibilização e precarização do trabalho em tempos atuais,
aqueles cujo vínculo empregatício supostamente confere segurança - carteira de
trabalho assinada e direitos trabalhistas assegurados legalmente – estão imersos
em outro tipo de insegurança, a de mercado de trabalho, visto que não lhes são
asseguradas boas condições de salário-renda e de ocupação de posto de trabalho
correspondente ao de sua formação profissional – ocupam, todavia, os cargos de
técnico ou cargo genérico.
Assim, identificamos a precariedade até mesmo onde aparentemente há
segurança e garantias trabalhistas, posto que reside nas minúcias das relações e
condições de trabalho e, por isso mesmo, não está posta na aparência de que se
reveste o trabalho em tempos atuais, sendo preciso um olhar atento.
Dentre aqueles que já trabalharam ou que atualmente trabalham na área de
formação, as avaliações relativas à remuneração recebida são significativamente
negativas, isto é, apontam para o descontentamento com os salários que possuem.
Houve somente uma avaliação positiva, feita, porém, pelo egresso em contrato de
trabalho temporário firmado via concurso público, do que depreendemos, como já
referido, estar situado em relação de vínculo precário, mas ainda assim dotado de
melhores condições de trabalho que os demais entrevistados nas situações
referidas, os quais estão/estiveram vinculados a empresas privadas.
Foram significativas as manifestações de desagrado aliadas, entretanto, a
certo conformismo, num discurso articulado pelo próprio sistema do capital de que
há uma justificativa alheia à vontade dos empregadores, a crise mundial e nacional
vivenciada, como se aí não residissem interesses em disputa e a crise não fosse
de ordem estrutural. Junto ao discurso do baixo salário justificável pela crise, está
o discurso do desemprego, o qual se põe, numa espécie de pedagogia do medo,
contribuindo para manter a ordem e impedir manifestações contrárias por parte dos
trabalhadores. Consubstanciamos o exposto na fala que segue:
Não, infelizmente não. Eu só sou um pouco realista, porque a gente tá num período de crise, então eu não posso escolher. Mas se eu tivesse outra opção, em outra empresa, que eu ganhasse um pouco mais, eu iria. [...] eu sou insatisfeito com meu salário, bem insatisfeito, mas eu também não posso reclamar tanto, porque eu conheço muita gente que tá desempregado, muita gente
159
qualificada, vários profissionais bons que tão desempregados. Então, por uma parte eu até agradeço, mas, eu repudio o baixo salário. (Felipe, informação verbal)
O tempo de permanência nos empregos, ainda para aqueles que já
trabalharam ou que atualmente trabalharam na área de formação pelo IFRN, varia,
do menor para o maior período indicados, entre 12 e 42 meses, implicando a média
de 23,4 meses de tempo decorrido de vínculo empregatício. Ao considerar os anos
de conclusão dos cursos, entre 36 e 24 meses, entendemos que os sujeitos têm se
mantido em duração relativamente boa, sem a passagem de um emprego a outros
(ou ao desemprego) com muita brevidade, o que é propiciado pelo tipo de vínculo
laboral que possuem. Não vivenciam, assim, a rotatividade tão presente no mundo
do trabalho marcado pela flexibilidade.
Dos 4 entrevistados que não estão trabalhando, 3 estão em busca de
emprego. O que não está procurando ingressar no mercado de trabalho, optou por
dar continuidade aos estudos, para realizar seu sonho de se formar e atuar como
engenheiro agrônomo. Segue participando de programa de apoio estudantil da
instituição a que está vinculado, tal qual no período em que fazia seu curso no
IFRN.
Daqueles que almejam e estão à procura de emprego, 2 buscam desde a
conclusão do curso, há aproximadamente um ano e meio, e o outro há cerca de um
mês, quando ficou desempregado. Os egressos o fazem por meio da entrega de
currículos em empresas e, quando selecionados, realização de entrevista; ou
através de editais de licitação para contratação temporária de serviço de pessoa
jurídica a prefeituras; ou por meio de concursos público, sendo este último aquele
que mais representa para eles o enquadramento profissional seguro e estável, mas
também aquele dotado do mais elevado nível de dificuldade, em razão da alta
concorrência nos dias de hoje, em que parcela significativa da população encontra-
se em situações precárias de emprego. Sobre isso, vejamos a fala de Maria:
[...] tá cada dia pior, porque, assim, quando eu me formei [...] toda minha turma, na verdade, ninguém ficou desempregado e hoje são poucos os que estão empregados. Os que tinham conseguido pararam definitivamente de trabalhar, foi uma decisão deles e da família... pararam pra estudar pra passar num concurso, porque, hoje em dia, tá numa situação que emprego privado é hoje, não é
160
amanhã, então tá todo mundo recorrendo a voltar pra estudar [...] pra ter estabilidade. (Maria, informação verbal)
Todos esperam e preferem encontrar trabalho na área de formação pelo
IFRN, haja vista a aptidão e o investimento já realizado ao longo do curso, contudo,
estão abertos a outras possibilidades. Outro fator é não estarem dispostos a aceitar
qualquer proposta de trabalho, que os desvalorize profissionalmente ou atrapalhe
seus planos de conclusão da nova graduação. Todos estes voltaram a academia
para cursar outra graduação e, inclusive, por isso, só há interesse de trabalhar em
Natal, onde estão situadas as instituições de ensino a que estão atualmente
vinculados.
Há forte expressão em seus relatos de características do precariado, em face
da já referida busca por mais qualificação, tais sujeitos têm sua saída da casa (ou
da dependência) dos responsáveis protelada, pelo retardamento do seu ingresso
no mundo do trabalho. O tempo de "preparação" é alargado e se estende por boa
parte da fase adulta, mantendo por mais tempo a responsabilidade dos pais ou
daqueles que cumprem esse papel em sua vida sobre eles.
Esse é um fator que, muitas vezes lhes causam frustração e mesmo
sofrimento por ainda não ter alcançado a estabilidade e a independência
minimamente necessárias à construção de sua autonomia, desejos e realizações
pessoais e profissionais, comumente vendidos no mesmo pacote de ofertas dos
cursos de nível superior de ensino.
A respeito de como tais sujeitos percebem suas potencialidades para se
inserir no mundo do trabalho, as respostas demonstraram compreensões
diferentes, mas que, em seu conjunto, evidenciam um quadro emblemático da
relação situação de desemprego-busca por emprego-exigências do mercado de
trabalho. Os egressos destacaram o sentimento de ter muito a contribuir, de ter
potencial para se desempenhar bem no mundo do trabalho, bastando apenas a
oferta de oportunidade; expressaram a ideia de que as potencialidades já não
significam possibilidades reais de inserção profissional, uma vez que essas
oportunidades, ao menos em âmbito local, são parcas; e ainda apontaram o
entendimento de não possuir as competências que deveriam ter sido construídas
ao longo da graduação, como forma de atender às exigências dos empregadores.
161
Observamos, no discurso apresentado pelos egressos, a percepção de suas
potencialidades e disposição para o bom desempenho das atividades para as quais
foram qualificados. Todavia, as requisições do mercado, por um lado,
responsabilizam os sujeitos pela adequação imposta e, consequentemente, por seu
sucesso ou fracasso; e, por outro lado, obstacularizam o ingresso e o
desenvolvimento desses profissionais no mundo do trabalho. O resultado, além do
desemprego, é o sentimento de culpa e de incapacidade para atender aos
requisitos esperados pelas empresas e a compreensão de que suas
potencialidades não têm valor diante do mercado, pois as poucas oportunidades
existentes traçam um perfil inatingível aos candidatos. Vejamos a afirmação de
Joana:
Eu acho que em questão de competências, eu deixei faltar,
enquanto estudante, que é algo fundamental para você se inserir no mercado. Então eu acho que [...] eu tenho que me preparar muito mais. Com o que foi aprendido até o momento, até o momento da minha graduação, não foi o suficiente para eu tá
inserida e talvez esse seja o motivo de eu não ter conseguido ainda, por essas falhas, a dedicação em algumas áreas específicas do
curso que a gente vai vendo no geral, acha que o geral vai dar certo e no final você vê que tem as áreas específicas daquele seus curso que realmente vão te dar emprego [...] (Joana, informação verbal)
O depoimento anteriormente evidenciado é simbólico e expressa o sentido
conferido por uma juventude – ou melhor, por juventudes – a quem o sonho da
qualificação e das condições de inserção profissional é vendido por meio de um
discurso construído pelo capital, especialmente no que tange a área das
tecnologias, a despeito dos direcionamentos de mercado adotados pela educação,
do processo de substituição de trabalho vivo por trabalho morto, a precarizar o
trabalho na contemporaneidade. Essas juventudes, acabam por assumir
individualmente encargos formulados pelo próprio sistema e internalizam
cobranças a si próprios, frustrações e sofrimento por não se perceberem
adequados, suficientemente hábeis e competentes para o mercado de trabalho.
Assim, a partir de suas acepções e do modo como pensam a situação de
desemprego e a relação que estabelecem com o mundo do trabalho, ficam
evidentes o processo de captura da subjetividade dos sujeitos pelo sistema do
162
capital, a desembocar em fatores determinantes da precarização existencial desses
trabalhadores.
A seguir reproduziremos extensa fala de um dos entrevistados, bastante
característica da discussão que traçamos aqui:
[...] às vezes o mercado te impõe uma qualificação que você não tem e acaba te colocando à margem e você acaba ficando desempregado [...] Às vezes é você que não consegue se adequar ao que o mercado tá querendo, apesar de você ter a formação que o mercado exige. E, de repente, talvez, não seja culpa do mercado. Não tô dizendo que o mercado seja uma coisa bonita e legal. Não é. [...] pelo sim e pelo não, a gente tem outras formas de trabalho hoje também, questão de start up, empreendedorismo, trabalho off site, por exemplo, você tá em
casa trabalhando para uma empresa lá não sei onde. Tem essas possibilidades também. [...] Então, será que é o mercado que tá exigente demais? Ou será que são as pessoas que estão se autovalorizando mais do que deveriam? [...] Porque, quando a
gente vai olhar as pesquisas, o que diz é 'falta profissional'. Aí você vai pras pessoas, as pessoas dizem o quê? 'falta emprego'. Não, espera aí.... [...] tem uma constante aí que não está sendo resolvida, que é preparar o profissional para a aquela necessidade que as empresas têm. Aí vai e 'Não, mas o IF, ele prepara de olho no mercado'. Então o que tá havendo? [...] o que eu acho é que, a pessoa é preparada tecnicamente [...] é técnica e treinamento.
A parte psicológica, não. (José, informação verbal, grifos nossos)
É certo que a fala expressa ciência da realidade do mundo do trabalho.
Contudo, seu conteúdo é também marcado pela responsabilização dos sujeitos
frente às intempéries do mercado, havendo que buscar as mais diversas
alternativas, muitas vezes revestidas de uma espécie de modernização de
precariedade, configuradas como novas formas de inserção profissional. Nelas não
há qualquer segurança ou garantia para o trabalhador, tampouco significam seu
sucesso profissional, pois submetida à mesma lógica de mercado que os vínculos
ditos tradicionais, só que de maneira ainda mais incerta e insegura. A riqueza do
relato, ainda nos direciona à análise da formação pelo IFRN, expressamente
apontada como técnica, como treinamento. O egresso, afirma que, aliada a ela, os
profissionais em formação não têm a “parte psicológica” trabalhada ao longo do
curso, o que prejudica o ingresso no mercado de trabalho e o sucesso profissional.
163
Para nós, como já ressaltado, a lacuna existente, não reside tão somente em
uma preparação psicológica, que, seguindo a lógica de mercado, em certa medida,
já está presente em alguns cursos superiores de tecnologia. A lacuna na formação
reside, sobretudo, na construção junto aos estudantes de amplas discussões
acerca do mundo do trabalho, das reais condições de “empregabilidade” e dos
desafios postos a classe trabalhadora, inclusive na perspectiva de possibilitar
consciência e mobilização aos sujeitos enquanto classe trabalhadora. Ademais, a
maior lacuna está situada para além da formação estrita, a ofertada pelo IFRN, mas
na própria estrutura do sistema do capital que avança em suas contradições e tolhe
as possibilidades de satisfação das necessidades e interesses da classe
trabalhadora.
Uma realidade na qual até mesmo os sujeitos inseridos com vínculo
empregatício capaz de minimamente lhe assegurar garantias, vivencia situações
de ameaça às condições objetivas de sobrevivência. Senão vejamos:
Eu também tô com medo [...], a empresa tá demitindo muita gente, muita mão de obra. Recentemente foram 28 de uma vez só, aí depois, 15, e, o que era 200 funcionários, hoje tá se resumindo a 60, por aí. Eu fico com medo, porque a crise tá afetando todos os setores, então, como eu vejo, vários colegas, os colaboradores sendo demitidos, eu fico com medo também, eu me sinto ameaçado. [...] (Felipe, informação verbal)
Os números crescentes de desemprego e a sua observação cotidiana nos
locais de trabalho são elementos a contribuir com a precarização subjetiva dos
sujeitos diante da incerteza de manutenção de seus empregos. Ainda mais
problemático é o discurso da crise, como observado, apreendida como meramente
conjuntural, servir como única justificativa/explicação por parte dos empregadores,
tomando o senso comum e alcançando nível de consenso por sobre o conflito
capital-trabalho.
Acerca da garantia de reprodução de habilidade, capacidade e
competências, damos relevo à relação entre a formação de nível superior e a
atividade de trabalho desenvolvida pelos egressos. A relação estabelecida pelos
egressos entrevistados entre sua formação profissional e as atividades de trabalho
que desempenham ou desempenharam enquanto estavam trabalhando, evidencia
164
pontos de convergência, mas também elementos específicos da experiência de
alguns.
Podemos considerar, de modo geral, que aqueles a ocupar o cargo de
técnico em sua área - e não de tecnólogo - acabaram por assumir as atribuições
referentes ao cargo ocupado, agregando afazeres característicos de cargo de nível
superior. Assim, destacaram a existência da relação mencionada, porém
significando sobrecarga de trabalho e o aproveitamento de conhecimentos e
competências não recompensadas pelo empregador, isto é, correspondem ao que
se identifica em termos de precarização do trabalho como mão de obra qualificada
e barata. Mais uma vez frisamos não ser esta uma relação estabelecida tão
somente nas contratações em âmbito privado, estando postas também na esfera
pública, com profissionais concursados.
Entre esses casos, há o de uma das entrevistadas que além dessa realidade,
assumiu ainda as atribuições de área completamente distinta da sua área de
formação pelo IFRN, ao ser contratada para substituir um professor/pedagogo em
uma instituição de ensino, embora contratada como técnica, para trabalhar com os
sistemas informacionais, mas na orientação a professores, aplicação de
questionários avaliativos junto aos discentes, aplicação de provas simuladas online,
acompanhamento aos alunos em laboratório de informática, organização de
horários dos professores, dentre outros. A contratação ocorreu, portanto para o
cargo de técnico, porém para assumir atribuições totalmente estranhas à sua
formação, apesar da interface com a área de informática. Seu relato versa sobre a
baixa valorização profissional e sobre o acúmulo de tarefas para além daquelas
inerentes à competência do profissional e até mesmo à área de formação dos
sujeitos, com vistas a ampliação de lucratividade das empresas.
Os egressos que trabalham em área diversa daquela para a qual se
formaram empreenderam, notadamente, algum esforço para estabelecer a relação
apontada. Expuseram relações genéricas acerca de questões de ordem
administrativa que cabem aos dois cursos - Tecnologia em Gestão Pública e
Tecnologia em Comércio Exterior - sem, contudo, conseguirem apontar elementos
mais específicos da formação em seu cotidiano profissional.
165
[...] A minha formação profissional com o que eu faço aqui [...] Porque é uma forma de você ser eclético, ter jogo de cintura para resolver as situações. Tem situações aqui que às vezes preenche o dia todo, uma só coisa; reuniões infinitas e a gente fica discutindo o mesmo assunto várias vezes e, com o conhecimento que a gente tem, a formação que a gente tem, a gente acaba convencendo. (Paulo, informação verbal)
Desse modo, revela-se que nem todos os egressos mobilizam os
conhecimentos adquiridos no curso de graduação feito no IFRN. Aqueles que
atuam na área o fazem com limitações, dado estarem vinculados como técnico e
pela fragilidade no reconhecimento profissional. Mas, aqueles inseridos
profissionalmente em área distinta e em atividades alheias ao curso fazem uso tão
somente de elementos universais, ou melhor, comuns à grande parte das
graduações, quais sejam: tomada de decisão, negociação, administração de
conflitos, dentre outros, de modo que os conhecimentos, habilidades e
competências específicas da formação não são incorporados ao cotidiano
profissional pela distância mesma existente entre um e outro. Para todos os
egressos, portanto, é negado o pleno exercício das atribuições academicamente
postas como de sua competência profissional.
Analisando a realização de cursos de formação complementares na área de
atuação/ formação continuada dos egressos em relação à empresa em que
trabalham, verificamos que os cursos ofertados pelos empregadores visam a
capacitação técnica dos funcionários nas especificidades da ocupação e das
atividades que desempenham. Além disso, estão também direcionados a áreas
genéricas e que atendam suas requisições de adequação dos trabalhadores à
lógica de mercado, aprofundando a captura de sua subjetividade em favor próprio.
Aqueles que procuram dar sequência à formação por meio de mestrado,
estando na área de informática, enveredaram por dimensões consideradas
promissoras e inovadoras, como a Engenharia de Software e a Bioinformática.
Observamos que, para além da formação de graduação, a pós-graduação em área
de tecnologia aposta na diversificação, com criação de novos cursos, no sentido de
atender as ditas requisições de mercado, resultando na criação de novas profissões
e ainda, como visto, de novas especializações em seu interior. Ademais, esta tem
sido uma aposta dos egressos a cursar tais pós-graduações para qualificação
pautada nas novas tendências para sua área de formação pelo IFRN.
166
As motivações para a realização de uma segunda graduação passam pelo
descontentamento com as condições de trabalho existentes na área de formação e
aliada a uma experiência distinta em outra área, que, apesar dos "vínculos"
precários - via contrato para prestação de serviço - apresenta maior remuneração
em menor carga horário de trabalho. A percepção da dimensão da precariedade
vivenciada e avaliação distinta sobre a área ficam evidentes na fala da Ana, em
realce a seguir:
Além de ter começado a gostar [da área de Libras], eu percebi havia que falta de profissionais na área e o dinheiro que eu ganhava nos contratos, contrato pra trabalhar 20 horas semanais, eu ganhava a mesma coisa que trabalhando 44 horas semanais com carteira assinada. Eu fiquei assim... 'Meu Deus, isso não está certo! Eu não estou sendo bem recompensada, eu estudei tanto pra ganhar um salário mínimo? Não vale a pena.' (Ana, informação verbal)
Além disso, observamos a perspectiva de ampliação das possibilidades para
atuar, com base em uma profissão que dê condições de se inserir e manter no
mundo do trabalho, sem perder de vista a área de formação inicial.
[...] eu tenho o maior orgulho de ser tecnólogo, mas eu vou ser um pouco realista. Nossa região, o Nordeste, é bem complicado de trabalhar como tecnólogo mesmo e o curso de tecnólogo ele tem certas limitações quanto às suas atribuições no CREA. O CREA restringe muito, o que eu acho injusto... como se o tecnólogo não tivesse capacidade de fazer várias coisas. [...] acho que o tecnólogo tem uma visão, tem o conhecimento suficiente para assinar, para projetar... até porque, nós fazemos projetos por fora, mas quem assina é um engenheiro. [...] Eu vejo o curso de engenharia civil não como outra graduação, mas como se fosse uma expansão do conhecimento [...] Então, foi questão de ampliação do conhecimento e questão de limite profissional." (Felipe, informação verbal)
A fala anterior é representativa da existência de apreço pela formação
realizada no IFRN - para todos os entrevistados sua primeira graduação - e o
despertar para uma afinidade com a área - independente do aspecto tecnológico.
No entanto, parecem evidentes as dificuldades de inserção e de exercício
profissional, especialmente se considerarmos, o sentido pleno das expressões, ou
seja, condições requeridas para a ocupação do cargo para o qual foi diplomado, o
167
reconhecimento profissional, definição e validação de atribuições, regulamentação,
representatividade, dentre outros.
É, dedutivamente, a busca por reconhecimento em uma categoria menos
dispersa, socialmente respaldada, com espaço mais claramente definido no mundo
do trabalho, com uma organização normativa e/ou uma orientação definida.
Também constatamos intenção em conferir maior abrangência às competências e
prerrogativas profissionais.
Importante destacar que os candidatos reconhecem a qualidade da
formação recebida no IFRN, havendo algumas críticas relacionadas à oferta de
oportunidades para desenvolver maior experiência prática e no que se refere à
inexistência de foco por parte do curso para as principais demandas do mercado.
O que, todavia, é fruto da compreensão de que a formação profissional deve
atender integralmente às requisições dos empregadores, meramente adequando
os estudantes a elas. Notadamente, apesar de expressar perspectiva contrária nos
PPP dos cursos, o IFRN tem, em larga medida, atendido o mercado através da
formação de mão de obra com o perfil determinado pelo mercado, de modo que as
críticas se voltam no sentido de requerer mais adequação.
Passando a analisar a dimensão da segurança do trabalho, considerando os
entrevistados que trabalham, na área de formação ou não, 5 possuem carga horária
de trabalho de 40 horas semanais, 1 cumpre 44 horas semanais e 1 perfaz 45 horas
semanais. A realização de horas extras aparece nos relatos, ora como exigências
das empresas, ora como um acordo firmado em razão das demandas a serem
finalizadas. Mesmo quando exigências, as horas extras foram indicadas como
negociáveis e pagas, mas sempre no interesse da empresa empregadora.
Sobre as necessidades dos funcionários de se ausentar por questões
pessoais, a negociação apontada foi no sentido da compensação das horas não
trabalhadas, podendo ser inclusive no sábado, em caso do funcionário não ter
disponibilidade ao longo da semana. Houve também relato de situação de acúmulo
excessivo de horas extras, em razão das muitas atribuições assumidas, sem o
devido planejamento de impactos na carga horária, e não ter qualquer tipo de
remuneração ou folga, apesar das tentativas de negociação feitas pelo egresso e
de sua necessidade por horário especial por ser estudante.
168
Feitas essas ressalvas, os demais declararam haver flexibilidade e facilidade
de negociação quanto ao cumprimento da carga horária, embora sejam requeridas
as compensações. Ademais, de um modo geral a ultrapassagem de horários ocorre
em função da satisfação das demandas e dos prazos. Entre os egressos
entrevistados, há uma trabalhadora que relatou exercer atividades noturnas,
justamente aquela a vivenciar dificuldades de negociação de carga horária e horas
extras.
Apesar da abertura para negociação com os empregadores, evidenciada nas
falas registradas, é notório ser, a efetivação de horas, além de sua carga horária,
habitual. Esta é uma realidade de parte significativa dos entrevistados. Ocorre sob
a justificativa do atendimento às demandas da empresa, sendo preciso, entretanto,
refletir acerca das dificuldades de executar as tarefas no tempo previsto, ou seja,
dentro dos prazos estabelecidos. Isto, para que seja possível perceber a
sobrecarga de trabalho ou a sujeição dos trabalhadores a um tempo muito curto
para o desempenho de suas atividades de trabalho. A relação sobrecarga de
trabalho-encurtamento de prazos para realização de tarefas é marcante no
processo de precarização do trabalho, especialmente em tempos de alargamento
da substituição do trabalho vivo por trabalho morto.
A análise da dimensão referente à garantia de representação revelou que
entre os 10 entrevistados, apenas dois são sindicalizados em sua área de
formação, tendo apenas um tomado conhecimento disso no momento da rescisão
do contrato de trabalho com a empresa. O outro tem informações de que o sindicato
é bastante atuante e relevante para a conquista de direitos da categoria, mas não
participa ativamente. Os demais não são sindicalizados por opção, em razão do
descontentamento com a entidade ou da compreensão de que o sindicato não tem
relevância para sua categoria profissional, ou ainda por desconhecimento.
Alguns egressos não sabem informar sobre a existência de sindicato e
mesmo os que possuem ciência, em sua maioria, não participam ativamente e têm
pouca ou nenhuma informação sobre a participação da categoria e as negociações
entre empregadores e trabalhadores.
Um dos entrevistados ressaltou, apesar da inexistência de sindicato
específico, a presença de organizações regionais a debater e traçar lutas em
169
defesa da regulamentação da profissão e dos direitos da categoria, porém ainda
com atuação bem fragmentada no Brasil.
No processo formativo, a partir das estruturas do currículo acadêmico dos
cursos, observamos a ausência ou tímida presença de componentes curriculares
cujas propostas estejam inscritas na perspectiva do debate e compreensão do
mundo do trabalho, da reflexão acerca da precarização estrutural do trabalho na
contemporaneidade e do imperativo de organizar, articular e fortalecer a classe
trabalhadora.
De fato, a fragmentação desta classe resulta também da reestruturação e
reorganização do próprio processo produtivo, bem como da nova divisão do
trabalho, cada vez mais, compostas por maior diferenciação e especialização
profissional, a fragmentar e contribuir para a perda da identidade/consciência de
classe. Nesse sentido, chamou-nos especial atenção as falas referentes a
entidades representativas de trabalhadores das profissões da área de informática.
Reproduzimos trecho da referida fala:
Na minha área de formação a gente tá com um abaixo-assinado agora pra proibir, por que tão querendo criar sindicato. Porque não faz sentido. 'Ah, eu quero que um profissional de informática seja: um aluno de info, um aluno de TADS [Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Software], ou um aluno de redes, ou um aluno de jogos?' Você não tem como definir. Qualquer um deles pode atuar na área de computação [...] você pode garantir isso [as questões trabalhistas] sem precisar de sindicato. A auto-organização profissional [...] funciona em algumas áreas. Por exemplo, médicos, eles têm o Conselho Regional e eles têm o sindicato, eles funcionam muito bem assim, mas não resolve o problema da Saúde. Então, se você não tem conselho nem sindicato, mas você consegue resolver os problemas da computação, da necessidade de comunicação das pessoas, não tem pra quê criar isso aí [...]" (José, informação verbal)
A informática, bem como os frequentes avanços tecnológicos, destaca-se
como uma área em constante evolução e definição de ramos específicos do
conhecimento. O relato dá conta de que, nesta área, há a proposta de construção
de entidade representativa, mas rejeitada por parte significativa da categoria,
inclusive por profissionais ocupantes de posição de referência entre os demais. A
partir da fala, é possível verificar uma compreensão enviesada sobre as lutas da
classe trabalhadora por direitos e sobre o papel dos sindicatos junto às categorias
170
profissionais. Ademais, a lacuna, como dito, da formação na construção da
percepção ampliada acerca do mundo do trabalho e da relevância da organização
da classe trabalhadora, ainda que os desafios - a exemplo da fragmentação -,
perpetrados pelo próprio sistema capitalista, apresentem- se em quantidade e
profundidade ameaçadores da mobilização, organização e da luta.
As falas evidenciaram a identificação e realização por parte daqueles que
trabalham na área ou não. Portanto, apesar da existência de algumas insatisfações
- de ordem remuneratória e de negociações, por exemplo - os egressos
expressaram contentamento no desempenho de seus trabalhos atuais. Atribuímos
isso, em parte significativa das situações, ao fato de estarem contratados para o
exercício da função de tecnólogos, isto é, em posição no mercado que lhes
possibilite, em certa medida, contato com a área de formação e a execução de
algumas atribuições pertinentes à profissão que carregam. O Felipe afirma "Sim eu
me sinto feliz quando coloco o capacete branco na minha cabeça e saio pra obra"
(Felipe, informação verbal)
Desse modo, compreendemos haver uma realização condicionada, na
verdade, à realidade imposta pelo mercado ao profissional tecnólogo, cuja atuação,
conquanto precária em termos das relações e condições laborativas, ainda permite,
àqueles que conseguem ingressar no mundo do trabalho, sentirem-se
minimamente tecnólogos. Todos os entrevistados indicaram vivenciar boas e
tranquilas relações de trabalho.
O tempo de deslocamento dos entrevistados para realizar o percurso de sua
casa até o local de trabalho varia entre 20 minutos e uma 1h e 30 minutos, sendo
que a maior parte, quatro (04) deles, faz uso de transporte público. Um dos
egressos declarou deslocar-se para mais de um local, por trabalhar com obras
situadas em locais distintos. Tais deslocamentos são feitos através de transporte
público, custeados pela empresa contratante. Outro entrevistado informou ser
necessário o uso de três ônibus para cumprir o percurso necessário.
Destacamos esse aspecto por considerarmos relevante para análise das
condições de existências dos sujeitos, posto que expressa o desgaste - ou não- em
função do trabalho, para além de seu espaço mais restrito. Como já mencionado, o
tempo de deslocamento, segundo a compilação feita, é bastante variável, sendo
possível observar situações em que se verifica proximidade entre o local de
171
residência e o de trabalho, mas também situações de significativa distância,
obrigando os sujeitos a difíceis e onerosas condições de locomoção. Essa é uma
realidade a interferir na vida dos trabalhadores dentro e fora do local de trabalho,
contribuindo para o adensamento dos casos de doenças/transtornos psicológicos
e emocionais relacionadas ao trabalho, pelo desgaste gerado, mas também pela
redução ainda maior do tempo de vida livre ou "tempo disponível", nos termos
utilizados por Mészáros (2006).
Em razão disso, o tempo disponível para a realização de atividades de lazer
e para o convívio social se torna mais estreito, de modo a se encaixar nos finais de
semana, ainda assim, muitas vezes, com a tentativa de conciliar com atividades de
estudo para aqueles que fazem outra graduação ou mestrado, uma vez que sua
realização ao longo dos dias trabalhados fica prejudicada. Assim, observamos que
há uma verdadeira imersão dos sujeitos no mundo do trabalho, ao qual destinam a
maior parcela de seu tempo diário, consumidos que são por seus empregos e
demandas de trabalho - com prazos, horas extras, tempo extenso de deslocamento,
valores e comportamentos introjetados e incorporados ao cotidiano profissional - e
a interferência disso nas condições de existência dos sujeitos, a precarizar-se cada
vez mais.
Os relatos dos alunos sobre o acompanhamento realizado pelo IFRN,
indicam que acontece anualmente por meio de um questionário encaminhado via
e-mail, ao qual todos disseram responder quando possível. Nenhum contato
pessoal, presencial ou por telefone, foi realizado, nem por parte da instituição, nem
por parte dos egressos.
Nos depoimentos encontramos certo descontentamento com a relação
estabelecida com a instituição após a diplomação, mas também nenhuma
mobilização por parte dos concludentes em manter contato com a instituição,
atualizando dados, buscando informações, sugerindo melhorias para os cursos em
face de suas experiências no mundo do trabalho, reivindicando cursos de
atualização e aprofundamento ou ampliação da formação.
Entretanto, há que se ressaltar a boa relação evidenciada por muitos
egressos com o corpo docente, com o qual mantêm contato permanente. Outro
aspecto relevante é o carinho com que os diplomados se referem ao IFRN, seja
pelo apoio recebido dos profissionais, seja pela formação recebida, seja pelas
172
oportunidades que entendem terem sido criadas a partir de seu ingresso na
instituição. Esse apreço está refletido em falas como "Eu costumo dizer sempre [...]
que tudo que eu conseguir fazer pelo IFRN, eu ainda acho pouco em relação ao
que o IFRN me proporcionou. Eu costumo dizer também que tenho uma dívida
moral com a instituição. Eu sempre vou tá à disposição do IFRN, no que eu puder,
não vou hesitar em retribuir" (Lucas, informação verbal) e "[...] pra mim, além da
minha família e meus amigos, o IF - por isso que eu gosto do IF - me deu uma mão
que eu nunca vou esquecer [...]" (Felipe, informação verbal).
173
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A expansão da educação superior no Brasil, principalmente a processada
pelo interior dos Institutos Federais, está intimamente conectada com a lógica do
sistema do capital. Por meio dela, os interesses de mercado são assegurados pela
via da privatização, do acesso das classes dominantes ao fundo público, do ganho
de mercado consumidor para serviços educacionais e da preparação de força de
trabalho imbuída de seus valores.
A despeito disso, a valorização/fetichização do conhecimento na
sociabilidade do capital pós-reestruturação produtiva tem justificado as iniciativas
estatais e do mercado para ampliação da oferta. Ora, sob o discurso apologético
da necessária titularização em níveis elevados de formação para assegurar
competitividade individual e nacional nos circuitos do mercado globalizado e tendo
em conta os níveis crescentes de desemprego e o interesse do capital por a fatia
de mercado representada pelo setor educação, é compreensível a expansão do
ensino superior no País, em ritmos tão acelerados. O discurso corrente aponta para
a elevação da escolaridade como meio para minimizar ou mesmo superar as
injustiças sociais que marcam a sociedade brasileira.
Entretanto, apesar dos arranjos feitos para promover a “massificação” da
educação, principalmente por meio da expansão da educação profissional e
tecnológica, ela por si só não torna possível a eliminação das desigualdades sociais
ou a plena democratização de oportunidades. Antes, porque somente mudanças
estruturais seriam capazes de promovê-las, depois, porque muitos dos
determinantes micro e macro de tal “massificação” estão fortemente alinhados aos
interesses do capital.
Mas, o Estado tende a se orientar pela busca do consenso. A larga
publicidade realizada pelo governo acerca da expansão dos IF demonstra bem isso,
na medida em que apresentam os ganhos sociais e os avanços da Política de
Educação no País, sempre evidenciando o crescimento quantitativo de escolas
como ampliadores do acesso à formação profissional e um dos pontos chave na
busca pela inclusão social, “inserção produtiva” dos sujeitos no mundo do trabalho,
elemento gerador de “desenvolvimento”.
174
Todavia, o contingente de indivíduos com diplomas, ainda que adequados
aos interesses de mercado, se depara com um mundo do trabalho marcado pelo
aprofundamento da flexibilização de direitos, das inseguranças, da rotatividade, da
precarização. Os sujeitos com formação de nível superior, potencialmente, parte
das juventudes, são colocados à disposição de um mundo do trabalho inóspito, por
vezes impermeável e impróprio para os elevados voos desejados/sonhados
quando da realização de uma graduação, consensualmente tida como o passaporte
para a inserção profissional estável e para o sucesso profissional. Tal realização
não alcançada, tem sua reponsabilidade transferida da esfera inscrita na
problemática das contradições estruturais do capital, para a esfera da
responsabilidade individual dos sujeitos. As juventudes passam adensar,
crescentemente, o precariado, em seus recortes etário, de escolaridade, e de
submissão à relações e condições precárias de trabalho.
Nessa engrenagem, as áreas tecnológicas figuram como formações
modernas, inovadoras e sintonizadas com as perspectivas de futuro no mundo do
trabalho. Os cursos de formação de tecnólogo, com destaque aqui para aqueles
ofertados pelo IFRN, são anunciados como resposta a demandas de mercado por
profissionais diante das transformações fruto das reestruturações do capital e das
mudanças no mundo do trabalho, a exigir profissionais polivalentes, dotados de
conhecimentos, competências e habilidades, a reeditar a teoria do capital humano.
A vocação para formação em área de tecnologia, conferiu ao IFRN, em
nosso estado, o perfil para a implantação dos cursos de formação de tecnólogo,
largamente operados na instituição, na contemporaneidade. Como visto, os PPP
dos cursos lançam intenções por uma formação crítica e reflexiva, face aos
contextos mundial e local do mundo do trabalho. Segundo os registros documentais
da instituição, os cursos, assim, baseiam-se nas características do mercado local,
encontrando-se “aptos” a atender demandas por profissionais qualificados.
Contudo, vimos ser construído um descompasso entre as demandas do
mercado e a oferta de força de trabalho formada pelo IFRN, a obstaculizar o
ingresso dos tecnólogos egressos desta instituição no mundo do trabalho ou a
possibilitar sua inserção de maneira precarizada. Ainda mais, se considerarmos o
nível de desenvolvimento do mercado local para a absorção, a contento, de tais
profissionais. Mas, os obstáculos à inserção profissional segura e dotada de
175
garantias residem também em aspectos de arranjo da própria proposta de
formativa, de nível superior, porém situada em espectro intermediário de formação,
que finda por capacitar profissionais tidos no mercado como de uma categoria
menos complexa, localizada no “entre deux”, não são engenheiros e nem
simplesmente técnicos. O mercado encarrega-se de rebaixá-los. Assim,
depreendemos a ausência de reconhecimento da profissão como ocupação de
nível superior e de seus conhecimentos, competências e habilidades pelo mercado.
Aliada a isso, há a previsão de uma curta duração para a formação desejada,
a dificultar o amadurecimento de diversas questões e a elaboração de vínculos e
debates profissionais, da ordem da organização e mobilização dos trabalhadores.
Tais dimensões, não estão previstas nos PPP, em que pesem as orientações
emancipatórias e de formação integral asseveradas nos textos.
Fica favorecida a captura da subjetividade desses sujeitos pelo capital.
Estes, na condição de vulneráveis, aceitam e incorporam demandas do mercado
como se fossem suas. São potencialmente envolvidos pela máquina do mercado,
assumindo, como seus, o discurso dos empregadores; entendendo situações
precárias de trabalho como alternativas concedidas pelo capital, a partir da
modernização/flexibilização do mundo do trabalho contemporâneo; e, ainda mais
grave, fragmentados e desmobilizados, têm dificuldades para se perceber em suas
especificidades/especialidades, desconectando-se da perspectiva de consciência
de classe, tão importante para os trabalhadores.
Desse modo, dos resultados da pesquisa, depreendemos haver uma maioria
jovem a vivenciar um processo de inserção no mundo do trabalho, marcado pelas
limitações oriundas da própria formação e regulamentação do exercício profissional
do tecnólogo hoje e das características e condições postas pelo mercado. São
indivíduos que apostaram na formação de nível superior, numa dita área
promissora, a experienciar, no mercado local, a ausência, ou quase inexistência,
de postos de emprego para a categoria profissional. Essa realidade conduz os
egressos, ora à mudança de área ora à aceitação de situações precárias de
trabalho, ao que se alia, muitas vezes, a busca pela ampliação da titularização e de
experiências profissionais, sob a promessa de melhores condições de inserção no
mundo do trabalho, retroagindo, muitas vezes, à condição de estagiário.
176
Em face dos relatos dos egressos, seus contornos explicitaram
características inerentes à categoria “precariado” e desvelaram os limites da ação
do IFRN, mesmo percebendo e identificando as pretensões institucionais em
contrário. O IFRN tem atuado como vetor de adensamento dessa parcela da classe
trabalhadora no atual tempo histórico, havendo sobre isso sua responsabilidade
enquanto instituição de ensino, destinada, sobretudo, à formação de força de
trabalho. Um encargo, entretanto, partilhado com as instâncias superiores da
estrutura do Estado Brasileiro, a exemplo do Ministério da Educação, órgão
orientador e com importante papel na determinação das ofertas de cursos
superiores de ensino no País.
A reedição do Catálogo Nacional de Cursos Superiores de Tecnologia, em
intervalo reduzido de tempo – 2006, 2010, 2016 –, com acréscimo de novos cursos,
é representativo da adequação ensejada pelo Estado, conforme os ditames do
capital e as orientações dos organismos multilaterais, ao mercado e suas
requisições, a diferenciar cada vez mais as profissões nesta área. Assim,
apresentam-se para o mundo do trabalho um número sempre maior de sujeitos
altamente qualificados em profissões inovadoras, sob a promessa de sucesso
profissional. Esses ajustes são recebidos e processados por instituições de ensino,
com destaque aqui para o IFRN, sem haver amplo debate acerca das suas reais
necessidades, especialmente no que concerne aos interesses dos seus
profissionais/trabalhadores em formação.
De fato, os IF não estão contribuindo efetivamente para a construção de
processos formativos com vistas ao desenvolvimento crítico e emancipatório.
Tampouco têm sido capazes de desvelar e trazer para o centro do debate dessas
profissões e de seus sujeitos, as questões centrais a envolver o mundo do trabalho
e as especificidades dos tecnólogos (regulamentação, reconhecimento,
valorização, atribuições, etc). A mera aceitação das atualizações no catalogo de
cursos apenas, mesmo que essa não seja sua intenção, contribui para a
manutenção ou mesmo o aprofundamento da realidade de inseguranças,
incertezas e precarização existencial das juventudes, que apostam na formação
oferecida pelo IFRN para melhoria de suas condições de vida.
Nesta parcela do precariado egressa do IFRN, apreendemos o apreço por
suas áreas de formação, a identificação construída com o Instituto e seus
177
servidores e a relevância das vivências pessoais e profissionais proporcionadas ao
longo do curso. Para nós, o IFRN é uma instituição que verdadeiramente se
aproxima dos discentes que abriga, tendo com eles uma relação de familiaridade e
apoio. Todavia, consideramos a premência de que caminhe para além disto, em
seu processo de amadurecimento na oferta de cursos de nível superior, ainda
recente. Questões como a revisão do processo de acompanhamento dos egressos
e, antes, de preparação para a inserção no mundo do trabalho podem ser melhor
desenvolvidas, atentando para os elementos que apontamos ao longo do estudo.
Eis uma lacuna percebida com base nos depoimentos dos egressos e
observada no decurso das aproximações que fizemos com a Coordenação de
Estágios e Egressos. Compreendemos que responder a ela é importante, inclusive,
para revisão de outros processos, como a ocorrência de estágios geradores de
vínculos sem garantia de desempenho dos aprendizados construídos nos cursos,
porque destinados a profissionais técnicos em formação ou a áreas alheias às de
formação dos estudantes; e também para contribuir com apoio, orientação e
assistência aos egressos, ao mesmo tempo em que se permite acompanhar e
avaliar os resultados da formação profissional de tecnólogos.
Não obstante, em termos gerais destacamos o preocupante quadro com que
nos deparamos, porque o precariado é uma parcela da classe trabalhadora com
tendências de crescimento, em especial pelo discurso apologético de fetichização
do conhecimento e do desenvolvimento tecnológico, incutido nos sujeitos,
notadamente os mais jovens. Nesse contexto, a profissão de tecnólogo produz
elementos a nos interpelar profundamente sobre o futuro das juventudes no mundo
do trabalho, pelas tantas inseguranças que possui e produz para os profissionais.
Não vislumbramos possibilidades de alterações desse quadro para a área, sem
que, por dentro dela, os sujeitos promovam mudanças em suas estruturas, na
direção, não dos interesses de mercado, mas da classe trabalhadora.
Assim, o sonho de voo das juventudes, que têm, na formação de nível
superior, asas construídas de material tão frágil, tal como Ícaro na mitologia grega,
gera, frente à precarização no/do mundo do trabalho, à quebra de expectativas, ao
sofrimento subjetivo, a culpabilização de si mesmo e, por vezes, o adoecimento.
Falamos da precarização que é salarial, mas também existencial, a derreter asas e
fazer cair ou aterrissar em solo árido as juventudes. É a brevidade de sonhar em
178
tempos de precarização estrutural do trabalho, conduzida pelo capital, em pleno
avanço sobre as juventudes, no adensamento do precariado.
179
REFERÊNCIAS
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João Bosco Feitosa dos (Orgs). Bauru: Canal 6, 2014. ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira. RODRIGUES, Maria Cristina Paulo. O campo da educação na formação profissional em serviço social. In: PEREIRA, Larissa Dahmer. ALMEIDA, Ney Luiz Teixeira (Orgs). Serviço social e educação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012. ALVES. Giovanni. Reestruturação produtiva, novas qualificações e empregabilidade. In: Dimensões da reestruturação produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina: Praxis; Bauru: Canal 6, 2007. ______. Neodesenvolvimentismo e precarização do trabalho no Brasil – Parte II. 2013a. Disponível em < http://blogdaboitempo.com.br/2013/08/19/neodesenvolvimentismo-e-precarizacao-do-trabalho-no-brasil-parte-ii/> Acesso em: mar. 2015a. ______. Neodesenvolvimentismo e precarização do trabalho no Brasil – Parte III. 2013b. Disponível em
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<http://acesso.mte.gov.br/caged_mensal/dados-estaduais-58.htm> Acesso em abril de 2016. DIEESE. Os números da rotatividade no Brasil: um olhar sobre os dados da Rais 2002 -2013. 2014. Disponível em < http://www.dieese.org.br/notaaimprensa/2014/numerosRotatividadeBrasil.pdf> Acesso em março de 2015. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Pesquisa mensal de emprego: Janeiro 2015. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/default.shtm>. Acesso em: 15 mar. 2015. ______. Pesquisa mensal de emprego: Fevereiro 2016. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Mensal_de_Emprego/fasciculo_indicadores_ibge/2016/pme_201602pubCompleta.pdf>. Acesso em: 24 abr. 2016a. ______. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Janeiro de 2016: Fevereiro 2016. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Trabalho_e_Rendimento/Pesquisa_Nacional_por_Amostra_de_Domicilios_continua/Mensal/Comentarios/pnadc_201601_comentarios.pdf >. Acesso em: 24 abr. 2016b. IFRN. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em análise e desenvolvimento de sistemas. 2012a. Disponível em <http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-de-graduacao/tecnologia/tecnologia-em-analise-e-desenvolvimento-de-sistemas/view> Acesso em: 4 de fev. 2016. ______. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em comércio Exterior. 2012b. Disponível em http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-de-
graduacao/tecnologia/tecnologia-em-comercio-exterior/view Acesso em: 4 de fev. 2016. ______. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em construção de edifícios. 2012c. Disponível em http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-de-graduacao/tecnologia/tecnologia-em-construcao-de-edificios/view Acesso em: 4 de fev. 2016. ______. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em Gestão Ambiental. 2012d. Disponível em < http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-
de-graduacao/tecnologia/tecnologia-em-gestao-ambiental/view> Acesso em: 4 de fev. 2016. ______. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em Gestão Pública. 2012e. Disponível em http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-de-graduacao/tecnologia/tecnologia-em-gestao-publica/view Acesso em: 4 de fev. 2016.
191
______. Projeto pedagógico do curso superior de tecnologia em redes de computadores. 2012f. Disponível em <
http://portal.ifrn.edu.br/ensino/cursos/cursos-de-graduacao/tecnologia/tecnologia-em-redes-de-computadores/view> Acesso em: 4 de fev. 2016. ______. Relatório de Gestão 2014. 2014. Disponível em http://portal.ifrn.edu.br/acessoainformacao/auditorias/relatorios-de-gestao/2014-relatorio-de-gestao-1/view Acesso em junho de 2015. ______. Relatório de Gestão do Exercício de 2015. 2016. Disponível em <http://portal.ifrn.edu.br/acessoainformacao/auditorias/relatorios-de-gestao/2015-relatorio-de-gestao/view> Acesso em 20 de julho de 2016. NATAL. Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA). Perfil do seu município 2013. Natal, 2013.
RIO GRANDE DO NORTE. Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA). Perfil do Rio Grande do Norte. Natal, 2013.
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APÊNDICE A
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
Roteiro de Entrevista - Egressos
Objetivo do presente instrumento: elaborar um quadro síntese sobre o percurso formativo, a inserção e as experiências de trabalho de egressos do IFRN no mercado de trabalho.
1. Identificação do/a entrevistado/a
Nº do Questionário:...........
1.1. Nome:
1.2. E-mail:
1.3. Idade:
1.4 . Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino
1.5 Curso de formação no IFRN:
1.6 Ano de ingresso no curso/Ano de colação de grau:
1.7 Nível de Instrução dos pais ou do/s adulto/s que assumiu/ram esse papel em
sua vida:
1.7.1 Pai ou outro:____________
( ) Não alfabetizado
( ) Alfabetizado
( ) Ensino fundamental incompleto
( ) Ensino fundamental completo
( ) Ensino médio incompleto
(...) Ensino médio completo
( ) Ensino superior
(...) Pós-graduação
1.7.2 Mãe ou outro:_____________
193
( ) Não alfabetizada
( ) Alfabetizada
( ) Ensino fundamental incompleto
( ) Ensino fundamental completo
( ) Ensino médio incompleto
(...) Ensino médio completo
( ) Ensino superior
(...) Pós-graduação
1.8 Renda familiar dos pais ou do/s adulto/s que assumiu/ram esse papel em
sua vida:
( ) Até ½ SM ( ) Entre ½ SM e 1 SM ( ) Entre 1 SM e 1 e ½ SM ( ) Entre 1 e ½ SM e 2 SM ( ) Entre 2 SM e 2 e ½ SM ( ) Entre 2 e ½ SM e 3 SM ( ) Entre 3 SM e 3 e ½ SM ( ) Entre 3 e ½ SM e 4 SM ( ) Entre 4 SM e 4 e ½ SM ( ) Entre 4 e ½ SM e 5 SM ( ) Maior que 5 SM
2 Histórico de vida e de formação
2.4 Tipo de escola (pública ou privada) em que estudou a maior parte do tempo:
( ) Pública ( ) Privada
2.5 Por que decidiu fazer um curso de nível superior?
2.6 Fale sobre sua opção pela área tecnológica.
2.7 Fale sobre suas expectativas quando concluiu o curso.
2.8 Realizou ou está realizando algum curso de formação complementar na sua
área de formação pelo IFRN? Se sim, qual e o que o/a motivou para fazê-
lo?
2.9 Você tem mantido contato com a instituição (o IFRN) após a conclusão do
curso? Existe algum acompanhamento realizado pelo Instituto? Discorra
sobre isto.
3 Concepções acerca da relação formação/mundo do trabalho, inserção no
mundo do trabalho e remuneração (Garantia de mercado de trabalho,
Segurança de emprego, Segurança de renda, Segurança de vínculo
empregatício)
3.1 . Você considera que o curso lhe deu condições de inserção no mercado
de trabalho e de sucesso profissional? Por quê? (em termos de
habilidades e competências).
3.2 Na sua compreensão, existe relação entre formação profissional de nível
superior e a inserção profissional, nos dias de hoje? Fale um pouco sobre
isto.
194
3.3 Fale como era sua situação de trabalho antes da conclusão do curso e
como vem se dando sua inserção no mundo do trabalho desde que o
concluiu. (Quanto tempo foi necessário para inserção profissional após a
conclusão do curso? Quantos empregos ou atividades diferentes você já
desempenhou ao longo da sua trajetória profissional? Quanto tempo
esteve vinculado a cada um deles?)
3.4 Como você avalia esse processo de inserção profissional?
3.5 Atua profissionalmente na sua área de formação pelo IFRN?
(...) Sim ( ) Não
Caso não, o que o/a levou a mudar de área? Antes havia buscado
emprego ou havia trabalhado na área de formação pelo IFRN? Fale sobre
isso.
3.6 Qual sua situação de trabalho atual:
( ) Não está trabalhando
( ) Autônomo
( ) Atividade informal
( ) Trabalho temporário/por tempo determinado sem contrato
( ) Trabalho temporário/por tempo determinado com contrato
( ) Trabalho com registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social
( ) Microempreendedor individual sem registro
( ) Microempreendedor individual com registro
( ) Servidor Público em contrato temporário
( ) Servidor Público efetivo
( ) Outra __________________________________________
3.6.1 Caso não esteja trabalhando na área de formação pelo IFRN, mas
já o tenha feito: Qual a situação de trabalho no último “emprego”?
( ) Autônomo
( ) Atividade informal
( ) Trabalho temporário/por tempo determinado sem contrato
( ) Trabalho temporário/por tempo determinado com contrato
( ) Trabalho com registro em Carteira de Trabalho e Previdência Social
( ) Microempreendedor individual sem registro
( ) Microempreendedor individual com registro
( ) Servidor Público em contrato temporário
( ) Servidor Público efetivo
( ) Outra __________________________________________
3.7 Qual a média salarial atual recebida mensalmente? (Ou, caso tenha
trabalhado na área de formação pelo IFRN, qual a média salarial recebida
no último “emprego”) Em que faixa de renda você se situa?
( ) Até ½ SM ( ) Entre ½ SM e 1 SM
195
( ) Entre 1 SM e 1 e ½ SM ( ) Entre 1 e ½ SM e 2 SM
( ) Entre 2 SM e 2 e ½ SM ( ) Entre 2 e ½ SM e 3 SM
( ) Entre 3 SM e 3 e ½ SM ( ) Entre 3 e ½ SM e 4 SM
( ) Entre 4 SM e 4 e ½ SM ( ) Entre 4 e ½ SM e 5 SM
( ) Maior que 5 SM
3.7.1 Sua remuneração é/era:
( ) Estável ( ) Variável - De acordo com
______________________________
3.8 Você considera que o salário recebido é/era condizente com as
perspectivas alimentadas em torno da área profissional?
3.9 Há quanto tempo mantem o “vínculo” atual? Por quanto tempo manteve
o último vínculo que teve na área de formação pelo IFRN_______
3.10 Como se deu seu ingresso no emprego atual? Como se deu seu
ingresso no último “emprego” na área de formação pelo IFRN?
3.11 Em caso de não estar desenvolvendo qualquer atividade remunerada:
3.11.1 Está procurando emprego?
3.11.2 Há quanto tempo procura emprego? Relate sobre a/s
tentativa/s de se inserir no mercado de trabalho?
3.11.3 Tem exigência ou preferência de que seja em sua área de
formação profissional?
3.11.4 Como você percebe suas possibilidades e potenciais para
inserção no mundo do trabalho?
3.12 O desemprego tem voltado a alcançar números significativos no Brasil
e no RN. Muitos são os trabalhadores que vivenciam constantes
“ameaças” de desemprego. Fale sobre essas questões relacionando-as
ao seu local de trabalho (ou à sua área de formação, para os que não
estejam trabalhando).
3.13 Que atitudes você incorpora ao seu exercício profissional para garantir
sua permanência na empresa onde trabalha ou para assegurar o sucesso
do próprio negócio?
4 Garantia de reprodução de habilidade/capacidades/competências
4.1 Fale sobre a relação existente entre a sua qualificação profissional e a
função que exerce ou que exercia no último “emprego” na área de
formação.
4.2 Mobiliza/mobilizava os conhecimentos adquiridos no curso superior
realizado para seu exercício profissional? De que modo?
4.3 Fale sobre a formação continuada com relação à empresa em que
trabalha/ que trabalhava.
196
5 Segurança do trabalho
5.1 Qual (era) a carga-horária de trabalho semanal?
( )20h ( ) 40h ( ) Mais que 44h
( ) 30h ( ) 44h
5.2 É comum em muitas empresas a realização de horas extras,
remuneradas ou não, pelos funcionários. Em outras, os horários são
cumpridos, raramente ultrapassando o estabelecido. Como isso ocorre
na em empresa em que trabalha? Ou ocorria na empresa em que
trabalhava?
5.3 Você exerce/exercia suas atividades em horário noturno?
( ) Sim ( ) Não
5.4 Gostaria de acrescentar algo sobre suas atuais condições de trabalho?
(em termos de infraestrutura, segurança, etc)
6 Garantia de representação
6.1 Você é/era sindicalizado ou participa/participava de algum grupo, dentro
ou fora do seu espaço profissional, que discuta ‘condições de trabalho’?
( ) Sim ( ) Não
6.2 Fale sobre a presença do sindicato na sua área de atuação/formação e
sobre a participação dos trabalhadores.
6.3 Como tem se dado as relações e negociações entre os interesses da sua
categoria profissional e o/s empregador/es?
7 Precarização Existencial
7.1 Você se identifica/identificava com as atividades que desenvolve/
desenvolvia no trabalho? Considera que o seu trabalho lhe traz/trazia
satisfação pessoal e profissional?
7.2 Como são/eram as relações de trabalho no seu ambiente de trabalho?
Fale sobre o clima organizacional e se/como ele interfere/interferia na
sua vida fora do trabalho.
7.3 Qual o tempo de seu deslocamento entre sua casa e o trabalho?
7.4 Possui/possuía alguma atividade de lazer periódica ou não? Se sim,
qual?
7.5 Fale sobre o tempo disponível para o convívio familiar e/ou com amigos.
7.6 Já enfrentou algum problema de saúde psicológico, emocional ou mesmo
físico em função de questões relativas ao trabalho? Fale sobre isso.
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APÊNDICE B
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DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL – DESSO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL – PPGSS
Questionário nº: _____ [Preenchido pelo/a pesquisador/a]
Questionário Coordenador/a de Curso
Nome:
Curso(s):
1. Há quanto tempo trabalha no IFRN e há quanto está Coordenador/a de Curso?
2. Fale sobre o curso que coordena, destacando a relação com a economia local e com o desenvolvimento profissional dos discentes.
3. Houve mudança de nomenclatura do curso e adequação ao Catálogo Nacional de Cursos de Tecnologia? Considera que as mudanças significaram melhoria para o curso. Fale sobre isso.
4. Quais as motivações para a criação do curso? Ou para mudanças
na estrutura e nomenclatura?
5. Considera que o curso cumpre os objetivos que estão postos no
PPP quanto à preparação para a inserção profissional?
6. Considera que o mercado local tem capacidade para absorver a mão de obra qualificada pelo IFRN? Fale sobre o mercado local e as
perspectivas de absorção dos egressos do curso que coordena.
7. Identifica preocupação por parte dos discentes, especialmente aqueles dos últimos períodos quanto à futura inserção profissional?
Fale sobre isso.
7.1 Ao longo do curso, existe algum tipo de preparação para a passagem do mundo acadêmico ao mundo do trabalho? Em que consiste? Que ações são desenvolvidas? Há adesão por
parte dos estudantes?
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7.2 No decorrer do curso, existe contato entre o meio acadêmico
e o setor profissional para o qual se destinam os formandos?
7.3 O estágio constitui atividade obrigatória no PPP do curso? Qual a carga horária? Que dificuldades são enfrentadas para sua
realização?
7.3.1Em caso negativo: Os estudantes, por iniciativa própria, costumam realizar estágios? Se sim, o fazem na área de formação? Em áreas afins? Em outras áreas? Neste último caso, qual a motivação?
8. Qual a relação estabelecida com os egressos por parte da Diretoria Acadêmica e Coordenação de Curso? Existe algum
acompanhamento? Fale sobre isso.
9. Fale sobre o perfil dos estudantes recebidos nos últimos 4 anos.
10. Em poucas palavras, como analisa a política de assistência ao
estudante do Campus Natal-Central do IFRN?
11. A profissão para a qual o curso forma já se encontra classificada no Cadastro Brasileiro de Ocupações?
12. Há mais alguma consideração que queira fazer?