universidade federal de pelotas programa de pós … · mulher que me mostrou os primeiros passos...

123
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS Programa de Pós-Graduação em Educação Física Dissertação MUDANÇAS NO MUNDO DO TRABALHO E SUAS MEDIAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA VILMAR JOSÉ BOTH Pelotas, 2009

Upload: truongquynh

Post on 08-Feb-2019

215 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica

Dissertao

MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO E SUAS

MEDIAES NA EDUCAO FSICA

VILMAR JOS BOTH

Pelotas, 2009

VILMAR JOS BOTH

MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO E SUAS MEDIAES NA EDUCAO FSICA

Dissertao apresentada ao Programa

de Ps-Graduao em Educao Fsica

da Universidade Federal de Pelotas,

como requisito parcial obteno do

ttulo de Mestre em Cincias (rea do

conhecimento: Educao Fsica).

Orientador: Prof. Dr. Luiz Fernando Camargo Veronez

Pelotas/RS, 2009.

B749m Both, Vilmar Jos

Mudanas no mundo do trabalho e suas mediaes na educao fsica /Vilmar Jos Both; orientador Luiz Fernando Camargo Veronez. - Pelotas : UFPel : ESEF, 2009.

121p.

Dissertao (Mestrado). Universidade Federal de Pelotas. Escola Superior de Educao Fsica. Curso de Pos-Graduao em Educao Fsica.

1. Educao Fsica 2. Formao 3. Veronez, Luiz Fernando Camargo I. Ttulo

Bibliotecria Responsvel Patrcia de Borba Pereira CRB10/1487

_______________________________

_______________________________

_______________________________

_______________________________

Banca examinadora:

Prof. Dr. Luiz Fernando Camargo Veronez (presidente)

Prof. Dr. Diorge Alceno Konrad

Prof Dr. Maristela da Silva Souza

Prof Dr. Valdelaine da Rosa Mendes

Maria Reinilda, mulher que me mostrou os

primeiros passos da luta: minha me

AGRADECIMENTOS

Aos trabalhadores brasileiros, que sustentam esta Universidade Pblica.

Ecla Vanessa que constantemente colaborou e pacientemente leu esta

dissertao. Agradeo pelo aprendizado e convvio.

Ao professor Luiz Fernando Camargo Veronez, pela orientao deste estudo e pelas

discusses de obras marxianas.

Ao meu pai e minha me, pelo permanente apoio.

Ao Movimento Nacional Contra a Regulamentao do Profissional de Educao

Fsica (MNCR), ou seja, a toda a companheirada que o compe, por me mostrar o

significado da militncia e dar sentido frase: A luta pra vencer!

Ao Movimento Estudantil, pela formao que ele me proporcionou, pelas amizades

que ele me possibilitou e pela militncia na qual me inseriu.

LEEDEF/CEFD/UFSM, pela concepo de homem, mundo, educao e Educao

Fsica que me apontou e pelos camaradas de luta que l esto, ou que por ela

passaram.

Aos colegas professores de Educao Fsica que colaboraram na pesquisa

concedendo entrevistas.

Banca Examinadora: professores Diorge, Maristela, Valdelaine e Mrcio, pelas

colaboraes e crticas com a inteno de colaborar no avano da produo do

conhecimento.

Aos demais professores e servidores da ESEF-UFPel, em especial os ligados ao

Programa de Ps-Graduao: Mestrado em Educao Fsica.

Aos colegas pelas constantes colaboraes.

Voc livre? Voc vive, ou s sobrevive?

De cada calada de concreto da cidade

cada viga que se ergue

cada vida que se segue

cada cidado persegue a sua cota lutando pra se manter marcando a mesma rota lutando pra nunca se perder

pra no perder no ver a cara da derrota

estampada na lorota

que faz ponto a cada esquina encostado em algum poste

pronta pra te desviar da sorte talvez um corte brusco na sua sina existem uns que seguem na rotina e no enxergam ao redor

reclama e no se posta pra tornar melhor acha melhor sobreviver s mantendo distncia

de cada sonho que crescia na infncia

e cada esperana de criana se mistura ao ar impuro inspirado e espirado, por cada cidado comum que deixa escorrer a liberdade

na sarjeta da calada de concreto da cidade

Dedicada, a cada, poeta da cidade, dedicada, a cada, atleta da cidade, dedicada a

cada ser humano da cidade que cultiva a liberdade no concreto da cidade

Entre as paredes de concreto da cidade, se esconde o mundo de quem faz qualquer negcio s pra no ser taxado de vagabundo

sonhos de adultos se dissipam por segundo a cada insulto do patro o culto do faz de conta que eu sou feliz assim

salrio no fim do ms o que conta paga as contas e faz bem pra mim

no o caso em que eu me encaixo sonho alto de mais pra viver por baixo igual capacho e acho que existem outros por a

que olham pras paredes s pensando em demolir

pra ser livre, mas na real nem sabe como perdeu toda noo acostumado a viver com dono

no condeno, mas no concordo e no me adapto fora das paredes mais inspirao eu capto

me sinto apto pra cantar a liberdade que se esconde entre as paredes de concreto da cidade

(kamau Poesia do Concreto)

Resumo

Both, Vilmar Jos. Mudanas no mundo do trabalho e suas mediaes na Educao Fsica. 2009. 121f. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

Essa pesquisa trata das atuais mudanas no mundo do trabalho, que ocorrem mediante a reestruturao produtiva e a reconfigurao do papel do Estado, lanadas como resposta do capital crise pela qual o mesmo perpassou na dcada de 70 do sculo XX, bem como, suas mediaes na Educao Fsica. Para tanto, iniciamos o estudo trazendo os conceitos de trabalho concreto e trabalho abstrato, demonstrando que este ltimo uma caracterstica especfica da sociedade capitalista. Analisamos que para se manter hegemnico o capital vai ampliando suas mediaes, estendendo sua forma de organizar a vida para tudo e provocando com isso srios problemas para a classe trabalhadora. A partir dessa anlise, adentrarmos mais especificamente na Educao Fsica, onde observamos a relao que esta historicamente teve com o projeto pedaggico dominante no perodo do predomnio da organizao do trabalho em sua estrutura taylorista/fordista. Tambm, analisamos as mudanas que vm ocorrendo nas ltimas dcadas no trabalho e na formao profissional em Educao Fsica, sempre fazendo a relao com o contexto geral, no sentido de apreender a totalidade do processo. Para tanto, alm dos dados j levantados em outras pesquisas, realizamos entrevistas com dez trabalhadores da rea, com o objetivo de levantar mais dados sobre as relaes de trabalho da Educao Fsica. Para finalizar, demonstramos o carter de adaptao s necessidades do capital que a formao profissional da rea vem promovendo e, apontamos para a Licenciatura Ampliada como alternativa de uma formao com base calcada na politecnia, denotando um vis crtico ao modo de produo capitalista e a necessidade de superao do mesmo. Nesse mesmo sentido, alertamos para a necessidade de avanos na organizao de sindicatos classistas para a unio da luta da classe trabalhadora.

Palavras-chave: Mundo do trabalho. Educao Fsica. Formao Profissional.

Abstract

Both, Vilmar Jos. Mudanas no mundo do trabalho e suas mediaes na Educao Fsica. 2009. 121f. Dissertao (Mestrado) Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica. Universidade Federal de Pelotas, Pelotas.

This research deals with the current changes in the working world, occurring through the production restructuring and reconfiguration of the role of the state, launched in response to the crisis of capital for which it exists in the 70s of the twentieth century, and its mediation in Education Physics. Thus, the study began bringing the concepts of practical work and abstract work, showing that it is a characteristic of capitalist society. We analyzed that to maintain the hegemonic capital will expand its mediation by extending their way to organize life for all and with it causing serious problems for workers and the environment. From this analysis, enter more specific in Physical Education, where we observe the relationship that was historically the dominant teaching project during the prevalence of work organization in its structure Taylorist/Fordist. Also, we analyze the changes that have occurred in recent decades on work and training in physical education, when making the relationship with the general context, to grasp the entire process. Thus, in addition to data already collected in other studies, we conducted interviews with ten employees in the area, aiming to raise more data on the employment relations of Physical Education. Finally, we demonstrate the character of adjusting to the capital that the training area is encouraging and point to the Extended Degree as an alternative training based on the polytechnic, showing a bias critical to the capitalist mode of production and the need for overcome the same. To that end, alerted to the need for advances in the organization of unions for the union of the class struggle of the working class.

Keywords: world of work. Physical Education. Training.

LISTA DE SIGLAS

ANFOPE: Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao

ANPEd: Associao Nacional de Ps-Graduao e Pesquisa em Educao

BM: Banco Mundial

CBCE: Colgio Brasileiro de Cincias do Esporte

CFE: Conselho Federal de Educao

CIEE: Centro de Integrao Empresa-Escola

CLT: Consolidao das Leis do Trabalho

CNE/CES: Conselho Nacional de Educao/Cmara de Educao Superior

CNE: Conselho Nacional de Educao

COESP: Comisso de Especialistas

COESP-EF: Comisso de Especialistas de Ensino em Educao Fsica

CONDIESEF: Conselho dos Dirigentes de Instituies de Ensino Superior de

Educao Fsica

CONFEF: Conselho Federal de Educao Fsica

CREFs: Conselhos Regionais de Educao Fsica

DIEESE: Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos

DOU: Dirio Oficial da Unio

EF: Educao Fsica

EMC: Educao Moral e Cvica

ESEF: Escola Superior de Educao Fsica

EUA: Estados Unidos da Amrica

ExNEEF: Executiva Nacional de Estudantes de Educao Fsica

FACED/UFBA: Faculdade de Educao/Universidade Federal da Bahia

FMI: Fundo Monetrio Internacional

GTT: Grupo de Trabalho Temtico

IES: Instituies de Ensino Superior

INEP: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira

IPEA: Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

LDBEN ou LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional

LEPEL: Linha de Estudo e Pesquisa em Educao Fsica & Esporte e Lazer

ME: Ministrio do Esporte

MEC: Ministrio da Educao

MEEF: Movimento Estudantil de Educao Fsica

MNCR: Movimento Nacional Contra a Regulamentao do Profissional de Educao

Fsica

OIT: Organizao Internacional do Trabalho

SBPC: Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia

SESu: Secretaria de Educao Superior

SUMRIO

I. INTRODUO ....................................................................................12

1.1. Questes de estudo: ..................................................................................... 21

1.2. Problema da pesquisa: .................................................................................. 21

1.3. Objetivos:........................................................................................................ 22

1.3.1. Objetivo Geral: ............................................................................................ 22

1.3.2. Objetivos Especficos: ................................................................................. 22

1.4. Metodologia: ................................................................................................... 22

1.4.1. Desenvolvimento do estudo ........................................................................ 25

II. MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO: A REESTRUTURAO

PRODUTIVA E A RECONFIGURAO DO PAPEL DO ESTADO ......29

III. MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO: AS NOVAS

NECESSIDADES DO CAPITAL E A EDUCAO FSICA ...................52

3.1. Redefinio na formao: o trabalhador de novo tipo .............................. 52

3.2. Redefinio do papel da Educao Fsica diante das mudanas no mundo do trabalho ............................................................................................... 57

3.3. Diretrizes Curriculares para a Educao Fsica: do embate de projetos

subordinao das necessidades do Capital...................................................... 64

IV. MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO E MEDIAES NA

EDUCAO FSICA: O QUE DIZEM OS TRABALHADORES ............75

4.1. Identificando os entrevistados ..................................................................... 76

4.2. Mudanas no mundo do trabalho e suas mediaes na Educao Fsica:

Dados empricos ................................................................................................... 77

4.2.3. O espao no-escolar ................................................................................. 81

4.2.4. A formao na Educao Fsica diante das novas demandas do mundo do trabalho.................................................................................................................. 90

11

V. CONSIDERAES FINAIS ...............................................................95

VI. REFERNCIAS............................................................................... 101

APNDICES......................................................................................... 107

APNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ....................... 108

APNDICE B Roteiro de entrevistas dos estagirios .................................. 109

APNDICE C - Roteiro de entrevista Professores........................................ 112

ANEXOS............................................................................................... 115

ANEXO A Proposta das Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Licenciatura Ampliada Graduao em Educao Fsica ............................. 116

12

I. INTRODUO

No momento em que novamente uma crise assola o sistema do capital,

empurrando mais trabalhadores para o desemprego e o subemprego, impondo aos

que permanecem empregados a aceitao de condies de trabalho onde se amplia

a explorao da mais-valia, o que demonstra a impossibilidade deste sistema manter

condies de vida dignas para a maioria da populao, nos propomos a discorrer,

nesta dissertao, sobre o tema mundo do trabalho.

Esse tema , decerto, bastante complexo, pois as mudanas no mundo do

trabalho so constantes, embora se aprofundem a cada perodo de crise do

capitalismo, atravs das reestruturaes nos modelos produtivos e do papel do

Estado, de modo que o sistema vigente consiga se manter hegemnico. Isso requer

do pesquisador desse tema uma anlise rigorosa de tal movimento, para no

apontar resultados que desconsiderem as mltiplas determinaes relacionadas

esse processo.

Para evitar equvocos na anlise do mundo do trabalho, bem como, para que

o leitor desta dissertao compreenda melhor nossa discusso acerca do mesmo e

das mediaes que as mudanas deste mantm com a Educao Fsica, faremos a

seguir algumas consideraes sobre a categoria trabalho.

Esclarecemos, desde j, que nossa anlise sobre o trabalho ser realizada

no marco da luta de classes, pois como j expuseram Marx e Engels no Manifesto

do Partido Comunista, escrito em 1848, a histria de todas as sociedades que

existiram at hoje a histria de luta de classes (2003, p. 45), e, como entendemos

ser somente possvel a compreenso das relaes que envolvem o conceito trabalho

atravs de uma anlise histrica, no podemos deixar de faz-la neste marco.

Ao nos remetermos histria, encontramos j no Antigo Testamento da

Bblia crist, referncias ao trabalho. Nela, o mesmo apresentado como sendo um

castigo divino, visto como sofrimento, onde, pelo fato de Ado e Eva terem

descumprido regras divinas, foram amaldioados a, com sofrimento, se nutrirem do

solo todos os dias de suas vidas.

13

Essa concepo de trabalho possui clara funo ideolgica, visto que

direciona as posies teleolgicas dos indivduos, regulando uma prxis social que

torna possvel a reproduo da sociedade sem que os trabalhadores faam maiores

questionamentos, e, aos questionamentos realizados so elaboradas respostas

genricas com a funo de justificar a prxis cotidiana, tornando-a aceitvel, natural

e at mesmo desejvel. Assim, por mais que a forma de desenvolvimento do

trabalho seja percebido pelo indivduo como um sofrimento, o mesmo realizado de

maneira aceitvel, por ser compreendido como uma imposio divina, e o no

cumprimento desta considerado um pecado.

Essa concepo de trabalho como punio, no especfica da Bblia. Ao

contrrio, ela aparece em vrios mitos que narram a origem das sociedades

humanas. Tambm nas sociedades escravistas antigas, segundo Chau, o trabalho

j era visto como uma "pena que cabe aos escravos e desonra que cai sobre

homens livres pobres" (2000, p. 11).

A autora ainda nos lembra que a palavra latina donde se origina o termo

"trabalho" tripalium, um "instrumento de tortura para empalar escravos rebeldes, e,

derivada de palus, estaca, poste onde se empalam os condenados. E labor (em

latim) significa esforo penoso, dobrar-se sob o peso de uma carga, dor, sofrimento,

fadiga" (CHAU, 2000, p. 12). Porm, esse no o nico significado que a categoria

trabalho possui na histria humana.

Para Marx (1989), o trabalho, antes de qualquer coisa e independente da

formao social a que est submetido, indispensvel para a existncia humana.

atravs dele que o homem realiza o intercmbio material com a natureza, ou seja,

atravs do trabalho que se torna possvel manter a humanidade, na medida em que

ele visto como um conjunto de atividades intelectuais e manuais, organizado pela

espcie humana e aplicado sobre a natureza, visando assegurar sua subsistncia.

Por terem essa concepo que Marx e Engels apontam o trabalho como

sendo um fator determinante na diferenciao do homem para o animal, o que

possvel observar na citao a seguir:

Pode-se distinguir o homem dos animais pela conscincia, pela religio, ou por tudo o que se queira. Mas eles prprios comeam a se diferenciar dos animais to logo comeam a produzir seus meios de vida, passo este que condicionado pela sua organizao corporal. Produzindo seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua prpria vida material (1987, p. 27).

Nesse sentido, Engels (2004) tambm ressalta o importante papel do

14

trabalho na constituio do homem. Segundo esse autor, o trabalho a condio

bsica e fundamental de toda a vida humana, de modo que, at certo ponto

possvel afirmar que ele criou o prprio homem1.

Podemos dizer ento que por meio do trabalho, nesta perspectiva, que o

homem domina as foras da natureza, e por meio dele satisfaz as suas

necessidades vitais bsicas, exteriorizando nele a sua capacidade criadora, ou seja,

pelo trabalho que o homem objetiva suas aspiraes. Desse modo, essa

concepo de trabalho pode ser considerada antpoda quela apresentada

anteriormente, da Bblia e das sociedades escravistas antigas.

No entanto, na concepo marxista, se por um lado o trabalho possui essa

caracterstica de ser o responsvel pelo intercmbio do homem com a natureza,

independente do modo de produo vigente nesta perspectiva denominado de

trabalho concreto, produtor de valor-de-uso por outro, assume caractersticas

especficas em cada modo de produo que a humanidade perpassa.

Podemos tomar como exemplo o feudalismo, onde segundo Engels, havia

uma diviso elementar do trabalho, na qual ocorria a produo individual das coisas.

Assim, naquele perodo no podia existir o problema de a quem pertencem os

produtos do trabalho, pois o produtor individual criava-os com matrias-primas de

sua propriedade, produzidas [...] com seus prprios meios de trabalho e elaborados

com seu prprio trabalho manual ou de sua famlia. No necessitava, portanto,

apropriar-se dele, pois j eram seus pelo simples fato de produzi-los (ENGELS,

2008, p. 97).

Entretanto, na sociedade capitalista ocorrem mudanas significativas, e o

trabalho assume a caracterstica de trabalho abstrato produtor de mercadoria e

valor (valor-de-troca). Isso inicia quando ocorre a concentrao dos meios de

produo em grandes oficinas pertencentes a um capitalista, transformando os

mesmos, que antes eram individuais, em meios de produo sociais, gerando

tambm produtos sociais, que, no entanto, so apropriados de forma individual

(privada). Nas palavras de Engels, no capitalismo

os meio de produo e a produo foram convertidos essencialmente em fatores sociais. E, no entanto, viam-se submetidos a uma forma de apropriao que pressupe a produo privada individual, isto , aquela em

1 Tese sustentada por Engels no seu belo texto intitulado: Sobre o papel do trabalho na transformao do macaco em homem, escrito em 1876.

15

que cada qual dono do seu prprio produto e, como tal, comparece com ele no mercado (2008, p. 98).

Vale ressaltar que, o trabalho til, concreto, e o trabalho abstrato,

socialmente necessrio, so uma mesma atividade considerada em seus diferentes

aspectos, isso porque, como j colocamos acima, o trabalho abstrato uma

abstrao social bem especfica da organizao social capitalista, produtora de

mercadoria. Assim, "a mercadoria assume valor-de-uso por satisfazer alguma

necessidade humana e adquire tambm um valor-de-troca, pelo fato de obter por

seu intermdio, outra mercadoria que serve como valor-de-uso" (TAFFAREL, 1993,

p. 52).

O modo de produo capitalista precisa realizar essa diferenciao entre

valor-de-uso e valor, pois uma dada mercadoria necessita ter caractersticas

distintas das demais, ou seja, precisa de uma qualidade til que a diferencie, caso

contrrio ela no teria necessidade de ser trocada por outras na sociedade.

Por outro lado, para ser possvel a realizao da troca de mercadorias,

necessrio que se encontre algo que exista em todas elas. Esse papel

desempenhado na sociedade atual pelo trabalho abstrato, que nada mais que

dispndio da fora humana, presente em todas as mercadorias, independente de

sua qualidade til.

por esse motivo que em nossa sociedade o valor de uma mercadoria

dado pela quantidade de trabalho abstrato despendido para a fabricao de

determinado produto, ou seja, pelo trabalho socialmente necessrio para a produo

de um valor-de-uso qualquer, em condies de produo normais e com grau social

mdio de destreza e intensidade de trabalho (MARX, 1989).

Autores mais recentes que Marx e Engels tambm tratam desse tema,

dentre os quais destacamos Lukcs (apud ANTUNES, 2005), o qual afirma a

permanncia da centralidade do trabalho para se entender a complexidade das

relaes sociais na atualidade, pois para este autor, em concordncia com Marx, o

trabalho possui o carter de mediador entre o homem e a natureza, ou seja,

atravs dele que o homem consegue produzir os meios que permitem satisfazer as

necessidades bsicas, produzindo e reproduzindo a prpria vida.

Antunes denomina essa forma de os indivduos produzirem sua existncia

de "funes primrias de mediaes" (2005, p. 20), alertando que "nenhum desses

imperativos de mediao primrios necessitam do estabelecimento de hierarquias

16

estruturais de dominao e subordinao" (idem, ibidem).

Por outro lado, na formao social do capital, para este organizar e manter

sua estrutura, o trabalhador alienado de seus meios de produo, bem como, dos

produtos de seu trabalho. Destarte, como o trabalhador no possui mais os meios de

garantir sua subsistncia, v-se obrigado a vender sua fora de trabalho ao

capitalista, que se apropria tanto dos meios de produo, quanto dos produtos e da

fora de trabalho do trabalhador.

Neste aspecto, no importa o tipo de trabalho (qualitativamente) utilizado,

por exemplo, se de alfaiate ou tecelo, pois "embora atividades produtivas

qualitativamente diferentes, so ambas dispndio humano produtivo de crebro,

msculos, nervos, mos etc., e, desse modo, so ambos trabalho humano" (MARX,

1989, p. 51).

O que importa a quantidade de trabalho utilizada para a produo de

determinada mercadoria, pois o valor agregado mesma para a troca vai se dar pela

quantidade de valor-trabalho contida em dada mercadoria, ou, em outros termos, o

valor de determinada mercadoria dado pelo tempo de trabalho socialmente

necessrio produo da mesma. Nas palavras de Marx (1989, p. 51) "o valor da

mercadoria, porm, representa trabalho humano simples, dispndio de trabalho

humano em geral". Esse fenmeno denominado por Antunes de "segunda ordem

de mediaes" (2005, p. 20), que corresponde a um perodo especfico da histria

humana, no qual o capital rege as relaes sociais.

Com essa caracterstica, o trabalho deixa de ser uma atividade que faz parte

da vida, para tornar-se o meio de ganhar a vida, pois o homem no possui mais sua

integralidade, no produz o que consome e no consome o que produz. Passa ento

a ser trabalho estranhado, abstrato, produtor de valor de troca, mercadoria

(ANTUNES, 2005).

Aqui, importante salientar que, na anlise realizada por Marx, este

demonstra que a nica forma de agregar valor mercadoria - esta ltima entendida

como a forma que os produtos do trabalho humano assumem quando a produo

organizada para a troca - atravs do trabalho humano, da explorao da fora de

trabalho humana por parte do capitalista. Isso significa que tal explorao que

garante os lucros ao capitalista, atravs da atividade excedente produzido pela fora

de trabalho em relao ao seu prprio valor, excedente esse denominado de mais

17

valia2.

Isso demonstra que a ciso fundamental entre classe trabalhadora e

burguesia intrnseca ao modo capitalista de produo, visto que o lucro do

capitalista somente ocorre atravs da explorao do trabalhador. Portanto, por ser

uma realidade concreta e no um dogma, que nossa anlise realizada no marco

da luta de classes.

Como possvel observar na discusso sobre a categoria trabalho, a luta de

classes uma realidade, e a partir dela que se ergue o conceito de trabalho

abstrato apresentados por Marx. Fernandes coloca que por maior que seja a

parcela do bolo [salrio] reservada satisfao, seja da aristocracia operria, seja

das classes trabalhadoras como um todo, a ordem capitalista nunca poder se

alterar de modo a subverter a relao bsica entre capital e trabalho (2003, p. 87).

tambm nesse marco que ocorrem as mudanas no mundo do trabalho, o

qual vem assumindo caractersticas complexas, de tal maneira que conduzem a

diferentes interpretaes, por vezes contraditrias, chegando mesmo a questionar a

2 Marx (2006, p. 114-115) assim se refere ao explicar a mais-valia: O valor da fora de trabalho determinado pela quantidade de trabalho necessria para a sua conservao e reproduo, mas o uso dessa fora de trabalho s limitado pela energia e pela fora fsica do operrio. O valor dirio ou semanal da fora de trabalho completamente diferente do funcionamento dirio ou semanal dessa mesma fora de trabalho; so duas coisas completamente distintas, como so coisas diferentes a rao consumida por um cavalo e o tempo em que este pode carregar o cavaleiro. A quantidade de trabalho que limita o valor da fora de trabalho do operrio de modo algum limita a quantidade de trabalho que sua fora de trabalho pode executar. Tomemos o exemplo do nosso tecelo. Para recompor diariamente a sua fora de trabalho, esse operrio precisa reproduzir um valor dirio de 3 xelins, o que realizava com um trabalho dirio de 6 horas. Isso, porm, no lhe tira a capacidade de trabalhar 10, 12 horas ou mais horas diariamente. Mas, ao pagar o valor dirio ou semanal da fora de trabalho do tecelo, o capitalista adquire o direito de usar essa fora de trabalho durante todo o dia ou toda a semana. Portanto, digamos que ir faz-lo trabalhar 12 horas dirias, ou seja, alm das 6 horas necessrias para recompor o seu salrio, ou o valor de sua fora de trabalho, ter de trabalhar outras 6 horas, a que chamarei horas de sobretrabalho, e esse sobretrabalho se traduzir em uma mais-valia e em um sobreproduto. Se, por exemplo, nosso tecelo, com o seu trabalho dirio de 6 horas, acrescenta ao algodo um valor de 3 xelins, valor que constitui um equivalente exato de seu salrio, em 12 horas acrescentar ao algodo um valor de 6 xelins e produzir uma correspondente quantidade adicional de fio. E, como vendeu sua fora de trabalho ao capitalista, todo o valor ou todo o produto por ele criado pertence ao capitalista, que dono, por um tempo determinado, de sua fora de trabalho. Portanto, desembolsando 3 xelins, o capitalista realizar o valor de 6 xelins, pois pelo pagamento do valor de 6 horas e trabalho recebeu em troca um valor relativo a 12 horas de trabalho. Ao se repetir, diariamente tal operao, o capitalista adiantar 3 xelins por dia e embolsar 6 xelins, desse montante, a metade tornar a investir no pagamento de novos salrios, enquanto a outra metade formar a mais-valia, pela qual o capitalista no paga equivalente algum. Esse tipo de troca entre o capital e o trabalho o que serve de base produo capitalista, ou ao sistema do trabalho assalariado, e tem de conduzir, sem cessar, constante reproduo do operrio como operrio e do capitalista como capitalista.

18

importncia da categoria trabalho para a compreenso das relaes sociais na

atualidade.

No iremos aqui aprofundar a discusso sobre a centralidade do trabalho,

at porque o prprio estudo, em sua totalidade, demonstra que defendemos a

permanncia dessa categoria como central na atualidade. Contudo, vamos

brevemente situar o leitor nessa discusso, para que o mesmo compreenda melhor

as bases de nosso posicionamento, de tal defesa, diante das mudanas

contemporneas no mundo do trabalho.

Salientamos que os debates em relao centralidade do trabalho na

compreenso das relaes sociais na atualidade so reflexo das significativas

mudanas pelas quais perpassam o mundo do trabalho e as relaes sociais como

um todo nas ltimas dcadas. Isso ocorre porque alguns autores3 compreendem que

tais mudanas implicam em dinmicas produtivas e relaes sociais distintas das

anteriores, de maneira que o trabalho deixaria de ser uma categoria analtica

importante para compreender as relaes sociais atualmente.

Isso seria justificado, segundo tais autores, principalmente pelo "processo de

diminuio do emprego estvel e assalariado, do desemprego e do trabalho

precrio, como fim de uma utopia de crescimento [...] de estabilidade e de crescente

integrao do trabalho como fator de coeso social" (ORGANISTA, 2006, p. 10).

Na anlise de Organista,

Os debates em torno das mudanas referentes ao mundo do trabalho buscam explicitar os argumentos que advogam que as mudanas ocorridas nas foras produtivas e, conseqentemente, nas relaes de produo apontam para alteraes radicais que, no limite, levaram ou esto levando ao fim da centralidade do trabalho, principalmente em duas direes: a primeira, como atividade ordenadora e fundadora de identidades coletivas, ou seja, a perda da dimenso subjetiva do trabalho enquanto categoria constituinte e constituidora de modos de agir, sentir e pensar, enfim, de uma conduta moral socialmente reconhecida; a segunda, a diminuio de postos de trabalho fundada na regulao e o assalariamento, estabelecendo-se como tendncia uma desconstruo desse processo, atravs de novos padres de produo e organizao do trabalho (2006, p. 11).

Se por um lado temos autores que compreendem esse processo como

sendo uma tendncia ao fim da centralidade o trabalho, dentre os quais podemos

citar, cada um com suas especificidades: Gorz, Offe e Kurz, por outro, h autores,

como Antunes, que, sem deixar de reconhecer o impacto das mudanas em curso,

3 Dentre os quais: Gorz, Offe, Kurz.

19

reafirmam que o trabalho permanece como categoria fundamental para compreender

a sociedade contempornea.

O principal argumento que podemos utilizar para questionarmos o primeiro

grupo que os mesmos identificam trabalho (na dimenso til, trabalho concreto),

com emprego (na dimenso de responsvel pela criao de valor das mercadorias,

trabalho abstrato), e assim, pelo fato de que a dimenso de trabalho assalariado na

forma de emprego estvel est passando por modificaes, de maneira que h uma

maior insero do setor de servios e do trabalho precrio ao ramo produtivo,

entendem que o trabalho perde sua fora enquanto categoria analtica do mundo

social.

No entanto, isso caracteriza apenas uma mudana no nvel do trabalho

abstrato, que uma construo histrica, e no nas bases do trabalho concreto,

condio necessria de existncia humana. Assim, em nosso entender, o trabalho

continua sendo central para a compreenso das relaes sociais.

Concordamos com Lukcs (apud ORGANISTA, 2006), quando coloca que o

ser social (homem) somente pode se constituir enquanto ontologicamente distinto da

natureza desenvolvendo nexos complexos de articulao com o mundo natural. Para

Lukcs, a categoria que faz tal mediao entre o ser social e a natureza o trabalho.

Nas palavras de Organista (2006, p. 14): " o trabalho que permite o salto ontolgico

que possibilita a existncia social".

pelo fato do trabalho ter essa dupla dimenso, que Marx entende ser

possvel "a superao do trabalho alienado, historicamente determinado (...), porm

afirma ser impensvel a existncia de uma sociedade sem trabalho" (ORGANISTA,

2006, p. 31). Nossa compreenso acerca do trabalho possui a mesma direo da

compreenso de Marx. Por tal motivo, entendemos que a afirmao da possibilidade

de uma sociedade sem trabalho se constitui num erro, onde ocorre a reduo do

trabalho concreto ao trabalho abstrato, e por isso nos posicionamos entre os que

defendem ser o trabalho fundamental para a compreenso das relaes sociais.

Acontece que, de fato, tais mudanas vm ocasionando uma diminuio do

emprego estvel e assalariado, ampliao do desemprego e do trabalho precrio, ou

seja, um nmero crescente de trabalhadores levado a sobreviver trabalhando na

economia informal, sem direitos trabalhistas, ou ainda, a desenvolverem trabalhos

com contratos temporrios, sem garantia de que no dia seguinte continuaro

atuando em tais postos.

20

Frigotto (2001) alerta para esta crescente subsuno do trabalho ao capital,

onde este ltimo, centrado no monoplio crescente das novas tecnologias

microeletrnicas associadas informtica, rompe com as fronteiras nacionais e

globaliza-se de forma violenta e excludente, sem precedentes. Essa incorporao

das tecnologias microeletrnicas no processo produtivo permite o crescimento da

produtividade ao mesmo tempo em que diminui os postos de trabalho, ocasionando

aumento de desempregados e subempregados, o que significa aumento da misria,

da fome e da barbrie social.

Assim, a lgica do capital vai elevando a sua estrutura, o seu sistema, a

nveis cada vez mais totalizantes, qual se subjugam "desde as menores unidades

do seu 'microcosmo' at as maiores empresas transnacionais, desde as mais ntimas

relaes pessoais at os mais complexos processos de tomada de deciso no

mbito dos monoplios industriais" (ANTUNES, 2005, p. 25).

Diante disso, a Educao Fsica, sendo uma manifestao da cultura

humana inserida nessa formao econmica e social, tambm sofre influncia da

lgica do capital e da reestruturao produtiva imposta por este, trazendo consigo

mudanas no mundo do trabalho.

A Educao Fsica, entendida como algo particular, no est desligada das

relaes sociais, pois a mesma, apesar de possuir singularidades no que se refere

ao seu trabalho, possui tambm relao com o trabalho em geral, e, dessa forma,

tambm influenciada pelas mudanas que vm ocorrendo no mundo do trabalho

nas ltimas dcadas.

J existem estudos que apontam para essa relao, no que se refere s

mudanas no mundo do trabalho, em geral, e, s mudanas no trabalho da

Educao Fsica, em particular, dentre os quais merece destaque, pela riqueza de

relaes que apresenta, o estudo de Nozaki (2004)4 onde o autor demonstra que

diante das novas necessidades de formao do trabalhador colocadas ao campo

educacional pela reestruturao produtiva, a Educao Fsica perde na escola, de

forma imediata, a centralidade que teve no projeto pedaggico dominante em outros

perodos histricos no Brasil.

Alm disso, o autor ressalta que, se por um lado, para o projeto educacional

4 Referimo-nos tese de doutorado do autor, denominada: Educao Fsica e reordenamento no mundo do trabalho: mediaes da regulamentao da profisso.

21

dominante que busca a formao de um "trabalhador polivalente, com capacidade

de abstrao, raciocnio lgico (...)" (NOZAKI, 2004, p. 07), a Educao Fsica perde

sua centralidade, por outro, ainda com relao s prprias mudanas no mundo do

trabalho, ela mesma assume a posio de trabalho precrio, ampliando cada vez

mais sua atuao em um campo onde no h direitos trabalhistas, ou seja,

adentrando cada vez mais no setor de servios, de trabalho por conta prpria.

Entendemos no ser por coincidncia que, exatamente neste momento em

que a Educao Fsica amplia sua atuao no espao no-escolar, a mesma passe

por um processo de reestruturao curricular, onde temos como desfecho a

formao de "bacharis" que atuaro de forma especfica em tal esfera. Por esse

motivo procuramos enfatizar a anlise na formao, apontando como a mesma se

constitui numa importante mediao entre a Educao Fsica e as novas

necessidades do mundo do trabalho.

A partir disso, como forma de balizar nosso estudo, levantamos algumas

questes:

1.1. Questes de estudo:

1) Quais as caractersticas das atuais mudanas no mundo do trabalho? 2)

Sob que bases se do essas mudanas? 3) Quais as mediaes dessas mudanas

na Educao Fsica? 4) Quais os impactos dessas mudanas do mundo do trabalho

no trabalhador da Educao Fsica?

Alm das perguntas acima que nortearo o estudo, levantamos o seguinte

problema de pesquisa:

1.2. Problema da pesquisa:

Quais as caractersticas das atuais mudanas no mundo do trabalho e suas

mediaes5 na Educao Fsica?

5 A categoria mediao, sob o ponto de vista do materialismo dialtico, possui um carter de complexidade, de unidade intrnseca e de criao do outro. Um elemento, mediado pelo outro, no pode sobreviver sem ele, que o determina, mas que tambm determinado pelo primeiro, transformando-se constantemente, em razo da relao criada (NOZAKI, 2008).

22

1.3. Objetivos:

1.3.1. Objetivo Geral:

Analisar as atuais mudanas no mundo do trabalho e suas mediaes na

Educao Fsica.

1.3.2. Objetivos Especficos:

1) Investigar as atuais mudanas no mundo do trabalho;

2) Analisar os impactos das mudanas no mundo do trabalho, na atividade

profissional do trabalhador de Educao Fsica;

3) Investigar a que interesses, na relao capital-trabalho, a formao profissional da

Educao Fsica vem atendendo na sua atual fundamentao e estruturao.

1.4. Metodologia:

O estudo foi desenvolvido na abordagem do Materialismo Histrico e

Dialtico. Assim, sendo fiel s caractersticas dessa abordagem, percorremos em

nosso trabalho a seguinte lgica no movimento do conhecimento: partimos do

emprico, da realidade catica, seguindo para a anlise das mltiplas determinaes

que envolvem o tema pesquisado, atravs das abstraes o que nada mais que

buscar o ainda desconhecido contido no j conhecido - e ento retornamos ao

concreto, na forma de sntese, apresentando um entendimento mais elaborado no

que se refere s mudanas no mundo do trabalho e suas mediaes na Educao

Fsica.

Sabemos que em pesquisa existem vrios enfoques construdos ao longo da

histria, dentre os quais: o positivismo, a fenomenologia, o marxismo e, atualmente,

surgem pesquisas com os enfoques: ps-estruturalista e/ou ps-moderno.

Pois bem, em nosso entender, a escolha do enfoque que o pesquisador

utiliza em seu estudo, no pode se dar pelo acaso, da mesma maneira que no

devemos utilizar uma miscelnea de diferentes enfoques, visto que o pesquisador

necessita ter claras as concepes de homem, de mundo, de educao e no caso

de nossa rea, de Educao Fsica, que do sustentao e so sustentados por

23

cada um desses enfoques. A partir da, precisa analisar qual dos enfoques mais se

aproxima de suas concepes, podendo assim desenvolver um estudo coerente com

o mesmo.

Nesse sentido, justificamos o uso do mtodo dialtico materialista, pois

primeiramente, esta perspectiva metodolgica que mais se aproxima das nossas

concepes, e, em segundo lugar, porque compreendemos que esse enfoque de

pesquisa d conta de alcanar os objetivos que colocamos a esse estudo, pois

"pensa a relao da quantidade com uma das qualidades dos fatos e fenmenos.

Busca encontrar, na parte, a compreenso e a relao com o todo" (MINAYO, 1998,

p. 24-25).

Esse mtodo cientfico apresentado, de forma explcita, por Marx, no ano

de 1859, em seu texto "Introduo contribuio para a crtica da economia

poltica", onde o mesmo assim apresenta:

[...] se comessemos simplesmente pela populao, teramos uma viso catica do conjunto. Por uma anlise cada vez mais precisa chegaramos a representaes cada vez mais simples; do concreto inicialmente representado passaramos a abstraes progressivamente mais sutis at alcanarmos as determinaes mais simples. Aqui chegados, teramos que empreender a viagem de regresso at encontrarmos de novo a populao desta vez no teramos uma idia catica do todo, mas uma rica totalidade com mltiplas determinaes e relaes (MARX, 2008a, p. 01).

Ao nos apropriarmos do mtodo dialtico materialista para a pesquisa que

aqui propomos, nos posicionamos no sentido de admitir a existncia da realidade

objetiva, ou seja, de que existe uma realidade independentemente das idias e do

pensamento. Ao pensamento humano, portanto, cabe apreender, compreender e

relacionar as relaes contraditrias e conflitantes dos fatos que ocorrem no plano

da realidade, atuando sobre elas.

Nesse sentido, compreendemos que nosso objeto de estudo possui essa

existncia no plano da realidade, e, sendo assim, buscamos realizar uma apreenso

radical do mesmo, na tentativa de contribuir para avanarmos na construo do

conhecimento de maneira que este possa ser utilizado como instrumento para

transformar a realidade do tema pesquisado.

Para isso, trabalharemos com as categorias marxistas: "fenmeno" e

"essncia", onde "o fenmeno o conjunto dos aspectos exteriores, das

propriedades, e uma forma de manifestao da essncia" (CHEPTULIN, 1982, p.

278), enquanto que essa ltima (a essncia), conforme o mesmo autor o "conjunto

dos aspectos e das ligaes internos da coisa" (p. 279).

24

Assim, se num primeiro momento, atravs da representao primeira que

temos por meio de nossos sentidos, a Educao Fsica comea a "desbravar" por

novos mercados de trabalho, uma anlise mais detalhada, atravs de estudos

cientficos que analisem as relaes entre o singular e o geral neste particular,

podemos concluir que, essencialmente, existem vrios aspectos no apreendidos

naquela representao, aspectos que podem at mesmo ser contraditrios em

relao quela.

Kosik traz importantes contribuies para que possamos melhor

compreender o papel da dialtica materialista nessa relao entre o fenmeno e a

essncia. Para este autor, "a dialtica trata da 'coisa em s'. Mas a 'coisa em s' no

se manifesta imediatamente ao homem" (1995, p. 13). Com isso, o autor quer dizer

que as coisas no se apresentam aos homens, primeira vista - no trato prtico-

utilitrio, no cotidiano - como resultado de anlise e compreenso terica que busca

compreender as mltiplas determinaes que envolvem a mesma, e sim, como

representao das coisas, onde o homem "elabora todo um sistema correlativo de

noes que capta e fixa os aspectos fenomnicos da realidade" (idem, p. 14).

Todavia, essa prxis utilitria dos indivduos, na qual os mesmos precisam

desenvolver determinadas representaes para dar conta dos desafios que lhe

surgem diariamente, faz com que elaborem um mundo da, segundo Kosik (1995, p.

15), "pseudoconcreticidade", de tal maneira que esse conjunto de representaes do

"pensamento comum" (idem, p. 14), sejam diferentes e muitas vezes contraditrias

com a estrutura das coisas, ou seja, com seu ncleo essencial e o seu conceito

correspondente.

A perspectiva dialtica de pesquisa, portanto, busca superar o mundo da

pseudoconcreticidade, alcanando a concreticidade, de maneira a compreender as

vrias relaes que envolvem o fenmeno estudado, entendendo que tal fenmeno

no pode ser compreendido na totalidade6, sem que se analisem as relaes das

6 importante esclarecermos, desde j, nosso entendimento em relao a totalidade, para evitar confuses que vm ocorrendo acerca deste termo. Nossa compreenso possui respaldo em Kosik (1995), quando este coloca que: Existe uma diferena fundamental entre a opinio dos que consideram a realidade como totalidade concreta, isto , como um todo estruturado em curso de desenvolvimento e de auto-criao, e a posio dos que afirmam que o conhecimento humano pode ou no atingir a totalidade dos aspectos e dos fatos, isto , das propriedades das coisas, das relaes e dos processos da realidade. No segundo caso, a realidade entendida como o conjunto de todos os fatos. Como o conhecimento humano no pode jamais, por princpio, abranger todos os fatos pois sempre possvel apresentar fatos e aspectos ulteriores a tese da concreticidade ou da totalidade considerada mstica. Na realidade, totalidade no significa todos os fatos. Totalidade

25

singularidades do fenmeno estudado, com o geral.

Tambm Snchez Vzquez defende e demonstra a importncia que possui o

mtodo dialtico materialista na pesquisa cientfica. Para este autor, o homem

comum e corrente

no percebe at que ponto, com seus atos prticos, est contribuindo para escrever a histria humana, nem pode compreender at que grau a prxis necessita da teoria, ou at que ponto sua atividade prtica se insere numa prxis humana social, o que faz com que seus atos individuais influam nos demais, assim como, por sua vez, os destes se reflitam em sua prpria atividade (1990, p. 15).

Partindo dessa constatao, o autor defende que a destruio da atitude

prpria conscincia comum condio indispensvel para superar toda

conscincia mistificada da prxis e ascender a um ponto de vista objetivo, cientfico,

a respeito da atividade prtica do homem.

Como instrumento para possibilitar tal objetivo, ele defende a utilizao do

marxismo, ou, nos termos do autor, da filosofia da prxis, entendida como "uma

filosofia de ao transformadora e revolucionria, na qual a atividade em sua forma

abstrata, idealista, foi invertida para colocar de cabea para cima a atividade prtica

real, objetiva do homem como ser concreto e real, isto , como ser histrico-social"

(SNCHEZ VZQUEZ, 1990, p. 46).

1.4.1. Desenvolvimento do estudo

Para realizarmos esse caminho, desde o ponto de partida de nossa

investigao onde temos um entendimento ainda catico do objeto de estudo, ao

ponto de chegada, onde possumos um entendimento da totalidade do mesmo, com

as mltiplas determinaes que envolvem tal objeto, houve a necessidade de

passarmos pelas abstraes, onde analisamos as determinaes que constituem

essa totalidade.

Assim, ainda na introduo, fizemos um apanhado histrico da categoria

trabalho, apresentando algumas das diferentes compreenses que esta possui (e

obteve historicamente), mas, principalmente, realizamos um levantamento da

discusso marxista sobre o trabalho concreto e o trabalho abstrato, com o objetivo

significa: realidade como um todo estruturado, dialtico, no qual ou do qual um fato qualquer (classe de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido (KOSIK, 1995, p. 44-45, grifos no original).

26

de esclarecer o leitor acerca dessas duas dimenses do trabalho e da defesa da

centralidade da categoria trabalho na atualidade.

No primeiro captulo, realizamos uma discusso com base na literatura

acerca da mundializao do capital em sua fase imperialista, enfatizando dentro

desta perspectiva a reestruturao produtiva e a redefinio do papel do Estado,

para apontarmos as mudanas que vm ocorrendo no mundo do trabalho nas

ltimas dcadas, bem como os impactos dessas mudanas aos trabalhadores.

No segundo captulo, ainda com base no conhecimento culturalmente

produzido e historicamente acumulado, tratamos das mediaes que essas

mudanas no mundo do trabalho possuem na Educao Fsica, enfatizando o forte

embate de projetos que nossa rea teve no processo de elaborao de suas

Diretrizes Curriculares, de maneira a apontarmos a que interesses vem servindo a

formao em Educao Fsica nos moldes que vem ocorrendo atualmente.

No terceiro captulo, buscamos aprofundar a discusso sobre as mediaes

das mudanas no mundo do trabalho na Educao Fsica com base em dados

empricos. Para isso, elaboramos um roteiro, por intermdio do qual realizamos

entrevistas semi-estruturadas. Utilizamos tal instrumento porque entendemos que

"ao mesmo tempo que valoriza a presena do investigador, oferece todas as

perspectivas possveis para que o informante alcance a liberdade e a

espontaneidade necessrias, enriquecendo a investigao" (TRIVIOS, 1992, p.

146).

Faz-se necessrio esclarecer que a escolha desse instrumento no ocorreu

sem inteno. Pelo contrrio, buscamos delimitar de maneira clara nossa posio

terica, para que o leitor saiba qual a concepo de cincia que estamos

defendendo. Assim, ao escolhermos um instrumento que propicie essa inter-relao

entre sujeito e objeto da pesquisa, no estamos simplesmente escolhendo uma

tcnica de coleta e anlise de dados, mas sim, nos apropriando de uma concepo

de cincia, na qual participam tanto o sujeito quanto o objeto na pesquisa, um

influenciando e sendo influenciado pelo outro, o que coerente com o mtodo

cientfico dialtico-materialista.

A construo dos questionamentos bsicos que inserimos em nosso

instrumento provm das leituras da realidade a qual est submetido o mundo do

trabalho hoje, de maneira geral, realizada por autores que contribuem na construo

do conhecimento sobre esse tema de pesquisa. O que queremos dizer com isso,

27

que as perguntas no foram elaboradas a priori, e sim, apoiadas em teorias e

hipteses que tnhamos em nosso estudo.

Como no havia a possibilidade de entrevistarmos todos os professores que

atuavam em todos os espaos onde a Educao Fsica se insere na cidade de

Pelotas, durante a realizao do mestrado, buscamos entrevistar alguns (amostra), a

partir de contatos e pr-agendamento, que trabalham nestes mais diferentes

espaos de atuao da Educao Fsica, com o objetivo de abranjer as condies

de trabalho nesses diferentes campos.

Ainda assim, nossa amostra no conseguiu alcanar todos os espaos de

interveno da Educao Fsica, mas entendemos que os dados coletados foram

suficientes para conseguirmos realizar uma boa anlise das mediaes das

mudanas no mundo do trabalho na Educao Fsica, visto que entrevistamos

professores e estagirios de escolas pblicas (municipal e estadual), de clubes,

professores que atuam com ginstica laboral em um Banco, personal trainers,

trabalhadores de academias, de uma instituio ligada Secretaria Municipal de

sade de Pelotas, de um SPA e de um centro de ginstica personalizada.

Aps a coleta desses dados, sob a forma de entrevistas, as mesmas foram

transcritas integralmente e posteriormente analisadas. Nessa anlise foram

construdas as categorias consideradas essenciais para a realizao de nossa

pesquisa. Segundo Trivios, nesse momento que "a reflexo, a intuio, com

embasamento nos materiais empricos, estabelecem relaes [...] chegando, se

possvel [...] a proposta de transformaes nos limites das estruturas especficas e

gerais" (1992, p. 161-162).

Esses dados empricos analisados e o conhecimento j produzido acerca

desse tema, nos do condies de analisarmos as mediaes das mudanas

contemporneas no mundo do trabalho na Educao Fsica, tanto no que se refere

s mudanas no trabalho da ltima, quanto na compreenso de, a que interesses na

relao de tenso entre capital-trabalho, a atual lgica de formao dos cursos de

Educao Fsica, com a fragmentao entre bacharelado e licenciatura proposta

pelas atuais Diretrizes Curriculares, vm atendendo.

28

Para finalizar nosso estudo, realizamos uma sntese, onde procuramos

demonstrar as mediaes das mudanas no mundo do trabalho na Educao Fsica,

apontando aes necessrias para a superao do quadro de histrica subsuno

da Educao Fsica ao capital, rumo a uma Educao Fsica mais comprometida

com os interesses histricos da classe trabalhadora.

29

II. MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO: A REESTRUTURAOPRODUTIVA E A RECONFIGURAO DO PAPEL DO ESTADO

T vendo aquele edifcio, moo, ajudei a levantar,

foi um tempo de aflio, eram quatro conduo,

duas para ir, duas para voltar,

hoje depois de ele pronto, olho para cima e fico tonto,

mas me vem um cidado, e me diz desconfiado:

tu t a admirado, ou t querendo roubar?

Meu domingo t perdido, vou pra casa entristecido,

d vontade de beber.E pra aumentar o meu tdio,

eu nem posso olhar pro prdio, que eu ajudei a fazer! T vendo aquele colgio moo, eu tambm trabalhei l,

l eu quase me arrebento, fiz a massa, pus cimento,

ajudei a rebocar! Minha filha inocente vem pra mim toda contente:

pai vou me matricular! Mas me diz um cidado: Criana de p no cho, aqui no pode estudar!

Essa dor doeu mais forte, porque que eu deixei o norte,

eu me pus a me dizer. L a seca castigava,

mas o pouco que eu plantava, tinha direito a comer!

(Fragmento da msica "Cidado" de Z Ramalho)

Conforme j demonstramos na introduo, o trabalho, na sociedade

capitalista, assume duplo carter: concreto, pois produz valor-de-uso, e; abstrato,

porque produz valor. Contudo, as particularidades do trabalho abstrato se

reordenam conforme as caractersticas de determinados perodos desta sociedade,

bem como, conforme se d o avano das foras produtivas no modo de produo

capitalista.

Torna-se necessrio, ento, analisarmos as estratgias de organizao do

trabalho nos diferentes perodos da sociedade capitalista. Analisamos aqui as mais

recentes, que se configuraram no intervalo compreendido entre a segunda metade

do sculo XIX e primeira metade do sculo XX, pois foi nesse perodo que eclodiram

as principais transformaes cientificas e tecnolgicas sobre as quais se

fundamentam, com poucas mudanas, nossas condies atuais de vida (PINTO,

2008, p. 14).

Segundo esse autor, desde a Antiguidade Clssica havia a preocupao

com a organizao do trabalho, visto que seria impossvel a construo, por

exemplo, das pirmides do Egito, ou ainda, da cidade de Machu Picchu pelos Incas,

se os mesmos no tivessem realizado uma prvia-ideao, contendo detalhes

30

importantes da execuo de tais obras.

No entanto, quando essa organizao do trabalho realizada tendo como

base o modo de produo capitalista, ela acaba por assumir um carter de

subsuno aos interesses do capital, ou seja, est submetida aos interesses da

classe detentora dos meios de produo.

Esse carter acaba se destacando porque com a evoluo do sistema

produtivo e do comrcio, tambm comeam a ser elencados prazos para serem

cumpridos com maior preciso, bem como maior qualidade dos produtos. Como a

competio intercapitalista foi se ampliando, os empresrios, donos dos meios de

produo, necessitaram utilizar estratgias para se manterem no mercado e

superarem seus concorrentes.

Por esses motivos, ocorre um grande aumento do controle do trabalho

humano, de maneira que aquele (o controle)

saltou para dentro dos processos produtivos e a instaurou, pelo menos at os dias atuais, a clivagem no somente tcnica mas sobretudo social do trabalho, que destina aos trabalhadores direitos e deveres diversos em relao aos empregadores, no que tange ao planejamento, coordenao e execuo das atividades de trabalho (PINTO, 2008, p. 20).

nesse contexto que se intensifica a estruturao do trabalho a partir da

separao entre a administrao (gerncia) e a execuo da produo. Tal processo

j inicia a sua configurao no sistema de manufatura, onde havia a reunio de um

nmero relativamente grande de trabalhadores sob um mesmo teto, empregados

pelo proprietrio dos meios de produo, executando um trabalho coordenado, num

mesmo processo produtivo (ANDERY et al., 2001, p. 172). Nesse sistema o

trabalhador j executava um trabalho parcial. No entanto, ainda era ele quem

determinava o tempo socialmente necessrio para a produo da mercadoria.

O fato do tempo de produo ser determinado pelo executante do trabalho

configurava um entrave para o avano do capital. Diante disso, por meio de uma

maior relao entre capital e cincia, so realizadas pesquisas que ampliam o

desenvolvimento tecnolgico e apresentam inovaes na produo industrial.

Com isso, elaboram-se maquinarias mais autnomas, atravs da

apropriao das tcnicas de execuo dos trabalhadores, de maneira que estes

ltimos acabam se tornando um apndice daquelas. Essa , pois a caracterizao

do sistema fabril, que se diferencia da organizao do trabalho na manufatura

especialmente porque nele a mquina [que] determina o ritmo do trabalho e [ela

31

a] responsvel pela qualidade do produto (ANDERY et al., 2001, p. 174).

Esse passo foi um grande marco no desenvolvimento do modo de produo

capitalista, pois possibilitou

a acumulao crescente de bens e capitais em posse do empresariado [fazendo surgir] outros ramos, dentre os quais as primeiras formas de financiamento de grandes investimentos na indstria, visando ampliar sua escala de produo, processo que resultou nos grandes monoplios e oligoplios transnacionais existentes atualmente em vrios setores (PINTO, 2008, p. 22).

Foi esse passo que possibilitou, posteriormente, a revoluo industrial.

Desde ento at nossos dias, o que percebemos uma maior racionalizao da

organizao do trabalho, de tal forma que a mesma acabou se tornando uma rea

especfica do conhecimento passvel de ser acumulada, sistematizada,

experimentada, compendiada e elaborada teoricamente por agentes que no

fossem, necessariamente, os executores desse trabalho (PINTO, 2008, p. 25).

Essa organizao ocorre, atualmente, por intermdio de modelos de

organizao da produo. Os principais modelos que organizaram a produo no

sculo XX foram: o fordismo, o taylorismo e, nas ltimas dcadas daquele sculo,

bem como, no incio do sculo XXI, surge e vem se ampliando o modelo toyotista

(tambm conhecido como ohnismo ou modelo de produo flexvel).

Cada um desses modelos possui suas particularidades no que se refere

organizao e sistematizao do trabalho abstrato, embora em todos eles

permanea o essencial da sociedade capitalista: a obteno por parte do capitalista

de mais-valia do trabalhador que vende a sua fora de trabalho para sobreviver.

No entanto, essas relaes de trabalho e seus diferentes modelos de

organizao no se constituem pelo acaso, de forma natural. Antes disso, so fruto

das relaes sociais a que estamos submetidos, ou seja, h um propsito, um

direcionamento teleolgico nisso: a manuteno da sociedade de classes e do

poderio econmico nas mos dos capitalistas em detrimento das condies de vida

de muitos trabalhadores.

Assim, embora as aes da burguesia para a derrubada da aristocracia

tiveram, na sua origem, um carter revolucionrio, a estrutura de classes da

sociedade capitalista delimitou esse carter, pois como coloca Fernandes

O raio de revoluo era determinado, fundamentalmente, pela posio de classe da burguesia: esta tinha de optar entre uma utopia revolucionria largamente extracapitalista, em suas origens histricas, e os ditames egosticos da conscincia burguesa, regulados pela reproduo ampliada

32

do capital e pela necessidade de impedir que a revoluo oscilasse definitivamente para as mos do proletariado (2003, p. 66).

Diante disso, como nos mostra a histria, cresceu o carter conservador e

reacionrio da burguesia, de modo que, para manter o status quo, a mesma

fomentou sucessivas revolues tcnicas, dentro e atravs do capitalismo, inclusive

absorvendo, filtrando e satisfazendo parcialmente presses especificamente

anarquistas, sindicalistas e socialistas das massas operrias, pelas quais se alargou

e se modificou a democracia burguesa (FERNANDES, 2003, p. 66-67).

Quando a burguesia assume a posio de se manter a classe possuidora e

concentradora dos meios de produo, ela busca de todas as formas frear as

tentativas de revoluo que avancem ao patamar de uma sociedade sem classes,

que a perspectiva da revoluo comunista.

Para tanto, fazem erguer-se as caractersticas gerais do modo de produo

capitalista, as quais permanecem nas diferentes etapas do mesmo, que so: a) o

proletariado tem que [...] vender a sua fora de trabalho burguesia; b) a burguesia

emprega operrios para se apropriar da mais-valia que eles produzem; c) o lucro

continua a ser a finalidade ltima do capitalismo (HARNECKER; URIBE, 1980, p.

21).

Alm disso, ampliam a organizao social capitalista, implantando

maquinaria que cumpre cada vez maiores funes no sistema produtivo. Com isso,

consegue avanar contra a organizao da classe trabalhadora, mantendo relaes

cada vez mais ntimas com a cincia, de modo a criar modelos mais eficientes de

organizao produtiva e ampliam a expanso do capital para alm das fronteiras

nacionais atravs de uma das caractersticas do que Lenin (1982) denominou de

Imperialismo, em seu livro: "O Imperialismo: fase superior do capitalismo".

Podemos ainda considerar que atualmente dentro da prpria fase

imperialista do capitalismo, passamos por uma configurao mais especfica,

denominada globalizao neoliberal (VASAPOLLO, 2007) ou, como denomina

Chesnais (1996), mundializao do capital.

Lenin (1982) apresenta alguns elementos caractersticos do Imperialismo: 1)

concentrao da produo dos monoplios; 2) Fuso do capital industrial com o

capital bancrio, sendo que os bancos cada vez crescem mais de maneira que se

tornam oligarquias financeiras; 3) exportao de capitais, muitas vezes utilizados na

especulao financeira ao invs de serem destinados investimentos na produo;

33

4) a partilha do mundo entre as grandes potncias.

Compreendemos que atualmente essas caractersticas continuam regendo o

mundo, inclusive se intensificando, como possvel perceber nas fuses de bancos

e de grandes empresas transnacionais.

Atualmente, em sua etapa de globalizao neoliberal, o imperialismo

apresenta algumas caractersticas particulares, como a "distribuio das cadeias de

produo em diversos pases nas fileiras produtivas internacionais, dos fluxos de

troca, da financeirizao da economia e da denominada interdependncia entre os

diferentes pases" (VASAPOLLO, 2007, p. 41).

Segundo esse autor, isso se d porque ocorre a diversificao dos produtos

no comrcio mundial, provocando aumento na concorrncia capitalista internacional,

pois para uma dada empresa conseguir se manter num mercado mundializado,

necessita oferecer produtos de menor valor. Para contrabalanar o que perde pela

diminuio do valor de sua mercadoria, a mesma necessita expandir seu mercado

consumidor, bem como buscar matria-prima e fora de trabalho que barateiem a

produo. Alm disso, compra empresas menores, ou at mesmo faz fuses com

outras grandes empresas.

Para demonstrarmos com dados empricos que as caractersticas do

imperialismo continuam regendo a sociedade, basta atentarmos para a notcia

veiculada no Jornal da Globo, no dia 14 de Julho de 2008, de que a empresa de

bebidas "AMBEV" comprou a empresa norte-americana "Budweiss", ficando dessa

maneira com a fatia de 35,3% do mercado mundial no ramo de bebidas. Alm disso,

a soma das trs maiores empresas de bebidas do mundo corresponde a mais de

50% do mercado daquele ramo. Como podemos denominar isso, se no:

"concentrao de produo nos monoplios"?

Acontece que o imperialismo ganhou solo frtil nos pases dependentes

pelas teorias a propagadas de que o atraso no desenvolvimento dos mesmos se d

pelo que as mesmas denominam de crculo vicioso da misria, a qual afirma que

os homens so pobres porque produzem pouco, e produzem pouco porque so

demasiado pobres (HARNECKER; URIBE, 1980, p. 13).

Visto dessa maneira, a nica alternativa que resta a tais pases a busca de

socorro externo, ou seja, o auxlio dos pases do capitalismo central e,

consequentemente, a aceitao das imposies feitas pelos organismos

internacionais Banco Mundial (BM) e Fundo Monetrio Internacional (FMI), entre

34

outros.

No entanto, se analisarmos a histria da Amrica Latina e do Brasil, veremos

que esses pases mantiveram relaes com os pases centrais da economia desde a

conquista por parte destes e nem por isso deixaram de ser perifricos. Ao contrrio,

essa relao foi, desde sempre, uma relao de conquista militar, saque e

pilhagem (HARNECKER; URIBE, 1980, p. 17). Aps tais conquistas, os ncleos

europeus mantiveram uma relao com as colnias onde inicia-se uma fase de

intenso comrcio altamente lucrativo para os europeus e que lhes permitiu uma

acumulao de riqueza (idem, ibidem).

No objetivo deste trabalho fazer uma anlise histrica do

desenvolvimento do capitalismo mundial, mas somente o processo acima apontado

j nos ajuda a compreender as reais origens da riqueza de alguns pases e do baixo

nvel de desenvolvimento de outros. essa explorao que, por um lado empobrece

os pases explorados, e, por outro, cria as condies econmicas e materiais para o

crescimento da indstria capitalista e o alargamento do domnio das suas relaes

de produo.

A concorrncia intercapitalista converte a capacidade de aperfeioamento

das mquinas num processo imperativo. Obriga todo o dono dos meios de produo

a melhorar continuamente a sua maquinaria, sob pena de perecer. Com isso, para

se manter competitivo, o capitalista precisa: a) expandir ao mximo o raio de

atuao de sua empresa, buscando conseguir matria-prima e mo de obra mais

baratos no exterior e; b) ampliar a taxa de mais-valia sobre os trabalhadores.

Precisa, portanto, aumentar o uso da maquinaria e, consequentemente,

excluir do processo produtivo um nmero cada vez maior de trabalhadores,

ampliando assim o exrcito industrial de reserva, o que, at certo ponto, benfico

ao sistema, pois obriga os trabalhadores aceitarem condies de trabalho mais

precrias expandindo assim a taxa de mais-valia.

So essas as condies objetivas que determinam o crescente avano do

imperialismo, que uma tentativa do capital superar a crise de acumulao e

consequente diminuio na taxa de lucros. Nesse sentido, a crise dos anos 70 do

sculo XX foi "provocada pelo esgotamento do Estado de bem-estar, conjugado ao

padro de acumulao fordista" (NOZAKI, 2004, p. 76). No entanto, nos anos 1929 e

30, o Estado de Bem-Estar e o fordismo foram as formas encontradas pelo capital

para superar outra crise pela qual o mesmo perpassava naquele perodo.

35

Nesse mote, para podermos compreender a crise dos anos 1970, torna-se

necessrio conhecermos um pouco das tticas do capital para gerenciar a crise dos

anos 1929-30, bem como, o desenvolvimento das mesmas at culminar em uma

nova crise, nos anos 1970, para ento tratarmos mais especificamente das tticas

atuais que o capital vem empreendendo no sentido de se reordenar para manter sua

hegemonia.

Salientamos ainda que o capital possui como caracterstica atravessar vrias

crises estruturais, sendo que a essncia das mesmas, segundo Pupo (1991 apud

TAFFAREL, 1993, p. 65) " uma forte reduo do processo de acumulao do

capital em nvel global nos pases centrais".

Assim, apesar dessas crises serem estruturais, o capital, como no poderia

deixar de ser, busca sempre se reordenar no limite fenomnico. O que queremos

dizer com isso que o sistema capitalista busca superar tais crises mudando sua

forma, se reordenando, mas na essncia mantm, e at mesmo intensifica, sua

lgica de explorao do homem pelo homem, sua lgica de sobre-trabalho para os

trabalhadores e de lucro para os capitalistas, ou seja, a busca da superao da crise

pelos capitalistas no visa transformao do sistema de forma radical.

Nesse sentido, se nos reportarmos a crise dos anos 1929-30, veremos que o

Estado de Bem-Estar Social, ou Welfare State, foi uma resposta dos pases do

capitalismo central, no contexto de reconstruo da Europa ps-Segunda Guerra

Mundial, na tentativa de contornar a crise provocada pela superproduo, a qual

gerou desemprego em massa e queda das taxas de lucro dos capitalistas.

Teve como base uma planificao econmica por parte do Estado,

denominada de keynesianismo, que agia com uma pesada interveno no processo

econmico-social. Nesse sentido, traduziu-se em polticas de assistncias sociais

como a poltica de pleno emprego, a qual envolvia a sua estabilidade, seguro

desemprego, polticas de renda com ganhos de produtividade, previdncia social,

direito educao, subsdio no transporte, entre outras (OLIVEIRA, 1998 apud

NOZAKI, 2004, p. 77).

Essas polticas do Estado de Bem-Estar erigiram-se sobre o modelo de

desenvolvimento ou padro de acumulao fordista, atravs de um compromisso

onde o movimento operrio dos pases do capitalismo central, tendo como base a

colaborao de classes, deveria lutar apenas por conquistas imediatas e

econmicas, dentro de uma perspectiva corporativista, em detrimento da defesa do

36

projeto histrico socialista.

Tal compromisso tambm se pautou, de outro lado, na potencializao da

explorao do trabalho nos pases do capitalismo perifrico, o que se fez, porm,

sem o retorno das polticas assistencialistas aos trabalhadores. Assim, o binmio

taylorista/fordista, tornou-se, para alm de um simples padro de acumulao e de

organizao do trabalho, um modo social e cultural de vida aps a Segunda Guerra

Mundial (ANTUNES, 2005).

Esse modelo surge, tambm, com o objetivo de manter a hegemonia do

modo de produo capitalista e impedir a ampliao da ameaa de revoluo

proletria. Assim, dentre outros objetivos, o Estado de Bem-Estar teve o papel de

criar um modo de vida compatvel com os interesses do capital, ao mesmo tempo

em que procurou suplantar as revoltas proletrias que colocavam em risco tal

hegemonia.

Durante o sculo XX, foi esse o modelo de organizao que predominou no

mundo do trabalho. Em linhas gerais, o binmio taylorista/fordista baseava-se na

produo em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produo

mais homogeneizada e enormemente verticalizada (ANTUNES, 2005). Nesses

modelos ocorre intensa simplificao e fragmentao do trabalho: cada sujeito

(trabalhador) executa um conjunto de atividades repetitivas, sendo que o taylorismo

o mtodo de gerncia cientfica deste trabalho, o qual busca a racionalizao das

operaes efetuadas pelos operrios, evitando desperdcio de tempo e

maximizando, pois, dessa forma, a mais-valia relativa.

Taylor, em sua proposta de organizao cientfica do trabalho, defendeu de

maneira veemente uma maior sistematizao da j existente separao entre

gerncia e execuo do trabalho. Segundo ele, aos primeiros caberia a organizao

de mtodos e tcnicas de trabalho, e aos segundos apenas a execuo mecnica

com a maior eficincia possvel. Para isso foram planejadas estratgias de vigilncia

para regular o tempo dos trabalhadores.

Tambm foi Taylor que alertou para a necessidade da diminuio de

desperdcios, no somente de materiais, mas tambm da "energia humana: 'aes

desastradas', 'ineficientes' e 'mal orientadas'" (MORAES, 2007, p. 02). Para tanto,

empreendeu esforos para criar formas de conduzir as atividades, tanto dos

executores quanto da gerncia, atravs de especializao extrema, de modo a

agilizar as funes e atividades, o que conduzia tambm necessidade da

37

preparao de homens eficientes, e justificava a importncia dos supervisores.

Nesse ponto, nos remetemos ao trabalho de Taffarel, quando a autora

afirma que

A partir da analogia entre o processo orientador da escola e o da indstria, o paradigma curricular baseado no modelo tcnico-linear de Tyler tem como princpios bsicos preparar indivduos para desempenharem funes e situaes definidas, e basear o currculo na anlise destas funes e situaes. Fensterseifer (1986) identificou a predominncia desse modelo nos currculos dos cursos de Educao Fsica analisados (1993, p. 21).

Assim, a Educao Fsica, que no Brasil tem suas origens no mbito militar

e, posteriormente, amplia sua formao atravs das Escolas de Educao Fsica

civis no contexto do regime Poltico autoritrio do Estado Novo, possui um currculo

voltado para uma formao tcnica, o que era uma necessidade na organizao do

trabalho baseado no binmio taylorista/fordista.

Segundo Faria Jnior (1987 apud TAFFAREL, 1993), a Educao Fsica

vista, no perodo do Estado Novo, como uma poderosa auxiliar no fortalecimento do

Estado e no aprimoramento da raa brasileira, apresentando-se impregnada de um

carter para-militar.

Tambm, segundo Soares (2001)7, essa Educao Fsica respondeu a

concepes de cincia, tcnica e cultura hegemnicas, na Europa de final do sculo

XVIII e incio do sculo XIX , onde se d a construo e consolidao de uma nova

sociedade, a capitalista.

Isso se d atravs da interveno dos mtodos ginsticos, em especial o

mtodo suco de ginstica, que surge nos pases nrdicos no incio do sculo XIX.

Como bem colocam Escobar, Soares e Taffarel, esse mtodo era voltado para

estirpar os vcios da sociedade, entre os quais o alcoolismo, de modo que o

contedo da Educao Fsica escolar

destinava-se basicamente ao desenvolvimento muscular, privilegiando as flexes das partes do corpo, pequenas corridas, saltos e jogos [...] e tinha por finalidade preparar fisica e moralmente os indivduos para que pudessem exercer plenamente as funes de soldados da ptria, bons trabalhadores, no caso dos homens, e mes saudveis no caso das mulheres, que comeam a merecer ateno porque geram os filhos da ptria" (2000, p. 215).

Outro perodo da Educao Fsica que merece destaque no qual

7 Pensamos ser importante alertar o leitor que esta autora defendia tal referencial na dcada de 80 e incio da dcada de 90 do sculo passado. No entanto, nos ltimos anos acabou migrando seus referenciais e posturas polticas, de tal maneira que atualmente nega o mesmo.

38

predomina como contedo o esporte, atravs do modelo da Educao Fsica

desportiva generalizada, disseminada inicialmente na Frana, e que chega ao Brasil

por volta dos anos 40 do sculo XX.

Isso porque, durante a industrializao brasileira, a burguesia, para manter

sua hegemonia, necessitava "investir na construo de um homem novo, um homem

que possa suportar uma nova ordem poltica, econmica e social, um novo modo de

reproduzir a vida sob novas bases" (SOARES, 2001, p. 05).

Assim, a Educao Fsica colabora para a diminuio nos desperdcios no

que se refere aos gestos dos trabalhadores, que Taylor buscava superar com sua

gerncia cientfica, pois ela "encarna e expressa os gestos automatizados,

disciplinados, e se faz protagonista de um corpo saudvel, torna-se receita e

remdio para curar os homens de suas letargias, indolncias, preguias e

imoralidades" (SOARES, 2001, p. 06).

No vamos nos alongar com essa discusso neste captulo, visto que a

mesma est prevista para o captulo III desta dissertao. O que buscamos

demonstrar que a Educao Fsica, que naquele perodo era trabalhada nas

escolas, se sustentava no projeto pedaggico dominante pelo fato de auxiliar na

preparao dos trabalhadores para uma melhor adaptao ao trabalho fragmentado,

com base no binmio taylorista/fordista.

importante esclarecer isso porque, como veremos adiante, aps a

reestruturao produtiva e a implantao do Estado Neoliberal que provocam

mudanas no mundo do trabalho, surge a necessidade de um trabalhador de novo

tipo, provocando mudanas frente a funo da Educao Fsica no projeto

dominante.

Dando continuidade a discusso dos modelos de organizao do trabalho,

identificamos que, em 1913, Henry Ford organiza sua fbrica automobilstica

seguindo os princpios do parcelamento das tarefas, de maneira que um trabalhador

executasse um nmero limitado de gestos, repetidamente, o que possibilitava a

diminuio no tempo de execuo das mesmas, pois facilitava a especializao dos

trabalhadores, ou seja, uma linha de organizao que em muitos pontos convergiam

com o modelo de organizao taylorista.

Alm disso, "para facilitar a ligao entre os diferentes trabalhos

especializados, criou-se uma linha de montagem, uma esteira rolante, permitindo a

produo fluda, credenciada e controlada pela produo da empresa" (MORAES,

39

2007, p. 02). Esse conjunto de fatores elaborados por Ford e Taylor eram, e em

parte ainda so, utilizados pelas empresas, de maneira que determinados autores

como Antunes (2005), denominam tais fatores como sendo provenientes do binmio

taylorista/fordista, pela proximidade em vrios aspectos na proposta de organizao

de ambos os modelos.

A organizao do trabalho seguindo os princpios deste binmio colabora

para a ampliao da eficincia da produo das empresas, pelo fato de ser a

mquina quem dita a agilidade com que o trabalhador deve executar sua tarefa, bem

como, colabora no controle do desperdcio de matria-prima. Assim, ocorre um

aumento do controle dos trabalhadores, uma intensificao da explorao da fora

de trabalho dos mesmos, acarretando em maior extrao de mais-valia relativa e,

consequentemente, h um crescimento nos lucros da empresa.

Se esses princpios de organizao foram inicialmente aplicados s

empresas automobilsticas, com o passar dos anos, o binmio taylorista/fordista se

expande para alm das mesmas, sendo sua lgica de operao utilizada por muitos

ramos de empresas e, com isso, torna-se o prprio modo ou estilo de vida social,

poltico e cultural.

importante atentarmos que tal objetivo j era pretendido por Ford ao

elaborar esse sistema, o que confirmado na seguinte declarao: "as idias que

temos posto em prtica so capazes de mais ampla extenso, e que longe de se

restringirem ao fabrico de automveis podem vir a tornar-se uma espcie de cdigo

universal" (FORD, 1967, p. 109).

No entanto, inicialmente os trabalhadores ofereceram certa resistncia em

aceitar essa organizao parcelada e fragmentada do trabalho fordista, pois alm de

serem tarefas extremamente repetitivas e intensas, os trabalhadores eram vigiados e

controlados, ou seja, era exigida uma disciplina severa dos mesmos. Para superar

essa dificuldade, a ttica que Ford empregou foi, no nvel de sua empresa, o

pagamento de altos salrios. Alm dessa ttica na empresa, precisou contar com a

colaborao do Estado, atravs do chamado Estado de Bem-Estar, que propiciava

aos trabalhadores (de modo especial aos dos pases mais desenvolvidos) um

conjunto de servios, como j colocamos anteriormente.

Desse modo assinado o "compromisso fordista", que colabora para a

diminuio das reivindicaes dos trabalhadores, atravs de estratgias de

cooptao de sindicatos, convertendo-os, como coloca Antunes (2005, p. 39), em

40

"engrenagem do poder capitalista".

Alm disso, tal compromisso colabora para a ampliao do consumo das

mercadorias produzidas em massa por esse modelo, pois os trabalhadores ao

diminurem os gastos com servios sociais bsicos, possuem maiores condies de

se tornarem tambm consumidores das mercadorias por eles produzidas.

Com essas estratgias, o sistema capitalista conseguiu "respirar" em torno

de trinta anos. No entanto, no final da dcada de 1960, inicio da dcada de 70,

estoura uma nova crise, seguindo a lgica capitalista da queda tendencial da taxa de

lucro. O que se presencia nessa crise um esgotamento do padro de acumulao

taylorista/fordista, provocado pela retrao do consumo, conjugada progressiva

saturao dos mercados internos de bens de consumo durveis, crise fiscal

inflacionria com retrao dos investimentos (NOZAKI, 2004).

Novamente nessa crise percebemos um movimento do capital no sentido de

fazer frente mesma, procurando manter sua hegemonia e derrotar o movimento

dos trabalhadores. Para isso, aplica suas estratgias essenciais, como j apontou

Marx (1991): a) aumento do grau de explorao do trabalho; b) a reduo de

salrios; c) comrcio exterior.

A ltima dessas estratgias amplamente utilizada nos dias atuais, pois a

instalao de empresas em pases dependentes possibilita que as mesmas

consigam um capital constante (maquinrio, matria-prima, prdio da fbrica) com

menor valor, bem como o capital varivel (fora de trabalho) com custos mais

baixos, se comparados aos pases do capitalismo central. Isso permite a venda de

seus produtos nos pases desenvolvidos pelo preo daquele mercado, mas, muitas

vezes, com valor superior ao da prpria mercadoria se essa tivesse sido produzida

naquele pas, ampliando assim a taxa de lucro.

No caso especfico desta crise dos anos 1970, as medidas tomadas pelo

capital para recompor a taxa de lucro e de investimentos se d em duas frentes que

se interpenetram: o processo de reestruturao produtiva (modelo flexvel ou

toyotismo), que modificam a relao capital-trabalho no interior das empresas; e, a

reestruturao do papel do Estado, na perspectiva de alcanar a hegemonia do

projeto neoliberal.

Isso pode ser mais bem compreendido se atentarmos para os escritos

abaixo, elaborados por Macambira, onde o mesmo alerta que

41

importante levar em conta que h uma tendncia, como podemos perceber, de substituio progressiva do tipo de empresa cujo padro de acumulao de capital est vinculado ao paradigma taylorista/fordista, para o que esto chamando de toyotismo ou ps-fordismo, isto , a grande empresa tende a diminuir o seu tamanho, com o objetivo de reduzir custos, terceirizando diversas fases da produo, para onde ir significativa parte dos trabalhadores desempregados. A grande indstria somente sobreviver, com alta tecnologia, automao e quase nenhum trabalhador manual, se for, objetivamente, alimentada por diversas empresas terceiras, onde o trabalhador se constitui em pea indispensvel na produo, mesmo que brutalmente explorado pelo trabalho precrio, temporrio e desprovido de proteo, garantias e direitos como pretende a agenda neoliberal (1998, p. 15).

Nesse fragmento esto expressas as tendncias da reestruturao produtiva

e do papel do Estado diante da mesma. a forma que o capital vem encontrando

para se manter hegemnico por mais um perodo e, diante disso, no importa o que

poder acarretar no que se refere a consequncias para os trabalhadores e para o

meio-ambiente ou outras esferas de nossas vidas.

Em se tratando mais especificamente da reestruturao do papel do Estado,

atravs da implantao do neoliberalismo, embora seus postulados tenham sido

apresentados j em 1944, no livro "O caminho da servido" de Friedrich Hayek, os

mesmos somente encontraram solo frtil para serem colocados em prtica com a

crise dos anos 1970. Nesse perodo tal modelo foi adotado na Inglaterra, por

Thatcher, e, nos Estados Unidos, por Reagan. Com o passar dos anos, essa forma

de organizao do Estado vai sendo implantada em outros pases.

Para Anderson, as ideias neoliberais se constituem em "uma reao terica

e poltica veemente contra o Estado intervencionista e de Bem-Estar [...]. Trata-se de

um ataque apaixonado contra qualquer limitao dos mecanismos de mercado por

parte do Estado" (1996, p. 09). Dessa forma, o neoliberalismo defende a

transferncia para a esfera do mercado (privado) atribuies do Estado (pblico),

tornando at mesmo os servios prestados pelo Estado em mercadorias.

Os postulados neoliberais so colocados em pauta pelos capitalistas na

crise dos anos 70, para criticar um suposto "poder excessivo e nefasto dos

sindicatos [...] que havia corrodo as bases de acumulao capitalista" (ANDERSON,

1996, p. 10), atravs de suas reivindicaes por aumento de salrios e de suas

presses pela ampliao dos gastos sociais por parte do Estado. No podemos

esquecer, no entanto, que esse foi um movimento coordenado pelos prprios

capitalistas para superar a crise de 1929-30, como j abordamos anteriormente.

Na anlise de Macambira, este coloca que, para os neoliberais "o Estado

42

no deveria perseguir a meta do pleno emprego, porque isso encarece a fora de

trabalho, bem como no deveria se preocupar com uma poltica de distribuio de

renda, atravs das polticas sociais compensatrias" (1998, p. 12), pois essas

atitudes fragilizam a possibilidade de ampliao dos lucros do capital.

Portanto, na concepo neoliberal, o Estado deve privatizar os servios por

ele prestados, sendo os mesmos ofertados pelo mercado, de modo que aquele deve

ser um "rgo utilizado exclusivamente para garantir a acumulao do capital"

(TAFFAREL, 1993, p. 66), ou seja, um Estado interventor, regulador, jurista.

Efetivamente, o que ocorreu,