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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO O ATENDIMENTO AO PÚBLICO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA COMO INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA SOCIAL SALOMÃO ABDO AZIZ ISMAIL FILHO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Área de concentração: 1.1-Jurisdição e Processo Constitucional Recife, outubro de 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

FACULDADE DE DIREITO DO RECIFE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

O ATENDIMENTO AO PÚBLICO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA

COMO INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA SOCIAL

SALOMÃO ABDO AZIZ ISMAIL FILHO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Área de concentração: 1.1-Jurisdição e Processo Constitucional

Recife, outubro de 2009

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SALOMÃO ABDO AZIZ ISMAIL FILHO

O ATENDIMENTO AO PÚBLICO PELO PROMOTOR DE JUSTIÇA

COMO INSTRUMENTO DE ACESSO À JUSTIÇA SOCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Direito da Faculdade de Direito

do Recife/Centro de Ciências Jurídicas da

Universidade Federal de Pernambuco, como

requisito parcial para obtenção do grau de

Mestre.

Área de concentração: 1.1-Jurisdição e Processo

Constitucional.

Orientador: Prof. Dr. Sergio Torres Teixeira.

Recife, outubro de 2009

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Ismail Filho, Salomão Abdo Aziz

O atendimento ao público pelo promotor de

justiça como instrumento de acesso à justiça social /

Salomão Abdo Aziz Ismail Filho. – Recife : O Autor,

2009. 158 folhas.

Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade

Federal de Pernambuco. CCJ. Direito, 2009.

Inclui bibliografia.

1. Justiça social - Brasil. 2. Justiça -

Interpretação. 3. Acesso à justiça social - Direito

fundamental - Brasil - Constituição Federal de 1988.

4. Poder Judiciário - Dificuldades - Acesso à justiça.

5. Negociação - Mediação - Conciliação -

Arbitragem. 6. Brasil - Ministério Público -

Resolução alternativa de conflitos. 7. Ministério

Público - Atendimento à população - Acesso à

justiça - Forma direta. 8. Ministério Público -

Ombudsman (Ouvidor e Defensor) do povo. 9.

Atendimento ao público - Ministério Público de

Portugal, Espanha e Itália - Ministério Público

brasileiro - Direito comparado. 10. Pernambuco -

Ministério Público - Atendimento ao público -

Pesquisa. 11. Promotores públicos - Brasil. I. Título.

342(81) CDU (2.ed.) UFPE

342.81 CDD (22.ed.) BSCCJ2009-030

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Para Paula Catherine de Lira Aziz Ismail, minha

esposa, luz do meu viver, e Beatriz de Lira Aziz

Ismail, minha filha, minha maior alegria e meu

maior estímulo.

Em memória do meu pai, Salomão Abdo Aziz

Ismail.

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“Além de vosso sofrimento, não lamento mais nada.

Bem-feitas as contas, tive a melhor parte. Se eu voltasse,

recomeçaria. Preciso viver. Nas cidades não há mais vida

humana.

Aqui não se trata de aviação. O avião é um meio, não é

um fim. Não é pelo avião que se arrisca a vida. Também

não pela charrua que o camponês lavra. Mas com o avião

deixamos as cidades e os seus escritórios e recuperamos

uma verdade camponesa.

(...)

Não me lamento. Durante três dias caminhei, tive sede,

segui pistas na areia, fiz do orvalho da noite a esperança

de vida. Procurei juntar-me à minha espécie, mas ignoro

em que direção da terra ela vive. E tudo isso são

preocupações dos vivos. Não posso deixar de julgá-las

mais importantes que a preocupação de escolher, à noite,

a que music-hall se deve ir.

Não compreendo mais essas populações dos trens de

subúrbio, esses homens que pensam que são homens e

que entretanto estão reduzidos, por uma pressão que eles

mesmos não sentem, como formigas ao uso que eles se

faz. Como enchem eles, quando estão livres, seus

absurdos pequenos domingos?

(...)

Quanto a mim, sou feliz na minha profissão. Sinto-me um

camponês do ar. No trem de subúrbio sofro uma agonia

bem mais amarga do que esta. Aqui, feitas as contas, que

luxo!

(...) E não se trata de viver perigosamente. Esta fórmula é

pretensiosa. Os toureiros não me agradam. Não é o

perigo que amo. Sei o que amo. É a vida.”

(Antoine de Saint-Exupéry, Terra dos Homens,

tradução de Rubem Braga, Rio de Janeiro, Nova

Fronteira, 2006, p. 117-118)

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RESUMO

ISMAIL FILHO, Salomão. O atendimento ao público pelo Promotor de Justiça como

instrumento de acesso à justiça social. 2009. 144 f. Dissertação de Mestrado – Centro de

Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco,

Recife. A atividade de atendimento ao público do Promotor de Justiça apresenta-se como

instrumento de obtenção do acesso à justiça social através do Ministério Público. A partir de

uma definição constitucional de justiça social e de um estudo sobre o direito fundamental de

acesso à justiça, objetiva o trabalho acadêmico apresentar a atuação extrajudicial do Ministério

Público como uma dos meios alternativos de acesso direto ao valor justiça, independentemente

do Poder Judiciário. Após breve histórico do Ministério Público, a dissertação fundamenta o

atendimento ao público ministerial na função de ombudsman do povo, prevista no art. 129-II

da Constituição Federal. O trabalho realiza estudo detalhado sobre os instrumentos legais à

disposição do Promotor de Justiça para obter diretamente o acesso à justiça. Há, na

dissertação, diretrizes (previsão legal, limites e objeto) sobre o atendimento ao público no

Ministério Público, buscando direcionar tal atividade para os interesses sociais e individuais

indisponíveis, aos quais o Ministério Público, conforme o art. 127, caput, da Constituição

Federal, está vocacionado. Contém, ainda, a dissertação, pesquisa sócio-jurídica sobre o

atendimento à população, no âmbito do Ministério Público de Pernambuco, com a finalidade

de apresentar uma visão prática e real do tema em estudo.

Palavras-Chave: acesso à justiça, Ministério Público e atendimento ao público.

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ABSTRACT

ISMAIL FILHO, Salomão. Title: The Prosecuting Attorney’s public service as an instrument

of access to social justice. 2009. 143 p. Master’s Degree Dissertation – Centro de Ciências

Jurídicas / Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco, Recife. The

Prosecuting Attorney’s public service activity is presented as an instrument to obtain access to

social justice through the Prosecuting Counsel. By means of a constitutional definition of social

justice and a study about the human right to access to justice, this academic paper aims at

presenting the Prosecutor’s out-of-court activity as one of the alternative means of direct

access to justice value, independently of the Judiciary. Following a brief historical account of

the Prosecuting Counsel, the dissertation establishes the Prosecuting Attorney’s public service

in the duty of the people’s ombudsman, due to art. 129-II of the Federal Constitution. The

work carries out a detailed study about the out-of-court instruments at disposal of the

Prosecuting Attorney to obtain direct access to justice. The dissertation presents directives

(lawful foreknowledge, limits and object) about the public service at the Prosecuting Counsel,

trying to address such activity to the unavailable individual and social interests which are

legitimate to the Prosecuting Counsel, according to art. 127, caput, of the Federal

Constitution. A social-legal research on the service to the population, in the scope of

Pernambuco’s Prosecuting Counsel, with the purpose of presenting a real and practical view of

the subject in study, is also presented.

Keywords: access to justice, Prosecuting Counsel and public service.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 10

CAPÍTULO I-A JUSTIÇA SOCIAL: OBJETIVO FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL ............................................................................................... 18

1.1-Reflexões sobre a expressão “justiça” ....................................................................... 18

1.2-Um conceito constitucional de justiça social .............................................................. 21

1.3-A justiça social na República Federativa do Brasil ..................................................... 25

CAPÍTULO II-O ACESSO À JUSTIÇA SOCIAL COMO DIREITO

FUNDAMENTAL CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 .............. 29

2.1-Uma questão preliminar: contextualização do acesso à justiça ................................... 29

2.2-O acesso à justiça e dimensões de direitos fundamentais ............................................ 31

2.3-Constituições comparadas e acesso à justiça ............................................................. 34

2.4-O acesso à justiça como direito fundamental reconhecido pela Constituição

brasileira .............................................................................................................................. 37

CAPÍTULO III-MEIOS ALTERNATIVOS PARA SE OBTER O ACESSO À

JUSTIÇA ............................................................................................................................ 41

3.1-Dificuldades do Poder Judiciário em promover o acesso à justiça .............................. 41

3.2-Principais métodos para a resolução alternativa de disputas ....................................... 46

3.2.1-Da negociação ................................................................................................... 48

3.2.2-Da mediação ..................................................................................................... 49

3.2.3-Da conciliação. Diferenças entre conciliação e mediação ................................... 50

3.2.4-Da arbitragem ................................................................................................... 55

3.3-O Ministério Público e a resolução alternativa de conflitos ........................................ 58

CAPÍTULO IV-MINISTÉRIO PÚBLICO E ATENDIMENTO À POPULAÇÃO:

FORMA DIRETA DE ACESSO À JUSTIÇA ..................................................................... 61

4.1-Breve histórico do Ministério Público ....................................................................... 61

4.2-Evolução histórica do Ministério Público no Brasil ................................................... 65

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4.3-Fundamento jurídico para o atendimento ao público do Promotor de Justiça no

ordenamento brasileiro: Ministério Público como Ombudsman (Ouvidor e Defensor) do

Povo .................................................................................................................................... 69

4.4.-O atendimento ao público no Ministério Público de Portugal, Espanha e Itália –

breve comparativo com o Ministério Público brasileiro ........................................................ 77

4.4.1-Do atendimento ao público no Ministério Público português ............................. 78

4.4.2-Do atendimento ao público no Ministério Público espanhol ............................... 80

4.4.3-Do atendimento ao público no Ministério Público italiano .................................. 84

4.5-Diretrizes para o atendimento ao público do Promotor de Justiça .............................. 86

CAPÍTULO V-INSTRUMENTOS DO PROMOTOR DE JUSTIÇA PARA DAR

EFETIVIDADE AO ACESSO DIRETO À JUSTIÇA A PARTIR DO

ATENDIMENTO AO PÚBLICO ....................................................................................... 94

5.1-Delimitação do capítulo ............................................................................................ 94

5.2-Poder de notificação e “audiência ministerial” ........................................................... 95

5.3-Poder requisitório ..................................................................................................... 97

5.4.-Audiências públicas ............................................................................................... 106

5.5-Instrumento de transação referendado ..................................................................... 108

5.6-Recomendação ....................................................................................................... 110

5.7-Termo de Ajustamento de Conduta ......................................................................... 111

5.8-Reflexões para uma ação efetiva mediante a utilização de termo de compromisso

ou de recomendação ........................................................................................................... 115

5.9-Os riscos do messianismo e da instrumentalização do Ministério Público ................. 118

CAPÍTULO VI-DA PESQUISA SÓCIO-JURÍDICA SOBRE O ATENDIMENTO AO

PÚBLICO NO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO ................. 122

6.1-Considerações iniciais ............................................................................................. 122

6.2-Análise dos dados pesquisados ................................................................................ 124

6.2.1-Primeira pergunta: qual a importância do atendimento ao público no

exercício da função ministerial? ......................................................................................... 124

6.2.2-Segunda pergunta: o atendimento ao público deve ser considerado um

dever funcional do membro do Ministério Público? ............................................................ 125

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6.2.3-Terceira pergunta: o Promotor de Justiça pode fixar dias para o

atendimento ao público? ..................................................................................................... 125

6.2.4-Quarta pergunta: quais as espécies de demandas que devem ser atendidas

pelo Promotor de Justiça em seu atendimento ao público? .................................................. 126

6.2.5-Quinta pergunta: o Promotor de Justiça pode realizar a justiça social

através do atendimento ao público? .................................................................................... 128

6.3-Outras reflexões críticas sobre o resultado da pesquisa ............................................. 128

6.4-Da necessidade de criação de uma Promotoria de Justiça de Ombudsman ................ 130

CONCLUSÕES ................................................................................................................. 133

REFERÊNCIAS................................................................................................................. 145

APÊNDICE ....................................................................................................................... 157

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INTRODUÇÃO

Ante as dificuldades atuais em se efetivar o direito constitucional de acesso à

justiça, previsto no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal de 1988 (alto custo dos

serviços de advocacia e das custas judiciais; demora em se chegar a uma sentença transitada

em julgado, impossibilidade dos serviços de assistência judiciária atenderem a todas as

demandas etc.), é possível encontrar novos caminhos céleres e eficazes para a resolução dos

litígios apresentados pelos integrantes da sociedade em que vivemos, à margem da seara de

tutela do Poder Judiciário?

Será possível que, através do atendimento ao público no Ministério Público,

as partes venham a obter a “justiça”, compondo os seus litígios, por meio da

mediação/negociação do Promotor de Justiça, sem precisar recorrer ao Poder Judiciário? Em

caso afirmativo, quais os limites dessa atuação extrajudicial do Promotor de Justiça? É possível

que se estabeleçam critérios para o atendimento ao público do membro do Ministério Público,

a fim de tornar a sua atividade mais efetiva?

De fato, o Ministério Público, através do atendimento à população,

utilizando os instrumentos legais que tem a sua disposição (audiências públicas,

recomendações, termos de ajustamento de conduta, acordos extrajudiciais, dentre outros) para

a defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis, revela-se não apenas

“função essencial à justiça”, porém, como uma das fontes, efetivamente, produtoras de justiça

social na comunidade, independentemente do Poder Judiciário.

É necessário, porém, que o atendimento ao público, através do Promotor de

Justiça, seja direcionado à defesa de interesses relevantes para a sociedade onde atua, não

sendo possível que a atuação mediatória e extrajudicial do Ministério Público seja utilizada

para a defesa de interesses disponíveis, sem impacto para a sociedade, que digam respeito

apenas à esfera privada de pessoas maiores e capazes.

Quando nos referimos aos interesses relevantes, tratamos dos interesses

sociais (gênero que inclui os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos com

repercussão na sociedade, à luz do art. 81, parágrafo único do CDC) e dos interesses

individuais indisponíveis (aqueles cujo titular não tem a livre disposição, em razão da sua

condição – por exemplo, criança, indígena ou deficiente físico – ou pela natureza do objeto da

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relação jurídica, que está protegido por uma norma de ordem pública – como o direito ao

nome ou o estado civil), conforme previsão expressa do art. 127, caput, da Constituição

Federal.1

A análise da prática de atendimento à população, no Ministério Público de

Pernambuco, permitiu que se indicassem caminhos para uma atuação mais eficiente do

Ministério Público, visando à defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis, conforme escopo inserto no art. 127, caput, da Constituição

Federal.

Eis o objetivo principal desta dissertação: demonstrar que, através do

atendimento à população, o Ministério Público, por meio dos seus membros, na defesa dos

interesses sociais e individuais indisponíveis, apresenta-se como uma forma rápida e eficiente

de acesso à justiça, através do estímulo à autocomposição entre as partes e do seu poder

recomendatório e requisitório, evitando que as partes interessadas recorram ao Poder

Judiciário para compor os seus litígios.2

Deveras, das funções essenciais à Justiça, previstas no Título IV, Capítulo

IV, da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público foi, de certo, a instituição mais

renovada e aquela que recebeu maiores atribuições e responsabilidades. Conforme o art. 127,

caput, da CF/88, o Ministério Público é tratado como instituição permanente, responsável,

como já se destacou, pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses

sociais e individuais indisponíveis.3

Nesse sentido, o art. 129 da Magna Carta, além de consagrar a titularidade

exclusiva da ação penal pública (inciso I) e o controle externo da atividade policial (inciso

VII), atribui ao Parquet inúmeras outras funções, merecendo destaque a tutela do patrimônio

público e social, do meio ambiente e dos outros interesses difusos e coletivos - por meio do

1 Nesse sentido, Carlos Alberto de Salles, Legitimidade para agir: desenho processual da atuação do Ministério

Público, in: Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz (Org.), Ministério Público: instituição e processo, São

Paulo, Atlas, 1999, p. 244. 2 Destaque-se, nesse contexto, o entendimento de Jasson Ayres Torres, quando afirma que a resolução de

litígios pode ocorrer sem a intervenção do Poder Judiciário, através da mediação de terceiros, como o

Ministério Público, legitimado pelo art. 57, parágrafo único, da Lei 9.099/95. Consulte-se: O acesso à Justiça e

soluções alternativas, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2005, p. 174-176. 3 Segundo o Presidente do Supremo Tribunal Federal, na época da promulgação da Constituição de 1988, Luiz

Rafael Mayer, em entrevista publicada no sítio do STF, na internet, no dia 05.10.2008, a Magna Carta deu

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inquérito civil e da ação civil pública (inciso III) e, ainda, a função de assegurar o efetivo

respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância aos direitos previstos na

Constituição Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia (inciso II).

Foi dentro desse perfil constitucional que esta dissertação pretendeu analisar

o atendimento ao público pelo Promotor de Justiça. Pois, trata-se de uma atividade

historicamente desempenhada pelos membros do Parquet, notadamente por aqueles que

respondem por Promotorias de Justiça no interior do Estado.

Demais disso, o atendimento à população é um encargo que ocupa

considerável parcela do tempo do Promotor de Justiça, exigindo, além de conhecimentos

jurídicos, noções de psicologia, relações públicas, mediação e conciliação.

Todavia, se o Ministério Público evoluiu, de órgão responsável pelos

interesses da Coroa (Fazenda Pública), passando pela fase de fiscal da lei e acusador penal,

para se consagrar, com a promulgação da Carta Cidadã de 1988, em Defensor da Sociedade

(zelando pela ordem jurídica, pelo regime democrático e pelos interesses sociais e individuais

indisponíveis), além de ouvidor da população (ombudsman) perante os Poderes Públicos,

também se apresenta necessária uma reflexão sobre a forma e as conseqüências do atendimento

ao público pelo Promotor de Justiça, o qual não poderá se afastar da missão institucional do

MP, insculpida na Constituição Federal.4

Afinal, é através do atendimento à população que o membro do MP tem os

primeiros contatos com a realidade social da localidade onde exerce as suas funções. Inúmeras

questões são trazidas ao Promotor de Justiça, que termina por exercer o papel de ombudsman

(ouvidor do povo) e conciliador, contribuindo decisivamente para o equilíbrio e a paz social da

comunidade.

Logo, o Ministério Público, como ouvidor do povo, utilizando os

instrumentos legais que lhe são outorgados pelo ordenamento jurídico (poder requisitório e

espaço para o Ministério Público agir amplamente na defesa dos interesses do povo brasileiro. Disponível em:

<http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idconteudo=97169>, acesso em: 05.10.2008. 4 As funções do Ministério Público, como titular da ação penal pública e fiscal da lei, têm como marco histórico

a deliberação da Assembléia Nacional Constituinte da França quando, após a Revolução Francesa, decidiu que

haveria um Comissário, responsável pela fiscalização da aplicação da lei e pela correta execução das decisões

judiciais, além do Acusador Público, eleito pelo povo, com a função de sustentar, perante os tribunais, a

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notificatório, recomendação, acordos extrajudiciais, termos de ajustamento de conduta e

audiências públicas), poderá, a partir do atendimento à população, realizar, efetivamente, a

justiça, solucionando os inúmeros problemas trazidos ao Promotor de Justiça pelos

interessados (questões de família; meio-ambiente e patrimônio público, dentre outras), através

da função de atendimento ao público, independentemente de ingressar com medidas

processuais no Poder Judiciário.

Tal constatação torna-se extremamente importante, no momento, quando se

verifica a elefantíase do Poder Judiciário, ocasionada pelas inúmeras ações ingressadas

diariamente; o reduzido número de Juízes por habitantes; os inúmeros recursos e retardos

processuais até o trânsito em julgado da sentença, além da ausência de uma política de

planejamento dos órgãos de cúpula do Judiciário, a fim de tornar célere a atividade judicial,

dando prioridade às causas de interesse coletivo, como ações civis públicas e ações de

improbidade administrativa.

Dentro de tal contexto, o Ministério Público, através dos seus membros,

pode apresentar-se como uma forma ágil, célere e inovadora de acesso à justiça. Pois, a partir

do atendimento à população, utilizando adequadamente as suas funções e atribuições legais,

poderá compor litígios de interesse social/coletivo sem exigir das partes o pagamento de

elevadas custas judiciais e nem que aguardem as delongas da marcha processual.

E isso ocorrerá não apenas em causas de direito de família (acordos de

alimentos, por exemplo), mas também em questões envolvendo interesses difusos, como o

patrimônio público e o meio ambiente, nos limites em que possa haver a composição de

interesses.

Logo, quando se fala em “partes” não se está, evidentemente, fazendo

referência apenas às pessoas físicas, mas também às associações e às outras pessoas jurídicas

interessadas.

O que este trabalho pretendeu demonstrar foram, justamente, os

fundamentos e as técnicas para que o atendimento ao público, através dos Promotores de

Justiça, seja, realmente, um mecanismo de acesso à justiça, possibilitando a defesa de interesses

acusação contra os réus. Conforme, José Eduardo Sabo Paes, O Ministério Público na construção do Estado

democrático de direito, Brasília, Brasília Jurídica, 2003, p. 303.

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sociais e individuais indisponíveis, dentro do próprio Ministério Público, sem a necessidade de

recorrer ao Poder Judiciário.

Enfim, buscou-se dar concretude à função institucional de “Ombudsman e

Defensor do Povo”, prevista para o Ministério Público, conforme o art. 129, inciso II, da

Magna Carta de 1988.

A definição de técnicas e limites para o atendimento ao público do Promotor

de Justiça é extremamente necessária, para que se evitem desvios e excessos em tal atividade,

transformando-a em um mero assistencialismo social, fazendo do membro do Ministério

Público uma espécie de conselheiro familiar, assistente social e substituto de Defensor Público

ou Advogado particular. Ocorrendo isso, sem dúvida alguma, o Promotor de Justiça estará

afastado da defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, comprometendo, assim, o

acesso a tais relevantes interesses.

É preciso que se repense a atividade ministerial, a partir do atendimento ao

público, evitando que o Promotor de Justiça perca tempo com questões patrimoniais,

envolvendo interesses de pessoas maiores e capazes, para que, enfim, através de reuniões,

notificações e termos de compromisso, dentre outras medidas, venha a tratar apenas de

interesses indisponíveis, sociais e de relevância para sociedade onde atua.5

Passadas as fases de renovação da instituição, trazida com a Constituição de

1988, e de reconhecimento social, com a atuação investigativa e denunciativa, anunciada

principalmente pela imprensa escrita e televisiva, a partir de meados dos anos 90, é preciso que

o Ministério Público ingresse na fase de “efetividade”.

Para tanto, a função de atendimento ao público, aonde chegam as primeiras

denúncias e representações ao Parquet, será o alicerce para esta fase de “efetividade” das

ações ministeriais, independentemente de expectativas quanto a decisões judiciais favoráveis.

Todavia, para a efetividade do atendimento ao público do MP, são

necessárias técnicas/caminhos e o uso racional das funções institucionais do Promotor de

5 Segundo Hugo Nigro Mazzilli, o atendimento ao público é uma função típica do Ministério Público, desde que

desvinculado da defesa do interesse particular e disponível do atendido. In: O acesso à justiça e o Ministério

Público, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 100-102.

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Justiça, além de uma análise crítica daquilo que tem sido feito, atualmente, em termos de

atendimento à população pelo próprio Ministério Público de Pernambuco.

Buscou este trabalho apresentar o atendimento ao público como uma

atividade com fundamentação constitucional (arts. 129-II da CF/88, função de

ombudsman/defensor do Povo) e legal (Lei 8.625, de 12.02.93 – Lei Orgânica Nacional do

Ministério Público – e Lei Complementar 75/93 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público

da União, além de outros textos legais aplicáveis às funções do MP), a qual terá como

resultado o acesso extrajudicial ao valor justiça.

Almejou, enfim, auxiliar o aperfeiçoamento do Ministério Público como

instituição política destinada a contribuir para a construção de uma sociedade livre, justa e

solidária, por meio dos fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana (arts. 1º,

incs. II e III, e 3º, inc. I, da CF/88).

Para isso, partiu-se de uma visão geral da evolução histórica do Ministério

Público e do seu atual perfil, no Brasil, delineado pela Constituição Federal de 1988, para

chegar a uma análise jurídica do atendimento ao público como uma das principais funções do

Ministério Público, construindo um caminho técnico, a partir da utilização dos instrumentos

legais postos à disposição do Parquet (poder requisitório e de notificação, acordos

extrajudiciais, recomendação, termos de ajustamento de conduta e audiências públicas), cujo

resultado é a apresentação do atendimento ao público como uma forma de acesso direto ao

valor justiça.

Foi realizada uma análise crítica do atendimento à população no Ministério

Público de Pernambuco, tendo por objeto uma pesquisa realizada com diversos membros do

Ministério Público, de 1ª e 2ª instância, lotados nas diversas regiões do Estado.

A idéia foi desenvolver uma pesquisa sócio-jurídica de baixa complexidade,

tendo por objeto fático a atividade de atendimento ao público desenvolvida pelos Promotores e

Procuradores de Justiça do Ministério Público de Pernambuco, buscando uma visão prática do

tema versado na dissertação, indo além de uma exposição meramente dogmática do problema.6

6 A respeito da pesquisa sócio-jurídica, consulte-se a lição de Luciano Oliveira, Não me fale do Código de

Hamurabi! A pesquisa sócio-jurídica na pós-graduação em Direito, disponível em:

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18

Ou seja, seguindo a lição de Humberto R. Maturana e Francisco J. Varela,

adotou-se por pressuposto a necessidade de expandir o conhecimento para além da própria

experiência adquirida, a fim de evitar extremos objetivistas ou idealistas, em uma atitude de

vigília permanente contra as certezas teóricas absolutas, indo, enfim, ao encontro de outras

visões e conceitos práticos a respeito do tema versado nesta dissertação.7

Até porque, como lembra Thomas S. Kuhn, os exemplos são mais eficazes

do que as teóricas generalizações simbólicas, por isso são determinantes na formação da

estrutura da comunidade/sociedade.8

Seguindo com a pesquisa sócio-jurídica, outrossim, foi elaborada uma análise

do atendimento ao público no âmbito das Promotorias de Justiça da Capital do Ministério

Público de Pernambuco, apresentando-se propostas para tornar ainda melhor tal atendimento.

Breve estudo de legislação comparada, destacando o atendimento ao público

no Ministério Público em Portugal, Espanha e Itália, também foi realizado, em razão da

influência de tais ordenamentos jurídicos na formação do Ministério Público brasileiro.

Buscou-se, ainda, auxílio em decisões jurisprudenciais do Supremo Tribunal

Federal, do Superior Tribunal de Justiça e de alguns Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais

Federais, a fim de mencionar o entendimento judicial sobre a atuação do Ministério Público em

determinadas questões pertinentes ao atendimento ao público e os limites para o exercício dos

instrumentos extrajudiciais à disposição do Promotor de Justiça para a promoção do acesso à

justiça.

Compreende-se, destarte, que esta dissertação, enquanto trabalho científico,

deve analisar não apenas os aspectos externos (conseqüências) da atuação ministerial através

do atendimento ao público, mas também os aspectos internos da instituição (o que pensam os

membros do Ministério Público; qual a orientação institucional a respeito do tema), também

<www.esmape.com.br/downloads/Luciano_Oliveira/Nao_fale_do_codigo_de_Hamurabi.rtf>, acesso em:

13.02.2008. 7 Conforme, Humberto R. Maturana e Francisco J. Varela, A árvore do conhecimento: as bases biológicas da

compreensão humana, tradução de Humberto Mariotti e Lia Diskin, São Paulo, Palas Athena, 2001, p. 261-270. 8 Lembra o mencionado autor, os exemplos compartilhados da prática (experiência) podem ter os mesmos

resultados que as regras meramente teóricas, com a diferença de que os exemplos compartilhados permitem

uma constante reflexão sobre o conhecimento e sobre as conclusões até o momento obtidas. Consulte-se:

Thomas S. Kuhn, La Tensión Esencial – Estudios selectos sobre La tradición y el cambio en el âmbito de la

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levando em consideração os aspectos doutrinários a respeito, ainda que divergentes das

conclusões do nosso trabalho.

Tudo isso dentro de uma proposta metodológica para desenvolver uma

teoria crítica, a respeito do tema proposto, que também possa ser criticada, e, em razão disso,

aprimorar-se e se atualizar, evitando dogmatismos distantes do tecido social onde é

desenvolvido o seu tema, a partir da demarcação do problema e da sua exposição ao debate.9

ciência, tradução para o espanhol: Roberto Helier, 1ª edición, 2ª reimpresión, México, Fondo de Cultura

Económica, 1996, p. 331, 342 e 343. 9 Assim leciona Karl Popper, quando desenvolve um critério de demarcação entre o que é ciência e o que não é

ciência, entendendo que devem ser desenvolvidas teorias que possam ser criticadas, pois o cientista precisa

desenvolver autocrítica das suas próprias teorias, sem furtar-se ao debate. In: Popper – Escritos Selectos, David

Miller (compilador), 1ª ed. em espanhol, México, Fondo de Cultura Económica, 1995, p. 135-139.

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20

CAPÍTULO I

A JUSTIÇA SOCIAL: OBJETIVO FUNDAMENTAL DA REPÚBLICA

FEDERATIVA DO BRASIL

1.1-Reflexões sobre a expressão “justiça”

Antes de chegar à expressão “justiça social”, é importante saber se é possível

definir o que é “justiça”.

Do latim, tem-se a palavra iustitia, expressão que, inicialmente, refere-se à

igualdade entre os cidadãos. Segundo John Rawls, a justiça é a primeira virtude das

instituições sociais, existindo para estas assim como a verdade existe para o pensamento.10

Aristóteles, após afirmar que o transgressor da lei é injusto, sendo justo aquele

que respeita a lei, considera a justiça como uma virtude perfeita, pois quem a possui pode

usufruir dela em relação ao outro e não apenas a si mesmo.11

Platão relaciona justiça com felicidade, defendendo que apenas o justo pode ser

feliz, dentro de uma sociedade organizada; entende, ainda, que, apenas quando os indivíduos

são justos uns com os outros, é que as sociedades e os grupos de homens podem progredir.

No entanto, e aí começa o drama, também afirma o filósofo grego que o

governo pode propagar a idéia segundo a qual o justo é aquele que observa a lei, mesmo que

isso não seja necessariamente verdade. Certamente por isso, em sua obra “A República”,

Platão defenda que a justiça é um bem para todos, manifestando-se como uma vantagem em

favor do mais forte; de outro lado, a injustiça é útil e vantajosa para si mesma, mas nociva para

o mais fraco.12

10 John Rawls, A Theory of Justice, original edition, Cambridge, Massachusetts and London, Harvard

University Press, 1971, p. 03-06. 11 Aristóteles, Ética a Nicômaco, in Sebastiano Maffettone e Salvatore Veca (Orgs.), A idéia de justiça de

Platão a Rawls, tradução de Karina Jannini, São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 50-51. 12 Platão, A República, in Sebastiano Maffettone e Salvatore Veca (Orgs.), A idéia de justiça de Platão a

Rawls, tradução de Karina Jannini, São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 23-29.

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Então, o conceito de justiça redundaria em uma forma vazia, a ser preenchida

conforme o interesse do grupo que detém o poder político? Qualquer tentativa de definir

“justiça” resultaria em um conceito abstrato, sem força concreta dentro do mundo jurídico?

Nesse sentido, parece caminhar Hans Kelsen, quando disserta sobre a

relatividade dos valores, criticando aquilo que chama de “fórmulas vazias de justiça”. Ou seja,

não existe um conceito de justiça absoluto, mas relativo, que depende dos valores que,

racionalmente, decidiu-se incluir como válidos em determinado ordenamento jurídico.

Para Kelsen, o direito natural é um sofisma, pois não é possível estabelecer, a

partir da natureza, valores universais aplicáveis ao ser humano; na verdade, qualquer valor

estabelecido é produto da razão humana e não de uma força transcendente, superior. Segundo

o autor germânico, a fórmula “dar a cada um o que é seu” varia de acordo com o ordenamento

econômico, jurídico e político adotado, não tendo o mesmo conteúdo no sistema capitalista e

no sistema comunista, por exemplo.13

A respeito do tema, Alexandre da Maia escreve sobre o risco de conceitos

“fechados”, sob pena de se incorrer no conceitualismo “coimbrão” do século XIX. Para isso,

propõe o recurso da racionalidade para compreensão do direito, seguindo-se o exemplo de

juristas como Vieweg e Perelman, através da fronesis, isto é, prudência na arte de

compreender o direito.

Mas, o Professor da Faculdade de Direito do Recife deixa claro que não é

possível chegar a um consenso sobre ideais de justiça e/ou preceitos morais, do ponto de vista

filosófico, em razão do mundo de diversidade cultural em que vive a sociedade

contemporânea.14

Dentro dessa visão racionalista, Norberto Bobbio, após reconhecer que a força

é necessária para a realização do direito, colocando o poder como fundamento último de uma

ordem jurídica positiva, afirma, o direito não coincide com a justiça, no sentido de que o

direito positivo, definido a partir da norma fundamental, define-se pelo que ele é e não pelo

que deveria ser (justiça).

13 Hans Kelsen, O que é justiça? A justiça, o direito e a política no espelho da ciência, 3ª ed., tradução de Luís

Carlos Borges, São Paulo, Martins Fontes, 2001, p. 1-25. 14 Alexandre da Maia, Cais (Parte 2), Alexandre da Maia e suas doideiras... Notas de um cardisplicente,

disponível em: <http://damaia.blog.uol.com.br/arch2005-05-29_2005-06-04.html>, acesso em: 09.08.2008.

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Segundo o saudoso pensador italiano, o ordenamento jurídico, a partir da

norma fundamental, dá legitimidade jurídica (e não necessariamente moral) aos detentores do

poder. O direito seria, assim, expressão dos mais fortes e não dos mais justos.

Então, em paralelo com aquilo já fora dito por Kelsen, defende Bobbio que a

jurisdicidade das normas do ordenamento jurídico é definida não pelo seu conteúdo, mas pelo

simples fato de tal norma pertencer ao ordenamento, observada a hierarquia de normas, desde

as normas inferiores, até a norma fundamental.15

No entanto, aqui se defende, o conceito de justiça, embora se manifeste sempre

como um valor relativo, será diagnosticado de acordo com os valores determinados por cada

ordenamento jurídico, positivados através da Constituição ou norma fundamental de cada

Estado.

Ou seja, a partir da escolha dos valores que devem orientar o ordenamento

jurídico, através daqueles que detêm a legitimidade para escolher tais valores (no regime

democrático, através dos parlamentares, eleitos pelo Povo, em regra), é possível, sim, chegar-

se a uma definição de justiça, que reflita as opções valorativas de determinada sociedade. E

isso se aplica, inclusive, à idéia de justiça social.

O próprio Kelsen, de certa forma, admite isso, quando afirma acreditar não em

uma justiça absoluta, mas em uma justiça relativa, baseada na liberdade, na paz, na democracia

e na tolerância.16

Ora, essa idéia de justiça relativa é perfeitamente aplicável aos ordenamentos

jurídicos, cujos valores são expressos através da norma fundamental do sistema de direito.

Mesmo em um regime autocrático, é possível extrair valores que poderão servir a um conceito

de justiça relativo para aquela específica realidade, como, por exemplo, o respeito, a fidelidade,

o dever dos familiares de prestarem alimentos uns aos outros etc.

Por isso, partindo de um conceito de justiça relativizada, definida a partir da

norma jurídica fundamental, a expressão “justiça social” não deve ser interpretada como um

15 Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurídico, 10ª ed., tradução de Maria Celeste C. J. Santos,

Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1997, p. 65-70. 16 Hans Kelsen, O que é justiça? A justiça, o direito e a política no espelho da ciência, 3ª ed., tradução de Luís

Carlos Borges, São Paulo, Martins Fontes, 2001, p. 25.

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conceito vazio, mas como um conceito que pode servir de referência e como meta a ser

atingida pela sociedade, a partir da ordem jurídica estabelecida.

1.2-Um conceito constitucional de justiça social

Reconhece-se a diferença entre direito e justiça; que o direito, antes de tudo,

expressa-se através da força estabelecida, pois, como disse Jacques Derrida, o direito é sempre

uma força autorizada, justificada através de um fim a ser buscado.

No entanto, o fim a ser alcançado pelo direito é a justiça e, no ordenamento

jurídico brasileiro, a justiça social. É certo que as leis não são justas porque são leis; seriam

elas normas jurídicas legítimas, não necessariamente justas.

Porém, a partir do momento em que a norma suprema de um sistema jurídico

(Constituição) alberga os valores fundamentais para a sociedade a que se destina, é possível

que o direito seja direcionado, a partir dos operadores jurídicos (legislador infraconstitucional,

Poder Executivo; Poder Judiciário e órgãos autônomos, como o Ministério Público), para a

realização de tais valores. A concretização de tais valores é o que chamamos de justiça social.

Afinal, voltando à doutrina de Jacques Derrida, a decisão de um juiz não deve

apenas seguir uma regra de direito, mas deve buscar o seu valor, através de uma de

interpretação reinstauradora, reinventando a lei para aquele caso concreto.17

Mas, como reinventar a lei para um determinado caso concreto, sem estar

guiado por valores os quais irão orientar o aplicador do direito?

A resposta a tal questionamento é um dos pontos que se defende neste trabalho,

ou seja, a reinvenção da lei, para o caso concreto da sua aplicação, será feita a partir dos

princípios e postulados do ordenamento jurídico, os quais, no sistema de tradição romanística,

são expressos, geralmente, através da norma escrita de mais alta hierarquia do sistema, ou seja,

a Constituição.18

17 Jacques Derrida, Força de lei: o fundamento místico da autoridade, tradução de Leyla Perrone-Moisés, São

Paulo, WMF Martins Fontes, 2007, p. 3-45. 18 Os sistemas jurídicos romanísticos, como a Alemanha e o Brasil, que seguem a tradição do Direito Romano,

extraem a sua validade a partir de normas jurídicas escritas, isto é, positivadas através de um órgão produtor de

“leis” (parlamento). Nos sistemas jurídicos do commmon law, por outro lado, não existe um ato formal de

produção do direito centralizado em um único órgão, pois os juízes buscam a validade das suas sentenças em

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Interpretar a lei, a partir dos princípios constitucionais, é, antes de tudo,

valorizá-la e não o inverso. Não se está pregando o culto exclusivo às normas constitucionais,

mas uma análise jurídica onde a aplicação de qualquer norma jurídica, dentro do sistema, deve

ser orientada pelos princípios fundantes daquele mesmo sistema, com a finalidade de realizar a

justiça social.

De outro lado, Gustavo Ferreira Santos alerta que as normas constitucionais

não são produto da inspiração divina, mas o resultado da ação humana, muitas vezes dentro de

um contexto de negociatas e trocas de favores dos grupos que disputam o poder político.19

Esse aspecto não se nega, até porque as normas constitucionais são feitas por

homens, sujeitos a virtudes e defeitos; a erros e acertos.

Entrementes, inegável é que, apesar dos “conchavos” e das “negociatas” a que

pode estar sujeita qualquer Assembléia Nacional Constituinte, no Brasil ou em qualquer outro

país, surgem valores, princípios e objetivos, levados à Constituinte pela própria comunidade ou

pelos parlamentares, com as quais a sociedade concorda que são fins a serem alcançados e é

em nome desses fins que os juízes e operadores da lei, de modo geral, devem direcionar a

aplicação do direito.

Como exemplo, pode ser citado o preâmbulo da Constituição portuguesa de

1976, onde, após se noticiar a queda do regime totalitário então reinante, albergam-se os

novos valores do regime democrático que se instaurava: liberdades e direitos fundamentais,

para a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.

Deveras, como explica Ronald Dworkin, dentro de uma idéia de Estado de

Direito centrado na realização dos direitos individuais, os julgadores devem basear as suas

decisões em princípios políticos (o que não é a mesma coisa de utilizar argumentos oriundos de

uma conduta ou de um procedimento político).

outras sentenças, prolatadas por outros juízes em casos similares. É o chamado direito consuetudinário judicial,

que tem por berço a Inglaterra. É o ensinamento de Enrique R. Aftalión, José Vilanova e Julio Rafffo. Consulte-

se: Enrique R. Aftalión et al., Introducción al Derecho, 3ª ed., Buenos Aires, Abeledo-Perrot, 1999, p. 235-

236. 19 Gustavo Ferreira Santos, Constituição e Democracia: reflexões sobre permanência e mudança da decisão

constitucional, in: Torquato da Silva Castro Jr. et al. (Orgs.), Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em

Direito UFPE, nº 15, Recife, Universidade Federal de Pernambuco, 2005, p. 162.

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Assim, dentro de tal contexto, propõe Dworkin uma teoria constitucional

independente das intenções e/ou convicções dos constituintes, a qual, em um primeiro nível,

defina a sua linha política e moral de atuação e, posteriormente, em um segundo nível, venha a

perseguir as intenções históricas dos constituintes, na época da elaboração da Constituição.20

Konrad Hesse reconhece que a Constituição é o resultado da expressão das

forças dominantes de um país (forças armadas, poder econômico, poder intelectual e cultural).

Todavia, defende que os princípios e valores constitucionais podem se tornar

uma força normativa, vinculando os responsáveis pela vida do Estado, desde que se consiga

criar uma consciência coletiva de respeito à Constituição, expressada através de uma “vontade

de constituição”, ao invés de uma “vontade de poder”.21

É interessante, nesse aspecto, a visão oposta de Alexandre da Maia, quando

alerta para o perigo do racionalismo moderno, que procura impor valores universais a todas os

ordenamentos sociais, através dos “ismos”, como as expressões positivismo e

neoconstitucionalismo, criando uma expectativa de “boa nova” no futuro. Destaca, ainda,

sobre a dificuldade do Poder Judiciário, inclusive do ponto de vista da legitimidade, de decidir

a respeito de conceitos com fundo moral, como a dignidade da pessoa humana.22

Defende-se, no entanto, o surgimento de valores constitucionais de acordo com

a Constituição de cada ordenamento jurídico e, embora não se afaste a existência de direitos

fundamentais universais (como o direito à alimentação, à saúde ou à moradia digna), a idéia de

justiça social aqui advogada vincula-se à realização dos valores escolhidos como principais

para aquela sociedade, preferencialmente através de uma Constituição promulgada, elaborada

por representantes do Povo.23

20 Ronald Dworkin, Uma questão de princípio, 2ª ed., tradução de Luís Carlos Borges, São Paulo, Martins

Fontes, 2005, p. 6-16; 37-38 e 75-79. 21 Konrad Hesse, A força normativa da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Sergio Antonio

Fabris Editor, Porto Alegre, 1991, p. 9 e 19. 22 Alexandre da Maia, História dos conceitos e raciocínio jurídico: analisando o conceito de direito subjetivo,

23º Congresso Mundial de Filosofia do Direito e Filosofia Social, Cracóvia, IVR – Internationale

Vereinigung für Rechts- und Sozialphilosophie, 2007, p. 7-9. 23 Víctor de Currea-Lugo, a propósito, entende que o direito humano à saúde possui uma natureza universal. O

referido autor chega a afirmar que negar a universalidade de certos direitos humanos é negar a própria

existência dos direitos humanos. Consulte-se: La salud como derecho humano – 15 requisitos y uma mirada a

las reformas, Bilbao, Universidade de Deusto, 2005, p. 19-23.

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E se se tratar de uma constituição outorgada, imposta por um ditador? Como já

se disse antes, poderão ser extraídos dela valores, que podem ou não sinalizar para um

conceito relativo de justiça, não necessariamente social, a depender da cultura e do modo de

vida do ordenamento a que se destina. Sim, pois o exercício de um regime autoritário pode ter

conseqüências diferentes em países do ocidente e do oriente, por exemplo.

Ou seja, a crítica filosófica no sentido de que um princípio ou valor

constitucional nada significa, por contrariar uma realidade social, não procede porque a

Constituição reflete não apenas a realidade histórica do seu tempo mas a realidade histórico-

social que se quer para determinada sociedade.

Em caso de conflito entre constituição jurídica e realidade social, não se deve,

desde logo, considerar a Constituição como parte mais fraca, descartando-a; pelo contrário,

em nome da força normativa da Constituição, o aplicador do direito deverá buscar a aplicação

do princípio ou valor constitucional consagrado, convencendo os detentores do poder político

da vontade constitucional.24

E dentro deste contexto de vontade constitucional, está o conceito de justiça

social, indispensável na realidade jurídica atual, principalmente nos povos da América Latina.

Tem-se por referência uma idéia de justiça distributiva, como defendido por

John Rawls, pois a justiça social apenas é alcançada se tiver uma finalidade eqüitativa, no

sentido de dividir os direitos fundamentais entre todos os indivíduos.

Rawls, no entanto, vincula a justiça social à idéia do contrato social de Rosseau

e Kant; este trabalho defende um conceito de justiça social a partir dos objetivos/valores

fundamentais consagrados na Constituição, ou seja, na norma suprema do ordenamento

jurídico.25

Tem-se por referencial, então, uma justiça social vinculada a um movimento de

constitucionalismo construtivista, no sentido de assegurar a realização dos direitos sociais

24 Konrad Hesse, A força normativa da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Sergio Antonio

Fabris Editor, Porto Alegre, 1991, p. 9,19 e 24-27. 25 John Rawls, Uma teoria da justiça, 3ª ed., tradução de Jussara Simões e Álvaro de Vita, São Paulo, Martins

Fontes, 2008, p. 04-21.

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27

mínimos, através da justiça, seja por meio do Poder Judiciário, seja através de outras formas

alternativas de acesso ao valor justiça, como a mediação, a conciliação e a arbitragem.

Como explica Rodolfo Arango, as conseqüências econômicas, sociais e até

culturais do processo de globalização econômica não podem ser ignoradas pelo jurista; assim,

é necessário que seja desenvolvida uma idéia de justiça social, a fim de que sejam assegurados

direitos sociais mínimos, como a alimentação e a moradia, ao cidadão.

Porém, esse conceito de justiça social é extraído a partir do texto constitucional,

dentro de um enfoque construtivista (e não destrutivista) do conceito de justiça, respeitando-se

os códigos culturais da sociedade em que se deseja aplicar a Constituição. Arango, a

propósito, exalta o art. 1º da Constituição da Colômbia, o qual institui um Estado Social de

Direito e não apenas um Estado de Direito.26

1.3-A justiça social na República Federativa do Brasil

A justiça social constitui-se em objetivo fundamental do Estado brasileiro.

Melhor dizendo, a justiça social é o resultado da realização dos objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil, devidamente descritos no art. 3º da

Constituição Federal de 1988 (construção de uma sociedade, livre, justa e solidária; garantia

do desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza/marginalização e redução das

desigualdades sociais e regionais bem como a promoção do bem de todos, sem preconceitos e

discriminações), a partir da observância do princípio da dignidade da pessoa humana, dos

direitos fundamentais e sociais e dos postulados albergados pela ordem econômica e financeira

e pela ordem social da Magna Carta (arts. 1º-III, 5º, 6º, 7º, 170 e 193 da CF/88).

O próprio preâmbulo da atual Carta Constitucional já faz menção à justiça como

valor supremo, a ser assegurado no Estado Democrático de Direito.

Gomes Canotilho, ao comentar o art. 2º da Constituição portuguesa, que

consagra como objetivo do Estado a realização da democracia econômica, social e cultural,

doutrina que se trata de um princípio sob a forma de “autorização constitucional”, dirigido aos

26 Rodolfo Arango, Constitucionalismo, Estado Social de Direito e realização integral dos direitos, in Maria

Helena Rodriguez Ortiz (Org.), Justiça Social: uma questão de direito, Rio de Janeiro, FASE (Federação de

Órgãos para Assistência Social e Educacional) e DP&A Editora, 2004, p. 19-44.

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órgãos de direção política da nação (Executivo e Legislativo), a fim de adotarem as medidas

necessárias para uma evolução da ordem constitucional, sob a ótica de uma justiça

constitucional, que se revela, enfim, em uma justiça social.27

Mas, como alerta José Afonso da Silva, será que a justiça social, revelada

através de um Estado Social de Direito, não se apresenta como um conceito vago, sem uma

definição precisa, que pode ser usado, inclusive, por regimes totalitários, como o fascismo?28

Contudo, no caso brasileiro, a própria Constituição de 1988 apresenta

dispositivos que permitem concretizar ou, pelo menos, servir de ponto de partida para uma

definição jurídica de justiça social.

O princípio da dignidade da pessoa humana, força fundante e orientadora de

todos os direitos fundamentais, é um deles, conforme o art. 1º-III da CF/88.

No dizer de Kildare Gonçalves Carvalho, os direitos fundamentais seriam,

assim, explicitações do princípio da dignidade da pessoa humana, pois, em cada direito

fundamental há o conteúdo e uma projeção da dignidade da pessoa humana.29

Tal princípio combina-se, no sentido interpretativo, com os direitos sociais

previstos no art. 6º da Constituição (educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança,

previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados).

Os direitos sociais trabalhistas estão insculpidos no disposto do art. 7º da Carta

Suprema, o qual consagra, constitucionalmente, inúmeras garantias para o trabalhador, como o

seguro-desemprego (inciso II); o 13º salário (inciso VIII) e o repouso semanal remunerado

(inciso XV).

Mencionem-se, ainda, os títulos VII e VIII da Magna Carta de 1988, que

tratam, respectivamente, da ordem econômica e financeira e da ordem social.

27

José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 1999, p. 323-326. 28 Para o referido autor, mais segura é a expressão Estado de Direito Social ou, então, Estado de Direito

Econômico. Consulte-se: José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 22ª ed., São Paulo,

Malheiros, 2003, p. 115-117. 29 Kildare Gonçalves Carvalho, Direito Constitucional – Teoria do Estado e da Constituição, Direito

Constitucional Positivo, 14ª ed., Belo Horizonte, Del Rey, 2008, p. 654-657.

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29

Por conseguinte, o art. 170 da CF/88 informa que a ordem econômica, fundada

na valorização do trabalho e na livre iniciativa, deverá observar os ditames da justiça social,

através de princípios como a função social da propriedade (inciso III); a defesa do consumidor

(inciso V); a livre concorrência (inciso IV) e a defesa do meio ambiente, inclusive através de

tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental de produtos e serviços (inciso VI, com

redação dada pela EC 42/2003).

Já o art. 193 da Constituição consagra como objetivos da ordem social da

República brasileira o bem-estar e a justiça social. No dizer de Paulo César Santos Bezerra, a

ordem social manifesta-se através do princípio da socialidade, núcleo firme do Estado

constitucional democrático.30

É importante mencionar também que, dentro da ordem social (título VIII da

Constituição Federal), existem normas de efeitos concretos, cujo objetivo é realizar, na prática,

a justiça social, buscando assegurar os direitos sociais da saúde e educação para a população.

Assim, são os arts. 198, § 2º, acrescentado pela EC 29/2000 (aplicação de

percentuais mínimos na saúde pela União, Estados, DF e Municípios) e 212 (aplicação de

percentuais mínimos, da receita proveniente de impostos, pelas entidades da federação

brasileira, para a manutenção e desenvolvimento do ensino).

Tais normas nada mais são do que a concretização do princípio da reserva do

financeiramente possível, cânone constitucional desenvolvido a partir da idéia de Constituição

dirigente e Estado provedor, a fim de assegurar, no orçamento das entidades de direito

público, o valor destinado à efetivação dos direitos sociais, com destaque para a saúde e a

educação.31

Caminha-se, enfim, com Ingo Sarlet, no sentido de interpretar os direitos sociais

ou direitos prestacionais, expressão maior da realização da justiça social, não como

instrumentos de manipulação ou ilusão, mas como normas constitucionais de dimensão

30 Paulo César Santos Bezerra, Lições de teoria constitucional e de Direito Constitucional, Salvador, Jus

Podivm, 2007, p. 323-325. 31 Consagram o princípio da reserva do financeiramente possível os autores Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio

Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco. In Curso de Direito Constitucional, 2ª ed., São Paulo,

Saraiva, 2008, p. 1367.

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30

programática que, no mínimo, impõem ao legislador e ao aplicador do Direito a

responsabilidade de efetivá-los.32

Decorrência disso é o desenvolvimento de princípios, pela doutrina e pela

jurisprudência, como a “reserva do financeiramente possível” (já mencionado) e o da

“proibição do retrocesso” (impossibilidade de se revogar normas jurídicas que concretizaram

direitos sociais assegurados constitucionalmente), os quais, aliados aos princípios da

razoabilidade e da proporcionalidade, são instrumentos de efetivação da justiça social, seja

através da legislação, seja através de decisões judiciais.

Mencione-se, a propósito, decisão do Supremo Tribunal Federal, que,

fundamentando-se no princípio da proibição do retrocesso social, deu interpretação conforme a

Constituição ao art. 14 da EC 20/90, no sentido de assegurar às servidoras em licença-

maternidade o recebimento do valor integral do seu salário, ainda que acima do teto dos

benefícios da Previdência Social, devendo esta e não o empregador ficar responsável pela

diferença entre o salário da gestante e o mencionado teto previdenciário.

Ao contrário, estar-se-ia estimulando que os empregadores, para não arcar com

tal custo, passassem a contratar apenas homens e não mulheres ou, então, adotassem a prática

de pagar uma remuneração menor às mulheres, de modo que, dentro do seu teto, a Previdência

Social continuasse responsável pelo pagamento da licença à gestante.33

Nesse sentido, é o entendimento de Nagibe de Melo Jorge Neto, quando afirma

que o Poder Judiciário, com o auxílio do Princípio da Proporcionalidade, poderá, ao ser

acionado, cobrar do Poder Público a destinação de verbas orçamentárias para que seja

assegurado o “mínimo existencial” dos direitos fundamentais, podendo, inclusive, em situações

extremas e agindo com eqüidade, autorizar a relocação de verba pública de uma rubrica

orçamentária para outra, cuja satisfação venha a atender os direitos fundamentais.34

32 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, 9ª ed., Porto Alegre, Livraria do Advogado,

2008, p. 299-300; 313-314; 383-384 e 463-465. 33 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Medida Cautelar na ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade

1946/DF, relator: Min. Sydney Sanches, órgão julgador: Tribunal Pleno, Brasília (DF), 29 de abril de 1999,

disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=proibição%20do%20retrocesso&base=

baseAcordaos>, acesso em: 09.06.2009. 34 Nagibe de Melo Jorge Neto, O Controle Jurisdicional das Políticas Públicas – concretizando a democracia

e os direitos sociais fundamentais, Salvador, Jus Podivm, 2009, p. 145-157.

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31

CAPÍTULO II

O ACESSO À JUSTIÇA SOCIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

2.1-Uma questão preliminar: contextualização do acesso à justiça

O conceito de acesso à justiça não se limita apenas ao acesso ao Poder

Judiciário, ou seja, à via jurisdicional. Busca-se, então, um conceito amplo de acesso ao valor

justiça e não apenas de acesso ao Poder Judiciário.

O direito de acesso à justiça significa direito à realização da justiça, em todos os

Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e órgãos da Administração Pública, bem como

nas relações de direito privado.

Ou seja, ao particular, através do direito de petição; da participação em

procedimento administrativo ou mesmo por meio de órgãos criados pelo Poder Público a fim

de mediar e solucionar conflitos, deve ser assegurado o acesso à justiça.

O mesmo vale para as relações de direito privado, quando a aplicação do direito

de acesso ao valor justiça, por exemplo, deve assegurar ao trabalhador não ser demitido de

forma abusiva ou arbitrária, sendo-lhe assegurada uma ampla defesa na instituição em que

trabalha, podendo se defender de determinada acusação que lhe é feita; isso também se aplica

às relações contratuais, as quais, além de poderem prever a solução de conflitos através de

árbitros, também poderão exigir o rompimento contratual mediante prova da irregularidade

cometida pela outra parte, assegurando a esta ciência do vício que lhe é apontado, além de

meios para se defender da suposta irregularidade.

Defende-se, como Konrad Hesse, uma idéia de proteção jurídica efetiva e não

apenas formal, voltada para assegurar a validade dos direitos fundamentais consagrados na

Constituição.35

35 Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, tradução de Luís

Afonso Heck, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 269-274.

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32

Essa idéia há de ser entendida, inclusive, perante as normas jurídicas que

tutelam os procedimentos de acesso à justiça, sejam eles administrativos ou judiciais. Ou seja,

o acesso à justiça significa um direito à participação procedimental, de natureza fundamental,

como destaca Gomes Canotilho, a ser invocado em qualquer das esferas de Poder.36

Não se comunga, portanto, com a forma de abordar o assunto, utilizada por

alguns tratadistas brasileiros, os quais preferem entender o acesso à justiça apenas como

“acesso ao Poder Judiciário” ou “Princípio do Direito de Ação”, em uma interpretação isolada

do art. 5º-XXXV da CF/88, como parecem fazer Uadi Lammêgo Bulos37

e George

Marmelstein.38

Luta-se por um conceito de acesso à justiça como sinônimo do direito a uma

ordem jurídica justa, a ser observado por aqueles que exercem o poder decisório sobre os

direitos de outrem.

Logo, não se trata de um problema pontual do Poder Judiciário, mas de uma

questão que demanda interesses de todos os outros órgãos e poderes públicos, sendo o

resultado de opções políticas, sociais, econômicas e culturais.39

Nesse aspecto, no caminho doutrinário de um conceito amplo do princípio de

acesso à justiça, doutrinam Mauro Cappelletti e Bryant Garth ao dissertarem sobre as “ondas

de acesso à justiça”.

Os referidos autores, em pesquisa elaborada nos anos 70, com ênfase no estudo

dos ordenamentos jurídicos americano e europeu, destacaram a existência de três “ondas”

(movimentos) para aumentar, isto é, promover o acesso à justiça.

A primeira onda seria a assistência judiciária, ou seja, o acesso à justiça passa,

necessariamente, pelo fornecimento de serviço jurídico gratuito à população carente, o que

poderá ser efeito, em regra, através de escritórios de advocacia ou de Advogados custeados

36 A propósito, consulte-se José Joaquim Gomes Canotilho, Estudos sobre Direitos Fundamentais, 1ª ed.

brasileira, 2ª ed. portuguesa, São Paulo, RT, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 73. 37 Uadi Lammêgo Bulos, Constituição Federal anotada, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 222-226. 38 George Marmelstein, Curso de Direitos Fundamentais, São Paulo, Atlas, 2008, p. 150-153. 39 A propósito, consulte-se a obra de Luciana Camponez Pereira Moralles, Acesso à justiça e princípio da

igualdade, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2006, p. 51-59.

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33

pelo Estado para cada trabalho realizado ou mesmo através de um órgão público específico,

constituído por Advogados integrantes dos quadros funcionais do Poder Público.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 criou a Defensoria Pública,

instituição que congregou o antigo serviço de Assistência Judiciária, garantido orientação

jurídica e defesa àqueles que comprovem insuficiência de recursos (v. arts. 5º-LXXIV e 134 da

Magna Carta).

No entanto, o orçamento será sempre um obstáculo para a atuação da

assistência judiciária por meio do Poder Público. Isso pode ser verificado, hoje, no Brasil, onde

o reduzido quadro de Defensores Públicos da União e dos Estados Federados não é suficiente

para atender a todas as demandas da população carente de recursos financeiros.

Há uma esperança, porém, que tal obstáculo comece a ser vencido, a partir da

autonomia funcional e orçamentária da Defensoria Pública, conforme prevê o § 2º do art. 134

da Constituição, acrescentado pela Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004.

A segunda “onda”, no dizer de Cappelletti e Garth, representa os interesses

difusos, coletivos, grupais ou fragmentados e a sua representação em juízo. Ou seja, os direitos

difusos ou coletivos, apresentados como sinônimos pelos referidos autores, são direitos

amplos, que beneficiam a sociedade como um todo (ou boa parte dela) e necessitam ser

representados em juízo por um órgão ou instituição capaz de defender, de forma célere, tais

interesses.

Por fim, chega-se à terceira “onda”, na qual defendem uma concepção mais

ampla do acesso à justiça, melhorando a representação e as formas de acesso ao valor justiça,

por meio de novos canais, além da via judicial, como a arbitragem, a mediação e a

conciliação.40

2.2-Acesso à justiça e dimensões de direitos fundamentais

O direito de acesso ao valor justiça encontra-se inserido em qual categoria dos

direitos fundamentais? Seria ele um direito de 1ª, 2ª ou 3ª “geração”?

40 Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Acesso à Justiça, tradução de Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre,

Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 32-51 e 67-73.

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34

Primeiramente, é importante enfatizar que se adota a teoria desenvolvida por

Robert Alexy, segundo a qual os direitos fundamentais não se apresentam através de gerações

que se sucedem, mas através de dimensões, as quais coexistem, podendo um mesmo direito ser

visto sob três óticas diferentes.

Ou seja, os direitos de liberdade frente ao Estado (1ª dimensão); os direitos

sociais ou de prestação frente ao Estado (2ª dimensão) e os direitos difusos e coletivos,

pertencentes não a um indivíduo determinado, mas à coletividade (3ª dimensão), não se

sucedem, mas coexistem entre si.

Um exemplo importante seria o direito ao meio ambiente, apresentado por

Alexy como um direito fundamental completo. Afinal, pode ser analisado como um direito de

liberdade ou de defesa (exigir de um outro particular ou do Estado abstenções de

comportamentos que comprometam o meio ambiente); um direito a uma prestação positiva do

Estado contra a degradação ambiental e, acrescenta-se, um direito difuso, pertencente a toda

coletividade, a partir da idéia de preservação do meio ambiente para as presentes e futuras

gerações.41

No mesmo diapasão, caminha Paulo Bonavides quando, após dissertar sobre os

direitos de 1ª geração (de liberdade, individuais); de 2ª geração (direitos sociais, de

solidariedade); de 3ª geração (direito de fraternidade, pertencentes ao gênero humano, como o

direito à paz e ao desenvolvimento) e até de 4ª geração (decorrentes da globalização política,

como o direito à democracia, ao pluralismo político e à informação), conclui pela primazia do

termo “dimensão”, em vez de “geração”.

Segundo o doutrinador cearense, os direitos fundamentais não se sucedem, mas

se concretizam, como se fossem conseqüência uns dos outros e corolário de uma globalização

política e não apenas econômica.42

É necessário mencionar, ainda, a posição de Bruno Galindo, o qual concorda

com a teoria dimensional dos direitos fundamentais, destacando que a realização dos direitos

41 Robert Alexy, Teoria dos Direitos Fundamentais, tradução da 5ª edição alemã de Virgílio Afonso da Silva,

São Paulo, Malheiros, 2008, p. 248-252 e 442-443. 42 Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, 8ª ed., São Paulo, Malheiros, 1999, p. 514-526.

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35

fundamentais não é substitutiva, como a teoria geracional dá a entender, mas expansiva e

cumulativa.

Como exemplo do seu pensamento, cita o referido autor os países do leste

europeu, na época dos regimes “socialistas”, sob a orientação da então União Soviética, onde,

a partir de uma visão de substituição das gerações dos direitos fundamentais, os direitos de

liberdade foram suprimidos para dar lugar a direitos sociais, que seriam fornecidos pelo

Estado. Ao final, houve dificuldade de concretizar os próprios direitos sociais porque estes se

encontravam interligados com os direitos de liberdade, outrora aniquilados.43

Diante dos argumentos expostos, em qual categoria de direito fundamental

encontra-se o acesso à justiça?

O direito de acesso à justiça é um direito fundamental completo, o qual possui

uma dimensão de direito individual (o direito do cidadão de, voluntariamente, acionar ou

peticionar aos órgãos judiciais ou administrativos, em busca da defesa dos seus direitos); social

(direito de exigir do Estado o aparelhamento do Poder Judiciário e de órgãos de conciliação,

mediação e arbitragem, a fim de promover o valor justiça) e difuso (direito da coletividade à

justiça, seja no plano jurisdicional ou administrativo).

Gomes Canotilho entende que o direito ao procedimento deve ser interpretado

como um direito à proteção jurídica temporalmente adequada, sendo, assim, um direito de

defesa perante o Poder Público (direito à jurisdição; direito à existência de tribunais; direito a

uma decisão judicial, por exemplo), mas que, ao mesmo tempo, exige inúmeras prestações

positivas por parte do Estado (criação de tribunais, organização das magistraturas,

estabelecimentos de processos e procedimentos legais etc.).44

É por isso que Robert Alexy, seguindo a tradição da doutrina alemã, classifica o

direito aos procedimentos judiciais e administrativos como um direito essencial a uma proteção

jurídica efetiva. O referido autor classifica os “direitos à organização e ao procedimento” como

43 Bruno Galindo, Direitos Fundamentais – análise de sua concretização constitucional, 1ª ed., 4ª triagem,

Curitiba, Juruá, 2006, p. 55-58. 44 José Joaquim Gomes Canotilho, Estudos sobre Direitos Fundamentais, 1ª ed. brasileira, 2ª ed. portuguesa,

São Paulo, RT, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 75-79.

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36

uma espécie dos direitos fundamentais prestacionais, ao lado dos direitos à proteção e dos

direitos à prestação em sentido estrito.45

Ingo Sarlet, a propósito, menciona que o direito à participação na organização e

procedimento, juntamente com o direito à proteção, seria classificado como um direito à

prestação estatal em sentido amplo. O direito à prestação em sentido estrito seriam os direitos

sociais prestacionais, como saúde, educação etc.46

Dentro de tal contexto, Milene de Alcântara Martins Scheer defende que o

direito fundamental ao acesso à justiça depende de políticas públicas voltadas para a

conscientização e a educação da população relativamente aos seus direitos e, ainda, de reais

condições econômicas e técnicas para a busca da prestação jurisdicional.47

Por conseguinte, o direito de acesso à justiça é um direito fundamental

completo, podendo ser analisado sob o prisma dos direitos individuais, sociais ou difusos, a fim

de assegurar ao particular o valor justiça, não apenas através do Poder Judiciário, mas também

através dos outros Poderes do Estado; dos órgãos públicos autônomos, como o Ministério

Público, e dos meios extrajudiciais para a resolução de litígios, como a arbitragem, a

conciliação e a mediação nas relações de direito privado.

Tal conclusão é extremamente importante na sociedade contemporânea, onde

permanece válida a advertência de Norberto Bobbio, segundo a qual o problema principal dos

direitos fundamentais não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los; enfim, um problema

de natureza não filosófica, mas política.48

2.3-Constituições comparadas e acesso à justiça

A Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), proclamada através

da Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 10.12.48, trata do tema

45In: Teoria dos Direitos Fundamentais, Tradução da 5ª edição alemã de Virgílio Afonso da Silva, São Paulo,

Malheiros, 2008, p. 442-444 e 488-490. 46 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia jurídica dos direitos fundamentais, 9ª ed., Porto Alegre, Livraria do

Advogado Editora, 2007, p. 300-301. 47 Milene de Alcântara Martins Scheer, A dimensão objetiva do direito fundamental ao acesso à justiça e a

efetividade da norma constitucional, Revista de Direito Constitucional e Internacional – Cadernos de Direito

Constitucional e Ciência Política, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, ano 14, n. 54, p. 290, jan./mar.

2006.

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37

do acesso à justiça em seu art. 8º, porém limita a matéria apenas ao âmbito do Poder

Judiciário, quando afirma caber aos “tribunais nacionais” apresentar remédio efetivo contra

atos que violem os direitos fundamentais.49

A Constituição Portuguesa, reformada em 2005, trata do tema “acesso à

justiça” em seu art. 20, através da redação a seguir transcrita, com destaque:

“Artigo 20.º

(Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva)

1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus

direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por

insuficiência de meios económicos.

2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao

patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer

autoridade.

3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça.

4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em

prazo razoável e mediante processo equitativo.

5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos

procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a

obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.

Note-se que o tratamento dado pela Carta portuguesa ao acesso à justiça não se

limita apenas ao Poder Judiciário, pois, no item 1 do art. 20, garante-se o acesso aos tribunais

e ao “direito”, além de prever que o valor justiça não pode ser denegado a quem quer que seja

por insuficiência de recursos econômicos (princípio da assistência judiciária).

Significa dizer que o direito há de ser assegurado ao cidadão em qualquer esfera

de Poder e não apenas no Poder Judiciário, embora este seja a última esfera para essa defesa.

Tal interpretação ganha força no item 2 do artigo em comento, quando se consagra o direito à

“consulta jurídica” e ao “acompanhamento por Advogado” perante qualquer autoridade.

Destaque-se, ainda, o item 4 do art. 20 da CRP, ao assegurar o direito à

“duração razoável” nas causas em que o cidadão intervir, sem fazer distinção entre o processo

administrativo e o processo judicial.

48 Norberto Bobbio, A era dos direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1992, p.

22-24.

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38

O art. 24 da Constituição da Espanha é menos ousado quando trata do acesso à

justiça, garantindo o acesso à via judicial (juízes e tribunais).

Louve-se, entretanto, o item 2 do artigo supramencionado, quando garante um

processo público “sem dilações indevidas”, assegurando às partes interessadas a utilização de

todos os meios de prova, desde que pertinentes para a sua defesa.

A Constituição da Itália cuida do acesso à justiça em seu art. 24, tratando

apenas do direito de recorrer “em juízo” para a defesa dos seus direitos. Amplia o alcance do

instituto quando consagra o direito de defesa como um direito inviolável, em qualquer grau de

procedimento, permitindo uma interpretação extensiva que inclua também os procedimentos

administrativos.

A proteção dos direitos fundamentais pela via judicial é prevista no art. 19,

alínea 4, da Constituição alemã (Lei Fundamental de 1949).

Apesar da referência expressa à via judicial, o Tribunal Constitucional Federal

da Alemanha tem interpretado tal norma como um direito à proteção jurídica efetiva (não

apenas à proteção judicial), em defesa dos direitos fundamentais materiais. Isto é, cabe ao

ordenamento jurídico, como um todo, assegurar a justiça aos direitos do cidadão,

independentemente da esfera de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário) onde tais direitos

são invocados.50

A Constituição da Nação Argentina não trata, expressamente, do acesso à

justiça. Porém, destacamos o seu art. 43, que trata da ação de amparo, via de acesso

jurisdicional quando não houver outra específica, contra atos ou omissões do poder público e

de particulares, que venham a violar direitos consagrados na Constituição.

O art. 19, § 3º, da Constituição do Chile é forte no sentido de assegurar a

defesa jurídica ao cidadão, sem fazer diferença entre a via jurisdicional e a administrativa.

Inclusive, prevê o direito à “defesa jurídica” perante as Forças Armadas e de Segurança

Pública, observando os respectivos Estatutos.

49 MINISTÉRIO PÚBLICO DE PERNAMBUCO, Declaração Universal dos Direitos Humanos – 60 anos,

Recife, 2008, p. 11. 50 Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha, tradução de Luís

Afonso Heck, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 270.

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39

Caminha bem, ainda, a Constituição chilena quando prevê que todo

procedimento deve ser racional e justo, numa clara opção pela instrumentalidade processual.

O art. 23 da Constituição do Uruguai consagra a inafastabilidade do Poder

Judiciário, prescrevendo que todos os juízes são responsáveis pela observância da lei, desde a

“más pequeña agresión contra los derechos de las personas”. Todavia, em seu art. 30, alarga o

conceito de acesso à justiça, ao prever o direito de petição perante toda e qualquer autoridade

da República.51

2.4-O acesso à justiça como direito fundamental reconhecido pela

Constituição brasileira

O acesso à justiça, na Constituição da República Federativa de 1988, não se

encontra consagrado apenas do inciso XXXV do art. 5º, o qual trata da inafastabilidade do

Poder Judiciário perante lesão ou a ameaça a direito.

É interessante mencionar a posição de Luiz Guilherme Marinoni, o qual, em

uma visão estritamente judicial e processual do acesso à justiça, entende que,

constitucionalmente, encontra-se o direito de ação dividido em dois incisos do art. 5º: o inciso

XXXV (direito à tutela jurisdicional efetiva) e o inciso LXXVIII (direito à razoável duração

do processo e aos meios que garantam a celeridade da sua prestação).52

Deveras, embora o art. 5º-XXXV da CF/88 seja uma norma importantíssima, a

teleologia albergada pela Constituição Federal é mais ampla e, como já se disse reiteradas

vezes, garante o acesso ao valor justiça em todas as esferas de poder e não apenas através do

Poder Judiciário.

Nesse sentido, parece caminhar Paulo Cesar Santos Bezerra, quando afirma que

não é apenas através de um processo judicial que se tem acesso à justiça, entendendo-se esta

como um valor inerente ao homem. Mais adiante, defende o referido autor que o acesso à

justiça é um problema ético-social, no plano da realização dos direitos, não se resumindo

51 Todas as Constituições estrangeiras mencionadas encontram-se em BRASIL, Constituições de outros países,

disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/internacional3.htm>, acesso em: 27.11.2008. 52 Luiz Guilherme Marinoni, Teoria geral do processo, 2ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007,

p. 208-209 e 218-229.

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40

apenas em assegurar o acesso à justiça em uma determinada instituição estatal (no caso, o

Poder Judiciário), mas viabilizar o acesso à ordem jurídica justa.53

Consulte-se, a propósito, o preâmbulo da Carta Constitucional de 1988, que

consagra a justiça como um dos valores supremos a serem assegurados pelo Estado

Democrático de Direito na sociedade brasileira (ao lado do exercício dos direitos sociais e

individuais, da liberdade, da segurança, do bem estar, do desenvolvimento e da igualdade).

Não se pode olvidar também do direito à informação e do direito de petição

para a defesa de direitos perante os órgãos e poderes públicos, expressamente previsto nos

incisos XXXIII e XXXIV, a, do art. 5º, da Constiuição.

O acesso à justiça também é assegurado pela cláusula da assistência judiciária

àqueles que provem insuficiência de recursos, prevista no art. 5º, LXXIV, da CF/88.

Note-se que o texto constitucional assegura a assistência jurídica integral, mas

não limita tal assistência apenas a demandas no Poder Judiciário, o que nos permite concluir

que, também na seara do processo administrativo ou em consultas a respeito dos seus direitos,

o cidadão sem recursos financeiros possui o direito constitucional de ser auxiliado

juridicamente por um Advogado.

Nesse passo, Ana Paula de Barcellos defende que a assistência jurídica deve ser

assegurada, inclusive, em atos praticados no Cartório de Registro de Imóveis, além de outros

procedimentos que representem necessidades jurídicas básicas do cidadão.54

Confirmando a interpretação por nós defendida, o inciso LXXVIII do art. 5º,

acrescentado pela Emenda Constitucional 45/2004, consagra o direito à razoável duração do

processo, no âmbito judicial e administrativo.

Tal direito fundamental é de extrema importância, pois, seguindo os passos da

Constituição portuguesa (art. 20, item 4), incorpora, no ordenamento brasileiro, a celeridade

como uma das características obrigatórias da justiça, seja no âmbito do Poder Judiciário, seja

no âmbito administrativo de qualquer outro Poder.

53 Paulo César Santos Bezerra, Acesso à justiça: um problema ético-social no plano da realização do direito, 2ª

ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2008, p. 93-94 e 102-103.

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41

A idéia de celeridade processual/procedimental, aliás, já se encontrava

assegurada pelo art. 8º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, ao garantir a

qualquer pessoa o direito à audiência (ser ouvido), com as devidas garantias e dentro de um

prazo razoável.

Segundo Samuel Miranda Arruda, a tramitação dos processos em tempo

adequado é um direito de dignidade, porque o Estado deve respeitar as carências (materiais e

emocionais) de qualquer pessoa que, submetendo-se à expectativa do resultado de um

processo, venha a se servir da jurisdição em busca da solução do resguardo de uma posição

jurídica.55

Ainda a respeito do inciso LXXVIII do art. 5º da CF/88, Ivo Dantas destaca

que outras alterações foram introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, a

fim de lhe dar eficácia, como a previsão do art. 93-II, e, que proíbe a promoção do juiz que

retenha, injustificadamente, autos em seu poder.56

Nesse contexto, importante também se destacar o § 5º do art. 129 da CF/88,

também acrescentado pela EC 45/2004, o qual determina que a distribuição de processos no

Ministério Público será imediata, demostrando que a idéia de “celeridade” e “duração

razoável” não se aplica apenas ao Poder Judiciário, mas a todas as esferas onde houver a

necessidade de pronunciamento a respeito de direitos em discussão ou em litígio.

Destarte, o acesso à justiça, a ser assegurado em todos os Poderes Constituídos

e nas relações de direito privado que envolvam a disputa de direitos, encontra-se positivado

constitucionalmente não apenas no inciso XXXV do multicitado art. 5º da Magna Carta, que

trata da inafastabilidade do Poder Judiciário, mas também nos incisos XXXIII (direito à

informação perante os órgãos públicos); XXXIV, a (direito de petição perante os poderes

públicos); LXXIV (assistência jurídica aos necessitados) e LXXVIII (direito à razoável

duração do processo).

54 Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da

pessoa humana, 2ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2008, p. 328-329. 55 Samuel Miranda Arruda, O direito fundamental à razoável duração do processo, Brasília, Brasília

Jurídica, 2006, p. 81. 56 Ivo Dantas, Constituição e Processo, 2ª ed., Curitiba, Juruá, 2007, p. 357.

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Lembre-se, ainda, conforme já foi exposto neste trabalho, que o acesso à justiça

no ordenamento jurídico brasileiro é, antes tudo, um acesso à justiça social (arts. 170, caput, e

193 da CF/88), entendendo-se esta, juridicamente, como o resultado da observância dos

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º da CF/88) e dos direitos

individuais e sociais assegurados na Magna Carta (arts. 5º, 6º e 7º da CF/88).

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CAPÍTULO III

MEIOS ALTERNATIVOS PARA SE OBTER O ACESSO À JUSTIÇA

3.1-Dificuldades do Poder Judiciário em promover o acesso à justiça

As dificuldades do Poder Judiciário brasileiro em promover o acesso à justiça,

literalmente, são públicas e notórias: processos lentos, número reduzido de Juízes, elevado

valor das custas judiciais e a falta de uma cultura dos atores processuais (julgadores,

Advogados e membros do MP) ao processo célere.

Quanto ao último aspecto, os próprios juízes, porém, precisam estar conscientes

do dever de um processo célere, à luz do art. 5º-LXXVIII da Magna Carta, analisando os

autos e aplicando, ainda que de ofício, o julgamento antecipado da lide nos processos cíveis

(art. 330 do CPC), além de indeferir provas evidentemente procrastinatórias, como a

indicação, no processo penal, de testemunhas não presenciais residentes no exterior ou em

vários Estados da Federação brasileira, apenas para atestar bons antecedentes do réu.

Ao contrário de Luiz Guilherme Marinoni, não se interpreta como

“ingenuidade” atribuir ao juízes também uma parcela de responsabilidade pela lentidão dos

processos judiciais no Brasil.57

A “ideologia” que faz do Judiciário lento, mencionada por

Marinoni, não se imporia facilmente se não houvesse ressonância em substancial parcela

daqueles que integram o Poder Judiciário, desde a sua cúpula até o 1º grau de jurisdição.

Argumenta-se que os juízes também têm responsabilidade porque a ausência de

uma cultura ao processo célere é um defeito que atinge Advogados, públicos ou privados

(sendo que estes, muitas vezes, trabalham objetivamente a lentidão processual em benefício

dos seus clientes e instituições) e membros do Ministério Público, os quais insistem, por

exemplo, na produção de prova testemunhal, em detrimento da prova documental já existente

nos autos, ou em requerimentos desnecessários, como a juntada de certidões que podem ser

obtidas via internet.

57 Luiz Guilherme Marinoni, Teoria geral do processo, 2ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007,

p. 190-194

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Ainda sobre o tema, é interessante mencionar a visão de João Paulo Allain,

questionando a legitimidade dos tribunais para promover um acesso célere à justiça, através da

aplicação do princípio da proporcionalidade (segundo ele, uma espécie de “pílula vermelha”,

tal como aquela do filme Matrix, com o mágico poder de mostrar a justiça), pois faltaria aos

magistrados brasileiros, em sua maioria, uma análise dos fatos à luz dos subprincípios do

princípio da proporcionalidade: adequação; necessidade e proporcionalidade em sentido

estrito.58

Para Sergio Torres Teixeira, a efetividade do processo jurisdicional, no Brasil,

enfrenta problemas de ordem social (desconhecimento da população dos seus direitos e altos

valores das custas judiciais e honorários advocatícios); de ordem técnica (procedimentos que

dificultam a defesa de interesses em juízo, excesso de formalismo e ausência de remédios

processuais eficazes); de ordem estrutural (reduzido número de órgãos jurisdicionais e quadro

reduzido de operadores – juízes, defensores públicos, membros do Ministério Público e

serventuários da justiça); de ordem institucional (corporativismo das carreiras jurídicas e

injunções políticas dos Poderes Executivo e Legislativo no Poder Judiciário) e de ordem ética

e moral (abusos cometidos por profissionais do direito, com fins de procrastinar os feitos

judiciais, transformando o processo em instrumento de injustiça).59

Ainda assim, o Poder Judiciário sofreu, e ainda sofre atualmente, um aumento

crescente de ações/processos, pois é encarado por muitos como o último e único abrigo contra

a ameaça ou lesão a um direito, em uma interpretação quase que literal do inciso XXXV do

art. 5º da CF/88.

Tudo isso é resultado da sobrecarga que o direito dogmático tem sofrido nos

últimos tempos, quando as outras ordens éticas da sociedade (religião e moral) não mais são

capazes de suportar os fatos e as interações sociais do momento presente, restando para o

Direito funcionar como “mínimo ético” da sociedade.

58 João Paulo Allain Teixeira, Acesso à justiça, proporcionalidade e a “pílula vermelha”: entre racionalidade e

hermenêutica, in: José Mário Wanderley Gomes Neto (Coord.), Dimensões do acesso à justiça, Salvador,

Editora Juspodivm, 2008, p. 95-96. 59 Sergio Torres Teixeira, Acesso à Justiça e crise do modelo processual brasileiro contemporâneo: superando

os obstáculos à efetividade do processo trabalhista, in: José Mário Wanderley Gomes Neto (Coord.), Dimensões

do acesso à justiça, Salvador, Editora Juspodivm, 2008, p. 243-247.

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Entretanto, destaca João Maurício Adeodato, como existe um distanciamento

entre os textos legais e a realidade, as pessoas começam a buscar a eqüidade, através de uma

decisão concreta sobre os seus problemas. Então, tem-se uma outra sobrecarga, aquela que

incide sobre o Poder Judiciário, em razão de não conseguir ele acompanhar as crescentes

demandas que lhe são postas.60

Para que se tenha uma dimensão do problema, o CNJ - Conselho Nacional de

Justiça, em trabalho estatístico realizado durante o exercício de 2006, constatou que, no

Estado de Pernambuco, no 1º grau de jurisdição da Justiça Estadual, foram ajuizadas 230.875

novas demandas, estando pendentes de julgamento 1.323.091 processos, para um total de 390

magistrados. Tais números resultaram em uma carga de trabalho, em Pernambuco, de 3.985

(resultado da soma de novas demandas mais os processos pendentes e da divisão de tal

resultado pelo nº de juízes existentes).

Em 2007, pesquisa do CNJ com o mesmo objeto revelou que o número de

novas demandas em Pernambuco, no 1º grau, foi de 307.342. Assim, o número de processos

pendentes de julgamento aumentou para 1.469.386, para um total de 407 magistrados no 1º

grau. Isso resultou em um aumento da carga de trabalho para 4.365.

Em São Paulo, apurou-se que, em 2006, foram ajuizados 4.131.114 novos

processos. Estando pendentes de julgamento, naquele ano, 12.428.489, ou seja, mais de doze

milhões de processos. O número de juízes era de 1.731, gerando uma carga de trabalho de

9.566.

O aumento da carga de trabalho, no Estado bandeirante, continuou no ano de

2007, tendo sido ajuizadas 4.231.973 novas demandas, chegando-se à cifra de 13.934.659

processos pendentes de julgamento, para um total de 1.880 magistrados no 1º grau de

jurisdição, resultando em uma carga de trabalho de 9.663.

Outra conclusão importante da pesquisa mencionada é que, em 2006, a taxa de

congestionamento de processos, no 1º grau de jurisdição, da Justiça Federal foi de 75,69%, um

valor elevado e próximo do índice da Justiça dos Estados: 79,92%. Em 2007, essa diferença

60 João Maurício Adeodato, Limites Éticos do Poder Constituinte Originário e da Concretização da Constituição

pelo Judiciário, in: Torquato da Silva Castro Jr. et al., Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito

UFPE, nº 15, Recife, Universidade Federal de Pernambuco, CCJ, 2005, p. 237.

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caiu, pois a taxa congestionamento da Justiça Federal (em 1º grau) passou a ser de 78% contra

80,5% da Justiça dos Estados. Tais números praticamente afastam o antigo conceito de que os

processo judiciais, na Justiça Federal, são julgados mais rapidamente, em comparação com a

Justiça dos Estados federados.

Entenda-se como taxa de congestionamento o valor obtido a partir do número

de sentenças que extinguem processos no 1º grau divido pela soma dos processos novos e dos

processos pendentes de julgamento.61

Alternativas têm sido buscadas, no ordenamento jurídico brasileiro, a fim de

tornar mais célere a apreciação judicial das demandas. Exemplo disso é a Lei 9.099, de

26.09.95, que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, para determinadas demandas em

razão do valor da causa, da matéria e da pena aplicada, extinguindo os antigos Juizados de

Pequenas Causas (Lei 7.244, de 07.11.84).

Porém, a falta de uma prioridade aos Juizados Especiais, inclusive orçamentária,

aliada à sobrecarga do Poder Judiciário, principalmente na esfera estadual, também tem

tornado o seu procedimento lento.

Conforme reportagem publicada no Jornal do Commercio, na edição de

10.02.2008, em Pernambuco, naquela época já se estava marcando audiências no Juizado

Especial Cível da Faculdade Integrada do Recife para maio de 2010. Segundo a reportagem da

jornalista Ciara Carvalho, somente no Estado de Pernambuco, existiam, na data da matéria, 20

mil processos dos juizados com acordos não cumpridos, esperando execução.62

Segundo o Conselho Nacional de Justiça, em 2007, nos Juizados Especiais da

Justiça do Estado de Pernambuco, foram ajuizadas 108.796 demandas, estando pendentes de

julgamento 43.178 processos, gerando, assim, uma taxa de congestionamento de 41,0%.63

61 CONSELHO NACIONAL DA JUSTIÇA, Justiça em números – Indicadores estatísticos do Poder

Judiciário, Brasília, 2006, p. 35, 203 e 211 e Justiça em números 2007 – Variáveis e indicadores do Poder

Judiciário, Brasília, 2007, p. 71, 238 e 254. 62 Ciara Carvalho, Juizados jogam audiências para 2010, Jornal do Commercio, Recife, 11 fev. 2008, Cidades,

p. 4. 63 CONSELHO NACIONAL DA JUSTIÇA, Justiça em números 2007 – Variáveis e indicadores do Poder

Judiciário, Brasília, 2007, p. 266.

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Outro problema dos Juizados Especiais, sejam eles da Justiça Estadual ou

Federal (Lei 10.259/2001), é a ausência de uma política de interiorização, principalmente na

área cível.

Para que se tenha uma idéia, em Pernambuco, até junho de 2009, não havia um

único Juizado Especial Cível na região do Sertão do Araripe, área geográfica que envolve

municípios como Ouricuri, Bodocó e Araripina. Assim, a população da Região do Araripe, que

necessitar dos serviços de um juizado especial cível, tem que se deslocar para o município de

Petrolina, distante, em média, 200 km de Ouricuri e localizado na região do Sertão do São

Francisco.

O problema continua na região litorânea do Estado, quando, para atender a

municípios como o Cabo de Santo Agostinho e Ipojuca, que sofrem uma expansão

populacional e econômica devido ao crescimento industrial do Porto de SUAPE (Complexo

Industrial Governador Eraldo Gueiros), existe apenas um único Juizado Especial Cível.64

Mencionem-se, ainda, os perigos da falta de preparo para conciliar nos juizados

especiais, onde os profissionais envolvidos (Juízes, Promotores de Justiça e Advogados), em

muitos casos, apresentam uma visão formalista, preferindo aguardar uma decisão judicial a

uma dedicarem um maior tempo de esforço à fase de conciliação dos Juizados Especiais.

Deveras, uma conciliação mal dirigida, em vez de celeridade, poderá significar

uma demora, ainda maior, do acesso à justiça. É o alerta deixado por Artur Stamford da Silva,

Chiara Ramos, Liliam Brum e Natália Brito, em pesquisa empírica sobre o cotidiano forense

através da utilização do instituto da conciliação nas varas cíveis do Fórum do Recife.65

Diante desse quadro, tornar-se imprescindível a busca de meios alternativos que

também possam promover o acesso à justiça visando à pacificação social; acesso à justiça que,

como já se explicou, não se limita ao Poder Judiciário, mas se estende aos outros Poderes

Constituídos, aos órgãos públicos autônomos, como o Ministério Público, e às relações

privadas entre as partes interessadas.

64 PERNAMBUCO (Estado), Juizados Especiais Cíveis, disponível em:

<http://www.tjpe.jus.br/judiciario/juizados/jecivel_lfuncionamento.shtml>, acesso em: 11.06.2009. 65 Artur Stamford da Silva et. al., Da pesquisa empírica à prática jurídica: pesquisa etnometodológica sobre a

conciliação judicial, in: Torquato da Silva Castro Jr. et al. (Orgs.), Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em

Direito UFPE, nº 16, Recife, Universidade Federal de Pernambuco/CCJ, 2006, p. 09-23.

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Evidentemente, não é o caso de se voltar à autotutela, quando, através da força

ou da ameaça, uma das partes conseguia impor a sua vontade perante a outra. Aqui se trata

dos meios alternativos para a resolução de disputa, expressão que, no direito norte-americano,

é conhecida como ADR (alternative dispute resolution).66

Esses “meios alternativos” podem conduzir as partes a uma autocomposição (as

próprias partes interessadas encontram a solução para o litígio entre elas, mediante o auxílio de

outrem) ou a uma heterocomposição (um terceiro, mas não um Juiz dos quadros do Poder

Judiciário, resolve o litígio entre as partes).

Nesse sentido, surgem os métodos para a resolução alternativa de disputas,

como a negociação, a mediação, a conciliação e a arbitragem, as quais podem, conforme o

caso, ser promovidas por iniciativa das próprias partes interessadas ou até mesmo por

órgãos/entidades públicas, não integrantes do Poder Judiciário, como o PROCON (órgão de

defesa do consumidor), a Defensoria Pública e o Ministério Público, cada um na sua área

específica de atuação.

3.2-Principais métodos para a resolução alternativa de disputas

Segundo Cintra, Grinover e Dinamarco, autocomposição é o legítimo meio

alternativo de pacificação social para a solução dos conflitos, a qual é estimulada pelo Direito

através de modalidades não jurisdicionais de solução de conflitos, as quais visam a uma

conciliação (que pode ser o resultado de uma desistência/submissão de um dos interessados ou

de uma transação entre as partes).67

Nesse sentido, conforme lembra Petrônio Calmon, nem sempre a

autocomposição entre as partes, resolvendo entre elas uma disputa, de forma pacífica e

consensual (evitando, assim, um processo judicial) surge espontaneamente. Em muitos casos,

são necessárias várias fases prévias de conversação e entendimentos para levar as partes

interessadas a um acordo. É por isso que passaram a ser desenvolvidos métodos para conduzir

as partes a uma autocomposição.

66 Conforme Jean Carlos Lima, Meios Alternativos de Resolução de Disputas, Curitiba, Editora Ampla, 2007,

p. 23. 67 Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria Geral do

Processo, 25ª ed., São Paulo, Malheiros, 2009, p. 27, 31-35.

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Os principais métodos que conduzem as partes a uma resolução das suas

demandas, sem um processo judicial, com fins de uma “pacificação social” são a negociação, a

mediação e a conciliação.

Convém mencionar, porém, que existem várias outras formas de resolução

alternativa de disputas, geralmente decorrentes da mediação e/ou da negociação, como o

julgamento simulado, a avaliação, a assistência neutra e o conselheiro especial.68

Existem autores, como Amauri Mascaro do Nascimento, que incluem a

mediação como uma forma de heterocomposição, pelo simples fato de uma terceira pessoa,

diferente das partes, propor soluções para a demanda.69

Porém, o conceito de heterocomposição que se adota é no sentido da resolução

do litígio por terceiro estranho às partes, o que não ocorre na mediação, pois o mediador

apenas aponta propostas e meios para se chegar a um acordo, mas não resolve, per si, o litígio:

a decisão final é das partes.

É diferente da arbitragem, clássica forma de heterocomposição, a qual tem por

conseqüência uma composição proposta por alguém externo à relação conflituosa, ou seja, um

terceiro (o árbitro) resolverá o litígio entre as partes interessadas.

Destaque-se, ainda, que, embora a conciliação obtida através do Poder

Judiciário, nos Juizados Especiais, através de um conciliador, seja também considerada como

meio alternativo de resolução de disputa por alguns autores, deu-se ênfase aos métodos

utilizados para resolver litígios de forma extrajudicial, sem a necessidade de intervenção

judicial, ainda que seja para homologar o acordo celebrado, tendo em vista a finalidade do

deste trabalho.70

68 Petrônio Calmon, Fundamentos da mediação e da conciliação, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 92-95. 69 Amauri Mascaro Nascimento, Curso de Direito Processual do Trabalho, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 13-

14. 70 Jean Carlos Lima considera como meios alternativos de resolução de disputas no Brasil a Justiça de Paz e os

Juizados Especiais. In: Meios Alternativos de Resolução de Disputas, Curitiba, Editora Ampla, 2007, 34-35.

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3.2.1-Da negociação

A negociação é um meio alternativo de resolução de disputa cuja principal

característica é a relação direta entre as partes, sem a intervenção de um terceiro, ainda que

seja para atuar como auxiliar ou facilitador.

Trata-se de uma atividade inerente à condição humana, pois, desde a infância, o

ser humano aprende a negociar os seus interesses (perante os pais, quando se deseja um

brinquedo ou ir brincar com os amigos, por exemplo).

Na negociação, as partes chegam a um acordo graças ao esforço e ao diálogo

delas mesmas. Se houver um auxílio eventual, fala-se em assistência neutra.

O acordo resultante da negociação não é, juridicamente, vinculante, salvo

quando se formaliza a negociação através de um negócio jurídico, como um contrato.71

Atualmente, a negociação tem sido desenvolvida de forma profissional, por

meio de técnicas e estratégicas, a fim de se obter o melhor acordo possível. Isto é, um acordo

eficiente e que não prejudique o relacionamento entre as partes.

Roger Fisher, Willian Ury e Bruce Patton, ao desenvolverem o Projeto de

Negociação de Harvard, conhecido como “negociação baseada em princípios”, entendem que

o método para uma negociação de sucesso baseia-se em quatro pontos a serem observados:

pessoas, interesses, opções e critérios.

Destarte, para uma negociação de sucesso, deve-se entender a outra parte como

pessoa (e não como uma máquina ou um computador), separando-a do problema em questão,

tratando-a como um amigo e não como um adversário ou inimigo.

Durante a negociação, deve haver concentração nos interesses envolvidos e não

na posição declarada ou assumida por cada lado.

71 Nesse sentido, Lília Maia de Morais Sales, Justiça e Mediação de Conflitos, Belo Horizonte, Del Rey, 2003,

p. 36-37.

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Além disso, devem ser desenvolvidas/propostas várias soluções benéficas para

ambos os lados, buscando um acordo justo e amigável, que seja fruto da livre escolha dos

interessados e não da pressão do momento ou de atitudes arbitrárias.

Nesse sentido, os negociadores precisam desenvolver critérios objetivos para a

resolução da demanda, sem demonstrar teimosia ou insistência pela defesa de posições, enfim,

cedendo a princípios e não a pressões.72

Trata-se de um meio de resolução alternativa bastante utilizado no comércio

internacional e, ainda, na diplomacia entre os países.

3.2.2-Da mediação

A mediação é uma forma de autocomposição onde um terceiro, livremente

escolhido pelas partes, auxilia/facilita a construção de uma resposta para a disputa entre elas.

O mediador não tem qualquer poder de decisão, mas busca obter a pacificação

entre as partes, as quais, na mediação, não são vistas como adversárias ou litigantes.

Em seu conceito clássico, a mediação é um método de resolução alternativa de

disputa desenvolvido sem qualquer vinculação com um processo judicial ou com a estrutura do

Poder Judiciário.

Eis uma das diferenças primordiais entre a conciliação e a mediação, assunto

melhor explorado no item referente à conciliação, pois, sendo métodos irmãos, a primeira

ocorreria dentro de um processo judicial, podendo contar, nos Juizados Especiais Cíveis (Lei

9.099/95), com a presença de um servidor público estatal, o Conciliador, que tem por missão

levar as partes a um acordo, evitando que o litígio entre elas siga o rito procedimental formal.

Por isso, a mediação não tem como objeto principal a obtenção de um acordo

entre as partes, o que ocorre na conciliação; o acordo é conseqüência do processo de

entendimento e de construção desenvolvido entre elas. E poderá ele ocorrer ou não, pois a

mediação também visa a preservar a relação entre as partes, independentemente de se chegar

ou não a uma solução para a lide existente entre elas.

72 Roger Fisher et al., Como chegar ao sim – a negociação de acordos sem concessões, 2ª ed. revisada e

ampliada, tradução de Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges, Rio de Janeiro, Imago Editora, 2005, p. 26-32.

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52

Destarte, a mediação é a forma de resolução alternativa indicada para conflitos

entre pessoas que tenham uma relação que se perpetua no tempo, como nas relações familiares

ou mesmo negociais.

No entanto, o acordo obtido através da mediação poderá ser homologado

judicialmente, mediante ação de homologação, passando a valer como título executivo judicial,

conforme o art. 475-N, inciso III, do CPC. Já as mediações que resultem em transações

formalizadas entre as partes, referendadas pelo Ministério Público e pela Advocacia

(Defensoria Pública e Advogados privados), fora de um processo judicial, terão eficácia de

título executivo extrajudicial, nos termos do art. 585, inciso II, do CPC.73

3.2.3-Da conciliação. Diferenças entre conciliação e mediação.

Segundo Amauri Mascaro do Nascimento, a diferença entre mediação e

conciliação é meramente teórica, tendo uma importância mais acadêmica do que prática, pois

ambos os institutos visam à obtenção de uma transação entre as partes, conseguindo a

pacificação entre elas sem um processo judicial.74

Deveras, ambos os institutos visam à autocomposição entre as partes, mas a

conciliação possui um vínculo judicial, ou seja, ocorre na seara do Poder Judiciário, podendo

ser obtida de forma prévia, nos Juizados Especiais Cíveis, através da sessão de conciliação (a

ser presidida por um Juiz togado ou por um Conciliador, sob a sua orientação), conforme os

arts. 16 e 22 da Lei 9.099/95, ou no decorrer de um processo civil já instaurado, por meio de

uma audiência preliminar, a ser designada pelo Juiz, nos termos do art. 331 do CPC.

Mas, na conciliação, as partes já são vistas como oponentes, dentro de uma

demanda instaurada ou em vias de instauração (pois, nos Juizados Especiais Cíveis, se não

obtido o acordo e refutada a arbitragem, segue-se a instrução do feito, através dos arts. 27 e

ss. da Lei 9.099/95). Na mediação, as partes não são vistas como litigantes ou oponentes, pois

ocorre fora da estrutura formal do Poder Judiciário.

73 Nesse sentido, Lília Maia de Morais Sales, Justiça e Mediação de Conflitos, Belo Horizonte, Del Rey, 2003,

p. 41. 74 Amauri Mascaro Nascimento, Curso de Direito Processual do Trabalho, 19ª ed., São Paulo, Saraiva, 1999,

p. 15.

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53

A conciliação, como já se explicou, visa à obtenção de um acordo entre as

partes, através do conciliador, o qual trabalha diretamente nesse sentido. Na mediação, o

acordo não é um fim em si mesmo: ele poderá ou não ocorrer, e o trabalho do mediador não é

conciliar as partes, mas ajudá-las a construir uma solução para o problema entre elas, que

poderá ou não ocorrer durante o procedimento mediatório.

Segundo Águida Arruda Barbosa, a conciliação privilegia o acordo e se

expressa no seguinte adágio: antes um mau acordo do que uma boa demanda. A mediação, de

outro lado, é um princípio, uma experiência que assegura o livre desenvolvimento da

personalidade e da liberdade interna, em nome da dignidade das partes interessadas, visando a

promover a comunicação entre os conflitantes e oferecendo a eles a oportunidade de se

escutarem mutuamente.75

Luis Alberto Warat entende a mediação como uma forma de autocomposição

transformadora dos conflitos, ou seja, que permite aos interessados transformarem, com o

auxílio do mediador, a partir de uma ótica de sensibilidade e amor (compreensão do outro), o

problema existente entre eles, chegando a uma solução que melhore a qualidade de vida de

ambos os interessados.

Para Warat, o conciliador, diferentemente do mediador, é um “negociador de

litígios”, pois está vinculado a encontrar uma solução rápida para o “litígio” entre as partes,

caso contrário o processo continuará; então, o termo de acordo firmado não resolverá a

relação conflituosa existente entre elas.76

Sobre o tema, Petrônio Calmon acrescenta que o conciliador é imparcial, mas

manifesta a sua opinião sobre a solução justa para o conflito. Já o mediador, além da

neutralidade, deve manter uma linha de não manifestar opinião, aconselhar as partes ou propor

fórmulas para o acordo.77

Tal conduta, no entanto, é extremamente difícil de, na prática, ser observada

pelo mediador em um processo de entendimento, ao menos em plenitude. Afinal, nada impede

que o mediador proponha soluções para a demanda/controvérsia ou aconselhe as partes, numa

75 Águida Arruda Barbosa, Estado da Arte da Mediação Familiar Interdisciplinar no Brasil, Revista Brasileira

de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese, v. 8, n. 40, p. 143-146, fev./mar. 2007. 76 Luis Alberto Warat, O ofício do mediador, vol. I, Florianópolis, Habitus, 2001, p. 75-81. 77 Petrônio Calmon, Fundamentos da mediação e da conciliação, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 66.

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linha de imparcialidade, desde que tais propostas sejam o resultado do processo de

amadurecimento do entendimento entre as partes (e não uma proposta abrupta, logo na

primeira reunião), observado através dos procedimentos da mediação.

A idéia de conciliação vem sendo reforçada no ordenamento jurídico brasileiro

desde a Constituição Imperial de 1824, onde, através dos arts. 161 e 162, destacava-se a

audiência de reconciliação entre as partes como condição prévia para se iniciar qualquer

processo, sendo os Juízes de Paz responsáveis por tentar a “reconciliação”.78

Aliás, atualmente, a Justiça de Paz está prevista expressamente no art. 98-II da

Constituição de 1988, devendo os seus membros ser eleitos pelo voto popular, com mandato

de 04 (quatro) anos, com competência para celebrar casamentos, funcionar no processo de

habilitação de casamento e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, dentre

outras.

Infelizmente, tal norma ainda não foi regulamentada em vários dos Estados da

Federação brasileira, com algumas exceções como o Espírito Santo, Mato Grosso, Minas

Gerais, embora até mesmo nestes a eleição para juiz de paz ainda não seja uma realidade.79

Todavia, a recomendação 16 do CNJ – Conselho Nacional de Justiça, de

27.05.2008, recomendou, no prazo de 01 (um) ano, a partir da sua publicação, que os

Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal encaminhassem à Assembléia Legislativa

proposta de lei regulamentando a Justiça de Paz, tendo como premissas o acesso através de

eleições; a remuneração para a função de Juiz de Paz; a atuação perante as Varas de Família da

Capital e do Interior e a atuação na atividade conciliatória.80

De toda forma, no âmbito cível e criminal, os Juizados Especiais, mencionados

pelo art. 98-I da CF/88 e seu § 1º, foram criados através das Leis 9.099, de 26.09.95 (Justiça

dos Estados e do Distrito Federal) e 10.259, de 12.07.2001 (Justiça Federal).

78 FUNDAÇÃO PROJETO RONDON – MINISTÉRIO DO INTERIOR, A Constituição de 1824, Brasília,

1985, p. 34. 79 Conforme BRASIL, Conselho Nacional de Justiça, Pedido de Providências nº 200810000000110, relatora:

Conselheira Andréa Maciel Pachá, Brasília (DF), 27 de maio de 2008, disponível em:

<https://ecnj.cnj.jus.br/consulta_processo.php?num_processo_consulta=200810000000110&consulta=s&token

=>, acesso em: 22.07.2009. 80 BRASIL, Conselho Nacional de Justiça, Recomendação nº 16, Brasília (DF), 27 de maio de 2008, disponível

em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?view=article&catid=60%3Arecomendas-do-

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Mencione-se, ainda, a Lei 9.958, de 12.01.2000, que, alterando a Consolidação

das Leis do Trabalho, instituiu as comissões de conciliação prévia no âmbito das empresas e

dos sindicatos, através de representantes das empresas e dos trabalhadores, “com a atribuição

de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho” (art. 625-A da CLT).

Os acordos obtidos nas comissões de conciliação prévia valem como título

executivo extrajudicial, conforme o art. 625-E, parágrafo único, da CLT.

Paulo Fernando Silveira classifica como forma de mediação as comissões de

conciliação prévia na Justiça do Trabalho, o que, de certa forma, encontra sintonia com a

posição que enfatiza o caráter extrajudicial da mediação, ou seja, fora da estrutura do Poder

Judiciário, característica presente na conciliação.81

Lamente-se, entretanto, na alteração legislativa, o caráter obrigatório de

submeter as questões trabalhistas à comissão de conciliação prévia, previsto no art. 625-D da

CLT, quando esta existir na localidade da prestação de serviço, agredindo a voluntariedade e o

consentimento informado (direito das partes de obterem informações sobre a mediação, antes

de aceitarem participar do procedimento mediatório), princípios da mediação, ao lado do

poder autodeterminação (construção do acordo pelas partes), da neutralidade do mediador e

da confidencialidade (sigilo da mediação, salvo se a publicidade for autorizada pelas partes).82

No âmbito Congresso Nacional, há o projeto de lei nº 4827-C/98, da Deputada

Zulaiê Cobra, que institucionaliza e disciplina a mediação como método de prevenção e

solução consensual de conflitos.

Aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados, tal projeto foi emendado no

Senado Federal, através de substitutivo apresentado pelo Senador Pedro Simon, acolhendo,

dentre outras, sugestões do Ministério da Justiça, encaminhadas através do Senador Eduardo

Suplicy.83

conselho&id=4815%3Arecomenda-no-16&format=pdf&option=com_content&Itemid=515>, acesso em:

21.07.2009. 81 Paulo Fernando Silveira, Tribunal arbitral: nova porta de acesso à justiça, Curitiba, Juruá, 2006, p. 54-55. 82 Petrônio Calmon, Fundamentos da mediação e da conciliação, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 122-123. 83 Consulte-se BRASIL, Senado Federal, tramitação do Projeto de Lei da Câmara nº 94/2002, autora: Dep.

Zulaiê Cobra, relator: Pedro Simon, disponível em:

<http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=53367>, acesso em: 23.07.2009.

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Nos termos do projeto substitutivo, a mediação é a “atividade técnica exercida

por terceiro imparcial que, escolhido ou aceito pelas partes interessadas, as escuta, orienta e

estimula, sem apresentar soluções, com o propósito de lhes permitir a prevenção ou solução de

conflitos de modo consensual” (art. 2º).

Já o mediador, no desempenho das suas funções, deverá proceder com

imparcialidade, independência, aptidão, diligência e confidencialidade, salvo, no último caso,

por expressa convenção das partes (art. 14).

Demais disso, o projeto de lei institui a mediação extrajudicial e judicial,

tornando obrigatória a tentativa de mediação, como forma incidental no processo civil de

conhecimento, com exceção de algumas lides, como as ações de interdição, falência, registro

público, direitos indisponíveis e naquelas em que for autora ou ré pessoa jurídica de direito

público (art. 34).

O projeto apresenta o Poder Judiciário (Tribunal de Justiça do respectivo

Estado) como responsável pelo controle e fiscalização dos mediadores extrajudiciais e

judiciais, sendo que estes últimos, por se exigir a condição de Advogados, também serão

fiscalizados pela OAB – Ordem dos Advogados do Brasil (arts. 18 e 19).

Já a seleção e a formação dos mediadores será incumbência do Tribunal de

Justiça, da OAB e de empresas autorizadas pelo Tribunal de Justiça, o qual manterá um

registro de todos os mediadores, extrajudiciais e judiciais (arts. 15 e 17).

No dizer de Petrônio Calmon, trata-se da mediação paraprocessual, já que

algumas características da mediação pura estariam afastadas, como a desvinculação com o

Poder Judiciário.84

O projeto de lei nº 4827-C/98, com o substitutivo do Senado, retornou à

Câmara dos Deputados e foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania,

mediante parecer do Deputado José Eduardo Cardozo, o qual reconheceu que o conceito de

mediação é mais amplo do que aquele delimitado no projeto, apesar de enfatizar os avanços

que a inovação legislativa trará.

84 Petrônio Calmon, Fundamentos da mediação e da conciliação, Rio de Janeiro, Forense, 2007, p. 135-140.

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Atualmente, o multicitado projeto de lei foi retirado de pauta pela Mesa

Diretora da Câmara dos Deputados, em razão de requerimento para que fossem reconstituídos

vários outros projetos de lei que também tratam do mesmo assunto.85

De fato, embora o projeto represente um avanço, pois prevê, inclusive, a

mediação prévia judicial ou extrajudicial, no momento da distribuição do processo judicial,

mediante requerimento da parte interessada, interrompendo a prescrição (arts. 29 e 30), tendo

como meta instituir a mediação como forma de diminuir a sobrecarga sobre os juízes togados,

como bem alerta Kazuo Watanabe, é preciso cuidado com a obrigatoriedade ou a imposição da

mediação, sob pena de transformá-la em mais um ritual do processo, como a tentativa de

conciliação prévia do art. 331 do CPC.86

3.2.4-Da arbitragem

A arbitragem é uma forma de heterocomposição para a resolução dos conflitos.

Nela, as partes escolhem um terceiro, fora da relação conflituosa, para resolver a demanda.

Diferentemente da mediação e da conciliação, a terceira pessoa escolhida (árbitro) terá poderes

para decidir a questão, resolvendo, de acordo com o seu entendimento, o litígio entre as

partes.

Mas, a arbitragem continua sendo uma ADR, forma de resolução alternativa dos

conflitos, pois a decisão do conflito cabe a um árbitro e não a um juiz togado, membro do

Poder Judiciário.

No Brasil, a arbitragem encontra-se regulamentada pela Lei 9.307, de 23.09.96,

a qual adotou, por regra, a arbitragem fora do Poder Judiciário, isto é, desenvolvida por

organismos/associações privadas de arbitragem, embora o árbitro, no exercício das suas

funções ou em razão delas, para fins penais, equipare-se a um servidor público (art. 17).

Segundo a Lei 9.307/96, a arbitragem limita-se aos direitos patrimoniais

disponíveis (art. 1º), podendo ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das

partes (art. 13). A sentença arbitral produz coisa julgada entre as partes e os seus sucessores,

85 Conforme BRASIL, Câmara dos Deputados, tramitação do Projeto de Lei nº 4827/1998, autora: Dep. Zulaiê

Cobra-PSDB/SP, disponível em: <http://www2.camara.gov.br/proposicoes>, acesso em: 23.07.2009.

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valendo como título executivo extrajudicial (art. 31), mas pode ser anulada pelo Poder

Judiciário, existindo error in procedendo (erro de procedimento ou forma), nos termos dos

arts. 32 e 33 da referida lei.

Paulo Fernando Silveira considera “arbitragem judicial” a previsão existente no

art. 24 da Lei 9.099/95, segundo a qual, nos juizados especiais cíveis, não obtida a conciliação,

as partes poderão optar pelo juízo arbitral, cujo árbitro será escolhido dentre os juízes leigos

que atuam perante o juizado especial (arts. 7º e 24, §§ 1º e 2º), sendo o seu “laudo”

apresentado ao juiz togado para homologação por sentença irrecorrível, que passa a valer

como título executivo judicial (art. 26).87

Ratificando a legislação então existente, o Código Civil de 2002 tratou da

arbitragem nos arts. 851 a 853, limitando-a a direitos patrimoniais, através da vedação a

questões de família e de estado.

Previu o Código Civil o compromisso arbitral, quando as partes, após o início

da relação jurídica e diante de uma controvérsia concreta, resolvem adotar a arbitragem, seja

antes de um processo judicial ou durante o seu curso (art. 851). Houve, ainda, menção, à

cláusula compromissária de arbitragem, quando, abstratamente, nos contratos, desde logo,

existe previsão de resolver os litígios que acaso surgirem através da arbitragem (art. 853).

Porém, como bem destaca Fredie Didier Jr., nos contratos de adesão, não deve

haver a imposição compulsória da cláusula compromissária da arbitragem, sob pena de

nulidade, considerando-se, em regra, a disparidade entre as partes contratantes (empresas com

poder econômico e de mercado versus o consumidor, normalmente uma pessoa física). É a

previsão do art. 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de

11.09.90).88

A referência ao art. 51-VII do CDC e a impossibilidade da imposição da

arbitragem nos contratos de consumo demonstram que ela não pode ser encarada como

jurisdição, ao contrário do que entende o próprio Fredie Didier, mas como verdadeira forma

86 Kasuo Watanabe, Modalidade de mediação, Cadernos do CEJ - Mediação: um projeto inovador, Brasília,

DF, vol. 22, p. 42-50, 2003, disponível em: <http://www.cjf.jus.br/revista/seriecadernos/vol22/artigo04.pdf>,

acesso em: 10.02.2009. 87 Paulo Fernando Silveira, Tribunal arbitral: nova porta de acesso à justiça, Curitiba, Juruá, 2006, p. 57-58.

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alternativa e privada (em regra) de resolução dos litígios, atuando paralelamente à jurisdição

estatal.

Afinal, se a arbitragem fosse jurisdição, não haveria questionamento a respeito

da sua obrigatoriedade, como o próprio ordenamento jurídico o faz, através do multicitado art.

51-VII do CDC.

De fato, no ordenamento constitucional brasileiro, a jurisdição estatal goza de

prerrogativas e princípios, como o juiz natural, a investidura democrática mediante concurso

público dos seus membros (regra geral do art. 93-I, comportando as exceções de magistrados

egressos dos quadros da OAB e do MP, previstas nos arts. 94 e 104-II, e dos Ministros do

STF, nomeados pelo Presidente da República, após aprovação do Senado Federal, na forma do

art. 101, parágrafo único, todos da CF/88) e a vitaliciedade, a inamovibilidade e a

irredutibilidade de subsídios dos juízes (art. 95 da CF/88), que se traduzem em garantias ao

jurisdicionado de um julgamento independente e imparcial.

A arbitragem, à luz do art. 5º-XXXV da CF/88, não pode ser entendida como

“jurisdição”, monopólio estatal, à luz das normas constitucionais mencionadas, mas como

forma privada de resolução de disputas, que deve obedecer, igualmente, ao valor justiça,

dando uma resposta justa ao litígio que lhe é submetido.

Caminha nesse sentido Luiz Guilherme Marinoni, o qual alerta que o

enfraquecimento da jurisdição estatal, através da popularização dos meios alternativos de

disputa é também resultado de um projeto de Estado neoliberal.89

Olvida, entretanto, o processualista paranaense que o crescimento dos meios

alternativos de resolução de disputa, no Brasil, como forma alternativa de promover o acesso

às partes ao valor justiça, incluída a arbitragem, é o resultado de anos e anos de dificuldades do

Poder Judiciário, sozinho, em atender a todas as demandas sociais e da falta de uma visão de

instrumentalidade processual dos seus próprios membros, sem falar dos demais operadores

jurídicos, como já se demonstrou no início deste tópico.

88 Fredie Didier Jr., Curso de Direito Processual Civil – Teoria do processo e processo de conhecimento, 9ª

ed., Salvador, JusPodivm, 2008, p. 83. 89 Luiz Guilherme Marinoni, Teoria geral do processo, 2ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2007,

p. 152-158.

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Vincular ideologicamente os meios alternativos de resolução de disputa e

excluir a parcela de responsabilidade do Poder Judiciário pela demora no julgamento dos

processos pode ser tão perigoso quanto ignorar a importância da jurisdição estatal para a

defesa e a garantia dos direitos fundamentais do cidadão.

Os meios alternativos, deveras, fortalecem a jurisdição (e não o contrário), na

medida em que permitem a resolução de várias demandas, muitas delas patrimoniais e

disponíveis, desobstruindo o Poder Judiciário e permitindo o julgamento mais célere de outras

demandas judiciais envolvendo direitos indisponíveis ou de interesse coletivo.

3.3-O Ministério Público e a resolução alternativa de conflitos

O Promotor de Justiça, em seu ofício diário, quando resolve demandas, no

âmbito da sua promotoria de justiça, pode ser considerado como um instrumento de resolução

alternativa de conflitos, à luz de todos os conceitos até agora expostos?

A resposta é sim, na medida em que o Ministério Público pode referendar

transações celebradas pelas partes (art. 585-II do CPC e art. 57, parágrafo único, da Lei

9.099/95), além de expedir recomendações (arts. 27, parágrafo único, IV, da Lei 8.625/93) e

celebrar compromissos de ajustamento de conduta (art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85).

Isso porque, à luz da sua missão constitucional, de atuar em defesa do regime

democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127,

caput, da CF/88), como destaca Gregório Assagra de Almeida, cabe ao Ministério Público

exercer não apenas a função de “fiscal da lei”, mas o papel de fiscal do direito e da justiça

(custos juris) e de guardião da sociedade (custos societatis).90

Nesses termos, em sua atividade de atendimento ao público, o Promotor de

Justiça, ainda que não venha a formalizar acordos, também poderá mediar e resolver conflitos

que digam respeito aos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da

Constituição Federal).

90 Gregório Assagra de Almeida, O Ministério Público no Neoconstitucionalismo: perfil constitucional e alguns

fatores de ampliação de sua legitimação social, in Cristiano Chaves et al (Coords.), Temais atuais do

Ministério Público: a atuação do Parquet nos 20 anos da Constituição Federal, Rio de Janeiro, Lumen Juris,

2008, p. 29-30.

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Assim, o Promotor de Justiça, quando promove/auxilia a resolução de

demandas, sem a intervenção do Poder Judiciário, atua como negociador, mediador,

conciliador ou árbitro?

Ora, quando o Promotor de Justiça referenda, por exemplo, acordos de

alimentos em favor de uma criança (art. 201-VIII da Lei 8.069, de 13.07.90 – Estatuto da

Criança e do Adolescente) ou de um idoso em situação de risco (art. 74-X da Lei 10.741, de

1º.10.2003 – Estatuto do Idoso), atua como um mediador, buscando levar as partes a um

acordo, desde que beneficie o interesse indisponível em questão.

Porém, trata-se de um mediador sui generis, pois sua atuação não é plenamente

neutra e imparcial, considerando o seu papel constitucional de zelar pelos interesses individuais

indisponíveis (art. 127, caput, da CF/88) e de atuar em defesa dos interesses de incapazes (art.

82-I do CPC).

Além disso, dispõe de instrumentos específicos para o seu mister, como os

poderes de requisição e de notificação da parte interessada, doravante detalhados, embora, em

hipótese alguma, poderá vir a forçar qualquer acordo entre as partes, sob pena de responder

por prevaricação (art. 319 do Código Penal) ou ato de improbidade administrativa que atenta

contra os princípios da Administração Pública (art. 11-I da Lei 8.429/92).

Já quando, em defesa dos direitos assegurados constitucionalmente ao cidadão

(art. 129-II da CF/88), recomenda a observância de determinadas posturas administrativas aos

gestores públicos ou celebra com eles compromisso de ajustamento de conduta, é parte

diretamente interessada na resolução do litígio, funcionando, assim, como um negociador em

nome do interesse público ou social.

No seu mister de mediador e negociador do interesse social, deverá aplicar as

regras do “Projeto de Negociação da Harvard Law School”, definidas por Roger Fisher,

William Ury e Bruce Patton, já mencionadas.91

Ou seja:

91 Consulte-se, a propósito, o quadro comparativo entre os métodos tradicionais de negociação e a negociação

fundamentada em princípios, defendida pelos autores. Roger Fisher et al., Como chegar ao sim – a negociação

de acordos sem concessões, 2ª ed. revisada e ampliada, tradução de Vera Ribeiro e Ana Luiza Borges, Rio de

Janeiro, Imago Editora, 2005, p. 30.

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1. deverá separar as pessoas envolvidas do problema, tratando-as de forma

humanizada e não de forma fria e distante. Deve o Promotor de Justiça

entender a parte interessada na mediação/negociação, antes de tudo, como

um cidadão e não tratá-lo, desde logo, como criminoso, ímprobo ou

desajustado social;92

2. buscar sempre a defesa do interesse da sociedade (interesse público

primário) ou o interesse individual indisponível da parte hipossuficiente

(criança, portador de necessidade especial, idoso em situação de risco etc.);

3. criar várias alternativas para a defesa dos interesses sociais e individuais

indisponíveis em questão, possibilitando um acordo que deixe todos os

lados envolvidos satisfeitos;

4. não ceder a pressões e atuar em benefício de princípios, sobretudo aqueles

que norteiam o agir da Administração Pública: Legalidade, Impessoalidade,

Moralidade, Publicidade e Eficiência (art. 37, caput, da Constituição

Federal).

A conclusão deste tópico, mutatis mutandis, aplica-se aos Procuradores da

República e aos Procuradores do Trabalho, membros do Ministério Público Federal e do

Trabalho, respectivamente, ramos do Ministério Público da União, os quais, ao lado do

Promotor de Justiça, também possuem destacada atuação na defesa dos interesses sociais e

individuais indisponíveis, extrajudicialmente ou na seara da Justiça Federal e do Trabalho.

Merece menção a singular a atuação do Ministério Público do Trabalho, através

dos seus membros, os Procuradores do Trabalho, os quais podem funcionar como árbitros em

conflitos trabalhistas, quando assim for solicitado pelas partes, conforme o art. 83-XI da Lei

Complementar 75/93.93

92 Merece menção a visão humanista que Luis Alberto Warat propõe sobre o Direito. Isto é, um Direito que não

deve estar centrado em normas, mas sim na cidadania e no respeito aos direitos internos do homem; uma

justiça não centrada em valores, mas no cotidiano exercício da cidadania. In: O ofício do mediador, vol. I,

Florianópolis, Habitus, 2001, p. 218-221 e 236-237. 93 Segundo José Janguiê Bezerra Diniz, cabe ao Procurador do Trabalho definir, em cada dissídio trabalhista

que lhe for apresentado, quais as hipóteses de interesse público que justificam a sua atuação como árbitro.

Consulte-se: Atuação do Ministério Público do Trabalho como Árbitro, São Paulo, LTr, 2004, p. 307.

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CAPÍTULO IV

MINISTÉRIO PÚBLICO E ATENDIMENTO À POPULAÇÃO: FORMA

DIRETA DE ACESSO À JUSTIÇA

4.1-Breve histórico do Ministério Público

Há autores que invocam funcionários das antigas civilizações para justificar a

origem histórica da instituição Ministério Público. Outros preferem falar em “pré-história” do

Ministério Público.94

É importante, entretanto, advertir, como lembra José Eduardo Sabo Paes, que,

nas Idades Antiga e Média e em parte da Idade Contemporânea, existiam, sim, funcionários

públicos que exerciam alguns funções que lembravam as atuais atribuições dos membros do

MP, como primar pela observância da lei ou sustentar a acusação penal. Porém, não havia uma

idéia de Ministério Público enquanto instituição ou órgão estatal específico.95

No Egito, por exemplo, existia o Magiai, que possuía a função de castigar os

rebeldes, reprimir os violentos e proteger os cidadãos pacíficos. Em Esparta, na Grécia Antiga,

existiam os Éforos, que, além de julgar, também podiam acusar. No Império Romano,

destacavam-se os advocatus fisci e os procuratores caesaris, que vigiavam a administração

dos bens do Império.

Durante a Idade Média, citem-se as funções dos saions germânicos e dos bailos

e senescais, cujo mister era defender os senhores feudais em juízo. Mencionem-se também a

figura, extraída do direito germânico, do Gemeiner Anklager (comum acusador), encarregado

da acusação pública.96

94 Roberto Lyra, Teoria e Prática da Promotoria Pública, 2ª ed., Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor,

1989, p. 17. 95 José Eduardo Sabo Paes, O Ministério Público na construção do Estado democrático de Direito, Brasília,

Brasília Jurídica, 2003, p. 13-21. 96 Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed. São Paulo, Saraiva, 2007, p. 37-38.

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64

Ainda no período medieval, às vésperas do Renascimento, na Itália, surgem as

figuras dos avvogatori di communni, em Veneza, e dos cônsules, sindicis ou ministrales, com

atribuições dentro do processo penal acusatório.97

Na verdade, a feição moderna do Ministério Público, como se conhece hoje,

começou a se desenvolver durante o Século XIV, em berço europeu, através de ordenamentos

como o francês e o português, por meio do surgimento de procuradores, ou seja,

representantes dos interesses do soberano perante os tribunais, os quais, gradualmente,

começaram a esboçar sinais de independência, vindo a ser contemplados, a partir do século

XIX com estatutos legais próprios, formando uma magistratura independente.98

Na França, durante o século XIV, o Rei Felipe IV resolveu criar os

“Procuradores do Rei” (Procureurs du Roi), servidores públicos (magistrados, em sentido

amplo) que deveriam fiscalizar os tribunais, para defender os interesses da Coroa, além de

possuírem atribuições criminais. Havia também os Avocats du Roi, com funções civis.99

Ou seja, foram instituídos advogados e procuradores com a missão de velar pela

autoridade da lei (na prática, do soberano) e pelos interesses da nação nos tribunais, perante os

grandes vassalos e para combater a influência do foro eclesiástico.

No início, os Procuradores do Rei ainda não tomavam assento ao lado dos

Juízes, ficando em pé, sobre o assoalho da sala de audiência. Eis a origem das expressões

francesas Parquet (assoalho) e magistrature débout (magistratura de pé ou requerente), até

hoje utilizadas como referência aos membros do Ministério Público.

Com o tempo, os procuradores do Rei passaram a não defender simplesmente o

interesse do Governo, mas o interesse da coletividade, reivindicando a defesa de um interesse

público diverso dos interesses da Coroa, demonstrando, gradativamente, certo grau de

independência. E tal distinção acentuou-se com o desenvolvimento dos conceitos de interesse

97 José Eduardo Sabo Paes, O Ministério Público na construção do Estado democrático de Direito, Brasília,

Brasília Jurídica, 2003, p. 34-35. 98 Nesse sentido, Cunha Rodrigues, Em nome do Povo, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 47-48. 99 Consultem-se: Alexandre de Moraes, Direito Constitucional, 12ª ed., São Paulo, Atlas, 2002, p. 490, e José

Eduardo Sabo Paes, O Ministério Público na construção do Estado democrático de direito, Brasília, Brasília

Jurídica, 2003, p. 57-58.

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público primário (da coletividade como um todo) e de interesse público secundário (do Estado

enquanto pessoa de direitos e deveres).100

Sobre o tema, Renato Alessi define interesse público primário como o conjunto

dos interesses públicos prevalentes em determinada sociedade. Já o interesse público

secundário seria o interesse individual de cada pessoa, física ou jurídica, integrante da

comunidade.

Para o autor italiano, não basta que a Administração Pública atue apenas

visando aos seus interesses patrimoniais (por exemplo, planejando um aumento de arrecadação

tributária); é preciso que a sua atuação vise aos interesses públicos primários, dentro de uma

idéia de eqüidade e de justa aplicação dos recursos públicos em benefício daqueles que pagam

os tributos. Ou seja, para a Administração Pública cumprir a sua função, é preciso que o

interesse público primário coincida com o interesse público secundário.101

Segundo Norberto Bobbio, é preciso que os governantes tenham o “senso do

Estado”, ou seja, o dever de buscar o bem comum e não o bem particular ou individual.102

Assim, torna-se evidente a necessidade de haver uma instituição independente

do Estado para que, em determinadas situações, possa exigir dele a satisfação do interesse

público primário, em detrimento dos interesses limitados e patrimoniais do ente público

enquanto pessoa jurídica (interesse público secundário).

Segundo Cunha Rodrigues, às funções primitivas dos procuradores do rei foi

acrescentada a acusação penal dos criminosos, existindo, assim, uma diferenciação entre a

defesa dos interesses patrimoniais da Coroa (os quais passaram a ser defendidos pelos

advogados do rei) e os interesses sociais (doravante, incumbência dos procuradores do rei).103

100 Conforme, Celso Antonio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 12ª ed., São Paulo,

Malheiros, 2000, p. 32-33. Nesse sentido, consulte-se entendimento, em favor da distinção entre interesse

público primário e secundário, do Superior Tribunal de Justiça. In: BRASIL, Superior Tribunal de Justiça,

Recurso Especial nº 787.967/SE, órgão julgador: 1ª Turma, relator: Min. Luiz Fux, Brasília, 07 de agosto de

2007, Diário da Justiça de 23.08.2007, p. 213.

101 Renato Alessi, Instituciones de Derecho Administrativo, Tomo I, Barcelona, BOSCH, Casa Editorial,

1970, p. 183-186. 102 Norberto Bobbio e Maurizio Viroli, Direitos e deveres na República: os grandes tema da política e da

cidadania, tradução de Daniela Beccaccia Versiani, Rio de Janeiro, Elsevier, 2007, p. 43-44. 103 Cunha Rodrigues, Em nome do Povo, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 42-46.

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Em Portugal, no ano de 1289, havia o cargo de Procurador da Coroa, criado no

reinado de Dom Afonso III, que detinha algumas prerrogativas como chamar “à Casa do Rei”

pessoas que com ele tinham pleitos.104

Entre 1446 e 1447, no título VIII do Livro I das Ordenações Afonsinas, durante

o reinado de D. João I, existia a figura do Procurador da Justiça. Já a Ordenação Manuelina de

1521, nos títulos XI e XII do Livro I, mencionava as obrigações do Procurador dos feitos do

Rei, do Promotor da Justiça da Casa da Suplicação e dos Promotores da Justiça da Casa do

Cível. Tempos após, o Decreto real de 21 de Agosto de 1637 proibiu que se consultassem

matérias de jurisdição sem ser ouvido o Procurador da Coroa.

Com a proclamação da República em Portugal, publica-se o Decreto de 8 de

outubro de 1910, determinando que a Procuradoria-Geral da Coroa e da Fazenda, mantendo

embora as suas anteriores atribuições, passasse a se denominar Procuradoria-Geral da

República, alteração extensível às procuradorias régias e aos diversos escalões da magistratura

do Ministério Público.105

Nesse passo, há que se destacar a histórica vinculação do Ministério Público em

Portugal com a defesa e a representação das causas de interesse do Estado Português,

atribuição esta mantida até os dias atuais, como se verifica na leitura dos arts. 1º e 3º, a, da Lei

Orgânica do Ministério Público de Portugal (Lei 60, de 27.08.98).

Ainda argumentando, destaque-se que, desde o século XV, através da

delegação de poderes do Rei inglês Henrique IV ao Procurador dos feitos da Coroa, tem se

desenvolvido no Direito anglo-saxão a figura do Attorney General´s Office, que, atualmente, é

uma instituição equivalente ao Ministério Público no sistema do common law.106

104 Conforme Ricardo Ferreira Saco, Constitucionalismo e Ministério Público: uma visão panorâmica, Belo

Horizonte, Mandamentos, FCH/FUMEC, 2008, p. 53-54. 105 Consulte-se, nesse sentido, o sítio da Procuradoria-Geral da República em Portugal, História do Ministério

Público, disponível em: <http://www.pgr.pt/portugues/grupo_historia/indice.htm>, acesso em: 27.07.2008.

106 Ricardo Ferreira Saco, Constitucionalismo e Ministério Público: uma visão panorâmica, Belo Horizonte,

Mandamentos, FCH/FUMEC, 2008, p. 52-53.

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4.2-Evolução histórica do Ministério Público no Brasil

A influência do direito lusitano, na formação dos alicerces do Ministério Público

no Brasil é manifesta, a começar pela denominação inicial dos seus cargos, Promotor e

Procurador de Justiça, herdada das Ordenações Afonsinas.

Tradicionalmente, aponta-se, como marco inicial, o Alvará de 07 de março de

1609, ainda sob o Império português, o qual criou o Tribunal da Relação da Bahia, fazendo

menção ao Procurador dos feitos da Coroa, da Fazenda e do Fisco, além do Promotor de

Justiça, cujo mister era velar pela integridade da jurisdição.107

Na fase da monarquia, a Lei de 03 de dezembro de 1841, que reformou o

Código de Processo Criminal, define os Promotores de Justiça como os servidores

responsáveis pela acusação penal.

Louve-se, no entanto, a atuação do Promotor de Justiça do Recife, José

Thomaz Nabuco de Araújo, pai do futuro abolicionista Joaquim Nabuco, tomando medidas

contra o tráfico de escravos negros, já no ano de 1837, demonstrando a vocação do Ministério

Público em atuar nas causas de interesse social e não apenas como mero acusador penal.108

A instituição Ministério Público, no entanto, começa a tomar corpo apenas no

Brasil República, a partir do Decreto 1.030, de 14 de novembro de 1890. Note-se que o

Decreto 9.263, de 28 de dezembro de 1911, considerava o MP como “advogado da lei” e

“promotor da ação pública contra todas as violações de direito”.109

A primeira Constituição brasileira, em 1824, não fez referência alguma ao

Ministério Público, embora informasse, em seu art. 48, a respeito do desempenho da acusação

penal pelo “Procurador da Coroa e da Soberania Nacional”, no Juízo dos crimes, cuja

acusação não pertencesse à Câmara dos Deputados.

107 Roberto Lyra, Teoria e Prática da Promotoria Pública, 2ª ed., Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor,

1989, p. 21. 108 Francisco Sales de Albuquerque et al, A face revelada dos promotores de justiça: o Ministério Público de

Pernambuco na visão dos historiadores, Recife, MPPE, 2006, p. 111-131. 109 Conforme, Roberto Lyra, Teoria e Prática da Promotoria Pública, 2ª ed., 1ª reimpressão, Porto Alegre,

Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 21-23.

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Na Carta Republicana de 1891, existia a previsão do Procurador-Geral da

República, que deveria ser escolhido pelo Presidente da República entre os membros do

Supremo Tribunal Federal (art. 58, § 2º).

A Constituição de 1934 previu a existência do Ministério Público na União,

Distrito Federal e Territórios e nos Estados; também houve referência à estabilidade dos

membros do Parquet e à exigência de concurso público para ingresso na carreira (arts. 95 a

98).

A Constituição outorgada por Getúlio Vargas, em 1937, não tratou do

Ministério Público em seção própria, havendo breves referências dentro do capítulo pertinente

ao Poder Judiciário, sem menções a respeito de prerrogativas. Designava o Procurador-Geral

da República como chefe do Ministério Público Federal, cargo de livre “nomeação e demissão”

do Presidente da República, devendo a escolha recair em pessoa que reunisse os requisitos

exigidos para Ministro do Supremo Tribunal Federal (art. 99). Havia, ainda, a previsão do 5º

constitucional nos tribunais superiores, por membros do MP e da advocacia (art. 105).

A Carta promulgada de 1946 traz uma abordagem mais detalhada do Ministério

Público, prevendo estabilidade, inamovibilidade relativa e exigência de concurso público, além

de outras previsões como o quinto constitucional nos Tribunais Estaduais (arts. 125 a 128).

Interessante é que, conforme a Constituição de 1946, a representação da União em juízo era

dos Procuradores da República, podendo a lei cometer tal encargo, nas comarcas interioranas,

ao Ministério Público do Estado (art. 126, parágrafo único).

A Constituição de 1967, em seu texto original, outorgada durante o regime

militar, mediante célere processo de aprovação, tratava o Ministério Público na Seção IX,

dentro do Capítulo VIII, atinente ao Poder Judiciário. Consagra-se, uma vez mais, a

representação judicial da União pelos Procuradores da República, podendo a lei estender tal

encargo nas comarcas do “interior” ao Ministério Público do Estado (art. 138, § 2º). Assegura-

se aos membros do Ministério Público a estabilidade, salvo sentença judicial ou decisão de

processo administrativo, mediante ampla defesa, e a inamovibilidade, que poderia ser

excepcionada por representação do Chefe da Instituição (arts. 138, § 1º, e 139).

A Carta de 1967, no entanto, foi totalmente modificada pela Emenda

Constitucional nº 1, de 17.10.69, vindo a tratar, em seu texto, o Parquet dentro do capítulo

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referente ao Poder Executivo, mantendo a exigência de concurso público bem como as

garantias de estabilidade e de inamovibilidade para os membros do Ministério Público, salvo

representação do Chefe da Instituição, com base na conveniência do serviço (arts. 95, § 1º, e

96, parágrafo único).

A representação judicial da União permaneceu com a Procuradoria da

República, sendo que, nas comarcas do “interior”, a União poderia ser representada pelo

Ministério Público Estadual (art. 95, § 2º). Destaque-se, a lei complementar que estabelecia

normas gerais para os Ministérios Públicos dos Estados era de iniciativa apenas do Presidente

da República (art. 96, parágrafo único).110

A Magna Carta de 1988 situa o Ministério Público em um capítulo especial,

fora da estrutura de qualquer dos Poderes da República, libertando a Procuradoria da

República da representação da Fazenda Pública Federal em causas não tributárias, encargo, a

partir de então, que passou a ser Advocacia-Geral da União. Mais do que isso: vedou,

expressamente, a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas ao

Ministério Público (art. 129-IX).

A propósito, consulte-se o art. 20 da Lei Complementar 101, de 04.05.2000

(Lei de Responsabilidade Fiscal), que não inclui o Ministério Público em qualquer das esferas

de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), tratando-o de forma autônoma para os fins de

limites de despesa com pessoal. Note-se, por exemplo, que o Tribunal de Contas é tratado

como um órgão inserido dentro do Poder Legislativo, juntamente com Parlamento respectivo

(art. 20, § 2º, inciso II, “a” usque “d”).

Consagrou o texto constitucional, enfim, a autonomia administrativa e a

independência (de iniciativa) orçamentária do Ministério Público (art. 127, §§ 2º e 3º).

Previu, ainda, o Parquet como titular exclusivo da ação penal pública e

responsável pelo controle externo da atividade policial (art. 129-I e VII); ombudsman

(ouvidor) da população, para exigir dos poderes públicos a observância dos direitos

assegurados na Constituição (art. 129-II), e como legitimado para a defesa dos interesses

110 As constituições de 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a EC 01/69 foram consultadas em BRASIL,

Constituições, disponível em: <http://planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/principal.htm>, acesso em:

22.06.2009.

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difusos e coletivos, por meio do inquérito civil e da ação civil pública (art. 129-III), além de

outras funções, relacionadas com as suas atividades institucionais, como o poder notificatório e

requisitório (art. 129-VI).

Apesar do tratamento uniforme quanto às funções institucionais (art. 129),

destaque-se a divisão do Ministério Público em dois ramos: MP da União (subdividido nos

ramos Federal, do Trabalho, Militar – nas questões relacionadas com as Forças Armadas - e do

Distrito Federal e Territórios) e MP dos Estados da Federação.

O Ministério Público que funciona junto ao Tribunal de Contas da União e aos

Tribunais de Contas Estaduais (art. 130 da CF/88) não é considerado uma instituição

independente, mas um órgão dentro da estrutura da Corte de Contas, sendo aplicáveis aos seus

membros os direitos, as vedações e a forma de investidura dos membros do Ministério Público

dos Estados e da União.111

A Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004, instituiu o art. 130-A na CF/88,

vindo a criar o Conselho Nacional do Ministério Público, a quem compete zelar pelo controle

da atuação administrativa e financeira do Ministério Público e pelo cumprimento dos deveres

funcionais dos seus membros (art. 130-A, § 2º).

Na composição do Conselho Nacional do Ministério Público, há manifesta

disparidade, privilegiando-se o MP da União, em detrimento do MP dos Estados, quebrando,

assim, a simetria que deve existir entre eles, a bem do Princípio Institucional da Unidade (art.

127, § 1º, da CF/88).

Pois, enquanto apenas três membros do Ministério Público dos 26 (vinte e seis)

Estados compõem o CNMP (art. 130-A, inciso III, da CF/88), o Ministério Público da União

está representado pelo Procurador-Geral da República, que preside o Conselho Nacional (art.

130-A, inciso I), e por mais 04 membros, representando o MP Federal, o MP do Trabalho, o

MP Militar e o MP do Distrito Federal e Territórios (art. 130-A, inciso II).112

111 Uadi Lammêgo Bulos, Constituição Federal anotada, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, pp. 1118-1119 e

1143-1144. 112 Consulte-se a respeito: Salomão Abdo Aziz Ismail Filho, O Princípio da Unidade e o Ministério Público –

Uma reflexão após a Emenda Constitucional 45/2004, Boletim do Instituto do Ministério Público de

Pernambuco, Recife, ano 7, n. 13, p. 11-13, abr./jun. 2005.

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Além de membros do Ministério Público, o CNMP é composto por membros

indicados pelo Poder Judiciário, pelo Congresso Nacional e pela OAB (art. 130-A, incisos IV,

V e VI).

Destaque-se, ainda, a obrigatoriedade, introduzida pela EC 45/2004, do

Ministério Público da União e dos Estados criarem ouvidorias (ombudsman do ombudsman)

para receberem reclamações contra os seus próprios membros e órgãos e a prestação dos seus

serviços (art. 130-A, § 5º) e a possibilidade do Poder Executivo ajustar o orçamento do

Ministério Público de acordo com a proposta geral de orçamento anual, o que, na prática, já

acontecia (art. 127, § 5º).

4.3-Fundamento jurídico para o atendimento ao público do Promotor de

Justiça no ordenamento brasileiro: Ministério Público como ombudsman

(Ouvidor e Defensor) do povo

Existe fundamento constitucional e legal, no ordenamento jurídico brasileiro, a

respeito do atendimento à população pelo Ministério Público?

A resposta há de ser afirmativa, sendo o atendimento à população decorrência

das atribuições institucionais do membro do Parquet, previstas no art. 129 da Constituição

Federal, notadamente a função prevista no inciso II da referida norma constitucional: “zelar

pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos

assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”.

Tal função consagra o Ministério Público como Defensor do Povo, ombudsman

da sociedade perante todos os Poderes Constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário).

Ora, o ombudsman é um servidor público cuja função é escutar, anotar as

reivindicações da população perante o Poder Público, defendendo tais interesses perante as

autoridades.

Embora, historicamente, em alguns governos europeus, houvesse antecedentes

semelhantes, como o Tribunal de Aragão, existente no século XII, na Espanha, o ombudsman

tem origem na Suécia, em 1809, com a função de velar pela observância das leis e dos

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regulamentos pelos servidores públicos, podendo, inclusive, demandar perante os tribunais

competentes para combater os abusos e os desvios ocorridos no serviço público.113

Na Espanha, a função de Defensor do Povo é separada do Ministério Fiscal

(Ministério Público), sendo aquele designado pelas Cortes Generales (Parlamento espanhol,

composto pelo Congresso dos Deputados e pelo Senado) para um mandato de cinco anos. O

nome da pessoa indicada para o cargo de Defensor do Povo deve ser aprovado por três

quintos dos votos dos votos dos membros do Congresso dos Deputados e, posteriormente, por

três quintos dos votos do Senado.

Ao Defensor do Povo, cabe a defesa dos direitos fundamentais mediante o

recebimento de queixas de nacionais ou não nacionais, as quais poderão resultar em

recomendações à Administração Pública ou mesmo em representações de inconstitucionalidade

ou ações de amparo perante o Tribunal Constitucional (v. art. 54 da Constituição

Espanhola).114

Se, no desempenho das suas funções, deparar-se com indícios ou notícias de

fatos criminais, deverá comunicá-los ao Ministério Fiscal.115

Em Portugal, há o cargo de Provedor de Justiça, que aprecia, sem poder

decisório, as queixas dos cidadãos decorrentes de ações ou omissões do Poder Público,

podendo recomendar aos órgãos competentes para adoção das providências cabíveis e, ainda,

requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade,

com força obrigatória geral. O Provedor de Justiça é um órgão independente, embora o seu

titular seja designado pela Assembléia da República, por tempo determinado (v. arts. 23 e 281,

nº 2, d, da Constituição de Portugal).

Como destaca Jorge Miranda, a função do ombudsman tem a missão de

promover a defesa e a efetivação dos direitos dos cidadãos através de meios informais, ou seja,

sem o rigor formal do rito dos tribunais, sendo, assim, uma inovadora forma de controle da

Administração Pública.116

113 Enrique Sánchez Goyanes, Constitución Española Comentada, 23ª ed., Madri, Thomson Paraninfo, 2005,

p. 109. 114 Conforme, Eduardo Gamero Casado e Severiano Fernández Ramos, Manual básico de derecho

administrativo, 5ª ed., Madri, Tecnos, 2008, p. 45-46. 115 Isidre Molas, Derecho Constitucional, 4ª ed., Madri, Tecnos, 2008, p. 154-155. 116 Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional: Tomo IV, direitos fundamentais, 4ª ed., Coimbra,

Coimbra Editora, 2008, p. 341-345.

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Fica evidente, então, a possibilidade de que órgãos indicados

constitucionalmente possam defender os direitos dos cidadãos e promover a sua efetivação

independentemente do Poder Judiciário, sendo a figura do ombudsman um marco histórico no

direito europeu, servindo de modelo para outros ordenamentos jurídicos.

No Brasil, durante os trabalhos de votação da atual Carta Republicana, chegou-

se a propor a criação do cargo de Defensor do Povo, mas a Assembléia Nacional Constituinte,

por fim, delegou ao Ministério Público mais essa importante atribuição, o que reforça a tese de

um novo perfil do ministerial, a ser observado, sempre, no desempenho das suas funções.117

Dentro de tal contexto, Cláudio Lemos Fonteles considera o Ministério Público

como a voz da sociedade perante o Poder Judiciário.118

Deveras, o Ministério Público é a viva-voz da sociedade não apenas perante o

Judiciário, mas diante de todos os Poderes Públicos, devendo fazer prevalecer o interesse

social em caso de violação dos direitos assegurados na Constituição pelos agentes públicos ou

pelos serviços de relevância pública.

Nessa linha de pensamento, Luís Roberto Gomes doutrina, sempre que o

administrador público se omitir ilicitamente no cumprimento dos postulados do Estado

Democrático de Direito, caberá ao Ministério Público intervir, buscando corrigir a iniqüidade

através dos instrumentos administrativos e processuais de que dispõe. Para o referido autor,

não se trata de uma punição, mas de um saudável mecanismo democrático de garantia de

alcance ao povo do bem-estar social.119

O Ministério Público, destarte, exercerá a defesa do patrimônio público,

promovendo uma das formas de controle da Administração Pública, e a defesa do meio

ambiente e das relações de consumo, dentre outros interesses difusos e coletivos, através do

inquérito civil e da ação civil pública (arts. 1º e 8º, § 1º, da Lei 7.437/85).

117 A respeito, consulte-se: Wallace Paiva Martins Junior, Controle da Administração Pública pelo

Ministério Público (Ministério Público defensor do povo), São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2002, p. 78-93. 118 Cláudio Lemos Fonteles, O art. 127 da Constituição Federal: reflexões, in Flávio Paixão de Moura Júnior et

al. (Coords.), O Ministério Público e a ordem social justa: Dez anos da Lei Complementar n. 75/93, Belo

Horizonte, Del Rey, 2003, p. 01-04. 119 Luís Roberto Gomes, O Ministério Público e o controle da omissão administrativa: o controle da omissão

estatal no direito ambiental, Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2003, p. 22-27

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Demais disso, na seara da infância e da juventude e dos direitos do idoso,

poderá o membro do MP requisitar força policial, além da colaboração dos serviços médicos,

hospitalares, educacionais e da assistência social, públicos ou privados, para o desempenho de

suas atribuições (art. 201-XII da Lei 8.069/90 e art. 74-IX da Lei 10.741/2003).

De outro lado, não se pode olvidar que a Constituição Federal prevê, no rol dos

direitos e garantias fundamentais, o direito de receber dos órgãos públicos informações de

interesse particular ou coletivo e, ainda, o direito de petição ao Poderes Públicos, norma que

assegura aos cidadãos o acesso a todos os membros do Ministério Público (art. 5º, incisos

XXXIII e XXXIV, a, da CF/88).

De certa forma, a Constituição de 1988, através dos incisos XXXIII e XXXIV,

alínea a, do art. 5º, alberga um conceito amplo do direito de petição, incluindo tanto as queixas

e/ou as reclamações do cidadão, buscando a satisfação de interesses individuais, como pleitos

voltados para a satisfação de interesses sociais ou coletivos.120

No âmbito legal, o art. 32-II da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do

Ministério Público, dispondo sobre normas gerais para a organização do Ministério Público

dos Estados) consagra o atendimento ao público como função institucional do Promotor de

Justiça, cabendo a ele, na esfera das suas atribuições, atender a qualquer do povo, tomando as

providências cabíveis.

Destaque-se, o comando legal utiliza o termo “qualquer do povo” e não apenas

“cidadãos”, incluindo, assim, não apenas os nacionais brasileiros com direito a voto, mas

quaisquer outras pessoas/indivíduos, inclusive os presos com direitos políticos suspensos e os

estrangeiros em trânsito no território nacional.

E os Procuradores de Justiça, não são obrigados a atender ao público?

Evidentemente que sim, por força da direito constitucional de petição, mas

dentro das matérias relacionadas com a sua atuação na 2ª instância do Ministério Público, junto

aos Tribunais de Justiça. Ademais, o art. 43-XIII da Lei 8.625/93 prescreve a todos os

120 Segundo Maria Luísa Duarte, o direito de petição tem dupla acepção, podendo referir-se à esfera individual

do peticionário ou a questões de interesse geral. In: O direito de petição: cidadania, participação e decisão,

Coimbra, Coimbra Editora, 2008, p. 22-29.

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membros do Ministério Público o dever de atender aos interessados, a qualquer momento, nos

casos urgentes.

Impende, ainda, destacar que os arts. 22-II e 72-XIII da Lei Complementar

Estadual 12/94, do Ministério Público de Pernambuco, ratificam a previsão da Lei 8.625/93,

também estipulando o atendimento ao público como dever funcional do membro do Parquet.

Logo, a função de atender ao público pelo membro do Ministério Público, em

especial o Promotor de Justiça, não é favor, não podendo ser tratada como “perda de tempo”

ou atividade secundária pelo órgão ministerial, pois se trata de uma atribuição com matriz

constitucional, estabelecendo-se como um dever legal de cada membro do Ministério Público,

na seara das suas atribuições.

Destarte, o atendimento ao público é um dos instrumentos do Ministério

Público resolutivo, ou seja, daquele Ministério Público que não se contenta em apenas

demandar ao Poder Judiciário, buscando, através dos meios constitucionais e legais que

dispõe, diretamente, resolver as demandas a ele propostas.

Nesse sentido, adota-se, como linha teórica, o entendimento de Marcelo

Pedroso Goulart, que defende um Ministério Público resolutivo e não apenas demandista ao

Judiciário, no qual os seus membros são agentes privilegiados da luta pela democratização das

relações sociais e pela globalização dos direitos da cidadania.121

Acrescente-se, outrossim, caber ao Ministério Público a defesa do núcleo

essencial dos direitos fundamentais (arts. 5º e 6º da Constituição Federal de 1988), exigindo

ações e medidas por parte do Estado e da própria sociedade.122

A propósito, Paulo Gustavo Guedes Fontes defende que os membros do

Ministério Público devem enfatizar o caráter extrajudicial da sua atuação, desenvolvendo o

121 Marcelo Pedroso Goulart, Missão Institucional do Ministério Público, Revista do Ministério Público de

Pernambuco, Recife, vol. III, p. 21-40, 2000.

122 Conforme entendimento de Cláudio Tenorio Figueiredo Aguiar, O Ministério Público e a implementação de

políticas públicas – dever institucional de proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais, in: Patrícia

Villela (Coord.), Ministério Público e políticas públicas, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 12-15 e 19-20.

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caráter político da função de ombudsman/Defensor do Povo, através dos instrumentos legais

que dispõem, como o termo de ajustamento de conduta e a recomendação.123

É por isso que Andreas J. Krell propõe que o Ministério Público, a fim de

promover a justiça social, utilize os instrumentos legais que tem à disposição para a defesa dos

interesses sociais, os quais, segundo o seu entendimento, não constituem uma categoria diversa

dos interesses difusos e coletivos. Para o referido doutrinador, o Ministério Público deve

assumir a postura de mediador dos conflitos surgidos em uma sociedade que anseia pela efetiva

implementação dos direitos sociais.124

A defesa dos interesses sociais pelo Ministério Público é expressamente

albergada pela Constituição de 1988 (art. 127, caput). Já no art. 129, inciso III, da Magna

Carta, incluem-se, dentre as funções institucionais do Parquet, a promoção do inquérito civil e

da ação civil pública para a defesa dos interesses difusos e coletivos.

O ordenamento jurídico brasileiro, por sua vez, adotou um conceito legal de

interesses difusos (sujeitos indeterminados, objeto indivisível, originados de uma situação de

fato), coletivos (sujeitos determináveis, objeto indivisível, originados de uma relação jurídica) e

individuais homogêneos (sujeitos determináveis, objeto divisível, origem decorrente de fato

comum), previsto no art. 81, parágrafo único, da Lei 8.078, de 11.09.90 (Código de Defesa do

Consumidor), o qual é referendado doutrinariamente por Hugo Nigro Mazzilli.125

Lembre-se, ainda, que o art. 25, inciso IV, “a”, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público) e o art. 6º, inciso VII, “c” e “d”, da Lei Complementar 75/93

(Lei Orgânica do Ministério Público da União) autorizam o Ministério Público a instaurar

inquérito civil e a ingressar com ação civil pública para a defesa dos interesses difusos,

coletivos e individuais homogêneos, além dos interesses individuais indisponíveis.

Isso leva à conclusão de que os interesses sociais, termo similar às expressões

interesses público e interesse geral, constituem-se em uma expressão genérica, a qual, quando

123 Paulo Gustavo Guedes Fontes, O controle da Administração pelo Ministério Público, Belo Horizonte, Del

Rey, 2006, p. 149-157 e 165. 124 Andreas J. Krell, Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha – Os (des) caminhos de

um direito constitucional “comparado”, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 103-106. 125 Hugo Nigro Mazzilli, A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio

cultural, patrimônio público e outros interesses, 20ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 50-59.

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se refere ao Ministério Público, inclui os interesses difusos, coletivos e individuais

homogêneos, ou seja, os chamados interesses metaindividuais.126

No entanto, há de se destacar que Mauro Cappelletti e Bryant Garth, na obra

“Acesso à Justiça”, tratam os interesses difusos como sinônimos dos interesses coletivos e

grupais.127

E que Rodolfo de Camargo Mancuso considera que os interesses sociais seriam um

grau de interesse diferente dos interesses difusos e coletivos.128

Posteriormente, em conferência ministrada no II Congresso Internacional de

Direito do Consumidor, em 21.09.90, Mauro Cappelletti exaltou, uma vez mais, a defesa dos

direitos difusos, sem diferenciá-los dos direitos coletivos, destacando, ainda, que, no Brasil, o

Ministério Público, a partir da Constituição de 1988, adquirira a independência e a

especialização necessárias para a defesa dos interesses sociais.129

Ainda sobre o assunto, convém mencionar o art. 120 da Constituição da Nação

Argentina, que dispõe caber ao Ministério Público a defesa dos interesses gerais da sociedade.

Segundo Nicolas E. Becera, o interesse geral fundamental da sociedade seria a liberdade, valor

diretamente relacionado com a paz social, os quais devem ser defendidos pelo Ministério

Público na sua atuação funcional.130

O atendimento ao público surge, então, como uma forma de trazer ao Promotor

de Justiça as demandas que envolvem interesses sociais ou individuais indisponíveis, podendo

este celebrar acordos extrajudiciais, termos de ajustamento de conduta ou oficiar às

autoridades públicas, requisitando informações ou a prestação de serviços públicos, dando,

assim, uma resposta imediata à população, em vez de demandar ao Poder Judiciário, o qual se

encontra, hoje, superlotado de processos, sem a agilidade necessária por conta da ausência de

126 Para Rodolfo de Camargo Mancuso, as expressões “interesse público”, relacionado com a presença do

Estado na relação jurídica ou de fato, e “interesse geral” apresentam conteúdo muito aproximado ao chamado

“interesse social”, sendo melhor tratá-las como sinônimos. In: Interesses Difusos, 4ª ed, São Paulo, Editora

Revista dos Tribunais, 1997, p. 28-31 e 225. 127

Mauro Cappelletti e Bryant Garth, Acesso à Justiça, tradução de Ellen Gracie Northfleet, Porto Alegre,

Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 49. 128 Rodolfo de Camargo Mancuso, Interesses Difusos, 4ª ed, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997, p.

74. 129 Mauro Cappelletti, “O acesso dos consumidores à justiça”, Revista de Processo, São Paulo, nº 62, p. 206-

211, abr./jun. 2001. 130 Nicolás E. Becerra, El Ministerio Público Fiscal: gênesis, ubicación institucional y la reforma pendiente, 1ª

ed., Buenos Aires-Madrid, Ciudad Argentina, 2004, p. 71-71.

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recursos materiais e humanos e de uma burocracia processual imposta ao longo dos anos,

dentre outros fatores já expostos neste trabalho.

A dificuldade do Poder Judiciário em apreciar demandas coletivas, reflexo da

falta de estrutura para julgar interesses difusos e coletivos, é constatada por Bruno Amaral

Machado.131

Bem antes do referido autor, John Rawls já alertava, dentro de uma idéia de

igualdade do exercício de direito por cada pessoa, proporcional ao respeito aos direitos e

liberdades dos outros, que os princípios da justiça, para as instituições, não devem ser

confundidos com os princípios aplicados aos indivíduos, em circunstâncias particulares.132

Nesse passo, Edilson Santana Gonçalves afirma que o Ministério Público é um

eficiente canal de acesso à justiça, pois a morosidade processual, o valor das custas judiciais e

a demora em obter uma sentença definitiva são fatores que têm levado a população a buscar a

resolução das suas demandas no Ministério Público e não no Poder Judiciário.133

Hugo Nigro Mazzilli também caminha no mesmo sentido, ao afirmar que o

atendimento ao público pelo Promotor de Justiça é um dos mais eficientes canais para dar

efetividade à função institucional do Ministério Público de zelar pelo efetivo respeito dos

Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição

Federal (art. 129, II, da Magna Carta).134

Por conseguinte, o acesso à justiça (direito fundamental, previsto no art. 5º,

incisos XXXIII, XXXIV, XXXV e LXXIV, da Constituição Federal), pode também ser obtido

no âmbito do Ministério Público, independentemente do Poder Judiciário, como forma rápida

de resolução das demandas, em homenagem ao princípio da razoável duração do processo, no

âmbito judicial e administrativo, conforme o inciso LXXVIII do art. 5º da Carta Suprema.

131 Bruno Amaral Machado, Ministério Público – Organização, representações e trajetórias, Curitiba, Juruá,

2007, p. 332. 132 John Rawls, A Theory of Justice, original edition, Cambridge, Massachusetts and London, Harvard

University Press, 1971, p. 54. 133 Edilson Santana Gonçalves, O Ministério Público no Estado Democrático de Direito, Curitiba, Juruá,

2000, p. 131-132. 134 Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 64-65.

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Assim, o Ministério Público deve funcionar como uma verdadeira “instância

social”, anterior à provocação do órgão jurisdicional, como bem destacam Luiz Fabião

Guasque e Denise Freitas Fabião Guasque.135

No mesmo diapasão, posicionam-se Izabel de Lizandra Penha Alves, Maria

Aparecida Alcântara Siebra e Maria de Fátima de Araújo Ferreira, considerando que, através

do seu atendimento ao público, o Ministério Público funciona como uma “ouvidoria social”,

atuando o Promotor de Justiça como agente político não partidário, transformador da sua

realidade social.136

Segue-se, enfim, a linha doutrinária de um Ministério Público estritamente

vinculado ao Estado Democrático de Direito, em busca da realização de uma justiça social,

porque a República Federativa do Brasil tem por fundamento, dentre outros, a dignidade da

pessoa humana, constituindo objetivos fundamentais da República a construção de uma

sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos (v. arts. 1º-III e 3º-I e IV da

CF/88). Dentro desse contexto, doutrinam Motauri Ciocchetti de Souza137

e Carlos Roberto de

C. Jatahy.138

4.4-O atendimento ao público no Ministério Público de Portugal, Espanha e

Itália – breve comparativo com o Ministério Público brasileiro

Conforme explica o Professor Ivo Dantas, realizou-se aqui um estudo de

legislação comparada (e não propriamente direito comparado), apenas com a finalidade de ter

por referência três ordenamentos jurídicos europeus, de origem latina, os quais exerceram

influência na constituição do Ministério Público no Brasil, comparando-os com a disciplina do

atendimento ao público ministerial na legislação brasileira.139

135 Luiz Fabião Guasque e Denise Freitas Fabião Guasque, O Ministério Público e a Sociedade, Rio de

Janeiro, Freitas Bastos, 2002, p. 116-117 e 128-129. 136 Izabel de Lizandra Penha Alves et al, Excelência no atendimento ao público: mudanças de paradigma e

estabelecimento de padrões de qualidade na recepção e triagem das Promotorias de Justiça de Pernambuco,

disponível em: <http://www.mp.pe.gov.br/uploads/e-4kDqvMrNX-

87TRG72C_g/Isabel_Aparecida_e_Ftima.pdf>, acesso em: 11.10.2009, p. 50-52. 137 Motauri Ciocchetti de Souza, Ministério Público e Princípio da Obrigatoriedade: ação civil pública, ação

penal pública, São Paulo, Método, 2007, p. 138-142. 138 Carlos Roberto de C. Jatahy, O Ministério Público e o Estado Democrático de Direito: Perspectivas

Constitucionais de Atuação Institucional, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, p. 147-156. 139 Ivo Dantas, Direito Constitucional comparado, Vol. I – Teoria do direito comparado (Introdução. Teoria.

Metodologia), 2ª ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2006, p. 68-69.

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4.4.1-Do atendimento ao público no Ministério Público português

Primeiramente, é preciso destacar que Portugal é um Estado Unitário (art. 6º da

CRP - Constituição da República Portuguesa), ao contrário do Brasil, que adota o regime

federativo.

Assim, em Portugal, atualmente, o Ministério Público personaliza-se na

Procuradoria-Geral da República, cujos integrantes são o Procurador-Geral da República, o

Vice-Procurador-Geral da República, os Procuradores-Gerais Adjuntos, os Procuradores da

República e os Procuradores Adjuntos.

A nomenclatura de “Procurador da República” é apropriada, pois, em Portugal,

o Ministério Público ainda defende e representa os interesses do Estado, além de exercer a

ação penal, participar da execução da política criminal, defender a legalidade democrática e

outros interesses que a lei determinar (art. 219 da CRP). Essa particularidade da função

ministerial em Portugal é destacada por Canotilho, afirmando que o Ministério Público atua no

interesse do “Estado-Comunidade” e do “Estado-Pessoa”.140

Sobre o atendimento à população, a Lei Orgânica do Ministério Público

português (Lei 60, de 27.08.98), ao contrário da legislação brasileira (Lei 8.625/93), não o

coloca como um dever expresso do membro do Parquet, embora informe que os serviços

urgentes serão assegurados pelos magistrados do Ministério Público, ainda que em tempo de

férias (art. 106, item 2).

Destaca, outrossim, a Lei 60/98, que o Ministério Público, no exercício das suas

funções, será coadjuvado por funcionários de justiça e por órgãos de polícia criminal, dispondo

de serviços de assessoria e de consultadoria (art. 3º, item 3).

É evidente que, embora não disciplinado expressamente em sua lei orgânica, o

atendimento ao público constitui atividade importante a ser desempenhada pelo Ministério

Público em Portugal, até pelo exercício de alguns funções peculiares, como exercer o

patrocínio oficioso dos trabalhadores e suas famílias na defesa dos seus direitos de “carácter

140 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 1999, p. 635-636.

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social” (art. 3º, item 1, “d”, da Lei 60/98) ou mesmo ingressar com ações de indenização em

favor de vítimas de crimes que não tenham condições de patrocinar Advogado.141

Destacam João Pedroso, Catarina Trincão e João Paulo Dias a importância do

atendimento ao público do Ministério Público com atuação junto ao Tribunal do Trabalho de

Coimbra, onde o Parquet presta um serviço de consultoria jurídica aos trabalhadores, mediante

o preenchimento de fichas específicas, com a finalidade, inclusive, de coletar dados para a

propositura de futura ação trabalhista. Nos anos de 2000 e 2001, os serviços do MP no

Tribunal do Trabalho de Coimbra atenderam a, respectivamente, 1.315 e 927 trabalhadores.

Enaltecem, ainda, os referidos autores a atuação ministerial junto ao Tribunal de

Família e Menores de Coimbra, considerando o Ministério Público como conciliador vital, na

defesa das crianças e de suas mães, inclusive evitando o ajuizamento de inúmeras ações

judiciais.142

No Brasil, a defesa dos interesses sociais dos trabalhadores, no âmbito

ministerial, é exercida pelo Ministério Público do Trabalho, ramo do MP da União (art. 83-III

da Lei Complementar 75/93). Já o ingresso de ações indenizatórias em favor de vítimas pobres

é, hoje, atribuição da Defensoria Pública, conforme o art. 134 da Magna Carta de 1988.

Quanto à defesa da infância e juventude, é tarefa, em princípio, típica dos

membros do Ministério Público dos Estados que atuem em Promotorias de Justiça da Infância

e Juventude (v. arts. 200 a 205 da Lei 8.069/90) e/ou de Direito de Família (art. 82-I e II do

CPC).

É importante destacar, no Ministério Público português, o serviço de apostila

(espécie de serviço de autenticação de documentos públicos), desempenhado na seara

ministerial, havendo toda uma estrutura predisposta para atender à população, em tal atividade,

na Procuradoria da República e outros órgãos fracionários desta, como os serviços da

Procuradoria junto aos Tribunais e Círculos Judiciais.

141 Consulte-se, nesse sentido, o sítio da Procuradoria Geral da República portuguesa, disponível em:

<www.pgr.pt/portugues/grupo_soltas/faq/mp.htm>, acesso em: 26.07.2008. 142 João Pedroso et al., O acesso à Justiça: um direito fundamental em questão, Coimbra, Universidade de

Coimbra – Centro de Estudos Sociais, 2002, p. 439-442.

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No mais, informe-se que o atendimento ao público, na Procuradoria da

República, costuma ocorrer todos os dias úteis, no horário de expediente da Secretaria, entre

09h00min e 12h00min e entre 14h00min e 17h00min.143

Destaque-se, uma vez mais, que os serviços urgentes deverão ser

desempenhados pelos Procuradores da República, inclusive em tempos de férias, nos termos

do art. 106, item 2, da Lei 60/98, mencionada antes.

No ordenamento brasileiro, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público

(Lei 8.625/93), há norma expressa determinando o atendimento ao público pelos Promotores

de Justiça (art. 32-II) e assegurando o atendimento até mesmo fora do horário de expediente,

nos casos urgentes, ao classificar a função de atendimento a qualquer do povo como um dever

do representante ministerial (art. 43-XIII).

Lamentavelmente, o Estatuto do Ministério Público da União não trata o

atendimento ao povo como dever, embora tenha um capítulo específico sobre a defesa dos

direitos constitucionais do cidadão (Capítulo IV, arts. 11 a 16 e 236, todos da LC 75/93).

A inclusão do atendimento ao público como dever funcional do membro do

Ministério Público da União, no Brasil, e dos integrantes da Procuradoria da República, em

Portugal, é uma conquista que ainda necessita ser assegurada.

4.4.2-Do atendimento ao público no Ministério Público espanhol

Na Espanha, Estado que adota a forma política de monarquia parlamentarista,

dividindo-se em municípios, províncias e comunidades autônomas (arts. 1º e 137 da

Constituição Espanhola), o Ministério Público é conhecido como Ministério Fiscal, órgão

independente, mas integrante do Poder Judiciário, que deve velar pela legalidade, pelos direitos

dos cidadãos, pela independência dos Tribunais e pela satisfação do interesse público e social

(art. 124, nº 1, da Constituição da Espanha).

A atuação dos Fiscais é orientada pelo Princípio da Unidade, o qual reflete a

subordinação hierárquica ao Fiscal Geral do Estado, que pode estabelecer critérios unitários de

atuação em todo o território, através de circulares ou instruções ou até mesmo atuar em

143 PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA EM PORTUGAL, Perguntas e Respostas, disponível em:

<www.pgr.pt/portugues/grupo_soltas/PERGUNTAS_RESP.htm>, acesso em: em 26.07.2008.

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qualquer assunto que esteja sendo examinada por um Fiscal, em qualquer parte do Estado

espanhol.144

Eis uma diferença primordial com relação ao Ministério Público brasileiro, cujo

Princípio da Unidade deve harmonizar-se com a independência funcional de cada membro e o

Princípio do Promotor Natural, não se admitindo a interferência do Procurador-Chefe em um

assunto que esteja sendo examinado pelo Promotor ou Procurador de Justiça natural (com

atribuição previamente determinada), salvo de forma excepcional e fundamentada, mediante

autorização prévia do Conselho Superior do Ministério Público (art. 127, § 1º, da CF/88, c/c o

art. 10-IX, g, da Lei 8.625/93), não existindo tal previsão com relação ao Procurador-Geral da

República, na seara do Ministério Público Federal (v. art. 49 da LC 75/93).

A autonomia funcional do Ministério Fiscal, derivada da sua imparcialidade,

segundo Ignacio Flores Prada, deve ser entendida como uma autonomia da instituição

Ministério Público, a qual, desprendida de orientações e determinações dos Poderes

constituídos, tornar-se-á mais permeável às aspirações sociais e às expectativas dos cidadãos

quanto à aplicação do direito, mas sempre à luz da legalidade.145

O Ministério Fiscal encontra-se organizado em fiscalias nas províncias e regiões

autônomas do Estado espanhol. Também existem fiscalias com atuação perante os Tribunais

Superiores de Justiça, o Tribunal Supremo, o Tribunal Constitucional e o Tribunal de Contas.

Merecem destaque as fiscalias especializadas, com fins de reprimir determinados fenômenos

delitivos: a fiscalia especial para a prevenção e a repressão do tráfico ilegal de drogas e a

fiscalia especial para a repressão dos delitos econômicos relacionados com a corrupção.

A carreira do Ministério Fiscal encontra-se escalonada da seguinte forma: Fiscal

de Sala (equiparado a Magistrado do Tribunal Supremo); Fiscal de 2ª Categoria (equiparado a

magistrado/juiz de tribunal) e Advogado-Fiscal (equiparado a juiz).146

144 Consulte-se, a propósito, Enrique Sánchez Goyanes, Constitución Española Comentada, 23ª ed., Madri,

Thomson Paraninfo, 2005, p. 169-170. 145 Ignacio Flores Prada, O Ministério Público em Espanha, in: João Paulo Dias e Rodrigo Ghiringhelli de

Azevedo (Coords.), O papel do Ministério Público – estudo comparado dos países latino-americanos,

Coimbra, Almedina, 2008, p. 91-94. 146 Conforme El Ministerio Fiscal Espanhol, disponível em: <www.fiscal.es/fiscal/public>, acesso em:

06.04.2009.

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Embora o Estatuto Orgânico do Ministério Fiscal (Lei 50, de 30.12.81,

atualizada pela Lei 14, de 26.05.2003) não estipule o atendimento ao público como um dever

funcional dos Fiscais, o art. 119 do Regulamento do Estatuto Orgânico (Decreto 437, de

29.02.69), prevê, de forma expressa, que o Fiscal da Lei deverá estar diariamente em seu

gabinete, podendo fixar horários, a fim de atender a pessoas que venham formular reclamações

ou apresentar denúncias relacionadas com a atuação do Ministério Público Espanhol. Em caso

de ausência justificada, o membro do Ministério Fiscal poderá ser substituído por um servidor

da Fiscalia que exerça funções delegadas para tanto.

O abandono do serviço da Fiscalia por mais de 07 (sete) dias e o abuso de

autoridade, revelado através da falta de respeito com cidadãos (o que pode ocorrer, em tese,

durante o atendimento à população), podem configurar, respectivamente, falta funcional

gravíssima e grave, conforme os arts. 62, nº 10, e 63, nº 3, do Estatuto Orgânico do Ministério

Fiscal.

No sítio do Ministério Fiscal na internet, existe um serviço de atendimento ao

cidadão, onde é possível fazer on line denúncias, queixas ou requerimentos de informações

sobre o andamento de processos.

Tal previsão atende ao disposto nos arts. 17 e 21 da Carta de Direitos do

Cidadão, documento que busca tornar mais ágil e próxima do cidadão espanhol a

Administração da Justiça e dos seus órgãos, dentre estes o Ministério Fiscal.

Assim como o ordenamento brasileiro (art. 5º-XXXIII e XXXIV, a, da CF/88),

o direito de petição, na Espanha, também está alçado à categoria de direito fundamental (art.

29, nº 1, da Constituição espanhola).

Destarte, constitui direito do cidadão espanhol formular denúncias e queixas

relacionadas com o funcionamento da Administração da Justiça, recebendo uma resposta no

prazo de até 30 (trinta) dias (art. 17 da Carta de Direitos do Cidadão); também é direito do

cidadão comunicar-se com a Administração da Justiça através do correio eletrônico, vídeo

conferência ou outros meios eletrônicos e telemáticos, desde que não haja indícios de dúvida

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quanto a sua autenticidade e integridade, conforme os requisitos previstos na legislação

espanhola (art. 21 da Carta de Direitos do Cidadão).147

Trata-se, portanto, de uma verdadeira afirmação do direito de petição enquanto

direito fundamental de comunicação entre governantes e governados, isto é, direito de todos

de participarem e se comunicarem com a Administração Pública.148

De fato, uma “carta de direitos do cidadão”, frente aos órgãos que integram a

Administração da Justiça no Brasil (Escritórios de Advocacia, Procuradorias da Advocacia

Pública, Defensoria Pública, Poder Judiciário e Ministério Público), assegurando-lhe o devido

atendimento e uma resposta às suas reclamações/requerimentos, em tempo hábil, mostra-se

como uma excelente idéia e uma conquista que também deve ser assegurada ao cidadão

brasileiro.

Mencione-se, no ordenamento jurídico brasileiro, a propósito, a assinatura, em

13.04.2009, do II Pacto Republicano de Estado, assinado pelo Presidente da República, os

Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados e o Presidente do Supremo

Tribunal Federal, com o objetivo de incrementar o acesso universal à justiça; aprimorar e

tornar célere a prestação jurisdicional e aperfeiçoar as instituições do Estado.

Embora o II Pacto Republicano traga algumas inovações importantes, como a

criação de um Comitê Interinstitucional de Gestão para o desenvolvimento de um sistema de

justiça mais ágil e efetivo; a criação de juizados especiais para causas envolvendo a Fazenda

Pública e a previsão de alteração legislativa para instituir a legitimação popular para a

propositura de ADPF – Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental, o documento

peca por não definir datas para o cumprimento de cada meta, e, ainda, por não trazer uma

previsão específica quanto à qualidade do atendimento ao público nos órgãos e entidades que

compõem o sistema de justiça no Brasil.149

147 MINISTERIO FISCAL ESPANHOL, Publicações, disponível em: <www.fiscal.es/fiscal/public/!ut>, acesso

em: 05.04.2009. 148 Conforme Maria Luísa Duarte, O direito de petição: cidadania, participação e decisão, Coimbra, Coimbra

Editora, 2008, p. 121-125. 149 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Notícias de 13.04.2009, disponível em:

<WWW.stf.jus.br/portal/geral/verImpressão.asp>, acesso em: 13.04.2009.

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4.4.3-Do atendimento ao público no Ministério Público italiano

Na Itália, conforme o art. 104 da Constituição, os juízes e membros do

Ministério Público integram a mesma carreira; não se trata de instituições equiparadas, mas de

agentes públicos que integram uma única carreira, que se divide entre os magistrados

judicantes (juízes) e os magistrados requerentes (membros do Ministério Público, integrantes

da Procuradoria da República).

A Procuradoria da República é o único órgão de representação do Ministério

Público na Itália, não existindo, como no Brasil, o fracionamento entre os Ministérios Públicos

dos Estados Federados e os ramos do Ministério Público da União (MP Federal, MP do

Trabalho, MP Militar e MP do Distrito Federal e Territórios).

A distribuição das Procuradorias da República, no território italiano, segue os

passos do Poder Judiciário, existindo Procuradorias conforme a distribuição do serviço

judiciário. Os serviços com jurisdição nacional são acompanhados pela Procuradoria-Geral

junto ao Supremo Tribunal de Justiça, existindo 165 Procuradorias da República nas

circunscrições judiciais do território italiano.

O Pubblico Ministero, enquanto órgão, apesar de integrar o Poder Judiciário, é

marcado por sua independente atuação funcional, seja quanto a este Poder, seja quanto ao

Poder Executivo, como destaca Benedetta Giovanetti.150

Outra singular característica do Ministério Público da Itália é a Chefia da Polícia

Judiciária, fazendo com que, nas Procuradorias da República, existam seções da Polícia

Judiciária, composta por servidores das corporações policiais.

A atuação do Ministério Público italiano, na área cível, limita-se à função de

curador de interesses de incapazes; participação em causas onde se discuta questões de estado

civil (casamento, divórcio etc.) ou como fiscal da lei em outros assuntos de interesse público.

Mas, não possui a destacada atuação, como autor de ações civis públicas, em defesa dos

interesses difusos e coletivos, como ocorre com o Ministério Público brasileiro.

150 Benedetta Giovanetti, La posizione del pubblico ministero nell'ordinamento giuridico italiano. Profili

costituzionali, p. 1-16, disponível em: <http://www.tesionline.it/news/la-tesi-del-giorno.jsp?id=827>, acesso

em: 20.04.2009.

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Comentando o tema, Marco Fabri e Daniela Cavallini chegam a afirmar que a

natureza pouco estimulante das questões cíveis não estimula a formação de magistrados do

Ministério Público especializados em assuntos cíveis, destacando que a participação do MP em

assuntos cíveis assume freqüentemente um viés apenas formal.151

Assim, há uma forte preponderância das atividades penais no Ministério Público

italiano, que se reflete em seu atendimento ao público, cujas principais demandas referem-se a

questões penais, a serem resolvidas na seara da própria Procuradoria da República, inclusive

quando dizem respeito a documentos que possam ser expedidos pela divisão da Polícia

Judiciária da Procuradoria, como antecedentes criminais.

Registre-se, no entanto, que as Procuradorias da República, além de

antecedentes criminais, também podem emitir certificados gerais e de encargos pendentes (para

utilização em processos de adoção, emigração, concurso público, voluntariado etc.) ou mesmo

de natureza cível, para fins administrativos. Tais certificados não são gratuitos, estando o

modelo de requerimento disponível nas sedes das Procuradorias ou no sítio da Procuradoria da

República na internet.152

Mencione-se, ainda, que as Procuradorias da República italianas, anualmente,

realizam um “balanço social”, isto é, uma espécie de reflexão interna dos seus trabalhos, com

fins de otimizar e melhorar a atuação funcional, nas áreas criminal, civil e administrativa, no

ano seguinte. O balanço social, para o Pubblico Ministero, representa também um contato

direto com os cidadãos e os Advogados, ouvindo-os a respeito da atuação do Parquet naquele

ano; por isso, também são realizadas convenções, com a participação popular e da advocacia.

O chamado “balanço social”, segundo J. Tarfusser, Procurador da República na

Itália, serve, primeiramente, para que o Ministério Público conheça a si próprio para que,

então, possa intervir nas questões de interesse social.153

151 Marco Fabri e Daniela Cavallini, O Ministério Público em Itália, in: João Paulo Dias e Rodrigo Ghiringhelli

de Azevedo (Coords.), O papel do Ministério Público – estudo comparado dos países latino-americanos,

Coimbra, Almedina, 2008, p. 200. 152 Nesse sentido, o sítio da Procuradoria da República que oficia perante o Tribunal de Milão:

<http://www.procura.milano.giustizia.it/casellario/richiesteonline.php>, acesso em: 15.04.2009. 153 Consulte-se, a propósito, o Balanço Social da Procuradoria da República em Bolzano, disponível em:

<www.procura.bz.it/index.php?id=149>, acesso em 15.04.2009.

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Trata-se de uma excelente iniciativa, que, no Brasil, deveria ser regra entre os

Ministérios Públicos dos Estados e da União, os quais, todo ano, também poderiam fazer uma

reflexão a respeito do cumprimento da sua missão constitucional e se estão atuando de acordo

com os interesses da justiça e do cidadão.154

4.5-Diretrizes para o atendimento ao público do Promotor de Justiça

Defendeu-se, no item anterior, que o atendimento ao público é uma atribuição

funcional com alicerce na Constituição Federal de 1988, firmando-se como um dever legal de

cada membro do Ministério Público, na seara das suas atribuições.

Este trabalho, no entanto, pretende refletir a respeito dos limites e do objeto do

atendimento ao público na “seara de atribuições” do Promotor de Justiça.

Existem aqueles, como Pedro Roberto Decomain, os quais defendem, o

Promotor de Justiça deverá resolver todas as questões que lhe são trazidas pela população,

inclusive quando tratarem de interesses disponíveis, entre pessoas maiores e capazes (exemplos

clássicos são a cobrança de dívida entre maiores e a divisão de terras entre herdeiros maiores e

capazes, quando não existe inventário).

Tal autor vê o Ministério Público como um mecanismo de harmonização social

e justifica a sua posição, citando o art. 585-II do CPC, o qual, quando trata de acordos ou

transações referendadas pelo MP, não delimita o seu objeto.155

De outro lado, Hugo Nigro Mazzilli doutrina que há casos onde não se justifica

o atendimento pelo Ministério Público, como a cobrança de dívidas entre pessoas maiores e

capazes e sem direito à assistência judiciária; lembra, ainda, que o atendimento ao público pelo

Promotor de Justiça deverá ser diário, sem limitação de horas e dias da semana, evitando o

154 Merece menção, nesse sentido, a experiência de atendimento ao público das Promotorias de Justiça em

Petrolina (PE), onde, durante o ano de 2008, foi posto em prática o projeto “MP nas ruas”, que consistia no

deslocamento dos Promotores de Justiça e do quadro administrativo para as regiões periféricas da cidade. Ou

seja, periodicamente, o Ministério Público ia ao encontro do Povo, tomando a iniciativa de saber quais os

problemas sociais e individuais indisponíveis que afligiam determinada comunidade, realizando o atendimento

à população e promovendo o acesso à justiça dentro da própria comunidade, através de transações referendadas

e ajustamentos de conduta. Consulte-se: Júlio César Soares Lira, O Ministério Público “Ombudsman”: o

Promotor de Justiça nas Ruas, In: VII CONGRESSO ESTADUAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2009, Recife,

Caderno de Teses..., Associação do Ministério Público de Pernambuco, 2009, p. 122-135. 155 Pedro Roberto Decomain, Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei 8.625, de

12.02.1993, Florianópolis, Obra Jurídica, 1996, p. 268-271.

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órgão ministerial de realizar o atendimento durante audiências e quando analisa processos

judiciais ou procedimentos administrativos.

Ademais, afirma que pessoas maiores e capazes, com condições de pagar

Advogado, não devem procurar o Ministério Público para resolver suas questões, pois falta ao

Promotor de Justiça autorização legal para atuar nesses casos.156

Deveras, o atendimento ao público pelo Promotor de Justiça deverá guardar

relação com a missão institucional do Ministério Público prevista, em resumo, no art. 127,

caput, da Constituição Federal (defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis), conforme tese defendida e aprovada por

unanimidade no XVI Congresso Nacional do Ministério Público, realizado em Belo Horizonte,

em 2005.157

Logo, não é atribuição do Promotor de Justiça resolver problemas/pretensões

disponíveis de pessoas maiores e capazes, como a cobrança de dívidas e a divisão de terras

herdadas, quando não existir o interesse de herdeiro incapaz. O exercício de tais atividades

banaliza a função ministerial, exercendo o Promotor de Justiça funções que seriam de um

Advogado (particular ou Defensor Público) ou de um Conciliador no Juizado Especial Cível.

Ora, o art. 585-II do CPC e o art. 57, parágrafo único, da Lei 9.099/95, que

conferem o caráter de título executivo extrajudicial aos acordos referendados pelo Ministério

Público, devem ser interpretados à luz dos interesses e objetivos definidos para o Parquet na

Constituição Federal.

Do contrário, corre-se o risco de transformar o Promotor de Justiça em um

assistente social às avessas e/ou em um Advogado, tratando de questões particulares, de

interesses disponíveis, entre pessoas maiores e capazes.

É certo que não se podem criar regras inflexíveis quanto ao atendimento ao

público pelo Promotor de Justiça, mas este, enquanto membro do Ministério Público, com o

156 Hugo Nigro Mazzilli, O Acesso à Justiça e o Ministério Público, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 97-

102 e 111. 157 Salomão Abdo Aziz Ismail Filho, Atendimento ao Público pelo Promotor de Justiça: Função Institucional ou

Assistencialismo Social, In: XVI CONGRESSO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2005, Belo

Horizonte, Anais..., Brasília/Belo Horizonte, Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e

Associação Mineira do Ministério Público, 2005, p. 618-630.

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auxílio dos servidores lotados na Promotoria respectiva, deverá fazer a triagem necessária,

selecionando os casos que têm relação com o seu papel institucional de defensor da sociedade.

Destarte, por exemplo, existe interesse do Ministério Público em celebrar

acordo de alimentos quando houver interesse de criança/adolescente ou incapaz em questão,

for força do art. 201 do ECA (Lei 8.069/90) e do art. 82-I do CPC, mas não existirá se o (a)

interessado (a) for pessoa maior e capaz, devendo, neste caso, promover o seu

encaminhamento à Defensoria Pública, se pobre na forma da lei.

Impende lembrar, ainda, que o art. 585, II, do CPC, também confere

legitimidade à Defensoria Pública e aos Advogados dos transatores para celebrarem, com as

partes interessadas, títulos executivos extrajudiciais, não sendo o Ministério Público a única

instituição responsável nesse aspecto.

O Promotor de Justiça deverá sempre estar comprometido com a missão

institucional do Ministério Público e poderá até solucionar casos de cobrança de dívidas, desde

que exista o interesse direto de um incapaz envolvido, à luz do art. 82-I do CPC.158

Em questões disponíveis envolvendo idosos, apenas aqueles em situação de

risco, desamparados econômica e afetivamente, fato a ser examinado em cada caso concreto,

poderão ser tutelados por acordos referendados pelo Ministério Público, nos termos do art.

74-II da Lei 10.741, de 1º.10.2003 (Estatuto do Idoso).

Evidentemente, em seu dia-a-dia, sobretudo nas comarcas do interior do

Estado, distantes da capital, o Promotor de Justiça deverá ter a flexibilidade e o senso de

justiça social apurados para vislumbrar, diante das questões a ele trazidas, hipóteses da sua

intervenção. Questões aparentemente disponíveis, como uma disputa por terras entre vizinhos,

poderão demandar a intervenção do Ministério Público, desde que este vislumbre a

possibilidade do cometimento de crimes em razão disso.

158 Certa vez, anos atrás, em nossa atuação funcional como Promotor de Justiça no município de São João, no

Agreste de Pernambuco, uma pessoa com necessidades especiais (deficiente físico visual) vinha,

constantemente, sofrendo exploração por um vizinho, aproveitando-se da sua hipossuficiência, através de

empréstimos contraídos e nunca quitados, fato apenas resolvido com a intervenção do Ministério Público.

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Nesse sentido, a linha de pensamento aqui esposada não concorda com o

entendimento segundo o qual apenas os pobres na forma da lei poderão ter acesso ao

atendimento no Ministério Público.

De fato, a instituição destinada ao atendimento dos necessitados é a Defensoria

Pública (art. 134 da CF/88). O Ministério Público é o defensor da sociedade, dos interesses

individuais indisponíveis e sociais (difusos, coletivos e individuais homogêneos com

impacto/repercussão social); logo, não poderá se negar a orientar quem quer que seja, quando

o pleito se referir, por exemplo, a um interesse difuso (meio ambiente) ou a um interesse

individual indisponível defendido pelo Parquet, referendando acordo extrajudicial ou tomando

termo de ajustamento de conduta.

Demais disso, o art. 32-I da Lei 8.625/93 fala em “qualquer do povo”, não

restringindo o atendimento aos necessitados, embora estes, pela condição social e histórico de

vida, mereçam prioridade no atendimento.

Porém, e se, na cidade onde trabalha o Promotor de Justiça, não houver

Defensoria Pública e nem Juizado Especial Cível? Deverá o Ministério Público cuidar de todas

as pretensões que lhe são trazidas, ainda que referentes a interesses disponíveis?

Ainda assim, a resposta deverá ser negativa, pois, do contrário, haverá

manifesto desvio funcional das atribuições do Ministério Público.

Caberá, sendo o caso, o Promotor de Justiça encaminhar as partes à assistência

judiciária da Prefeitura local ou ao Juizado Especial Cível mais próximo da localidade. Como

defensor da sociedade, deverá o Promotor de Justiça examinar os motivos da não existência de

tais órgãos, tomando as medidas judiciais (ação civil pública) ou extrajudiciais (inquéritos civis,

recomendações e termos de ajustamento de conduta), conforme os arts. 26 e 27 da Lei

Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93), a fim de suprir a destacada

omissão.159

159 Se, em 2005, a Procuradoria Geral de Justiça do MPPE capitaneou a importante iniciativa de implementar

Conselhos Tutelares em todos os municípios de Pernambuco, por que não se pensar em um movimento do

Ministério Público Estadual pela interiorização dos Juizados Especiais Cíveis e pela presença da Defensoria

Pública em todas as comarcas do Estado de Pernambuco? A propósito, convém destacar atuação do Ministério

Público Federal, através da Procuradoria da República em Minas Gerais (Procurador Leonardo Melo), onde,

através de ação civil pública, foi obtida liminar na 2ª Vara Federal de Uberlândia (MG), obrigando a União a

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Então, defende-se que as Promotorias de Justiça atuem coletivamente, no

sentido de resolver os problemas da sociedade local e não apenas de determinados indivíduos.

Nesse diapasão, Alceu Schoeller de Moraes propõe a criação de Promotorias Coletivas, onde a

independência funcional dos membros do Parquet seja mitigada por uma atuação conjunta,

mais democrática, visando à adaptação do Ministério Público ao atual cenário social.160

Problemas individuais e disponíveis serão resolvidos pelos Advogados dos

interessados ou pela Defensoria Pública, conforme o caso. E, se, porventura, não conseguirem

transacionar, se desejarem, ingressarão com as medidas judiciais cabíveis.

Passou-se a época em que o Ministério Público precisava ocupar todos os

espaços para justificar a sua existência. Se, no plano processual, o Ministério Público não deve

atuar em causas onde não existam interesses de incapazes ou interesses sociais (interesses

difusos, coletivos e individuais homogêneos com repercussão social), na sua atividade

extrajudicial, também não poderá direcionar suas atribuições à margem da sua missão de

guardião da sociedade, defendendo interesses individuais e disponíveis.161

Em inovadora decisão, interpretando o processo conforme o novo perfil

constitucional do Parquet, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu não anular ação

de dissolução de união estável, com acordo homologado judicialmente, sem a intervenção do

Ministério Público, porque os interessados eram pessoas maiores e capazes, devidamente

representadas por seus Advogados.162

Realmente, hoje, o membro do Ministério Público, sobretudo o Promotor de

Justiça responsável por uma Promotoria única, em determinada cidade, possui inúmeras

atribuições.

instalar a Defensoria Pública naquela localidade. Disponível em: <www.pgr.mpf.gov.br>, acesso em:

1º.09.2005. 160 Alceu Schoeller de Moraes, Perspectivas de Existência das Promotorias Coletivas: superação da herança

kelseniana, Revista do Ministério Público, Porto Alegre, nº 49, p. 77-96, jan./mar. 2003. 161 Nesse sentido, no que se refere à atuação processual do Ministério Público, voltada para a sua missão

constitucional, consultem-se Antonio Augusto Mello de Camargo Ferraz e João Lopes Guimarães Júnior, A

necessária elaboração de uma nova doutrina de Ministério Público, compatível com seu atual perfil

constitucional, in: Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz (Coord.), Ministério Público: instituição e

processo, São Paulo, Atlas, 1999, p. 19-35. 162 RIO GRANDE DO SUL (Estado), Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, acórdão na apelação cível nº

70010943918, 7ª Câmara Cível, rel. Des. Berenice Dias, Porto Alegre, 04.05.2005, disponível em:

<http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php>, acesso em: 1º.09.2005.

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Pois, além de atuar no processo civil e penal, nas funções de custos legis e

autor, tem que zelar pelo patrimônio público, através da análise de procedimentos do Tribunal

de Contas e da requisição de informações à Administração Pública Municipal; ouvir

adolescentes infratores; investigar denúncias através do inquérito civil ou de procedimentos

administrativos; exercer o controle externo da atividade policial e, ainda, atender ao público.

E, se, no atendimento ao público, o Promotor de Justiça atua resolvendo causas

que não digam respeito aos interesses do Ministério Público consagrados pela Constituição

Federal de 1988 (arts. 127, caput, e 129), em um manifesto assistencialismo desmedido,

suprindo omissões do Poder Judiciário (Juizado Especial Cível) e do Poder Executivo

(Defensoria Pública), certamente, estará deixando de resolver questões da sua alçada para se

envolver com problemas individuais, disponíveis e de pessoas maiores e capazes.

O tempo de um Promotor de Justiça é algo bastante precioso. O período

despendido para resolver um problema patrimonial, entre indivíduos maiores e capazes, é o

tempo através do qual se poderia estar elaborando uma denúncia; minutando-se a petição

inicial de uma ação de improbidade administrativa; redigindo uma recomendação ao Poder

Público ou, até mesmo, ouvindo-se algum investigado ou testemunha em um inquérito civil.

Dentro de tal contexto, caminham Márcio Soares Berclaz e Milen Castro

Medeiros de Moura, ao proporem uma racionalização das funções ministeriais, a fim de que o

Promotor de Justiça direcione as suas atividades para a justiça social, através da defesa dos

interesses difusos e coletivos, evitando atuar em questões patrimoniais e disponíveis.

Assim, citam como exemplo, o Promotor de Justiça poderá promover

audiências públicas, participar de conferências e freqüentar reuniões de conselhos municipais e

associações de moradores, abrindo um novo canal de acesso à justiça e livrando-se do estigma

de um Ministério Público apenas limitado ao seu gabinete.163

163 Márcio Soares Berclaz e Milen Castro Medeiros de Moura, Para onde caminha o Ministério Público? Um

novo paradigma: racionalizar, regionalizar e reestruturar para assumir a identidade constitucional, in Cristiano

Chaves et al., Temas atuais do Ministério Público: a atuação do Parquet nos 20 anos da Constituição Federal,

Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008, p. 147-154.

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Em razão de todos esses argumentos, entende-se, ao contrário do que afirma

Hugo Mazzilli, que é possível e razoável que o Promotor de Justiça delimite dias e horários

para atender ao público.164

Nesse aspecto, o art. 180 do Manual de Atuação Funcional dos Promotores de

Justiça do Estado de São Paulo, dispõe caber ao Promotor de Justiça fixar, de forma

compatível com a demanda, dias e horários para atendimento ao público.165

Diante das inúmeras atribuições que detém o Promotor de Justiça, o

atendimento ao público é uma das mais importantes, mas não é a única; logo, é preciso dividir

o tempo dentre as audiências judiciais; as oitivas de adolescentes infratores e de testemunhas

em inquéritos civis e procedimentos administrativos; a análise de processos do Tribunal de

Contas; a elaboração de recomendações e outras peças extrajudiciais, como termos de

ajustamento de conduta, dentre outras atividades.

Se um Promotor de Justiça, em uma comarca do interior, atende a casos não

urgentes todos os dias da semana, em qualquer hora que esteja no fórum ou na sua sede

administrativa, como encontrará tempo para desempenhar, com eficiência, todas as atribuições

supramencionadas?

É necessário lembrar que o Promotor de Justiça, antes de tudo, é um ser

humano, também necessitando de tempo para a família, para o lazer e para cuidar da sua saúde,

não podendo ficar 24 horas apenas pensando em trabalho, sob pena de prejudicar o seu

rendimento laboral, por conta de um estresse ou de um esgotamento mental.166

Portanto, encontra sintonia com os Princípios Constitucionais da Razoabilidade

e da Eficiência (arts. 5º, LIV, e 37, caput, da CF/88) a decisão do Promotor de Justiça em

delimitar o atendimento ao público, visando ao desempenho de suas outras atribuições

funcionais, fixando dias e horários para os atendimentos.

164

Hugo Nigro Mazzilli, O Acesso à Justiça e o Ministério Público, 5ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 111 e

114. 165 PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA e ASSOCIAÇÃO PAULISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO,

Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça do Estado de São Paulo, São Paulo, 1999, p. 66. 166 A propósito, leciona Arandi Maciel Campelo que o ser humano, em busca da harmonia e do equilíbrio,

precisa saber administrar as suas atividades no tempo, desempenhando proporcionalmente cada papel por ele

assumido (profissional, conjugal, familiar, social, educacional, recreativo e fisiológico). In: Administração de

atividades no tempo: uma abordagem comportamental, 2ª ed., Recife, FCAP Books, 2008, p. 89-117.

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Os técnicos e analistas ministeriais (servidores das Promotorias de Justiça),

nesse caso, serão de muita valia, agendando os atendimentos e explicando à população, sob a

orientação do Promotor de Justiça, as hipóteses de atuação do Ministério Público, fazendo os

devidos encaminhamentos às autoridades competentes, quando não se tratar de atribuição

ministerial.

Logicamente, os casos urgentes, examinados pelo Promotor de Justiça, deverão

ser atendidos em qualquer momento, conforme dispõe o art. 43-XIII da Lei 8.625/93.

Ademais, os Advogados que defendam constituintes, em procedimentos

administrativos e processos judiciais de interesse do Ministério Público, deverão ser atendidos

independentemente de hora marcada, respeitada a ordem de chegada, nos termos do art. 7º-

VIII da Lei 8.906/94 (Estatuto da OAB).167

167 A propósito, Roberto Lyra defende que o Promotor de Justiça deve tratar os Advogados com cordialidade e

lealdade, mas aconselha, ao mesmo tempo, firmeza e intransigência na defesa do interesse público, através da

tática do “confiar, desconfiando”. In: Teoria e Prática da Promotoria Pública, 2ª ed., 1ª reimpressão, Porto

Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2001, p. 185-192.

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CAPÍTULO V

INSTRUMENTOS DO PROMOTOR DE JUSTIÇA PARA DAR

EFETIVIDADE AO ACESSO DIRETO À JUSTIÇA A PARTIR DO

ATENDIMENTO AO PÚBLICO

5.1-Delimitação do capítulo

Inúmeros instrumentos legais são colocados à disposição do Promotor de

Justiça, enquanto membro do Ministério Público, para, a partir do atendimento ao público,

assegurar o acesso ao valor justiça às partes interessadas, por meio de sua atuação

extrajudicial.

Segundo Jorge Alberto de Oliveira Marum, o atendimento ao público, no

Ministério Público, revela-se como um instrumento para a promoção dos direitos humanos,

tendo a população um verdadeiro ombudsman para receber queixas e resolver os problemas

apresentados, utilizando os seus instrumentos extrajudiciais de atuação, como a

recomendação.168

Destarte, tratou-se do poder requisitório e de notificação; dos acordos

extrajudiciais referendados pelo Ministério Público; da recomendação; do termo de

ajustamento de conduta; das reuniões ministeriais e das audiências públicas.

Como referência normativa para o estudo, foram analisados os textos legais que

fundamentam tais instrumentos, tais como o Código de Processo Civil (Lei 5.869, de

11.01.73); a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 24.07.85); o Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei 8.069, de 13.07.90); a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei

8.625, de 12.02.93); a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar 75, de

20.05.93); a Lei Orgânica Estadual do Ministério Público de Pernambuco (Lei Complementar

Estadual 12, de 27.12.94) e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º.10.2003).

Deveras, o momento atual da atuação extrajudicial do Ministério Público

brasileiro exige efetividade nas suas ações e medidas.

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Ou seja, passada a fase de impacto com a instauração de inquéritos civis ou

procedimentos investigatórios, é preciso, primordialmente, assegurar o respeito pelo interesse

público-social, através do cumprimento real, pela entidade, agente público ou pessoa física ou

jurídica fiscalizada pelo Ministério Público, das medidas necessárias para a melhoria dos

serviços públicos e/ou de atividades que tenham reflexo na comunidade.

É, de fato, exercer em plenitude a função de defensor do povo, como bem

lembra Pedro Decomain, destacando que outros instrumentos poderão ser desenvolvidos pelo

Ministério Público para o exercício desta nobre missão, à luz do rol não taxativo do art. 27,

parágrafo único, da Lei 8.625/93.169

5.2-Poder de notificação e “audiência ministerial”

Conforme o inciso VI do art. 129 da Constituição Federal, o Ministério Público

poderá expedir notificações, nos procedimentos administrativos da sua competência,

requisitando informações e documentos para instruí-los. Regulamentando a previsão

constitucional, mencionem-se o art. 26-I da Lei 8.625/93; o art. 8º da LC 75/93 e o art. 8º, §

1º, da Lei 7.347/85.

Trata-se de um instrumento bastante útil para dar efetividade às deliberações e

decisões tomadas pelo membro do Ministério Público em seu atendimento ao público.

Afinal, muitas vezes, o Promotor de Justiça é procurado pela parte interessada,

a qual solicita a presença, por exemplo, de um agente público do Poder Executivo local ou,

então, do representante legal de uma pessoa jurídica que esteja causando poluição sonora,

incomodando determinada comunidade.

Então, através de uma notificação, a referida autoridade/pessoa será intimada

para uma audiência ministerial e, conforme o caso, desde logo, serão requisitados os

documentos pertinentes para instruir a lide extrajudicial em questão.

Procurando dar efetividade à função de ombudsman (ouvidor geral da

população), a fim de assegurar o respeito pelo Poder Público e pelos serviços de relevância

168 Jorge Alberto de Oliveira Marum, Ministério Público e direitos humanos, Campinas, Bookeseller, 2005, p.

422-424.

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pública aos direitos assegurados na Constituição (art. 129-II da CF/88), propõe-se que os

interessados sejam orientados a preencherem uma “ficha de atendimento ao público”, que é

autuada como procedimento à parte, informando a natureza da demanda, os motivos da

representação, o nome da parte representada e o seu endereço, se houver necessidade da sua

presença na audiência ministerial.

Assim, é marcada uma reunião na Promotoria de Justiça, a qual é atribuída o

título de “audiência ministerial”, onde são intimados para comparecerem a parte interessada e a

parte representada.

Nessa audiência ministerial, a lide é analisada pelo Promotor de Justiça, à luz da

presença dos interesses sociais e individuais indisponíveis que justificam a tutela do Ministério

Público em qualquer hipótese (problema) que lhe é trazida (art. 127, caput, da CF/88).

A audiência ministerial é registrada através de um “termo de audiência”, onde,

desde logo, poderá ser firmado um compromisso de ajustamento de conduta por uma das

partes; ser apresentada uma recomendação, pelo membro do Ministério Público, para melhoria

do serviço público ou de relevância pública; ser referendada uma transação entre as partes ou,

simplesmente, ser requisitado o cumprimento da providência necessária.

Quando a parte questionada comparecer à audiência ministerial representada

por um preposto sem poderes para celebrar um termo de ajustamento de conduta, pode ser

firmado um compromisso no termo de audiência e, ao final, recomendado o seu cumprimento,

nos termos do art. 27, parágrafo único, IV, da Lei 8.625/93.

A experiência das audiências ministeriais tem sido interessante e efetiva, na

medida em que, nos municípios em geral, ressalvadas as devidas exceções, ainda não existe

uma política de atendimento ao público ou órgãos de ouvidoria.

Assim, muitas vezes, o cidadão não consegue, por exemplo, ter acesso a um

Secretário Municipal ou a um Diretor de Secretaria para resolver um problema de saneamento

ou de construção irregular na sua rua, sendo literalmente “jogado” de um setor para outro da

169 Pedro Roberto Decomain, Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei 8.625, de

12.02.1993, Florianópolis, Obra Jurídica Editora, 1996, p. 232-234.

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99

Administração Pública, sem que lhe seja apresentada uma justificativa convincente a respeito

da questão.

Conforme o art. 26, § 1º, da Lei 8.625/93, as notificações e as requisições

ministeriais, quando tiverem como destinatários o Governador do Estado, membros do Poder

Legislativo e Desembargadores, serão encaminhadas através do Procurador-Geral de Justiça.

Lamentavelmente, o art. 29-VIII da Lei 8.625/93 cria uma espécie de “foro

privilegiado” dentro do Ministério Público, ao determinar que as funções do art. 129, incisos II

(ombudsman) e III (instauração de inquérito civil ou ajuizamento de ação civil pública para a

defesa de interesses difusos e coletivos), da Constituição Federal, serão exercidas pelo

Procurador-Geral de Justiça, quando a autoridade reclamada for o Governador do Estado, o

Presidente da Assembléia Legislativa ou o Presidente do Tribunal de Justiça.

Ora, tal norma é inconstitucional, pois viola o Princípio do Promotor Natural

(arts. 5º-LIII e 129, § 4º, da CF/88); afinal, mesmo que o ato seja praticado em uma cidade

fora da Capital do Estado, caberá ao Procurador-Geral de Justiça capitanear a atuação judicial

e extrajudicial do Ministério Público, fato extremamente sensível, na medida em que o PGJ é

escolhido pelo Governador do Estado (uma das autoridades que deve fiscalizar) a partir de

uma lista tríplice dos nomes mais votados pelos membros do Ministério Público, podendo

escolher qualquer um deles, inclusive o menos votado (art. 128, § 3º, da CF/88).

De toda forma, em seu atendimento ao público, quando um cidadão procurar o

Promotor de Justiça, narrando violações a direitos assegurados constitucionalmente, o

Ministério Público, na qualidade de “ouvidor da população” (art. 129-II da CF/88), deverá

intimar o Poder Público Municipal a respeito, em regra geral, convocando-o para uma

audiência ministerial com a parte interessada (fato que é extremamente gratificante para esta,

pois, enfim, conseguiu ser ouvida pela Administração Pública) ou, simplesmente, requisitar

informações ou a prestação do serviço mediante ofício.

5.3-Poder requisitório

No atendimento ao público, a requisição ministerial pode ter por objeto

informações necessárias a respeito da lide sócio-coletiva em discussão ou, desde logo, o

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cumprimento de determinada obrigação de fazer, a título de colaboração, zelando pelo

interesse social ou individual indisponível em questão.

Carlos Roberto de Castro Jatahy entende a requisição ministerial como um

poder legal de exigência, no sentido de criar para o requerido, destinatário da requisição, uma

subordinação, uma sujeição, uma obrigação de fazer.170

No que se refere à prestação de informações ou à obtenção de exames e

perícias, não há dúvidas de que o atendimento da requisição ministerial é compulsório, nos

termos do art. 26, incisos I, b, e II, da Lei 8.625/93. Mencione-se também o art. 8º, § 1º, da

Lei 7.347/85. Inclusive, a recusa dolosa em atender às requisições ministeriais poderá ensejar

no crime previsto no art. 10 da Lei 7.347/85.

Ressalvem-se, evidentemente, as hipóteses constitucionais de sigilo, que

admitem apenas a quebra mediante ordem judicial, como é o caso do sigilo bancário de contas

privadas, nos termos do art. 5º-X e XII da CF/88 c/c o 3º da Lei Complementar 105/2001 e o

art. 8º, § 2º, da Lei 7.347/85.

Mas, e quanto ao § 2º do art. 8º da LC 75, de 20.05.93 (Lei Orgânica do MP da

União), aplicável ao MP dos Estados por força do art. 80 da Lei 8.625/93, dispondo que

nenhuma autoridade poderá opor ao Parquet a exceção do sigilo, sob qualquer pretexto?

Tal norma jurídica foi revogada, em parte, pelo art. 3º da LC 105, de

10.01.2001, com relação à movimentação de contas bancárias privadas, o qual trata da

prestação de informações bancárias pelo Banco Central, pela CVM – Comissão de Valores

Mobiliários e pelas demais instituições financeiras, desde que ordenadas pelo Poder Judiciário.

Atinente às contas bancárias onde se movimentem verbas públicas, o Supremo

Tribunal Federal já se posicionou, por maioria, pela possibilidade de acesso direto do

Ministério Público, através de requisição, em razão da publicidade dos atos governamentais e

do amplo poder de investigação conferido ao Parquet, conforme decisão prolatada nos autos

do Mandado de Segurança 21.729-4, em decisão de 05.10.95, publicada em 19.10.2001, sendo

170 Carlos Roberto de Castro Jatahy, O Ministério Público e o Estado Democrático de Direito: Perspectivas

Constitucionais de Atuação Institucional, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2007, p. 213-215.

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101

relator para o acórdão o Ministro Néri da Silveira, vencido o relator originário, Ministro

Marco Aurélio.171

Mencione-se, ainda, o art. 31, § 3º, da Constituição Federal, que torna públicas

e acessíveis a qualquer contribuinte, durante sessenta dias, anualmente, as contas dos

Municípios, norma aplicável aos Estados e à União, por força do Princípio da Simetria.

Ora, se as contas dos entes federados são acessíveis a qualquer contribuinte, o

que se dirá quanto aos órgãos vocacionados para a fiscalização, como o Ministério Público?

Quanto ao sigilo telefônico, a norma constitucional é expressa: apenas com

autorização judicial e para fins de investigação criminal ou instrução do processo penal (art. 5º-

XII, in fine, da CF/88).

Com alicerce nessa interpretação, o Supremo Tribunal Federal tem entendido

que o sigilo de dados fiscais também não pode ser quebrado diretamente pelo Ministério

Público, mas somente através de ordem judicial.

No entanto, o inciso XII do art. 5º, da Magna Carta, não diz isso e se fosse

interpretado literalmente apenas permitiria o acesso judicial ao sigilo das comunicações

telefônicas, pois a Constituição usa a expressão “salvo, no último caso”.

O que a norma constitucional ressalva é a importância da preservação do sigilo

de dados e de comunicação, em geral. A inviolabilidade destacada pela Constituição visa à

combater a utilização indevida da informação, sem respaldo em norma legal de investigação,

evitando a utilização irresponsável de dados pessoais.

Por isso é que o Ministério Público, respaldado em lei complementar posterior à

Constituição Federal (§ 2º do art. 8º da LC 75/93, aplicável ao MP dos Estados por força do

art. 80 da Lei 8.625/93), pode, sim, quebrar diretamente o sigilo de dados, ressalvada a

hipótese do sigilo telefônico, porque a Constituição expressamente reservou o seu acesso

mediante prévia ordem judicial.

171 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Mandado de Segurança nº 21.729-4, órgão julgador: Tribunal Pleno,

relator originário: Min. Marco Aurélio, relator para o acórdão Min. Néri da Silveira, Brasília (DF), 05 de

outubro de 1995, DJ de 19.10.2001, disponível em:

<http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=21729&cla...>, acesso em:

29.12.2008.

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102

Com relação ao sigilo bancário de contas privadas, o Ministério Público não

pode ter acesso direto porque a lei complementar do sigilo bancário (LC 105/2001) é posterior

à lei complementar do MPU (LC 75/93), revogando-lhe em parte, no que se refere ao poder

requisitório ministerial, como já se explicou.

Dentro de um ordenamento jurídico que tem a justiça como um dos seus valores

supremos (preâmbulo da CF/88), aplicando-se o Princípio da Proporcionalidade, não se admite

que existam direitos fundamentais absolutos, que não comportem exceções, justamente para a

defesa de outros direitos fundamentais, como a vida, a saúde e o direito à probidade na

Administração Pública, como o acesso aos cargos públicos, à luz do art. 23, 1, c, do Pacto de

São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos – Decreto 678/92).172

Destarte, o Ministério Público pode, de forma fundamentada e assumindo os

riscos de responsabilidade civil, administrativa e penal pela utilização indevida dos dados,

quebrar diretamente o sigilo fiscal, sem necessitar da intervenção do Poder Judiciário, ex vi do

art. 129-VI da CF/88 (permite a requisição de informações na forma da Lei Complementar

respectiva) c/c o art. 8º, § 2º, da LC 75/93 (impossibilidade de opor a exceção do sigilo ao

Ministério Público) e os arts. 26, incisos I, “b” e “c”, e II (poder geral de requisição junto a

autoridades públicas e entidades privadas), e 80 (norma de extensão das atribuições do MP da

União ao MP dos Estados) da Lei 8.625/93.

Aliás, a responsabilidade civil e criminal do membro do Ministério Público, pelo

uso indevido de informações e documentos requisitados, está expressamente prevista no § 1º

do art. 8º da LC 75/93, norma que destaca a possibilidade de ação penal subsidiária, em caso

de omissão dos órgãos competentes. Consulte-se, ainda, o art. 26, § 2º, da Lei 8.625/93.

Sobre o assunto, mencione-se o entendimento de Alexandre de Moraes, que

defende a possibilidade do Ministério Público determinar diretamente não apenas a quebra do

sigilo fiscal, mas também bancário, mediante requisição, com fundamento nas normas

supramencionadas.173

172 Sobre a aplicação do Princípio da Proporcionalidade como forma de sindicar os limites impostos aos direitos

fundamentais, consulte-se Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade e o controle de

constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, 2ª ed., Brasília, Brasília Jurídica, 2000, p.

175-182. 173 Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional, 2ª ed., São Paulo,

Atlas, 2003, p. 230.

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103

Em sentido igual, parecer caminhar Carlos Roberto de Castro Jatahy, embora

ressalve que existe a Súmula 15 da “Assessoria de Assuntos Institucionais”, do Ministério

Publico do Rio de Janeiro, a qual prescreve que, em casos de sigilo bancário, fiscal e

telefônico, o acesso, pelo Parquet, deverá ser antecedido de ordem judicial.174

Deveras, tal é a orientação do Supremo Tribunal Federal, o qual, como já se

relatou, não aceita que o Ministério Público quebre diretamente o sigilo fiscal, sendo necessária

prévia ordem judicial para tanto. Foi assim o pronunciamento da 2ª Turma, nos autos do AI-

AgR (agravo regimental no agravo de instrumento) 541.265/SC, rel. Min. Carlos Velloso,

decisão de 04.10.2005, publicada em 04.11.2005.175

Inusitadamente, porém, a Suprema Corte já decidiu pela constitucionalidade da

comunicação, pela autoridade administrativa, de dados fiscais ao Ministério Público, havendo

indícios de crime, nos termos do art. 198, § 3º, inciso I, do Código Tributário Nacional (2ª

Turma, Habeas Corpus 87654/PR, rel. Mina. Ellen Gracie, decisão de 07.03.2006, publicada

em 20.04.2006).176

Ou seja, segundo o STF, havendo indícios de crime, o Ministério Público pode

receber a documentação fiscal encaminhada pela Fazenda, mesmo sem existir ordem judicial

para tanto, mas não pode requisitar diretamente a mesma documentação, ainda que esteja

apurando os mesmos indícios de crime.

Também defendendo a impossibilidade, pelo Ministério Público, de acesso ao

sigilo fiscal sem ordem judicial, há decisão do Superior Tribunal de Justiça, através da 5ª

Turma, nos autos do RMS (recurso ordinário em mandado de segurança) 25.375/PA, rel. Min.

Félix Fischer, decisão de 19.02.2008, publicada em 07.04.2008.177

174 Carlos Roberto de Castro Jatahy, Curso de Princípios Institucionais do Ministério Público, 2ª ed., Rio de

Janeiro, Roma Victor Editora, 2006, p. 215-217. 175 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Agravo regimental no agravo de instrumento nº 1.265/SC, órgão

julgador: 2ª Turma, relator: Min. Carlos Velloso, Brasília (DF), 04 de outubro de 2005, Diário da Justiça de

04.11.2005, disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=ministerio%20público%20e%20sigilo

%20fiscal&base=baseAcordaos>, acesso em: 15.01.2009. 176 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus nº 87654/PR, órgão julgador: 2ª turma, relatora: Mina.

Ellen Gracie, Brasília (DF), 07 de março de 2006, Diário da Justiça de 20.04.2006, disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=ministerio%20público%20e%20sigilo

%20fiscal&base=baseAcordaos>, acesso em: 15.01.2009. 177 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 25.375/PA, órgão

julgador: 5ª turma, relator: Min. Félix Fisher, Brasília, 19 de fevereiro de 2008, Diário da Justiça de

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104

Importante mencionar, a mesma 5ª Turma do STJ entende que as informações

cadastrais (nome completo, endereço, profissão etc.) dos clientes das instituições financeiras e

das empresas de telefonia também estariam albergadas pelo sigilo constitucional, não podendo

o Ministério Público obter tais informações diretamente, sem autorização judicial, salvo se se

tratar de banco de dados de caráter público, como o do SERPRO – Serviço Federal de

Processamento de dados.178

Outrossim, quanto a esse posicionamento, não se comunga com a

jurisprudência, pois os dados cadastrais não são dados bancários ou telefônicos, sendo

elementos acessórios, a serem prestados, via de regra, em qualquer contrato, qualquer que seja

a sua natureza.

Logo, aos dados cadastrais não se aplica a LC 105/2001 ou o art. 5º-XII da

CF/88, no sentido de ser permitido o acesso apenas através de ordem judicial, podendo o

Parquet requisitá-los diretamente, com fundamento em seu poder requisitório, nos termos das

normais legais já mencionadas.

Note-se que há uma decisão da 2ª Turma do STJ, admitindo que órgão de

defesa do consumidor do Rio de Janeiro (PROCON) requisite diretamente informações à

SERASA (Centralização de Serviços Bancários S/A). Segundo o acórdão, o PROCON, por

suas finalidades, não utilizaria indevidamente os dados cadastrais requisitados e nem

prejudicaria a concorrência das empresas.179

Ora, tal raciocínio pode, igualmente, ser aplicado ao poder requisitório do

Ministério Público, dentro da linha de raciocínio que ora se defende.

07.04.2008, disponível em:

<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=ministerio+publico+e+sigilo+fiscal&&b=ACOR&p

=true&t=&l=10&i=5>, acesso em: 15.01.2009. 178 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Embargos declaratórios no recurso ordinário em mandado de

segurança nº 25.375/PA, órgão julgador: 5ª turma, relator: Min. Félix Fisher, Brasília (DF), 18 de novembro de

2008, Diário da Justiça de 02.02.2009, disponível em:

<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=dados+cadastrais+e+sigilo&&b=ACOR&p=true&t=

&l=10&i=1>, acesso em: 18.07.2009. 179 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso ordinário em mandado de segurança nº 16.897/RJ, órgão

julgador: 2ª turma, relator: Min. Castro Meira, Brasília (DF), 03 de agosto de 2004, Diário da Justiça de

06.09.2004, disponível em:

<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=dados+cadastrais+e+sigilo&&b=ACOR&p=true&t=

&l=10&i=2>, acesso em: 18.07.2009.

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105

E com relação à prestação de obrigação de fazer pelo destinatário, através de

requisição ministerial?

Trata-se de um instrumento importantíssimo, a ser utilizado pelo membro do

Ministério Público em seu atendimento à população, evitando uma eventual demanda judicial e

promovendo a justiça social para o caso concreto em análise.

O art. 201-XII do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de

13.07.90) e o art. 74-IX do Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 1º.10.2003) permitem que o

Ministério Público requisite a força policial e a colaboração dos serviços de saúde,

educacionais e de assistência social, públicos ou privados, para o desempenho das suas

atribuições.

Evidentemente, como se trata de colaboração, no que se refere aos serviços

públicos relevantes (saúde, educação e assistência social), em caso de resistência justificada ao

não cumprimento da requisição ministerial, o Parquet, acaso não aceite a justificativa

apresentada, terá que recorrer ao Poder Judiciário para conseguir o cumprimento da obrigação

pela entidade requisitada.

No entanto, a prática tem demonstrado que a requisição ministerial, pugnando

pela colaboração dos relevantes serviços de saúde, educação e assistência social, tem sido um

instrumento aceito pelas entidades destinatárias, como nos casos de matrícula de crianças em

escolas públicas ou do fornecimento de determinados serviços sociais a idosos em situação de

risco.

Eis a realização da justiça pelo Ministério Público, independentemente do Poder

Judiciário, valendo-se o Promotor de Justiça do seu poder requisitório e notificatório,

outorgado pelo art. 129-II e VI da Constituição Federal, referendado pelo art. 201-XII do

ECA e pelo art. 74-IX do Estatuto do Idoso.

A possibilidade de requisição ministerial para a colaboração dos serviços

públicos e de relevância pública não se limita apenas à defesa dos interesses sociais

relacionados com a infância e juventude e a pessoa idosa, mas também a outros interesses

difusos e coletivos, como as demandas ambientais e de saneamento básico, sendo as normas do

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106

ECA e do Estatuto do Idoso mera confirmação de uma atribuição já prevista na Constituição

Federal.

Afinal, como já explicado, o Ministério Público é ouvidor geral da população

(ombudsman), cabendo a ele exigir dos serviços públicos e de relevância pública o respeito aos

direitos e garantias assegurados na Magna Carta (inciso II do art. 129 da CF/88).

Mas, para expedir uma requisição, através de ofício, ou mesmo notificar a

presença de determinada pessoa na Promotoria de Justiça, é necessário que exista,

necessariamente, prévio procedimento instaurado?

O art. 129-VI da CF/88, ao tratar do poder requisitório e notificatório do

Ministério Público, informa que as notificações serão expedidas nos procedimentos

administrativos da sua competência.

Já o art. 26, inciso I, alíneas “a” e “b”, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional

do Ministério Público dos Estados), prescreve que o MP poderá instaurar inquérito civil ou

procedimentos administrativos e, para instruí-los, exercer o poder notificatório e requisitório.

Comentando o art. 129-VI da Constituição, Emerson Garcia informa que a

notificação pressupõe um inquérito civil ou um procedimento administrativo em curso, embora

ainda não concluído.180

Nesse sentido, parece caminhar Hugo Nigro Mazzilli, quando afirma

que as requisições de diligências, certidões, documentos ou informações serão feitas pelo

Membro do Ministério Público nos procedimentos a seu cargo.181

Em sentido oposto, importante mencionar o entendimento de Augusto Reis

Bittencourt Silva, o qual defende a desnecessidade da prévia instauração de inquérito civil ou

de procedimento administrativo para o exercício do poder de requisição ministerial. Lembra o

referido autor que o art. 129-VI da CF/88 não usa o termo “exclusivamente” e que o art. 8º, §

180 Emerson Garcia, Ministério Público – Organização, Atribuições e Regime Jurídico, Rio de Janeiro, Lumen

Juris, 2004, p. 294-296. 181 Hugo Nigro Mazzilli, O inquérito civil: investigações pelo Ministério Público, compromissos de

ajustamento e audiências públicas, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 212.

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107

1º, da Lei 7.347/85, permite a requisição direta de informações, sem a necessidade de prévio

inquérito civil.182

Referendando tal entendimento, há decisão, por maioria, da 1ª Turma do

Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial 873.565-MG, em 05.07.2007,

publicada em 28.06.2007, sendo relator o Ministro Francisco Falcão.

Em seu voto, confirmando anterior acórdão do Tribunal de Justiça de Minas

Gerais, o Ministro-relator defendeu que o art. 26-I, b, da Lei 8.625/93, não deve ser

interpretado de forma restrita, até porque, em momento algum, a referida norma exige que,

para o exercício do poder requisitório, a instauração de inquérito civil ou procedimento

administrativo deve ser prévia à requisição de informações.183

Concorda-se com o entendimento que não exige a prévia instauração de

procedimento investigativo (inquérito civil ou procedimento de investigação preliminar) para o

exercício do poder notificatório e requisitório pelo Ministério Público.

Primeiramente, porque a norma constitucional, como já lembrou Augusto Reis

Bittencourt Silva, em momento algum, informa que o poder requisitório ou notificatório será

exercido exclusivamente em sede de inquérito civil ou procedimento preliminar.

Até porque, para decidir sobre a instauração de um procedimento

administrativo, o membro do Ministério Público precisa ter acesso a informações, que serão

obtidas, justamente, através do poder requisitório ou notificatório. Essa a teleologia adotada

também pela 1ª Turma do STJ, quando, através do mencionado acórdão no REsp 873.565-

MG, entendeu que o exercício do poder requisitório não demanda a instauração de prévio

procedimento.

A propósito, o art. 27, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.625/93, informa que

cabe ao Ministério Público receber notícias de irregularidade, petições ou reclamações de

182 Augusto Reis Bittencourt Silva, Poder de Requisição do Ministério Público. Da absoluta desnecessidade da

prévia instauração de inquérito civil ou de procedimento administrativo, Jus Navigandi, disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10649>, acesso em: 22.04.2008. 183 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 873.565/MG, órgão julgador: 1ª turma, relator:

Min. Francisco Falcão, Brasília (DF), 05 de julho de 2007, Diário da Justiça de 28.06.2007, disponível em:

<http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=&livre=ministe...>, acesso em:

31.12.2008.

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108

qualquer natureza e, ato contínuo, promover as apurações cabíveis e lhes dar as soluções

adequadas, sem qualquer menção a procedimento investigativo previamente instaurado.

Na seara do atendimento ao público, exigir que, para poder notificar a presença

de pessoas na Promotoria de Justiça ou requisitar informações, ante cada “queixa” ou

representação recebida, tenha-se que instaurar um inquérito civil ou um procedimento de

investigação preliminar, com as rotinas procedimentais que os acompanham (elaboração e

publicação de portaria, decisão de instauração fundamentada, anotação em livro próprio etc.),

seria burocratizar demais a prestação ministerial, dificultando e retardando, via reflexa, o

acesso ao membro do Ministério Público e à justiça.

A proposta ora esposada é que, no atendimento à população, como forma de

controle interno, qualquer documento que chegue ao Ministério Público, a título de denúncia

ou representação contra terceiros, seja imediatamente autuado como peça de informação, com

numeração própria, mas sem que se fale em instauração de IC (inquérito civil) ou

procedimento de investigação preliminar, o que poderá até ocorrer, após a análise da

documentação pelo Promotor de Justiça.

Além disso, quando se tratar de pessoas que procurem diretamente o Ministério

Público, para, verbalmente, apresentarem uma representação ou um pedido de providências, é

necessário que sejam preenchidas “fichas de atendimento ao público”, com os nomes e os

endereços das partes envolvidas, histórico e descrição do problema, que serão autuadas em

pasta própria e apresentadas ao Promotor de Justiça, o qual analisará a necessidade de uma

audiência ministerial ou, desde logo, oficiará ao órgão/entidade competente, requisitando as

informações necessárias, a fim de solucionar o problema.

5.4-Audiências públicas

No atendimento ao público, diante de questões que envolvam interesse social

manifesto, ou seja, que digam respeito a interesses difusos, coletivos ou individuais

homogêneos da sociedade local, a audiência pública apresenta-se como um instrumento para o

Promotor de Justiça colher, junto ao movimento social, às entidades da Administração Pública

e aos cidadãos em geral, informações a respeito do tema em questão.

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109

Essa é a teleologia do art. 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei 8.625/93,

quando prevê a audiência pública como um dos instrumentos para o exercício da função de

ombudsman pelo Ministério Público.

Trata-se, deveras, de um mecanismo de participação popular importante,

derivado do princípio de soberania popular, previsto no art. 1º, parágrafo único, da

Constituição Federal.

Segundo Hugo Nigro Mazzilli, a audiência pública é uma forma de o cidadão

participar da tomada de gestão da coisa pública, envolvendo os destinatários de uma decisão

governamental com o próprio processo decisório.184

Para Maria Eliane Menezes de Farias, a

audiência pública deve ser um espaço onde a população toma conhecimento dos seus

direitos.185

A audiência pública, esse canal de voz entre o Ministério Público e a

comunidade, pode ser utilizada, inclusive, para a definição de políticas públicas, demonstrando

uma verdadeira aliança entre o Ministério Público e a sociedade civil.

Nesse passo, Denise Tarin enxerga o Promotor de Justiça como um “produtor

social”, que deve atuar em parceria com associações civis de moradores e outros

órgãos/entidades públicas, como as universidades, além de setores da imprensa, através de um

processo de mobilização para não apenas cobrar, mas também efetivar políticas públicas em

benefício da sociedade local.186

Até mesmo em sede de controle de constitucionalidade no Supremo Tribunal

Federal (procedimentos da ação direta de inconstitucionalidade, da ação declaratória de

constitucionalidade e da argüição de descumprimento de preceito fundamental), admite-se a

convocação de audiência pública, quando o Ministro relator entender que necessita de maiores

esclarecimentos sobre questões envolvendo matéria ou circunstância de fato (arts. 9º, § 1º, e

20, § 1º, da Lei 9.868, de 10.11.99, e art. 6º, § 1º, da Lei 9.882, de 03.12.99).

184 Hugo Nigro Mazzilli, O inquérito civil: investigações pelo Ministério Público, compromissos de

ajustamento e audiências públicas, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 401-404. 185 Maria Eliane Menezes de Farias, O Ministério Público Federal e seu papel facilitador do acesso à justiça no

Brasil, Revista dos Procuradores da República, Brasília (DF), ano 1, n. 1, p. 12-15, mar. 2004.

186 Denise Tarin, A aliança entre o Ministério Público e a sociedade civil na definição de políticas públicas, in:

Patrícia Villela (Coord.), Ministério Público e políticas públicas, Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2009, p. 65-71.

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110

Mas, a audiência pública não é uma forma do Ministério Público se submeter a

uma assembléia popular, vinculando-se às deliberações ali tratadas; é, sim, um instrumento de

colheita de informações e de aprendizado mútuo, também permitindo que o Ministério Público

seja criticado e receba sugestões para a melhoria dos seus trabalhos.

Destarte, a fim de evitar que vários atendimentos se repitam sobre um mesmo

assunto (como danos ambientais em determinada região), o membro do Parquet poderá

convocar uma audiência pública, buscando uma solução coletiva e mais célere.

Ao final da audiência pública, o Ministério Público poderá, desde logo, ter uma

postura conclusiva sobre o tema, expedindo recomendações a respeito; celebrar compromisso

de ajustamento de conduta; instaurar procedimentos de investigação ou mesmo arquivar as

peças de informação relacionadas com o tema.

Nesse sentido, o art. 35 da Resolução 002, de 18.09.2008, do Conselho

Superior do Ministério Público de Pernambuco, que disciplina o inquérito civil e

procedimentos outros destinados à tutela extrajudicial de direitos transindividuais.

Destaque-se, o art. 32, caput, da norma supramencionada, permite que a

audiência pública seja realizada antes ou depois da instauração de inquérito civil ou

procedimento investigativo, justamente porque a própria audiência pública (a ser registrada em

ata circunstanciada - art. 35, § 1º, e, se possível, meio eletromagnético - art. 34, § 3º), poderá

servir como subsídio para as ações ministeriais futuras.

5.5-Instrumento de transação referendado

O membro do Ministério Público, no exercício da função de atender à

população, poderá referendar acordos celebrados pelas partes, tendo tal acordo a eficácia de

título executivo extrajudicial, na forma do art. 585, inciso II, do Código de Processo Civil.

Trata-se, enfim, de um instrumento de promoção do acesso à justiça através do

Ministério Público, conseqüência do exercício da função de mediador sui generis pelo

Promotor de Justiça (vide item 3.3).

Não se trata de um instrumento exclusivo do Ministério Público: também a

Defensoria Pública e os Advogados das partes interessadas poderão referendar acordos

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111

extrajudiciais, admitindo-se que um único Advogado represente todas as partes que integram a

transação, como aliás admitem os arts. 982, § 1º, e 1.124-A, § 2º, do CPC, alterados pela Lei

11.965, de 03.07.2009, com relação ao inventário/partilha e à separação/divórcio mediante

escritura pública, lavrada perante Oficial cartorário.

Quanto ao Ministério Público, o art. 57, parágrafo único, da Lei 9.099/95, já

previa como título extrajudicial o acordo referendado pelo Parquet. Mencione-se, ainda, o art.

13 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), que prevê igual condição ao acordo de alimentos

em favor da pessoa idosa, quando referendado pelo Promotor de Justiça.187

Evidentemente, a composição de transações perante o Ministério Público há de

respeitar, como já se explicou, a área de autuação ministerial, isto é, deverá cingir-se a

interesses sociais e individuais indisponíveis, como o direito a alimentos ou à moradia.

Não é possível que o Promotor de Justiça referende acordos atinentes a

interesses disponíveis, que digam respeito apenas a pleitos patrimoniais, envolvendo pessoas

maiores e capazes.

Contrariamente, posiciona-se Carlos Alberto Carmona, ao afirmar que qualquer

tipo de obrigação de fazer, não fazer ou dar poderá ser objeto do termo de transação

referendada pelo Ministério Público.188

No entanto, ratifica-se a posição outrora adotada, até porque a defesa de

interesses disponíveis e sem comprometerem a manifestação volitiva de incapaz será feita pela

Defensoria Pública, como relação aos necessitados, e pelos demais Advogados, os quais

poderão referendar transações, desde que estejam representando as partes envolvidas,

mediante procuração que comprove tal condição.189

187 A Lei 11.737, de 14.07.2008, alterou o art. 13 do Estatuto do Idoso e ampliou a legitimidade para referendar

acordo da pessoa idosa, incluindo o Defensor Público. Desnecessária tal alteração, por força do conteúdo amplo

do art. 585-II do CPC, que também admite acordos em favor de idosos referendados pelos Advogados dos

transatores. 188 Carlos Alberto Carmona, in Antonio Carlos Marcato (Coord.), Código de processo civil interpretado, São

Paulo, Atlas, 2004, p. 1723. 189 Em sentido contrário, dispensando a exibição de mandato pelos Advogados dos transatores, posiciona-se

Araken de Assis, Manual da Execução, 11ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 177.

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112

Alexandre Freitas Câmara trata o instrumento de transação como “transação

extrajudicial” e destaca que o Código de Processo Civil fala em instrumento referendado e não

homologado, porque a homologação seria ato privativo do Juiz.190

Justamente por isso, quando celebrar acordos de alimentos, prática bastante

comum nas Promotorias de Justiça de 1ª entrância, o membro do Ministério Público, em caso

de descumprimento do acordo pelo alimentante, não poderá executar a transação e pedir a

prisão civil do devedor, salvo se já tiver, previamente, submetido a transação à homologação

judicial, mediante ação própria, ocasião em que teremos um título executivo judicial (art. 475-

N, inciso V, do CPC).

Nesse caso, poderá ser requerida a prisão civil do devedor, porque existe uma

sentença (decisão judicial), homologando o acordo de alimentos, conforme exige o art. 733 do

CPC c/c o art. 19 da Lei 5.478/68.

No mais, enfatize-se que a transação referendada não possui uma forma rígida,

mas é importante, como em qualquer acordo, que estejam devidamente qualificadas as partes

interessadas (inclusive com o respectivo endereço, a fim de facilitar localização futura),

identificado o órgão ministerial responsável pelo referendo e especificada a obrigação nela

constante, com os prazos para o seu adimplemento.

5.6-Recomendação

A recomendação é um instrumento de atuação ministerial recente, consagrado

através dos arts. 27, parágrafo único, inciso IV, e 80 da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica

Nacional do Ministério Público), bem como do art. 6º, inciso XX, da Lei Complementar 75, de

20.05.93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União).

Visa à melhoria dos serviços públicos ou que tenham relevância pública e/ou

defender os interesses sociais e individuais indisponíveis. Eis porque a recomendação também

pode ser dirigida a entidades privadas (e não apenas ao Poder Público), desde que elas

exerçam alguma atividade de relevância social, delegadas, permitidas ou autorizadas pela

190 Alexandre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual Civil, volume II, 14ª ed., Rio de Janeiro, Lumen

Juris, 2007, p. 205-206.

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113

Administração Pública, como é a hipótese do transporte coletivo ou do exercício de atividades

econômicas que causem impacto ao meio ambiente.

A recomendação é um ato jurídico de advertência do Ministério Público à

entidade ou pessoa fiscalizada; não possui caráter vinculativo, mas serve de alerta, no sentido

de que, se não forem adotadas as posturas e as condutas cabíveis, poderá ser ajuizada uma

ação civil pública com pedido de obrigação, sem prejuízo das ações penais e de improbidade

administrativa pertinentes, conforme o caso.

Por isso, a coação que torna necessária a observância de uma recomendação

ministerial é uma força antes moral e política do que jurídica.

Aliás, o art. 6º-XX da LC 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União),

também aplicável ao MP dos Estados, por força do art. 80 da Lei 8.625/93, permite ao

Parquet, nas recomendações, fixar um prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.

Segundo Maria Eliane Menezes de Farias, a recomendação é um instrumento do

Ministério Público enquanto ombudsman ou defensor do povo, permitindo a resolução de

demandas sem o enfrentamento de um processo judicial. A autora, integrante do Ministério

Público Federal, destaca o papel extrajudicial da Procuradoria Federal dos Direitos do

Cidadão, inclusive através de recomendações expedidas, como instrumento de acesso à justiça

sem a intervenção do Poder Judiciário.191

5.7-Termo de ajustamento de conduta

O TAC ou CAC – Termo ou Compromisso de Ajustamento de Conduta

encontra alicerce no art. 5º, § 6º, da Lei 7.347/85 (acrescentado pela Lei 8.078/90 – Código de

Defesa do Consumidor), tendo sido introduzido no ordenamento brasileiro através do art. 211

da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Merece destaque o fato de que o Ministério Público não é o único com

atribuição para celebrá-lo, mas também as outras entidades/órgãos públicos legitimados para

ingressar com ação civil pública (União, Estados, Municípios, autarquias, fundações, empresas

públicas, sociedades de economia mista, associações constituídas há mais de um ano, que

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114

tenham por objeto a defesa de interesses sociais, e Defensoria Pública – v. art. 5º da Lei

7.347/85).

Mencione-se, ainda, a possibilidade de outros órgãos públicos, ainda que sem

personalidade jurídica, celebrarem termo de ajustamento de conduta, ex vi dos arts. 82-III e 90

do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) c/c o art. 21 da Lei 7.347/85.

Tecnicamente, o termo de compromisso, conforme Carlos Roberto de Castro

Jatahy, não possui natureza contratual, funcionando como garantia de cumprimento da

obrigação pelo compromissário perante o Ministério Público.192

Para José dos Santos Carvalho Filho, a natureza jurídica do TAC é a de um ato

jurídico unilateral, quanto à manifestação volitiva do compromissário.193

Caminha nesse

sentido Hugo Nigro Mazzilli, quando afirma que o compromisso de ajustamento é um ato

administrativo negocial, no qual apenas o causador do dano se compromete.194

Eis a diferença fundamental entre o termo de compromisso e a transação

extrajudicial, referendada pelo Ministério Público: embora ambos sejam legalmente títulos

executivos extrajudiciais, nesta, literalmente, trata-se de um acordo entre vontades das partes

interessadas na transação, com a chancela do órgão ministerial como agente externo e

fiscalizador do acordo celebrado; naquele, a parte interessada, assume o compromisso, perante

o Ministério Público, de cumprir determinada obrigação, sob pena de responder por multa. E

tal compromisso é formalizado, perante o Ministério Público, através de um ato administrativo

que toma a forma do TAC.

Segundo Wallace Paiva Martins Junior, no compromisso de ajustamento de

conduta, não há transação em razão da indisponibilidade do interesse tutelado pelo Ministério

Público. O que existe é um “ajustamento” das condutas do Administrador Público (ou qualquer

191

Maria Eliane Menezes de Farias, O Ministério Público Federal e seu papel facilitador do acesso à justiça no

Brasil, Revista dos Procuradores da República, Brasília (DF), ano 1, n. 1, p. 12-15, mar. 2004. 192Carlos Roberto de Castro Jatahy, Curso de Princípios Institucionais do Ministério Público, 2ª ed., Rio de

Janeiro, Roma Victor Editora, 2006, p. 264. 193José dos Santos Carvalho Filho, Ação Civil Pública – Comentários por Artigo, 4ª ed. Rio de Janeiro, Lumen

Juris, 2004, p. 237-238. 194 Hugo Nigro Mazzilli, A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio

cultural, patrimônio público e outros interesses, 20ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 385-386.

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115

outra pessoa física ou jurídica fiscalizada) às exigências legais, em respeito à lei e ao princípio

da razoabilidade.195

Dentro de tal lógica, é possível a celebração de compromisso de ajustamento de

conduta para cessar atos de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação pertinente, nos

termos da Lei 8.429/92, com relação aos fatos pretéritos, anteriores ao TAC celebrado.

Através de compromisso de ajustamento, inclusive, seria possível fixar a forma

de ressarcimento ao Erário do gestor público ímprobo, desde que observados todos os

critérios legais e judiciais para a correção monetária e a cobrança de juros, também sem

prejuízo de ação de improbidade para aplicação das outras sanções previstas no art. 12 da Lei

8.429/92.

A favor do entendimento mencionado no parágrafo anterior, posiciona-se Luis

Roberto Proença.196

Contrariamente, cite-se o entendimento de Hugo Nigro Mazzilli,

invocando a norma proibitiva do art. 17, § 1º, da Lei 8.429/92.197

Porém, tal norma refere-se a transações em sede de ação judicial de

improbidade administrativa, o que não é o caso do TAC, o qual, como já se demonstrou, não é

uma transação entre o Ministério Público e a parte interessada e, nos casos de ressarcimento à

Fazenda Pública prejudicada, em hipótese alguma, poderá concordar o Promotor de Justiça

com a redução do quantum devido.

Aliás, como adverte José dos Santos Carvalho Filho, não se pode admitir, no

compromisso de ajustamento, qualquer tipo de concessão que resulte em prejuízo aos direitos

difusos e coletivos em discussão.198

Merece menção o art. 14 da Resolução 23, de 17.09.2007, do Conselho

Nacional do Ministério Público, o qual prevê o termo de ajustamento não apenas para

195

Wallace Paiva Martins Junior, Controle da Administração pelo Ministério Público (Ministério Público

defensor do Povo), São Paulo, Editora Juarez de Oliveira, 2002, p. 47-49. 196 Luis Roberto Proença, Inquérito Civil: atuação investigativa do Ministério Público a serviço da ampliação

do acesso à justiça, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 126. 197 Hugo Nigro Mazzilli, A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio

cultural, patrimônio público e outros interesses, 20ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 377. 198 José dos Santos Carvalho Filho, Ação Civil Pública – Comentários por Artigo, 4ª ed. Rio de Janeiro, Lumen

Juris, 2004, p. 244.

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116

reparação do dano ou adequação às condutas legais, mas também como forma de obter

indenização pelos danos que não possam ser recuperados.

Adotando tese apresentada pelo Promotor de Justiça de Pernambuco, Roberto

Brayner Sampaio, aprovada no XVII Congresso Nacional do Ministério Público, realizado em

2007, em Salvador (BA), entende-se que a multa pelo descumprimento do compromisso de

ajustamento deve ser cobrada não da entidade pública compromissária, mas do gestor público

que a assina.199

Pois, do contrário, a experiência demonstra que, em caso de descumprimento, a

própria sociedade local seria penalizada pela negligência do Prefeito ou do gestor público

responsável. Sim, porque o dinheiro para pagar a multa terminaria por ser retirado do próprio

orçamento do Município ou da entidade pública compromissária, o que poderia implicar na

redução de recursos públicos a serem investidos em áreas como saúde, educação, saneamento

etc.

Colocando-se o administrador público como responsável pela multa por

descumprimento, desde logo, verifica-se o seu grau de interesse em cumprir o compromisso

assumido perante o Ministério Público; afinal, salvo as justificativas devidamente

comprovadas, não haverá possibilidade de transferir a responsabilidade pelo cumprimento da

obrigação para terceiros ou mesmo para a sociedade.

É interessante mencionar a visão de Max Zuffo o qual, contrariamente à

doutrina majoritária, vê o TAC como um contrato administrativo e, como tal, propõe que

sejam a ele incorporadas garantias reais, como a hipoteca e o penhor e/ou garantias pessoais,

como o aval e a fiança.200

O descumprimento do termo de compromisso, destarte, terá, por conseqüência,

o ajuizamento de duas execuções judiciais pelo membro do Ministério Público: uma execução

para garantir o cumprimento da obrigação (de fazer, não fazer ou dar), nos termos dos arts.

199 Roberto Brayner Sampaio, Efetividade dos compromissos de ajustamento de conduta tomados das pessoas

jurídicas de direito público e as cláusulas penais, in: XVII CONGRESSO NACIONAL DO MINISTÉRIO

PÚBLICO, 2007, Salvador, Anais... Brasília/Salvador: CONAMP - Associação Nacional dos Membros do

Ministério Público e ABMP – Associação Baiana do Ministério Público, 2007. 200 Max Zuffo, Propostas para incremento na eficácia dos termos de ajustamento de conduta, in: XVI

CONGRESSO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2005, Belo Horizonte, Anais... Brasília/Belo

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117

632 e ss. do CPC, movida contra a entidade pública compromissária, e uma execução de multa

firmada em compromisso de ajustamento de conduta, contra o gestor público responsável pela

assinatura do compromisso, conforme os arts. 646 e ss. do CPC.

Nesse sentido, a respeito do ajuizamento de duas modalidades de execução,

consulte-se o entendimento de Luis Roberto Proença.201

Conforme o art. 13 da Lei 7.347/85, a multa paga, resultante da inadimplência

do termo de ajustamento, deverá ser revertida em favor do fundo existente em benefício do

direito social (difuso, coletivo ou individual homogêneo com repercussão social) ou individual

indisponível em discussão; se não houver, o dinheiro ficará depositado em instituição

financeira, em uma conta com correção monetária.

5.8-Reflexões para uma ação efetiva mediante a utilização de termo de

compromisso ou de recomendação

Dentro de uma ótica de efetividade das ações ministeriais a partir da opção

adotada, tanto o compromisso de ajustamento de conduta como a recomendação exigem

acompanhamento pelo órgão do Ministério Público que os adotou.

Até porque, a recomendação e o termo de ajustamento de conduta são

instrumentos do Ministério Público na sua atuação extrajudicial, como forma de realizar a

justiça social, evitando as longas discussões do mérito de processos judiciais no Poder

Judiciário.202

Alexandre Amaral Gavronski chega a dizer que, independentemente do termo

de compromisso, a simples instauração de um inquérito civil ou um de procedimento

administrativo pelo Ministério Público, em alguns casos, é suficiente para que a parte

Horizonte: CONAMP - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e AMMP – Associação

Mineira do Ministério Público, 2005, p. 346-355. 201 Luis Roberto Proença, Inquérito Civil: atuação investigativa do Ministério Público a serviço da ampliação

do acesso à justiça, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 131-132. 202 Sobre o tema, consulte-se Salomão Abdo Aziz Ismail Filho, Termo de ajustamento de conduta e

recomendação: qual a melhor alternativa?, Revista da Associação do Ministério Público de Pernambuco,

Recife, n. 3, p. 43-44, nov. 2008.

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118

investigada resolva reparar a conduta desconforme com a lei e/ou reparar o dano social em

questão.203

Não basta a publicação do TAC ou da recomendação no diário oficial: é

necessário todo um trabalho de autuação dos documentos em pastas próprias, para

acompanhamento dos prazos e das justificativas apresentadas, pela autoridade ou parte

interessada, pelo seu não cumprimento.

Também são necessários os devidos registros em livro ou em sistema de

informática próprio, a fim de permitir um acompanhamento contínuo pela Promotoria de

Justiça, independentemente do membro que lá esteja em exercício, em homenagem ao

Princípio da Unidade, que orienta a atuação do Ministério Público (art. 127, § 1º, da CF/88).

Nesse sentido, o art. 27 da Resolução 002, de 18.09.2008, do Conselho

Superior do Ministério Público de Pernambuco, dispõe sobre a comunicação, em até 05

(cinco) dias da celebração do TAC, à Corregedoria-Geral do Ministério Público e ao Centro de

Apoio Operacional respectivo, para monitoramento e registro estatístico, e à Secretaria-Geral

do Ministério Público para publicação no diário oficial.

A propósito, Max Zuffo lembra a importância de que os termos de ajustamento

celebrados sejam não apenas publicados no diário oficial, mas também divulgados no sítio da

internet do Ministério Público em questão, permitindo o amplo acesso a todas as pessoas

interessadas no seu acompanhamento.204

Afinal, é preciso aduzir, que, em regra, a passagem do Promotor de Justiça por

determinada Promotoria é temporária, em razão das situações de movimentação na carreira

(remoção, promoção, aposentadoria etc.), sendo necessário que o membro substituto tenha

subsídios para continuar o acompanhamento da medida, sob pena da entidade fiscalizada

acomodar-se, ainda que sem qualquer intenção dolosa, deixando de cumprir as obrigações em

benefício da sociedade por inércia do próprio Ministério Público.

203 Alexandre Amaral Gavronski, Das Origens ao futuro da Lei de Ação Civil Pública: o desafio de garantir

acesso à justiça com efetividade, in: Édis Milaré (Coord.), A ação civil pública após 20 anos: efetividade e

desafios, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 32. 204 Max Zuffo, Propostas para incremento na eficácia dos termos de ajustamento de conduta, in: XVI

CONGRESSO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO, 2005, Belo Horizonte, Anais... Brasília/Belo

Horizonte: CONAMP - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e AMMP – Associação

Mineira do Ministério Público, 2005, p. 346-349.

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119

E o descumprimento da obrigação poderá ocorrer, principalmente, quando se

tratar de uma recomendação, instrumento de atuação que não possui caráter de

obrigatoriedade, valendo por sua força moral e política. Nesse sentido, o entendimento de

Hugo Nigro Mazzilli.205

No mesmo diapasão, destaque-se o trabalho dos Procuradores da República

Osório Barbosa e Sérgio Monteiro Medeiros, os quais conceituam a recomendação como

instrumento de monitoramento de atividades que possam ensejar a atuação do Ministério

Público.206

Devem ser evitadas recomendações expedidas sem qualquer contato prévio com

a Administração Pública, sendo apenas, de forma fria e distante, impresso o documento e

entregue ao gestor público. Em tais casos, a tendência é que a recomendação não seja

observada, sendo ignorada por completo, contribuindo, enfim, para o descrédito do Ministério

Público junto à comunidade local.

Buscando-se a efetividade das ações ministeriais e não apenas o impacto

midiático com a divulgação da medida adotada, melhor seria a instauração de um inquérito

civil ou de um procedimento preliminar de investigação.207

Assim, dentro dos seus autos, convidar-se-ia a autoridade para celebrar um

compromisso de ajustamento, instrumento jurídico de maior poder normativo, pois permite ao

Promotor de Justiça exigir do compromissário as obrigações assumidas, inclusive, em último

caso, através da execução judicial da obrigação firmada e da multa imposta em caso de

descumprimento (eficácia de título executivo extrajudicial).

Agora, se o representante da edilidade negar-se a celebrar o TAC, seria o caso,

como medida preliminar e preventiva, de se expedir uma recomendação e, acaso o Poder

Público/entidade fiscalizada não venha a observar a orientação nela contida, através de um

prazo estipulado pelo Ministério Público, ingressar-se-ia com a pertinente ação civil pública.

205 Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 503. 206 Osório Barbosa e Sérgio Monteiro Medeiros, A recomendação como instrumento de atuação do Ministério

Público da União, in: Flávio Paixão de Moura Júnior et al. (Orgs.), Ministério Público e a Ordem Social

Justa: Dez Anos da Lei Complementar n. 75/93, Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 201-225. 207 Nomenclatura adotada pela Resolução 002, de 18.09.2008, do CSMP-PE (Conselho Superior do Ministério

Público de Pernambuco).

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A Resolução 23, de 17.09.2007, do Conselho Nacional do Ministério Público,

que disciplinou a instauração e a tramitação do inquérito civil, corrobora com tal

entendimento, quando, em seu art. 15, parágrafo único, dispõe que é vedada a expedição de

recomendação como medida substitutiva ao compromisso de ajustamento de conduta ou à

ação civil pública.

A respeito do termo de ajustamento de conduta, é necessário, ainda, criticar a

sua nomenclatura, pois a expressão “ajustamento de conduta” apresenta-se como

excessivamente inquisitória, acusatória e impositiva, sendo de vanguarda a expressão “termo

de compromisso”, a qual mais se aproxima da natureza conciliatória e preventiva da atuação

extrajudicial do Ministério Público, visando à solução dos conflitos que lhe são colocados sem

a intervenção do Poder Judiciário, assegurando, desde logo, a realização da justiça social.208

5.9-Os riscos do messianismo e da instrumentalização do Ministério Público

Apresenta-se, neste trabalho, o Ministério Público como forma direta de acesso

à justiça, independentemente do Poder Judiciário, a fim de promover a defesa dos direitos

individuais fundamentais e sociais, consagrados na Magna Carta de 1988.

Para isso, foram destacados os instrumentos legais que o MP possui para,

extrajudicialmente, assegurar o valor justiça às partes interessadas, a partir do seu atendimento

ao público.

Não se interprete, porém, que a instituição Ministério Público tenha uma

panacéia para todos os males da sociedade, apresentando-se como mentor e guia da sociedade

civil.

Justamente por isso, buscou-se delimitar a área de atuação do Parquet através

do atendimento ao público (interesses sociais e individuais indisponíveis).

Outrossim, não se prega, neste trabalho, um Estado policial, à margem do

Estado Democrático de Direito: toda a atuação extrajudicial do Ministério Público está

alicerçada em normas constitucionais e legais, sancionadas e promulgadas por parlamentares,

208 Infelizmente, tanto a Resolução 23/2007 do Conselho Nacional do Ministério Público como a Resolução

002/2008 do Conselho Superior do Ministério Público de Pernambuco mantiverem a vetusta expressão

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representantes do Povo, titular soberano do poder político em nossa Nação (art. 1º, parágrafo

único, da CF/88).

Eis porque foi destacada a possibilidade do membro do Ministério Público ser

responsabilizado civil, administrativa e criminalmente, pela utilização indevida de dados e

documentos que venha a obter no exercício de sua atividade extrajudicial, através do seu poder

requisitório. A propósito, consulte-se o art. 8º, § 1º, da Lei Complementar 75/93.

Porém, que fique claro: o Ministério Público não deve se arvorar como único

defensor dos interesses da sociedade; é preciso que a própria sociedade civil seja estimulada a

buscar a defesa dos seus direitos junto aos Poderes Públicos.

Ou seja, não se quer uma sociedade civil hipossuficiente e sem iniciativa, onde o

Ministério Público seja o seu “super-herói”, sempre pronto para indicar as soluções e as

respostas para todos os problemas e conflitos sociais.209

O que se defende aqui é a existência de mais um canal de acesso à justiça, mais

um instrumento de apoio à sociedade civil, sem qualquer pretensão messiânica. Inclusive, na

sua atuação extrajudicial e no seu atendimento ao público, o Promotor de Justiça tem o dever

de conscientizar as partes dos seus direitos e da possibilidade de defendê-los diretamente,

através da organização em associações civis.

De outro lado, os riscos da politização dos membros do Ministério Público

existem, principalmente quando, somente com a Emenda Constitucional 45, de 08.12.2004, foi

proibida constitucionalmente a atividade político-partidária pelos membros da instituição, sem

exceções (art. 128, § 5º, inciso II, “e”, da CF/88).

Por isso, em alguns momentos a “judicialização da política”, através do

Ministério Público, tornou-se abusiva, quando certos membros, com pretensões político-

“ajustamento de conduta”, de certo por apego à nomenclatura adotada pelo § 6º do art. 5º da Lei 7.347, de

24.07.85, e pelo art. 211 do ECA. 209 Rogério Bastos Arantes, em tom crítico, considera um combustível com “alto poder de explosão” o

voluntarismo dos membros do Ministério Público, aliado à crença de que a sociedade civil é hipossuficiente; de

que os Poderes Públicos estão degenerados e de que é preciso alguém fazer alguma coisa. In: Direito e Política:

o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos, Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14,

n. 39, p. 98, fev. 1999.

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partidárias na região em que atuavam, começaram a abusar do uso de ações coletivas contra

supostos adversários políticos.210

Agora, que não se negue ao Parquet a sua vocação natural, ou seja, caminhar,

não na frente, mas ao lado da sociedade civil, na luta pelo respeito e pela defesa dos seus

direitos frente aos Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública.

Evidentemente, também é preciso cuidado com a instrumentalização que setores

da sociedade civil, como alguns partidos políticos e núcleos do movimento social, buscam

fazer com o Ministério Público, vinculando-o ideologicamente a determinadas posições

políticas e partidárias.

Para ser uma forma segura de acesso à justiça, o Ministério Público deve ser

independente, seja do Poder Público, seja do movimento social, seja de partidos políticos,

atuando sempre em defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sem qualquer

conotação ideológica ou político-partidária.

Não se advoga aqui que as discussões políticas da sociedade sejam deslocadas

do Poder Executivo ou do Legislativo, cujos representantes foram, legitimamente, eleitos pelo

Povo, na qualidade de seus delegatários (art. 1º, parágrafo único, da CF/88).

Em caráter excepcional ou em caso de omissão ou ação desviada dos fins legais,

como, infelizmente, verifica-se quase diariamente no cotidiano político brasileiro, que se

permita aos canais de acesso à justiça, como o Poder Judiciário e o Ministério Público, a

discussão de tais temas.

Ao Ministério Público, como canal direto de acesso à justiça social, não cabe

ser somente um agente de judicialização da política (levar ao Poder Judiciário temas de

natureza política, governamental), mas atuar como um “mediador” e “negociador” do interesse

social entre os agentes sociais e poderes políticos, com fins de solucionar diretamente, sem a

intervenção do Judiciário, as demandas que lhe são propostas (vide o item 3.3 desta

dissertação).

210 Segundo Rogério Bastos Arantes, a judicialização da política seria o (des) encaminhamento de assuntos que

deveriam ser debatidos do fórum político legitimado (Executivo e Legislativo) para os órgãos com atuação

judicial. Consulte-se: Direito e Política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos, Revista

Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 14, n. 39, p. 88-89, fev. 1999.

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Consulte-se, nesse diapasão, o entendimento de Débora Alves Maciel e Andrei

Koerner, os quais entendem que, tecnicamente, a atuação extrajudicial do MP não seria um

caso de judicialização da política, pois não se estaria levando para o Judiciário a discussão

política, mas buscando resolvê-la dentro do próprio âmbito ministerial, na qualidade de

mediador.211

Lembre-se, afinal, que foi a própria Constituição Federal de 1988 quem colocou

o Ministério Público como ombudsman perante os Poderes Públicos e serviços de relevância

pública, através da defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (arts. 127, caput, e

129-II).

Como então, fazer essa defesa sem a “judicialização” ou a discussão, no âmbito

das Promotorias de Justiça, de temas políticos que não estão sendo discutidos e postos em

prática nas instâncias devidas?

Por conseguinte, a judicialização da política ou a discussão de temas políticos,

através de uma atividade mediatória e negocial, por meio do Ministério Público, deve ser vista

como subsidiária e complementar e também como uma forma de estimular o Poder Executivo

e o Poder Legislativo às discussões e à prática de ações governamentais em benefício de temas

políticos relevantes.

211 Débora Alves Maciel e Andrei Koerner, Sentidos da judicialização da política: duas análises, Lua Nova –

Revista de Cultura e Política, n. 57, p. 127, 2002.

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CAPÍTULO VI

DA PESQUISA SÓCIO-JURÍDICA SOBRE O ATENDIMENTO AO

PÚBLICO NO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE

PERNAMBUCO

6.1-Considerações iniciais

Visando a dar um caráter sócio-jurídico a esta dissertação, realizou-se uma

pesquisa junto aos membros do Ministério Público de Pernambuco a respeito do atendimento

ao público.

Trata-se, em verdade, de uma pesquisa de “baixa complexidade”, conforme

expressão utilizada por Luciano Oliveira, a qual teve por finalidade analisar a opinião dos

Promotores e Procuradores de Justiça a respeito do atendimento ao público no MPPE, a fim

de auxiliar nas conclusões desta dissertação, evitando que se limitasse ela apenas a uma visão

teórica do tema.212

Primeiramente, impende aduzir que, no “Diagnóstico do Ministério Público dos

Estados”, elaborado em 2006, pelo Ministério da Justiça, foi realizada uma pesquisa entre os

associados da CONAMP – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, a

respeito do atendimento ao público.

Em tal pesquisa, 46,8% dos membros do Parquet brasileiro consideraram como

“bom” o atendimento ao público no Ministério Público; 26% responderam que o atendimento

seria “muito bom”; 20,8% qualificou o atendimento ao público ministerial como “regular”;

4,1% dos membros julgou-o “ruim” e 0,8% considerou o atendimento ao público como

“péssimo”. O percentual de 1,5% dos entrevistados preferiu não opinar a respeito.213

Analisando os dados acima, chama a atenção o elevado percentual daqueles que

consideraram o atendimento ao público no Ministério Público como regular (20,8%), número

212 Luciano Oliveira, Não fale do Código de Hamurábi! A pesquisa sócio-jurídica na pós-graduação em

Direito, disponível em:

<www.esmape.com.br/downloads/Luciano_Oliveira/Nao_fale_do_codigo_de_Hamurabi.rtf>, acesso em:

13.04.2008, p. 27-29. 213 MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, Diagnóstico Ministério Público dos Estados, Brasília, 2006, p. 79, 100-103.

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próximo àqueles que o julgaram muito bom (26%). O conceito bom, aprovado pela maioria

dos membros do Ministério Público dos Estados (46,8%), não deve ser comemorado, pois

pode também representar uma indefinição a respeito do tema, haja vista a proximidade entre os

percentuais dos conceitos regular e muito bom.

Uma conclusão definitiva a respeito da qualidade do atendimento ao público,

nos Ministérios Públicos estaduais, apenas pode ser obtida também com uma pesquisa de

satisfação junto ao usuário do serviço de atendimento ao público.

A propósito, impende mencionar, por analogia, o Decreto Federal 3.507, de

13.06.2000, que dispõe sobre o estabelecimento de padrões de qualidade do atendimento ao

público prestado na seara da Administração Pública federal, direta, indireta e fundacional. O

art. 4º, § 2º, da referida norma, prevê que os órgãos e entidades públicas federais deverão

aferir, ao menos uma vez anualmente, o grau de satisfação dos usuários com o atendimento

recebido.

Nesse sentido, merece destaque o trabalho das Promotoras de Justiça Izabel de

Lizandra Penha Alves, Maria Aparecida Alcântara Siebra e Maria de Fátima de Araújo

Ferreira, as quais defendem que toda Promotoria de Justiça deve priorizar a qualidade no

atendimento ao público, através da divisão de tarefas por servidores devidamente qualificados;

da criação de um setor específico de triagem e de um banco de dados com a identificação do

cliente/usuário do serviço, a reclamação e o procedimento a ser adotado pelo Promotor.214

Essa também é a preocupação do Procurador da República Alexandre Amaral

Gavronski, ao destacar que o atendimento ao público, no âmbito ministerial, precisa também

assegurar condições de acessibilidade aos portadores de necessidade especiais e prioridades

aos maiores de 60 anos, gestantes, lactentes e pessoas acompanhadas por crianças de colo, nos

termos da Lei 10.048/2000 (assegurada prioridades de atendimento), alterada pela Lei

10.741/2003, e da Lei 10.098/2000 (estabelece normas gerais e critérios básicos para a

214 Izabel de Lizandra Penha Alves et al, Excelência no atendimento ao público: mudanças de paradigma e

estabelecimento de padrões de qualidade na recepção e triagem das Promotorias de Justiça de Pernambuco,

disponível em: <http://www.mp.pe.gov.br/uploads/e-4kDqvMrNX-

87TRG72C_g/Isabel_Aparecida_e_Ftima.pdf>, acesso em: 11.10.2009, p. 50-52.

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126

promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade

reduzida).215

Destarte, buscando fixar premissas básicas para um atendimento ao público

eficiente pelo membro do Parquet, de acordo com o papel constitucional previsto para o

órgão, elaborou-se um questionário com 05 (cinco) perguntas a respeito do atendimento ao

público no Ministério Público do Estado de Pernambuco.

O referido questionário foi distribuído entre diversos membros da instituição,

lotados em todas as regiões do Estado (Capital, Agreste, Sertão e Zona da Mata) por e-mail e

fax. Também foram entrevistados, pessoalmente, Promotores e Procuradores de Justiça.

Na época da pesquisa, conforme publicação no Diário Oficial do Estado de

Pernambuco do dia 10.03.2009, o MPPE possuía 32 Procuradores de Justiça e 322

Promotores de Justiça (sendo 120 na 3ª entrância; 126 na 2ª entrância e 76 na 1ª entrância),

totalizando 354 membros.

Responderam à pesquisa 85 membros, o que equivale a 24,01% dos

Promotores e Procuradores de Justiça do MPPE, sendo 75 Promotores de Justiça (23,29%

dos 322 Promotores) e 10 Procuradores de Justiça (31,25% dos 32 Procuradores).

A pesquisa foi realizada entre os meses de março, abril e maio de 2009.

Foram apresentadas 05 (cinco) perguntas aos Promotores e Procuradores de

Justiça do Ministério Público de Pernambuco, todas elas acompanhadas de 04 (quatro)

alternativas, facultando-se ao entrevistado escolher apenas uma delas (vide apêndice).

6.2-Análise dos dados pesquisados

6.2.1-Primeira pergunta: qual a importância do atendimento ao público no exercício da

função ministerial?

4,70% dos entrevistados responderam que o atendimento à população no

Ministério Público tem importância relativa. Porém, 95,29% consideraram que o atendimento

ao público tem muita importância no exercício da função ministerial.

215 Alexandre Amaral Gavronski, Manual de Atuação em Tutela Coletiva para o Ministério Público

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Isso revela a manifesta predominância, entre os membros do Ministério Público

de Pernambuco, de um conceito que entende como importante a função do atendimento ao

público, em detrimento da minoria que a considera como uma atividade de grau relativo ou

secundário.

6.2.2-Segunda pergunta: o atendimento ao público deve ser considerado um dever

funcional do membro do Ministério Público?

Entre os entrevistados, apenas 2,35% escolheram a opção “talvez”. Já 97,65%

dos membros do MPPE pesquisados concordaram que o atendimento ao público deve ser

considerado um dever funcional, como, aliás, já o é para os membros dos Ministérios Públicos

dos Estados, conforme os art. 32-II e 43-XIII da Lei 8.625/93.

6.2.3-Terceira pergunta: o Promotor de Justiça pode fixar dias para o atendimento ao

público?

Para 9,41% dos membros do MPPE, o atendimento ao público deve ser feito

diariamente, sem exceções. No entanto, 90,59% dos membros entenderam que o Promotor de

Justiça pode fixar dias para os atendimentos ordinários e atender em qualquer dia os casos

urgentes que surgirem.

Deveras, a grande maioria dos Promotores e Procuradores de Justiça do MPPE

corrobora com a tese por nós defendida, ou seja, de que podem ser fixados dias para o

atendimento à população, considerando as inúmeras outras atividades de uma Promotoria de

Justiça.

Evidentemente, casos urgentes, como ameaças de vida ou denúncias de dano

concreto e atual ao meio ambiente ou ao patrimônio público e cultural, serão atendidos a

qualquer hora, inclusive fora do expediente da Promotoria de Justiça, à luz do art. 43-XIII da

Lei 8.625/93.

Federal, Brasília, Procuradoria Geral da República, 2005, p. 29.

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128

VI.2.4-Quarta pergunta: quais as espécies de demandas que devem ser atendidas pelo

Promotor de Justiça em seu atendimento ao público?

Esse foi o questionamento da pesquisa que suscitou maiores polêmicas entre os

entrevistados, pois diz respeito ao “mérito” do atendimento ao público pelo Ministério Público.

Em primeiro lugar, deixou-se claro que o atendimento referido na pergunta

refere-se ao efetivo atendimento, dentro de uma idéia de justiça social, visando à resolução do

problema apresentado ao Promotor de Justiça.

Logicamente, se alguém traz ao Ministério Público uma questão que não é da

sua alçada, será orientada e encaminhada ao órgão ou entidade competente para fazê-lo, como

já se explicou outrora neste trabalho.

Para 10,59% dos Promotores e Procuradores do MPPE, o Parquet deve

atender apenas a demandas apresentadas por pessoas carentes e/ou hipossuficientes (idoso em

situação de risco, criança/adolescente, portadores de necessidade especial), sejam tais

demandas disponíveis ou não.

Nesse passo, um percentual de 23,53% dos entrevistados entendeu que

qualquer demanda, mesmo que diga respeito a interesse patrimonial e disponível, seja ou não

de pessoa incapaz, deve ser atendida pelo Promotor de Justiça.

Alguns dos entrevistados justificaram tal opção por entenderem que a pergunta

não era clara a respeito do encaminhamento dos casos de interesse disponível aos órgãos

competentes; mas, a maioria dos que preferiram optar por tal resposta entendeu que, nas

Promotorias do agreste e sertão do Estado, o Promotor de Justiça exerce uma função social

muito importante e não poderia, por exemplo, eximir-se de cobrar dívidas ou resolver

problemas de terra, a fim de garantir a paz social.

Mencione-se ainda que 69,41% dos membros do Ministério Público de

Pernambuco consideraram que o Promotor de Justiça, no seu atendimento à população, deve

resolver apenas questões ligadas às demandas que tenham relação com a missão constitucional

do MP (defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos com repercussão

social e/ou indisponíveis).

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É interessante destacar que, dentre os entrevistados, mesmo sendo permitido

escolher apenas uma alternativa, 5,88% entenderam que a questão comportaria duas respostas

e responderam simultaneamente marcando as letras “b” e “c”, entendendo que o atendimento

ao público deve albergar casos apresentados por incapazes/hipossuficientes e demandas

envolvendo interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Porém, a proposta do quesito estava bem definida: confirmar qual a espécie de

atendimento deve ser ministrado nas Promotorias de Justiça. Direcionará o Promotor de

Justiça o seu atendimento para a sua missão constitucional de guardião dos interesses sociais e

individuais indisponíveis ou entraria na sinuosa estrada dos interesses patrimoniais e

disponíveis?

Ora, quase 70% dos entrevistados concordaram que o atendimento ao público

deve estar relacionado com a defesa de interesses sociais (difusos, coletivos e individuais

homogêneos com repercussão social) e individuais indisponíveis, nos termos do art. 127,

caput, da Constituição Federal.

Assim, interesses patrimoniais não devem ser resolvidos na Promotoria de

Justiça, salvo se se tratar de hipossuficientes, como crianças/adolescentes e portadores de

necessidade especial que tenham a sua vontade/liberdade de expressão ameaçada. A advocacia

local e a Defensoria Pública, em caso de pessoas sem recursos financeiros, prestarão a

orientação jurídica necessária com relação aos demais casos.

A atuação do Ministério Público deve ser excepcional nas hipóteses de

discussão de interesse patrimonial de incapaz. Ou seja, apenas quando se comprovar que a

vontade ou a livre escolha do hipossuficiente está sendo ameaçada; até porque, sendo assim, já

se estaria diante de uma situação de direito indisponível (livre expressão da vontade; liberdade

de ir e vir, vide art. 5º, incisos II, IV e VI, da CF/88).

Exemplo típico disso é a exploração econômica de deficientes físicos, através da

apropriação indevida de uma pensão ou renda em seu nome, como o programa bolsa família,

do Governo Federal.

Outra coisa totalmente diversa, que não deve ser admitida, é o Promotor de

Justiça, ainda a título de exemplo, servir de cobrador de aluguéis atrasados com relação a um

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imóvel em orla litorânea em nome de uma adolescente, apenas porque o titular de tal direito,

manifestamente disponível, é uma pessoa de menor de idade.

6.2.5-Quinta pergunta: o Promotor de Justiça pode realizar a justiça social através do

atendimento ao público?

Tal questionamento diz respeito ao próprio tema desta dissertação, tendo sido

maciçamente reconhecido o conceito amplo de acesso à justiça por 97,64% dos Promotores e

Procuradores de Justiça do Ministério Público de Pernambuco, os quais participaram da

pesquisa.

Somente 1,18% dos pesquisados entendeu que o valor justiça apenas poderia

ser obtido através do Poder Judiciário; o mesmo percentual (1,18%) entendeu pela negativa

do Promotor de Justiça realizar a justiça social através do atendimento ao público, pois a

referida função não seria um dever funcional do membro do Ministério Público.

6.3-Outras reflexões críticas sobre o resultado da pesquisa

Merece destaque a participação, na pesquisa, dos Procuradores de Justiça do

MPPE (31,25%) maior, em termos percentuais, que a dos Promotores de Justiça (23,29%), os

quais são a grande maioria dos membros da instituição (322 Promotores, comparados com 32

Procuradores de Justiça).

Mais de 95% dos membros pesquisados consideraram muito importante a

função do atendimento ao público e que ele deve ser considerado um dever funcional do

membro do Parquet. Isso revela a importância que a função tem para a classe de membros do

Ministério Público de Pernambuco.

Esses mesmos membros, no entanto, defendem uma visão moderna do

atendimento à população, direcionada para o múnus constitucional do Ministério Público (arts.

127, caput, e 129 da Constituição Federal).

Deixa-se de lado o atendimento ao público sem critérios e sem planejamento.

Ou seja, a prática do atendimento-assistencialismo, motivado por uma visão paternalista do

Ministério Público, como se membro do Parquet detivesse o monopólio de uma panacéia para

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a sociedade, devendo, assim, responder a todo tipo de demanda que lhe é proposta (mesmo

que patrimonial e disponível), visando a ocupar espaços dentro do ordenamento jurídico.

O problema é que tal espaço já se encontra devidamente ocupado e definido

pela Constituição Federal, quando consagra o Ministério Público como defensor dos interesses

sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput).

Por outro lado, buscar atender e resolver a toda e qualquer demanda significa

assumir a defesa de interesses privados e disponíveis, desviando o foco de uma atuação

centrada em questões coletivas, como o combate à improbidade administrativa e a defesa ao

meio ambiente, por exemplo.

Fica bem clara e definida a opção dos membros do MPPE quando 90,59%

entenderam que o Promotor de Justiça pode fixar dias para os atendimentos ordinários e

atender em qualquer dia os casos urgentes que surgirem.

Sim, pois um atendimento diário, referente a casos não urgentes, esgota

totalmente o tempo do Promotor, o qual não terá a carga horária necessária para estudar os

processos judiciais/procedimentos investigativos e preparar as medidas judiciais e extrajudiciais

ao seu encargo.

A experiência demonstra que o atendimento diário, sem critérios, transforma o

Promotor de Justiça em advogado de interesses disponíveis, psicólogo e assistente social,

suprindo, temporariamente, de forma errônea e sem o devido conhecimento técnico, lacunas

existentes no município onde trabalha, referentes à ausência de assistência jurídica à população

carente e de um juizado especial cível.

Infelizmente, tais lacunas certamente continuarão a existir, acaso o Promotor de

Justiça seja removido ou promovido e o membro substituto não tenha o perfil assistencialista

desejado.

Justamente por isso, 69,41% dos entrevistados consideraram que o Promotor

de Justiça, no seu atendimento à população, deve resolver questões ligadas às demandas que

tenham relação com a missão constitucional do Ministério Público (defesa dos interesses

difusos, coletivos e individuais homogêneos e/ou indisponíveis). Ou seja, deve ele buscar

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resolver as questões de forma coletiva, com respostas para a sociedade e não para satisfazer

esse ou aquele interesse, salvo quando se tratar de um interesse individual indisponível.

Em suma, a pesquisa demonstrou que o atendimento ao público, no âmbito do

Ministério Público, precisa ser entendido à luz dos arts. 127 e 129 da Constituição Federal, a

fim de que, verdadeiramente, o Promotor de Justiça possa promover o acesso à justiça social a

partir da ouvida (atendimento) da população.

6.4-Da necessidade de criação de uma Promotoria de Justiça de ombudsman

Na capital, o Ministério Público de Pernambuco não possui um setor específico

para o atendimento à população; este ocorre no âmbito de cada Promotoria (ou Procuradoria)

de Justiça específica.

Nas áreas de família e criminal, o atendimento à população ocorre maciçamente,

não nas sedes do Ministério Público, mas nas salas de apoio do Ministério Público, localizadas

no Fórum do Recife.

No bairro do Cordeiro, em Recife, existe o centro da cidadania, onde dentro de

um contexto de desburocratização e acesso rápido ao valor justiça, existem vários órgãos e

entidades públicas em um único local (DETRAN, Polícia Civil, Defensoria Pública etc.). Falta,

entretanto, uma representação do Ministério Público de Pernambuco na localidade, que

poderia servir para dar uma orientação geral à população sobre as funções ministeriais e fazer,

desde logo, os encaminhamentos necessários.

É importante, por outro lado, que sejam criadas Promotorias de Justiça de

ombudsman (art. 129-II da CF/88), com o mister de atender à população do Recife que traga

questões relacionadas com a não observância dos direitos constitucionalmente assegurados

pelo Poder Público (Governo do Estado, Prefeitura do Recife e demais órgãos e entidades

estaduais e municipais) e/ou pelos serviços de relevância pública (Hospitais, empresas de

transporte coletivo, estabelecimentos escolares etc.).

Ao contrário do que ocorre no âmbito das Promotorias de 1ª e 2ª instância

(demais cidades da região metropolitana e regiões da Zona da Mata, Agreste e Sertão), na 3ª

entrância (Capital), a existência de inúmeras Promotorias de Justiça acaba dificultando o

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acesso rápido e direto ao Ministério Público, enquanto ouvidor do povo, pois a população não

consegue identificar, de forma imediata, qual o setor específico do MP deve procurar.

Não se nega a importância e o trabalho realizado pelas inúmeras Promotorias de

Justiça de natureza extrajudicial existentes (Promotorias de Saúde, Educação, Habitação e

Urbanismo etc.).

Mas, o que se propõe é que poderia haver um atendimento prévio no âmbito da

Promotoria de ombudsman, oficiando-se ao órgão ou entidade questionada para a resolução da

demanda; então, acaso não fosse resolvida a questão, à luz do ofício ministerial, ou então

quando se tratasse de casos mais complexos, o caso seria encaminhado à Promotoria de Justiça

específica.

Igualmente, poderia existir também uma Procuradoria de Justiça de

ombudsman, responsável pelos atendimentos relacionados com a 2ª instância do Ministério

Público e por violações a direitos constitucionalmente assegurados com repercussão estadual

ou nacional.

É claro que, para realizar um trabalho de ombudsman com eficiência, é

necessária toda uma logística (computadores, acesso rápido à internet, local arejado e amplo,

oferecendo conforto à população) e uma estrutura funcional que não se limitará apenas à

presença física do Promotor de Justiça, mas também a servidores capacitados para a atuação

nesta área (técnicos ministeriais e analistas de nível superior).

Nesse diapasão, Hugo Mazzilli alerta para uma nova visão de Ministério

Público, onde uma atuação mais eficiente não se revela pelo aumento do número de

Promotores de Justiça, mas pela melhoria da sua estrutura técnico-funcional.216

Louve-se, no entanto, em maio de 2009, a iniciativa da Procuradoria-Geral de

Justiça do MPPE de criar, em parceria com o Município do Recife e a Defensoria Pública de

Pernambuco, o “Núcleo de Justiça Comunitária”, que contará com a participação de um

Promotor de Justiça, um Defensor Público e agentes comunitários, com a finalidade de prestar

216 Hugo Nigro Mazzilli, Propostas de um novo Ministério Público, in Cristiano Chaves et al (Coords.), Temais

atuais do Ministério Público: a atuação do Parquet nos 20 anos da Constituição Federal, Rio de Janeiro,

Lumen Juris, 2008, p. 140-143.

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assessoria jurídica à população e mediar acordos, evitando prematuras demandas ao Poder

Judiciário.217

Merece menção, por fim, recente precedente do Supremo Tribunal Federal,

através do seu Plenário, que, resolvendo o Conflito de Atribuições 1213 AgR/SP, em

15.04.2009, rel. Min. Menezes Direito, instaurado entre o MPF e o MP do Estado de São

Paulo, entendeu caber a este último a atribuição de fiscalizar sociedade de economia mista com

capital majoritário da União, no que se refere aos prazos de contratos de permissão de uso e a

utilização de critérios subjetivos para a prorrogação de contratos.

Entendeu a Suprema Corte que tal hipótese não se enquadra nos casos de

defesa do patrimônio nacional ou dos direitos constitucionais do cidadão, prevista na LC 75/93

e capazes de justificar a atribuição do MPF.218

Tal decisão tem como conseqüência prática submeter à fiscalização dos

Ministérios Públicos dos Estados as sociedades de economia mista da União e é um tanto

inusitada, entrando em conflito com a previsão expressa do art. 39-II da LC 75/93, que coloca

o MP Federal como ombudsman perante os órgãos da Administração Federal direta e indireta.

Voltando ao tema da dissertação, verifica-se a Promotoria de Justiça de

ombudsman como um instrumento para tornar o atendimento ao público, no âmbito

ministerial, ágil e eficaz, contribuindo para o seu aprimoramento como canal de acesso direto à

justiça, dentro de uma interpretação que busque dar concretude à idéia de justiça social

insculpida na Magna Carta de 1988 (arts. 1º-III, 3º, 5º, 6º, 7º, 170 e 193).

217 MINISTÉRIO PÚBLICO DE PERNAMBUCO, notícias do dia 22.05.2009, disponível

em:<www.mp.pe.gov.br/index.pl/20092205_nucleo>, acesso em: 25.05.2009. 218 BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Informativo nº 542, Brasília 13 a 17 de abril de 2009, disponível em:

<http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo.htm>, acesso em: 29.04.2009.

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CONCLUSÕES

A idéia de justiça relativa é perfeitamente aplicável aos ordenamentos jurídicos

cujos valores são expressos através da norma fundamental do sistema de direito (Constituição).

Mesmo em um regime autocrático, é possível extrair valores que poderão servir a um conceito

de justiça relativo para aquela realidade, como, por exemplo, o respeito à propriedade privada

e ao meio ambiente, a necessidade de preservar a família etc.

Por isso, a expressão “justiça social” não deve ser interpretada como um

conceito vazio, mas como um conceito que pode servir de referência e meta a ser atingida pela

sociedade, a partir da ordem jurídica estabelecida.

A justiça social, dentro de uma abordagem constitucional do tema, é o resultado

da realização dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, devidamente

descritos no art. 3º da Constituição Federal de 1988 (construção de uma sociedade, livre, justa

e solidária; garantia do desenvolvimento nacional; erradicação da pobreza/marginalização e

redução das desigualdades sociais e regionais bem como a promoção do bem de todos, sem

preconceitos e discriminações), a partir da observância do princípio da dignidade da pessoa

humana, dos direitos fundamentais e sociais e dos postulados albergados pela ordem

econômica e financeira e a ordem social da Magna Carta (arts. 1º-III, 5º, 6º, 7º, 170 e 193 da

CF/88).

O direito de acesso à justiça é um direito fundamental completo, podendo ser

analisado sob o prisma dos direitos individuais e sociais, a fim de assegurar ao particular o

valor justiça, não apenas através do Poder Judiciário, mas também através dos outros Poderes;

dos órgãos públicos autônomos, como o Ministério Público; dos meios extrajudiciais para a

resolução de litígios, como a arbitragem e a mediação, e das relações de direito privado.

Destarte, o acesso à justiça, a ser assegurado em todos os Poderes Constituídos

e nas relações de direito privado que envolvam disputa de direitos, encontra-se positivado no

art. 5º da Constituição Federal de 1988 não apenas no inciso XXXV, que trata da

inafastabilidade do Poder Judiciário, mas também nos incisos XXXIII (direito à informação

perante os órgãos públicos); XXXIV, a (direito de petição perante os Poderes Públicos);

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LXXIV (assistência jurídica aos necessitados) e LXXVIII (direito à razoável duração do

processo no âmbito judicial e administrativo).

O Promotor de Justiça, em seu ofício diário, quando resolve demandas, no

âmbito da sua Promotoria de Justiça, deve ser considerado como um instrumento de resolução

alternativa de conflitos, na medida em que o Ministério Público pode referendar transações

celebradas pelas partes (art. 585-II do CPC e art. 57, parágrafo único, da Lei 9.099/95), além

de expedir recomendações (arts. 27, parágrafo único, IV, e 80 da Lei 8.625/93 e art. 6º, inciso

XX, da LC 75/93) e celebrar compromissos de ajustamento de conduta (art. 5º, § 6º, da Lei

7.347/85).

Pois, cabe ao Ministério Público exercer não apenas a função de “fiscal da lei”,

mas o papel de fiscal do direito e da justiça (custos juris) e de guardião da sociedade (custos

societatis).

Quando o Promotor de Justiça referenda, por exemplo, acordos de alimentos

em favor de uma criança (art. 201-VIII da Lei 8.069, de 13.07.90 – Estatuto da Criança e do

Adolescente) ou de um idoso em situação de risco (art. 74-X da Lei 10.741, de 1º.10.2003 –

Estatuto do Idoso), atua como um mediador buscando levar as partes a um acordo.

Trata-se, no entanto, de um mediador sui generis, pois a sua atuação não é

plenamente neutra e imparcial, considerando o seu papel constitucional de zelar pelos

interesses individuais indisponíveis (art. 127, caput, da CF/88) e de atuar em defesa dos

interesses de incapazes (art. 82-I do CPC).

Além disso, dispõe de instrumentos específicos para o seu mister, como os

poderes de requisição e de notificação da parte interessada; embora, em hipótese alguma,

poderá vir a forçar qualquer acordo entre as partes, sob pena de responder por prevaricação

(art. 319 do Código Penal) ou ato de improbidade administrativa (art. 11-I da Lei 8.429/92).

De outro lado, quando, em defesa dos direitos assegurados constitucionalmente

(art. 129-II da CF/88), recomendar a observância de determinadas posturas administrativas aos

gestores públicos ou celebrar com eles compromisso de ajustamento de conduta, é parte

diretamente interessada na resolução do litígio, funcionando, assim, como um negociador em

nome do interesse público ou social.

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No seu mister de mediador e negociador do interesse social, é importante que

aplique, adaptando-as à sua realidade, as regras do “Projeto de Negociação da Harvard Law

School”, definidas por Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton:

1. deverá separar as pessoas envolvidas do problema em questão, tratando-as

de forma humanizada e não de forma fria e distante. Deve o Promotor de

Justiça entender a parte interessada na mediação/negociação, antes de tudo,

como um cidadão e não tratá-lo, desde logo, como criminoso, ímprobo ou

um desajustado social;

2. buscar sempre a defesa do interesse da sociedade (interesse público

primário) ou o interesse individual indisponível da parte hipossuficiente

(criança, portador de necessidade especial, idoso em situação de risco etc.);

3. criar várias alternativas para a defesa dos interesses sociais (difusos,

coletivos e individuais homogêneos com repercussão social) e individuais

indisponíveis em questão, possibilitando um acordo que deixe todos os

lados envolvidos satisfeitos;

4. não ceder a pressões e atuar em benefício de princípios, sobretudo aqueles

que norteiam o agir da Administração Pública: Legalidade, Impessoalidade,

Moralidade, Publicidade e Eficiência (art. 37, caput, da Constituição

Federal).

O atendimento ao público pelo membro do Ministério Público encontra

fundamento constitucional, no ordenamento jurídico brasileiro, nos arts. 5º, incisos XXXIII e

XXXIV, a (direito de informação e de petição perante os órgãos e poderes públicos) e no art.

129-II (função de ombudsman, isto é, ouvidor geral da população perante os órgãos do Poder

Público e os serviços de relevância pública, para exigir a observância dos direitos assegurados

constitucionalmente), todos da Magna Carta de 1988.

Na legislação infraconstitucional, o alicerce jurídico do atendimento ao povo

pelo Ministério Público está nos arts. 32-II e 43-XIII da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional

do Ministério Público, dispondo sobre normas gerais do MP nos Estados da federação

brasileira), que o colocam como dever funcional do Promotor/Procurador de Justiça.

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Há lamentável omissão sobre o atendimento ao povo no Estatuto do Ministério

Público da União (LC 75/93), no que se refere aos seus deveres (art. 236), embora tal norma

assegure a defesa dos direitos constitucionais do cidadão através do membro do MPU (arts. 11

a 16).

A função de atender ao público pelo membro do Ministério Público, em especial

o Promotor de Justiça, não é um favor, não podendo ser tratada como “perda de tempo” ou

atividade secundária pelo órgão ministerial, pois se trata de uma atribuição com matriz

constitucional, constituindo-se em um dever legal de cada membro do Ministério Público, na

seara das suas atribuições.

O atendimento ao público é um dos instrumentos do Ministério Público

resolutivo, ou seja, daquele Ministério Público que não se contenta em apenas demandar ao

Poder Judiciário, buscando, diretamente, através dos meios constitucionais e legais que dispõe,

resolver as demandas a ele propostas.

O art. 127, caput, da CF/88, prescreve ao Ministério Público a defesa dos

interesses sociais e individuais indisponíveis. Já o inciso II do art. 129, também da Constituição

Federal, assegura que os interesses difusos e coletivos serão defendidos pelo Ministério

Público através do inquérito civil ou da ação civil pública.

Nessa linha, o art. 25, inciso IV, “a”, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional

do Ministério Público) e o art. 6º, inciso VII, “c” e “d”, da Lei Complementar 75/93 (Lei

Orgânica do Ministério Público da União) autorizam o Ministério Público a instaurar inquérito

civil e a ingressar com ação civil pública para a defesa dos interesses difusos, coletivos e

individuais homogêneos, além dos interesses individuais indisponíveis.

Destarte, os interesses sociais, termo similar às expressões interesses público e

interesse geral, é uma expressão genérica, a qual, quando se refere ao Ministério Público, inclui

os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos com repercussão/relevância social,

ou seja, os chamados interesses meta ou transindividuais.

O atendimento ao público estabelece-se, então, como uma forma de trazer ao

Promotor de Justiça as demandas que envolvam interesses sociais e/ou individuais

indisponíveis, podendo este referendar acordos extrajudiciais, tomar compromissos de

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ajustamento de conduta ou oficiar às autoridades públicas, requisitando informações ou a

prestações de serviços públicos, dando, assim, uma resposta imediata à população, em vez de

demandar ao Poder Judiciário, o qual se encontra, hoje, sobrecarregado de processos, sem a

agilidade necessária por conta da ausência de recursos humanos e de uma burocracia

processual imposta e assimilada ao longo dos anos.

Deveras, o atendimento ao público pelo Promotor de Justiça deverá guardar

relação com a missão institucional do Ministério Público prevista, em resumo, no art. 127,

caput, da Constituição Federal (defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos

interesses sociais e individuais indisponíveis).

Logo, não é atribuição do Promotor de Justiça resolver problemas/pretensões

disponíveis de pessoas maiores e capazes, como a cobrança de dívidas e a divisão de terras

herdadas, quando não estiver sendo ameaçado o interesse de incapaz ou a sua manifestação de

vontade (art. 5º-VI da CF/88). O exercício de tais atividades desvirtua a função ministerial,

exercendo o Promotor de Justiça funções que seriam de um Defensor Público/Advogado ou de

um Conciliador no Juizado Especial Cível.

Destarte, o art. 585-II do CPC e o art. 57, parágrafo único, da Lei 9.099/95,

que conferem o caráter de título executivo extrajudicial aos acordos referendados pelo

Ministério Público, devem ser interpretados à luz dos interesses e objetivos definidos para o

MP na Constituição Federal.

Não se podem criar regras inflexíveis quanto ao atendimento ao público pelo

Promotor de Justiça, mas este, enquanto membro do Ministério Público, com o auxílio dos

servidores lotados na Promotoria respectiva, deverá fazer a triagem necessária, selecionando

os casos que têm relação com o seu papel institucional de defensor da sociedade e

encaminhando para os órgãos competentes aqueles que não guardarem tal relação.

A instituição constitucionalmente destinada ao atendimento dos necessitados é a

Defensoria Pública (art. 134 da CF/88). O Ministério Público é o defensor da sociedade, dos

interesses individuais indisponíveis e sociais; então, não poderá se negar a orientar quem quer

que seja, rico ou pobre, quando o pleito se referir, por exemplo, a um interesse difuso (meio

ambiente) ou a um interesse individual indisponível defendido pelo Parquet, referendando

acordo extrajudicial ou mesmo tomando termo de ajustamento de conduta.

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Demais disso, o art. 32-I da Lei 8.625/93 fala em “qualquer do povo”, não

restringindo o atendimento ao público do Parquet aos necessitados, embora estes, pela

condição social e histórico de vida, mereçam prioridade no atendimento.

As Promotorias de Justiça devem atuar coletivamente, no sentido de resolver os

problemas da sociedade local e não apenas de determinados indivíduos. Problemas individuais

e disponíveis serão resolvidos pelos Advogados dos interessados ou pela Defensoria Pública,

conforme a hipótese. E, em caso de não conseguirem transacionar, se desejarem, ingressarão

com as medidas judiciais cabíveis.

Passou-se a época em que o Ministério Público precisava ocupar todos os

espaços para justificar a sua existência. Se, no plano processual, o Ministério Público não deve

atuar em causas onde não existam interesses de incapazes ou interesse público lato sensu ou

social (interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos com repercussão social), na sua

atividade extrajudicial, também não poderá direcionar suas funções fora da sua missão de

guardião da sociedade, defendendo interesses individuais e disponíveis.

Encontra sintonia com os princípios constitucionais da Razoabilidade e da

Eficiência (arts. 5º, LIV, e 37, caput, da CF/88) a decisão do Promotor de Justiça em delimitar

o atendimento ao público, visando ao desempenho de suas outras atribuições funcionais,

fixando dias e horários para os atendimentos. Os técnicos e analistas ministeriais (servidores

das Promotorias de Justiça), nesse caso, serão de muita valia, agendando os atendimentos e

explicando à população, sob a orientação do Promotor de Justiça, as hipóteses de atuação do

Ministério Público.

Os casos urgentes, examinados pelo Promotor de Justiça, deverão ser atendidos

em qualquer momento, conforme dispõe o art. 43-XIII da Lei 8.625/93. Ademais, os

Advogados que defendam constituintes, em procedimentos administrativos e em processos

judiais de interesse do Ministério Público, deverão ser atendidos independentemente de hora

marcada, respeitada a ordem de chegada, nos termos do art. 7º-VIII da Lei 8.906/94 (Estatuto

da OAB).

É importante que sejam criadas Promotorias e Procuradorias de Justiça de

ombudsman (art. 129-II da CF/88), com a função de ministrar o primeiro atendimento, no

âmbito ministerial, à população que apresente questões relacionadas com a não observância

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dos direitos constitucionalmente assegurados pelo Poder Público (Governo do Estado,

Prefeitura e demais órgãos e entidades estaduais e municipais) e/ou pelos serviços de

relevância pública (hospitais, empresas de transporte coletivo, estabelecimentos escolares etc.).

Uma “carta de direitos do cidadão”, frente aos órgãos que integram a

Administração da Justiça no Brasil (Escritórios de Advocacia, Procuradorias da Advocacia

Pública, Defensoria Pública, Poder Judiciário e Ministério Público), assegurando-lhes o devido

atendimento e uma resposta rápida às suas reclamações/requerimentos, mostra-se como uma

excelente idéia e uma conquista que também deve ser assegurada ao cidadão brasileiro.

No Brasil, deveria ser adotado o chamado “balanço social” (bilancio sociale),

feito anualmente pela Procuradoria da República italiana (órgão de representação do Pubblico

Ministero), espécie de reflexão interna dos seus trabalhos, com fins de otimizar e melhorar a

atuação funcional, na área criminal, civil e administrativa, no ano seguinte. O balanço social,

para o MP italiano, representa também um contato direto com os cidadãos e os Advogados,

ouvindo-os a respeito da atuação do Parquet naquele ano; por isso, também são realizadas

convenções, com a participação popular e da advocacia.

Serve o balanço social para que o Ministério Público, primeiramente, conheça-

se para que, então, possa intervir nas questões de interesse social. Trata-se de uma excelente

iniciativa, que, no Brasil, poderia ser regra entre os Ministérios Públicos dos Estados e da

União, os quais, todo ano, também poderiam elaborar uma reflexão a respeito do cumprimento

da sua missão constitucional e se estão atuando de acordo com os interesses da justiça e do

cidadão.

O Ministério Público pode, de forma fundamentada e assumindo os riscos de

responsabilidade pela utilização indevida dos dados, quebrar diretamente o sigilo fiscal e o

sigilo bancário de contas públicas, sem necessitar da intervenção do Poder Judiciário, ex vi do

art. 129-VI da CF/88 (permite a requisição de informações na forma da Lei Complementar

respectiva) c/c o art. 8º, § 2º, da LC 75/93 (impossibilidade de opor a exceção do sigilo ao

MP) e os arts. 26, incisos I, “b” e “c”, e II (poder geral de requisição junto a autoridades

públicas e entidades privadas), e 80 (norma de extensão das atribuições do MP da União ao

MP dos Estados) da Lei 8.625/93.

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Pois, o inciso XII do art. 5º, da Magna Carta, não inclui o sigilo fiscal (espécie

do sigilo de dados) como cláusula de reserva ao Poder Judiciário e, se fosse interpretado

literalmente, apenas permitiria o acesso judicial ao sigilo das comunicações telefônicas, pois a

Constituição usa a expressão “salvo, no último caso”.

O que a norma constitucional ressalva é a importância da preservação do sigilo

de dados e de comunicação, em geral. A inviolabilidade destacada pela Constituição visa à

combater a utilização indevida da informação, sem respaldo em norma legal de investigação,

evitando a utilização irresponsável de dados pessoais.

Por isso é que o Ministério Público, respaldado em lei complementar posterior à

Constituição Federal (§ 2º do art. 8º da LC 75/93, aplicável ao MP dos Estados por força do

art. 80 da Lei 8.625/93), pode, sim, quebrar diretamente o sigilo de dados, ressalvada a

hipótese do sigilo telefônico, porque a Constituição expressamente reservou o seu acesso

mediante prévia ordem judicial.

Com relação ao sigilo bancário de contas privadas, o Ministério Público não

pode ter acesso direto porque a lei complementar do sigilo bancário (LC 105/2001) é posterior

à lei complementar do MPU (LC 75/93), revogando-lhe em parte, no que se refere ao poder

requisitório ministerial.

Mencione-se, ainda, quanto ao acesso às contas públicas, que o art. 31, § 3º, da

CF/88, torna públicas e acessíveis a qualquer contribuinte as contas dos Municípios, norma

aplicável aos Estados e à União, por força do Princípio da Simetria.

O art. 129-II e VI da Constituição Federal c/c o art. 201-XII do Estatuto da

Criança e do Adolescente (Lei 8.069, de 13.07.90) e o art. 74-IX do Estatuto do Idoso (Lei

10.741, de 1º.10.2003) permitem que o Ministério Público requisite a força policial e a

colaboração dos serviços de saúde, educacionais e de assistência social, públicos ou privados,

para o desempenho das suas atribuições, realizando a justiça social em determinado caso

concreto.

Evidentemente, como se trata de colaboração, no que se refere aos serviços

públicos relevantes (saúde, educação e assistência social), em caso de resistência justificada ao

não cumprimento da requisição ministerial, o Parquet, acaso não aceite a justificativa

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apresentada, terá que recorrer ao Poder Judiciário para conseguir o cumprimento da obrigação

pela entidade requisitada.

A requisição ministerial para a colaboração dos serviços públicos e de

relevância pública não se limita apenas à defesa dos interesses difusos relacionados com a

infância, a juventude e a pessoa idosa, mas também a qualquer outro interesse difuso e

coletivo, como as demandas ambientais e de saneamento básico, sendo das normas do ECA e

do Estatuto do Idoso mera confirmação de uma atribuição já prevista na Constituição Federal

(arts. 129, incisos II e VI).

Para expedir uma requisição, através de ofício, ou mesmo notificar a presença

de determinada pessoa na Promotoria de Justiça, não é necessário que exista, previamente,

procedimento instaurado, pois o art. 129-VI da Constituição Federal não utiliza o termo

“exclusivamente” quanto ao exercício do poder requisitório e notificatório do Ministério

Público. Também o art. 26-I, alíneas a e b, da Lei 8.625/93, não deve ser interpretado de

forma restrita, até porque, em momento algum, tais normas exigem, para o exercício do poder

requisitório, que a instauração de inquérito civil ou procedimento administrativo deva ser

prévia à requisição de informações.

Afinal, o art. 27, parágrafo único, inciso I, da Lei 8.625/93, informa que cabe ao

Ministério Público receber notícias de irregularidade, petições ou reclamações de qualquer

natureza e, ato contínuo, promover as apurações cabíveis e lhes dar as soluções adequadas,

sem qualquer menção a procedimento investigativo previamente instaurado.

Assim, no atendimento à população, como forma de controle interno, para se

evitar o extravio e facilitar o manuseio, qualquer documento que chegue ao Ministério Público,

a título de denúncia ou representação contra terceiros, deve ser imediatamente autuado como

peça de informação, com numeração própria, mas sem que se fale em instauração de IC

(inquérito civil) ou procedimento de investigação preliminar, o que poderá ocorrer após a

análise da documentação pelo Promotor de Justiça.

Além disso, quando se tratar de pessoas que procurem diretamente o Ministério

Público, para, verbalmente, apresentarem uma representação ou um pedido de providências, é

necessário que sejam preenchidas “fichas de atendimento ao público”, com os nomes e os

endereços das partes envolvidas, além do histórico e da descrição do problema, as quais serão

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autuadas em pasta própria, numeradas e apresentadas ao Promotor de Justiça no momento em

que estiver atendendo as partes em seu gabinete.

A recomendação é um ato jurídico de advertência do Ministério Público à

entidade ou pessoa fiscalizada; não possui caráter vinculativo, mas serve de alerta, no sentido

de que, se não forem adotadas as posturas e as condutas cabíveis, poderá ser ajuizada uma

ação civil pública com pedido de obrigação, sem prejuízo das ações penais e de improbidade

pertinentes, conforme o caso. Vale por sua força moral e política.

Devem ser evitadas recomendações expedidas sem qualquer contato prévio com

a Administração Pública, sendo apenas, de forma fria e distante, impresso o documento e

entregue ao gestor público, sem qualquer contato prévio, fato que, certamente, poderá resultar

em sua inobservância.

O termo de compromisso não possui natureza contratual, funcionando como

garantia de cumprimento da obrigação pelo compromissário perante o Ministério Público.

É possível a celebração de compromisso de ajustamento de conduta para cessar

atos de improbidade administrativa, sem prejuízo da ação pertinente, nos termos da Lei

8.429/92, com relação aos fatos pretéritos, anteriores ao TAC celebrado. Através de

compromisso de ajustamento, inclusive, seria possível fixar a forma de ressarcimento ao Erário

do gestor público ímprobo, desde que observados todos os critérios legais e judiciais para a

correção monetária e a cobrança de juros, também sem prejuízo de ação de improbidade para

aplicação das outras sanções previstas no art. 12 da Lei 8.429/92.

Não basta a publicação do termo de ajustamento de conduta ou da

recomendação no diário oficial: é necessário todo um trabalho de autuação dos documentos

em pastas próprias, para acompanhamento dos prazos e das justificativas apresentadas, pela

autoridade ou parte interessada, pelo seu não cumprimento. Também são necessários os

devidos registros em livro ou em sistema de informática próprio, a fim de permitir um

acompanhamento contínuo pela Promotoria de Justiça, independentemente do membro que lá

esteja em exercício, em homenagem ao Princípio da Unidade, que orienta a atuação do

Ministério Público (art. 127, § 1º, da CF/88).

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Buscando-se a efetividade das ações ministeriais e não apenas o impacto da

divulgação da medida adotada, em relação à melhor utilização de TAC ou recomendação pelo

Ministério Público, o melhor procedimento é a instauração de um inquérito civil ou de um

procedimento preliminar de investigação e, dentro dos seus autos, convidar a autoridade para

celebrar um compromisso de ajustamento, instrumento jurídico de maior poder normativo, pois

permite ao Promotor de Justiça exigir do compromissário as obrigações assumidas, sob pena,

inclusive, em último caso, através da execução judicial da obrigação firmada e da multa

imposta por descumprimento (eficácia de título executivo extrajudicial).

Acaso o representante da edilidade negue-se a celebrar o TAC, seria o caso,

como medida preliminar e preventiva, de se expedir uma recomendação. Se o Poder

Público/entidade fiscalizada não observar a orientação nela contida, através de um prazo

estipulado pelo Ministério Público, ingressar-se-ia com a pertinente ação civil pública.

Atinente ao termo de ajustamento de conduta, é necessário, ainda, criticar a sua

nomenclatura, pois a expressão “ajustamento de conduta” apresenta-se como excessivamente

inquisitória, acusatória e impositiva, sendo, mais atualizada, a expressão “termo de

compromisso”, a qual mais se aproxima da natureza conciliatória e preventiva da atuação

extrajudicial do Ministério Público, visando à solução dos conflitos que lhe são colocados sem

a intervenção do Poder Judiciário, assegurando, desde logo, a realização da justiça social.

O que se defende, neste trabalho, é a existência de mais um canal de acesso à

justiça, mais um instrumento de apoio à sociedade civil, sem qualquer pretensão messiânica.

Inclusive, na sua atuação extrajudicial e no seu atendimento ao público, o Promotor de Justiça

tem o dever de conscientizar as partes dos seus direitos e da possibilidade de defendê-los

diretamente, através da organização em associações civis.

Para ser uma forma segura de acesso à justiça, o Ministério Público deve ser

independente, seja do Poder Público, seja do movimento social, seja de partidos políticos,

atuando sempre em defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, sem qualquer

conotação ideológica ou político-partidária.

Não se advoga aqui que as discussões políticas da sociedade sejam deslocadas

do Poder Executivo ou do Legislativo, cujos representantes foram, legitimamente, eleitos pelo

Povo, na qualidade de seus delegatários (art. 1º, parágrafo único, da CF/88).

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Lembre-se, porém, que foi a própria Constituição Federal de 1988, outorgada

por representantes eleitos democraticamente para tanto, quem colocou o Ministério Público

como ombudsman perante os Poderes Públicos e os serviços de relevância pública, através da

defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis (arts. 127, caput, e 129-II).

Portanto, que não se negue ao Parquet a sua vocação natural, ou seja,

caminhar, não na frente, mas ao lado da sociedade civil, na luta pelo respeito e pela defesa dos

seus direitos frente aos Poderes Públicos e aos serviços de relevância pública.

Como então, fazer essa defesa sem a “judicialização” ou a discussão, no âmbito

das Promotorias de Justiça, de temas políticos que não estão sendo discutidos e postos em

prática nas instâncias devidas?

Por conseguinte, a judicialização da política ou a discussão de temas políticos,

através de uma atividade extrajudicial mediatória e negocial em nome do interesse social, por

meio do Ministério Público, a partir do seu atendimento ao público, deve ser vista como

subsidiária e complementar, mas também como uma forma de estimular o Poder Executivo e o

Poder Legislativo às discussões e à prática de ações em benefício de temas políticos relevantes

para a sociedade.

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APÊNDICE

QUESTIONÁRIO SOBRE O ATENDIMENTO AO PÚBLICO NO MINISTÉRIO

PÚBLICO DE PERNAMBUCO

1. Qual a importância do atendimento ao público no exercício da

função ministerial?

a. nenhuma;

b. relativa;

c. muita importância;

d. não tenho condições de responder.

2. O atendimento ao público deve ser considerado um dever

funcional do Membro do Ministério Público?

a. não;

b. talvez;

c. sim;

d. não tenho condições de responder.

3. O Promotor de Justiça pode fixar dias para o atendimento ao

público?

a. não, o atendimento deve ser diário;

b. sim, mas o Promotor de Justiça só deve atender apenas a

casos urgentes;

c. sim, pode fixar dias para os atendimentos ordinários e atender

em qualquer dia os casos urgentes que surgirem;

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d. não tenho condições de responder.

4. Quais as espécies de demandas que devem ser atendidas pelo

Promotor de Justiça em seu atendimento ao público?

a. qualquer demanda, mesmo que diga respeito a interesse

patrimonial e disponível;

b. apenas as demandas que tenham relação com a missão

constitucional do MP (defesa dos interesses difusos, coletivos

e individuais homogêneos e/ou indisponíveis);

c. apenas demandas apresentadas por pessoas carentes e/ou

hipossuficientes (idoso em situação de risco,

criança/adolescente, portadores de necessidade especial),

sejam tais demandas disponíveis ou não;

d. não tenho condições de responder.

5. O Promotor de Justiça pode realizar a justiça social através do

atendimento ao público?

a. sim, utilizando os seus instrumentos extrajudiciais (termo de

compromisso, recomendação, audiência pública, ofício

requisitório etc.);

b. não, o acesso ao valor justiça apenas pode ocorrer através do

Poder Judiciário, em razão do art. 5º-XXXV da CF/88;

c. não, pois o atendimento ao público não pode ser considerado

um dever funcional do membro do MP;

d. Não tenho condições de responder.