universidade federal de pelotas - usj.edu.br · o caderno de desenho, sempre presente na lista de...
TRANSCRIPT
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – USJ
CURSO DE PEDAGOGIA
ALICE OTILIA ROSA
PARA ALÉM DE LETRAS E NÚMEROS
CONTRIBUIÇÕES DO DESENHO PARA A CONSCIÊNCIA ESTÉTICA
NOS ANOS INICIAIS
São José
2015
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ
FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ
CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – USJ
CURSO DE PEDAGOGIA
ALICE OTILIA ROSA
PARA ALÉM DE LETRAS E NÚMEROS
CONTRIBUIÇÕES DO DESENHO PARA A CONSCIÊNCIA ESTÉTICA
NOS ANOS INICIAIS
Pesquisa apresentada à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC II), como requisito parcial para o curso de graduação em Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José. Semestre Letivo: 2015-2
Orientadora: Profª. Msc.Rosane Nienchoter
São José
2015
ALICE OTILIA ROSA
Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito parcial para obtenção do grau de licenciatura em Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José-USJ avaliado pela seguinte banca examinadora:
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________ Prof.ª. Msc. Rosane Nienchoter
Orientadora-USJ
______________________________________________________________
Profº. Msc. Odimar Lorenset Examinador-USJ
______________________________________________________________
Profª. Msc. Rosicler Schafaschek
Examinadora-USJ
São José, 07 de dezembro de 2015.
Dedico este trabalho aos meus pais Valdemiro e Lúcia que foram essenciais neste processo.
AGRADECIMENTOS Primeiramente quero agradecer a Deus por me possibilitar esta vida com tantas
conquistas e saúde. Obrigada Senhor por estar ao meu lado, sempre me
encorajando a caminhar e a nunca desistir.
Aos meus pais, em especial a minha mãe Lúcia suporte maior da minha vida, que
ilumina meu caminhar, dá sentido e significado a todas as minhas buscas. Que me
incentivou a todo instante, me encorajando com palavras sábias e acolhedoras.
Você é exemplo de força, coragem e faz parte do meu ser.
Não poderia nesse momento deixar de destacar a minha orientadora Rosane
Nienchoter, que surgiu no momento certo e que foi essencialmente importante nesta
construção, que acreditou em mim e me incentivou em todas as minhas ideias. Pela
acolhida afetiva nos caminhos da busca e objetividades reveladas em todo fazer da
pesquisa na parceria construída, na cumplicidade do “querer” e na força do “dizer”,
por seus ensinamentos que ficarão para toda a vida, pela paciência nos meus
momentos de angústia, pela amizade e que não mediu esforços para tornar este
momento possível.
Ao professor Odimar Lorenset, exemplo de dedicação, disciplina e seriedade nos
encaminhamentos acadêmicos. Fonte de desprendimento e sabedoria, nas
infindáveis sugestões, nos conselhos e explicações revelados por doces e tranquilas
palavras. Mestre na informalidade dos momentos, na essência das entrelinhas,
estímulo constante e seguro. Que se fez presente ao final de minha caminhada
acadêmica, contribuindo para fortalecer ainda mais, minha certeza de que estou no
caminho certo e na profissão tão desejada.
À professora Rosicler por me incentivar neste tema, com o qual também se
identificou me incentivando á todo momento, contribuindo e compartilhando
experiências.
Pra finalizar, agradeço a todas as pessoas que contribuíram de alguma forma para a
realização desse estudo, cujo apoio foi essencial para que esse trabalho se tornasse
uma realidade.
Quando, na experiência estética, meus sentimentos entram em consonância (ou são despertados) por aqueles concretizados na obra, minha atenção se focaliza naquilo que sinto. A lógica da linguagem é suspensa e eu vivo meus sentimentos, sem tentar traduzi-los em palavras (DUARTE JR., 2012).
Obra de Yuri Ferrari Martins, 7anos
RESUMO O objetivo principal desta pesquisa é problematizar as contribuições do desenho para a consciência estética nos Anos Iniciais, uma vez que na fase escolar a criança deveria ter a oportunidade de desenvolver seu conhecimento também por meio da expressão de seus sentimentos e experiências vividas, integrando razão e imaginação. Em termos específicos pretende-se: compreender o lugar do desenho enquanto experiência estética em sala de aula; refletir sobre as contribuições do desenhar no processo de alfabetização/letramento; pensar a arte-educação como perspectiva no percurso formativo de alunos/as e professores/as. Para tanto, utilizamos como percurso metodológico a pesquisa de base qualitativa. Além do aporte teórico esta pesquisa tem sua centralidade na observação da produção de desenhos elaborados por crianças dos 1º e 2º Anos em situação didática específica em sala aula. O desenho enquanto manifestação da arte ou como um tipo de linguagem artística mistura-se ao processo de alfabetização/letramento, colaborando na forma como a criança estabelece sua comunicação em espaços e cenários diversos. Faz-se necessário pensar uma educação em sala de aula para além de letras e números em que experiências estéticas diversas possam se manifestar onde o desenho possa encontrar o seu lugar. Palavras – Chave: Desenho. Alfabetização. Letramento. Anos Iniciais.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 9
2. DESENHO, ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO.........................................15
2.1. O DESENHO E A CRIANÇA........................................................................16
2.2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO............................................................18
3. ARTE-EDUCAÇÃO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL?.........................................21
3.1 PARA ALÉM DE LETRAS E NÚMEROS: O LUGAR DO DESENHO NA
SALA DE AULA..................................................................................................22
3.2 CONTRIBUIÇÕES DO DESENHO PARA A FORMAÇÃO ESTÉTICA NOS
ANOS INICAIS...................................................................................................34
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................40
5. REFERÊNCIAS.............................................................................................44
9
1 INTRODUÇÃO
Para Lowernfeld (1970 p.16), “[...] o ato de desenhar envolve a atividade
criadora; é por meio de atividades criadoras que a criança desenvolve sua própria
liberdade e iniciativa”. Durante minha infância na escola, recordo que o ato de
desenhar nem sempre se fazia presente. Números, letras e palavras compunham o
cenário para a aprendizagem, normalmente mediados por muita cópia.
O uso de cartilhas e caderno de caligrafia era recorrente e, sem dúvida, os
principais recursos didáticos utilizados para cumprir os objetivos da aprendizagem.
Naquele contexto, não recordo uma preocupação com outro tipo de linguagem além
da escrita. No decorrer do ciclo de alfabetização Dona Aparecida, minha primeira
professora e regente da classe, sempre solicitava minha colaboração durante suas
aulas, seja para ajudar os demais alunos/as ou que realizasse a leitura de textos e
escrita de conteúdos no quadro.
O desenho neste cenário restringia-se a determinados tipos de atividades,
dentre elas, algumas relacionadas a cópias para datas comemorativas. Algo
elaborado de fato por minhas mãos era pouco vivenciado, apenas rabiscos nos
cadernos, ou momentos raros em que nos expressávamos na elaboração de
cartazes em cartolinas (desenho livre).
O caderno de desenho, sempre presente na lista de materiais, era pouco
utilizado e, talvez por conta disso, recordo não ser uma criança muito interessada na
criação/elaboração de atividades voltadas à linguagem artística, dentre elas o
desenho. Gostava mesmo era de escrever, fazer cópias diversas da lousa mediada
por um currículo que, naquele momento, contexto e espaço, privilegiava mais a
linguagem escrita.
Nas palavras de Ferreiro (1985); A criança, neste processo, formula por si mesma, algumas normas ou regras sobre o sistema de escrita, ao mesmo tempo em que também constrói um código de sinais. Quanto maior for a sua inteiração com os modelos convencionais de escrita, maior será também a influência destes modelos em seu processo de construção do conhecimento.
Muitas vezes retirava as folhas já escritas em meu caderno e as copiava
novamente. Escrever fazia minha alegria e este movimento de repetição da escrita
10
possivelmente contribuiu muito para a estética do desenho de minha caligrafia.
Havia uma preocupação com a aprendizagem, no entanto, a sala de aula
não era um espaço no qual se estimulava a prática de desenhar, criar. Na maioria
das vezes os desenhos já eram entregues prontos/mimeografados. As crianças
quando passam a ter oportunidades, estímulos e motivação para vivenciar novas
experiências e descobertas, evoluem no processo da aprendizagem (FERREIRO,
1992).
Naquele contexto não éramos nem mesmo contemplados com um/a
professor/a específico para o componente curricular de Artes. Desse modo, o
desenvolvimento do princípio estético cabia tão somente à professora regente.
Nesta direção afirma Girardello et al (2012, p. 160):
Uma escola que valoriza a arte como experiência e como conhecimento precisa de professores que compreendam o papel da imaginação nos processos formativos das crianças. Por isso, lembramos que a formação do(a) professor(a) precisa ser uma formação sensível, uma formação para o desenvolvimento estético, que explore aspectos perceptivos, especialmente nas artes visuais, na literatura, no teatro, na música, na dança.
Uma lembrança minha infância em relação à expressão por meio do
desenho foi ainda no Ensino Primário. Lembro-me que após a leitura de uma história
do livro didático que usávamos, a professora solicitou a elaboração de um desenho
sobre o que havíamos acabado de ouvir. Essa de fato foi a primeira experiência que
tive, fazendo meu próprio desenho.
Naquele momento, foi uma sensação inexplicável porque até então achava
que não sabia me expressar por meio de um desenho mais elaborado, com formas e
detalhes. Quando terminei percebi que havia ficado muito parecido com o desenho
proposto na história e então não queria entregá-lo à professora. Sem dúvida, este
momento proporcionou e despertou em minha infância o gosto pela arte, pelo
desenho, pelas cores, texturas, formas. Além de desenhar a escrita, procurava agora
representar os desenhos, imagens e figuras que via nos livros.
Posteriormente, durante os anos seguintes no Ensino Fundamental e
mesmo no Médio no curso de Magistério, o contato com a arte, com o desenhar era
pouco explorada, restringindo-se a elaboração de trabalhos manuais; a arte neste
contexto ou uma consciência estética parecia não ter grande importância. No dizer
de Girardello et al (2012, p. 161):
11
O fazer artístico, a experiência artística, propicia à pessoa um trabalho completo, envolvendo o intelecto, os sentidos, a emoção e os conhecimentos adquiridos – os sedimentados e os mutáveis. Uma educação pautada nas artes propicia o desenvolvimento do pensamento artístico e da percepção estética, que caracterizam um modo próprio de ordenar e dar sentido à experiência humana.
Durante minha trajetória como professora, observei que o ato de desenhar
não fazia parte do cotidiano das crianças em sala de aula e ao serem questionadas
sobre seu uso respondiam: “eu não sei, eu não consigo fazer desenho”. As crianças
não necessariamente expressam conceitos nos seus desenhos, mas aquilo que
sentem, pensam. No dizer de Duarte Jr. (2012, p. 46), “o artista não diz (um
significado conceitual), o artista mostra (os sentimentos, através de formas
harmônicas). O artista procura concretizar, nas formas, aquilo que é inefável,
inexprimível pela linguagem conceitual”.
Ao desenhar, a criança apropria-se de novos conhecimentos e saberes
sociais, histórico/culturais. Isso ocorre, pois, por meio do desenho, podem expressar
ou apreender suas concepções de mundo. Ressalta-se, no entanto, a concepção de
Duarte Jr (2012, 45) quando afirma: “arte não é linguagem: pois suas formas não
podem ser consideradas símbolos, como são as palavras. A palavra é um símbolo
convencionado para significar um conceito”.
No processo de transição entre a Educação Infantil e 1º Ano Ensino
Fundamental, especialmente, muitas crianças apresentam dificuldades de
aprendizagem relacionadas à escrita. Letras e números, ainda que possam ser
desenhados, não assumem necessariamente esta conotação na sala de aula. Ou
seja, a expressão começa a dar a lugar a comunicação.
Na Educação Infantil as crianças produzem atividades significativas de
interação relacionadas ao “desenhar”, privilegiando uma rica experiência estética. A
arte, neste caso, e no dizer de Duarte Jr (2012, p.47) “[...] não está regida por regras
e convenções rígidas, explicitamente formuladas, como a linguagem”.
Ao avançarem para os Anos Iniciais é como se tivessem que traduzir,
substituir, comunicar todos os seus sentimentos, expressões, desenhos, somente
por meio de conceitos lingüísticos. Nessa direção afirma Girardello (2012, p. 161),
“[...] a articulação das artes no sentido de um desenvolvimento estético dos
professores e das crianças pode favorecer o desenvolvimento da sensibilidade,
permitindo leituras transversais de mundo”. Ao pensar a aprendizagem considerando
as experiências estéticas, dentre as quais o desenho, talvez seja possível
12
problematizar uma educação dos sentidos, que não precisa necessariamente ser
traduzida a todo momento por palavras.
Segundo Piaget (1978), no final do primeiro ano de vida da criança, que
compreende o estágio sensório-motor, esta é capaz de organizar ritmos satisfatórios
e produzir seus primeiros traços gráficos, pois, o desenvolvimento do desenho
sugere mudanças significativas dos rabiscos iniciais da garatuja para elaborações
cada vez mais ordenadas, fazendo surgir os primeiros símbolos.
De acordo com o mesmo autor, a função semiótica é a capacidade que a
criança tem de representar objetos ou situações que estão fora do seu campo visual
por meio de imagens mentais, de desenhos, da linguagem. Nessa função a criança
passa a desenvolver no estágio pré-operatório, que abrange a faixa etária de dois a
sete anos, onde, a criança já começa a representar, buscando interagir com o
mundo que a cerca, desenvolvendo a função simbólica, entendida como ato de
representação.
Sendo assim, entende-se que “a representação é requisito básico para as
operações mentais das crianças, desde seu nascimento e principalmente no
decorrer do seu desenvolvimento psicológico”.
Para PILLAR (1996, p.26);
o que constitui a função semiótica e o que a faz ultrapassar a atividade sensório-motora é a capacidade de representar um objeto ausente, por meio de símbolos ou signos, o que implica poder diferenciar e coordenar os significantes e os significados ao mesmo tempo.
Desse modo, a função semiótica consiste na representação de um
“significado” para o mundo que a rodeia. A cada representação que a criança faz, o
desenho passa a ser uma necessidade. Esta talvez seja uma forma possível de sua
adaptação ao processo de alfabetização e apreensão do código escrito.
O desenho então, longe de ser apenas caracterizado como um recurso
didático ou uma atividade “passa tempo” torna-se um mediador muito importante no
desenvolvimento da aprendizagem, devendo ser explorado pelos professores/as em
sala de aula na sua diversidade de formas.
Associado ao modo como a criança se expressa, comunica suas idéias, o
desenho pode desempenhar um papel importante no processo de
alfabetização/letramento. Nesse sentido, lanço-me ao desafio de responder para
esta pesquisa a seguinte questão: Por que a escola trata o desenho como uma
13
atividade para passar o tempo?
O objetivo principal desta pesquisa, por isso, é problematizar as
contribuições do desenho para a consciência estética nos Anos Iniciais, uma vez que
na fase escolar a criança deveria ter a oportunidade de desenvolver seu
conhecimento também por meio da expressão de seus sentimentos e experiências
vividas, integrando razão e imaginação.
Em termos específicos pretende-se: compreender o lugar do desenho
enquanto experiência estética em sala de aula; refletir sobre as contribuições do
desenhar no processo de alfabetização/letramento; pensar a arte-educação como
perspectiva no percurso formativo de alunos/as e professores/as.
Os procedimentos metodológicos para este estudo podem ser definidos com
base em Silva e Silveira (2007, p.145), que determinam como sendo o “[...] conjunto
de critérios e métodos utilizados para se construir um saber seguro e válido”.
A abordagem utilizada para a presente pesquisa é qualitativa de natureza
básica com o objetivo de explorar e descrever um fenômeno dentro de um contexto
observado e interpretado pelo pesquisador (SILVA, KARKOTLI, 2011). Este estudo
se caracteriza também como sendo um estudo de caso desenvolvido por meio de
uma pesquisa de campo, bibliográfica e documental.
A pesquisa de campo se apóia na observação e na experiência do
pesquisador, portanto, realizada no local e no fenômeno observado (VERGARA,
2011).
A pesquisa bibliográfica é de acordo com Vergana (2011, p.43), um estudo
realizado com base: livros, redes eletrônicas e vídeos, sendo acessíveis ao público.
Uma etapa deste trabalho de pesquisa foi realizada em campo, ou seja, em
duas salas de aulas distintas, situadas em uma escola da rede pública estadual no
município de São José com alunos/as dos Anos Iniciais (1º e 2º Anos). As classes
eram compostas em média por 15 crianças entre 6 e 7 anos de idade.
Ressalta-se ainda que, além dos dados coletados junto às crianças, a
atuação e falas da Professora Regente e Professora de Artes, bem como a própria
instituição/escola foram consideradas parte da amostra e da população para a coleta
dos dados que compuseram esta pesquisa.
Como instrumentos para a coleta dos dados foram utilizados o levantamento
bibliográfico que objetivou explorar o fenômeno pesquisado, dando assim
embasamento teórico para este estudo, a fim de possibilitar uma maior
14
compreensão do tema pesquisado. Neste sentido, o levantamento bibliográfico pode
ser constituído segundo Santos (2004, p.29 apud SILVA, SILVEIRA, 2007, p. 155)
como sendo um “[…] conjunto de materiais escritos/gravados, mecânica ou
eletronicamente, que contém informações já elaboradas/publicadas por outros
autores".
Além do aporte teórico esta pesquisa tem sua centralidade na observação da
produção de desenhos elaborados por crianças dos 1º e 2º Anos em situação
didática específica em sala aula. Ou seja, buscou-se aqui compreender de que
maneira as professoras/as se utilizavam de experiências estéticas na relação
desenho/alfabetização/aprendizagem/consciência estética.
Para esta pesquisa compreende-se consciência estética o conceito proposto
por Duarte Jr (2012, p. 74), contextualizado à arte-educação quando afirma:
Consciência estética significa muito mais do que a simples apreciação da arte. Ela compreende justamente uma atitude mais harmoniosa e equilibrada perante o mundo, em que os sentimentos, a imaginação e a razão se integram; em que os sentidos e os valores dados à vida são assumidos no agir cotidiano. Deve recair sobre o processo de criação e não somente à produção de boas obras de arte.
A partir deste entendimento, buscou-se então balizar e observar as propostas
pedagógicas relativas ao uso do desenho em sala de aula para as classes de 1º e 2º
Anos. A fim de investigar como sentiam, relacionavam, expressavam e comunicavam
o desenho enquanto experiência de aprendizagem, as crianças participantes desta
pesquisa foram questionadas sobre: o gostavam de desenhar? Por que gostavam de
desenhar? Que sentimentos o desenho lhes trazia?
Neste sentido, a presente pesquisa foi estruturada da seguinte forma:
A Introdução, no qual se apresenta o problema de pesquisa e sua delimitação,
a escolha teórica, justificativa, motivação e a importância dos estudos voltados às
contribuições do desenho na prática pedagógica.
O segundo capítulo traz reflexões sobre a alfabetização/letramento para além
de letras e números corroborando a importância do desenhar desta direção.
No terceiro e último capítulo, sugere um possível diálogo entre a arte e a
educação (arte-educação), problematizando as contribuições do desenho para a
formação estética de alunos/as nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Ao final, apresentam-se as considerações em uma perspectiva de reflexão
sobre os desdobramentos da pesquisa a partir dos resultados alcançados.
15
2 DESENHO, ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Historicamente o desenho é uma forma de expressão e comunicação que
acompanha homens e mulheres desde os primórdios de muitas civilizações.
Registros datados da pré-história identificaram gravados, por meio de desenhos, os
hábitos e as experiências dos primitivos “homens das cavernas”. Possivelmente, por
meio das pinturas rupestres descobriram uma forma de se expressar e de se
comunicar antes mesmo que surgisse uma linguagem verbal. Acredita-se que nesta
época o desenho expressava também aspectos da religiosidade e não se constituía
de uma manifestação artística ou individual como o conhecemos.
Ao longo do tempo o desenho passou a ser usado de diferentes formas,
sendo visto como um pioneiro da linguagem escrita, da fotografia, do cinema e das
representações cartográficas. O desenho, nas suas mais variadas formas, portanto,
acompanha o homem durante toda a sua trajetória fazendo parte de sua história e,
ainda hoje, é capaz de surpreender e encantar a todos aqueles que se permitam
uma breve contemplação.
Como forma de comunicação e expressão, talvez seja possível intuir que o
desenho foi certamente um facilitador no desenvolvimento da linguagem falada e
escrita, o que não nos autoriza, no entanto a dizer, que o homem tenha aprendido a
desenhar antes de falar. Quando observamos o desenvolvimento das crianças, por
exemplo, percebemos que o ato de desenhar também acompanha suas trajetórias
desde muito pequenas, promovendo um diálogo importantíssimo nas suas
experiências com o cotidiano, intensificando-se na idade escolar na relação com
mediadores sociais diversos.
Neste sentido, o desenho enquanto manifestação da arte ou como um tipo de
linguagem mistura-se ao processo de alfabetização e letramento, colaborando na
forma como a criança estabelece sua comunicação em espaços e cenários diversos.
Este capítulo, portanto, tem como objetivo contextualizar esta relação: desenho,
alfabetização e letramento, procurando compreender de que forma este diálogo
pode colaborar com a aprendizagem e o desenvolvimento de crianças na escola,
mais especificamente nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
16
2.1 O DESENHO E A CRIANÇA
Para Derdyk (1994), o desenho é uma forma de criar explicações, hipóteses
e teorias para a compreensão da realidade, um meio utilizado pela criança para
reinventar o mundo, desenvolvendo sua capacidade intelectiva e projetiva ao
expressar-se graficamente.
A autora também conceitua o desenho como uma atividade lúdica, cujo
aspecto operacional (funcionamento físico, temporal, espacial, as regras) se une ao
imaginário (projetar, pensar, idealizar situações). A produção de figurações no
desenho “[...] envolve a capacidade de associar, relacionar, combinar, identificar,
sintetizar, nomear” (DERDYK, 1994, p. 68). A percepção, a sensibilidade e a
memória possibilitam a troca entre o universo interior e o exterior da criança,
gerando um ato criativo.
A criança, inicialmente, vê o desenho como uma ação sobre uma superfície,
sentindo prazer em “rabiscar”, explorar e descobrir cores, formas, relevos. Essa é a
chamada fase da garatuja. Com as novas experiências de mundo que adquire, as
garatujas vão evoluindo, ganhando formas definidas com maior ordenação. O papel
não é mais apenas uma superfície para os rabiscos infantis. Ele passa a ser uma
superfície na qual expressará o que vive diariamente, ou seja, expressará a alegria,
a tristeza, os passeios que mais interessaram e os conflitos vividos. Neste sentido
afirma Cunha (1999, p. 18);
[...] a criança desde bebê mantém contato com as cores visando explorar os sentidos e a curiosidade dos bebês em relação ao mundo físico, tendo em vista que, nesse período, descobrem o mundo através do conhecimento do seu próprio corpo e dos objetos com que eles têm possibilidade de interagir.
Desenhar, além de ser algo prazeroso para a criança, é extremamente
importante no cotidiano escolar. De acordo com o Referencial Curricular Nacional de
Educação Infantil (1998, p. 106):
Por meio de diferentes gestos em um plano vertical (ou pelo menos inclinado), a criança aprende a segurar corretamente o giz e o lápis. Para que a criança adquira um traço regular, precisará trabalhar com certa rapidez, sobre uma grande superfície colocada a sua altura. A criança que não domina bem seu gesto será solicitada a trabalhar, sobretudo, com o ombro e o cotovelo: fará então desenhos grandes. Somente mais tarde, quando os movimentos altura do ombro e do cotovelo tornarem-se
17
desenvolvidos, faremos diminuir as proporções dos desenhos, exigindo assim da criança um trabalho mais específico do punho e dos dedos.
Ao desenhar a criança realiza e coloca em prática o seu modo de ver, de
pensar, de fazer e dá sentido aos domínios perceptivo, cognitivo, afetivo e motor.
Assim, apropria-se de novos conhecimentos e saberes sociais, histórico/culturais.
Isso ocorre, pois, por meio do desenhar revelam seus conceitos e valores na
mudança do invisível em visível, aprendem a se comunicar melhor com o outro e
expressam suas concepções de mundo. Ao encontro desta ideia, afirma Munari
(1987, p. 32):
Muita gente pensa que as crianças têm uma grande fantasia porque vê nos seus desenhos ou ouve no que elas dizem coisas fora da realidade. Ou então acredita na grande fantasia das crianças porque eles, os adultos, estão de tal modo, condicionados e bloqueados que nunca poderão pensar em coisas semelhantes.
Para Luquet (1979), a criança não reproduz uma cópia dos objetos em seus
desenhos, mas os realiza de acordo com o modelo interno que possui deles, isto é,
pelas suas construções mentais em relação à experiência que tem com os objetos,
reconstruindo-os originalmente. Ou seja, não realiza cópias, mas se apropria de
modelos, assimilando-os e integrando-os às suas produções de forma original.
Após se apropriar das informações relacionadas ao objeto, a criança o
reconstrói no plano da representação, da simbolização, do pensamento. A
representação “[...] é uma condição básica para o pensamento existir, ou seja, não
há pensamento, como a capacidade de evocar e articular ações interiorizadas, sem
representação” (PILLAR, 1996, p.28).
À medida que a criança é envolvida com o desenhar, aprimora seu
cognitivo, já que ela, primeiro, representa o que vê para depois representar o que
está gravado na memória, ou seja, ela aprende a sair do plano palpável para o plano
abstrato. O que ajudará muito na iniciação matemática, trabalhadas de forma tátil
para depois ser retratadas de forma abstrata.
Dessa forma, o desenho passa a ter uma significação muito mais ampla na
alfabetização e, assim, merece ser tratado como mais que simples rabiscos, sendo
valorizado como um mediador importante no desenvolvimento da criança.
Sabemos que o ato de desenhar faz parte da vida de qualquer criança, pois
o desenho manifesta o desejo de representar, mas também, ele é, antes de qualquer
18
coisa, é alegria, é curiosidade, é afirmação, é negação, enfim, ao desenhar, a
criança passa por um longo processo vivencial e existencial (DERDYK, 1993, p.51).
Com base nesta reflexão o desenho revela muito daquele que o produziu e
que este se modifica a cada vontade de representar da criança. Assim, ela desenha
para falar de si, dos outros, das suas brincadeiras, dos seus gostos, de seus medos,
para compartilhar as suas descobertas e as suas vivências. Para Derdyk (1989,
p.50):
A criança desenha, entre outras tantas coisas, para se divertir. Um jogo que não exige companheiros, onde a criança é dona de suas próprias regras. Nesse jogo solitário, ela vai aprender a estar só, "aprender a só ser". O desenho é o palco de suas encenações, a construção do seu universo particular.
O desenho enquanto uma forma de linguagem torna-se uma importante
atividade no processo de alfabetização/letramento, colaborando dentre outros
aspectos na coordenação motora, visão, movimentos das mãos, organização do
pensamento e construção das noções espaciais.
Podemos dizer que o desenho insere-se entre as mais importantes formas
de expressão na infância, porque precede a comunicação escrita e oral. É uma ação
que tem por intuito a representação, não sendo um fazer imediato, muito pelo
contrário, o desenho é um processo que envolve todas as potencialidades do
desenhista/autor/artista: cognitivas, físicas, emocionais.
2.2 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
Nas suas mais diversas formas e trejeitos, o desenho é permeado de
significados; são manifestações da atividade mental da criança, revelando por ora
sua cultura e seu desenvolvimento intelectual, por isso não lhe deve ser atribuído
somente a função de “atividade passatempo” ou de apenas mais um recurso didático
para as interpretações de texto. Como experiência estética, além de divertir, o
desenho pode vir a ser um importante facilitador na relação
alfabetização/letramento.
O conceito de alfabetização, por muito tempo, ficou atrelado à ideia de que
para aprender a ler era necessária apenas a capacidade de decodificar os sinais
gráficos, transformando-os em sons, e de que para aprender a escrever era
19
necessário apenas desenvolver a capacidade de codificar os sons da fala,
transformando-os em sinais gráficos.
A partir da década de 1980, várias teorias mostram que o aprendizado da
escrita se caracterizaria como um processo ativo, por meio do qual, desde os
primeiros contatos com a escrita, a criança construiria e reconstruiria hipóteses
sobre a natureza e o funcionamento da língua escrita como um sistema de
representação. De acordo com Ferreiro (1996, p.47);
A alfabetização passa a ser uma tarefa interessante, que dá lugar a muita discussão em grupo. A língua escrita se converte num objeto de ação e não de contemplação. È possível aproximar-se dela sem medo, porque se pode agir sobre ela, transformá-la e recriá-la. É precisamente a transformação e a recriação que permitem uma real apropriação.
Isso significa que a criança irá construir, ela mesma, como sujeito ativo e
pensante, o seu conhecimento sobre leitura e escrita. A construção desse
conhecimento não é fácil, nem tão simples; exige troca de informações, estímulos e
motivação.
Quanto ao conceito de letramento, esse amplia o conceito de alfabetização,
chamando a atenção não apenas para a prática de ler e escrever, mas também para
os usos dessas habilidades em práticas sociais em que ler e escrever é necessário.
Soares (1998) define letramento como:
Letramento é o resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita; é o estado ou condição que adquire um grupo social ou indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais.
Trata-se, portanto, de um processo que tem início quando a criança começa
a conviver com as diferentes manifestações de escrita na sociedade, ou seja,
rótulos, placas, revistas, entre outros e que se prolonga por toda. Para Ferreiro
(1996), [...] “ler e escrever de forma letrada é um conjunto de competências e
habilidades, comportamentos e conhecimentos. Ler não é decifrar, escrever não é
copiar”.
Reconhecendo cada um desses processos, é preciso combinar a
alfabetização e o letramento, assegurando aos alunos tanto a apropriação do
sistema da escrita, como o domínio das práticas sociais de leitura e de escrita, ou
seja, estabelecer um canal de comunicação entre esses dois processos.
20
Ainda, segundo a Proposta Curricular de Santa Catarina (2005);
Alfabetizar significa orientar a própria criança para o domínio da tecnologia da escrita; letrar significa levá-la ao exercício das práticas sociais de leitura e escrita. Uma criança alfabetizada é uma criança que sabe ler e escrever, uma criança letrada [...] é uma criança que tem o hábito, as habilidades e até mesmo o prazer da leitura e da escrita de diferentes gêneros de textos, em diferentes suportes ou portadores, em diferentes contextos e circunstâncias [...] alfabetizar letrando significa orientar a criança para que aprenda a ler e escrever levando-a a conviver com práticas reais de leitura e escrita (SOARES, 2004).
Nessa perspectiva alfabetização e letramento são processos diferentes,
mas indissociáveis e que distinguindo a cada um desses processos, é preciso
combinar a alfabetização e o letramento, assegurando aos alunos tanto a
apropriação do sistema de escrita, como o domínio das práticas sociais de leitura e
de escrita.
Segundo as reflexões de Soares (2004), alfabetização e letramento são
processos distintos. Contudo, é fundamental ressaltar que por mais que sejam
conceitos diferentes, alfabetização e letramento são processos indissociáveis e
interdependentes. Ainda neste sentido complementa a autora:
Porque alfabetização e letramento são conceitos freqüentemente confundidos ou sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo, que é importante também aproximá-los: a distinção é necessária porque a introdução, no campo da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a especificidade do processo de alfabetização; por um lado, a aproximação é necessária porque não só o processo de alfabetização, embora distinto e específico, altera-se e configura-se no quadro do conceito de letramento, como também este é dependente daquele (SOARES, 2003, p. 90).
A compreensão dos conceitos de alfabetização e letramento torna-se
imprescindível para a prática pedagógica, em especial para os educadores que
trabalham com crianças que estão em início de escolarização. Sabendo diferenciar
esses dois processos, o professor será capaz de organizar e sistematizar suas
práticas de alfabetização e de letramento de maneira a encaminhar a apropriação da
linguagem escrita de forma significativa.
Sem perceber, no momento de desenhar a criança transporta para o papel
seu estado anímico em todos os detalhes. É por isso que os desenhos das crianças
permitem-nos desenvolver nossos dados sobre o seu temperamento, caráter,
21
personalidade e nescessidade.
Os desenhos ajudam-nos também a descobrir e a reconhecer as diferentes
etapas pelas quais a criança está atravessando, os seus problemas e dificuldades,
assim como os seus pontos fortes. Conhecer o que cada criança em cada fase do
desenvolvimento é capaz de produzir é a primeira condição para que um professor
possa agir de maneira eficiente e adequada. O essencial é assegurar a ação
educativa.
3 ARTE-EDUCAÇÃO: UM DIÁLOGO POSSÍVEL?
O termo Arte-educação surgiu como uma tentativa de conectar e integrar os
conceitos de arte e educação, resgatando suas relações mais significativas,
reforçando a idéia de continuidade entre seus fundamentos.
Para Barbosa, a Arte-educação é epistemologia da arte e, portanto, é a
investigação dos modos como se aprende arte na escola “[...] na universidade e na
intimidade dos ateliers” (1991, p. 07). Não significa o treino para alguém se tornar
um artista, não significa a aprendizagem de uma técnica, num dado ramo das artes.
Antes, quer significar uma educação que tenha a arte como uma de suas
principais aliadas. Uma educação que permita uma maior sensibilidade para com o
mundo que cerca cada um de nós. A arte-educação possibilita o desenvolvimento do
indivíduo como um todo, por meio de suas várias modalidades, artes visuais,
música, teatro e dança, desempenhando papel de suma importância no
desenvolvimento e na formação integral das crianças.
Porém, é necessária uma compreensão real do valor das atividades de
expressão criadora por parte dos educadores que devem encará-las como
fundamentais na educação como um todo. A arte-educação no Brasil necessita
ainda estabelecer e consolidar conceitos a partir das especificidades da arte e da
educação, na tentativa de definir claramente seus contornos e questionar a função
da arte na sociedade e no contexto educacional.
Observa-se que esta pesquisa não propõe análises ou inferências de ordem
psicológica das obras/desenhos produzidos pelas crianças. Busca-se, sobretudo,
refletir sobre a importância do desenho em sala de aula do ponto de vista da
experiência e consciência estética. Parte-se da idéia de que o uso do desenho
22
possa provocar uma formação sensível tanto para os alunos/as quanto para os
professores colaborando na mediação para o processo de alfabetização e
letramento. A arte, assim, não é algo que fica ou está a serviço da educação, mas
movimenta-se em um processo dialógico, buscando inverter a lógica escolar
permeada em excesso pela racionalidade, já observada nos ensino de crianças nos
Anos Iniciais.
Desse modo, a arte-educação busca então a promoção de um olhar
sensível, que primeiro sente as coisas, depois as representa; uma educação,
portanto, que vai além das letras e números. O desenho nessa perspectiva não é
algo para ser traduzido necessariamente em palavras, mas em emoções,
sentimentos, ações.
Neste sentido, este capítulo tem como objetivo apresentar os resultados
obtidos a partir das observações realizadas em sala de aula com dois grupos de
alunos/as: uma turma de 1º Ano e outra de 2º Ano. Para ambas as turmas o
desenvolvimento das observações e posteriores análises acorreu em dois momentos
distintos.
Primeiramente, para ambas as turmas, foram realizadas observações sobre
a forma como as Professoras Regentes e a Professora de Artes estabeleciam
relações entre o desenhar e o desenvolvimento dos conteúdos propostos para o
processo de alfabetização/letramento.
Em um segundo momento foi solicitado pela pesquisadora a elaboração de
desenhos diversos sem um tema pré definido aos dois grupos. Nesse contexto, a
intenção era verificar como se dava a experiência estética das crianças em relação à
produção de desenhos em sala de aula. Os resultados obtidos são expostos na
seqüência.
3.1 PARA ALÉM DE LETRAS E NÚMEROS: O LUGAR DO DESENHO NA SALA DE
AULA
A intenção neste momento era observar as crianças em atividade, anotar as
observações em um caderno de campo, registrar em fotos as situações que
chamavam mais atenção. Ao mesmo tempo era possível refletir e registrar como o
desenho seria utilizado como via de comunicação durante as atividades propostas
23
em sala de aula.
À turma do 1º Ano foi sugerido: “Vamos desenhar alguns personagens do
Folclore”. A professora comentou e mostrou por meio de cartazes, alguns
personagens e depois pediu apenas que as crianças os desenhassem. No início,
algumas crianças já relataram suas dificuldades com relação as formas e detalhes
de cada personagem, porém, todas participaram com sua maneira particular de
desenhar.
Esta seria uma oportunidade de explorar, juntamente com as crianças, a
relação existente entre os personagens, a oralidade como forma de apresentação e
depois, em sala, o ato de desenhar e as possíveis associações entre o que as
crianças viram, ouviram e poderiam compartilhar em termos de experiências sobre o
vivido/sentido. No entanto, não observou-se por por parte da professora uma
intenção de organizar a atividade de forma a explorar experiências estéticas em que
vivenciassem de maneira mais intensa e interdisciplinar a relação entre
desenho/alfabetização/letramento.
Na turma do 2º Ano as atividades sugeridas à turma pareciam ter uma
intencionalidade de fato e, estavam de cerfa forma, relacionadas ao uso do desenho
como uma forma de colaboração e relação com o processo de
alfabetização/letramento. As atividades relacionadas à escrita e leitura, na maioria
das vezes, são textos impressos em caixa alta, por meio dos quais a professora faz
a leitura pausadamente junto com as crianças.
Em uma dessas atividades de leitura, o texto relacionado tinha como título
Pepita. Durante a leitura a professora perguntava às crianças quais palavras já
conheciam e quais eram possíveis de representar por meio de desenhos. Como
nesta turma já havia certa familiaridade com este tipo de atividade, de maneira geral,
todos já sabiam como dar início às suas produções. Após concluirem cada criança
apresentou seu desenho para os demais colegas da turma.
Esta mesma sequência didática foi proposta em outros momentos variando
os gêneros textuais, como o poema por exemplo. Esta transposição do que se vê ou
se ouve para o papel na forma de desenho é bastante comum na lista de atividades
propostas aos Anos Iniciais. As crianças assimilaram, processaram e expressaram
as informações adquiridas mediante a escrita e a leitura. Pillar (1996, p. 29) ressalta
que:
24
As crianças se realizam durante a elaboração de seus desenhos, revelando suas intenções e interpretações sobre eles, esclarecem o processo de construção gráfica, do ponto de vista da criança que o desenvolve, bem como os acontecimentos da cena desenhada.
Dessa maneira, as crianças atribuem significados aos seus desenhos,
relacionando conhecimentos, experiências, situações imaginárias e emoção do seu
universo particular. No decorrer das observações trabalho, os desenhos produzidos
e interpretados pelas próprias crianças, revelaram informações sobre suas idéias,
conhecimentos, sentimentos, fantasias relacionados ao contexto das perguntas,
evidenciando uma síntese de aprendizagens, pois, algumas crianças da turma do 1º
ano, encontraram dificuldades na escrita de algumas palavras.
As produções permitiram constatar que a criança atribui significados aos
seus desenhos, relacionando conhecimentos, experiências, situações imaginárias e
emoção. Portanto, a “leitura” que as crianças fazem de seus próprios desenhos
podem determinar o vínculo que estabelecem com a aprendizagem da escrita e
leitura. Pillar (1996) infere:
Os comentários que as crianças realizam durante a elaboração de seus desenhos revelam suas intenções e interpretações sobre eles, esclarecem o processo de construção gráfica, do ponto de vista da criança que o desenvolve, bem como os acontecimentos da cena desenhada.
Para Derdyk (1994), a expressão verbal e o desenho interagem como
linguagens, recriando as significações das figuras, por meio de um jogo entre o real
e o imaginário. Por vezes, a vontade de comunicar leva a criança a inventar uma
escrita fictícia no desenho, como ela observa no mundo adulto, dando a ele uma
função prática.
No desenvolvimento das atividades foi possível observar que as
elaborações das crianças sobre seus desenhos evidenciaram uma constante
interação com o universo imaginário, as experiências e conhecimentos infantis. Esse
processo ficou visível nas trocas verbais entre elas e a pesquisadora. Inclusive no
grupo de crianças do 1º Ano, a elaboração dos desenhos pelas crianças foi
concluída paralelamente ao horário do recreio, pois estavam entusiasmadas com a
atividade proposta e desejavam concluir.
As obras/desenhos produzidas pelos grupos de 1º e 2º Anos forma
25
norteadas também por alguns questionamentos: Por que gostavam de desenhar?
Que sentimentos o desenho lhes trazia? O que gostavam de desenhar?As crianças
quando desenham também são artistas. As obras/desenhos que seguem não foram
expostas necessariamente com o intuito de interpretá-las, sobretudo no olhar/visão
de um adulto. Foram expostas para contemplação, assim como quando nos
deparamos com uma obra de arte em um local específico. A esse respeito afirma
Duarte Jr (2012, p. 60): “A obra de arte não é para ser pensada, traduzida em
palavras, e sim, sentida, vivenciada. Porque sua função é a de comunicar
significados (conceituais), mas a de exprimir sentidos”.
A intenção aqui é que o leitor, assim como o professor/a, se deixe
impressionar/encantar pela poesia escondida que flui e pode ser revelada naquilo
que as crianças produziram por meio da arte de seus desenhos; que se permita
adentrar a um universo particularmente delas. Na interpretação de Albano (2010), é
preciso, por meio da experiência estética, escutar as vozes das crianças e refletir
sobre o que elas nos afetam e nos provocam.
A aluna Agatha quando questionada sobre o desenho, respondeu assim:
“É muito legal desenhar, gosto de desenhar animais, bonecos e bonecas. E sinto
amor quando estou desenhando”.
Figura 1: Agatha e sua terra encantada (6 anos, 1º Ano).
26
Já o aluno Matheus, disse:
“Acho legal desenhar e gosto de fazer bonecos e bonecas. Nesse momento ao
desenhar as flores da boneca ele disse sentir alegria e veja minha planta deu duas
flores”.
Figura 2: Matheus e seu sonho (6 anos, 1º Ano).
A aluna Natália no primeiro instante ficou pensativa, mas, logo sorriu e
disse:
“Gosto de desenhar porque é colorido e desenhei minha família. Por isso sinto muito
carinho e amor quando desenho”.
Figura 3: Natália e sua família (6 anos, 1º Ano).
27
A aluna Luana quando foi chamada para colaborar com a pesquisa e
entendeu o que seria feito, logo foi dizendo:
“Acho muito, muito legal desenhar e vou desenhar minha mãe. Sinto amor
quando desenho para minha mãe”.
Figura 4: Luana e sua mãe (6 anos, 1º Ano).
O aluno Diogo já foi logo dizendo:
“Acho legal e que adoro desenhar cobra. Sinto saudade do meu cachorro”.
Figura 5: Diogo e seus animais (6 anos, 1º Ano).
28
A aluna Micaele demonstrou um pouco de tristeza e que ficou claro enquanto
desenhava e relatava seu motivo de estar triste:
Gosto de desenhar porque faço o que quero e vou desenhar meu pai. É porque sinto
muita saudade dele e quando desenho lembro muito dele.
Figura 6 - Micaele e seu pai (5 anos, 1º Ano).
Figura 7: Maria Eduarda (7 anos, 2º Ano)
29
Figura 8: Gabrielle (7 anos, 2º Ano)
Figura 9: Yasmim (7 anos, 2º Ano)
Figura 10: Heveline (7 anos, 2º Ano)
30
Figura 11: Kauã (7 anos, 2º Ano)
Figura 12: Vicente (7 anos, 2º Ano)
Figura 13: Joaquim (7 anos, 2º Ano)
31
Figura 14: Yasmim (7 anos, 2º Ano)
Figura 15: Iran (7 anos, 2º ano)
Figura 16: Mateus (7 anos, 2º Ano)
32
Figura 17: Seleni (7 anos, 2º Ano)
Figura 18: Ana Júlia (7 anos, 2º Ano)
Figura 19: Allan (7 anos, 2º Ano)
33
Figura 20: Pablo (7 anos, 2º Ano)
Figura 21: Vinícius (7 anos, 2º Ano)
Por meio das observações realizadas na interação com as crianças esta
pesquisa permite inferir que as atividades mediadas com desenho oportunizam a
criança compreender que aquilo que ela pensou pode ser desenhado, passando
assim da linguagem oral para a linguagem gráfica. E entende também que tudo
aquilo que desenharam pode ser traduzido para a forma escrita e que esta é mais
elaborada e necessita de regras para poder cumprir sua função social (FERREIRA,
1997, p. 71).
Para Albano (2010), “[...] o processo de criação, seja intelectual, seja de
criação artística, requer tempo, assim como observar a si mesmo, confrontar a si
34
mesmo, observar as coisas, contemplar”. Em meio a uma sociedade essencialmente
marcada pelo tempo do relógio, a escola em alguns momentos se vê aprisionada em
si mesma. Perdemos a capacidade de contemplação, porque achamos que
enquanto contemplamos, perdemos tempo e não estamos realizando nada.
Além de uma “parada” para a contemplação, portanto, a experiência estética
em sala de aula mediada pelo desenho pode colaborar na formação/olhar e
consciência estética também do professor/a, dentro e fora da sala de aula: o que é
belo afinal? Letra/caligrafia bonita? Organização? Faz-se necessário pensar uma
educação em sala de aula para além de letras e números em que experiências
estéticas diversas possam se manifestar onde o desenho possa encontrar o seu
lugar.
3.2 CONTRIBUIÇÕES DO DESENHO PARA A FORMAÇÃO ESTÉTICA NOS ANOS
INICIAIS
Este capítulo tem como objetivo refletir sobre as contribuições do desenho
para a formação estética de alunos/as nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Serão explorados os conceitos de “experiência e consciência estética”
contextualizados na perspectiva da arte-educação. Pretende-se ainda neste espaço,
problematizar as falas de duas professoras quando se referem ao uso do desenho
na condução de suas atividades pedagógicas no processo de alfabetização e
letramento.
Duarte Jr (2012) afirma que: “[...] na experiência estética suspendemos
nossa percepção analítica, racional, para sentir mais plenamente o objeto. Deixamos
fluir nossa corrente de sentimentos, sem procurar transformá-las em palavras”. A
consciência estética por sua vez dialoga com o processo pelo o qual os alunos/as
devem elaborar seus próprios sentidos em relação ao mundo a sua volta.
Nem sempre, no entanto, os professores/as compreendem que o desenho
exerce um papel importante na construção do pensamento da criança, não dando ao
desenho a sua devida importância em sala de aula. As propostas de atividades de
ensino normalmente são voltadas à reprodução para memorização e não para a
expressividade e os processos criadores. Nesta direção afirma Lowenfeld (1970, p.
39):
35
A criança emocionalmente livre, desinibida, na expressão criadora, sente-se segura e confiante ao abordar qualquer problema que derive de suas experiências. Identifica-se, estritamente, com seus desenhos e tem liberdade para explorar e experimentar grande variedade de materiais.
Conforme Barbosa (2005, p. 27-28), não se alfabetiza fazendo apenas as
crianças juntarem as letras. Há uma alfabetização cultural sem a qual a letra pouco
significa. A leitura social, cultural e estética do meio ambiente vai dar sentido ao
mundo da leitura verbal". Nesse contexto, é imprescindível um trabalho coletivo e
interdisciplinar entre os componentes curriculares, a fim de contribuir nos processos
do ensino e da aprendizagem.
Durante as observações em campo chamou-nos atenção a frase vinda da
Professora Regente: “O tempo é curto e há muitos conteúdos a serem trabalhados”,
revelando demasiada preocupação e prioridade com os conteúdos propriamente
ditos a partir de um único tipo de linguagem: a escrita. Nesse sentido, afirma
Barbosa (1984):
A interdisciplinaridade é a relação entre a verticalidade da competência e a da curiosidade acerca das outras áreas. Já a arte é um objeto de conhecimento dinâmico, de vida, de significados, de criação e sensibilização.
Nesta relação o desenho pode contribuir no processo de alfabetização e
letramento, possibilitando ao professor/a o uso de uma forma de linguagem.
Segundo BARBOSA, 1975, p. 90, "[...] o papel da arte na educação é grandemente
afetado pelo modo como os professores e alunos vêem o papel da arte fora da
escola". Ou seja, na escola, a arte deveria ser reconhecida como uma importante
ferramenta educativa, de forma que o professor possa orientar suas ações
pedagógicas e perceber que a arte, o desenho, implica também na construção de
conhecimentos em relação à linguagem escrita.
Para obter avanços em relação à aprendizagem diante do uso do desenho
em sala de aula, se faz necessário, que o professor/a aprenda a questionar os
desenhos, de forma que possa estabelecer com a criança uma relação de troca,
afetividade e confiança. Cunha (2002, p. 12) enfatiza que:
Para que as crianças tenham possibilidades de desenvolverem-se na área expressiva, é imprescindível que o professor rompa seus próprios estereótipos, a fim de que consiga realizar intervenções pedagógicas no sentido de trazer à tona o universo expressivo infantil.
36
Desse modo, o papel do professor/a torna-se essencial para que a criança
receba referências e orientações, sem oferecer a ela modelos prontos ou desenhos
estereotipados. Dessa forma, poderá organizar planejamentos que colaborem para
proposta da aprendizagem significativa.
Baseada nestas possibilidades foi questionado às professoras das turmas
observadas o que cada uma pensava sobre o uso do desenho como ferramenta de
aquisição no processo da leitura e escrita. Mediante essa questão, as respostas
obtidas foram:
O desenho é uma ótima ferramenta que contribui muito para a aprendizagem da criança. Faço seu uso principalmente quando trabalho com uma história e solicito que façam desenhos que ilustrem as situações. Isso contribui no desenvolvimento da interpretação.
Na fala desta professora, observa-se que não há necessariamente uma
preocupação com o uso do desenho como uma experiência estética mais ampla e
sim apenas como mais um recurso didático não garantindo necessariamente uma
aprendizagem significativa do ponto de vista da alfabetização e do letramento.
O desenho, nesta perspectiva, pode indicar uma série de pistas sobre a
criança e sua maneira de ler o mundo. Dessa maneira, trazer a arte à sala de aula,
por meio do desenho, possibilita uma forma de educação com significado para a
vida. Letras, palavras, imagens, livros, mapas, gestos, olhares, são vistos na sua
singularidade, mas ao mesmo tempo na sua inter-relação, como observado na fala
da professora:
Acho o desenho uma ferramenta importante no processo de aquisição da leitura. É uma forma de interpretação textual, além disso, na formação de frases as ilustrações ajudam a criança no processo de criação. O desenho alegra o caderno e os trabalhos, tornando as aulas mais leves e lúdicas.
Portanto, é imprescindível compreender que o desenho pode ocupar um
lugar de destaque no processo de alfabetização e letramento de forma sistematizada
e intencional e a ele recorrer nas mais diversas práticas pedagógicas. No entanto,
uma das maiores inquietações em relação ao uso do desenho no planejamento
diário diz respeito a como este tipo de linguagem pode ser inserido de forma
interdisciplinar aos conteúdos propostos. Nesta direção afirma Mazzamati (2012,
p.11):
Desenhar é uma coisa interessante: se o pensamento estica, a linha acompanha. Se encurta, também. Se piso na areia, marca. Se dou um abraço, enrola. Se mostro o tamanho do bicho com as duas mãos, visualizo. Desenhar é mesmo uma coisa interessante.
37
Observa-se que mesmo aqueles professores/as mais experientes no uso de
outras formas de linguagem, dentre eles, inclusive os professores/as do componente
curricular de artes, ainda assim encontram dificuldades quando se trata de definir um
planejamento mais ousado que problematize os métodos tradicionais de ensino,
privilegiando outras formas de aprendizagens, com linguagens diversas, dentre as
quais o desenho.
A arte, então, nesse processo, torna-se um importante instrumento de
trabalho educativo, pois procura, por meio das tendências individuais, amadurecer a
formação do gosto, estimular a inteligência e contribuir para a formação da
personalidade do indivíduo, sem ter como preocupação única e mais importante a
formação de artistas, mas uma preocupação mais ampla baseada na experiência e
na formação estética.
No seu trabalho criador, o indivíduo utiliza e aperfeiçoa processos que
desenvolvem a percepção, a imaginação, a observação e o raciocínio. No processo
de criação, pesquisa a própria emoção, liberta-se da tensão, ajusta-se, organiza
pensamentos, sentimentos, sensações e forma hábitos de trabalho. No entanto, a
escola nem sempre leva estes elementos em consideração. Observou-se durante os
12 dias em campo na sala de aula com as professoras, por exemplo, uma excessiva
preocupação com a aplicação de conteúdos em detrimento de uma forma de
educação mais reflexiva/contemplativa.
Diante da relação que se faz à construção do pensamento infantil, é
indispensável, que o professor/a aprenda a questionar os desenhos infantis e que
não se posicione como recipiente do saber, mas crie uma relação de troca,
afetividade e confiança. Nesse sentido, a escola deve trabalhar no sentido de que as
crianças possam ter experiências de aprender e criar, articulando percepção,
imaginação, sensibilidade, conhecimento e produção artística pessoal e grupal
(BRASIL, 1997).
É importante que a criança tenha oportunidade de desenhar livremente, em
papéis e em tamanhos e texturas diferentes, em posições variadas, com materiais
diversos, pois, quando vai dominando seus movimentos e gestos, as propostas
devem ser diferentes: desenhar em vários tempos e ritmos, fazer passeios e
expressar o que observou no papel, incentivar o desenho coletivo, desenhar as
etapas percorridas após uma brincadeira ou jogo e muitas outras podem ser feitas
38
com a criança para ajudá-la a aprimorar suas capacidades de desenhar. Entre
outras coisas, a criança desenha para se satisfazer, se realizar, sentir prazer e se
divertir.
Desse modo, o ato de desenhar é:
[...] um jogo que não exige companheiros, onde a criança é dona de suas próprias regras. Nesse jogo solitário, ela vai aprender a estar só, “aprender a só ser”. O desenho é o palco de suas encenações, a construção de seu universo particular (DERDYK, 1993, p.10)
Se o professor/professora não possuir uma vivência prática da linguagem
expressiva, facilmente incorrerá de erros grosseiros na avaliação daqueles rabiscos
e figuras aparentemente inúteis. Desse modo, cabe valorizar o desenho elaborados
e, por mais que seja indecifrável ao seu olhar, todo desenho vem carregado de
significados e a criança quando vê seu desenho valorizado fica entusiasmada e
aprende cada vez mais. A esse respeito afirma Derdyk (1993, p. 129):
É gostoso observar a criança em ação, a maneira com que ela se relaciona e se posiciona com o papel, o lápis na mão, coreografando gestos mais íntimos e secretos, gestos mais comunicativos e sociais.
Nessa perspectiva, o desenho da criança favorece o seu desenvolvimento
criativo e sua aprendizagem. Faz necessário conscientizar o professor/a para refletir
sobre seu papel que é de formar um ser humano completo dentro de seus ideais,
valorizando assim o desenho da criança e olhando para o mesmo como algo
importante, fazendo com que a criança tenha consciência da arte.
Derdyk (1994) afirma que o sistema educacional atribui grande destaque
ao ensino da palavra e, dependendo dos recursos utilizados para a aprendizagem
da escrita, ocorre um esvaziamento da linguagem gráfica como forma de expressão.
Nesta direção também afirma Duarte Jr (1991, p. 25): “Aprender é um processo que
mobiliza tanto os significados, os símbolos, quanto os sentimentos, as experiências
a que eles se referem.
O desenho enquanto um tipo de linguagem deve ser visto para além de
uma atividade passatempo na escola e mais especificamente no processo de
alfabetização e letramento nos Anos Iniciais. Seu uso de forma utilitária ou
meramente didática é bastante comum.
Para Duarte Jr (2012, p. 67), “a arte ainda é fator de agilização de nossa
imaginação, pois na experiência estética a imaginação amplia os limites que lhe
39
impõe cotidianamente a intelecção”. Como manifestação da arte, o desenho não
apenas expressa e comunica, mas promove na criança por assim dizer, um senso
ou uma consciência estética contextualizada nas linguagens artísticas diversas.
40
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizar esta pesquisa foi gratificante e especial na minha vida pessoal e
profissional. Apesar de ser um momento difícil, de angústia e ansiedade, em tentar
fazer tudo ao mesmo tempo, com o decorrer da pesquisa se tornou algo prazeroso e
essencial, pois, percebi as minhas dúvidas sendo concretizadas e algumas
respostas sanadas, possibilitando refletir a todo o momento sobre a temática.
Apesar de o desenho fazer parte do cotidiano escolar nos Anos Iniciais,
pude perceber o quanto é pouco valorizado/explorado em sala de aula, sendo
proposto normalmente para mero preenchimento do tempo vago e que muitas
dessas atitudes se dão pela própria falta de conhecimento em relação às
contribuições do desenho para a aprendizagem da criança. Ressalta aqui a
importância da formação continuada para professores/as, o que nem sempre ocorre.
Nas salas de aula que tive a oportunidade de observar, o desenho sempre
foi proposto, pelo menos enquanto eu estava presente, como continuação de uma
contação de história, sendo que é importante destacar, que não foi o desenhar
propriamente dito, e sim uma pintura de uma reprodução dos personagens da
história contada.
O que chamou também minha atenção foi a constante reprodução do
desenho pronto. O medo de errar e de borrar estava presente nas crianças de uma
das turmas observadas. Porém, quando propus que elas fizessem seus próprios
desenhos, deixei-as livres para tentarem fazer da maneira que imaginavam e que
conseguiram. Nessa perspectiva, pude verificar as conseqüências dessas
reproduções, as crianças acabam se alienando na busca da perfeição, como algo
produzido por uma máquina e acabam não percebendo a riqueza e a beleza do seu
processo criativo nas suas produções, ou seja, as suas singularidades, o gosto, a
estética de cada um.
As leituras e pesquisas realizadas levaram-nos a perceber o desenho como
fundamental no processo ensino- aprendizagem, não apenas porque se trata da
primeira escrita da criança, mas, sobretudo, porque oferece a ela um
desenvolvimento físico, emocional e cognitivo, envolvendo movimentos e saberes de
maneira prazerosa e envolvente.
Além disso, para a criança o desenho é lúdico, é um jogo ou uma brincadeira
41
em que seu mundo interior apresenta-se de forma concreta no seu traçado,
intencional ou não intencionalmente. Também desenvolve o cognitivo, em que a
criança apropria-se do conhecimento a partir da ação do educador, como também
desenvolve a oralidade, pois a fala precede o desenho e o ato de desenhar vem
sempre acompanhado de falas e gestos. Enquanto desenha a criança também
mostra todo um envolvimento emocional, fundamental para um desenvolvimento
sensível, criativo, sadio, seguro e que torna a criança autônoma.
Contudo, percebe-se a relevância que o desenho tem no desenvolvimento
da criança, sendo que para essa contribuição seja efetiva de fato é essencial aos
professores/as refletirem sobre as possibilidades que o desenho pode oferecer no
desenvolvimento infantil. É necessária uma reflexão mais aprofundada e uma crítica
à mera reprodução em sala de aula e que esta traz contribuições contrárias,
prejudicando a autoconfiança da criança, a valorização em si mesma, bem como a
limitação de sua criatividade.
As atividades quando bem trabalhadas e diversificadas, os resultados serão
surpreendentemente enriquecedores, pois o desenho revela sentimentos,
pensamentos e dilemas não ditos, não escritos, ou outras vezes nem percebidos
pelo sujeito revelando as dores da alma que muitas vezes afetam o sujeito
prejudicando sua aprendizagem e comportamento, trazendo frustração, reprovação,
desistência, desmotivação ou abandono dos estudos.
Esse trabalho foi escrito com a finalidade de proporcionar um olhar mais
ampliado para a arte de desenhar e meu desejo é que possa cooperar com a ação
pedagógica e motivar idéias e projetos contendo objetivos e metodologias
intencionalmente pensadas e realizadas para promover o desenvolvimento integral
da criança.
42
5 REFERÊNCIAS
ALBANO, Ana Angélica. Arte e Pedagogia: além dos territórios demarcados. Cad. Cedes, Campinas, vol. 30, n. 80, p. 26-39, jan.-abr. 2010 33. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br. Acesso em 01.12.2015. BARBIER, René. Pesquisa-ação. Brasília: Líber Livro Editora, 2007. BARBOSA, Ana Mae. Imagem do ensino da arte. 6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases Nº 9.394, 20 de Dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, 1996. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília: MEC/SEF, 1997 a. BRASIL. Proposta Curricular de Santa Catarina. Estudos Temáticos. 2005. CUNHA, S. R. (Org.). Cor, som e movimento: a expressão plástica musical e dramática no cotidiano das crianças. Porto Alegre: Mediação, 2002. DERDYK, E. Formas de pensar o desenho. SP: Scipione, 1994. DUARTE JÚNIOR, João Francisco. Por que arte- educação? 22 ed.-Campinas, SP: Papirus, 2012. ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei N° 8.069/90.
FERREIRA, V. S. Desenho e escrita: relações na construção da escrita alfabética. 1997. 79 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade do Vale do Itajaí, Itajaí, 1997. FERREIRO, Emilia. Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 1992. _________ Reflexões sobre a alfabetização. São Paulo: Cortez, 1990. FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 51ª ed. São Paulo: Cortez, 2011.
IAVELBEG, Rosa. O desenho cultivado na criança: prática e formação de educadores. São Paulo, Zouk, 2006. DUARTE JÚNIOR, João Francisco. Por que arte- educação? 22 ed.-Campinas, SP: Papirus, 2012.
43
KUHLMANN JÚNIOR, Moysés. Histórias da educação infantil brasileira. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, n.14, mai-ago, 2000.
LUQUET, G. H. O desenho infantil. Trad. Maria Teresa Gonçalves de Azevedo. Porto: Livraria Civilização, 1979. MÈREDIEU, Florence de. O desenho infantil. Trad. Álvaro Lorencini e Sandra M. Nitrini. 7ª ed. São Paulo: Eidtora Cultrix, 2000 OLIVEIRA, Daiany Delbone de. O processo de ensino-aprendizagem na educação infantil. Revista espaço da Sophia. Wenceslau Braz: Faculdade de Ciências de Wenceslau Braz, n.23, a.2, fev.2009. OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cotez, 2002. PORCHER, Louis (org). O desenho. In: Educação Artística: Luxo ou necessidade? São Paulo: Summu. 1982. PIAGET, Jean. A equilibração das estruturas cognitivas. Trad. Marion Merlone dos Santos Penna. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. PIAGET, J. Psicologia da Criança. Rio de Janeiro: Diefel, 1978. PIAGET, Jean e INHELDER, Barbel. A psicologia da criança. Trad. Octavio Mendes Cajado. 7ª ed. São Paulo: Diefel, 1982. PILLAR, Analice Dutra. Desenho e escrita como sistema de representação. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1996.
SILVA, José Maria; SILVEIRA, Emerson Sena. Apresentação de trabalhos acadêmicos: norma e técnicas. 2. E. Petrópolis: Vozes, 2007. VERGARA, Sylvia. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. 13 ed. São Paulo; Atlas, 2011. VIGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994.