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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI Programa de Pós-Graduação em Educação Processos Socioeducativos e Práticas Escolares Rafaela Mahiane Rosa PROFESSORES À MOSTRA Uma análise da relação dos docentes de Tiradentes-MG com a Mostra de Cinema São João del-Rei Fevereiro de 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI

Programa de Pós-Graduação em Educação

Processos Socioeducativos e Práticas Escolares

Rafaela Mahiane Rosa

PROFESSORES À MOSTRA

Uma análise da relação dos docentes de Tiradentes-MG com a Mostra de

Cinema

São João del-Rei

Fevereiro de 2018

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Rafaela Mahiane Rosa

PROFESSORES À MOSTRA

Uma análise da relação dos docentes de Tiradentes-MG com a Mostra de

Cinema

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação: Processos Socioeducativos e Práticas Escolares da Universidade Federal de São João del-Rei, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Maria Jaqueline de Grammont Machado de Araújo

São João del-Rei

2018

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Ficha Catalográfica

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Rafaela Mahiane Rosa

PROFESSORES À MOSTRA

Uma análise da relação dos docentes de Tiradentes-MG com a Mostra de

Cinema

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Educação: Processos

Socioeducativos e Práticas Escolares da

Universidade Federal de São João del-Rei,

como requisito parcial para obtenção do

título de Mestre em Educação.

Orientadora: Maria Jaqueline de Grammont

Machado de Araújo

Maria Jaqueline de Grammont Machado de Araújo

Inês Assunção de Castro Teixeira

Bruna Sola da Silva Ramos

São João del-Rei, 22 de fevereiro de 2018

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AGRADECIMENTOS

Até aqui, tenho sido acompanhada por mulheres incríveis, a quem tenho aprendido a

enxergar, respeitar, admirar, e, o mais difícil e humanizatório, amar.

À minha mãe, Maria Madalena, por ter aceitado, quase sozinha, o desafio de cuidar

de mais uma vida, mesmo em tempos temerosos, onde nos rondavam, mas nunca

nos derrubaram, as necessidades mais básicas. À minha avó, Maria, desafiada

antes por condições também cruéis, e as que vieram antes dela, mulheres a quem

não sei nomear, não conheço a história, mas conheço a força que vai reescrevê-la.

Às minhas irmãs Dora e Licinha, que desde tão cedo conheceram uma

responsabilidade tão grande, pelos desafios que travam diariamente, quase sempre

sem nenhum reconhecimento.

À minha orientadora, Professora Doutora Maria Jaqueline de Grammont Machado de

Araújo. Jaque, se eu fosse você teria me matado. Agradeço a paciência sem limites

e a oportunidade de aprendizado: tem qualquer coisa a mais de gente em você que

eu não sei bem o que é, mas que admiro e confio. Seu engajamento político não

permitiu que essa universidade se calasse frente aos tempos sóbrios e sombrios

pelo qual passamos, me orgulho muito de você por isso. O que eu aprendi sobre

sinceridade, política, feminismo e, sobretudo, sobre essa parte da vida que a ciência

não explica, a matemática não quantifica, a história oficial não conta, essa em que a

poesia resvala, a religião procura, essa fronteira em que vacilamos, quase

inconscientes, em busca de sermos outros, vou levar pra vida toda.

À Nana, minha irmã de coração, por essa amizade que me fez acreditar mais no

amor, sobretudo depois que nos deu a Joana, que enche a madrinha de vontade de

ser uma pessoa melhor.

À Mijú, pela facilidade com que me acolheu em sua casa e sua vida (o guarda-roupa

e outras coisas mais), num momento em que eu precisava tanto. Laura e Resta,

agradeço também a vocês por abrirem pra mim seu porto seguro, a casinha será

sempre uma lembrança feliz em minha vida e minha casa sempre estará aberta a

vocês.

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Isa, Camilla, Laís e Andressa, cada uma, uma revolução. Gratidão pelo

acolhimentoe pela companhia. Tornaram mais leve essa caminhada.

Às professoras e cientistas que fizeram parte da minha formação, desde a

alfabetização na Escola Municipal Antônio Firmino, até as universidades das quais

participei. Respeito e admiração por todas, que sei, têm que trabalhar dobrado em

troca de meio reconhecimento.

Às Professoras Doutoras Bruna Sola e Inês Teixeira pela riquíssima interlocução e

pelo trabalho que nos torna melhores enquanto universidade, nação e humanidade.

À professora doutora Luciana Barcelos e à companheira de mestrado Larissa, que

sempre tornaram mais ricos os espaços de formação pelos quais passamos.

À única Presidenta eleita do país, Dilma Rousseff, por sua luta pela democracia e

seu exemplo de coragem, honestidade, força e resistência.

A todas as guerreiras da educação, da reforma agrária, do direito a água e energia

como direito e não mercadoria. Em especial àquelas sujeito desta pesquisa.

À Capes e à Sociedade pelo financiamento desta pesquisa. Reconheço aqui o

importante papel das agências públicas de fomento no desenvolvimento da ciência

no Brasil, sem, no entanto, romantizar a razão gestionária que tem adoecido os

trabalhadores das ciências e valorizado práticas quantitativas em detrimento às

qualitativas. Somos trabalhadores, não máquinas. Queremos o direito a adoecer,

amar, entristecer, procriar, festejar e dormir sem a sensação de estar lesando os

cofres públicos, realidade tão presente nos discursos de pós-graduandos pelo Brasil.

À Vó Maria Conga, que me dera a honra de sua benção e palavra. Palavra que

viajara tempos e lugares e que chegam a mim como mágica. Palavras pretas que as

fogueiras não queimaram, nem queimarão, pois “vive dentro de mim a mulher da

vida. Minha irmãzinha... tão desprezada, tão murmurada... Fingindo alegre seu triste

fado. Todas as vidas dentro de mim: Na minha vida – a vida mera das obscuras”

(Cora Coralina).

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Ao João, meu txai, por ter dividido comigo essa travessia. Por ter sido caminho, casa

e companhia. Pela verdade, paciência, boa vontade e tudo isso que chamamos, em

nossa infinita imperfeição, de amizade. Te amo.

Mateus, pelo companheirismo e amizade que sempre me colocam pra cima. Que

todas as comidas de roça do mundo sejam nossas também. À Olívia e Diego, que

também sempre me receberam com carinho e alegria, gratidão.

Aos professores, professoras e colegas do Programa de Pós-Graduação em

Educação - Processos Socioeducativos e Práticas Escolares/PPEDU.

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Prometi pra mim mesma só escrever em protesto esquecer todo o resto nem uma palavra de amor desde então... me inundei de saudades murmurei umas frases só pensei nos entraves de ser só e sem calor foi aí que lembrei que não escolho as palavras elas antes são falhas do meu ser amador alguém me diz como é que pode? nem de mim recebo ordem nem em mim eu mando mais escrevo porque preciso criar minha própria paz num acordo comigo mesma precisei mais uma vez por pra fora o sentimento que desgarrou essa rês a eu presente não gostou a eu passada agradeceu a eu futura, depois que riu revolução me prometeu converso sempre com elas aprendi a negociar já vi que sem esse acordo não tenho forças pra lutar valha-me deus esse sentir eu preferia ser uma pedra seria mais fácil cumprir o meu papel nessa guerra direto no crânio dos canalhas estaria feita a revolução não sobraria juiz não sobraria acordão

gente que sou só me restam umas palavras uma esperança no peito e a companhia das camaradas avante, companheiras vamos nos organizar a luta nunca termina está sempre a recomeçar ainda que pobres meus versos me libertam de prisões já que a arena da palavra já foi privilégio de patrões lutarei pela operária pela sem-teto e sem-terra lutarei pelas professoras por um país sem mazelas por um estado de direito onde sejam necessárias as provas do crime de um sujeito antes de cavar-lhe uma cova boa sorte, inimigo em tentar me controlar se nem eu mesma consigo vamos ver você tentar escrevo com esperança com a força que aprendi com uma mulher de fibra que nenhuma farda fez sucumbir essa mulher são muitas me deu a luz, me alfabetizou governou esse país me acolheu em seu amor perdemos uma batalha pra canalhas que usam toga não desanimem, tenham força façamos chegar a nossa hora. (Poema n.7 - Rafaela M Rosa)

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LISTA DE ABREVIATURAS

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ...................................... 59

INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

.......................................................................................................................... 59

PIBID - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência ................. 15

UEPB - Universidade Estadual da Paraíba ...................................................... 48

UFBA - Universidade Federal da Bahia ........................................................... 47

UFPE - Universidade Federal de Pernambuco ................................................ 48

UFSC - Federal de Santa Catarina .................................................................. 47

UnB - Universidade de Brasília ........................................................................ 48

Unisinos Universidade do Vale do Rio dos Sinos ............................................ 47

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LISTA DE QUADROS E GRÁFICOS

Quadro 1 - Teses e Dissertações brasileiras na temática de Festivais e Mostras de

Cinema .................................................................................................................... 48

Quadro 2 - Artigos na temática de Festivais e Mostras de Cinema ........................50

Quadro 3 - Frequência de trabalhos acadêmicos na temática Festivais e Mostras de

Cinema ....................................................................................................................50

Quadro 4 - Frequência de trabalhos acadêmicos na temática Festivais e Mostras de

Cinema por área do conhecimento......................................................................... 41

Gráfico 1 - Idade dos sujeitos da pesquisa.............................................................. 57

Gráfico 2 - Número de Docentes por Nível de Ensino........................................... 59

Gráfico 3 - Número de Docentes por Nível de Ensino ............................................60

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RESUMO

O trabalho investiga a relação dos professores da educação básica da cidade de

Tiradentes, Minas Gerais, com a Mostra de Cinema desta mesma cidade. A Mostra

de Cinema de Tiradentes chegou a sua vigésima edição no ano de 2017 e tem como

característica principal a valorização da experimentação e inovação da linguagem

cinematográfica, bem como a formação de profissionais na área do audiovisual.

Constituído há vinte anos no calendário do cinema brasileiro, o evento, no entanto,

não se constitui como atividade de expressivo interesse dos sujeitos pesquisados,

realidade a qual nos dedicamos a compreender. Orientados pela compreensão do

trabalho e da linguagem como processo fundante do humano (ENGELS, 1990;

BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006), o tempo como construção histórico-cultural (ELIAS,

1992), o papel das mediações na comunicação (MARTÍN-BARBERO, 2013) e os

professores como sujeitos sócio-históricos (TEIXEIRA, 1996) procuramos

compreender os processos fundamentais na constituição da realidade estudada. Os

sujeitos da pesquisa foram docentes da rede pública da cidade de Tiradentes, que

colaboraram respondendo a questionários e concedendo entrevistas, ambos

realizados entre novembro de 2015 e novembro de 2017. A relação dos sujeitos da

pesquisa com o evento em questão mostrou-se marcada pela ausência e pela

superficialidade do envolvimento com sua proposta cultural, sendo fortemente

influenciada pelas condições de trabalho desses sujeitos, a intensa relação

professor-aluno e por sua relação histórica com a indústria cultural. Constatamos

que, sobrecarregados pelos afazeres da docência e prejudicados por sua má

remuneração, esses sujeitos encontram dificuldades em realizar atividades

quaisquer de lazer e relaxamento, situação agravada pelo modo de inserção da

indústria cultural em seu cotidiano. Para esses sujeitos estão reservadas atividades

domésticas, acompanhadas por familiares, que proporcionem fuga e desligamento

das situações de trabalho, o que vai de encontro às condições de realização da

Mostra de Cinema de Tiradentes: um cenário caro, uma concepção de cinema

avessa àquela produzida para as massas e uma forte presença dos alunos desses

sujeitos.

Palavras-chave: Tempo Livre. Condição Docente. Professoras/es.

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ABSTRACT

This work investigates the relationship between elementary professors and the film

festival in Tiradentes, Minas Gerais, Brazil. In 2017, the Tiradentes Film Festival

(Mostra de Cinema de Tiradentes) marked its twentieth year anniversary of an event

whose main characteristic is the appreciation for experimentation and innovation in

the cinematographic language, as well as the training of professionals in the

audiovisual industry. Even though the Festival was established in Brazilian cinema's

major event calendar twenty years ago, it is not an event of expressive interest for

the researched subjects, a reality that we dedicate ourselves to understanding.

Based on the understanding of work and language being fundamental to humans

(ENGELS, 1990; BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006), time as a historic-cultural

construction (ELIAS, 1992), the role of mediations in communication (MARTÍN-

BARBERO, 2013) and teachers as socio-historical subjects (TEIXEIRA, 1996), we

seek to understand the integral processes that constitute the studied reality. The

research subjects were public school teachers in the city of Tiradentes that

collaborated from November of 2015 to November of 2017 by answering

questionnaires and giving interviews. The relationship between the research subjects

and the festival was marked by the absence and superficial involvement in its cultural

proposition, which were strongly influenced by the working conditions of the subjects,

the intense teacher-student relationship and by their historic relationship with the

cultural industry. We establish that, overwhelmed with their teaching duties and

hindered by their poor salary, these subjects found it difficult to carry out any leisurely

or relaxing activity, a situation further aggravated by the insertion of the cultural

industry into their daily lives. For these subjects, domestic activities within family

provide an escape and a refresh from work situations, which do not correspond with

the conditions of the Tiradentes Film Festival: an expensive scenario, a conception of

cinema that is averse to the masses and a strong presence of the subjects' students.

Keywords: Free Time. Teaching Conditions. Teachers.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 14

2 CONSTRUÇÃO CONCEITUAL: CULTURA, TRABALHO E TEMPO ................................ 17

2.1 Cultura, Trabalho e Tempo ......................................................................................... 17

2.2 O Tempo como elemento Simbólico ........................................................................... 19

2.3 Cinema e cultura de massas ...................................................................................... 21

3 PROFESSORES: SUJEITOS SÓCIO-CULTURAIS .......................................................... 33

3.1 Notas sobre a condição docente: trabalho e tempo livre ........................................... 33

3.2 O professor em seu tempo livre: relações com o cinema ........................................... 37

4 O CRONOTOPO: MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES ............................................ 39

4.1 Tiradentes: o turismo a mostra ................................................................................... 39

4.2 A Mostra de Cinema ................................................................................................... 46

4.3 Pesquisas com Mostras e Festivais de Cinema.......................................................... 49

5 METODOLOGIA ............................................................................................................... 54

6 A PARTICIPAÇÃO DOCENTE NA MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES .................. 62

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 74

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 78

APÊNDICES ........................................................................................................................ 82

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1 INTRODUÇÃO

Nem Polanski, nem Tarkovski, nem Kurosawa, nem Einsesnstein ou Wiene.

Muito menos Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos ou Humberto Mauro.

Nenhumfilmedesses aclamados cineastas fez parte da minha formação antes da

universidade. A primeira vez que estive em uma sala de cinema, junto com a sexta

série do ensino fundamental, no ano de 2003, foi para um encontro com velhos

conhecidos da televisão: Renato Aragão, o cantor Daniel, Mauro Mendonça, Kleber

Bambam (ex participante do reality Big Brother Brasil), entre outros, elenco dirigido

por Alexandre Boury e Paulo Aragão. “Didi, o Cupido Trapalhão”, foi um dos filmes

nacionais mais vistos daquele ano, uma co-produção da Globo Filmes, RA

Produções Artísticas, Xuxa Produções, Diler & Associados e Columbia Tristar. Sem

se dar conta, aquela turma entrara para a estatística do cinema nacional. Para

alguns setores do mercado o acontecido significara uma vitória no longo processo

de estabelecimento da indústria fílmica no Brasil, outros setores chamariam de

inclusão, eu, sujeito da situação, quatorze anos depois, ensaio aqui uma reflexão.

Talvez somente eu, daqueles (cerca de) trinta adolescentes. Talvez, nem mesmoeu,

não fossem algumas políticas públicas e certo germe de contestação que me

trouxeram aqui, chegasse à universidade pública, à licenciatura, ao mestrado em

educação. O programa daquela tarde foi idealizado pela professora de história e foi

a primeira ida ao cinema de todos os alunos daquela turma. O destino, o único

cinema da região, localizado no Shopping do Vale na cidade de Ipatinga (MG), cerca

de 40 km distante da Escola Municipal Antônio Firmino, em Belo Oriente, leste de

Minas Gerais, que abrira suas portas gratuitamente, também para a visita ao centro

cultural mantido pela Fundação Usiminas, no mesmo local. Foi também a primeira

vez de muitos colegas em um Shopping, em um teatro, em uma galeria de arte.

Escrever este texto foi, desde o início, um desafio. Muitas das vozes que

compõe, junto à minha, este trabalho, nada ou pouco sabem sobre o cinema. É

deste lugar, da ausência, que trago muitos questionamentos, muito mais que

respostas. É deste lugar, do qual partilham milhões de brasileiros, trabalhadores,

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produtores de cultura, receptores da indústria cultural, que ouso questionar aqui a

relação de alguns sujeitos com o cinema: os professores.

Construí, na Licenciatura em Ciências Biológicas, uma primeira ideia sobre a

sociedade que, sendo produto humano e resultado do trabalho, marcado por um

tempo e um lugar, o conhecimento científico está longe de ser neutro, incontestável

e estável. Ao compor o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência

(PIBID)1, meu interesse científico foi mudando aos poucos, minhas perguntas sobre

os processos naturais tornaram-se menos frequentes à medida em que me

encantava também pelas relações humanas. Junto ao grupo do PIBID realizei

atividades de formação cultural(espaços para conhecer e discutir filmes, poemas,

músicas, telas e outras obras). Essas atividadescomeçaram restritas ao PIBID e

depois se estenderam para todas as turmas de estágio da licenciatura em ciências

biológicas. Naúltimadessas atividades, desenvolvi minha monografia discutindo

sobre a necessária mediação da cultura na formação de professores de ciências e

biologia, concluindo que o espaço destinado à apreciação e reflexão da arte foi

formativono sentido de que provocou o posicionamento ético dos licenciandos em

relação à cultura ao ensino de ciências e biologia.

Vi, no mestrado em educação da Universidade Federal de São João del-Rei,

a oportunidade de continuar os estudos na relação educação-cultura, para o qual

elaborei um projeto de pesquisa cujo objetivo principal era saber“como a Mostra de

Cinema de Tiradentes influencia a prática pedagógica dos professores da cidade”,

apoiada, sobretudo, na abordagem de Adorno e Horckeimer (1985).Com a

aproximação do campo e o diálogo com os sujeitos de pesquisa, a pergunta foi

reelaborada, uma vez que já nos primeiros contatos com os professores a marca da

ausência em suas relações com a Mostra de Cinema ficou bastante clara, como

descrevi no início do texto. A relação da Mostra com sua prática pedagógica, que

era meu foco inicial de pesquisa, mostrou-se ausente ou insignificante desde os

1 O Programa Inicial de Bolsas de Iniciação à Docência foi uma política pública que, entre 2009 e

2018, financiou grupos de formação de estudantes de licenciatura em Instituições de Ensino Superior pelo país, as quais construíram seus projetos de maneira diversa, mas sempre a partir da articulação entre licenciandos, professores da educação básica e superior.

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primeiros encontros com os professores, o que me levou a reelaborar a pergunta de

pesquisa sem abandonar o interesse na relação dos sujeitos da pesquisa com a

Mostra de Cinema de Tiradentes e o cinema de maneira geral. A questão centrou-

se, então, em compreender tal relação pela lente da aparente ausência, buscando

as marcas que as práticas culturais, tanto pela presença como pela ausência,

deixam nos sujeitos.Assim como a mudança de perspectiva teórica, uma vez que me

apropriei das teorias do discurso de Bakhtin/Volochínov e da teoria da comunicação

de Martín-Barbero. Todos autores de abordagem marxista não ortodoxa, uma vez

que a teoria crítica seguiu uma convergência com a psicologia e os estudos culturais

que reivindicam uma abordagem das ciências sociais que extrapole a classe social

como origem única das desigualdades.

Assim, construo uma concepção de sujeito professor que se apoia na

construção social da consciência e da cultura e, por isso, privilegia a discussão

bakhtiniana. Coloca-se também a necessidade de discutir esse sujeito em uma

dimensão que privilegie sua condição de professor: o que singulariza esse coletivo

no que diz respeito à sua relação com a cultura?Aqui, cabe explicar que a categoria

detrabalho é estruturante dessa relação, uma vez quepossuidores apenas de sua

força de trabalho esses sujeitos, subjetivos e contraditórios, compõem uma categoria

submetida a um determinado controle do valor de seu tempo, livre e de trabalho,

configurando relações de poder que se sintetizam em suas práticas culturais. Assim,

ao compreender a Mostra de Cinema como uma prática social, assumo que nela se

expressam relações de poder que extrapolam o tempo e lugar em que o evento

acontece,forjadas na história, no cotidiano dos sujeitos, em especial, nesta pesquisa,

dos sujeitos professores.

Estruturo, então, a apresentação do problema de que trato aqui, a relação

entre professores de Tiradentes - MG com o cinema em dois capítulos teóricos: um

primeiro, dedicado a construção conceitual de Cultura, Trabalho e Tempo e outro

dedicado ao sujeito professor. Os capítulos seguintes são dedicados à apresentação

e discussão metodológica e resultados da pesquisa.

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2 CONSTRUÇÃO CONCEITUAL: CULTURA, TRABALHO E TEMPO

A perspectiva teórico-conceitual que desenvolvo neste trabalho está

relacionada ao sujeito, ao trabalho, ao tempo livre e à indústria cultural. Neste

capítulo desenvolverei esses conceitos e sua articulação no entorno do problema de

pesquisa.

2.1 Cultura, Trabalho e Tempo

A CHEGADA DOS CANDANGOS

(Vinicius de Moraes eAntônio Carlos Jobim)

Tratava-se agora de construir: e construir um ritmo novo.

Para tanto, era necessário convocar todas as forças vivas da Nação, todos os homens que, com vontade de trabalhar e confiança no futuro, pudessem erguer, num tempo novo, um novo Tempo.

E, à grande convocação que conclamava o povo para a gigantesca tarefa começaram a chegar de todos os cantos da imensa pátria os trabalhadores: os homens simples e quietos, com pés de raiz, rostos de couro e mãos de pedra, e que, no calcanho, em carro de boi, em lombo de burro, em paus-de-arara, por todas as formas possíveis e imagináveis, começaram a chegar de todos os lados da imensa pátria, sobretudo do Norte; foram chegando do Grande Norte, do Meio Norte e do Nordeste, em sua simples e áspera doçura; foram chegando em grandes levas do Grande Leste, da Zona da Mata, do Centro-Oeste e do Grande Sul; foram chegando em sua mudez cheia de esperança, muitas vezes deixando para trás mulheres e filhos a aguardar suas promessas de melhores dias; foram chegando de tantos povoados, tantas cidades cujos nomes pareciam cantar saudades aos seus ouvidos, dentro dos antigos ritmos da imensa pátria...

Quem somos? a pergunta que sempre muda cada vez que encontramos uma

resposta. Poeira das estrelas, um conjunto de átomos, animais, mamíferos, Homo

Sapiens, sujeitos. As ciências, uma das mais jovens linguagens, muito se esforçou e

muito produziu designificações para saciar essa nossa necessidade primária: a

curiosidade. Ela reconstrói nossa história natural e social sob diferentes métodos

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eepistemologias.Se pelas leis naturais às quais estamos assujeitados, traçamos,

enquanto espécie, uma longa jornada desde a formação dos primeiros seres vivos,

carregamos também as marcas de um processo tão constituidor de nossa natureza

quanto o caráter biológico: o trabalho, que nos sujeita.

Processo fundante de emancipação do humano (ENGELS, 1990; MARX,

1985), o trabalho e o sujeito se constroem mutuamente, ao passo em que o trabalho

é resultado da mão humana, esta também é resultado do trabalho, portanto, ao

modificar a natureza, o humano modifica a si próprio. Humano ecultura se fazem

dialeticamente através do trabalho e do diálogo, construindo, no cotidiano, a cultura

e transmitindo-a em processos transformadores através de gerações. Não é possível

ser humano sem exercer trabalho ou estar inserido no contexto da linguagem.

Assim, o conceito de cultura que defendo aqui a considera como todo produto

do trabalho e das relações sociais, seja na forma de linguagem, hábitos, valores etc.

Um conceito que se apropria da noção antropológica de cultura que a considera

além das belas artes, da filosofia e da ciência, valorizando-a como constituidora do

cotidiano, conforme propõe Martín-Barbero (2000) e Laraia(1986).

O trabalho, portanto, complexificou-se juntamente com o humano, a

linguagem e a consciência. Deixando para trás as formas primitivas de dominação

da natureza, os humanos desenvolveram a agricultura, a pesca, a música, a política,

as ciências, as religiões, a filosofia, as artes etc. Todas essas atividades,

relacionadas à busca consciente do homem pela dominação da natureza e de si

próprio, são, antes de tudo, relações sociais. Somente por meio da linguagem e da

cultura foi possível que o conhecimento atravessasse gerações, criando e/ou

superando tradições, sempre marcadas por relações de poder.

O trabalho é, então, uma construção histórico-cultural e guarda estreita

relação com uma construção simbólica em especial: o tempo. O trabalho com a

agricultura foi um importante processo de construção do tempo como elemento

simbólico e cultural, uma vez que a cultura de alimentos exigiu uma organização

social em função dos processos naturais. Como a agricultura relacionava-se à

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alimentação, à religião, às festividades e à família, integrava-se o trabalho à cultura.

Trabalho e tempo construíam-se como experiência social. Se, no passado, a

experiência do tempo guardava estreita relação com o trabalho e os fenômenos

naturais, como o movimento de corpos celestes e condições climáticas, hoje, o que

norteia a noção moderna de tempo é o relógio e a produção industrial. Para Elias

(1998, p. 60),o que chamamos de tempo significa

um quadro de referência do qual um grupo humano – mais tarde, a humanidade inteira – se serve para erigir, em meio a uma sequência contínua de mudanças, limites reconhecidos pelos grupos, ou então para separar certa fase, num dado fluxo de acontecimentos, com fases pertencentes a outros fluxos, ou ainda para muitas outras coisas (ELIAS, 1998, p. 60).

Longe de esgotar aqui o tema da evolução do trabalho na sociedade, o que

pretendo é contextualizá-lo como uma construção sócio-histórica, problematizando

sua relação com o tempo e com a cultura.

2.2 O Tempo como elemento Simbólico

A noção de tempo é um elemento simbólico, portanto, semiótico, um elemento

material construído inicialmente através das relações, incluindo as de trabalho, com

elementos naturais e modificando-se através da história para uma concepção mais

abstrata, que, segundo Elias (1998, p. 108), é uma abstração vasta o suficiente para

padronizar temporalmente a sociedade como uma grande comunidade semiótica,

constituindo na experiência social um “símbolo puramente relacional”. Isto significa

que não se relacionam com um objeto específico, permitindo uma manipulação

muito diferente daqueles símbolos que o fazem. A noção de tempo que estrutura as

sociedades é civilizatória.

A Revolução Industrial representou uma intensa mudança no cotidiano dos

sujeitos, sobretudo pela modificação de dois elementos estruturantes da sociedade:

otrabalho e o tempo. Considerar o trabalho como processo fundante da condição

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humanaimplica em compreendê-lo como um processo além de sua forma social num

dado momento histórico. A forma social do trabalho anterior à industrialização se

organizava em torno de três elementos: o processo de trabalho, seu objetivo e seus

meios. Por objeto, compreende-se a matéria-prima e por meios tudo aquilo que o

trabalhador coloca entre si e o objeto de trabalho, cuja condução resulta em um

objeto trabalhado e um trabalho objetivado.Através do trabalho produz-se um bem

com valor de uso para a sociedade.A novidade da produção em larga escala

transformou esse processo, reorganizando a produção, o trabalhador tornou-

se,então, dono apenas de sua força de trabalho, a qual vende, na forma de tempo,

para o dono dos meios de produção. Nesse modelo, o tempo de trabalho do sujeito

passa então a ter o valor de mercadoria, o qual é negociado com os donos dos

meios de produção (ENGELS, 1990). Como anuncia a Sinfonia da Alvorada, de

Vinícius de Moraes e Tom Jobim, os trabalhadores são conclamados a construir um

novo tempo, o tempo das fábricas.

Os sentidos de tempo, portanto, se modificaram durante a história. Enquanto

nas culturas populares esses estavam intrinsecamente ligados às festas e estas se

constituíam enquanto fator de pertencimento do sujeito à uma comunidade - uma

coletividade, nas palavras de Martín-Barbero (2000, p. 136), na sociedade moderna,

em pleno desenvolvimento da produção em escala industrial, a festa constitui-se em

espetáculo. Sua produção é técnica, o público está para apenas apreciá-la. O que

era uma atividade relacionada ao trabalho torna-se oposta a ele. O tempo, medido

cronologicamente através do relógio, permitiu a unificação social em torno da

produção da mercadoria, dividindo o tempo em duas categorias: o tempo livre e o

tempo de trabalho Martín-Barbero (2000).

Uma das condições para a viabilização da produção em massa foi o

movimento de intensa urbanização entorno das fábricas,que encontrou, junto à

máquina de vapor, as máquinas de imagens. A reorganização social do trabalho

mudou drasticamente o cotidiano. As multidões formaram-se em torno das fábricas e

desde então o capitalismo constitui-se cada vez mais globalmente. O tempo das

festas foi substituído pelo tempo das fábricas e os hábitos cotidianos dos cidadãos

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do capitalismo ocidental vão se assemelhando. O avanço da ciência e da

tecnologia, concomitante à mudança no modo de produção, ao mesmo tempo em

que garantiu o desenvolvimento de um modo mais técnico e racional de trabalho,

promoveu o empobrecimento da cultura popular e das relações sociais. O trabalho

transformado em mercadoria se exterioriza do humano, aliena o sujeito em lugar de

emancipá-lo.

2.3 Cinema e cultura de massas

A industrialização e o consequente crescimento da população urbana e da

classe operária foram acompanhados pela expansão de atividades culturais

dedicadas à diversão das massas. Flávia Costa (2006) faz um importante resgate

histórico sobre o cinema, que ajuda a compreender a relação entre cultura e

mercado em sua gênese: o Primeiro Cinema estava intrinsecamente ligado aos

cafés e vaudeviles, locais onde uma diversa classe média se reunia para comer e

beber, e assistir a atrações curtas, independentes e variadas, como peças teatrais,

truques de mágica, declamação de poesias e, mais tarde, os primeiros filmes. O

negócio se expandiu com os nickelodeons, locais maiores e menos confortáveis

dedicados exclusivamente à exibição de filmes para grandes públicos, que eram

geralmente trabalhadores de poucos recursos. Esses locais eram uma diversão

barata e, nos primeiros anos, o cinema, que ainda ensaiava constituir-se como

linguagem, se tornou um negócio lucrativo nos Estados Unidos, iniciando o cinema

como atividade industrial. Os primeiros filmes tinham por características serem

curtos, compostos por uma única tomada e desprovidos de uma cadeia narrativa,

alémde personagens pouco desenvolvidos. A intenção, na época, estava mais

relacionada ao exibicionismo para encantar e maravilhar os espectadores do que a

narrar uma história. O espetáculo era o próprio movimento (COSTA, 2006).

O espetáculo chegou ao Brasil no início do século XX, quando a agricultura

para a exportação era a principal atividade econômica do país, embora a atividade

industrial estivesse em plena ascensão e já impulsionasse o crescimento dos

centros urbanos. O fim do regime escravocrata e da monarquia ocorrera há menos

de vinte anos e o clima era de reconstrução da noção de trabalho, na qual a relação

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senhor-escravo deixara marcas profundas e a imigração, principalmente europeia,

viria a constituir um cenário ainda mais multicultural e desigual. As cidades cresciam

rapidamente, o saneamento básico precário era um grande problema de saúde

pública, inclusive nas capitais. Um recorte que dá as dimensões do cenário de

subdesenvolvimento foram as duas epidemias que ocorreram no Rio de Janeiro,

capital do país na época: a varíola e a febre amarela, às quais o estado respondeu

com uma intensa reforma sanitária, na qual muitos cortiços e casebres foram

destruídos. A população mais pobre se viu obrigada a instalar-se nos morros e

periferias da cidade, consolidando as primeiras favelas.

Para o crítico de cinema Paulo Emílio de Sales Gomes (1996), esse cenário

de subdesenvolvimento é imprescindível para compreender o cinema como

manifestação nacional. Segundo o autor, o cinema chegou ao Rio de Janeiro em

1896 e nos primeiros dez anos praticamente não se desenvolveu, fato explicado

principalmente pela insuficiência energética, já que nos poucos lugares da capital

onde a energia elétrica existia, ela era facilmente interrompida por ventanias e

temporais. Após 1907, quando a energia começou a ser produzida industrialmente, o

cinema carioca saiu da estagnação, as salas de exibição se multiplicaram e

impulsionaram a importação de filmes, “seguido de perto por um promissor

desenvolvimento de uma produção cinematográfica brasileira” (GOMES, 1996, p. 9).

Este período coincidiu com a consolidação da indústria cinematográfica

estadunidense e europeia, que em poucos meses invadiu o mercado nacional e fez

muitos estragos na produção nacional, que vinha se consolidando. Foi um período

de racionalização e organização da indústria.

O objetivo era expandir os negócios, transformando o cinema em uma

atividade “de todas as classes” e não mais no chamado “teatro de operários”. Desse

modo, sem deixar de entreter a classe popular em cinemas mais baratos, a exibição

passou a ser dominada pelos luxuosos palácios de cinema e o melodrama

conservador e reacionário passou a ser o gênero dominante para atrair a classe

média e conquistar mais respeitabilidade (COSTA, 2006, p. 28).

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Assim, ao mesmo tempo em que o capitalismo se expandiu à custa de longas

jornadas de trabalho, a burguesia criou também as condições para que em seu

“tempo livre”, o tempo de descanso, de cuidados pessoais e atividades de livre

escolha, o trabalhador se tornasse um consumidor de produtos culturais.

O tempo livre é uma construção moderna, e seu sentido, na sociedade

capitalista, é estreitamente ligado ao trabalho. Isto porque o trabalhador dedica

grande parte do seu tempo empregando sua força de trabalho em troca de um

salário, e, na maioria dos casos, os ganhos são insuficientes para garantir o acesso

aos bens produzidos pela sociedade. São donos somente de sua força de trabalho e

a negociam sob a forma de seu tempo e das condições de sua realização. As lutas

trabalhistas por um mais direito de acesso aos produtos do trabalho e ao lucro

nasceram junto à própria classe, sendo que mais recentemente, na América Latina,

experimentaram a violência e a repressão do estado aliados a setores

conservadores da elite econômica da sociedade civil, nas ditaduras pós-segunda

guerra. Uma das mais importantes pautas trabalhistas está justamente ligada à

questão do tempo de trabalho. Quanto tempo um sujeito deve trabalhar para que

tenha pleno acesso aos bens produzidos pelo coletivo? A reposta é política e uma

intensa e histórica arena de disputa de sentidos, forjada na cultura. Tempo livre e

tempo de trabalho, embora sua aparente naturalização, são socialmente

construídos. Para Adorno (2002), o tempo livre do trabalhador é um prolongamento

do tempo de trabalho, uma vez que ele serve para recuperar a força para uma nova

jornada. Nesse contexto, a indústria cultural oferece às massas a fuga do trabalho:

produtos culturais que prometem o divertimento e se opõem ao trabalho, embora

reafirmem formas de comportamento próprias do mundo do trabalho, como explica

Adorno (2002, p.106):

Aqui, nos deparamos com um esquema de conduta do caráter burguês. Por um lado, deve-se estar concentrado no trabalho, não se distrair, não cometer disparates; sobre essa base, repousou outrora o trabalho assalariado, e suas normas foram interiorizadas. Por outro lado, deve o tempo livre, provavelmente para que depois se possa trabalhar melhor, não lembrar em nada o trabalho. Esta é a razão para a imbecilidade de muitas ocupações do tempo livre. Por baixo

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do pano, porém, são introduzidas, de contrabando, formas de comportamento próprias do trabalho, o qual não dá folga às pessoas (ADORNO, 2002, p.106).

O conceito de indústria cultural proposto por Adorno e Horkheimer(1985)

parte da concepção de que a mudança no modo de produção da arte, configurando-

a como produção em série, subtrai-lhe a essência criativa e o potencial subversivo

da mesma, uma vez que organiza e padroniza a produção cultural e sua distribuição

em função do lucro. Adorno, em sua pertinente crítica à indústria cultural, radicaliza,

afirmando que todo produto dessa indústria serve apenas como legitimador dos

processos de dominação. Essa é a crítica feita por Martín-Barbero (2000) sobre a

Escola de Frankfurt. Segundo ele, “ali se busca pensar a dialética histórica que,

partindo da razão ilustrada, desemboca na irracionalidade que articula totalitarismo

político e massificação cultural como as duas faces de uma mesma dinâmica” (p.

73). A meu ver, esse esvaziamento do potencial da arte produzida e comercializada

pela indústria cultural se dá ao não democratizá-la enquanto experiência de criação,

mas como mercadoria, seria, então, a arte reduzida apenas a espetáculo para

divertimento e alienação.

Nesse movimento de releitura da teoria marxista, a escola, porém, não

representa uma leitura única da realidade, e um embate em especial nos interessa

nesta reflexão: a crítica à cultura a partir do desenvolvimento da tecnologia de

Adorno e de Benjamin. Foi a partir dos escritos de Benjamin que, na contramão de

Adorno e Horkheimer (1985), o popular na cultura foi significado como experiência e

produção, opondo-se à ideia do popular como negação da cultura, como aponta

Martín-Barbero (2000). O autor promove continuidades e rupturas com o

pensamento frankfurtiano, mediado, sobretudo, pela realidade cultural e social da

América Latina, a qual considera indispensável na releitura da teoria cultural

construída na Europa pós segunda guerra mundial.Na Inglaterra do final do século

XX, os estudos de comunicação, alicerçados nos estudos culturais, deslocavam o

questionamento dos efeitos dos meios de comunicação em massa para as

mediações pelos sujeitos receptores. Fundados por Richard Hoggart, Edward

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Thompson e Raymond Williams os estudos culturais rejeitam a ideia de que os

meios de comunicação em massa determinam a produção de sentido por seus

receptores, privilegiando a noção de sujeito como social e historicamente construído,

ativo nos processos de comunicação. Martín-Barbero, que tem na “teoria das

mediações” o eixo central de sua crítica ao debate sobre a comunicação, propõe um

deslocamento da análise da comunicação, dos meios para as mediações, já que

considera o receptor um sujeito produtor de sentidos, em uma relação tensionada

pelo contexto cultural e político em que está inserido. Martín-Barbero se apropria de

um conceito de cultura que tem raízes antropológicas, e não sociológicas, como até

então dominava o campo da comunicação.

Para construir sua concepção de massa, Martín-Barbero faz uma

historicização da ideia de cultura popular pelo Romantismo e pelo Iluminismo. Para

os Ilustrados o povo é definido em seu caráter político, como legitimador do estado

moderno por meio da “vontade geral” que o constitui (MARTÍN-BARBERO, 2000).

Os escritos de Rousseau e Voltaire dão o tom da concepção de povo que o

movimento construiu: ignorante, passivo e carente, a negação do que era o eixo

central do pensamento iluminista, a razão. A ideia de povo como produtor de cultura

foi desenvolvida no Romantismo, influenciada pelo desenvolvimento da antropologia,

campo que já legitimava a autenticidade cultural do modo de vida das populações

“primitivas”. O romantismo cria, no entanto, uma concepção mitológica de povo que

exalta sua originalidade, “negando a circulação cultural no processo histórico e

formação do popular e o sentido social das diferenças culturais: a exclusão, a

cumplicidade, a dominação e a impugnação” (MARTÍN-BARBERO, 2000, p. 40),

apagando, assim, sua historicidade, suas lutas sociais. A concepção romântica, ao

passo em que enaltece o popular em sua produção cultural, o condena à seu

passado, sua pureza original primitiva, ponto em que, para Martín-Barbero, une

românticos e ilustrados. Assim, diferente dos estudos críticos europeus, que

privilegiam a análise dos meios, a teoria crítica latino-americana se constrói com a

proposta de estudar a comunicação a partir da produção de sentido no cotidiano.

Para Martín-Barbero (2000), a comunicação é sempre mediada pelas práticas

culturais e relações sociais que o sujeito estabelece na sociedade, mediada pela

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institucionalidade, tecnicidade, socialidade e ritualidades como práticas sociais que

movimentam as relações entre as matrizes culturais e os formatos industriais das

mídias e entre sua produção e sua recepção.

Pensar a comunicação e a cultura significa, portanto, pensar seu processo de

criação: as relações sociais. Relações que se dão através do dialogismo, muito

além da comunicação verbal cotidiana. Mikhail Bakhtin (2006) fala de uma

sociedade em rede muito antes da existência da internet, uma conexão que

extrapola o cotidiano, criando tradições e culturas que se refazem todo o tempo. Não

é possível, porém, que esse processo seja pensado sem considerar as relações de

poder entre os sujeitos, legitimadas pelos grupos sociais que representam (classe,

gênero, orientação sexual, geração etc. É impossível, portanto, pensar a sociedade

brasileira sem considerar que ela foi construída com a negação da humanidade dos

negros e dos indígenas, legitimada pelos colonizadores europeus. Isto porque todo

sujeito é a síntese dialética de outros sujeitos, mas, somente daqueles com quem

conviveu, direta ou indiretamente através do diálogo. Assim, quando um discurso se

faz hegemônico, como o discurso burguês faz através dos meios de comunicação

em massa, ele fortalece o papel das classes dominantes nas relações axiológicas

estabelecidas pelos sujeitos, uma vez que se faz mais presente no cotidiano, criando

e recriando tradições. Assim fez o discurso cinematográfico hollywoodiano pelo

mundo, divulgando o modo de vida americano e, consequentemente, apagando

diferenças.

Aqui,busco constituir um significado de sujeito que parte da concepção

bakhtiniana de linguagem e encontra os estudos de Martin-Barbero sobre povo,

meios, mediações e comunicação. Um sujeito-síntese de uma singularidade,

entranhada em sua própria experiência de existência, e, ao mesmo tempo, de uma

identidade essencialmente social, produto e produtor da massa, do povo, das

classes. É no processo de comunicação que a consciência incorpora a lógica das

relações dialógicas. Desde o desenvolvimento da prensa, do rádio, da televisão, do

cinema e, mais recentemente, da internet, a cultura tem se transformado

profundamente, e, ao mesmo tempo, resistido em tradições.

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Cabe também definir conceitos importantes na obra de Bakhtin. O signo, para

a autor, é o elemento material da linguagem. Qualquer elemento material pode

adquirir um sentido fora de sua existência própria, constituindo-se como símbolo e

adquirindo um valor ideológico. O signo é produto da interação social, uma

representação simbólica da realidade que não é necessariamente fidedigna. Nas

palavras do autor “um signo não existe apenas como parte de uma realidade; ele

também refrata e reflete uma outra. Ele pode distorcer essa realidade, ser-lhe fiel, ou

apreendê-la de um ponto de vista específico etc. Todo signo está sujeito aos

critérios de avaliação ideológica” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006, p.22). Assim, os

campos de representação simbólica são ideológicos, como o cultural, o científico, o

religioso ou o jurídico, pois, de modo próprio, cada um se orienta para a realidade,

refratando-a e refletindo-a.

Bakhtin rejeita a ideia de que o signo ideológico seja uma produção individual

da consciência, ele é essencialmente social e manifesta-se sempre através de um

material semiótico, como o discurso interior faz pela palavra. A própria consciência é,

então, de natureza social, repleta de signos aprendidos e re-significados,

constituindo-se num fator sócio ideológico. Assim, nas relações sociais, os signos se

constituem contraditórios, dialéticos, característica que o autor denomina como

plurivalência social. Essa característica deve-se aos confrontos de “índices de valor

contraditórios” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006, p. 37), uma expressão da luta de

classes. Assim, todo signo é contraditório, uma arena onde se expressam as lutas

sociais, no entanto:

Essa dialética interna do signo não se revela inteiramente a não ser nas épocas de crise social e de comoção revolucionária. Nas condições habituais da vida social, esta contradição oculta em todo signo ideológico não se mostra à descoberta porque, na ideologia dominante estabelecida, o signo ideológico é sempre um pouco reacionário e tenta, por assim dizer, estabilizar o estágio anterior da corrente dialética da evolução social e valorizar a verdade de ontem como sendo válida hoje em dia. Donde o caráter refratário e deformador do signo ideológico nos limites da ideologia dominante (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006, p. 38).

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É preciso considerar, no entanto, que as relações sociais de que Bakhtin fala

ultrapassam a esfera do diálogo imediato, face a face. Quando o sujeito produz

enunciados, o faz através de signos que viajaram pelo tempo: a língua que

aprendeu, os livros que leu, os filmes que viu, as pessoas com que conviveu,

mesmo havendo rupturas ideológicas, ela se constrói a partir de uma realidade

material historicamente constituída. O dialogismo é, então, inerente ao enunciado,

como explica Faraco (2013):

Para haver relações dialógicas, é preciso que qualquer material linguístico (ou de qualquer outra materialidade semiótica) tenha entrado na esfera do discurso, tenha sido transformado num enunciado, tenha fixado a posição se um sujeito social. Só assim é possível responder (em sentido amplo e não apenas empírico do termo), isto é, fazer réplicas ao dito, confrontar posições, dar acolhida fervorosa à palavra do outro, confirmá-la ou rejeitá-la, buscar-lhe um sentido profundo, ampliá-la. Em suma, estabelecer com a palavra de outrem relações de sentido de determinada espécie, isto é, relações que geram significação responsivamente a partir do encontro de posições avaliativas (FARACO, 2013, p.65).

Portanto, o enunciado não pode ser reduzido às vozes sociais que o compõe,

o sujeitonele se expressa, único, inacabado e contraditório. Compreender um

enunciado significa orientar-se e posicionar-se em relação a ele, toda compreensão

ativa “contém em si o germe de uma resposta” (BAKHTIN/VOLOCHINOV, 2006, p.

135). A significação não é propriedade do falante nem do interlocutor, mas é o

produto de sua interação, resultado do diálogo.

Assim como o dialogismo, a alteridade é um conceito estruturante na obra de

Bakhtin. Todo sujeito que enuncia o faz em direção a um outro com quem

estabelece identidade e diferenças:

O indivíduo não tem apenas meio e ambiente, tem também horizonte próprio. A interação do horizonte do cognoscente com o horizonte do cognoscível. Os elementos de expressão (o corpo não como uma materialidade morta, o rosto, os olhos, etc.); neles se cruzam e se

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combinam duas consciências (a do eu e a do outro); aqui o eu existe para o outro com o auxílio do outro (BAKHTIN, 2003, p. 394).

Nesse encontro, o eu e o outro produzem, cada um, enunciados que

manifestam uma visão exotópica de seu interlocutor. Bakhtin dedica boa parte de

sua reflexão à questão do excedente de visão (BAKHTIN,

2003;BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006) partindo, sobretudo, da relação entre autor e

personagem: “a consciência do autor é a consciência de uma consciência, ou seja, é

uma consciência que engloba e acaba a consciência do personagem e de seu

mundo (...)” (BAKTIN, 2003). Essa experiência evidencia nossa incompletude e

constitui o Outro como uma possibilidade, sempre inalcançável, de completude.Na

vida real não existem autores, todos somos sujeitos, incapazes de viver plenamente

a experiência do Outro. Assim, todos nós produzimos do Outro uma imagem que ele

mesmo não é capaz, uma imagem construída por uma experiência única de relações

sociais.

Assim, na experiência das relações sociais, os sujeitos se constituem e

constroem a história dialeticamente, em processos de comunicação. A cultura é a

síntese do trabalho e das relações sociais, um fragmento de uma realidade

construída historicamente. O conceito de trabalho que utilizo aqui tem tradição

marxista: o trabalho é uma condição para a existência do homem, em qualquer

sistema social, pois é a própria mediação de sua relação dialética com a natureza.

Na sociedade capitalista, a força de trabalho tem valor de mercadoria, é assalariada,

segmentada e alienada. Dialogando com a perspectiva bakhtiniana, a linguagem é

uma condição elementar para o trabalho. Por meio do signo, um elemento material,

a consciência humana se constrói e reconstrói, através dele a humanidade exerce

influência sobre o outro e o mundo.

Bakhtin não desenvolveu nenhum trabalho dedicado ao cinema, porém, sua

filosofia da linguagem permitiu a continuidade dos estudos, pensando, agora, a

linguagem cinematográfica. Para Robert Stam (1992), em um filme é possível

realizar análises à luz de conceitos bakhtinianos, apropriando-se de sua ideia de

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uma linguagem politizada e da arte enquanto produto dialógico. O autor trabalha

especialmente com o conceito de Carnavalização, utilizando-o na análise do cinema

brasileiro, impregnado de valores culturais associados ao carnaval. Desde as

Chanchadas até o Cinema Novo, o autor vê no cinema nacional uma aproximação

do que Bakhtin vê na literatura Russa de Rabelais e Dostoievski: o dialogismo como

paradigma próprio de sua condição de linguagem periférica. Os filmes, assim como

os livros, carregam em seus signos fragmentos da realidade em que foram

construídos, revelando concepções, relações de poder. O modo como um

personagem fala, como se veste, como se comporta em relação aos demais, a forma

como os diferentes grupos sociais são representados, quem fala, de quem fala e

como fala um documentário, por exemplo, são sempre fragmentos materiais de seu

contexto de produção. A imagem em movimento, em sua semiótica própria, revela

identidades e alteridades.

Assim, como propõe Martín-Barbero (2000), compreender o que é cinema

exige ultrapassar o produto e pensar sobre os processos de produção. Jean-Claude

Bernadet (2000) faz uma necessária observação: em torno do cinema existe uma

complexa trama social que envolve artistas, empresas, investidores, expectadores,

cineclubistas, profissionais de imagem e som etc. O cinema não pode ser reduzido

ao filme, ele é uma rede de relações sociais e de poder, sendo o mercado quem

regula a produção e a distribuição de filmes. As elites que detêm este negócio,

dominando seu modo de produção, ao mesmo tempo em que acumulam capital,

“criam uma atmosfera cultural à sua imagem” (BERNADET, 2000, p. 16). O cinema

se consagrou como um dos mais rentáveis segmentos da indústria cultural durante

todo o século XX, tendo em Hollywood seu principal polo de produção. Seguindo o

modelo de narrativas simples, lineares, cheias de cenas de ação, nudez feminina e

finais felizes, o cinema hollywoodiano é responsável por boa parte da produção

cinematográfica mundial e é, sem sombra de dúvidas, o cinema mais presente no

cotidiano de milhões de pessoas através do globo.

Concordo com Stam ao afirmar que: “quando não existe uma autêntica rede

de interesses, as relações de poder determinam as condições de encontro social e

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de intercâmbio linguístico” (STAM, 1992, p. 65). Ainda hoje, participar da criação no

cinema é privilégio, e mesmo em meio ao público há uma estratificação com relação

aos meios pelos quais acessam os filmes. Ir a uma sala de cinema no Brasil,

atualmente, significa quase sempre ir ao shopping, um ambiente que está presente

somente em regiões mais urbanizadas e onde a valorização dos sujeitos é baseada

no seu aparente poder de compra. Não é difícil perceber, com uma rápida pesquisa

na internet e algumas visitas a áreas de comércio popular, que a pirataria é uma

importante forma de acesso da classe popular a obras fílmicas, uma vez que os

custos de um DVD copiado ilegalmente ou do acesso à internet são muito mais

baratos que cópias originais. Estas cópias fornecem os custos com o trabalho de

todos os profissionais envolvidos, o lucro das empresas que produzem os filmes e o

pagamento dos impostos gerados. Os canais abertos de TV também exibem filmes

diariamente, um acervo composto principalmente por filmes comerciais

hollywoodianos.

Assim, compreender o cinema é também compreender sua relação com o

público, com os sujeitos que constituem a massa. Quase diariamente milhares de

sujeitos no Brasil saem de casa com um mesmo objetivo: lecionar para crianças e

jovens. Sujeitos de contextos que se aproximam e se distanciam, em um país de

dimensões continentais, onde a cultura se manifesta repleta de particularidades

regionais. Uma cultura marcada pela colonização, que ainda carrega as heranças da

monarquia, da escravidão, das ditaduras e de todas as lutas sociais pelo direito ao

trabalho digno e pela distribuição dos bens produzidos por ele. Uma cultura que tem

na escola, atualmente, um lócus privilegiado de construção, e nos professores,

sujeitos-chave desse processo.

Quando o sujeito professor inicia a aula, no entanto, não o faz sozinho,

representa ali uma síntese de continuidades e rupturas com o discurso de outros

cotidianos históricos. Refletem-se e refratam-se, em uma aula, signos diversos:

científicos, religiosos, artísticos, matemáticos, filosóficos, todos, por natureza,

ideológicos. Assim como quando não está lecionando, este sujeito não abandona

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completamente sua condição docente, seu discurso e suas práticas culturais são

mediadas pela sua condição de professor.

Não é, portanto, de docência de que trata este trabalho. Trata-se do sujeito

que a desempenha. Trata-se dos sujeitos professores de Tiradentes, sua relação

com a Mostra de Cinema da mesma cidade enquanto recorte da relação dos

professores com a cultura em seu tempo livre. O próximo capítulo, então, é dedicado

à compreensão desse sujeito professor e sua relação com o tempo livre.

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3 PROFESSORES: SUJEITOS SÓCIO-CULTURAIS

3.1 Notas sobre a condição docente: trabalho e tempo livre

O sujeito em questão nesta pesquisa desempenha na sociedade uma função

profissional específica: a docência. Os professores, como todos os sujeitos, são

constituintes e constituídos dos processos sócio-históricos da sociedade. São

sujeitos de diferentes classes, gêneros, idades, concepções de mundo e educação,

que compõem uma categoria de profissionais com determinadas condições de

trabalho. Um conjunto de pessoas com diferentes formações profissionais e

culturais, perpassando sertões, litorais, serras, planícies, várzeas etc. Sujeitos que

fizeram e fazem acontecer a educação enquanto contrato social, projeto de país. Em

meio a dificuldades das mais variadas ordens, esses sujeitos alfabetizam, ensinam

ciências, artes, esportes, ofícios etc. para milhões de estudantes. A educação, que é

processo fundamental do homem, intrínseca ao devir humano, tem, na escola, sua

institucionalização e formalização e, no professor, seu sujeito de ação. Entende-se

assim, o porquêde a educação pública brasileira ser de interesse de instituições

como o Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional.

Inês Teixeira (1996) sugere três ordens de circunstâncias que singularizam o

sujeito sociocultural professor: a relação professor-aluno, a instituição escolar e suas

consequências sobre a condição docente e a especificidade do tempo na vida do

professor (TEIXEIRA, 1996). Professores e alunos são sujeitos que só existem em

sua relação, que é mediada pelo conhecimento. A escola é o lócus específico dessa

relação, instituição na qual se materializam as concepções de educação do Estado e

da sociedade de maneira geral, um campo de disputas de poder que se traduzem

em currículos, metas, avaliações etc., que têm atuado cada vez mais no sentido de

regular a profissão docente. Diante dessa realidade, os professores se configuram

como uma categoria profissional com uma organização singular de seu tempo.

Diferente de outras categorias, que têm jornadas fixas, os professores são

contratados e remunerados segundo o número de aulas que promovem, realidade

que tem feito com que grande parte desses profissionais assumam uma grande

quantidade de aulas, a fim de obter uma remuneração digna. O trabalho fora das

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salas de aula, relacionado à preparação de aulas e avaliação da aprendizagem,

é,muitas vezes realizado em horários não contabilizados em sua carga horária de

trabalho formal, sobrecarregando os professores ainda mais e comprometendo tanto

sua qualidade de trabalho quanto o tempo que deveria lhe ser livre.

A gestão do tempo tornou-se uma estratégia mercadológica, em função de

aumentar a produção, e essa razão gestionária impacta também o trabalho docente.

Apple (1995) aponta que a proletarização também ocorre com os trabalhadores da

educação. O próprio tema de que trato aqui traz um reflexo da centralização do

poder na educação brasileira, uma vez que o cinema tornou-se componente

curricular obrigatório em todas as escolas do país, por meio de uma alteração na Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (1996)2, que determina inclusive o

número mínimo de horas que a atividade deve durar. No Estado de Minas Gerais há

um exemplo do controle técnico que o estado exerce sobre o trabalho docente. O

Currículo Básico Comum regula os conteúdos a serem ensinados na educação

básica, chegando a indicar o número de aulas que devem ser dedicadas a cada

conteúdo, cerceando a autonomia do professor e da comunidade escolar em

construir seu próprio currículo.

Wanderson Alves (2012) problematiza a relação trabalho-gestão partindo das

reformas realizadas no Estado de São Paulo, no início dos anos 1990, quando

instauraram a carreira meritocrática e o pagamento por desempenho. A lógica é de

que a gratificação motivaria os docentes e a premiação por mérito seria um critério

de justiça. Essas reformas representam uma tentativa de “modernizar” a

administração pública segundo a lógica da gestão em setores privados, o que

implicaria obrigatoriamente em delimitar, mensurar e quantificar os resultados do

trabalho dos professores. Lógica esta que surgiu nos Estados Unidos e se espalhou

pelo mundo, com a promessa de modernizar e racionalizar as ações do estado. Uma

corrente da administração (movimento conhecido por New Public Management), que

ganhou força nos anos 1970, com a “inovação” de trazer para a esfera pública

2 Lei 13.006/14 de autoria do senador Cristovam Buarque.

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ferramentas e modelos de gestão no setor privado. Alves (2012) explica como essa

lógica projeta o trabalho:

[...] a separação entre regulação e concepção de sua realização [do trabalho]; como a noção de concorrência é introduzida supondo aumento de eficácia/eficiência: baixar custos e melhorar padrões pela concorrência; como autonomia e responsabilização vão sendo incessantemente conjugadas: autonomia e accountability. Tudo isso – destaque importante – exaltando o modelo de gestão do mundo dos negócios: valorizar instrumentos de gestão exitosos no setor privado, acrescendo sistemas de gestão por objetivos, sistemas de aferição de resultados quantificáveis (o que resultará em uma profusão de indicadores) e remuneração ligada ao desempenho (ALVES, 2012, p. 43).

A razão gestionária traz consigo, porém, uma série de contradições de base.

A primeira é a que se refere à incapacidade de racionalizar algo tão complexo

quanto as relações humanas, que são, afinal, o trabalho de fato. Ao simplificá-las,

trazem-se consequências para o projeto da instituição, desperdiçando a

competência humana ou sacrificando as condições laborais e de saúde e de tempo

livre dos trabalhadores.

As reformas educacionais que se iniciaram no início da década de 1990 não

são uniformes e ainda não se conhecem bem seus impactos sobre a educação. Ao

mesmo tempo em que se observa a implantação de políticas que acentuam a

precarização do trabalho docente, observa-se também a existência de medidas de

valorização, como é o caso da Lei Federal do Piso Salarial Profissional Nacional dos

Professores e as Diretrizes Nacionais para a Carreira do Magistério. A Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), ou Lei 9394/1996, é um importante

marco do direito à educação pública no Brasil, tendo as reformas educacionais

promovido um significativo aumento de matrículas escolares. A LDB especificou os

pilares da valorização docente ao determinar a obrigatoriedade do concurso público

para ingresso na carreira, o direito à licença remunerada para formação continuada,

a progressão por titulação ou habilitação, integração de horas para estudo,

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planejamento e avaliação na carga de trabalho e condições laborais adequadas

(OLIVEIRA&VIEIRA, 2012).

A democratização do ensino em si não pode ser apontada como responsável

pela intensificação do trabalho docente, é preciso considerar que esta se

desenvolveu em um cenário de contenção de gastos e restrição de recursos

(ASSUNÇÃO&OLIVEIRA, 2009). É preciso considerar, no entanto, que com a

entrada de setores sociais que antes não frequentavam a escola, ampliaram-se

também as demandas e a crítica externa à escola, uma vez que ela passou a ser

vista como responsável pela ascensão social das camadas mais pobres

(LÜDKE&BOING, 2007; ASSUNÇÃO &OLIVEIRA, 2009).

Neste cenário, o professor se vê obrigado a desenvolver novas habilidades

que ultrapassem a atividade em sala de aula, como o relacionamento com a família

dos alunos, a participação na gestão escolar, a aplicação das avaliações nacionais e

estaduais de desempenho, entre outras. A intensificação do trabalho docente leva os

professores a trabalhar sob pressão temporal e obriga-os a adotar um modo

operatório mais rápido de responder a situações imprevistas, colocando em segundo

plano sua saúde corporal e a qualidade das relações na sala de aula.Além de danos

à saúde, como uso excessivo da voz e esforço repetitivo, essa situação provoca

também a sensação de fracasso quanto aos objetivos de seu trabalho

(ASSUNÇÃO&OLIVEIRA, 2009; OLIVEIRA&VIEIRA, 2012).

As condições de trabalho são também determinantes na configuração do

tempo livre desses sujeitos. Alguns estudos relacionados ao tempo livre de

professores já vem sendo realizados no Brasil (PAVAN, 2004; PAVAN, 1999;

SAGRILLO, 2015; SILVA, 2014; SILVESTRE 2016; TENÓRIO DA SILVA, 2011),

embora ainda seja uma questão em início de desenvolvimento.

As extensas jornadas de trabalho e a remuneração insatisfatória afetam o

tempo livre desses sujeitos, que muitas vezes é invadido por tarefas não terminadas

no tempo de trabalho, o cuidado da casa e dos filhos, sobretudo para as mulheres,

ou ainda é transformado em mais trabalho por uma segunda atividade laboral que

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complemente sua renda. As atividades de lazer, muitas vezes, são no âmbito

doméstico: assistir à televisão, ver filmes, socializar com amigos (SILVA, 2014). A

indústria cultural dispõe a esses sujeitos aqueles produtos que menos lhe custam

tempo, energia e dinheiro.

3.2 O professor em seu tempo livre: relações com o cinema

São poucas as informações e estudos sobre práticas culturais de professores

e professoras, sobretudo em relação ao cinema ou acesso e utilização de filmes

cinematográficos. No projeto de investigação Enredos da Vida, Telas da Docência:

os/as Professores e o Cinema3, identificaram-sealgumas tendências que pautam a

relação do professor com o cinema a partir da análise de um extenso questionário

distribuído a diferentes professores em diferentes regiões do Brasil. Nesse estudo,

foram sistematizados os dados relacionados ao cinema na vida pessoal de

professores e professoras e também sua relação com os filmes cinematográficos no

contexto da sala de aula. Para nossa pesquisa, faz-se importante compreender

como esses professores vivenciam o cinema em suavida pessoal, ou seja, em seu

tempo livre.

Segundo essa pesquisa, os professorescostumamassistira filmes

principalmente em suas residências, pela televisão ou internet, sendo que não vão

ao cinema com frequência. Embora essa seja uma situação comum a outros

trabalhadores, deve ser considerada a singularidade da condição de vida e trabalho

já colocada anteriormente, como tempos e recursos escassos, mas a pesquisa

também enfatiza aspectos cultuais como “maior ou menor tradição de acesso,

3 Essa pesquisa foi realizada por meio de trabalho em equipe envolvendo grupos diversos no Brasil, a

citar: o Grupo de Pesquisa Cinema e Audiovisual: memória e processos de formação cultural (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Imaginário Social (Universidade Federal de Santa Maria); o Grupo de Pesquisa Linguagem, Interação e conhecimento (Universidade Federal de Juiz de Fora); o Grupo de Pesquisa sobre Condição e Formação Docente (Universidade Federal de Minas Gerais); o Programa Caleidoscópio: Projeto Luz Câmera, Educação (Universidade Federal de Ouro Preto) e o Mutum: Educação, Docência e Cinema (Universidade Federal de Minas Gerais).

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contato e intimidade com os bens culturais legitimados, assim como seu habitus4,

sua herança cultural e outros fatores pertinentes a sua formação e repertório

cultural, além de aspectos mais estruturais, ligados a políticas culturais” (AZEVEDO

et. al, 2017, p. 33).

A maioria dos professores assiste a filmes sozinhos e, quando

acompanhados, o fazem por familiares, o que pressupõe, segundo Teixeira

apudAzevedo(2017), uma rede de sociabilidade restrita, possivelmente associada a

sua extensa carga de trabalho que compromete sua convivência familiar. Em relação

ao repertório fílmico, essa pesquisa apresentou um panorama que sugere uma

restrição neste repertório, prevalecendo a hegemonia do cinema comercial,

sobretudo produções hollywoodianas.

4 O conceito de habitus foi cunhado por Bourdieu e expressa, segundo Maria Alice Nogueira (1989, p.

4), ”esquemas estruturados de percepção, pensamento, ação, formados a partir dos modos de viver e de pensar das diferentes classes sociais, e que se traduzem por predisposições ou disposições duráveis em direção a ação”.

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4 O CRONOTOPO: MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

4.1 Tiradentes: o turismo a mostra

A cidade de Tiradentes, situada na região das Vertentes, estado de Minas

Gerais é um conhecido ponto turístico do estado. Famosa pelo seu patrimônio

histórico-cultural a cidade possui um extenso calendário cultural do qual faz parte a

Mostra de Cinema.Para pensar as particularidades de Tiradentes, bem como da

Mostra de Cinema, que coloco em questão, proponho a utilização do conceito de

cronotopo (BAKHTIN, 1993). O cronotopo é uma categoria que expressa a relação

tempo-espaço como inseparáveis e, no texto literário,se faz necessária para

reflexões entorno das relações dialógicas em um romance, no qual constitui sua

forma e conteúdo. Está também intrinsecamente ligado ao gênero discursivo, ou

gêneros discursivos de um enunciado, assim como seu modo de recepção e

produção, conformedestaca Alves (2012).

Adaptado da Matemática e das teorias da relatividade de

Einstein para os estudos da linguagem, o conceito bakhtiniano de cronotopo

conserva em si a indivisibilidade de espaço e tempo, e, ao introduzi-lo no contexto

da filosofia da linguagem, liga-o à sua ideia de gêneros do discurso. Como, para

Bakhtin, sujeito e discurso são inseparáveis, uma vez que “a língua penetra na vida

través de seus enunciados concretos, e é também através dos enunciados

concretos que a vida penetra na língua” (BAKHTIN, 1997, p.282), os gêneros do

discurso são a materialização de uma relativa estabilidade própria, mas não

determinante, dos enunciados. Orais ou escritos, os gêneros são construídos nas

relações dialógicas, ou seja, são dinâmicos e alteram-se pelas práticas culturais dos

sujeitos, constituindo-se também como expressão de um determinado cronotopo.

Conforme Alves (2012), cada gênero do discurso pressupõe um cronotopo no qual

os sujeitos estabelecem suas relações dialógicas.Isto implica que o conceito de

cronotopo precisa ser diferenciado de contexto e evento, e, na literatura, envolve um

modo de narrar que não é cronológico, mas uma articulação entre tempo, espaço e

valor(SMOLKA apud CAPISTRANO, 2010).

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Podemos pensar, então, que estes conceitos podem nos auxiliar na

compreensão do problema de pesquisa colocado, uma vez que a Mostra de Cinema

de Tiradentes se constitui como o cronotopo do encontro. Um encontro que é

também com o cinema. É o espaço do acontecer do cinema, um acontecer que se

pretende festa, mas se constitui em espetáculo no contexto da indústria cultural. O

festival de cinema tem se constituído como vitrine para o turismo na cidade de

Tiradentes, assim como os demais eventos que completam o calendário anual da

cidade, como o Foto em Pauta e o Festival de Gastronomia.

A turística e pequena Tiradentes é conhecida internacionalmente, se

estabelecendo como um dos principais destinos de viajantes do Brasil e do exterior.

Nela, coexistem o trabalho e a festa: o primeiro, oferecido como serviço àqueles que

procuram por uma oportunidade de fuga do cotidiano.Tiradentes preserva a estética

do período colonial em igrejas, ruas, casarões, prédios públicos e guarda também

certas semelhanças éticas, sobretudo no que diz respeito às relações de trabalho.

Não é incomum entre os trabalhadores do turismo, sobretudo aqueles que lidam

diretamente com os turistas nos inúmeros restaurantes, bares, pousadas, hotéis etc.,

ouvir histórias de jornadas extensas de trabalho em condições nem sempre

adequadas e assédio moral por parte de patrões e turistas. O turista de Tiradentes,

predominantemente de classe média e alta, é atraído pela oferta cultural da cidade,

que além da arquitetura colonial, oferece música, teatro, fotografia, cinema e

gastronomia, colocando a cidade no mapa nacional do turismo chamado “cultural”.

O Turismo Cultural, cada vez mais organizado e viabilizado pelo marketing,

conhece bem seu público alvo: sujeitos com alto índice de escolaridade e poder

aquisitivo acima da média. Entre eles, alguns têm na cultura seu fator maior de

motivação para a viagem, reconhecendo-se como turistas culturais, enquanto para

outros a motivação cultural é secundária, em detrimento à busca pelo contato com a

natureza ou negócios, por exemplo (PEREIRO, 2016 e PÉREZ, 2009).

A Mostra de Cinema forma, junto a outros eventos, a arquitetura e outras

tradições da cultura mineira um contexto no qual opera a indústria cultural,

configurando o gênero de atividade “turismo cultural”. O Ministério do Turismo (2008,

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p.16) conceitua turismo cultural como “a vivência do conjunto de elementos

significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais, valorizando e

promovendo os bens materiais e imateriais da cultura”. Em tempos de globalização

do turismo, a cidade recebe principalmente europeus, norte-americanos e

argentinos, confirmando, como afirma Campos (2013), as tendências de atração

ligadas à proximidade geográfica e a níveis socioeconômicos e culturais. A autora

relata ainda o que chama de processo de “gentrificação incompleta” que ocorrera na

cidade, que, assim como em outras cidades do mundo, viu sua região central ser

ocupada por sujeitos vindos de outras localidades, ocupando o centro histórico e

impulsionando a mudança da população local para as periferias. A nova população,

dotada de maior renda e escolarização que os nativos, trouxe consigo suas

concepções de lazer e cultura que construíram a atual Tiradentes como destino

turístico, sendo que os grandes eventos, entre eles a Mostra de Cinema, foram

fundamentais nesse processo.

A pequena cidade de pouco mais de cinco mil habitantes passou por uma

intensa mudança nos anos 1990, quando a Fundação Roberto Marinho, ligada às

organizações Globo, fez investimentos na infraestrutura da cidade. Nessa década,

várias obras para a televisão foram gravadas na cidade, como a minissérie Hilda

Furacão e os filmes O Menino Maluquinho e Amor e Cia, fazendo de Tiradentes uma

cidade ainda mais conhecida e reconhecida por sua beleza e riqueza cultural e

ambiental. A construção de Tiradentes como a cidade que é hoje seguiu os moldes

de inúmeras outras cidades turísticas: o centro histórico da cidade foi dominado por

estabelecimentos comerciais de proprietários advindos de outras localidades e a

população local pouco se integrou às atividades comerciais ou culturais envolvidas

no turismo. A classe média alta é o público alvo do turismo em Tiradentes, como fica

claro em todo o discurso produzido pelo comércio da cidade, desde a arquitetura até

seus eventos cotidianos e culturais, como discutem Bolson, Ferreira e Filho (2006),

que destacam o papel da Fundação Marinho no processo. Quase toda a cidade está

marcada pela intervenção, incluindo o Centro Cultural Yves Alves, o Museu do

Padre Toledo e o Largo das Forras.

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Além da Mostra de Cinema, a cidade recebe outros grandes eventos ligados à

arte, como o Festival de Fotografia, o Festival de Teatro, o Festival Internacional de

Cultura e Gastronomia, o Festival Artes Vertentes, o Festival de Blues e Jazz e

eventos religiosos tradicionais da população local, como a Festa da Santíssima e a

celebração de Corpus Christi. Em uma cidade construída com a criatividade, o suor

e o sangue negro, nenhum de seus eventos, religiosos ou artísticos, são

essencialmente representativos da cultura afro-brasileira.

Observei, em minha experiência enquanto pesquisadora, que entre os

estabelecimentos há diferentes políticas de relação com os cidadãos da região.

Durante as mostras, fui a alguns desses ambientes e algumas vezes fiquei surpresa

ao notar que a tão falada hospitalidade não está disponível para trabalhadores

locais. Em outros, há um esforço em atrair os moradores, oferecendo descontos e

voltando a esse público esforços publicitários. Em conversa com garçonetes,

descobri que muitos desses estabelecimentos consideram a Mostra de Cinema um

evento ruim, por ser o que atrai maior número de pessoas com baixo poder

aquisitivo, o que é associado também a festa da Santíssima, um dos poucos eventos

de raiz popular e local.

No que se considera “cultural” no turismo em Tiradentes, há intrínseca uma

ideia de alta e baixa cultura. O marketing divulga a cidade como destino para os

amantes das artes: o cinema, a fotografia, o blues; e também da alta gastronomia.

A cidade Tiradentes não passa despercebida no estado de Minas Gerais. Um

caminhar pela cidade e já se nota um dos principais motivos: os fragmentos de

outros tempos e outros sujeitos estão materializados em casas, igrejas, ruas e

monumentos antigos. Numa infindável contradição, é também uma cidade

incrivelmente contemporânea, sobretudo no que diz respeito à atividade artística e

gastronômica.A arquitetura histórica convive com a contemporaneidade

materializada em artesanatos, cerâmicas, fotografias, filmes e pratos culinários,

elementos que atraem turistas de todo o Brasil e do mundo.

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Tiradentes de fato possui algo de mágico e encantador que nos seduz, joga

com nossa subjetividade, provocando uma necessidade incorrigível do ser humano:

o Outro. Os Outros, de outros tempos, que deixaram marcas na arquitetura e

também na política de Minas Gerais e do Brasil, tendo ou não seus nomes gravados

e imortalizados pela história. Tiradentes, o Joaquim José da Silva Xavier, ao passo

que enaltecido e reconhecido mártir da Conjuração Mineira, também marca uma

interpretação da história que apaga e silencia processos sociais coletivos, os quais

constituem de fato a materialidade histórica. A cidade que leva o nome do famoso

personagem tem suas particularidades, mas também compartilha generalidades com

outras cidades brasileiras, sobretudo com aquelas com as quais guardava relações

entorno do ouro e outros elementos minerais de interesse comercial desde os

tempos de colonização europeia. As tradições culinárias e religiosas e a arquitetura

colonial, são, por exemplo, elementos presentes e emblemáticos em cidades como

Ouro Preto, Mariana e Diamantina, que junto a Tiradentes e outras cidades do

estado do Rio de Janeiro e São Paulo formam o complexo histórico denominado

Estrada Real.

Os roteiros turísticos mineiros possuem em comum a exploração da natureza

e do modo de vida rural especialmente os ligados à Estrada Real. Como negar que

de fato a natureza é exuberante num estado de dimensões territoriais tão grandes e

diversas. Veredas, sertões, cerrados, caatingas. Cronotopos de Milton Nascimento,

Guimarães Rosa, Lô Borges. Há, sim, em Minas, uma calmaria que contrasta com a

velocidade que se pretende hegemônica no mundo atual, cronotopos únicos onde o

tempo demora a passar, onde deixa cidades se historificarem, mas nunca imunes ao

passar do tempo. A maravilha do cerrado, o bioma que ousa comungar com o fogo,

numa dialética incansável de construção/desconstrução em que um sistema se fez

capaz de se recompor, se regenerar e se renovar depois de queimadas violentas.

Não de forma idêntica, mas da forma mais adaptável possível. O nome Minas Gerais

ainda nos é adequado, pois produzimos para o mundo diversos minerais essenciais

à vida moderna. Aqui, se instalam muitas mineradoras, levam montanhas, criam

crateras e, lamentavelmente, mataram o Rio Doce, uma das fronteiras de minha

cidade natal, já há tempos castigado pelas atividades industriais.

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A mineração também financia a cultura, assim como financia a Mostra de

Cinema de Tiradentes, mas nenhuma “Mostra de Cinema de Belo Oriente” ou de

tantas outras cidades mineiras e mineradas.

A maravilhosa Serra de São José, exuberante em sua natureza, é local de

paisagens encantadoras. Plantas belíssimas, cachoeiras e pedras talhadas pelo

vento ajudam a compor um cenário que faz bem aos amantes da natureza, dos

esportes de aventura ou aqueles que procuram um alívio das conturbações da vida

urbana. Foram também essas características que atraíram a Rede Globo para

gravações na região e consequentemente a Fundação Roberto Marinho que

catalisou o desenvolvimento comercial na região nos anos 90.

A Estrada Real representa hoje a mais extensa rota turística do Brasil. O

cenário da colonização portuguesa foi editado e em meio a esforços pela

sistematização de aspectos tradicionais da cultura, pormenoriza, por um lado, a face

de uma história cruel de escravidão do povo negro e da colonização e extermínio da

população indígena e, por outro lado, romantiza o tradicional modo de vida da

família mineira, encobrindo seu inegável traço racista, machista, misógino, e

lgbtfóbico. A culinária mineira, marcada por elementos tradicionais da vida rural,

como a galinha e o porco caipira, o fogão à lenha, as panelas de ferro e cobre, o

modo artesanal de preparo, é de fato difícil de qualificar. Neste momento, o simples

fato de recordar essas iguarias presentes no meu cotidiano familiar, o qual

abandonei no ano de 2010 em virtude dos estudos, fazem encher d‟água não só

minha boca mas também meus olhos. A tradicional culinária mineira, que me perdoe

as ciências biológicas, é uma necessidade fisiológica que me toma frequentemente,

e saciá-la requer um tempo, um modo de vida ou dinheiro para acessá-las no

comércio gastronômico. O preço de uma galinha caipira, em detrimento a uma ave

criada em cativeiro, inviabiliza a realização de dois dos principais pratos mineiros: o

frango com quiabo e a galinhada. Torresmo e todas as outras partes gordurosas que

compõe os pratos mais tradicionais, como a feijoada, o suã de porco ou mesmo a

famosa canjiquinha com costela não combinam com uma cozinha pequena de

apartamento apertado, muito menos com uma hora de preparo de almoço entre

estudo ou trabalho integrais. No tempo em que o trabalhador mineiro é recrutado

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pelo trabalho industrial, inclusive no “chão das fábricas” do minério, o modo de vida

que vai deixando para trás se torna artigo de atração de trabalhadores melhores

remunerados para o turismo em Minas Gerais.

Um dos grandes argumentos do setor turístico para captação de recursos

públicos para realização desses eventos é a geração de empregos na cidade. De

fato, muitos jovens começam a trabalhar na cadeia turística ainda enquanto

estudam. A demanda cresce ainda mais durante os eventos, dado o aumento de

turistas na cidade. A aproximação entre cinema e turismo é atestada por estudos

como o de Ruiz (2015), que trabalha com o conceito de Turismo Cinematográfico.O

autor conceitua o Turismo Cinematográfico como uma categoria do Turismo Cultural

e analisa seu impacto no desenvolvimento econômico da cidade de Huelva, na

Espanha. De um ponto de vista quantitativo, o autor considera que o Festival de

Cine Iberoamericano de Huelva impacta positivamente o desenvolvimento

econômico local, apontando para a necessidade de estudos qualitativos para

compreender e orientar as relações entre o turismo e a cidade. As autoras Campos,

Brea e Gonzáles (2013) estudam o chamado „consumidor turístico cinematográfico‟,

também na Espanha. Esses artigos demonstram a organização do turismo cultural

cinematográfico como segmento da indústria cultural, ao lado de outros segmentos

como o turismo de “sol e praia”, o “esportivo” e o de “negócios e congressos”

(CAMPOSet. al, 2003). Os autoresdissertam que essa segmentação é uma resposta

à dificuldade do mercado em atender a todas as necessidades dos consumidores

em apenas um produto ou serviço, sobretudo daqueles mais ricos e, na

compreensão do autor, mais exigentes. Adorno (1996) reconhecia na segmentação

da indústria cultural uma tendência inerente a seu estilo, cujo objetivo se encerra em

agradar imediatamente o público, ainda que para tal valha-se de parte de uma obra

de arte autêntica, revelando-a como repetição e utilizando-a como especulação do

gosto do público, conforme Duarte (2010). Para Ramos (2012), a segmentação é

característica do consumo contemporâneo, que, embora ainda dedicado às massas,

é diferenciado segundo as demandas e preferências de segmentos ou grupos que

se individualizam cada vez mais.

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Assim, não é possível compreender a Mostra, e as relações que os

professores da cidade estabelecem com ela, separando-a do contexto da indústria

cultural. É esse o modo de produção cultural que caracteriza nosso tempo e imprime

suas marcas nos espaços, sejam eles as cidades, as escolas, as residências

particulares ou o Cine-Tenda, montado pela Universo Produção para a realização

das Mostras.

4.2 A Mostra de Cinema

A Mostra de Cinema de Tiradentes é um evento já consolidado no calendário

do cinema nacional, chegando a sua vigésima edição no ano de 2017. O evento é

viabilizado financeiramente por meio de parcerias público-privadas, materializando

um relacionamento entre cinema e Estado que foi reconstruído no Brasil durante os

anos 1990. Nesse período, as políticas para o cinema, mesmo passando por

algumas modificações, num cenário político com um impeachment e três presidentes

diferentes, mantiveram uma base comum: o incentivo à indústria cultural como meio

de produção de entretenimento.

Esse modelo de produção cultural se desenvolveu no país após a abertura

democrática e implícito a ele está a ideia de cultura como um bem de mercado, a

parceria público-privada representou o modus operandi de viabilizar

economicamente esse modelo de produção. Duas leis sintetizam a ação do governo

no sentido de viabilizar essa parceria: a Lei 7505/86, sancionada pelo então

presidente José Sarney, que já lutava pela sua aprovação enquanto senador no

regime militar, e a Lei Rouanet (Lei 8313/91), aprovada por Fernando Collor. Esta

última, ainda hoje, permite que pessoas físicas e jurídicas financiem projetos

culturais com base na dedução desse investimento em seu imposto de renda. Ela

representou a reabertura nas negociações entre o setor cinematográfico e o

governo, resultando, em 1992, na Lei 8401, antecessora da Lei do Audiovisual do

governo Itamar Franco.

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O governo de Fernando Henrique Cardoso foi bem recebido por alguns

cineastas, em função da criação da Câmara Setorial do Cinema, que se constituiu

como espaço de discussão de política cinematográfica. Ainda em 1995 foram

criadas linhas de financiamento direto, através de bancos estatais e o apoio a

festivais de cinema, como o de Gramado, Festival de Brasília e o Rio-Cine

(MARSON, 2009). Em 1998 foi realizada a primeira edição da Mostra de Cinema de

Tiradentes e ainda hoje ela acontece graças ao financiamento como o do Banco

Nacional de Desenvolvimento Social.

Um relatório de atividades do setor audiovisual, avaliando suas ações entre

os anos de 2006 a 20095,mostra que o número de festivais no país chegou a 231,

contabilizando quase dois milhões e meio de expectadores e sendo considerado um

dos mais diversos circuitos de festivais do mundo. O relatório se preocupa em

apontar a dimensão econômica dos festivais de cinema, colocando-os como um

gerador de empregos na economia criativa. Segundo o documento, no triênio 2006-

2009 foram criados 7.316 empregos diretos, sendo que 57,45% deles foram no

Sudeste. A Mostra de Cinema de Tiradentes é realizada pela empresa privada

Universo Produções, sendo considerada a abertura anual do calendário audiovisual

do país. Além desse, a Universo Produções também faz acontecer a Mostra de

Cinema de Ouro Preto e a Mostra CineBH, em Belo Horizonte, as quais se

complementam.

Em Tiradentes, a Mostra possui, em sua programação, a exibição de curtas e

longas metragens do circuito comercial, não comercial e universitário, além de

seminários, oficinas, shows musicais, cortejo artístico e exposições. São três

principais locais de realização das atividades: o Cine Praça, o Centro Cultural Yves

Alves e o Cine-Tenda. Com cerca de mil lugares, o Cine Praça consiste na

instalação de um telão e cadeiras para o público na principal praça da cidade, já as

instalações do Cine-Tenda recebem até seiscentos expectadores, sendo montadas

5 Relatório apresentado no Fórum Nacional dos Organizadores de Festivais, com base em dados de

2006 e 2007. Disponível em: http://www.forumdosfestivais.com.br/guia-dos-festivais

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exclusivamente para o evento junto ao Cine-Lounge, com mais quinhentos lugares.

A sede do evento é instalada todos os anos no Centro Cultural Yves Alves, que

conta com Cine-Teatro de cento e vinte lugares, onde também são realizadas

exibições e debates.

O espaço para a educação acontece por meio de oficinas voltadas para

adolescentes e jovens e para profissionais da área audiovisual. Nas palavras da

própria coordenadora do evento, Raquel Hallak, em depoimento a Marcelo Miranda,

“Promover ações de formação é um dos pilares da programação das edições anuais

da Mostra Tiradentes, que renova anualmente seu compromisso com o

desenvolvimento da indústria audiovisual” (MIRANDA, 2017). As oficinas

contemplam a elaboração de projetos, a interpretação, a direção e a produção de

elenco na obra cinematográfica. Já o público infanto-juvenil tem a oportunidade de

experimentar oficinas de introdução ao trabalho com a linguagem audiovisual, com

temáticas e propostas diversas em cada edição do evento.

Todas as atrações são de entrada gratuita e, nestes três últimos anos, nos

quais acompanho a Mostra, não é incomum que longas filas se formem nas portas

das salas de cinema. O público disputa um lugar como espectador dos filmes com

disposição para a espera, de pé, na porta das salas de exibição. Acompanhando de

perto o público foi possível perceber que nem todos ali guardavam grande intimidade

com o cinema. Por alguns dias convivem sujeitos de diferentes contextos: a Mostra

se constitui como tempo-espaço onde encontramos diversos profissionais e

estudantes do cinema, da comunicação, do turismo, por onde também circulam

cinéfilos veteranos e aspirantes, ou turistas em busca de uma fuga do cotidiano, que

encontram ali uma atmosfera agradável.

Forma-se ali, por alguns dias, uma arena de sentidos, uma oportunidade para

os sujeitos repensarem o mundo e a si mesmos em diálogo com filmes e seus

realizadores. Embora não tenha sido o objetivo inicial de sua criação, é de sua

identidade privilegiar o cinema nacional independente, promover e valorizar a

inovação e a experimentação, concepções que carregam consigo uma matriz

culturalna qual o cinema constituiu-se como uma linguagem a ser experimentada

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(GUIMARÃES, 2016). Uma concepção que se pretende popularizar e que

questionamos: dialoga com as práticas culturais dos professores da cidade?

4.3 Pesquisas com Mostras e Festivais de Cinema

Para compreender melhor como as mostras e festivais de cinema têm sido

estudados no Brasil realizei um levantamento bibliográfico no banco de Teses e

Dissertações da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior e na biblioteca eletrônica ScientificElectronic Library–SCIELO, cujo

resultado foi a catalogação de doze trabalhos, sendo duas teses e dez dissertações.

Esses trabalhos foram produzidos em programas de diferentes áreas, sendo eles:

uma dissertação e uma tese no programa de Antropologia Social da UFSC –

Universidade Federal de Santa Catarina; uma dissertação na Unisinos –

Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no programa de Ciências da Comunicação;

uma dissertação no programa de Ciências Sociais da UFBA - Universidade Federal

da Bahia; uma dissertação do programa de Geografia da UFG – Universidade

Federal de Goiás, onde também foi realizada uma dissertação no programa de

História; uma dissertação do programa de Imagem e Som da Ufscar – Universidade

Federal de São Carlos; uma dissertação do programa de Turismo da UnB -

Universidade de Brasília, uma dissertação na UFPE – Universidade Federal de

Pernambuco, no programa de Comunicação e uma dissertação do programa de

Desenvolvimento Regional da UEPB – Universidade Estadual da Paraíba. A busca

foi realizada utilizando os termos “festival de cinema”, “festivais de cinema”,

“mostrade cinema” e “mostras de cinema” e seus dados estão organizados na tabela

abaixo, na qual o tipo de trabalho está identificado com a letra D para dissertações e

T para tese.

Quadro 1 - Teses e Dissertações brasileiras na temática de Festivais e Mostras de

Cinema

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Autor(a) Título Tipo Ano IES Programa

ROCHA,

Daniel

Pereira

Dinâmica Cultural: Cinema, Ritual, e

Política a Partir do Festival Panorama

Internacional Coisa

D 2016 UFBA Ciências

Sociais

CARNEIRO,

Gracielly

Cristina

O Festival Internacional de Cinema e

Vídeo Ambiental- F.I.C.A. Na Produção

e Disseminação da Consciência

Ambiental

D 2005 UFG Geografia

ROCHA,

Flávio

Rogério

Super Festivais do GRIFE: produção,

circulação e formaçãode cineastas no

Super8 brasileiro (1973-1983)

D 2015 UFSCAR Imagem e Som

MAIA,

Kamyla Faria

Festival enquanto festa e dispositivo

nos processos de visibilidadedo

cinema documentário brasileiro pós-

retomada: O estudo do caso"É tudo

verdade" (BRASIL, 1996-2010)

D 2015 UFG História

LIMA, Kezya

Silva Coelho

Turismo Responsável e Eventos: uma

Análise Sobre a Responsabilidadea

Partir do Festival Internacional de

Cinema E Video Ambiental (Fica)em

Goiás/GO

D 2017 UnB Turismo

FECHINE,

Mariana

Quirino

As Relações Entre Cultura e

Desenvolvimento apartir dos Festivais

deCinema da Paraíba

D 2016 UEPB Desenvolvi-

mento Regional

SILVA,

Marcos

Aurélio da

Territórios do Desejo: Performance ,

Territorialidade e Cinema no

FestivalMix Brasil da Diversidade

Sexual

T 2012 UFSC Antropologia

Social

SILVA, Dafne

Reis Pedroso

da

Hoje tem cinema: a recepção de

mostras itinerantes organizadas

peloCineclube Lanterninha Aurélio

D 2009 UNISSI-

NOS

Ciências Da

Comunicação

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51

RODRIGUEZ

, Cristhian

Fernando

Caje

MakingOn: Ritual, Performance e

Representação na Mostra Curta o

Gênero

D 2015 UFSC Antropologia

Social

WANDERLE

Y, Natalia

Lopes

O que Porra é Cinema de Mulher? A

Mostra Cinema de Mulher e o

Desvelardo Machismo no Audiovisual

Pernambucano

D 2016 UFPE Comunicação

COSTA,

Maria de

Oliveira

Barra

Juventude e cinema nos anos 1970: a

I Mostra de Juiz de Fora do Cinema

Super 8

D 2017 UFJF Comunicação

PINHEIRO,

Jane

Sonhos em movimento: I Mostra de

Audiovisuais produzidos por

adolescentes no Recife do século 21

T 2015 PUC-SP Ciências

Sociais

MENDONÇA

, Edilene

Trigueiro

Cidade de Goiás, Patrimônio Histórico

e o Desenvolvimento Local: Uma

Análise dos Impactos do Festival

Internacional de Cinema e Vídeo

Ambiental-FICA

D 2010 PUC-GO

Desenvolvimen

to e

Planejamento

Territorial

Já a busca por artigos no portal SCIELO resultou em dois trabalhos, ambos

de São Paulo: um analisando aspectos específicos com relação ao Festival

Internacional de Filmes sobre Deficiência “Assim Vivemos” e outro abordando os

festivais de cinema comprometidos com a causa LGBT.

Quadro 2 - Artigos na temática de Festivais e Mostras de Cinema

Autora Título do Artigo Meio de

Publicação Ano Área

GILBERT,

Ana Cristina

Bohrer

Narrativas sobre síndrome de Down

no Festival Internacional de Filmes

sobre Deficiência Assim Vivemos

Revista Interface

(Botucatu. Online) 2017 Interdisciplinar

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BESSA,

Karla

Os festivais GLBT de cinema e as mudanças estético-políticas na constituição da subjetividade.

Cadernos Pagu

(Campinas. Online) 2007 Interdisciplinar

Os trabalhos foram realizados entre os anos de 2005 e 2017, demonstrando

que é um tema ainda recente na pesquisa nacional. Das quatro regiões brasileiras,

somente na região norte não houve nenhum registro, nas demais houve uma

uniformidade quanto à frequência de trabalhos, sendo que a UFSC foi a única

instituição a realizar dois trabalhos, uma tese e uma dissertação no Programa de

Pós-Graduação em Antropologia Social. O quadro abaixo reúne as IES – Instituições

de Ensino Superior nas quais foram produzidos tais trabalhos, organizadas por

região.

Quadro 3 - Frequência de trabalhos acadêmicos na temática Festivais e Mostras de

Cinema

Região Frequência IES

Nordeste 3 UEPB, UFPE, UFBA

Centro-oeste 3 UFG, PUC-GO, UNB

Sudeste 3 UFJF, PUC-SP, UFSCAR

Sul 3 UFSC, UNISINOS

As teses e dissertações são de áreas diversas do conhecimento, compondo

um grupo multidisciplinar e difuso de pesquisadores interessados nas mostras de

cinema como campo de estudo.

Quadro 4 - Frequência de trabalhos acadêmicos na temática Festivais e Mostras de

Cinema por área do conhecimento

Área De Avaliação dos PPGs Frequência

Sociologia 2

Geografia 1

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Comunicação e Informação 4

História 1

Administração Pública e de Empresas, Ciências Contábeis e Turismo 1

Planejamento Urbano E Regional / Demografia 1

Antropologia/Arqueologia 2

A maioria dos trabalhos vêm de programas da Grande Área “Comunicação e

Informação”, somando quatro dissertações, mesmo número das áreas de Sociologia

e Antropologia/Arqueologia juntas. Nas demais áreas foi realizado apenas um

trabalho em cada. Até então não há realização de teses ou dissertações com este

tema de interesse na grande área da Educação, motivo pelo qual endossamos a

relevância das perguntas suscitadas neste trabalho.

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5 METODOLOGIA

“Tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia” (BAKHTIN, 2006, p. 31)

Com essa reflexão, Bakhtin inicia o livro Marxismo e Filosofia da Linguagem

(BAKHTIN, 2006), no qual afirma a proximidade da teoria marxista da criação

ideológica aos problemas da filosofia da linguagem. Rompendo com o conceito

marxista ortodoxo de ideologia, o autor afirma que todas as linguagens sociais são

ideológicas. O termo ideologia não é utilizado com conotação crítica ou negativa,

mas sim descritiva, todas as linguagens sociais são saturadas ideologicamente, e

não apenas as visões de mundo falseadas (FARACO, 2013). Por meio dos estudos

de filosofia da linguagem, Bakhtin defende que o signo é socialmente construído,

sempre ligado a uma significação construída material e historicamente. Dessa

maneira, cada signo ideológico é um fragmento material de uma realidade

refratada. Esses conceitos atravessam minha pesquisa por múltiplos caminhos,

sendo dois fundamentais: 1) a compreensão do cinema como prática dialógica,

portanto, como ideológico e socialmente construído. Embora Bakhtin tenha baseado

seus estudos na literatura, em suas reflexões filosóficas sobre linguagem, esse

conceito extrapola o domínio da palavra e incorpora a imagem e os sons; e 2) a

compreensão da palavra como meio de acessar o outro, uma vez que trabalho com

sujeitos, analiso suas falas, dialogo com eles, não posso colocar em prática métodos

que o coisifiquem. Não posso compreendê-los, senão, como produtores de cultura,

nem ignorar o efeito de suas vozes sobre mim, uma vez que, conhecendo o campo,

me reorganizo como pesquisadora. Para Bakhtin:

As ciências exatas são uma forma monológica de conhecimento: o intelecto contempla uma coisa e se pronuncia sobre ela. Há um único sujeito, aquele que pratica o ato da cognição e fala. Diante dele, há a coisa muda. Qualquer objeto do conhecimento (incluindo o homem) pode ser percebido e entendido a título de coisa. Mas o sujeito como tal não pode ser percebido e estudado a título de coisa, porque, como sujeito, não pode, permanecendo sujeito, ficar mudo; consequentemente, o conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico (BAKHTIN, 1997, p. 403).

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É fundamental na leitura bakhtiniana, que o pesquisador compreenda a

singularidade e os limites da pesquisa com objetos e com sujeitos (JOBIM E SOUZA

& ALBUQUERQUE,2012). Na pesquisa com sujeitos, o pesquisador se volta para o

conhecimento de outro indivíduo, estabelecendo relações de alteridade, onde a

densidade e a profundidade desse encontro repleto de particularidades serão os

critérios que orientarão a produção do conhecimento.

O encontro com o outro é o processo no qual a linguagem é

construída, e, para compreendê-lo, Bakhtin desenvolve outros conceitos

fundamentais em sua obra, como alteridade e dialogismo.

A alteridade trata do reconhecimento do outro, das diferenças, das

particularidades, do estranhamento e do distanciamento que nos define como “eu” e

como “outro”. O dialogismo é, segundo Brait (2005, p. 9), “o modo de funcionamento

real da linguagem e, portanto, é seu princípio constitutivo; uma forma particular de

composição do discurso”, ultrapassando a ideia do diálogo, que é uma forma

superficial de dialogismo, pois não produz palavras bivocais (AMORIM, 2001). Nas

ciências humanas, pesquisador e pesquisado mantêm uma relação mediada pela

linguagem, interagindo pelo diálogo e, consequentemente, produzindo um

conhecimento marcado pelo dialogismo e pela alteridade. Na obra de Bakhtin,

esses são dois conceitos importantes, difíceis de serem compreendidos

separadamente.

Pesquisar, nessa perspectiva, trata então de estabelecer diálogos,

compreendendo que se refere a uma produção de conhecimento livre de

neutralidade, uma vez que somos também produto do espaço-tempo que ocupamos.

Assim, construí meu primeiro instrumento de pesquisa: um questionário (Apêndice I)

adaptado daquele utilizado na pesquisa “Enredos da Vida, Telas da Docência: os

Professores e o Cinema”,trazendo também questões próprias, uma vez que meu

foco principal é a relação dos professores com a Mostra de Cinema de Tiradentes.

Em dezembro do ano de 2015 realizei o primeiro diálogo, levando

o questionário (Apêndice I) aos professores da Escola Estadual Basílio da Gama.

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Embora os estudos bakhtinianos já tivessemcatalisado meu amadurecimento

enquanto pesquisadora nas ciências humanas, essa primeira experiência me

surpreendeu, uma vez que, buscando uma resposta, mudei minha pergunta. Ao

visitar a escola pela primeira vez, apresentei a proposta de pesquisa ao vice-diretor,

que foi muito receptivo e me convidou a apresentar a proposta a algumas docentes

que estavam na sala de professores naquele momento. Ao conversar com as quatro

professoras, falei um pouco sobre a pesquisa e conversamos mais do que sobre a

Mostra de Cinema somente, conversamos sobre Tiradentes, o turismo e um pouco

da relação dos próprios professores e também dos alunos com as atividades

relacionadas ao cinema. Do diálogo, destaco:

EU: Vocês conhecem, costumam participar da Mostra de Cinema? ANA: Sei que acontece aqui, mas nunca participei. Os alunos que gostam muito. JOANA: Eu não costumo participar... mas eu levo meus alunos no Centro Cultural, a Flávia sempre nos convida para assistir filmes, acho que você deveria falar com ela. EU: E vocês costumam vir à Tiradentes por lazer? JOANA: Muito raramente, aqui é tudo muito caro, muitas vezes as coisas costumam ser duas vezes mais caras que em São João. A Ana que frequenta mais, o marido dela tem uma loja aqui. ANA: Aqui é até difícil sair, onde a gente vai tem aluno trabalhando, e eles ganham melhor que nós, por isso não querem saber de escola. JOANA: Eu moro em Ritápolis, só venho aqui para trabalhar mesmo. A gente gostava muito do carnaval, mas depois que mudou ficou sem graça!

Não fosse a compreensão da pesquisa como um devir, um fazer dialógico,

meu desapontamento inicial com as poucas respostas ao questionário – já que, dos

trinta, apenas seis professores devolveram-no respondido – poderia me levar a

entender esse primeiro campo como um fracasso. No entanto, a riqueza do pequeno

diálogo que estabelecemos me fez repensar minha pergunta e também minha

abordagem. Afinal, não é somente o instrumento, mas também a profundidade do

encontro que orientam a pesquisa com sujeitos. Se não há participação na Mostra,

mudam as questões e objetivos, que passam a ser compreender as condições em

que se materializam esta ausência.

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Foi uma oportunidade de também compreender a necessidade da imersão no

campo para melhor desenvolvimento da pesquisa. É preciso estreitar os laços, o

convívio entre pesquisador e pesquisado, a fim de compreender o contexto no qual

estão inseridos. Na perspectiva sócio-histórica, os sujeitos são compreendidos como

produto e produtores de seu tempo, sua cultura, como explica Freitas (2002, p.

36): essa perspectiva “percebe os sujeitos como históricos, datados, concretos,

marcados por uma cultura como criadores de ideias e consciência que, ao

produzirem e reproduzirem a realidade social, são ao mesmo tempo produzidos e

reproduzidos por ela”. Assim, considero que o questionário, nesta pesquisa, se

constituiu como um instrumento exploratório, pois me permitiu conhecer, de modo

geral, a relação entre professores e cinema dentro e fora do contexto escolar e

compará-la aos resultados do já mencionado projeto Enredos da Vida, Telas

da Docência.

Para compreender melhor o contexto tiradentino, fez-se necessário um

diálogo mais longo com os sujeitos, realizado por meio de entrevista coletiva.

Concordo com Minayo (2010), que não se trata de uma conversa despretensiosa e

neutra, uma vez que se insere como meio de alcançar fatos relatados pelos autores

que os vivenciam numa realidade que já está focalizada. Entrevistar é, portanto, uma

tarefa muito mais complexa do que fazer perguntas. A própria interação já requer

uma série de precauções, não é uma simples conversa cotidiana, despretensiosa, é

um ato dialógico e responsivo. Sobre o ato responsivo, é coerente recorrer ao texto

de Bakhtin:

De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (linguística) de um discurso adota simultaneamente, para com este discurso, uma atitude responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa, adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão desde o início do discurso, as vezes já nas primeiras palavras ditas pelo locutor. A compreensão de uma fala viva, de um enuncado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva (BAKHTIN, 1997, p. 290).

Entrevistar, portanto, é dialogar, instigar os sujeitos pesquisados a expor seus

sentidos. Sua compreensão depende da interação de consciências, ou seja, se

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constrói dialogicamente e não monologicamente (FREITAS, 2002). Participando

desta interação, pretendi compreender melhor como esses professores utilizam seu

tempo, que sentidos construíram sobre a cidade de Tiradentes, suas práticas

culturais.

Em uma primeira abordagem no Centro Cultural Yves Alves, conversei com o

técnico de som Ricardo, que participa da elaboração de sessões de

cinema. Segundo ele, houve recentemente uma redução no número de sessões

realizadas, passando de três para uma por semana, em função do orçamento do

Centro. Além das sessões semanais, ocorrem sessões específicas para as

escolas, às vezes propostas pelo grupo do Centro Cultural, outras vezes

propostas por professores. A participação da comunidade de Tiradentes

nas sessões é considerada baixa pelos organizadores, sendo mais expressiva na

exibição de produções locais, como o documentário Tião Paineira – 86 Janeiros, e

lançamentos de sucesso de público, geralmente produções hollywoodianas.

Entre outubro e novembro de 2016 distribuí 57 questionários a quatro escolas

de Tiradentes, privilegiando a abordagem às escolas localizadas na sede do

município, englobando ensino fundamental e ensino médio. A escola Estadual

Basílio da Gama, a Escola Municipal Marília de Dirceu, a Escola Municipal João Pio

e a Escola Municipal Professora Alice Lima Barbosa. Foram devolvidos 22

questionários respondidos. A distribuição dos questionários foi realizada de maneira

diversa, em acordo com cada escola. Somente na Escola Estadual Basílio da Gama

me foi permitido frequentar, por uma semana, a sala de professores, onde pude

pessoalmente explicar a pesquisa e conversar sobre este e outros temas com mais

profundidade. Nas escolas municipais o diálogo se limitou à coordenação ou direção

das escolas, que concordaram em participar da pesquisa mediando a aplicação dos

questionários. As questões estão organizadas em seis eixos principais, sendo: 1)

Sobre a Mostra de Cinema de Tiradentes; 2) O cinema no dia-a-dia, 3) O cinema na

prática pedagógica, 4) Caracterização Pessoal do Entrevistado, 6) Formação

Profissional e Situação de Trabalho. Houve ainda uma questão livre provocando os

sujeitos a expor sua opinião sobre da Mostra.

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O questionário foi construído no intuito de conhecer um panorama da

sociabilidade dos professores, relacionada ao cinema, abordando sua relação com o

filme em diferentes tecnicidades (MARTÍN-BARBERO, 2013) - televisão, sala de

cinema, Mostra, nos “tempos livres” e de trabalho.Vinte professores, dezessete

mulheres e três homens, responderam aos questionários propostos. Destes, 45% se

declarou branco, 35% pardo, 5% amarelo, 5% preto e 10% não se manifestaram

sobre a pergunta. A maioria dos sujeitos têm idade entre 36 e 40 anos (47%),

seguidos pelo grupo com menos de 25 anos e o grupo entre 26 e 30 anos (15%

cada).

Gráfico 1 - Idade dos sujeitos da pesquisa

Como modelo de configuração familiar, predomina aquele em que os

docentes que moram somente com os pais, sendo 35% deles, ou somente com os

filhos (25%). Os demais estão divididos entre aqueles que moram com pais e filhos

(10%), os que moram com irmãos (10%) e os que moram com a/o companheira/o,

ou com irmãos e amigos, ou ainda com outros sujeitos não especificados,

representaram, cada uma, 5% das configurações familiares representadas.

Com relação à carga horária na escola, 60% dos professores alegou trabalhar

menos de 25 horas por semana, o que equivale a, no máximo, um cargo de

dezesseis aulas por semana, em detrimento a 10% que alegou trabalhar entre trinta

e quarenta horas e 30% que trabalha mais de quarenta horas por semana. Já com

relação ao trabalho doméstico, apenas uma professora declarou não realizá-lo,

0

10

20

30

40

50

%

Distribuição por Idade

Até 25 anos

26 a 30 anos

31 a 35 anos

36 a 40 anos

41 a 45 anos

51 a 55 anos

56 ou mais

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sendo a única também a exercer uma segunda atividade remunerada diferente da

atividade docente. Daqueles que declararam realizar atividades domésticas, 18%

declarou ocupar mais de 40 horas semanais às atividades, 30% declarou ocupar

menos de dez horas semanais, 22% ocupam de 10 a 20 horas semanais e 30%

ocupa entre 20 e 30 horas por semana com trabalho doméstico. Vale destacar que

os três homens que responderam ao questionário fazem parte do grupo que dedica

menos de dez horas por semana às atividades domésticas.

Realizei também uma entrevista coletiva da qual participaram professoras,

para as quais utilizei os nomes fictícios Laura e Marta, a fim de proteger sua

identidade.A entrevista foi realizada em uma de suas reuniões de módulo, com

duração de cerca de uma hora e dez minutos. Para dar início ao debate, exibi um

vídeo oficial de divulgação da 20ª Mostra de Cinema de Tiradentes6 e deixei que se

seguisse o diálogo entre as professoras, fazendo algumas perguntas quanto à sua

experiência cotidiana em seu tempo livre.

Durante todo o processo de pesquisa mantive um caderno de campo no qual

registrei reflexões, dados e diálogos com sujeitos diversos, incluindo a comunidade

escolar durante minhas visitas para aplicação dos questionários e o público presente

nas três edições da Mostra que acompanhei. Os diálogos com os sujeitos de

pesquisa, embora curtos, foram sempre profícuos.

O conjunto de enunciações que emergiram destes encontros compõe o

conjunto de dados com o qual trabalho, buscando, a partir deles, conhecer seus

processos e contextos de construção. Interessam-me não só as falas dos

participantes, mas também sua forma de interação, as relações de poder

estabelecidas entre os sujeitos. Nada é óbvio, trivial, todo acontecimento/ social tem

potencial para a compreensão da realidade no contexto de um problema de

pesquisa (BOGDAN E BIKLEN, 1994). Ao trazer para a pesquisa as vozes dos

6 Vídeo Oficial divulgado pela Universo Produção. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=hDML_WTm4PI.

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sujeitos em questãoabrimos caminho para uma pesquisa construída coletivamente

“com” e não somente “sobre” sujeitos, desafio permanente das ciências sociais.

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6 A PARTICIPAÇÃO DOCENTE NA MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

O cenário escolar de Tiradentes é um rico recorte da educação pública

brasileira, onde se expressam generalidades e particularidades interessantes para a

compreensão da educação e a cultura enquanto processo social cotidiano. A rede

escolar é pequena, estritamente pública, composta por sete escolas: uma de ensino

médio e fundamental (Escola Estadual Basílio da Gama), cinco de ensino

fundamental (E. M. José Custódio Filho, E. M. Professora Alice Lima Barbosa, E. M.

Carlos Rodrigues de Melo, E. M. Marília de Dirceu, E. M. João Pio e E. M. Ademar

Natalino Longatti) e duas de educação infantil (Centro Infantil Bem-me-quer e Pré-

Escolar Municipal Padre Lourival de Salvo Rios). No ano de 2012, 847 crianças

estavam matriculadas no ensino fundamental e 182 no ensino médio, educandos por

um total de 125 docentes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística - IBGE. Em 2015, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e

Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP, 1181 alunos se matricularam na

rede de ensino da cidade, que é estritamente pública e majoritariamente municipal,

na qual trabalharam 78 docentes naquele ano.

Gráfico 2 - Número de Docentes por Nível de Ensino.

Acompanhando o número de matrículas entre os anos de 2005 a 2015, percebe-se

que há uma tendência à diminuição nos níveis fundamental e médio e aumento na

pré-escola.

192 149 166 152 152

1010 1010 967847

735

127 152 133 182 213

1329 1311 1266 1181 1100

2005 2007 2009 2012 2015

Número de Matrículas por Nível de Ensino

Ensino pré-escolar Ensino fundamental Ensino médio Total

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Gráfico 3 - Número de Docentes por Nível de Ensino

Chama a atenção o pequeno número de alunos que frequenta as escolas

diariamente. Na rede municipal, dedicada ao ensino fundamental inicial, seus

prédios guardam profunda semelhança com casas, criando um ambiente quase

familiar, ora pela arquitetura de seus prédios herdados de antigas residências, ora

pela familiaridade como convivem alunos e professores, como é o caso da Escola

Municipal Marília de Dirceu, localizada no centro histórico da cidade. Embora

alocada em um prédio construído para a função que exerce, a Escola Municipal

João Pio preserva essas relações pelo convívio de suas três professoras, uma

supervisora e as 22 crianças que ali se formam. Nesta última, não são incomuns

tempos escolares vividos por todo coletivo no ambiente extra escolar. Vão, todos

juntos, ao cinema, ao balneário, ao teatro etc. Todos se conhecem pelos nomes

naquela escola que cabe num ônibus, como lembro com carinho. A realidade não é

muito diferente nas demais escolas municipais, apenas a Escola Estadual Basílio da

Gama, única a oferecer o ensino Fundamental II e Médio na cidade, conta com um

número de alunos na casa das centenas.

A docência se constituiu historicamente com uma maior participação de mulheres

que homens em seu exercício, realidade que se repete em Tiradentes. As

14 10 11 11 11

60 57 54 54 49

12 16 17 15 18

86 83 82 80 78

2005 2007 2009 2012 2015

Número de Docentes por Nível de Ensino

Ensino pré-escolar Ensino fundamental Ensino médio Total

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professoras são unânimes em todas as escolas visitadas, com exceção da EE

Basílio da Gama, onde trabalham os três professores homens que responderam aos

questionários.

A relação dos sujeitos docentes com a cidade em seu tempo livre é quase

homogênea: no geral, Tiradentes representa para eles um cenário de trabalho e não

de lazer. Trafegam pelo cenário histórico como figurantes de uma cena maior onde

protagonizam turistas. Tiradentes é uma pequena amostra da razão mercantil que

regula relações sociais na educação: o controle do trabalho docente na forma de

tempo e currículo atende aos interesses do capital, que faz acontecer a cidade

enquanto destino turístico. Na heteroglossia do encontro Mostra de Cinema, a voz

dos professores de Tiradentes se escuta em poucos sujeitos que nela possam se

fazer presentes e, principalmente, no trabalho de jovens por eles educados. A

indústria cultural que coloniza a cidade há cerca de vinte anos e traz consigo

atividades diversas tão distantes do cotidiano da população local criou postos de

trabalho que empregam não somente tiradentinos, mas também pessoas de

diversas outras cidades. Limpar, cozinhar, arrumar, servir, transportar e guiar são

algumas das demandas de mão de obra que o serviço turístico criou, empregando

também jovens estudantes do ensino médio. Tiradentes, a cidade das festas, da

apreciação culinária, do descanso, do tempo que não quer passar, é construída

todos os dias a base de muito trabalho. Trabalho alienado, separado das práticas

culturais tão ricas que servem de mercadoria para a divulgação da cidade como

destino turístico.

Os professores de Tiradentes não estão completamente separados de suas

festas, da Mostra de Cinema, como é o caso em questão. Estão, diariamente, em

outros tempos, sobretudo no enredo escolar, produzindo uma parte indispensável

para o acontecer da cidade: a educação de sua população. Em seu tempo livre, no

entanto, parecem mais distantes da cidade que aqueles que chegam para visitá-la.

Na internacional Tiradentes encontram-se sujeitos diversos, de dentro e de

fora, que buscam ali uma vivência cultural diferenciada de seu cotidiano, seja na

gastronomia, na apreciação da arte, dos recursos naturais ou da arquitetura da

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cidade; muitos vindo, inclusive, de outros países. Quando se trata, porém, dos

sujeitos nativos da cidade ou da microrregião, frequentemente, a cidade não

representa uma experiência cultural que responda aos seus anseios. Com relação

aos professores, para compreender essa pouca ou nenhuma experiência proponho

três categorias de análise: as relações professor-aluno, as experiências de tempo e

a relação com a indústria cultural.

O interesse pelo estudo do “tempo livre” ainda é escasso nas Ciências da

Educação e pouco se sabe sobre a experiência docente em seu espectro. Sabe-se

que, de maneira geral, os professores se encontram em situações de trabalho

precarizado: jornadas extensas e extenuantes que deixam suas marcas no tempo

livre desses sujeitos, como também constatado nos estudos de Azevedo et. al

(2017). Trabalhos escolares que continuam em casa, disputando o tempo do

cuidado dos filhos, da casa, de si. Sobretudo quando se trata de professoras, o

tempo liberado da função docente se transforma em tempo de mais trabalho, como

relatado em entrevista:

Arrumar casa, fazer faxina... aí você faz faxina pensando: nossa tenho prova pra corrigir, aula pra preparar... não posso reclamar porque meu marido ajuda. Mas é assim, as vezes vou dormir já tarde, nem vejo. E acordo muito. Cedo porque tenho que levantar minha filha pra ir pra escola, arrumar o café né... (Professora Laura, em entrevista no dia 19 de outubro de 2017).

As vezes a gente deixa lá [a TV], enquanto está fazendo alguma coisa, aí vai escutando. Mas parar pra assistir, assim, é difícil.To sempre mexendo com alguma coisa (Professora Marta, em entrevista no dia 19 de outubro de 2017).

A experiência de tempo, como ressalta Inês Teixeira (2003), é influenciada

por questões de gênero, gerações, tempo de carreira e outras questões que

constroem e são construídas por esses sujeitos ao longo da vida. Com relação ao

tempo livre, como mulheres, essas trabalhadoras sentem a responsabilização pelo

cuidado com o lar, que recai sobre elas em maior grau que sobre os homens,

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embora não de forma homogênea, uma vez que as diversas configurações

familiares demandam exigências singulares. O aumento da carga de trabalho é uma

exigência para aquelas com filhos ou outros dependentes, cuidando dos fazeres

domésticos e garantindo a renda familiar. Ser mãe e/ou esposa, para essas

mulheres, significa fazer uma série de concessões em prol do bem estar de seus

filhos e companheiros, como relata a professora Marta ao contar que, depois do

adoecimento do marido, que o obrigou a parar o consumo de bebidas alcoólicas, sair

à noite, ir a bares e restaurantes, é uma diversão que não acontece mais.

Das professoras entrevistadas, Laura trabalha em apenas uma escola e Marta

em duas, sendo que a segunda é em São João del-Rei, onde também mora. Laura

mora no mesmo bairro em que trabalha e fala do lugar com carinho por ter crescido

ali. O tempo em que não está na escola, Laura se dedica à casa e à família, como

muitas mulheres e meninas no Brasil e no mundo, como relatado na tese de Giovani

Silva (2014) sobre tempos cotidianos de docentes de Porto Seguro. Nesse estudo, o

autor constatou a diferença de usos do tempo livre entre homens e mulheres, sendo

que, para eles as atividades de lazer e relaxamento se dão com mais frequência que

para elas. A naturalização do trabalho doméstico como atividade feminina ainda

permanece nos dias atuais e, embora apresente sinais de mudança, dos três

professores homens que responderam aos questionários, apenas um disse realizar

tarefas domésticas, sendo também o único a morar sozinho. Em relação às

mulheres, no entanto, todas que responderam aos questionários declararam realizar

trabalho doméstico, independente da configuração familiar.

Assim, esses sujeitos se ocupam, na maior parte do tempo, de tarefas

necessárias à sua sobrevivência e bem estar, respondendo a demandas construídas

socialmente. Estão dependentes de sua força de trabalho para corresponder a essas

demandas, não havendo para eles opção da não produção. Quanto menor o poder

aquisitivo e maiores as necessidades, menos escolha o sujeito tem sobre as

condições nas quais trabalhar. Sendo a possibilidade da escolha o que diferencia,

principalmente, tempo livre e tempo de trabalho, podemos dizer que um só existe em

oposição ao outro. As condições de trabalho, portanto, imprimem sua marca no

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tempo livre dos trabalhadores, diferenciando-os quanto às possibilidades de sua

experiência, o que se dá tanto pela oferta e acesso aos bens da indústria cultural,

quanto pela construção simbólica dos sentidos de lazer. Passar o tempo livre

assistindo TV, jogando futebol, cuidando da aparência, indo ao teatro ou qualquer

outra atividade, tem pouco a ver com uma escolha individual: o tempo livre de cada

sujeito é uma construção social.

No caso aqui estudado, no qual interessa-nos a relação dos professores de

Tiradentes com a Mostra de Cinema, buscamos então relacioná-la à lógica de

produção da mesma. Os relatos são de pouca ou nenhuma participação dos

professores. Entre os professores que responderam ao questionário 30% afirmaram

nunca ter participado do evento, enquanto 16% frequentou raramente e 40% alega

ter participado algumas vezes.

Das exibições fílmicas, o cinema na praça é a que recebe alguma menção,

sendo que, via de regra, os filmes ali exibidos tem maior apelo comercial que

aqueles que compõem as sessões comentadas, isto é, possuem elementos mais

próximos daqueles já experimentados pelo grande público, como a participação de

artistas reconhecidos.

Ao longo dos anos, a Mostra de Cinema de Tiradentes foi assumindo sua

identidade de incentivadora do cinema independente e autoral, afastando-se do

cinema comercial e favorecendo a experimentação, a inovação, a busca pela

transformação da linguagem cinematográfica. Muito diferente daquele cinema que

se constituiu historicamente como diversão das massas. Constitui-se então, como

arena de disputa de sentidos de cinema: a mostra é uma festa que completa o

trabalho de realizadores do cinema arte, uma oportunidade de diversão para seus

admiradores, uma oportunidade de trabalho e lucro pela indústria turística e uma

eventual possibilidade de diversão para outros, o que nos indica este primeiro

estudo, ser o caso dos professores da cidade.

Como proposto por Martín-Barbero (2000), os modos de recepção, definidos

por sociabilidades e ritualidades, são sempre mediados pelas práticas culturais e

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sociais estabelecidas pelos sujeitos na sociedade. Como comenta a professora

Laura, a atividade na rua possibilita um modo de socialibilidade diferente daqueles

de dentro das salas de cinema e mais próxima daquela experimentada em seu

cotidiano, geralmente mediada pela televisão:

Eu lembro que eu fui lá em dois mil e... Eu tenho a camiseta da mostra de 2003, a gente até comprava, entendeu? (...) não lembro do filme, eu lembro que quando a gente ia, porque depois que adoeceu ele [o marido] não pode mais sentar num bar pra tomar uma cerveja, aí acaba né... Porque a gente ia lá pra comer uma pizza e acabava vendo um filme na praça. Ele achava a tenda muito calor, mas a gente ia na praça, lotado! É uma delícia entendeu, porque ao mesmo tempo que você tá conversando, você tá vendo filme, tá reencontrando o pessoal, assim, de lá, alguns conhecidos e você vê muito artista de cinema (Professora Laura, em entrevista no dia 19 de outubro de 2017).

Além disso, nesse trecho da entrevista, percebe-se que o cinema em si, as

possibilidades de completude e expansão da visão de mundo pela linguagem

cinematográfica não constituem o motivo principal pelo qual esses sujeitos

frequentam o evento. Vão a Tiradentes em busca da diversão dos bares e

restaurantes, dos encontros com amigos e familiares, do convívio com turistas. A

relação desses sujeitos com a cultura cinematográfica é fortemente marcada pela

televisão. Dela, reconhecem artistas, consideram que esses agregam algum valor ao

cotidiano da cidade, com os quais esperam um encontro:

Já pensou, andando assim, passeando, e vê o artista(Professora Marta, em entrevista no dia 19 de outubro de 2017).

Laura – Aquele Mateus, o Mateus tem casa lá, o...

Marta – Mateus Solano.

Laura – Não o... Nachtergaele.

Marta – Eu sei onde é a casa dele, é indo pro Bichinho.

Laura – Não.

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Marta – Não tem o pessoal do jornal? O Willian, não tem uma casa lá também?

Laura – O Bonner tem, mas o Mateus é na cidade, ali perto da rua direita.

Marta – Na praça?

Laura – Não.

Marta - Porque na época mostrou um outro lugar. Mas assim, ele não é muito de ficar conversando não, ele é mais reservado.

Laura – Eu lembro que na época a gente viu o Chico Pinheiro, jornalista. Aí vem deputado, você encontra jogador de futebol. O Soríntava aí uma vez, eu não vi, mas falaram. Eu pensei, gente, porque não me chamaram? (Risos)

Marta – Então assim, é uma coisa tão importante pra cidade.

Laura – O Márcio Greyck que eu vi, de pertinho assim, o cantor, aí alguém falou, chamaram ele, ele deu uma canjinha. Gente, ele tava lá como uma pessoa normal, eu só reconheci porque falaram. Porque ele é amante de Tiradentes.

(Professoras Laura e Marta, em entrevista no dia 19 de outubro de 2017).

Esses sujeitos buscam na Mostra de Cinema legitimação para as práticas

culturais já vivenciadas em seu cotidiano, porém, sua condição financeira denuncia

uma fronteira estabelecida pela indústria cultural entre o público alvo do turismo

cultural e os professores: o poder aquisitivo.

Eu não costumo participar... Muito raramente, aqui é tudo muito caro, muitas vezes as coisas costumam ser duas vezes mais caras que em São João(Professora Joana, notas de campo).

Dessa forma, as práticas culturais de turistas e nativos da região de

Tiradentes apresentam lacunas que se configuraram também como processo de

transformação cultural da cidade promovido pela indústria do entretenimento. Entre

os sujeitos questionados, poucos frequentam assiduamente os restaurantes e bares

locais, que constituem uma das principais bandeiras do turismo em Tiradentes: a

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gastronomia. Os professores, nesse cenário de espetacularização da cultura, são

indispensáveis no desenvolvimento cultural de Tiradentes, uma vez que escolarizam

sua população, mas são dispensáveis enquanto consumidores deste segmento da

indústria cultural. Não correspondem àquele público alvo deste segmento de

negócio, nem no perfil do turista cinematográfico abordado no trabalho.No entanto,

as festas de matriz popular ainda configuram uma possibilidade de pertencimento

cultural à cidade, seja ainda hoje na Festa da Santíssima, ou na memória dos

antigos carnavais.

Marta - Tem a festa que a gente vai, a única, que é a festa dos pobres.

Laura – Dos romeiros, é mais o povão. Porque aí vem os ônibus, cheio de romeiros. As vezes o comércio nem abre, porque ficam com medo. Ou porque sabem que essas pessoas não vão comprar, vem é pobre, que vão comprar daquelas barraquinhas, não vão nas lojas.

Marta – Tem um preconceito né. Mas fica muita gente na cidade toda. Mas lá já tem aquela fama de que é tudo mais caro. E é né, tudo triplicado. Aí já fica essa visão, a gente vai lá fazer o quê? Se a gente sentar num restaurante, é caríssimo. Não é de acordo com a nossa... com a maioria né. De acordo com nossa renda, não é pra sentar naqueles restaurantes lá, não dá. A gente só fica vendo, admirando(Professoras Laura e Marta, em entrevista no dia 19 de outubro de 2017).

Joana: Eu moro em Ritápolis, só venho aqui para trabalhar mesmo. A gente gostava muito do carnaval, mas depois que mudou ficou sem graça!

Além dos preços incompatíveis com os rendimentos destes profissionais que

os distanciam das práticas turístico-culturais de Tiradentes, outro fator gera

incômodo na sua relação com a cidade: a presença constante de seus alunos que ali

vivem e trabalham.

Aqui é até difícil sair, onde a gente vai tem aluno trabalhando, e eles ganham melhor que nós, por isso não querem saber de escola. Não dá pra sentar num bar aqui que já vem aluno. Te servindo, te vigiando. Parece que estou na escola (Professora Ana, notas de campo).

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Esses meninos, (referindo-se a estudantes do ensino médio daquela escola) lavam pratos aí uma noite e ganham setenta reais, mais que eu num dia de trabalho. Não precisam da escola para nada, poderia largar isso aqui e pedir um emprego pra eles (Professora Célia, notas de campo).

Imagina um aluno vendo: “nossa, minha professora bebe pra caramba”. Até quando a gente sai com as crianças, tem que maneirar, né?! (Professora Laura, em entrevista dia 17/10/2017).

O relato mostra que a condição de professor influencia a sociabilidade desses

sujeitos em seu tempo livre. Sentem-se dispensáveis frente a uma atividade

comercial estranha a seu cotidiano e reconhecida nacional e internacionalmente,

estabelecendo, com seus alunos trabalhadores, uma relação de competição e com a

cidade, de consumo. Essa relação se estabelece, sobretudo, no ensino médio,

quando muitos alunos se tornam trabalhadores. Embora compartilhem, até certo

ponto, condições de trabalho muito semelhantes, houve uma nítida diferença entre

os professores do ensino médio e fundamental no que se refere a um mal estar em

relação ao trabalho. A apatia, a insatisfação com o trabalho e a relação de

competição com os alunos se mostrou muito mais intensa entre os trabalhadores

estaduais, em detrimento dos municipais. Em seu discurso, os professores

municipais, responsáveis pelos primeiros anos do ensino fundamental,

demonstraram alguma preocupação em relação ao bem estar dos alunos no que diz

respeito à sua participação na cidade, promovendo inúmeras atividades fora do

ambiente escolar: cinema, passeios na maria-fumaça, balneário, museus etc. Nota-

se uma maior dificuldade dos professores do ensino médio em conciliar um modelo

local de ensino sendo fortemente regulado pelas temporalidades escolares: aulas

seriadas e fragmentadas. Quaisquer atividades que pretendam sair da escola

exigem a organização de vários docentes, afetando diversas turmas.

Com relação ao tempo livre, no entanto, há uma certa homogeneidade, o

afastamento das atividade de lazer e cultura da cidade se repete nos discursos. O

processo de gentrificação deixa marcas nas relações sociais, a constante chegada

do outro, um outro culto, escolarizado, com alto poder aquisitivo, em detrimento do

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“eu professor”, cultura de massa, “sem dinheiro no banco, sem parentes importantes

e vindos do interior”7, provoca o processo alteritário desses sujeitos, os quais não se

despem de sua condição de professor na produção de seu ato responsivo no

encontro chamado Mostra de Cinema: a ausência. Nesse sentido, é contundente a

fala da professora Marta, endossada pela professora Laura:

Mas sabe o que acontece, é como se a gente não pertencesse a Tiradentes. Nós só vamos lá com as crianças da Escola, no horário de trabalho. Na Maria Fumaça, no museu, no Yves Alves. Eles oferecem pra gente. Até aquele dia que você veio aqui, que eu te falei do caminhão, que tem a ver com o Yves, com o Sesi, Senai, sei lá. Mas se me recordo bem, era na época dessas mostras. Eu até lembro que passou aquele filme que fizeram aqui, a professora maluquinha, lá no campo de futebol. Aí veio aquele caminhão com aquele telão (Professora Marta, em entrevista dia 17/10/2017).

Marta - Porque não tem um espaço, na mostra, aqui nós temos crianças que inventam peças. Porque não temos um espaço pras escolas, pra falar assim, desde o início vocês vão produzir pra apresentar lá. Porque nossos alunos têm o dom. Seria ótimo, pra gente fazer parte de Tiradentes, porque a sensação é que pertencemos só no mapa e pra pagar imposto. Parece que a gente é sanjoanense.

Laura - Então nossa reclamação é essa, que eles olhem mais pra gente(Professoras Marta e Laura, em entrevista dia 17/10/2017).

É este o convite dos professores de Tiradentes: que os sujeitos da Mostra se

permitam ser ajudados a olhar. Quem sabe é este o primeiro passo para a

realização da tão almejada transformação que promete a arte. Não há aqui sujeitos

passivos, mas sujeitos responsivos que querem, mas ainda não encontraram os

caminhos para se olhar. De seu lugar social produzem um olhar sobre a Mostra, um

excedente de visãoque anuncia uma desigualdade que não está presente nos

discursos oficiais de sua produção. Denunciam, a partir de sua experiência, a

espetacularização do espaço tiradentino, de seus eventos e dos sentidos de cultura

que valorizam as artes, como o cinema, mas não consideram a escola como um polo

produtor de cultura.

7 Trecho da canção Apenas um Rapaz Latinoamericano, de Belchior, lançada em 1976.

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Na prática cultural dos professores, em especial das professoras da educação

básica de Tiradentes, encontramos a perversidade da globalização dos espaços e

dos bens culturais enquanto bens de consumo: a produção cultural pela exploração

mercantil das diferenças reproduz as desigualdades sociais em vez de combatê-las.

Realiza-se uma Mostra de Cinema de Tiradentes distante dos professores

tiradentinos, sujeitos do cotidiano da cidade, responsáveis pela educação formal dos

nativos do município. Estão excluídos porquesua contribuição com a espinha dorsal

da atividade cultural tiradentinaconsiste na formação básica de trabalhadores para

os empregos mais desvalorizados como limpeza e a culinária, garantindo, assim,a

diversão de trabalhadores bem remunerados e exigentes artística e culturalmente,

que encontram ali a satisfação de suas necessidades.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando esta pesquisa era ainda um projeto, estava contida em seus objetivos

a convicção de que encontraria na prática pedagógica dos professores de

Tiradentes elementos da prática cinematográfica que tem na Mostra de Cinema da

cidade um polo de valorização e realização. Em seu desenvolvimento, no entanto, a

realidade aqui discutida se mostrou diferente e desafiadora. A aproximação à

realidade dos sujeitos que participaram desta pesquisa durante os trabalhos de

campo suscitou uma série de novas questões e leituras da realidade. A primeira, e

talvez a mais significativa delas, foi compreender as particularidades da atividade

turística como principal atividade econômica da cidade na atualidade. Não é possível

compreender a atual realidade tiradentina desconsiderando sua inserção no

mercado global do turismo como destino cultural no contexto das cidades

construídas na colonização portuguesa, marcadas pelo cliclo do ouro e diamante.

Contexto este que consiste também em uma ressignificaçãodo conjunto

arquitetônico em convergência com a reprodutibilidade técnica de demais aspectos

da cultura rural mineira, como a culinária, aliada à reprodutibilidade também de

eventos culturais contemporâneos, como as mostras de cinema.

Ao voltar o olhar para os sujeitos desta pesquisa constatamos que seu tempo

é dedicado principalmente ao trabalho, seja docente ou doméstico, havendo pouco

ou nenhum tempo para atividades de lazer e relaxamento. Percebemos ainda que,

quando se trata de mulheres, nota-se um maior envolvimento com o trabalho

doméstico e o cuidado com a família, o que procuramos compreender à luz da

concepção social e histórica do trabalho e sua relação dialética com o humano.

A relação com a indústria cultural foi outro fator que despontou como

determinante na configuração do cenário estudado. Os sujeitos questionados, em

sua relação com a cultura, construíram um repertório referente ao cinema que vai de

encontro àquele proposto pela Mostra, não demonstrando interesse pela principal

proposta de sua realização: a inovação e a experimentação da linguagem

cinematográfica. Indústria essa que se materializa no turismo que tem destinatário

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certo: sujeitos bem remunerados, muito escolarizados e com gosto pelo intercâmbio

cultural. Ao não se enquadrar no público preterido pelo comércio turístico em

Tiradentes e estarem conscientes disso, muitos desses sujeitos, mesmo moradores

da cidade, se veem desconfortáveis em participar das atividades culturais da cidade.

Em sua prática cultural cotidiana, do lugar de nativos da região, assistem acontecer

a inserção de Tiradentes no mercado global, através do Turismo, sem que consigam

se inserir no processo de maneira legítima, sendo, então, marginalizados por esse

processo. Na condição de sujeitos do interior da cidade, são excluídos da

construção do cenário que atende aos interesses do sujeito do exterior, o turista.

Por último, em sua relação íntima e ininterrupta com os alunos, dada a

configuração do cenário escolar, esses sujeitos se sentem desconfortáveis em estar,

em seu tempo livre, acompanhados daqueles com quem dividem a sala de aula. A

presença constante de alunos nos eventos e locais de lazer da cidade cerceia as

possibilidades desses sujeitos de agirem como bem querem em um cenário que

propõe o divertimento e o relaxamento através do consumo da arte, do álcool, da

culinária, do cenário e do outro. Há, intrínseca em seu discurso, a necessidade de

manter uma determinada postura perante os alunos, que não contrarie muito a

postura em sala de aula, o que impede que em seu tempo livre estejam totalmente

livres do rigor e controle do trabalho, configurando um controle social carregado de

valores morais tradicionais muito contrastantes com a proposta, ou pretensão de

ambiente de vanguarda cultural.

Embora as questões aqui discutidas corroborem os resultados dos outros

poucos trabalhos interessados no tema, compreendemos que ainda há um longo

caminhar no desenvolvimento da pesquisa sobre a relação dos docentescom a

cultura, não se limitando ao estudo da atividade docente, mas também do tempo

livre desses sujeitos. Este estudo foi realizado em um contexto bastante particular: o

da cidade histórica mineira ressignificada pelo turismo, e revelou relações que

possivelmente se repetem em outras realidades com as quais possui maior ou

menor grau de identificação, configurando relações que também merecem ser

estudadas. A inserção dos bens culturais históricos no circuito global da economia

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em concomitância com a produção de eventos como a Mostra de Cinema de

Tiradentes, ao mesmo tempo em que configura uma particularidade da cidade,

também expressa a repetição do modelo de desenvolvimento de outras localidades,

como é o caso de outras cidades com patrimônio histórico preservado no mundo.

No percurso de pesquisa, algumas perguntas persistem: como fazer pesquisa

com sujeitos já tão consumidos por sua carga de trabalho? Que organização esses

sujeitos demandam de nós, pesquisadores, para a realização de uma pesquisa mais

participativa e aplicada? As questões aqui terminam mais suscitadas do que

respondias.

Ensaiamos,aqui,a convergência de interesses nos estudos sobre professores,

comunicação, cultura, trabalho e tempo livre. Interesses que tiveram origem e

desenvolveram-se em áreas diversas do conhecimento e que nos desafiam e

encorajam a construir uma plataforma epistemológica que tenha na emancipação

humana seu objetivo principal e na pesquisa a travessia para sua realização.

Compreendemos, assim, este estudo como o desenvolvimento inicial dessa

travessia. Reafirmamos a potência e a fecundidade das questões: como os

professores se relacionam com a cultura? o que fazem os professores em seu

tempo livre? O que essa configuração nos revela e nos provoca sobre o passado e o

futuro da sociedade?Do lugar da ausência dos grandes eventos, os sujeitos desta

pesquisa, marcados pela identidade docente, veem em seus alunos seres culturais,

produtores de sentidos que valem a mostra, que mereceriam lugar de destaque que

ainda não encontram nos telões temporários que se instalam em Tiradentes. Alunos

estes que, na condição de nativos, representam mais da cultura de Tiradentes do

que os operadores da indústria cultural que ali se instalaram e formataram um

discurso sobre a “cultura mineira” vendável aos consumidores do turismo cultural.

Alunos que possivelmente serão absorvidos pela indústria cultural como copeiros,

faxineiras, camareiras, garçonetes, talvez gerentes, mas, dificilmente, cineastas.

Embora o discurso oficial coloque os empregos gerados na cidade como benefício

da instalação da atividade turística, na visão das duas professoras entrevistadas, há,

em contrapartida, um processo de exclusão e não pertencimento de si e de seus

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alunos no discurso artístico-cultural da cidade de Tiradentes, uma vez que não os

valoriza sequer como consumidores, quiçá como produtores de cultura. Com um

silêncio ensurdecedor e uma ausência perturbadora, esses sujeitos denunciam o

fracasso por detrás do discurso do desenvolvimento cultural valorizado e promovido

em Tiradentes pela indústria cultural, processo que, espero, este trabalho venha a

contribuir em sua transformação para uma forma mais justa social e politicamente.

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APÊNDICES

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

GRUPO DE PESQUISA EM LINGUAGEM, CULTURA E EDUCAÇÃO (UFSJ)

Caro(a) Professor(a),

Meu nome é Rafaela Mahiane Rosa, sou aluna do Mestrado em Educação da Universidade

Federal de São João Del Rei e estou realizando uma pesquisa que pretende conhecer a

participação das/os professoras/es na Mostra de Cinema que acontece na cidade.

Gostaria que você nos ajudasse com sua participação, só assim poderemos ajudar na

compreensão de quem são os sujeitos que compões a classe de professores da cidade de

Tiradentes. Isso nos possibilitará pensar caminhos possíveis para aumentar sua participação

nas atividades da mostra de cinema e enriquecer a prática com o cinema na escola. Ao final

desta pesquisa, seu relatório será compartilhado com as escolas participantes. Asseguramos

que todos os dados serão mantidos em sigilo e sua identidade protegida. Pedimos que nos

digam seu nome, pois haverá uma segunda fase da pesquisa em que gostaríamos de entrevistá-

lo, mas é um dado de preenchimento opcional.

Desde já agradecemos e nos colocamos à disposição.

Contato: [email protected]

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QUESTIONÁRIO

1.0 Nome

2.0 Sexo: ( )Masculino ( ) Feminino

3 – SOBRE A MOSTRA DE CINEMA DE TIRADENTES

3.1 Você já participou da Mostra de Cinema de Tiradentes?

( ) Sempre ( ) Algumas vezes ( )Raramente ( ) Nunca (Vá para a questão 3.7)

3.2 Com quem você costuma ir à Mostra?

Sempre Algumas

vezes

Raramente Nunca

Amigos

Esposa/o ou

Companheiro/a

Filhos

Irmãos

Pais

Sobrinhos

Outros

Parentes

Outros

Outros (Especifique):

3.3 Você assiste filmes durante a Mostra?

( ) Sempre ( ) Algumas vezes ( )Raramente ( ) Nunca

3.4 Descreva brevemente o que você gosta de fazer durante a Mostra de Cinema.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

____________________________________________________________

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3.5 Quais atividades você não gosta de participar durante a Mostra?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

____________________________________________________________

3.6 Com que frequência você vai à eventos ou locais durante a Mostra?

Sempre Algumas

vezes

Raramente Nunca

Salas de Cinema

Oficinas

Seminários

Exposições

Shows

Cinema na Praça

Bares/Restaurantes

Outros

Outros (Especifique):

__________________________________

3.7 Como você fica informado sobre a Mostra de Cinema? (Se for o caso, aqui você pode

marcar até três opções)

( ) Não recebo informações ( ) Amigos ( ) Internet

( ) TV ( ) Colegas de trabalho ( ) Rádio ( ) Panfletos/folders

( ) Vizinhos ( ) Familiares ( ) Outro. Qual? _________________

3.8 Você tem dificuldades para participar da Mostra?

( ) Sim, algumas. ( ) Sim, muitas ( ) Não

Se respondeu sim, descreva brevemente suas dificuldades:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

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___________________________________________________________________________

______

.9 Em relação a recomendar ou sugerir a mostra de cinema de Tiradentes para os/as

professores/as você considera que:

( ) Sempre recomendo ( ) Algumas vezes recomendo ( ) Nunca recomendo

Para qualquer alternativa de resposta, justifique:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

____________________________________________________________

___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________

3.10 Comentário Livre. Conte-nos o que você acha sobre a Mostra de Cinema de Tiradentes.

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

____________________________________________________________

___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________

3.11 Você participa de outros eventos que acontecem em Tiradentes?

( ) Sempre ( ) Algumas vezes ( ) Raramente

( )Nunca (Caso nunca exiba, vá para a questão 4)

3.11.1 Quais eventos?

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

______

4.0 O CINEMA NO DIA A DIA, DENTRO E FORA DA ESCOLA

4.1 Você costuma assistir filmes?

( ) Sim. Vá para a questão 4.1.1 ( ) Não. Vá para a questão 4.2

4.1.1 Marque no quadro abaixo o meio e a frequência com que você assiste filmes, podendo

marcar mais de uma resposta:

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Onde assiste Diariamente Semanalmente Quinzenalmente Mensalmente Raramente

Televisão

DVD/Internet

Sala de

Cinema

4.2 Quais sala de Cinema você costuma frequentar no seu tempo livre? Caso você

frequente alguma que não aparece nas opções, use a parte em branco da tabela para

completá-la.

Sala/Frequência Diariamente Semanalmente Quinzenalmente Mensalmente Raramente

Cine Glória

Shopping

(SJDR)

Cine Glória

(SJDR)

Centro

Cultural Yves

Alves

4.3 Para você o que é mais importante na escolha de um filme? (é possível marcar mais de

uma das alternativas abaixo):

( ) Atores ( ) Diretores ( ) Lugares/Cenários

( ) Tema/Assunto ( ) País de Origem ( )Ano

( ) Outros (especificar)______________________________________________________

______________________________________________________________________

4.4 Você tem preferência por algum gênero de filme?

( ) Sim ( ) Não

4.4.1 Se sim, quais? Assinale, no máximo, os dois gêneros que você mais gosta.

( ) Comédia ( ) Terror ( ) Pornográfico ( ) Drama

( ) Aventura ( ) Infantil ( ) Policial ( ) Histórico

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( ) Documentário ( ) Romance ( ) Religioso ( ) Ficção Científica

( ) Outro (especifique):

________________________________________________________________________

______________________________________________________________

5 USO DE FILMES NA ESCOLA/SALA DE AULA

5.1 Você costuma exibir filmes em seus trabalhos de professor/a

( ) Sempre ( ) Algumas vezes ( ) Raramente

( )Nunca (Caso nunca exiba, vá para para a 6.1)

5.1.1 Em que momentos da sua prática cotidiana na escola você trabalha com filmes? (Se

desejar, você pode indicar mais de uma alternativa)

( ) Quando preciso me ausentar

( ) Quando vou introduzir um conteúdo específico

( ) Quando vou desenvolver alguma parte do conteúdo

( ) Quando vou finalizar um conteúdo específico

( ) Quando quero variar de atividade

( ) Quando vou substituir algum colega

( ) Quando preciso de um tempo meu para fazer algo enquanto os alunos assistem filmes

( ) Quando os alunos pedem

( ) Quando fico conhecendo algum filme importante

( ) Apenas no início do ano

( ) Não tenho momento definido

( ) Outros (especifique): ___________________________________________

6 Caracterização Pessoal

6.1 Idade

( ) Até 25 anos ( ) 26 a 30 ( ) 31 a 35

( ) 36 a 40 ( ) 41 a 45 ( ) 46 a 50

( ) 51 a 55 ( ) 56 ou mais

6.2 Etnia/Cor:

( ) Amarelo ( ) Branco ( ) Indígena ( ) Pardo ( ) Preto

6.3 Com quem mora (Se for o caso, você pode marcar mais de uma alternativa):

( ) Amigos ( ) Esposo/a, Companheiro/a ( ) Irmãos

( )Pais ( ) Filhos ( ) Sozinho/a ( ) Outros parentes

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6.4Cidade onde mora ______________________________ Bairro ______________________

7 FORMAÇÃO PROFISSIONAL E SITUAÇÃO DE TRABALHO

7.1 Formação Escolar

Níveis Curso Completo Incompleto

Ensino Médio Técnico:

Regular:

Ensino Superior:

Graduação

Ensino Superior:

Pós-graduação

Lato Sensu –

Especialização:

Stricto Sensu –

Mestrado:

Stricto Sensu –

Doutorado:

7.2 Há quanto tempo você exerce o magistério? Especifique por nível de ensino no qual

trabalhou.

Nível de Ensino Anos Meses

Superior

Ensino Médio

Ensino Fundamental

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Educação Infantil

7.3 Exerce outra ocupação remunerada?

( ) Sim. Vá para as próximas três questões ( ) Não. Vá para a questão 7.4

7.3.1 Qual ocupação remunerada? _____________________________________________

7.3.2 Qual a jornada semanal desta ocupação? ______________________________________

7.4 Em relação a trabalho doméstico, você o realiza?

( ) Semanalmente Quantas horas? __________

( ) Diariamente Quantas horas?

( ) Nunca realizo

( ) Raramente

( ) Quinzenalmente

( ) Mensalmente

7.5 Qual é sua renda pessoal mensal?

( ) 1 a 2 salários mínimos ( ) 3 a 4 salários mínimos ( ) 4 a 5 salários mínimos

( ) 5 a 6 salários mínimos ( ) 6 a 7 salários mínimos ( ) 7 a 8 salários mínimos

( )8 a 9 salários mínimos ( ) 9 a 10 salários mínimos ( ) Acima de 10 salários mínimos

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7.6 Situação atual de trabalho:

Nome da escola ou

universidade onde

trabalha

Vínculo

funcional:

1- Concursado

estável

2- Concursado

em estágio

probatório

3- Contratado

4- Outros

Turnos

1 – Manhã

2 – Tarde

3 – Noite

Cargo/Função

1 – Professora

2 – Pedagogo/a

3 – Secretária/o

4 – Direção

5 – Outros(especificar)

Disciplina/

Área

de

atividade

Nº de

turmas

Jornada de trabalho semanal (em

horas e minutos)

1 – Especifique

quantas horas

com os

estudantes

2 - Especifique

quantas horas

com outras

tarefas

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8.0 Observações livres: anote aqui algo que você queira dizer sobre este questionário, essa

pesquisa ou esse assunto, isto é, sobre asrelações e práticas dos professores/as com o cinema:

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

___________________________________________________________________________

____________

Local: __________________________________

Data: __________________________________