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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Escola de Belas Artes
Ítalo Araújo Almeida
PROCESSO COLABORATIVO COMO METODOLOGIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E DA APRENDIZAGEM NAS AULAS DE
TEATRO
BELO HORIZONTE 2019
Ítalo Araújo Almeida
PROCESSO COLABORATIVO COMO METODOLOGIA PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E DA APRENDIZAGEM NAS AULAS DE
TEATRO
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do Curso de Graduação em Teatro, da Escola de Belas artes da UFMG, como requisito parcial para obtenção do título de Licenciado em Teatro. Orientadora: Profa. Dra. Rita Gusmão
BELO HORIZONTE 2019
DEDICATÓRIA E AGRADECIMENTOS À minha mãe, pelo amor, carinho e dedicação;
Aos meus parceiros do Vertente Corpo Es’passo, pelas parcerias na arte;
À Paula Libéria, pela parceria na vida e no teatro;
À Rita Gusmão, pela orientação e paciência;
Aos meus professores e professoras que pelos quais passei em disciplinas na
UFMG, gratidão;
Aos meus queridos alunos, pela troca e as experiências vividas.
RESUMO A monografia faz uma reflexão sobre o processo colaborativo como ferramenta
metodológica no ensino do teatro. Inicialmente, faço um breve apanhado histórico
do Teatro Colaborativo e sua especificidade em relação à Criação Coletiva, para
então, em seguida, fazer apontamentos sobre a aprendizagem de alunos da
educação básica nessa metodologia. Para colaborar com a reflexão, trago uma das
minhas experiências pedagógicas, realizada no segundo semestre de 2018 e que
resultou numa montagem cênica intitulada Alice no País das MaraVilas, numa
escola livre de teatro.
Palavras-chave: Processo colaborativo. Ensino de teatro. Aprendizagem.
RESUMEN
La monografía hace una reflexión sobre el proceso colaborativo como una herramienta
metodológica en la enseñanza del teatro. Inicialmente, hacer una breve historia del
teatro colaborativo y cogió su especificidad en relación con la creación del grupo,
luego, haga notas sobre aprendizaje de estudiantes de educación básica en esta
metodología. Para colaborar con la reflexión, les traigo una de mis experiencias de
enseñanza, en la segunda mitad del 2018 y que dio lugar a un montaje escénico
titulado a Alicia en el país de las MaraVilas, una escuela libre de teatro.
Palabras clave: Proceso de colaboración. Educación de teatro. De aprendizaje.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO6
2 UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROCESSO COLABORATIVO12
3 O PROCESSO COLABORATIVO COMO METODOLOGIA DE ENSINO E APRENDIZAGEM NAS AULAS DE TEATRO18
4 O PROCESSO COLABORATIVO COMO METODOLOGIA PEDAGÓGICA NA CONSTRUÇÃO DO ESPETÁCULO “ALICE NO PAÍS DAS MARAVILAS”26
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS37
39
ANEXO A – Imagens de “Alice no País das MaraVilas”40
1 INTRODUÇÃO
O professor e sua relação com os alunos, pais, escola e sociedade já passou
por várias concepções e transformações ao longo da história da educação
brasileira. Já houve época em que se acreditou que ser professor era um sacerdócio
e que a pessoa nascia com o dom da docência. Houve tempos também em que ser
professor era sinônimo de autoridade máxima, respeito social e de imposição de
disciplina. Professor já foi uma das profissões mais respeitadas pela sociedade pelo
seu conhecimento e sua importância, num movimento que defendeu que “só a
educação salva”.
Enfim, a concepção de professor e as suas práticas estão em constante
mudança de acordo com o contexto sócio-político no qual estão inseridas. Não é o
caso aqui de entrar no detalhamento dessa trajetória histórica do professor, porém,
é importante mostrar como a concepção de bom professor se transforma a cada
contexto e época. E digo mais, essas concepções criadas em outros tempos
continuam sobrevivendo e coexistindo com outras diferentes concepções, muitas
vezes até antagônicas.
Existe um movimento de transformação no que se refere à figura do
professor, e atualmente tenho percebido e vivenciado uma série de
questionamentos e ataques a este e às suas práticas, devido a uma onda de
conservadorismo e de retrocessos socioculturais que estamos vivendo,
principalmente no campo educacional no país; pode-se dizer que a imagem do
docente está desvalorizada e demonizada. Vários são os fatores que contribuem
para esses retrocessos, como por exemplo: deputados em plenário culpabilizando
os professores pela educação de má qualidade que temos no Brasil; projetos de lei
como o “Escola sem Partido”, com fins de fiscalizar e coibir a ação dos professores
em sala de aula; discussões sobre porte de armas pelos professores durante suas
aulas a fim de garantir a sua segurança diante de ameaças dos alunos e de seus
pais; indivíduos no poder Executivo do país demonizando a figura dos docentes e
suas formações numa tentativa de coibir o pluralismo de ideias em nome de uma
busca de educação tradicional; e a desvalorização do salário desses profissionais.
Diante dessa realidade, que por muitas vezes me desmotiva em meu
percurso de professor, esse trabalho de conclusão de curso surge como uma das
minhas formas de resistência a esse contexto político e social. A construção dessa
monografia me fez refletir sobre minhas práticas e vivências e me mostra como o
meu “ser professor” está em constante transformação, sempre “re-existindo”.
Esse trabalho traduz parte de algumas inquietações que perpassaram
minhas vivências escolares, seja as que tive no lugar de estudante, desde o ensino
fundamental e médio, nos dois cursos técnicos e também no ensino superior, seja
como professor. Nestas vivências docentes pude lecionar para diferentes tipos de
indivíduos, coletivos e contextos: para crianças, adolescentes, jovens, adultos e
idosos, seja em escolas regulares como professor de artes, escolas livres de teatro,
oficinas de teatro para trabalhadores em empresas privadas, em casas de repouso
para idosos, oficinas no interior do estado de Minas Gerais, entre outras
experiências pedagógicas.
Isto posto, farei três relatos advindos de experiências escolares e,
posteriormente, levantarei os questionamentos que me fizeram chegar ao tema
central dessa monografia, O Processo Colaborativo como metodologia para o
ensino e a aprendizagem nas aulas de Teatro. Nos relatos, chamo a atenção para
duas questões: a relação entre professor e aluno e a aprendizagem do aluno.
Começo com o relato da minha própria vivência no curso técnico de
Informática no qual me formei no CEFET-MG. Nessa escola, os professores do
ensino técnico eram conteudistas e tradicionais em suas didáticas. Provavelmente
por causa desse fato se mostrava uma grande dificuldade de aprendizagem nos
alunos, muitas vezes atropelados pelo excesso de conteúdo que muitos não
conseguiam (inclusive e principalmente eu) absorver e praticar como um todo. Por
vezes, me sentia em uma posição passiva, entendia que meu papel era de receber
e apreender todas aquelas informações, e isso era exaustivo e maçante. Por
consequência, havia um número considerável de notas baixas, recuperações e
reprovações, gerando muitos desgastes e desânimo por parte dos alunos. Acredito
que um dos motivos para que isso acontecesse era falta de formação pedagógica
daqueles professores, os quais eram engenheiros ou outros profissionais do campo
das ciências exatas e não possuíam cursos de licenciatura. Também, aqueles
professores para conseguir o controle daqueles alunos desanimados, estressados
e exaustos, se portavam de maneira autoritária, fazendo questão de frisar a
hierarquia dentro da sala de aula, acreditando garantir o foco nele e no conteúdo de
sua disciplina. Além de não contribuir em nada na minha aprendizagem ou dos
meus colegas, foi construída uma relação de medo e obediência contrariada.
O segundo relato é da minha observação sobre o comportamento
generalizado de professores no estágio em ensino fundamental na Escola Estadual
Professora Inês Geralda de Oliveira – dentro da disciplina Análise de Prática e
Estágio III, realizado durante a graduação. Durante esse estágio, presenciei uma
das práticas que me deixa aflito, tanto ao ver quanto ao ouvir: o famoso “cala-boca”.
Quando me refiro ao “cala-boca” amplio para além do ato de pedir para fechar a
boca e incluo todos os atos oriundos dos professores com objetivo de conter os
alunos, mantê-los quietos e sentados nas cadeiras. É um verdadeiro embate entre
os corpos das crianças e a busca delas por espaços de fala dentro sala contra as
várias estratégias dos professores para neutralizar esses comportamentos. Cheguei
à conclusão de que havia um esforço incessante e interminável dos professores e
pedagogos por alunos passivos na sala de aula, e que para esses mesmos
profissionais esse era o pré-requisito para um ensino de qualidade. E com essas
atitudes eram reforçadas as autoridades desses professores, contudo, de maneira
autoritária.
Em contraponto a essas experiências negativas, tive o prazer de participar
de outras vivências durante o curso de formação de atores no Teatro Universitário/
UFMG, e que me trouxeram algumas descobertas, entusiasmos e esperanças. Este
terceiro relato advém de uma dessas experiências e que teve forte impacto em
minhas percepções sobrem o ser docente. Foi o movimento político das ocupações
das escolas pelos alunos que aconteceu no ano de 2016. Tive a oportunidade de
ocupar essa escola na qual estudava e durante esse período passei por práticas
pedagógicas bastante enriquecedoras, tanto com os outros colegas alunos quanto
com os professores, quando uma outra relação de aprendizagem se deu dentro da
escola. Embora esse movimento tenha sido motivado por questões políticas do país,
ele questionava de uma forma prática uma série de situações internas à escola.
Houve uma busca por novas práticas pedagógicas por iniciativa dos próprios
alunos, uma outra relação com o espaço físico e também questionamentos em torno
da figura do professor e suas práticas. Embora não houvessem aulas normais,
existia um movimento coletivo dos alunos por novas formas de aprendizado, para
além daqueles já conhecidos. Essa experiência foi importante para mim pois foi por
meio dela que começaram a surgir esses pensamentos e reflexões sobre as minhas
práticas de ser professor e que resultaram nessa monografia.
A partir dessas vivências, venho questionando a mim, às minhas práticas
dentro de sala de aula, a minha relação de professor com os meus alunos e também
as minhas concepções do que é ser um bom professor.
Uma das primeiras inquietações que me ataca é o papel do aluno dentro da
sala de aula. Já está dito por muito estudiosos que esse não precisa estar em um
papel passivo de escuta e recebimento do conteúdo. O bom aluno precisa ser ativo.
Mas como proporcionar ao aluno uma outra relação com o professor que não seja
subserviente e tenha o objetivo de melhorar a qualidade do aprendizado? Como
buscar a autonomia desse aluno para que ele seja questionador, propositivo e
produtivo nas aulas? Como estimular que esse aluno perceba essa participação
ativa e faça a articulação do conteúdo nas aulas? Sabe-se que é desnecessária
essa hierarquização rígida entre professor e aluno.
Assim, ao longo das minhas práticas como docente venho tentando
responder a esses questionamentos que me tenho feito. Neste movimento de
reflexão comecei a perceber uma prática recorrente em minhas aulas: a utilização
do processo colaborativo como metodologia de ensino de teatro. Por vezes recorri
ao processo colaborativo de maneira consciente, porém, às vezes
inconscientemente também. Essas práticas aconteciam durante minhas aulas de
Teatro em cursos livres provocadas por uma demanda de criação de cenas para a
apresentação, unidas as demandas dos conteúdos da aula de Teatro. Uma das
alternativas que encontrei para equilibrá-las foi a utilização do Teatro Colaborativo
nas minhas aulas, por esse motivo escolhi essa temática para o meu Trabalho de
Conclusão de Curso.
Para desenvolver esse pensamento me apoiarei em uma das práticas que
realizei com alunos no segundo semestre de 2018, que aconteceu na RC2 Escola
de Teatro durante uma disciplina de montagem cênica que ocorria aos domingos de
manhã com duração de três horas de ensaio, na qual estive como professor-diretor
e que resultou no espetáculo "Alice no País das MaraVilas", apresentado na própria
escola. Esta experiência foi escolhida em conjunto com minha orientadora por sua
vibrante excelência e por ter se desenvolvido num período de tempo adequado para
perceber o arco de desenvolvimento dos alunos e para possibilitar uma reflexão
sobre minha atitude e minha organização em processo de ensino e aprendizagem
de Teatro.
No capítulo 1 desenvolvo uma contextualização histórica do Teatro
Colaborativo no Brasil, com o objetivo de demonstrar os conceitos e princípios sobre
os quais me apoiei para a prática docente e para fazer sua análise. Escolhi em
conjunto com minha orientadora me ater aos conceitos de Antônio Araújo em função
da sua relevância e por ter sido um marco teórico e que adotei para a prática aqui
descrita. No capítulo 2 escrevo sobre a utilização do processo colaborativo em
práticas pedagógicas e algumas reflexões sobre a aprendizagem. No capítulo 3
descrevo e analiso minha prática na escola livre de teatro, buscando evidenciar
como a prática pedagógica se deu. Nas considerações finais me dediquei a buscar
demonstrar como a graduação influenciou a construção das minhas percepções e
compreensão do ser um bom professor de teatro.
2 UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROCESSO COLABORATIVO
Como sabemos não existe o “teatro”, existem “teatros”. Teatros muito diferentes entre si, que se utilizam de diferentes matrizes no processo de criação do próprio fenômeno. Há Teatros que partem do texto dramático, outros de imagens coletadas, outros de experiências vividas, outros ainda de técnicas já constituídas.
Matteo Bonfitto
Começo com essa epígrafe de Matteo Bonfitto (2011) para salientar que
existem inúmeros teatros e em consequência disso, existem várias formas de
concebê-los, desde as mais tradicionais às menos. Acredito que para que essas
criações aconteçam é preciso existir determinadas funções (ator, diretor, figurinista,
dramaturgo, etc.) que vão determinar qual é o papel do(s) indivíduo(s) dentro dessa
criação. Também sabemos que ao longo da linha do tempo da história do Teatro,
de acordo com o espaço, certas funções possuíam maior importância dentro desses
processos, como por exemplo a era dos dramaturgos na Grécia Antiga, ou a era
dos encenadores no Teatro Moderno.
Dentro desses vários teatros e das várias formas de se criá-lo apareceu no
século XX e no Brasil a que Antônio Araújo1 denomina de processo colaborativo.
Acredito ser importante fazer esse percurso para diferenciar bem esse processo
daquela do que se chama criação coletiva, que, muitas vezes se confundem, o que
não agrada a Araújo.
Comecemos pela criação coletiva: esta surge entre as décadas de 1960 e
1970 e, segundo Araújo, se define por um processo criativo no qual não há limites
entre as funções artísticas presentes, havendo uma horizontalidade máxima entre
os integrantes do coletivo. Portanto, a autoria de todas as partes da obra é assinada
1 Antônio Araújo é Diretor do Teatro da Vertigem, um grupo da cidade de São Paulo e que encenou a trilogia Bíblica composta pelos espetáculos: “Paraíso Perdido” (1992), “O livro de Jó” (1995) e “Apocalipse 1,11” (1999). E a partir de 1998 entra para ECA/USP como professor de Direção na Escola de Comunicação e Artes.
por todos os participantes. Ou seja, não há mais dramaturgos, mas sim uma
dramaturgia coletiva, não há encenadores, mas sim uma encenação coletiva, e
assim por diante. A horizontalidade das funções é o que vai caracterizar o projeto
da criação coletiva.
É interessante ressaltar que o movimento da criação coletiva surge com
grande força na América Latina em diferentes países e que diversos coletivos dessa
época criaram a partir dessa perspectiva. Em sua tese, Antônio Araújo dá alguns
exemplos dessas criações coletivas que ocorreram no Brasil:
No Brasil, alguns representantes significativos dessa vertente são, entre outros, o Asdrúbal Trouxe o Trombone (1974); Pod Minoga (1972); União e Olho Vivo (1972); Núcleo Independente (1970) – grupo egresso do Teatro de Arena, e que teve contato com Enrique Buenaventura -; e ainda os espetáculos do grupo Sonda – como O Rito do Amor Selvagem (1969) – e do grupo TUCA (sob a direção de Mário Piacentini) – Comala (1969) e O Terceiro Demônio (1970). O Teatro Oficina, além do intercâmbio com o Living Theatre e com o grupo argentino Los Lobos, realiza um marcante espetáculo de criação coletiva, Gracias Señor (1972), elaborado a partir de uma viagem pelo país. (ARAÚJO, 2008. p. 29)
Por mais que tenham existido coletivos e espetáculos que surgiram a partir
da criação coletiva, e sabendo-se da importância deles para o cenário teatral
brasileiro, para Araújo esse tipo de processo possui incoerências que se destacam
na sua análise. O discurso de coletivismo total, para Araújo, só existia na teoria:
Esta polivalência de funções acaba acontecendo apenas no plano do discurso - teoricamente ousado e estimulador - mas era pouco concretizada na prática.(...) Muitas vezes, também, essa perspectiva do “todo mundo faz tudo” escondia certos traços de manipulação. Por exemplo, determinado dramaturgo ou diretor pregava tal discurso coletivizante visando camuflar um desejo de autoridade e, dessa forma, evitava confrontos e conflitos com os outros integrantes do grupo. Negar o poder pode ser uma forma de reafirmá-lo ou de exercê-lo, ainda que sub-repticiamente. (ARAÚJO, 2006, p. 128).
Não havia somente esse problema de incoerência do discurso com a prática
sobre as hierarquias, na criação coletiva, segundo Araújo; chegou a acontecer o
seu oposto, uma democracia em que os componentes entravam em discussões
intermináveis sobre pontos polêmicos, sem conseguir encaminhar um consenso.
Como resolução do problema eram incorporadas todas as sugestões de todos os
componentes, deixando o espetáculo final com várias “sobras” e que muitas vezes
comprometiam a clareza do discurso que desejavam expressar.
Contudo, a criação coletiva, também segundo Antônio Araújo, foi
fundamental para o surgimento do processo colaborativo na década de 1990, nos
experimentos do Teatro da Vertigem2 em São Paulo.
Para que seja possível atender à perspectiva de análise de modo mais
vertical, trago aqui uma citação de Vivian Tabares para um contraponto à visão de
Araújo sobre a criação coletiva, em que ela diz que a criação coletiva:
Surgiu nos anos 1960, em busca de um verdadeiro teatro latino-americano, que suprisse a ausência de uma dramaturgia que abordasse as necessidades dos povos; que enfrentasse, por meio de linguagens teatrais autênticas e elaboradas, injustiças, dominação imperial, demagogia, deformações da história; que se ocupasse de problemáticas atuais, aproximasse o teatro das massas e criasse um novo público. A criação coletiva favoreceu a compreensão do trabalho do ator em um sentido muito mais integral, como criador que investiga e adentra a problemática a desenvolver, propõe e discute soluções cênicas e é corresponsável por todo o processo. (TABARES, 2016)
Assim, podemos ver que há pesquisadores com outro ponto de vista sobre a
criação coletiva, relacionando elementos aos quais Araújo deu pouca atenção na
sua análise. Podemos dizer que o processo colaborativo é um dos fruto da criação
coletiva e dela herdou alguns princípios, com sutis diferenças.
2 O Teatro da Vertigem, criado em 1992, coordenado pelo diretor Antônio Araújo, com trabalhos significativos, que compõem a Trilogia Bíblica. A companhia tem seus componentes oriundos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, a ECA/USP. Os principais nomes do Teatro da Vertigem, neste momento inicial, são Daniela Nefussi, Johana Albuquerque, Lúcia Romano e Vanderlei Bernardino.
Já o Processo Colaborativo, é uma prática metodológica criada no Brasil
(SILVA, 2008, P. 11), que foi largamente utilizada e explorada pelo Grupo Teatro da
Vertigem, que a partir deste apresentou trabalhos reconhecidos nacionalmente pela
sua relevância, tanto em termos de conteúdos quanto de poética. O Teatro da
Vertigem se tornou conhecido pela trilogia de inspiração bíblica: Paraíso Perdido,
de 1992; O Livro de Jó, de 1995; e Apocalipse 1,11, de 2000. Esses espetáculos e
as pesquisas do grupo foram de grande importância para outras práticas que foram
utilizadas em todo Brasil em larga escala.
Para Araújo, o processo colaborativo é uma metodologia de criação teatral
em que todos os participantes, a partir de funções pré-estabelecidas, possuem um
mesmo espaço propositivo. Essas funções dentro do processo existem,
diferentemente do que aconteceu na criação coletiva, como uma “dinâmica des-
hierarquizada”, mais do que uma “ausência de hierarquia”, ou seja aponta para
“hierarquias momentâneas ou flutuantes” (ARAUJO, 2008, P. 56). Dependendo da
demanda do processo criativo, essas funções podem estar mais presentes e
delineadas como também pode estar diluídas ou ausentes. Permanece ainda o
princípio do coletivismo da criação, porém, com essas funções delineadas e com
graus de responsabilidade bem definidos.
Cada função dentro do processo colaborativo tende a ter o mesmo grau de
importância dentro da criação e, mais, precisam pensar na criação para além da
sua função, como uma rede de trabalho. Por exemplo, o ator dentro dessa
metodologia passa a ter que pensar nas questões relacionadas ao campo da
atuação, bem como nas influências das outras áreas de criação como a
dramaturgia, a luz cênica e o cenário, em seu trabalho atoral. Diante disso, o
processo solicita de cada artista que busque formas e estratégias de diálogo com
os outros integrantes e áreas do processo. E essas estratégias, em geral, não
possuem métodos prévios de como isso deve acontecer, pelo contrário, podem
mudar de coletivo para coletivo, de processo para processo, e mesmo nas etapas
de um único processo. Portanto, cada integrante precisa entender, durante o
processo, como se darão essas buscas de cada um e no âmbito do coletivo.
Outro ponto no qual podem diferir os dois métodos, na sua vertente brasileira
principalmente, é no grau de importância que existe entre processo e produto. Na
criação coletiva há valorização do processo, resultando o espetáculo em uma
consequência do processo experimentado pelo grupo de artistas. Para o processo
colaborativo existe a valorização do processo, contudo, há uma preocupação
direcionada com a obra final, que é uma parte importante do processo.
Com essas características peculiares, o processo colaborativo almeja
proporcionar aos integrantes “novos princípios e procedimentos de trabalho, tais
como: a autonomia, o reconhecimento de parcerias, a contaminação de fazeres
artísticos, a criação de uma linha própria de trabalho etc.” (SANTOS, 2010, P. 15).
Busca-se que todos os envolvidos se tornam co-criadores do produto final.
Pude perceber nesta breve pesquisa histórica uma grande inserção e
reverberação destas práticas na produção teatral brasileira, e que vários grupos já
experienciaram esta metodologia de trabalho em suas atividades. Em Belo
Horizonte, podemos citar Maldita Companhia, Cia Luna Lunera, Quatroloscinco,
Teatro Invertido, são exemplos de grupos que utilizaram esse método de criação.
Pode-se dizer que é expressiva e relevante a presença do Processo Colaborativo
no teatro contemporâneo brasileiro.
Vale ressaltar também, que em sua tese, Antônio Araújo (2008) cita que essa
metodologia foi adotada como instrumento pedagógico nos cursos de formação da
Escola Livre de Teatro de Santo André e no Departamento de Artes Cênicas da
Escola de Comunicação e Artes da USP. Podemos então perceber a importância
que essa prática já está presente no universo do teatro na educação.
Estas práticas são adotadas por alguns docentes em escolas onde estudei e
me vi ligado conceitualmente a elas quando as escolhas se fizeram necessárias na
minha prática docente.
3 O PROCESSO COLABORATIVO COMO METODOLOGIA DE ENSINO E APRENDIZAGEM NAS AULAS DE TEATRO
Do capítulo anterior, podemos inferir que o fenômeno do Teatro Colaborativo
diz respeito aos processos criativos atuais no fazer artístico. Também podemos
perceber que nesse tipo de metodologia existem algumas peculiaridades que
podemos levar para dentro da sala de aula no ensino de Teatro. A partir destas
considerações, esse capítulo terá como foco reflexões sobre a utilização desse tipo
de metodologia de processo criativo nas práticas pedagógicas no ensino do Teatro.
O objetivo dessa parte do trabalho é fazer alguns paralelos e intersecções do
Teatro Colaborativo com sua utilização como ferramenta metodológica nas aulas de
Teatro. O ponto central será levantar alguma das suas potencialidades e
dificuldades como também, os possíveis processos de aprendizagens.
Do ponto de vista de utilização do teatro colaborativo nas experiências de
ensino e aprendizagem, trago uma reflexão sobre esta metodologia feita por uma
mestranda da Unirio, como forma de compartilhar elementos que pude perceber
como fundamentos da utilização dela na iniciação ao teatro.
Werneck nos diz, inicialmente, que:
Nós, professores, precisamos estar atentos às mudanças que vem surgindo. Os novos conceitos que estão do lado de fora dos muros das escolas. Afinal o teatro na escola não pode ficar apenas na mimese, na imitação e na representação de algo que tende a não se tornar orgânico. (WERNECK, 2013, p.2)
Sua perspectiva de análise converge com a proposta deste texto quando diz
também que “devemos levar para a sala de aula um trabalho que de fato traga
investigações produzidas pelo grupo e não apenas resoluções já prontas e
concluídas pelo professor” (WERNECK, 2013, p.2) . Cada vez que podemos levar o
aluno a experimentar a própria criatividade para solucionar cenas, para elaborar
falas e para construir objetos e materiais que comporão o ambiente da cena,
coordenando decisões coletivas e coerentes com sua realidade, temos boas
chances de realizar bom teatro.
O processo colaborativo, dentro dessa perspectiva, pode servir a quaisquer
relações entre conteúdos e temáticas a serem desenvolvidas dentro da prática
pedagógica. É importante ressaltar que no processo colaborativo não há perdas na
comparação com as outras metodologias do campo pedagógico do teatro. A partir
dele, o professor poderá unir o conteúdo do teatro, a temática escolhida como mote
criativo e suas práticas com seus alunos, de modo seguro e eficiente para uma
convivência saudável e frutífera em processos de aprendizagem.
Outra questão que é importante ressaltar é que, adotando esse procedimento
metodológico, o foco estará no percurso a ser trilhado em conjunto com os alunos
e os processos de aprendizagem que serão proporcionados e não somente num
produto (cena ou espetáculo) que surgirá ao final dele, uma vez que as tarefas serão
distribuídas e se confirmarão como elementos do aprendizado em si.
Feita essa observação, partirei para traçar o paralelo entre Teatro
Colaborativo e as aulas de teatro. Para fazer essa comparação, equipararei a
função do diretor com a função do professor e, por consequência, o lugar do ator
com a do aluno. Entendo que existem diferenças entre esses lugares
principalmente, no âmbito do objetivo de cada um, uma vez que o diretor e os atores
estão dedicados à criação do espetáculo e o professor e os alunos, aos processos
de aprendizagem, contudo, há semelhanças nessas funções, como apresentarei a
seguir.
O primeiro paralelo a ser apresentado será relacionado às hierarquias, que
é um dos pontos principais do Teatro Colaborativo. Em geral, as hierarquias já são
preestabelecidas nas salas de aulas tanto quanto nos processos criativos teatrais.
Podemos equiparar o status do Diretor com o status do Professor pois eles têm,
dentro das suas respectivas áreas, a função de conduzir os processos que se
realizarão. E este status é mais alto se comparado ao das outras funções de atores
e alunos, e de outros criadores em geral.
Percebendo e aceitando a existência dessas hierarquias, precisa-se
entender como o processo colaborativo afeta esses lugares e os tensiona,
causando reverberações nessas relações. Quando é colocada a variável do
processo colaborativo essas relações tornam-se flutuantes e móveis. Devido a esse
movimento, durante as práticas pedagógicas os sujeitos estarão mais sensíveis a
possíveis atritos e conflitos.
Acredito que esses possíveis atritos e conflitos que podem surgir, acontecem
por causa da quebra de paradigma da relação professor e aluno como superior e
inferior ou submetido, pois faz com que o aluno-ator necessite assumir
protagonismo durante as práticas pedagógicas, como acontece com o ator no
Teatro Colaborativo. Historicamente estamos acostumados com essas hierarquias
já postas nos dois ambientes, tanto no teatro quanto na sala de aula, e quando se
propõe umas outras práticas não estamos preparados para absorver tudo que elas
podem oferecer. Por isso é falado que o processo colaborativo é construído de
maneira mais lenta para que todo coletivo possa entender e contribuir para uma
dinâmica que o atenda ao indivíduo quanto ao grupo, num constante jogo de
interesses. E como cada coletivo se difere do outro é preciso entender como se é
construído isso em cada espaço.
Os atritos e conflitos que surgirão durante as aulas podem ser lidos como um
atravancamento do processo, mas segundo Antônio Araújo (2010) as discussões
para as soluções desses problemas serão um tempo gasto, e não perdido, pois será
ele que vai provocar o amadurecimento de um discurso coletivo, de forma orgânica
e consciente. Para Clóvis Domingos (2010), à luz da Pedagogia da Autonomia de
Paulo Freire, o processo colaborativo traz ao ator uma série de elementos de
relação intrapessoal como por exemplo: dialogicidade, autonomia, visão ética.
Todos esses elementos são pontos a serem desenvolvidos pelo ator, também serão
pontos caros para o aluno-ator.
Nessas discussões, pode surgir um outro problema, que Antônio Araújo
ressalta em sua tese, e que pode vir a acontecer nas práticas pedagógicas, que é
o estímulo à tomada de decisão. Se o professor-diretor não mais tem uma decisão
monocrática, quem decide o quê? Como se dará o processo das escolhas que serão
necessárias e advindas das demandas do processo criativo, considerando a
pluralidade de opiniões e quereres dos alunos-atores? Segundo Araújo:
(...) é comum o conflito entre desejos artísticos individuais contrastantes e mesmo desses em relação a aspirações coletivas de ordem mais geral. Às vezes, sem perceber, as pessoas estão lutando entre si movidas por impulsos narcisistas, demarcações de territórios ou crises de insegurança. (ARAÚJO, 2010, p.83.)
Essas questões aparecem também quando é utilizado esse tipo de processo
na sala de aula entre os alunos-atores, conforme vivi na minha própria experiência,
mas também tem seus pontos positivos. Araújo completa: “ao mesmo tempo,
também, subsiste a vontade e a necessidade de [as pessoas] cooperarem umas
com as outras” (2010). Ele identifica três fatores que podem dificultar as tomadas
de decisão: “a falta de conhecimento das consequências de cada uma das opções
possíveis; as manipulações – conscientes ou não – dos outros ‘jogadores’ (atores);
e a interferência do acaso” (2010, p. 84).
Acredito que, enquanto professor-diretor, ter consciência desses fatores
ajuda a reconhecê-los durante as aulas, e assim, auxiliar nas tomadas de decisões
do alunos-atores. Uma das soluções que Antônio Araújo aponta para essas
questões, aqui já transferindo-a para a sala de aula, é que cabe ao professor-diretor
explorar e elucidar os caminhos possíveis e suas respectivas consequências. Essa
mediação exige um conhecimento e vivência desse professor-diretor para conseguir
não complicar um momento de atrito no processo. Ou seja, é preciso um estudo por
parte desse professor-diretor sobre o conflito em si, sobre as opções que surgirem,
e uma constante observação das tendências do grupo envolvido no processo.
Podemos destacar que nessas tomadas de decisões através das discussões,
o protagonismo do aluno-ator é fundamental para os rumos do processo criativo.
Com a mediação do professor-diretor, serão trazidos os integrantes das aulas para
uma racionalidade e uma composição de ideias, favorecendo a aprendizagem do
conteúdo colocado em questão. Além disso, estimula-se uma responsabilidade em
cada um sobre as escolhas feitas.
Outra questão que pode estar envolvida na dificuldade de tomada de
decisão, por ter ligação com as relações entre os alunos-atores diante do processo
criativo, conforme a reflexão de Araújo sobre os processos teatrais colaborativos, é
uma mistura de competitividade com cooperação. Um exemplo de quando isso pode
ocorrer é:
Por exemplo, no momento da distribuição dos papéis ou na fase de improvisações destinadas ao desenvolvimento das personagens, o posicionamento dos atores tende a ser bastante ambíguo. Se, por um lado, existe o desejo coletivo de realizar a melhor peça possível, por outro, as personagens maiores, mais complexas ou protagonistas exercem atração maior sobre os intérpretes. [...] Portanto, o fator competitividade é inerente ao processo, queiramos ou não. (ARAÚJO, 2010, p. 74-75.)
Uma das saídas para solucionar esse problema é o professor-diretor deixar
claras as suas escolhas e os seus motivos para elas, evidenciando os critérios
pedagógicos nelas. Mesmo assim frustrações podem ocorrer. O ideal é fazer as
escolhas por critérios racionais e dividi-los com o grupo, para que todos possam
compreender.
Já em relação à cooperação entre os alunos-atores, trata-se de um elemento
importante tanto para o processo criativo quanto para a aprendizagem deles, então,
compete ao professor-diretor incentivar e provocar que isso aconteça, como forma
de realizar a própria aprendizagem em si. Isso pode acontecer de diversas formas
cada processo irá fazer o apontamento de quais caminhos o professor-diretor pode
fazê-los. Podemos citar alguns exemplos como o de incentivar através de
comentários quando isso ocorrer, evidenciando ao grupo o acontecimento e
apontando os pontos positivos das atitudes de cooperação, incentivar trabalhos em
pequenas equipes também pode ser um modo de potencializar esse quesito.
O autor enfatiza a efetividade da comunicação que tem de acontecer entre
todos os integrantes, além da necessidade de estimular que ela se dê livremente.
As aulas devem sempre favorecer e deixar fluir os diálogos sobre o processo entre
as etapas nas quais o processo se desenvolve. Acredito que ainda possa-se
aproveitar a roda final de conversa de cada aula como um momento específico para
cada aluno-ator exercitar espaço para a fala.
Cabe também ao professor-diretor restringir as possibilidades de escolha
para os alunos-atores, isto é, a restrição de alternativas pode fortalecer as posições
de cada aluno-ator, ajudando nas tomadas de decisões (ARAUJO, 2010, p.75). É
incumbência do professor-diretor fazer essa seleção das alternativas e escolher as
melhores e as mais plausíveis para o processo, evitando as que podem ser um
empecilho para o futuro. Aqui, retomo Werneck para relacionar as perguntas que o
aluno-ator pode fazer a si mesmo, mas cabem também ao professor-diretor, como
forma de reunir ideias e soluções para o processo criativo:
No processo de Teatro Colaborativo, nosso aluno terá de se confrontar a todo o momento, objetivamente ou subjetivamente com essas questões: “Como eu me movimento? Quais são meus códigos? O que é cultura? Nos ombros de quem estamos apoiados?”, para que se construa algo com identidade, algo que faça parte da realidade em que vivem. É um olhar para dentro de si, para o próprio umbigo. (WERNECK, 2013, p.3)
O processo colaborativo como ferramenta metodológica na aula pode ser
altamente inspiradora, instigadora e provocadora para os alunos-atores quando ela
cria espaços para trazerem suas habilidades e questionamentos para as aulas
como forma de contribuir para o processo criativo. Por exemplo, se há uma cena
que pode ser construída com a dança e há no grupo algum aluno-ator que tem essa
habilidade, ele pode trazer seus conhecimentos para o grupo, podendo conduzir um
aquecimento, demonstrando passos, ensinando elementos sobre o estilo utilizado.
O professor-diretor deve ter uma escuta aberta e atenta para que as habilidades de
cada aluno-ator possam ser aproveitadas para o processo. Esse movimento pode
ser utilizado também como forma de incentivar e entusiasmar o aluno que esteja
desinteressado, renovando o seu interesse na aula.
Como uma das propostas da aula de teatro costuma ser a criação de uma
cena ou espetáculo, e sabendo que para que ela aconteça é preciso explorar e
fomentar todos os elementos do teatro, campos que estão além da atuação como
por exemplo, cenário, figurino, iluminação, maquiagem, dramaturgia, etc.; essas
funções podem distribuídas entre os alunos, formando, se for o caso, grupos de
trabalho para cada uma das funções. Assim, os alunos podem ser atores e realizar
outras funções, podendo até acumular as funções, entendendo a responsabilidade
que é assumida que cada uma exige. Isso pode ser uma outra forma de trazer as
potencialidades e gostos dos alunos para o processo, além de explorar e expandir
outros campos de conhecimentos e conteúdos teatrais utilizados nas aulas. O
professor atua como um provocador e um condutor do incentivo à criação com
qualidade, mostrando que há outras funções para além da atuação. Dessa forma
amplia e descentraliza a sua figura e transmite uma das importantes questões para
o ensino de teatro que é o trabalho em equipe.
Concluindo, o professor nesse tipo de metodologia precisa estar preparado
para um processo que pode ser bastante rico de aprendizagens, precisa ter
delicadeza para lidar com os atritos e conflitos, assim como aproveitá-los como
espaços de aprendizagem dos alunos. O próprio processo colaborativo estimula o
professor a estar sempre com numa escuta ativa e agir com dialogismo durante as
aulas. Werneck contempla meu modo de pensar quando diz que:
O professor/Diretor, deve evitar a ansiedade e deixar que o aluno lhe traga o material para que ele possa trabalhar. Dar tempo e espaço para a livre criação. Planejar de antemão a aula/ensaio que vai ser dada é importante. Mas não se pode querer prever tudo. Ter a percepção de deixar o imprevisível chegar e tomar conta faz parte de um processo criativo mais rico. (WERNECK, 2013, p.4)
4 O PROCESSO COLABORATIVO COMO METODOLOGIA PEDAGÓGICA NA CONSTRUÇÃO DO ESPETÁCULO “ALICE NO PAÍS DAS MARAVILAS”
Depois de fazer esta breve contextualização histórica do processo
colaborativo e comentar possíveis caminhos quando utilizado como metodologia em
uma prática pedagógica, selecionei, em conjunto com minha orientadora, uma das
minhas práticas para relatar neste texto e refletir sobre o tema a partir dessa
experiência.
No ano de 2018 eu estava trabalhando como professor em um curso livre de
Teatro, na RC2 Escola de Teatro. Lecionava as disciplinas de Expressão Corporal,
Improvisação Teatral e Atuação Cênica. O curso nessa escola é estruturado em
quatro módulos, cada um corresponde a um semestre, com aulas semanais de
diferentes disciplinas. Os dois primeiros módulos contêm uma introdução ao teatro,
o terceiro é direcionado a uma pesquisa que dará sustentação prática e teórica para
o quarto módulo, que é a formatura: uma montagem cênica.
No segundo semestre fui convidado pelo diretor da escola a dirigir a
montagem de formatura, e aceitei com muita felicidade. Apesar das minhas
experiências como professor de teatro, nunca tinha assumido a responsabilidade
de dirigir um espetáculo. Avistei uma possibilidade de colocar minhas pesquisas em
prática e ganhar uma experiência na condução de um processo criativo. Por causa
do contexto escolar, entendo que não estava somente na função de diretor, mas
também tinha uma responsabilidade pedagógica para com os alunos, dessa forma
estava ocupando uma dupla função professor-diretor.
O perfil dos alunos que compôs essa turma era bem diverso. Primeiro em
relação à idade que ia de quinze até os sessenta anos; tinha diversidade étnica,
pessoas negras e brancas praticamente metade de cada, o mesmo no que se referiu
a gênero, homens e mulheres cisgêneros. Esses alunos também tinham objetivos
diferentes em relação ao curso de teatro no qual estavam se formando: alguns o
faziam pelo prazer e diversão, outros estavam interessados numa carreira na área.
E além de tudo isso tinham posições políticas e visões de mundos diferentes, uns
se enxergando mais no espectro da esquerda e outros mais à direita (isso ficou mais
visível pelo fato de essa época ser a das eleições presidenciais). Essa diversidade
toda, do meu ponto de vista, foi bastante enriquecedora para esse processo, e
muitas dessas potencialidades e diferenças foram aproveitadas nas nossas
atividades.
Convoquei uma reunião com os doze alunos-atores que iriam compor esse
coletivo para essa montagem de formatura, para discutirmos ideias e propostas e
tomarmos as decisões em conjunto. Desde o início das aulas já era uma construção
a partir do processo colaborativo, pois, apesar de eu ter levado algumas propostas
ao grupo, fui aberto e disposto a discutir quais rumos iriamos tomar para a
construção do espetáculo. Dessa forma já começamos o processo em conflito,
porém um conflito prazeroso. Nesse momento enxergo que utilizei da estratégia de
Antônio Araújo para auxiliar nas tomadas de decisões; apresentei ao grupo três
propostas mostrando os possíveis caminhos que poderíamos trilhar em cada um
deles. Como eles vieram do módulo de pesquisa estudando o universo do Teatro
do Absurdo, as três propostas foram ao encontro desse tema:
• Montarmos um espetáculo de palco a partir da obra Fando e Lis de
Fernando Arrabal;
• Montarmos um espetáculo de palco a partir de colagens de cenas de
vários dramaturgos do Teatro do Absurdo;
• Juntarmos com o espetáculo de formatura das turmas do curso para
crianças da escola e montarmos um único espetáculo de rua e palco
baseado no livro Alice no País das Maravilhas;
Depois de discutirmos e esgotarmos questões em relação às três, chegamos,
por unanimidade, à última opção, por todos se identificarem com a obra e por
gostarem da proposta a ser realizada. E ainda nessa reunião foram levantados
outros pontos do caminho a ser trilhado:
• Como juntaríamos 3 turmas diferentes numa única montagem (uma
turma dos adultos mais duas turmas infantis) que, por coincidência,
tinha como professores à sua frente pessoas que participavam do
mesmo grupo de Teatro – Vertente Corpo Es’passo. Resolvemos
assinar a direção do espetáculo em conjunto, eu coordenando a turma
dos adultos e Paula Libéria coordenando as duas turmas do infantil. E
os outros integrantes iriam nos ajudar em outras áreas (iluminação e
produção);
• O espetáculo seria dividido em dois atos: o primeiro que aconteceriam
na rua em frente à escola feito pelo núcleo dos adultos e o segundo
ato dentro da escola realizado pelo núcleo infantil;
• Chegamos numa ideia temática para os compor os materiais e a
dramaturgia que seria “Do Lixo ao Luxo”. O “lixo” sendo todas as
mazelas que a rua tem e o “luxo” representando os hábitos culturais
da classe dominante na sociedade brasileira, separando-as em dois
atos;
• Não queríamos remontar “Alice...” como é na literatura, queríamos
criar uma dramaturgia própria, inspirada no livro, mas construída no
formato de dramaturgia coletiva;
• Dividimos o núcleo dos adultos em grupos de trabalhos por interesse.
Além da atuação o que a cada um tinha gosto ou tinha habilidade e
queria experimentar na linguagem teatral. Chegamos aos seguintes
grupos de trabalho: dramaturgia, produção, musicalidade e figurino e
cenário;
Todos esses encaminhamentos foram decididos no primeiro encontro e em
conjunto, ou seja, mesmo que algumas ideias partissem de mim enquanto
professor-diretor, todas foram discutidas em seus pontos positivos e negativos e
quanto a responsabilidade de todos nas escolhas que estávamos fazendo. Outro
ponto que ressalto aqui, é que nesse primeiro encontro, é que deixei bastante claro
a todos, é que eu estava como professor de teatro, porque estávamos numa escola
e que estávamos em uma disciplina, e que, então, eu tinha objetivos pedagógicos.
Tinha foco de fazê-los experimentar um processo criativo de um espetáculo, se
envolvendo em todas as demandas para além da atuação e suas técnicas. Também
deixei claro que o nosso núcleo adulto, coordenado diretamente por mim, iria
vivenciar o método do processo colaborativo. Achei importante trazer esses pontos
na conversa, para eles terem a consciência de que eu tinha propósitos e objetivos
educacionais naquilo que iríamos fazer.
Deste primeiro até a estreia, teríamos exatamente dezesseis encontros, que
se davam como aulas. As aulas tinham duração de três horas. E teríamos um único
encontro extra com todas as turmas, para fazer os ensaios gerais. Essa agenda foi
sempre deixada à vista para os alunos, para que não houvesse estresse ou atritos
em relação ao tempo. Então, juntos elaboramos um cronograma para nos orientar;
dividimos a análise dos capítulos do livro da Alice no País das Maravilhas pelos
encontros. O objetivo era criar cenas, a princípio sem muito pensar na amarração
da dramaturgia geral do espetáculo, e sim, experimentar até enxergarmos a linha
condutora dramatúrgica.
No encontro seguinte gastei um tempo maior para conversar sobre o livro e,
assim, nos inspirar para a nossa criação. Fizemos uma roda de conversa para
captarmos as “pirações” de todos, termo usado pelo grupo para identificar suas
ideias. A vivência e a diversidade da turma foram muito bem-vinda aqui pois,
começamos a divagar sobre o que podíamos fazer com o universo do “lixo” na rua
somado ao ambiente descrito no livro. As discussões foram permeadas pelas
vivências deles e a leitura que tinham do livro de “Alice...”, mas também, foram
pautadas pelo caminho das políticas públicas e partidárias, lembrando que era um
momento caloroso o que estávamos passando: as eleições presidenciais. Então,
parti para provocações cênicas para que os alunos-atores pesquisassem quais os
possíveis personagens que poderíamos encontrar nas ruas e quais situações
poderiam acontecer. A partir dessas provocações fomos para as improvisações,
tentando explorar a criação das personagens através de uma pesquisa prática,
conjunto com as situações que eles traziam. Dessas improvisações chegamos às
propostas de fazer uma viagem com o público para mostrar os vários “Brasis” que
temos, principalmente os que “vivem” nas ruas. Também fizemos algumas
caminhadas pelas redondezas da escola para entendermos onde poderíamos fazer
o primeiro ato do espetáculo. Pedi-lhes que pesquisassem para aprofundar o que
havíamos conversado e debatido, sobre as pessoas em situação de rua e sobre as
manifestações artísticas que acontecem nas ruas de Belo Horizonte.
Em todos os momentos eu professor-diretor tomei uma postura menos
propositiva e mais provocativa. Também eu estava na construção da minha função
ali no coletivo, entendendo na prática como me colocar e como abrir espaço de
proposição para os alunos-atores. Ou seja, também foi um processo de construção
e de aprendizado docente. E aqui, chamo atenção para o fato de que pude perceber
a fluidez das hierarquias, à medida que ditava menos regras e ações como um
“diretor/professor tradicional” e deixava um espaço de liberdade para os alunos-
atores, houve mais ambiente para que todos pudessem experimentar livremente
suas ideias.
Acredito que esse espaço foi um lugar de aprendizagem pois, ao mesmo
tempo que estavam discutindo, eles sentiram a necessidade de pesquisar a
temática e de fazer as relações da pesquisa com as cenas. Dessa forma eles
começavam a sentir a utilidade das competências teatrais, o conteúdo do curso,
para unirem as coisas. Então recorriam a mim para verificar os caminhos que
precisariam para concretizar as ideias deles.
Em seguida, partimos para a prática, para tentar materializar as ideias. Os
aquecimentos eram carnavalescos, isto é, com músicas dos blocos de carnaval de
rua de Belo Horizonte, como forma de evocar uma energia da rua e prepará-los
corporal e vocalmente para este espaço, com o qual eles não eram familiarizados.
Dividíamo-nos em grupos de trabalho para improvisar as cenas que estavam
imaginando. Neste momento, começaram os conflitos.
No mesmo momento em que a liberdade tinha seus pontos positivos
começava a aparecer os pontos de interrogação do processo criativo e a busca de
alguém para responder e acalmar todas as inquietações. Com as improvisações,
muitas das vezes, eles recorriam a mim como muitas questões, “Qual é o meu
personagem?”, “Não estou entendendo, onde essa cena vai encaixar no
espetáculo?”, “E agora o que eu faço?”, “Não sei o que fazer.... estou perdido...”, e
tantas outras mais, e eu só conseguia responder “Calma! Ao longo dos nossos
encontros vamos encontrar as respostas juntos, mas precisa ter paciência porque
não sei responder a sua questão”. Assim, a fase das improvisações foi sendo
levada, eu tentava acalmá-los, convencer de que estava tudo sob controle e tentava
incentivá-los para as criações, para levantarmos o máximo de material possível.
Chegou o ápice da angústia de um dos atores que veio até mim e falou, lá pelos
meados do oitavo encontro (na metade do processo), de que achava que não teria
espetáculo porque não tínhamos nenhuma cena. Entendendo a realidade de um
curso de iniciação teatral, tive que fazer a escolha de conversar com eles e mostrar
que estava tudo “sobre controle” (mesmo sabendo que não estava nada “sobre o
controle”) com objetivo de acalmá-los, não piorar a crise e aconselhei para que
focássemos nas criações e estruturações das cenas para conseguirmos construir o
espetáculo.
Para resolver esse conflito, preparei um ensaio geral com todas as cenas
que havíamos construído até ali, do jeito que estavam com objetivo de mostrar que
tínhamos muitos materiais, só não sabíamos o que era e do que se tratava o todo
do espetáculo. Foi um ensaio caótico e trabalhoso, mas importante como forma de
nos reorientar para o trabalho. Assim, fui um diretor-professor somado com a função
de dramaturgo para organizar todo o material que os alunos-atores tinham criado
até aquele momento. Fomos para a rua fazer o ensaio geral e para a surpresa de
todos, inclusive minha, descobrimos que tínhamos cenas (que precisavam ser mais
bem trabalhadas, é bem verdade) e descobrimos ali a linha dramatúrgica do
espetáculo.
Até então o espetáculo se tratava de personagens pobres que foram
expulsos da ocupação por causa de uma reintegração de posse e, por causa disso,
foram para a rua para conseguir dinheiro para a nova moradia apresentando um
espetáculo. O espetáculo era realizado pelas personagens, todos anunciados e
inspirados pelos capítulos do livro Alice no País das Maravilhas. Éramos orientados
pela estética do carnaval, dos bufões, da palhaçaria e do teatro de rua. Isso nos deu
um norte para estruturar cada cena a cada ensaio.
Dando uma pausa no processo criativo das cenas, descrevo agora como se
deu o processo do grupo de trabalho da produção e o do figurino e cenário. Como
não tínhamos nenhum recurso financeiro para a construção do espetáculo sugeri
ao grupo de produção meios para arrecadação de financiamento. O grupo da
produção começou a fazer venda de comida na cantina da escola e deixaram uma
caixa na recepção aceitando todo tipo de doação de materiais que fossem
descartados, desde roupas até latinhas vazias. Isso foi fundamental para esse
grupo entender a dimensão das demandas de um espetáculo e procurar estratégias
para a viabilização dele. Também era função desse grupo a comunicação com a
escola, as vezes precisávamos de instrumentos musicais, de algum figurino do
acervo da escola, tudo era feito pelos alunos. Já o grupo de trabalho do figurino e
cenário, estava pensando utilizar todos os materiais que receberíamos para a
construção dos figurinos e cenário. Decidiram adotar a estética do lixo para as
construções, e só construíram quando chegaram os materiais. Também tinham a
função de guardar todo material recebido na escola. O grupo de trabalho de
dramaturgia não funcionou bem, já que cada núcleo de cena criava sua própria
dramaturgia a partir das improvisações realizadas e quem fazia a função de
organizar o todo era eu. O grupo da música era bem efetivo, quando precisávamos
e até mesmo quando nem era solicitado, estava parodiando alguma música,
testando algum tipo de som, coisas que enriqueciam fortemente as cenas que eram
criadas.
Todas essas atividades eram orientadas por mim, que sugeria caminhos e
avaliava as ações em relação à sua efetividade. Isso era fundamental para eles
serem autônomos e responsáveis por aquilo que eles estavam criando. Aconteciam
pequenas situações conflituosas que foram corrigidas a partir dessas avaliações
que eu fazia e, em seguida, eles retomavam o processo. Como uma disciplina em
uma escola, acredito que esses grupos de trabalhos foram fundamentais para a
criação de responsabilidade para com a montagem além, também, das várias
aprendizagens artísticas teatrais que estavam vivendo.
É interessante fazermos um paralelo desse processo com os processos do
Teatro da Vertigem pois, guardadas as devidas proporções e contextos, estávamos
seguindo uma linha parecida de criação. Não que fosse proposital, essa análise
vem na escrita dessa monografia em conjunto com a leitura da tese de Antônio
Araújo, na qual ele relata também os processos criativos do seu grupo. Aconteceu
em ambos os casos uma sequência nos processos criativos que Araújo classifica
como:
• Definição do projeto;
• Definição da Equipe de Criação;
• Pesquisa Teórica;
• Improvisações e jogos;
• Seleção do Material;
• Primeira versão do Roteiro;
Seguindo o relato, os ensaios decorreram de maneira fluida e prazerosa
apesar do estresse e da quantidade de tarefas a serem executadas. E para
conseguirmos estrear, chamei Halyson Felix, um colega da graduação da UFMG,
para nos auxiliar na construção do figurino e do cenário, pois enxerguei que o grupo
estava precisando de um olhar especializado para esta questão e também não tinha
habilidades necessárias para a construção, e que nenhum ali do coletivo também
não. Com a chegada dele, o grupo passou todas as ideias para ele e então ele pode
confeccionar todo o visual do espetáculo. Isso nos facilitou bastante pois aliviou o
alunos-atores para focar nos ensaios, e precisávamos disso, uma vez que estava
chegando a estreia. Obviamente todo o grupo contribuiu para a confecção de todos
os materiais e dos seus figurinos mantendo a proposta colaborativa.
Outra mudança que tivemos que fazer, faltando poucos ensaios para a
estreia, foi a mudança de todo o espetáculo para os espaços internos da escola,
devido a chuva que estava ameaçando cair nos dias de apresentação, o que
inviabilizaria o que estava planejado para a rua. Essa mudança impactou os atores-
alunos porque tivemos que adaptar todo o espetáculo que estava sendo feito do
lado de fora para dentro da escola. Mas percebi que esse impacto foi muito
suavizado por eles estarem preparados para fazer adaptações. Acredito que isso
foi o processo que proporcionou a eles, um amadurecimento de readaptação rápida
a novas demandas, e se comportaram de maneira suave e madura. Percebi que as
aulas estavam surtindo o efeito esperado.
Adaptando as criações de cena para o espaço fechado, as mudanças nos
roteiros, aproximou-se o ensaio geral, onde se reuniram as as três turmas pela
primeira vez. Foram um total de trinta e seis atores para dois diretores, nesse dia
foi impossível deixar as hierarquias fluidas, precisamos que elas fossem fortes para
conseguirmos repetir o máximo de vezes possível com todo o elenco neste ensaio
geral. Foi interessante também ver a maturidade do núcleo dos adultos quando
precisamos dessas hierarquias para que funcionasse o ensaio junto com as
crianças. Foi um acordo estabelecido e entendido por todos. Por isso, avalio que
esse processo teve todas as características de um teatro colaborativo, tinha a
intenção da horizontalidade e quando precisava as hierarquias eram “convocadas”
a dar suas respostas às ações. E isso foi um ponto bem percebido pelo coletivo e
por mim, que o estava conduzindo.
Desse dia em dia, ficamos por conta de produção, dado que a em relação a
atuação estava tudo resolvido. Na semana seguinte, marquei com os alunos para
fazer um mutirão para a construção do cenário e dos figurinos. Ficamos
praticamente uma semana inteira antes da estreia para completar toda a produção
megalomaníaca que tínhamos inventado. Cada um foi para onde melhor podeia
contribuir, uns foram costurar, outros montar cenário, outros pintar, arrumar espaços
etc.
O meu foco foi o processo e suas aprendizagens, porém compartilho aqui o
texto feito por mim e pela Paula Libéria (diretora do núcleo do infantil) que foi para
o programa do espetáculo. Ele traduz de forma sucinta e clara o processo:
O espetáculo “O Jogo da Vida: Alice no País da MaraVilas” expõe uma realidade de muitos que sempre tentamos negar enquanto civis: a desigualdade social e as pessoas em situações de rua. Porém, para tratar de assunto tão sério e crítico utilizamos da linguagem cômica do Teatro Popular, trazendo esse tema diluído em ironias e levezas dramatúrgicas. Assim como Bertold Brecht, acreditamos que o fazer teatral, além de trabalhar com questões individuais e do subjetivo do ser humano também lida com as questões da relação do indivíduo com a sociedade, e é isso que compartilhamos na sala de ensaio. Trocando ideias e saberes com os alunos. Então, partindo da concepção de história do livro Alice no País das Maravilhas nos inspiramos para criar juntamente com os alunos o nosso próprio País. E para essa criação começamos com os nossos pequenos, são eles o nosso País de fantasias e criatividade, partindo de discussões e improvisações surge a corte real das Rainhas de Copas e Ouros. Ao mesmo tempo com os grandes fomos para a rua, debaixo do sol quente para começar a criar, e dali, da rua e do suor surgia os personagens inspirados nas “mazelas”, eles são nosso País da Energia. Foi através de um processo colaborativo, dos diretores com ajuda de cada aluno que conseguimos costurar e construir todo o espetáculo. Tivemos momentos de alegrias e angústias, de dúvidas em meio ao caos e da satisfação de ver o brilho no olho e a vontade dos atrizes e atores, dos mirins aos adultos ver esse trabalho se realizar. Gratidão queridos por essa troca do Grupo Vertente com esse coletivo de 30 pessoas em cena com a criação desses afetos que vamos levar para vida. Evoé! Bueno! / A Direção / Ítalo Araújo e Paula Libéria (Texto do programa do espetáculo “Alice no País das MaraVilas”, escrito por Ítalo Araújo e Paula Libéria)
O Espetáculo “Alice no País das Maravilas” girava em torno das questões em
relação a moradia. Personagens começam o espetáculo fazendo uma festa de
inauguração da ocupação e que para isso montam uma peça de teatro, porém se
vêm impossibilitados de continuar a peça quando a Corte Real das Rainhas pede
reintegração de posso do terreno. Dessa forma a única saída que encontram é
trabalharem para sempre para as Rainhas em troca de comida e um abrigo.
Depois da estreia tivemos uma roda de avaliação, em que pudemos nos dar
o retorno sobre o processo e do espetáculo, em conjunto. Todos fizeram uma
avaliação bastante positiva tanto do processo quanto do resultado, muitos falaram
que entenderam como as questões se resolvem e que achavam em um certo
momento que o espetáculo não sairia, mas que continuaram acreditando até que
estrearam.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fico bastante feliz por ter chegado até aqui, na conclusão desse trabalho e
dessa etapa de vida abordando um tema que é bastante caro para mim e para as
minhas práticas em sala de aula enquanto professor: a utilização do processo
colaborativo como ferramenta metodológica para o ensino e aprendizagem nas
aulas de teatro. Acredito que essa metodologia cria espaços de caos e criação que
são necessários para os alunos. Essa metodologia prepara e estimula à autonomia
dos alunos na prática de criação cênica. Não é um processo linear e fluido é
tortuoso, caótico e que precisa de bastante escuta por parte do professor-diretor
para conduzir da melhor forma possível.
Evoco as palavras de uma querida professora Marina Marcondes com seu
conceito de poética própria, que ela caracteriza como
No campo acadêmico, a poética própria pode ser concebida como o conjunto de características de um artista ou de um autor, renomado ou iniciante: traços, rabiscos, contornos, modos próprios de ser e estar no mundo , na sua relação consigo e com o outro, em especial com a linguisticidade (relação eu língua mãe) e com a artisticidade. (MARCONDES, p.64, 2015)
Assim sendo, a graduação em Licenciatura em Teatro da UFMG, como
também esse trabalho, me trouxeram muitas reflexões sobre a prática da docência
e que foram fundamentais para a minha poética própria. Esse trabalho me convocou
para sistematizar e entrelaçar todos os meus “traços e rabiscos” para a minha
formação de professor-artista.
E também, a graduação pode me proporcionar o entendimento do campo da
docência em Teatro como um campo de conhecimento e pesquisa e que a partir
dos estudos, modificou e aprimorou a minha prática dentro da sala de aula com os
alunos.
Agora depois de produzido esse Trabalho de Conclusão de Curso,
pretendo sistematizar e verticalizar ainda mais essa pesquisa dentro do campo do
Teatro Colaborativo tanto nas práticas pedagógicas quanto no campo artístico. E
essas práticas e pensamentos me faz ter um fôlego a mais para continuar e tentar
continuar esses estudos na pós-graduação e no grupo de teatro que faço parte,
Vertente Corpo Es’passo.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Antônio. O processo colaborativo no Teatro da Vertigem. Sala Preta, São Paulo, v. 6, p. 127-133, 28 nov. 2006.
BONFITTO, Matteo. O ator-compositor as ações físicas como eixo: de Stanislávski a Barba. São Paulo: Perspectiva, 2002.
MACHADO, Marina Marcondes. RODAPÉS: Um glossário de trinta termos definidos na espiral de minha poética própria. Revista Rascunhos / Caminhos da pesquisa em artes cênicas. Uberlândia, UFU, v.2, n.1 (2015): Dossiê Teatro e Escola: ações e reflexões. Disponível em <www.seer.ufu.br/index.php/rascunhos/article/view/28813> acesso em julho de 2019.
SANTOS, Clóvis Domingos dos. A cena invertida e a cena expandida: projetos de aprendizagem e formação colaborativas para o trabalho do ator. 2010. Dissertação (Mestrado em Artes) – Escola de Belas Artes, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.
SILVA, Antônio Carlos de Araújo. A encenação no coletivo: desterritorializacões da função do diretor no processo colaborativo. 2008. Tese (Doutorado em Artes Cênicas) – Departamento de Artes Cênicas, ECA, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.
TABARES, Vivian Martínez. Criação Coletiva. Enciclopédia Latino Americana, 2016. Disponível em: <http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/c/criacao-coletiva>. Acesso em: 2019 Julho.
WERNECK, Silvia Muniz. O Processo Colaborativo aplicado na escola pública do Município do Rio de Janeiro. In: REUNIÃO CIENTÍFICA DA ABRACE, 7., 2013, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2013. Disponível em: <http://portalabrace.org/viireuniao/pedagogia/WERNECK_Silvia.pdf>. Acesso em 11 jun. 2019.
ANEXO A – Imagens de “Alice no País das MaraVilas”
Figura 1 – Autorização de uso de imagem do espetáculo
Fonte: elaborado pelo autor.
Figura 2 – Ensaio realizado na rua em frente à escola (1)
Fonte: elaborado pelo autor.
Figura 3 – Ensaio realizado na rua em frente à escola (2)
Fonte: elaborado pelo autor.
Figura 4 – Cena do espetáculo “Alice no País das MaraVilas” (1)
Fonte: acervo do autor.
Figura 5 – Cena do espetáculo “Alice no País das MaraVilas” (2)
Fonte: acervo do autor.
Figura 6 – Cena do espetáculo “Alice no País das MaraVilas” (3)
Fonte: acervo do autor.