universidade federal do pará núcleo de pesquisa e...
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Universidade Federal do Par
Ncleo de Pesquisa e Teoria do Comportamento
Programa de Ps-Graduao em Teoria e Pesquisa do Comportamento
ANLISE DA ADESO AO TRATAMENTO EM MULHERES COM LPUS
ERITEMATOSO SISTMICO
PATRCIA REGINA BASTOS NEDER
BELM
2009
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Universidade Federal do Par
Ncleo de Pesquisa e Teoria do Comportamento
Programa de Ps-Graduao em Teoria e Pesquisa do Comportamento
ANLISE DA ADESO AO TRATAMENTO EM MULHERES COM LPUS
ERITEMATOSO SISTMICO
PATRCIA REGINA BASTOS NEDER
Trabalho apresentado ao Programa de Ps-
graduao em Teoria e Pesquisa do
Comportamento como parte dos requisitos
necessrios obteno do ttulo de Mestre em
Teoria e Pesquisa do Comportamento,
realizado sob a orientao da Profa. Dra.
Eleonora Arnaud Pereira Ferreira e co-
orientao do Prof. Dr. Jos Ronaldo Matos
Carneiro.
BELM
2009
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Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP) (Biblioteca de Ps-Graduao do IFCH/UFPA, Belm-PA)
Neder, Patrcia Regina Bastos
Anlise da adeso ao tratamento em mulheres com Lpus Eritematoso
Sistmico / Patrcia Regina Bastos Neder; orientadora, Eleonora Arnaud
Pereira Ferreira. - 2009
Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Par, Instituto de
Filosofia e Cincias
Humanas, Programa de Ps-Graduao em Teoria de Pesquisa do
Comportamento, Belm, 2009.
1. Lpus Eritematoso Sistmico - Tratamento. 2. Doenas - Psicologia.
3. Depresso. 4. Qualidade de vida. I. Ttulo.
CDD - 22. ed. 616.723
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O valor das coisas no est no tempo que
elas duram, mas na intensidade
com que acontecem. Por isso existem
momentos inesquecveis, coisas inexplicveis
e pessoas incomparveis.
Fernando Pessoa
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Dedico este estudo a todas as pacientes
do Ambulatrio de Reumatologia da FSCM PA,
que gentilmente aceitaram participar da pesquisa.
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AGRADECIMENTOS
Em primeirssimo lugar agradeo a Deus, meu Pai Criador, que me deu nova
oportunidade de concretizar esse sonho, j antigo, de fazer um estudo voltado para a
assistncia s pessoas doentes. E quando eu j havia esquecido do sonho, Ele me
colocou novamente de frente para essa possibilidade, e foi maravilhoso.
No posso deixar de citar aqui pessoas importantes na minha vida. Agradeo
aos meus pais por toda dedicao e carinho desde o princpio de minha existncia. E
no quero deixar de falar aqui os nomes das amigas, consideradas verdadeiras irms,
que me estimulam, me aconselham, choram comigo nas dificuldades e comemoram
minhas vitrias. Muitssimo obrigada Telma Sousa, Patrcia Martins, Ana Sylvia
Gonalves, Edna Leito, Kelly Lopes, Suely Chaves e Silvia Canaan Stein.
Agradeo, tambm, ao Romariz pela pacincia em me orientar os trmites
burocrticos desde a seleo at a entrega desta dissertao.
O desejo de fazer este estudo at alguns anos atrs era apenas desejo, e a nossa
mestra Eleonora Ferreira foi quem acreditou na possibilidade de realiz-lo e esteve ao
meu lado desde a elaborao do projeto. A voc Eleonora MUITO OBRIGADA. Por
vezes voc foi me, amiga, conselheira e sempre com muita dedicao e
profissionalismo me orientou brilhantemente.
Quando o projeto foi idealizado para ter como local de coleta a Fundao Santa
Casa de Misericrdia do Par, procurei pessoas ligadas Pr-Reitoria de Extenso da
Universidade do Estado do Par, e cheguei at o Dr. Jos Ronaldo Carneiro, que desde
o primeiro momento me acolheu, e se mostrou muito receptivo e disponvel para
ajudar em tudo que precisei. Muito obrigada Dr. Ronaldo, pela compreenso e
dedicao como co-orientador no nosso estudo.
Para a realizao da coleta dos dados a ajuda da Ana Carolina Carneiro,
estudante do ltimo ano de psicologia, foi fundamental. A voc Carol, meu muito
obrigada pela colaborao, dedicao e compreenso.
Aos meus AMADOS filhos, Beatriz, 10 anos, e Fredinho, 6 anos, que
compreenderam a necessidade de me ausentar por algumas vezes por conta de reunir
dados e estudar para a realizao da pesquisa. Muito obrigada, filhinhos.
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SUMRIO
Agradecimentos vi
Sumrio vii
Lista de Abreviaturas viii
Lista de Tabelas ix
Resumo x
Abstract xi
I. Introduo 1
1. Lpus Eritematoso Sistmico. 2
2. Depresso e doenas crnicas. 8
3. Qualidade de vida, estratgias de enfrentamento em doenas
crnicas.
17
4. Adeso ao tratamento em doenas crnicas 22
II. Objetivos 36
III. Mtodo 37
1. Composio da amostra 37
2. Ambiente 38
3. Instrumentos 38
4. Procedimento 43
5. Anlise dos dados 45
IV. Resultados e Discusso 48
V. Consideraes Finais 72
Referncias
Anexos
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LISTA DE ABREVIATURAS
LES: Lpus Eritematoso Sistmico
ACR: American College of Rheumatology
AAN: Anticorpos antincleo
Anti-DNAn: Anticorpo anticido desoxirribonuclico de dupla hlice
CE: Corticosteride
VHS: Velocidade de hemossedimentao
HLA: Antgenos leucocitrios humano
CNS: Conselho Nacional de Sade
HFSCMP: Hospital da Fundao Santa Casa de Misericrdia do Par
UEPA: Universidade do Estado do Par
DP: Desvio Padro
SLEDAI: Systemic Lupus Erythematosus Disease Activity Index
AINH: Antiinflamatrio no hormonal
CCBS: Centro de Cincias Biolgicas e da Sade
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Distribuio das variveis sociodemogrficas no grupo Adeso (n=17) e no
grupo No Adeso (n=13).
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Tabela 2 Distribuio da situao conjugal, nmero de filhos, nmero de abortos,
hospitalizaes e tempo de diagnstico no grupo Adeso (n=17) e no grupo
No Adeso (n=13).
51
Tabela 3 Comparao entre as manifestaes clnicas identificadas nas
participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo No Adeso (n=13).
53
Tabela 4 Resultados obtidos com a aplicao do inventrio Beck de depresso (BDI)
com as participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo No-Adeso
(n=13).
54
Tabela 5 Resultados obtidos com a aplicao do inventrio Beck de ansiedade (BAI)
com as participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo No Adeso
(n=13).
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Tabela 6 Resultados obtidos com a aplicao do inventrio Beck de desesperana
(BHS) com as participantes do grupo Adeso (n=17) e do grupo No
Adeso (n=13).
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Tabela 7 Comparao entre os resultados do nvel de depresso (BDI) e de
desesperana (BHS), com as participantes do grupo Adeso (n=17) e o
grupo No Adeso (n=13), e as variveis idade e tempo de diagnstico.
58
Tabela 8 Resultados obtidos com o questionrio SF-36 entre as participantes do
grupo Adeso (n=17) e do grupo No Adeso (n=13).
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Tabela 9 Relao entre os resultados obtidos com o questionrio SF-36 e o tempo de
diagnstico, com as participantes do grupo Adeso (N=17) e do grupo No
Adeso (N=13).
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Tabela 10 Mdia e desvio padro dos escores obtidos em cada domnio do
WHOQOL-Breve e da qualidade de vida geral entre os grupos Adeso
(n=10) e No Adeso (n=9).
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Tabela 11 Associao linear dos escores obtidos entre os domnios do WHOQOL
Breve com as participantes do grupo Adeso (n=10) e o do grupo No
Adeso (n=9).
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Tabela 12 Correlao entre idade, tempo de diagnstico e domnios do WHOQOL -
Breve com as participantes do grupo Adeso (n=10) e do grupo No
Adeso (n=9).
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Tabela 13 Mdias dos fatores da escala modos de enfrentamento do problema entre as
participantes do grupo Adeso (n=10) e do grupo No Adeso (n-9).
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Tabela 14 Associao linear dos escores obtidos entre as estratgias de enfrentamento
com as participantes do grupo Adeso e do grupo No Adeso.
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Neder, P.R.B. (2009). Adeso ao tratamento em mulheres com lpus eritematoso
sistmico. Dissertao de Mestrado. Belm: Universidade Federal do Par. 112 pgs.
RESUMO
O lpus eritematoso sistmico (LES) uma doena inflamatria crnica do tecido
conjuntivo, de carter auto-imune e natureza multissistmica, podendo afetar diversos
rgos e sistemas. H predomnio no sexo feminino e apresenta perodos de remisso e
exacerbao. Embora de etiologia ainda desconhecida, vrios fatores contribuem para o
desenvolvimento da doena, dentre eles os fatores hormonais, ambientais, genticos e
imunolgicos. Algumas manifestaes clnicas tm desafiado os especialistas, como o
caso da associao do LES com estados depressivos. Este estudo teve como objetivo
identificar variveis relacionadas adeso ao tratamento em mulheres com diagnstico
de LES. Foram feitas correlaes entre caractersticas sociodemogrficas, nveis de
depresso, qualidade de vida, estratgias de enfrentamento e comportamentos de adeso
ao tratamento. Foram usados os instrumentos: Roteiros de entrevista, Escalas Beck,
International Quality of Life Assessment Project (SF-36), Escala Modos de
Enfrentamento de Problemas (EMEP) e Inventrio de Qualidade de Vida (WHOQOL-
Breve). As participantes integravam um grupo de trinta pacientes assistidas no
ambulatrio de reumatologia de um hospital pblico. Foram distribudas em dois
grupos, de acordo com o uso ou no de medidas orientadas pelo mdico: Adeso (n=17)
e No Adeso (n=13). O grupo Adeso, independentemente da idade e do tempo de
diagnstico, apresentou menores nveis de depresso se comparado com o grupo No
Adeso. Os resultados sugerem que, em ambos os grupos, nos primeiros cinco meses de
convivncia da paciente com o LES, o aspecto fsico, a dor e o estado geral de sade so
percebidos como fatores difceis de lidar. Entretanto, possvel afirmar que, nesse
mesmo perodo, se o paciente no adere s prescries mdicas, o desconforto em
relao aos fatores citados intensificado. A correlao entre o domnio Vitalidade, o
domnio Aspectos sociais (medidos pelo SF-36) e a adeso ao tratamento apresentou-se
vlida, pois as participantes do grupo Adeso tambm relataram que se sentiam
amparadas, tanto pelo seu grupo social quanto pela equipe de sade. Os resultados
sugerem que o comportamento depressivo pode ocorrer pelo longo tempo de
convivncia dessas pacientes com a incontrolabilidade dos sintomas da doena, e
tambm por conta das seqelas do LES, que as atinge severamente, comprometendo
rgos vitais como rins, corao, pulmes, prejudicando a qualidade de vida das
mesmas. Discutem-se as vantagens e limitaes do uso de instrumentos para
identificao de variveis relevantes no estudo da adeso ao tratamento em doenas
crnicas. Sugere-se a realizao de estudos longitudinais, com delineamento do sujeito
como seu prprio controle para investigar a relao entre estados depressivos, controle
de sintomas e adeso ao tratamento.
Palavras-chave: adeso ao tratamento; Lpus Eritematoso Sistmico; depresso;
qualidade de vida.
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Neder, P.R.B. (2009). Adhesion to treatment by women with systemic lupus
erythematosus. Masters dissertation. Belm: Universidade Federal do Par. 112 pages
ABSTRACT
Systemic lupus erythematosus (SLE) is a chronic autoimmune, multisystemic
connective tissue inflammatory disease, capable of affecting several organs and
systems throughout the body. It affects mostly women and presents periods of
remission and exacerbation. Even though its etiology still unknown, several factors
contribute to the development of the disease, among them hormonal, environmental,
genetic and immunological factors. Some clinical manifestations have challenged the
specialists, among them the association of SLE with depressive states. This study
aimed to identify related variables with adhesion to treatment in women with SLE
diagnosis. Correlations were made between socio demographic characteristics, levels
of depression, quality of life, coping and adhesion behavior to treatment strategies. The
following instruments were used: Itineraries of interview, The Beck Scale,
International Quality of Life Assessment Project (SF-36), The Ways of Coping Scale,
World Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQOL-BREF). The
participants formed a group of thirty patients attended at the rheumatology ward of a
public hospital. They were distributed in two groups: Adhesion (n=17) and Non
Adhesion (n=13). The adhesion group, regardless of age and time of diagnosis,
presented lower levels of depression when compared with the non adhesion group. The
results suggest that, on both groups, during the first five months of patients
coexistence with SLE, the physical aspect, pain and the general state of health are
found to be difficult factors to deal with. However, it is possible to assert that, in the
same period, if the patient does not adhere to the medical prescriptions, the discomfort
regarding the mentioned factors is intensified. The correlation between Vitality
subscale and the social Aspects (measured by the SF-36) and the adhesion to treatment
presented valid results, for the Adhesion group participants also reported that they felt
protected as much by their social group as by the health team. The results suggest that
depressive behavior can take place for the long period these patients have been living
with the uncontrollability of the disease symptoms, and also for the sequelae caused by
SLE, which affects them severely, implicating vital organs such as kidneys, heart,
lungs, damaging their quality of life. The pros and cons, as well the limitations on the
use of instruments for identification of relevant variables in the study of adhesion to
the treatment in chronic diseases are also discussed. Longitudinal studies are
suggested, with delineation of the subject as its own control to investigate the relation
between depressive states, control of symptoms and adhesion to treatment.
Keywords: adhesion to treatment; Systemic lupus erythematosus; depression; quality of
life.
http://en.wikipedia.org/wiki/Autoimmunityhttp://en.wikipedia.org/wiki/Connective_tissue_disease
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INTRODUO
Este estudo foi fruto de observaes e pesquisas realizadas desde o ano de 2001
junto a alunos do curso de medicina da Universidade do Estado do Par (UEPA),
durante o exerccio da docncia na disciplina Psicologia Mdica II.
Nos ltimos sete anos de realizao dessa atividade, constatou-se uma relevante
incidncia de mulheres jovens com lpus eritematoso sistmico (LES). Observou-se
que, nesses casos, o LES um fator que tm contribudo para a no realizao de
projetos pessoais, como escolaridade, casamento e maternidade, em virtude das
limitaes e cuidados que essa doena acarreta no cotidiano dessas pacientes, tambm
atingindo diretamente, e por vezes de forma severa, a sua auto-imagem devido s
seqelas decorrentes, como lceras na pele e edemas que deformam o corpo.
Aliado ao LES, com freqncia observou-se estados depressivos muitas vezes
no diagnosticados e adequadamente tratados. Estes estados depressivos no raramente
podem estar correlacionados com idias de suicdio e com o abandono do tratamento,
principalmente se houver negligncia por parte do profissional da rea de sade acerca
do diagnstico de depresso (Keiserman, 2001). Estudos tm confirmado que o
abandono dos pacientes ao tratamento do LES pode agravar o estado clnico dos
mesmos e gerar complicaes em outros rgos e sistemas como os rins, os pulmes e o
corao (Mccune & Riskalla, 2002; Wallace, 2002).
O LES tem despertado interesse em diversas reas do conhecimento humano,
como a medicina, a enfermagem e a psicologia. Entretanto, ainda h poucos estudos
investigando a associao entre o estado depressivo e a adeso ao tratamento em
pacientes que convivem no seu dia a dia com o LES.
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O estudo dessa temtica requer o conhecimento da doena, incluindo suas
principais manifestaes clnicas, prognstico e medidas teraputicas que auxiliem na
promoo da qualidade de vida das pacientes, auxiliando-os no enfrentamento da
doena. Para isso, props-se a realizao de uma pesquisa sobre variveis relacionadas
adeso ao tratamento em mulheres com LES e da real necessidade de acompanhamento
psicolgico para essas pacientes.
Lpus Eritematoso Sistmico
O Lpus Eritematoso Sistmico (LES) uma doena inflamatria crnica do
tecido conjuntivo, caracterizada por alteraes imunolgicas, com formao de auto-
anticorpos dirigidos principalmente contra antgenos celulares, alguns dos quais
participam da leso tecidual imunologicamente mediada. Apresenta grande
polimorfismo de manifestaes clnicas, podendo acometer um ou mais rgos e
sistemas, de maneira concomitante ou consecutiva, assumindo um padro de recorrncia
intercalado por perodos de remisso, com evoluo e prognsticos muitas vezes
imprevisveis (Grossman & Kalunian, 2002).
Em 1851, o mdico francs Pierre Lazenave chamou ateno para a presena de
leses cutneas observadas na face de pacientes com LES, semelhantes a mordidas de
lobo, tendo, ento, esse estudioso utilizado a expresso lpus para se referir a esta
doena. Em 1895, o mdico canadense William Osler chamou ateno para o
envolvimento sistmico da doena, incorporando o termo mesma (Sociedade
Brasileira de Reumatologia, 2007).
Aspectos relacionados etiologia e patogenia do LES continuam
desconhecidos. Diversos fatores parecem aumentar o risco de desenvolvimento da
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enfermidade, entre eles o gentico. Tal fato corroborado pelo encontro de maior
ocorrncia da doena em gmeos monozigotos, quando comparados aos dizigotos
(Grennan et al., 1997). Fatores hormonais, ambientais e infecciosos tambm esto
envolvidos na etiopatogenia da doena. Isto pode ser observado pela alta incidncia do
LES em indivduos do sexo feminino na idade reprodutiva, em indivduos com
antecedentes de exposio irradiao ultravioleta e a relao com algumas espcies de
vrus como o Epstein-Bar (Bynoe, Diamond & Grimaldi, 2000; Incaprera et al., 1998;
Terui et al., 2000).
Embora os reais mecanismos pelos quais esses fatores contribuem para a
exacerbao ou aparecimento do LES no estejam, at o presente momento, bem
definidos, acredita-se que em indivduos geneticamente suscetveis, sob influncia de
tais fatores possam contribuir para a anormalidade do sistema imune com hiperatividade
de clulas B e T, perda da autotolerncia com produo exagerada de auto-anticorpos
contra diversos constituintes celulares resultando em leses teciduais (Hahn, 1997).
O LES uma doena de distribuio universal, sua prevalncia varia entre 14,8 a
50,8/100.000 habitantes na populao dos Estados Unidos da Amrica. A taxa anual de
incidncia para cada grupo de 100.000 habitantes varia entre 1,8 e 7,6 doentes, em
diversas partes do mundo (Hochberg, 1985; McCarty et al., 1995; Nived, Sturfelt &
Willheim, 1985). No Brasil, um estudo realizado na cidade de Natal, no Rio Grande do
Norte, estimou a incidncia do LES em 8,7 casos para cada grupo de 100.000
indivduos no ano de 2000 (Vilar & Sato, 2002). A variabilidade observada nesses
estudos pode refletir diferentes padres metodolgicos, variaes tnicas, raciais e
socioeconmicas (Lahita, 1999).
O LES apresenta ntida preferncia pelo sexo feminino e, no adulto, a proporo
de nove a dez mulheres acometidas pela doena para cada homem. Embora o LES
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possa ocorrer em qualquer faixa etria, mais frequentemente diagnosticado em
mulheres em idade frtil, sendo sua maior freqncia observada entre os 15 e 45 anos de
idade (Schur, 1993).
Sintomas constitucionais como febre, anorexia, perda de peso, fadiga e adinamia
esto entre as principais manifestaes clnicas iniciais e durante os perodos de
atividade da doena, podendo ser encontrados em 36% a 90% dos pacientes (Gladman
& Urowitz, 1998; Wallace, 2002).
Manifestaes musculoesquelticas, como artrites e ou artralgias so freqentes
e constituem as manifestaes iniciais mais comuns da doena, tendo uma incidncia
varivel entre 53% e 95% durante o curso da enfermidade, enquanto as miosites
ocorrem em 5% a 11% dos casos (Wallace 2002).
O comprometimento renal, diagnosticado por meio de alterao do sedimento
urinrio com a presena de hematria e/ou proteinria, ocorre em 41% a 62% dos casos,
ao longo da evoluo do LES (Rocha et al., 2000). Manifestaes neuropsiquitricas,
hematolgicas, gastrointestinais e cardiopulmonares podem estar presentes durante o
curso da doena em propores que variam entre 7% e 80% dos casos (Costallat &
Coimbra, 1995; D`Cruz, Khamashata & Hughes, 2002; Gladman & Urowitz, 1998)
At o momento, no existe exame laboratorial que permita o diagnstico do
LES. Assim, importante uma detalhada histria clnica acompanhada de um bom
exame fsico. Entretanto, no se pode esquecer de pesquisar os anticorpos antinucleares
(AAN), pois podem estar presentes em mais de 95% dos casos, apesar de sua
inespecificidade (Wallaece, 2002). Alm disso, anticorpos anti-DNA de dupla hlice e
anti-Sm apresentam alta especificidade para o diagnstico do LES, sendo encontrados
respectivamente em 95% e 99% dos casos. Entretanto, a sensibilidade de 70% para o
anti-DNA de dupla hlice atravs da imunofluorescncia indireta com Crithidia luciliae,
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e de apenas 25% a 30% para o anti-Sm (imunodifuso dupla) (Schur, 1993).
Para confirmao do diagnstico de LES, o Colgio Americano de
Reumatologia (ACR) vem adotando, desde a dcada de 70, critrios que so
periodicamente revistos. Assim, o ACR estabeleceu a presena de pelo menos quatro,
dentre os onze critrios clnicos e/ou laboratoriais para classificao do LES. Estes
critrios so universalmente aceitos e esto apresentados na Tabela 1 (Hochenberg et
al., 1997).
Fonte: Critrios atualizados por MC Hochenberg et al. (1997). Arthritis Rheum. 40:1725.
Dentre os sintomas do LES, merece destaque as manifestaes cutneas
presentes em at 80% dos casos durante o curso da doena, como a presena da clssica
leso em asa de borboleta (rash malar), documentada em 50-60% dos pacientes, que
aparece ou se exacerba aps exposio s irradiaes ultravioletas (Schur, 2005).
Fazendo parte do cortejo clnico do LES durante a evoluo da doena,
ressaltam-se as manifestaes renais presentes em mais de 50% dos pacientes. As
manifestaes cardacas, pulmonares, neurolgicas e hematolgicas, traduzidas sob a
forma de pericardite, pleurites, convulses, trombocitopenia e anemia hemoltica,
respectivamente, podem estar presentes em at 70% dos casos (Schur 2005).
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Estudos tm chamado ateno para um melhor prognstico e sobrevida em
pacientes com LES nas ltimas dcadas. Atualmente, mais de 90% dos pacientes
sobrevivem por mais de 10 anos. A sobrevida dos pacientes com LES tem alcanando
valores acima de 90% aos cinco anos do curso da doena, e 83% aos 10 anos (Sth-
Hallengegre, 2000). No Brasil, Paiva et al. (1985) e Latorre (1997) observaram ser a
sobrevida dos pacientes com LES, respectivamente, de 69% e 90%, quando seguidos
por um perodo de cinco anos. O tratamento deve ser realizado o mais precocemente
possvel, entretanto, existem casos fatais em que muito pouco se consegue modificar a
evoluo da doena (Schur, 2005).
O LES freqentemente evolui com perodos de exacerbaes intercalados com
perodos de acalmia. O tratamento bastante diversificado. Habitualmente, as
medicaes utilizadas para o controle da doena durante o surto de atividade so
indicadas de acordo com as manifestaes clnicas e a gravidade do caso, incluindo os
antiinflamatrios no hormonais, antimalricos, corticosterides e imunossupressores.
Inicialmente, o paciente com LES e seus familiares devem receber informaes
gerais sobre a doena como medidas educacionais e orientaes sobre o controle, recursos disponveis
para o diagnstico e o tratamento. necessrio ainda educar o paciente para os cuidados com sua
sade, indicar realizao de atividades fsicas, dieta adequada, proteo solar e evitar o tabagismo. Estes
hbitos contribuem para controle da doena, proporcionando o prolongamento da vida com produtividade e
qualidade. (Sato et al., 2004).
O tratamento clnico do paciente com LES deve ser individualizado, e voltado para o rgo ou
sistema acometido. Geralmente faz-se necessrio o uso contnuo de antimalricos, pois estes reduzem a
atividade da doena e ainda poupam o uso de doses elevadas de esterides, alm de melhorarem o perfil
lipdico e reduzir o risco de fenmenos tromboemblicos. Entretanto, deve-se ter cuidado com os efeitos
colaterais dessa droga principalmente para a viso ocular (Consenso Brasileiro, 2002).
Os corticsterides constituem a pedra angular no tratamento de pacientes com LES e devem ser
reservados para casos mais graves ou quando os pacientes no respondem aos antimalricos. Tambm, pode-
se lanar mo, em casos especiais, de imunossupressores como: azatioprina, ciclofosfamida, clorambucil,
metotrexato e ciclosporina Em alguns casos, as imunoglobulinas e a plasmaferese constituem uma importante
ferramenta no controle desses pacientes (Sato et al. 2004).
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Os antiinflamatrios no hormonais tm perdido espao nos ltimos anos no controle dos pacientes
com LES, por seus efeitos colaterais principalmente para os rins.
Sato (2004) reafirma que os antimalricos, como a Cloroquina na dose de 4mg/kg/dia ou
Hidrxicloroquina na dose de 6mg/kg/dia, so indicados em todas as formas de LES, desde que no haja
contra-indicao, embora sua maior indicao seja para as formas cutnea-articular. Devido aos efeitos
colaterais, os pacientes candidatos ao uso de antimalricos devem ser submetidos a um exame de fundo de
olho a cada seis meses, em mdia, do uso da droga.
Em casos graves, os pacientes com LES devem fazer uso de imunossupressores
como a Ciclofosfamida na dose de 0,5 a 1g/m2 de superfcie corporal sob a forma de
pulsoterapia1 inicialmente mensal, por seis meses, depois bimensal ou trimensal e final
semestralmente, totalizando um perodo de dois anos.
Deve-se, tambm, orientar os pacientes e seus familiares sobre fatores que
influenciam na exacerbao da doena, como exposio irradiao ultravioleta, uso de
estrgenos e gravidez, entre outros, alm de fornecer suporte psicolgico e social
(Mccune & Riskalla, 2002; Wallace, 2002).
No caso de gravidez, o momento mais adequado para a mulher portadora de LES
engravidar quando a doena est inativa, embora todas as gestaes devam ser
consideradas de alto risco devido severidade da patologia e necessidade de terapia
medicamentosa (Lockshin, 2001). Ser portadora de LES no impede a gravidez ou a
formao de bebs saudveis, embora toda interveno durante a gestao deva ocorrer
sob o acompanhamento conjunto entre o reumatologista e o ginecologista. As mulheres
com LES que no desejam engravidar devem procurar um mdico para orient-la acerca
do mtodo contraceptivo mais adequado, uma vez que o estrgeno contido nas plulas
anticoncepcionais pode ativar a doena (Sato, 1999).
Pesquisas de Lockshin (2001) mostram que 50% de todas as gestaes em
mulheres com lpus so normais, 25% tm bebs prematuros e 25% correspondem
1 Pulsoterapia de glicocorticides com dose intravenosa de 1 g por dia em trs dias consecutivos de metilprednisolona (15-20
mg/kg/dia por dose). Doses baixas a moderadas so usadas para o controle inicial de manifestaes mais brandas.
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perda do feto, por aborto espontneo ou morte do beb. A mortalidade perinatal mais
elevada quando o LES se apresenta de forma severa e est mal controlado. A doena
pode se exacerbar no perodo prximo ao parto e at oito semanas aps. Contudo, o
acompanhamento sistemtico pode evitar a ativao da doena (Sato, 1999).
Depresso e doenas crnicas
A literatura refere que uma porcentagem significativa de mulheres com
diagnstico de LES desenvolve depresso em nvel moderado ou grave. H uma
percepo clnica geral de que a depresso ocorre com freqncia no curso do LES. Se
essa depresso pode ser normalmente esperada devido ao estresse e aos sacrifcios
impostos pela doena ou se, ao contrrio, ela que agrava e desencadeia os sintomas e
crises agudas, uma questo de difcil resposta (Ayache & Costa, 2005).
A depresso classificada como transtorno do humor de acordo com o Manual
Diagnstico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR, 2000). Os sintomas que
caracterizam e determinam o diagnstico de depresso so: humor deprimido, insnia e
hipersonia, sensao de inutilidade, fadiga ou diminuio da energia, agitao ou
retraimento psicomotor, pensamentos persistentes e recorrentes acerca da morte e
suicdio, sentimento de culpa exacerbado e inadequado, retraimento da capacidade de
pensamento e deciso, perda ou ganho relevante de peso, prazer ou desprazer acentuado
pelas atividades. Esse conjunto de aspectos indica que fatores biolgicos, genticos e
neuroqumicos participam dos quadros depressivos (Dalgalarrondo, 2000).
A depresso pode ser classificada quanto intensidade dos sintomas, como leve,
moderada ou grave; ou quanto ao predomnio dos sintomas, como depresso atpica,
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depresso ansiosa, depresso psictica, distimia e transtorno bipolar de humor (CID 10,
1993).
Botega et al. (2002) caracterizam a depresso como um transtorno de humor
recorrente e sugerem que uma a cada vinte pessoas apresenta depresso em estado
moderado ou grave. De cinqenta casos, um necessita de hospitalizao e pelo menos
15% dos deprimidos graves se suicidam.
O enfoque da depresso do ponto de vista da anlise do comportamento destaca
a relao entre o ambiente e os estados emocionais do homem. Compreende-se por
ambiente a histria filogentica, ontogentica e cultural a qual todos esto submetidos.
Portanto, o desencadeamento e a durao dos sintomas depressivos dependem do
conjunto de fatores biolgicos, histricos e ambientais (Capelari, 2002).
Nery, Borba e Lotufo Neto (2004) sugerem que pacientes com o LES e que
apresentam sintomas sugestivos de estado depressivo devem ser alertadas que esse
estado emocional pode ser induzido pela prpria doena, pelos medicamentos usados no
tratamento e por um incontvel nmero de estmulos aversivos vivenciados pelo
paciente durante o curso dessa doena crnica. Portanto, o dficit de contingncias
reforadoras pode promover estados depressivos.
Keiserman (2001) demonstrou que 15% das pessoas com doenas crnicas em
geral sofrem de depresso e entre os pacientes com diagnstico de lpus esse percentual
pode chegar a quase 60%. Deve-se considerar, entretanto, que embora a depresso seja
muito mais comum em portadores de doenas crnicas, como o LES, do que no resto da
populao, nem todos apresentaro depresso.
importante ressaltar que pacientes com LES podem apresentar sintomas
semelhantes ao estado de depresso, tais como a apatia, letargia, perda de energia ou
interesse, insnia, aumento das dores, reduo do apetite e da performance sexual, da a
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importncia de profissionais bem preparados com conhecimento sobre os mtodos
diagnsticos que permitam diferenciar as enfermidades. Essa prtica pode evitar que os
pacientes atinjam estgios avanados, com sofrimento para os mesmos, correndo risco
de lev-los at ao suicdio. Estudos tm documentado que cerca de 30 a 50% dos casos
de depresso no so diagnosticados pelos procedimentos mdicos de rotina
(Keiserman, 2001).
Nery et al. (2004) revelaram que vrios fatores contribuem para a depresso em
uma doena como o LES, como as reaes emocionais causadas pelo estresse e tenso
associados ao enfrentamento da doena, as privaes e os esforos necessrios aos
ajustes que o paciente deve fazer em sua vida, alm de alguns medicamentos usados no
tratamento da doena como os corticosterides. Tambm importante considerar o
envolvimento de rgos vitais como o Sistema Nervoso Central contribuindo para o
aparecimento do estado depressivo (Keiserman, 2001).
Cabral (1986), ao abordar as consequncias psicolgicas e sociais de uma
doena crnica, inclui como fatores relevantes para o doente: a gravidade da doena,
sua fase evolutiva, o estilo de vida do enfermo e seu padro comportamental frente s
situaes adversas. Este pesquisador conclui seus estudos relatando que padres de
comportamento aprendidos ao longo da vida podem propiciar o desenvolvimento de
doenas crnicas ou contribuir para o agravamento do seu quadro clnico, resultando em
condutas que dificultam a adeso ao tratamento e, a consequente, recuperao do
paciente.
Em estudos acerca de depresso junto a pacientes com LES, destaca-se o
trabalho de Segui et al. (2000, citado por Arajo, 2004) que investigaram 20 mulheres
com diagnstico de LES em perodo de atividade e de inatividade da doena a fim de
comparar nveis de depresso. Os autores concluem que tanto nos momentos de
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exacerbao dos sintomas como nos de remisso, os nveis de depresso se mantm os
mesmos. Tais pesquisadores advertem que outros fatores podem estar contribuindo para
a depresso no sendo a mesma intensificada nas fases agudas da doena. Shapiro
(2001, citado por Arajo, 2004) chama ateno para fatores como o impacto emocional
envolvido no estresse da adaptao doena crnica, as alteraes em rgos como o
crebro, corao e rins e algumas medicaes usadas para controle do LES que podem
levar o indivduo depresso. Esse dado justifica a dificuldade de identificar a etiologia
dos sintomas.
A literatura tambm aponta a associao de depresso e ansiedade com outras
doenas crnicas, como o hipertireoidismo. Vainboim (2005) investigou a representao
da doena e da internao em pacientes com diagnstico de hipertireoidismo
hospitalizados, com o objetivo de observar possveis associaes entre os nveis de
ansiedade e depresso e posteriormente os comparou com os pacientes ambulatoriais. A
pesquisa teve amostra de 30 pacientes, sendo que nove estavam hospitalizados e os 21
restantes se encontravam em tratamento ambulatorial. Foram utilizadas: entrevista
psicolgica semidirigida e Escala HAD (Hospital Anxiety Depression), sigla pela qual
conhecida a Escala de avaliao de ansiedade e depresso em contexto hospitalar.
Vainboim concluiu que os ndices de ansiedade e depresso foram mais elevados em
pacientes ambulatoriais do que em pacientes hospitalizados. Essa autora considera que a
doena e a hospitalizao so situaes incontrolveis na vida de qualquer pessoa e
implicam em uma ameaa ao equilbrio fsico, emocional e social, pois tais situaes
so cercadas de ansiedade, angstias, fantasias, medos, questionamentos e dvidas.
Inclusive as relaes sociais, familiares e suas atividades de trabalho tambm so
atingidas a partir da doena.
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A anlise do comportamento tem estudado variveis de controle de diferentes
problemas humanos discutidos por B. F. Skinner. As relaes humanas podem ser foco
de estudos interessados em descrever causas, efeitos e formas de tentar lidar,
adequadamente, com essas contingncias. Skinner (1953/2000) descreve processos
bsicos nos quais os comportamentos se estabelecem: a filognese, que diz respeito
interao com o ambiente a partir da evoluo da espcie, referindo-se a
comportamentos reflexos e traos comportamentais; a ontognese, que compreende a
aprendizagem individual como conseqncia das experincias com o meio; e a
ontognese sociocultural que se refere aprendizagem social, ou seja, a aprendizagem
que se estabelece no contato com a cultura (valores, crenas, estilos de vida).
A depresso est ligada histria de reforamento de cada indivduo
(aprendizagem individual no contato social). Para compreend-la necessrio olhar
para a interao homem-ambiente, ou seja, verificar os antecedentes e as conseqncias
de um comportamento depressivo.
A histria de vida de cada indivduo passa por uma seleo do comportamento
pelas suas conseqncias que envolvem dupla relao de controle: a do sujeito sobre seu
meio ambiente que atravs do seu comportamento pode modific-lo , e a do
ambiente sobre o comportamento do sujeito, que sofre as conseqncias das alteraes
ambientais produzidas por ele prprio (Skinner, 1994). Contudo, sabe-se que estmulos
que no esto sob controle do sujeito tambm podem modificar seu comportamento.
Diversos estudos experimentais demonstraram que animais submetidos a
choques eltricos incontrolveis apresentaram, posteriormente, dificuldade de aprender
respostas de fuga, sendo que o mesmo no ocorre quando os choques prvios foram
controlveis. Esse efeito da incontrolabilidade dos choques tem sido denominado
"desamparo aprendido" (Maier & Seligman, 1976; Peterson, Maier & Seligman, 1993).
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A interpretao mais aceita sobre o desamparo aprendido assinala que, durante o
tratamento com estmulos incontrolveis, o sujeito aprende que as alteraes dos
estmulos independem de suas respostas, de forma que, posteriormente, ele tem maior
dificuldade em aprender a relao entre comportamento e conseqncia contida em
contingncias operantes s quais exposto (Maier & Seligman, 1976; Peterson et al.,
1993).
No entanto, estudos recentes fortalecem a suposio de que a incontrolabilidade
dos estmulos no uma varivel suficiente para que se produza o efeito de desamparo
aprendido. Estas questes se tornam mais relevantes ao se considerar a aplicabilidade do
termo a estudos com seres humanos expostos a estmulos incontrolveis, como a
evoluo de uma doena crnico-degenerativa.
No caso de indivduos com LES, embora estudos apontem para uma relao
entre esta doena e a presena de depresso, em especial em mulheres (Mattje & Turato,
2006), no est clara tal relao. H estudos sugerindo que as caractersticas da doena
poderiam favorecer estados depressivos em mulheres (Ballone, 2003), assim como
estudos que sugerem que tais estados depressivos poderiam ser decorrentes de efeitos
colaterais dos medicamentos utilizados para o tratamento do lpus (Ballone, 2003).
O desamparo aprendido se estabelece quando o sujeito aprende que no existe
relao entre suas respostas e os estmulos, aprendizagem essa que se contrape
aprendizagem seguinte que envolve contingncia de reforamento (Maier & Seligman,
1976). Porm a hiptese do desamparo aprendido vai alm da anlise das relaes
funcionais estabelecidas na condio experimental e considera crticos alguns processos
cognitivos, inferidos a partir dos dados. Segundo Maier e Seligman, a varivel
independente crtica para o desamparo no a incontrolabilidade estabelecida
experimentalmente, mas sim a expectativa desenvolvida pelo indivduo de que ele no
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pode controlar o ambiente. Essa expectativa pode atuar em diferentes nveis,
promovendo um conjunto de efeitos que caracterizam o desamparo, que desencadeia
trs tipos de dficits: motivacional, cognitivo e emocional. A interpretao cognitivista
desse efeito, segundo Hunziker (2005) decorre de uma alterao na forma de como o
sujeito processa a informao relativa nova contingncia. Seria esse erro de
processamento, causado pela expectativa de incontrolabilidade, que leva o sujeito a
no registrar a relao de dependncia que h entre sua resposta e as mudanas no
ambiente. Consequentemente, o dficit emocional caracterizado por alteraes
fisiolgicas, tais como mudanas do ciclo de sono e de ingesto de alimentos,
imunossupresso, entre outras. Ainda na interpretao cognitivista, a crena de que o
reforo no vir, produz estados alterados de emoes (ansiedade e depresso) que, por
sua vez, levam a essas alteraes fisiolgicas.
Nery et al. (2004) constataram que mdicos reumatologistas experientes e os
prprios pacientes relacionam a piora ou surgimento do LES com algumas situaes
aversivas. Por outro lado, deve ficar bem definido que a doena possui evoluo
tipicamente marcada por perodos variveis de remisso e exacerbao, e que sofre
influncia de alguns fatores como exposio solar, hormnios, drogas, e agentes
infecciosos.
Os resultados obtidos por Nery et al. (2004), no levantamento das pesquisas cujo
objetivo era verificar a piora nas manifestaes de doenas clnicas sob a influncia de
fatores psicologicamente estressantes, mostram que, no LES, h um padro diferente de
resposta imune nos pacientes, quando comparados a pessoas saudveis, que pode estar
ligado piora ou exacerbao da doena. E, alm disso, como foi visto em outros
estudos j mencionados, os estmulos aversivos cotidianos ligados a relacionamentos
interpessoais podem preceder a piora da atividade clnica do LES. Porm, se faz
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necessrio mais investigaes para se afirmar que eventos de vida marcantes e
estressores crnicos podem eliciar sintomas fsicos.
O estudo de Schubert (1999) apresenta o monitoramento de uma nica paciente
com LES durante pouco mais de dois meses, verificando estressores cotidianos
semanalmente e realizando diariamente medidas de neopterina2 urinria, um parmetro
imunolgico de atividade inflamatria do LES. Embora no tenham observado
parmetros bem definidos durante o perodo do estudo, o autor constatou um aumento
da neopterina urinria sempre um dia aps estressores cotidianos moderadamente
intensos. Embora este achado no seja suficiente para concluses definitivas, sugere
uma possvel relao de agentes estressores psicossociais na atividade do LES.
Em contrapartida, Dobkin et al. (2002) acompanharam 120 pacientes com LES
durante 15 meses. Trimestralmente, eram avaliados estressores ambientais do cotidiano,
sintomas psiquitricos, qualidade de vida, suporte social e estratgias de enfrentamento.
Alm destas variveis, a atividade da doena tambm foi avaliada ao incio e ao final do
estudo. Os autores verificaram que estresse no predizia aumento da atividade da
doena. Porm, todas as pacientes com LES eram participantes de um grupo de
psicoterapia, e segundo os pesquisadores provvel que essa interveno tenha
interferido no impacto do estresse psicossocial sobre a doena, uma vez que todas as
medidas avaliadas mostraram melhora ao longo do estudo.
Estudo realizado por Shering-Plough (2002) refere que profissionais da rea
mdica destacam estresse e fatores psicolgicos como desencadeantes de sintomas
fsicos, mas no se esclarece quais os fatores especficos, nem como os aspectos
emocionais afetam o organismo. Porm, nem toda a classe mdica compreende o
desencadeamento dos sintomas relacionado com o estresse. Tambm, estudos em
2 Neopterina: um produto excretado pelos macrfagos quando estes so estimulados por interferon-gamma.
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psicologia da sade referem que, isoladamente, a condio emocional de uma pessoa
no suficiente para desencadear uma doena orgnica, destacando a importncia de
uma abordagem que busque a multicausalidade do problema (Costa & Lpez, 1986). A
forma como o indivduo se comporta e seu estilo de vida associado ao tipo de adeso ao
tratamento que ele apresenta podem interferir na intensidade dos sintomas de uma
doena, mas no o nico responsvel pela exacerbao dos sintomas (Ferreira,
Mendona & Lobo, 2007).
Com base nos achados de Ferreira et al. (2007), nota-se que os recursos mdico-
farmacolgicos disponveis no so suficientes para a cura de uma doena caracterizada
como crnica. Nesse sentido, necessrio um tratamento e um acompanhamento
profissional em longo prazo que vise o controle da doena por meio de consultas
mdicas, monitorao sistemtica de sintomas e avaliao dos procedimentos mdico-
farmacolgicos (Derogatis, Fleming, Sudler & Pietra, 1996). Os tratamentos deveriam
educar o paciente a aprender a controlar sua doena reduzindo a freqncia de quadros
agudos. A reeducao do comportamento do paciente tem dificuldades na sua realizao
uma vez que, esse processo envolve o impacto da doena e das exigncias do tratamento
do paciente. O paciente crnico precisa conciliar o desejo de ser curado e as
exigncias do tratamento que concorrem com o padro comportamental do mesmo, j
modelado ao longo de sua histria de vida. Quando se trata de uma doena crnica, as
exigncias significam muito mais do que a responsabilidade de realizar o tratamento
farmacolgico ao longo da vida do paciente. Significa a aprendizagem de novos
repertrios comportamentais que possibilitem ao paciente ter qualidade de vida (Ferreira
et al., 2007).
Qualidade de vida e estratgias de enfrentamento em doenas crnicas
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A literatura atual apresenta o termo qualidade de vida como um conceito que
inclui uma variedade de condies que esto alm do estado de sade do indivduo,
como valores sociais, determinantes culturais e expectativas. O desequilbrio nas
condies citadas anteriormente interfere na percepo do indivduo em relao a seus
sentimentos, seus comportamentos, ao funcionamento da vida diria. O conceito de
qualidade de vida valoriza a preocupao com o bem-estar geral e os parmetros que
extrapolam o controle de sintomas (Seidl & Zannon, 2004).
Na rea da sade, estudos recentes utilizam instrumentos sobre qualidade de
vida e ndices de depresso em pacientes com doenas crnicas. Dentre esses estudos,
destaca-se o de Berber et al. (2005) que realizaram uma estimativa da prevalncia de
depresso em pacientes com sndrome de fibromialgia, bem como da condio de
qualidade de vida destes pacientes, e avaliaram a magnitude da associao entre a
depresso e a qualidade de vida. Para esse estudo foram selecionados 70 pacientes com
fibromialgia que compareceram s consultas mdicas em duas instituies pblicas e
em seis consultrios particulares de reumatologia. Foram aplicados dois questionrios: o
General Health Questionaire (GHQ-28), para mensurar a depresso, e o Medical
Outcome Short Form Health Survey (SF-36) para medir a qualidade de vida, composto
de 8 sub-escalas, que abordam vrios aspectos do construto qualidade de vida.
Realizaram-se anlises uni e multivariadas entre os escores obtidos no GHQ-28 e nas
escalas do SF-36.
Os resultados obtidos por Berber et al. (2005) sugerem uma correlao entre a
reduo de escores de alguns aspectos da qualidade de vida (como condicionamento
fsico, funcionalidade fsica, funcionalidade social e emocional, sade mental, dor e a
percepo da sade em geral) e a ocorrncia de depresso em pacientes com
fibromialgia. Nesse estudo, dois teros da amostra apresentaram algum grau de
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depresso. Os baixos escores de qualidade de vida observados no estudo j haviam sido
encontrados, segundo os autores, em outros trabalhos que utilizaram o instrumento SF
36 com pacientes com LES e fibromialgia. Os escores de pacientes com fibromialgia
foram significativamente mais baixos do que os obtidos por pacientes com LES. Ficou
evidente no estudo que pacientes com fibromialgia atingiram escores mais baixos nas
escalas dor e vitalidade, ao serem comparados com pacientes com outras doenas
crnicas, indicando pior qualidade de vida.
Para Berber et al. (2005), os distrbios depressivos complicam o curso de
qualquer doena por meio de uma variedade de mecanismos: intensifica a sensao de
dor, dificulta a adeso ao tratamento, tende a diminuir o suporte social e desequilibrar os
sistemas humoral e imunolgico. Os autores concluem que pacientes com diagnstico
de uma doena crnica, como fibromialgia e LES, que esto depressivos apresentam
maior incapacidade que os no depressivos. No estudo de Berber et al., a depresso
estava freqentemente associada a redues importantes na qualidade de vida, incluindo
uma funcionalidade social prejudicada. Observou-se queda dos escores nas escalas que
mediam vitalidade, concentrao, qualidade das interaes sociais e satisfao com a
vida nos pacientes depressivos. Desta forma, quanto mais severa a depresso, pior era a
percepo da qualidade de vida entre os participantes do estudo, levando os autores a
sugerirem que a depresso compromete a funcionalidade social e emocional dos
pacientes, uma vez que pessoas depressivas tm tendncia ao isolamento, a sentimentos
de derrota e frustrao, influenciando negativamente o seu relacionamento com outras
pessoas.
No caso da sndrome de fibromialgia, os fatores psicossociais tm papel
significativo na etiologia e evoluo da doena. Dentre estes fatores esto aspectos
comportamentais como condutas de risco e utilizao de estratgias de enfrentamento
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no adaptativas; fatores cognitivos como vitimizao e perda do autocontrole; e fatores
sociais como interferncias na funo do indivduo na sociedade. Assim, forma-se uma
cadeia de perdas que fortalece os sintomas depressivos, gerando um ciclo vicioso
(Berber et al., 2005).
Ainda no estudo de Berber et al. (2005), de acordo com a autopercepo dos
pacientes, observou-se que a associao entre depresso e piora dos sintomas foi
significativa. Com base nesses resultados, os autores acreditam que a percepo
negativa de seu estado de sade por parte do paciente e a exacerbao dos sintomas
pode ocorrer em qualquer doena crnica associada depresso.
Em meados da dcada de 90, as investigaes entre variveis psicolgicas,
estratgias de enfrentamento, suporte social e a percepo da qualidade de vida,
passaram a relacionar esses fatores com a condio do paciente portador de doena
crnica (Dunbar, Mueller, Medina & Wolf, 1998). No caso das estratgias de
enfrentamento da doena, um instrumento que tem sido til para pesquisar associao
entre enfrentamento e qualidade de vida, utilizado em estudos nacionais, a Escala
Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP): instrumento derivado da escala de
Vitaliano, Russo, Carr, Maiuro e Becker (1985), em verso adaptada para o portugus
por Gimenes e Queiroz (1997) e submetido anlise fatorial por Seidl, Trccoli e
Zannon (2001).
O EMEP foi utilizado no estudo de Faria e Seidl (2006), no qual investigou-se o
poder de predio de estratgias de enfrentamento, incluindo o enfrentamento religioso
(ER), escolaridade e condio de sade (assintomtico ou sintomtico) em relao ao
bem-estar subjetivo (afeto positivo e negativo) com 110 indivduos soropositivos para o
HIV dos quais 68,2% eram homens, com idades entre 21 e 60 anos. Os instrumentos
incluram questionrios elaborados para o estudo, Escala de Afetos Positivos e
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Negativos, Escala Modos de Enfrentamento de Problemas e Escala Breve de
Enfrentamento Religioso. Dentre os resultados apresentados, os autores indicaram que
enfrentamento focalizado na emoo (preditor negativo), enfrentamento focalizado no
problema e enfrentamento religioso positivo foram preditores do afeto positivo. Em
relao ao afeto negativo, observou-se contribuio do enfrentamento focalizado na
emoo e do enfrentamento focalizado no problema (preditor negativo). Os achados
apontam que o preconceito expresso por algumas religies limitaram, moderadamente, o
apoio social de pessoas com diagnstico de soropositividade quando buscavam as
prticas religiosas.
Reflexes sobre prticas religiosas no Brasil foram apresentadas por Gwercman
(2004) em um artigo no qual relata a origem e a expanso da teologia da
prosperidade, baseada na mxima de que Deus capaz de dar o que o fiel desejar.
Basta ter f e acreditar que as prprias palavras tm poder. Tal crena foi incorporada
por vrias igrejas, e, no Brasil favoreceu a exploso evanglica. Atualmente, a
populao brasileira em geral exemplo de uma cultura extremamente religiosa. E,
ainda, mantendo-se fiel ao Cristianismo.
Outras variveis associadas qualidade de vida esto em investigao por vrias
reas de conhecimento. Santos, Frana Jr. e Lopes (2007) se propuseram a analisar a
qualidade de vida de 365 pessoas que vivem com HIV-aids com idade maior que 18
anos e passaram por consulta com o infectologista. As variveis sociodemogrficas, de
consumo recente de substncias psicoativas e as condies clnicas foram obtidas por
meio de questionrios e a qualidade de vida foi avaliada por meio do WHOQOL-bref.
Apesar de diversidade em relao a sexo, cor da pele, renda e condies de sade
mental e imunolgica, os autores concluram que os portadores de HIV-aids avaliaram
ter melhor qualidade de vida fsica e psicolgica que outros pacientes crnicos,
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porm os escores foram mais baixos no domnio de relaes sociais. Neste ltimo
domnio, podem estar refletidos os processos de estigma e discriminao associados s
dificuldades em revelar seu diagnstico para terceiros, em especial para os parceiros
sexuais.
Em pesquisa com 241 pessoas portadoras de HIV-aids, sendo 169 sintomticas e
72 assintomticas, com 208 delas em uso de terapia antirretroviral, Seidl, Zannon &
Trccoli (2005) correlacionaram qualidade de vida (QV) com condio clnica,
escolaridade, situao conjugal, enfrentamento e suporte social. A varivel QV foi
investigada nas dimenses psicossocial, fsica, do ambiente e qualidade de vida geral,
mediante anlises de regresso mltipla hierrquica. Nos resultados apresentados se
verificou que, o suporte social emocional, enfrentamento focalizados na emoo,
enfrentamento focalizado no problema e viver com parceiro, podem ser considerados
como preditores significativos da dimenso psicossocial da QV, alcanando a maior
varincia explicada. O suporte social emocional e enfrentamento focalizado na emoo
foram preditores significativos nas anlises relativas s demais dimenses da QV. Os
autores concluram que as pessoas soropositivas que avaliaram maior disponibilidade e
satisfao com o suporte emocional, e referiram menor utilizao de estratgias de
enfrentamento focalizado na emoo, maior freqncia de enfrentamento do problema e
estavam vivendo com parceiro(a) apresentaram condies de funcionamento das esferas
cognitiva, afetiva e dos relacionamentos sociais mais adequadas, alm de maior
satisfao com esses aspectos. Um dado esperado e interessante verificado pelos autores
foi quanto dimenso fsica: as pessoas assintomticas avaliaram melhor o seu
funcionamento fsico que as sintomticas. Ainda que a maioria dos participantes
estivesse usando a terapia anti-retroviral, os sintomas estavam menos intensos e
provavelmente as pessoas sintomticas tinham mais desconforto fsico.
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Tais reflexes sobre qualidade de vida e variveis como renda, ocupao,
conhecimento da doena, caractersticas da doena indicam a necessidade de manejo de
algumas destas variveis a fim de favorecer a adeso ao tratamento.
Adeso ao tratamento em doenas crnicas
Para Jeammet (1982), adeso ao tratamento envolve vrios aspectos presentes
em uma situao de doena como: (a) a doena em si, se esta se encontra em estgio
agudo ou se crnica e debilitante; (b) o prprio paciente, se este se encontra pela
primeira vez enfrentando uma situao de doena grave, se possui apoio familiar, se
confia no mdico que o assiste; (c) o profissional mdico e sua expectativa em relao
ao paciente, como se relaciona com o mesmo, se mantm uma postura humanizada e
emptica, conseguindo ouvir as angstias do paciente, cont-las e orient-lo; e (d) o tipo
de tratamento, dependendo da complexidade, se exige preciso nos horrios, se utiliza
medicaes injetveis ou orais, seu tempo de durao e quantidade de comprimidos ao
dia. De modo geral, os aspectos citados iro influenciar de forma mais intensa em
alguns casos e brandamente em outros, no que se refere adeso ao tratamento.
Segundo a Organizao Mundial de Sade (2002), possvel conceituar adeso
ao tratamento como o grau de concordncia entre as recomendaes do prestador de
cuidados de sade e o comportamento do paciente relativamente ao regime teraputico
proposto em comum acordo. Esta definio permite perceber a complexidade e
variedade de comportamentos que podem ser tratados enquanto fenmenos de adeso ao
tratamento. Portanto, quando se fala em adeso ao tratamento, refere-se a formas
diversas de manifestaes em diferentes momentos do processo teraputico. A entrada e
a permanncia em programas de tratamento, o seguimento das consultas previamente
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estabelecidas, a aquisio dos medicamentos prescritos e o uso dos mesmos de forma
adequada, o seguimento de regimes alimentares ou a prtica de exerccio fsico, ou
ainda, o abandono de comportamentos de risco, so exemplos da diversidade dessas
manifestaes.
A diversidade e a complexidade dos comportamentos citados auxiliam a
compreender a dificuldade em determinar de forma precisa o nvel de adeso ou de no
adeso ao tratamento, na medida em que estes dependem do tipo de doena, do regime
teraputico e da metodologia utilizada para avaliar a correspondncia entre as
prescries e o seguimento ou no destas prescries (Bond & Hussar, 1991).
Em estudo retrospectivo, Maia e Arajo (2004) fizeram uma anlise de 150
pacientes com diabetes mellitus do Tipo 1 (DM1). As variveis estudadas foram: idade,
sexo, tempo de convivncia com a doena, esquema insulnico utilizado, perfil
psicolgico, glicemia capilar com passado de crise convulsiva, hipoglicemia grave ou
cetoacidose diabtica. O perfil psicolgico do paciente foi avaliado por psiclogo, sendo
investigados: a forma como o paciente estava lidando com o diabetes, a presena de
sentimento de medo em relao s crises hipo-hiperglicmicas e suas repercusses em
ambiente pblico como, por exemplo, a vergonha de revelar que portador de DM1.
Maia e Arajo concluram que a presena de uma doena crnica degenerativa gera
sentimentos diversos como angstia, temor e incerteza nos diabticos e em seus
familiares. Os portadores de DM1 se sentiam frustrados ou "esgotados" pelo
desconforto dirio do tratamento e da automonitorizao. Outra varivel significativa
analisada por Maia e Arajo foi a idade em relao aceitao da doena. Pois,
observou-se maior mdia de idade nos pacientes com menor aceitao da doena. O
desconforto psicossocial gerado pela rotina de automonitorao da glicemia em
pacientes com DM1 tem impacto negativo sobre a capacidade do paciente de iniciar e
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manter as recomendaes bsicas de autocuidado, levando algumas vezes a omisses de
doses de insulina, com maior incidncia de complicaes agudas graves. Maia e Arajo
concluram que, mesmo com os esforos empregados pelos profissionais de sade, os
aspectos do comprometimento da qualidade de vida do paciente podem dificultar
importantes evolues no atendimento assistencial. E advertiram que, com menor
adeso ao tratamento, piora o controle glicmico e aumenta o nmero de complicaes
em longo prazo.
Delgado e Lima (2001) comentam que Hipcrates j considerava que pacientes
mentem freqentemente quando lhes perguntado se tomaram os medicamentos. O
desejo de agradar ou de evitar a desaprovao leva a que pacientes emitam respostas
para se mostrarem, a eles prprios e sobretudo aos outros, como mais aderentes do que
realmente so. Alguns pacientes ainda, segundo Taylor (1986), na verdade nem se
percebem como no aderentes, pelo que seria intil perguntar-lhes se tomaram certo
medicamento ou fizeram determinada dieta. No parece tambm que, de acordo com
Steele, Jackson, e Gutmann (1990), os mdicos sejam capazes de identificar com
fidelidade quem so os pacientes aderentes e quem so os no aderentes por alguma
caracterstica que estes tenham, ou por qualquer misteriosa intuio a que alguns
chamam olho clnico.
Em Portugal, Ramalhinho (1994), ao avaliar a adeso medicao anti-
hipertensiva em 95 adultos, chegou a resultados coincidentes com a literatura.
Ramalhinho utilizou, na avaliao da adeso aos medicamentos prescritos, o mtodo de
contagem de medicamentos em paralelo com uma medida psicomtrica. Neste estudo se
encontrou, respectivamente, uma adeso de apenas 46,3 a 56,8% aos medicamentos
anti-hipertensivos.
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Delgado e Lima (2001) afirmam que, dentre os mtodos indiretos e
comportamentais, a contagem de medicamentos tem merecido a preferncia de muitos
investigadores. Ramalhinho (1994), que utilizou esta metodologia para avaliar o nvel
de adeso teraputica anti-hipertensiva, comenta que esta metodologia oferece
dificuldades e os resultados podem ser enviesados.
Se o doente se apercebe, ou avisado que est a ser controlado com o objetivo
de medir a sua adeso aos tratamentos, pode tomar os medicamentos com maior
assiduidade do que tomaria normalmente, ou at mesmo deit-los fora, de modo
a procurar agradar ao seu mdico ou aos investigadores. Por outro lado, o
mtodo da contagem dos medicamentos moroso, pois obriga pelo menos a
duas visitas a casa do doente no pressuposto que o doente guarde as embalagens
de todos os medicamentos que est a tomar. O que nem sempre acontece. Alguns
doentes deixam algumas embalagens/comprimidos dos medicamentos que esto
a tomar numa outra casa que freqentam com regularidade, ou no local de
trabalho, ou ainda, esquecem-se que entre as contagens adquiriram novas
embalagens (Ramalhinho, 1994, p. 84).
Delgado e Lima (2001) referem que, a fim de contornar algumas destas
dificuldades e com o objetivo de criar um mtodo que oferecesse boas qualidades
psicomtricas e permitisse ao mesmo tempo uma aplicao extensiva, regular e que se
adaptasse a qualquer contexto clnico, Morisky e Green desenvolveram, em 1986, uma
medida de quatro itens para avaliar a adeso aos tratamentos, cujos itens os pacientes
respondiam de forma dicotmica (sim/no a quatro perguntas: 1) voc, alguma vez,
esquece de tomar seu remdio? 2) voc, s vezes, descuidado quanto ao horrio de
tomar seu remdio? 3) quando voc se sente bem, alguma vez, voc deixa de tomar o
remdio? 4) quando voc se sente mal com o remdio, s vezes, deixa de tom-lo?).
Segundo Delgado e Lima, a originalidade desta escala, relativamente a outras formas de
auto-relato, residia, fundamentalmente, na construo das questes pela negativa, em
que a resposta no significava adeso. Este fato permitia, segundo os mesmos autores,
evitar os enviesamentos.
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Delgado e Lima (2001) buscaram verificar se a adeso poderia ser medida com a
utilizao de uma escala do tipo Likert, comparativamente escala dicotmica utilizada
por Morisky e Green, que analisa as caractersticas psicomtricas de duas medidas com
seis itens desenvolvidas para aceitar a adeso medicao (comprimidos e inalador). O
objetivo melhorar a qualidade psicomtrica do instrumento de medida da adeso ao
tratamento, quer em termos de sensibilidade e de especificidade, quer de consistncia
interna. Delgado e Lima fizeram uma validao concorrente desta escala tomando como
critrio a contagem de medicamentos. Estabeleceram que o mtodo de contagem de
medicamentos , na verdade, um instrumento de avaliao mais prximo da medida de
adeso do que o critrio controle da presso arterial utilizado em outros estudos.
Nesse estudo, o critrio de adeso consistia em tomar entre 80% e 100% da dose
prescrita no mbito do tratamento. E como no adeso, a porcentagem abaixo das
referidas.
Este critrio utilizado por Delgado e Lima (2001) para selecionar os sujeitos que
esto aderindo e os que no esto aderindo no consensual. Segundo Grgoire,
Guilbert, Archambault e Contandriopoulos (1997), no existe unanimidade sobre qual
o ponto de ruptura acima e abaixo da qual o paciente deve ser classificado como
aderente ou como no aderente. Grgoire et al. destacam que a arbitrariedade na
definio do ponto de ruptura altera a classificao de muitos pacientes como aderentes
ou como no aderentes, com importantes conseqncias em termos da sensibilidade e da
especificidade de qualquer medida utilizada. O percentual dentro do qual um paciente
considerado aderente situa-se entre os 75 e os 120% que tomam a medicao prescrita.
Com isto observa-se que estudos acerca da adeso podem indicar um ou mais fatores
facilitadores ou no para o tratamento e sucesso da terapia.
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Strele, Mion Jr. e Pierin (2003) relacionaram o controle da presso arterial com o
teste de Morisky e Green, o conhecimento sobre a doena, a atitude frente tomada dos
remdios e o comparecimento s consultas e juzo subjetivo do mdico. No referido
estudo, participaram 130 hipertensos: 73% mulheres, 60 11 anos, 58% casados, 70%
brancos, 45% aposentados, 45% com primeiro grau incompleto, 64% com renda
familiar de um a trs salrios mnimos, ndice de massa corporal 30 7 Kg/m2, 11 9,5
anos de conhecimento da doena e 8 7 anos de tratamento. Os dados do estudo de
Strele et al. evidenciaram que os pacientes hipertensos, que responderam ao teste de
Morisky e Green, expressaram atitudes positivas em relao tomada dos remdios,
porm sua associao com o controle ou no da presso arterial foi pouco significativa,
exceto para a questo descuido do horrio da tomada das medicaes. Observou-se
tambm que os hipertensos apresentaram conhecimento satisfatrio em relao doena
e do tratamento e mais uma vez com fraca associao com o controle ou no da presso
arterial. Dessa forma eles concluem que no teste de Morisky e Green, o conhecimento
sobre doena e o tratamento no apresentaram abrangncia suficiente para predizer o
controle da presso arterial. E tambm advertem dizendo que a avaliao dos
hipertensos com o referido teste e com tratamento em curso foi pontual, o que talvez
justifique os resultados encontrados.
Nos resultados do estudo de Strele et al. (2003), apenas cerca de um tero dos
hipertensos estudados estava com a presso arterial controlada, similar ao encontrado na
literatura. Segundo os autores, a influncia da aposentadoria e mais tempo de tratamento
no controle da presso poderia ser justificada pela maior disponibilidade de dedicao
ao tratamento daqueles pacientes. Strele et al. mostraram, ainda, que a idade mais
elevada, baixa escolaridade, baixa renda, menos de cinco anos de doena associam-se
ao abandono e controle inadequado da presso arterial. Na associao entre
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conhecimento sobre a doena e sobre o tratamento com o controle da presso arterial,
tambm avaliados no estudo, o conhecimento satisfatrio expresso pelos hipertensos,
no se relacionou com o controle da presso arterial. Esse dado talvez indique que os
hipertensos que compuseram a amostra do estudo, apesar de expressarem
conhecimentos dos aspectos importantes sobre a doena e tratamento, no realizaram,
em seus hbitos de vida, mudanas suficientes para alcanar o controle da presso
arterial. Os autores alertam que o conhecimento da enfermidade racional, e o
comportamento de adeso um processo complexo, envolvendo fatores emocionais e
barreiras concretas, de ordem prtica e logstica. Outro critrio para mensurar o
comportamento de adeso ao tratamento, segundo os autores o comparecimento s
consultas, mas que na presente investigao no se relacionou com o controle ou no da
presso arterial.
Os dados de Strele et al. (2003) apontam para a necessidade de uma abordagem
multidisciplinar, na qual a vivncia de cada paciente, seus valores, crenas e prticas
culturais sejam reconhecidos e abordados. Eles destacam a importncia de trabalhar o
contexto social e psicossocial do paciente, tornando o tratamento um problema que deve
ser enfrentado por todos: o hipertenso, a famlia, a comunidade, as instituies e a
equipe de sade.
Em estudo similar realizado por Pierin et al. (2001), tambm se verificou que o
fato de as pessoas hipertensas estarem orientadas sobre a doena e o tratamento no
implica em efetivo seguimento do tratamento proposto, uma vez que a adeso ao
tratamento requer mudana de comportamentos e no apenas acesso a informaes.
No estudo de Pierin et al. (2001), a populao estudada compreendia 205
pacientes hipertensos atendidos em um ambulatrio de uma universidade no Estado de
So Paulo. Os participantes apresentavam bom nvel de conhecimento dos fatores
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associados hipertenso. E, segundo os autores, estes descreviam as orientaes
mdicas, como reduo de sal na alimentao, evitar estresse, eliminar hbitos como o
fumo e a bebida alcolica. E ainda, o conhecimento por parte do paciente acerca dos
aspectos de cronicidade e gravidade da doena no indicou correspondente seguimento
das regras necessrias ao controle da presso arterial, o que significaria adeso. Dentre a
populao estudada, o sexo predominante foi o feminino e a faixa de idade de 41 a 60
anos; entretanto, os resultados mostraram os homens como menos aderentes que as
mulheres, sugerindo que fatores de ordem social e cultural, que consideram o sexo
masculino na posio de comando e dominao, isento de doena e fraqueza, podem
influenciar significativamente o comportamento de no adeso.
Pierin et al. (2001) destacaram a necessidade de a populao hipertensa conhecer
todos os aspectos inerentes doena e ao tratamento. Pois, o esclarecimento sobre
fatores de risco associados, cronicidade da doena, ausncia de sintomatologia
especfica e complicaes que comprometem rgos vitais quando no controlados os
nveis da presso arterial, so aspectos importantes sobre os quais as pessoas hipertensas
deveriam ser orientadas. E mesmo que os resultados mostrem que o conhecimento da
doena e sua gravidade pelos pacientes no determine a adeso ao tratamento, os
autores enfatizaram que os pacientes hipertensos precisam de um processo educativo
para o seguimento adequado do tratamento.
Outro aspecto importante e que constitui um dos principais problemas que o
sistema de sade enfrenta o abandono do tratamento pelo paciente ou o incorreto
cumprimento das orientaes prescritas pelos profissionais de sade. A no adeso aos
tratamentos constitui, provavelmente, a mais importante causa de insucesso das
teraputicas, introduzindo disfunes no sistema de sade por meio do aumento da
morbilidade e da mortalidade (Gallagher, Horwitz & Viscoli, 1993).
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O estudo de Colombrini, Coleta, Baena e Lopes (2008) objetivou verificar a
prevalncia de no-adeso terapia anti-retroviral altamente potente (HAART) em
pacientes (N=60) com diagnstico de aids e estabelecer o valor preditivo dos fatores
associados no-adeso HAART. Foram considerados os trs dias anteriores
entrevista e os pacientes classificados como aderentes quando ingeriam 95% ou mais do
total de comprimidos prescritos por dia. A adeso foi de 73,3%. A anlise da amostra
indicou que indivduos da raa negra apresentaram 6,48 vezes mais risco de no aderir
ao tratamento; os pacientes que apresentaram ausncia de efeito colateral tiveram um
risco de 7,6 vezes maior, e a cada comprimido ingerido o risco foi de 1,12. Os fatores
sociodemogrficos e culturais, de acordo com Colombrini et al. podem interferir na
adeso HAART. Os resultados mostraram que: raa (negra), idade (40 a 49 anos),
escolaridade ( 6 anos), efeitos colaterais (presena) e nmero total de comprimidos
prescritos estavam associados no-adeso ao tratamento. Os autores tambm
investigaram associaes entre o fator raa e algumas caractersticas socioeconmicas:
renda familiar, condies de habitao, ocupao ou tipo de trabalho e escolaridade.
Concluram que apenas a associao entre raa negra e a escolaridade foi significativa:
negros com diagnstico de aids e com menor escolaridade apresentaram pior adeso.
Arajo e Traverso-Ypez (2007), em estudo com mulheres diagnosticadas com
LES, objetivaram aprofundar os processos de significao e gerao de sentidos
relacionados experincia do LES, entrevistando oito mulheres portadoras da doena.
As autoras analisaram a experincia de cada participante e enfatizaram a necessidade de
uma abordagem interdisciplinar que atenda as dimenses biopsicossociais envolvidas no
processo de adoecimento. As autoras observaram que a doena impediu cinco dentre as
oito participantes de continuarem suas atividades ocupacionais regularmente. E
constataram que o LES no foi impedimento para a realizao de atividades autnomas
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(como as de artes, escritora e vendedora), por serem mais flexveis do que as regras
estabelecidas pelos empregadores, que determina s pessoas assalariadas uma jornada
em torno de seis a oito horas dirias. Concluram que uma carga horria fixa e rgida
torna-se incompatvel com os sintomas apresentados quando a doena est em perodo
de atividade. A maioria das participantes declarou ficar impossibilitada de se
locomover, em estgios ativos do LES, o que exigiu a suspenso de suas atividades
laborais.
A renda de pacientes com doenas crnicas pode dificultar sua adeso ao
tratamento de acordo com Nunes e Oliveira (2008). As autoras desenvolveram um
estudo com 162 hipertensos cadastrados na Unidade de Sade da Famlia Cidade Verde
IV, na cidade de Joo Pessoa, onde a renda dos entrevistados foi mencionada como
sendo entre um e trs salrios mnimos (80%), gerando dificuldades na adeso no que se
refere s mudanas nos hbitos de vida, como aderir a uma alimentao saudvel e
enfrentar situaes ansiognicas provocadas por problemas financeiros e familiares,
bem como o acesso medicao.
O apoio familiar que vem em forma de incentivo do(da) companheiro(a) no
momento de tomar a medicao e comparecer s consultas, permite que alguns
pacientes sejam alertados sobre as complicaes que iro advir se no fizerem uso da
medicao corretamente, e sobre as mudanas que precisam fazer como preveno dos
agravamentos (Nunes & Oliveira, 2008).
O nvel de informao sobre a doena e o conhecimento que o paciente possui
sobre o seu tratamento e prognstico so importantes para favorecer a adeso ao
tratamento, embora no sejam suficientes, como j foi dito. Assim, o conhecimento que
um indivduo possui sobre a relevncia de alguns aspectos de sua vida indispensvel
para o enfrentamento da doena. Contudo, anlises funcionais, provavelmente, podem
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reduzir a ocorrncia de estados de ansiedade relacionados a falsas expectativas. A
literatura mostra que frequentemente pacientes crnicos tm poucas informaes ou
informaes equivocadas sobre sua doena, o que pode favorecer a expectativa de
ficarem curados e descontentes com o fato de essa cura no se realizar nunca (Ferreira
et al., 2007).
Uma reflexo sobre a convivncia com a doena crnica foi apresentada por
Silveira e Ribeiro (2005), em estudo realizado com pacientes assistidos em ambulatrio
de um hospital universitrio. De acordo com os autores, quando as doenas so
denominadas crnicas, de longa durao, o desafio do tratamento para o paciente est
em viver e conviver autonomamente com esta condio de cronicidade. A doena
crnica tambm passvel de duas formas de dependncia: a dos remdios e a do
mdico. Partindo dessa perspectiva, as autoras aconselham que o tratamento do paciente
portador de doena crnica deve favorecer a adaptao a esta condio,
instrumentalizando-o para que, por meio de seus prprios recursos, desenvolva
mecanismos que permitam conhecer seu processo sade/doena de modo a identificar,
evitar e prevenir complicaes, agravos e, sobretudo, a mortalidade precoce.
A necessidade de o paciente adaptar-se s limitaes da doena e nova rotina
de vida merecem um estudo mais cuidadoso no que se refere adeso ao tratamento. O
comportamento de adeso corresponde ao grau de seguimento dos pacientes
orientao mdica (Fletcher et al., 1989), e relaciona-se maneira como o indivduo
vivencia e enfrenta o adoecimento. Fletcher et al. chamam a ateno para os parmetros
usados quando se trata de adeso, no qual se focaliza o uso dos medicamentos
prescritos, o seguimento das orientaes e restries indicadas, as modificaes que a
pessoa necessita fazer no estilo de vida para recuperar sua sade.
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Para Botega (2001) e Fletcher et al. (1989), estudos sobre adeso, de modo geral,
utilizam diferentes mtodos para medi-la: comportamentais (contagem de plulas, por
exemplo), inqurito com os pacientes, tcnicas bioqumicas, reviso de resultados
clnicos, entre outros. Eles compreendem que essa forma de avaliar, com foco no
aspecto medicamentoso, evidencia uma preocupao com a adeso aos medicamentos
em lugar da adeso ao tratamento, como se fossem fatores dissociados. Esta concepo
do profissional de sade modulada por uma formao acadmica que privilegia a
doena e no o doente com suas caractersticas, seu estilo e seu contexto de vida.
desprezado o significado que a doena tem para o paciente, bem como sua relevncia
para o tratamento. Entretanto, necessrio verificar neste processo a relao do paciente
com o profissional de sade e com a instituio qual est vinculado para tratar-se,
justificam essas autoras.
Desse modo, uma contribuio importante para o controle da doena crnica a
relao do doente com os profissionais que o assistem (Britt, Hudson & Blampied,
2004; Fernandes, 1993). necessrio, para a qualidade de vida do paciente crnico,
buscar alternativas para realizao de um tratamento que melhor se adapte realidade
de cada um. E de responsabilidade do profissional de sade facilitar o estabelecimento
de um vnculo adequado que permita reconhecer possibilidades e limitaes, visando
indicao de alternativas adequadas para adeso ao tratamento (Guimares & Kerbauy,
1999).
Um aspecto importante na anlise da adeso ao tratamento a postura de
profissionais que compem uma equipe de sade, estabelecendo regras e orientaes
para o controle da doena sem considerar a histria pessoal do paciente, que varia desde
a difcil condio financeira, at crenas religiosas e hbitos alimentares. Desse modo,
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os tratamentos padronizados podem favorecer a no adeso ou dificult-la por no
considerarem as especificidades de cada caso (Malerbi, 2000).
O psiclogo da rea da sade est capacitado a prestar assistncia especializada
ao paciente que precisa aprender e adaptar-se a um novo padro comportamental, que
contribua com sua qualidade de vida. Como analista do comportamento, o psiclogo
pode ter um papel importante para o auxlio no tratamento de doenas crnicas: por
meio da anlise funcional do comportamento (Ferreira et al., 2007).
No caso do LES, at o momento foram localizados poucos estudos que
investigassem fatores relacionados adeso ao tratamento na rea da psicologia. Dentre
os estudos localizados, a maioria da rea mdica, da enfermagem, da farmcia e da
fisioterapia, descrevendo procedimentos teraputicos e seus efeitos. Os estudos que
relacionam aspectos emocionais e LES foram conduzidos por mdicos psiquiatras ou
por equipes multiprofissionais sem a incluso de psiclogos, na sua maioria. Assim,
destaca-se a relevncia de estudos sobre adeso ao tratamento por indivduos com LES,
enfatizando-se sua importncia cientfica e social uma vez que esta doena crnica
compromete a qualidade de vida desses pacientes, como tem sido apontado pela
literatura j mencionada.
Nessa perspectiva, estudos sobre aspectos que se relacionam com a adeso ao
tratamento podem servir de base para a compreenso da evoluo dos sintomas e para
testar futuros modelos de interveno que permitam melhor qualidade de vida aos
pacientes com LES.
Desse modo, com base na reviso da literatura realizada, verificou-se a
necessidade de realizar um estudo exploratrio com vistas a identificar fatores
relacionados a comportamentos de adeso ao tratamento em mulheres com diagnstico
de LES.
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OBJETIVOS
1 Geral
Identificar variveis relacionadas adeso ao tratamento em mulheres com
diagnstico de lpus eritematoso sistmico (LES) atendidas no ambulatrio de
reumatologia do Hospital da Fundao Santa Casa de Misericrdia do Par, no perodo
de maio de 2008 a abril de 2009.
2 Especficos
(a) Verificar a relao entre condio socioeconmica, medida de acordo com os
critrios de classificao determinados pela Associao Brasileira de Empresas
de Pesquisa - ABEP (2007), de mulheres com diagnstico de LES e adeso ao
tratamento;
(b) Verificar a relao entre as manifestaes clnicas (sintomas e agravamento da
doena) e adeso ao tratamento;
(c) Verificar a relao entre estados depressivos, de ansiedade e desesperana e
adeso ao tratamento;
(d) Verificar a relao entre qualidade de vida e adeso ao tratamento;
(e) Verificar a relao entre estratgias de enfrentamento da doena e adeso ao
tratamento.
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MTODO
1 Composio da Amostra
Tratou-se de um estudo prospectivo do tipo transversal onde participaram 30
mulheres com diagnstico de LES inscritas h, no mnimo, seis meses no Ambulatrio
de Reumatologia da Fundao Santa Casa de Misericrdia do Par (FSCM-PA), com
idades entre 18 e 50 anos, perodo de fertilidade da mulher e indicado na literatura como
o de maior incidncia do diagnstico. Alm destes critrios de incluso, somente
participaram as pacientes que aceitaram e concordaram em assinar o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido [TCLE] (Anexo 01). O nmero de 30 participantes
corresponde a 30% do total de pacientes com diagnstico de LES inscritos no programa
de assistncia desse ambulatrio. A escolha por pacientes que estivessem h pelo menos
seis meses, tempo mnimo de permanncia no ambulatrio de reumatologia da FSCM-
PA, ocorreu em virtude dessas pacientes agendarem consultas de retorno para controle
da doena de trs em trs meses.
Foram excludas da amostra, pacientes com idade inferior a 18 anos, as com
idade superior a 50 anos, as que compareceram ao ambulatrio com sintomas de LES
que sugerissem a necessidade de imediata hospitalizao, as que apresentassem
indicativos de transtornos psiquitricos e as que se recusassem a assinar o TCLE, assim
como as que apresentassem faltas recorrentes nas consultas de retorno.
Tambm participou do estudo um mdico reumatologista que atende no
Ambulatrio de Reumatologia da FSCM-PA. O convite foi realizado por meio de um
termo de concordncia (Anexo 02), no qual o mdico aceitou que a pesquisadora ou a
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assistente de pesquisa entrevistassem as pacientes antes e aps as consultas, assim como
as acompanhassem durante as mesmas.
2 Ambiente
O estudo foi realizado no Ambulatrio de Reumatologia da FSCM-PA. Este
ambulatrio composto de doze consultrios os quais so utilizados pela equipe de
mdicos especialistas, por alunos de graduao em medicina e por mdicos residentes
em Reumatologia. Funciona diariamente nos turnos da manh e da tarde, sendo que os
atendimentos dirigidos a pacientes com diagnstico de LES concentram-se nos dias de
sexta-feira.
3 Instrumentos
A coleta de informaes se deu por meio dos seguintes instrumentos:
(a) Pronturio da Paciente: Documento no qual so registrados todos os atendimentos e
procedimentos realizados pelos profissionais da FSCM-PA com a paciente durante o
acompanhamento desta no Ambulatrio de Reumatologia. Foi utilizado um roteiro para
o levantamento do comparecimento da paciente s consultas, seguindo ordem
cronolgica, assim como para o registro do tempo do diagnstico, do ingresso da
paciente no ambulatrio e do registro de sintomas recorrentes.
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(b) Roteiro de Entrevista em PrConsulta (Anexo 04): Roteiro semi-estruturado
contendo dados de identificao das caractersticas demogrficas da participante, de sua
situao socioeconmica (mediante roteiro proposto pela Associao Brasileira de
Estudos Populacionais [ABEP], 2007), entendimento sobre o diagnstico, descrio das
regras do tratamento, levantamento dos comportamentos de adeso ao tratamento j
instalados e sentimentos em relao doena e ao tratamento.
(c) Escalas Beck: Conjunto de quatro inventrios utilizados como medida de auto-
avaliao de depresso, ansiedade, desesperana e tentativa de suicdio. No Brasil, foi
validada por Cunha (2001), e neste trabalho, foram utilizadas as escalas de ansiedade
(BAI), desesperana (BHS) e depresso (BDI). O Inventrio Beck para Ansiedade
(BAI) proposto para medir os sintomas comuns de ansiedade. Ele consta de 21
sintomas listados, conte