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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA E SOCIOLOGIA VIVIANE VIDAL PEREIRA DOS SANTOS PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”: Uma análise da implantação e pós- ocupação do conjunto habitacional Jardim Europa em Fazenda Rio Grande - PR CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA E SOCIOLOGIA

VIVIANE VIDAL PEREIRA DOS SANTOS

PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”: Uma análise da implantação e pós-

ocupação do conjunto habitacional Jardim Europa em Fazenda Rio Grande - PR

CURITIBA

2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA E SOCIOLOGIA

VIVIANE VIDAL PEREIRA DOS SANTOS

PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”: Uma análise da implantação e pós-

ocupação do conjunto habitacional Jardim Europa em Fazenda Rio Grande

Monografia apresentada para a

obtenção do título de Bacharela no

Curso de Ciências Sociais, Setor

de Ciências Humanas.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria

Tarcisa Silva Bega.

CURITIBA

2014

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AGRADECIMENTOS

A conclusão deste trabalho só foi possível graças à dedicação e compreensão de algumas

pessoas as quais preciso agradecer:

A minha orientadora, minha principal referência, pelo apoio e dedicação em transmitir seu

conhecimento e por inspirar o ofício sociológico.

À professora Eliza Vasconcelos, por me instigar a pensar sobre as contradições urbanas.

À Corina Ribeiro pelo incentivo e por disponibilizar suas informações de pesquisa.

Ao PDUR de maneira geral por me permitir conhecer pessoas incríveis que levo pra vida.

Às colegas e amigas Marcela e Michelle pela ajuda no campo, na monografia e neste

momento da vida. Sem vocês essa pesquisa não seria sequer iniciada.

Ao Lucas pela companhia desde o início da graduação, pela ajuda com os dados quantitativos

e por dividir as aflições da conclusão do curso.

Ao meu companheiro Elisson, pela compreensão, apoio, paciência que este momento

demandou na nossa relação e por permitir dividir essa vida comigo.

A minha família que acompanhou minha trajetória acadêmica à distância, mas sei que de

longe torceram por mim.

Agradeço em geral e a todos e todas que participaram, direta ou indiretamente desta pesquisa,

e a tornaram-na possível.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo realizar um estudo de caso do Programa “Minha Casa,

Minha Vida” (PMCMV) a partir da experiência dos moradores do conjunto habitacional

Jardim Europa, em Fazenda Rio Grande, na região metropolitana de Curitiba. O PMCMV

trata-se de uma política habitacional criada em 2009 para atender a demanda de habitações no

Brasil, subsidiando moradias para famílias de baixa renda e facilitando o financiamento

habitacional, e em contrapartida aquecer a economia e gerar emprego no setor da construção

civil, como enfrentamento à crise econômica mundial. O PMCMV vem sendo objeto de

estudo em diversas áreas e recebendo desde a sua criação diversas críticas no que diz respeito

principalmente: à localização e qualidade dos empreendimentos; à população atendida; ao

papel dos estados e municípios visto o papel do mercado como planejador e executor da

política e o da Caixa Econômica Federal, seu agente operacional e avaliador dos projetos.

PMCMV tem como característica a construção de grandes empreendimentos com um

significativo número de unidades habitacionais, gerando também um aumento na demanda

por serviços públicos e privados nas regiões onde são implantados, sendo necessária a

elaboração de políticas para atender a estas demandas. O Estado se compromete com a

entrega da moradia e o acompanhamento durante 180 dias após a mudança dos moradores e as

pesquisas e relatórios se concentram no momento da implantação dos empreendimentos.

Portanto, mostra-se necessário investigar qual o impacto da política de habitação na vida

destes novos moradores após a implantação dos empreendimentos. Para além das críticas já

apontadas e que se espera encontrar no campo, mostra-se necessária uma avaliação junto aos

moradores para analisar as atuais condições de vida destes, as novas demandas apresentadas

pelos moradores em relação aos equipamentos de uso coletivo e demais serviços; identificar

as mudanças e possíveis melhorias de vida; compreender como se constituem as novas

relações e as estratégias de sobrevivência no novo espaço; Escolheu-se como objeto de análise

o conjunto habitacional Jardim Europa, no município de Fazenda Rio Grande, na região

metropolitana de Curitiba, que atendeu famílias com baixa renda, vindas de assentamentos

precários. No caso do Jardim Europa, a pesquisa se realiza três anos depois da sua

implantação, que aconteceu em 2011. Espera-se com esta pesquisa, a contribuição para as

avaliações em políticas públicas, políticas habitacionais e desenvolvimento urbano.

Palavras-chave: habitação; moradia; políticas públicas; Programa “Minha Casa, Minha Vida”;

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Sexo dos entrevistados............................................................................................53

Tabela 2 – Faixa Etária dos Entrevistados................................................................................53

Tabela 3 – Estado civil dos entrevistados.................................................................................54

Tabela 4 – Cor dos entrevistados..............................................................................................54

Tabela 5 – Religião predominante na família do entrevistado.................................................55

Tabela 6 – Escolaridade dos entrevistados ..............................................................................55

Tabela 7 – Vínculo do entrevistado .........................................................................................56

Tabela 8 – Ocupação do entrevistado ......................................................................................57

Tabela 9 – Número de pessoas que moram na mesma casa.....................................................57

Tabela 10 – Média de pessoas por casa ...................................................................................58

Tabela 11 – Grau de parentesco dos moradores ......................................................................58

Tabela 12 – Faixa etária da família .........................................................................................59

Tabela 13 – Relação entre a escolaridade do entrevistado e do total de moradores................60

Tabela 14 – Número de pessoas que trabalham na família do entrevistado...........................60

Tabela 15 – Vínculo profissional dos familiares que contribuem para renda familiar............61

Tabela 16 – Pessoas que contribuem para renda familiar (grau de parentesco por gênero)....62

Tabela 17 – Local de nascimento do entrevistado e da família...............................................62

Tabela 18 – Onde morava antes do Jardim Europa ................................................................63

Tabela 19 – Tempo de moradia na última residência (em anos) ............................................63

Tabela 20 – Condição de propriedade da moradia anterior.....................................................63

Tabela 21 – Tempo de moradia no Jardim Europa (em meses)..............................................64

Tabela 22 – Condição de propriedade do entrevistado ..........................................................64

Tabela 23 – Forma como adquiriu a casa ...............................................................................65

Tabela 24 – Renda bruta mensal da família ...........................................................................66

Tabela 25 – Renda per capta da família .................................................................................66

Tabela 26 – Média da renda bruta e da renda per capta .........................................................67

Tabela 27 – Valores de prestação (financiamento, aluguel e demais pagamentos.................68

Tabela 28 – Média da renda bruta familiar e dos valores pagos para morar..........................68

Tabela 29 – Recebe bolsa família? ........................................................................................69

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Jardim Europa.........................................................................................................49

Figura 2 – Anúncios ao lado do terminal de Fazenda Rio Grande...........................................51

Figura 3 – Estrutura dos sobrados 2011 ..................................................................................52

Figura 4 – Estrutura dos sobrados 2014 ..................................................................................52

Figura 5 – Mercearia improvisada ..........................................................................................79

Figura 6 – Oferta de serviços ..................................................................................................79

Figura 7 – Pizzaria ..................................................................................................................79

Figura 8 – Placa oferecendo serviços .....................................................................................79

Figura 9 – Igreja improvisada .................................................................................................80

Figura 10 – Área vazia 1 .........................................................................................................80

Figura 11 – Área vazia 2 .........................................................................................................80

Figura 12 – Estrutura das calçadas ..........................................................................................98

Figura 13 – Problemas com esgoto .........................................................................................98

Figura 14 – Problemas com lixo e com os cachorros...............................................................98

Quadro 1- Faixas de renda do PMCMV...................................................................................36

Quadro 2 – Modalidades do PMCMV......................................................................................37

Mapa 1 – Delimitação do Bairro Eucaliptos............................................................................48

Mapa 2 – Delimitação do Jardim Europa.................................................................................48

Mapa 3 – Transporte coletivo...................................................................................................77

Mapa 4 – Equipamentos coletivos e serviços...........................................................................84

LISTA DE SIGLAS

BNH Banco Nacional da Habitação

CEF Caixa Econômica Federal

COHAB Companhia de Habitação

COHAPAR Companhia de Habitação do Paraná

COMEC Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba

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CRAS Centro de Referência em Assistência Social

IAPs Institutos de Aposentadoria e Pensões

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

FDS Fundo de Desenvolvimento Social

FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FMI Fundo Monetário Internacional

FNHIS Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social

PNH Política Nacional de Habitação

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PAR Programa de Arrendamento Residencial

PDUR Programa de Desenvolvimento Urbano e Regional

PNAD Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

PMCMV Programa Minha Casa Minha Vida

RMC Região Metropolitana de Curitiba

SBPE Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo

SFH Sistema Financeiro de Habitação

SNH Sistema Nacional de Habitação

SNHIS Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social

UFPR Universidade Federal do Paraná

LISTA DE ABREVIAÇÕES

Ed.: Editora

FHC: Fernando Henrique Cardoso

f.: Folhas

n.: Número

org.: Organizadores

p.: Página

v.: Volume

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SUMÁRIO

1 A MORADIA COMO TEMA E PROBLEMA DE ESTUDO ......................................... 12

1.1 URBANIZAÇÃO NO BRASIL: PRODUÇÃO E USO DESIGUAL DO SOLO

URBANO ................................................................................................................................. 13

1.2 CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA HABITACIONAL: AGRAVAMENTO DOS

PROBLEMAS URBANOS ...................................................................................................... 18

2 A CONSITUIÇÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL ........................... 22

2.1 ORIGENS DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL – REPÚBLICA VELHA E

GOVERNO VARGAS ............................................................................................................. 22

2.2 POLÍTICA HABITACIONAL NA DITADURA MILITAR E

REDEMOCRATIZAÇÃO ....................................................................................................... 26

2.3 GOVERNO LULA E A CONFIGURAÇÃO DE UM SISTEMA HABITACIONAL ...... 31

2.4 PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”: PROPOSTA, ESTRUTURA E

ALGUMAS CRÍTICAS ........................................................................................................... 37

3 ESTUDO DE CASO NO CONJUNTO HABTIACIONAL JARDIM EUROPA .......... 43

3.1 A ESCOLHA DO OBJETO E DA METODOLOGIA DE PESQUISA ............................ 43

3.2 O JARDIM EUROPA ........................................................................................................ 45

3.3 DIFICULDADES DO CAMPO E AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES ................................ 50

3.4 PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS ENTREVISTADOS E DAS RESPECTIVAS

FAMÍLIAS ............................................................................................................................... 53

3.4.1 Perfil dos entrevistados .................................................................................................... 54

3.4.2 Perfil das famílias ............................................................................................................ 58

3.4.3 Dados referentes à moradia ............................................................................................. 63

3.4.4 Dados econômicos: .......................................................................................................... 67

4. AVALIAÇÃO DO CONJUNTO HABITACIONAL JARDIM EUROPA ................... 71

4.1 AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS ............................................................... 71

4.4.1 Serviços públicos prestados diretamente pelo Estado ..................................................... 71

4.1.2 Serviços públicos por concessão ..................................................................................... 76

4.1.3 Serviços privados de oferta direta ................................................................................... 78

4.1.4 Serviços da esfera capitalista global ................................................................................ 81

4.1.5 Serviços prestados pelo Estado ou pela iniciativa privada .............................................. 82

4.2 AVALIAÇÃO DAS SOCIABILIDADES, MELHORIAS E NOVAS DEMANDAS ...... 85

4.2.1 Acesso ao Jardim Europa e as motivações para a mudança ............................................ 85

4.2.2 Adaptação ao novo espaço e as sociabilidades ................................................................ 89

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4.2.3 Mudanças e melhorias de vida ........................................................................................ 93

4.2.4 Dificuldades apresentadas e o tratamento do poder público ........................................... 96

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 100

REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS ............................................................................... 103

APÊNDICES ......................................................................................................................... 106

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INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo realizar um estudo de caso do Programa “Minha

Casa, Minha Vida” (PMCMV) a partir da experiência dos moradores beneficiados pela

política habitacional. Assim, escolheu-se por estudar a experiência do Programa no conjunto

habitacional Jardim Europa, em Fazenda Rio Grande, na região metropolitana de Curitiba.

Este conjunto habitacional foi implantado em 2011 para beneficiar famílias de baixa renda,

vindas de assentamentos precários. Sendo assim, três anos depois da implantação da política

busca-se compreender as mudanças na vida destes novos proprietários resultantes da

implantação desta.

O interesse pelo tema da política habitacional se fundamenta na participação do

Programa de Desenvolvimento Urbano e Regional do curso de Ciências Sociais da UFPR -

PDUR, programa de extensão que promove o intercâmbio entre os cursos de Serviço Social e

Informática e Cidadania do Setor Litoral da UFPR. O PDUR tem como objetivo discutir os

problemas urbanos, bem como as ações do Estado frente a estes problemas, em especial a

política de habitação, através de um olhar interdisciplinar.

A escolha pelo objeto de estudo se deu primeiramente a partir dos estudos sobre a

atual política de habitação para a população de baixa renda, orientada desde 2009 pelo

“Programa Minha, Casa Minha Vida”, que vem sendo objeto de estudo em diversas áreas e

recebendo desde a sua criação diversas críticas no que diz respeito principalmente: à

localização e qualidade dos empreendimentos; à população atendida; ao papel dos estados e

municípios considerando a centralidade do mercado como planejador e executor da política e

o da Caixa Econômica Federal, como seu agente operacional e avaliador dos projetos. O

programa tem como característica a construção de grandes empreendimentos com um

significativo número de unidades habitacionais, gerando também um aumento na demanda

por serviços públicos e privados nas regiões onde são implantados, sendo necessária a

elaboração de políticas para atender a estas demandas.

Sendo assim, para além das críticas já apontadas e que se espera encontrar na pesquisa

empírica, mostra-se necessária uma avaliação junto aos moradores para compreender como

estes (re) constroem suas relações com o espaço, com os novos vizinhos e como traçam suas

estratégias de sobrevivência e adaptação. É necessário também avaliar as novas demandas

apresentadas pelos moradores em relação aos equipamentos de uso coletivo, bem como as

mudanças e possíveis melhorias de vida da população de baixa renda. Espera-se com esta

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pesquisa, a contribuição para as avaliações em políticas públicas, políticas habitacionais e

desenvolvimento urbano.

Para tanto optou-se pela pesquisa quantitativa e qualitativa, aplicando questionário

com os moradores do conjunto habitacional Jardim Europa, em Fazenda Rio Grande – PR,

para levantar o perfil socioeconômico, e também a avaliação que eles fazem da atual condição

de vida três anos depois da implantação da política, do acesso aos equipamentos coletivos, das

possíveis conquistas e melhorias de vida.

O primeiro capítulo deste trabalho apresenta a moradia como tema e problema de

pesquisa, trazendo os seus significados simbólicos e como emerge o problema habitacional no

contexto de urbanização e de (trans) formação do solo urbano brasileiro.

O segundo capítulo faz um resgate histórico da política de habitação no Brasil,

iniciando pelas primeiras ações tímidas do Estado brasileiro para equacionar o problema das

habitações, desde o Governo Vargas, perpassando o período da Ditadura Militar com a

criação do Banco Nacional da Habitação – e da criação do Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço (FGTS), que se constituem nos pilares que fundam o Sistema Habitacional de

Habitação – e sua extinção na década de 1980, até a configuração da atual política

habitacional, com a criação do “Programa Minha Casa, Minha Vida”. Ainda neste capítulo

são colocadas primeiras avaliações do programa, bem como algumas críticas que

fundamentam algumas hipóteses sobre o que será encontrado na pesquisa de campo.

O terceiro capítulo traz o estudo de caso do conjunto habitacional Jardim Europa em

Fazenda Rio Grande – PR. Apresenta a escolha do objeto, a metodologia de pesquisa, a

entrada e as dificuldades do campo. Neste capítulo coloca-se também o perfil socioeconômico

dos entrevistados e suas respectivas famílias.

O quarto capítulo contempla a avaliação dos moradores sobre o acesso aos

equipamentos de uso coletivo e os serviços prestados no entorno do conjunto habitacional,

bem como a avaliação sobre as mudanças e/ou melhorias de vida após a implantação do

Jardim Europa. Contempla também as relações de sociabilidade dentro do conjunto, possíveis

dificuldades encontradas no novo espaço de moradia e o tratamento do poder público na pós-

ocupação.

Conclui-se a partir da experiência do Jardim Europa, que as demandas apresentadas

pelos moradores continuam as mesmas do século passado, apresentadas desde a experiência

do BNH. O impacto positivo do PMCMV, do ponto de vista dos moradores, é a realização do

sonho da casa própria e a melhoria nas condições estruturais e ambientais do espaço.

Entretanto, sentem-se distantes dos serviços que são básicos para a manutenção da cidadania.

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Demonstrando assim a ineficiência do Estado que ao passar o problema habitacional para o

mercado de construção de moradias, acaba não dando conta das demandas básicas colocadas

pela população atendida e que são atribuições suas (saúde, educação, transporte), bem como a

incapacidade de negociação com o mercado para facilitar a vida desta população (comércios,

áreas de lazer, trabalho), resultando então no agravamento dos problemas urbanos.

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1 A MORADIA COMO TEMA E PROBLEMA DE ESTUDO

A moradia se coloca como tema de pesquisa desde os estudos de Marx e Engels

(1986), em que estes colocam que um dos primeiros atos históricos do ser humano é criar

meios para a satisfação de necessidades como comer, beber, vestir-se e ter habitação, ou seja,

meios de produção da vida material fundamentais para sua sobrevivência.

A moradia é o espaço da sociabilidade privada (KOWARICK, 2000), é onde os

indivíduos e suas famílias dividem suas vidas, planos, frustrações, desentendimentos,

realizações. Onde se abrigam após a jornada diária, encontram proteção das intempéries

ambientais, bem como as do sistema econômico. A vida nas sociedades urbanas se articula a

partir da casa, esta orienta as estratégias de sobrevivência e as percepções a respeito do

desempenho dos indivíduos na sociedade capitalista.

Como coloca Castells (1983), a moradia apresenta características que dizem respeito a

sua qualidade, material de construção, durabilidade, conforto; a sua forma, se é individual,

coletiva, como se integra ao conjunto de habitações em um espaço; seu status institucional, se

a casa é própria, alugada, cedida, dividida; estas características vão determinar os papeis, os

níveis e as filiações simbólicas dos ocupantes. (CASTELLS, 1983, p.185)

É na moradia também que se reforça a valorização da casa própria em relação às

demais formas de moradia. Subjetivamente, de acordo com Bolaffi (1979), a aquisição de um

imóvel constitui como principal evidência de sucesso, e objetivamente libera o orçamento da

obrigação mensal do aluguel e facilita as relações de emprego e crédito. A casa própria,

assim, significa segurança frente à instabilidade do aluguel.

Como mostra Kowarick (2000), a casa própria carrega significados simbólicos de um

imaginário de sucesso, organização e disciplina, em detrimento do imaginário sobre os

cortiços e favelas, que carregam o fracasso, a desordem, a imoralidade. Percebe-se a produção

e reprodução de um discurso sobre a intimidade, sobre o espaço privado, que classifica e

separa o espaço da ordem e da desordem.

Neste sentido, a moradia em suas variadas formas e valores simbólicos se apresenta

como um tema necessário para compreender também a produção do espaço, bem como a

formação de uma identidade e de um sentimento de pertencimento ao local, e compreender

também as aspirações dos indivíduos na sociedade capitalista.

Nela a crise de moradias é inerente, na medida em que a casa é um produto, um bem

com valor no mercado. A sua produção articula a aquisição de um terreno, os materiais para

sua construção e a aplicação da força de trabalho para produzi-la. (CASTELLS, 1983, p.190)

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A casa é o único bem que tem seu preço valorizado ao mesmo tempo em que é consumido.

Esta valorização se dá a partir de melhorias e reformas na casa, e investimentos urbanos no

local onde a moradia está instalada. (KOWARICK, 2000, p.86)

Castells (1983) coloca que a crise de moradias primordialmente se dá nos aglomerados

urbanos conquistados pela indústria: “a penúria das moradias, as falhas de equipamento e de

salubridade do espaço residencial resultam do aumento brusco na concentração urbana, num

processo dominado pela lógica da industrialização” (CASTELLS, 1983, p.188)

Lefebvre (1969) mostra, ao analisar a realidade francesa, que ao longo da história a

cidade se desenvolveu a partir das relações de produção que se tornaram cada vez mais

complexas em função da concentração populacional e das necessidades que as relações

sociais impuseram. No estágio da cidade industrial as transformações da sociedade tornam o

urbano uma problemática, na medida em que a cidade urbana abarca desigualdades sociais,

políticas e econômicas.

Com o capitalismo os postos de trabalho se desenvolvem em torno da indústria e os

trabalhadores se mudam para a cidade industrial, que se torna o maior local de trabalho,

tornando o campo (mundo rural) dependente da cidade e do capital industrial. O deslocamento

das forças produtivas para a cidade configura o espaço geográfico e social. As desigualdades

sociais produzem, do ponto de vista da ocupação do espaço, favelas, cortiços e subúrbios, e do

ponto de vista da divisão de classes a luta pelo espaço.

Neste sentido é importante analisar a questão da moradia no contexto da produção do

espaço urbano brasileiro.

1.1 URBANIZAÇÃO NO BRASIL: PRODUÇÃO E USO DESIGUAL DO SOLO URBANO

O problema habitacional no Brasil emerge no intenso processo de urbanização

iniciado na segunda metade do século XX, advindo da estruturação e da acumulação do

capitalismo industrial na América Latina, tornado as cidades o local da reprodução da força de

trabalho e de acumulação do capital. O crescimento das cidades, vinculado ao processo de

industrialização do país, promoveu o crescimento populacional e acelerou os processos

migratórios em busca de oportunidades de emprego. Tal processo de imigração para as

cidades pressionou a oferta por serviços e bens como saneamento, transporte, saúde, educação

e habitação, agravando os problemas urbanos.

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É sabido que, com o fim da escravidão e a vinda de imigrantes para o Brasil, grande

parte da população ficou a margem do progresso para uma sociedade industrial, já marcada

pela desigualdade de raça, de classes e de oportunidades, refletindo na produção de um espaço

urbano desigual e segregado. A população cresceu demandando infraestrutura urbana e

intervenção do Estado no planejamento urbano.

Paul Singer coloca que em meados do século XIX a maior parte da população estava

alocada ou nos engenhos de açúcar ou em pequenas unidades de economia de subsistência, no

momento em que a exportação de café começa a crescer. Quando o tráfico negreiro acabou

em 1850 recorreu-se ao imigrante europeu, forçando a abolição da escravatura dada a

incompatibilidade entre o trabalho escravo e o trabalho livre no mesmo setor. (SINGER,

1973, p.120) Neste contexto o autor ressalta que a capacidade de mobilização das forças de

trabalho da economia colonial era bastante reduzida.

Singer (1973) demarca as importantes transformações econômicas, políticas e sociais

entre a abolição da escravatura em 1888 até a Revolução de 1930. No sentido econômico,

aponta-se o processo de desenvolvimento a partir da substituição de importações, que

constituiu um parque industrial produtor de bens de consumo não duráveis, como tecidos e

alimentos, principalmente no sudeste. E a ampla agricultura comercial voltada para o mercado

interno no sul. Aponta-se também o contexto da forte imigração europeia pouco antes da I

Guerra Mundial, que se alocou na cafeicultura e no setor do mercado interno. Neste contexto

inicia-se um tímido processo de urbanização nas capitais como Rio de Janeiro, São Paulo,

Porto Alegre, Recife e Belo Horizonte. (SINGER, 1973, p. 121)

Entretanto, Singer destaca que a mudança mais profunda se deu após a revolução de

1930, com a derrubada da oligarquia cafeeira do poder. Os governos originados neste período,

chefiados por Getúlio Vargas até 1945, colocaram em prática uma política mais decidida de

industrialização, ao mesmo tempo criaram uma legislação do trabalho restrita às áreas

urbanas. Tal processo proporcionou aos assalariados urbanos condições melhores do que as

massas rurais, atraindo, desta maneira, uma parcela crescente de trabalhadores rurais às

cidades. Singer destaca a constituição de um exército industrial de reserva, na expressão

clássica de Marx, vindo da grande massa rural até então confinada na economia de

subsistência. A construção de rodovias, que permitiu interligar as principais regiões do país,

facilitou também as migrações do campo para a cidade. Isto, somado à redução da

mortalidade iniciada nas cidades maiores atingindo posteriormente as cidades do interior,

contribuiu para o crescimento da população, e o consequente aumento do exército industrial

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de reserva. As migrações do campo para a cidade, ou seja, para áreas já densamente

povoadas, ocasionou a pressão sobre a terra. (Ibidem, p.122)

A partir de 1950, Paul Singer destaca a implantação de indústrias de bens de consumo

durável, em grande parte em função do capital estrangeiro, em sua maioria na área

metropolitana de São Paulo. A concentração de atividades industriais condicionou a expansão

de atividades terciárias, comerciais, financeiras, expansão de redes de ensino e de serviços

pessoais, gerando emprego e renda na região. A concentração de atividades em São Paulo

trouxe vantagens econômicas gerais possibilitando o desenvolvimento das forças produtivas1.

Entretanto a ausência de planejamento a longo prazo agravou a problemática urbana no que

diz respeito ao transporte, saneamento e habitação. (Ibidem, p.125)

Para Paul Singer, as desvantagens da economia capitalista geradas fundamentalmente

pelas empresas privadas, têm seus custos socializados por toda a população, cabendo à

intervenção do poder público para regular as relações por meio da arrecadação de tributos. E

que as dificuldades em se planejar e de tomar medidas, provêm principalmente dos diferentes

interesses de classes, que resultam na distribuição desigual dos serviços para a população.

Neste sentido:

A sua problemática, que causa incontáveis sofrimentos à população (longas horas de

espera no transporte coletivo, más condições de saneamento nas áreas de população

pobre, cujos alojamentos são precários e longe dos serviços essenciais, pois a

especulação imobiliária trata de repartir os recursos escassos de acordo com o poder

aquisitivo dos indivíduos) provém antes do atraso na adoção de medidas do que da

ausência de recursos para financiá-las. (SINGER, 1973, p.125)

As desigualdades que se apresentam refletem as contradições do capitalismo que, em

sua essência, “para desenvolver as forças produtivas, vai sempre suscitando novos

problemas”. (Ibidem, p.133)

Fenômenos como o êxodo rural, e do resultante crescimento do número de

trabalhadores, pressionaram a oferta de habitações, pois estas são componentes essenciais

para a reprodução das forças de trabalho. No entanto, o mercado imobiliário privado acabou

dominando o solo urbano de maneira que a habitação convencional se tornou mercadoria

acessível apenas para quem podia pagar. Os trabalhadores das classes mais baixas, ou seja, a

maioria da população, não tinham condições de adquirir uma habitação no mercado, tiveram

então que ou habitar em cômodos de cortiços nas áreas centrais das grandes cidades ou buscar

1 Marx (1982) conceitua as forças produtivas como a combinação entre força de trabalho humana e os meios de

produção, são usadas para controlar ou transformar a natureza para a produção de bens materiais.

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áreas desprovidas de serviços urbanos coletivos, sendo então mais baratas, configurando o

padrão periférico de ocupação do solo urbano, onde o espaço urbano se expande de maneira

descontínua. (KOWARICK, 2000)

Na periferia estes trabalhadores construíram suas moradias através da sua força de

trabalho e da ajuda de parentes e vizinhos, em horários de folga do trabalho sem serem

remunerados por isso. Somando a exploração da sua força de trabalho, a falta de acesso aos

serviços públicos e as longas viagens que o trabalhador fazia do seu local de moradia até o seu

local de trabalho, constituía uma outra forma de exploração, denominada de espoliação

urbana. Conceito que Kowarick (1979) define como:

O somatório de extorsões que se opera através da inexistência ou precariedade de

serviços de consumo coletivo que se apresentam como socialmente necessários em

relação aos níveis de subsistência e que agudizam ainda mais a dilapidação que se

realiza no âmbito das relações de trabalho. (KOWARICK, 1979, p.59)

Segundo Kowarick (2000), a espoliação urbana decorre do processo de acumulação do

capital e se visibiliza e se politiza por meio das lutas e reivindicações em relação ao acesso à

terra, à habitação e aos bens de consumo coletivo. Neste sentido a ação do Estado deve ser

regular as condições de trabalho e de remuneração e, de maneira direta ou indireta, gerar os

bens de consumo coletivo essenciais à reprodução urbana dos trabalhadores. (KOWARICK,

2000, p.23)

No contexto da industrialização no Brasil, período de crescimento populacional e forte

migração da população do campo para a cidade, o Estado estava centrado na acumulação de

capital, com a abertura dada ao capital estrangeiro e a substituição das importações para

expandir o mercado interno. Logicamente o consumo não era para todos e no caso da

habitação, na medida em que o Estado investia em melhorias urbanas, o preço da terra se

valorizava, expulsando os mais pobres para onde se formaram as periferias.

Kowarick (2000) coloca a questão do ônus social, medido em termos de infraestrutura

e serviços públicos, de maneira que quanto maior a infraestrutura e mais fácil o acesso aos

serviços públicos, menor será o ônus. Na medida em que ocorre a chegada das melhorias

urbanas em áreas anteriormente desprovidas, o preço econômico da área se eleva e em

contrapartida decai seu ônus social. Estes locais passam então por um processo de valorização

e consequente aumento de taxas públicas, levando a expulsão das camadas mais pobres para

lugares novamente desprovidos dos serviços necessários. Com é um processo que se repete

ininterruptamente, a população de baixa renda não consegue acompanhar o ritmo da

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especulação imobiliária, mesmo que incorpore novos membros da família ao processo de

formação da renda familiar. Mais uma vez é ela quem paga o preço do progresso, que é

altamente espoliativo. (Ibidem, 2000, p.28).

Kowarick (2000) mostra também a contradição de muitas das ações políticas voltadas

para a habitação que não contemplavam a população pobre, mas sim aquela que apresentava

condições para se inserir na lógica do mercado, fazendo da habitação um investimento. Com

isso muitos dos problemas dos mais pobres não eram coletivizados pelas classes dirigentes e

pelo poder público, uma vez que o Estado estava focado em investir na expansão da

industrialização. Assim, as contradições urbanas se colocam quando a principal fatia do

investimento público se dirige para as áreas onde vivem e trabalham grupos com renda média

ou alta, maximizando a realização do capital e gerando as condições necessárias para o

processo de acumulação se reproduzir em escala ampliada. (Ibidem, 2000, p.23)

Castells (1983) contribui na mesma direção ao analisar a distribuição das residências

no espaço, que segundo ele obedecem às leis gerais de distribuição de produtos na sociedade

capitalista. Assim ele coloca que existe uma estratificação urbana, paralela ao sistema de

estratificação social, em função da distribuição e do acesso aos produtos de consumo coletivo

que vão configurar uma segregação urbana:

A distribuição dos locais residenciais segue as leis gerais da distribuição dos

produtos e, por conseguinte, opera os reagrupamentos em função da capacidade

social dos indivíduos, isto é, no sistema capitalista, em função de suas rendas, de

seus status profissionais, de nível de instrução, de filiação étnica, da fase do ciclo de

vida, etc. Falaremos, por conseguinte, de uma estratificação urbana, correspondendo

ao sistema de estratificação social... e, nos casos em que a distância social tem uma

expressão espacial forte, de segregação urbana. (CASTELLS, 1983, p.210)

Para Castells, a segregação se dá em função de estruturas econômicas, políticas e

ideológicas na sociedade capitalista. No sentido econômico a segregação se manifesta na

distribuição da moradia, enquanto mercadoria, em diferentes localidades no espaço urbano e

em desigual capacidade de acesso aos demais pontos da rede urbana, bem como aos bens de

consumo coletivo. No sentido político, a segregação é reforçada pela ação do Estado, por

meio de políticas públicas em vista dos interesses dos grupos dominantes. Já a ideologia

produz interferências nas leis econômicas de distribuição de moradias e do espaço ocupado

pelos indivíduos, constituindo grupos socialmente delimitados. Assim, o espaço urbano é

formado pela estrutura destes sistemas econômicos, políticos e ideológicos.

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Tendo então o solo urbano como mercadoria, entende-se que os grupos mais pobres,

que não podem pagar pela terra, também ficam à margem tanto no sentido espacial quanto

social, uma vez que o solo provido de serviços e equipamentos públicos é mais caro, restando

as áreas que apresentam riscos ambientais em margens de rios, fundos de vale, ou encostas de

morros, que são vendidas por menor preço, ou aquelas ocupadas e vendidas de forma ilegal2.

São espaços afastados dos locais de trabalho desta população, bem como de todos os serviços

como escolas, hospitais, serviços cívicos e áreas de lazer, adensando a reprodução espoliativa

das forças de trabalho e dificultando o acesso aos direitos básicos.

1.2 CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA HABITACIONAL: AGRAVAMENTO DOS

PROBLEMAS URBANOS

De acordo com Bolaffi (1979) a essência e a formulação dos problemas de um país, a

prioridade que lhes é atribuída, variam de acordo com a estratégia daqueles que detém o poder

e a capacidade de decisão. Este é “o processo pelo qual a ideologia mascara os problemas do

real e os substitui pelos falsos problemas.” (BOLAFFI, 1979, p.40)

Esta análise crítica de Bolaffi (1979) diz respeito à construção do problema

habitacional no Brasil e configuração da solução proposta pelo governo na década de 1960. O

problema da habitação popular, para as classes médias e baixas, não foi tratado a partir das

suas características intrínsecas, mas sim a partir das estratégias de poder no período da

ditadura militar. Diante de inúmeros problemas sociais vividos naquele período, além da

carência de moradias, como fome, desemprego, transporte, saúde, educação e renda para

consumir bens e serviços, o governo federal elegeu a habitação popular com problema

fundamental, criando um banco de financiamento e subsídio habitacional.3

Bolaffi (1979) traz os resultados de uma pesquisa que foi feita em 1960 no Brasil que

apontava que a principal aspiração das populações urbanas brasileiras era a casa própria. O

que segundo ele, demonstrava uma contradição entre a necessidade de consumir e reduzido

poder aquisitivo da época, que passava por uma política de contenção salarial. No regime

militar a casa própria se colocava como medida para alcançar os objetivos econômicos e ao

2 Constitui assim o processo de ocupação irregular que diz respeito aos “assentamentos realizados à margem da

legislação urbanística, ambiental, civil, penal e registrária (diz respeito o registro dos imóveis), em que se abrem

ruas e demarcam lotes sem qualquer controle do poder público.” (Plano Estadual de Habitação de Interesse

Social do Paraná, 2013, p.14) 3 Foi criado o Banco Nacional da Habitação que arrecadava recursos do Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço e do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo. Bolaffi (1979) aponta que o montante de recursos

arrecadados pelo BNH o tornou o segundo maior banco do país, atrás apenas do Banco do Brasil.

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mesmo tempo conservar o apoio das massas populares. Esperava-se estimular a economia

através de um plano governamental de construção de residências populares, investindo nas

indústrias de base e em contrapartida solucionando o problema habitacional. Com isso criou-

se o Banco Nacional da Habitação, que será mais bem explicado no capítulo seguinte.

Bolaffi (1979) coloca que o BNH articulou um montante de recursos supostamente

destinados à produção habitacional, mas que suas ações não passaram de artifícios para

resolver o problema econômico do período. Limitava-se a arrecadar recursos para transferi-los

para uma variedade de agentes privados intermediários. A produção habitacional do período

ficou caracterizada pela utilização de terrenos inadequados mal localizados, que resultou no

agravamento dos problemas urbanos e na formação de um processo industrial de favelamento.

(Ibidem, p.55)

Neste sentido, os problemas urbanos são parcelados para toda sociedade, mas recaem

de maneira mais agressiva àqueles que menos favorecidos. Bolaffi (1979) fala que o padrão

periférico de crescimento decorre da existência de mecanismos econômicos que conferem ao

solo urbano funções econômicas distintas da sua utilidade enquanto bem natural e do papel de

composição e organização para atividades públicas e privadas para a população. Assim, o solo

urbano se transforma em um objeto de ações e interesses econômicos alheios ao seu valor de

uso, que deterioram o habitat urbano, comprometendo os valores culturais e sociais do espaço.

(Ibidem, p.59)

Neste sentido, cabe colocar o conceito trabalhado por Lefebvre (1969) de direito à

cidade. O autor analisa de forma crítica a realidade urbanística que se configurava na França

no final do século XIX ocupando lugares centrais povoados anteriormente por trabalhadores,

para dar espaço aos centros de consumo. Portanto Lefebvre (1969) apresentará objeções em

relação ao urbanismo e à lógica mercantil que se seguiu para produzir os espaços planejados

para compra e venda. Afastar os trabalhadores do espaço central acabaria por prejudicar a

democracia e o exercício da cidadania. Portanto o direito à cidade, conceito fundamental para

esta pesquisa, muito além do direito de consumi-la, é o direito:

[...] não à cidade arcaica mas à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de

encontro e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso

pleno e inteiro desses momentos e locais, etc. A proclamação da vida urbana como

reino do uso (da troca do encontro separados do valor de troca) exigem o domínio

do econômico (do valor de troca, do mercado e da mercadoria) e por conseguinte se

inscrevem nas perspectivas da revolução sob a hegemonia da classe operária.

(LEFEBVRE, 1969, p. 139).

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Neste sentido, é importante retomar Kowarick (2000) que traz o conceito de

subcidadania urbana, que é decretada por um processo político que produz uma concepção de

ordem estreita e excludente. Esta concepção de ordem que fundamenta uma forma de controle

social da vida privada que pressupõe a desordem, a delinquência, a raça, a criminalidade

contida nos moradores das favelas, dos cortiços. Estes são duplamente humilhados,

maltratados, espancados e torturados pelo Estado, primeiro pela polícia, segundo pela

somatória de extorsões da vida urbana, pela carência dos serviços públicos e pelas distâncias

quanto ao deslocamento:

A violência está fortemente presente no cotidiano das nossas cidades. Não apenas a

da polícia ou dos bandidos, mas também a dos salários, transportes e jornadas de

trabalho; isso para não falar nas situações de doenças, acidentes e desemprego ou

nas formas espoliativas de moradia. E enquanto assim for, muitos permanecerão na

condição de subcidadania. Sem direito à cidade. (KOWARICK, 2000, p. 55)

Tendo em vista estas tensões que se colocam entre as necessidades sociais e os

interesses do mercado, o Estado tem um papel fundamental para regular essas relações

diminuindo as discrepâncias na distribuição dos equipamentos de consumo coletivo e

garantindo a cidadania4.

Reforça-se aqui que a moradia é um elemento fundamental na constituição da

cidadania, pois ela, ou a sua falta ou má condição, inclui e exclui os trabalhadores nas

cidades. Ela é o núcleo da sociabilidade primária entre os integrantes da família, onde esta se

organiza e garante todas as atividades da vida, o trabalho, a educação, a proteção. Entretanto,

é importante pensar a moradia integrada aos demais equipamentos coletivos, como o

saneamento e o transporte, que vão permitir o uso da cidade como um todo.

De acordo com que a história nos mostra, toda a ação do Estado sempre foi bastante

limitada contemplando apenas uma parcela da população e operando na lógica econômica.

Em uma sociedade capitalista, a política habitacional não seria diferente, ainda que operassem

com o discurso que afirma beneficiar quem mais necessitasse da intervenção do Estado, ou

seja, a população mais pobre, as ações objetivamente só atendiam as classes médias e altas.

4Este conceito tem origem em Marshall (1969), e basicamente se define como o somatório entre os direitos

sociais (referentes a tudo que vai desde o direito a um mínimo de bem estar econômico e segurança ao direito de

participar, por completo, na herança social), civis (composto por elementos necessários a liberdade individual-

liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e fé, o direito à propriedade e de concluir contratos

válidos), e políticos (diz respeito ao direito de participar do exercício do poder político) do individuo para que

este possa viver na cidade.

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Portanto, cabe no capítulo seguinte recuperar as ações do Estado brasileiro frente ao

que se configurou como problema habitacional. O capítulo II é destinado à constituição da

política habitacional no Brasil, que segundo Nabil Bonduki (1994), tem seu início no Governo

Vargas, até os dias atuais, mostrando como as ações permanecem beneficiando segmentos que

não são exclusivamente os mais necessitados.

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2 A CONSITUIÇÃO DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL

2.1 ORIGENS DA POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL – REPÚBLICA VELHA E

GOVERNO VARGAS

Nabil Bonduki (1994) analisa as origens da intervenção estatal na questão habitacional

de interesse social no Brasil, com olhar especial para a realidade de São Paulo, desde a

República Velha, passando pelo período Vargas (1930-1954), que é o foco do seu trabalho.

Bonduki (1994) vai dizer que as intervenções realizadas pelo governo em relação à

questão habitacional, no período da República Velha no Brasil, eram praticamente nulas. Uma

vez que, ao seguir a cartilha liberalista, que predominava no período, o Estado dava espaço

para a produção privada de habitações, recusando a intervenção direta do setor público na

construção de casa para trabalhadores. O setor público intervinha somente em casos mais

graves de insalubridade, por meio de uma legislação sanitária ou ação policial, e concedia

isenções fiscais, beneficiando basicamente os locatários. E como neste período o comércio

ainda era predominante na economia urbana, enquanto a indústria era secundária e sem

capacidade de absorver investimentos, a construção de casas de aluguel era uma maneira

segura de rentabilizar poupanças e recursos disponíveis na economia urbana. (BONDUKI,

1994, p.712)

Com o fluxo migratório estrangeiro do período, a região Sudeste, principalmente São

Paulo e Rio de Janeiro, passaram por um processo de hipervalorização de seu solo urbano. “É

neste contexto que se inseria a intensa produção habitacional realizada pela iniciativa privada

para locação” (Idem, p.713). Sendo assim, na década de 1920 em São Paulo, “quase 90% da

população da cidade, incluindo quase a totalidade dos trabalhadores e da classe média, era

inquilina, inexistindo qualquer mecanismo de financiamento para aquisição da casa própria.”

(Idem). Este contexto permitiu uma diversidade de soluções e construções que configuraram a

paisagem paulista no início do século XX. Entretanto, as soluções para os mais pobres que

visavam economizar no custo de vida de um solo caro, era habitar em cortiços, construídos

em espaços reduzidos e apresentando condições precárias e insalubres.

Neste período não havia intervenção do Estado no preço dos aluguéis, que eram

negociados entre o inquilino e o proprietário. Bonduki (1994) coloca que a questão do

provimento de moradias não era assumida pelo Estado e ao mesmo tempo a sociedade não lhe

atribuía esta função:

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Se, por um lado, o Estado não intervém na produção de moradias e no controle dos

aluguéis, as organizações populares também não parecem reconhecer no Estado o

interlocutor capaz de dar andamento a suas reivindicações em torno da questão.

Embora a forte influência do anarquismo no movimento operário explique, em parte,

esta postura de não reconhecimento da responsabilidade estatal na questão da

moradia, a própria caracterização do Estado, no período liberal, sem interferir no

âmbito da reprodução da força de trabalho contribuía no sentido de levar os

movimentos populares a negarem o poder público como uma instância à qual

deveriam ser dirigidas reivindicações. (BONDUKI, 1994, p.714)

Bonduki indica que a primeira instituição pública criada no país especificamente para

produzir habitação com caráter social foi a Fundação A Casa Operária, criada em 1924, em

Pernambuco.

Muito se acreditava que a construção de casas pelo poder público desestimularia a

produção privada gerando uma crise. Até mesmo que conceder favores à iniciativa privada

possibilitaria a produção de moradias mais baratas e aluguéis mais baixos. Lógica esta que

orientava o Estado liberal da República Velha. A solução ideal era a promoção das vilas

operárias pelos industriais para alocar seus empregados:

As vilas operárias eram conjuntos de casas construídas pelas indústrias para serem

alugadas a baixos aluguéis ou mesmo oferecidas gratuitamente a seus operários.

Estas iniciativas tiveram um impacto importante em várias cidades brasileiras, pois

são os primeiros empreendimentos habitacionais de grande porte construídos no

país. (BONDUKI, 1994, p.715)

Esta solução beneficiava principalmente o empresário que podia manter o controle

político, ideológico e moral de seus empregados, fixando-o nas mediações das empresas.

Assim, as vilas operárias foram vistas como modelo, pois garantiam condições dignas de

moradia aos trabalhadores, e sem a intervenção estatal. Entretanto, Bonduki (1994) aponta

que poucos foram exemplos bons de vilas operárias que garantiram preços baixos por

moradias de qualidade. Os empresários acabavam entrando, também, na lógica de

investidores imobiliários buscando rentabilizar capitais com o negócio de aluguéis.

Como já foi colocado por Singer (1973) anteriormente, com a revolução de 1930,

derrubada da oligarquia cafeeira do poder, o Estado brasileiro se tornou mais presente nas

relações entre o mercado e a sociedade. Bonduki (1994) coloca que a partir de então se

desenvolvem condições que tornaram as atividades urbanas e industriais centrais na economia

brasileira. Estas atividades contribuíram para o crescimento populacional e para a formação

de um exército industrial de reserva que tornava fixação do trabalhador nas fábricas

desnecessária, fazendo com que a provisão de habitações passasse a ser de responsabilidade

do trabalhador e do Estado.

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Neste cenário, com o Estado populista, a habitação se colocava como uma

problemática da classe trabalhadora urbana, e ações como produção de moradias via Estado e

uma política de proteção ao inquilinato, demonstravam certa preocupação com as classes

menos favorecidas. Assim, pode-se dizer que é a partir de 1930 que a política habitacional

começa a dar seus primeiros sinais de vida.

Bonduki (1994) mostra que, na realidade, a política habitacional foi bastante

incipiente, pois não se estruturaram estratégias de enfrentamento da questão habitacional. Em

1946 foi criada a Fundação Casa Popular, no governo Dutra, que foi mais uma saída para

enfrentar a crise de moradias por qual o país passava naquele período, do que efetivamente

uma política habitacional. Apesar de apresentar objetivos amplos (como financiar não

somente moradias, mas também obras de saneamento, infraestrutura, indústria de material de

construção, pesquisa habitacional e formação de pessoal técnico) a falta de articulação com

outros órgãos e a carência de recursos – para citar alguns dos problemas apresentados por

Bonduki (1994) – permitiu que o projeto fracassasse. A Fundação dependia basicamente dos

recursos das carteiras prediais dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs)5, mas os

recursos das carteiras podiam financiar a construção civil não somente para a habitação social,

“mas também no Plano C, que financiava a incorporação imobiliária para os setores médios.”6

(BONDUKI, 1994, p.725). Como o objetivo primordial da Fundação era a construção de

moradias para a população mais pobre e para os IAPs o investimento em construções de

conjuntos habitacionais para as classes médias era mais lucrativo, a Fundação acabou tendo

seus recursos limitados, sendo então extinta em 1964.

No entanto, este cenário ainda permitiu que o Estado brasileiro reconhecesse de fato a

sua obrigação no enfrentamento direto da falta de moradias, assumindo o problema

habitacional como uma questão social. Bonduki (1994) aponta como hipótese que este

momento permitiu também que a sociedade assimilasse a questão habitacional como papel do

Estado. Apesar das ações desarticuladas e descentralizadas vindas de diferentes órgãos e

interesses políticos, a ideia de habitação social começou a ter início a partir de então. (Ibidem,

p.719)

5 Os IAPs eram institutos de capitalização de recursos por empresas e trabalhadores para o pagamento futuro de

aposentadorias ou pensões (BONDUKI, 1994, p.725), eram vinculados ao Ministério do Trabalho. Em 1937

foram criadas as carteiras prediais, para que parte dos recursos pudesse serdestinada à construção de moradias

para os trabalhadores. 6 BONDUKI (1994) faz entender que existiam os planos A, B e C. O plano A consistia no aluguel de moradias.

O plano B na concessão de financiamentos para construção e aquisição da casa própria. E o Plano C no

financiamento de incorporações para a venda de imóveis para as classes médias e altas. (Ibidem, p.728)

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Algumas das intervenções foram a Lei do Inquilinato de 1942, que fixou o preço dos

alugueis e regulamentou as relações entre inquilino e proprietário, e o uso dos fundos de

investimento para financiamento de moradias populares, com base no recolhimento de parte

do salário dos trabalhadores. Em relação à lei, o aluguel de casas foi deixando de ser um

negocio lucrativo em função da regulamentação do seu valor, fazendo proprietários reaverem

suas casas, muitas vezes por meio de despejos, e promovendo a diminuição da construção de

casas de aluguel.

Em relação às moradias construídas e os programas de financiamento, Bonduki mostra

que estes beneficiaram muito mais as classes médias e altas do que as classes populares.

Assim, sem condições para pagar pelos aluguéis ainda disponíveis ou de financiar uma

habitação, as classes populares consolidaram o padrão periférico de crescimento urbano. As

principais cidades, como São Paulo, demandou intervenções urbanísticas que encareceram o

preço dos solos em suas áreas centrais, expulsando os trabalhadores mais pobres para as

periferias das cidades. Tiveram que habitar locais irregulares e autoconstruir suas moradias,

resultando nos aglomerados urbanos, favelas e assentamentos precários sem acesso aos

serviços públicos, intensificando a problemática urbana:

Assim, surgem ou se desenvolvem novas ‘alternativas habitacionais’ baseadas na

redução significativa, ou mesmo na eliminação, do pagamento irregular e mensal da

moradia: a favela e a casa própria autoconstruída ou auto-empreendida em

loteamentos periféricos carentes de infra-estrutura. (BONDUKI, 1994, p.729)

Bonduki (1994) traz também a questão do Decreto-Lei nº 58 de 1938, que

regulamentou a aquisição de terrenos à prestações. “Até então, embora proliferassem

loteamentos na área externa da cidade, ainda não estava configurado um mercado de terrenos

destinado especialmente aos setores populares.” (BONDUKI, 1994, p.729) Mas que, ao

contrário da questão dos aluguéis, neste caso o Estado não interferiu na questão da expansão

periférica, apenas buscou garantir a propriedade aos compradores, percebendo neste tipo de

expansão, de assentamento habitacional popular, a maneira para superar a crise habitacional.

Crise esta que, segundo o autor, agravou-se pela transferência dos encargos da edificação das

moradias populares ao trabalhador e ao Estado, e pelas novas formas de produção e circulação

de capital, promovidos pelo desenvolvimento da indústria, que possibilitou a criação de novos

empreendimentos imobiliários, como prédios de escritórios e apartamentos, que beneficiaram

as empresas e as classes mais altas.

Por fim, é importante ressaltar o que Bonduki diz sobre o momento em que o Estado

assume o problema habitacional, resultando na redução dos investimentos da iniciativa

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privada para a produção de habitações, mas fazendo com que a indústria da construção civil

se interessasse cada vez mais por recursos públicos para manter sua atividade de construir

habitações populares, mas na verdade buscava-se manter o interesse do mercado se

sobressaindo ao interesse social, prática que se mantém na política habitacional atual.

2.2 POLÍTICA HABITACIONAL NA DITADURA MILITAR E REDEMOCRATIZAÇÃO

Dando continuidade à constituição da política habitacional no Brasil, uma importante

ação que se deu no período da ditadura militar foi a criação do Banco Nacional da Habitação

(BNH). Neste período o país passava por uma intensa crise de moradias ao passo em que se

urbanizava aceleradamente. O mundo enfrentava a guerra fria e o temor propagado ao

comunismo também chegava ao Brasil. Assim, a casa própria servia perfeitamente como

argumento para difundir ideais de propriedade privada característicos do capitalismo e o BNH

fundamentaria uma política de financiamento que faria da construção civil uma atividade

estruturalmente capitalista. (BONDUKI, 2008, p.72)

Com a criação do BNH, estruturou-se um Sistema Financeiro de Habitação (SFH),

com um modelo de financiamento habitacional através dos recursos vindos do Fundo de

Garantia por Tempo de Serviço (FGTS)7, somados aos recursos da poupança voluntária, do

Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). Formava-se, então, uma:

[...] estrutura institucional de abrangência nacional, paralela à administração direta,

formando pelo BNH e uma rede de agentes promotores e financeiros (privados ou

estatais) capazes de viabilizar a implementação em grande escala das ações

necessárias na área habitacional e fontes de recursos estáveis permanentes e

independentes de oscilações políticas. (BONDUKI, 2008, p.73)

A política habitacional regida pelo BNH dinamizou a economia, gerando empregos e

fortalecendo o setor da construção civil, teve uma produção habitacional bastante

significativa. Nos vinte e dois anos de funcionamento deste sistema foi financiada a

construção de 4,3 milhões de habitações novas, sendo deste total 2,4 milhões de habitações

destinadas para as classes mais baixas. Entretanto, foi incipiente em relação às necessidades

apresentadas pelo processo de urbanização que se deu a partir da segunda metade do século

7 O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) foi criado em 1966, passando a valer a partir de janeiro de

1967, consistindo em uma poupança compulsória dos trabalhadores assalariados. (BONDUKI, 2008) De acordo

com a legislação específica, os recursos do FGTS são destinados para financiar habitações para atender a

população de baixa renda e financiar investimentos em saneamento ambienta. Já os recursos do Sistema

Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) são destinados ao financiamento habitacional para segmentos de

renda média. (ARAGÃO; CARDOSO, 2013)

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XX. Os recursos foram todos alocados para a produção de casas próprias através do sistema

formal de construção civil, sem levar em consideração modelos de construção alternativos que

grande parte da população desenvolvia para enfrentar o problema habitacional. (BONDUKI,

2008)

Neste sentido quem mais se beneficiou com a política foi, por um lado as classes

médias que atendiam aos critérios de financiamento bancário estabelecidos pelo sistema e

com isso conseguiam financiar suas moradias, por outro o setor da construção civil que

contou com fontes estáveis de financiamento para produzir as habitações. As classes

trabalhadoras de renda mais baixa tiveram como alternativa autoconstruir suas moradias em

locais precários, muitas vezes clandestinos, irregulares, afastados dos serviços públicos

necessários para a reprodução de sua força de trabalho. O BNH desenvolveu padrões de

construção de moradias que não levou em consideração as diversidades regionais, ambientais

e culturais dos espaços urbanos brasileiros e gerou também muitos bairros “dormitórios”, em

função da construção de grandes conjuntos habitacionais nas periferias das cidades, afastados

de todas as atividades urbanas e dos serviços públicos, contribuindo para o agravamento dos

problemas urbanos, como, por exemplo, o transporte.

A partir dos anos 1980, o modelo econômico implantado no regime militar começou a

apresentar sinais de crise, em função do modelo político recessivo combinado com a inflação

elevada do início dos anos 1980. (ARAGÃO; CARDOSO, 2013) Com isso o SFH teve seus

investimentos reduzidos, pois com o desemprego e com a redução do nível dos salários, a

arrecadação do FGTS diminuiu, bem como das poupanças. As prestações ficaram maiores e a

capacidade de pagamento dos mutuários diminuiu.

Com a grande mobilização popular que o país enfrentava contra a ditadura militar,

organizou-se o movimento de moradia e o movimento dos sem tetos, e também o Movimento

Nacional dos Mutuários, composto por setores da classe média que não conseguiam pagar as

prestações da casa própria.

Em resposta às críticas, o BNH reajustou o valor das prestações, o acabou quebrando o

sistema financeiro de habitação. Com a redemocratização em 1985, esperava-se que o SFH, o

BNH, as Companhias Habitacionais Estaduais – estas consideradas agentes locais

responsáveis pela execução dos projetos e programas habitacionais (ARAGÃO; CARDOSO,

2013) –, passassem por uma profunda reestruturação em vista da formulação de uma nova

política habitacional, mas o BNH acabou sendo extinto em 1986. As atribuições referentes à

habitação foram distribuídas entre o então Ministério de Desenvolvimento Urbano e Meio

Ambiente, O Conselho Monetário, o Banco Central do Brasil e a Caixa Econômica Federal

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28

(CEF) (SOUZA, 2005, p.39) Perdeu-se com isso, toda a estrutura nacional de política de

habitação que havia sido constituída até então.

MARICATO (2006) conta que depois da extinção do BNH o governo federal, apesar

de algumas tentativas de formulação e implementação de programas, não conseguia se

articular com os níveis estadual e municipal, e que neste cenário os movimentos sociais

emergiram na luta pela reforma urbana, uma luta que já havia se iniciado nas pequenas

brechas do regime militar, acompanhando a luta pelas liberdades políticas8. (MARICATO,

2006, p.214) A crise do sistema de financiamento e a instabilidade das políticas federais

culminaram com a reforma institucional e política promovida pela Constituição de 88, que

movida pela pressão dos movimentos de luta por moradia, descentralizou as ações dando mais

responsabilidade para os municípios. O poder local se tornou o principal interlocutor das

demandas sociais da população mais carente. (BONDUKI, 2008)

Esta situação crítica da política habitacional ocorreu ao mesmo tempo em que o

problema da falta de moradias se agravou com o empobrecimento da população entre 1980-

90, intensificando a necessidade de intervenção do Estado ainda que com recursos de outras

origens, e da parceria com a sociedade civil organizada. Iniciou-se então, uma nova fase da

política habitacional denominada “pós-BNH”, na qual União, estados e municípios tiveram

que buscar outras formas de recursos para a elaboração das ações e dar mais espaço às

práticas de enfrentamento à problemática habitacional, utilizadas pelas classes mais pobres,

por meio de fontes de financiamento alternativas e sem uma estratégia nacional que guiasse as

ações.

Neste contexto, Bonduki (2008) aponta a emergência de experiências municipais de

habitação de interesse social marcadas pela diversidade de iniciativas, ainda que não

articuladas por causa da ausência de uma política nacional:

Nesta fase surgem, ao lado de intervenções tradicionais, programas que adotam

pressupostos inovadores como desenvolvimento sustentável, diversidade de

tipologias, estímulo a processos participativos e autogestionários, parceria com a

sociedade organizada, reconhecimento da cidade real, projetos integrados e a

articulação com a política urbana. [...] emergem programas alternativos, como

urbanização de favelas e assentamentos precários, construção de moradias novas por

8Uma das principais conquistas dos movimentos sociais foi a emenda de iniciativa popular apresentada à

Constituição de 1988, a inclusão, no texto da mesma, da função social da propriedade (Artigo 5, inciso XXIII) e

a função social da cidade (Artigo 182) e a criação do Capítulo II Da Reforma Urbana. Foi instituído também a

partir da Constituição o Plano Diretor, que é a ferramenta por meio da qual as ações de política de

desenvolvimento urbano são traçadas e é por meio do Plano que os municípios conseguem acessar recursos para

a elaboração das ações. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988)

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mutirão e autogestão, apoio a autoconstrução e intervenções em cortiços e em

habitações nas áreas centrais. (BONDUKI, 2008, p.77-78)

Esta fase “pós-BNH” foi mais complexa em comparação às ações tradicionais e

centralizadas no regime militar, até mesmo em função da crise enfrentada no sistema de

financiamento. O FGTS teve seus recursos para financiamento paralisados entre 1993 e 1994,

em função de suspeitas de corrupção e liberação de contratos acima da capacidade do FGTS,

no governo Collor (1990-91). (BONDUKI, 2008, p.76) Houve em 1991 a maior contratação

de financiamentos com recursos do FGTS da história, fazendo com que nos anos seguintes

seus recursos tivessem a aplicação reduzida no ano de 1992 e paralisada entre 1993-94. Isto se

deu em função de uma reforma administrativa de Fernando Collor no setor habitacional,

fazendo com que as responsabilidades sobre a habitação ficassem pulverizadas em um grande

número de órgãos distintos, que em seus programas deixaram de atender novamente as

camadas de renda mais baixa. (SOUZA, 2005)

No início do Governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), (1995-2002), apresentava-

se um contexto de crise financeira internacional que atingiu a economia brasileira. Seguindo

as prescrições do Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo federal limitou o

endividamento do setor público. O FGTS voltou a ser utilizado, mas com grandes restrições9.

Em 1995 foi criada a Secretaria de Política Urbana10

vinculada ao Ministério do Planejamento

e Orçamento. A criação da Secretaria vem como uma das ações para resolver os problemas

urbanos e corrigir alguns erros das experiências em programas habitacionais anteriores, as

quais FHC aborda em um relatório feito no mesmo ano. As ações de FHC a partir do que foi

diagnosticado no relatório apontavam para uma política coordenada em nível federal,

reduzindo a pulverização das responsabilidades, bem como os investimentos públicos. Ainda

assim a Secretaria buscou descentralizar a execução dos programas de habitação, saneamento

e infraestrutura entre estados e municípios, cabendo à União às funções reguladoras e

reguladoras. (SOUZA, 2005, p.73)

Alguns dos programas habitacionais criados no governo FHC foram:

9 Cardoso (2013) coloca que o FGTS “é um instrumento com forte sensibilidade ao ciclo econômico e ao nível

geral do emprego: ou seja, em períodos de crescimento econômico, verifica-se aumento dos depósitos e redução

de saques, e o inverso nos momentos de crise. Por essa razão, a partir de meados da década de 90 até os anos

2000 o Fundo passa por um momento de instabilidade, com desequilíbrios recorrentes entre capitação e

despesas.” (CARDOSO, 2013, p.20) 10

Em 1996 a Secretaria de Política Urbana se tornou gestora do setor habitacional, de acordo com o projeto

apresentado a 2ª Conferência das Nações Unidas para os Assentamentos Humanas – Habitat II, assumindo o

compromisso com a universalização do acesso à moradia. (BONDUKI, 2008, p.78)

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A criação da Carta de Crédito (individual ou associativa), voltado para

população com renda de até 12 salários mínimos, permitindo crédito individual

direto para aquisição de habitação nova ou usada, crédito para compra de

material de construção e aquisição de lote urbanizado para construção, com

recursos do FGTS; na modalidade associativa concedia crédito para pessoas

agrupadas em condomínios ou organizadas por associações; (SOUZA, 2005)

O Pró-Moradia, que previa a concessão de financiamentos a estados e

municípios, estes atuando como mutuários, destinados à famílias de até 3

salários mínimos, que moravam em condições precárias sem segurança e

expostos à insalubridade (Idem);

O Habitar-Brasil, que utilizava recursos do Orçamento Geral da União e

contrapartidas de estados e municípios, tinha como objetivo melhorar as

condições de habitabilidade11

“das famílias que viviam em áreas degradadas,

de risco, insalubres ou impróprias para moradia”. (Idem, p.76-77);

A criação em 1999 do Programa de Arrendamento Residencial (PAR), voltado

para produção de unidades habitacionais novas para arrendamento, com

recursos limitados do FGTS e do Orçamento Geral da União. Aqui o programa

era operado pela CEF e o crédito repassado às construtoras que entregavam os

empreendimentos prontos para que a CEF alocasse a população que seria

beneficiada, famílias com renda de 3 a 6 salários mínimos, cabendo aos

municípios cadastrar e filtrar os beneficiários (ARAGÃO &CARDOSO,

2013);

Mas, como mostram Bonduki (2008), Aragão e Cardoso (2013) e Souza (2005),

algumas ações acima citadas resultaram em uma série de problemas: o Pró-Moradia foi

paralisado em 1998, em função da proibição do financiamento ao setor público por causa da

incapacidade dos estados e municípios contrair empréstimos, e foi substituído pelo PAR.

(SOUZA, 2005) Este destinava suas ações à faixa de renda de 3 a 6 salários mínimos, mas as

primeiras avaliações deste programa mostraram que as populações verdadeiramente atendidas

eram de rendas superiores. (ARAGÃO; CARDOSO, 2013) No que diz respeito aos

11

Significa que além das condições físicas da unidade habitacional em si, “inclui a segurança da posse da terra, o

traçado e a morfologia do assentamento, a infraestrutura, os serviços públicos e equipamentos comunitários, e as

condições de acesso e mobilidade.” (MORA; VILAÇA, 2004)

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financiamentos para a aquisição de imóveis usados, não havia geração de renda nem atividade

econômica. E o financiamento para material de construção, apesar de apoiar um número

significativo de famílias de baixa renda, acabava estimulando a produção informal de

habitações que agravavam os problemas urbanos. (BONDUKI, 2008)

Com o predomínio de programas de acesso ao crédito desde os tempos de BNH,

consolidou-se então uma visão bancária do financiamento habitacional. A CEF se tornou o

agente financeiro por excelência para operar os recursos do FGTS destinados para habitação,

mas naquele momento agia com restrições à concessão dos mesmos, para manter a saúde

financeira do Fundo. A limitação de financiamento ao setor público impediu que agentes

públicos executassem políticas de habitação e intervenção urbana, além do endividamento dos

estados e municípios que impediu o acesso ao financiamento com recursos do FGTS.

De maneira geral os programas criados não interferiram na redução da falta de

moradias, que sempre foi maior nos setores de baixa renda os quais não conseguiam pagar os

valores exorbitantes das prestações, aumentando o número de ocupações nas periferias e

consequentemente, agravando os problemas urbanos. O beneficiário, assim como nas políticas

anteriores, continuou a ser a população de renda média e alta. (BONDUKI, 2008)

Cabe lembrar ainda que no governo FHC é aprovado pelo Congresso Nacional o

Estatuto da Cidade, de 2001, que fazia parte da proposta original do Projeto Moradia. A partir

do Estatuto a Política Urbana referida no capítulo II da Constituição de 1988 teve as diretrizes

traçadas para a ação política nos níveis federal, estadual e municipal. Garante, também, a

participação popular por meio de conselhos de política urbana, audiências, conferências,

enfim, meios que permitam o dialogo entre a sociedade civil e o poder público por uma

política mais democrática. (SOUZA, 2005)

A partir de agora serão apresentadas às ações do governo de Luiz Inácio Lula da Silva

(2003-2010), é neste contexto que é criado o Programa Minha Casa Minha Vida, objeto desta

pesquisa monográfica.

2.3 GOVERNO LULA E A CONFIGURAÇÃO DE UM SISTEMA HABITACIONAL

Bonduki (2008) apresenta o quadro geral do problema habitacional que o governo

Lula encontra, o que permite compreender como vai se configurar a política em seu governo.

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De acordo com dados do Censo Demográfico de2000, o déficit habitacional12

era de 6,6

milhões de moradias, sendo 5,4 milhões em áreas urbanas; 41% do déficit total se

concentravam na região sudeste e 32% na região nordeste; e 83% do déficit total estavam

concentrados na população de baixa renda; conforme foi apontado nos itens anteriores, tal

concentração, segundo Bonduki (2008), é uma somatória da ação governamental que

privilegiou as classes média e alta, do desemprego e queda na renda dos brasileiros na década

de 1990.

Outra questão importante é em relação ao déficit qualitativo, que dia respeito às

moradias sem infraestrutura necessária ou apresentam adensamento excessivo. “Trata-se de

famílias que não necessitam, com prioridade, de uma nova moradia, mas de intervenções para

condições dignas para sua habitação.” (BONDUKI, 2008, p.84). Das moradias que

compunham o déficit qualitativo, de acordo com o Censo 2000, 28% apresentavam

deficiência urbana referente à carência de infraestrutura.

Vale colocar também a questão dos domicílios urbanos vagos ou depreciados.

Segundo o Censo 1991, 9,36% do estoque total de moradias no Brasil eram vagas, um total de

2,963 milhões de moradias. Em 2000 o Censo, mostra que 10,33% do estoque total de

moradias eram vagas, um total de 4,580 milhões, somadas as mais de 830 mil moradias que

estavam depreciadas. (BONDUKI, 2008, p.85) Os imóveis vagos e depreciados geralmente se

localizam em áreas urbanizadas com infraestrutura, são em sua maioria áreas centrais das

maiores cidades brasileiras, revelando o grau de dramaticidade do problema habitacional

brasileiro. Bonduki (2008) ainda coloca que a cada 3,5 moradias, 1 apresenta carência urbana.

Nas principais regiões metropolitanas13

somam-se ociosidade das moradias em áreas bem

estruturadas ao déficit habitacional qualitativo, onde se concentra a população de baixa renda:

A existência de um número tão significativo de imóveis vagos gera, além de

deterioração do edifício e do entorno, um grave problema urbano, com o

despovoamento de áreas bem servidas de equipamentos e empregos, enquanto a

população vai se abrigar em regiões desprovidas e distantes, multiplicando as

necessidades de investimentos públicos. (BONDUKI, 2008, p.86)

12

“O conceito de déficit habitacional utilizado está ligado diretamente às deficiências do estoque de moradias.

Engloba aquelas sem condições de serem habitadas em razão da precariedade das construções e que, por isso,

devem ser repostas. Inclui ainda a necessidade de incremento do estoque, em função da coabitação familiar

forçada (famílias que pretendem constituir um domicílio unifamiliar), dos moradores de baixa renda com

dificuldades de pagar aluguel e dos que vivem em casas e apartamentos alugados com grande densidade. Inclui-

se ainda nessa rubrica a moradia em imóveis e locais com fins não residenciais. O déficit habitacional pode ser

entendido, portanto, como déficit por reposição de estoque e déficit por incremento de estoque.” (FUNDAÇÃO

JOÃO PINHEIRO, 2013, p.13) 13

Conjunto de municípios integrados a uma cidade central, concentrando atividades industriais, comerciais e

financeiras, bem como serviços e equipamentos públicos. Caracteriza-se por alta densidade demográfica e alta

urbanização. (FREITAS, 2009)

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Segundo Bonduki (2008) hipoteticamente se os imóveis vagos fossem utilizados para

alocar a população que precisa de moradia, poderiam ser resolvidos 83% do déficit de

unidades. Em algumas cidades o número de unidades vagas chega a ultrapassar o déficit

qualitativo. Além das questões apresentadas, para equacionar o problema da questão

habitacional, Bonduki (2008) aponta a importância de se pensar também a questão da

insuficiência da terra urbanizada com preços acessíveis para a população de baixa renda. O

solo urbanizado tem acesso limitado, excluído assim a população mais pobre, o que configura

a segregação socioespacial. Esta população pobre partícipe do déficit habitacional é obrigada

a morar em locais quer inadequados pela falta de equipamentos de consumo coletivo, quer

irregulares no sentido da posse/propriedade da terra. Assim, “uma das mais importantes

manifestações das dificuldades de acesso à terra é o intenso processo de formação de favelas e

loteamentos irregulares no país.” (BONDUKI, 2008, p.88)

O Censo Demográfico de 2000 mostrou que a população brasileira cresceu desde 1991

1,98% ao ano, enquanto a população moradora de favelas cresceu mais de 7% ao ano. No

total entre 1991 e 2000 a população favelada cresceu 84% enquanto a população brasileira em

geral cresceu apenas 15,7%. Outro dado interessante que Bonduki (2008) traz é que entre

1995 e 1999 foram construídas 4,4 milhões de moradias no Brasil. Deste total 700 mil foram

financiadas pelo mercado formal, público ou privado. O restante 3 milhões e 700 mil foram

construídas por iniciativa da própria população excluída do mercado formal14

. Este processo

não diminuiu com as ações governamentais, apenas se agravou:

Ao associar-se à carência de infraestrutura com a renda da população, encontram-se

cerca de 6 milhões de unidades pertencentes a famílias com renda até 3 salários

mínimos (67% das unidades com carência de infraestrutura são ocupadas pela

camada mais pobre). Isto mostra que essa parcela da população, quando mora, mora

mal. Certamente, concentra-se em áreas urbanas controladas pelo mercado informal,

desprovidas de qualidade urbanística e de equipamentos, o que reafirma a

importância de políticas abrangentes e bem planejadas. Dados do Sistema Nacional

de Indicadores Urbanos (SNIU) mostram que décadas de crescimento acelerado

levaram a um processo informal de acesso ao solo e alavancaram o número de

municípios com favelas e loteamentos irregulares. Esta forma de uso da terra está

presente na grande maioria das cidades brasileiras, inclusive nas menores.

(BONDUKI, 2009, p.89)

Este quadro apresentado por Bonduki (2008) mostra a dramaticidade da questão

habitacional e urbana de maneira geral, pois ao falar de habitações em condições precárias e

14

Dados do PNAD/IBGE, 1999; CIBRASEC, 2000. (BONDUKI, 2008, p.88)

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sem infraestrutura, entende-se que problemas de saneamento, água tratada, energia elétrica,

acesso a transporte e emprego são constitutivos da problemática urbana. Este cenário mostra a

necessidade de uma ação política que articule estas questões e aponta os caminhos que o novo

presidente eleito em 2002 viria a tomar pra tentar equacionar estes problemas.

Aragão e Cardoso (2013) apontam que com a eleição de Lula novas expectativas se

abriram para a institucionalização da política habitacional, de acordo com as análises do

Fórum Nacional da Reforma Urbana15

. Neste governo foi aprovado o Projeto Moradia que

propunha, entre outras medidas: a criação do Sistema Nacional de Habitação (SNH) formado

pela União, Estados e Municípios, atuando sob a coordenação de um novo ministério, o

Ministério das Cidades; criação de conselhos populares nos três níveis de poder para definir

as diretrizes e realocar os recursos da política habitacional; criação do Fundo Nacional de

Habitação; retomar o financiamento habitacional para as camadas de renda média, por meio

do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), de maneira que os recursos do

FGTS se concentrassem no financiamento habitacional para a população de baixa renda;

(ARAGÃO; CARDOSO, 2013)

As diretrizes estabelecidas no projeto apontavam o objetivo de tornar a questão

habitacional uma prioridade nacional e não apenas um programa de governo para a campanha

presidencial. Não seria uma tarefa exclusiva do executivo, mas um conjunto de ações de todos

os segmentos da sociedade. (BONDUKI, 2008, p.90) Assim estabeleceu-se uma meta no

projeto de garantir o acesso à moradia digna para todo cidadão brasileiro num prazo de 15

anos. (Ibidem, p.91)

O Ministério das Cidades foi criado em 2003 para coordenar o Sistema Nacional de

Habitação. Atualmente é composto por quatro secretarias: Habitação, Saneamento, Transporte

e Mobilidade, e Programas Urbanos. Em 2003 também foi realizada a Primeira Conferência

Nacional das Cidades, chegando a mobilizar mais de 3 mil municípios. “A Conferência

aprovou os princípios gerais da política urbana do governo e propôs a criação e composição

do Conselho Nacional das Cidades.” (ARAGÃO; CARDOSO, 2013, p.29) A Secretaria

Nacional de Habitação propôs a estruturação do SNH, em 2003, desenvolvendo as bases

15

“O Fórum Nacional da Reforma Urbana (FNRU) é uma coalizão de movimentos sociais, ONGs e

organizações profissionais e acadêmicas que desde 1986 vinham debatendo e propondo novas diretrizes para a

política urbana visando à redução do quadro histórico de desigualdades sociais e urbanas. Esse movimento se

organizou por ocasião da elaboração da Constituição de 1988 e permanece atuante, com atividades fortes de

lobby frente ao Congresso Nacional e também frente aos órgãos do Executivo ligados à política urbana.”

(ARAGÃO; CARDOSO, 2013, p.28)

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normativas institucionais da Política Nacional de Habitação (PNH)16

. Mas em um primeiro

momento a capacidade de atuação do Ministério ficou limitada principalmente por causa da

ausência de recursos, mantendo as regras de restrição de gastos do governo anterior.

Ao FGTS foi permitido seu saque em intervalos de quatro anos, se o recurso fosse

utilizado na aquisição de imóvel residencial ou na amortização de financiamento habitacional

contraído anteriormente. Foi criada a Resolução 460 do Conselho Gestor do FGTS17

. A partir

da resolução foi possível criar um sistema de “descontos” reduzindo o custo dos

financiamentos com os recursos do fundo, para beneficiar a população de baixa renda, sem

comprometer sua saúde financeira. Royer (2009, p.88-89, apud. ARAGÃO; CARDOSO,

2013, p.30) diz que o desconto é na verdade um subsídio destinado diretamente à pessoa física

com renda familiar até 3 salários mínimos.

Em 2004 foi criado o Programa Crédito Solidário com objetivo de atender as

necessidades habitacionais da população de baixa renda organizada em cooperativas e/ou

organizações, “visando à produção e aquisição de novas habitações ou conclusão e reforma de

moradias existentes, mediante concessão de financiamento diretamente ao beneficiário”

(ARAGÃO; CARDOSO, 2013, p.30)18

Este programa veio para atender a reivindicação dos

movimentos sociais, que passaram, então, a contar com recursos federais para a autogestão de

moradias.

Em 2005 aprovou-se o projeto de lei para a criação de um fundo de moradia, o Fundo

Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), este criado então em 2006. Esta mesma

lei estabeleceu os elementos institucionais para a criação do Sistema Nacional de Habitação

de Interesse Social (SNHIS), voltado para população de baixa renda, distribuindo as

atribuições da política urbana nos níveis federal, estadual e municipal. Assim, para aderirem

ao SNHIS, estados e municípios deveriam se comprometer a cumprir três exigências: elaborar

o Plano Local de Habitação de Interesse Social; constituir o Fundo Municipal de Habitação de

16

A Secretaria elaborou, também, entre 2007 e 2009 o Plano Nacional de Habitação, PlanHab, componente

central da nova política habitacional que estava sendo elaborada, com objetivo de planejar as ações públicas e

privadas em médio e longo prazo para equacionar as necessidades habitacionais dentro de 15 anos (até 2023),

prevendo seu monitoramento, avaliação e revisão de quatro em quatro anos. Envolveu a participação de diversos

setores da sociedade, buscando considerar as diversidades regionais e características municipais da questão

habitacional. (BONDUKI, 2008, p.12) 17

O Conselho Curador do FGTS é um colegiado tripartite composto por entidades representativas dos

trabalhadores, empregadores e representantes da sociedade civil e do governo. O conselho é a instância máxima

de gestão e administração do FGTS, e foi instituído pela lei nº 8036 de 11 de maio de 1990 e pelo Decreto nº

6827 de 22 de abril de 2009, atendendo o que estava disposto na Constituição de 88. Disponível

em:<http://www2.mte.gov.br/fgts/administracao_conselho.asp> 18

O Programa Crédito Solidário aproveitou o Fundo de Desenvolvimento Social (FDS), criado em 1993 para

financiar programas sociais locais, mas estava até então praticamente inoperante. (ARAGÃO; CARDOSO,

2013)

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Interesse Social, e criar o Conselho Gestor com representação da sociedade civil;

(VASCONCELOS, 2013, p.8) A partir da criação deste fundo seria possível de fato que a

política habitacional pudesse atender a população de baixa renda, extrato social em que

sempre esteve concentrado o déficit habitacional. De acordo com Aragão e Cardoso (2013):

A lógica da criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social seria

fortalecer os órgãos públicos municipais e estaduais para a implantação de políticas

habitacionais. Os Fundos de HIS seriam mecanismos que permitiriam aos

Municípios alavancar recursos próprios e potencializar os recursos federais ou

estaduais que lhes fossem repassados. Ao mesmo tempo os Conselhos Gestores dos

Fundos locais promoveriam uma maior participação da sociedade civil em relação à

definição sobre a alocação e ao uso dos recursos aportados para HIS. (ARAGÃO;

CARDOSO, 2013, p.32)

A partir de 2006 uma série de mudanças é realizada na política econômica do governo

federal, em relação a uma progressiva liberalização dos gastos públicos em função da

ampliação das reservas internacionais possibilitada pela ampliação da exportação de

commodites e do aumento do seu preço internacional. (ARAGÃO; CARDOSO, 2013) Assim

foi possível um investimento maior em programas sociais de transferência de renda, a

valorização do salário mínimo e a emergência da classe C, desencadeando um período de

crescimento econômico que ampliou as estratégias empresariais do setor imobiliário. (Ibidem)

Neste contexto positivo, o governo federal criou em 2007 o Plano Nacional de Saneamento

Básico e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), destinando grandes investimentos

em obras de infraestrutura (energia, rodovias, saneamento básico, habitação). De acordo com

Cardoso (e outros, 2011) já com o PAC, o FNHIS já começa a perder a centralidade. O

volume de recursos aumentou, mas o PAC não está sujeito a mecanismos de controle social

ou critérios institucionais de redistribuição. A alocação dos recursos do PAC é prerrogativa

exclusiva da Casa Civil da Presidência da República. (ARAGÃO; ARAÚJO; CARDOSO,

2011)

Em 2008 o Governo Federal inicia a adoção de políticas para o enfrentamento da crise

econômica mundial. Já em 2009, no contexto da crise, para manter a economia brasileira

aquecida, o governo federal criou o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)19

. Os

recursos do Programa são provenientes do Fundo de Arrendamento Residencial e do Fundo

de Desenvolvimento Social, ambos geridos pela Caixa Econômica Federal20

. O PMCMV

19

Lei nº 11.977 de 07 julho de 2009. 20

O Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) é um fundo composto por recursos do FGTS e outros recursos

não onerosos vindos de repasses. E o FDS era fonte de recursos do Programa Crédito Solidário (PCS), para a

produção de moradias por autogestão através de cooperativas ou associações.

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buscou aumentar o volume de crédito para aquisição e produção de moradias, dinamizando,

assim, a economia a partir do setor da construção civil e da geração de empregos neste setor,

que vinha crescendo desde 2006, mas que já estava sofrendo impactos com a crise.

Nestes anos configurou-se um quadro mais favorável para o desenvolvimento da

política habitacional e para ampliação dos financiamentos. “Cabe ressaltar que não se trata

apenas de mais uma fase de crescimento, mas de uma profunda reestruturação do setor.”

(ARAGÃO; CARDOSO, 2013, p.33)

2.4 PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”: PROPOSTA, ESTRUTURA E

ALGUMAS CRÍTICAS

Criado em 2009, o PMCMV é um programa do governo federal que se propõe a

subsidiar casa própria para famílias com renda de até R$ 1600,00, e facilitar as condições de

acesso ao financiamento de imóvel para as famílias com renda até R$ 5000,00. Assim, todas

as famílias com renda bruta mensal de até R$ 5000,00 poderão ser beneficiadas pelo

programa, desde que não possuam imóveis próprios em qualquer unidade da federação, ou

que já tenham recebido benefícios de natureza habitacional do governo federal.

Existem três faixas de renda previstas para enquadrar as famílias a serem beneficiadas:

QUADRO 1: FAIXAS DE RENDA DO PMCMV

FAIXA RENDA

FAIXA 1 Famílias com renda mensal bruta de até R$ 1.600,00

FAIXA 2 Famílias com renda mensal bruta de até R$ 3.275,00.

FAIXA 3 Famílias com renda mensal bruta acima de R$ 3.275,00 até R$ 5 mil

FONTE: site da Caixa Econômica Federal

Existem cinco modalidades de atuação do programa:

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QUADRO 2: MODALIDADES DO PMCMV

Empresas

Atende famílias com renda mensal de até R$ 1.600, por meio da transferência de recursos

ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Nessa modalidade, a maior parte do

subsídio é da União. A parcela paga pelo beneficiário é de 5% da renda mensal, com

prestação mínima de R$ 25.

Entidades

Para as famílias com renda mensal de até R$ 1.600,00 organizadas em cooperativas

habitacionais ou mistas, associações e demais entidades privadas sem fins lucrativos. O

trabalho é feito por meio da produção, aquisição ou requalificação de imóveis já

existentes. A União concede subsídio para a construção da unidade por meio de

financiamentos a beneficiários organizados de forma associativa por uma entidade. A

parcela paga pelo beneficiário é de 5% da renda mensal, com prestação mínima de R$ 25.

Municípios com até

50 mil habitantes

Atende às famílias com renda mensal de até R$ 1.600,00, em municípios com população

de até 50 mil habitantes, não integrantes de regiões metropolitanas das capitais estaduais.

O subsídio é da União, sendo que o valor de contrapartida pode ou não ser cobrado do

beneficiário.

FGTS Para atender às famílias com renda mensal até R$ 5 mil por meio do financiamento com

recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Rural

Modalidade destinada aos agricultores familiares e trabalhadores rurais com renda anual

bruta de até R$ 15 mil, para o Grupo 1, de R$ 15 mil a R$ 30 mil para o Grupo 2 e de R$

30 mil a R$ 60 mil para o grupo 3.

FONTE: site da Caixa Econômica Federal

Os recursos são do orçamento do Ministério das Cidades, por meio do FAR e do FDS

(um mix de recursos do FGTS e da União), que são repassados para Caixa Econômica

Federal, agente operacional do programa. Para atender as famílias com renda de até R$

1600,00, nas modalidades Empresas e Entidades, a Caixa Econômica Federal analisa e aprova

os projetos apresentados pelas construtoras, de acordo com as diretrizes definidas pelo

Ministério, para que os recursos sejam liberados. Nas outras faixas de renda e modalidades os

recursos são repassados pelo Ministério à Caixa para subsidiar os contratos de financiamento

dos interessados na aquisição de imóvel, seja em área urbana ou rural. Aos municípios cabe a

contrapartida para a construção de infraestrutura externa e os equipamentos públicos.

Além de facilitar a aquisição de imóveis e equacionar o déficit habitacional, algumas

das justificativas do programa são tanto as gerações de empregos formais no campo da

construção civil quanto às contribuições para o crescimento econômico do país.

Serão abordados alguns dos problemas e contradições a partir de alguns trabalhos

recentes, como os já utilizados de Aragão e Cardoso (2013), Aragão, Araújo e Cardoso

(2011), D’AMICO (2011), bem como Hirata (2009) que escreve no momento de criação do

programa.

Neste sentido Hirata (2009), escrevendo antes da implementação do PMCMV, diz que

o Programa se consolidaria como uma dupla política: por um lado uma política habitacional

que visava amenizar a gravidade do déficit habitacional, por outro uma política de geração de

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emprego e renda, no setor da construção civil, visando também o enfrentamento da crise

econômica mundial. A consequência dessa contradição para Hirata (2009) o aprofundamento

da segregação urbana. A autora aponta também uma similaridade do que estava sendo

proposto em 2009, como outra forma de enfrentamento da política habitacional por um

governo de centro-esquerda, com a política habitacional criada no período da ditadura militar

através do BNH e do uso do FGTS para a construção de moradias para as altas faixas de

renda, expulsando as classes populares para a periferia. Para a autora, o limite do preço dos

imóveis que o PMCMV estabelece, impossibilita também que a população mais necessitada

adquira imóveis em locais que não sejam construídos em áreas periféricas, em função do

preço dos terrenos em regiões bem estruturadas.

Aragão, Araújo e Cardoso (2011) indicam que o PMCMV estabelece um patamar de

subsídio direto, proporcional à renda das famílias. Além dos subsídios, busca também

aumentar o volume de crédito para a aquisição e produção de moradias, ao mesmo tempo

reduzir juros. Foi criado também o Fundo Garantidor da Habitação com o objetivo de utilizar

seus recursos para o pagamento de prestações em caso de inadimplência por desemprego e

outras adversidades que possam impedir o pagamento da casa.

De acordo com Aragão e Cardoso (2013), genericamente é possível entender o

PMCMV como um programa de crédito para o consumidor e também para o produtor

(ARAGÃO; CARDOSO, 2013, p.40). O volume de subsídios que o Programa propôs era

inédito e permitiria atingir a população de baixa renda, o que vinha sendo pautado pelos

movimentos sociais de luta pela moradia.

No entanto, Aragão e Cardoso (2013) apontam alguns problemas e contradições que o

PMCMV trouxe para a política habitacional. Em síntese são: a falta de articulação do

programa com a política urbana; ausência de instrumentos para enfrentar a questão fundiária;

a localização dos novos empreendimentos; privilégio concedido ao setor privado;

descontinuidade do programa com os princípios do SNHIS e perda do controle social sobre a

sua implementação e; desigualdades na distribuição dos recursos como fruto do modelo

institucional adotado; (ARAGÃO; CARDOSO, 2013, p.44)

Aragão e Cardoso (2013) apontam duas contradições básicas do programa: por um

lado o objetivo de amenizar os efeitos da crise econômica mundial e o objetivo de combater o

déficit habitacional, por outro, o setor privado como agente fundamental para efetivar a

produção habitacional, deixando em segundo plano alternativas de produção baseadas na

produção pública ou na autogestão da habitação.

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Há ainda uma desarticulação entre a política federal com a municipal, pois se os

municípios não estiverem dispostos a garantir uma localização adequada para os

empreendimentos, as possibilidades no âmbito federal ficam limitadas. A Constituição de 88 e

o Estatuto da Cidade delegam aos municípios a competência de definir e implementar os

instrumentos da política urbana. Assim há uma “confusão federativa” na qual a esfera

municipal deve providenciar a terra, enquanto a esfera federal se encarrega do financiamento

da habitação, ficando os governos estaduais sem papeis definidos. (ARAGÃO; CARDOSO,

2013) Na prática, o papel dos municípios e estados é somente organizar a demanda

habitacional, encaminhando os cadastros para a CEF, para a seleção dos beneficiários, bem

como facilitar as condições para facilitar a produção desonerando tributos e flexibilizando a

legislação urbanística e edilícia21

. (ARAGÃO; ARAÚJO; CARDOSO, 2011)

Como é uma política que se orienta pelo mercado, os empreendimentos estarão sempre

dentro da dinâmica do lucro. Assim sendo, as empresas acabam buscando terras mais baratas,

possivelmente localizadas em áreas distantes das centralidades urbanas e apresentando

infraestrutura precária. Com isso os municípios passam por processo de expansão

desenfreada, bem como suas regiões metropolitanas. Ainda que tenham subsídio público, as

construtoras buscam lucrar com valores que se agregam no processo de produção dos

empreendimentos e com a valorização do solo transformado. Busca-se assim realizar projetos

em terrenos mais baratos, geralmente com problemas de acesso e infraestrutura onde poderão

lucrar até o teto dos valores permitidos pelo PMCMV, ao invés de reduzir o preço final das

habitações. (ARAGÃO; CARDOSO, 2013, p.54) Não cabe aos municípios avaliar a

qualidade dos projetos ou o desenvolvimento destes, e como o PMCMV não prevê recursos

para a produção de equipamentos públicos e infraestrutura, muitas vezes os estados e

municípios acabam tendo que arcar com a demanda.

Vale colocar também, como mostram Aragão e Cardoso (2013), que o limite de

habitações por empreendimentos é de 500, mas os municípios acabam perdendo o controle

sobre esses projetos, e a própria CEF, pressionada por resultados, não é capaz de controlar a

qualidades habitações produzidas, que geralmente são adotadas modelos tradicionais e

padronizados, sem dar espaço para as diversidades regionais. (ARAGÃO; CARDOSO, 2013,

p.59)

D’Amico (2011) mostra as limitações de se planejar apenas olhando para a questão

quantitativa, uma vez que as distintas necessidades regionais não são levadas em

21

Legislação que rege a construção condomínios verticais no espaço da cidade.

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consideração, mesmo que se concentrem na faixa de renda de 0 a 3 salários mínimos, as

habitações exigem projetos distintos em cada região:

Por exemplo, as famílias pobres do sertão nordestino têm um conjunto de

necessidades diferenciadas nas grandes cidades, até porque estas usufruem das

externalidades positivas dos aglomerados urbanos. Esta situação leva à constatação

de que casas com telhado de palha podem ser o melhor tipo de moradia para os

moradores do sertão do nordeste, o que não poderia ser aceito para as habitações

localizadas nas periferias das regiões metropolitanas. (D’ AMICO, 2011, p.40)

Com a criação do Ministério das Cidades foi reconhecida a importância de

mecanismos de controle social e de participação da sociedade, por meio das Conferências, dos

conselhos do FGTS e conselhos gestores que deveriam ser implementados com a adesão dos

municípios ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). Porém, com o

PAC e o PMCMV, a elaboração, implementação e distribuição dos recursos para a política de

habitação deixaram de passar por estes mecanismos, inicialmente com a justificativa de que

era necessário agilizar os processos para reduzir o déficit habitacional. Ter a CAIXA como

agente do PMCMV agiliza o acesso aos recursos pelo setor privado, ao invés de operar com

contratações e licitações públicas.

Segundo CARDOSO, o PMCMV entrou em choque com os princípios do SNHIS que

são pautados no papel estratégico e protagonista do setor público para a provisão de moradias.

Já o FNHIS, que seria de onde viriam os recursos para financiar as ações do SNHIS, passou a

ser utilizado exclusivamente nas ações de urbanização de assentamentos precários e de

desenvolvimento institucional, assumindo assim um caráter coadjuvante na política

habitacional atualmente.

Explanados alguns dos problemas, cabe colocar por fim que a perda do controle social

sobre a política de habitação acaba sendo reflexo das contradições do Programa, que

apresenta objetivos econômicos e sociais para equacionar o dramático problema habitacional

brasileiro. (ARAGÃO; CARDOSO, 2013, p.63)

Foi possível notar que a produção encontrada a respeito do PMCMV basicamente se

dá por duas vias: trabalhos e relatórios produzidos em institutos de pesquisa públicos oi sob

encomenda pública que visam apresentar a produção e a realização dos projetos habitacionais,

mostrando a ação do Estado no enfrentamento da problemática habitacional; trabalhos críticos

em relação às posições e ações do Estado em relação à questão da habitação e as limitações

que esta política apresenta. O objetivo desta pesquisa monográfica é caminhar para uma

terceira via que será apresentada a seguir, até então pouco explorada, que a é avaliação do

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programa depois da implantação dos projetos e da alocação das famílias atendidas, visando

traçar, a partir do ponto de vista destes novos proprietários, as mudanças significativas em

suas vidas depois do PMCMV.

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3 ESTUDO DE CASO NO CONJUNTO HABTIACIONAL JARDIM EUROPA

3.1 A ESCOLHA DO OBJETO E DA METODOLOGIA DE PESQUISA

O objeto de estudo desta pesquisa é o conjunto habitacional Jardim Europa, construído

entre 2009 e 2011 no município de Fazenda Rio Grande, na Região Metropolitana de

Curitiba. Trata-se de um empreendimento financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida,

com para atender famílias de com renda de até três salários mínimos, ou vindas de

assentamentos precários22

. Contém 501 moradias distribuídas entre sobrados e casas, estas

reservadas para pessoas com deficiência e idosos. Ao todo são 458 sobrados e 43 casas, sendo

ambos unidades com 47m² de área útil constituída por dois quartos, sala, cozinha, banheiro e

área de serviço. (RIBEIRO, 2013, p.103)

Algumas pesquisas foram realizadas no conjunto no momento da sua implantação,

como o da Ribeiro (2013), que teve o conjunto como objeto de sua tese de doutorado em

Meio Ambiente, discutindo os conjuntos habitacionais como soluções parciais ao problema

ambiental e habitacional, uma vez que a população atendida vinha de áreas de risco, mas que

ao passarem a viver em conjuntos habitacionais terão que lidar com novos riscos, como a

adaptação ao local às distâncias dos serviços públicos. Tive contado com o trabalho da

Ribeiro (2013) a partir da minha orientadora que havia participado da sua banca e sugeriu que

seria interessante dar continuidade, uma vez que a pesquisa havia sido feita em 2011.

É importante colocar que a pesquisa de Ribeiro (2013) possibilitou esta pesquisa

monográfica, que tem como objetivo avaliar a política habitacional do ponto de vista dos

moradores após a ocupação do empreendimento, trabalho que, segundo ela, vem sendo pouco

explorado. O Estado se compromete com a entrega da moradia e o acompanhamento durante

180 dias após a mudança dos moradores e as pesquisas e relatórios se concentram no

momento da implantação dos empreendimentos. Portanto mostra-se necessário investigar qual

o impacto da política de habitação na vida destes novos moradores. Além de analisar as

condições de vida destes moradores após a implantação e como se constituem as novas

22

Assentamentos precários compreendem favelas, cortiços, loteamentos irregulares de moradores de baixa renda

e os conjuntos habitacionais degradados. Apresentam condições de baixa qualidade da estrutura da habitação,

adensamento excessivo de moradores, ou ausência de serviços como água potável, saneamento e outros. (Plano

Estadual de Habitação de Interesse Social do Paraná, 2013)

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relações e as estratégias de sobrevivência. No caso do Jardim Europa, a pesquisa se realiza

três anos depois da sua implantação, em 2014.

O objetivo geral da pesquisa é analisar a experiência do Programa Minha Casa Minha

Vida no município de Fazenda Rio Grande, a partir da opinião dos moradores beneficiados

pela política. Os objetivos específicos da pesquisa são: identificar o perfil socioeconômico da

amostra; identificar, a partir da opinião dos moradores, mudanças e melhorias na vida dos

moradores após a política, bem como o tratamento do Estado três anos após a sua

implantação; compreender a (re) constituição das relações de vizinha da relação com o

espaço;

A hipótese inicial que moveu a pesquisa foi que o Jardim Europa apresentaria os

problemas característicos dos empreendimentos do programa, já colocados no capítulo

anterior, quanto à localização do empreendimento, configurando uma segregação

socioespacial destes novos moradores; descompasso entre as demais políticas que constituem

a política urbana, uma vez que o Estado se compromete com a casa, mas não a integra aos

demais equipamentos de uso coletivo; a superprodução de moradias em um mesmo projeto,

somada à padronização das moradias e o espaço pequeno considerando o tamanho das

famílias, bem como suas necessidades;

Ademais dos problemas apresentados, muitas famílias conquistaram a casa própria,

então uma segunda hipótese é que esta seja a principal mudança nestes três anos na vida dos

novos moradores, além dos problemas ambientais aos quais estavam vulneráveis nos antigos

locais de moradia, como enchentes, alagamentos ou deslizamentos, permitindo assim, que

apresentem novas demandas que não mais a casa.

A metodologia escolhida para a coleta das informações foi um questionário fechado,

divido em quatro blocos. Os dois primeiros com questões fechadas permitem identificar o

perfil socioeconômico da população atendida, com as categorias de sexo, idade, estado civil,

escolaridade, local de nascimento e de moradia entes do Jardim Europa, bem como o tempo

em que morou naquele local. As categorias de trabalho e renda também foram levantadas. Os

blocos seguintes, três e quatro, são questões abertas que buscam saber a opinião e a relação

dos moradores com os equipamentos de uso coletivo (escola, posto de saúde, transporte,

segurança, serviços de assistência social e áreas de lazer) e outros serviços como comércios e

as relações de trabalho. No bloco quatro, especificamente, buscou-se identificar e

compreender o processo de mudança para o Jardim Europa, a relação com o novo espaço,

com os moradores, bem como as conquistas além da casa própria, as dificuldades enfrentadas

e o tratamento do poder público após a implantação do conjunto.

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Selecionou-se uma amostra de 50 famílias moradoras do conjunto, 44 sobrados e 6

casas23

. A escolha das moradias a serem entrevistadas se deu com base na distribuição das

moradias no conjunto, através de amostra aleatória simples: foram pesquisadas uma em cada

dez moradias, seguindo-se a numeração utilizada pela COHAPAR, no momento da ocupação.

A partir a seleção aleatória da primeira moradia, manteve-se o critério de pesquisar,

sequencialmente, até completar a amostra. Buscou-se além das entrevistas com os moradores,

entrevistar representantes de alguns serviços coletivos, como a escola, o posto de saúde e o

serviço de assistência social, para saber como foi o processo de implantação do conjunto e as

demandas apresentadas pela nova população. Foram conversas que duraram em média dez

minutos e contribuíram para estabelecer algumas relações sobre a percepção das instituições a

respeito dos moradores do Jardim Europa. Foram realizados também registros fotográficos do

conjunto habitacional. A pesquisa aconteceu entre setembro e outubro de 2014, durante a

semana e também nos finais de semana, sempre à tarde. E contou com o apoio de duas amigas

e colegas de curso que acompanharam contribuíram na aplicação dos questionários, nas

entrevistas e nos registros fotográficos.

3.2 O JARDIM EUROPA

O conjunto habitacional fica localizado no município de Fazenda Rio Grande, na

Região Metropolitana de Curitiba (RMC)24

. É importante contextualizar o processo formação

da região metropolitana para compreender uma questão fundamental, que é a localização do

empreendimento e os trâmites realizados para que ali ocorresse a construção.

No caso da Região Metropolitana de Curitiba, estudos e pesquisas realizados do

campo da geografia e da arquitetura e urbanismo, mostram como o planejamento urbano de

Curitiba, pensada enquanto cidade modelo, encareceu o preço do solo levando os

trabalhadores a se retirarem dos locais centrais da cidade para os bairros mais afastados e para

os municípios limítrofes à capital. Estas áreas eram em sua maioria áreas de proteção

23

Inicialmente a amostra compreendia 45 sobrados e cinco casas, mas algumas dificuldades foram colocadas no

campo para encontrar os moradores nos últimos sobrados, então se optou por uma casa. 24

A Região Metropolitana de Curitiba é formada por 29 municípios: Adrianópolis, Agudos do Sul, Almirante

Tamandaré, Araucária, Balsa Nova, Bocaiúva do Sul, Campina Grande do Sul, Campo do Tenente, Campo

Largo, Campo Magro, Cerro Azul, Colombo, Contenda, Curitiba, Doutor Ulysses, Fazenda Rio Grande,

Itaperuçu, Lapa, Mandirituba, Piên, Pinhais, Piraquara, Quatro Barras, Quitandinha, Rio Branco do Sul, Rio

Negro, São José dos Pinhais, Tijucas do Sul e Tunas do Paraná.(COMEC, 2014)

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ambiental em função dos riscos por serem mananciais ou margens de rios e ficavam muito

distantes do centro.

Francisco Mendonça (2004) aponta os principais problemas da RMC no que diz

respeito à produção do seu espaço urbano a questão ambiental. O planejamento urbano da

capital paranaense não conseguir dar conta do crescimento populacional resultando na

metropolização do espaço. Assim, a população trabalhadora que não conseguia comprar um

lote nas áreas planejadas ia ocupar regiões mais baratas e carentes de infraestrutura e serviços

públicos. Estas regiões se localizavam principalmente em áreas afastadas do centro, como

margens de rios e mananciais.

O trabalho de Rosa Moura (2004) vai recuperar o processo de urbanização paranaense

desde os anos 50, mostrando que até então a população era de maioria rural, mas que a partir

de 70 essa característica se inverte em função da mudança na base de produção que

influenciaram os processos migratórios da região. O setor primário que compreendia mais da

metade da economia do estado foi perdendo espaço para o setor secundário que se instalou

principalmente na região metropolitana de Curitiba. Com isto um grande contingente de

pessoas se deslocou de suas cidades onde desenvolviam atividades rurais para disputar

espaço, trabalho e educação nos grandes centros urbanos. Mas a intensidade deste processo

sobrecarregou a estrutura urbana existente. A região metropolitana de Curitiba foi a que mais

teve impactos neste sentido, e Colombo a cidade periférica que a que recebeu a experiência

mais dramática do Brasil aumentando sua população de 20 mil para 180 mil habitantes em

três décadas. (MOURA: 2004, p.38)

O trabalho das arquitetas urbanistas Gislene Pereira e Madianita Nunes da Silva

(2007), vai mostrar a produção do espaço da região metropolitana de Curitiba num cenário de

segregação sócio espacial, de disputa pelo uso do solo e da cidade. Analisando o

desenvolvimento do mercado imobiliário na capital, as autoras vão mostrar como as variações

do preço do solo se baseiam na infraestrutura disponibilizada, fazendo com que lotes

informais fossem disponibilizados para compra em locais de ocupações irregulares que vão

produzir os aglomerados da região metropolitana: “verifica-se que no período de 70-89 foi a

fase em que se produziu o maior número de lotes formais na RMC, sendo que a grande

maioria deles implantados a leste do aglomerado metropolitano.” (PEREIRA e SILVA, 2007:

p.84).

Neste contexto, o município de Fazenda Rio Grande se insere na dinâmica da

metropolização da região de Curitiba. O município se originou de um povoado formado por

duas fazendas, Capocu (uma área indígena) e Rio Grande (pois ficava às margens do rio

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Iguaçu), que passou a se chamar Fazenda Rio Grande. Esta região pertencia ao município de

São José dos Pinhais, mas foi desmembrada em 1960 formando o município de Mandirituba,

do qual a região de Fazenda Rio Grande se tornou sede administrativa.

Os processos migratórios ocasionados pela queda na produção de café no oeste do

estado do Paraná e pela mudança na base de produção, que passava a se industrializar,

contribuíram para o crescimento da região de Curitiba, bem como para o desenvolvimento de

Fazenda Rio Grande, que em 1990 foi emancipada politicamente. Durante muitos anos o

município ficou caracterizado como “cidade dormitório”, pois apresentava uma dependência

econômica dos campos de trabalho de outros municípios, como São José dos Pinhais,

Araucária e Curitiba. Na última década o município tem experimentado uma das maiores

taxas de crescimento populacional. (PREFEITURA DE FAZENDA RIO GRANDE,

novembro, 2014)

Por se tratar de um município da região metropolitana o preço da terra é mais barato, o

que tem atraído a construção de empreendimentos imobiliários no local.

O Jardim Europa trata-se de um empreendimento do Programa Minha Casa Minha

Vida voltado para famílias residentes em área de risco, em assentamentos precários e renda de

até 3 salários mínimos. Sendo assim, concentra-se na faixa 1 do Programa. Foi construído no

município de Fazenda Rio Grande em função de uma parceria feita entre uma empresa e a

Companhia Habitacional de Curitiba (COHAB -CT). A empresa construtora tinha terrenos em

Curitiba a serem repassados para a COHAB -CT e propôs trocá-los pela área em Fazenda Rio

Grande. Este negócio foi realizado, viabilizando a construção de mais casas. (RIBEIRO,

2013).

Aqui se destacam algumas diferenças entre este empreendimento e o modelo

PMCMV:

a) por se tratar de uma área fora de Curitiba, a COHAB-CT ficou limitada na análise

do local, referente ao acesso aos serviços e infraestrutura, como costuma fazer em Curitiba;

b) o projeto foi elaborado pela companhia e a construção das casas realizada por uma

empresa particular contratada por meio de processo de licitação pública;

c) a empresa contratada, com o projeto já pronto, deu entrada na Caixa Econômica

Federal, o que é diferente do que o PMCMV propõe e do que acontece geralmente, em que a

empresa faz projeto e apresenta à CAIXA.

O PMCMV repassou para a empresa o valor proporcional pelas casas construídas

mensalmente. Cada unidade custou R$ 47 mil, e o valor total do empreendimento é de R$ 22

milhões. De acordo com a representante da COHAB-CT entrevistada por Ribeiro (2013), a

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região já contava com ruas implantadas, rede de esgoto e água e drenagem. A empresa

recebeu o terreno com essa infraestrutura. Do período de licitação até a entrega do

empreendimento foram dois anos - de dezembro de 2009 a dezembro de 2011 - (Idem, p.78).

Após o reassentamento dos moradores os principais problemas apresentados foram

com as instalações elétricas e por causa do uso incorreto dos equipamentos sanitários, que

segundo entrevista dada pelo representante da empresa contratada, isso ocorreu por falta de

orientação da população, por ser tratar de um pessoal que “não tem muita cultura”. (Idem,

p.79) Aqui já é possível identificar o preconceito por parte das instituições e uma percepção

que vai de encontro com o que Kowarick (2000) fala sobre o imaginário que se constrói sobre

os moradores de favela e cortiços, os subcidadãos, de desordem.

À Prefeitura de Fazenda Rio Grande coube o cadastramento das famílias interessadas

previamente definidas por critérios socioeconômicos, bem como orientar as famílias quanto às

regras do PMCMV e o apoio durante a mudança. As famílias foram selecionadas por renda e

situação de risco (moradores de áreas precárias, com risco ambienta, enchentes, deslizamentos

e alagamentos), depois sorteadas, podendo escolher o imóvel que pretendiam ocupar no

conjunto e a possibilidade de morar próximo aos vizinhos de sua antiga moradia. Segundo a

representante da CAIXA, em entrevista a Ribeiro (2013), quando se trata de reassentamento, é

feito um estudo das relações de vizinhança, buscando preservá-las. (Idem, 2013, p.80)

No projeto também foram reservadas áreas públicas para a construção futura de

equipamentos públicos (escolas, creches, posto de saúde, áreas de lazer), ficando a construção

de muros e instalação de portões e calçadas como responsabilidade do morador. A

participação da Prefeitura se deu com mais força na fase de pós-ocupação no período de 180

dias após o reassentamento dos moradores.

O PMCMV prevê que a empresa contratada para executar o projeto apresente um

Projeto Técnico de Trabalho Social, PTTS, de acompanhamento das famílias na pré-

ocupação, no momento da ocupação e na pós-ocupação.

Aqui já é possível colocar que a hipótese sobre a superprodução de moradias, apontada

como uma tendência e um problema do PMCMV (ARAGÃO; CARDOSO, 2013), é

comprovada. É possível notar a lógica orientada pelo lucro no tramite realizado na troca dos

terrenos e a escolha da região de Fazenda Rio Grande, onde o preço da terra é menor, sendo

então possível a construção de mais moradias. Apesar do discurso institucional de que seria

possível beneficiar mais pessoas, percebe-se o interesse econômico da empresa em manter

seus terrenos em Curitiba, onde seria possível construir empreendimentos mais lucrativos.

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Com isto se apresenta uma nova hipótese, de que o número de moradias no Jardim Europa

sobrecarrega os equipamentos coletivos disponíveis na região.

Como pode ser visto no mapa abaixo, o conjunto fica localizado no bairro Eucaliptos

(traçado em vermelho), próximo ao acesso à BR 116, sentido Curitiba:

MAPA 1: DELIMITAÇÃO BAIRRO EUCALIPTOS

FONTE: site Google Mapas (2014)

MAPA 2: DELIMITAÇÃO DO JARDIM EUROPA

FONTE: Adaptado do site Google Mapas (2014)

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FIGURA 1: JARDIM EUROPA

FONTE: RIBEIRO (2013)

3.3 DIFICULDADES DO CAMPO E AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Esta pesquisa permitiu a pesquisadora o contato com os problemas e contradições

sociais tão discutidos no campo sociológico. Antes de tudo permitiu um confronto entre

pesquisador e objeto de estudo. Incialmente o objeto para analisar o PMCMV seriam os

empresários que constroem os projetos, buscando discutir o papel do preço da terra na

elaboração dos projetos e a escolha de áreas afastadas dos equipamentos coletivos reforçando

a segregação da população de baixa renda. Esta escolha estava pautada principalmente na

timidez e no receio em deslocar-se até um conjunto habitacional e conversar com os

moradores. Mesmo que o objeto de pesquisa inicial também demandasse entrevistas, parecia

ser mais confortável, mais seguro e mais fácil. A moradia enquanto espaço privado trazia a

insegurança e a impressão de que os moradores não iam querer atender e dar entrevistas.

Entretanto, este receio pareceu comprometer a formação enquanto cientista social, e talvez

futura profissional na elaboração de projetos e políticas públicas, uma vez que se evitava o

contato com o público alvo da política pública de habitação, ou seja, a população de baixa

renda. Era necessário enfrentar a timidez, a insegurança de se deslocar até outro município

para fazer esta pesquisa e sentir que havia enfrentado estes impasses.

Com o objeto escolhido e o instrumento de coleta elaborado, a dificuldade seguinte era

a entrada no campo. A orientadora da pesquisa havia sugerido o Jardim Europa também

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porque “as portas” do campo já estariam abertas, pois já havia uma pesquisa que colocaria a

par da condição do campo e apresentaria algumas impressões iniciais que permitiriam traçar

estratégias para iniciar a pesquisa. Alguns colegas que moram ou que conhecem o conjunto

comentaram que o Jardim Europa era violento, perigoso e afastado. Com isso houve uma

preocupação em fazer as visitas acompanhada e também porque com mais pessoas seria mais

confortável “bater nas casas” e conversar com os moradores.

O principal receio, como colocado antes, era que os moradores se recusassem a dar

entrevistas, comprometendo a pesquisa, visto que a amostra contempla cinquenta famílias.

Por se tratar de um empreendimento do PMCMV, a hipótese era que muitas pesquisas já

estivessem sendo feitas no local e que talvez por isso os moradores já estivessem saturados.

No final da pesquisa, apenas um morador se recusou a dar entrevista, pois disse que

não sabia dar muitas informações, sugerindo que voltassem outro dia quando outra pessoa da

família pudesse me ajudar. Mas como a pesquisada corria contra o tempo para dar conta do

campo, acabou-se escolhendo outra casa. Apenas uma moradora colocou que já havia sido

entrevistada pelo menos três vezes e que as perguntas eram muito parecidas com as que foram

colocadas, mas os entrevistadores diziam que a pesquisa era para pleitear melhorias para o

local. Assim, ao apresentar-se como estudante em conclusão de curso, sem vínculo

governamental, ela aceitou responder.

Outra dificuldade era com as respostas dos moradores. De certa forma sentiu-se que a

maioria dos entrevistados pudesse estar formulando uma análise sobre o processo de mudança

e seus impactos ali naquele momento da entrevista. Mostravam algumas contradições e

desconforto na fala ao ser convidado a articular um discurso sobre sua vida. Poucos

moradores, três ou quatro, pareciam estar habituados a falar deste processo. E de maneira

geral, a relação com a condição de moradia anterior, de área de risco, mostrou-se como um

discurso condensado no pensamento de muitos entrevistados, provavelmente propagado pelas

instituições, que os faziam responder prontamente, quando perguntados de onde vieram ou

como era a condição da moradia anterior, que vieram de áreas de risco.

Cabe colocar aqui também a dificuldade de acesso ao conjunto habitacional. Morando,

trabalhando e estudando em Curitiba, ir até Fazenda Rio Grande também se colocou como um

grande desafio. O acesso até o município não é difícil, pois o ônibus principal vai pela BR

116, mas para chegar até o conjunto habitacional era preciso pegar mais um ônibus que

passava de 40 em 40 minutos. E esperar 40 minutos pelo próximo ônibus significava perder

no mínimo quatro entrevistas. O fato de trabalhar até às 13h30 já reduzia o tempo de pesquisa,

pois até chegar em Fazenda Rio Grande, boa parte da tarde já havia passado. Chegava-se lá

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por volta das 15h00 e ficávamos até às 17h00, pois às 17h10 passava o ônibus que levava de

volta para o terminal. Se perdesse este, o próximo passaria somente às 18h. Como a pesquisa

foi feita entre setembro e começo de outubro, neste horário já estava anoitecendo.

Neste sentido, a questão do transporte já havia ficado clara e demonstrava a

dificuldade dos moradores que fazem diariamente este trajeto para trabalhar e estudar. O

Jardim Europa fica a 10 minutos do terminal e o ônibus que atende ao conjunto faz três

paradas em seu interior, mas muitos moradores reclamaram que ele não passa em todo Jardim

Europa, dificultando o acesso ao transporte para aqueles que moram longe dos pontos. De

acordo com as falas das instituições, visto no trabalho da Ribeiro (2013), o conjunto fica em

uma área estratégica, consideravelmente próxima aos serviços públicos, mas para quem

realiza o trajeto a pé, ou seja, a maioria da população o acesso é dificultado.

A região onde fica o terminal é bastante estruturada, com comércios e serviços, e foi

possível notar a quantidade de placas com anúncios imobiliários, de casas, apartamentos,

terrenos e financiamentos habitacionais, que fazem questionar o crescimento acelerado da

produção habitacional e um possível descompasso entre as demais políticas que formam a

política urbana (saneamento, mobilidade e transporte, e problemas urbanos):

FIGURA 2: ANÚNCIOS AO LADO DO TERMINAL

DE FAZENDA RIO GRANDE

FONTE: a autora (2014)

Já no Jardim Europa, foi possível notar as transformações no espaço físico das

moradias, comparando com o momento da implantação do conjunto em 2011e agora, em

2014:

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FIGURA 3: Estrutura dos sobrados 2011 FIGURA 4: Estrutura dos sobrados 2014

FONTE: RIBEIRO (2013) FONTE: A autora (2014)

Os moradores, cada um a sua maneira e condição, construíram muros e colocaram

portões. Interessante notar este processo de transformação do espaço na medida em que os

moradores vão demarcando e isolando seus espaços. Em todas as visitas realizadas foi

possível notar que as ruas são bastante movimentadas, com crianças brincando, algumas

mulheres sentadas na frente de casa e grupos de jovens conversando.

Por fim, o término da pesquisa de campo e a tabulação dos dados mostraram que o

material coletado era bastante rico, com muitos dados quantitativos e qualitativos. No entanto

material de coleta escolhido não contemplou uma avaliação mais aprofundada a respeito das

relações de sociabilidade, cabendo novas pesquisas para compreender estas relações em

conjuntos habitacionais.

3.4 PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS ENTREVISTADOS E DAS RESPECTIVAS

FAMÍLIAS

O questionário tem como objetivo a coleta de dados quantitativos e qualitativos. No

que diz respeito aos dados quantitativos, buscou-se levantar o perfil socioeconômico da

amostra de 50 moradores. A amostra foi escolhida com base no número de moradias do

conjunto habitacional, 501. Entrevistou-se 44 moradores de sobrados e 6 moradores de casas.

De acordo com o projeto, as casas devem abrigar idosos ou pessoas com deficiência. Os

questionários foram aplicados para os moradores adultos das residências, que estavam

presentes no momento da entrevista e que prestaram informações sobre a família. No total,

somando as informações dos entrevistados e as informações prestadas sobre a família, o

banco de dados conta com informações de 215 moradores.

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3.4.1 Perfil dos Entrevistados

Como mostra a tabela a seguir, do total de 50 entrevistados, 86% (43 entrevistados)

são do sexo feminino e 14% (7 entrevistados) são do sexo masculino:

TABELA 1: SEXO DOS ENTREVISTADOS

Frequência Percentual Percentual

cumulativo

Sexo

Masculino 7 14,0 14,0

Feminino 43 86,0 100,0

Total 50 100,0

Um fato interessante é que dos sete homens, três ao serem convidados a dar

informações sobre a família se sentiram desconfortáveis, comentaram que talvez não

pudessem ajudar, pois não sabiam de muitas coisas, que suas esposas saberiam melhor

informar. Mesmo aceitando responder, questões relativas à escolaridade dos filhos, por

exemplo, eles comentaram que quem sabia exatamente destas coisas eram suas esposas.

A tabela a seguir mostra a média das idades dos entrevistados:

TABELA 2: FAIXA ETÁRIA DOS ENTREVISTADOS

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Escalas

Até 19 anos 1 2,0 2,0

Entre 20 e 29 anos 10 20,0 22,0

Entre 30 e 39 anos 17 34,0 56,0

Entre 40 e 49 anos 12 24,0 80,0

Entre 50 e 59 anos 9 18,0 98,0

Com 60 anos ou mais 1 2,0 100,0

Total 50 100,0

Como pode ser visto, 76% dos entrevistados tem idade entre 30 e 59 anos, 22% são

jovens entre 18 e 29, e um idoso.

A tabela seguinte traz o estado civil dos entrevistados:

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TABELA 3: ESTADO CIVIL DOS ENTREVISTADOS

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Solteiro 6 12,0 12,0

Casado 40 80,0 90,0

Separado/divorciado 2 4,0 96,0

Viúvo 2 4,0 100,0

Total 50 100,0

Como mostra a tabela, a maioria dos entrevistados, 80% é casada, (casamento civil ou

relação estável com companheiro). Solteiros, separados ou divorciados e viúvos somam

juntos 20%. A tabela seguinte traz informações a respeito da cor declarada pelos

entrevistados:

TABELA 4: COR DOS ENTREVISTADOS

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Cor

Branca 22 44,0 44,0

Negra 4 8,0 52,0

Parda 23 46,0 98,0

Não declarou 1 2,0 100,0

Total 50 100,0

Em relação à cor dos entrevistados, 46% (23 dos entrevistados) se declararam pardos,

44% (22 dos entrevistados) brancos. Apenas 8% se declararam negros e um entrevistado não

soube responder.

Foi possível notar o desconforto dos entrevistados ao declarar sua cor. Quase todos os

entrevistados ao questionados sobre sua cor se sentiram incomodados ou encontraram na

situação motivos de riso ao buscar uma auto identificação. Ao informar ao entrevistado as

opções do questionário muitos responderam “moreno”. Ao reforçar as opções do questionário

entre “negro” ou “pardo” todos, que tinham respondido “moreno” inicialmente, optaram por

“pardo”.

A tabela seguinte traz informações a respeito da religião predominante na família:

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TABELA 5: RELIGIÃO PREDOMINANTE NA FAMÍLIA DO ENTREVISTADO

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Religião

Católica 22 44,0 44,0

Evangélica 22 44,0 88,0

Não tem/não segue 6 12,0 100,0

Total 50 100,0

As opções do questionário eram, além das apresentadas na tabela, espírita e budista.

Como mostra a tabela, as religiões predominantes nas famílias dos entrevistados se

concentram em católica, 44% dos entrevistados, e evangélica, 44% dos entrevistados também.

Dos 50 entrevistados, 5 declararam não seguir nenhuma religião específica no momento,

ainda que já tenham seguido em algum momento da vida.

TABELA 6: ESCOLARIDADE DOS ENTREVISTADOS

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Analfabeto 4 8,0 8,0

Ensino Fundamental Incompleto 21 42,0 50,0

EFC + EMI* 14 28,0 78,0

EMC + ESI** 9 18,0 96,0

Ensino Superior Completo 2 4,0 100,0

Total 50 100,0

Notas: *entre o ensino fundamental completo e o ensino médio incompleto;

**entre o ensino médio completo e o ensino superior incompleto;

De acordo com os dados, 42% dos entrevistados não completaram o ensino

fundamental, sendo que 28% do total de entrevistados chegaram a iniciar o ensino médio, mas

não completou. 18% dos entrevistados concluíram o ensino médio e/ou ingressaram no ensino

superior, sendo que apenas 4%, ou seja, 2 entrevistados concluíram o ensino superior. Do

total, 8% são analfabetos.

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TABELA 7: VÍNCULO DO ENTREVISTADO

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Dona de casa 29 58,0 88,0

Empregado com carteira assinada 9 18,0 18,0

Autônomo 5 10,0 30,0

Aposentado 2 4,0 92,0

Pensionista 2 4,0 96,0

Desempregado 2 4,0 100,0

Funcionário público 1 2,0 20,0

Total 50 100,0

A tabela acima traz os dados sobre o vínculo empregatício dos entrevistados. Do total

de entrevistados, 58% são mulheres donas de casa. 30% declararam estar trabalhando, sendo

18% empregados com registro em carteira, 10% como autônomos e 1 entrevistado funcionário

público. Duas entrevistas recebem pensão pelo falecimento do marido. Dois são aposentados

e outros 2 estão desempregados. Entre os desempregados um declarou ter sido demitido

recentemente, no momento da pesquisa, e estava vivendo com o acerto da empresa, mas não

havia dado entrada no Seguro Desemprego. O outro estava desempregado há mais tempo e

estava procurando emprego. É importante colocar que dentre as declaradas donas de casa, boa

parte delas declarou não estar procurando emprego principalmente por ter que cuidar dos

filhos, uma vez que não conseguiram vaga na creche.

A tabela 8, apresentada a seguir, mostra a ocupação de cada entrevistado, o que reitera

o recorte de renda como famílias pertencentes à faixa 1 do PMVMV; muitas mulheres em

casa, sem trabalho remunerado, porque cuidam dos filhos em função da falta de creches.

Relacionando as tabelas, os empregados com carteira assinada são: 1 auxiliar de limpeza, 1

coordenadora de telemarketing, 1 fiscal de caixa, 1 operador de máquina, 1 recepcionista, 1

vigilante, 1 zeladora e 2 cozinheiras; os autônomos são: 1 comerciante, 1 cuidadora de

crianças, 1 jardineiro e 2 pedreiros; e a funcionária pública trabalha como inspetora escolar.

Os que trabalham o fazem, em sua maioria, em trabalhos de baixa qualificação, pertencentes

aos ramos do comércio e serviços, na sua maioria privados. São ocupações que não garantem

condições de estabilidade, fazendo com que a posse da moradia se transforme num bem

material e simbólico de grande valor.

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TABELA 8: OCUPAÇÃO DO ENTREVISTADO

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Dona de casa 29 58,0 58,0

Cozinheira 2 4,0 62,0

Pedreiro 2 4,0 66,0

Aposentado 2 4,0 70,0

Pensionista 2 4,0 74,0

Desempregado 2 4,0 78,0

Aux. de limpeza 1 2,0 80,0

Comerciante 1 2,0 82,0

Coordenadora de telemarketing 1 2,0 84,0

Cuidadora de crianças 1 2,0 86,0

Fiscal de caixa 1 2,0 88,0

Inspetora escolar 1 2,0 90,0

Jardineiro 1 2,0 92,0

Operador de máquina 1 2,0 94,0

Recepcionista 1 2,0 96,0

Vigilante 1 2,0 98,0

Zeladora 1 2,0 100,0

Total 50 100,0

Os dados quantitativos coletados relativos aos entrevistados permitem traçar um perfil,

com base na maioria das informações. São em sua maioria mulheres entre 30 e 59 anos,

casadas, católicas ou evangélicas, com escolaridade entre ensino fundamental incompleto e

ensino médio completo, em geral donas de casa. Cabe agora analisar o perfil das famílias.

3.4.2 Perfil das famílias

A tabela a seguir mostra distribuição de moradores por casa:

TABELA 9: NÚMERO DE PESSOAS QUE MORAM NA MESMA CASA

Frequência Percentual

Percentual

Cumulativo

2 8 16,0 16,0

3 8 16,0 32,0

4 12 24,0 56,0

5 11 22,0 78,0

6 7 14,0 92,0

7 2 4,0 96,0

8 2 4,0 100,0

Total 50 100,0

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Do total de entrevistados, 22% têm mais de seis pessoas na mesma casa. Importante

relacionar com a disposição de cômodos por casa, que são dois quartos. E como mostra a

tabela a seguir, a média por família é de 4,3 pessoas:

TABELA 10: MÉDIA DE PESSOAS POR CASA

Nº de casos Mínimo Máximo Média Desvio Padrão

Nº de pessoas na casa 50 2 8 4,30 1,59

Com o desvio padrão de 1,59, entende-se que a maioria das famílias tem entre 2,71 e

5,89 moradores por casa. Relacionando com a estrutura da moradia, que conta com sala,

cozinha, banheiro, área de serviço e dois quartos, o espaço é insuficiente comparado ao

número médio de pessoas por moradia.

Foi possível notar com a pesquisa que alguns moradores, proprietários, abrigam

pessoas em suas casas além da família nuclear clássica – pais e filhos solteiros -, filhos já

casados e seus respectivos netos, noras ou genros, até que estes se “ajeitem na vida” e não

tenham que comprometer o orçamento pagando aluguel, permitindo assim que consigam

guardar dinheiro e comprar terrenos ou casas. Eles constroem peças atrás da casa para abrigar

estes familiares em condições provisórias.

A tabela a seguir mostra o grau de parentesco dos moradores por família:

TABELA 11: GRAU DE PARENTESCO DOS MORADORES

Frequência Percentual

Percentual

Cumulativo

Chefe de família* 50 23,3 23,3

Cônjuge/companheiro 40 18,6 41,9

Filhos 106 49,3 91,2

Netos 6 2,8 94,0

Pais/sogros 9 4,2 98,1

Parentes 4 1,9 100,0

Total 215 100,0

Nota: *chefe de família na pesquisa diz respeito à pessoa que prestou informações

sobre a família, ou seja, os 50 entrevistados.

A tabela seguinte mostra a faixa etária das famílias de acordo com as informações do

entrevistado:

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TABELA 12: FAIXA ETÁRIA DOS MORADORES

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Valid

Até 4 anos 30 14,0 14,0

Entre 5 e 9 anos 31 14,4 28,4

Entre 10 e 14 anos 25 11,6 40,0

Entre 15 e 19 anos 22 10,2 50,2

Entre 20 e 24 anos 14 6,5 56,7

Entre 25 e 29 anos 16 7,4 64,1

Entre 30 e 34 anos 16 7,4 71,5

Entre 35 e 39 anos 14 6,5 78,0

Entre 40 e 44 anos 10 4,7 82,7

Entre 45 e 49 anos 13 6,0 88,7

Entre 50 e 54 anos 12 5,6 94,3

Entre 55 e 59 anos 8 3,8 98,1

Com 60 anos ou mais 4 1,9 100,0

Total 215 100,0

Segundo os dados da tabela, pelo menos 14% da população informada compreende

crianças com idade que demanda serviços de educação infantil. Pelo menos 36,2% da

população informada estão em idade escolar (Ensino Fundamental e Médio); 30% são jovens

entre 20 e 29 anos. 34% são pessoas com idade entre 30 e 59 anos e 1,9% são idosos com

idade igual ou acima de 60 anos.

É possível inferir a partir destes dados o aumento da demanda da população sobre os

serviços públicos educacionais, infantil e fundamental. Uma vez que ao todo somam quase

metade da população informada, considerando a faixa etária de 18 e 19 anos, somam 50,2%.

A tabela seguinte relaciona a escolaridade do entrevistado com a família em geral:

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TABELA 13: RELAÇÃO ENTRE A ESCOLARIDADE DO ENTREVISTADO E DO TOTAL DE

MORADORES

ABSOLUTO

Entrevistado

Total de

moradores

PERCENTUAL

Entrevistado

Total de

moradores

Analfabeto 4 11 8,0 5,1

Não Alfabetizado* -- 39 -- 18,1

Ensino Fundamental Incompleto 21 97 42,0 45,1

Ensino Fundamental Completo 7 17 14,0 7,9

Ensino Médio Incompleto 7 25 14,0 11,6

Ensino Médio Completo 7 17 14,0 7,9

Ensino Superior Incompleto 2 2 4,0 ,9

Ensino Superior Completo 2 2 4,0 ,9

Não informado -- 2 -- ,9

APAE -- 2 -- ,9

Ensino especial -- 1 -- ,5

Total 50 215 100,0 100,0

Nota: *crianças com 6 anos ou menos, matriculadas no ensino infantil ou não.

A tabela mostra que os entrevistados possuem maior escolaridade que o total dos

entrevistados; correspondem ao total com ensino superior incompleto e completo, e também

uma grande proporção dos que têm grau de escolaridade a partir do ensino fundamental

completo. Do total dos familiares, 18% são crianças não alfabetizadas, matriculadas no ensino

infantil ou não. O que permite inferir sobre a demanda na educação infantil que esta

população apresenta, além dos serviços de saúde que são mais procurados por famílias com

crianças.

Demonstra também que esta apresenta um perfil familiar de famílias jovens, cujos

adultos responsáveis apesar de possuírem uma escolaridade padrão à encontrada no Brasil –

concentram-se no grupo de ensino fundamental incompleto – ainda estão precariamente

inseridos no mercado de trabalho, conforme demonstrado na tabela 8, que trata da ocupação

do entrevistado.

A tabela seguinte traz os dados sobre trabalho das famílias:

TABELA 14: NÚMERO DE PESSOAS QUE TRABALHAM NA

FAMÍLIA DO ENTREVISTADO

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

0 6 12,0 12,0

1 28 56,0 68,0

2 14 28,0 96,0

3 1 2,0 98,0

4 1 2,0 100,0

Total 50 100,0

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Dos 50 entrevistados, 56% declaram que apenas 1 pessoa trabalha na família. 28%

declararam que 2 pessoas trabalham para contribuir na renda familiar. Do total de

entrevistados, 6 deles declararam que ninguém trabalha na família, tendo como renda

aposentadoria, pensões ou acertos de empresa. Apenas dois entrevistados declararam que no

mínimo 3 pessoas trabalham na família.

TABELA 15: VÍNCULO PROFISSIONAL DOS FAMILIARES QUE

CONTRIBUEM PARA RENDA FAMILIAR

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Empregado com carteira assinada 37 50,7 50,7

Autônomo 19 26,0 76,7

Empregado sem carteira assinada 7 9,6 86,3

Aposentado 7 9,6 95,9

Pensionista 2 2,7 98,6

Funcionário público 1 1,4 100,0

Total 73 100,0

A tabela mostra que entre de 215 moradores informados pelos entrevistados, 73

pessoas contribuem para composição da renda familiar, somando os entrevistados que geram

renda. Os demais são pessoas que não geram renda, como as donas de casa, desempregados,

filhos em idade escolar que não trabalham. A partir destes dados percebe-se que pouco mais

da metade são trabalhadores com carteira registrada, sendo 26% autônomos. Empregados sem

carteira assinada e aposentados correspondem a 9,6% cada. Duas pessoas contribuem com

pensão recebida por falecimento do marido e uma é funcionária pública.

Relacionando-se o número de pessoas que trabalham e têm renda com o total de

moradores pesquisados obtêm-se a taxa de dependência do Jardim Europa, que é de 1,94. Isso

significa que para cada pessoa que trabalha com renda há 1,94 que dependem deste

rendimento para viver. Ou seja, famílias com muitas crianças e jovens, com responsáveis

com baixa qualificação e renda precária, corroborando aquilo que a teoria aponta como perfil

das camadas mais pobres da sociedade.

A tabela a seguir ilustra a relação de gênero entre os contribuintes:

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TABELA 16: PESSOAS QUE CONTRIBUEM PARA RENDA

FAMILIAR (GRAU DE PARENTESCO POR GÊNERO)

Gênero Total

Masculino Feminino

Grau de

parentesco

Entrevistado 6 13 19

Cônjuge 33 2 35

Filhos 10 3 13

Pais/sogros 3 1 4

Parente 0 2 2

Total 52 21 73

Como mostra a tabela 16, do total de contribuintes na renda familiar, 71,23% são

homens e 28,77% são mulheres. Dos sete homens entrevistados, seis contribuem para renda

familiar. Das 43 entrevistadas, apenas 13 contribuem para composição da renda. Os cônjuges

das entrevistadas, marido ou companheiro, correspondem 45% dos contribuintes, já as

esposas ou companheiras dos entrevistados correspondem a 2,7%. Filhos/as correspondem a

17,8% dos contribuintes.

Estes dados ajudam a compreender o perfil familiar dos entrevistados, que contam em

sua maioria com os maridos e companheiros como os principais responsáveis pela renda

familiar, com esposas donas de casa.

3.4.3 Dados referentes à moradia

A tabela seguinte mostra o local de nascimento dos entrevistados e da família:

TABELA 17: LOCAL DE NASCIMENTO DO ENTREVISTADO E DA FAMÍLIA

ABSOLUTO

Entrevistado

Total de

moradores

PERCENTUAL

Entrevistado

Total de

moradores

Local

Curitiba 13 78 26,0 36,3

Fazenda Rio Grande -- 45 -- 20,9

Outros municípios do Paraná* 20 45 40,0 20,9

Municípios de Santa Catarina 3 17 6,0 7,9

Outros municípios da RMC 5 13 10,0 6,0

Outros Estados** 9 12 18,0 5,6

Municípios Rio Grande do Sul -- 1 -- ,5

Não informado -- 4 -- 1,9

Total 50 215 100,0 100,0

Notas: *Exceto Curitiba e demais da Região Metropolitana

**(Ceará, Pernambuco, Rondônia, Rio de Janeiro e São Paulo)

Os dados mostram que 76% dos entrevistados nasceram no Paraná, sendo sua maioria

em cidades fora da região metropolitana de Curitiba. Há a mesma ocorrência para a maioria

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dos familiares : 84,1% nasceu no Paraná, sendo que 20,9% nasceu em Fazenda Rio Grande,

possivelmente os filhos dos entrevistados.

A tabela a seguir mostra onde moravam os beneficiados pelo PMCMV, antes de irem

morar no Jardim Europa:

TABELA 18: ONDE MORAVA ANTES DO JARDIM EUROPA

Frequência Percentual

Percentual

Cumulativo

Local

Fazenda Rio Grande 44 88,0 88,0

Curitiba 3 6,0 94,0

Santa Catarina 2 4,0 98,0

Outros municípios da RMC 1 2,0 100,0

Total 50 100,0

A tabela mostra que o PMCMV atendeu no empreendimento 88% dos moradores

entrevistados que já moravam em Fazenda Rio Grande. Apenas 8% veio de Curitiba e região,

e dois entrevistado veio de outro estado.

TABELA 19: TEMPO DE MORADIA NA ÚLTIMA RESIDÊNCIA (EM ANOS)

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Escala de

Tempo

Até1 ano 3 6,0 6,0

Entre2 e 5 anos 11 22,0 28,0

Entre6 e 10 anos 15 30,0 58,0

Entre 11 e 15 anos 8 16,0 74,0

Mais de 16 anos 13 26,0 100,0

Total 50 100,0

Esta tabela mostra que 32% dos moradores do Jardim Europa tinham um vínculo com

a moradia anterior de mais de 10 anos. Dos 50 entrevistados, 15 deles permaneceram por pelo

menos 6 anos na mesma residência. Apenas 6% do total ficou menos de 1 ano na mesma

residência.

TABELA 20: CONDIÇÃO DE PROPRIEDADE DA MORADIA ANTERIOR

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Condição

Era alugada 13 26,0 26,0

Era casa de invasão 29 58,0 84,0

Era casa cedida 1 2,0 86,0

Morava de favor 7 14,0 100,0

Total 50 100,0

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Como mostra a tabela, dos 50 entrevistados, 58% moravam em casas construídas em

áreas de invasão, sem documentação. Do total, 26% moravam de aluguel, podendo ser em

assentamentos precários ou em bairros estruturados. 17% moravam de favor na casa de

parentes, podendo também ser em assentamentos precários ou em bairros estruturados. Um

entrevistado morava em uma casa cedida.

Estes dados permitem compreender que o empreendimento atendeu, em sua maioria,

moradores de assentamentos precários, que apresentavam riscos ambientais, localizados em

margens de rios, morros, apresentavam problemas com enchente e deslizamentos. Em sua

maioria, também, não tinham documentos da casa, o que trazia insegurança em relação à

condição de propriedade. Boa parte fez inscrição para pleitear a casa, podendo atender os

critérios de renda.

A tabela mostra o tempo de moradia no Jardim Europa, levando em consideração que

o conjunto habitacional foi entregue em dezembro de 2011.

TABELA 21: TEMPO DE MORADIA NO JARDIM EUROPA (EM MESES)

Frequência Percentual

Percentual

Cumulativo

Escala de

tempo em

meses

até 6 meses 4 8,0 8,0

entre 7 e 12 meses 2 4,0 12,0

entre 13 e 24 meses 9 18,0 30,0

mais de 25 meses 35 70,0 100,0

Total 50 100,0

Como mostra a tabela, 70% dos moradores entrevistados estão morando no conjunto

há mais de 25 meses, o que significa que muito provavelmente eles se mudaram já no início

da implantação do conjunto. 18% está morando entre 1 e 2 anos no conjunto habitacional e

apenas 8% há menos de 1 ano.

A tabela a seguir mostra a relação de propriedade dos moradores das casas

entrevistadas:

TABELA 22: CONDIÇÃO DE PROPRIEDADE DO ENTREVISTADO

Frequência Percentual

Percentual

Cumulativo

Condição

Casa alugada 1 2,0 2,0

Casa cedida 3 6,0 8,0

Mora de favor 3 6,0 14,0

Casa própria 42 84,0 98,0

Troca 1 2,0 100,0

Total 50 100,0

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Como mostra a tabela, 84% dos entrevistados são proprietários de suas casas. 6% dos

que foram entrevistados mora de favor na casa dos seus pais, com seus companheiros e filhos.

Como foi colocado anteriormente, mostra-se como uma estratégia para não pagar aluguel. Um

dos entrevistados que moram de favor disse que conseguiu comprar um terreno e que está

juntando dinheiro, que seria gasto com aluguel, para construir sua casa. Outra entrevistada

disse que está na fila de espera para conseguir sua casa própria e que o dinheiro que seria

gasto com aluguel está sendo investido na ampliação da casa da mãe. E a terceira entrevistada

está morando de favor com a sogra, que é solteira e convidou o filho e os netos para ficar na

casa com ela enquanto “se ajeitam na vida”.

Dentre os entrevistados 6% tiveram a casa cedida por parentes que pleitearam a casa,

mas ofereceram para parentes em condições mais vulneráveis enquanto pagam aluguel em

outros bairros. Um entrevistado alugou a casa no conjunto. Outro morador diz ter trocado a

casa que tinha em outro bairro pela atual, mas a casa não está em seu nome. A troca teria

acontecido porque a dona da casa no Jardim Europa não havia se habituado ao espaço e o

atual morador considerou a região atual melhor do que onde tem propriedade. Ao todo, 16%

dos entrevistados não são proprietários da casa onde moram.

A tabela seguinte traz informações sobre como o entrevistado adquiriu a casa:

TABELA 23: FORMA COMO ADQUIRIU A CASA

Frequência Percentual

Percentual

Cumulativo

Forma

Fila na COHAB* 11 22,0 22,0

Veio de ocupação** 30 60,0 82,0

Comprou a casa*** 1 2,0 84,0

Alugou a casa 1 2,0 86,0

Casa cedida 3 6,0 92,0

Mora de favor 3 6,0 98,0

Trocou a casa 1 2,0 100,0

Total 50 100,0

Notas: *A condição “fila na COHAB” se refere aos entrevistados que já tinham

inscrição para conseguir sua casa própria, ainda que morassem em assentamentos

precários;

**A condição “veio de ocupação” se refere aos entrevistados que moravam em

assentamentos precários e foram retirados destas áreas por meio de intervenção do

poder público, depois de enfrentarem problemas com enchentes, alagamentos e ou

deslizamentos;

***A condição “comprou a casa” se refere aos moradores que não estavam na fila da

COHAB, mas também não moravam em assentamentos precários;

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A tabela mostra que 60% dos entrevistados vieram de assentamentos precários que

foram despejados em função de problemas com enchentes, alagamentos, deslizamentos. 22%

foram sorteados, pois já tinham inscrição de acordo com os critérios de renda estabelecidos na

faixa de 0 a 3 salários mínimos por família. Um entrevistado comprou a casa e informou em

entrevista que comprou do primeiro dono.

3.4.4 Dados econômicos:

A tabela a seguir traz dados sobre a renda bruta mensal das famílias entrevistadas.

TABELA 24: RENDA BRUTA MENSAL DA FAMÍLIA*

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Escala de

valores

até 1 SM** 6 12,0 12,0

entre 1 e 2 SM 17 34,0 46,0

entre 2 e 3 SM 14 28,0 74,0

entre 3 e 4 SM 7 14,0 88,0

entre 4 e 5 SM 4 8,0 96,0

entre 5 e 6 SM 1 2,0 98,0

acima de 6 SM 1 2,0 100,0

Total 50 100,0

Notas:*soma de todos os proventos mensais da família, salários,

remuneração, aposentadorias, pensões e benefício.

** 1 SM equivale a R$ 724,00.

Como mostra a tabela, 74% dos entrevistados têm renda familiar de até 3 salários

mínimos (de R$ 0 a R$ 2172,00); 22% têm renda entre 3 e 5 salários mínimos (de R$ 2172,01

a R$ 3620,00). Apenas duas famílias declararam ter renda superior a 5 salários mínimos

(acima de R$ 3620,01). Vale colocar que uma família não declarou renda, pois o entrevistado

havia sido demitido da empresa e ainda não estava recebendo Seguro Desemprego. A tabela

seguinte traz a média de renda per capta:

TABELA 25: RENDA PERCAPTA DA FAMÍLIA

Frequência Percentual

Percentual

Cumulativo

Escala de

valores

até 1/4 SM* 8 16,0 16,0

de 1/4 a 1/2 SM** 14 28,0 44,0

de 1/2 a 1 SM*** 24 48,0 92,0

acima de 1 SM 4 8,0 100,0

Total 50 100,0

Notas: *até R$ 181,00

**entre R$ 181,01 e R$ 362,00

***entre R$ 362,01 e R$ 724,00

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Como mostra a tabela, 16% dos entrevistados estão em famílias cuja renda per capta

inferior a R$ 181,00, ou seja, cada membro da família recebem menos de ¼ do salário-

mínimo, indicativo de extrema pobreza. A condição de pobreza se repete para 44% do total

dos entrevistados, pertencentes a famílias com renda individual inferior a R$ 362,00. No

entanto, o maior percentual de famílias possui renda individual de seus membros na faixa de

½ a 1 salário ou mais - 56%.

TABELA 26: MÉDIA DA RENDA BRUTA E DA RENDA PER CAPTA

N Mínimo Máximo Média Desvio Padrão

Renda familiar 50 0 6300,00 1751,86 1057,85

Renda per capta 50 0 1308,00 424,82 264,07

A pesquisa mostrou que a menor renda familiar e per capta foi nula, em função da

condição da família anteriormente relatada. A maior é de R$ 6300,00, que corresponde a uma

família onde quatro pessoas contribuem para a renda familiar. A maior renda per capta

declarada é de R$ 1308,00.

A média da renda familiar é de 1751,86 (pouco menos de 3 salários mínimos). A

média da renda per capta é de R$ 424,82 (pouco mais de ½ salários mínimos). Com desvio

padrão em R$ 1057,85 na renda bruta, significa que a maioria das famílias tem renda entre

pouco menos de 1 salário mínimo (R$ 694,01) e pouco mais de 3 ½ salários mínimos (R$

2809,71). Poucas famílias tem renda superior a 4 salários mínimos. Em relação à renda per

capta, o desvio padrão de R$ 264,07 mostra que a maioria tem entre menos de ½ salário

mínimo (R$ 160,75) e pouco menos de 1 salário mínimo (R$ 688,89) de renda per capta.

Poucas pessoas tem renda per capta superior e 1 salário mínimo.

A tabela seguinte traz dados sobre o valor mensal médio pago na prestação das casas,

bem como o valor do aluguel ou demais pagamentos no caso de moradia cedida:

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TABELA 27: VALORES DE PRESTAÇÃO (FINANCIAMENTO, ALUGUEL E DEMAIS

PAGAMENTOS)*

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Escala de

Valores

Até R$ 25 3 6,0 6,0

Entre R$ 25 e R$ 50 22 44,0 50,0

Entre R$ 51 e R$ 75 12 24,0 74,0

Entre R$ 76 e R$ 100 5 10,0 84,0

Entre R$ 101 e R$ 125 4 8,0 92,0

Acima de R$ 126 4 8,0 100,0

Total 50 100,0

Nota: *compreende informações sobre os valores das prestações, bem como aluguel da casa

ou pagamentos que realiza, no caso da moradia ser cedida.

A pergunta foi feita para todos os entrevistados, proprietários, inquilinos, os que

moram de favor com parentes e os que tiveram a casa cedida. Os proprietários e os que

moram de favor responderam sobre o valor da parcela da casa. Os inquilinos responderam o

valor do aluguel, e os que tiveram a casa cedida responderam sobre os pagamentos que faziam

na casa, em geral água e luz. Como mostra a tabela, 50% dos entrevistados pagam até R$

50,00 de parcela da casa. 34% paga entre R$ 50,00 e R$ 100,00. Os que moram em casa

cedida pagam entre R$ 120 e R$ 200 de água e luz. O único morador entrevistado que alugou

a casa paga R$ 350 de aluguel.

A tabela seguinte traz a média da renda familiar e a média gasta com os pagamentos

com a casa. Ressalta-se que dos proprietários foi contabilizado apenas o valor da prestação da

casa, os inquilinos o valor do aluguel e os que tiveram a casa cedida o valor das despesas com

água e luz:

TABELA 28: MÉDIA DA RENDA BRUTA FAMILIAR E DOS VALORES PAGOS PARA

MORAR

Nº de

casos

Mínimo Máximo Média Desvio

Padrão

Renda familiar 50 0 6300 1751,86 1057,85

Valor da prestação/outros

pagamentos 50 20 350 71,68 61,29

Como mostra a tabela, o valor médio pago para morar é de R$ 71,68, o que equivale a

menos de 5% da renda média familiar. Com desvio padrão de R$ 61,29, a maioria dos

entrevistados pagam entre R$ 20,00 e R$ 132,97, este último valor corresponde a 7,6% da

renda bruta média. Muitos moradores relataram que o valor caiu significativamente nos

últimos meses. De acordo com as diretrizes do PMCMV, o valor mínimo a ser comprometido

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da renda da família beneficiada é de 5%. No caso do Jardim Europa, atualmente este valor já

está abaixo, uma vez que o valor da prestação é regressiva.

As medidas de tendência central – média e desvio-padrão o informam que há uma

grande homogeneidade nos valores pagos para morarem no Jardim Europa, comprovando que

um dos objetivos do PMCMV é atendido, no sentido da garantia da permanência do morador

como proprietário da habitação. No entanto, o mesmo não se verifica na composição da renda,

indicando um grau de heterogeneidade – distância entre a média e o desvio –padrão - que

pode, indicar algumas formas de diferenciação social, de cunho econômico, no interior do

grupo habitacional em análise.

A tabela seguinte mostra quantas famílias recebem o benefício do Programa Bolsa

Família, de distribuição de renda:

TABELA 29: RECEBE BOLSA FAMÍLIA?

Frequência Percentual Percentual

Cumulativo

Não 35 70,0 70,0

Sim 15 30,0 100,0

Total 50 100,0

Do total das famílias entrevistadas, apenas 30% declaram receber o benefício. Alguns

moradores relatarem que nos últimos meses deixaram de receber o benefício, pois

ultrapassaram os critérios de renda. Outros contam que não conseguiram se cadastrar por não

se encaixar nos critérios de quantidade de filhos somada a renda familiar.

Com os dados apresentados referentes à família e as condições da moradia, pode-se

traçar um perfil: em geral são famílias que vieram de assentamentos precários ou alugavam

casas ou moravam de favor em bairros de Fazenda Rio Grande, estão morando no Jardim

Europa há quase três anos, sendo atualmente proprietários de suas casas. A composição

familiar em geral é de pai, mãe e filhos, com um número médio de pessoas por família de 4 a

5 membros. Trata-se, na maioria dos casos, de uma composição nuclear e tradicional de

família, onde o marido é o principal ou único provedor, uma vez que 84% das famílias

entrevistadas disseram ter entre 1 e 2 pessoas contribuindo para a renda familiar e 62% das

entrevistadas são donas de casa. As famílias apresentam renda bruta média de R$ 1751,86,

sendo uma renda per capta média de R$ 424,82.

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4. AVALIAÇÃO DO CONJUNTO HABITACIONAL JARDIM EUROPA

A pesquisa qualitativa divide-se em dois momentos. Primeiro serão avaliados os

serviços oferecidos no entorno do conjunto habitacional. Em seguida serão avaliados o

processo de mudança para o Jardim Europa, a sociabilidade entre os moradores e as mudanças

e/ou melhorias na vida destes.

4.1 AVALIAÇÃO DOS SERVIÇOS PRESTADOS

Esta parte do questionário contempla uma avaliação qualitativa dos equipamentos

públicos, estrutura e acesso. Foram oito questões solicitando a opinião sobre a escola, o posto

de saúde, o acesso ao trabalho, o transporte coletivo, os comércios, a polícia e segurança no

bairro, o serviço de assistência social e, por fim, as áreas de lazer. O que norteia as questões é

a percepção dos moradores em relação ao acesso aos serviços, à estrutura e ao atendimento,

comparando com as condições do local anterior de moradia dos entrevistados. A análise se

divide entre: a) serviços públicos prestados diretamente pelo Estado (educação, saúde,

assistência social e segurança; b) serviços públicos por concessão (transporte); c) serviços

privados de oferta direta (comércios); serviços da esfera capitalista global (emprego);

4.4.1 Serviços públicos prestados diretamente pelo Estado

Em relação à escola, a maioria coloca que depois de ir morar no Jardim Europa, o

acesso ficou mais difícil. Além da questão da distância, a percepção negativa dos moradores

sobre este equipamento está sobre a estrutura precária, a má administração, a falta de

professores e até mesmo o mau desempenho destes:

“é um colégio grande, mas sem estrutura, não tem cobertura, as crianças pegam sol e

chuva." (Família 1)

“[a escola é] péssima, os professores não se empenham em ensinar, pegam o que

recebem do governo e não fazem um curso, não preparam uma boa aula, o ensino é

fraco. Antes era bem melhor, tanto a escola quanto à distância.” (Família 40)

“antes [a escola] era melhor e mais perto, as meninas reclamam que tem muita aula

vaga.” (Família 33)

“[a escola é] fraca, falta professor, sobrecarregou com a população aqui do Jardim

Europa.” (Família 47)

Apenas três moradores consideraram a escola próxima de sua residência, o que é

relativo de acordo com a localização da casa dentro do conjunto. A percepção positiva sobre a

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escola se concentra na expressão “é boa”, demonstrando uma ideia geral e ampla do serviço,

independente da distância. Alguns moradores, dentre os que consideram a escola boa, tem

esta opinião para além da qualidade do ensino, pois é oferecido material, uniforme escolar

para quem não pode pagar, além de tratamento e acompanhamento das crianças especiais:

“[a escola é] Boa, o colégio oferece material escolar e uniforme pra quem não pode

pagar” (Família 5)

“[a escola] é boa, eles dão tratamento pras crianças na escola” (Família 8)

Buscou-se entrevistar a vice-diretora de uma das escolas próximas ao conjunto

habitacional para saber se de fato houve sobrecarga na demanda com a implantação do Jardim

Europa, a escola Lucy Requião de Melo e Silva. De acordo com a vice-diretora a escola não

está sobrecarregada, pois outras duas escolas foram construídas para deslocar os alunos para

mais perto de suas casas, para que a escola referida pudesse atender o conjunto habitacional.

De acordo com ela os problemas enfrentados na escola com a população do Jardim Europa

são os perfis familiares, que são mais vulneráveis, pois apresentam problemas com drogas e

famílias “desestruturadas”.

Também coloca que muitos alunos têm vergonha de morar ali e geralmente se

escondem quando a mesma passa de carro pelas ruas do conjunto. Percebe-se neste caso o

estigma25

dos alunos por morar no Jardim Europa. Eles não querem ser reconhecidos como tal,

pois como o conjunto carrega na opinião institucional uma identidade de violência, drogas,

desordem e desestruturação. O local de moradia se apresenta como um atributo negativo que

colocaria em xeque a percepção da vice-diretora em relação a estes alunos. E foi possível

notar da fala dela que há um pressuposto de que os alunos moradores do conjunto apresentam

problemas característicos não encontrados na escola antes da implantação.

A respeito da escola conclui-se então que para grande parte dos moradores ficou

mais longe para seus filhos, e que antes era melhor o acesso. Consideram que, além da

distância, a escola não tem estrutura para todos os alunos, como visto na fala da família 47,

mesmo a fala da vice-diretora afirmando que não houve sobrecarga. Para esta os problemas

vêm dos alunos que apresentam novas demandas à escola em função do perfil

25Goffman (1986) entende por estigma os atributos que categorizam as pessoas e grupos e que são considerados

depreciativos de acordo com as normas estabelecidas na sociedade, com base em estereótipos sociais. Estes

atributos muitas vezes impedem que as características reais sejam percebidas e/ou reconhecidas. (GOFFMAN,

1986, p.2)

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socioeconômicos das famílias, ou seja, uma individualização dos problemas. Para os

moradores o problema é a ausência ou má ação do Estado.

Já em relação ao posto de saúde, a maioria dos moradores coloca que o acesso ficou

melhor. Entretanto, os problemas se apresentam em função da falta de estrutura, de vagas, de

profissionais e de serviço especializado. Para a maioria deles a condição de acesso atualmente

é melhor, o posto fica mais próximo das moradias comparada à situação anterior, mas eles

também apontam problemas:

“[o posto de saúde] fica perto, eu as crianças usamos. Usamos o dentista e as

crianças fazem acompanhamento. Deveria ter melhorias, às vezes o básico não tem,

não tem vaga.” (Família 2)

“[o posto de saúde é] bom, tem médico da família que vem em casa, só demora pra

fazer exames.” (Família 47)

Alguns moradores se posicionaram de forma neutra sobre o posto por não utilizarem o

serviço público, mas sim planos de saúde e convênios familiares ou empresariais, ou por não

apresentarem problemas de saúde que necessite de serviço de saúde. As respostas negativas

dizem respeito principalmente à falta de serviços e estrutura, às poucas vagas e, por isto,

terem de “madrugar” para marcas as consultas, ainda que considerem o posto próximo de suas

casas:

“o acesso [ao posto de saúde] é mais fácil, mas não tem estrutura, falta remédio,

médico.” (Família 15)

“[o posto de saúde aqui é] péssimo, tem que madrugar pra conseguir consulta, mas

atendem bem. Só aqui tem 500 moradias e eles liberam quinze vinte consultas só.

Falta médico, falta remédio. Antes eram mais longe, mas era melhor.” (Família 37)

Algumas queixas também foram feitas em relação à falta de serviço especializado.

Uma moradora comentou que seus filhos são especiais e precisam de um atendimento do qual

o posto de saúde não tem estrutura, fazendo com que ela tenha que se deslocar para Curitiba.

Outra moradora cujo filho tem diabetes também se queixou sobre a falta de atendimento

especializado:

“é bom, mas o posto não dá tratamento pra elas, a gente vai ter que ir no Pequeno

Príncipe” (Família 8)

“é ruim. Nunca me consultei, mas meu filho consulta e pra ele é difícil, ele tem

diabetes”. (Família 16)

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A coordenadora da unidade de saúde que atende o Jardim Europa foi entrevistada

para que fosse possível saber se houve aumento da demanda. Segundo ela, o posto de saúde

manteve a mesma estrutura com a implantação do Jardim Europa. Para atender toda demanda

do Jardim Europa seria necessária montar mais uma equipe de saúde com médico,

enfermeiros, técnicos de enfermagem e agentes de saúde, e que há um movimento para a

criação de mais uma equipe para não deixar a área descoberta e sobrecarregada, mas que

ainda falta o médico.

De acordo com a coordenadora, os moradores de Jardim Europa são mais vulneráveis

por apresentarem concentração de violência, falta de serviços públicos e tráfico de drogas.

Indagada sobre a questão de preconceitos dos antigos moradores do município em relação aos

recém-chegados, ela diz perceber que ocorrem, quando participa de reuniões com equipes de

saúde: ao informar que é responsável pelo Jardim Europa recebe comentários e piadas em

relação ao “perigo”. Mas para ela, a região apresenta problemas característicos de áreas de

risco de qualquer município, os problemas são os mesmos decorrentes de uma realidade social

que resultam em problemas de saúde que também são característicos destas áreas como:

tuberculose, verminose, controle de diabetes por má alimentação, diarreia, anemia, muitos não

sabem ler, não tem muita informação, apresentam problemas sanitários, etc. Neste caso

também pode-se entender que há uma relação de estigma e preconceito institucional na

opinião dos não-moradores do conjunto habitacional que constroem uma identidade virtual26

sobre o Jardim Europa.

Por fim, as percepções positivas dos entrevistados, como podem ser observadas, se

concentram em relação à distância do posto de saúde e a casa dos moradores, que após a ida

para o Jardim Europa o acesso teria ficado mais fácil comparado à distância anterior. As

percepções negativas são em relação à falta de estrutura, profissionais, vagas e serviços

especializados, o que faz com que muitos moradores busquem serviços em outras unidades de

saúde. Ainda que o posto tenha ficado mais perto do conjunto habitacional, para os moradores

compensa mais se deslocar até outra unidade do que “madrugar” para tentar marcar consultas.

Foi perguntado aos moradores se eles costumavam receber serviços de assistência

social. As visitas mais constantes, de acordo com os entrevistados, são dos agentes de saúde,

em seguida são os serviços de atualização do Bolsa Família, e alguns moradores disseram

receber visitas do pessoal da habitação.

26

A identidade virtual é conceituada por Goffman (1986) como aquilo que esperamos que uma pessoa ou um

grupo deva ser com base nos estereótipos sociais sobre determinado grupo ou pessoa. Em contrapartida a

identidade real se baseia nos atributos que a pessoa ou grupo realmente possui. (GOFFMAN, 1986, p.2)

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Especificamente sobre o Centro de Referência em Assistência Social - CRAS

consideram bons os serviços disponibilizados e o atendimento realizado. Do total de

respostas, 18 declararam não utilizar o serviço ou não utilizar com frequência, mas

consideram bom o atendimento quando necessitam. Cinco responderam que só utilizam para

atualizar o Bolsa Família e três para fazer o cadastro no Armazém da Família. Apenas um

entrevistado reclamou do CRAS, dizendo que o serviço é muito burocrático.

Após a pesquisa com os moradores, foi feita uma entrevista com a coordenadora do

CRAS. Ela contou um pouco sobre o processo de mudança dos moradores, do

acompanhamento que foi feito, reuniões de orientação sobre o uso do espaço, higiene,

cachorros, no antes e depois da mudança. De acordo com ela, a procura pelos serviços do

CRAS aumentou bastante com a vinda deles. Em relação ao perfil dos moradores, ela disse

que não há distinção, pois o perfil da população que procura os serviços de assistência social é

muito similar, de vulnerabilidade socioeconômica, e que eles só descobrem que são

moradores do Jardim Europa quando vão fazer o cadastro. O CRAS atende um total de 372

famílias do Jardim Europa, para diversos programas sociais como o Bolsa Família e o

Armazém da Família. De acordo com a assistente social, em relação aos problemas

apresentados, a maioria é em relação a problemas de família, violência doméstica, alcoolismo.

Em relação à segurança e policiamento na região, foi perguntado aos moradores a

frequência em que a polícia passava na região, bem como o atendimento e se consideravam o

conjunto tranquilo. A percepção sobre o policiamento e segurança varia de acordo com a

localização da moradia do entrevistado. Alguns moradores consideram o serviço da polícia

insuficiente e o conjunto violento:

“fraca, não tem segurança, tem muita gente pra pouco serviço.” (Família 15)

“tem problemas aqui. Eu sempre chamo [a polícia] e nunca vem.” (Família 29)

“direto tem tiro aqui, lá pra baixo, mas a polícia não passa muito, e se passa vai

saber se não tão envolvidos.” (Família 46)

Entretanto, a maioria dos entrevistados coloca que no começo, quando se mudaram, o

bairro era bastante violento, havia muitos conflitos pelo choque entre os grupos que vieram de

bairros diferentes e pela disputa de espaço e de identidade. Assim, a polícia passava com mais

frequência no começo, mas com o tempo as coisas foram se acalmando e que agora

consideram o lugar tranquilo:

“no começo o bairro era perigoso, mas deu uma melhorada.” (Família 38)

“[a polícia] passa bastante, aqui já foi violento, mas agora tá tranquilo.” (Família 40)

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“volta e meia [a polícia] tá batendo aí, mas aqui não tem muita precisão. O bairro

agora é tranquilo, a gente conhece muita gente de lá [das outras ruas], o problema

mesmo é o barulho.” (Família 23)

“[a polícia] vinha mais no começo, aqui agora é mais tranquilo. No final de semana

o som é muito alto, mas a gente acaba tolerando.” (Família 14)

Como pôde ser observado nas falas anteriores, um dos maiores problemas do conjunto

é o som alto. Nas visitas realizadas, tanto durante a semana, quanto nos finais de semana,

sempre tinha som alto. Os moradores contam que os vizinhos sempre chamam a polícia,

pedem pra abaixar o som, mas depois que vai embora, o som é aumentado novamente:

“Eu tenho segurança privada e também tenho que ligar pra polícia porque aqui tem

muita festa, som alto, briga e drogas. Mas a polícia tá sempre aqui, sempre atende.

Eles vem pede pra baixar o som quando eles vão embora o pessoal coloca o som de

volta.” (Família 7)

Esta moradora também contou que depois que foi implantado o Jardim Europa 22

pessoas foram assassinadas ali dentro, por acerto de contas com drogas e brigas familiares. O

tráfico de drogas também se coloca como problema. É provável que estas atividades já

existissem nos locais de onde eles vieram, somando assim as tensões e conflitos por disputa

de espaço. Um morador conta que considera a polícia violenta com os moradores, mas que

não dá o mesmo tratamento aos bandidos:

“basta eu gritar aqui e a polícia vem. Se você começar a falar mais alto aqui os

vizinhos já chamam. Aqui tem muito barulho de som. A polícia é violenta com a

gente, mas com os bandidos não são, quem não pode com eles daí eles são

violentos.” (Família 18)

De maneira geral, com todos os problemas colocados (som alto, tráfico de drogas), os

moradores consideram o lugar tranquilo, que com o passar do tempo as relações se

estabeleceram e que existem lugares mais violentos que o Jardim Europa. Consideram

também que a polícia passa, mesmo que na maioria das vezes seja em momentos onde não há

necessidade, mas que quando realmente precisam o serviço demora.

4.1.2 Serviços públicos por concessão

Em relação ao transporte coletivo, este mostrou ser um dos maiores problemas

enfrentados, além da falta de comércios e de áreas de lazer, como será mostrado em seguida.

A grande maioria dos entrevistados apresenta opiniões negativas a respeito do transporte

tendo duas principais queixas. A primeira é a demora do ônibus para passar no conjunto, que

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está associada à segunda queixa, que é o fato de ter apenas uma linha demonstrando a

estrutura deficiente do transporte:

“teria que ter mais linhas, tem muita gente e falta ônibus. É um ônibus só que vem

até aqui e vai até o terminal e fica parado lá 40 minutos. Se tivesse pelo menos mais

um enquanto esse tivesse saindo daqui, viesse outro do terminal, já melhorava. Aqui

o transporte é precário.” (Família 7)

Outra queixa colocada pelos entrevistados diz respeito ao fato da linha não passar em

todo conjunto habitacional, assim os moradores precisam se deslocar até o ponto mais

próximo. O mapa a seguir ilustra o trajeto do ônibus que passa dentro do conjunto, o

Eucaliptos III – Pioneiros, e mostra também uma segunda linha, o Eucaliptos II, que passa um

pouco mais longe do conjunto, mas é uma segunda opção colocada por muitos moradores, até

mesmo porque este último passa de 15 em 15 minutos:

MAPA 3: TRANSPORTE COLETIVO

FONTE: A autora, adaptado do site Google Mapas, (2014)

Como foi possível ver no mapa, o conjunto praticamente está dividido em duas partes,

e o transporte passa apenas em uma, que concentra os três pontos. Assim, quem mora onde

não tem ponto de ônibus tem que atravessar o conjunto para acessar o transporte. Mas para

quem tem o “privilégio” de ter o ponto perto de casa, a demora é um fator negativo:

“o ponto fica aqui na frente, mas o problema é que só tem um e passa de 40 em 40

minutos.” (Família 39)

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Tendo o transporte como um problema, alguns moradores declaram utilizar outros

meios de transporte como carro, bicicleta ou se deslocam a pé para realizar suas atividades.

Conclui-se assim, que para a maioria dos moradores o transporte se apresenta como um

problema. Na medida em que moram em lugar afastado dos grandes comércios e de certa

forma, de alguns serviços públicos, o transporte é fundamental para o deslocamento e o

acesso à cidade de maneira geral. Sem o transporte, uma vez que a maioria dos entrevistados

conta não ter carro, o direito à cidade, de se locomover nela e consumi-la, não é exercido.

4.1.3 Serviços privados de oferta direta

Como foi dito anteriormente, a pesquisa de campo mostrou que o comércio é um dos

principais problemas apontados pelos moradores. A grande maioria dos entrevistados

apresenta opiniões negativas em relação aos comércios dentro do conjunto. As reclamações

são no seguinte sentido: faltam comércios dentro do conjunto; os comércios existentes são

muito caros e pequenos, só dá para comprar coisas urgentes; para fazer as compras para casa

precisam ir para outro bairro, pois não tem mercados grandes dentro do conjunto, estes

mercados ficam longe;

Esta questão está associada também ao transporte, pois a maioria dos moradores

precisa se deslocar para outros bairros para fazer suas compras, uma vez que o serviço

disponível no conjunto resolve apenas as urgências:

“aqui tá complicado, a gente frequenta comércios mais longe, que já frequentava

antes. Aqui ‘male mau’ dá pra comprar um pão e um leite, é bem mais caro.”

(Família 23)

“aqui não tem muito comércio, é mais boteco, dá pra comprar um pão, um leite. Pra

fazer compra mesmo tem que ir nos mercados lá pra cima.” (Família 40)

Apenas dois moradores colocam que a distância não é grande, pois se locomovem de

carro. A questão da distância é problemática, uma vez que os serviços dentro do conjunto têm

preços acima da média, pois não podem concorrer com os grandes mercados, que por sua vez

ficam em outros bairros:

“aqui fica tudo longe pra gente que tem que andar a pé. Quando precisa de algo

urgente compro aqui.” (Família 33)

“aqui tem que andar muito pra comprar, as mercearias do bairro são muito caras.

Não é pra pobre comprar.” (Família 50)

Os comércios adaptados nas moradias mostram-se como estratégias de sobrevivência

adotadas, por um lado para facilitar a vida dos demais em acessar alguns serviços

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considerados mais urgentes por não ter nada próximo ao conjunto, por outro lado estas

pequenas vendas e serviços prestados incrementam a renda familiar. Foi possível notar

serviços como panificadoras, mercearias, pizzarias, serviços de manicure e também igrejas:

FIGURA 5: MERCEARIA IMPROVISADA FIGURA 6: OFERTA DE SERVIÇOS

FONTE: A autora (2014) FONTE: A autora (2014)

Como pode ser observado na foto 5, trata-se de uma mercearia, onde os donos

reutilizaram o espaço da sala para construir o comércio. O portão da casa fica aberto para dar

acesso aos clientes, pois esta casa fica localizada em um ponto privilegiado: exatamente em

frente ao ponto de ônibus. Já na foto 6 foi colocada no muro da casa uma faixa escrito:

“Vende-se salgados e panquecas”, com o contato na mesma.

FIGURA 7: PIZZARIA FIGURA 8: PLACA OFERECENDO SERVIÇOS

FONTE: A autora (2014) FONTE: A autora (2014)

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Como mostra a foto 7, foi improvisado um “Disk Lanches e Pizza”, e na foto 8 foi

aproveitada uma placa de um candidato a deputado estadual para escrever: “Vende-se pano de

prato 10$”, embaixo é possível ver o número do candidato: “55.555”. Algumas casas também

tiveram seu espaço improvisado para igrejas:

FIGURA 9: IGREJA IMPROVISADA

FONTE: A autora (2014)

Ribeiro (2013) coloca em seu trabalho que o projeto tinha reservado áreas para a

construção de espaços públicos (creches, áreas de lazer) e comércios dentro do conjunto

habitacional. No entanto o que foi possível notar quase três anos depois de sua implantação, é

que as áreas estão vazias, muitas vezes acumulando lixo e material de construção:

FIGURA 10: ÁREA VAZIA 1 FIGURA11: ÁREA VAZIA 2

FONTE: A autora (2014) FONTE: A autora (2014)

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Conclui-se então que os comércios estão associados à questão do transporte, uma vez

que alguns moradores abriram pequenos comércios dentro do conjunto habitacional, o que

permitiu o incremento da renda, bem como facilitar de certa forma a vida dos moradores em

geral, que podem contar com estes pequenos comércios pelo menos nos momentos de

emergência. Os comércios são disponibilizados pelo mercado, cabendo ao poder público

promover a mobilidade dos cidadãos para que estes possam consumir em outros espaços.

4.1.4 Serviços da esfera capitalista global

Foi perguntado aos entrevistados se após a ida para o Jardim Europa, o acesso ao

emprego havia melhorado, se na região tinham mais oportunidades de emprego e geração de

renda. Uma das hipóteses era que a partir da conquista da casa com endereço fixo as

oportunidades seriam maiores, entretanto a localização do conjunto poderia prejudicar o

deslocamento.

Para a maioria dos moradores o acesso ao emprego ficou mais fácil, assim como novas

oportunidades de geração de renda e de melhoria de emprego. Alguns moradores colocam que

o trabalho ficou mais próximo da residência, o que facilitou o acesso. Há também aqueles que

conseguiram trabalhos com melhores condições ainda que a distância tenha ficado maior:

“[melhorou] toda vida. Meu filho e meu marido trabalhavam em serviço com pedra,

serviço sujo, pesado. Agora aqui é mais fácil. Mas é mais ou menos perto.” (Família

19)

Outros moradores tiveram mais oportunidades de trabalho na região e dentro do

próprio conjunto habitacional:

“[aqui] tem mais construção, tem mais emprego aqui na área que meu marido

trabalha.” (Família 21)

“[aqui] ficou melhor, tem mais serviço aqui pro meu marido, ele ajuda na

manutenção elétrica das casas.” (Família 34)

Como foi mostrado anteriormente, algumas famílias conseguiram incrementar a renda

e reajustar a vida montando comércios na região, pois, como foi visto, o conjunto habitacional

fica afastado dos mercados e demais comércios:

“ficou melhor porque lá não tinha como abrir comércio, eu trabalhava fora e as

crianças ficavam com outras pessoas. Dai aqui eu pude abrir aqui e tomar conta das

crianças também. A gente viu que não tinha nada aqui de comércio e que precisava,

o ponto também é bom, dai resolvemos montar.” (Família 24)

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“eu tinha bar e lanchonete lá [onde morava antes], mas daí parei porque não tava

dando lucro. Dai meu filho tava trabalhando com construção, mas como não tem

nada de comércio aqui no bairro ele resolveu ir pro Ceasa pegar as coisas pra vender

aqui.” (Família 37)

Apenas uma moradora comentou que somente com o endereço fixo é que foi possível

o marido conseguir emprego com carteira assinada. Antes de irem morar no Jardim Europa,

ambos faziam “bicos” para manter a renda. As experiências negativas correspondem são

minoria em relação ao acesso a emprego e renda, mas se associam a outros problemas

colocados, como o transporte:

“pra mim ficou horrível, eu trabalho no Rebouças (Curitiba) e agora tenho que pegar

oito ônibus por dia.” (Família 7)

“ficou mais difícil, porque tem pegar ônibus agora, até daria pra ir a pé, mas fica

longe.” (Família 2)

Uma moradora coloca que, em todo caso, as melhores oportunidades de trabalho não

estão em Fazenda Rio Grande, mas sim em Curitiba, o que dificulta o acesso independente da

localização da casa:

“não [melhorou] muito [pro companheiro], ele tem que buscar trabalho mais longe,

onde paga melhor, em Curitiba, por exemplo.” (Família 4)

Ainda que as respostas negativas se apresentem em menor número, qualitativamente

elas são mais significantes, pois colocam em questão a política de habitação frente aos direitos

sociais e os direitos civis. O Estado fornece a casa, que é um direito social básico para a

manutenção das forças produtivas, como nos mostra Kowarick. Entretanto, as oportunidades

de emprego são apresentadas pelo mercado, é um direito civil do cidadão o qual o Estado não

age, a não ser em relação às leis e garantias trabalhistas. Assim como os comércios, o trabalho

formal depende da disponibilidade do mercado em se instalar nestes espaços e gerar

empregos, não sendo então função propriamente do Estado, este pode disponibilizar os

serviços de transporte coletivo para dar acesso aos trabalhadores.

4.1.5 Serviços prestados pelo Estado ou pela iniciativa privada

Por fim, foi perguntado aos moradores sobre as áreas de lazer (praças, parques,

quadras de esporte, academias ao ar livre) dentro do conjunto habitacional e solicitadas

algumas sugestões sobre o que poderia ser feito. A maioria dos moradores comentou que as

áreas de lazer existentes ficam longe do conjunto, dificultando o acesso. Apontaram como

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pontos de referência a prefeitura, o terminal, o mercado, ou seja, pontos que ficam distantes

para realizar o trajeto a pé e o ônibus, como já foi colocado, é mais um problema.

Uma moradora colocou que o local não é apropriado para áreas de lazer devido o perfil

dos moradores, a única que se colocou contrária à construção:

“Se fizerem área de lazer aqui vão destruir, o pessoal é favelado, não sabe usar.”

(Família 7)

A fala da família sete ilustra a opinião sobre o perfil dos moradores vindos da favela,

indicando um preconceito social27

de origem que caracteriza os moradores de favela como

“não-civilizados”, não adaptados para o uso de equipamentos coletivos.

Em contraponto, a grande maioria se mostrou favorável à construção de áreas de lazer

e muitos se queixaram sobre as promessas que foram feitas no momento da implantação do

conjunto. Os entrevistados colocaram, também, a questão do abandono do local e da falta de

serviços para além da moradia:

“aqui não tem nada, só moradores e casas. Tudo lá pra cima, conta pra pagar,

farmácia, área de lazer, tudo pra lá.” (Família 24)

A questão é que o maior problema colocado pelos moradores por não ter áreas

de lazer é que as crianças ficam “soltas” na rua:

“era importante ter, pois tem muita criança aqui, acho que tem mais criança que

adulto, e não tem nada pra fazer.” (Família 2)

“tem que ir na prefeitura, aqui não tem nada, as crianças jogam bola na rua, mas

onde eu morava antes também não tinha nada. Tinha que ter mais comércio aqui,

mais transporte, parque.” (Família 20)

“não tem. É bem precário. Tinha que ter alguma coisa pras crianças, tem tanto

terreno sobrando, juntando lixo.” (Família 26)

Os moradores em suas sugestões colocam como prioritário um espaço de lazer para as

crianças, incluem também a construção de academias públicas ao ar livre, parques, praças e

ginásios de esporte.

27

Elias (2000) conceitua como preconceito social quando um membro de um grupo estigmatiza os pertencentes

de outro grupo, não por suas características individuais, mas por pertencerem a um grupo coletivamente

considerado diferente ou inferior ao próprio grupo. (ELIAS, 2000, p.23) No caso comentado não há uma disputa

entre grupos, mas a moradora considera que moradores vindos de favela são desorganizados, cabendo destacar

que ela veio de um bairro mais estruturado e foi morar no Jardim Europa porque estava na fila de espera para

conseguir uma casa e foi sorteada ali, mas esta relação será melhor explicada no subcapítulo seguinte.

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De maneira geral, os entrevistados colocam que se sentem distantes dos serviços,

tanto física quanto socialmente. Para a maioria dos moradores a condição atual de moradia os

coloca mais afastados dos serviços públicos, bem como transporte, comércios, áreas e espaços

de lazer e sociabilidade. De acordo com o projeto, como mostra RIBEIRO (2013), o

empreendimento estaria localizado próximo aos principais equipamentos, como é possível ver

no mapa:

MAPA 4: EQUIPAMENTOS DE USO COLETIVO E SERVIÇOS

FONTE: A autora, adaptado do site Google Mapas (2014)

Como é possível notar, a região contém os serviços públicos necessários, mas esta

estrutura não é exclusiva do Jardim Europa, e, como a distância média é de 1 km a 2 km até

estes serviços, ter apenas um ônibus de 40 em 40 minutos se coloca como um problema para

os moradores. Há comércio local, mas como são pequenas unidades, seus preços são mais

caros. A alternativa para os moradores é ter que se deslocar a pé, por longos trechos, para

comprar produtos mais baratos ou gastar, o que economiza comprando em locais mais

baratos, com a passagem de ônibus.

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4.2 AVALIAÇÃO DAS SOCIABILIDADES, MELHORIAS E NOVAS DEMANDAS

Este segundo bloco diz respeito às questões de adaptação ao novo espaço, as

mudanças de vida e sociabilidades dos moradores. Ao final também são colocadas questões

relativas às dificuldades enfrentadas e ao tratamento do poder público. Esta avaliação divide-

se em quatro momentos: a) acesso ao Jardim Europa e as motivações para a mudança; b)

mudanças e/ou melhorias de vida; c) sociabilidade; d) novas demandas;

4.2.1 Acesso ao Jardim Europa e as motivações para a mudança

Inicia-se perguntando como era a casa onde moravam e como era a região. A maioria

dos entrevistados coloca que as condições da casa eram piores em relação à estrutura ou a

condição de propriedade. Já sobre a região, algumas pessoas comentaram que era mais

estruturada, com melhor acesso aos serviços, ainda que as casas ficassem em áreas de risco ou

de invasão. A primeira relação negativa sobre a casa anterior é para os entrevistados que

moravam de aluguel ou de favor na casa de parentes:

“[a casa] era precária, tava caindo. Era alugada, não tinha forro e a gente nem mexia

porque não era nosso.” (Família 17)

“[a casa] era alugada, um pouco maior do que aqui, mas aqui é melhor, eu prefiro

aqui.” (Família 19)

“não pagava aluguel, a casa era própria, mas morava de favor no fundo do terreno da

minha sogra. Era maior a casa.” (Família 31)

Assim, ainda que a casa e o terreno fossem maiores do que na condição atual, o fato de

não ser proprietário da casa se colocou como um ponto negativo. Em seguida os problemas

ambientais e estruturais que enfrentavam por morar próximo às margens de rios e de valetas e

encostas de morros, colocam-se como outro ponto negativo à condição anterior:

“[o lugar] era péssimo, alagava, tinha cheiro de mofo, rato, barata, agora não tem.

Era uma área de invasão, a região era bem pior, mas o terreno era bem maior, tinha

mais espaço pra plantar.” (Família 18)

“era da minha mãe o terreno, tinha duas casas, era de material. A região alagava, a

nossa casa não porque ficava no alto, mas a região sim. Dai tiraram a gente de lá e

fizeram uma praça.” (Família 48)

“a casa era pior do que essa, era precária, era maior, só que era de madeira, os cupins

comiam tudo, passava o rio perto, chovia.” (Família 25)

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Neste caso, ainda que a casa atual seja menor, os problemas enfrentados antes se

colocam superiores à relação atual com o espaço. Outro problema apontado é em relação à

falta de documentação da casa:

“[a casa] era nossa, mas sem documento, do mesmo tamanho, ficava perto de tudo,

mas tinha enchente, tinha bicho, rato, lesma.” (Família 30)

“era uma casa grande, boa, bem feita, tinha espaço. Foi uma troca que fizemos na

época, dai a gente foi aumentando a casa, mas não tinha documento.” (Família 49)

Alguns moradores mostram em suas falas um descontentamento por terem que deixar

suas antigas casas, porque moravam com mais familiares ou porque tinham mais espaço para

manter suas atividades:

“não queria sair, gostava de lá, vinha um pouco de água, mas era de quatro em

quatro anos, mas tinha que sair. O terreno era grande, agora não dá pra plantar

muito.” (Família 27)

“era grande, numa área de invasão, o dono da área vendeu os terrenos. Dai a

prefeitura, acho que pra fazer nome, foi atrás pra tirar nós de lá. Eu tinha um sobrado

bem grande, bem gostoso, moravam todos os meus filhos. Tiraram a gente de lá,

onde eu morava fazia 23 anos pra pegar aqui, eu acho errado, mas tive que vir.”

(Família 37)

Uma moradora também se mostrou indignada por ter que sair da antiga casa, pois

estava sem a documentação, mas que depois que se mudaram para o Jardim Europa outras

pessoas construíram casas no antigo local de moradia:

“era um terreno grande, uma casa grande, eu não queria sair. Disseram que era pra

desocupar se não eles iam derrubar a casa. Assaltaram nossa casa e levaram a

documentação, daí não tinha o que fazer, a gente tinha que sair. Mas só saiu nós, um

pessoal ficou lá, construiu casa e tá lá até hoje.” (Família 43)

Entende-se com esta situação que a política habitacional não conseguiu acompanhar as

estratégias de sobrevivência na pobreza, pois as famílias foram retiradas de seus locais de

moradia em função da precariedade de condições daquele antigo espaço, mas foi novamente

ocupado para o mesmo fim.

Pode-se concluir que mesmo que as casas e os terrenos fossem maiores, ser

proprietário da casa é um diferencial. Para as pessoas que tinham melhores condições ou mais

tempo de moradia naquele local, houve uma resistência e um descontentamento com a

mudança. Outro aspecto é em relação à estrutura das casas, que por estarem localizadas em

áreas de risco (próximas às margens de rio e de valetas, e em encostas de morros em áreas

invadidas), apresentavam problemas com enchente e umidade, que acrescentavam também

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problemas com esgoto e bichos nas casas. Sobre a região onde moravam, para alguns o acesso

aos serviços como transporte e comércios, por exemplo, era melhor.

A questão seguinte era para saber como os moradores ficaram sabendo do Jardim

Europa. A maioria dos moradores, os que vieram de invasões e áreas de risco, ficou sabendo

do conjunto através da Secretaria de Ação Social da Prefeitura de Fazenda Rio Grande, que

após enchentes foram fazer os cadastros das famílias que precisavam deixar o local de

moradia:

“como era uma área de risco, tinha muita enchente, daí o pessoal da ação social foi

lá e disseram que a gente tinha que sair.” (Família 18)

“a gente tinha que sair porque era uma área de risco, se não saísse a máquina ia

derrubar tudo.” (Família 49)

“o pessoal da habitação foi lá fazer o levantamento pra trazer a gente pra cá.”

(Família 26)

Os moradores que vieram da “fila” ficaram sabendo do Jardim Europa porque já

tinham inscrição para receber a habitação e foram sorteadas para morar lá. Eles moravam ou

de aluguel em outros bairros mais estruturados ou em áreas de assentamentos precários com

inscrição feita antes da Secretaria de Ação Social da Prefeitura de Fazenda Rio Grande

realizar o levantamento:

“eu já tinha inscrição na habitação e tava esperando sair a casa e saiu aqui.” (Família

40)

“como eu já tinha inscrição na Cohab daí sortearam e saiu aqui pra mim.” (Família

33)

“eu morava de aluguel lá no Hortência, e já tinha inscrição, daí sortearam aqui pra

mim.” (Família 7)

Também tiveram moradores que ficaram sabendo do conjunto habitacional por meio

de pessoas da família. Aparecem duas situações distintas. A primeira são as pessoas que

ficaram sabendo por meio de familiares e então fizeram a inscrição para receber a casa ou

compraram do primeiro dono:

“um parente do meu sogro ficou sabendo aqui da casa, que teve desistência da

primeira dona, daí ele meio que mexeu os pauzinhos pra gente vir morar aqui. A

gente morava em Curitiba antes, daí viemos pra Fazenda pra conseguir receber a

casa.” (Família 16)

“através da minha cunhada, que ficou sabendo que antiga dona tava vendendo a

casa.” (Família 19)

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A segunda são pessoas que não são proprietárias do imóvel e estão morando de favor,

junto com o proprietário, ou este cedeu a casa para família:

“eu moro de favor aqui, a casa era do meu avô que morreu e ficou pro meu padrasto,

que deixou eu ficar aqui por causa das crianças, mas eu fiz minha inscrição e a

minha casa tá pra sair aqui também.” (Família 3)

“o tio do meu marido conseguiu aqui e falou pra gente vir. E gente queria muito sair

porque é ruim morar com os outros.” (Família 22)

“a gente tava apertado com o aluguel, daí viemos pra cá com a minha mãe. A gente

comprou um terreno e vamos construir a casa lá.’ (Família 28)

A pesquisa mostrou que muitos moradores, proprietários, acabaram recebendo seus

filhos para morar com eles enquanto “se ajeitam” em melhores condições. Muitos abrigaram

seus filhos, pois estes estavam pagando aluguel em outros lugares, e que morando com os pais

economizam o dinheiro evitando o gasto com o aluguel.

A segunda questão é sobre a decisão de ir morar no Jardim Europa. Boa parte dos

moradores conta que decidiram ir pra o conjunto, pois viram a oportunidade de ter a casa

própria, seja porque moravam em áreas de invasão, porque pagavam aluguel, ou porque

moravam de favor:

“pra ter minha casa própria, morar no que é meu.” (Família 20)

“pra deixar de pagar aluguel e conseguir investir na minha casa.” (Família 28)

“pra deixar de morar com o sogro e morar no que é meu.” (Família 16)

Além da questão da propriedade, os moradores também acrescentam a expectativa de

melhora de vida e de condições da casa:

“porque as condições são melhores, a casa é própria.” (Família 47)

“lá não tinha como ficar, tava perdendo tudo na enchente, aqui é meu, não tem

enchente e tem documento.” (Família 30)

“pra ter uma condição melhor pra minha família, pros meus filhos.” (Família 39)

Muitos moradores relataram que não escolheram ir para o Jardim Europa como uma

opção dentre outras, porque lá era a única opção para melhorar suas condições de vida, e que

eles iriam para qualquer lugar onde saísse primeiro. Em contrapartida também há aqueles que,

como foi mostrado anteriormente sobre como era a casa onde moravam, contam que houve

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uma imposição por parte da prefeitura para que saíssem daquela área, e que se pudessem

escolher permaneceriam lá:

“não tinha decisão, a gente vinha ou vinha, ou ficava na rua. Se fosse pra escolher

muita gente não vinha porque morava lá fazia tempo, derrubaram casas lindas lá.”

(Família 37)

Percebe-se, como a própria moradora relata, que mesmo com todos os problemas

muitas pessoas não queriam deixar suas casas, pois já havia criado uma relação de

pertencimento e identidade com o local. Como foi mostrado na Tabela 21, a maioria dos

entrevistados já morava nas últimas residências há pelo menos cinco anos. Muitos moravam

com seus filhos e demais parentes e tiveram se separar, uma vez que os sobrados são

relativamente pequenos. Há também aqueles moradores que sentem falta do espaço para

plantar ou até mesmo para ampliar a casa. Mas esta questão será mais bem trabalhada nas

próximas perguntas.

4.2.2 Adaptação ao novo espaço e as sociabilidades

Tendo em vista estas relações com a antiga moradia, em seguida foi perguntado como

foi sair de onde morava e ir morar no Jardim Europa. Alguns moradores relataram que

tiveram dificuldades para se acostumar no inicio, tanto com a casa, quanto à região, uma vez

que muitos moravam nos locais anteriores há muito tempo, já tendo estabelecido laços de

pertencimento e identidade com o local:

“lá era área de risco, no começo foi difícil pra se acostumar, mas porque eu tava lá

fazia 16 anos, mas fui me acostumando aos poucos.” (Família 38)

Tiveram, também, moradores que se adaptaram com facilidade ao local, uma vez que

as condições anteriores eram bastante precárias, dando-lhes a expectativa de encontrar

melhores condições no novo local:

“foi uma benção de deus, eu gostei muito, comparado com o que a gente passava

lá.” (Família 32)

“bem melhor, que nem eu falei, lá dava muita enchente, era uma casa velha no meio

do mato.” (Família 44)

Uma das moradoras comentou que não teve dificuldades para se adaptar ao local, pois

tiveram várias reuniões para que se familiarizassem com o novo local de moradia, bem como

aprendessem a conviver com o espaço e novas demandas que ele podia trazer. Por outro lado,

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alguns moradores não viram dificuldades deixar o local anterior de moradia, mas contam a

dificuldade de se adaptar ao espaço e à disposição da casa:

“normal, não mudou muito, é a mesma distância das coisas. É meio difícil se

acostumar com o jeito da casa, que antes era casa baixa e agora é sobrado.” (Família

23)

Em contrapartida, alguns moradores colocam as dificuldades que encontraram no

início, em relação ao acesso aos serviços e o choque cultural entre os moradores, e também

tem aqueles que enfrentam ainda dificuldades em relação às diferenças, ao modo de cada um

lidar com seu espaço:

“foi difícil porque antes eu tinha acesso a tudo, dai até acostumar. Aqui a gente tem

que vê o que tá precisando em casa pra comprar no centro, porque aqui não tem

nada, tem umas vendinhas só. Aqui é pequeno, menor do antes, mas eu gosto do

lugar, no começo era difícil porque veio um monte de gente diferente, dai se chocou

né, era bem violento.” (Família 4)

“não me acostumei até hoje. O pessoal não tem organização. Meu marido arrumou

toda a casa. No começo aqui era bonito, mas o pessoal estragou. Falta capricho. O

pessoal trouxe a favela junto.” (Família 49)

A fala da família 49 mostra um preconceito social, indicando não apenas um

preconceito de origem, mas principalmente sobre a manutenção das práticas dos moradores de

assentamentos precários na maneira de lidar com o espaço. Percebe-se que o Jardim Europa

significa a oportunidade de mudança de vida, de recomeçar em um lugar novo, limpo,

entrando na lógica da ordem, da casa regularizada, limpa e organizada. Esta percepção sobre a

maneira de agir e usar o espaço será mais bem explicitada na próxima questão.

A pergunta seguinte diz respeito a como os moradores, bem como suas famílias

estão se sentindo morando no Jardim Europa, como é a relação com os vizinhos e se eles

já conheciam alguém que tenha vindo morar no conjunto. A maioria dos moradores relatam

aspectos positivos sobre o seus sentimentos em relação à casa, ainda que não gostem da

região.

“é difícil se acostumar com a região, tem muito barulho. Mas é minha casa, me sinto

bem, não moro de favor, não pago aluguel.” (Família 30)

“olha, não gosto [da região], é muita bagunça, muito barulho. O lugar deixa a

desejar, mas o sobradinho é bom, dá pra construir pra trás, pra cima. Com os

vizinhos é só o básico, a relação é boa se você não conversar muito.” (Família 31)

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Como foi colocado na última no relato da família 31, sobre os vizinhos, as relações

parecem estar pautadas no “cada um na sua”, que desta forma o convívio fica tranquilo.

Muitos moradores contam que trabalham o dia todo e não têm muito tempo para se relacionar

com os vizinhos. Eles contam também que muitos vizinhos dos antigos bairros em que

moravam também foram para o Jardim Europa e puderam escolher um vizinho, se quisesse,

para morar ao lado. Mas a relação predominante é de que “cada um fica no seu canto”, que

“é só o básico”, que assim as relações se mantém saudáveis.

Uma moradora conta sobre a relação com os vizinhos e alguns usuários de droga:

“Com os vizinhos é cada um na sua. (...) Os meninos às vezes ficam aí na frente

usando droga, dai tenho que fechar as portas e as janelas pra não vim cheiro pra

casa, eles perguntam se tão incomodando, eu falo que não que tá tudo tranquilo,

fazer o que né.” (Família 4)

Na opinião de grande parte dos moradores, no começo as pessoas se confrontaram,

como já foi colocado em questões anteriores, houve um choque entre os grupos de diferentes

bairros que foram colocados sobre o mesmo espaço. A questão das drogas também demarca a

disputa pelo espaço e a tensão nas relações. Eles colocam que depois, com o dia-a-dia, as

relações ficaram mais amigáveis:

“graças a Deus eu tenho amizade com todos meus vizinhos vieram todos. Quando a

gente chegou aqui tinha muita bagunça, criança na rua, gente que você não conhece,

dai foi difícil, mas dai começamos a nos conhecer e ficou tranquilo.” (Família 24)

Mas para outros moradores, além dos problemas da distância dos serviços, das drogas,

há também a violência e o estigma:

“[eu] tinha a expectativa de melhora, mas me decepcionei com as pessoas, não tenho

relação com os vizinhos. Só com meu cunhado que mora por aqui. Ninguém vem me

visitar aqui em casa, eles vêm me buscar, mas aqui ninguém entra, eles têm medo.

Eu gosto da minha casa, mas não da região, é horrível de morar. Eu acho assim que

eles fizeram errado, porque no caso que tem trabalha registrado, que no caso eu, que

não morei em favela, eu pagava aluguel, eles deviam ter separado as pessoas.”

(Família 7)

“às vezes dá um pouco de vergonha, porque é muito generalizado, ‘favelão’. Quando

eu falo que moro aqui o pessoal fica meio assim ‘nossa você mora lá...’. Mas eu não

me relaciono com os vizinhos, minha casa é do portão pra dentro, o resto...”

(Família 45)

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Nos caso destes dois últimos relatos, as moradoras não vieram de áreas de risco ou de

invasão, estavam esperando o sorteio das casas, pois já tinham inscrição. A moradora da

família sete morava de aluguel em um bairro de Fazenda Rio Grande, e conta que o lugar era

muito bom, mas que ela tinha a expectativa de ter a casa própria, mas acabou se

decepcionando com o perfil de moradores que foram morar no mesmo local. Percebe-se em

sua fala um preconceito social em relação à situação anterior que faz uma “escala social”

dentro da condição de pobreza. De acordo com ela, o trabalho registrado e o fato de não ter

vindo de favela são atributos positivos que a colocam em uma condição superior aos demais,

como merecedora de estar naquele espaço, mas que está tendo seu direito privado em função

da mistura com os favelados.

A moradora da família 45 conta que morava de favor na casa da sogra, mas que a casa

era muito boa, numa região muito boa também, mas optou por morar no conjunto para ter sua

casa própria. Para ela, o conjunto não é tão violento quanto falam ou imaginam, mas que fora

dali, as pessoas têm uma impressão negativa do local, o que a incomoda.

Na família sete, a entrevistada categoriza e atribui valor às origens dos moradores,

depreciando os que vieram de favelas. E na família 45 percebe-se que há uma identidade

virtual sobre o Jardim Europa na percepção dos “não-moradores” generalizando a imagem do

conjunto, bem como a da própria entrevistada que não se enxerga de acordo com os atributos

imputados ao local.

Outra moradora, que veio de área de invasão, relata em defesa do local onde morava e

do local onde mora, mostrando que já se começam a criar laços de pertencimento, mas aponta

como problema a distância do local em relação aos serviços:

“então, era uma área de invasão, eu não gosto de chamar de favela, porque eu acho

injusto falar assim. Mas era uma casa bem simples, uma região bem simples. (...)

Olha eu gosto muito da minha casa, gosto da região, dos meus vizinhos, mas o

problema é que a gente ficou abandonado aqui, muito distante de tudo. Os vizinhos

são muito bons, aqui um cuida do outro. O problema mesmo é a distâncias dos

serviços.” (Família 39)

Percebe-se que a condição da moradia anterior, bem como da região onde se morava,

são determinantes para construir a percepção que os moradores têm a respeito da casa e da

região atual. Os moradores que já estavam na fila à espera da casa, mas que não moravam em

áreas de invasão ou de risco, apresentam opiniões negativas em relação ao perfil dos

moradores oriundos das ocupações pela a maneira como lidam com a casa, com o espaço,

ainda que gostem da sua casa, que é o seu espaço privado e onde tem autonomia.

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Ainda assim, alguns moradores de áreas de invasão e de risco também apresentam

alguma decepção, pois, de certa forma, viram no Jardim Europa a possibilidade de mudança,

de vida nova em local estruturado, criando desta forma uma expectativa de que as relações

seriam diferentes, de que os moradores das ocupações não “trariam a favela” para um espaço

novo. Vivem um conjunto de percepções ambivalentes: quando se veem em uma moradia

regular, legalizada, aparentemente desenvolvem um sentimento de vergonha sobre sua origem

de ocupantes irregulares; sabem que devem corresponder a um novo conjunto de regras do

“bem viver” que a moradia nova impõe. Todos, entretanto, vindos da “fila” ou das remoções,

têm que conviver lado-a-lado, reconstruindo suas experiências passadas como cidadão e como

morador, moldando novas práticas sociais sobre o espaço que precisam, agora, construírem

juntos.

Em geral gostam da casa, mas não gostam da região, pois a casa “é daqui pra dentro”,

lá fora é o lugar da desordem, da bagunça. É a constituição do cidadão privado28

que se

restringe ao espaço privado pelo sentimento de insegurança em relação ao espaço público, à

rua. A conquista da casa tem um papel determinante nesta constituição, sendo assim é

importante compreender as mudanças de vida a partir da mudança para a condição de

proprietário.

4.2.3 Mudanças e melhorias de vida

Assim, a pergunta seguinte é no sentido da mudança de vida, se mudou ou melhorou

algo na vida destas pessoas depois que elas foram morar no Jardim Europa. A grande

maioria dos moradores relatou mudanças positivas e melhorias na vida, apesar dos problemas

com o acesso aos serviços e a distância.

A principal mudança relatada é em relação à conquista da casa própria. Os

entrevistados que moravam de favor ou pagavam aluguel contam que agora sobra mais

dinheiro no orçamento que pode ser investido na casa, no mobiliário, como também melhorar

as condições de consumo alimentar. Contam também a satisfação de “morar no que é meu”:

“tudo (mudou). Onde morava era um lixo, uma favela, aqui é tranquilo, moro no que

é meu.” (Família 1)

28

Kowarick (2000) mostra a contradição do conceito de cidadão privado em contraponto à noção de

subcidadania. Coloca que os subcidadãos urbanos são discriminados e segregados por morarem em favelas e

cortiços, mas que ao conquistarem a casa própria constituem o cidadão privado que vê na casa e na manutenção

da sociabilidade primária (restringindo-se à família) o resguardo contra os medos e violências urbanas.

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“o dinheiro do aluguel que eu deixei de pagar, dá pra comprar algumas coisas,

comida, juntar dinheiro...” (Família 28)

“eu morava na casa da minha mãe, agora aqui, como é que diz... aqui pode colocar o

penico em cima da mesa, então é bom ser proprietária.” (Família 4)

A questão da propriedade também se coloca em relação aos moradores que vieram de

áreas de invasão, que não pagavam aluguel, mas tinham o problema da falta de documentação

da casa:

“melhorou bastante coisa né. Lá não era asfaltado, aqui já é. E pelo menos a gente tá

pagando uma coisa que é nossa mesmo, lá não tinha documento nenhum.” (Família

38)

O segundo aspecto positivo, como a fala anterior já aponta, é em relação às condições

estruturais da casa ou da região. Muitos moravam em assentamentos precários, tinham casas

de madeira que apodreciam com a enchente e não tinha asfalto nas ruas, viram no Jardim

Europa a oportunidade de uma casa nova, mais estruturada, associada a uma vida nova. Eles

contam que agora não tem mais problemas com enchente e que assim podem investir na casa,

comprar móveis sem se preocupar com os alagamentos:

“tinha muita enchente e barro na casa anterior, aqui é tudo limpinho. Eu gosto da

casa, tô no que é meu.” (Família 14)

“o que mudou foi que eu peguei uma casa nova, mais bonita, antes era um barraco

velho. Agora não alaga mais. É bom ser proprietário.” (Família 18)

“agora tenho sossego quando chove, não me preocupo mais em levantar e erguer as

coisas por causa da enchente.” (Família 30)

Relataram também a melhora na saúde da família devido à umidade que estavam

sempre em contato anteriormente, além da privacidade em relação à família:

“melhorou que a gente vivia tudo doente, agora não.” (Família 50)

“melhorou as condições da casa, de vida, meus filhos agora têm o cantinho deles, eu

tenho o meu.” (Família 39)

Por fim, alguns moradores colocam que com a casa própria, o endereço novo e fixo,

possibilitou novas oportunidades de emprego e geração de renda:

“melhorou porque com endereço fixo meu marido conseguiu emprego, daí eu posso

cuidar melhor do meu filho e da casa.” (Família 47)

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“oportunidades de emprego, de curso, no Veneza era tudo muito distante, mais que

aqui. E consegui algumas coisas pra dentro de casa.” (Família 40)

“melhorou bastante, eu não trabalho mais fora, aqui não dá enchente, lá dava

enchente e a gente perdia tudo o tempo todo, tinha que ficar tirando as coisas. A

gente levantava às seis da manhã e tinha que ficar carregando as crianças pra casa

dos outros, porque a gente trabalhava fora. Agora eu consigo cuidar do negócio e

das crianças, da casa, o marido ajuda e faz os bicos dele também. Lá não tinha

condições de ter nada.” (Família 24)

A família 24 adaptou a sala de casa e montou uma venda depois que viram que a

região precisava de comércios e que podiam traçar novas estratégias de vida. No entanto,

alguns moradores colocam que as mudanças não foram positivas, principalmente por causa da

distância e da dificuldade de acesso aos serviços, bem como em relação ao perfil dos

moradores da região e também porque passaram a ter mais gastos com a casa:

“mudou pra pior porque agora eu só fico trancada, não posso ter amigos. Eu não

queria tá aqui, meus amigos tem medo de vir aqui por causa do pessoal, medo de

assalto. Eu preferia pagar aluguel num lugar melhor.” (Família 7)

“não mudou muita coisa. Aqui é mais bagunçado, rádio, som, e tem mais morador

perto.” (Família 23)

“melhorou a moradia, mas a gente gasta de mais com água e luz, a parcela é baixa,

mas a água e a luz vem demais.” (Família 32)

Importante colocar que também tiveram moradores que consideraram não ter havido

mudanças na vida depois de irem para o Jardim Europa, tanto no sentido da casa, como da

região.

Após a conquista da moradia, acredita-se que os moradores tenham passado a

consumir outras demandas como já foi colocado, por exemplo, o consumo de móveis para

casa, isto move a questão seguinte que diz respeito às conquistas que foram possíveis após a

aquisição da casa própria.

A grande maioria dos moradores falou da conquista de bens materiais que não podiam

adquirir antes, em função dos problemas de enchente, como móveis, eletrodomésticos, coisas

para casa:

“hoje temos a nossa casa, agora a gente pode comprar móveis, antes inundava,

entrava bicho.” (Família 8)

Em seguida eles falam que agora, com a casa própria, podem investir na casa, ampliar,

reformar:

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“a gente conseguiu construir, fazer muro que não tinha, o piso, bastante coisa. Deu

pra investir na casa.” (Família 25)

Alguns moradores contam que conseguiram financiar seus móveis e eletrodomésticos

com o cartão “Minha Casa Melhor”, cartão de crédito da Caixa Econômica Federal para

beneficiários do programa Minha Casa Minha Vida:

“saiu aquele cartão ‘Minha Casa Melhor’, dai aquelas coisinhas que estragavam na

enchente eu comprei tudo novo. Consegui construir lá pra trás, fazer minha

cozinha.” (Família 24)

Alguns moradores também relatam que, como colocado anteriormente, com a casa

própria conseguiram juntar dinheiro, pagar suas contas e melhorar o consumo alimentar:

“conquistei uma nova vida, benefícios pros meus filhos, me sinto privilegiada,

conquistei os móveis pra casa, antes o dinheiro era só pra comida.” (Família 2)

Percebe-se aqui que a política habitacional promoveu melhorias de vida e permitiu a

estes moradores condições para novas demandas de consumo.

4.2.4 Dificuldades apresentadas e o tratamento do poder público

Por fim é importante colocar as dificuldades colocadas pelos moradores após a ida

para o Jardim Europa. Dentre todos os entrevistados, 16 relataram não terem nenhuma

dificuldade por morar no Jardim Europa, ou não sentirem falta de nada. Os demais

entrevistados apresentaram várias dificuldades que foram classificadas entre problemas

coletivos e problemas individuais.

Dos problemas entendidos na pesquisa como individuais apresentam-se problemas

com a documentação que não está no nome do morador ainda; problemas com a estrutura da

casa; aumento do gasto com tarifas públicas; problemas financeiros; falta de privacidade e

espaço na casa e no terreno;

Dos problemas apontados classificados como coletivos, que atingem os demais

moradores, apresentam-se: distância dos serviços; falta de comércios; transporte precário;

bagunça e som alto; falta de creche e não conseguir trabalho em função disto; cachorros soltos

na rua; esgoto:

“não consigo trabalhar porque não tem vaga na creche pro meu filho, daí vou ter que

pagar uma pra ele. Lá em Curitiba tinha ele tinha creche.” (Família 18)

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“a dificuldade é que falta ônibus, mercado, farmácia, um lugar pra pagar as contas,

sinto falta dos comércios.”(Família 29)

“a distância das coisas e falta espaço pro meu filho brincar, falta área de lazer.”

(Família 30)

Os problemas com os vizinhos estão associados ao barulho e também às brigas dentro

do conjunto. Outro aspecto interessante é o estigma por morar em um lugar onde muitos

vieram de favelas, de assentamentos precários. Em relação aos cachorros, a coordenadora

CRAS contou que no processo de mudança cada morador podia levar um cachorro para sua

casa, mas com o passar do tempo os cachorros foram sendo soltos e acabaram se tornando um

problema no conjunto, somado a quantidade de lixo nas áreas vazias do conjunto. Uma

moradora contou que o conjunto tem problemas para receber cartas, pois os carteiros não

passam por causa dos cachorros soltos no conjunto. Ela conta também que sente falta de uma

liderança para buscar melhorias para o local, para melhorar a estrutura e o acesso aos serviços,

mas que o pessoal não tem este perfil.

A última pergunta do questionário é sobre o acompanhamento do poder público, se

eles ainda recebem visitas da prefeitura. A maioria dos moradores diz que a prefeitura não faz

visitas e alguns relatam que só acompanharam no começo, mas nunca mais voltaram. Contam

que recebem visita do CRAS, do Conselho Tutelar, da Caixa, que faz vistoria nas casas.

Alguns comentam que passam fazendo limpeza, mexendo na luz elétrica e fazem cadastro de

baixa renda da luz e da água. Uma moradora relata o problema que vem enfrentando com o

esgoto na rua, mas a prefeitura diz que é problema da construtora:

“não (fazem visita), no caso do esgoto fica a prefeitura jogando pra construtora, a

construtora diz que é serviço da prefeitura e até agora ninguém veio resolver.”

(Família 32)

Outra moradora conta que tentou organizar os moradores em uma associação para

propor melhorias na região, mas que não consegue reunir todos:

“Não (fazem visita), a gente tenta se organizar aqui, mas o pessoal

inadimplente não ajuda, não se compromete. A gente ajudou a eleger um vereador

daqui, o Homem do Chapéu, mas a única coisa que melhorou foi o material de

construção dele que cresceu, ele não fez nada pra cá.” (Família 47)

Na ausência do Estado em fornecer os serviços básicos além da casa, seja por ação

direta ou por parcerias público-privadas, a organização dos moradores seria um diferencial

para conquistar melhorias para o local. Mas os moradores do Jardim Europa, em sua maioria,

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representam o cidadão privado, onde as são lutas individuais e cotidianas para acessar o

trabalho, organizar a casa e cuidar da família.

As fotos abaixo ilustram alguns dos problemas apontados pelos moradores:

FOTO 12: ESTRUTURA DAS CALÇADAS FOTO 13: PROBLEMAS COM ESGOTO

FONTE: A Autora (2014) FONTE: A Autora (2014)

FOTO 14: PROBLEMAS COM LIXO E COM OS CACHORROS

FONTE: A autora (2014)

Percebe-se que a principal motivação dos moradores para ir para o Jardim Europa foi a

possibilidade de melhoria nas condições de vida, o sonho da casa própria, relacionada às

condições em que viviam de insegurança tanto por conta dos problemas ambientais aos quais

estavam expostos, quanto a irregularidade da propriedade sob a qual viviam. A principal

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mudança de vida é a condição de proprietário, de ter algo para deixar para a família, a

segurança de não morar de favor ou ter que deixar a casa por falta de documentação. Em

seguida, novamente se colocam as melhorias para um ambiente que não alaga e em que se

pode mobiliar a casa sem receio que a enchente leve tudo. Ressalta-se a possibilidade de

melhorar o consumo mobiliário e alimentar, uma vez que muitos deixaram de pagar aluguel.

No entanto, as dificuldades colocadas por morar no Jardim Europa correspondem à

demandas básicas de uma escola de qualidade, um posto de saúde que atenda a população em

suas necessidades básicas, o direito à mobilidade urbana que permita viver a cidade em seu

valor de uso e até mesmo no valor de troca, de consumir. Corresponde também ao direito à

sociabilidade, aos espaços de lazer e convívio das crianças no conjunto habitacional. Enfim,

demandam atenção do poder público naquilo que é prometido como básico e naquilo que

pode ser negociado entre o Estado e o mercado. O impasse na oferta de serviços, somado a

localização do empreendimento, coloca o Jardim Europa na condição de periferia da

periferia, potencializando as dificuldades da população de baixa renda que mora na região

metropolitana de Curitiba.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A política habitacional no Brasil, em sua estrutura institucional, completa neste ano

meio século de atuação. O Programa “Minha Casa, Minha Vida” foi elaborado como uma

medida à esquerda para equacionar o déficit habitacional, mas suas ações objetivas mostram

sua similaridade com a política conservadora do Banco Nacional da Habitação. Percebe-se a

atualidade de Bolaffi (1979) ao questionar a construção dos problemas que constituem a

agenda nacional. O PMCMV, assim como o BNH, foi elaborado em um momento de crise

econômica mundial, com o discurso de resolver o problema habitacional ao passo em que

aqueceria a economia através do setor da construção civil.

Entretanto, 50 anos se passaram e os problemas apresentados pela população de baixa

renda a respeito da moradia permanecem os mesmos. A experiência do conjunto habitacional

Jardim Europa mostrou que as demandas apresentadas pelos moradores são básicas e estão

prometidas no pacote do PMCMV. Vão desde o direito básico à saúde aos espaços de lazer e

sociabilidade que os permitam conviver além dos muros recentemente construídos das suas

próprias casas. Representa uma ineficiência nas atribuições que são propriamente do Estado,

bem como a falta de negociação entre este e o mercado para promover os direitos básicos aos

cidadãos. Os problemas destacados em relação ao acesso aos equipamentos coletivos e

serviços mostram-se como resultado do descompasso na negociação entre Estado e mercado,

entre direitos sociais e civis.

Percebe-se que a experiência do primeiro mandato do governo Lula foi bastante

promissora em relação à criação de um sistema amparado por mecanismos legais que

garantissem a participação popular e consequentemente uma política habitacional mais

democrática. No entanto, com a criação do PMCMV, estes mecanismos foram suprimidos

pela lógica econômica que reforça as regras do jogo na sociedade capitalista em que a

moradia é uma mercadoria. O Estado, ao colocar a questão habitacional na lógica do mercado,

repassando às empreiteiras da construção civil a função de planejar os projetos e para um

banco a atribuição de avaliá-los, acaba não dando conta das demandas conexas que estão

associadas à moradia e que são de responsabilidade pública - educação, saúde, transporte -,

bem como não realiza a contento a negociação com o mercado para conceder serviços que

facilite a vida da população (áreas de lazer, emprego, comércios).

O mercado visa à produção e o lucro, como pode ser visto na experiência do Jardim

Europa, principalmente na negociação do terreno para a construção das casas. O discurso de

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que seria possível construir mais casas para a população de baixa renda acabou invisibilizando

a questão do preço da terra, que é mais caro em áreas mais urbanizadas e equipadas. Sendo

assim, foi mais lucrativo para a empresa trocar os terrenos em Curitiba pela área em Fazenda

Rio Grande, pois na capital poderiam investir em empreendimentos para classe média e alta.

Do ponto de vista apenas da moradia o Estado cumpre seu papel na oferta para a

população de baixa renda. Isto se comprova na avaliação sobre a mudança de vida dos

moradores na pós-ocupação do Jardim Europa que se tornaram proprietários legais da

mercadoria. Com isto, foi possível para muitos deles juntar o dinheiro antes gasto no aluguel

para investir na casa ou até mesmo em coisas mais básica, como melhorar o consumo

alimentar. Além da propriedade, as melhores condições no ambiente permitem, para a maioria

dos moradores, consumir móveis para casa ou materiais de construção para sua reforma, o que

antes não era possível em meio às enchentes. Ainda que tenham queixas em relação ao acesso

aos equipamentos coletivos e serviços, a pesquisa mostrou que o que vale a pena é ser

proprietário, é estar dentro das regras do jogo para viver na cidade capitalista.

No entanto, a política deixa a desejar nas condições básicas de habitabilidade, ou seja,

a casa em suas condições mínimas e os serviços necessários para a manutenção da cidadania.

Além da habitabilidade, a política não é capaz de dar conta das inúmeras estratégias de

sobrevivência. Como se mostrou na pesquisa, diversas delas foram traçadas pelos moradores

tanto para chegar até a casa própria, (maneira de acessar a casa desde a tragédia com as

enchentes até “mexer os pauzinhos” para deixar de morar de favor), quanto para se manter no

novo espaço (a adaptação das casas para o comércio não regularizado para atender os

vizinhos, bem como melhorar a renda, e a adaptação das casas para abrigar mais pessoas).

A experiência do Jardim Europa mostra também que a política não leva em

consideração questões inerentes à vida, como a doença, o envelhecimento, que tornam a

circulação pelos sobrados mais difícil. Vale colocar também que não se considera que, a partir

da casa própria, muitos moradores ambicionam aumentar o patrimônio e constituir uma

herança para a família. O PMCMV não permite que o beneficiário venda ou alugue sua casa,

estando este sujeito a não ser mais atendido por nenhum outro programa de financiamento

habitacional. Algumas moradias no Jardim Europa foram vendidas, alugadas ou cedidas.

O instrumento de coleta de dados não permitiu uma investigação aprofundada das

relações de vizinhança. Entretanto, a pesquisa permitiu identificar algumas relações de

estigma tanto de fora do conjunto quanto dentro. Quem é de fora, que muitas vezes são

sujeitos-representantes das instituições que atendem o conjunto, têm uma imagem homogênea

de que seus moradores, por virem de favelas, são violentos, desorganizados, “ociosos”.

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Apenas a instituição voltada para atender famílias em condições de vulnerabilidade não

apresentou pressupostos sobre os moradores do conjunto. Neste caso específico, é formada

por profissionais formados em Serviço Social, que trazem um olhar treinado pela formação

profissional para lidar com as complexidades inerentes ao cotidiano desta população.

Foi possível notar distinções tanto entre os que vieram de assentamentos precários

quanto aos que vieram da “fila”. Esta heterogeneidade se ilustra nas diferentes composições

das casas e principalmente no cerceamento do espaço familiar através dos muros e portões,

que parecem mudar de acordo com a sensação de insegurança em relação ao espaço. A

relação com os vizinhos se mostrou limitada ao “cada um na sua”, “só o básico” ou só “um

bom dia”, representando o sentido do cidadão privado, da segurança da propriedade e da

desordem da rua. Cabem neste sentido novas pesquisas que permitam compreender este

processo de individualização da população de baixa renda nos conjuntos habitacionais, bem

como as regras do jogo para viver na cidade.

Por fim, percebe-se que os valores conservadores da casa própria e da propriedade

privada imputados no discurso de 1964, em um contexto de temor ao comunismo, colocam-se

também na política atual configurando o cerceamento dos indivíduos em sua sociabilidade

primária, da família. O segundo mandato do governo Lula, bem como o governo Dilma, com

o abandono do direcionamento da política habitacional para os mais pobres a partir dos Planos

Locais de Habitação de Interesse Social – PLHIS, permitindo um tom mais econômico como

o dado pelos PACs, mostra uma ruptura com as experiências da redemocratização e uma

tendência em dar cada vez poder ao mercado imobiliário e financeiro na “resolução” dos

problemas habitacionais. Tratando-se de uma sociedade capitalista em que impera a busca

pelo lucro, seja na ditadura ou na democracia, a questão urbana para além da moradia não se

resolve, reforçando assim a segregação e a espoliação da população pobre, e agravando os

problemas urbanos.

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APÊNDICES

APÊNDICE A: QUESTIONÁRIO

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109

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APÊNDICE 2: TABELA DE CÓDIGOS