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Universidade Federal do Acre Departamento de Economia Análise Econômica dos Sistemas de Pro d uç ã o Fa m ilia r Rura l d a Re g iã o do Vale do Acre - 1996/1997 Financiadores: THE FORD FOUNDATION

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Universidade Federal do Acre Departamento de Economia

An lise Ec onmic a dos Sistemas de Produ o Familia r Rura l da Regio

do Vale do Acre - 1996/1997

Financiadores:

THE FORD FOUNDATION

2

Universidade Federal do Acre Reitor: Prof. Jonas Pereira de Souza Filho Pr-Reitoria de Pesquisa e Ps-Graduao Pr-Reitor Prof. Svio Maia Departamento de Economia Chefe: Prof. Lucas de Arajo Carvalho

Equipe do Projeto

Concepo: Msc. Jos Fernandes do Rgo1

Coordenao: Msc. Orlando Sabino da Costa Filho2

Esp. Robinson Antnio da Rocha Braga2

Pesquisadores do Projeto: Msc. Carlos Estevo Ferreira Castelo,2

Econ. Francisco Kennedy Arajo de Souza3

Msc. Jos Porfiro da Silva2

Doutor Jos Rolando Garcia Huerta3

Msc. Mrio Jorge da Silva Fadell3

Msc. Raimundo Cludio Gomes Maciel4

Esp. Reginaldo Fernando Ferreira de Castela2

Msc. Sheila Maria Palza Silva2

Bolsistas que contriburam na pesquisa: Cid Natal da Silva Ramos,5 Claudeci dos Santos Lima,6 Claudia Lima Saldanha,5 Claudy Lima da Silva,5 Eliane de Lima e Silva,7 Elyson Ferreira de Souza,5 Francisco Ocimar de Freitas Souza,5 Gardnia de Oliveira Sales,5 Gisele Elaine de Arajo Batista,7 Ilis Sandro Antnio Areno Ambrsio,5 Jardson Lima de Souza,5 Juceir Rocha de Souza,8 Kelvinha de Arajo Lima,8 Lorena Rodrigues Barbosa,5 Macilon Arajo Costa Neto,8 Marcos dos Santos Mendona,5 Maria Jeigiane Portela da Silva5 e Rogrio Gonalves Bezerra5

1 Prof visitante do Departamento de Economia da Universidade Federal do Acre at dez./1998. 2 Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Acre. 3 Professor Doutor em Mtodos Quantitativos da Universidad de Matanzas/Cuba. 4 Pesquisador do Departamento de Economia da Universidade Federal do Acre. 5 Estudante de Graduao do Curso de Cincias Econmicas da Universidade Federal do Acre. 6 Estudante de Graduao do Curso de Geografia da Universidade Federal do Acre. 7 Estudante de Graduao do Curso de Cincias Econmicas da Universidade Federal do Acre e atual bolsista do Projeto ASPF. 8 Estudante de Graduao do Curso de Anlise de Sistemas da Universidade Federal do Acre.

3

Agradecimento

Agradecemos o apoio financeiro concedido pelas instituies: Universidade Federal do

Acre (UFAC), Fundao Ford (F.F.) que financiou grande parte desta pesquisa, Banco da

Amaznia S/A (BASA), Centro Nacional para o Desenvolvimento Sustentado das

Populaes Tradicionais (CNPT) e ao SEBRAE/AC que a partir de janeiro de 2002 se aliou

ao projeto como financiador e gestor dos recursos necessrios para o prosseguimento da

pesquisa no estado do Acre.

Agradecemos s comunidades pesquisadas nos municpios de Xapuri, Brasilia, Assis

Brasil, Plcido de Castro, Acrelndia, Senador Guiomard, Sena Madureira e Porto Acre, no

Estado do Acre; e s comunidades do municpio de Nova Califrnia, no Estado de

Rondnia, pelas contribuies na construo da metodologia de pesquisa e pacincia

dispensada na ocasio das entrevistas.

Agradecemos s entidades parceiras: AMOREX, AMOREAB, AMOREB, CAEX, CNS,

FETACRE, INCRA, STR, que muito contriburam para a realizao deste trabalho, seja nas

discusses iniciais sobre a metodologia da pesquisa, seja na aproximao da equipe do

projeto com as comunidades pesquisadas.

Agradecemos Fundao Instituto de Biodiversidade e Manejo de Ecossistemas da

Amaznia Ocidental (BIOMA) pelo empenho no gerenciamento dos recursos no perodo de

setembro de 1998 a julho de 2001 e Fundao de Apoio e Desenvolvimento ao Ensino e

4

Desenvolvimento Pesquisa e Extenso Universitria no Acre (FUNDAPE) pela gesto

dos recursos no intervalo de agosto a dezembro de 2001.

Agradecemos ainda ao Departamento de Economia da Universidade Federal do Acre pelo

apoio na execuo do projeto, especialmente na disponibilizao de docentes para atuar no

enriquecimento desta pesquisa cientfica.

Nossos sinceros agradecimentos ao SEBRAE/AC e Fundao Ford que possibilitaram a

publicao deste trabalho.

5

Apresentao

A Amaznia tem sido, nos ltimos 30 anos, objeto de acirrado debate a respeito

do destino dos seus recursos naturais, especialmente de sua floresta. A apreenso e a

intensificao dramtica das manifestaes sobre o futuro da regio foram precipitadas, a

partir da dcada de setenta, pelo transbordamento e devassadora expanso, no espao

amaznico, dos mdios e grandes capitais que estabeleceram o plo de desenvolvimento

econmico moderno no Centro-sul do Pas. Nesse movimento de capitais, ressalta-se a

frente pioneira agropecuria pelo efeito desagregador que promove nas atividades

econmicas tradicionais.

A reocupao econmica e demogrfica revestia-se da promessa e da

pretenso de modernizao da economia e da sociedade regionais. A Amaznia vivera, no

final do sculo XIX e princpio do sculo XX, o apogeu do ciclo da borracha, mas entrara

numa prolongada agonia do extrativismo tradicional. A situao, na dcada de setenta, era

de estagnao da economia tradicional da regio.

A resposta do Estado Brasileiro inrcia regional, que contrastava com o

desenvolvimento experimentado no conjunto da economia nacional, foi a adoo de

polticas pblicas para impulsionar a expanso da fronteira econmica, visando a integrao

fsica e econmica da Amaznia. Essencialmente, isto significava reproduzir, no nvel

regional, o modelo de desenvolvimento em prtica no Centro-sul do Pas. Ocupando uma

fronteira capitalista, esse modelo toma a forma de frente pioneira, tornando agudas

contradies que lhe so intrnsecas. Aprofunda a concentrao de riqueza, a excluso e o

conflito social, a predao do ambiente natural e a desagregao da cultura prpria das

populaes tradicionais. De modo que o desenvolvimento regional, sob todos os aspectos,

encarna caractersticas de insustentabilidade.

A exemplo de outros Estados da Amaznia, no Acre, a expanso da fronteira

agropecuria resulta, de um lado, no estabelecimento da pecuria de corte extensiva, nas

margens dos grandes eixos rodovirios, e de outro, em virtude do xodo rural interno e do

6

fluxo imigratrio de trabalhadores rurais, em bolses de colonizao fundada na agricultura

familiar.

Por outro lado, os impactos negativos da ocupao pecuria sobre a atividade

extrativista suscitaram, em toda a Amaznia, a forte resistncia dos seringueiros e

trabalhadores rurais num amplo movimento, envolvendo sindicatos de trabalhadores,

organizaes ambientalistas internas e internacionais, que determinou a reviso de aspectos

importantes da poltica de desenvolvimento regional e a adoo, tmida ainda, de incentivos

sustentao do extrativismo e agricultura familiar. Fazem parte desses estmulos as

reservas extrativistas, a subveno da borracha, o PRODEX, o PRO-RURAL e o

PRONAF.

No Acre, as novas polticas pblicas so sinais inequvocos de uma

correlao de foras que favorece o extrativismo e a agricultura familiar. Diante do impasse

da ocupao agropecuria empresarial, fortemente limitada pela barreira ambiental e scio-

poltica, surge um espao real, com amparo em polticas pblicas, para a afirmao de um

modelo de desenvolvimento sustentvel, baseado na cultura prpria das populaes

extrativistas e em sistemas produtivos familiares que harmonizem benefcios econmicos,

sociais e ambientais.

Essa referncia cultural confere ao novo modelo um contedo florestal-

extrativista, consideradas as reformulaes exigidas por esses conceitos. Florestal refere-se

a uma realidade abrangente, no apenas bio-fsica e espacial, mas tambm scio-cultural.

Extrativismo concerne ao bioextrativismo prprio das populaes tradicionais da

Amaznia. E como elemento de um modelo de desenvolvimento sustentvel para o Acre,

deve assumir o carter de neoextrativismo. Neoextrativismo um ambiente social

especfico, em simbiose e equilbrio com a natureza e mais determinado pelo universo

cultural do que pelas demais instncias da vida social. A cultura das populaes tradicionais

o cimento que d unidade ao ambiente social extrativista.

A formulao de polticas pblicas para impulsionar novo modelo exige dentre

outros requisitos, o conhecimento dos sistemas de produo familiares existentes, o

extrativismo, o agrcola e o agroflorestal. E a avaliao do desempenho do sistema nos seus

diversos aspectos um indicador de sua sustentabilidade. Outro requisito para definio de

polticas pblicas a concepo dos novos sistemas e sua avaliao, conhecidas as

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potencialidades dos sistemas existentes. Para tanto, necessrio construir cenrios de

desenvolvimento sustentvel que tenham por base o neoextrativismo.

Estamos, portanto, diante de um problema instigante de pesquisa. O

Departamento de Economia da UFAC deu uma contribuio importante a esses estudos

com o projeto Avaliao de Sistemas de Produo Familiares Rurais (ASPF). A pesquisa,

cujo primeiro relatrio est sendo publicado, mede o desempenho econmico dos sistemas

de produo familiares extrativista, agrcola e agroflorestal e procede a sua comparao.

Isto permite avaliar, no s as possibilidades de persistncia do extrativismo num cenrio

novo, mas tambm projetar elementos dos sistemas agrcola e agroflorestal para compor

um sistema de produo sustentvel de contedo neoextrativista. Estabelece, por outro lado,

um marco zero a partir do qual ser possvel acompanhar, usando a mesma metodologia, a

eficcia das polticas pblicas de estmulo ao extrativismo e agricultura familiar.

Um dos aspectos de relevo da pesquisa a metodologia. De fato, o mtodo

criativo e especfico para a produo familiar, representando uma contribuio indita, no

mbito da avaliao econmica de unidades de produo familiares, nas condies da

Amaznia.

A pesquisa econmica sobre produo familiar na Amaznia fica mais rica

com os resultados publicados pelo relatrio do projeto ASPF e, sobretudo, abrem-se

possibilidades novas de investigao, nesse campo, em virtude dos problemas suscitados

pela pesquisa e do imenso banco de dados colocado disposio dos pesquisadores.

Rio Branco, 12 de maro de 2001.

JOS FERNANDES DO RGO

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Sumrio

INTRODUO-------------------------------------------------------------------------------------- 11

1. LOCAL DE ESTUDO--------------------------------------------------------------------------- 14

1.1. ESTADO DO ACRE ----------------------------------------------------Erro! Indicador no definido.

1.1.1. Estrutura fundiria acreana --------------------------------------------------------------- 15 1.1.2. Vale do Acre ---------------------------------------------------------------------------------- 18

2. METODOLOGIA-------------------------------------------------------------------------------- 19

2.1. OBJETO DE ESTUDO-------------------------------------------------Erro! Indicador no definido.

2.2. OBJETIVO ---------------------------------------------------------------Erro! Indicador no definido.

2.3. AMOSTRA ---------------------------------------------------------------Erro! Indicador no definido.

2.4. QUESTIONRIO, SOFTWARE E PESQUISA DE PREOS Erro! Indicador no definido.

2.4.2. Elaborao do questionrio --------------------------------------------------------------- 23 2.4.3. Aplicao do questionrio ----------------------------------------------------------------- 24 2.4.4. Pesquisa de preos -------------------------------------------------------------------------- 25 2.4.5. Elaborao do software -------------------------------------------------------------------- 25

3. SISTEMAS DE PRODUO RURAIS FAMILIARES E ANLISE DOS NDICES E RESULTADOS ECONMICOS ----------------------------------------------------------- 27

3.1. AGRICULTURA FAMILIAR ----------------------------------------Erro! Indicador no definido.

3.2. SISTEMAS----------------------------------------------------------------Erro! Indicador no definido.

3.3. SISTEMAS DE PRODUO RURAL -----------------------------Erro! Indicador no definido.

3.3.1. Sistema de produo agrcola do Vale do Acre --------------------------------------- 32 3.3.2. Sistema de produo extrativista do Vale do Acre ----------------------------------- 33 3.3.3. Sistema de produo agroflorestal------------------------------------------------------- 34

3.4. ANLISE DOS DADOS ECONMICOS -------------------------Erro! Indicador no definido.

3.4.1. ndice de trabalho familiar, ndice de assalariamento e ndice de capitalizao 35

3.4.2. Crdito ---------------------------------------------------------------------------------------- 40 3.4.3. Composio da renda ---------------------------------------------------------------------- 41 3.4.4. Custos de produo ------------------------------------------------------------------------- 44 3.4.5. Desempenho econmico geral ------------------------------------------------------------ 47 3.4.6. Desempenho econmico por produto --------------------------------------------------- 58

CONCLUSO---------------------------------------------------------------------------------------- 64

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APNDICE ------------------------------------------------------------------------------------------ 72

ANEXOS---------------------------------------------------------------------------------------------- 76

Tabelas

Tabela 1: Nmero de estabelecimentos e rea ocupada por faixa de grupos......................17 Tabela 2: ITF, IK e IA dos Sistemas de Produo Extrativista, Agrcola, Agroflorestal e

para o Conjunto dos Sistemas (% de UPFs) e Composio da Fora de Trabalho..............................................................................................................................37

Tabela 3: Principais produtos comercializados pelas famlias dos sistemas de produo..............................................................................................................................41

Tabela 4: Composio da renda dos sistemas de produo por sub-setor e por produto 43 Tabela 5: Estrutura de custos da produo familiar dos sistemas de produo por ano

(Custo mediano de uma UPF/ano) .......................................................................45 Tabela 6: Indicadores econmicos dos sistemas de produo.............................................47 Tabela 7: Percentual de produtores de acordo com a produo vendida comparada com o

ponto de igualao dos custos totais ....................................................................59 Tabela 8: Relao entre a produo vendida e produo total ...........................................61 Tabela 9: Percentual de produtores do sistema agroflorestal de acordo com a produo Vendida, comparada com o ponto de igualao de custos totais..............................

Tabela 10: Percentual de produtores do Vale do Acre, de acordo com a produo vendida,

Comparada com o ponto de igualao dos custos...................................................

Tabela 11: Relao entre a produo vendida e a produo total.........................................

Grficos

Grfico 1: % de estabelecimentos por grupos de rea (ha) _______________________ 17 Grfico 2: % de rea ocupada por grupos de rea (ha) __________________________ 17 Grfico 3: Distribuio da Amostra dos sistemas por Municpios __________________ 22 Grfico 4: Distribuio da Amostra do Sistema Agrcola por Municpio _____________ 23 Grfico 5: Distribuio da Amostra do Sistema Extrativista por Municpio___________ 23 Grfico 6: Indicadores de Desempenho Econmico dos Sistemas de Produo e do Vale do Acre (R$)_______________________________________________________________ 51 Grfico 7: Renda Bruta (ms) do sistema extrativista ____________________________ 52 Grfico 8: Renda Bruta (ms) do sistema agrcola ______________________________ 52 Grfico 9: Renda Bruta (ms) do sistema agroflorestal___________________________ 53 Grfico 10: Renda Bruta (ms) por UPF no Vale do Acre ________________________ 53 Grfico 11: Renda Lquida (ms) do sistema extrativista _________________________ 54 Grfico 12: Renda Lquida (ms) do sistema agrcola____________________________ 54 Grfico 13:Renda Lquida (ms) do sistema agroflorestal ________________________ 54 Grfico 14: Renda Lquida (ms) por UPF no Vale do Acre_______________________ 54

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Grfico 15: Indicadores Econmicos de Desempenho (Relaes) __________________ 55 Grfico 16: Composio da RB das UPFs do sistema extrativista de acordo com a origem dos produtos comercializados ______________________________________________ 57 Grfico 17: Composio da RB das UPFs do sistema agrcola de acordo com a origem dos produtos comercializados ______________________________________________ 57 Grfico 18: Composio da RB das UPFs do sistema agroflorestal de acordo com a origem dos produtos comercializados ________________________________________ 57 Grfico 19: Composio da RB das UPFs do Vale do Acre de acordo com a origem dos produtos comercializados __________________________________________________ 57

Boxs

Box I: ndice de Desenvolvimento Humano..........................................................................15 Box II: Agricultura Familiar ................................................................................................28 Box III: Definio e Caracterizao Geral [de Sistemas Agroflorestais] ...........................35 Box IV: ndice de Trabalho Familiar, ndice de Assalariamento e ndice de Capitalizao..............................................................................................................................................36 Box V: Definies dos custos de produo...........................................................................44 Box VI: Medidas de Desempenho Econmico......................................................................49

Apndices

Apndice 1: rea, populao residente, por sexo e situao do domiclio, populao residente de 10 anos ou mais de idade, total, alfabetizada e taxa de alfabetizao, segundo os Municpios----------------------------------------------------------------------------------------- 72 Apndice 2: Equipe de entrevistasores------------------------------------------------------------ 72 Apndice 3: Indicadores econmicos dos principais produtos do sistema de produo extrativista -------------------------------------------------------------------------------------------- 73 Apndice 4: Indicadores econmicos dos principais produtos do sistema de produo agrcola ----------------------------------------------------------------------------------------------- 73 Apndice 5: Indicadores econmicos dos principais produtos do sistema de produo agroflorestal ------------------------------------------------------------------------------------------ 74 Apndice 6: Indicadores econmicos dos principais produtos dos sistemas de produo (Vale do Acre)*--------------------------------------------------------------------------------------- 75

Anexos

Anexo 1: Indicadores para definio das categorias socieconmicas de produtores .........76

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INTRODUO

Os sistemas de produo familiares rural do Acre so demasiados complexos, s vezes eivados de julgamentos imprecisos pela falta de informaes elaboradas. Mesmo assim, se aspiramos caminhar na anlise, apreenso, compreenso e interpretao dos processos de transformao que balanam a socioeconomia acreana contempornea no podemos simplesmente ignor-los. O sistemtico uso acrtico e espontneo de interpretaes sobre o setor rural acreano, com ressonncia em determinados segmentos sociais, vestgio de que um conjunto de fenmenos econmicos, polticos e culturais vem mudando na sociedade em funo da totalidade dos acontecimentos das ltimas trs dcadas, tanto em nvel local quanto nacional.

A presente pesquisa tem como premissa que a pequena produo familiar intrnseca dinmica rural acreana. Primeiro, por que tanto a formao do sistema de produo extrativista, quanto dos sistemas agrcola e agroflorestal tem peculiaridades que os distinguem de outras regies do pas. Segundo, que em termos quantitativos, mais de 80% das famlias rurais esto nesses estabelecimentos. O sistema de produo, originalmente baseado na economia dos seringais, conseguiu sobreviver crise da economia da borracha e seu desmantelamento nas dcadas de 1960 e 1970, constituindo-se, dessa maneira, numa categoria econmica e poltica de extremo significado para o estado do Acre. Os sistemas agrcola e agroflorestal representam, em certo sentido, a marca da poltica agrria do governo federal no setor rural acreano. O sistema agrcola produto direto dos projetos de colonizao e de assentamentos rurais implementados a partir da dcada de 1970. E, o sistema agroflorestal emergiu do interior do sistema agrcola, medida que das dificuldades desse brotou a idia daquele, quando se pensou uma alternativa que assegurasse a sobrevivncia das famlias.

Nesse sentido, alguns defendem a inevitabilidade da redeno da economia local por intermdio de atividades econmicas previamente eleitas, tendo como base dois pressupostos: a) a viabilidade econmica; e, b) que a redeno da sociedade acreana pelas atividades eleitas aconteceria de forma assptica, acima dos interesses e conflitos polticos. Estes pressupostos podem ser entendidos como a variante mais pobre das anlises e interpretaes do mundo rural, medida que imagina seu reordenamento simplesmente a partir de informaes estatsticas e das demandas mais imediatas dos interesses de grupos sociais especficos, sem a capacidade de considerar a totalidade dos aspectos que envolvem a produo rural, especificamente quela em torno da discusso dos sistemas de produo familiares.

O pano de fundo da atual composio dos atuais sistemas de produo acreanos est assentado nas estratgias de desenvolvimento implementadas pelos Governos militares para

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a Amaznia, em funo da necessidade de expanso da fronteira capitalista no Brasil, no incio da dcada de 1960, tendo como conseqncia, grandes impactos social, econmico e ambiental na regio. Exemplo disso foi a Operao Amaznia, criada a partir de 1966, com o objetivo de criar plos de desenvolvimento e grupos de populaes estveis e auto-suficientes com estmulo migrao acompanhado de incentivos ao capital privado, de melhoria da infra-estrutura e da identificao do potencial dos recursos naturais.

Simultaneamente ocorreu um maior incentivo agricultura, pecuria, megaprojetos minerais e explorao madeireira, em detrimento da economia extrativista. A conseqncia de todo esse processo contribuiu para a acelerao da desarticulao dos seringais, acompanhada do incremento da pecuria extensiva de corte, com a criao de contingentes livres de posseiros e seringueiros, que no permanecendo associados ao extrativismo e ao trabalho rural, passam a constituir o alto ndice de urbanizao na regio ficando submetidos a precrias condies de vida nas cidades.

Objetivando atenuar esses impactos, na segunda metade da dcada de 70, o Governo Federal implementa os Projetos de Colonizao Integrados (PICs), no qual o Instituto de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA) passa a assentar os parceleiros e fomentar o desenvolvimento da produo agrcola. Todavia, estes no surtiram os efeitos desejados, pois observou-se o aumento dos conflitos fundirios na regio e a acelerao da presso do movimento ambiental e das organizaes de trabalhadores, que tiveram como conseqncia principal a criao de Reservas Extrativistas e Projetos de Assentamentos Agroextrativistas.

A partir da dcada de 80, ocorre uma reorientao das polticas pblicas, incorporando objetivos de desenvolvimento sustentvel, princpios estes incorporados nos Planos de Desenvolvimento para a Amaznia, elaborado pela SUDAM. neste momento que a pequena produo assume uma funo importante na ocupao econmica e demogrfica da regio, considerando a crise do extrativismo e do enorme prejuzo (socio-econmico e ambientais) causado pela agropecuria empresarial.

O desempenho da pequena produo no Acre particularmente agravado, nas ltimas duas dcadas, com o retraimento fiscal do poder pblico, que se traduziu em menores recursos destinados s polticas agrcolas. E, no estado do Acre, com o agravante da avaria progressiva dos aparelhos estatais de planejamento e execuo da poltica agrcola da regio, expresso na estagnao da produo e da produtividade dos principais produtos.

A busca do desenvolvimento sustentvel regional ainda um pouco tmida nesse perodo, exigia a reorientao das polticas pblicas para o setor extrativista no Estado. Estas mudanas deveriam estar baseadas em estudos sobre a importncia sociocultural, ambiental e sobre a viabilidade econmica da produo familiar rural. Esses aspectos incentivaram a criao do projeto Anlise Econmica de Sistemas Bsicos de Produo Familiar Rural no Vale do Acre, denominado ASPF, no departamento de Economia da UFAC, em novembro de 1996, no sentido de ampliar os conhecimentos existentes e subsidiar as polticas pblicas para a regio estudada. Financiado inicialmente com recursos da UFAC, posteriormente com apoio do Banco da Amaznia S/A na viabilizao da aplicao dos questionrios e, por ltimo, da Fundao Ford.

Nesse quadro, o projeto ASPF se props a avaliar o desempenho econmico dos sistemas de produo extrativista, agrcola e agroflorestal, procurando explicitar as diferenas dos indicadores econmicos tanto inter quanto intra-sistemas, abrangendo os

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custos e os resultados (brutos, lquidos e medidas de eficincia ou de relao) durante o clico de produo (ano agrcola).

medida que se observou os resultados econmicos e os produtos mais explorados nos trs sistemas, avaliou-se, tambm, as principais combinaes produtivas, que muitas vezes no refletiam o desempenho de cada produto, mas a tradio das famlias, como a borracha, que mesmo no apresentando um desempenho econmico satisfatrio, ainda continua sendo o produto mais comercializado no sistema extrativista.

A proposta deste Projeto, insere-se na problematizao da produo familiar rural na Amaznia, sob uma viso regional, e na construo de uma metodologia de avaliao do desempenho econmico, especfica e adequada s condies da pequena produo da regio, principalmente quando observado as populaes extrativistas, e pequenos agricultores, buscando mostrar o significado socioeconmico, cultural e poltico da agricultura familiar para a economia regional e identificar uma estratgia especfica de desenvolvimento sustentvel para a sociedade acreana.

O Acre um estado de baixo grau de desenvolvimento econmico, este compreendido, at o momento, como o crescimento do estoque de capital fsico (investimento superior depreciao), com incorporao de novas tecnologias e aumento do estoque de capital humano, isto , um processo cumulativo de utilizao do capital fsico por um capital humano superior. Essa definio de desenvolvimento, desprovida das complexidades sociais e ambientais, fundamental para que possamos utilizar as informaes da anlise econmica da pesquisa, no mbito dos sistemas de produo familiares da pesquisa, para construir as diretrizes principais de uma proposta de desenvolvimento adequada ao contexto socioeconmico, cultural e poltico estudado.

Os dados da pesquisa expressaram um desempenho econmico abaixo dos padres de rentabilidade, convencionalmente aceitos, nos trs sistemas de produo, o que, de alguma maneira, expressa as condies econmicas, tecnolgicas e financeiras de um estrato produtivo da sociedade localizado numa das regies mais desarticuladas do pas. A Renda Lquida mdia nos trs sistemas foi de R$ 18,14 por ms, praticamente impossibilitando das famlias realizarem novos investimentos, no sentido de aperfeioarem suas tcnicas de produo e, por conseqncia, incrementar seu nvel de renda.

Uma importante constatao da pesquisa, que j prevista na literatura sobre agricultura familiar, foi que os indicadores no se exprimem de forma unvoca. Ou seja, para situaes idnticas, verifica-se indicadores com magnitudes diferenciadas, ou inversamente, s vezes, indicadores de intensidade semelhantes so encontrados em contextos diferenciados. Nesse sentido, somente a anlise combinada, para cada situao, de diversos indicadores pode relatar de maneira adequada dinmica de cada sistema e s disparidades no interior de cada um.

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1. LOCAL DE ESTUDO

O estado do Acre a regio de referncia da maioria dos locais pesquisados pelo projeto ASPF. Dos sistemas de produo estudados (extrativista, agrcola e agroflorestal), os dois primeiros esto localizados em nove municpios acreanos Acrelndia, Brasilia, Plcido de Castro, Rio Branco, Porto Acre, Sena Madureira, Senador Guiomard e Xapur e o ltimo, num municpio do estado de Rondnia (na divisa com o estado do Acre) Vila Nova Califrnia. O Acre, excetuando-se sua extenso territorial, possui indicadores com baixa representatividade quando comparados com seus similares em nvel nacional, sejam os ndices demogrficos, sejam os ndices do PIB (incluindo os valores per capita). Sua estrutura fundiria vem apresentando uma tendncia de aumento do nmero de pequenos estabelecimentos abaixo de 100 ha, no entanto, a rea ocupada por esta faixa de estabelecimentos no vem crescendo no mesmo ritmo, significando que essa tendncia no vem se revertendo na desconcentrao da propriedade.

1.1. ESTADO DO ACRE

O estado do Acre, com 153.697,5 km2, ocupa 1,8% do territrio brasileiro e 4% dos 3.851.560,4 km2 da Regio Norte. Sua rea circunscrita pelas divisas dos estados do Amazonas e Rondnia, e pela fronteira da Bolvia e do Peru. Sua populao de 557.526 (0,003% da populao nacional e 0,04% da Regio Norte) 50,4% de homens e 49,6% de mulheres , sendo que a populao urbana de 66,4% (composta de 48,7% de homens e de 51,3% de mulheres) e a rural de 33,6% (constituda por 53,9% de homens e por 46,1% de mulheres).9

A participao do estado no Produto Interno Bruto nacional, em 1998, era de 0,22%.10 A parcela da Regio Norte era de 4,8%. Nessa regio, a participao do Acre era superior apenas ao PIB do Amap que era de 0,17%. No que se refere ao PIB per capita, o Acre est abaixo da mdia nacional. Na anlise realizada entre 1985 e 1996, o estado apresentou ganhos, no entanto, continuou abaixo da mdia nacional: Dentro os estados que apresentaram ganhos no perodo, mas continuam com valores per capita abaixo da mdia, destacam-se: o Acre, que ganhou 6 posies entre 1985 e 1998, passando de 0,51 para 0,68% do PIB per capita do Brasil; [...]; Amap, com 2 posies, passando de 0,56 para 0,66%; e Rondnia, com 2 posies e passando de 0,84 para 0,90%.11

9 IBGE (2000), ver apndice 1. 10 Silva; Medina (1999) e Considera; Medina (1998). 11 Silva; Medina, op. cit., p. 14.

15

Em relao ao ndice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), o estado

do Acre melhorou seu indicador no perodo de 1991 a 2000, passando de 0,620 para 0,692, ou seja, um acrscimo de 0,072%, entretanto, tornou pior seu ranking em nvel nacional, saindo do 18 para 21 lugar, regredindo em 3%.12 Conforme critrios do Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento PNUD o Acre considerado como um estado de mdio desenvolvimento (Cf. Box I), pois seu indicador est dentro do intervalo entre 0,500 e 0,799. Dos nove municpios pesquisados todos esto classificados entre os onze melhores posicionados no IDH-M do estado. Entretanto, o municpio de Rio Branco, com melhor IDH-M no Acre, ocupa a 1.779 posio em nvel nacional. Situao que explicita o subdesenvolvimento relativo do Acre em comparao com maioria dos estados da federao, visto que sua colocao superior somente a seis dos 27 estados da federao.

Box I: ndice de Desenvolvimento Humano

O ndice de Desenvolvimento Humano foi criado originalmente para medir o nvel de desenvolvimento humano dos pases a partir de indicadores de educao (alfabetizao e taxa de matrcula), longevidade (esperana de vida ao nascer) e renda (PIB per capita). O ndice varia de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). Pases com IDH at 0,499 tm desenvolvimento humano considerado baixo; os pases com ndices entre 0,500 e 0,799 so considerados de mdio desenvolvimento humano; pases com IDH maior que 0,800 tm desenvolvimento humano considerado alto. (IPEA; FUNDAO Joo Pinheiro; PNUD, 2002).

1.1.1. Estrutura fundiria acreana

A estrutura fundiria acreana que se formou nas ltimas trs dcadas bastante distinta daquela que marcou o perodo em que a economia era baseada unicamente no extrativismo da borracha e da castanha. Devido ao volume de recursos financeiros necessrios para montar um seringal, este s poderia ser constitudo em grandes extenses de terras (caracterizando o monoplio da propriedade fundiria) para atender as exigncias de escala de produo.13 No entanto, a partir da dcada de 1970, momento que outras atividades produtivas passaram a serem representativas na economia acreana, como a agricultura e pecuria, categorias at ento inexpressivas passam a fazer parte da paisagem rural, como os pequenos agricultores e os grandes proprietrios (pecuaristas, especuladores, etc.), alm da permanncia dos seringueiros.

A nova feio da estrutura fundiria acreana arrumada com estas categorias sociais diferencia-se bastante daquela que caracterizava a economia extrativa dos seringais, contudo, no significou a minimizao do processo de monopolizao da propriedade fundiria.14 Tem-se, efetivamente, o processo de comercializao dos seringais, onde muitos deles foram fracionados, mesmo que entre grupos econmicos do mesmo cl familiar, o que no caracterizou uma reduo do poder sobre a terra. A continuao dos

12 IPEA; Fundao Joo Pinheiro; PNUD (2003). 13 Lima (1994). 14 SantAnna (1988).

16

seringueiros manteve em operao as atividades extrativistas do Acre, em dissonncia com a ao governamental para e na regio, medida que estas atingiam prioritariamente os grandes proprietrios.

Alm dos grandes proprietrios e dos seringueiros remanescentes, outra categoria social que passou a ter importncia foi a dos pequenos produtores agrcolas, constitudos, sobretudo, pelos projetos de colonizao e de assentamentos do governo federal.15 Em 1997, estes projetos, de uma capacidade de 17.717 famlias, tinham 13.337.16

O Censo Agropecurio de 1995-1996 sintetiza este processo de mudana da estrutura fundiria revelando um aumento dos estabelecimentos com menos de 100 ha:

...observa-se um declnio muito grande nas propores do nmero das unidades do grupo de estabelecimentos entre 100 e menos de 1.000 ha (de 56,3% em 1975 para 24,6% em 1995, e tambm na rea total (de 63,5% em 1975 para 39,2% em 1995). Essa reduo na participao do grupo no nmero foi acompanhada principalmente por um incremento na participao no nmero, de unidades pequenas (de menos de 100 ha), que passou de 43,3 % em 1975 para 74,1% em 1995; como seria de se esperar, o incremento da participao desse conjunto de unidades na rea total foi menor, embora significativo, passando de 7,2% da rea total em estabelecimentos em 1975 para 21,2% em 1995. Por outro lado, a reduo da proporo da rea dos estabelecimentos entre 100 e 1 000 ha favoreceu a participao das unidades com 10 a menos de 100 ha, cuja proporo da rea total aumentou de 6,9% em 1975 para 20,7% em 1995; tambm favoreceu o grupo de 1 000 a menos de 10 000 ha, cuja participao na proporo da rea total passou de 5,4% para 22,2% entre 1975 e 1995. Observa-se, entretanto, que tambm ocorreu reduo significativa da proporo da rea total dos estabelecimentos do grupo de 10 000 ha e mais, de 23,9% em 1975, para 17,4% em 1995.17

Os estabelecimentos com rea menor que 100 ha, em 1995, representavam 74%, o que torna relevante o estudo destas unidades rurais. Embora, a rea ocupada pelos mesmos corresponda a apenas 21%; o que no suprime a relevncia e, sim, refora a idia da permanncia da concentrao da propriedade da terra no estado do Acre, tal como acontece nas demais regies da federao, bem como em nvel nacional.

15 Paula (1999). 16 Incra apud Paula, op. cit., p. 279. 17 IBGE. Censo Agropecurio 1995-1996., p. 32-33. (ver. grficos 1, 2 e tabela 5).

17

Grfico 1: % de estabelecimentos por grupos de rea (ha)

31,1 31,2

26,6

42,3

9,5

18,5

32,8 31,7

36,0

26,1 27,4

15,8

21,219,4

11,1

6,4

1,43,7

1,2 2,40,6 0,9 0,8 1 ,10,1 0,1 0,1 0,10,1 0,1 0,1 0,1

1970 1980 1985 1995

Menos de 50 ha 50 a menos de 100 ha 100 a menos de 200 ha

200 a menos de 500 ha 500 a menos de 1.000 ha 1.000 a menos de 5.000 ha

5.000 a menos de 10.000 ha 10.000 e mais

Fonte: IBGE. Censo Agropecurio 1995-1996.

Grfico 2: % de rea ocupada por grupos de rea (ha)

2,6 2,6 3,45,43,7 5,6

15,2 15,8

27,3

15,8

23,4

32,0 30,6

19,3

5,1

11,6

5,3

11,59,56,9 9,1

14,7

3,8 4,5 2,57,5

16,1

22,4 21,717,4

14,013,7

1970 1980 1985 1995

Menos de 50 ha 50 a menos de 100 ha 100 a menos de 200 ha

200 a menos de 500 ha 500 a menos de 1.000 ha 1.000 a menos de 5.000 ha

5.000 a menos de 10.000 ha 10.000 e mais

Fonte: IBGE. Censo Agropecurio 1995-1996.

Tabela 1: Nmero de estabelecimentos e rea ocupada por faixa de grupos

ESTABELECIMENTOS REA OCUPADA

1970 1980 1985 1995 1970 1980 1985 1995

Menos de 50 ha 7.191,00

8.536,00

9.323,00

10.068,00

106.859,00

145.201,00

179.943,00

171.621,00

50 a menos de 100 ha 2.191,00

5.077,00

11.509,00

7.541,00

151.595,00

316.035,00

797.054,00

501.939,00

100 a menos de 200 ha 8.307,00

7.140,00

9.588,00

3.753,00

1.124.340,00

899.595,00

1.224.118,00

447.014,00

200 a menos de 500 ha 4.889,00

5.300,00

3.880,00

1.528,00

1.317.933,00

1.735.530,00

1.012.795,00

434.667,00

500 a menos de 1.000 ha 332,00

1.005,00

431,00

579,00

209.051,00

657.286,00

275.439,00

366.210,00

1.000 a menos de 5.000 ha 150,00

237,00

274,00

253,00

392.088,00

394.623,00

474.620,00

467.819,00

5.000 a menos de 10.000 ha 23,00

39,00

21,00

35,00

157.320,00

257.696,00

133.461,00

239.354,00

10.000 e mais 19,00

37,00

23,00

31,00

662.900,00

1.273.561,00

1.137.329,00

554.441,00

TOTAL 23.102,00

27.371,00

35.049,00

23.788,00

4.122.086,00

5.679.527,00

5.234.759,00

3.183.065,00

Fonte: IBGE.Censo Agropecurio 1995-1996.

18

1.1.2. Vale do Acre

O estado do Acre dividido, pelo IBGE, em duas grandes regies, o Vale do Acre-Purus e o Vale do Juru. O primeiro Vale, que a rea do presente estudo, possui 71,7% da populao do estado, concentrada principalmente na Capital, Rio Branco (45,4% da populao do estado). O segundo, com uma rea igual ao do primeiro, possui uma densidade demogrfica menor e tambm tem uma ligao de menor intensidade com o centro administrativo do estado, localizado na Capital, devido s dificuldades de acesso no perodo chuvoso. Em relao taxa de urbanizao do dois vales, destaca-se que, enquanto no estado esta de 66,4%, no Vale do Juru de 48,1% e no Vale do Acre-Purus de 73,6%. Especificamente nos municpios pesquisados, que representam o Vale do Acre, a taxa de urbanizao de 76%, sendo que a Capital, Rio Branco, tem o ndice mais elevado (89,4%) e os municpios de Porto Acre (11,3%), Senador Guiomard (43,7%), Acrelndia (44,1%) e Plcido de Castro (46%) possuem os ndices mais baixos. 18

Um dos sistemas pesquisados (o agroflorestal) est localizado no municpio de Vila Nova Califrnia, em Rondnia. Devido sua situao litigiosa, quando pertencia ao estado do Acre, at meados dos Anos de 1990, ainda no consta da anlise do ndice de Desenvolvimento Humano Municipal.

18 IBGE. 2000.

19

2. METODOLOGIA

2.1. OBJETO DE ESTUDO

O objeto de estudo da presente pesquisa foi os sistemas produo familiares extrativista, agrcola e agroflorestal, em reas representativas da realidade socioeconmica rural da mesorregio do Vale do Acre,19 envolvendo os seguintes municpios: Xapuri, Brasilia, Assis Brasil, Plcido de Castro, Acrelndia, Senador Guiomard, Sena Madureira e Porto Acre, no Estado do Acre; e o municpio de Nova Califrnia, no Estado de Rondnia.

As atividades econmicas do sistema extrativista esto localizadas predominantemente nas reservas extrativistas, Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) e seringais tradicionais, enquanto que as dos sistemas agrcola e agroflorestal esto nos Projetos de Assentamento e Projetos de Colonizao do INCRA. Dessa forma, a pesquisa foi realizada em espaos diferenciados e com domnios produtivos, espaciais e culturais especficos.

A produo familiar extrativista foi pesquisada na reserva extrativista Chico Mendes e no Projeto de Assentamento Agroextrativista Porto Dias. A produo familiar agrcola foi investigada nos projetos de assentamento Pedro Peixoto, Humait e Boa Esperana. O sistema de produo familiar agroflorestal foi pesquisado no Projeto RECA", em Nova Califrnia.

2.2. OBJETIVO

Realizar a anlise econmica dos sistemas de produo familiares rural no Vale do Acre, no intuito de auxiliar o processo de formulao de polticas pblicas de desenvolvimento sustentvel para a regio de estudo.

2.3. AMOSTRA

A determinao da populao objeto da pesquisa seguiu o pressuposto de que esta deveria representar a realidade socioeconmica rural dos sistemas de produo extrativista,

19 ver item Local de Estudo, acima.

20

agrcola e agroflorestal, praticados na mesorregio do Vale do Acre. Portanto, a pesquisa deveria ser aplicada em espaos representativos de cada um dos sistemas. Entretanto, no seria factvel uma pesquisa censitria, em funo das dificuldades de acesso s unidades de produo, a magnitude da populao extrativista e, ainda, a diversidade dos projetos de assentamento, quanto ao nvel de desenvolvimento.

Assim sendo, fez-se a opo por um mtodo estatstico20 de levantamento de dados por amostragem, denominado amostragem por conglomerado ou amostragem proporcional estratificada, que consiste em se identificar esse (ou esses) segmento(s) e proceder ao levantamento sobre essa populao reduzida. Por meio deste, as unidades amostrais ou populaes objeto seriam estratificadas por blocos de conglomerados, de acordo com os diferentes nveis de desenvolvimento (alto, mdio e baixo), devendo tal classificao obedecer a alguns critrios, como: volume de produo, infra-estrutura, organizao social, acesso a polticas pblicas e nvel de tecnologia.

Esse mtodo considerou a existncia de subgrupos populacionais (estratos) mais ou menos homogneos dentro de um universo populacional heterogneo dos sistemas de produo e obteve os elementos da amostra proporcionalmente ao nmero de elementos desses estratos. Dessa forma, o levantamento das unidades amostrais ocorreu sobre blocos de conglomerados que representaram todas as caractersticas do universo populacional.

Encerrada esta etapa, foi delimitado 10% da populao objeto, como amostra piloto, cujos resultados auxiliariam a determinao do tamanho da amostra final. Num segundo momento, a amostra foi delineada usando-se o mtodo de amostragem aleatria simples, pelo qual as variveis envolvidas e no quantitativamente ordenadas foram sorteadas aleatoriamente com base em um cadastro de endereos de todas as unidades populacionais mediante a tabela de nmeros aleatrios.

Na definio da populao objeto considerou-se coerente promover reunies com representantes da sociedade civil (associaes de produtores, sindicatos, cooperativas, lideranas de trabalhadores rurais, organizaes governamentais e no governamentais), no intuito de apresentar o projeto, seus objetivos e de ouvir a comunidade e lideranas quanto s regies que consideravam representativas da realidade socioeconmica da regio do Vale do Acre, seguindo sempre os critrios pr-definidos de classificao por nvel de desenvolvimento (cf. abaixo). Dessa forma, discutiu-se sobre as condies atuais da produo familiar rural, observando-se as diversas experincias, e envolvendo-se a comunidade no processo decisrio de escolha das populaes objeto.

Alm das informaes da comunidade, tambm foram considerados outros critrios para nortear a seleo das localidades: a) escolha de pelo menos um projeto por nvel de desenvolvimento; b) a necessidade de se contempla na amostra os projetos com maior tempo de implantao (mais antigos); c) considerar apenas unidades de produo familiares, excluindo-se as fazendas ou unidades de produo habitadas por caseiros.

Para o sistema de produo agrcola foram escolhidos os seguintes Projetos de Assentamento Dirigido (PADs), conforme os estratos de desenvolvimento: a) estrato mais desenvolvido: Projeto Humait; b) estrato de desenvolvimento mdio: Projetos Pedro Peixoto e Quixad; e, c) estrato de menor desenvolvimento: Projeto Boa Esperana.

20 Huerta (s. d).

21

Encerrada a discusso com a sociedade civil e estando a populao objeto

devidamente selecionada, foi realizada uma reunio com a equipe tcnica do INCRA, parceleiros e associao de produtores, na sede dos Projetos de Assentamento selecionados, no intuito de efetuar a seleo aleatria das famlias. A execuo desse processo exigiu a participao dos produtores rurais e tcnicos de forma ainda mais efetiva. Estes, profundamente conhecedores da realidade dos PADs em questo, ajudaram a identificar dentro de cada PAD os ramais que representassem cada nvel de desenvolvimento, formando assim trs reas ditas homogneas. Essa estratificao foi identificada diretamente nos mapas dos referidos PADs, nos quais continham a distribuio espacial dos ramais e dos lotes.

Dessa forma, assinalava-se nos respectivos mapas, com cores diferenciadas, as localidades que representassem cada estrato, como tambm as fazendas e as unidades de produo habitadas por caseiros. Somente aps a identificao nos mapas realizou-se o sorteio aleatrio de 50% dos ramais existentes no PAD, sendo a seleo dos ramais proporcional aos respectivos nmeros de elementos dos estratos de desenvolvimento (foi definido que seria considerado na amostra 50% dos ramais, para garantir que no seria mais necessrio voltar ao local). Na etapa seguinte enumerou-se a quantidade de lotes existentes nos ramais sorteados e depois foi calculado 10% dos mesmos, encontrando-se o total de lotes ou famlias a serem entrevistadas por ramal, sendo a seleo desses lotes realizada via tabela de nmeros aleatrios.

No caso do sistema de produo extrativista, na mesma reunio com a sociedade civil j foram determinados os locais de pesquisa e definida a amostra final, seguindo praticamente o mesmo processo usado no sistema agrcola. Todavia, neste sistema houve a colaborao direta da equipe tcnica do CNPT/IBAMA, que forneceu os mapas dos Projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) e Reserva Extrativista Chico Mendes (RESEX), como tambm o envolvimento do Conselho Nacional do Seringueiro (CNS), sindicatos de trabalhadores rurais (STRs), cooperativas, associaes de moradores e seringueiros.

As localidades escolhidas para o sistema de produo extrativista foram: a) PAEs: Cachoeira, Santa Quitria, Porto Dias, So Lus do Remanso; b) RESEX Chico Mendes.

Para o sistema de produo agroflorestal foi determinado como populao objeto as 274 famlias residentes no Projeto RECA, localizado em Nova Califrnia. Na poca, a nica experincia agroflorestal de referncia no estado. Como se tratava de uma populao objeto reduzida para representar um sistema de produo especfico, no houve necessidade de selecionar metade dos ramais, sendo calculada uma amostra de 10% sobre toda a populao do projeto, respeitando a devida classificao por nvel de desenvolvimento. A seleo das famlias foi orientada pelo mtodo de amostragem aleatria simples, tal como nos sistemas agrcola e extrativista. Tambm houve o envolvimento da comunidade e de tcnicos da direo administrativa do RECA.

Em virtude de dois fatores decisivos, a amostra do sistema extrativista e agrcola, aps pesquisada teve de sofrer alguns cortes. O sistema extrativista teve a amostra reduzida para os seringais da RESEX Chico Mendes e para as famlias (unidades produtivas) do PAE Porto Dias. E o sistema agrcola para as famlias dos PADs Peixoto, Humait e Boa Esperana.

22

Os fatores que determinaram a reduo da amostra foram: a) dificuldade da equipe

que atuou nos municpios de Xapuri e Brasilia em aplicar os questionrios, tendo em vista a pouca familiaridade com a pesquisa e a complexidade do questionrio. Embora, o projeto tenha promovido reunies de esclarecimento sobre a pesquisa e treinamento para os entrevistadores; b) as condies naturais na poca da pesquisa impediram a equipe de percorrer todas as reas da amostra, pois algumas regies s permitiam acesso por via fluvial e, apesar de ser um perodo chuvoso, os rios ainda no estavam suficientemente cheios.

Como forma de recuperar a amostra e otimizar o tempo da pesquisa, o projeto aproveitou um encontro de seringueiros e lideranas realizado em Xapuri, denominado Grito da Terra, para reaplicar 60 questionrios do sistema extrativista. Os questionrios foram aplicados por vinte entrevistadores, sendo parte deles estudantes do curso parcelado de Histria de Xapur e a outra parte, estudantes dos cursos de Economia e Geografia de Rio Branco (estagirios do projeto). Assim, foi possvel recuperar grande parte da amostra e, ao mesmo tempo, garantir a qualidade e representatividade das informaes.

O resultado desse processo est exposto na descrio seguinte. No total foram realizadas 364 entrevistas21 e com o redimensionamento da amostra foram aproveitados 278 questionrios, sendo 28 no sistema agroflorestal, 172 no sistema agrcola e 78 no sistema extrativista. Desses total de entrevistas, o maior percentual foi aplicado no municpio de Xapur 20% (cf. Grfico 3), devido o sistema extrativista se concentrar essencialmente nesse municpio. O segundo municpio onde mais se aplicou questionrios foi Plcido de Castro (18%), seguido por Porto Acre (14%), Sena Madureira (13%) e Senador Guiomard (12%). As entrevistas no sistema agroflorestal foram realizadas no municpio Vila Nova Califrnia (RO).

Grfico 3: Distribuio da Amostra dos sistemas por Municpios 13%

18%

14%10%12%

20%

10%4%1%

Sena Madureira Plcido de Castro

Porto Acre Acrelndia

Senador Guiomard Xapuri

Brasilia Assis Brasil

Vila Nova Califrnia

No sistema agrcola, a pesquisa abrangeu trs Projetos de Assentamentos Dirigidos (PAD) do INCRA: Boa esperana (Sena Madureira), Pedro Peixoto (Plcido de Castro, Acrelndia e Senador Guiomard) e Humait (Porto Acre). Os 172 questionrios aplicados

21 Grande parte da pesquisa ocorreu nos meses de novembro e dezembro de 1997 e uma minoria (31 questionrios) no ms de fevereiro de 1998, pois a regio de estudo s permitia acesso por via fluvial, da a necessidade de aguardar a poca do perodo mais chuvoso.

23

nesse sistema foram distribudos conforme o Grfico 4, tendo maior concentrao no municpio de Plcido de Castro (29%), regio do Projeto de Assentamento Pedro Peixoto.

Grfico 4: Distribuio da Amostra do Sistema Agrcola por Municpio

20%

29%

23%

9% 19%

Sena Madureira Plcido de Castro Porto Acre

Acrelndia Senador Guiomard

A amostra do sistema extrativista envolveu a Reserva Extrativista Chico Mendes (Xapur, Brasilia e Assis Brasil) e o projeto de Assentamento Agroextrativista Porto Dias, no municpio de Acrelndia. Dos 79 questionrios desse sistema, a maior parte (71%) foi aplicada no municpio de Xapur, conforme Grfico 5.

Os 28 questionrios do sistema agroflorestal foram aplicados no Projeto Reflorestamento Econmico Consorciado e Adensado RECA localizado no municpio da Vila Nova Califrnia, RO, conforme Grfico 3.

Grfico 5: Distribuio da Amostra do Sistema Extrativista por Municpio

14%

13%

3% 71%

Xapuri Brasilia Assis Brasil Acrelndia

2.4. QUESTIONRIO, SOFTWARE E PESQUISA DE PREOS

2.4.2. Elaborao do questionrio

A elaborao do questionrio teve como carter predominante a combinao do conhecimento acadmico com o conhecimento dos produtores rurais, sendo, portanto, construdo de forma participativa. Inicialmente, realizou-se o trabalho de reviso da metodologia no intuito de compreender o significado de seus principais itens, tais como: patrimnio, custos de produo, resultado bruto e outros. Depois disso, esses itens foram

24

transformados em perguntas, como forma de instigar a discusso sobre seu significado e tambm como forma de conhecer as possveis situaes que poderiam aparecer dentro das unidades familiares de cada sistema de produo. A aplicao desse mtodo subsidiou a elaborao de um roteiro com temas que deveriam constar no questionrio. A partir de ento, tinha-se em mos um guia bsico que norteou a discusso da equipe do projeto com os produtores rurais e instituies representantes dos mesmos (associaes, sindicatos, cooperativas) sobre o modo de organizao da unidade de produo familiar em cada sistema de produo. Dentre diversos temas, foi discutido por exemplo sobre os tipos de patrimnio que poderiam aparecer nas unidades de produo de cada sistema, por exemplo, benfeitorias, mquinas, ferramentas, animais de trabalho e de produo, como tambm sobre o calendrio agrcola, os tratos culturais necessrios para cada cultivo, os insumos utilizados no processo produtivo, o tipo de mercadorias compradas na cidade (alimentao, vesturio, higiene e limpeza), sobre o beneficiamento e transporte dos produtos e os cultivos mais praticados em cada sistema de produo. Logo, essas reunies ocorreram especificamente com o pblico alvo dos sistemas de produo extrativista, agrcola e agroflorestal. De forma que, o questionrio pde ser construdo considerando tanto as especificidades metodolgicas, essenciais para a realizao da anlise econmica, como tambm o conhecimento prtico dos seringueiros e colonos, que alm de contriburem para o enriquecimento do contedo do questionrio, ainda auxiliaram na adequao e simplificao da linguagem das perguntas ao conhecimento do produtor, permitindo uma maior aproximao do pesquisador com o pblico alvo da pesquisa.

2.4.3. Aplicao do questionrio

A fase de aplicao de questionrios junto s famlias de colonos e seringueiros exigia a formao e preparao de uma equipe de entrevistadores, capazes de compreender a complexidade da produo familiar rural e suportar o rduo trabalho de pesquisa de campo. Neste sentido, foram criadas duas equipes (cf. Apndice 2, p. 72) para realizar a pesquisa, uma composta pelos acadmicos do curso parcelado de Histria no Ncleo da UFAC de Xapuri e auxiliada por lideranas do movimento seringueiro do referido municpio e outra composta por acadmicos do curso de Economia e Geografia da UFAC de Rio Branco, que alm de entrevistadores tambm eram estagirios do projeto.

A primeira equipe desenvolveu a pesquisa nos municpios de Xapuri, Brasilia e Assis Brasil, especificamente nas reas do sistema extrativista. A equipe seguinte atuou nos municpios de Sena Madureira, Plcido de Castro, Acrelndia, Porto Acre, Capixaba e Nova Califrnia, ou seja, nas reas correspondentes aos sistemas de produo agrcola e agroflorestal. Destarte, a diviso do trabalho em duas equipes consistia numa estratgia fundamental para otimizar o tempo da pesquisa, permitindo a sua execuo simultnea nos diferentes sistemas de produo.

Cada equipe foi liderada por um coordenador especfico, ao qual era atribudo o trabalho de organizar a logstica de campo em cada localidade. Para isso, o mesmo valia-se de dois itens importantes: a) da lista de produtores selecionados na amostra; b) dos mapas contendo a distribuio das unidades produtivas nos projetos de assentamento e seringais. No entanto, a maior contribuio nesse sentido foi, sem dvida, fornecida por moradores

25

das prprias localidades que conheciam profundamente as proximidades da regio estudada.

Vale ressaltar que no momento de localizar as unidades produtivas para a efetivao da entrevista, se ocorresse de alguma famlia especfica no residir mais no local ou este estar ocupado por caseiro, o procedimento era de substitu-la pela unidade de produo familiar mais prxima, isto , que estivesse enquadrada dentro do mesmo estrato de desenvolvimento da famlia anteriormente selecionada.

2.4.4. Pesquisa de preos

A pesquisa de preos consistiu num trabalho fundamental para o projeto, uma vez que sem a sua execuo o processamento das informaes pesquisadas em campo no teria sido possvel. Esta atividade ocorreu em abril/1998, em todas as localidades pertencentes amostra, especificamente nos municpios de Sena Madureira, Plcido de Castro, Rio Branco, Xapuri, Brasilia, Epitaciolndia e Vila Nova Califrnia.

A coleta de preos referiu-se a todos os itens contidos nos questionrios que precisavam ser mensurados monetariamente, tais como: a) mquinas, equipamentos e ferramentas; b) insumos; c) materiais de construo; d) produtos vendidos pelo produtor ao comerciante (cereais, frutas, razes, verduras, produtos extrativos, animais e derivados); e) produtos vendidos pelo comerciante ao produtor (alimentao, vesturio e calados, higiene e limpeza e outros).

Para fins de processamento no programa EAF, foi necessrio fazer uma mdia de preos de todas as categorias pesquisadas por sistema de produo. Ressalta-se que no caso do sistema extrativista, os produtos que os seringueiros adquirem no mercado foram duplicados. Isto porque, no interior dos seringais os mesmos tm a prtica de comprar ou trocar seus produtos com marreteiros que comercializam pelos rios a preos exorbitantes. Alm disso, segundo informaes obtidas junto Cooperativa Agroextrativista de Xapuri (CAEX), o preo praticado pelo marreteiro nos seringais pelo menos duas vezes maior que o praticado no comrcio das cidades no Vale do Acre.

2.4.5. Elaborao do software

Finalizado o processo de elaborao do questionrio dos sistemas de produo em estudo, uma nova demanda surgiu para a equipe do projeto. Tratava-se da construo de um programa capaz de processar os clculos de custos de produo e resultados econmicos de acordo com os modelos matemticos formulados na metodologia. Nesse sentido, foi contratado um profissional da rea que trabalhou em parceria com dois acadmicos do curso de Anlise de Sistemas da UFAC, na poca estagirios do projeto. Para a elaborao do programa foram realizadas vrias reunies com a equipe do projeto, com o propsito de esclarecer o objetivo da pesquisa, a metodologia utilizada e traar os tipos de relatrio que o programa deveria gerar. Este foi um trabalho construdo gradualmente e, portanto,

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moroso, que exigiu muitas discusses, esclarecimentos e ajustes, mas que ao final correspondeu as expectativas criadas pela equipe do projeto. O programa foi criado em linguagem Clipper verso 5.2E, denominado pelo projeto de programa EAF. O procedimento de estruturar o programa de acordo com o modelo do questionrio e com os modelos matemticos desenvolvidos na metodologia, conferiu ao mesmo a propriedade de gerar uma srie de relatrios sobre a produo familiar rural no Vale do Acre. Esses relatrios podem ser extrados para diferentes categorias: sistema de produo familiar, conjunto da unidade de produo familiar, linha de explorao, subproduto, municpio e por local pesquisado (projetos de assentamento e seringais). Dentre os relatrios possveis de se gerar, destacam-se: a) patrimnio da unidade de produo familiar; b) custos de produo; c) resultados brutos; d) resultados lquidos; e) medidas de eficincia ou relao. No entanto, se de um lado h uma grande flexibilidade em desmembrar informaes da pesquisa em relatrios especficos, de outro, h a dificuldade em se manusear e formatar estas mesmas informaes para formulao de tabelas, quadros e grficos, isto porque, o programa no disponibiliza os dados no formato adequado para anlise. Dessa forma, h a necessidade de utilizar programas auxiliares para formatar as informaes, como SQL e Excel.

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3. SISTEMAS DE PRODUO RURAIS FAMILIARES E ANLISE

DOS NDICES E RESULTADOS ECONMICOS

A anlise teve como referncia dois aspectos: a) as informaes econmicas obtidas em cada sistema de produo; e, b) a formao socioeconmica de cada sistema, expressa na prpria histria do estado do Acre. Essa dupla referncia permitiu-nos conhecer a situao objetiva das populaes dos sistemas estudados (indicadores e resultados econmicos) e, ao mesmo tempo, compreender que estes resultados so condicionados pelos aspectos histricos e sociopolticos que caracterizam as peculiaridades dos sistemas extrativista, agrcola e agroflorestal.

A outra condicionalidade dos indicadores e resultados econmicos referiu-se as idiossincrasias da produo agrcola familiar frente empresa essencialmente capitalista. Como o objeto do estudo foi centrado na produo rural familiar do estado do Acre, fez-se necessrio sintetizar os principais elementos em torno da discusso da produo familiar rural, bem como seu quadro atual no estado do Acre. Para isso utilizou-se dos principais textos que tratam da questo, enfatizando o crescente nmero de trabalhos que esto surgindo e a importncia que a maioria dos autores esto conferindo a esta categoria como instrumento importante de estratgia de desenvolvimento rural, bem como os Censos Agropecurios do Acre que informam a relao dos pequenos estabelecimentos com os mdios e grandes.

Fez-se tambm uma sntese da discusso sobre sistemas de produo, enfocando, de um lado, os traos marcantes da teoria dos sistemas propriamente dita e seus avanos nas ltimas duas dcadas em torno da noo de sistemas fechados, e, de outro lado, a forte tendncia a utilizar esta categoria como estrutura de anlise em vrias reas do conhecimento, especialmente nos sistemas de produo rurais, como forma de se adaptar as transformaes poltico-ideolgicas e econmicas dos ltimos anos.

Finalmente, fez-se a anlise dos ndices e resultados econmicos no sentido tanto de caracterizar os sistemas pesquisados, quanto mostrar a eficincia econmica de cada um deles. Este item compreendeu uma caracterizao de cada sistema de produo pesquisado, focalizando os tipos de culturas e criaes adotadas, bem como a forma de acesso terra, o tempo mdia de permanncia, a distncia das unidades de produo (UP) da cidade mais prxima e a composio do trabalho familiar.

Esta caracterizao foi seguida pela anlise dos ndices de Trabalho Familiar (ITF), ndice de Assalariamento (IA), ndice de Capitalizao (IK), acesso ao crdito, composio da renda, e dos custos de produo dos trs sistemas.

Por ltimo, foi analisado o desempenho econmico, tanto geral, como por produto, de cada sistema. [confira Box VI: Medidas de Desempenho Econmico].

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3.1. AGRICULTURA FAMILIAR

Atualmente h uma forte propenso em atribuir aos pequenos empreendimentos, em geral, e agricultura familiar,22 em particular, um significativo papel para o processo de desenvolvimento como estratgia para reduzir as elevadas taxas de desemprego.23 Tambm h uma corrente de pensamento que no corrobora essa assertiva, alegando que o grau de desenvolvimento econmico e tecnolgico atingido pela agricultura brasileira no daria mais espao para os pequenos empreendimentos: O complexo agroindustrial brasileiro bastante competitivo. A agricultura familiar acaba sendo mais importante para a renda da regio em que ela est do que propriamente para a economia como um todo. (Fernando Cardim).24

No caso da agricultura familiar, os trabalhos chamam a ateno para o fato de que o maior percentual de emprego, de produo e de renda no provm da grande propriedade agrcola e, sim, da pequena produo:25 ...os agricultores familiares representam 85,2% do total de estabelecimentos, ocupam 30,5% da rea total e so responsveis por 37,9% do valor bruto da produo agropecuria nacional.26

No caso do Acre, embora sua estrutura agrria e fundiria tenha uma formao diferenciada em relao totalidade nacional (Cf. item 1.1.1.1., supra), percebe-se que os pequenos estabelecimentos rurais tm uma importante participao. De acordo com a Tabela 1, do total de estabelecimentos do estado, 74% esto na faixa de 0 a 100 ha, e 89,8% esto na faixa de 0 a 200 ha (embora os estabelecimentos nestes intervalos ocupem apenas uma rea de 21,5% e 35,2%, respectivamente). Desta perspectiva, estas pequenas propriedades, per se, tm um significado na sociedade acreana, visto agregarem uma quantidade importante de famlias.

Do ponto de vista da produo, os estabelecimentos de 0 a 100 ha so responsveis por 68% da produo de arroz, 81% de mandioca, 75% de feijo e 63% de milho27 No que se refere produo de leite, os estabelecimentos com at 100 ha so responsveis por 53% da produo. Este percentual baixa para 39,8% no que se refere ao efetivo bovino.

Box II: Agricultura Familiar

Agricultura familiar um conceito geral que abrange uma gama de situaes, como campesinato, agricultor de subsistncia e pequeno produtor, conforme Wanderley

22 Abramovay (1992). p. 103 e 126; Blum (1999), p. 57-103; (1993), v. 1. p. 179-234; Jean (1994), p. 51-75; Lacerda (1985); Lamarche (1993), p. 13-33; Lamarche (1998b). p. 61-88; (1999);

Porto; Siqueira (1994). p. 76-88; Schneider (2003), cap. 1; Veiga (1995), p. 128-141; Wanderley (2000); Wanderley (1999), p. 23-56; Wanderley (1997), p. 91-113; Wanderley (1995), p. 37-57; Wanderley (1985), p. 13-78.

23 Sachs (2003), cap. 3. 24 Conflito Agrrio. Folha de So Paulo, 13 jul. 2003. 25 Sachs, op. cit., p. 89-108; Guanziroli et all. (2002), p. 53-77; Veiga (2000). 26 Guanziroli et all., op. cit., p. 54. 27 IBGE. op. cit.

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(1999), que, tambm, a conceitua como aquela agricultura em que a famlia, ao mesmo tempo em que proprietria dos meios de produo, assume o trabalho no estabelecimento produtivo. Abramovay (1992) utiliza a interpretao de Frank Ellis, onde define a agricultura familiar pelo conjunto: carter familiar, integrao parcial aos mercados e o carter incompleto destes mercados: Camponeses so unidades domsticas [...] com acesso a seus meios de vida na terra, utilizando principalmente trabalho familiar na produo agropecuria, sempre localizadas num sistema econmico global, mas fundamentalmente caracterizadas pelo seu engajamento parcial em mercados que tendem a funcionar com alto grau de imperfeio. (p. 126). Lamarche (1993, p. 15 e 21) entende que a agricultura familiar uma unidade de produo na qual a propriedade e o trabalho esto intrinsicamente relacionados com a famlia, tendo como caracterstica primordial a diversidade produtiva, como base para sua adaptao s diversidades do sistema que lhes so prprias. Schneider (2003) adota uma interpretao que privilegia a famlia propriamente dita como a base para o entendimento do que seja a agricultura familiar: ...[a] natureza familiar est assentada nas relaes de parentesco e de herana existentes entre os membros dessas unidades. no interior da prpria famlia e do grupo domstico, atravs das relaes sociais que se estabelecem entre seus membros participantes, que se localizam as principais razes que explicam a persistncia e a reproduo de um certo conjunto de unidades e a desagregao e o desaparecimento de outras. em razo das decises tomadas pelo famlia e pelo grupo domstico, frente s condies materiais e ao ambiente social e econmico no qual estiver inseria, que ocorrer ou no sua reproduo social, econmica, cultural e moral. (95). Todas estas referncias esto na nota de rodap n 22, p. 28.

Embora os estabelecimentos de at 100 ha tenham uma participao em torno de 50% no item produo de leite de vaca e no total do efetivo bovino, isso no significa que em relao produo, as pequenas propriedades no tenham importncia no Acre, pois, no que se refere a produo de arroz, mandioca, milho e feijo esta participao chega, em mdia, a 62%. Tambm representa uma parcela expressiva da populao rural do estado, seja no volume de famlias que compem os assentamentos e projetos de colonizao do Instituto de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA)28, seja na quantidade de populao que habita os antigos seringais e colnias.

Na delimitao do conceito de agricultura familiar, h um conjunto de trabalhos que procuram estabelecer uma metodologia que caracterize o perfil da agricultura familiar e seus respectivos sistemas de produo.29 Di Sabato e Guanziroli et al30 caracterizam o universo familiar pelos estabelecimentos que atendem, simultaneamente, s seguintes condies: a) a direo dos trabalhos do estabelecimento era exercida pelo produtor; b) o trabalho familiar era superior ao trabalho contratado.

No caso do projeto em questo, embora tenham diferenciaes (o que peculiar da pequena agricultura), as unidades de produo se caracterizam por usar de forma bastante reduzida o trabalho de terceiros, ou seja, o trabalho familiar utilizado em cada propriedade

28 Paula, op. cit. 29 Di Sabbato (s.d); Guanziroli et all., op. cit., caps. 4 e 5. Lima, 1995. Arlindo. et al.. 30 Di Sabbato, 1999, op. cit.; Guanziroli et all. 2002, op. cit.

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representa quase 100% da mo-obra da unidade de produo, confira Tabela 2, fato que enquadra os trs sistemas essencialmente nos critrios de produo agrcola familiar, como mencionado no pargrafo anterior.

3.2. SISTEMAS

A abordagem sistmica tem como referncia principal os trabalhos do bilogo Ludwing von Bertalanffy, que a sistematizou em 1947, como um sistema aberto, entendido como um complexo de elementos em interao e em intercmbio contnuo com o ambiente.31 Sua origem mais imediata est no desenvolvimento da ciberntica e nos avanos cientficos ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial: ...Ciberntica uma teoria dos sistemas de controle baseada na comunicao (transferncia de informao) entre o sistema e o meio e dentro do sistema, e do controle (retroao) da funo dos sistemas com respeito ao ambiente (grifo no original).32

No mbito das cincias humanas, foi a teoria das organizaes33 que passou a utilizar a teoria dos sistemas de forma mais intensa. A partir da dcada de 1960, quando se criou a escola de administrao, denominada de enfoque sistmico,34 o meio administrativo sofreu grande influncia, principalmente nos anos de 1970.35 H uma vasta produo sobre o tema,36 dentre estas, o livro de Idalberto Chiavenato faz uma extensa descrio,37 dando nfase idia de sistema aberto aplicado no estudo das organizaes.

1. o sistema aberto est em constante interao dual com o ambiente. Dual no sentido de que o influencia e por ele influenciado; atua, pois, a um tempo, como varivel independente e como varivel dependente do ambiente. O sistema fechado no interage com o ambiente; 2. o sistema aberto tem capacidade de crescimento, mudana, adaptao ao ambiente e at auto-reproduo, naturalmente, sob certas condies ambientais. O sistema fechado no tem essa capacidade. Portanto, o estado atual e final ou futuro do sistema aberto no , necessria nem rigidamente, condicionado por seu estado original ou inicial. Isso porque o sistema aberto tem reversibilidade. Per contra, o estado atual e futuro ou final do sistema fechado ser sempre o seu estado original ou inicial; 3. contingncia do sistema aberto competir com outros sistemas, o que no ocorre com o sistema fechado.38

A partir da dcada de 1980, surgiu a nova teoria geral dos sistemas elaborada por N. Luhmann,39 tendo por base as teorias do bilogo H. Maturana.40 A principal inovao de Luhmann no considerar que os sistemas so abertos e, sim, auto-referenciados

31 Bertaalanfay (1975). 32 Ibid., p. 41. 33 Uhlmann (2002). 34 Motta (1977). 35 Ibid., cap. 5 e Faria (1985), cap. 8. 36 Lieber (s.d.). 37 Chiavenato (1993), cap. 17. 38 Kleber, 1972 apud Chiavenato, op. cit., p. 759-760. 39 Neves (1997), p. 9-17. 40 Mathis (s.d.).

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(autopoitico). Neves41 explica que a nova teoria dos sistemas, proposta por Luhmann, considera os sistemas como autopoiticos, auto-referentes e operacionalmente fechados, definindo-se por sua diferena em relao ao meio.42 Na esfera das cincias sociais e humanas esta abordagem auto-referenciada vem se consolidando, com aplicaes em diversas reas, seja no campo jurdico43, seja na esfera poltico-social.44

3.3. SISTEMAS DE PRODUO RURAIS

A abordagem sistmica progressivamente passou a ser adotada na anlise da pequena produo rural, a partir da dcada de 1980,45 com a inteno de que, diferentemente das demais abordagens que so aplicadas no meio rural, abrangeria o conjunto da diferenciao dos agricultores em tipos distintos, que passaria a ser investigada em funo de questes concretas, considerando-se as particularidades e condicionantes socioeconmicos e ambientais, os quais, operando de maneira distinta ao longo do tempo, influenciam e condicionam a agricultura em determinado espao geogrfico.

O sistema de produo... fica definido pela combinao de fatores de produo, tais como terra, mo-de-obra e capital, nas diversas atividades de produo dentro de uma propriedade rural; caracteriza-se pela natureza das atividades agrcolas, pela qualidade e quantidade dos fatores de produo disponveis para uma produo mais eficiente. O termo sistema agrcola (grifo no original) visa descrever, avaliar, compreender e comparar as prticas dos agricultores dentro de um contexto espacial. Nesse enfoque, ele pode, sistematicamente, englobar as questes tecnolgicas, associadas s econmicas, s ecolgicas e s sociais.46

Essa idia de que a abordagem sistmica ou holstica pode dar conta de pormenores dos objetos de estudo tem duas motivaes interligadas: uma, que despreza o significado das abordagens tericas e interpretativas em favor da noo de uma investigao eminentemente prtica; outra, que levam os pesquisadores a apresentar projetos com conotaes prticas, no intuito de captar recursos no mbito das organizaes no-estatais, no af de driblar as limitaes de financiamento do poder pblico.

H autores que ponderam positivamente esta capacidade que se atribui a tal abordagem,47 j outros qualificam de forma crtica, sem neg-la.48

A anlise sistmica (ou sistemismo), em linhas gerais, prope-se como um paradigma cientfico, prxima aos agricultores e ligada interveno e ao. Como ideologia cientfica, tem a pretenso de dar sentido complexidade dos fenmenos sociais e naturais, envolvendo, por exemplo, disciplinas como a sociologia e a agronomia. Ela tambm se confunde, por vezes, com termos como pesquisa-desenvolvimento,

41 op. cit., p. 15-16. 42 Fedozzi (1997), p. 18-33. 43 Carvalho (s.d.). 44 Jessop (2002a 2002b e 1992). 45 Fritz Filho; Miguel (2000); Almeida et al. ( 1998); Brandenburg (1998); Fasiaben; Bacchi (1998); Sperry

(1998); Yonkeu ; Mota (1998); Pinheiro ; Schmidt (2001). 46 Blum , op. cit. 47 Cilliers (2003). 48 Almeida (2002).

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pesquisa-ao, pesquisa participativa, entre outros, parecendo mostrar uma certa cumplicidade ou afinidade seletiva (...). No geral, apresenta-se como uma nova abordagem, opondo-se s abordagens clssicas, sobretudo quela de corte analtico-cartesiano, e aliando-se aos saberes populares, s estruturas camponesas ou agricultura famlia.49

3.3.1. Sistema de produo agrcola do Vale do Acre

A formao do sistema de produo agrcola acreano remonta a criao das colnias agrcolas na dcada de 1950. No entanto, esse setor veio adquirir uma expresso maior quando do esfacelamento da economia seringalista na dcada de 1960 e a criao dos projetos de colonizao e de assentamento agrcola do INCRA na dcada seguinte. Existem diversos trabalhos sobre os projetos de colonizao50 mostrando o contexto e as motivaes dessa estratgia de desenvolvimento rural no estado do Acre a partir dos anos de 1970.

O sistema de produo agrcola consiste numa combinao de culturas anuais alimentares (arroz, milho, feijo e mandioca) com a criao de animais, principalmente bovinos, podendo ser caracterizado como um sistema de cultivo mltiplo. A agricultura alimentar constitui-se, na maioria dos casos, no componente dominante do sistema, mas a pecuria de pequena escala vem assumindo em algumas reas uma importncia cada vez maior. Nesse sistema de produo a funcionalidade especificada por uma pequena entrada de insumos modernos, expressa no uso de defensivos e fertilizantes inorgnicos e pela contribuio dominante da energia humana. Estes inputs associados s entradas naturais de energia solar, gua das chuvas e nutrientes das cinzas, resultantes das queimadas, propicia a produo de gros, razes, frutas, leite e carne. Aqui a riqueza e diversidade da comunidade de espcies so inferiores em relao aos outros sistemas (extrativista e agroflorestal). Como os demais, organizado na forma de produo familiar. O plano de manejo , por conseqncia, bastante simplificado. Alm disso, este o sistema que mais altera a estrurura do sistema ecolgico.

De acordo com os dados da pesquisa, a forma de acesso terra predominante no sistema agrcola mediante a poltica agrria do INCRA, com 47% dos quais 23% possuem o ttulo definitivo, 19% a autorizao de ocupao e 5% licena de ocupao. A segunda forma de acesso a compra com 45%. As demais formas so posse (3%), troca (3%), arrendamento (1%) e herana (1%). A poltica agrria do Incra teve um impacto muito significativo no meio rural acreano, conforme a bibliografia indicada, bem como vimos no item 1.1.1. Esta poltica moldou a paisagem rural acreana, at ento organizada em torno dos seringais em decadncia e das colnias agrcolas.

As famlias do sistema agrcola permanecem, em mdia, 10 anos em suas Unidades de Produo Familiares (UPFs). Tal rotatividade proveniente, de um lado, do prprio arrefecimento das polticas agrcolas nacionais51 nas ltimas duas dcadas, que levaram a concentrao das propriedades agrcolas nos assentamentos, de outro, da perda, por parte

49 Almeida, op.cit. 50 Campelo (1992); Cavalcanti (1994) e Lima (1991). 51 Leite (2001) e Stdie (s.d.).

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dos governos estaduais, de manterem uma poltica agrcola sustentvel, em funo do desmantelamento de sua capacidade de financiamento.52

No que se refere localizao das UPFs nesse sistema, a distncia mdia em relao s reas urbanas de 38 Km.53 Assim, 65% das localidades so distantes, situao derivada da forma concentrada e desigual de distribuio da propriedade da terra na sociedade brasileira, onde, de uma forma geral, os projetos de colonizao e assentamento localizaram-se em terra mais distantes em comparao com as mdias e grandes propriedades, as quais geralmente se localizam nos locais com melhor estrutura de transporte.

A fora de trabalho familiar composta de uma mdia de 2,7 homens/dia,54 onde 87% adulta (81% masculina) e 13% adolescente (67% masculina); a mdia de idade da fora de trabalho familiar adulta de 35 anos e da adolescente de 12 anos.

3.3.2. Sistema de produo extrativista do Vale do Acre

O sistema de produo extrativista caracterizado pela predominncia da combinao das atividades extrativas de borracha e castanha, associadas a uma agropecuria de subsistncia complementar. O processo tcnico-material de produo (funcionalidade) do componente extrativo consiste em entradas quase exclusivamente naturais, exceto o insumo de energia humana; e na sada dos produtos extrativos. A sua principal base produtiva um ecossistema natural, de enorme riqueza e diversidade da comunidade de espcies, onde o trabalhador extrativista intervm com o propsito de atender s suas necessidades. De outro lado, o plano de manejo extremamente simples, consistindo basicamente na abertura e conservao do acesso s rvores, na operao de coleta e na coagulao ou defumao do ltex. Ao manejar o ecossistema o homem altera apenas superficialmente o seu dinamismo. Somente no subsistema de cultura que o homem tem uma interveno mais intensa, porm, considerada a sua reduzida dimenso, no resulta em perturbao importante no ecossistema.

A formao do sistema extrativista est na origem da formao socioeconmica do estado do Acre, como descrita no item 1.1. O modo predominante de acesso a terra nesse sistema a compra, 65%, seguida pela posse, 16%; ressalta-se que a pesquisa foi realizada nas reas de reservas extrativistas e PAEs que possuem legislao distinta das demais reas do extrativismo.55 Diferente do sistema agrcola, a mdia de permanncia na UPF de 13

52 Lopreato (2002). 53 Na metodologia foi tipificada a distncia em perto (12 Km), mdia (12 a 24 Km) e longa (acima de 24 Km). 54 A metodologia do projeto considera: homem = 1 homem dia (h/d), equivalente a oito horas de trabalho;

mulher = 0,5 h/d; e, adolescente = 0,25 h/d. 55 Devido a legislao que rege as Reservas Extrativistas, no permitida a propriedade. Quem adquiri uma

UPF est obtendo o direito de uso da rea, que da Unio. Na realidade est pagando apenas as benfeitorias. Para maiores detalhes, cf. Brasil. Leis, decretos, etc Decreto-Lei 98.897, de 31.01.90, do governo federal. Sobre Reservas Extrativistas, consultar: Allegretti (1989); Cavalcanti (2002); CONSELHO NACIONAL DOS SERINGUEIROS (1992 e 1993); Costa Filho (1995). Para informaes sobre: Histrico, Conhecendo mais sobre a reserva, Decreto de Criao, plano de utilizao e base de dados geogrficos, econmicos e ambientais, visitar o site: http://www.chicomendes.com.br/ cmendes/cmendes.htm.

http://www.chicomendes.com.br/

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anos. As UPFs so localizadas em geral em distncias56 mdias e longas, pois a localidade mais prxima de 59 Km.

A fora de trabalho familiar constituda de 3,5 homens/dia, desta mdia 78% adulta (72% masculina e idade mdia de 31 anos) e 22% adolescente (70% masculina e idade mdia de 12 anos), o que caracteriza uma fora de trabalho relativamente mais jovem que a do sistema agrcola. Embora nos dois sistemas as atividades exijam bastante resistncia fsica, no extrativista mais difcil a fora de trabalho, com idade avanada, resistir na mesma dimenso que se pode resistir no sistema agrcola; as condies de vida naquele so mais insalubres.

3.3.3. Sistema de produo agroflorestal

O sistema agroflorestal, localizado no projeto RECA57 originrio da poltica de assentamento do INCRA, de 700 famlias, denominado inicialmente de Alto Madeira, localizado no municpio da Vila Nova Califrnia (RO). O Projeto RECA foi criado em 1989, com apoio da Organizao Catlica para o Desenvolvimento da Holanda (CEBEMO) e do Comit Catlico contra a Fome e para o Desenvolvimento (CCFC), da Frana, com assessoria local da Diocese de Rio Branco.

O sistema de produo agroflorestal compreende a associao de culturas perenes (espcies frutferas nativas) e espcies florestais, constituindo um sistema do tipo silvoagrcola consorciado, com eventual intercalao de culturas anuais alimentares e ocasional complementao do criatrio de animais. Neste sistema observa-se uma riqueza e diversidade maior da comunidade de espcies do que nos sistemas de produo agrcolas, porm menor que nos sistemas extrativistas. Supe, portanto, alterao menos profunda na estrutura do sistema ecolgico original do que nos sistemas agrcolas. O plano de manejo muito simples e o processo tcnico-material de produo compreende a transformao principalmente de entradas naturais (energia solar, gua da chuva e nutrientes resultantes da decomposio de restos vegetais, depositados na superfcie do solo) e da energia humana em frutas regionais destinadas ao mercado.

A forma predominante de acesso terra nesse sistema a compra. Mesmo sendo uma rea onde as famlias tiveram acesso originalmente por concesso do INCRA, apenas 25% das famlias conseguiu seus estabelecimentos por meio da aquisio do ttulo definitivo (segunda forma de acesso) desta Instituio, o que demonstra, tambm, uma alta rotatividade das famlias nesse sistema.

A mdia de permanncia na rea em torno de 12 anos maior que no sistema agrcola, que de 10 anos; informao esta que ainda no reflete o impacto da adoo da prtica agroflorestal, visto que de 1989 para 1997 tem-se apenas oito anos.

56 Os intervalos considerados para efeito de clculo de distncia em relao cidade foram: perto at 12 km; mdia de 12 a 24 km; e, longe acima de 24 km.

57 Bezerra (2000); Carvalho (2000) e Costa (1999).

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Distinto dos outros dois sistemas, o sistema agroflorestal (Projeto Reca) se localiza

relativamente prximo da rea urbana (mdia de 15 Km), alm de serem beneficiados pela Rodovia, BR 364, que passa ao longo do Projeto.

A fora de trabalho familiar composta de 2,4 homens/dia. Constituda por 86% de adulta (82% masculina) e 14% de adolescente (78% masculina); a idade mdia dos adultos de 36 anos e dos adolescentes de 12 anos (a mesma dos outros sistemas). A mdia de idade dos adultos do conjunto dos sistemas de 34 anos, a qual prxima do sistema extrativista.

Box III: Definio e Caracterizao Geral [de Sistemas Agroflorestais]

Os sistemas agroflorestais SAFs, so formas de uso e manejo

da terra, nas quais rvores ou arbustos so utilizados em associao com cultivos agrcolas e/ou com animais, numa mesma rea, de maneira simultnea ou numa seqncia temporal.

Os sistemas agroflorestais devem incluir, pelo menos, uma espcie florestal arbrea ou arbustiva. Essa espcie pode ser combinada com uma ou mais espcies agrcolas e/ou animais. Espcies agrcolas de porte mdio como bananeiras, ctricos, caf e cacau no podem ser consideradas como componentes florestais de SAFs: ctricos, caf, e cacau so espcies de porte arbustivo de origem silvestre, porm foram objeto de um longo processo de domesticao

e melhoramento gentico e so consideradas hoje como cultivos agrcolas perenes. Nesse sentido, a combinao de bananeiras e cacau no tem componente florestal e , portanto, um consrcio

agrcola. A combinao de bananeiras, cacau e freij tem um componente florestal o freij (uma rvore nativa que fornece madeira de alto valor comercial), e sendo assim, um consrcio agroflorestal.58 (grifos no original).

3.4. ANLISE DOS DADOS ECONMICOS

Esta seo inicia com uma analise referente aos indicadores que definem a produo familiar propriamente dita (ndice de trabalho familiar, ndice de assalariamento e ndice de capitalizao), em seguida, fazem-se comentrios sobre os componentes creditcios dos trs sistemas. A partir dessas informaes realizada a anlise econmica, de forma mais direta, com a utilizao dos dados da composio da renda (resultados brutos e lquidos), dos custos de produo e das medidas de eficincia econmica.

3.4.1. ndice de trabalho familiar, ndice de assalariamento e ndice de capitalizao

O ndice de trabalho familiar, o ndice de assalariamento e o ndice de capitalizao so utilizados para definir se a unidade de produo familiar ou empresarial.

58 Dubois (1996); Almeida (2002).

36

3.4.1.1. ndice de trabalho familiar

No espao pesquisado constatou-se que 63% das unidades de produo (UPFs) possuem um ndice de trabalho familiar igual a um (unidades compostas exclusivamente por trabalhadores da prpria famlia), ou seja, de cada cem unidades de produo, 63 no utilizam trabalho de terceiros. Verificou-se, tambm, que 94% das UPFs tm um ndice igual ou superior a 0,5, o que constata um predomnio do trabalho familiar no conjunto pesquisado, visto que apenas 6% tem um ndice de trabalho familiar menor que 0,5, isto , tem uma composio da fora de trabalho formada, em sua maior parte, por indivduos fora da famlia. Analisada apenas pelo ndice de trabalho familiar (ITF), os trs sistemas pesquisados esto majoritariamente dentro da categoria familiar.59

Box IV: ndice de Trabalho Familiar, ndice de Assalariamento e ndice de Capitalizao

ndice de Trabalho Familiar a participao da fora de trabalho familiar no trabalho total utilizado no unidade de produo (quantidade anual da fora de trabalho familiar empregada quantidade anual total de fora de trabalho empregada). ndice de Assalariamento a proporo da fora de trabalho familiar que se assalaria fora da unidade de produo. ndice de Capitalizao indica a intensidade de capital em relao a mo-de-obra (capital fixo e circulante

valor total da fora de trabalho empregada).

Esta anlise, desmembrada para os trs sistemas pesquisados, revela que o sistema

ext