universidade federal do paranÁ setor de ciÊncias … · derramado pelos nossos irmãos e irmãs...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES SCHLA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DECISO GUSTAVO LUIZ SANTOS DA SILVA ATUALIDADES DA GUERRILHA DE PORECATU: REFLEXOS SOBRE OS MOVIMENTOS CONTEMPORÂNEOS EM LUTA PELA TERRA. TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – SCHLA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS – DECISO

GUSTAVO LUIZ SANTOS DA SILVA

ATUALIDADES DA GUERRILHA DE PORECATU: REFLEXOS SOBRE OS MOVIMENTOS CONTEMPORÂNEOS EM LUTA PELA TERRA.

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

CURITIBA

2013

GUSTAVO LUIZ SANTOS DA SILVA

ATUALIDADES DA GUERRILHA DE PORECATU: REFLEXOS SOBRE OS MOVIMENTOS CONTEMPORÂNEOS EM LUTA PELA TERRA.

Trabalho de conclusão de Curso de Graduação, apresentado à disciplina de Monografia II, do Curso de Ciências Sociais, Departamento de Ciências Sociais, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Professor Orientador: Dr. Osvaldo Heller da Silva.

CURITIBA 2013

AGRADECIMENTOS

Expresso, nesta oportunidade, sinceros agradecimentos à Universidade

Federal do Paraná, enquanto Universidade pública, gratuita e de qualidade que me

proporcionou um convívio de aprendizado, por vários anos, com amigos, estudantes

e professores de três cursos diferentes.

Iniciei dois destes cursos ingressando via vestibular, e outro foi a partir da

reopção de curso. As dificuldades em continuar nos cursos que abandonei, e mesmo

em me graduar em Ciências Sociais, foram devido a uma rotina profissional quase

inconciliável com os horários das aulas. Embora o curso de Ciências Sociais não

disponha da opção de cursá-lo integralmente no turno da noite, levantamos essa

reivindicação e esperamos que possa vir a contemplar, algum dia, os graduandos.

Esse convívio na UFPR, incluindo-se as greves históricas, o estudo e a verificação

das teorias apreendidas com a prática social, foi determinante para a construção de

minha leitura da realidade.

Para eu poder ter empreendido a confecção desta Monografia, agradeço a

Carlos, Dora e Paulo – família e colegas de trabalho ao mesmo tempo. Não fosse o

aprendizado mútuo e a disponibilidade de todos, não teria condições em concluí-la.

Sou muito grato à Katherine, minha companheira, pelo incentivo, e apoio

incondicional.

Agradeço à Darci Frigo, lutador incansável pelos direitos dos camponeses

pobres, que dispôs de seu tempo para a primeira entrevista e me atendeu

solidariamente. Seu exemplo histórico de luta e não conciliação, à frente da Terra de

Direitos, e o conteúdo de sua entrevista propiciaram a continuidade da pesquisa.

Roberto Baggio, dirigente estadual do MST, que também conheci por

intermédio desse Trabalho, atendeu-me para uma entrevista detalhada, rica, apesar

de sua agenda bastante ocupada. Agradeço a este líder que tem dedicado a vida

pela causa dos camponeses pobres em luta pela terra. Forneceu-me diversos

documentos do MST que foram amplamente pesquisados e utilizados. Agradeço

também às militantes e aos militantes que me atenderam na sede do MST em

Curitiba, me forneceram informações e me receberam “de portas abertas”.

Agradeço à FETAEP, precisamente aos organizadores da visita técnica ao

Assentamento Contestado, na cidade da Lapa, pela disponibilidade que me foi

cedida ao acompanhar um grupo de dirigentes de sindicatos rurais do interior do

Paraná. A vivência e o aprendizado percebidos junto a camponeses assentados e

estes colegas, as conversas com o dirigente do MST e guia do grupo, Paulo e

conhecer a avançada experiência da Escola Latino Americana de Agroecologia

(ELAA), foram experiências que agregaram muito ao Trabalho e pessoalmente.

Minha gratidão ao orientador professor Osvaldo Heller da Silva, por sua

disponibilidade e paciência na orientação da Monografia. O aspecto compreensivo

da orientação foi, inegavelmente, o que proporcionou finalizar esta Monografia.

Compreende-se que o sectarismo e a incompreensão são incompatíveis com o

aprendizado e com a prática científica.

Desta terra depredada e de seus filhos resistentes,

vemos renovar-se a cada dia, reações e sinais de

esperança. Para quem quer ver, são os sinais do

Reino, da Terra sem Males, do Sumak Kawsay (o

Bem Viver Quechua) que fermentam e aquecem

nossas lutas, nossas comunidades, nossas vidas.

Esta é a hora, agora mais do que nunca, de tecer,

com os fios da história, uma só rede de

solidariedade, resistência, teimosia e reação. Com a

força dos pequenos, do campo e das cidades, nas

ruas e nas praças, de noite e de dia. O sangue

derramado pelos nossos irmãos e irmãs de luta, não

foi e nem será em vão.

(Trecho da “Carta de esperança e compromisso das

pastorais do campo”).

RESUMO

Este trabalho resulta de um esforço teórico para analisar a relação entre as lutas sociais que marcaram a questão agrária na metade do Século XX no Brasil, tendo como referência a Guerrilha de Porecatu, realizada na Região Norte do Estado do Paraná, com as lutas dos camponeses pobres, sem terra ou com pouca terra, organizados pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Toma como fontes, além da literatura especializada sobre o assunto, com enfoque sociológico, documentos produzidos pelo referido Movimento, além de discursos de algumas de suas lideranças entrevistadas no desenvolvimento deste trabalho. Contempla, portanto, pesquisa literária, análise documental e investigação a partir de análise de discurso. O estudo foi desenvolvido a partir das seguintes questões problemas: Quais foram as principais características da luta dos camponeses pobres que se organizaram na luta pela terra, de resistência social, na Região Norte do Estado do Paraná, nos anos de 1947-51, conhecida como Guerrilha de Porecatu? O que caracteriza a constituição do MST na década de 1980 e suas lutas atuais sob a bandeira da reforma agrária? Qual a relação entre o conteúdo das lutas dos camponeses na década de 1940 na Guerrilha de Porecatu com as lutas atuais na disputa pela terra, com ênfase na linha desenvolvida pelo MST? Os estudos sociológicos sobre a questão agrária têm avançado na caracterização da diversidade do campo brasileiro. Isso coloca para a questão agrária, além da análise dos aspectos econômicos, os culturais envolvendo as classes, os grupos e os sujeitos do campo, dos quais têm nascidos vários tipos de organizações sociais e movimentos. Uma das marcas desses movimentos são as demandas por políticas públicas, pautadas não “de cima para baixo”, mas pela agenda das próprias organizações populares na afirmação de suas identidades. O trabalho aponta que há continuidades e rupturas de uma situação ainda não resolvida no Brasil: a forma como o capitalismo submete o campo e procura mantê-lo atrasado como um subsistema de exploração, por um lado, e as organizações dos camponeses afirmando suas lutas e identidades, por outro. Palavras-chave: Questão Agrária. Posseiros. Movimentos Sociais.

SUMÁRIO

1 – INTRODUÇÃO..................................................................................................... 6

2 – A GUERRILHA DE PORECATU E CORRELAÇÕES HISTÓRICAS................. 13

3 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA REVOLTA DOS POSSEIROS EM PORECATU E O

DESENCADEAMENTO NA GUERRILHA................................................................ 24

4 – O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) E A

REPRESENTATIVIDADE DO CAMPESINATO POBRE......................................... 43

5 – RELAÇÕES ENTRE O SIGNIFICADO HISTÓRICO DA GUERRILHA DE

PORECATU E AS LUTAS EM TORNO DA QUESTÃO AGRÁRIA NOS DIAS

ATUAIS..................................................................................................................... 57

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 82

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 87

APÊNDICE – Roteiro pré-estruturado utilizado nas entrevistas com dirigentes

dos Movimentos Sociais MST e Terra de Direitos............................................... 92

1 – INTRODUÇÃO

Este Trabalho, tendo como objeto de investigação as lutas empreendidas

pelos camponeses pobres, sem terra, com pouca terra e posseiros, em defesa do

acesso à terra e do direito de poder nela trabalhar para manterem suas vidas, se

inscreve no campo de estudos da Sociologia Rural mediada pela relação entre

Estado e Movimentos Sociais.

A pesquisa sociológica que o caracteriza articula-se com a natureza histórica

do objeto recortado para a investigação, sendo este situado entre as determinações

sociais de onde teria originado o movimento político armado dos camponeses na

Região Norte do Estado do Paraná, na luta pelos seus direitos à terra e às

condições de vida, movimento este caracterizado como Guerrilha de Porecatu entre

os anos de 1947 e 1951, dirigido pelo Partido Comunista do Brasil (PCB).

A análise pretendida pela Monografia sustenta-se na investigação dos

motivos políticos, sociais, culturais e econômicos que desencadearam na Guerrilha

de Porecatu, os quais podem ter modificado qualitativamente uma luta de posseiros

que buscavam permanecer em suas terras. Esse recorte da pesquisa servirá de

base para relacionar o episódio da Guerrilha, e possíveis consequências, com a luta

pela terra dos camponeses organizados e representados pelo Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), contemporaneamente.

Propõe-se ir além da constatação de que a luta pela terra é o objetivo em

comum entre Porecatu e a luta dos camponeses no Paraná atualmente. A gênese

do MST e a geração do conflito no Norte do Paraná possuem a mesma origem que é

a conquista da terra. Entretanto, para o campesinato, de Porecatu nos idos de 1950

e/ou para os camponeses do início do século XXI, obter seu lote de terra é o

suficiente para obter a sua emancipação, objetiva e subjetivamente? O que

provocou a mudança naqueles posseiros que passaram a defender-se como um

grupo de guerrilheiros? Os camponeses sem terra ou com pouca terra possuem

alternativas à desterritorialização e ao abandono de suas vidas camponesas, senão

organizarem-se e resistirem coletivamente, através de movimentos sociais como o

MST? São algumas perguntas, que poderão ser respondidas através da análise e

busca das relações entre o significado histórico da Guerrilha de Porecatu e a prática

de movimentos sociais organizados que dirigem e representam os camponeses sem

terra ou com pouca terra.

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A escolha do tema para a pesquisa deve-se, por um lado, ao pouco

conhecimento do conflito por parte da sociedade paranaense e brasileira e pouca

difusão nos meios acadêmicos em relação a outros conflitos pela terra no território

brasileiro. Por outro lado, à instigante possibilidade da investigação acadêmica no

sentido de buscar saber se existem relações sociais, culturais e políticas entre

aquela revolta de posseiros de meados do século XX com movimentos sociais,

representantes de camponeses, atuantes no século XXI.

Em que pese a pouca divulgação dos conhecimentos produzidos sobre os

conflitos agrários paranaenses, importantes trabalhos produzidos a partir de

pesquisas acadêmicas e/ou de caráter independente, produzidas sobre o tema,

teriam mobilizado o autor na caminhada deste estudo. Dentre estes trabalhos,

destacamos FERREIRA (1984); SILVA (2006); OIKAWA (2011) e PRIORI (2011).

Além da justificativa em face do interesse por conhecer e poder dissertar

sobre o tema, o autor admite o seu não distanciamento com relação ao tema, sendo

o mesmo influenciado pelo contexto social do seu tempo. O tempo de grandes lutas

em nosso país, particularmente das lutas protagonizadas pelos camponeses pobres

atingidos de modo cruel pela expansão do capitalismo no campo. Esse fenômeno

gerou a expulsão de milhares de camponeses que viviam sobre a condição de

posseiros em terras que foram apropriadas por latifundiários, monopólios industriais

e bancos, ou pelo Estado para a construção de barragens. Essa é a condição

objetiva que teria impulsionado a criação do MST no Estado do Paraná, em 1984.

Ao contrário de haver alguma redução, essas lutas só têm aumentado nos dias

atuais. A expansão do agronegócio, traduzindo a racionalidade da produção

capitalista no campo, tem jogado milhares de famílias de camponeses pobres,

principalmente dos povos indígenas expulsos de suas terras, para uma situação de

exclusão social de tal modo que só lhes resta lutar.

Dentre as determinações sociais que deram origem à heróica luta dos

camponeses trazendo indícios de uma luta contra a expansão do tipo de capitalismo

que se implantava na região, visando o monocultivo da cultura do café para a

exportação, a concentração de terras em mãos dos “senhores das terras” é a

principal. Constitui-se, dessa maneira, o segmento dos latifundiários em confronto

com os interesses e os objetivos de vida dos camponeses e o estudo busca se

acercar da análise dos conflitos entre os dois interesses que correspondem, por seu

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turno, aos interesses antagônicos como interesses de classes, portanto, como luta

de classes.

A respeito da base teórica utilizada para a análise, escolheu-se o

materialismo-histórico e dialético em virtude de melhor auxiliar na interpretação das

relações entre uma realidade situada em contexto histórico diferente e que, acredita-

se, tenha correspondência com a realidade dos movimentos sociais

contemporâneos. Parte-se da análise de materialidades, de conflitos cujos objetivos

são materiais – a terra e o modo de vida camponês – e que estão relacionados à

identidade e memória de classe. A luta de classes, portanto, é o denominador

comum e o elo que liga os fatos historicamente.

Entende-se a classe camponesa constituindo-se no cenário da luta de

classes, e sua identidade de classe configura-se no ambiente social do campesinato

inserido na contínua luta pela terra, ligando os aspectos próprios de sua cultura ao

acúmulo histórico das lutas dos povos do campo. A memória de classe do

campesinato constitui-se dialeticamente e agrega a luta dos camponeses pela terra

do passado com a prática contemporânea de camponeses pobres. A consciência

social dos camponeses dá um salto qualitativo e torna-se consciência de classe ao

assumirem-se numa luta por objetivos comuns, organizando-se, e não por objetivos

particulares, de indivíduos isolados.

A Monografia busca analisar a existência de relações entre o conteúdo

político e a concepção teórica que teriam influenciado a organização dos

camponeses em luta na Guerrilha de Porecatu com os conteúdos, formas de lutas e

concepções presentes nos movimentos sociais contemporâneos. Estes, que

organizam e dirigem camponeses em luta pela terra na atualidade, tendo como

referência depoimentos de lideranças de entidades sociais como o MST e a

Organização de Direitos Humanos “Terra de Direitos”.

Aspectos da trajetória do Partido Comunista do Brasil (PCB), como dirigente

dos posseiros em luta pela terra na época (1947-1951), serão citados. Enfatizar-se-á

questões políticas relacionadas diretamente ao conflito e a dirigentes do PCB e,

embora careçam de maior pesquisa, já foram levantadas por historiadores e por

militantes que participaram do conflito. Procede-se a algumas conjecturas nesse

sentido, que podem servir de base a pesquisas acadêmicas futuras.

Evidenciam-se as seguintes questões orientadoras do Trabalho: Dentro de

um resgate da memória da classe camponesa, enquanto coletivo organizado em luta

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pela terra, relacionando o passado e o presente das lutas, quais os principais

determinantes sociopolíticos e históricos que deram origem à Guerrilha de

Porecatu? Quais as características da luta pela terra na atualidade, de acordo com

dirigentes e documentos de movimentos sociais de camponeses? Que relações

podem ser estabelecidas entre a Guerrilha de Porecatu – aspectos causais,

transcorrer da luta e consequências – em termos sociais, políticos, econômicos e/ou

culturais, e a prática e o conteúdo das lutas do MST no século XXI, suas origens e

perspectivas? A hipótese aventada, partindo-se destas problematizações, é de que

as relações descritas podem ser verificadas, ou seja, o conteúdo sociopolítico e a

concepção teórica que influenciaram a Guerrilha de Porecatu, estão presentes e

influenciam os conteúdos e bases teóricas que orientam movimentos sociais

organizados, que dirigem e representam os camponeses pobres, notadamente o

MST.

Como instrumento metodológico-técnico, a entrevista semidirigida e um

conjunto de “perguntas guias” (QUIVY e CAMPENHOUDT, 1992, p. 194) foram

feitas, separadamente e em dias diferentes, ao dirigente Darci Frigo (2012), da

Organização Terra de Direitos e a Roberto Baggio (2013), dirigente estadual do MST

no Paraná. Algumas perguntas, de ambos, foram respondidas de forma conjunta, ou

seja, agregando respostas espontaneamente. Os dois dirigentes já conheciam e

citaram a pesquisa e os trabalhos de extensão do Prof. Dr. Osvaldo Heller e o livro

do jornalista Marcelo Eiji Oikawa. Destaca-se a maneira didática com que os

entrevistados responderam às perguntas, primeiramente localizando historicamente

as lutas pela terra das nações e povos brasileiros e depois situando relações com a

luta presente.

O método qualitativo foi o utilizado na análise das informações requeridas

nas entrevistas e nos documentos pesquisados. Procedeu-se dessa maneira, por se

acreditar que é o método mais apropriado para a interpretação, a partir da

abordagem dialética, das relações que estão sendo verificadas e demonstradas no

Trabalho. Parte-se desse entendimento e baseia-se na definição metodológica de

Minayo, (1993), na qual:

(...) do ponto de vista qualitativo, a abordagem dialética atua em nível dos significados e das estruturas, entendendo estas últimas como ações humanas objetivadas e, logo, portadoras de significado. Assim, considera os instrumentos, os dados e a análise numa relação interior com o

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pesquisador, e as contradições como a própria essência dos problemas reais. (Minayo, 1982). (MINAYO, 1993, p. 244-245).

Foi procedida a utilização de alguns dados da pesquisa do IBGE (2006)

referentes ao levantamento do Censo Agropecuário, com o intuito de enfatizar e

sustentar algumas análises comparativas dentro do método e natureza qualitativa.

Documentos de movimentos sociais foram consultados e analisados

juntamente com relatórios referentes aos dados oficiais da concentração da terra no

Brasil, fornecendo um arcabouço empírico considerável.

Precisamente sobre a Sociologia Rural, o livro “A Foice e a Cruz: comunistas

e católicos na história do sindicalismo rural do Paraná”, originado da tese de

doutorado, defendida em 1993, pelo professor Osvaldo Heller da Silva, foi o primeiro

contato com a história da Guerrilha de Porecatu, o qual foi o incentivo acadêmico

para a escolha do tema e a base para o levantamento bibliográfico. Dentro desse

ramo das Ciências Sociais, as pesquisas de José de Souza Martins sobre o

campesinato, suas relações sociais e políticas enquanto classe social, foram

orientadoras da linha teórica adotada, destacadamente “Os Camponeses e a Política

no Brasil” (1981) e “Reforma Agrária: o impossível diálogo” (2003).

Teses e dissertações de historiadores, essenciais, principalmente O Levante

dos Posseiros (PRIORI, 2011) e Agricultura Capitalista e Campesinato no Norte do

Paraná – Região de Porecatu – 1940-1952 (FERREIRA, 1984), destacam-se na

pesquisa. Somente a partir da década de 1980 essas pesquisas históricas foram

empreendidas sobre os acontecimentos sociais, políticos, militares e econômicos da

região de Porecatu nas décadas de 1940-1952. Tiveram como fontes, além de

relatos de camponeses e militantes que participaram da Guerrilha, arquivos

disponibilizados da Delegacia da Ordem Política e Social (DOPS) e artigos

relacionados ao conflito especificamente, publicados na imprensa da cidade de

Londrina, no norte do Estado do Paraná, referentes e da época do conflito.

A pesquisa efetuada pelo jornalista Marcelo Eiji Oikawa relatada no livro

Porecatu: A Guerrilha que os comunistas esqueceram, o qual foi publicado em 2011,

mas consumiu décadas de pesquisa, possibilitou conhecer a fundo aquela luta dos

camponeses. Devido à riqueza nos detalhes e à ampla gama de material empírico,

teórico, fontes pessoais e documentais, o livro é, na atualidade, a investigação mais

profunda sobre a revolta daqueles posseiros contra a expulsão de seus lotes. Por

11

conta do rigor científico utilizado na pesquisa de Oikawa, as referências baseadas

nesse trabalho, que pode ser considerado clássico, são amplamente utilizadas.

A fundamentação teórica deste trabalho foi definida pela escolha do

materialismo histórico e dialético sob a tentativa de explicitar a realidade social do

objeto, definido no seu movimento histórico, inserido no âmbito de uma totalidade

social e marcado por contradições. Calcado nesse referencial de base dialética, a

análise que se propôs a desenvolver neste trabalho sobre a temática da questão

agrária, tendo como objeto de estudo a relação entre a natureza social da Guerrilha

de Porecatu e os movimentos sociais na luta pela terra na atualidade, tem por base

a compreensão de que a luta pela terra no movimento histórico estudado se

caracteriza como luta de classes, como definida por Marx e Engels no Manifesto

Comunista, de 1848:

A história de todas as sociedades que já existiram é a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, chefe de corporação e assalariado; resumindo, opressores e oprimidos estiveram em constante oposição um ao outro, mantiveram sem interrupção uma luta por vezes disfarçada, por vezes aberta – uma luta que todas as vezes terminou com uma transformação revolucionária ou com a ruína das classes em disputa. (MARX e ENGELS, 2002, p. 9).

O desenvolvimento da luta pelos camponeses sem terra ou com pouca terra

que define um pólo da luta de classes em torno da questão agrária no Brasil, tanto

em Porecatu como nos dias atuais, expressa um grau de consciência das massas

em luta que não pode ser compreendido fora das suas condições materiais tal como

Marx concebe a relação entre consciência social e as bases materiais de produção:

Na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção forma a estrutura da sociedade, a base real sobre a qual se levante uma superestrutura jurídica e política, e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social, política e espiritual. (MARX, 1983, p. 135).

Mais adiante o mesmo autor afirma que “não é a consciência dos homens

que determina o seu ser, mas o contrário é o seu ser social que determina sua

consciência”. (MARX, 1983, p. 136).

12

A organização da classe dos camponeses pobres, tendo como agente

organizador os movimentos classistas, quer no caso de Porecatu sob a direção de

uma linha proletária concebida pelo PCB, quer nos dias atuais sob influência de

movimentos sociais cujos dirigentes não se definem numa linha proletária, mas

assumem uma condenação do sistema latifundiário e se põem em atividade para a

mobilização e a organização dos trabalhadores para lutar por terra, expressa esse

“ser social”, materializado pela exploração capitalista dos homens, da terra e das

riquezas naturais.

Esse “ser social” constitui o eixo da continuidade na luta pela terra como luta

de classe em nosso país. Continuidade, portanto, aludindo à memória dos

camponeses que buscaram conquistar a terra. Dessa forma, memória da classe que

foi historicamente produzida e que serve de referência aos camponeses em luta pela

terra.

Na segunda parte da Monografia, busca-se situar espacialmente e

temporalmente a Guerrilha, incluindo-a nas lutas históricas pela terra, relacionando-

as. Trata-se de uma narrativa que irá apresentar os determinantes históricos do

episódio, não como fato isolado, e sim entendido como continuidade das lutas

envolvendo aspectos da questão agrária paranaense e brasileira.

O fato de a luta pela terra em Porecatu ainda ser pouco conhecida e

difundida nos meios acadêmicos, mesmo paranaenses, foi determinante para a

escolha do formato da seção três deste Trabalho, e seu caráter mais sócio-histórico

explica-se por conta dessa peculiaridade.

Enfatizam-se pontos na parte quatro desta pesquisa, vistos como principais

para os objetivos desta Monografia, da origem, formas de luta e perspectivas do

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), de acordo com documentos

e dirigentes. Este, como um movimento social organizado que representa e dirige a

luta dos camponeses sem terra ou com pouca terra, e que possui relações com

organizações que lutam pelos direitos dos camponeses, entre outras, como a Terra

de Direitos e a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

A análise das relações, e suas correspondências, entre o significado social

e/ou histórico do conflito conhecido como Guerrilha de Porecatu e a luta em torno da

questão agrária na atualidade, representada pelos movimentos organizados,

principalmente o MST, compreenderá o conteúdo central da quinta parte da

Monografia.

13

2 – A GUERRILHA DE PORECATU E SUA RELAÇÃO COM AS LUTAS

HISTÓRICAS PELA TERRA

A luta pela terra que se desenvolveu no Norte do Estado do Paraná na

década de 1940 e de 1950 (1947-1951), conhecida pela historiografia como

Guerrilha de Porecatu, é, ao mesmo tempo, continuidade e ruptura de um processo

histórico que remete ao momento de colonização que teria dado origem à questão

agrária brasileira.

Neste Capítulo procura-se desenvolver uma breve síntese histórica da luta

pela terra no Brasil, sob uma abordagem sociológica, para a compreensão das

relações que permearam os aspectos políticos, culturais e econômicos dos

segmentos sociais em luta. Essa compreensão é necessária por explicitar o contexto

que geraria os vários movimentos sociais no campo, como um rico cenário do

desenvolvimento da sociologia rural1, dentre os quais se localizam as relações

sociais caracterizadas pelo movimento Guerrilha de Porecatu.

A terra não foi “descoberta”. Antes de tornar-se posse e propriedade houve

conflitos envolvendo povos, culturas, relações econômicas e políticas, como afirma

Guimarães (1989, p. 11):

Aos princípios e métodos da conquista, sucediam os princípios e métodos da colonização. A missão confiada aos colonizadores era de submeter o íncola, apropriar-se de suas terras e bens, impor-lhe suas concepções e transformá-lo num agente dócil de seus objetivos e domínio.

O processo de colonização, marcado pela concentração de terra e o

exercício de dominação de uma base civilizatória sobre outras, seria um

condicionante da formação da questão agrária brasileira. É isso o que concebe-se

como continuidade articulada com as rupturas dos processos sociais. Como o

referido pelo mesmo autor na caracterização dos Quatro Séculos de Latifúndio.

A concentração de terras no Brasil tem a sua gênese nas Capitanias

Hereditárias e depois nas Sesmarias definidas desde o período colonial da história

de nosso país, chegando aos dias atuais com enormes concentrações sob a forma

de latifúndios.

1 Sobre a sociologia rural, especificamente o caso paranaense, destaca-se a tese de Silva (2006), na

qual é possível verificar relações de continuidades e rupturas entre os movimentos sociais em luta pela terra e sindicatos rurais.

14

Dados do IBGE (2006) sobre a concentração de terra no país revelam que

os estabelecimentos com mais de mil hectares, correspondendo a apenas 0,9% dos

proprietários (menos de 50 mil), detém mais de 44% das áreas agricultáveis (cerca

de 146 milhões de hectares).

A situação da concentração de terra na região do norte do Paraná, incluindo

a cidade de Porecatu e arredores, no que tange à propriedade privada de imensas

glebas não difere, no essencial, da história sobre as grandes propriedades fundiárias

do território nacional.

Como se referiu anteriormente, esse quadro remete ao período colonial,

época da conquista do território habitado pelos nativos que aqui viviam e o

consequente genocídio perpetrado pelos conquistadores europeus, constituindo uma

nova base da propriedade da terra, de latifúndios, mantidos através da usurpação e

da repressão contra os povos e os camponeses que habitavam a terra e produziam

suas vidas a partir dela.

A história das lutas gerais do campo, que não é objeto principal de análise

nesta Monografia, registra massacres e resistências em várias regiões do país, a

exemplo, da Confederação dos Tamoios que contou com heróica resistência dos

povos indígenas na região das capitanias de São Vicente e Rio de Janeiro, entre os

anos de 1554 e 1567, contra os conquistadores e colonizadores2. O fato de muitas

nações indígenas preservarem uma cultura guerreira, de resistência, nos dias atuais,

e baseando-se também em estudos etnográficos, indica que os povos indígenas

imprimiram grande oposição aos conquistadores.

Apesar de terem se passado cinco séculos, grupos indígenas seguem

defendendo-se como podem para manterem-se em terras ancestrais. No início do

século XXI há uma continuidade da prática de execuções de indígenas para

beneficiar grandes agricultores e pecuaristas no controle da terra. (CPT, 2013).

Dessa forma, há nacionalidades e povos indígenas desaparecendo, tendo seus

direitos constitucionais violentados pela perda de seus territórios, cultura e

autonomia nas formas de organização. Considerar-se-á neste trabalho a noção de

nacionalidade dos povos indígenas que pertencem à nação brasileira e, como tais

têm o direito às suas terras, de manterem a sua cultura, língua e autonomia nos

marcos da unidade do país. Citam-se como exemplos de nacionalidades:

2 Sobre o tema ver: História das Lutas do Povo Brasileiro: Da invasão da Coroa Portuguesa ao

processo de “independência”. (Escola Popular, 2007).

15

Munduruku, na Região Amazônica; Tupinambá, na Região Sul do Estado da Bahia;

Guaranis Kaiowá, no Estado do Mato Grosso do Sul, dentre outras centenas de

povos indígenas.

Na atualidade presencia-se a continuidade das lutas de resistências de

muitos povos indígenas no enfretamento a grandes invasores de suas terras,

armados com pistoleiros, além de projetos e construções de hidrelétricas que

seguem desterritorializando não só os povos indígenas, mas posseiros, ribeirinhos,

pescadores, e outros povos da terra, que se organizam e resistem contra os

dominadores3. De acordo com o conteúdo central que é a conquista da terra e poder

permanecer nela, busca-se relacionar as lutas empreendidas pelas comunidades e

povos indígenas historicamente e atualmente com a revolta dos camponeses pobres

na Guerrilha de Porecatu nos anos de 1940.

De fundamental importância para a compreensão da questão agrária

brasileira e das lutas de resistência dos camponeses, são as lutas históricas dos

negros contra a escravidão. Expressa a luta dos negros brasileiros, por séculos,

contra a opressão, repressão e dominação do sistema escravagista. O exemplo

mais notável da história brasileira a esse respeito é a gloriosa República livre de

Palmares, que marcou a resistência reunindo dezenas de milhares de habitantes e

subsistindo por praticamente um século. No ano de 16954, a resistência do Quilombo

de Palmares chegou ao fim com a investida de uma expedição de milhares de

bandeirantes. Estes tinham a meta de liquidar Palmares e executaram seu principal

líder: Zumbi. Considerada atualmente um exemplo de luta pelos povos

remanescentes de quilombos, que seguem buscando permanecer em terras

ancestrais, lutando pelas terras em que mantém suas vidas e tradições. É da mesma

forma, referência de luta para movimentos sociais organizados que lutam em defesa

dos direitos e identidade negra, para os povos quilombolas e exemplo de resistência

contra a opressão aos negros.

A luta contra a escravidão e, por fim, a derrocada do sistema escravagista

no Brasil, carrega em si correspondência direta com o estabelecimento da Lei de

Terras criada pelo Estado monárquico escravista brasileiro em 1850. Estabelecia tal

Lei, a propriedade da terra só poderia ocorrer com a compra da mesma, tornando

desse modo foras da lei a condição dos posseiros que não teriam comprado a terra.

3 Sobre dados nacionais e análises a respeito consultar CPT (2013).

4 A respeito ler Escola Popular (2007).

16

A análise sobre essa Lei por aqueles que seguem na luta pela terra nos dias

atuais pode ser percebida pelo depoimento de Roberto Baggio5, dirigente estadual

do MST do Paraná, obtido em entrevista a qual compõe parte da pesquisa de campo

no desenvolvimento deste trabalho:

Em 1850 se cria a primeira lei de terras e só 38 anos depois se dá a absolvição da escravatura. A Lei da Terra é central para criar uma base jurídica e previa que só poderia ter acesso à terra mediante a compra, para ser proprietário tem que comprar. Época de sociedade escravocrata em que a grande massa de trabalhadores estava fora (...); a lei impediu qualquer possibilidade que essa massa de trabalhadores tivesse acesso (...). Terceiro componente, o recurso da mão de obra escrava era também um capital investido e de uma hora para outra esse capital poderia ser perdido (...). A Lei de Terras preparou a absolvição para lá na frente os escravos não receberem nada, ganharam a liberdade e ficaram na extrema pobreza sem alternativa de trabalho; mas também houve nesse período experiências de revoltas populares como os quilombos e, teve muita resistência, teve muita violência, muito combate, muito levante e muita revolta popular, não foi algo normal, natural (...). (BAGGIO, 2013).

Seguindo a mesma linha interpretativa sobre o processo histórico que teria

dado origem à concentração de terras no Brasil, Darci Frigo, dirigente da Terra de

Direitos6, também entrevistado neste estudo, relata que existiu uma relação

inequívoca entre o poder político e a concentração de terras. Essa relação persiste

mesmo havendo muitos exemplos de resistência a tal lógica:

Como o Brasil não teve uma política mais clara do ponto de vista de distribuição da terra, porque quem domina a política vão ser exatamente os latifundiários desde o processo de Capitanias Hereditárias, (...), que vai dar aos Capitães o direito às Províncias, (...), estes ligados à coroa portuguesa, a terra começa sendo distribuída de forma concentrada. Essa concentração vem associada também, desde o início, à concentração do poder nas mãos dos proprietários de terra. (...) mesmo no período que vai ter processo de independência do país, vai se discutir Lei de Terras e quem ia discutir eram os donos de cafezais e engenhos e não queriam saber de perder escravos ou distribuição de terra, reforma agrária. É a tônica geral na história da luta pela terra no nosso país, história de como a terra ficou concentrada na mão das pessoas. Vão acontecer lutas para enfrentar esse problema, vai haver cada vez mais indígenas expulsos e camponeses vão ser massacrados. Portugueses vão dizimar quem enfrenta o poder político daquela época. [Exemplos são] Canudos e Contestado onde vai haver um massacre completo dos revoltosos (...). (FRIGO, 2012).

5 Roberto Baggio é o principal dirigente do MST no Estado do Paraná, atuante no Movimento desde

sua fundação. É um dos principais membros da Coordenação Nacional do MST e da Via Campesina. 6 Terra de Direitos é uma Organização de Direitos Humanos, com atuação regional e nacional, que

tem como objetivo defender juridicamente e lutar pelos direitos dos camponeses pobres. Darci Frigo, advogado, é o principal dirigente e tem lutado ao longo das décadas pelos direitos dos camponeses pobres.

17

Assim como os povos indígenas, as comunidades remanescentes de

quilombos – comunidades quilombolas – continuam nos dias atuais ocupando as

terras de seus ancestrais e resistindo às investidas de especuladores, madeireiros e

grileiros interessados nas mesmas. Uma resistência que engloba o caráter

econômico – terra para nela viver e poder tirar dela o seu sustento – e os caracteres

culturais e sociais. A manutenção de um modo de vida tradicional, em que estejam

presentes a manutenção da cultura ancestral e os laços sociais presentes na

comunidade tradicional está em oposição às investidas de grupos que visam o

aproveitamento da terra e do local como investimento econômico.

Ainda dentro do resgate sócio-histórico para situar as lutas dos camponeses

na Região Norte do Estado do Paraná na década de 1940 inserida no tema das

“lutas históricas de camponeses pela terra”, destaca-se a guerra de resistência de

Canudos onde milhares de famílias de camponeses pobres foram massacradas,

mas “não se renderam”, pelo Estado brasileiro de 1896 a 1897. Naquela

comunidade pobre em terras semiáridas do sertão do Estado da Bahia, aqueles

camponeses, antes de serem completamente dizimados pelas forças militares do

Estado, promoveram uma forma de organização onde produziam as condições de

vida contra o estado de miséria e fome que reinava na região.

Em poucos anos a Região de Canudos recebeu milhares de famílias que

buscaram o lugar em virtude da fama de logo prosperar nos anseios dos

camponeses. Um lugar onde se poderia trabalhar, ter comida e viver fora da miséria

imposta pelo sistema latifundiário que assola grande parte dos Estados nordestinos.

Esses camponeses seguiam a liderança religiosa de Antônio Conselheiro, mas, além

disso, desenvolveram intercâmbio com os comerciantes das cidades naquele sertão

da Bahia. De fato, viviam em condições bem melhores em relação às que deixaram

antes de se integrarem à comunidade de Canudos. Essa autonomia em relação aos

poderes políticos regionais e até nacionais transforma o lugar, aos olhos dos

governantes, numa ameaça à “ordem” caso venha a se tornar modelo ao resto do

país. O governo formado pelo novo regime republicano que acabava de suceder o

regime monárquico destaca expedições militares para acabar com aquela

comunidade, resumindo a cinzas o que era a vida dos camponeses pobres de

Canudos.

Com táticas de defesa e ataque, consideradas avançadas para a época, e

buscando salvar o local e as próprias vidas, os resistentes e corajosos camponeses

18

conseguiram vencer várias expedições militares a ponto de o governo republicano

enviar um contingente enorme e muito equipado para dizimar aqueles sertanejos

que tinham tomado uma região sem dono e a transformado numa área onde

produziam suas condições de vida no interior do sertão semiárido nordestino7.

Canudos deixou de ser vida produtiva dos camponeses. Deixou de ser luta.

Passou para a história das lutas dos camponeses pobres pela terra e por paz que,

cerca de meio século depois, vai se reacender na Guerrilha de Porecatu. Não como

uma repetição histórica, mas como continuidade de um processo de massacres e

resistências na luta pela terra.

A Guerra do Contestado8, desencadeada na divisa entre o Estado do Paraná

e de Santa Catarina ocorrida entre 1912 e 1916, foi motivada por causas que vão da

disputa por limites fronteiriços entre os Estados, de brigas entre “coronéis” da região,

desemprego de operários que trabalharam na construção da estrada de ferro e

principalmente devido à expulsão de posseiros de suas terras pela mesma

Companhia que construiu a linha férrea. O fato de os “sertanejos do Contestado”

terem se considerado monarquistas foi, na análise de Martins (1981), apenas porque

“a monarquia era simplesmente o contrário da república, com suas injustiças e

violências contra os pobres do campo”. (MARTINS, 1981, p. 57).

Fora numa festa tradicional da região de Curitibanos – Santa Catarina – que

aqueles camponeses sem terra iriam discutir o problema com o apoio de um

curandeiro de ervas, considerado “monge”, José Maria. Este, juntamente com seus

seguidores, buscou entendimentos com um dos coronéis da região o que motiva a

“perseguição” dos opositores. O grupo de camponeses sob a direção de José Maria

atravessara a fronteira e acomodou-se no lado paranaense, num acampamento de

posseiros amigos – local chamado Irani. Este acampamento seria atacado em

seguida, pois havia uma situação tensa relacionada à fronteira entre os dois

Estados. José Maria não queria lutar e tinha pedido um tempo para retirar-se do

lugar dizendo que era de paz. No ataque, este monge é morto e, apesar da

quantidade de armas de fogo do pelotão comandado pelo Coronel João Gualberto,

este é “morto e retalhado a faca na ocasião”. (MARTINS, 1981, p. 56). Esse fato

fortaleceu a luta pela terra dos camponeses da região, aparecendo outros líderes, de

7 Para mais detalhes sobre a épica luta camponesa de Canudos sugere-se a leitura do clássico Os

Sertões, no qual está registrada a memória do conflito graças ao trabalho in loco de Euclides da Cunha. Ver, Cunha (1988). 8 Para um histórico mais completo da Guerra do Contestado ver Serpa (1999).

19

características também messiânicas. Foram mobilizadas as polícias estaduais, o

Exército e jagunços contratados que sofrem diversas derrotas. A guerra durou

quatro anos e envolveu aproximadamente 20 mil camponeses juntamente com

apoiadores, inclusive fazendeiros que deixavam os bens para trás. Foi prolongada,

entre outros fatores, devido à organização dos camponeses que utilizavam táticas

avançadas de combate nas matas e devido, provavelmente, ao caráter religioso, o

qual, de acordo com Martins (1981) “lutar e morrer passou a ser condição para

ressuscitar, para viver”. (MARTINS, 1981, p. 57).

O diferencial e peculiar entre o episódio conhecido como a Guerrilha de

Porecatu e outros levantes de camponeses, históricos, no que diz respeito à

resistência de suas posses, está no caráter organizativo e de direção de um partido

político, o Partido Comunista do Brasil especificamente, prescrito à época, PCB, e

seus propósitos ideológico-revolucionários. Estes propósitos conjuravam e

ampliavam os objetivos primordiais daqueles camponeses que pegaram em armas

para defenderem-se. Propunham a tomada do poder e a insurreição com vistas à

revolução a partir do campo, tática que teve como referência a teoria e vitória de

Mao Tsé Tung na China. (OIKAWA, 2011, p. 108).

Supõe-se que a Guerrilha de Porecatu, teve influência do Manifesto de

Agosto de 19509, um documento produzido pelo Comitê Central do PCB. Sobre essa

influência, Silva (2006, p. 69), destaca:

Seria um exagero dizer que os combates do norte do Paraná tenham provocado a aparição do Manifesto. Mas pode-se, no mínimo, falar de influência. A partir da publicação do documento, foi evidente que o Partido adotou em Porecatu uma linha de ação mais agressiva, mesmo extremista. Esse radicalismo dos comunistas fez-se sentir nas suas ações e igualmente na sua propaganda diária, nas quais justificavam a utilização da força. (...).

Entende-se que esse documento produzido pelo PCB indicava uma

tendência à esquerda na política do partido, e colocava em pauta temas como a luta

armada para alcançar o poder. Também, no Manifesto é possível constatar que seu

conteúdo tenha sofrido influência da vitória da Revolução Chinesa – Mao Tsé Tung e

o Partido Comunista da China (PCCh) são vitoriosos em 1949 depois de décadas de

guerra. (OIKAWA, 2011, p. 120). Dentre os objetivos do programa contidos no

Manifesto, sobre a classe camponesa, cita-se:

9 O Manifesto de Agosto de 1950 foi consultado e seu conteúdo integral está disponível no livro de

Oikawa (2011, p. 367-384).

20

Trabalhadores do campo! Assalariados, peões, meeiros, parceiros, colonos, arrendatários, trabalhadores do eito! Organizai-vos nas fazendas e nas aldeias. Lutai pelos vossos interesses econômicos, por maiores salários, pelo pagamento do salário em dinheiro e quinzenalmente, contra o vale e os preços extorsivos do armazém ou barracão. (...) Lutai contra a guerra imperialista, em defesa da paz e pela posse da terra; por um governo democrático popular que voz ajude a tomar a terra dos latifundiários e a distribuí-la sem indenização entre os trabalhadores do campo. (OIKAWA, 2011, p. 382).

A respeito das relações políticas com os países asiáticos, cujos governos

estavam sendo administrados por Partidos Comunistas, destacam-se no Manifesto

de 1950 algumas proposições que indicavam as tendências políticas defendidas

pelo PCB:

(...) Imediato estabelecimento de relações comerciais e diplomáticas com a União soviética, com a China Popular, com a Alemanha Democrática e todos os povos amantes da paz. (...) Lutemos pela paz contra qualquer participação na criminosa intervenção guerreira de Truman na Coréia e na China. (...) Nenhum soldado do Brasil para ajudar a agressão americana na Coréia. A luta dos povos asiáticos contra o imperialismo é parte integrante de nossa própria luta pela independência do Brasil do jugo imperialista. (...). (OIKAWA, 2011, p. 377 e p. 383).

Apesar de localizar-se num plano mais histórico ou sócio-histórico, o

levantamento histórico da ocupação da terra e os enfrentamentos decorrentes no

território brasileiro têm, nesse capítulo primeiro, caracteres essenciais para uma

melhor compreensão da manutenção da estrutura agrária brasileira ao longo dos

séculos. Procurar-se-á explicitar algumas relações, como a que foi citada acima,

porém o caráter mais sócio-histórico será realçado.

Portanto, um conteúdo considerado indispensável a fim de melhor localizar o

tema central da Monografia – o levante de posseiros em Porecatu e a Guerrilha

ocasionada por conta da tentativa de expulsão destes de terras devolutas, por forças

policiais estaduais e federais. A situação desencadeada em Porecatu deve-se, por

um lado, ao contexto sociopolítico da época, inserido num processo histórico, e à

análise e atuação de partidos políticos sobre. Cabe exemplificar isto a fim de

estabelecer as relações necessárias entre as causas e prováveis consequências de

uma revolta que teve repercussão na imprensa nacional entre 1947 e 1951.

(OIKAWA, 2011, p. 232-233).

21

Buscando-se analisar as causas da Guerrilha, este Trabalho de Conclusão

de Curso enfocará a questão do camponês sem terra e com pouca terra, entretanto,

como já foram esboçadas, as situações dos indígenas e povos tradicionais como os

quilombolas, ribeirinhos, caboclos, faxinalenses, caiçaras entre outros, confunde-se

por vezes com a situação do campesinato pobre, embora existam aspectos

particulares para cada grupo. O denominador comum entre esses diferentes grupos

de sujeitos do campo é a terra e o fato de serem camponeses pobres, sem terra ou

com pouca terra. A posse da terra e/ou a sua conquista é imprescritível e

determinante para a manutenção de seus modos de vida seculares e milenares.

O modelo político-econômico adotado referente à concentração fundiária,

indica que o recurso natural “terra” segue tendo sua importância econômica para

uma classe, atravessando séculos, obstruindo o acesso à terra às outras classes

que veem nela um meio inerente à suas sobrevivências e não de enriquecimento e

exploração. Existem objetivos socioeconômicos diametralmente opostos para com o

uso da terra entre os grandes proprietários rurais, exportadores de comoditties,

representantes do agronegócio e os pequenos (incluindo os camponeses sem-terra

e com pouca terra) e médios agricultores. Estes utilizam a terra para plantação de

gêneros alimentícios destinados ao consumo interno e para abastecer as cidades

próximas (por exemplo, a agricultura familiar10), e a diferença entre os objetivos de

classe sugere, e pode explicar, a diferença de tratamento para com essas diferentes

classes sociais no âmbito político.

Como reflexo das práticas históricas referentes à posse da terra e do

tratamento dado aos camponeses pobres, pode-se constatar e pôde-se verificar um

êxodo rural significativo a partir da década de 1960 e, recentemente, da década de

1980 em diante ocorre o aumento de trabalhadores rurais sem-terra acampados.

Ocorreu uma diminuição gradativa dos assentamentos rurais e a crescente

marginalização dos camponeses sem terra ou com pouca terra pelo fato de que

suas pequenas propriedades foram circundadas por grandes plantações de

monoculturas, havendo pressões por parte dos representantes do agronegócio, para

que aqueles camponeses vendessem ou se retirassem de suas áreas.

10

Sobre a agricultura familiar e sustentável, sobrelevam-se os estudos do Sociólogo e professor Dr. Alfio Brandemburg, juntamente com as pesquisas empreendidas pelo professor Dr. Osvaldo Heller da Silva. Entre os estudos, ver Brandemburg (1999).

22

A concentração da propriedade da terra é um problema histórico e seu

enfrentamento está umbilicalmente ligado ao modelo econômico adotado pelo país

ao longo dos séculos, que prioriza o aporte de capitais externos a partir da venda de

matérias-primas em detrimento do desenvolvimento social interno, principalmente

através da distribuição social de terras agricultáveis a milhões de camponeses sem-

terras. Há muitas relações econômicas envolvidas nessa questão e não é apenas

um problema de Estado, em virtude de os países estarem atrelados e alguns serem

dependentes e dominados cultural, política e economicamente por outros (PRADO

Jr., 1981). Relações estas, que são efeito do desenvolvimento do sistema capitalista

o qual Lênin teorizou como imperialismo e, segundo ele:

A propriedade privada baseada no trabalho do pequeno patrão, a livre concorrência, a democracia, todas essas palavras de ordem por meio das quais os capitalistas e a sua imprensa enganam os operários e os camponeses, pertencem a um passado distante. O capitalismo transformou-se num sistema universal de subjugação colonial e de estrangulamento financeiro da imensa maioria da população do planeta por um punhado de países avançados. (...). (LÊNIN, 2005, p. 11).

Faz-se necessário, para uma finalidade acadêmica mais ampla, diferente da

desse Trabalho, uma análise que possa congregar as relações diretas e os efeitos

do modo de produção capitalista sobre o meio rural e, mais especificamente, sobre a

classe camponesa e os movimentos sociais que a representam.

As relações e disputas estabelecidas no meio rural entre as classes, dessa

forma, são relações que não estão limitadas somente a problemas localizados. São

relações sociais e políticas que estão atreladas ao sistema econômico da qual faz

parte a sociedade. O desenvolvimento de relações capitalistas no campo ligado ao

mercado e às relações mercantis pôde fazer, no norte do Estado do Paraná, com

que áreas rurais sem proprietários e sem infraestrutura mínima passassem a ser

valorizadas e cobiçadas, depois de trabalho árduo dos camponeses pobres que as

ocuparam. Pode-se constatar essa afirmação com uma análise de Guimarães (1979,

p. 320), sobre a ocupação de terras públicas:

(...) a posse, ou ocupação livre de terras virgens por cultivadores migrantes, ocupa lugar histórico de importância na luta contra o sistema latifundiário e na formação da pequena propriedade no Brasil. A eficácia deste último é indiscutível no processo de desbravamento de frentes pioneiras, nas quais, muito frequentemente, os primeiros desbravadores não conseguem permanecer, expulsos pela violência dos grileiros, logo que as terras ocupadas começam a valorizar-se com o trabalho dos posseiros.

23

A Guerrilha de Porecatu foi uma amostra de resistência a esse

desenvolvimento do capitalismo no campo entre os anos de 1947 a 1951 e a análise

de seu desenvolvimento sócio-histórico pode vir a ser um elemento propositivo para

contribuição da sociologia rural contemporânea.

24

3 – CONTEXTUALIZAÇÃO DA REVOLTA DOS POSSEIROS EM PORECATU E O

DESENCADEAMENTO NA GUERRILHA

Em meados da década de 1930, parte do norte do Paraná, na divisa com o

Estado de São Paulo encontrava-se quase desabitado, devido a dificuldade de

acesso, da mata fechada, e da falta de implementação de projetos governamentais

visando a colonização e ocupação. Uma área de centenas de milhares de hectares,

na parte central da mesorregião Norte Central, bem às margens do rio

Paranapanema, havia sido concedida a uma empresa de colonização e a

proprietários privados, com o intuito de colonizar a região e este era o acordo com o

governo paranaense. Este acordo não foi levado à prática pela empresa e o governo

de Manoel Ribas cancela a concessão e as terras passam a ser devolutas.

(FERREIRA, 1984, p. 64). Este governante incentiva a ocupação daquelas

extensões de terra, de mata fechada, a quem quisesse as ocupar a fim de que estes

desmatassem e colonizassem a área, não a deixassem ociosa. Tal convite tem

outras condições que incluem viver por no mínimo seis anos no local e o valor de 18

mil-réis por hectare, não ultrapassando 200 hectares ocupados. Após esse período

seriam concedidos os títulos de posse definitivos. É governo de Getúlio Vargas,

Estado Novo, e há um estímulo à colonização do Oeste do país.

Essa medida do governo paranaense de Manoel Ribas, por um lado,

ocasionou a ida de centenas de famílias11 de camponeses paranaenses e paulistas,

com a mudança e seja de barco, seja a pé, à área prometida. Em poucos anos,

transformaram, com muito trabalho e sofrimento, uma área de mata fechada, de

acesso e sobrevivência difíceis em um local com plantações diversas –

principalmente a cultura do café que se adaptou bem devido às qualidades do solo –

comunidades formadas, estradas e rede de comércio. (OIKAWA, 2011, p. 61).

Os camponeses ocupantes, desde o início, buscaram os órgãos

competentes para a devida regularização de seus lotes, mas começaram a verificar

que teriam problemas, porque seus pedidos não eram respondidos. A formação da

primeira Liga Camponesa do Paraná, por volta de 1945, e uma das primeiras do

Brasil, se deu após iniciarem as disputas entre posseiros e fazendeiros e após as

11

A “família Bilar” foi uma das primeiras a instalar-se na região, transformando uma área de mata fechada numa localidade que prosperou devido ao trabalho dessa família camponesa. Para mais detalhes ver Ferreira (1984).

25

demandas dos posseiros não serem atendidas. De acordo com Priori (2011), esta

teve orientação do Partido Comunista do Brasil (PCB) e buscou fazer valer os

direitos das famílias de camponeses, utilizando advogados e meios jurídicos, a fim

de pressionar as autoridades sobre a regularização da terra e devida proteção

contra especuladores e grileiros de terras através de seus jagunços contratados.

A medida do Governo de Ribas de promover a ocupação daquelas terras,

por outro lado, atiçou a cobiça de antigos proprietários dessas terras e novos

especuladores com o aval do novo governador, Moisés Lupion12. Houve nesse

instante a negociação de lotes naquela área, mesmo sabendo que existiam lá

moradores e, de acordo com a dissertação de Ferreira:

Os interesses da grande propriedade territorial em Porecatu foram, portanto, beneficiados e sedimentados pelo regime cuja retórica propugnava exatamente o contrário. Quando, após a queda de Getúlio e a redemocratização do país, Moisés Lupion assume o governo do Estado, as pré-condições para eclosão da luta pela terra entre proprietários territoriais e posseiros já estavam realizadas. (FERREIRA, 1984, p. 70-71)

Os posseiros transformaram um pedaço de mata em plantações de café,

que adquiriu bom preço de mercado e prosperavam e isto também foi responsável

pela corrida especulativa à região. A conivência, no plano jurídico, no momento da

negociação das áreas, com as devidas vantagens para as partes envolvidas,

forneceu um ambiente propício para “passar por cima” dos, agora, posseiros que

haviam se estabelecido antes nos lotes. É de se levantar a hipótese de que os

interessados e compradores das terras dos posseiros não esperavam dificuldades

para desalojar as centenas de famílias estabelecidas na localidade, face o poder

político e econômico dos compradores, entre eles o próprio governador Lupion, um

dos maiores beneficiados, juízes e especuladores. (OIKAWA, 2011, p. 75)

Relações históricas relacionadas ao conteúdo da luta de Porecatu e a luta

dos movimentos sociais contemporâneos em defesa dos camponeses pobres, serão

analisadas no capítulo III deste Trabalho. Entretanto, adianta-se que a afirmação e

lema “A terra é para quem nela trabalha” – contida no “Manifesto de 1950”,

produzido e colocado em prática pelo PCB com os resistentes de Porecatu – tem

percorrido décadas e serve de combustível aos movimentos sociais em luta pela

12

Para mais detalhes e sobre as trajetórias políticas de governantes paranaenses, o estudo mais detalhado e que enfatiza a genealogia no interior da política paranaense é o livro do Cientista Político e professor Dr. Ricardo Costa Oliveira – Oliveira (2001).

26

terra, contemporâneos como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra

(MST) fundado na década de 1980.

A dificuldade encontrada pelos fazendeiros e seus jagunços, no início, para

desalojar aqueles posseiros, pode ser explicada também, de forma simples, pela

afirmação e consigna acima. Esses camponeses foram convidados a ocupar uma

terra, devoluta, por um governo estadual. Eles não eram invasores de uma terra

privada, embora o conceito “invasor de terra” precise ser melhor explicado à luz do

significado e uso da terra e recorrendo à história da ocupação da terra,

questionando-se a finalidade desta enquanto bem social ou enquanto bem de

acumulação econômica privada. Portanto, sobre o conceito invasor, caberia mais

aos “colonizadores” e aos herdeiros destes, como os grileiros. Entretanto, aos

camponeses moradores das terras do norte do Estado, primeiramente não havia o

entendimento político sobre a ocupação e sim uma resistência, ao desalojamento

em virtude de todo o trabalho empreendido e por ter havido um convite à ocupação

das terras devolutas. Convite este, condicionado ao desmate e moradia durante

certo tempo mínimo, juntamente com o pagamento da terra.

A resistência, no plano legal, dos camponeses inicia-se com as negativas

das autoridades estaduais e locais responsáveis pela documentação das terras e em

responder as demandas, sejam em grupo de camponeses ou pedidos individuais,

referentes aos recibos e pagamentos e aos títulos de posse prometidos. Nesse

momento entre 1945 e 1947, antes da posse do novo governador, Moisés Lupion,

havia uma esperança. Perdida em seguida porque este ignorou a determinação do

ex-governador Manoel Ribas (o qual também não conseguiu fazer valer e legalizar a

promessa), correndo boatos de que o próprio Moisés Lupion já havia “vendido terras

do Paraná até o quinto andar”, havendo falsificação de mapas e permutas por

apoios políticos. (OIKAWA, 2011, p. 73).

É criada uma comissão entre as famílias para contatar advogados e correr

atrás de seus direitos pela terra, com apoio subsequente de Ligas Camponesas

fundadas na região a partir de associações de lavradores13. Na época, chegam a

escrever e buscam marcar encontro com o presidente Getúlio Vargas, sem sucesso.

Em determinado momento, sabendo das injustiças sobre os direitos dos posseiros, o

13

As Associações de Lavradores de Porecatu, que reuniu 270 famílias, e a de Guaraci com 268 famílias fundadas em 1944, são “as mais antigas organizações de camponeses do país, precursoras das Ligas Camponesas de Francisco Julião de 1950”. (OIKAWA, 2011, p. 17).

27

vereador do PCB (na verdade foi eleito pelo PTN, pois o registro do PCB havia sido

cassado pelo governo de Getúlio, para utilizar-se do parlamento de Londrina a fim

de continuar a militância “legal” comunista), operário de profissão, Manoel Jacinto

Correia vai conhecer de perto a situação daqueles camponeses, indo à área.

Conversa com os estabelecidos, em seguida, levando ao conhecimento das

direções regionais e nacionais do PCB as injustiças perpetradas aos posseiros. Já é

uma época em que jagunços, contratados por fazendeiros interessados nas áreas,

fazem incursões, intimidando os camponeses e cometendo violências a fim de que

estes deixassem suas posses. Essa tática repressiva funcionou com algumas

famílias, porque o tipo de violência empregada pelos jagunços amedrontava e

assassinatos e torturas ocorreram. (OIKAWA, 2011, p. 77).

Por outro lado, essa violência ocasionou uma resistência de outra forma

porque os meios legais, jurídicos estavam se esgotando. Apesar da tentativa por

estes meios, os camponeses já estavam buscando defenderem suas terras e suas

famílias (não estava ocorrendo apenas uma expulsão de um local e sim toda gama

de violências físicas por jagunços), das incursões violentas. De maneira individual,

nas posses, cada qual com suas armas de caça e ferramentas, empreendiam

resistência aos ataques.

Os dirigentes comunistas locais, da região de Londrina (a maior cidade do

norte do Estado do Paraná) e da capital do Estado, Curitiba, começam a se

mobilizar para atuar em defesa dos posseiros. Dentre os dirigentes, apoiadores e

participantes ativos14, havia operários, médicos, empresários, farmacêuticos,

políticos, advogados, que, além de terem tido grandes responsabilidades e

participações sobre o teatro da Guerrilha, levaram as demandas dos camponeses a

outras cidades do Paraná e tornaram-nas visíveis no plano nacional – havia jornais

impressos orientados pelo PCB veiculados em várias capitais do país, Curitiba

inclusive e Londrina.

Ocorreu também, e antes de uma atuação maior do PCB, a mudança da

família do farmacêutico e militante do PCB, Ângelo Gajardoni para a área do conflito,

que vivia na cidade de Jaguapitã, vizinha da região do conflito. A família Gajardoni,

dirigentes comunistas locais, (Ângelo, Arildo, Miguel e Mercedes) vendeu suas

propriedades e comprou um lote próximo aos camponeses para auxiliar a luta. Isso

14

Em Oikawa (2011), há uma relação dos “personagens” envolvidos na Guerrilha, além de um detalhamento do histórico dos principais participantes.

28

se deu sem que a direção estadual do PCB tenha ordenado. (SILVA, 2006; PRIORI,

2011).

Manoel Jacinto Correia, a fim de buscar orientações e informar a situação à

direção nacional do PCB, viaja ao Rio de Janeiro e encontra-se com o deputado

Pedro Pomar, dirigente nacional do PCB. Este o aconselha a procurar o advogado

José Rodrigues Vieira Neto, comunista de Curitiba, a fim de batalhar no plano

jurídico e auxiliar na organização. Vieira Neto juntamente com Maria Olímpia

Carneiro Mochel professora e vereadora em Curitiba, João Saldanha, dirigente

nacional do Partido, o advogado Flávio Ribeiro de Londrina e o médico Newton

Camara foram também responsáveis na atuação jurídica, organização e formam

grupos de estudo com os posseiros. Nesses grupos, ensinavam que a terra era

posse de quem nela trabalhava, e que era preciso promover a união para

defenderem as posses. (OIKAWA, 2011, p. 97).

A partir do momento que o Comitê Nacional do PCB, cujo presidente era

Luis Carlos Prestes, toma conhecimento da realidade na região, são enviados

quadros políticos e com maior experiência militar, para ver de perto o que estava se

passando. Faziam parte desse partido, considerado ilegal pela justiça, atuando na

clandestinidade e através de legendas de outros partidos, pessoas que tinham tido

formação militar e que haviam participado de levantes como a Insurreição de 193515.

A experiência que Prestes havia acumulado sendo o comandante dos tenentes

revoltosos na década de 1920 e na Marcha que empreendeu pelo Brasil – a “Coluna

Prestes16” – também pode ter colaborado para o caráter mais militarizado do PCB e

sua atuação como dirigente da Guerrilha.

O PCB no decurso da década de 1940 estava passando por reestruturações

internas em decorrência das ilusões eleitoreiras, de ter sido posto na ilegalidade e

perseguições políticas. É decidido pelo comitê nacional, que o partido irá atuar na

organização da resistência armada daqueles posseiros (já existia uma resistência

armada, mas de forma desorganizada) e investirá muito apoio logístico, de

15

O Levante de 1935 foi uma revolta iniciada e dirigida pelo PCB, a fim de tomar o poder no Brasil via insurreição, na qual houve grande apoio de membros das Forças Armadas e quadros políticos de outros partidos comunistas como os que vieram do Partido Comunista da União Soviética. Dentre esses quadros políticos, destaca-se a comunista e judia Olga Benário que foi mulher de Prestes e mãe de sua filha, Anita L. Prestes. Quando a revolta foi derrotada, Olga foi presa, torturada e deportada pelo governo de Getúlio Vargas à Alemanha cujo governo era nazista. Mais detalhes em Morais (1986). 16

Sobre a experiência da marcha que foi feita no território nacional conhecida como “Coluna Prestes”, e da alcunha de Luis Carlos Prestes, “Cavaleiro da Esperança”, ver Amado (2002).

29

propaganda e defesa dos camponeses. Propugna que a terra é para quem nela

trabalha.

Sobre a linha política do PCB nesse período, Maurício Grabois, dirigente

nacional, é autor de um artigo o qual é publicado na Revista Problemas, em 1949.

Entre outras questões orientadoras sobre a política a ser colocada em prática pelo

PCB a níveis nacional e internacional, destaca a luta dos camponeses pobres,

incluindo os do “Norte do Paraná”, como prioridade no item “Organizar as Lutas no

campo”:

A necessidade da formação da frente popular e de libertação nacional, objetivando a solução dos problemas da revolução agrária e antiimperialista no país, exige que intensifiquemos o trabalho entre os camponeses, tendo em vista organizar as lutas no campo. (...) Devemos aproveitar a rica experiência das Ligas Camponesas, que nos indica que as organizações de massas camponesas podem ser as mais variadas possíveis. (...) Em nosso trabalho no campo devemos em primeiro lugar concentrar nossas atividades no Estado de São Paulo, no Norte do Paraná e no Triângulo Mineiro. Nos pontos de grande concentração camponesa, devemos nos apoiar solidamente nos assalariados agrícolas e nos operários das usinas, que juntamente com os camponeses pobres constituem a base do movimento camponês. (...) Diante da disposição de luta das massas camponesas devemos nos colocar à sua frente, utilizando as melhores oportunidades, como as vésperas das colheitas, para dirigi-las na conquista de suas reivindicações, educando-as revolucionariamente, através das lutas parciais. Por outro lado, devemos indicar aos camponeses a necessidade de enfrentar com audácia e coragem cada vez maior, com a resistência organizada, as violências e arbitrariedades dos latifundiários e da polícia, pois a reação utiliza da maior ferocidade para impedir os movimentos reivindicatórios dos camponeses, por mais elementares que sejam. (...). (GRABOIS, 1949).

Dirigentes do PCB, níveis municipal, estadual e nacional reuniram-se com os

camponeses apontando que era necessário organizar-se para fazer frente aos

ataques e para garantirem o direito às suas posses. Os próprios camponeses

posseiros, após verificarem que aquele partido era aliado de seus interesses,

defenderam que a única via possível era resistir de armas nas mãos e com o apoio

do PCB. A partir deste momento, o PCB adentra como organizador naquela

resistência modificando qualitativamente a sua forma, e até certo ponto o conteúdo

dela. A forma, pois, pelo fato de haver uma organização, revolucionária no caso, que

dirigiria a resistência. Esta passaria a se dar de forma coletiva, com posseiros

agindo em conjunto e não mais defendendo cada qual a sua posse, e sim a área das

posses cujo perímetro chegou a atingir 40 km². (OIKAWA, 2011, p. 18).

30

Houve, a partir de então, uma centralização de lideranças em cada grupo

com um dirigente principal, do PCB, responsável. Os posseiros passam a fazer

treinamentos físicos, militares e aprendem táticas de comunicação e deslocamentos,

ou seja, táticas de guerrilha na mata. Aprendem a lidar com armas mais pesadas,

melhores que as suas espingardas de caça. (OIKAWA, 2011, p. 112). Assim,

passaram de camponeses dispersos que se defendiam rudimentarmente a

camponeses guerrilheiros que atacavam de surpresa e tinham mais êxito.

Com relação à mudança de conteúdo no que diz respeito aos objetivos

primordiais dos resistentes de Porecatu – resistir para permanecerem nos seus lotes

– e a entrada do PCB na organização, é possível inferir que esses objetivos também

foram modificados qualitativamente. A aceitação pelos posseiros do organizador

PCB e sua linha ideológica-política é a primeira indicação. A inscrição da maioria

dos camponeses no PCB também é indicativa dessa possibilidade. Sabe-se que os

dirigentes comunistas dos guerrilheiros transportavam para a mata materiais de

leitura, documentos, que foram lidos aos posseiros – muitos não sabiam ler – e o

conteúdo ia além da luta pela terra.

A urgência da necessidade de os camponeses se organizarem, propugnada

pelo PCB, levou à criação das Ligas Camponesas (LC) no território paranaense.

Estas tiveram grande atuação durante a Guerrilha e continuaram atuando até o final

do conflito. Nos seus estatutos, principalmente, advogavam a defesa dos direitos

das diversas categorias de trabalhadores rurais; a importância da ajuda mútua;

serviços médico-hospitalares e escolares; esclarecimentos sobre os direitos e a

necessidade de unir-se para lutar por eles. O número de Ligas Camponesas no

Paraná, à época da luta dos posseiros, chegou a doze (SILVA, 2006, p. 101), e seu

formato continuou influenciando sindicatos de trabalhadores rurais após ser extinta,

visto que os dirigentes principais destes sindicatos eram militantes do PCB e tinham

apoio das Ligas Camponesas atuantes principalmente no nordeste do país.

Depreende-se que suas estruturas organizativas e seus modelos de ação, foram

utilizados no Paraná na organização de associações e sindicatos de trabalhadores

rurais até sua extinção, a nível nacional, em 1964.

Dessa forma, fundou-se a Federação dos Trabalhadores na Lavoura do

Estado do Paraná em 1963, dirigida por comunistas e que buscava lutar contra outra

força política presente no campo: os sindicatos e associações de trabalhadores

rurais orientados pela Igreja Católica. Esta Federação, cujo primeiro presidente foi

31

Antonio Mendonça Conde (SILVA, 2006, p. 146), foi precursora da Federação dos

Trabalhadores da Agricultura do Paraná, entretanto suas linhas político-ideológicas

diferiam consideravelmente, visto que foi dirigida por setores da Igreja Católica e

controlada pelo governo militar. Atuaram durante este governo e focavam sua

atuação no assistencialismo aos trabalhadores rurais.

A respeito das LC no Estado do Paraná e sua importância histórica e

exemplar para as conquistas e lutas dos camponeses sem-terra, existe pouca

pesquisa encontrada sobre a atuação no Estado. Há, nesse sentido, um objeto a ser

investigado, visto que pesquisas acadêmicas já possuem pesquisa inicial sobre,

principalmente a tese de Osvaldo Heller da Silva (2006). Há, neste trabalho, um

estudo sobre a trajetória do sindicalismo rural no Estado do Paraná, em suas

diferentes fases, que podem ser relacionados com a das Ligas Camponesas no

Paraná. Entretanto, sobre uma influência e representatividade dos camponeses do

Paraná e do Brasil pelo PCB, Silva (2006, p. 214) conclui sobre o assunto:

Foi ao redor e por intermédio do PCB – seja por sua intervenção direta, seja pelas reações suscitadas – que o sindicalismo rural do Paraná se constituiu. Assim, às vésperas do golpe militar o Partidão considerava-se, e em certa medida o era, o porta-voz autorizado e incontestável dos “trabalhadores rurais” do Paraná e igualmente do Brasil.

As Ligas Camponesas do Nordeste, mais famosas e com maior pesquisa,

lideradas politicamente por Francisco Julião também foram organizadas pelo PCB e

empreenderam, além do trabalho econômico, conflitos armados. Por esse motivo e

pela forte atuação no sentido da tomada de terras, muitos de seus membros

camponeses foram perseguidos e eliminados, no início do governo militar. Antes

disso, em 1960, Julião e membros das Ligas Camponesas do Nordeste foram

convidados a participar do Primeiro Congresso dos Trabalhadores Rurais do Paraná.

Este Congresso reuniu representantes de forças políticas de vários matizes pela

causa dos trabalhadores rurais e/ou camponeses sem terra e com pouca terra. A

presença do advogado e líder nacional, Francisco Julião, e o presidente do

Congresso ser um dirigente nacional do PCB, Nestor Vera, foi na análise de Silva

(2006, p. 144), um indicativo da “busca de unidade dentro do movimento camponês”

e “demonstrava que o PCB do norte do Paraná não se constituía num braço

autônomo do Partido”. Por outro lado, militantes católicos da Frente Agrária

32

Paranaense17 promoveram embates contra o Congresso e contra Francisco Julião,

os quais tiveram o apoio da polícia local e da “cobertura” do governo federal, cujo

presidente era Jânio Quadros. Destaca-se a análise de Silva sobre o apoio à

resistência dos congressistas na época, à qual verifica “como sinal de uma nova

relação de forças no campo político”. (SILVA, 2006, p. 145).

Esse mesmo PCB dos anos de 1960 citado acima e que se encontrava em

vantagem política no norte do Paraná, no final da década de 1940 achava-se sob

outras condições de força com os inimigos dos guerrilheiros. A influência de um

partido político, no Paraná, com a experiência e a linha ideológica do PCB pode ter

sido determinante na execução das ações dos posseiros contra as forças de

repressão. A contrapartida repressiva, primeiramente pelos policiais locais e do

Estado juntamente com os jagunços e num segundo momento policiais de outros

Estados e do Exército, apoiados inclusive por aviões, pode também estar

relacionada à organização e direção do conflito pelo PCB na região de Porecatu, no

final dos anos de 1940 e início dos de 195018.

Essa experiência colocada em prática em Porecatu pode ter influenciado os

rumos do Partido e suas políticas de atuação no Paraná, a ponto de a

representatividade da classe camponesa via sindicatos, regionalmente, e Ligas

Camponesas, nacionalmente, ter chegado à década de 1960 sob condições mais

favoráveis que seus opositores? Elementos serão pautados a fim de buscar

responder tais perguntas. Elementos sócio-históricos relacionados a aspectos

subjetivos e objetivos do conflito.

A preparação ideológica, como já foi dito, foi a primeira ação conjunta entre

os comunistas e os posseiros. A necessidade do apoio externo àqueles, agora,

guerrilheiros foi organizada desde o início – não era um exército regular, e também

não era um bando desordenado de pessoas armadas, configurava sim um grupo

que adotava táticas de ataque e defesa de guerrilha, ou seja, atacavam quando

estavam em melhores condições e se escondiam compondo um grupo pequeno mas

que parecia grande. Este apoio continuava se dando no plano legal, com advogados

trabalhando e ampla propaganda na defesa dos camponeses contra as injustiças, e

17

Sobre a origem e atuação detalhadas da Frente Agrária Paranaense (FAP), ver Silva (2006). Sobre o confronto citado ver Silva (2006, p. 239-245). 18

No período que compreende o final da II Guerra Mundial (1939-1945), até fins da década de 1970, as lutas econômicas, ideológicas e militares entre os blocos socialista (representado principalmente por URSS juntamente e depois pela República Popular da China) e capitalista (representado principalmente por EUA), acirraram-se, ocorrendo reflexos nas lutas internas dos outros países.

33

uma rede de apoio nas cidades em volta para obtenção dos alimentos e materiais

necessários além das informações primordiais obtidas na cidade e repassadas aos

resistentes19.

As ações do grupo de resistentes começam por definir a área em que iriam

atuar e que buscariam ter sob seu controle. Os fazendeiros, após mandar expulsar

alguns posseiros de lotes que teriam comprado, enviam outros trabalhadores rurais

para esses lotes a fim de que fizessem as colheitas e trabalhassem a terra, evitando

também que os posseiros expulsos retornassem. Os resistentes tomam como uma

das primeiras medidas a retomada das terras que são suas por direito e efetivam

essa medida, explicando para os trabalhadores rurais que se encontravam nelas que

precisavam sair ou entrar para o grupo dos resistentes, senão morreriam. Depois

disso, organizam-se para continuar trabalhando no sistema de ajuda mútua para

colher o café e proteger suas propriedades. Esses camponeses lidavam com a

enxada e suas ferramentas e não largavam a nova ferramenta de sobrevivência:

suas armas de fogo. A recorrência às armas pelos posseiros, identificada desde a

manifestação na cidade de Guaraci20, vizinha de Porecatu, o trabalho coletivo e a

ação em grupo podem indicar na prática a modificação da consciência social de

cada camponês a uma consciência de classe, observada na união da classe

camponesa em luta pela terra em Porecatu.

Utilizando-se da mata como esconderijo, os guerrilheiros trataram de

estabelecer a área na qual combateriam, defenderiam e trabalhariam, não poderiam

prescindir da venda do café principalmente, tinham dívidas a saldar com os

comerciantes da cidade, e a palavra dada, para tais camponeses, valia muito. Isso

explica também a indignação pelo fato de um Governador dar sua palavra e esta

não ser cumprida.

Além do trabalho em suas roças e a proteção de suas posses, os resistentes

verificaram que teriam de “acertar contas” com jagunços que haviam torturado e

assassinado seus companheiros e cometido vários tipos de violências contra

19

A respeito de informações repassadas por pessoas da cidade para os posseiros resistentes que não saíam da mata, havia camponeses, mais velhos principalmente e que não despertavam suspeita, que ficavam em locais estratégicos (bares, por exemplo) escutando conversas de pessoas ligadas à repressão dos posseiros. (OIKAWA, 2011, p.151). 20

Essa manifestação congregou 1500 posseiros armados em 1947, devido principalmente ao trabalho da família, comunista, Gajardoni, e juntamente com a criação do Comitê Regional de Londrina do PCB, a fundação da Associação de Lavradores em 1944 e a própria Guerrilha, entre outros acontecimentos, para Oikawa (2011, p. 17-18) entra para história.

34

mulheres.21 Jagunços, os quais possuíam melhores armas que os policiais e que

eram temidos pelas barbaridades que cometiam. Dessa forma, em uma das ações

que empreenderam desse tipo, resistentes recolheram informações com a

comunidade sobre o jagunço mais temido, conhecido por “Celestino”. Souberam que

frequentava um prostíbulo e, na sua saída, efetuaram dezenas de disparos,

matando-o. Contaram com o apoio e cobertura das pessoas da região, que também

o temiam, dizendo o horário que o jagunço saíra e não acusando a presença deles.

Essa ação resultou numa debandada de jagunços da área do conflito, amedrontados

de ter o mesmo destino daquele que era o mais temido. (OIKAWA, 2011, p. 145-

149).

Por volta do ano de 1950, o grupo de resistentes já controlava a principal

estrada que cortava a área dos conflitos. O grupo já tinha definidos, na mata, locais

de encontro para reuniões e para esconderem-se, transitando de um a outro e,

inclusive, contando com local de encontro caso houvesse problemas. Além disso,

tinham determinado rota de fuga da área caso não pudessem mais resistir. Antes de

ficarem permanentemente na mata se reuniam em casas próximas, as quais

somente eles conheciam, onde recebiam armas, mantimentos, informações

documentos partidários e/ou políticos e debatiam ações. Os camponeses – muitos já

filiados ao PCB – agiam conforme um grupo guerrilheiro.

O primeiro objetivo dos camponeses no início dos conflitos era defender

suas posses e suas famílias. Entre eles havia uma solidariedade, entretanto

defendiam-se sozinhos. Agora, como coletivo organizado e dirigido por um partido

político que continha em seus estatutos a tomada do poder pela via armada, os

objetivos ampliam-se, mas continua sendo principalmente a defesa de suas posses

e a liberdade de poder viver nelas. O PCB defende o mesmo, contudo verifica que

esse conflito pode gerar ou servir de combustível para outros, a “região tinha sido

escolhida pela direção comunista como um lugar privilegiado para a ‘fecundação do

embrião revolucionário’”. (SILVA, 2006, p. 115). Constata-se que tal análise do PCB

poderia estar certa, pois a contradição no campo país afora era a mesma: posse da

terra pelos camponeses sem terra ou com pouca terra versus grileiros e jagunços.

21

Entre os camponeses resistentes torturados e mortos devido às reivindicações e procura por direitos, citam-se os casos de assassinato e torturas sofridos por Francisco Bernardo dos Santos e Salvador Ambrósio. Esses fatos motivaram o “justiçamento” de jagunços responsáveis. Sobre isso ver também Priori (2011).

35

Postula-se, assim, que os camponeses em luta verificam que esta não é

apenas localizada e passam, de acordo com seus interesses e da direção do PCB,

de uma categoria de trabalhadores rurais para atuarem como uma classe política,

com representante político, PCB (SILVA, 2006, p. 146), com objetivos políticos

comuns. Isso não quer dizer que não houve desentendimentos, ao longo da

resistência, entre aqueles camponeses e dirigentes comunistas. Manoel Jacinto

Correia, operário, vereador e militante comunista em Porecatu, em entrevista

pesquisada por Oikawa (2011), relata que desaprovou algumas determinações do

dirigente e comandante da Guerrilha, “Capitão Carlos” – Celso Cabral de Mello –

quando este colocou como meta, não concluída, assaltar um banco na cidade. Para

Correia, isto fugia dos interesses dos camponeses e jogaria a população contra os

resistentes, além do que para Jacinto, os resistentes não eram um grupo de

bandoleiros.

Apesar das contradições que existiram entre membros do PCB e resistentes

da região conflagrada, e que talvez possam ter sido ocasionadas por erros de

direção, destacam-se as modificações de caráter subjetivo e objetivo dos posseiros.

Estes continuaram sendo agricultores e adotaram a prática de guerrilheiros, com

disciplina e conduta militar agindo coletivamente com objetivo comum. Aceitaram os

dirigentes do PCB da região como organizadores externos, militantes ligados

diretamente a causa, com ciência e experiência nos acontecimentos, sabendo que

apenas dessa forma poderiam ser vitoriosos, ou senão, sabendo que assim não

entregariam suas terras facilmente, pois era um partido que representava seus

interesses.

As ações do grupo de resistentes ao longo do conflito eram cada vez

maiores e mais exitosas, repercutindo entre a população do Estado, do país e entre

as forças militares. Atacavam os caminhões com soldados de surpresa e recolhiam-

se para a mata de forma muito rápida, não dando tempo de haver um revide, tão

promissor quanto, por parte dos militares. Expulsavam trabalhadores de suas terras,

os quais haviam sido contratados por fazendeiros grileiros, porém sempre

conversavam com estes sobre os motivos de tal ação, buscando convencê-los. Da

mesma forma, incutiam o sentimento de indignação nos camponeses que

trabalhavam em terras de grandes fazendeiros, explicando-lhes os seus direitos e os

estimulavam a fazer greves, o que ocorreu em várias fazendas, sendo que

trabalhadores foram presos posteriormente por esta prática. Tais práticas

36

caracterizam as ações dos guerrilheiros como políticas e descartam as

caracterizações que seus inimigos queriam imputar-lhes como, por exemplo,

bandoleiros.

Nesse sentido, visando fornecer elementos aos próximos capítulos deste

Trabalho que trata da contemporaneidade e, de acordo com documentos do MST, é

constatável que setores e classes sociais em combate aos movimentos sociais

organizados, representantes dos camponeses pobres, se utilizem da

descaracterização dos objetivos sociopolíticos destes, com o intuito de criminalizá-

los. (MST, outubro de 2009, p. 3).

A comunicação entre o centro operacional, dirigentes que se encontravam

em Londrina e que faziam a ligação com o comitê central do PCB, e os resistentes

na mata ocorria de forma cautelosa, havendo códigos e pontos de encontro

específicos na floresta. Não responder corretamente aos sinais codificados

(assovios imitando pássaros, por exemplo) poderia incorrer em danos graves. Assim,

nos encontros, todas as ações eram acordadas e repassadas aos dirigentes e, de

modo inverso, a movimentação na cidade e nos meios políticos e militares também

buscava ser repassada aos guerrilheiros. Dessa maneira, havia uma organização

para sempre haver a ligação entre resistentes e os militantes que forneciam apoio de

diversas maneiras fora da mata, nos meios urbanos nas cidades próximas e

distantes como Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro. (OIKAWA, 2011, p. 112-113).

Os resistentes, devido à ampla propaganda que objetivava buscar apoios

fora para fortalecer a luta, recebiam cartas de diversas Associações do país

estimulando a iniciativa daqueles guerrilheiros22. Verificaram, dessa forma, que a

luta deles não era localizada e a resistência contra a expulsão dos lotes era apenas

um dos motivos daquela guerrilha. Essa constatação foi incentivada pelo papel

político que empreendeu o PCB, o qual almejava que a Guerrilha de Porecatu fosse

um exemplo a outros movimentos.

Os camponeses resistentes de Porecatu contaram com os melhores quadros

políticos e militares do PCB para as ações. Tiveram treinamentos para lidar com

armas modernas, treinamentos físicos para suportar marchas de 80 km, aprenderam

formas de combater no meio da mata e esconderem-se, ou seja, forjaram-se

guerrilheiros e colocaram isso em prática. Aprenderam os princípios do comunismo e

22

Dentre os apoios, a Comissão Londrina de Solidariedade é o maior exemplo. Sobre isso ver Oikawa (2011, p. 350).

37

a relação deles com aquela guerrilha. Os posseiros tiveram vivência para, inclusive,

criticar a postura de dirigentes comunistas, os quais, para aqueles, colocaram em

prática atitudes dignas de degenerados e traidores como constatado ao fim do

conflito com Celso Cabral de Mello e a sua confissão, delatando os guerrilheiros que

ainda estavam na mata. (OIKAWA, 2011, p. 277-282).

A maioria dos combatentes, como já foi dito, ingressaram nas fileiras do

Partido Comunista do Brasil e, mesmo após o final do conflito, continuaram

militando, como exemplo, o próprio Manoel Jacinto Correia viveu muitos anos na

clandestinidade durante o regime militar, militando pelo PCB23. Correia foi um dos

militantes do PCB, que já pertencia às fileiras do partido antes, mais atuantes

durante a Guerrilha, ao lado de Miguel Gajardoni. Jacinto Correia também foi o

militante que fez as mais duras críticas a dirigentes do PCB da época, devido a erros

que desembocaram em traição por parte de Celso de Mello. Mesmo assim,

conjectura-se que, por sua ideologia e análise materialista-dialética dos

acontecimentos continuou a militar pelo PCB e por seus ideais revolucionários.

Constata-se que a Guerrilha possuía um nível de organização nos diferentes

aspectos envolvidos, desde o preparo político-ideológico dos resistentes através de

reuniões e estudos, passando pelo plano militar (armas modernas foram trazidas,

inclusive, de outros estados), juntamente com a defesa da legitimidade da

resistência. E a ligação entre a região conflagrada com o meio urbano,

desempenhava um papel essencial para o êxito das ações, até mesmo no que diz

respeito à alimentação e à saúde dos guerrilheiros. As forças policiais civis e

militares, estaduais e federais, encarregadas de combater os guerrilheiros no norte

do Paraná, investigaram e descobriram que isolar os guerrilheiros do núcleo

dirigente de Londrina seria determinante para liquidar os resistentes. Constata-se

que tinham razão. (OIKAWA, 2011, p. 245).

Os militantes comunistas que forneciam todo apoio material, logístico,

encaminhavam defesa junto aos meios jurídicos, alimentavam com informações os

resistentes, faziam a ligação com o Comitê Nacional do PCB, entre outras iniciativas,

moravam e tinham sua base de operações em Londrina. Uma cidade pequena, mas

23

Para mais detalhes, ver relato de sua filha, Elza Correia, no Seminário Memória Camponesa do Paraná. Realizado em 25 de Abril de 2007 na UFPR e produzido pelo Centro de Estudos Rurais e Ambientais do Paraná (CERU) do Departamento de Ciências Sociais e Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPR. Essa iniciativa é parte de pesquisas empreendidas por várias instituições e estudiosos, visando retomar a memória das lutas pela terra dos camponeses no território nacional.

38

que se tornou, por conta dos acontecimentos, a cidade de maior importância do

Estado, a frente de Curitiba. Importância também para a organização sindical dos

trabalhadores rurais do Estado e de valor estratégico para o PCB em meados de

1950. (SILVA, 2006, p. 115).

Em Londrina, militantes comunistas advogados, médicos, engenheiros,

empresários, vereadores, enfim, pessoas de reconhecido prestígio entre a

população da cidade, fossem pobres ou ricos e influentes empenharam-se na defesa

e apoio aos resistentes da região conflagrada. Dentre os comunistas de Londrina,

destacam-se o médico e vereador Newton Camara; o advogado Flávio Ribeiro; o

engenheiro e diretor do jornal “O Momento” – Milciades S. C. Pereira da Silva; a

presidente da Associação Feminina de Londrina – Helena Pereira da Silva; Bento

Paiva; Lazara de Araujo Paiva; o professor Almo Saturnino Vieira Magalhães;

Gerson Monteiro de Lima e o vereador Manoel Jacinto Correia que, desde a

prescrição do PCB por decreto de Getúlio Vargas, não falavam diretamente em

nome do PCB. (OIKAWA, 2011, p. 267). Este era ilegal e isso era crime de

subversão, entretanto, atuavam em seus partidos políticos legais e dentro de suas

profissões, de forma dissimulada, sob as diretrizes e princípios do Partido Comunista

do Brasil.

Na verdade, muitos na sociedade londrinense sabiam dos ideais políticos

desses comunistas, contudo estes conquistaram a simpatia da população pobre e de

pessoas influentes em virtude da prática e do respeito adquirido cotidianamente, ao

longo de anos e décadas. No entanto, as forças policiais, que já tinham sido

derrotadas em algumas incursões na zona de guerrilha, não tiveram pudores em

prender esses quadros comunistas citados acima, o comandante da Guerrilha –

Celso Cabral de Mello, e outros para enfraquecer os resistentes. Invadiram suas

casas sem mandado, sequestraram-nos e levaram documentos e o que puderam

para incriminá-los. Levaram-nos a uma localidade não informada e deixaram-nos em

condições insalubres e incomunicáveis. Dentre os presos, Helena Pereira da Silva

foi obrigada a deixar um bebê de nove meses para trás, na ocasião da prisão.

(OIKAWA, 2011, p. 266).

Juntamente com essa medida, comandantes militares do Paraná, Rio de

Janeiro e São Paulo apoiados pelo governo federal, iniciam em junho de 1951 a

ofensiva e enviam à região um efetivo de guerra com apoio de aviões da FAB. Havia

39

soldados de prontidão no lado paulista a fim de tentar impedir uma fuga dos

resistentes. (OIKAWA, 2011, p. 232).

Com relação aos militantes presos, que ficaram incomunicáveis, em

Londrina, conjectura-se que o fato de serem pessoas de atuação pública,

responsáveis por todos os contatos, também proporcionou o êxito nos objetivos da

operação policial. Temia-se pela vida desses e dessas militantes porque não havia

notícias de seus paradeiros. Iniciou-se uma campanha política a fim de pressionar

as autoridades para que informassem o paradeiro deles. Médicos de Londrina

coletaram centenas de assinaturas entre seus colegas exigindo a soltura imediata de

Newton Camara, e/ou que ele pudesse atender, mesmo preso, os indigentes, seus

pacientes. O pai desse médico também parece ter intercedido junto à Café Filho,

presidente em exercício, para que soltassem seu filho. Delegados protestam, pois

para eles Newton Camara era o principal dirigente comunista local. (OIKAWA, 2011,

p. 270-271).

Além de médicos, engenheiros mobilizaram-se e a Associação Feminina de

Londrina idem, no intuito de pressionar autoridades. Essas ações organizadas

possibilitaram a soltura de alguns prisioneiros. Alguns prisioneiros ficaram mais

tempo. Dentre estes, militantes que estavam presos resolveram que o comandante

da Guerrilha, “capitão Carlos”, deveria fugir, pois havia meios para isso. Este decidiu

não fugir e, contraditoriamente, no seu interrogatório sem sofrer tortura, fez uma

extensa confissão sobre os acontecimentos em Porecatu e de sua vida de militante

comunista. Após esse episódio, relata-se que o comandante “Carlos” fugiu da

delegacia. O que ocorre é sabido tempos depois e levantam-se suspeitas: o Cabo

responsável havia esquecido a porta da cela aberta. Manoel Jacinto Correia foi

informado depois, por um sargento da delegacia de Porecatu, da confissão de Celso

Cabral de Mello e de sua “fuga”. Foi à procura deste, mas não o encontrou mais na

região. (OIKAWA, 2011, p. 291). Esse pode ter sido o fato que gerou as maiores

contradições entre os que participaram da Guerrilha e alguns dirigentes do PCB, que

criticaram a revolta armada anos depois.

Enquanto estavam sendo mantidos em cárcere privado os militantes de

Londrina, na mata os guerrilheiros buscavam manter-se escondidos, deslocando-se

de esconderijo a esconderijo e já tendo a ciência dos acontecimentos.

Acompanhavam o deslocamento das tropas nos caminhões e verificavam não haver

possibilidade de enfrentamento, pelo fato das forças militares estarem em número

40

muito maior. Além disso, em decorrência das prisões em Londrina e o fato de haver

um grande efetivo deslocado para atacar os resistentes, começaram a haver

deserções daquele grupo guerrilheiro, o que não impedirá, logo em seguida, suas

prisões também. Isto se deu, pois já era sabido o nome de quase todos que

participavam da Guerrilha devido ao interrogatório de Celso Cabral de Mello.

Mantiveram-se na mata, esquivando-se das tropas, um grupo pequeno de

guerrilheiros que conseguiram transportar todo o armamento utilizado até então.

Entre eles, os líderes Arildo Gajardoni e Hilário Gonçalves Pinha, de codinomes

“Strogoff” e “Itagiba”, respectivamente, comandavam esse grupo resistente.

Conseguiram livrar-se dos poucos ataques que travaram com soldados e utilizaram

uma rota de fuga que havia sido acordada na época em que havia o primeiro

comandante militar da Guerrilha, Ortiz24. Esse comandante empreendeu os

primeiros treinamentos militares àqueles camponeses, alterando e adicionando a

este grupo de camponeses pobres o status de guerrilheiros, pelo fato de que

continuaram trabalhando no campo, nas roças, ao mesmo tempo em que portavam

suas armas para defenderem a si e às suas posses, de maneira não estática, se

movimentando na mata. Não enfrentavam diretamente as forças policiais devido ao

seu número reduzido (a quantidade de guerrilheiros na mata nunca foi plenamente

elucidada; pode ter iniciado com 300 e no final o grupo pequeno reduziu-se a 30

guerrilheiros aproximadamente) em relação às tropas e combatiam somente quando

possuíam vantagem. (OIKAWA, 2011, p. 320).

Afora os resistentes que abandonaram a luta no seu momento mais difícil –

na situação em que estavam cercados – o restante do grupo que persistia na mata

conseguira fugir. Na verdade, não houve enfrentamento talvez em virtude da tática

de fuga perfeita, previamente combinada. Ou talvez, de acordo com a análise de

Priori (2011), pelo fato de as forças militares não terem se embrenhado na mata

assim como estavam os resistentes.

Mesmo os posseiros resistentes que abandonaram a luta na mata e foram

presos, ficaram poucos meses na prisão e aqueles que detinham certo status

político e econômico, continuaram trabalhando no Estado pela causa do PCB e dos

trabalhadores rurais, até o golpe militar de 1964. Algumas famílias, residentes nas

posses do conflito, foram reassentadas em Campo Mourão, Paranavaí e Umuarama.

24

Sobre como ocorreu a morte de Ortiz e seu papel como destacado comandante da Guerrilha, ver Oikawa (2011, p. 152-153).

41

O PCB, na época, considerou uma vitória a resistência por conta de posseiros terem

obtido terras em outra região. Dentre esses posseiros, não estavam incluídos os

resistentes.

Posteriormente, de acordo com o levantamento feito por Oikawa (2011),

pode-se verificar que dirigentes do PCB, da época e contemporâneos, consideraram

um erro a Guerrilha de Porecatu, pelo fato, talvez, de o Partidão ter sofrido

modificações em sua linha político-ideológica na década de 1960. A pesquisa de

Silva (2006) fornece elementos para essa análise, e para interpretações sobre a

maneira como o assunto “Porecatu” é tratado.

O PCB, não mais se manifestou sobre o episódio e a Guerrilha de Porecatu

se tornou a “guerrilha que os comunistas esqueceram”, parafraseando o subtítulo do

livro de Marcelo Eiji Oikawa (2011). No interior do partido, ao final da década de

1950 e início de 1960, havia já muito debate acerca do que seriam as concepções

corretas para desencadear a Revolução no Brasil.

Com respeito à trajetória sociopolítica do PCB e à “viragem à direita”, Luis

Carlos Prestes, dirigente nacional do Partido Comunista Brasileiro à época, início da

década de 1960, e um grupo de quadros partidários ligados a ele, aproximam-se e

adotam as teses políticas de Nikita Kruschov. Este líder soviético assume o governo

da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) em 1953, e do Partido

Comunista da União Soviética (PCUS) no lugar de Josef Stalin. Kruschov segue

uma linha de não agressão com países como os Estados Unidos da América,

advogando que a URSS deve abandonar diversas diretrizes e políticas implantadas

durante o governo de Stalin. Dessa forma, critica-o sendo referência e

desencadeando uma divisão no movimento comunista de outros países.

Isso desencadeou o abandono de diversos dirigentes como Pedro Pomar e

Mauricio Grabois entre outros do PCB, os quais dirigiram politicamente a Guerrilha

de Porecatu. Estes fundaram outro partido, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB25)

em 1962, e retomam estratégias para pôr em curso a revolução brasileira,

conjectura-se, nos moldes postos em prática em Porecatu.

25

As divergências internas se dão também pelo fato de Prestes modificar o programa do partido. Entre outras mudanças, PCB passou a denominar-se “Partido Comunista Brasileiro” e não mais “Partido Comunista do Brasil”, ou seja, seria um partido nacional e não internacionalista. A sigla PCdoB adotada por dissidentes, vem a retomar a antiga denominação – Partido Comunista do Brasil. Informações consultadas e disponíveis em http://www.anovademocracia.com.br/no-84/3777-a-cisao-de-62-e-a-luta-pelo-partido-marxista-leninista acesso em 05/07/2013.

42

Pode-se afirmar isso, possivelmente, a partir de uma análise mais detalhada

a respeito do episódio conhecido como Guerrilha do Araguaia26, dirigida pelo PCdoB

no início da década de 1970 e ocorrida na região conhecida como “Bico de

Papagaio” no norte do país, região predominantemente camponesa. Propugnavam a

luta armada como caminho para chegar ao poder enfrentando o regime militar, e

davam ênfase na luta dos camponeses sem terra ou com pouca terra contra grileiros

e latifundiários. Essa Guerrilha foi desmantelada e praticamente todos os militantes

e muitos camponeses foram executados pelas forças armadas do regime militar.

No trabalho de pesquisa de Oikawa (2011), há um relato de Manoel Jacinto

Correia no qual ele citou a Guerrilha do Araguaia, no sentido de mostrar que os

motivos de lutar pela terra estavam em voga (no caso, esse relato de Correia é de

1980) e que havia necessidade de dar continuidade à luta:

Não tenho mágoas e também não sou um arrependido. Sou humano, com todos os altos e baixos. Sofri discriminações, críticas justas e injustas, mas também aprendi. Eu entrei porque quis e a bem da verdade essas coisas precisam ser ditas não tanto por mim que já estou no apagar das luzes, mas por muitas pessoas que têm uma tarefa muito grande de lutar por uma ordem social mais justa neste país. Tanto isso é verdade que a luta dos posseiros continua no Araguaia, no Brasil inteiro. Os latifúndios são os mesmos, mas com outros objetivos, como produzir lavoura para exportação. E as multinacionais vendendo inseticidas, insumos e outras coisas. Falam em modificação das estruturas, mas não têm uma palavra a respeito da distribuição de terras para os pequenos. Isto quer dizer que a luta continua, que outros continuarão lutando, que a ordem social não será modificada enquanto existir latifundiário. Isso é um empecilho para qualquer nação do mundo. (...). (OIKAWA, 2011, p. 313).

O relato de Correia suscita questionamentos sobre a influência de Porecatu

na luta pela terra atualmente no Paraná. O conteúdo da fala de Correia pode vir a

demonstrar correspondência com a luta dos camponeses organizados

contemporaneamente, dada sua clarividência em alguns aspectos.

26

Para informações sobre a Guerrilha do Araguaia, ver detalhes em Carneiro e Cioccari (2011). Em virtude da criação de Comissões Especiais governamentais criadas para esclarecer os fatos relacionados à repressão política, ocorridos da década de 1940 à década de 1980, estão surgindo mais dados sobre a repressão à Guerrilha do Araguaia e às lutas dos camponeses pela terra.

43

4 – O MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (MST) E A

REPRESENTATIVIDADE DO CAMPESINATO POBRE

No capítulo anterior, buscou-se retratar e contextualizar o episódio da

Guerrilha de Porecatu temporalmente e espacialmente e foram esboçadas algumas

relações envolvendo partidos políticos em prol e contrários aos interesses dos

camponeses pobres, principalmente o PCB que foi o dirigente da Guerrilha. Da

mesma forma, procurou-se mostrar as relações sociopolíticas, sejam aquelas

manifestadas entre os resistentes assim como as que envolviam indiretamente a luta

pela terra naquele local. Destaca-se nessas trocas, o fato de que os posseiros

passaram a atuar juntos, pela permanência em terras suas, dirigidos pelo PCB e

ampliaram os objetivos iniciais. A rede de apoio estabelecida fora do ambiente da

revolta, com militantes do PCB mobilizados em várias cidades, mantendo

comunicação e propagando as “justas reivindicações” dos camponeses também são

relações a destacar. Relações tais que podem ter servido para que o conflito se

prolongasse e que foram responsáveis por uma luta coletiva de camponeses com

um objetivo em comum: a permanência em suas posses, a luta pela terra,

primeiramente pelas vias legais e, num segundo momento, via resistência armada –

e posteriormente com direção política.

O objetivo deste capítulo será analisar formas de organizações de

camponeses, atuantes no século XXI, que têm como meta principal a conquista da

terra. Direcionar-se-á a análise, para esse fim, particularmente sobre o Movimento

dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as relações entre suas origens e

atuações na contemporaneidade. Essa análise centrar-se-á no MST pelo fato dele

ser o movimento social organizado que representa e dirige a maior parte dos

camponeses pobres que lutam pela terra, no Paraná e no Brasil. Sob a bandeira do

MST, segundo dados do ano de 2010 disponibilizados por este movimento social, há

no Brasil 90 mil famílias acampadas e, de um total de 4 milhões e 360 mil

estabelecimentos de pequenos proprietários rurais, cerca de 900 mil têm origem em

projetos de assentamento do MST. (MST, janeiro de 2010).

A proposta é analisar os movimentos sociais organizados, contemporâneos,

que dirigem a luta pela terra e que representam os camponeses sem terra ou com

pouca terra, principalmente o MST, sob a perspectiva de compreender seus

métodos e suas origens de luta. Assim, este capítulo pode vir a fornecer

44

embasamento para auxiliar a responder questões como: O exemplo de Porecatu

pode ser verificado como um conflito histórico, marcado na memória dos militantes

contemporâneos, limitado de forma geral no contexto das décadas de 1940 e 1950,

ou o alcance daquela luta é notado nas práticas de movimentos sociais organizados

atualmente, representantes dos camponeses em luta pela terra – mais precisamente

o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra?

A história da origem de luta pela terra do MST, como um movimento social

buscando representar e dirigir os camponeses pobres confunde-se com a história de

luta pela terra dos camponeses pobres do Estado do Paraná e da região Sul do

país, no contexto das décadas de 1970 e 1980. É um período no qual a

concentração de terra e as relações de trabalho no meio rural modificam-se

substancialmente. Há posseiros sendo expulsos de terras devolutas e construções

de hidrelétricas causando a expulsão de camponeses de suas terras, sem

indenização em muitos casos. Nesse contexto, a Comissão Pastoral da Terra (CPT)

auxilia camponeses em suas mobilizações para lutar por seus direitos juntamente

com a ASSESSOAR (Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural).

Possibilitando, assim, a formação do MASTRO (Movimento dos Agricultores Sem

Terra do Oeste do Paraná) e de outros movimentos. A conjunção dos fatores das

lutas pela terra localmente e a criação de outros movimentos sociais, possibilitou a

criação do MST, no Paraná e, consequentemente, no Brasil. (BAHNIUK, 2008).

Dentre as Normas Gerais do MST, algumas citadas abaixo, aprovadas no

10º Encontro Nacional em 2002, enfatiza-se o fato de ter sido fundado no Estado do

Paraná e de ser “herdeiro e continuador das lutas populares que o antecedeu em

todo o Brasil.” (MST, 2012, p. 6):

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é um movimento social, de massas, autônomo, que procura articular e organizar os trabalhadores rurais e a sociedade para conquistar a Reforma Agrária e um Projeto Popular para o Brasil. (...) considera como beneficiários diretos da Reforma Agrária todos os trabalhadores sem-terras (os parceiros, arrendatários, meeiros, assalariados rurais, posseiros e pequenos proprietários – até 5 hectares de terra), os pequenos agricultores e os desempregados do campo e da cidade. E beneficiários indiretos, todos os trabalhadores do Brasil. (...) foi se formando a partir do trabalho de formação política e da articulação da luta pela terra, localizadas, já existentes nos estados. Se constituiu num movimento nacional com a realização do 1º Encontro Nacional, realizado

em Cascavel (PR), em janeiro de 1984. (...) é herdeiro e continuador das lutas populares que o antecedeu em todo o Brasil. (...).

45

A propósito do contexto sócio-histórico e político no qual foi formado o MST,

configurando, porventura, a necessidade de sua fundação, destaca-se que o déficit

histórico, relacionado à posse e à propriedade da terra para camponeses pobres,

não foi solucionado em governos como os de Getúlio Vargas (que governou durante

as décadas de 1930, 1940 e 1950), e o governo de João Goulart (1962 – 1964)

representaria uma esperança para os camponeses que almejavam a Reforma

Agrária27. Esperança logo desfeita com sua deposição pelo golpe militar28 de 1964,

cujo governo teve duração até 198529. Durante o período que compreendeu o

governo militar houve uma sistemática expulsão de camponeses pobres de suas

terras, também decorrente da repressão aos movimentos de camponeses

organizados. Grandes obras de hidrelétricas, particularmente no Estado do Paraná,

como já foi dito, também foram responsáveis por desalojar milhares de camponeses

pobres de suas terras e que não foram devidamente assentados e/ou indenizados.

Darci Frigo relata em entrevista a respeito do histórico de origem do MST e das

relações no Estado do Paraná:

(...) os movimentos que vão surgindo de luta pela terra, sindical, partidária, mais à esquerda, nos anos 80, vão vir exatamente dessa região [sudoeste paranaense]. (...). A Revolta [do Sudoeste] termina em 1957 e em 1962 já surge a Associação e é dali que vão sair as primeiras lideranças do movimento sindical dos trabalhadores rurais do Paraná (...). (...) O MST também vai ter um primeiro embrião importante nessa região, no sudoeste do Paraná, está associado ao MASTRO, do Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste do Paraná, atingidos pela Itaipu, nos anos 80, 84. (...) Chega esse momento que vai ter a fundação do MST. Falamos do final da ditadura e início da abertura e efervescência dos movimentos sociais. (FRIGO, 2012).

27

Dentre as metas do programa de governo de João Goulart, considerado progressista em relação aos antecessores, estava como prioridade a Reforma Agrária. 28

Sobre a natureza do golpe de 1964 relacionada ao seu caráter organizativo e de orientação, existem investigações e dados que apontam a participação, na sua direção, de setores da sociedade civil organizados. Conjectura-se, também, a participação de órgãos de inteligência dos EUA na preparação do golpe. Em virtude de ainda haver pouca informação difundida a respeito, necessitando-se maiores aprofundamentos, nesta Monografia utilizaremos a denominação “golpe militar” ao invés de golpe civil-militar. Sobre a necessidade acadêmica no levantamento dos fatos, ver artigo do Cientista Político José Luiz Niemeyer dos Santos Filho publicado na Folha de São Paulo em <http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=179175&id_secao=1> acesso em 07/07/2013 às 10:45h. 29

A grande pressão dos movimentos sociais organizados de camponeses que lutavam pela terra, principalmente as Ligas Camponesas, pode ter sido uma das causas do golpe militar de 1964. A extinção de todos os movimentos de camponeses mais combativos e a repressão desencadeada são alguns indícios. Dados sobre esta têm sido divulgados e estão disponíveis no levantamento de Carneiro e Cioccari (2011).

46

Da resistência às práticas opressivas e repressivas contra os camponeses

sem terra ou com pouca terra levadas a cabo após o golpe militar de 1964, ocorreu a

organização, no Paraná, de vários movimentos locais visando a luta pela terra.

Exemplos destes são os movimentos de camponeses: Mastro, Mastes, Mastel,

Mastreco, Masten30. (SCHWENDLER, 2006, p. 38). E dessas organizações e

resistências visando a luta pela conquista e permanência na terra, juntamente com

outros movimentos sociais organizados, de outros Estados, com as mesmas

características e objetivos de conquistar a terra, surgiu o MST em janeiro de 1984,

no Primeiro Encontro Nacional realizado na cidade de Cascavel (PR).

Sobre a origem e as heranças históricas do MST no sentido de uma

continuidade das lutas camponesas – não apenas localizadas – e da identidade

camponesa, destaca-se a interpretação de dirigentes nesse sentido, podendo

demonstrar uma tendência materialista e dialética na maneira de concebê-la. João

Pedro Stédile, dirigente nacional do MST, faz um relato sobre o histórico do

Movimento que explicita o apontado acima:

(...)... Nunca tivemos a pretensão de ser os primeiros. Nós sabíamos que não era isso e tivemos a consciência de aprender com os outros. Desde o início houve esta vocação de querer saber em que os outros erraram. Fizemos várias conversas com os remanescentes das Ligas Camponesas, da ULTAB [União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, criada pelo Partido Comunista Brasileiro em 1955], do MASTER [Movimento dos Agricultores Sem Terra. Surgiu no Rio Grande do Sul no final da década de 1950], da CPT... Trazíamos as lideranças antigas que ainda estavam vivas, para nossas reuniões... (João Pedro Stédile citado por CALDART, 2004, p. 53). (N.A.: No texto original existem referências, respectivamente 24 e 25, para citar o significado das siglas ULTAB e MASTER. Os significados das siglas foram colocados entre colchetes pelo autor).

Percebe-se, que a origem do MST foi concebida pela classe camponesa em

luta pela terra. Buscou-se apreender com a experiência dos movimentos sociais

organizados do passado, alguns já extintos naquele momento, e com a experiência

de movimentos que se gestaram durante e ao término do Governo militar. Esse é o

caso da Comissão Pastoral da Terra (CPT) que se gestou31 a partir de uma maior

30

As siglas referem-se aos movimentos de agricultores sem terra das diferentes regiões do Estado do Paraná. 31

Sobre a origem e ligação histórica da CPT com os camponeses e povos tradicionais: “A Comissão Pastoral da Terra (CPT) nasceu em junho de 1975, durante o Encontro de Pastoral da Amazônia, convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e realizado em Goiânia (GO). Inicialmente a CPT desenvolveu junto aos trabalhadores e trabalhadoras da terra um serviço pastoral. Na definição de Ivo Poletto, que foi o primeiro secretário da entidade, ‘os verdadeiros pais e mães da

47

atuação de setores mais progressistas da Igreja Católica e da necessidade de

auxiliar os camponeses, incluídos aí todos os povos tradicionais, em suas

demandas, principalmente o acesso a terra. Segundo Roseli Caldart, doutora em

educação e integrante do Coletivo Nacional de Educação do MST e da Articulação

Nacional por uma Educação Básica do Campo (CALDART, 2004), a origem do MST

está permeada pelas lutas históricas do campesinato:

(...) O MST é um movimento que tem sua raiz nas lutas do campesinato brasileiro, e que foi gestado com a participação da Igreja, especialmente daquela presente na atuação da Comissão Pastoral da Terra – CPT. (...) A raiz camponesa do MST tem a ver especialmente com a dimensão dos lutadores sociais do campo, misturando na herança pessoal da maioria dos seus integrantes os traços do que podemos chamar do modo cotidiano de vida camponesa, com elementos fortes da tradição de conservação e ao mesmo tempo de rebeldia social. (...). (CALDART. 2004, p. 45).

Depreende-se que a origem do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem

Terra, está impregnada de influências históricas, de movimentos sociais em defesa

dos camponeses pobres com orientação comunista – caso, por exemplo, das Ligas

Camponesas do Paraná – e de movimentos em defesa dos camponeses, das

“mulheres e homens que lutam pela sua liberdade e dignidade numa terra livre de

dominação da propriedade capitalista” como a CPT, a qual é oriunda dos setores

mais progressistas da Igreja Católica. Juntamente com essas influências, o

Movimento foi concebido pelos camponeses, ou seja, o “modo cotidiano de vida

camponesa” está presente na maneira de repercutir as práticas do MST na

sociedade.

A identidade camponesa, a identidade da classe camponesa em luta pela

terra encontra no MST seu motivador de resistência e continuidade. Ao mesmo

tempo, através da “rebeldia social”, os camponeses em luta coletiva, ao contrário do

isolamento, constituem uma classe social, de acordo com a teoria de Marx (2006).

Buscam promover e/ou propor as rupturas que permitam o desenvolvimento do

campo de acordo com suas “agendas” e demandas e, consequentemente, da

sociedade brasileira, através da luta de classes. A propósito do entendimento sobre

o conceito de campo e às demandas sociais, econômicas e ambientais defendidas e

propostas pelo MST, seus objetivos claros podem demonstrar o que se sugere como

CPT são os peões, os posseiros, os índios, os migrantes, as mulheres e homens que lutam pela sua liberdade e dignidade numa terra livre de dominação da propriedade capitalista’”. (Disponível em

<http://www.cptnacional.org.br/index.php/quem-somos/-historico> acesso em 01/07/2013 às 08:10h).

48

desenvolvimento do campo atrelado à sociedade. Nos documentos do Movimento

encontram-se tais demandas e objetivos, por exemplo:

Nós queremos a agricultura como um espaço de sociabilidade, uma agricultura com camponeses que enfrente o êxodo rural. Uma agricultura apta a produzir alimentos saudáveis, contrariando o agronegócio que a quer unicamente para a produção de commodities e com a utilização de grandes quantidades de agrotóxicos. Uma agricultura que assegure a preservação das águas, do solo, da biodiversidade, procurando conter e reverter a depredação ambiental causada pelo agronegócio. Por meio da luta pela reforma agrária, queremos contribuir com a superação da gritante e imoral desigualdade social existente em nosso país e perpetuada por todos os governos. Queremos uma agricultura voltada prioritariamente para a produção de alimentos e que assegure a preservação ambiental. Queremos que a população rural permaneça no campo, em condições dignas de vida, com acesso à educação e ao conhecimento, construtora do seu próprio destino. (MST, janeiro de 2010, p. 6).

Entende-se que tais metas pontuadas e colocadas em prática pelo MST, são

também fruto de um estudo relacionando o contexto político e social atual com as

lutas históricas da classe camponesa. Esse estudo faz parte, inclusive, do conteúdo

ministrado nas “atividades de formação” de militantes e lideranças do Movimento.

(CALDART, 2004, p. 53). Depreende-se sobre essa questão, a importância

ressaltada pelo MST da ligação do passado – a memória camponesa buscando ser

colocada em destaque e como exemplo – com o presente e as perspectivas. A

memória da classe camponesa parece estar relacionada, portanto, com a prática

contemporânea dos movimentos em luta pela terra e às condições concretas de vida

do campesinato.

A prática educativa orientada pelo MST em seus acampamentos e

assentamentos via escolas itinerantes, por exemplo, segue a mesma linha de

resistência histórica de classe e visa contribuir para a emancipação humana

enriquecendo a luta dos camponeses pela terra. O fato de a escola estar inserida no

ambiente de luta pela terra, nas condições concretas de vida do campesinato pobre,

indica que o método educativo busca articular o objetivo da conquista da terra com o

programa do MST, unindo pedagogicamente a política e a educação. De forma

sintetizada, segundo Bahniuk:

O MST é um movimento social que possui um projeto político-educacional articulado à perspectiva da emancipação humana. Suas respostas coletivas, no campo educativo, têm permitido a muitas pessoas acesso ao estudo,

49

seja por meio da escolarização formal ou através de cursos e outras vivências educativas no âmbito informal. Nesse processo, o Movimento tem recriado diferentes experiências educativas, dentre elas a escola, que tem para o movimento uma concepção alargada e uma contribuição para a luta empreendida por esses trabalhadores. Porém, a escola não substitui a ação política, o que significa dizer que ela não suprime os espaços históricos construídos como forma de resistência da classe trabalhadora no que tange à sua organização (partidos, sindicatos, movimentos sociais). Ela deve qualificar a intervenção desta classe em suas organizações. (BAHNIUK, 2008, p. 159).

A escola para o MST, dessa forma, é o ambiente para reafirmar e fortalecer

a identidade de classe fornecendo – e aprendendo com a prática da luta de classes

no campo – o embasamento para a resistência de classe, portanto, fortalecendo as

lutas históricas da classe. Nesse ponto, também é possível verificar que a memória

da classe camponesa é referenciada e constantemente lembrada, culturalmente e

pedagogicamente inclusive, para que o sentido da luta de classes no campo no

presente tenha relação e busque exemplos no passado. A preservação da memória,

assim como o estabelecimento de metas futuras, pode indicar que somente na luta

concreta, através da busca da resolução de contradições do presente, as relações

entre o passado e o futuro serão estabelecidas e poderão ter complementaridade e

sentido real.

Nas análises sobre a questão agrária, colaborações teóricas e defesas da

classe camponesa, entre outras contribuições, ressaltam-se as interpretações da

CPT, co-fundadora do MST. Relatórios anuais produzidos pela CPT, como o Livro

Conflitos no Campo, fornecem análises sobre os movimentos sociais e suas

relações macropolíticas. Possuem constatações sobre os aspectos subjetivos da

vida camponesa a qual interage com a prática concreta da luta pela terra. Dentre as

análises, destaca-se uma parte do artigo de Nancy Pereira, agente da CPT:

Marcados por um processo violento de luta de classes na periferia do capital internacional, estes movimentos e seus modos de vida transitam entre o originário e o moderno, o antigo e novo, o valor e o não-valor como conflito permanente e criativo. (...) Os movimentos sociais não são “idealizações”, mas articulam a materialidade cotidiana das formas populares de poder e de disputa. As condições objetivas e subjetivas de organização não se dão em vazios políticos e vivenciais, mas reúnem e convivem com contradições, ambiguidades. São simultaneamente práxis e exercício de identidade que colocam os/as pobres na fronteira entre o real e o utópico (...). (Nancy Cardoso Pereira In CPT, 2013, p. 111).

50

A importância da história das lutas dos camponeses pela terra e da história

da luta pela terra, de forma geral no país, é verificada na maneira como os dirigentes

do MST buscam mantê-las vivas na prática cotidiana dos militantes. Manifestações

culturais são utilizadas com essa finalidade e para manter a coesão entre os

militantes, realçar a solidariedade, homenagear lutadores da classe. A “mística”32 é,

assim, uma das maneiras utilizadas para unir mais os militantes e contribuir para que

o passado seja constantemente valorizado. Indicando, dessa maneira, que o

aprendizado das lições passadas e suas continuidades estão sendo postos em

prática na mística, ao exaltarem-se as contribuições da classe camponesa

historicamente e dos povos que lutaram pela terra. Sobre isso, Ademar Bogo relata:

Ao não compreendermos essa história de sofrimento e dor, mas banhada de esperanças, desconhecemos nossas raízes de luta. (...) A falta de consciência histórica impede que os indivíduos aceitem a coletividade como patrimônio e não sintam orgulho de fazerem parte desta diversidade, que é nossa grande riqueza cultural. É possível desenvolver a mística, resgatando cada uma das lutas que existiram no Brasil, ajudá-las a concluir simbolicamente a vitória, interrompida pela repressão. (BOGO, 2002, p. 59).

A interpretação de Ademar Bogo sobre a “mística”, seu significado e sua

importância no sentido da valorização das “lutas que existiram no Brasil” e no

sentido de “ajudá-las a concluir simbolicamente a vitória, interrompida pela

repressão”, verifica-se na prática do MST. Nota-se essa prática na maneira como

são denominados os Assentamentos e Acampamentos organizados e dirigidos pelo

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em todo o Brasil. Especificamente

32

“Ela é prática, que se manifesta das mais diferentes maneiras e momentos, mas é também teoria, conteúdo, ideologia. Como é próprio da Mística, é difícil explicá-la porque, para entendê-la, é necessário senti-la e vivê-la”. Essa passagem escrita por Adelar Pizetta na apresentação do livro O Vigor da Mística (BOGO, 2002, p. 10), demonstra que a “mística” não é apenas um ritual simbólico, de música ou teatro praticado pelos camponeses do MST nos assentamentos e Encontros. O objetivo da “mística” é fortalecer a resistência sendo “parte da construção da revolução, assim como outros elementos da cultura, da religiosidade, das paixões do povo brasileiro que passam a ser interpretadas, assimiladas e elaboradas numa perspectiva revolucionária.” (BOGO, 2002, p. 11). Sobre viver a “mística”, relato a visita que fiz, no final do ano de 2012, ao Assentamento Contestado do MST, na região da Lapa – PR, acompanhando um grupo de jovens dirigentes de sindicatos rurais do interior do Paraná, orientados pela FETAEP. A visita fazia parte dos cursos de formação oferecidos pela CONTAG e pela FETAEP e me foi permitido gentilmente acompanhá-los, a fim de a visita servir de base para este Trabalho. Durante a visita, pude perceber melhor o que é a “mística”, não apenas numa bela apresentação musical, e sua repercussão entre nós, efetuada por um grupo de estudantes da Escola Latino-Americana de Agroecologia (ELAA) – sediada no Assentamento; percebi durante o tempo no qual nosso grupo foi guiado pelo dirigente responsável do MST, Paulo, e as “trocas” ocorridas entre assentados e nosso grupo; durante as refeições, com alimentos saudáveis e produzidos por eles, pôde-se perceber que a “mística” está presente. Configura-se, pois, na afirmação da cultura camponesa de luta colocada em prática, buscando se reafirmar simbolicamente e/ou objetivamente para resistir historicamente.

51

no Paraná, exemplos concretos e ligados diretamente à confecção desta Monografia

são os Assentamentos Herdeiros de Porecatu e Contestado. A homenagem e alusão

às lutas históricas do campesinato e à líderes que morreram nessas e por essas

lutas é verificável pelas nominações das áreas conquistadas. Destaca-se, nesse

sentido, que denominar uma área conquistada pelos sem-terra é uma das primeiras

iniciativas do coletivo de camponeses e seus líderes. Conjectura-se que o

significado simbólico de tal ação faz parte da “mística”. A denominação pode se dar

no sentido de reforçar a conquista de uma área disputada e orientada no sentido do

resgate da memória da classe camponesa e das lutas pela terra dos povos que

morreram lutando. Assentamentos e Acampamentos, portanto, que são herdeiros,

simbolicamente, de lutas como a Guerra do Contestado no início do século XX e da

Guerrilha de Porecatu em 1947-1951, e supõe-se, não apenas no nome, mas

buscando afirmar para si e para seus inimigos de classe que são continuidade

dessas lutas.

Percebe-se que a luta pela terra deve ser analisada sob os critérios

sociológicos e culturais, além dos aspectos econômicos e políticos. Observa-se que

existe uma conjugação de fatores influenciando a luta pela terra dos movimentos

sociais organizados historicamente, e o papel de movimentos e organismos

dirigentes de camponeses em luta pela terra está inserido no universo do modo de

vida camponês.

O desenvolvimento das relações sociais, das contradições entre as classes

no campo não atende a uma linearidade, sendo que as estratégias que orientaram a

ação dos representantes dos camponeses foram fruto do contexto político de cada

época, respeitando-se os caracteres ideológicos de cada organização política. De

acordo com esse entendimento, identifica-se que a busca por manter acesos os

exemplos da luta histórica pela terra, a partir da forma como o MST denomina seus

locais de assentamento e acampamento no Paraná, pode ser considerada uma

maneira de referência de luta para a atualidade.

O resgate dessa história e as maneiras de propagá-la, valorizando e

imbuindo no espírito dos militantes sua importância, parecem ser objetivos

primordiais de movimentos contemporâneos. Movimento contemporâneo como o

MST que completa em 2013, 29 anos de existência e de luta contínua33. A respeito

33

Há exemplos de outros movimentos sociais organizados que dirigem e representam os camponeses pobres sem terra ou com pouca terra no Brasil no século XXI. Eles poderão ser objeto

52

disso, destacam-se as pesquisas factuais e históricas específicas sobre a Guerrilha

de Porecatu, retratadas no livro “Porecatu: A guerrilha que os comunistas

esqueceram”. (OIKAWA, 2011). Este trabalho que consumiu mais de duas décadas

de pesquisa, teve a colaboração e a participação de dirigentes do MST como

Roberto Baggio e José Damasceno, e o fato de estar se “retomando o debate com o

livro de Marcelo Oikawa”, é para Darci Frigo (2012) uma forma de dar “outro sentido

àquela luta histórica”.

Depreende-se, inclusive, que a representatividade da classe camponesa fica

dependente do contexto sociopolítico no qual está inserido. Exemplifica-se o caso

das Federações e Confederação dos trabalhadores rurais atuantes durante o

governo militar e que eram os únicos espaços reivindicativos dos interesses dos

camponeses permitidos. Também, a atuação das Ligas Camponesas e o caso dos

sindicatos rurais comunistas que atuavam em realidades diferentes. A análise dos

objetivos principais das organizações que dirigiram os trabalhadores rurais e o

relacionamento com movimentos contemporâneos pode ser o denominador comum

que une os representantes do campesinato de diferentes épocas.

Pode-se conjecturar que os espaços reivindicativos, e de luta pela terra,

anteriores ao governo militar que foram extintos, vieram a ser preenchidos

paulatinamente no decorrer do regime. E o MST, possivelmente, é um dos

movimentos sociais que vem a preencher tais lacunas no fim do governo militar,

atuando conforme a realidade contemporânea e ressaltando lutas ocorridas sob

outros contextos. É nesse movimento dialético que se situa a busca pela conquista

da terra e por outros objetivos da classe camponesa representada pelo MST,

analisados neste Trabalho.

Os aspectos geradores do fortalecimento da classe camponesa, os quais

podem vir agregar às suas reivindicações políticas outras demandas da classe

trabalhadora são também objetos de estudo desta análise, tendo como referência

contemporânea o MST. Este Movimento, particularmente no Paraná, tem adotado

estratégias de resistência, visando o próprio fortalecimento e da classe trabalhadora,

de análises posteriores. Dentre eles: O Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Liga dos Camponeses Pobres (LCP), o Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST), Movimento Camponês Popular (MCP), o Movimento Nacional de Luta por Moradia (MNLM), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Dentre os povos tradicionais, também existem inúmeros exemplos de organizações que lutam em defesa da terra, do território e dos direitos de comunidades e nacionalidades indígenas afetadas como, por exemplo, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

53

que vão além das ocupações, manifestações de cunho político nas cidades e

marchas, embora sejam as principais formas de pressão política do Movimento

também historicamente. O Paraná é um dos Estados da federação no qual a

concentração de terra é mais preponderante, ocasionando muitas ações do MST,

sendo que uma forte repressão é desencadeada.

Além dos enfrentamentos históricos e emblemáticos dos posseiros de

Porecatu e dos posseiros e colonos da região de Francisco Beltrão durante as

décadas de 1940 e 1950, houve muitas desocupações e violências contra

camponeses sem terra deste então no território paranaense. No ano 2000, e na

primeira década do século XXI, há exemplos que cabem ser exemplificados a título

de demonstração da resistência e luta contínua pela terra dos camponeses

organizados. No ano 2000, dezenas de ônibus com trabalhadores rurais Sem Terra,

que se dirigiam a manifestação em Curitiba foram impedidos de chegar à cidade. Os

trabalhadores sofreram repressão e além de vários feridos houve a morte do Sem

Terra Antônio Tavares. No ano de 2007, na reocupação pelo MST e Via Campesina

da fazenda da Syngenta (na cidade de Santa Teresa do Oeste), houve confronto e

foi morto Valmir Mota de Oliveira, líder do MST conhecido como Keno, na repressão

desencadeada por milícias armadas e a empresa de segurança da multinacional.

(BAHNIUK, 2008, p. 28-29). As iniciativas de construção de um monumento na

região onde foi morto Antônio Tavares e o fato de constantemente ser lembrada a

memória do líder Keno, exigindo justiça, demonstram a preocupação do MST em

homenagear seus mártires, dando continuidade a uma luta pela qual morreram.

As formas de resistência apontadas acima e que resultaram em morte de

seus militantes, parecem ser as maneiras pelas quais o MST ficou mais conhecido

pela sociedade de forma geral. Mas, além das pressões políticas citadas acima, o

Movimento tem buscado resistir de outras maneiras, visando ao fortalecimento dos

Assentamentos. Através de parcerias com iniciativas do Governo Federal, as quais

buscam colocar em prática programas como o da Reforma Agrária, o MST tem

desenvolvido no Estado do Paraná, em alguns Assentamentos, Cooperativas34 que

buscam dar autonomia econômica aos assentados e colocar em prática o modelo

34

No Estado do Paraná, há 20 mil famílias assentadas em 311 assentamentos, havendo 17 cooperativas organizadas. Dados referentes ao ano de 2012 e obtidos na Cartilha sobre as Cooperativas do Paraná: “Cooperativas da Reforma Agrária do Estado do Paraná – História de Lutas, Conquistas e Sucesso”, produzida pela Cooperativa Central da Reforma Agrária do Paraná (CCA/PR) cedida por Roberto Baggio ao autor.

54

agroecológico de agricultura, ou seja, um modelo de resistência e alternativo a lógica

hegemônica do agronegócio. A grande variedade de alimentos, orgânicos,

agroecológicos produzidos pelas Cooperativas são comercializados com as cidades

próximas e também exportados. Além do aspecto econômico, indispensável, pois, o

trabalho cooperado e coletivo visa reforçar a solidariedade e união dos assentados e

servir de modelo aos Assentamentos do MST a nível nacional.

Frente a uma expansão do agronegócio, as iniciativas das Cooperativas,

Agroindústrias e Associações nos Assentamentos do MST podem figurar como

soluções de enfrentamento ao êxodo rural, para a valorização da terra e do meio

ambiente e para quem nela trabalha, pela valorização da cultura camponesa. Indica,

também, que o trabalho coletivo de camponeses fortalece-os como classe. Supõe-se

que tais Cooperativas podem ter surgido da necessidade da união camponesa para

dar conta das dificuldades do campo, e da constatação de exemplos de ajuda mútua

que dão certo como os mutirões e as “trocas de dia”. Destacam-se nesse Trabalho,

exemplos que podem ter se acumulado ao longo da história do Paraná na prática

cotidiana do campesinato em luta pela terra, como os dos guerrilheiros de Porecatu

trabalhando em suas roças.

O fato de o MST valorizar a cultura camponesa, relacionando-a com a

história de lutas da classe camponesa, através das manifestações político-culturais

como a “mística”, através do estudo das lutas dos camponeses pobres organizados

do passado e através da valorização da natureza e do homem visando a harmonia e

a preservação de ambos35, indica que este Movimento tem buscado relacionar a

memória da classe com a aplicação concreta das lições históricas da classe

camponesa na contemporaneidade. A respeito dessa última possibilidade atrelada

diretamente ao conflito Guerrilha de Porecatu, conjectura-se que este foi um

movimento que reforçou a identidade de classe camponesa, por também combater o

latifúndio e ter como objetivo principal a permanência dos camponeses em suas

posses. A busca por relações entre a experiência histórica da Guerrilha com a

prática do MST na atualidade será o foco de análise do Capítulo III deste Trabalho.

A análise a que se pretendia nesse capítulo, indica que o MST como

representante de camponeses em luta pela terra, juntamente com outras

35

Entende-se que, sobre esse assunto, há linhas científicas indicando o desenvolvimento rural sustentável, a agricultura familiar e modelos alternativos de agricultura como a agroecologia, como exemplos para a superação de interpretações errôneas, as quais apontam o fim do meio rural. Destacam-se as pesquisas de Brandemburg (1999).

55

organizações como a CPT, é um movimento social que segue lutando pela terra

para os camponeses, reforçando sua identidade de classe em consonância com a

classe dos trabalhadores. Supõe-se que dirige e representa o campesinato, partindo

das lições que apreendeu com as lutas do passado, mantendo-as vivas, dando

continuidade a elas e em busca de estratégias mais eficientes para fortalecer o

campesinato coletivamente, constatado no trabalho dos cooperados nos

assentamentos. Ou seja, a resistência dos camponeses organizados em luta pela

terra é contínua, em virtude de haver uma disputa pela terra com o agronegócio.

Também, os métodos e formas da resistência pelos camponeses são modificados

de acordo com o contexto de cada época.

A disputa que ocorre no campo e que afeta a cidade é enfatizada por

Roberto Baggio em entrevista, o qual salienta outros aspectos referentes aos

objetivos do MST para a consolidação do seu projeto para a sociedade:

No fundo, a luta atual pela reforma agrária é uma luta muito mais complexa. Porque estão em jogo, na agricultura brasileira, dois projetos. Um é o do agronegócio. Outro é o dos camponeses. (...) E então cada palmo de terra existente no território nacional o agronegócio quer para ele e, por sua vez, os camponeses querem para eles, então é uma disputa de classes, luta de classes. É claro que hoje o agronegócio leva vantagem, porque vem se apropriando da propriedade da terra e há muito capital transnacional, há muita manipulação, eles estão na ofensiva nesse contexto todo. Mas também no nosso lado estamos resistindo e dialogando (...) O projeto do Capital na agricultura e seus malefícios, não se sustenta, está fundamentado em pilares que vão gerar outras contradições estruturais na sociedade brasileira e abrem outros leques pela frente. Modelo de agricultura sustentável está na agroecologia, na biodiversidade, agricultura camponesa familiar. Dialogar, qual alimento a sociedade quer: com veneno ou sem veneno? (...) Disputando recursos e pressionando o Estado para que dê atenção e que ajude a construir uma agricultura sustentável, baseada na pequena propriedade rural. (BAGGIO, 2013).

Percebe-se a constatação verificada pelo dirigente do MST do Paraná que

dentro do objetivo de conquistar a terra, estão incluídas outras contradições que

precisam ser sanadas. Inclusive, constata-se, de forma materialista, que ao não

adotar-se um modelo de agricultura sustentável, ao não se combater o projeto do

capitalismo, surgirão “outras contradições estruturais na sociedade brasileira”. Dessa

maneira, supõe-se que o MST possua metas que podem vir a se aproximar do

conteúdo das reivindicações dos guerrilheiros de Porecatu, dirigidos pelo PCB. Este

propugnava objetivos que iam além das fronteiras de Porecatu e do Paraná, visavam

56

combater aquela forma de capitalismo que estava se implantando naquela região e,

conjectura-se, influenciar outras revoltas de camponeses sem terra no território

nacional.

Percebe-se, no relato de Baggio o entendimento sobre a correlação de

forças no âmbito da luta de classes no campo e a continuidade da luta pela terra dos

camponeses organizados. A resistência dos camponeses pode ser verificada

através da implantação de um projeto de agricultura que prioriza a saúde em

contraposição ao projeto do agronegócio. Fornece elementos para a indicação de

que há um fortalecimento da identidade de classe camponesa e, consequentemente,

da memória dos que combateram pela terra. O desencadeamento dessa luta

atravessa séculos de batalhas e incontáveis vidas e, nesse sentido, segue uma

passagem do Livro Conflitos no Campo que auxilia nessa análise acima:

Apesar de tudo, a CPT junto com os homens e mulheres da terra, das águas e das florestas, e suas organizações e movimentos, continua acreditando na força dos fracos, pois, como diz a pastora Nancy Cardoso, tomando emprestadas palavras de Cláudia Korol, que cita Roque Dalton: “‘Os mortos estão cada dia mais indóceis’, cada dia mais indóceis, cada dia mais rebeldes… e assim como o inimigo não deixou de vencer, os povos não deixaram de resistir e de criar novos espaços e possibilidades para viver os sonhos de mudar o mundo”. (CPT, 2013, p. 7).

Sobre as continuidades e rupturas determinantes para o prosseguimento da

luta pela terra no Brasil e particularmente no Paraná, com relação às suas origens,

finaliza-se esse capítulo ressaltando as palavras acima de que “os povos não

deixaram de resistir e de criar novos espaços e possibilidades para viver os sonhos

de mudar o mundo” relacionando-as com a prática dos movimentos sociais que

representam os camponeses pobres em luta pela terra contemporaneamente,

especificamente o MST.

57

5 – RELAÇÕES ENTRE O SIGNIFICADO HISTÓRICO DA GUERRILHA DE

PORECATU E LUTAS EM TORNO DA QUESTÃO AGRÁRIA NOS DIAS ATUAIS

Neste capítulo, analisar-se-á possíveis relações entre a luta pela terra, e

seus motivos desencadeadores, no episódio Guerrilha de Porecatu e a luta

empreendida pelo MST no cenário contemporâneo – enfocando entrevistas

concedidas por dirigentes, documentos e materiais teóricos. O objetivo, dessa

maneira, é investigar as influências da Guerrilha sobre o MST, lançando mão da

visão do Movimento sobre aquela e das possíveis influências, na prática e na teoria

do MST, que podem vir a ser interpretadas como “herdadas” das lutas históricas da

classe camponesa, mais especificamente, se há lições apreendidas dos

camponeses organizados no conflito de Porecatu. Busca-se verificar se essas lições

são observadas na prática do MST. Para tal objetivo e para evitar o mecanicismo e a

simples justaposição contextual das realidades estudadas, o método dialético e

materialista será empreendido a fim de buscar demonstrar que as bases estruturais,

sociopolíticas e econômicas, responsáveis pelo desencadeamento do conflito no

Norte do Paraná podem estar vigentes no século XXI. Dessa forma, tais bases

renovadas, podem seguir alimentando contradições com a classe camponesa que

segue organizando-se.

Portanto, trata-se de buscar responder e “dar luz”, sobretudo, a um problema

de pesquisa: o que a experiência da luta camponesa em Porecatu, suas causas,

métodos e consequências, influenciam o MST mais especificamente? Tais

influências, cujas existências serão verificadas, se dão no nível prático ou elas

localizam-se mais no plano da memória histórica, que tomam o episódio como algo

que ficou no passado? Para dar conta de responder a tais questionamentos,

principalmente com relação às consequências no MST, é imprescindível lançar mão

de analisar a memória (a prática vivenciada por aqueles posseiros militantes e o que

isso significa para os militantes contemporâneos) sobre o episódio, tanto no que diz

respeito ao que é narrado nas entrevistas e documentalmente como no que

representa a Guerrilha para os movimentos sociais contemporâneos.

Cabe salientar que, nesse trabalho e nesse capítulo em particular, serão

analisados os desdobramentos sociopolíticos dos efeitos do conflito de Porecatu

sobre o MST. Significa que serão levantadas algumas trajetórias das lutas

58

camponesas e analisar-se-á se estas estão permeadas das influências

organizativas, ideológicas e sociopolíticas verificadas em Porecatu.

Dialeticamente, parte-se da materialidade de que o conflito está inserido

num tempo determinado e possui práticas apreendidas e re-significadas ao longo do

tempo (a fundação do PCB é de 1922 e as primeiras revoltas pela terra registradas

historicamente datam da primeira metade do século XVI). Portanto a representação

em si da Guerrilha, do episódio em si, pelos movimentos sociais contemporâneos,

respeita a uma análise não pontual, mas a um acúmulo de experiências sociais,

culturais e políticas das lutas pela terra pelos diversos povos.

A reivindicação por terra e condições dignas de trabalho por trabalhadores

rurais no Estado do Paraná não cessou após o término da Guerrilha de Porecatu.

Pelo contrário, revoltas de camponeses ocorriam e também foram criados e

organizados os primeiros sindicatos rurais do Paraná. Sobre essa relação de

continuidade estrutural, Osvaldo Heller aponta:

(...) De um lado ela favoreceu o desenvolvimento ulterior do sindicalismo rural no Paraná; de outro lado, esteve na origem de toda uma série de lutas e conflitos sociais que se disseminaram no Paraná, ao longo dos anos 50 e no começo dos anos 60, sem que se possa, no entanto, estabelecer esquematicamente relações de causalidade. (...). (SILVA, 2006, p. 166).

Pesquisadores, ao longo das décadas, têm buscado levantar os fatos

ocorridos e o tema aqui tratado tem despertado interesse crescente a partir da

década de 198036. Nesse ponto que se verifica a importância de existir fontes

alternativas ao PCB, muito embora este tenha estado presente na direção da

maioria das organizações sindicais rurais, paranaenses e brasileiras, em defesa dos

direitos dos camponeses pobres, até a década de 1960. (SILVA, 2006). Fontes

alternativas são importantes, nesse caso, em virtude de dirigentes centrais do PCB

terem criticado, anos depois do conflito, o desencadeamento da Guerrilha e de não

terem feito auto-crítica, deixando a história sobre o acontecimento quase cair no

36

Alguns trabalhos que se destacam na pesquisa sobre o tema: Angela Duarte Damasceno Ferreira: Agricultura Capitalista e Campesinato no Norte do Paraná: Região de Porecatu – 1940-1952 (1984). Pedro Paulo Felismino: A Guerra de Porecatu: a história do movimento armado pela posse da terra que sacudiu o norte do Paraná nas décadas de 40 e 50 – publicado na Folha de Londrina em 1985. Angelo Priori: A Revolta Camponesa de Porecatu (2000) e O Levante dos Posseiros (2011). Osvaldo Heller da Silva: A Foice e a Cruz – Comunistas e católicos na história do sindicalismo rural do Paraná (2006). Sonia Sperandio Lopes Adum: A subversão no paraíso: o comunismo em Londrina – 1945/1951 (2002). Marcelo Eiji Oikawa: Porecatu – A guerrilha que os comunistas esqueceram (2011).

59

esquecimento. Sobre o “silêncio”, por parte do PCB, que foi verificado após o

término do conflito de Porecatu, Priori questiona:

Um outro silêncio que ainda está para ser investigado é o do Partido Comunista. O movimento de Porecatu sempre foi ignorado pelo Partido. Pouquíssimos são os documentos que tratam do assunto, mesmo assim por meio de citações rápidas. Não foi localizado relatório crítico algum sobre o movimento, nem mesmo os militantes falaram sobre o tema. As exceções foram João Saldanha e Manoel Jacinto Corrêa. E, agora, como foi elucidado neste livro, Hilário Gonçalves Pinha. Mas dos altos dirigentes o silêncio é total. Não localizamos texto ou documento algum escrito por Prestes sobre a revolta. (...) Pensamos que o indicativo desse silêncio foram os acontecimentos que se seguiram ao XX Congresso do PCUS e a publicação da Declaração de Março de 1958, documento que demonstra a nova política adotada pelo PCB a partir de então e que sintetiza uma proposta de ruptura com o seu passado, isto é, o caminho da luta revolucionária armada é abandonada pelo caminho pacífico da revolução brasileira. (PRIORI, 2011, p. 221).

Dessa maneira, tem sido possível ir além da versão oficial do PCB sobre o

episódio e levantar dados coletados diretamente e/ou indiretamente com os

envolvidos naquele conflito pela posse da terra. Esses atores sociais, hoje já

falecidos, puderam expressar suas memórias sobre os acontecimentos fornecendo

um rico material a ser interpretado à luz de suas práticas. A partir deste material, foi

possível verificar as críticas de militantes e posseiros locais ao balanço do PCB

sobre a Guerrilha. Manoel Jacinto, um dos militantes mais atuantes e importantes no

episódio, diz a esse respeito na década de 1980 (em depoimento guardado por sua

família):

Nunca procuraram tirar dessa luta o menor ensinamento. Nunca procuraram fazer uma análise crítica e autocrítica. Autossuficientes e vaidosos chegaram a considerar alguns integrantes como aventureiros, sem nunca reconhecer que essa luta foi feita sob o comando e orientação deles mesmos. Se haviam aventureiros, eles estavam no próprio organismo que autorizou os quadros intermediários a esse tipo de luta. Foram eles que não levaram em conta o respeito ao posseiro, à sua origem, às suas condições ideológicas. Não levaram em conta seus objetivos simples de luta pela posse da terra. (...) Do ponto de vista militar, em que existia uma imensa superioridade da polícia e dos jagunços em comparação com a quantidade de homens que participaram da resistência, acho que houve vitória, pois os principais dirigentes não caíram presos. (...) Eu, de minha parte, acho que deve ser levado em conta o que teve de negativo e o que teve de positivo, porque esse é o caminho de todo mundo que luta. (OIKAWA, 2011, p. 310).

Nota-se que Manoel Jacinto, quadro importante do PCB na época do

conflito, explora a crítica ao Partido na sua fala. O faz em virtude das críticas que os

posseiros receberam de alguns dirigentes do PCB. Manoel Jacinto, conta que o

60

segundo comandante dos guerrilheiros, Celso Cabral de Mello, conhecido como

“Capitão Carlos”, subestimava os camponeses, o que gerou divergências entre estes

e aquele. (OIKAWA, 2011). Destaca-se que o Capitão Carlos, ao ser preso, foi o

responsável por delatar seus companheiros que ainda estavam embrenhados na

mata. Conjectura-se que as divergências entre esse membro do PCB, enviado para

comandar os resistentes, e os camponeses já fosse um indicativo da falta de ligação

de alguns dirigentes do partido com as massas camponesas, sua identidade de

classe, suas demandas e sua cultura. Sobre os erros cometidos serem de

caracteres individual e/ou partidários, Maurício Grabois, dirigente nacional do PCB

na época da Guerrilha, publicou diretrizes do partido em 1949, dois anos antes do

fim do conflito, que podem auxiliar em constatações:

Para ganhar as concentrações camponesas mais importantes do país é indispensável organizar as lutas no campo, indo ao encontro das massas camponesas, levantando as suas reivindicações, sem querer impor reivindicações que não são por elas ainda sentidas sendo, no entanto, necessário popularizar, entre os camponeses, as reivindicações defendidas pelo nosso Partido. É certo que a posse da terra é a reivindicação mais importante e central dos camponeses, mas precisamos ter sempre em conta que para organizar as massas camponesas e iniciar lutas, desempenha um grande papel o levantamento de outras reivindicações mais elementares, como por exemplo melhores condições de trabalho e de contrato de arrendamento, abolição de vales e de barracões, maior prazo nos contratos de arrendamento e garantia de poder reformá-lo, liberdade de comércio, diminuição dos impostos e fretes, crédito barato, garantia para os preços dos produtos e demais reivindicações que possam existir. (GRABOIS, 1949).

Propriamente sobre o desfecho da Guerrilha de Porecatu – o

desmantelamento ocorre em julho de 1951 – e a maneira como foi tratada por

militantes comunistas. Carlos Mariguella, também dirigente nacional do PCB na

época, requisitou um balanço escrito da Guerrilha aos principais guerrilheiros e

comunistas (Hilário Gonçalves Pinha e Arildo Gajardoni) que participaram e dirigiram

o conflito armado. Estes entregaram a ele um documento de 500 páginas, mas o

balanço não foi encontrado posteriormente. (OIKAWA, 2011). Neste documento

provavelmente estaria contida a memória dos guerrilheiros – alguns desses,

membros do PCB – e suas avaliações. Porém, pesquisas e falas como a de Correia,

indicam que o PCB criticou a experiência da Guerrilha no norte do Paraná,

considerando-a como sendo fruto de “aventureirismo” (OIKAWA, 2011, p. 310), ou

seja, criticaram o fato de se empreender uma luta armada para aqueles objetivos –

61

defesa da posse das terras pelos camponeses. Contraditório considerando a diretriz

publicada por Grabois em 1949.

É possível, portanto, que o silêncio do Partidão sobre o conflito se dê, e tenha

se dado, em virtude dele considerar um erro a Guerrilha e, de acordo com Luis

Carlos Prestes, carecendo de avaliação e discussão. (OIKAWA, 2011, p. 309).

Também, conjectura-se que o PCB tenha buscado não comentar mais o assunto

pelo fato de ter havido uma “traição” por parte de Celso Cabral de Mello. São apenas

conjecturas que demandam pesquisa própria.

O PCB, nas décadas seguintes, sofreria mudanças e rupturas – alguns

quadros dirigentes deixaram esse partido devido a divergências e fundaram em

1962 o PCdoB – justamente por conta da incompatibilidade das linhas ideológico-

políticas orientadoras do Partido, as quais, de um lado, uma propugnava a critica

àquela revolta armada e ao conteúdo do Manifesto de 1950, por exemplo, e de outro

lado, a outra linha defendia que a luta armada era o caminho da revolução no Brasil

e que esta se gestaria e se apoiaria com a luta no campo. Decorre que, devido a

atuação do PCB orientado por esta última linha política, os camponeses de Porecatu

uniram-se e formaram um grupo guerrilheiro, visando resistir às violências e à

manutenção das posses. Manoel Jacinto, para tratar essas contradições, faz uso da

dialética marxista e afirma: “(...) deve ser levado em conta o que teve de negativo e

o que teve de positivo, porque esse é o caminho de todo mundo que luta.” Esse

método, abarcará a análise das relações entre aquele conflito, da década de 1940 e

1950, e o MST e verificar-se-á se no caminho destes, que lutam atualmente, há

lições da luta daqueles.

Na parte do depoimento de Manoel Jacinto Correia, que citei acima, verifica-

se também a importância da posse da terra para o camponês daquela época, à qual

era o objetivo principal da resistência. O PCB, entretanto, projetava em Porecatu

uma oportunidade de influenciar outros movimentos similares no Brasil, a fim de

iniciar uma revolução pelo campo. Pode-se sugerir que a conjugação dos objetivos

em torno da conquista da posse da terra, possibilitou a união da classe camponesa

para lutar por esses objetivos e outros, inerentes às suas demandas de

trabalhadores do campo, ampliando-os com reivindicações de operários urbanos,

nacional e internacionalmente através da direção do PCB. É possível comparar essa

análise com a prática dos camponeses dirigidos pelo MST. Estes conjectura-se,

lutam/lutavam pela terra e com o tempo, no convívio coletivo e com politização

62

constante passam a lutar como integrantes da classe dos trabalhadores e lutando

por direitos que vão além da conquista da terra. Caldart (2004) comenta sobre a

ampliação da luta específica pela terra pelos camponeses do MST, e como esse

processo constrói-se historicamente e na prática com “outras forças sociais”:

Nesse momento da conjuntura nacional, pois, não fica muito difícil perceber que o mesmo modelo de desenvolvimento que privatiza a Vale do Rio Doce é o que impede a realização da Reforma Agrária e aumenta escandalosamente o número de trabalhadores desempregados na cidade e no campo. O sem-terra brasileiro, desse momento histórico, é, então, aquele que consegue estabelecer essas relações e por isso a ele mesmo não estranha mobilizar-se contra a venda de uma estatal de minérios, algo aparentemente distante de sua realidade. Talvez isso fosse mais difícil para o sem-terra do primeiro momento da trajetória do MST, mas não o é para o sem-terra enraizado em uma organização que construiu sua identidade na luta de classes, e que não pode fazer senão em conjunto com outras forças sociais. (CALDART, 2004, p. 153).

Destaca-se, a respeito da memória de classe a qual serve de fonte factual e

epistemológica ao trabalho, a importância do levantamento da memória camponesa

sobre o conflito, empreendido pelos pesquisadores citados em nota. Trata-se de

uma memória da classe – memória de camponeses que se uniram, conviveram

coletivamente para lutar pela classe dos camponeses pobres e trabalhadores rurais,

principalmente, e não apenas pelos seus próprios interesses que eram as

conquistas das posses – que estaria esquecida não fossem as pesquisas

empreendidas por estudiosos ressaltados na Monografia. A memória de classe,

portanto, vem contrapondo-se, a partir da sociologia e historiografia, à memória

oficial, hegemônica. Têm-se ciência que isso é fruto da conjuntura da luta de classes

no campo da propagação das ideias e das memórias. Sobre a relação entre as

ideias e as bases materiais, dispõe-se dos questionamentos e análises de Marx e

Engels:

Será necessária uma profunda intuição para entender que as ideias, os pontos de vista e as concessões do homem, resumindo, a consciência do homem muda segundo toda mudança nas condições de sua existência material, nas suas relações sociais e na sua vida social? O que mais prova a história de ideias do que a produção intelectual muda de caráter na proporção em que a produção material muda? As ideias dominantes de cada época sempre foram as ideias da classe dominante. (MARX e ENGELS, 2002, p. 40).

63

Entretanto, iniciativas várias existem no sentido de contrapor esta noção37.

Da mesma forma, movimentos que apoiam e defendem a luta camponesa pela terra,

buscam contrapor essas “ideias dominantes” interpretando a realidade a partir da

cultura camponesa e propondo caminhos a fim de superar a criminalização, entre

eles o resgate da história das lutas:

Na América Latina de modo exemplar os movimentos sociais são criminalizados pelos aparatos judiciários e demonizados pela mídia e as elites. As fragilidades reais dos movimentos sociais não podem ser confundidas com as imagens criminosas e demoníacas que as agências burguesas veiculam. Neste sentido é vital a manutenção destes dois aspectos: 1- o resgate da história, do uso de muitos; e 2- a necessária construção de um olhar sobre as belezas interrompidas ou inacabadas. O desenvolvimento no interior dos movimentos sociais de símbolos identitários da luta – críticos e criativos – que valorizem as bordas amassadas e celebrem os projetos interrompidos, revelam o lugar importante da mística da luta. (Nancy Cardoso Pereira In CPT, 2013, p. 111).

A Guerrilha de Porecatu teve grande repercussão na imprensa regional e

nacional na época, inclusive nos jornais orientados pelo PCB. Contudo, o

levantamento feito e, em parte, utilizado para produzir esta Monografia, pôde

“costurar” os acontecimentos e contrapor as diferentes versões, enfatizando a

memória de classe dos posseiros e militantes que participaram efetivamente do

conflito, os quais não tiveram suas falas e prática contempladas até então. Marcelo

Oikawa destaca na sua análise, que Manoel Jacinto Correia guardou “por mais de

três décadas a sua versão da história por uma férrea disciplina comunista que sentia

o dever de manter tudo em segredo”. (OIKAWA, 2011, p. 315). Ou seja, o governo

militar foi responsável por um “vácuo histórico”, por silenciar historicamente

episódios como a da Guerrilha de Porecatu, recuperada através dos relatos de

Correia e graças à sua disciplina férrea.

Nesse ponto, cumpre ressaltar que os movimentos sociais em luta pela terra,

contemporâneos, particularmente o MST, possuem uma análise sobre a relação

entre as classes em luta e o controle da veiculação dos fatos, sejam históricos ou

contemporâneos. A memória histórica da luta da classe camponesa, assim como as

notícias referentes às lutas empreendidas pelos camponeses pobres no século XXI,

está sujeita – o que é inerente na luta de classes – a disputas com as “verdades”

37

Um dos exemplos e iniciativas contemporâneas de resgate da memória da classe camponesa e da resistência de classe à repressão, relacionada ao tema deste Trabalho, produzida por órgãos públicos em conjunto com cientistas e movimentos sociais, é Retrato da Repressão Política no Campo – Brasil 1962-1985 – Camponeses torturados, mortos e desaparecidos, de 2011.

64

defendidas pelas classes antagônicas. Estas possuem instrumentos como, por

exemplo, os grandes meios de comunicação. Cito uma passagem da entrevista com

Baggio em que destaca a aliança de classes na qual estão inseridos, também, os

grandes meios de comunicação:

(...) Na origem, quem fecundou ou constituiu o Estado brasileiro? Na essência foi a burguesia agrária. O Estado brasileiro é o espaço que atende os interesses completos do capital transnacional agrário. Eles acham que isso é deles. Têm mais força que o próprio governo. Que eles que mandam, eles que têm a dinâmica, tanto do ponto de vista do uso dos recursos, legislação, mudança da lei, tudo que precisam, vão operando. Articulados com quem? Precisam mudar a lei: Senado e Câmara; Precisam reprimir rebelião popular de camponês: judiciário e polícia. Eles têm relações muito profundas com esse projeto. Casado com isso, com esse modelo do agronegócio, tem o papel que jogam os meios de comunicações: como fazer vencer na sociedade esse modelo, dessa agricultura de exportação, que envenena? Há um bombardeio de informações constante, utilizado por grandes meios de comunicação. A burguesia, proprietária dos meios de comunicação, uma parte dela também se associa ao capital transnacional, capital agrário, capital das agroindústrias; é o núcleo dirigente, uma aliança de classe. Na essência o agronegócio é uma aliança de classe do capital financeiro, agrário, empresas de comunicação, Estado Brasileiro e grandes empresas, para organizar esse modelo de agricultura de grande escala, química, monocultura, pouco uso de mão de obra, e produz para o mercado internacional. (...). (BAGGIO, 2013).

Esta análise também parece demonstrar a importância, para o MST, da

interpretação da sociedade a partir da consciência de classe do camponês, que faz

parte da classe trabalhadora. Parte-se da visão, do lugar do camponês sem terra ou

com pouca terra, de suas contradições sociais, culturais, políticas e econômicas com

latifundiários, grileiros, grandes proprietários de terra a fim de explicitar o alcance

das alianças destes e os impactos na vida não somente do camponês, mas de uma

classe. Esse entendimento é fruto da consciência de classe, da luta constante pela

terra e por objetivos políticos amplos, no qual está inserido o MST na conjuntura

sócio-histórica nacional e internacional.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra participa na luta e organização dos trabalhadores rurais do continente americano através da Coordenação Latino-Americana das Organizações do Campo (CLOC) e, em nível mundial, através da Via Campesina. (MST, 2012, p. 6).

Da mesma forma, pode-se verificar que, no conflito de Porecatu, a união e

luta por objetivos em comum dos posseiros e trabalhadores rurais, a atuação como

classe camponesa para si e não em si apenas, lutando contra outra classe definida,

65

portanto, havendo identidade de classe determinada, indica que os camponeses,

gradativamente, foram adquirindo a consciência de classe durante a luta pela terra.

E, dirigidos pelo PCB, produziram volantes e manifestos demonstrando que lutavam

pelos direitos dos trabalhadores, da classe trabalhadora. À respeito da afirmação

classe camponesa “para si” em oposição à “em si”, recorremos a uma passagem de

Marx em O Dezoito Brumário com a finalidade de encontrar a diferenciação:

(...) Na medida em que milhões de famílias camponesas vivem em condições econômicas que as separam umas das outras, e opõem o seu modo de vida, os seus interesses e sua cultura aos das outras classes da sociedade, estes milhões de famílias constituem uma classe. Mas na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local e em que a igualdade de seus interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação alguma, nem organização política, nessa exata medida não constituem uma classe. (...). (MARX, 2006, p. 132-133).

O PCB buscou unir os posseiros através da luta coletiva, promovendo com

isso a ampliação da consciência de classe. Deixaram de ser posseiros isolados para

atuar coletivamente, não especificamente como um movimento social organizado,

mas como um grupo que possuía coesão, determinada sobretudo pela disciplina

imputada pelos dirigentes comunistas, e pela situação em que estava em jogo a vida

daqueles “posseiros resistentes”. A coesão, seja dito, não se limitava ao território

conflagrado, estendia-se, via órgãos de imprensa próprios e apoiadores da época,

ao território nacional. Essa identidade camponesa, culturalmente estabelecida,

notada pela importância da posse do bem maior aos camponeses: seu lote de terra.

A consciência social dos posseiros, observada pelas suas situações sociais

e pelas suas identidades sociais, transformou-se numa consciência de classe a

partir do momento em que os camponeses se organizaram e se politizaram e

identificaram que teriam que travar batalhas contra inimigos de classe – grileiros e

latifundiários. Procura-se analisar relações entre essa consciência de classe,

observada através das pesquisas sobre a prática dos guerrilheiros de Porecatu, e a

dos camponeses movidos pelo MST contemporaneamente. Sobre o conceito de

“consciência de classe”, principalmente com relação a sua aplicação na análise dos

movimentos sociais em luta pela terra, Vendramini destaca pedagogicamente:

Quando o conceito de classe vem sendo questionado, estando mesmo em desuso, consideramos importante destacá-lo e confirmá-lo como uma categoria de análise fundamental para a compreensão do potencial de luta do MST, da sua capacidade de organização coletiva e de autonomia

66

política, a partir das suas experiências concretas. (VENDRAMINI, 2000, p. 197).

A luta de classes travada no Norte do Paraná38 teve a luta pela permanência

dos posseiros nos seus lotes de terra, o motivo que desencadeou a resistência dos

posseiros. Dentre as categorias em luta envolvidas destacam-se os especuladores,

latifundiários, políticos influentes e grileiros contra os posseiros. Uma das

peculiaridades envolvendo o conflito foi a ação de um partido político, o PCB como

dirigente da resistência armada e desarmada. Esse fato, identificado nos capítulos

precedentes, serviu para potencializar o objetivo primordial dos posseiros, e também

forneceu elementos para que uma luta, aparentemente, pela posse da terra se

descortinasse e seu caráter fosse descoberto e defendido pelos camponeses como

luta de classes. Entre os fatores em que tal análise se apoia, está a orientação

ideológica do PCB à época do conflito, em que possuía como bases ideológicas as

teorias de Marx e Lênin e pode ter sofrido influência de exemplos da Revolução

Chinesa dirigida por Mao Tsé Tung. Identifica-se isto, pois durante a Revolução

Chinesa39 os camponeses desempenharam um papel principal junto aos operários e

soldados chineses. Sobre isso e sobre a política maoísta para com a classe dos

camponeses, que pode ter influenciado o PCB, cita-se uma passagem do Livro

Vermelho, exemplificando, o qual reúne alguns informes e relatórios do Partido

Comunista da China referentes à época:

A expansão atual do movimento camponês constitui um acontecimento colossal. Em muito pouco tempo, nas províncias do Centro, Sul e Norte da China, várias centenas de milhões de camponeses hão de levantar-se como um poderoso furacão, uma tempestade, uma força tão vertiginosa e violenta que nenhum poder, por maior que seja, poderá deter. Eles quebrarão todas as cadeias que os amarram e lançar-se-ão pelo caminho da libertação. Sepultarão todos os imperialistas, caudilhos militares, funcionários corrompidos, déspotas locais e maus nobres de província. Todos os partidos revolucionários e todos os camaradas revolucionários serão postos à prova pelos camponeses, sendo aceitos ou rejeitados segundo a escolha que tiverem feito. Há três alternativas: marchar à frente dos camponeses e dirigi-los? Ficar atrás deles, gesticulando e criticando? Erguer-se diante deles para combatê-los? Cada chinês está livre para escolher entre essas três alternativas, mas os acontecimentos forçarão toda a gente a fazer

38

Parte-se do pressuposto, de acordo com a escolha do referencial teórico para o Trabalho, que a luta de classes é travada continuamente independente do lugar, modificando-se a intensidade da própria luta. O fato de ser ressaltado o Norte do Paraná é devido à condição peculiar em que se desencadeou e se desenvolveu a Guerrilha de Porecatu. 39

A Revolução Chinesa teve duração de décadas e foi retratada e documentada em Obras Escolhidas de Mao Tsé Tung, a qual possui quatro Tomos, abrangindo desde o início da guerra civil, a vitória contra o Japão e concluindo na expulsão da classe da burguesia, representada pelo partido Kuomitang, para a ilha de Taiwan. (TUNG, 2004).

67

rapidamente uma escolha. “Relatório sobre uma investigação feita em Hunam a propósito do movimento camponês” (Março de 1927), Obras Escolhidas, Tomo I. (TUNG, 2004, p. 92)

Portanto, o PCB procurava colocar em prática no Brasil táticas do seu

programa para desencadear a Revolução e conjectura-se que tenha tido como

suporte, a teoria e a prática apreendidas historicamente e contemporaneamente de

outros Partidos Comunistas.

A respeito das influências adquiridas historicamente pelo MST das revoltas

camponesas do passado, além das já tratadas no capítulo anterior, destaca-se a

similaridade na maneira de colocar em prática tais influências em relação ao PCB e

a Guerrilha de Porecatu. Essa relação é diferente de uma comparação, parece

tratar-se de uma assimilação dos pontos positivos das revoltas e das experiências

organizativas da história das mobilizações sociais que tem foco na luta pela terra e,

ampliando o horizonte reivindicativo, a revolução socialista. Observa-se para isso, o

fato da continuidade de práticas que trouxeram resultados satisfatórios visando o

interesse dos camponeses. Esta observação aplica-se à prática do PCB na ocasião

da Guerrilha, ao orientar-se pelos exemplos de outros partidos comunistas, e na

prática do MST ao tirar lições de revoltas e mobilizações históricas.

A luta de classes, assim, conformava a base teórica e prática do PCB.

Empiricamente, os propósitos da luta de classes como linha teórica de interpretação

da realidade, podem ser identificados nas reivindicações dos dirigentes comunistas

locais, as quais contemplam a estratégia dos resistentes embrenhados na mata. Os

guerrilheiros defendiam e buscavam apoio dos trabalhadores rurais da região

conflagrada, ou seja, lutavam para a classe dos camponeses, particularmente,

pobres sem terra ou com pouca terra e o apoio maior à resistência poderia significar

vitórias. Aqueles propósitos podem ser evidenciados verificando o conteúdo do

Folheto Ao Povo de Londrina, item Terra para os camponeses, distribuído por

ocasião do Dia do Trabalhador, em 1950, assinado por Newton Câmara e Manoel

Jacinto Correia:

Devem ser melhoradas as condições dos contratos de empreiteiros, colonos e arrendatários. Devem ser entregues aos camponeses as terras provenientes das Zonas devolutas do Estado e não a mais ninguém e bem assim exigir a divisão dos latifúndios. O crédito deve ser estendido principalmente ao pequeno sitiante e não aos especuladores e grandes fazendeiros ligados a êsses. Devem ser exigidos preços estáveis e seguros para os produtos agrícolas. Deve cessar a perseguição vergonhosa aos camponeses, por parte da polícia, a mando dos grandes senhores, que lhes

68

cobiçam as terras e as plantações. Os camponeses devem organizar-se em ligas ou associações, exigindo respeito aos seus direitos e garantindo pela sua união, os mesmos, se necessário pela força. (OIKAWA, 2011, p. 129).

Nesse mesmo panfleto, produzido pelo comitê regional do PCB de Londrina,

depreende-se que o programa propugna que o proletariado deve lutar pela paz e

que deve arrastar consigo todo o povo nessa luta. No mesmo panfleto, a luta anti-

imperialista possui um item à parte em que cita: “Deve cessar a entrega de nossas

riquezas minerais aos imperialistas norte-americanos”. (OIKAWA, 2011, p. 129).

Subentende-se com isso que a Guerrilha não foi um movimento puramente

reivindicativo pela posse da terra. O PCB, como organismo dirigente, buscou mostrar

que por trás dessa luta havia lutas mais amplas e concatenadas, e que precisavam

da união das classes mais afetadas: proletariado e camponeses pobres. Entretanto,

busca-se explicitar ao longo do trabalho, que uma reivindicação econômica e de

resistência dos posseiros desencadeou uma luta classista, organizada pelo Partido

Comunista do Brasil. Os posseiros, pertencentes da classe camponesa, possuem

como particularidade o fato de lutarem primeiramente para conquistarem o direito de

permanecer na terra. Identificado por José Graziano na década de 1980:

(...) A sua especificidade é dada pelo fato de deterem apenas a posse, mas não a propriedade da terra; em outras palavras, usufruem a terra sem que detenham a propriedade jurídica da mesma, o que os coloca como alvo predileto das ações da grilagem. (SILVA, 1986, p. 77-78).

A Guerrilha de Porecatu foi uma experiência em que pôde ser verificada que

a união pela luta a fim de conquistar a terra, desencadeou a união de classe, e a

perspectiva de luta por outras metas que dizem respeito à questão agrária. Ainda

sobre a categoria dos posseiros, em que a contradição com o latifúndio pesa mais

no campo brasileiro, Graziano continua:

É a luta desses posseiros que coloca hoje um dos mais profundos questionamentos à propriedade capitalista da terra no Brasil. É aí que a reivindicação “terra para quem trabalha” ganha a sua expressão política mais profunda. (...) Em outras palavras, a resistência dos posseiros contra os grileiros (que muitas vezes são sofisticadas empresas multinacionais) é uma luta contra a utilização da terra para fins não produtivos, seja como uma forma de reserva de valor contra a corrosão inflacionária da moeda, seja como meio de acesso a outras formas de riqueza (minérios, madeira de lei, incentivos fiscais, crédito farto e barato, etc.). (SILVA, 1986, p. 98).

69

Essa análise materialista de José Graziano resume, em parte, os objetivos

de ambas as partes em luta por ocasião da Guerrilha. Evidencia-se assim uma luta

de classes que vai além da luta pela posse da terra. Ou melhor, no interior da luta

pela posse da terra estão embutidos conflitos de interesses que envolvem as

classes dominantes do país. Estas têm na propriedade de grandes extensões de

terra suas fontes de poder político e econômico. Atualmente, além daquelas formas

que Silva (1986) citou, estão incluídos o monocultivo de grãos, madeira e gado

destinados à exportação (que necessitam do uso intensivo de defensivos agrícolas e

agrotóxicos e de pouca mão de obra) e ocupam a maior parte das terras cultiváveis

do país, ocasionando a expulsão do campo de camponeses com pouca terra,

tornando-os sem terra.

Esse modelo de produção, chamado hoje de agronegócio e que é

extremamente importante para os números oficiais da economia do país, tem seus

defensores e representantes em bancadas políticas organizadas no Parlamento.

Segundo Roberto Baggio, eles possuem controle político sobre os três poderes da

República. Baggio ressalta que a burguesia agrária representa um modelo capitalista

implantado no país – e em outros com as mesmas características do Brasil – por

transnacionais, as quais controlam todos os ramos da produção de insumos e de

comercialização dos produtos agrícolas. Sobre isso, o MST fornece análises, como a

do documento “Lutas e Conquistas – Reforma Agrária: Por Justiça Social e

Soberania Popular”:

No Congresso Nacional, os mesmos parlamentares que condenam as lutas e conquistas dos trabalhadores sem-terra aprovam leis para facilitar a depredação ambiental e acelerar o desmatamento, atendendo quase que irrestritamente os interesses das empresas transnacionais. Esses segmentos da elite brasileira, agrupados em torno do agronegócio, enxergam a agricultura apenas como um espaço para a obtenção de lucros fáceis e rápidos as custas da pobreza da população, da depredação ambiental e do atendimento dos interesses e das demandas do mercado externo. (MST, janeiro de 2010).

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, de acordo com o que foi

analisado no capítulo II e verificado em análises como estas acima, se fundou sobre

bases e demandas amplas, além da reivindicação pela terra, sendo esta a principal

delas. Sem-Terra transformou-se assim num substantivo, o que significa que o

camponês que participa do MST além de não possuir terra (“sem-terra”), persegue

70

esse objetivo pois, está inserido e participa de um movimento social organizado com

objetivos amplos e que reforça a identidade de uma classe.

O MST nunca utilizou em seu nome nem o hífen, nem o s, o que historicamente acabou produzindo um nome próprio, Sem Terra, que é também sinal de uma identidade construída com autonomia. O uso social do nome já alterou a norma referente à flexão de número, sendo hoje já consagrada a expressão os sem-terra. (CALDART, 2004, p. 20)

Como visto no histórico da Guerrilha, o camponês possui sua cultura e

identidade própria às quais são próprias de um meio social e os posseiros

resistentes perceberam que a luta pela terra era apenas uma das lutas a ser

empreendida. Não aceitaram trocar aquelas terras, trabalhadas, por terras

longínquas, em outras regiões do Estado. Muitos posseiros, mesmo sabendo que

perderiam muito do que fizeram na região, aceitariam indenizações pelas

benfeitorias, mas permaneceriam na região. Entretanto, constataram que a

Comissão de Terras, composta por grileiros, especuladores, juízes não tinha como

propósito a resolução do conflito e a indenização justa. À partir disso, o PCB ordena

não fazer acordos com a Comissão de Terras. (OIKAWA, 2011, p. 186).

A orientação do PCB influenciou a direcionar e potencializar as

reivindicações dos posseiros, demonstrando que há outras demandas articuladas e

não apenas localizadas, visto o conteúdo do panfleto, já citado acima, do dia

Primeiro de Maio de 1950, assinado por Newton Camara e Manoel Jacinto Correia,

em que:

(...) Prega a luta antiimperialista e contra a entrega das riquezas minerais aos norte-americanos. Defende a exploração do petróleo pelos brasileiros, prega a nacionalização da Light, das empresas telefônicas e outras empresas estrangeiras com caráter monopolista. (...). (OIKAWA, 2011, p. 129).

O Partido Comunista do Brasil, que dirigiu o conflito de Porecatu não tinha

até então o camponês como protagonista na luta de classes do país40. O PCB,

através de seu órgão regional, envolve-se, pois considera a luta pela terra daqueles

camponeses legítima. Nesse ponto, há uma diferença na base da orientação política

entre o MST – o principal movimento social organizado que defende e dirige a luta

40

Armênio Guedes, dirigente do PCB, afirmou em entrevista citada por Oikawa (2011, p. 311), que o partido dirigiria aquela revolta de posseiros em Porecatu, e a Guerrilha poderia se transformar na “centelha que iria incendiar o campo brasileiro, dar início à revolução agrária”.

71

dos camponeses pobres no país – e o PCB da época. Aquele nasce tendo como

principal meta, mas não única, as lutas dos camponeses sem terra e com pouca

terra e apoiado pelas experiências históricas do campesinato. Está além dos limites

deste Trabalho fazer uma comparação sistemática entre o PCB e o MST. São

organismos de naturezas distintas, além de se encontrarem em realidades

diferentes. Entretanto, faz-se necessário apontar semelhanças teóricas e práticas

com o intuito de estabelecer relações de continuidade – e rupturas – referentes às

lutas pela terra dos camponeses contemporâneos e da classe camponesa

historicamente, em particular os atores sociais que empreenderam o conflito em

Porecatu.

O PCB, devido às divergências internas e às mudanças de concepção

quanto à Revolução Brasileira, no fim da década de 1940 e início da de 1950,

prioriza a luta no campo e isso é notado a partir da fundação de Ligas Camponesas

(década de 1940) no território nacional – principalmente na região Nordeste e com

grande atuação na região e durante a Guerrilha. O surgimento de Sindicatos Rurais

dirigidos por ele e a eclosão de revoltas camponesas em outros locais do país,

orientadas pelo PCB41, indicam que a política desse Partido estava voltada para o

campo. Sobre a atuação das Ligas Camponesas e relações deste organismo com os

posseiros em Porecatu, Priori (2011, p. 216) destaca:

Colocados diante de uma única opção – a expulsão da terra –, procuraram encontrar uma outra via – a da organização. Ou reagiam ou morriam. Optaram pela primeira. A reação veio na forma de Ligas Camponesas. Uma organização simples, horizontal, na qual os problemas e os anseios de cada um eram discutidos de forma solidária. (...) Não se pregava, e nem era esse o objetivo, qualquer possibilidade de rompimento das estruturas legais e societárias, tanto que as ações das Ligas dar-se-ão dentro do campo legal.

Observa-se que as Ligas Camponesas, dirigidas pelo PCB, atuavam dentro

de um marco de reivindicações econômicas, específicas do camponês pobre. Porém

apoiavam os movimentos de luta pela terra em que ocorriam conflitos. É possível

verificar semelhanças entre o conteúdo teórico que “alimenta” os movimentos sociais

contemporâneos que dirigem a luta dos camponeses pobres e o arcabouço teórico

41

Uma dessas revoltas foi a luta pela terra de Trombas e Formoso, em Goiás, na qual houve vitória dos resistentes em suas demandas. Adotou-se a mesma estratégia posta em prática em Porecatu, entretanto a negociação foi feita e a terra foi conquistada. Pesquisas indicam que também seguia a linha do Manifesto de 1950. (OIKAWA, 2011, p. 314). José Porfírio foi o principal líder dos posseiros, sendo preso em 1972 por conta da repressão aos que lutavam no Araguaia. “Ao ser solto em 1975, desaparece e há suspeita de sequestro e assassinato”. (MARTINS, 1981, p. 73).

72

de movimentos como as Ligas Camponesas. Alguns teóricos e dirigentes do MST,

como exemplo o dirigente Gilmar Mauro, consideram, devido à interpretação do

Estado à partir da teoria marxista, que a luta pela terra é extremamente necessária,

mas os militantes têm de lutar contra as origens sociopolíticas e econômicas que

movem o MST. Ou seja, conjectura-se que este Movimento possa vir a congregar –

em suas práticas e teorias balizantes – algumas características sociopolíticas

similares aos conteúdos e práticas observados na atuação das Ligas Camponesas e

do PCB na ocasião da Guerrilha de Porecatu. Para melhor compreensão,

exemplifica-se a análise de Gilmar Mauro, dirigente do MST, extraída do documento

utilizado na preparação para o VI Congresso Nacional do MST:

(...) Desde a nossa definição como movimento social, popular e sindical de luta pela terra, pela reforma agrária e pelo socialismo, já partíamos do pressuposto de que não seria possível fazer a reforma agrária no capitalismo. Mas não basta ter isso claro, é preciso convencer o restante da classe trabalhadora desta assertiva. (...) Se não cabe uma reforma agrária clássica, a nossa luta por reforma agrária é, em essência, uma luta anti-capitalista. No entanto, precisamos convencer a classe trabalhadora e a sociedade disto. E para convencer a classe trabalhadora precisamos explicar o que é o capitalismo a partir, por exemplo, de discussões sobre qual alimento esta sociedade quer comer? Temos também o desafio de manter as lutas para resolver as necessidades da nossa base social, através de lutas por crédito, habitação, educação etc. Isso porque uma organização tem que ter sentido para a sua categoria e, para tanto, é preciso suprir as demandas concretas desta categoria. Portanto, precisamos, sim, fazer a luta, disputar a mais-valia social, ter melhorias sociais, sem separar a luta econômica da luta política. Não podemos nos tornar puramente economicistas, nem apenas políticos e descolados da vida real. (...). (MST, janeiro de 2012).

Ao se analisar as influências de um evento passado sobre episódios

contemporâneos, busca-se no método dialético e materialista a base teórico-

epistemológica a fim de evitar o mecanicismo. Isso porque o tema desse trabalho é

o conflito pela terra, num espaço e contexto dados (décadas de 1940 e 1950), e

objetiva-se a relação deste com os movimentos sociais contemporâneos que

também possuem como bandeira a luta pela terra. Quer dizer que a problemática

será melhor interpretada e as respostas obterão um melhor resultado, ao investigar-

se as estruturas – não simplesmente comparando os fatos – envolvendo a Guerrilha

de Porecatu, relacionando-as com a prática e teoria do MST no presente e o que

este absorveu das experiências do passado.

De antemão, sobre esse passado, Martins (1981) considera que as lutas

camponesas (incluídas as revoltas indígenas e a resistência histórica dos negros),

73

são os maiores acontecimentos históricos brasileiros, mas que são pouco estudadas

e difundidas. Isso indica que tais lutas são permeadas de reivindicações, as quais

põe em xeque uma estrutura agrária secular na qual a modificação ainda vem sendo

pleiteada. Constata-se que as importâncias dessas lutas, se verificam pelo fato de a

exigência por mudanças sobre a concentração da propriedade da terra42 e a forma

do seu uso, serem reivindicações por modificações profundas no sistema

socioeconômico do país visando os interesses dos camponeses pobres.

A propósito da continuidade da luta histórica pela terra, pela reforma agrária

a fim de sanar essa contradição entre os camponeses pobres e a estrutura fundiária,

e do resgate da memória da classe camponesa em luta, João Pedro Stédile afirma

em ocasião da homenagem ao líder camponês João Pedro Teixeira, assassinado

em 1962, fundador da Liga Camponesa de Sapé na Paraíba:

O MST teve como embrião as Ligas Camponesas e a história de luta de homens como João Pedro Teixeira. Francisco Julião, Pedro Fazendeiro e tantos outros companheiros. (JORNAL SEM TERRA, Mar/Abr/Mai 2012).

Contudo, há situações de conflito de terra no século XXI, em que estão

reunidos elementos similares aos que desencadearam a Guerrilha de Porecatu?

Existiram e existem motivos que geram conflitos no campo, particularmente no

Estado do Paraná. Mesmo antes da fundação do MST, camponeses têm ocupado

terras para nelas produzir e têm sido despejados das mesmas. Confrontos seguem

ocorrendo e o “Livro Conflitos no Campo” – o qual faz um levantamento nacional

sobre os conflitos envolvendo a posse e permanência na terra, conflitos por água,

por trabalho, pelo direito ao território das populações tradicionais, sobre o número de

assassinatos de camponeses, indígenas e quilombolas, sejam lideranças ou não –,

produzido pela Comissão Pastoral da Terra fornece interpretações e dados a

respeito:

Os conflitos decorrem, por um lado, da ação de grupos que lutam contra o acesso desigual à terra e ao uso dos recursos naturais, contra a insegurança da posse e a distribuição concentrada da propriedade. Por outro, decorrem também da reação dos grandes proprietários aos esforços empreendidos pelos movimentos sociais para reduzir a concentração

42

De acordo com o Censo Agropecuário de 2006 produzido pelo IBGE, de um total de 5 175 489 estabelecimentos agropecuários no país, cuja área total é de 329 941 393 hectares, 46 911 proprietários/ estabelecimentos detém/ ocupam 146 553 218 hectares. Significa que 0,9% dos proprietários de terras possuem mais de 44% do território agricultável.

74

fundiária, democratizar a terra e pressionar o Estado a mudar o padrão de suas políticas agrárias em um contexto de fechamento da fronteira, onde restam apenas 70 milhões de terras públicas devolutas. Os movimentos buscam, assim, liberar tais políticas do domínio exercido pelas oligarquias e pelos interesses mais recentemente articulados das coalizões entre o capital financeiro, os agentes do mercado de terras e as corporações do setor agroquímico. (Henri Acselrad e Juliana Neves Barros In CPT, 2013, p. 18).

Partindo de interpretações dessa natureza, o MST defende o acesso à terra

a quem queira trabalhar nela, e orienta os militantes a atacar o inimigo principal que

é o capitalismo, e, segundo Caldart (2004) conclama os trabalhadores do campo e

da cidade a lutar por construir um novo projeto para o Brasil, com vistas ao

socialismo. Essa particularidade de objetivo com relação às metas políticas

(socialismo como devir e lutar contra o capitalismo e imperialismo) é identificada nos

objetivos do organismo responsável por dirigir o conflito em Porecatu, o Partido

Comunista do Brasil (PCB). Abre-se a possibilidade de uma pesquisa mais

aprofundada, principalmente a partir de entrevistas com ideólogos e lideranças

fundadoras do MST, a fim de verificar influências políticas e ideológicas

precisamente do PCB sobre a origem e a base política do Movimento dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra.

Através desta Pesquisa é possível inferir que há semelhanças ideológicas

entre a prática do MST e a prática do PCB naquele momento em que ocorria a

Guerrilha, até pelo fato de as teorias orientadoras de suas práticas “beberem da

mesma fonte”. O levantado busca se referir às relações entre o movimento de

Porecatu e o MST e, especificamente, se há na prática deste alguma influência

daquele.

A respeito da influência direta dos acontecimentos, especificamente da

Guerrilha de Porecatu, sobre o MST, verifica-se que, realmente, há um objeto mais

específico a ser investigado sobre essa questão, em virtude de ter havido nos anos

seguintes outra importante revolta no sudoeste paranaense – a Revolta dos Colonos

ou Revolta dos Posseiros – na região de Francisco Beltrão, Pato Branco e

Capanema no ano de 1957. Esta luta teve impactos mais diretos sobre a fundação

de associações de camponeses na região posteriormente.

A origem dessa revolta está relacionada, também, ao governador Lupion,

sabendo que este já estava “envolvido em negociatas anteriores de terras”, ou seja,

Porecatu. (MARTINS, 1981, p. 74). No caso do sudoeste, as terras tinham sido

75

pagas pelos colonos, e estavam sendo vendidas por empresas de colonização

atreladas ao governador. Colonos organizam-se e resistem, tomando a cidade. A

situação normaliza-se aos poucos e, em 1961 ocorreu a saída de Juscelino

Kubitschek da presidência e Moisés Lupion do governo do Paraná, propiciando a

solução a favor dos colonos43.

Associado à luta dos colonos do sudoeste unem-se os camponeses pobres

que tiveram suas áreas atingidas pela construção da hidrelétrica de ITAIPU.

Dirigentes e fundadores de movimentos sociais de camponeses em luta pela terra,

no Estado do Paraná, tiveram suas origens nessas experiências de organizações e

associações e nas lutas e revoltas ocorridas no sudoeste paranaense. Darci Frigo

faz uma colocação em entrevista, narrando a existência das influências da Revolta

dos Colonos sobre o MST:

Aí vai associar a questão do massacre e destruição da Revolta de Porecatu e a Revolta dos Posseiros do Sudoeste que é a última revolta que não é massacrada, e é um elemento importante. Se você associar essa política do Paraná, vai ver que depois os movimentos que vão surgindo de luta pela terra, sindical, partidária, mais à esquerda, nos anos 80, vão vir exatamente dessa região [sudoeste paranaense]. Tem a ASSESSOAR que é uma associação que é fundada em Francisco Beltrão, em 1962, para assessoria e assistência técnica, para os agricultores, com sede, espaço de formação, equipe técnica e tudo mais, fundada por padres belgas do Sagrado Coração, surge logo depois (...). A Revolta [do Sudoeste] termina em 1957, e em 1962 já surge a Associação e é dali que vão sair as primeiras lideranças do movimento sindical dos trabalhadores rurais do Paraná, que era também o Pedro Tonelli que foi o primeiro deputado do PT no Paraná. Se um dia você for na feirinha do Passeio Público, do sábado de manhã, tem o Adelmo Escher e a Salete, são do sudoeste, eles têm feira agroecológica ali e eram dessa liderança inicial, me lembro, nos anos 80 do sudoeste do Paraná; Associado um pouco a essa luta que obrigou o governo da época a fazer uma negociação, porque as companhias que levaram os jagunços de Porecatu para lá, cometeram muitas barbaridades contra os posseiros e colonos que vieram do sul, que compraram as terras e os jagunços vinham e matavam ou retiravam das terras que haviam adquirido, de forma às vezes não tão formalmente rígida, mas tinham contrato, tinham sempre a autorização para poder ocupar. (FRIGO, 2012).

Destaca na mesma entrevista, entretanto, que a memória histórica do

conflito de Porecatu está sendo reconstruída pelos movimentos sociais e que a luta

pela terra e por trabalho na região de Porecatu continua presente, pois é uma região

que sobrevive economicamente da cana-de-açúcar e quando “não há colheita, não

há trabalho”. Observa, sobre isso, os rostos sofridos de boias-frias que dependem

43

Para mais detalhes ver Gomes (1986).

76

desse trabalho para sobreviver, dependem da colheita da cana. Por todas essas

condições, assevera que “a situação persiste, mas tá sendo recuperada pelos

movimentos sociais atualmente, buscando dar um sentido para aquela luta dos

posseiros dos anos quarenta e cinquenta.” Comentando a quarta pergunta do roteiro

semi-estruturado44, Frigo relata:

Essa quarta pergunta é mais ou menos isso, a vinculação que existiu no sudoeste do Paraná com a que existiu na luta de Itaipu. No norte do Paraná, só mais recentemente que vai se recuperar essa memória, fica afastada da possibilidade da luta concreta porque o MST só vai, num segundo momento, depois de mais de dez anos de luta ele vai se organizar nessas regiões do norte do Paraná. Nos últimos três ou quatro anos ele foi para a região de Porecatu e começou a fazer essa conexão histórica. Acho que, diria assim, aproveitando a oportunidade, está se retomando o debate com o livro de Marcelo Oikawa. Dá outro sentido àquela luta histórica. Na verdade, se lá atrás os posseiros lutaram para ter acesso a terra contra o latifúndio, que na época, inclusive, eram terras que poderiam ter sido distribuídas aos camponeses e foram repassadas aos latifúndiários, hoje continuam lutando contra o latifúndio, mas de cana, gado. As terras estão lá e, inclusive, a usina central de Porecatu está abandonada e praticamente sem possibilidade de continuar operando, e aí os camponeses ocuparam essas áreas denunciando o trabalho escravo. (FRIGO, 2012).

Com relação à ocupação de parte da região, que havia sido “palco” do

conflito de Porecatu, por camponeses sem-terras dirigidos pelo MST, Baggio

destaca vislumbrando perspectivas positivas para o assentamento “Herdeiros de

Porecatu”:

Nós do MST, hoje, estamos dentro dessa região conflituosa que foi nos anos 40 e 50 uma das áreas objeto da grande luta lá. Hoje é assentamento. E acreditamos que os camponeses da região que estão nas áreas do grupo Atala, irão continuar levando sua luta de transformar aquele território de Porecatu num grande projeto de reforma agrária popular e lá têm vários acampamentos, e o nome de um deles é Herdeiros de Porecatu. Aquela idéia de que a luta de Porecatu continua, e os sem terra que estão lá se consideram herdeiros daquela experiência. Já tivemos pequenas vitórias num espaço de tempo, e essas alimentarão essas lutas no próximo período. Quem sabe, teremos aí uma grande experiência de reforma agrária popular no século XXI, naquelas terras vermelhas de Porecatu, e honrar o sangue derramado dos camponeses e dos militantes políticos daquele período histórico. (BAGGIO, 2013).

Dessa forma, segue sendo necessário uma investigação acadêmica mais

específica sobre influências diretas de eventos como os de Porecatu sobre

44

As perguntas orientadoras que serviram como base para as entrevistas encontram-se na seção Apêndice, ao fim do Trabalho. A entrevista com Darci Frigo,foi feita em 21/08/2012 e a entrevista com Roberto Baggio, foi realizada em 07/02/2013.

77

movimentos como o MST. Contudo, observa-se que a memória dos acontecimentos

da Guerrilha pode estar cada vez mais presente na prática do MST, através mesmo

de pesquisas recentes destacando e resgatando o histórico da Guerrilha de

Porecatu. Afirma-se isto através da constatação da importância da divulgação de

investigações sobre o conflito, como o exemplo dado na entrevista de Darci Frigo,

sobre o livro de Oikawa (2011).

É possível verificar, no levantamento feito no capítulo anterior, que desde a

fundação do MST este não se limitava a reivindicar a posse da terra aos

trabalhadores rurais, esta era e é um dos objetivos primordiais assim como se

configuravam os objetivos dos camponeses pobres do norte do Paraná. A luta pela

Reforma Agrária está na agenda do Movimento desde a sua fundação, entretanto

como se percebe no lema do 1º Congresso Nacional realizado em 1985 – “Sem

Reforma Agrária, não há Democracia” – tal luta não é apenas econômica,

reivindicativa e sim possui embasamento e posicionamento político-ideológico. Num

momento político recém saído da ditadura militar, na qual houve uma repressão aos

movimentos sociais em luta pela terra e apoiadores (CARNEIRO e CIOCCARI

(2011) – Retrato da Repressão Política no Campo, Brasil 1962-1985) e aos

movimentos urbanos que buscavam resistir às suas maneiras, para o MST e seus

idealizadores só haveria Democracia com a Reforma Agrária. Dessa forma, o ideário

sociopolítico do Movimento aproxima-se das demandas da luta localizada de

Porecatu, vide um trecho do “Volante dos posseiros em resposta à abertura de

inquérito contra José Billar, José Ribeiro dos Santos, Hilário Gonçalves Pinha

(Itagiba), e Cristóvão Lourenço Figueiredo” assinado por Itagiba, distribuído em

junho de 1951:

(...) Porque a polícia de Getúlio e Bento não impedem a exploração que sofrem os lavradores, obrigados a entregar o arroz até há 50 cruzeiros o saco, o milho a 30 cruzeiros e o feijão a pouco mais de 100 cruzeiros, enquanto os lavradores pagam caríssimos os produtos que compram, como ferramentas, sal, açúcar, carne, tecidos, remédios e calçados? IRMÃOS CAMPONESES! Nada podemos esperar desse governo de tatuíras e tubarões a não ser violências, roubos e assassinatos. Só a nossa união pode fazer recuar o governo e derrotá-lo, conquistando de fato mais direitos para os trabalhadores do campo. Nós, os resistentes armados de Porecatu, lhes indicamos o caminho: é a resistência armada, organizada, a luta por um governo democrático e popular, único capaz de dar terra aos camponeses. Continuamos aqui na luta, companheiros, em defesa dos direitos dos trabalhadores do campo (...). (OIKAWA, 2011, p. 362).

78

O enfoque dado no volante à resistência armada, diz respeito ao momento

vivido da Guerrilha (teve seu desfecho em agosto de 1951) e ao método de direção

do PCB. Seria necessária uma pesquisa, inclusive de campo mais aprofundada para

verificar relações nos aspectos sobre luta armada e resistência armada com o MST;

sabe-se apenas que este Movimento buscou formas de resistência e enfrentamento

em diversos momentos históricos na sua luta pela terra dirigindo os camponeses

pobres. O que é possível verificar é a presença de uma forte consciência de

resistência nos militantes e a proposição de um objetivo maior que é a luta por “um

governo democrático e popular”, sendo que somente assim garantiria a terra aos

camponeses. Houve e há enfrentamentos, conflitos armados empreendidos contra

acampamentos e manifestações dos camponeses sem-terra, inclusive resultando

em muitas mortes, sendo que existiram formas de buscar a auto-defesa pelos

camponeses45. Utiliza-se aqui o termo “auto-defesa” em virtude de pontuar um

caráter materialista à análise e não idealista. Isso resulta da compreensão sobre o

papel do campesinato e da classe camponesa como protagonista e não passiva

frente às violências cometidas contra assentamentos, acampamentos e

manifestações. De acordo com CPT (2013, p. 10), e relacionando auto-defesa e

resistência, entende-se conflito pela terra como:

Conflitos por terra são ações de resistência e enfrentamento pela posse, uso e propriedade da terra e pelo acesso a seringais, babaçuais ou castanhais, quando envolvem posseiros, assentados, quilombolas, geraizeiros, indígenas, pequenos arrendatários, pequenos proprietários, ocupantes, sem terra, seringueiros, camponeses de fundo de pasto, quebradeiras de coco babaçu, castanheiros, faxinalenses, etc. As ocupações e os acampamentos são também classificados na categoria de conflitos por terra.

Soma-se a essa análise, o próprio fato de o MST ser um movimento de

oposição (simbólica, cultural, social, econômica, educacional, ambiental) a uma

lógica hegemônica, apontando o caráter de resistência do movimento social. Isso

pode ser comprovado também pelo lema do 2º Congresso Nacional do MST de

1990, “Ocupar, Resistir e Produzir”. Daí depreende-se que foi a tática utilizada pelo

MST, nas áreas a serem ocupadas, durante anos para buscar pressionar órgãos

governamentais a fim de pleitear à Reforma Agrária. No conflito de Porecatu,

“ocupar, resistir e produzir” foram os métodos utilizados para que aqueles posseiros

45

No livro Conflitos no Campo (CPT, 2013), encontram-se tabelas com dados referentes aos conflitos pela terra de todos os Estados da Federação e existem dados sobre assassinatos, tentativas e ameaças de morte contra camponeses e povos tradicionais.

79

resistentes perseguissem o objetivo principal de permanecerem em terras suas46, e

o PCB de poder ampliar os objetivos da luta – até em território nacional como se

verificou depois com a luta de Trombas e Formoso em Goiás – com o objetivo de

iniciar a Revolução pelo campo brasileiro.

A Guerrilha de Porecatu foi um episódio significativo para os camponeses

em luta pela terra, particularmente paranaenses, influenciando-os direta ou

indiretamente. Constata-se isso pelo fato de o conflito estar na consciência coletiva

dos dirigentes e militantes e estar sendo cada vez mais pesquisado. De acordo com

Baggio, em entrevista, depreende-se que a Guerrilha de Porecatu está inserida nas

lutas históricas pela terra, fazendo parte da grande resistência da classe camponesa

e o MST é o continuador desta:

Do ponto de vista histórico, a luta do MST de hoje, é a continuidade da luta e das revoltas populares, de 70, continuidade de 57, de Porecatu, de Contestado. É continuidade dos quilombos e indígenas. Com a chegada da colonização europeia, houve resistência dos indígenas, depois os quilombos, depois os camponeses e posseiros e todas as experiências e rebeliões populares. Somos herdeiros dessas lutas. Se gerou nos anos oitenta e quem gerou foram as lutas que antecederam o MST. Do ponto de vista histórico e sociológico, nós somos continuidade da grande resistência da classe camponesa que se formou durante esses cinco séculos. (BAGGIO, 2013).

Não pertence ao passado, pois, identifica-se a prática empregada no conflito

nas práticas utilizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. É a

memória coletiva concretizada nas ações desenvolvidas pelos sujeitos do MST,

sendo que, como Martins (1981) corrobora em suas teses, as lutas camponesas não

cessaram desde as primeiras lutas iniciadas com os indígenas. E não cessarão

enquanto as bases estruturais, a contradição entre latifúndio e camponeses sem-

terra não for resolvida.

O que se modificou, ao longo das décadas, foram a conjuntura, o contexto e

com isso os métodos de lutar pela terra, observados quando passa-se das

ocupações de terra – como forma principal de pressão e resolução da carência da

terra – para a luta por um modelo de agricultura que priorize a saúde, combata o

46

Sobre “ocupar, resistir e produzir”, exemplifica-se a prática da colheita de café, e a manutenção dos lotes feitos em sistema de mutirão pelos posseiros resistentes de Porecatu. É ilustrativa, nesse sentido, a figura de capa do livro de Oikawa (2011), em que aparecem posseiros munidos de suas espingardas a tiracolo, ao mesmo tempo em que trabalham nas roças.

80

agronegócio e fortaleça a agricultura familiar conjuntamente com a luta pela Reforma

Agrária.

Observa-se que o MST tem um projeto em desenvolvimento não apenas

para si, como representante e dirigente dos camponeses sem terra do Paraná e do

Brasil, mas que abarca os interesses da sociedade, dos trabalhadores. Depreende-

se que questões como a alimentação saudável estão diretamente ligadas à

resistência na luta pela terra. E a colocação em prática dos objetivos do MST, como

representante de uma luta contra o agronegócio, depende também de alianças

amplas, com a classe trabalhadora. De acordo com Baggio:

As tarefas do nosso lado para o nosso projeto é dar continuidade na construção do nosso projeto, continuar lutando pela reforma agrária, fazendo acampamentos, educando, produzindo, trabalhando, alimentando, dando passos firmes na construção do projeto. A área de terra que está sob o controle dos camponeses, indígenas, quilombolas, tem de ser mantida e preservada, resistir e não permitir que seja apropriada pelo agronegócio. A prioridade dos camponeses é estabelecer alianças, um marco de alianças, com indígenas quilombolas, posseiros, trabalhadores da indústria, trabalhadores da cidade, para nós irmos ligando alianças e ter um grande tecido social na sociedade em torno de outro projeto de agricultura. A essência da agricultura é produzir alimentos. Se esse alimento tem composição de muito veneno, está alimentando a sociedade com veneno e é o agronegócio. (BAGGIO, 2013).

Desse modo, nota-se que para cada época mudam-se as formas de

“combater” das classes e de seus representantes e dirigentes. O MST tem lutado

para implantar em seus assentamentos modelos de agricultura e trabalho coletivo de

camponeses que visam, como verificado nos depoimentos de Baggio, projetos não

só de agricultura, mas que congregam um conjunto de tarefas para combater o

projeto do agronegócio que não afeta somente o meio rural. Contudo, verifica-se que

as formas tradicionais de luta como as ocupações e resistências dos povos atingidos

para permanecerem em suas terras ocupadas e ancestralmente adquiridas têm de

ser mantidas.

A prática agroecológica nos assentamentos e acampamentos do MST é uma

das formas, como já foi explicitado, de fortalecer o projeto que o MST considera para

a sociedade e de resistir às investidas do agronegócio. Apoia-se em saberes

ancestrais, destacando a memória dos povos e nações e não constitui um método

completamente novo de conceber a vida e a agricultura. A prática agroecológica

vem a questionar uma prática de agricultura hegemônica que é realizada e se

81

sustenta no modo capitalista de produção e seus efeitos. De forma resumida, de

acordo com documento específico sobre o assunto do MST:

(...) A agroecologia segue buscando e sistematizando os conhecimentos e saberes dos povos camponeses e indígenas em diálogo com os conhecimentos científicos, de modo a abarcar os conhecimentos que orientam a organização social e econômica comunitária e as lutas políticas camponesas; os conhecimentos ecológicos aplicados no trabalho de manejo da terra, da água, das florestas, dos animais, das sementes e mudas; os conhecimentos relacionados com as construções, fabricação de equipamentos e máquinas, agroindustrialização e tantos outros que venham contribuir para fortalecer a resistência e as lutas pela transformação da sociedade. Portanto, a agroecologia pode orientar o trabalho e o modo de vida das populações camponesas em seus processos de organização e fortalecimento da resistência econômica, política e cultural, e o avanço da reconstrução ecológica da agricultura (...). (MST, setembro de 2010).

Portanto, não houve uma ruptura de paradigmas entre os períodos

analisados no trabalho, e as reivindicações diferem de acordo com os diferentes

contextos. É possível que a identidade de classe, ao longo das décadas, tenha se

fortalecido e problemas próprios do campesinato (produção camponesa, laços

culturais, resistência identitária através da vida coletiva) são tratados com

principalidade pelo MST. Assim, identifica-se que a luta pela terra é uma das lutas

empreendidas pelo MST atualmente, da mesma forma que a resistência dos

posseiros era parte de objetivos maiores. Essa resistência, armada ou não, dos

posseiros, a organização interna e externa à área do conflito e a memória

pesquisada e repassada pelos pesquisadores aos camponeses que lutam

atualmente, podem vir a reforçar ainda mais uma identidade de classe que luta para

si e por uma sociedade mais justa para os trabalhadores.

82

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Centrando-se numa análise materialista e histórica dos motivos

determinantes do desencadeamento da Guerrilha de Porecatu, é possível indicar

que a concentração de terra pela classe dos latifundiários forçou os camponeses a

organizarem-se.

Essa organização ganhou uma qualidade nova em face da linha política e

ideológica dirigidas pelo PCB. Refere-se a uma qualidade nova em face da presença

de uma direção proletária que tinha como horizonte a transformação radical da

sociedade pela via revolucionária suplantando o regime capitalista pelo socialismo.

Esse horizonte primando pela transformação social não é o que caracteriza outras

importantes lutas onde camponeses pobres e o sistema latifundiário extremaram-se

para o terreno da guerra sangrenta fartamente documentada na história do nosso

país. A título de exemplos paranaenses foram citadas a Revolta dos Colonos no

Sudoeste do Paraná, em 1957 (GOMES, 1986), e a Guerra do Contestado, entre

1912 e 1916 (SERPA, 1999), dois dos mais importantes registros das lutas dos

camponeses pobres brasileiros, contra o sistema de opressão latifundiária que

expressa a principal base estruturante do tipo de capitalismo que se constata estar

em voga em nosso país.

A contradição entre os latifundiários e camponeses no que diz respeito à

propriedade da terra, não teve solução nas décadas seguintes ao conflito que

marcou a Guerrilha de Porecatu, que teria sido “esquecida” pelos “comunistas” como

afirmou Oikawa (2011), e segue, no século XXI, tencionada pelos movimentos

sociais e pela Academia, representada por Silva, Oikawa, Priori, Martins e outros

estudiosos.

Ressalta-se a importância de a prática e a teoria estarem se relacionando

continuamente, “numa via de mão dupla”, através das pesquisas acadêmicas e das

interações com os movimentos sociais e partidos políticos, podendo abrir

possibilidades enriquecedoras ao ambiente acadêmico.

Dialeticamente, a opressão que sofreu o campesinato pobre ocasionou sua

organização coletiva, como classe social e atualmente não visa apenas a conquista

da terra e a permanência efetiva. A importância da Guerrilha de Porecatu para a

classe camponesa, de forma geral, encontra na análise de Silva (2006, p. 114) a

melhor interpretação:

83

O conflito de Porecatu desencadeou uma nova dinâmica no jogo político. Uma outra linguagem, novos conceitos, novas reivindicações, enfim, foi introduzida uma representação social inovadora. Diferentes camadas do campesinato conheceram pela primeira vez práticas de luta social, de reuniões coletivas, de direito à palavra. Antes, os camponeses eram um conjunto de indivíduos espalhados, pulverizados e atomizados, depois se tornaram um grupo político, possuindo uma representação, munidos de instâncias de consagração, de ritos de deliberações coletivas e de mandatários legitimados. A prova do enfrentamento ideológico, mas também físico, com os fazendeiros e seus jagunços, ultrapassando o medo da crueldade repressiva, foi um aprendizado inédito de contestação do poder absoluto das oligarquias rurais.

A prática de luta pela terra dos camponeses dirigidos pelo MST no Estado

do Paraná e, provavelmente, no Brasil contém os elementos de continuidade dessa

prática, analisada por Osvaldo Heller da Silva, referente ao conflito na década de

1940 e início da década de 1950. Seus dirigentes entrevistados e seus documentos

analisados indicam Porecatu como referência histórica da luta pela terra do

campesinato paranaense, juntamente com as lutas históricas do campesinato

brasileiro.

Destacou-se com relevo o histórico da luta dos camponeses em Porecatu

com o objetivo de poder relacioná-la subjetiva e/ou objetivamente, com a luta

empreendida pelos movimentos sociais que representam os camponeses. Apesar de

a Guerrilha de Porecatu ainda carecer de maior visibilidade acadêmica, constatou-se

que há muita memória camponesa “fotografada”, bastando a nós acadêmicos

“revelá-la” e, mais que isso, interpretar sociologicamente ao interesse público a fim

de fazer jus aos camponeses que lá lutaram e expor aos que estão lutando.

Noto que a sociologia possui o arcabouço teórico e metodológico para a

interpretação e a busca das relações dos fenômenos sociais, sendo, além disso,

uma ciência que propicia as transformações, visto que pesquisar a memória das

lutas da classe camponesa é trazer ao presente indagações e não contemplações.

São as perguntas que promovem a experimentação científica e é a constatação

prática que pode verificar a correspondência da teoria na realidade. Acredito que, ao

Marx falar sobre a necessidade de transformar o mundo referindo-se aos que

buscavam somente interpretá-lo, também queria dizer colocar em prática uma teoria

acumulada, no intuito de agir sobre a realidade e não apenas entender que

precisava da mudança.

84

Dentre os questionamentos do Trabalho, busquei relacionar elementos para

responder principalmente ao que dizia respeito às possíveis relações entre o

conteúdo gerador do conflito Guerrilha de Porecatu e suas consequências sobre a

prática do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Constatei que são

verificadas relações entre o conteúdo que deu origem à Guerrilha e o conteúdo que

move o MST contemporaneamente. As bases econômicas, políticas e sociais que

servem de pilar aos latifundiários e representantes do agronegócio são as mesmas

que foram responsáveis pela expulsão dos posseiros resistentes de Porecatu por

grileiros, políticos e especuladores de terra.

Camponeses organizados, agora pelo MST, continuam em luta pela terra,

portanto as contradições inerentes à enorme concentração de terra e à forma pela

qual é utilizada, não foram resolvidas, seguem pendentes. Constatei que as formas

de lutar utilizadas pelo campesinato, têm sido modificadas, mas seus conteúdos e

objetivos mantém-se: a resistência visando o fortalecimento da classe camponesa;

resistência visando permanecer nas áreas ocupadas e assentamentos e procurando

formas de auto-suficiência; resistência para o desenvolvimento sustentável e

ambiental opondo-se às práticas destrutivas do agronegócio; resistência para lutar

coletivamente, internacionalmente, por uma nova sociedade.

O campesinato organizado e dirigido pelo MST coloca-se como membro da

classe trabalhadora e batalha em prol de seus objetivos. Os dirigentes deste

movimento social demonstraram a importância em compreender e propagar que a

classe dos latifundiários e os representantes do agronegócio são parte integrante e

alicerces do sistema capitalista. Por esse motivo, percebe-se que a luta pela terra,

como Baggio relatou, “é muito complexa e estão em disputa dois projetos de

agricultura” e, por conseguinte, de sociedade.

Constatou-se que a Guerrilha está no imaginário, na memória dos dirigentes

dos movimentos que dirigem e que representam os camponeses sem terra ou com

pouca terra do Paraná. Esse episódio é fartamente citado nas obras dos principais

estudiosos da questão agrária, paranaenses e brasileiros, os quais são referências

teóricas ao MST.

A revolta dos posseiros, e posterior Guerrilha de Porecatu, possui extensa

documentação histórica recuperada recentemente, mas poucas análises

sociológicas. Esta Pesquisa pode servir de precedente a outros estudos mais

aprofundados.

85

A direção e organização da Guerrilha pelo PCB foi referência a outras

revoltas camponesas dirigidas por este partido político no território nacional, e

essencial para o posterior desenvolvimento das organizações sindicais rurais na

região Norte do Paraná.

Segundo a historiadora Sonia Maria Sperandio Lopes Adum, Porecatu

influenciou a Revolta dos Colonos no sudoeste paranaense e corrobora em sua

tese47, citada por Oikawa (2011, p. 307), que:

(...) A experiência de Porecatu vai estender-se como influência nos conflitos armados de Trombos e Formoso, Goiás, em 1954, e nas disputas pela posse da terra no sudoeste do próprio Paraná, em 1957.

Portanto, é possível estabelecer ligações diretas, de origem inclusive, entre

a Guerrilha e o MST, e indiretas levando-se em conta a luta dos camponeses pela

terra no Paraná e no território brasileiro. Não é apenas uma batalha pela terra que

ficou na história e na memória, pois, foi referência em lutas concretas de

camponeses. Dentre as influências da Guerrilha de Porecatu sobre o MST, observa-

se, a partir da análise citada acima, a influência direta da Revolta dos Colonos, no

sudoeste paranaense, sobre a fundação e desenvolvimento do MST no Estado do

Paraná e no Brasil.

A fundação das primeiras Associações de Lavradores do Brasil se deu no

norte do Paraná e em virtude das demandas dos posseiros. Estas Associações

foram o embrião das primeiras Ligas Camponesas no Estado e uma das primeiras

do Brasil, dirigidas pelo PCB. Esse fato proporcionou a defesa dos direitos dos

posseiros, manifestações armadas e organização inicial da Guerrilha. As Ligas

Camponesas, principalmente do nordeste brasileiro, foram extintas apenas em 1964,

mas servem de referência aos dirigentes dos movimentos sociais que orientam a

luta dos camponeses pobres, principalmente o MST.

O MST, dada sua compreensão ampla da realidade, sua atuação e apoios

recebidos internacionalmente através de organismos dos quais ativamente faz parte,

sua luta por uma sociedade mais justa para os trabalhadores e sua batalha pelo

desenvolvimento sustentável, entre outras metas, abrange objetivos que vão além

das demandas de um movimento social “clássico” o qual possui objetivos pontuais.

47

A tese de doutorado da historiadora Sonia Sperandio Lopes Adum, chama-se “A subversão no paraíso: o comunismo em Londrina – 1945/1951”, USP, 2002. Oikawa (2011, p. 307).

86

A luta do MST pela Reforma Agrária implica, peremptoriamente, lutar pelo

socialismo, como constatado nas análises dos documentos do MST.

Dessa forma, investigar e compreender a concepção teórica que oferece

suporte às atividades políticas e organizativas das diferentes correntes que

representam os movimentos sociais e que dirigem os trabalhadores na luta pela

terra, pode se constituir em importante pesquisa como continuidade deste trabalho.

A questão agrária no Brasil, tendo as suas raízes presas ao antigo sistema

colonial, continua marcando uma tensa relação social que põe em conflitos não só os

modelos econômicos, mas as relações sociais mais amplas, envolvendo concepções

de sociedade, estilos de vida e culturas tradicionais. Expressa, portanto, importante

campo que a Sociologia Rural precisa se ocupar, com análises e estudos como parte

da compreensão da realidade social brasileira, agregando os estudos da Sociologia

Brasileira e interagindo com os saberes dos Movimentos Sociais Organizados.

87

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92

APÊNDICE – Roteiro pré-estruturado utilizado nas entrevistas com dirigentes

dos Movimentos Sociais MST e Terra de Direitos

1) Como você caracteriza as lutas pela terra desenvolvidas pelos camponeses

pobres sem terra ou com pouca terra no Brasil?

2) Quais os principais enfrentamentos, principais dificuldades e projeções de

conquistas pelos trabalhadores?

3) O norte do Paraná (municípios de Porecatu, Jaguapitã, Guaraci e Centenário do

Sul principalmente e seus entornos atingindo a cidade de Londrina) foi palco de uma

sangrenta luta pela terra conhecida como Guerrilha de Porecatu, do final da década

de 1940 ao início da década de 1950. Qual a relação entre aquelas lutas e as lutas

atuais desenvolvidas ou defendidas pela entidade que você representa?

4) Há uma vinculação entre essas lutas do passado e o MST? Qual? De que modo?

5) A Comissão Pastoral da Terra (CPT) tem divulgado relatórios anuais (vide

<http://www.cptnacional.org.br/index.php/noticias/12-conflitos/908-cpt-divulga-dados-

parciais-dos-conflitos-no-campo-brasil-de-janeiro-a-setembro-de-2011>) sobre

prisões, mortes de trabalhadores e trabalho escravo no campo. Que relação você

estabelece entre a conjuntura atual da luta pela terra e a luta armada no norte do

Paraná na década de 1950?

6) Como você considera o fato de o Governo brasileiro ter se desviado ou ter

dispensado pouca importância ao Tema Reforma Agrária nas políticas atuais?