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Universidade Estadual Paulista – Unesp
“Julio de Mesquita Filho”
Faculdade De Filosofia E Ciências
Programa De Pós-Graduação Em Ciências Sociais
Campus Marília
ROSANA ISABEL DE MORAES
O Financiamento da Cadeia Mercantil do Café no Brasil de 1850 a 1930
MARÍLIA
2015
ROSANA ISABEL DE MORAES
O Financiamento da Cadeia Mercantil do Café no Brasil de 1850 a 1930
Pesquisa apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Ciências Sociais da Faculdade de
Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual
Paulista – UNESP – Campus de Marília, para a
obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais.
Área: Relações Internacionais e Desenvolvimento.
Orientadora: Profª. Drª. Rosângela de Lima Vieira
MARÍLIA
2015
ROSANA ISABEL DE MORAES
O Financiamento da Cadeia Mercantil do Café no Brasil de 1850 a 1930
Dissertação para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais, da Faculdade de Filosofia e
Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, na área de
concentração: Relações Internacionais e Desenvolvimento.
BANCA EXAMINADORA
Orientadora: Dra. Rosângela de Lima Vieira
PPGCS / UNESP – campus de Marília
2º Examinador: Dr. Francisco Luiz Corsi
PPGCS / UNESP – campus de Marília
3º Examinador: Dr. Pedro Antônio Vieira
UFSC
Marília, 28 de janeiro de 2015.
Dedico este trabalho...
Á minha amada mãe Thereza Levoratto de Moraes, eterna
incentivadora de todos os meus sonhos, planos e projetos;
Á memória do meu amado pai Júlio Antônio de Moraes Fº, comprador
contumaz de enciclopédias que me induziu o amor à leitura;
Ao meu amado e sonhador irmão Júlio Cesar de Moraes que, com
nossas conversas técnicas, me ajudou muitíssimo a compor este
trabalho e, acima de tudo, por ter-me presenteado com os tesouros
“Julio e Laís” meus amados sobrinhos.
Aos meus queridíssimos primos Cleide e Gilson por todo o incentivo,
compreensão e suporte emocional que me foi dado.
AGRADECIMENTOS
O primeiro nome a ser lembrado aqui é sem dúvida o da minha orientadora professora
Doutora Rosângela de Lima Vieira. Sem ela, o projeto nem teria nascido. Ela foi o embrião de
tudo. Cheguei à UNESP como uma ouvinte e com uma vaga ideia na cabeça, mas graças a
Deus, encontrei uma pessoa que, alem de excelente acadêmica, é um ser muito especial que
tem o dom de ouvir o outro e nele despertar o seu melhor. Aproveitei cada segundo dessa
proximidade e sorvi com muito entusiasmo, todas as sugestões que dela recebi nos nossos
encontros no decorrer deste trabalho.
Meu especial agradecimento ao Professor Dr. Pedro Antônio Vieira, por sua contribuição e
apoio intelectual, pelo incentivo que me foi dado para desenvolver o tema da presente
pesquisa sob a abordagem da Economia Política dos Sistemas-Mundo e pelos valiosos
comentários e sugestões que nortearam a escrita final deste projeto.
Agradeço ao professor Doutor Francisco Corsi, pois desde o momento da arguição fez
comentários importantíssimos que contribuíram de maneira determinante para a pesquisa.
Não poderia deixar de citar a professora Doutora Marina Gusmão de Mendonça, pois nossas
conversas durante as aulas da matéria “Ideologia e Política na Construção do Capitalismo
Brasileiro (1930-1968)” ministrada no 2º semestre de 2013 foram decisivas para meu
entendimento do ambiente político no período da Primeira República, um dos itens abordados
nesta pesquisa.
A todos os novos amigos que tive oportunidade de conhecer na UNESP–Marília e em especial
ao querido Carlos Spinelli, por sua carinhosa amizade.
A Deus por manter minha fé.
RESUMO
A presente pesquisa objetiva desenvolver uma análise sobre o financiamento da cadeia
mercantil do café no Brasil de 1850 a 1930, tendo como suporte a Economia Política dos
Sistemas-Mundo, com as contribuições do historiador Fernand Braudel, do economista e
sociólogo Giovanni Arrighi e do sociólogo Immanuel Wallerstein. Examinando os diversos
tipos e fontes de financiamentos que a cadeia mercantil do café demandou em cada nódulo
(ou bloco de nódulos) no período, buscamos apontar a relação das fontes de financiamento
com o capital estrangeiro, destacando em que(ais) etapa(s) da cadeia mercantil o capital
estrangeiro interagiu com maior predominância. Percorrendo de forma detalhada o
encadeamento espacial do financiamento dos negócios do café, pretendemos verificar de que
estes criaram dependências mútuas entre o capital financeiro local a outros interesses
econômicos localizados em outras partes do mundo, caracterizando assim o financiamento
dos negócios do café como transnacional, contribuindo para a consolidação da economia-
mundo capitalista.
Palavras-chave: Café, Cadeia mercantil do café, Capitalismo, Economia Política, Economia-
mundo capitalista, Sistemas-Mundo.
ABSTRACT
The main purpose of this research is to develop an analysis of the financing of commercial
coffee chain in Brazil from 1850 to 1930, supported by the Political Economy of the World-
Systems, with the contributions of the historian Fernand Braudel, the economist and
sociologist Giovanni Arrighi and sociologist Immanuel Wallerstein. Examining the various
types and sources of funding that the commercial chain of coffee demanded in each node (or
nodes block) in the period, we seek to point the ratio of funding sources with foreign capital,
highlighting where (s) step (s) of commodity chain interacted with foreign capital
predominance. Going through in detail the spatial chain of the coffee business financing, we
intend to verify the fact that they have created mutual dependencies between local financial
capital to other economic interests located in other parts of the world, characterizing the
financing of the coffee business and transnational, contributing to the consolidation of the
capitalist word-economy.
Keywords: Coffee, coffee commodity chain, capitalism, political economy, capitalist
economy-world, World-Systems.
LISTA DE FIGURAS E TABELAS Página
Figura 1. Fernand Braudel – os três andares da vida econômica .........................................
24
Figura 2. Séculos Longos e Ciclos Sistêmicos de Acumulação de Giovanni Arrighi ..........
27
Figura 2.1. Ciclo Sistêmico de Acumulação Britânico e as fases de expansão material
(DM) e de expansão financeira (MD`) ...................................................................................
35
Figura 3. Cadeia Mercantil do Café (1830-1929) ..................................................................
57
Figura 4. Esboço da Cadeia Mercantil do Café 1850-1930 x nódulos do financiamento dos
negócios do café .....................................................................................................
58
Figura 5. Esboço do Financiamento da Cadeia Mercantil do Café 1850-1870 ......................
63
Figura 6. Principais Casas Exportadoras – porto R.J. – dados: 1876/80 a 1901/5. ................
70
Figura 7. Principais Casas Exportadora – porto Santos – dados: 1898/9 a 1905 ...................
71
Figura 8. Esboço do Financiamento da Cadeia Mercantil do Café no Brasil – 1870-1905....
76
Figura 9. Encadeamento espacial do financiamento da cadeia mercantil do café – fluxo
Financeiro no exterior, antes das operações de valorização do café de 1906.........................
77
Figura 10. Posição relativa (volume) do Brasil entre os maiores exportadores mundiais de
Café e participação das exportações brasileiras de café sobre o total das exportações
Mundiais de café (em dólares) ..................................................................................
82
Figura 11. Preço médio de importação do café – EUA (FOB) – 1850 a 1930 ......................
85
Figura 12. Participação do Café na Receita Tributária do Estado de São Paulo 1889-1929..
86
Figura 13. Primeira operação de valorização do café: primeiro empréstimo: 1906: £ 1 MM
99
Figura 14. Primeira operação de valorização do café: segundo empréstimo: 1906: £ 3 MM
101
Figura 15. Primeira operação de valorização do café: terceiro empréstimo: 1907: £ 8 MM .
103
Figura 16. Primeira operação de valorização do café: empréstimo de consolidação em
1908: £ 15 MM ......................................................................................................................
105
Figura 17. Segunda operação de valorização do café: empréstimo: 1917-1920: emissão
interna de papel moeda .........................................................................................................
109
Figura 18. Terceira operação de valorização do café: empréstimo: 1921-24: £ 9 MM ........
111
Figura 19. Defesa Permanente – empréstimo de 1926: £ 10 MM e 1927: £ 5 MM ............
115
Figura 20. Defesa Permanente – empréstimo de 1929: £ 2 MM e empréstimo de 1930:
£ 17 MM .................................................................................................................................
117
Tabela 1. Exportações Britânicas de Ferro e Aço para Estradas de Ferro e Maquinarias ....
37
Tabela 2. Investimentos Britânicos na América Latina e no Brasil, 1815-1913 ..................
41
Tabela 2.1. Distribuição percentual dos investimentos Britânicos no Brasil, 1815-1913.....
42
Tabela 2.2. Investimentos Britânicos na América Latina – ano de 1880 – distribuído
por países................................................................................................................................
43
Tabela 2.3. Empréstimos Públicos Federal – Grã-Bretanha x Brasil – 1852 a 1914...
44
Tabela 2.4. Brasil: Estoque nominal de capital estrangeiro, 1824-1930.................................
45
Tabela 2.5. Dívida Pública Externa (1850/59 a 1910/14) – distribuição de acordo com a
aplicação dos recursos.............................................................................................................
47
Tabela 2.6. Composição setorial dos capitais Britânicos no Brasil, 1865-1913....................
47
Tabela 2.7. Expansão das Estradas de Ferro no Brasil – 1854 a 1929...................................
48
Tabela 3. Impacto do Café na economia Brasileira: 1850-1930............................................. 81
SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1. Elementos do Referencial Teórico .............................................. 17 1. A Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM), economia mundo-capitalista e a
cadeia mercantil ....................................................................................................................
17
2. Braudel, a concepção das diferentes temporalidades para o estudo da vida econômica
.................................................................................................................................................
21
3. Os Ciclos Sistêmicos de Acumulação (CSAs) de Giovanni Arrighi ................................. 25
3.1. O terceiro Ciclo Sistêmico de Acumulação Britânico (século XVIII ao século XX)... 29
3.1.1. As fases de expansão material – DM e de expansão financeira – MD` no Ciclo
Sistêmico de Acumulação Britânico – século XVIII ao século XX ......................................
34
CAPÍTULO 2. O Café no Brasil ......................................................................................... 51
1. Revisitando a bibliografia sobre o financiamento do café ................................................. 51
2. O Café no Brasil ................................................................................................................. 54
2.1. A Cadeia Mercantil do Café ........................................................................................... 55
2.1.1. O Financiamento da Cadeia Mercantil do Café ........................................................... 62
2.2. As Casas Exportadoras de Café ...................................................................................... 69
2.3. Os aspectos políticos no financiamento da cadeia mercantil do Café – O advento
da República ...........................................................................................................................
79
CAPÍTULO 3. As Políticas de Valorização do Café ......................................................... 93
3.1. A primeira operação de valorização do café – 1906-1914 ............................................. 98
3.2. A segunda operação de valorização do café – 1917-1920 ............................................. 108
3.3. A terceira operação de valorização do café – 1921-1924 .............................................. 110
3.4. A Defesa Permanente pelo Estado de São Paulo – a plena Intervenção Estatal ............. 112
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ............................................................................... 127
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa objetiva desenvolver uma análise sobre o financiamento da cadeia
mercantil do café no Brasil de 1850 a 1930, tendo como suporte a Economia Política dos
Sistemas-Mundo, com as contribuições do historiador Fernand Braudel, do economista e
sociólogo Giovanni Arrighi e do sociólogo Immanuel Wallerstein. Examinando os diversos
tipos e fontes de financiamentos que a cadeia mercantil do café demandou em cada nódulo
(ou bloco de nódulos) no período, buscaremos apontar a relação das fontes de financiamento
com o capital estrangeiro, destacando em que(ais) etapa(s) da cadeia mercantil o capital
estrangeiro interagiu com maior predominância. Percorrendo de forma detalhada o
encadeamento espacial do financiamento dos negócios do café, pretendemos verificar o fato
de que estes criaram dependências mútuas entre o capital financeiro local a outros interesses
econômicos localizados em outras partes do mundo, caracterizando assim o financiamento
dos negócios do café como transnacional, contribuindo assim para a consolidação da
economia-mundo capitalista.
A análise do financiamento da cadeia mercantil do café envolve fundamentalmente as
altas-finanças, portanto, a pesquisa terá seu foco no último andar – a do “capitalismo” – da
estrutura das três camadas que Fernand Braudel desenvolveu para a análise da vida
econômica1. A terceira camada de Braudel – a do Capitalismo – é a camada dos oligopólios,
das trocas desiguais, onde ocorrem as grandes transações comerciais e financeiras, sendo o
capital dotado de mobilidade e flexibilidade que permite uma liberdade de escolha que não
está à disposição da economia de mercado e altas taxas de lucratividade.
Minha escolha pelo tema – o financiamento da cadeia mercantil do café no período de
1850 a 1930 – decorre da relevância e do destaque do café na história econômica, política e
social do país, bem como da minha formação como economista e do meu conhecimento e
experiência profissional desenvolvidos no mercado financeiro que me permite ter uma visão
econômica e global sobre a questão.
Inicio com um breve retrospecto sobre minha experiência profissional, pois foi ela que
me levou à escolha do tema da presente pesquisa e da abordagem teórica para desenvolvê-la.
Durante um pouco mais de três décadas, dediquei minha vida profissional ao mercado
financeiro, mais precisamente às empresas e aos bancos. Tendo nos anos de 1980 me formado
1 Para uma apresentação detalhada dos conceitos ver: VIEIRA, Rosangela Lima - Fernand Braudel: a relação do
método historiográfico e o conhecimento histórico. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP em 2002.
em economia fui trabalhar na área de crédito para empresas em um grande banco privado.
Esta área estudava o crédito para as operações de longo prazo que seriam passíveis de
financiamento do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social). Para
tanto, era necessário que o analista entendesse todo o fluxo de produção da empresa, das
fontes de fornecimento de matérias-primas, do mercado de consumo, do grau de dependência
do mercado interno ou externo de cada etapa, dos principais concorrentes, etc. No final do
estudo os riscos deveriam ser avaliados frente aos resultados previstos no projeto, sendo que
estes deveriam ser suficientes para pagar os custos financeiros e rentabilizar a operação.
Sem dúvida, iniciar minha atividade profissional por esta área foi a melhor das
escolas. Ao longo do trajeto profissional que foi exercido em diferentes instituições
financeiras (nacionais e estrangeiras), trabalhei com vários setores da economia tais como,
Trade Commodities de Alimentos, químicos e petroquímicos, aço, automotivo, dentre outros.
A especialização em finanças e o conhecimento detalhado dos setores, dos mercados e do
modus operandi das empresas me permitiu ter uma visão econômica global e um grande
entendimento sobre as corporações transnacionais e suas necessidades financeiras
operacionais.
Ao findar minha trajetória profissional no mercado financeiro, desejava iniciar uma
nova, no meio acadêmico, e ansiava por encontrar um objeto de estudo que dialogasse com o
conhecimento profissional que havia acumulado ao longo dos anos.
Qual a minha satisfação ao conhecer, através da Profª. Drª. Rosângela de Lima Vieira
minha orientadora, a abordagem da Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM) de
Immanuel Wallerstein e o que ele chama de commodity chains “cadeias mercantis”, conceito
que designa os “[...] processos produtivos interligados que tem cruzado múltiplas fronteiras e
que sempre apresentam dentro deles diferentes formas de controle do trabalho” (Wallerstein e
Hopkins, 2000:211 apud Vieira, R.: 2012:271).
Listamos a seguir as principais características da Economia Política dos Sistemas-
Mundo, pois a abordagem será amplamente apresentada em capítulo específico: 1) não tomar
a sociedade ou economia nacional como unidade de análise suficiente; 2) não aceitar o
pressuposto de que a realidade pode ser adequadamente compreendida pelas várias disciplinas
(economia, sociologia, geografia etc.) separadamente; 3) assumir que o sistema capitalista
mundial e o sistema interestatal são duas entidades que nasceram juntas e interligadas; 4)
adotar as concepções braudelianas das múltiplas temporalidades, e observar a história como
dialética das durações, ou seja, como resultado da mútua interação dos tempos de curta
(acontecimento), média (conjuntura) e longa (estrutura) duração, sendo este último o tempo
mais adequado para estudar as mudanças sociais relevantes. 2
O grupo de pesquisadores da EPSM no Brasil é coordenado pelo Prof. Dr. Pedro
Antonio Vieira da Universidade Federal de Santa Catarina, que com sua pesquisa –– “A
inserção do “Brasil” nos quadros da economia-mundo capitalista no período de 1550-1880:
uma tentativa de demonstração empírica através da cadeia mercantil do açúcar” –– 3
pioneira sobre a cadeia mercantil do açúcar tornou-se referência para a abordagem. Esta
pesquisa mostra, “[...] através do conceito de cadeia mercantil, que as atividades implicadas
na produção, comercialização e consumo do açúcar se espalhavam pela América, Europa,
África e Ásia, formando uma verdadeira rede de negócios com muitas conexões [...]”.
(VIEIRA, P., 2010:540). A pesquisa apresenta também os inúmeros produtos partícipes da
cadeia do açúcar, como equipamentos, farinha de mandioca, aguardente e principalmente a
mão de obra escrava.
Seguindo esta mesma trilha a Profª. Drª. Rosângela de Lima Vieira montou a cadeia
mercantil do café produzido no Brasil de 1830 a 1929 usando o conceito de cadeia mercantil
da Análise dos Sistemas-Mundo, mostrando a distribuição espacial das diversas atividades
que compõem a cadeia mercantil do café no período analisado, apontando as relações e
assimetrias existentes entre os diversos componentes da cadeia mercantil entre si e destes com
a economia-mundo capitalista. Nela retomou a premissa de Wallerstein de que as análises a
partir da abordagem da Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM) exigem a observação
de dois sistemas: o político (Estados nacionais) e o econômico (cadeias mercantis). 4 Nesta
pesquisa, apresentou um esboço gráfico da cadeia mercantil do café, demonstrando os
numerosos e complexos nódulos envolvidos: processo produtivo, transporte, comércio e
consumo. Nas considerações finais, a Profª. Drª. Rosângela de Lima Vieira ressalta “[...] a
pesquisa feita aponta para a necessidade de se enveredar mais profundamente [...] no que
tange ao aspecto financeiro envolvido na cadeia mercantil do café [...], para que a pesquisa
seja mais ampla e profunda.” (VIEIRA, R., 2012: 292).
2 VIEIRA, Pedro A. – A economia-mundo, Portugal e o “Brasil” no longo século XVI (1450-1650) in Vieira,
Pedro A., Vieira, Rosangela L., Filomeno, Felipe A. (orgs) – O Brasil e o capitalismo histórico: passado e
presente na análise dos sistemas-mundo. SP: Cultura Acadêmica Editora, 2012. 3 VIEIRA, Pedro A. – A inserção do "Brasil" nos quadros da economia-mundo capitalista no período 1550-
c.1800: uma tentativa de demonstração empírica através da cadeia mercantil do açúcar. Econ. soc., 2010, vol.19,
no.3, p.499-527. Disponível em: http://www.gpepsm.ufsc.br/html/producao.php 4 VIEIRA, Rosangela L. – A cadeia mercantil do café produzido no Brasil entre 1830 e 1929 in Vieira, Pedro
A., Vieira, Rosangela L., Filomeno, Felipe A. (orgs) – O Brasil e o capitalismo histórico: passado e presente na
análise dos sistemas-mundo. SP: Cultura Acadêmica Editora, 2012, pag. 291.
Ao identificar na abordagem da Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM) que
o modus operandi da cadeia mercantil dialogava com o conhecimento profissional que eu
havia acumulado ao longo dos anos, abracei o desafio lançado pela Profª Drª Rosangela de
Lima Vieira de estudar o financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil de 1850 a 1930
sob esta abordagem.
O café como tema de estudo tem uma bibliografia vasta, recorrentemente estudada por
historiadores, economistas e cientistas socais com diferentes abordagens. Estudos analisando
o tema sob a perspectiva da Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM) só foram
iniciados em 2012 com a pesquisa da Profª Drª Rosângela de Lima Vieira com a pesquisa
intitulada “A cadeia mercantil do café de 1850 a 1929”. 5
O estudo das cadeias mercantis procura “[...] explicar a organização e distribuição
espacial da produção, do comércio e do consumo na economia mundial globalizada” (Gereffi,
& Korzeniewicz, 1994: 2). A cadeia mercantil neste contexto é vista como “[...] uma rede de
processos de trabalho e de produção cujo resultado é um produto acabado”. (Hopkins e
Wallerstein, 1986:159 apud in Gereffi, & Korzeniewicz, 1994:18). Os processos de produção
dentro de uma cadeia de mercantil são representados por '' nódulos'' ligados em redes.
Portanto, podemos ver uma cadeia mercantil como “[...] um conjunto de redes
interorganizacionais agrupadas em torno de um bem ou produto.” (Gereffi: 1994: 2). E, “[...]
acompanhando o traçado das redes da cadeia mercantil, pode-se observar a divisão e a
integração dos processos de trabalho em curso e, assim, verificar o constante desenvolvimento
e transformação do sistema de produção desta economia-mundo.” (Gereffi, Korzeniewicz,
1994: 17).
A ênfase das pesquisas desenvolvidas por autores da Economia Política dos Sistemas-
Mundo estão centradas na análise dos processos ou das etapas de produção que compõem
cada nódulo da cadeia mercantil, sendo que e a questão de – “como ocorre o financiamento de
cada nódulo”, ou “quem são os financiadores”? – ainda não foi explorada em sua totalidade.
O autor John M. Talbot em seu texto “The Comparative Advantages of Tropical Commodity
Chain Analysis” 6 aponta no subitem “Following The Money” do citado texto que uma das
questões importantes a se responder na análise de cadeia mercantil é a de “Quem se
beneficia?”, dando destaque à importância de seguir o dinheiro em toda a cadeia mercantil e,
avaliando o fluxo de dinheiro gerado (lucratividade) em cada um dos nódulos, verificar como
5 Ibidem, pags. 265-296 6 TALBOT, John – The Comparative Advantages of Tropical Commodity Chain Analysis, in BAIR, Jennifer –
Frontiers of Commodity Chain Research. Stanford University Press, Stanford, California, 2009, pags: 94-109.
este é distribuído nos diversos nódulos da cadeia mercantil. Os participantes dos nódulos da
cadeia mercantil podem cooperar entre si, ou entrar em conflito com outros participantes e
agentes que governam a cadeia mercantil, em tentativas para alterar esta distribuição. 7
Tendo exposto acima qual é a ênfase dos atuais estudos sobre cadeia mercantil,
desenvolvidas por autores da Economia Política dos Sistemas-Mundo, verificamos que o tema
“financiamento” ainda não foi tratado em toda a sua amplitude sob esta abordagem. Portanto,
consideramos que a principal contribuição da presente pesquisa é a de abraçar o desafio
arrojado, e iniciar os estudos do tema do financiamento da cadeia mercantil do café no
período de 1850 a 1930 no Brasil, com o suporte teórico da Economia Política dos Sistemas-
Mundo.
Metodologia
A pesquisa se caracterizou fundamentalmente como bibliográfica. Primeiramente, para
atender ao cunho teórico apontado para o desenvolvimento do tema, mapeamos as referências
básicas e essenciais dos autores da Economia Política do Sistema Mundo, com destaque para
Fernand Braudel, Giovanni Arrighi e Immanuel Wallerstein. Na sequência, revisitamos a
bibliografia sobre o financiamento do café, buscando dentre cientistas sociais, historiadores da
história financeira, economistas e pesquisadores em Economia Política dos Sistemas-Mundo,
obras que contribuíram para a elaboração da pesquisa.
Dada à amplitude do período e da questão abordada, restringimos o presente estudo às
zonas geográficas do Rio de Janeiro e de São Paulo. Na primeira temos instalado o aparelho
do Estado na cidade do Rio de Janeiro e a principal região produtora de café até 1870. Na
segunda, São Paulo, por este estado ter-se tornado o principal produtor de café a partir da
década de 1870, que, em virtude dos investimentos em ferrovias, a lavoura do café já presente
na região do Oeste paulista, pode se expandir fortemente. Consequentemente, o estado de São
Paulo tornou-se o economicamente mais pujante a partir do advento da República em 1889. E,
sendo a riqueza deste estado preponderantemente oriunda dos negócios do café, o grande
capital cafeeiro influiu decisivamente na modernização do aparelho estatal em São Paulo.
Decidimos por manter, ainda que longo, o período 1850 a 1930. Este período será
dividido em duas etapas: 1) 1850 a 1905: neste temos eventos importantes que impactaram
financeiramente a economia do país, tais como: a proibição do tráfico dos escravos, a
transição para o trabalho assalariado e o Código Comercial, dentre outros. Com o advento da
7 Ibidem pag. 103
República Federativa do Brasil em 1889 ocorreram alterações políticas importantes tanto para
a construção do aparelho regional do estado em São Paulo quanto para o incremento da
atividade bancária no sistema econômico do país. 2) 1906 a 1930: neste período temos um
aspecto financeiro de suma importância que ocorrerá partir de 1906 com a primeira operação
de valorização do café, evento este que muda drasticamente, a partir de então, a forma de
financiamento na cadeia mercantil do café. Para os propósitos da presente pesquisa,
findaremos no ano de 1930 quando ocorre a Revolução e Getúlio Vargas assume o poder. A
partir deste evento, ocorrem alterações no comando do estado de São Paulo, no Instituto do
café, e em relações que irão modificar o sistema bancário nacional e na forma de captação de
financiamentos junto aos investidores internacionais durante o Estado Novo. Este período
deve ser estudado em pesquisa específica, para a compreensão de como prosseguiu o
financiamento da cadeia mercantil do café durante nos períodos seguintes.
Além da introdução a pesquisa esta estruturada com três capítulos.
No primeiro abordamos os elementos do referencial teórico. Nele discorremos sobre a
Economia Política dos Sistemas-Mundo, abordagem que permeia esta pesquisa e que foi
desenvolvida na década de 1970 por Immanuel Wallerstein com as contribuições do
historiador Fernand Braudel na concepção das diferentes temporalidades para o estudo da
vida econômica e do economista e sociólogo Giovanni Arrighi com os Ciclos Sistêmicos de
Acumulação. No capítulo dois, revisitamos a bibliografia sobre o financiamento do café,
fazemos um retrospecto do café no Brasil para na sequência discorrer sobre a cadeia mercantil
do café e como ela é composta. Após descrever o encadeamento dos nódulos da cadeia
mercantil do café, passamos a analisar como ocorreu o financiamento destes, detalhando o
modus operandi do financiamento dos negócios do café em antes das operações da
valorização do café (1850-1870 e 1870-1905) e depois das operações da valorização do café
(1906-1930). No capítulo três, estudamos em detalhe cada operação de valorização do café,
montando seu respectivo fluxo de financiamento. Por último apresentamos as considerações
finais.
CAPÍTULO 1
ELEMENTOS DO REFERENCIAL TEÓRICO
1. A Economia Política dos Sistemas-Mundo (EPSM), a economia mundo-capitalista e a
cadeia mercantil
Na década de 1970, a Economia Política dos Sistemas-Mundo surgiu como uma nova
forma de questionamento sobre as Ciências Sociais no geral, e, em particular sobre a
Sociologia. Segundo Wallerstein (2005) a perspectiva dos Sistemas-Mundo surgiu da
combinação do conceito de economia-mundo de Fernand Braudel, com os postulados de Karl
Polanyi entre as três formas de organização econômica: recíproca, redistributiva e de
mercado8 e incorporando a análise de Raúl Prebish da CEPAL que afirma que uma economia-
mundo capitalista esta marcada por uma divisão axial de trabalho entre processos de produção
centrais e processos de produção periféricos, que resultam em uma troca desigual favorecendo
os que estão alocados no centro.
Para Wallerstein (2006:12), a análise dos sistemas-mundo é uma perspectiva
contemporânea do mundo social, perspectiva que torna central o estudo da mudança social de
longo prazo e em larga escala. Wallerstein concebe o mundo social como uma sucessão e uma
coexistência de múltiplas entidades de larga escala e longa duração a que ele chama de
sistemas históricos.
Para o autor, a formação do sistema histórico chamado economia-mundo capitalista,
ocorreu a partir da expansão do capitalismo europeu no século XVI, com integração de novos
territórios como partes de seu sistema. Os sistemas sociais são sistemas históricos complexos
por consistirem em múltiplas estruturas: cada um deles representa uma rede integrada de
processos econômicos (cadeias mercantis), políticos (Estados Nacionais) e culturais, que tem
uma dinâmica própria e potencial de diferenciação por um lado e por outro as relações entre
os processos e estruturas os mantêm unidos. O que permite a unidade desses processos e
estruturas é a eficácia da divisão do trabalho, que no capitalismo ultrapassa barreiras locais
dadas pelas estruturas culturais e políticas e as barreiras nacionais. E esta eficácia é em função
da riqueza em constante expansão que o sistema capitalista promove. Portanto a divisão
internacional do trabalho, traduzida principalmente pelas diferentes remunerações e
rentabilidades entre os nódulos da cadeia e do capital a partir do centro hegemônico,
condiciona as possibilidades dos demais membros do sistema conduzindo a formação da
8 ver: POLANYI, Karl – A grande Transformação: as origens da nossa época. 2. Ed. RJ: Elsevier, 2012.
periferia e da semiperiferia. Para Wallerstein o que converte um processo de produção em
central ou periférico é a característica entre processo monopolizado ou de livre mercado. Os
processos relativamente monopolizados são mais lucrativos dos que os de livre mercado dado
ao poder desigual dos produtos monopolizados vis-à-vis aos produtos com muitos produtores
no mercado. Há também Estados que possuem uma mescla dos dois processos de produtos
centrais e periféricos. Estes Estados são denominados semiperiféricos e possuem propriedades
políticas específicas. Uma economia-mundo capitalista requer uma relação muito particular
entre os produtores econômicos (cadeias mercantis) e os que detêm o poder político (Estados
nacionais). 9
Na análise de Wallerstein (1995), capitalismo histórico é o sistema social no qual o
capital passou a ser usado (investido) de maneira especial, tendo como objetivo, ou intenção
primordial, a autoexpansão. Nesse sistema, o que se acumulou no passado só é capital na
medida em que seja usado para acumular mais da mesma coisa. O capitalismo histórico
incluiu a ampla mercantilização de processos, não só os de troca, mas também os de produção
e de investimento. No anseio de acumular cada vez mais capital, os capitalistas buscaram
mercantilizar cada vez mais esses processos sociais presentes em todas as esferas da vida
econômica. O desenvolvimento histórico do capitalismo envolveu o impulso de mercantilizar
todas as esferas. Os processos de produção se vinculavam uns aos outros através de cadeias
mercantis complexas. 10
Na concepção de Wallerstein “[...] um sistema histórico chamado economia-mundo
capitalista, tem de representar uma rede integrada de processos econômicos, políticos e
culturais cuja soma mantém íntegro o sistema [...]” (Wallerstein, 2006:266).
O autor apresenta a hipótese de que houve três formas ou variedades de sistema
histórico:
[...] “minissistemas” (grifo autor), assim chamados porque são pequenos em
termos de espaço e com probabilidade de ser relativamente breves em termos
de tempo (um período de vida de umas 6 gerações), exibem alto grau de
homogeneidade quanto a estruturas culturais e de governo: sua lógica básica
é de “reciprocidade” (grifo autor) nas trocas. Os “impérios-mundo” (grifo
autor) são vastas estruturas políticas (ao menos no ápice do processo de
expansão e contração que parece ser seu destino) e compreendem uma ampla
variedade de padrões “culturais” (grifo autor). A lógica básica do sistema é a
extração de tributos de produtores diretos (principalmente rurais). (...) As
“economias-mundo” são vastas cadeias desiguais de estruturas de produção
integradas que são seccionadas por múltiplas estruturas políticas. A lógica
9 WALLERSTEIN, Immanuel, Análisis de sistemas-mundo; México: Siglo XXI, 2005, pags 32-5. 10 WALLERSTEIN, Immanuel, Capitalismo histórico e civilização capitalista; RJ: Contraponto, 2001, pag 13-
5.
básica é a da distribuição desigual da mais-valia acumulada em favor
daqueles capazes de formar vários tipos de monopólios temporários nas
redes do mercado. Trata-se da lógica “capitalista” (grifo autor).
(WALLERSTEIN, 2006:284)
O autor prossegue “A expansão espacial incessante da economia-mundo capitalista
tem sido uma função de sua dinâmica central – a acumulação interminável do capital (grifo
nosso).” (Wallerstein, 2006:269)
A economia-mundo é constituída por uma rede transversal de processos de trabalho e
de produção interligados11. Hopkins e Wallerstein (1986) definiram esta rede formada por
diferentes etapas do processo produtivo, cujo resultado final é o produto acabado. Essa rede
eles chamam de cadeia mercantil. Para qualquer fase do processo de produção da cadeia
mercantil, há uma série de encadeamentos para frente e para trás, cujos processos (e pessoas
neles envolvidas) são dependentes.12 Os autores destacam que para construir uma cadeia
mercantil, é necessário observar dois pontos: I) a delimitação da anatomia da cadeia mercantil
começa pelo ponto onde o produto final foi enviado para o consumo. A partir deste, é traçado
no sentido inverso, as etapas da produção. Cada etapa representa um nódulo da cadeia
mercantil. II) no segundo passo para a construção de uma cadeia mercantil, quatro quesitos
devem ser observados para cada fase do processo, ou seja – do nódulo: 1) os fluxos habituais
entre o nódulo e as operações que ocorrem imediatamente antes ou depois; 2) os tipos
dominantes de relações de produção dentro do nódulo; 3) a organização dominante da
produção, incluindo tecnologia e escala de produção; 4) por último, a posição geográfica do
lócus da operação em questão. Analisando estes quatro quesitos, pode-se observar: a) a
distribuição geográfica das operações; b) a forma das forças de trabalho englobadas pela
cadeia mercantil; c) as relações de produção e a tecnologia; e d) o grau de dispersão e/ou
concentração das operações em cada site (local) de produção. 13
Essa hierarquização do espaço na estrutura dos processos produtivos levou a uma
crescente polarização entre as áreas centrais e periféricas da economia-mundo, não só em
termos de critérios distributivos (níveis de renda real, qualidade de vida), mas também, de
modo ainda mais importante, nos loci da acumulação de capital. O centro se constitui pela
ocorrência de processos mais lucrativos.
11 WALLERSTEIN, Immanuel – The Politics of the World-Economy. Cambridge University Press, 1984,
pag.2. 12 HOPKINS, Terence K.; WALLERSTEIN, Immanuel – Review (Fernand Braudel Center) Vol. 10 No. 1,
Anniversary Issue: The Work of the Fernand Braudel Center (Summer, 1986), pp. 157-170. Published by:
Research Foundation of SUNY. Disponível em:
http://www.jstor.org/discover/10.2307/40241052?sid=21104920946391&uid=2&uid=4. 13 Ibidem, pags: 160-163
Na estrutura da economia-mundo capitalista, a cadeia mercantil pode ser pensada
como a(s) teia(s) que forma(m) o(s) sistema(s) de produção social. Ao traçar as redes dessas
cadeias mercantis, pode-se acompanhar o processo da divisão do trabalho e a diferenciação
das taxas de lucro em cada nódulo de uma cadeia, o que permite acompanhar o constante
desenvolvimento e transformação do sistema de produção da economia-mundo capitalista.
Gereffi e Korzeniewicz (1994) destacam que o investimento de capital também pode
se deslocar de uma parte para outra da cadeia conforme as possibilidades de se ter e ou de se
manter o monopólio nos nódulos que compõem a cadeia mercantil, concluindo-se desta forma
que não há na cadeia mercantil um nódulo, no processo de produção que seja
automaticamente mais lucrativo que outro. Existe sim uma tendência de que o nódulo de
produção, onde há maior competição, e por isso de baixo lucro, como o de produção de
matéria prima, normalmente esteja locado na periferia do sistema-mundo. 14
A ênfase nos processos é a principal característica do estudo de uma cadeia mercantil:
Acompanhando o traçado das redes da cadeia mercantil, pode-se observar a
divisão e a integração dos processos de trabalho em curso e, assim, verificar
o constante desenvolvimento e transformação do sistema de produção desta
economia-mundo (Gereffi, Korzeniewicz, 1994: 17).
A cadeia mercantil do café é composta por uma sequência de atividades que
envolvem: o plantio da fruta café; a colheita; o processamento dos grãos; o embarque terrestre
para o porto; a exportação dos grãos em navios; a torrefação dos grãos e a venda do produto
ao consumidor final.
Para o pesquisador da EPSM John Talbot algumas destas atividades como o plantio da
fruta ou o consumo do produto pode ser um fenômeno da vida material de Braudel, enquanto
outras atividades como as transações necessárias para movimentar o café ao longo da cadeia
mercantil, ou seja, do produtor ao exportador e deste ao importador para o consumo final, são
primariamente um fenômeno da economia de mercado. Entretanto, a estrutura geral e
organização da cadeia mercantil muitas vezes são decididas na dita camada da vida
econômica, ou seja, do capitalismo de Braudel. 15
A cadeia mercantil do café como uma unidade de análise abrange, portanto, atividades
nas três camadas de Braudel dentro de uma estrutura que os une, de modo que, a mudança em
14 GEREFFI, Gary; KORZENIEWICZ Miguel –Commodity chains and global capitalism, 1994, British Library; pags 17,49-
50 15 TALBOT, John, M. – The Coffee Commodity Chain in the World-Economy: Arrighi´s systemic cycles and
Braudel´s layers of analysis. American Sociological Association, Volume XVII, nº 1, pags. 58-88. 2011.
Disponível em: http://www.jwsr.org/wp-content/uploads/2013/02/Talbot-vol17n1.pdf
uma das atividades deverá desencadear mudanças em todas as outras atividades interligadas.
“A cadeia mercantil do café é, portanto, uma unidade ideal de análise para explorar as
conexões entre as três camadas de Braudel” (Talbot, 2011:64), e, este será o próximo tópico a
ser explorado.
2. Braudel, a concepção das diferentes temporalidades para o estudo da vida econômica
Entre “vida material” (no sentido de economia muito elementar) e vida
econômica, a superfície de contato, que não é contínua, materializa-se em
milhares de pontos modestos: feiras, bancas, lojas. Esses pontos são todos
eles rupturas: de um lado, a vida econômica com suas trocas, suas moedas,
seus pontos nodais e seus meios superiores, praças comerciais, bolsas ou
grandes feiras; do outro a “vida material”, a não economia, sob o signo
obcecante da autossuficiência. A economia começa no limiar do valor de
troca. (BRAUDEL, 2009:7)
VIEIRA, R. (2002) em sua tese de doutorado “Fernand Braudel: a relação do método
historiográfico e o conhecimento histórico” 16 demonstra que Braudel, através de sua análise
metodológica – as diferentes temporalidades: longa duração, média duração e curta duração –
e de sua análise de conteúdo – a vida econômica em três camadas: vida material, economia de
mercado e capitalismo, apresentou um novo conceito de história e, a sua postura metodológica,
possibilitou-lhe uma análise histórica da formação do capitalismo desde o século XV ao século
XVIII.
Na presente pesquisa, nosso objeto de análise é o financiamento da cadeia mercantil
do café no Brasil de 1850 a 1930 e o foco está na terceira camada da vida econômica de
Braudel, ou seja, na camada do capitalismo. Para tanto, vamos ver mais de perto a concepção
do autor na construção das três camadas da vida econômica.
A primeira camada, que compõe a camada inferior é denominada vida material:
Trata-se apenas, bem entendido, de uma parte da vida ativa dos homens, por
natureza, simultaneamente, criadores e rotineiros. [...] A vida material, tal
como a entendo, é tudo o que a humanidade, ao longo da história passada,
foi incorporando na sua vida profunda e nas próprias entranhas dos homens,
para quem tais experiências ou intoxicações antigas se tornaram
necessidades do cotidiano, banalidades. (BRAUDEL, 1985: 15,16).
A vida material diz respeito às atividades cotidianas, rotineiras, onde a relação do
homem com a produção se dá pelo valor de uso e não pelo valor de troca, é a produção para o
autoconsumo:
16 VIEIRA, Rosângela, L – Fernand Braudel: a relação do método historiográfico e o conhecimento histórico;
Tese (Doutorado) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 2002.
Imaginem, pois, a enorme e heterogênea superfície que, numa determinada
região, representa todos os seus mercados elementares, uma infinidade de
pequenos pontos, de transações muitas vezes medíocres. Por essas múltiplas
bocas começa aquilo a que chamamos economia de troca e que se estende
entre dois domínios igualmente imensos, a produção e o consumo. Embora,
pelas suas origens, ela se enraíze, não consegue abranger toda a produção,
nem todo o consumo, já que uma enorme parte da produção se perde no
autoconsumo da família ou da aldeia e não chega a entrar no circuito do
mercado. (BRAUDEL, 1985:23-4)
Feita esta consideração, Braudel (1985:24) prossegue “[...] para alem dela [vida
material], a economia de mercado se encontra em fase de progresso, onde um número
considerável de comerciantes e de cidades, já iniciou a organização da produção para orientar
e comandar o consumo.” Desta forma:
[...] a economia de mercado surge-nos como a ligação, o motor, zona
apertada, mas viva, de onde brotam os estímulos, as forças vivas, as
novidades, as iniciativas, as múltiplas tomadas de consciência, os fenômenos
de crescimento e, até, o progresso. (BRAUDEL, 1985:24).
Portanto, na camada da economia de mercado, a produção já apresenta um excedente
destinado às trocas rotineiras e a relação do homem para com as coisas passa a ser pelo valor
de troca e não mais pelo valor de uso. Esses mercados demarcam uma fronteira, o limite
inferior da economia “O indivíduo, o agente, conforme se situe de um lado ou de outro do
mercado elementar, está ou não incluído na troca, naquilo a que chamei vida econômica, em
oposição à vida material [...].”(Braudel, 1985:24-5).
Na camada da economia de mercado, Braudel considera existir duas formas de
economias (A e B), onde na economia A, as trocas são transparentes, sem surpresas, e a
economia B se furta à transparência e ao controle e nela já esta presente um intermediário que
se interpõe entre o produtor e seus respectivos clientes:
É possível aceitar, que possa haver pelo menos duas formas de economia dita
de mercado (A e B). [...] Na categoria A, incluiria as trocas cotidianas do
mercado, as correntes de tráfico locais ou de pequena distância. [...] O
mercado de um burgo proporciona-nos um bom exemplo dessas trocas, sem
surpresas, transparentes, com pressupostos e consequências antecipadamente
conhecidos por todos, e de cujos lucros, sempre modestos, se pode fazer um
cálculo aproximado. [...] o mercado reúne os produtores – camponeses,
camponesas e artesãos – e os respectivos clientes, do próprio burgo e das
aldeias vizinhas. [...] a troca típica da categoria B, a que se furta à
transparência e ao controle [...] ocorre quando surgem entre eles (camponeses,
camponesas e artesãos), [...] o intermediário, que se interpõe entre o produtor
e seus respectivos clientes [...] perturbando o mercado na concorrência,
influenciando os preços via manobras [...] pode ir ao encontro dos
camponeses, comprar a preço reduzido as suas mercadorias e, depois, propô-
las ele próprio aos compradores. (BRAUDEL, 1985:56-7)
Com este exemplo, o autor destaca “[...] mesmo no burgo ideal que estamos a
imaginar, com seu comércio regulamentado, transparente, [...] a troca típica da categoria B, a
que se furta à transparência e ao controle não esta completamente ausente.” (Braudel, 1985:
57).
Á medida que subimos na hierarquia das estruturas das trocas, a forma B da economia
de mercado torna-se predominante, traçando uma esfera de circulação diferenciada, que
Braudel denomina de o contra mercado. Neste:
Mercadores itinerantes vão procurar os produtores em suas casas. Compram
diretamente do camponês, [...] ou compram-lhe mesmo, os produtos
antecipadamente, a lã antes da tosquia, o trigo quando ainda esta na seara.
Um simples papel assinado na aldeia serve para fechar o contrato. Depois
encaminham os produtos comprados, por meio de carros, de animais de
carga ou por barco, para as grandes cidades e para o cais de exportação. [...]
É evidente que se trata de trocas desiguais, em que a concorrência – que é
uma lei essencial da chamada economia de mercado – tem um reduzido
lugar, em que o comerciante desfruta de uma dupla vantagem: por um lado,
rompeu as relações entre o produtor e o destinatário último da mercadoria,
(assim só ele conhece as condições do mercado nas duas extremidades da
cadeia, e, portanto, o lucro provável); por outro, dispõe de dinheiro, o seu
principal argumento; desse modo, longas cadeias de comércio ligam a
produção e o consumo [...]. (BRAUDEL, 1985:58-9)
Portanto, “[...] quanto mais essas cadeias se estendem, mais escapam às regras e à
fiscalização habituais e mais claramente desponta o processo capitalista.” (Braudel, 1985: 60)
O autor prossegue, desses “[...] grandes lucros provem acumulações considerável de capital,
sobretudo porque o comércio de longa distância se concentra num pequeno número de mãos.”
Desde tempos antigos, desde sempre, os capitalistas têm ultrapassado os
limites nacionais, estendendo-se com mercadores das praças estrangeiras.
Conhecem mil e uma maneiras de falsear o jogo a seu favor, conseguindo
manipular o crédito, pelo jogo vantajoso das moedas boas contra as más,
reservando as boas, de prata e de outro, para as grandes transações, para o
capital, e destinando as más, de cobre, para pequenos salários e pagamentos
do dia-a-dia, portanto para o trabalho. [...] À sua volta se apoderam de tudo o
que valha a pena, terra, imóveis, rendas... Alguém duvidará de que dispõem
de monopólios ou, muito simplesmente, do poder necessário para anular
nove vezes em cada dez, a concorrência? [...] É, em suma, graças à massa
dos seus capitais que os capitalistas conseguem preservar os seus privilégios
e reservar para si os grandes negócios internacionais, de cada época. [...] em
geral, o grande comerciante não utiliza apenas os seus capitais: recorre ao
crédito, ao dinheiro dos outros. Enfim os capitais deslocam-se. O
capitalismo é essencialmente conjuntural. [...] uma de suas grandes forças é
a facilidade de adaptação de reconversão [...] (BRAUDEL, 1985: 62-6).
O capitalismo, privilégio de um pequeno número, é impensável sem a cumplicidade
ativa da sociedade. A sociedade se decompõe, em vários tipos de hierarquia: o econômico, o
político, o cultural e o social. O econômico só pode ser pensado, compreendido, em ligação
com os outros conjuntos, em uma relação de interação. O autor prossegue “[...] O capitalismo
é esta forma peculiar do econômico e, só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é
o Estado". (Braudel, 1985:70)
VIEIRA, R. (2002) descreve as principais condições históricas descritas por Braudel
para o desenvolvimento do capitalismo:
Braudel demonstrou as realidades econômicas e sociais que abriram
caminho para o capitalismo. Foram três os fatores: “uma economia de
mercado vigorosa e em progresso”, a cumplicidade da sociedade como um
todo e um mercado mundial. O “comércio de longa distância não é tudo,
mas é a passagem obrigatória para um plano superior de lucro” (Ibid., p.
535). Assim Braudel apresenta as condições históricas para o
desenvolvimento do capitalismo: o fortalecimento do mercado; uma
sociedade pronta a viver essa economia de mercado, o que inclui o
assalariamento, por exemplo; e um comércio de grande distância que garanta
altas taxas de lucro. (VIEIRA,R. 2002: 287).
Apresentamos na Figura 1, esquematizados por uma pirâmide, os três andares da vida
econômica formulados por Braudel para o período do século XV ao século XVIII:
Formulação Própria. Figura 1. Fernand Braudel – os três andares da vida econômica
As grandes transações comerciais e financeiras encontram-se na terceira camada, o
antimercado, o capitalismo. Nela o capital é dotado de mobilidade e flexibilidade que permite
uma liberdade de escolha que está acima do controle da economia de mercado. O esforço
capitalista é, portanto, para ultrapassar fronteiras e limites – o que não ocorre de forma linear
e progressiva, obviamente – atingindo uma maximização de lucros17. Braudel encara a
emergência e a expansão do capitalismo como absolutamente dependentes do poder estatal,
constituindo-se esse sistema na antítese da economia de mercado. Outro aspecto identificado
pelo autor é que “O capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o
Estado” (Braudel, 1985:70).
Vimos, ainda que de forma resumida, como Braudel com seu novo conceito de
história e a sua postura metodológica, fez uma leitura histórica da formação do capitalismo
desde o século XV ao século VXIII. Passamos no item seguinte, a explorar outro elemento
metodológico e teórico importante para analisarmos o financiamento da cadeia mercantil do
café a partir da reflexão teórica da abordagem da Economia Política dos Sistemas-Mundo – o
conceito de Ciclos Sistêmicos de Acumulação (CSAs), desenvolvido por Giovanni Arrighi em
seu livro “O Longo Século XX” 18. Nele verificaremos as intersecções do terceiro Ciclo
Sistêmico de Acumulação Britânico (século XVIII ao século XX) com os negócios do café no
Brasil.
O período em estudo na presente pesquisa (1850-1930) situa-se na fase de transição
entre a expansão material (DM) e a expansão financeira (MD`) do CSA Britânico. Iniciamos
por detalhar a concepção de Arrighi para os Ciclos Sistêmicos de Acumulação. Na sequência,
verificaremos como a Inglaterra alçou à hegemonia, para em seguida analisar em detalhe as
fases da expansão material e da expansão financeira e como estas influíram (se influíram) no
forte crescimento e expansão dos negócios do café no Brasil.
3. Os Ciclos Sistêmicos de Acumulação (CSAs) de Giovanni Arrighi
Arrighi, inspirado intelectualmente pelo segundo e terceiro volumes da trilogia de
Fernand Braudel – Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII, elaborou
o esquema interpretativo, base do seu livro O Longo Século XX. Nas palavras do autor:
O capital financeiro não é uma etapa especial do capitalismo mundial, muito
menos seu estágio mais recente e avançado. Ao contrário, é um fenômeno
recorrente, que marcou a era capitalista desde os primórdios, na Europa do
fim da Idade Média e início da era moderna. Ao longo de toda a era
capitalista, as expansões financeiras assinalaram a transição de um regime de
acumulação em escala mundial para outro. Elas são aspectos integrantes da
destruição recorrente de “antigos” regimes e da criação simultânea de
“novos”. (ARRIGHI, 1996: IX)
17 VIEIRA, Rosângela, L.– A globalização econômica: diferentes leituras de um processo histórico. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 167, p. 101-110, 2006. 18 ARRIGHI, Giovanni – O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. RJ: Ed
Contraponto; SP: Editora UNESP, 1996.
Amparado na ideia braudeliana das expansões financeiras como fases finais dos
grandes desenvolvimentos capitalistas, Arrighi decompôs a duração completa do sistema
mundial (a longue durée de Braudel) em unidade de análises mais manejáveis, a que
denominou de ciclos sistêmicos de acumulação. Através destes é possível comparar as
estruturas e os processos do sistema capitalista como um todo em diferentes etapas de
desenvolvimento.
Os ciclos sistêmicos de acumulação são processos ligados ao alto comando da
economia capitalista mundial que, na concepção de Braudel, é o verdadeiro lar do
capitalismo. Arrighi concorda que se trata de um foco muito restrito, mas para o autor “Eles
[os ciclos sistêmicos de acumulação] não pretendem nos dizer o que acontece nas camadas
inferiores da vida econômica de Braudel, exceto no que é diretamente pertinente à dinâmica
dos próprios ciclos sistêmicos.” (Arrighi, 1996:25)
Durante o processo de concepção de sua obra O Longo Século XX, Arrighi recebeu de
Wallerstein indicações “[...] em que as tendências e conjunturas do meu longo século XX
talvez refletissem estruturas e processos instaurados desde o século XVI [...]” (Arrighi, 1996:
XIII). Segundo ele “[...] Wallerstein estava absolutamente certo ao insistir em que a longue
durée do capitalismo histórico era o arcabouço temporal adequado para o tipo de construção
que pretendia.” (Arrighi, 1996: XIII)
O longo século XX de Arrighi é uma moldura temporal, que reflete uma cadeia de
estágios parcialmente superpostos, cada qual abrangendo um século longo, através dos quais a
economia mundial capitalista europeia passou a incorporar o mundo inteiro num imenso
sistema de trocas.
Para Arrighi o principal objetivo do conceito de ciclos sistêmicos de acumulação é:
[...] descrever e elucidar a formação, consolidação e desintegração dos
sucessivos regimes pelas quais a economia capitalista mundial se expandiu
deste seu embrião subsistêmico do fim da Idade Média, até sua dimensão
global da atualidade. (ARRIGHI, 1996:10).
Apresentamos na Figura 2, os Séculos Longos e os Ciclos Sistêmicos de Acumulação
de Arrighi, estes compostos por duas fases: DM – ciclo de expansão material e, MD`– ciclo
de expansão financeira.
Figura 2. Séculos Longos e Ciclos Sistêmicos de Acumulação.
Fonte: ARRIGHI, Giovanni – O Longo Século XX – R.J: Contraponto; SP: Editora UNESP, 1996,
pag. 219.
Os ciclos sistêmicos de acumulação não são lineares e decorrem de rupturas
fundamentais nas estratégias provocando uma série de reorganizações estruturais que
moldaram os processos ao longo dos séculos. A ocorrência de diferentes ciclos sistêmicos de
acumulação permite que o capitalismo possa se apresentar em diferentes estágios de
desenvolvimento no sistema-mundo. Nestes diferentes estágios de desenvolvimento, os
conflitos interestatais são componentes cruciais da fase de expansão financeira (MD´) e a
define como fator de vulto na formação de blocos de organizações governamentais e
empresariais que conduziram a economia mundial por suas sucessivas fases de expansão
material.
O que impulsionou a prodigiosa expansão da economia mundial capitalista
nos últimos quinhentos anos, [...] não foi a concorrência entre os Estados
como tal, mas essa concorrência aliada a uma concentração cada vez maior
do poder capitalista no sistema mundial como um todo. (ARRIGHI,
1996:13)
Arrighi destaca como sendo quatro os principais ciclos de acumulação tendo como
contexto a concentração do poder capitalista no sistema mundial – primeiro, o ciclo de
acumulação Genovês do século XV ao século XVII; segundo, o ciclo de acumulação
Holandês do século XVI ao século XVIII; terceiro, o ciclo de acumulação Britânico do século
XVIII ao século XX; quarto, o ciclo de acumulação Americano do fim do século XIX até o
presente momento.
Em cada ciclo ocorreu uma aliança entre o capital e o Estado hegemônico19 onde este
ditou as regras e implantou através de seus agentes, seu modelo de expansão material e
expansão financeira. A divisão internacional do trabalho, o capital e o controle da liquidez
passam a determinar o desenvolvimento e o posicionamento dos demais Estados componentes
do sistema capitalista em periferia e semiperiferia.
A concentração do poder capitalista no sistema mundial sob os Estados hegemônicos
de Arrighi e as mudanças que estes sofrem via ciclo sistêmicos de acumulação, nos remetem à
economia-mundo de Braudel que a define por uma tripla realidade: primeiro – ocupa um
determinado espaço geográfico; segundo – submete-se a um polo, a um centro, representado
por uma cidade dominante; terceiro – se divide em zonas sucessivas, há o coração, isto é a
zona que se estende em torno do centro, na sequência as zonas intermediárias que se situam
em volta do eixo central e, finalmente, as zonas subordinadas e dependentes denominadas
zonas periféricas. As economias-mundo estudadas pela EPSM sofreram desde o século XV
mudanças de centro e toda vez que ocorre um descentramento, dá-se inversamente um
recentramento como se uma economia-mundo não pudesse viver sem um centro de gravidade,
sem um polo.
Arrighi destaca a afirmação de Braudel de que as “[...] características essenciais do
capitalismo histórico em sua longue durée – isto é, durante toda sua existência – foram a
“flexibilidade” e o “ecletismo” do capital [sua capacidade de mudança e adaptação] [...]”
(Arrighi, 1986:4) e sob esta ótica, relê a fórmula de Karl Marx para o capital: DMD’ onde:
O capital-dinheiro (D) significa liquidez, flexibilidade e liberdade de
escolha. O capital-mercadoria (M) é o capital investido numa dada
combinação de insumo-produto, visando ao lucro; portanto significa
concretude, rigidez e um estreitamento ou fechamento de opções. D’
representa ampliação da liquidez, da flexibilidade e da liberdade de escolha.
Assim entendida, a fórmula de Max nos diz que não é como um fim em si
que os agentes capitalistas investem dinheiro em combinações específicas de
insumo-produto, com perda concomitante da flexibilidade e da liberdade de
escolha. Ao contrário, eles o fazem como um meio para chegar à finalidade
de assegurar uma flexibilidade e liberdade de escolha ainda maiores num
momento futuro. [...] quando os agentes capitalistas não têm expectativa de
aumentar sua própria liberdade de escolha, ou quando esta expectativa é
sistematicamente frustrada, o capital tende a retornar a formas mais flexíveis
19 O conceito de hegemonia aqui adotado é o de Arrighi (1996) – “[...] refere-se especificamente à capacidade de
um Estado exercer funções de liderança e governo sobre um sistema de nações soberanas. [...] Historicamente o
governo de um sistema de Estados soberanos sempre implicou algum tipo de ação transformadora, que alterou
fundamentalmente o modo de funcionamento do sistema.” ARRIGHI, Giovanni – O Longo Século XX –
R.J: Contraponto; SP: Editora UNESP, 1996, pag.: 27.
de investimento – acima de tudo, à sua forma monetária. [...] os agentes
capitalistas passam a preferir a liquidez, e uma parcela incomumente grande
de seus recursos tendem a permanecer sob a forma líquida. (ARRIGHI,
1996:5)
Nesta interpretação esta implícita na caracterização braudeliana de expansão financeira
como um sintoma da maturidade de determinado desenvolvimento capitalista. 20
3.1 O terceiro Ciclo Sistêmico de Acumulação Britânico (século XVIII ao século XX)
Durante o século XVIII, Londres ganhou terreno em relação a Amsterdam como
centro rival das altas finanças, resultado dos sucessos britânicos na luta com a França pela
hegemonia e pelo controle exclusivo do comércio no mundo extraeuropeu, bem como pela
transferência do excedente de capital holandês para a City Londrina. Neste tópico exploramos
as condições que levaram a Inglaterra a alçar a hegemonia, já no final do século XVIII, para
na sequência explorar a expansão dos investimentos Britânicos no Brasil que propiciaram,
direta ou indiretamente, os negócios do café.
Inglaterra e França – a luta pela hegemonia
Na segunda metade do século XVII a Inglaterra evoluía para as indústrias que
transformaria a Grã-Bretanha na primeira “oficina mecânica do mundo” 21 controladas por
particulares, e a França colbertista e burocrática enveredava pelo rotineiro caminho das
indústrias de luxo. Como consequência disso, diz-se que a Inglaterra evoluía para o
liberalismo, o controle parlamentar e o progresso, ao passo que a França reforçava a
aristocracia, o “feudalismo” e o desperdício – em resumo, o Ancién Régime.22 Inglaterra e
França perseguiam os seus objetivos econômicos dentro do quadro de dois Estados
mercantilistas do centro, mas faltava à França “[...] aquela combinação de capital comercial
em expansão e influência governamental representada pelo eixo Westminster-City em
Londres”. (Wilson, 1965:65, apud in Wallerstein, 1974:101).
Para comparar Inglaterra e França, deve-se primeiramente examinar globalmente os
cenários comercial e financeiro do período compreendido entre 1660 e 1700, chamado de
revolução comercial na Inglaterra. Nesta época, a Inglaterra começa a se transformar num
centro de distribuição mundial, com destaque no percentual do comércio mundial que os
20 Ibidem pag. 5. 21 HOBSBAWM, Eric. J – Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo. 5ª ed. – Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2000, pag. 35. 22 WALLERSTEIN, Immanuel – O Sistema Mundial Moderno, Vol. II, Edições Afrontamento, Porto/Lisboa,
1974; pag 100-1.
ingleses arrebataram dos holandeses, reflexo dos Navigation Acts. Neste, um dos resultados
mais importantes foi a facilidade com que os transportadores ingleses monopolizaram o
comércio com as suas próprias colônias e seu amplo domínio do contrabando na América
Espanhola.23
Quando falamos de rivalidade anglo-holandesa e da ascensão da Inglaterra à custa da
Holanda sobressaem duas coisas, o mercado interno inglês onde os holandeses tinham
desempenhado um papel importante, e a navegação do Báltico, onde se situava o comércio
principal da Holanda. No longo século XVI, o comércio do Báltico consistiu principalmente
no transporte de cereais para o oeste e no transporte de têxteis para o leste. A natureza da
carga mudou radicalmente no decurso do século XVII. A estagnação do século XVII acabou
com este tráfico, dando início à desintegração do comércio da área do Báltico. O declínio das
exportações de cereais foi resultado do colapso dos preços mundiais. Por sua vez, isto
significou um declínio do mercado de tecidos nas zonas cerealistas polacas e nas situadas a
leste do Elba. Diferente da Holanda, neste período a Inglaterra já se dedicava cada vez mais à
reexportação e ao comércio de entreposto.
A desaceleração da economia-mundo desembocou em uma feroz rivalidade comercial
entre as potências do centro – Inglaterra, França – e a rivalidade resultou em guerras
(especialmente navais), incrementando a procura de equipamentos e expandindo as
manufaturas em ambos os países. Madeira, ferro e combustível eram cada vez mais
necessários.
O ponto a sublinhar é o das consequências do tamanho e dos recursos respectivos da
Inglaterra e da França nos seus modelos de comércio externo. Ambas possuíam importantes
fundições – as da França, provavelmente maiores, dado que possuía em seu território mais
combustível (madeira) do que a Inglaterra. O resultado foi que a Inglaterra tornou-se um
importante importador do ferro, cujo principal produtor era a Suécia que detinha no mesmo
lugar, tanto a principal fonte de energia (carvão vegetal), quanto a matéria-prima (o minério
de ferro). Para Wallerstein “A razão pela qual a Inglaterra teve que recorrer ao carvão vegetal
como combustível e à importação de ferro antes que a França foi mais uma questão de
diferentes ecologias do que de diferentes níveis de industrialização.” (Wallerstein, 1974:106)
A diferença mais importante e notável entre Inglaterra e França se desenvolveu no
comércio do atlântico. “A quantidade do comércio transatlântico da Inglaterra era muito
maior do que a da França.” (Wallerstein, 1974:106). A Inglaterra promoveu o estabelecimento
23 Ibidem, pag. 101
de colônias no hemisfério ocidental durante este período, ao passo que a colonização francesa
foi relativamente lenta e menos frutífera. Wallerstein prossegue:
Por volta de 1700 a Inglaterra era o país com maiores interesses no
Atlântico, enquanto que os holandeses mantiveram seu foco no domínio do
comércio europeu – para eles parecia mais sensato continuar com o seu forte
mercado do que abrir outros, novos e difíceis. [...] No século XVII a
Inglaterra estabeleceu no hemisfério ocidental 17 colônias inglesas, enquanto
que a França estabeleceu 8 colônias e a Holanda 3 colônias, e por volta de
1700 os ingleses tinham entre 350.000 a 400.000 súditos (incluindo
escravos) em comparação com 70.000 dos franceses. [...] Entre 1600 e 1700
a Inglaterra desenvolveu um importante comércio de reexportação de
produtos coloniais, tornando este um novo e muito rentável comércio de
entreposto. (WALLERSTEIN, 1974:107)
Para o autor, as colônias da América serviam a dois objetivos da Inglaterra: primeiro,
eram uma fonte dos chamados produtos tropicais – açúcar, algodão, tabaco – que exigiam um
clima não existente na maior parte da Europa. As grandes Caraíbas (incluindo o Brasil e a
parte sul da América do Norte) eram ecologicamente apropriadas, e tanto os britânicos como
os franceses adquiriram colônias nesta região com essa finalidade. A segunda função, era a de
mercado para as manufaturas e reexportações. As colônias tropicais eram um mercado
precário para consumo, pois tendiam a utilizar uma força de trabalho coagida para manter
baixos os custos de produção, entretanto os colonos europeus, com o seu nível de vida
relativamente alto e sua renda líquida suficientemente grande, asseguravam o consumo. A
Inglaterra conduziu a concentração do seu comércio para o exterior. Era um circulo vicioso:
como consequência da sua necessidade de comercializar, precisava de barcos, o que tornava
necessário os equipamentos navais, e por sua vez os produtos com que comprar os
equipamentos navais, e, portanto de compradores coloniais para as manufaturas em expansão.
E para financiar todo esse fluxo de produção e comércio, Wallerstein (1974) destaca o papel e
a disponibilidade dos metais preciosos, bem como o impacto das finanças públicas da
Inglaterra no funcionamento do sistema como um todo.
[...] o período de 1500 a 1730 assistiu a uma revolução financeira que foi o
prelúdio essencial à Revolução Industrial e que significou duas coisas para a
vida privada – a concentração das instituições de crédito em alguns centros e
a evolução de um sistema internacional de pagamentos multilaterais, a ela
associada. (Geoffrey Parker, 1974.a: 532 in WALLERSTEIN, 1974:110).
O fluxo de metais preciosos era um dos meios para realizar as liquidações do fluxo de
produção e comércio, “[...] existia também uma circulação de letras de câmbio, sem cujo uso
universal o comércio multilateral não poderia continuar.” (Eli Heckscher, 1950:221-222, apud
in Wallerstein, 1974:110).
Veremos a seguir, o papel dos metais preciosos e da letra de câmbio, nas atividades da
produção e da comercialização.
O papel dos metais preciosos e da letra de câmbio no fluxo de produção e do comércio
[...] a vida econômica se desenvolve em dois planos: a circulação da moeda, a
circulação do papel [...]. Dessas duas circulações, uma esta acima da outra.
Todo o piso superior pertence ao papel. As operações dos contratadores dos
banqueiros, dos negociantes exprimem-se essencialmente nessa linguagem
superior. Mas no plano da vida cotidiana, só se atua com espécies sonantes,
boas ou más. Nesse piso, nesse térreo, o papel é mal aceito, circula mal. Não
se remunerará os pequenos transportadores que vão levar a artilharia francesa
para a Sabóia, em 1601, com papel. Com papel, não se arranjará nem um
soldado, nem um marinheiro. [...] Trazer a fortuna consigo, sob a forma de
pequenas moedas que se podem enfiar numa bolsa ou num cinto, é para o
soldado uma vantagem, uma necessidade. Na guerra são, as moedas de ouro
ou de prata, tão indispensáveis como o pão. (BRAUDEL: 2009.a: 488)
Para avaliar o papel dos metais preciosos no financiamento do fluxo da produção e do
comércio, se faz necessário também, analisar a disponibilidade dos metais preciosos, seus
fluxos e o impacto das finanças públicas no funcionamento do sistema como um todo.
Tanto o ouro como a prata chegavam em sua maior parte, de fora da Europa
propriamente dita. O ouro desempenhava um papel diferente na economia-mundo europeia.
“Chegava à Europa e ficava, servindo em primeiro lugar como massa de manobra para a
compensação comercial de grande escala e para os pagamentos estatais entre os países
europeus.” (Wallerstein,1974:113). A produção francesa era predominantemente destinada ao
mercado interno que exigia a moeda do comércio interno [a prata], já a Inglaterra se orientou
de modo significativo para um mercado de exportação que exigia a moeda de compensação
internacional [o ouro]. Neste contexto a Inglaterra se inclinou para o monometalismo-ouro de
fato e a França para o monometalismo-prata. A França obtinha a prata do México via Espanha
e a Inglaterra acabaria por monopolizar o ouro procedente do Brasil via Portugal.
Wallerstein (1974:113) afirma que “A produção de ouro e prata como mercadorias
fazia das Américas uma zona periférica da economia-mundo europeia na medida em que tais
mercadorias eram essenciais ao funcionamento desta e utilizadas por esta como moeda.”
A letra de câmbio que “[...] se impôs de praça em praça, mediante difusão a partir das
cidades italianas.” (BRAUDEL, 2009.a: 495) resolve a transferência para longe de dada soma
em dinheiro.
A antiga Europa tinha desde há muito desenvolvido estruturas bancárias. No século
XVII, a Holanda seguiu o exemplo como consequência natural da sua hegemonia. No século
XVII as mercadorias inglesas eram levadas para Amsterdam e Rotterdam para serem
comercializadas sob o pagamento de comissões pela Inglaterra. No século XVIII, a situação
tinha-se invertido: Londres era o entreposto e as mercadorias holandesas só aceitas na
Inglaterra mediante o pagamento de comissão. No campo das finanças, os holandeses
permaneceram à frente. Para o autor, “[..] 1689-1763 é um período que [...] delimita uma
época de rivalidade anglo-francesa ininterrupta”. (Wallerstein, 1974:241). E prossegue, “[...] o
ano1763 é o momento do triunfo definitivo da Inglaterra [...]. (ibidem, 1974:242). Com a
ascensão de Guilherme de Orange ao trono como rei Guilherme III da Inglaterra, Escócia e
Irlanda em 1689, a Inglaterra declara guerra à França e “a guerra da França com os
holandeses, que tinha começado em Novembro de 1688, passou a ser uma guerra da França
com a Inglaterra”. (ibidem, 1974:242). Para fazer frente ao financiamento do Estado, “[...] os
ingleses deram um passo decisivo na criação de um sistema de empréstimos públicos em
longo prazo, e, portanto de um sistema de dívida pública que deu ao Estado uma sólida base
financeira a um custo relativamente baixo”. (Ibidem, 1974:273).
Essa revolução financeira que resulta numa profunda transformação do crédito público
só foi possível graças a uma reorganização prévia das finanças inglesas. Em 1640 as finanças
inglesas, em sua estrutura, assemelham-se bastante às da França. Em ambas, não há finanças
públicas centralizadas, muitas atividades estão por conta da iniciativa privada de coletores de
impostos que, ao mesmo tempo, são os emprestadores oficiais do rei, financistas com
negócios próprios e funcionários fora da dependência do Estado.
Entre 1640 e 1688 desenvolveu-se na Inglaterra, um período de revolução financeira
com a inserção de novas medidas. Braudel (2009.a: 468) cita “[...] em 1671, a estatização das
alfândegas, em 1683, estatização do excise, (imposto de consumo copiado da Holanda), em
1714, criado o Board of Treasury (Conselho do Tesouro), que vigiará o trânsito das rendas
[...]”. Wallerstein (1974:274) acrescenta “De um exame mais profundo parece depreender-se
que a dívida nacional inglesa foi possível graças à confiança dos banqueiros holandeses e de
seus aliados financeiros, incluindo os que constituíam a que se chamou a internacional
huguenot [calvinistas franceses]. É evidente a razão por que os huguenotes preferiam realizar
as suas operações bancárias na Inglaterra e não na França [...]” 24.
24 WALLERSTEIN, 1974, p.274 (nota 237): Ver Monter (1969) sobre os investimentos suíços na Inglaterra, segunda fonte
em importância de fundos estrangeiros a seguir à holandesa: “Se os investidores suíços eram basicamente genebrinos, e se os
genebrinos eram predominantemente huguenotes (e se outros investidores em valores ingleses eram predominantemente
huguenotes no começo do século XVIII), o ponto essencial que é necessário descobrir e, se possível, quantificar é a atividade
da Internacional Huguenote” na Bolsa de Londres no princípio do século XVIII. Monter assinala que os investidores de
Berlim e de Hamburgo na Inglaterra eram “quase todos huguenotes”.
No século XVIII a dívida nacional inglesa era em grande parte detida por estrangeiros,
desde 1689 a Inglaterra passou a ser o campo de investimento preferido pelo capital de
Amsterdam. “Os holandeses, em particular, açambarcaram três sétimos da dívida pública
inglesa.” (Wilson, 1941: 72,73, apud in Wallerstein, 1974: 275 – nota de rodapé 242). A
desaceleração dos negócios na Holanda justificava a transferência de fundos para os ativos no
estrangeiro As políticas mercantilistas da Inglaterra e da França no século XVII diminuíram a
vantagem dos holandeses no campo da produção e do comércio. “Os custos salariais
holandeses tinham aumentado, a primazia tecnológica holandesa reduzida e a tributação
estatal era excepcionalmente elevada, em parte devido ao elevado custo do serviço da dívida
pública nas Províncias Unidas.” (Wallerstein, 1974:275). “Os custos comparativos, os
retornos comparativos sobre o capital e a política fiscal favoreciam o investimento [holandês]
em valores de renda fixa, nacionais e estrangeiros, em detrimento da indústria.” (Wilson,
1960.b, apud Wallerstein, 1974: 275 – nota de rodapé: 247).
“A mudança financeira holandesa não foi súbita nem total, mas antes um processo
gradual”. (Wallerstein, 1974:276). “[...] os holandeses introduziram no século XVIII a
inovação financeira dos fundos de investimentos, que só chegaria à Inglaterra na década de
1870.” (Klein, 1970:34, apud Wallerstein, 1974:275, nota de rodapé: 248). “Os bancos
holandeses eram ainda lugares sólidos e conservadores onde outros podiam colocar os seus
metais preciosos e o nível de cunhagem de moeda continuou a aumentar no século XVIII”
(Wallerstein, 1974:276).
À medida que o século XVIII avançava, a centralidade financeira da
Inglaterra na economia-mundo aumentava enquanto que a da França
diminuía porque o Estado francês não era tão forte como o inglês. [...] um
Estado é forte na medida em que os que governam podem fazer com que sua
vontade prevaleça sobre a vontade dos outros, dentro ou fora do reino. [...] a
Grã-Bretanha desfrutava provavelmente do mais eficaz aparelho de governo
de toda a Europa. (WALLERSTEIN, 1974:278-79).
3.1.1 As fases de expansão material – DM e de expansão financeira – MD` no Ciclo
Sistêmico de Acumulação Britânico – século XVIII ao século XX
Como anteriormente citado, os ciclos sistêmicos de acumulação não são lineares e
decorrem de rupturas fundamentais nas estratégias provocando uma série de reorganizações
estruturais que moldaram os processos ao longo dos séculos.
Apresentamos, na Figura 2.1 a seguir, o Ciclo Sistêmico de Acumulação Britânico,
destacando neste, as fases de expansão material DM e de expansão financeira MD`, pois na
sequência vamos explorar as características de cada fase de expansão dentro do Ciclo
Sistêmico de acumulação Britânico.
Figura 2.1 Ciclo Sistêmico de Acumulação Britânico e as fases de expansão material (DM) e
de expansão financeira (MD`).
Fonte: ARRIGHI, Giovanni – O Longo Século XX – R.J: Contraponto; SP: Editora UNESP,
1996, pag. 219.
A derrota imposta à Grã-Bretanha por seus súditos norte-americanos, apoiados pelos
franceses em aliança com os holandeses, deu início à crise terminal do papel holandês nas
altas finanças. A retaliação da Grã-Bretanha contra os holandeses, depois da Guerra da
Independência norte-americana, aniquilou-lhes o poderio marítimo e infligiu perdas
significativas a seu império comercial nas Índias Orientais. Em consequência, uma das crises
reiteradas que vinham minando o mercado financeiro de Amsterdam desde o início da década
de 1760 roubou-lhe a posição central na economia mundial europeia. Durante as décadas de
1780 e 1790, o domínio holandês nas altas finanças coexistiu com dificuldades com o
domínio britânico emergente. Estes foram períodos de transição. 25
25 ARRIGHI, Giovanni – O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo, Rio de Janeiro:
Contraponto: São Paulo: Editora UNESP, 1996, pag. 163.
Durante o período de transição, a capacidade do centro anterior de altas
finanças de regular e liderar o sistema mundial existente de acumulação num
determinado rumo foi enfraquecida pela ascensão de um centro rival, que
por sua vez, ainda não havia adquirido as aptidões ou qualificações
necessárias para se tornar o novo “dirigente” da máquina capitalista.
(ARRIGHI, 1996:164).
O autor prossegue:
Em todos os casos o dualismo de poder nas altas finanças acabou sendo
resolvido pela escalada em direção a um clímax final (sucessivamente, a
Guerra dos Trinta Anos, as Guerras Napoleônicas, a Segunda Guerra
Mundial) das lutas competitivas, que em regra geral, marcaram as fases
finais (MD´) dos ciclos sistêmicos de acumulação. [...] Historicamente,
somente depois de cessados os confrontos é que se estabeleceu um novo
regime, com o capital excedente encontrando o caminho de volta para uma
nova fase (DM) de expansão material. (Arrighi, 1996:164)
“Durante as guerras francesas, a recém-conquistada posição dominante da Grã-
Bretanha nas altas finanças europeias traduziu-se num crédito praticamente ilimitado para sua
busca de poder.” (ibidem, 1996:164). Arrighi exemplifica:
[...] em 1783, os £9 milhões pagos anualmente pelo governo britânico para
cobrir os juros e a amortização das dívidas absorveram nada menos de 75% do
orçamento e equivaleram a mais de ¼ do valor anual total do comércio
britânico. [...] entre 1792 e 1815, os gastos públicos puderam ser aumentados
quase 6 vezes, de £ 22 milhões para £ 123 milhões, em parte mediante
inflação interna, mas principalmente através de novos empréstimos que em
1815 elevou o serviço da dívida para £ 30 milhões. (JENKINS, 1938:17;
INGHAM, 1984:106, apud in ARRIGHI, 1996:164).
O resultado deste explosivo aumento do endividamento e dos gastos públicos,
beneficiaram a indústria britânica de bens de capital que passou por uma expansão fenomenal.
O autor Hobsbawm, (2014:61) aponta que [...] “O número das máquinas de algodão
cresceu de 100 mil entre os períodos de 1819 a 1821 e 1844 a 1846, para o dobro na década
de 1850”.
Combinadas com o processo de mecanização na indústria têxtil, a produção das vias
férreas e dos navios transformaram a indústria britânica de bens de capital numa máquina
poderosa e autônoma de expansão capitalista26.
A indústria siderúrgica adquiriu uma capacidade que ultrapassava em muito
as necessidades dos tempos de paz. Todavia, a hiperexpansão criou
condições para um novo crescimento futuro, dando aos siderurgistas
britânicos incentivos ímpares para buscar novos usos para os produtos
baratos que seus novos e grandes fornos eram capazes de produzir. Essas
oportunidades foram encontradas nos trilhos das vias férreas e nos navios de
aço. (McNeil, 1984:211-2, apud in ARRIGHI, 1996:164)
26 Ibidem, pag. 165
“Os meados do século XIX foram, fundamentalmente, a era da fumaça e do vapor”.
(Hobsbawn, 2014:75). Ilustrando um exemplo de uma das atividades comerciais britânicas no
período de 1845 a 1875, Hobsbawm extrai de Mitchell&Leane (1962) os dados a seguir,
apresentados na Tabela 1:
Tabela 1: Exportações Britânicas de Ferro e Aço para Estradas de Ferro e Maquinaria Fonte: B.R. Mitchell & Leane – Abstract of Historical Statistics, Cambridge, 1962, p. 146-
47, apud in HOBSBAWN, 2014:74.
Os dados da tabela acima apontam que o maior crescimento na exportação de ferro e
aço ocorreu entre os períodos de 1845-1849 a 1850-1854 com incremento, em milhares de
toneladas, de 120,4%. O segundo melhor incremento na exportação ocorreu no período de
1861-1865 a 1866-1870 com 84,3%. Para a maquinaria, o maior crescimento na exportação
ocorreu entre os períodos de 1846-1850 a 1850-1854 com 175,5%. O segundo maior
crescimento na exportação de maquinaria ocorreu entre os períodos de1850-1854 a1856-1860,
com 105,8% e o terceiro maior período, ocorreu entre 1866-1870 e 1870-1875 com
crescimento de 77,1%. A maquinaria apresentou crescimento nas exportações, em maior ou
menor grau, em todos dos períodos, já o produto ferro e aço, apresentou quedas nas
exportações nos períodos de 1850-1854 a 1856-1860 com decréscimo de -18% e 1856-1860 a
1861-1865 com decréscimo de -11,4%.
Sobre as operações de comércio exterior, Hobsbawm (2014:90) prossegue “[...] A rede
que unia as várias regiões do mundo estendia-se visivelmente.”
As exportações britânicas para a Turquia e o Oriente Médio cresceram de 3,5
milhões de libras em 1848 para um máximo de 16 milhões em 1870; para a
Ásia, de 7 milhões para 41 milhões em 1875; para as Américas Central e do
Período
Ferro e aço
para estradas
de Ferro
Maquinaria
1845-49 1.291 4,9 (1846-50)
1850-54 2.846 8,6
1856-60 2.333 17,7
1861-65 2.067 22,7
1866-70 3.809 24,9
1870-75 4.040 44,1
Exportação de Ferro e Aço para Estradas de Ferro
e Maquinaria (*)
(*) total quinquenal em milhares de toneladas
Sul, de 6 milhões para 25 milhões em 1872; para a Índia. Perto de 5 milhões
para 24 milhões em 1875; para a Austrália, de 1,5 milhão para mais de 20
milhões em 1875. [...] em 35 anos, o valor das trocas [...] havia-se
multiplicado por 6. (HOBSBAWM, 2014:90)
Arrighi (1996) em semelhante analogia para o período de expansão material (DM) da
hegemonia Britânica aponta que por volta de 1840, os lucros no mercado interno de bens de
capital na Grã-Bretanha, já apresentavam lucros decrescentes. Esta [a Grã-Bretanha] passa a
utilizar sua contínua liberalização unilateral do comércio para criar condições para uma
grande expansão no mercado externo, para seus produtos, entre organizações governamentais
e empresariais do mundo inteiro. Essas organizações, por sua vez, aumentaram a produção de
insumos primários para abastecer a Grã-Bretanha, a fim de obter os recursos necessários para
pagar pelos bens de capital ou amortizar as dívidas contraídas quando da sua aquisição
(Mathias, 1969 apud ARRIGHI, 1996:165). O livre fluxo de suprimentos para a Inglaterra
objetivava a redução interna dos custos de produção.
A divisão mundial do trabalho, sob a hegemonia, britânica estava estabelecida entre o
centro crescentemente especializado na produção de manufaturas (Inglaterra), a periferia
especializada na produção de bens primários e as regiões semiperiféricas, contendo atividades
tanto do centro como da periferia.
O efeito conjunto destas tendências foi uma aceleração sistêmica da velocidade com
que o capital monetário foi convertido em mercadorias, principalmente, mas não
exclusivamente, nos novos meios de transporte terrestres e marítimos. Entre os períodos
1845-49 e 1870-75 – fase (DM) de expansão material, as exportações britânicas de ferro e aço
para ferrovias mais do que triplicaram, enquanto as de maquinaria aumentaram nove vezes.
Durante esse mesmo período, as exportações britânicas para as Américas Central e do Sul, o
Oriente Médio, a Ásia e a Austrálásia aumentaram seis vezes. O resultado dessa aceleração na
expansão material do capital foi a globalização da economia-mundo capitalista. A dimensão
geográfica da economia capitalista pode multiplicar-se subitamente, à medida que aumentou a
intensidade de suas transações comerciais.
Enquanto a expansão mercantil esteve em sua fase de lucros crescentes, a principal
função das redes bancárias provinciais britânicas foi transferir recursos monetários – em sua
maioria, sob a forma de créditos rotativos e abertos – de empresas locais com excesso de
liquidez, quase sempre agrícolas, para outras empresas locais com escassez crônica de capital.
A expansão material (DM) do CSA Britânico perdurou até por volta de 1873, quando
se verificou um período de violenta competição de preços, a chamada Grande Depressão de
1873-96. Com esta, a lucratividade dos investidores reduziu a ponto desta acumulação de
capital não retornar mais, em sua totalidade, à forma material.
A hegemonia Britânica em sua fase de expansão financeira MD`
No Ciclo Sistêmico de Acumulação holandês no século XVIII, o capital passa das
mercadorias para as atividades bancárias. Esta tendência é reproduzida pelos ingleses no
terceiro ciclo de acumulação no fim do século XIX e início do século XX, quando o fim da
fantástica aventura da revolução industrial criou um excesso de capital monetário27.
Arrighi (1996:166) utiliza a ideia de capitalismo financeiro cosmopolita proposta por
John Hobson (1938) em seu estudo sobre o imperialismo28, para a análise da expansão
financeira do fim do século XIX, como fase final do ciclo sistêmico de acumulação britânico.
Hobson vê a expansão financeira como algo promovido por dois agentes
distintos. Um ele chama de “investidores”, ou seja, os detentores do “capital
excedente” de Braudel – o capital monetário que se acumula alem dos canais
normais de investimento em mercadorias e cria as condições de “oferta” da
expansão financeira (ARRIGHI, 1996:167).
A principal fonte desse capital excedente, segundo Hobson, foram os tributos no
exterior, sob a forma de juros, dividendos e outras remessas financeiras29. Arrighi cita que
Leland Jenks (1938) documentou depois que esta foi realmente a fonte original da migração
de capital da Grã-Bretanha do século XIX. O segundo agente apontado por Hobson (1938)
são as grandes casas financeiras que em sua opinião estas eram as governantes da máquina
imperialista. Dentre as grandes casas financeiras o autor destaca a casa dos Rotschild, que
para Arrighi (1996:171) “O limite mais importante à autonomia dos Rotschild era o limite
implícito no intercâmbio político que os vinculava à Grã-Bretanha Imperial, através do Banco
da Inglaterra e do Tesouro”.
Desde o momento em que Londres assumiu o papel de mercado monetário central da
economia mundial europeia, substituindo Amsterdam, “ [...] houve uma entrada significativa
de capital excedente estrangeiro à procura de investimentos através do centro financeiro de
Londres” (Platt, 1980; Pollard, 1985 apud in Arrighi, 1996:167). Mas, complementa “[...] por
si só esses fluxos não podem explicar as ondas e extensão crescentes que caracterizaram a
exportação de capital da Grã-Bretanha no fim do século XIX e início do século XX”. Faz-se
27 ARRIGHI, Giovanni – O Longo Século XX: dinheiro, poder e as origens de nosso tempo, Rio de Janeiro:
Contraponto: São Paulo: Editora UNESP, 1996, pag 5. 28 HOBSON, John Atkinson – Imperialism: a study. Published by Allen & Unwin, Londres. 1938. 29 Ibidem, pag. 51-3
necessário compreender este movimento em conjunto com o advento da chamada Grande
Depressão de 1873-96 – período de violenta competição de preços.
Sem possibilidades desta acumulação de capital, que ocorria no centro da economia-
mundo, retornar à forma material, em condições de lucratividade aos investidores, dada à
violenta competição de preços ocorrida no advento da Grande Depressão, deu-se início à
expansão financeira britânica que perdurou até 1930.
O papel da Inglaterra como câmara de compensação da economia mundial
precedeu e durou mais do que seu papel de “oficina do mundo” (Rubinstein,
1977:112-3, apud in ARRIGHI, 1996:179).
A expansão sem precedentes do comércio externo desenvolveu novas aptidões no
sistema bancário inglês, convertendo progressivamente Londres no verdadeiro centro
internacional de compensação das operações de crédito comercial. À medida que os grandes
bancos adquiriram vantagens no comércio internacional, o sistema bancário inglês, já
competitivo, iniciou uma extraordinária expansão ultramarina, multiplicando o número de
agências e filiais, estabelecendo uma rede de relações com clientes comerciais em todo o
mundo, seja diretamente, seja por agentes privados, autorizados a operar com “aceite” de
letras de câmbio e nas transações com as diferentes moedas.
A segunda metade do século XIX caracterizou-se não apenas por grandes
levas de exportação de capital da Grã-Bretanha, mas também pela expansão
das redes bancárias provinciais britânicas, aliada a uma crescente integração
delas nas redes da City, o centro financeiro londrino. (Kindleberger, 1978,
apud ARRIGHI, 1996:169).
Neste contexto Arrighi expressa o seu entendimento sobre o capital financeiro:
[...] o capital financeiro não é uma etapa especial do capitalismo mundial,
muito menos seu estágio mais recente e avançado. Ao contrário, é um
fenômeno recorrente, que marcou a era capitalista desde os primórdios na
Europa do fim da Idade Média e início da era moderna. Ao longo de toda era
capitalista, as expansões financeiras assinalam a transição de um regime de
acumulação em escala mundial para outro. Elas são aspectos integrantes da
destruição recorrente de “antigos” (grifo do autor) regimes e da criação
simultânea de ‘novos” (grifo do autor). (ARRIGHI, 1996: IX).
A autora Ana Célia Castro (1979), analisa esta expansão de atividade através de:
O conhecimento adquirido no mercado internacional vai permitir que
algumas dessas disconut houses (casas de descontos) se tornem casas
financeiras (financial houses). Dentre as mais importantes discount houses
(casas de descontos), que logo se converteram em financial houses (casas
financeiras), se destacam a Baring Brothers e a Lazard Frères, ambas
estabelecidas em Londres, especializadas em operar com títulos federais
(government securities) de longo prazo de governos estrangeiros, bem como
com ações de companhias construtoras de ferrovias em todo o mundo.
(CASTRO, 1979:22)
Na cronologia dos Ciclos Sistêmicos de Acumulação de Arrighi, o período em estudo
do financiamento da cadeia mercantil do café – 1850 a 1930, situa-se no Ciclo Sistêmico de
Acumulação Britânico (século XVIII ao século XX) em sua fase final de expansão financeira
em transição para o quarto Ciclo de Acumulação Norte Americano (fim do século XIX até o
presente momento). No próximo tópico exploraremos os investimentos ingleses no Brasil no
período de 1850 a 1930.
Os investimentos britânicos no Brasil no período de 1850 a 1930 nas fases de expansão
material DM e de expansão financeira MD`
O período de 1850 a 1930, destacado nesta pesquisa para o estudo do financiamento
da cadeia mercantil do café, situa-se, do final da fase de expansão material DM ao final da
fase de expansão financeira MD` do CSA Britânico de Arrighi. Neste tópico vamos analisar
os investimentos britânicos realizados no Brasil neste período.
Os interesses comerciais e financeiros da Grã-Bretanha implantaram-se de maneira
sólida no conjunto da América Latina, com destaque para o Brasil. Na Tabela 2 mostramos os
investimentos britânicos na América Latina e no Brasil no período de 1825 a 1913 e na
Tabela 2.1, destacamos a participação percentual do Brasil em relação à América Latina.
Tabela 2. Investimentos Britânicos na América Latina e no Brasil, 1825-1913 (MM £).
Com base nas informações de Silva (1986) temos a seguinte distribuição da
participação dos investimentos Britânicos no Brasil em relação à América Latina no período:
Tabela 2.1. Distribuição percentual da participação dos investimentos Britânicos no
Brasil de 1825 a 1913
O diferencial de atração entre os países ocorria primeiramente pelo volume de
comércio canalizado pelas empresas britânicas para os novos mercados consumidores. Na
sequência, a atração dos investimentos era reforçada pela abertura ampla destes mercados aos
investidores via exploração direta, ou via concessões governamentais.
Uma visão desse diferencial de atração pode ser verificada na Tabela 2.2 onde
apresentamos os investimentos britânicos na América Latina e a participação de cada país no
ano de 1880.
Tabela 2.2 Investimentos britânicos na América Latina – ano de 1880 – distribuído por países.
Os dados apresentados na Tabela 2.2 mostram que o Brasil liderava os investimentos
britânicos, no ano de 1880, seguido do Peru, México e Argentina. De acordo com Castro
(1979:27) “O total investido pela Inglaterra na América Latina jamais chegaria a ultrapassar
significativamente 1/5 do total de seu investimento externo”.
No Brasil, os investimentos britânicos ocorreram principalmente em dois segmentos –
empréstimos para governos e para a construção de ferrovias.
Empréstimos a governos estrangeiros era a principal característica do mercado
monetário da era vitoriana. Um pequeno grupo de banqueiros na City de Londres tinha se
especializado neste tipo de transação, dentre eles a Casa Rothschild era eminente e o principal
agente dos empréstimos externos para o Brasil.
Esta casa foi nomeada agente exclusivo para o Brasil em 1855. De acordo
com o contrato, esses banqueiros seriam os encarregados de administrar
todos os fundos enviados pelo Brasil para o pagamento de dividendos,
salários e outras despesas, fazer todas as compras para o governo e pagar
todos os dividendos dos débitos brasileiros. O investidor britânico
interessado nas ações do governo brasileiro comprava-as da casa Rothschid e
aceitava suas recomendações. (GRAHAN, Richard, 1973:107).
Na Tabela 2.3, apresentamos a relação de empréstimos públicos federal concedidos
pela Grã-Bretanha ao Brasil no período de 1852 a 1914:
Tabela 2.3. Brasil – Empréstimos Públicos Federal Brasileiro concedidos pela Grã-Bretanha –
1852 a 1914 (£).
Fonte: GRAHAN, Richard – Grã-Bretanha e o Início da Modernização no Brasil 1850-1914,
SP – Editora Brasiliense, 1973, pag. 106.
Os empréstimos ao governo brasileiro pela Grã-Bretanha são anteriores a 1850. “[...]
O Estado Nacional brasileiro já nasceu com uma pesada dívida externa, herança do processo
de reconhecimento de sua independência em relação a Portugal.” (Levy&Saes, 2001:65-6).
Dada a esta herança, normalmente a tomada de novos recursos pelo governo federal do Brasil,
incluíam a consolidação de dívidas anteriores. Castro (1979:29) destaca nos empréstimos
governamentais, “[...] a tomada de recursos para o serviço da dívida externa, para a
construção de ferrovias e de obras públicas, indicando que o fluxo de capital financeiro inglês
respaldou a atividade pública brasileira”. De acordo com Grahan (1973:106) além dos
empréstimos federais “[...] havia também os empréstimos feitos pelos governos estaduais e
municipais”. Levy&Saes (2001:49) acrescentam “[...] os empréstimos privados realizados por
bancos estrangeiros, por empresas estrangeiras e por empresários brasileiros”.
Na Tabela 2.4 podemos verificar o estoque nominal do capital estrangeiro, no Brasil
de 1824 a 1930, distribuídos em investimentos direto e de portfólio [carteira de investimentos]
privado e investimentos em portfólio publico.
Tabela 2.4. Brasil: Estoque nominal de capital estrangeiro, 1824-1930 (MM £).
Fonte: Abreu, M. de Paiva. pag. 168, apud in LEVY, Maria Bárbara, SAES, Flávio A. M –
Dívida externa brasileira 1850-1913: empréstimos públicos e privados. História Econômica
& História de Empresas, [S.l.], v. 4, n. 1, 2001, pag.50. Disponível em:
http://www.revistaabphe.uff.br/index.php?journal=rabphe&page=article&op=view&path%5B
%5D=87&path%5B%5D=169
O estoque nominal de capital estrangeiro em milhões de libras da Tabela 2.4, mostra o
predomínio dos empréstimos públicos até 1875, no qual, grande parte dos recursos era
utilizada para a cobertura do déficit público. A partir de 1885, a exportação de capital para o
Brasil, apresenta nas palavras de Levy & Saes (2001:50) “[...] magnitude aproximadamente
igual à do portfólio público, exceto para o ano 1913, em que o investimento direto e de
portfólio privado alcançaram cerca de 63% do total”. Os autores complementam:
Não é possível distinguir, no investimento privado, a parcela representada
pelos empréstimos externos, pois mesmo o portfólio privado inclui tanto a
propriedade de ações quanto a de títulos de dívida (como debêntures e
obrigações). [...] Todos os exemplos estudados confirmam a hipótese de que,
quando os recursos da dívida externa foram utilizados para investimentos
produtivos, estes se concentraram em estradas de ferro ou em obras públicas
destinadas a promover o comércio internacional. O endividamento externo
teria contribuído assim para [...] a subordinação da produção doméstica ao
capital mercantil externo (...). (LEVY & SAES, 2001:50-l)
Após os empréstimos públicos, o segundo mais importante tipo de investimento
externo britânico no Brasil, nesse período, foi para a construção de ferrovias,
preponderantemente dirigidas para a facilitação das exportações.
Na Tabela 2.5 mostramos a distribuição percentual da dívida externa brasileira, em
que destacamos os itens II – empréstimos para financiamento da dívida interna, valorização
do café e créditos agrícola, e, III – empréstimos para a construção de estadas de ferro, uma
vez que estes estão diretamente ligados ao objeto desta pesquisa. Os empréstimos para a
valorização do café serão analisados em detalhes no capítulo 3 desta, e quanto às ferrovias,
como confirma Graham (1973:63) “Quase todas as linhas que serviam a região cafeeira de
São Paulo estavam ligadas ao mercado financeiro britânico [...]”. Na Tabela 2.6, o setor de
ferrovias, como a segunda maior participação dos investimentos britânicos no Brasil, é
corroborado.
Tabela 2.5 Dívida Pública Externa (1850/59 a 1910/14) – distribuição de acordo com a
aplicação dos recursos
Fonte: Valentim F. Bouças, apud in LEVY, Maria B.; SAES, Flávio A. Marques – Dívida
externa brasileira 1850-1913: empréstimos públicos. Disponível em:
http://www.revistaabphe.uff.br/index.php?journal=rabphe&page=article&op=view&path%5B
%5D=87&path%5B%5D=169
Tabela 2.6 Composição setorial dos capitais britânicos no Brasil, 1865-1913 (%).
Na Tabela 2.7 apresentamos o crescimento da expansão, em quilômetros, das estradas
de ferro a partir de 1854 até 1929.
Fonte: SILVA, Sérgio – Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil, Ed. Alfa-Omega,
1986:52.
Tabela 2.7 Expansão das Estradas de Ferro, da criação em 1854 a 1929.
Em 1854, sob o regime de concessão de serviços públicos, foi construída a primeira
estrada de ferro, sob a iniciativa de Irineu Evangelista de Souza (Barão de Mauá) que
importou da Inglaterra a locomotiva, os vagões e os próprios engenheiros para o projeto.
Outros destaques pelo volume de investimentos efetuados no Brasil no segmento de ferrovias
são: 1) São Paulo Railway Co., com 2 milhões de libras em 1860, e, 2) Great Western of
Brasil Railway, com investimentos de 300.000 mil libras em 1873.30
30 CASTRO, Ana Célia – As Empresas Estrangeiras no Brasil 1860-1913. RJ. Zahar Editores, 1979, pag.33
Os empréstimos britânicos financiaram praticamente todas as ferrovias brasileiras,
ainda que “[...] nenhuma estrada de ferro poderia ser construída no Brasil sem auxílio
governamental [...]” (Grahan, 1973:60). Os investimentos britânicos, em sua maioria, foram
indiretos, via financiamento ao governo brasileiro. Foi desta forma que em 1855 foi
constituída uma companhia brasileira, cujo principal acionista era o próprio governo. Esta
companhia foi denominada Estrada de Ferro Dom Pedro II e, depois de 1899, ficou conhecida
como a Estrada de Ferro Central do Brasil. Para a construção desta ferrovia, a empresa
levantou um empréstimo na Inglaterra de mais de 1,5 milhões de libras, com garantias dadas
pelo governo brasileiro. Em 1874, os ingleses fizeram um empréstimo em Londres de 600.000
libras e em 1879 de mais 164.200 libras a companhias particulares brasileiras para a
construção da Estrada de Ferro São Paulo e Rio, que ligou a cidade de São Paulo com a
Estrada de Ferro Dom Pedro II. Em 1890 o governo federal comprou a estrada de ferro de
companhias particulares brasileiras e, assim, incorporou o empréstimo britânico à divida
nacional existente.31
Os capitais britânicos detinham a maioria do capital acionário em onze estradas de
ferro em diversos pontos do País, e em 1895, o controle direto foi aumentado para 25 dessas
companhias, praticamente triplicando sua presença quilométrica, nas linhas mais importantes
ou mais lucrativas.
Agregadas às ferrovias, temos a intensa participação nos serviços portuários,
caracterizando assim o direcionamento dos investimentos ingleses para atender aos múltiplos
objetivos da divisão internacional do trabalho, integrando o interior do país à economia
mundial, com o objetivo de reduzir o custo de produção dos alimentos e matérias-primas
exportados para a Inglaterra.
Nos serviços urbanos e no setor de iluminação a gás, destacamos em 1861, a Cia de
Gaz da Bahia com 100 mil libras, em 1862 a constituição em Londres da empresa Rio de
Janeiro City Improvement Company Ltd, com objetivo de construir e operar sistemas de
águas e esgotos na capital Rio de Janeiro, em Santos, São Paulo e no Recife, em 1866 a The
Rio de Janeiro Gaz Co., com 750 mil libras,a The Pará Gaz Co. Ltd., com 170 mil libras, em
1868 a The Nictheroy Gaz Co. Ltd com 75 mil libras, e, em 1873 a São Paulo Gaz Co. Ltd.
com 80 mil libras. 32
31 GRAHAN, Richard – Grã-Bretanha e o início da modernização no Brasil, 1850-1914. SP, Editora Brasiliense,
1973, pag 62. 32 CASTRO, Ana Célia – As Empresas Estrangeiras no Brasil – 1860 – 1913; Zahar Editores – RJ, 1979, pag.
35.
Nos transportes marítimos os ingleses sofreram forte concorrência, na primeira metade
do século XIX, dos norte-americanos, que utilizavam rápidos veleiros – denominados por
clippers [veleiro rápido] – dos quais eram exímios construtores. Em 1850 a navegação a vapor
foi introduzida e a partir de inovações técnicas que permitiram a redução do consumo de
carvão, e os britânicos passaram a dominar o setor. Entre 1866 a 1889, quase a metade dos
vapores que aportavam no Rio de Janeiro nos últimos anos do século XIX eram ingleses,
indicando que os britânicos praticamente monopolizaram o setor neste período. Estreitamente
conectadas às atividades exportadoras temos as companhias de seguros, 21 firmas entre 1860
e 1875 com destaque para a London and Lancashire Fire Insurance Co. em 1872, com um
capital superior a 2 mil libras. Este setor também foi amplo e majoritariamente dominado pelo
capital inglês.
Paralelamente aos investimentos nas linhas férreas, e nos demais segmentos acima
exposto, temos o Estado atuando diretamente na facilitação das comunicações telegráficas, via
financiamento do serviço de comunicações por cabos submarinos com o resto do mundo. Os
recursos para este financiamento foram obtidos por endividamento direto do Estado.
Explorado os principais investimentos britânicos que impulsionaram a economia no
país no período de 1850 a 1930, vamos no capítulo 2 ver mais de perto o café no Brasil.
CAPÍTULO 2
O CAFÉ NO BRASIL
1. Revisitando a bibliografia sobre o financiamento do café
Iniciamos revisitando, a bibliografia sobre o financiamento do café. Por ser muito
ampla, procuramos nos centrar em obras que abordassem além das questões sociais, as
questões econômicas e financeiras e, no decorrer da pesquisa citamos autores nacionais e
estrangeiros, que embora não utilizem a abordagem da Economia Política dos Sistemas-
Mundo (EPSM), teceram análises que, indubitavelmente, contribuem para a perspectiva da
cadeia mercantil. Dentre estes, Celso Furtado – Formação econômica do Brasil; Caio Prado
Junior – História Econômica do Brasil; Antonio Delfim Neto – O Problema do café no
Brasil; Boris Fausto – Economia e Finanças nos Primeiros anos da República – Tomo III;
Maria S. C. Franco Homens livres na Ordem Escravocrata; Joseph Love – Autonomia e
Independência: São Paulo e a Federação Brasileira, 1889-1937; Thomas H. Holloway –
Vida e Morte do convênio de Taubaté; Renato M. Perissinotto – Estado e capital cafeeiro em
São Paulo (1889-1939).a – Tomos I e II, dentre outros listados na bibliografia da pesquisa.
Nas obras a seguir listadas, encontramos evidenciado o papel fundamental do capital
internacional no financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil e sua influência na
expansão da economia no país, consequentemente do crédito e dos bancos frente às crescentes
necessidades de circulação monetária do país.
Celso Furtado, em seu livro Formação Econômica do Brasil, dá ênfase à importância
do café na história econômica e sua ingerência direta no desenvolvimento do país, destacando
que os produtores de café estavam intimamente ligados ao objetivo comercial de seu setor, e
muito mais conscientes da função potencial a ser desempenhada pelo Estado na influência
sobre seus interesses econômicos. “A etapa de gestação da economia cafeeira é também a de
formação de uma nova classe empresária que desempenhará papel fundamental no
desenvolvimento subsequente do país” (Furtado, 2007:170). A visão de Furtado é de
importância fundamental para a compreensão do apoio do Estado obtido pelo setor cafeeiro
no início do século XX, apoio este via política de valorização do café, iniciada primeiramente
pelos estados cafeicultores, e na sequência, dada a importância e amplitude da política de
defesa dos preços do café, assumida pelo governo federal que a financiou via captações no
exterior. Ao tratar da política de valorização do café, Celso Furtado destaca a participação de
capital forâneo através de um grupo financeiro internacional reunido em torno da casa
Rothschild e de comerciantes importadores.
Prosseguindo em sua análise, Celso Furtado (2007) aponta que o crescimento da
economia cafeeira, esteve intrinsecamente ligado à articulação do capital estrangeiro e
interferiu fortemente nas diferentes fases da construção da história econômica, política e
administrativa do país em seu processo histórico de acumulação e desenvolvimento
capitalista:
No primeiro decênio da independência o café já contribuía com dezoito por
cento do valor das exportações do Brasil, colocando-se em terceiro lugar
depois do açúcar e do algodão. E nos dois decênios seguintes já passa para
primeiro lugar, representando mais de quarenta por cento do valor das
exportações. [...] Em toda a etapa da gestação os interesses da produção e do
comércio estiveram entrelaçados. A nova classe dirigente formou-se numa
luta que se estende em uma frente ampla: aquisição de terras, recrutamento
de mão-de-obra, organização e direção da produção, transporte interno,
comercialização nos portos, contatos oficiais, interferência na política
financeira e econômica. (FURTADO, 2007: 168-9; 171-2)
Caio Prado Jr. em eu livro História Econômica do Brasil (2008) analisa a produção
cafeeira sob o contexto imperialista destacando a intervenção do capital estrangeiro na
economia do Brasil nos diferentes setores e fases das atividades do país:
A economia cafeeira, nas suas diferentes fases, desde a produção até o
consumo, será largamente explorada pelo capitalismo internacional. Com o
financiamento da produção, do comércio, da exportação, ele retirará uma
primeira parcela de lucros, pois embora essas operações se realizem no
próprio país, elas se acham direta ou indiretamente em suas mãos, seja por
bancos e firmas comerciais da mesma procedência nacional, seja por casas
brasileiras a ele ligadas. Depois que o café é embarcado, a exploração do
capital estrangeiro se torna naturalmente maior e mais fácil; aí vem o
transporte, a distribuição nos países consumidores, a industrialização do
produto (torrefação, moagem e outras manipulações). (PRADO JUNIOR,
2008: 272)
O autor prossegue afirmando que outro setor interessante para a exploração do capital
estrangeiro será o setor financeiro, indicando que “[...] O instrumento para isso será,
sobretudo as agência, filiais e correspondentes dos grandes bancos internacionais
estabelecidos no país” (Prado Junior, 2008:273). Como exemplo cita o London & Brazilian
Bank, que se instala no Brasil em 1863. 33
33 Já antes disso os capitais ingleses operavam nas finanças brasileiras por intermédio de agências. É de destacar
o banco Mauá, MacGregor & Cia., firma em que se associaram ingleses e o brasileiro Irineu Evangelista de
Souza, barão e depois visconde de Mauá. O Banco Mauá, MacGregor, organizado em 1854, fundiu-se em 1864
com o London & Brazilian Bank, formando o London Brazilian & Mauá Bank. (PRADO JR, 2008: nota de
rodapé 94, pag. 273).
O Brasil, com as fortes oscilações cambiais da sua moeda, instabilidade que
caracteriza suas finanças, a carência de capitais necessários ao seu giro
comercial, as sucessivas e bruscas contrações e expansões do seu mercado
financeiro, era presa fácil e proveitosa para a especulação, e com ela jogará
largamente o capital financeiro, sempre senhor da situação graças às suas
disponibilidades fartas e ao controle que exerce. (PRADO JUNIOR, 2008:
273).
Os autores Topik (1987) e Delfim Netto (2009), também destacam o papel
fundamental do capital internacional nos negócios do café, bem como enfatizam o monopólio
da comercialização em mãos de exportadores Europeus e Norte Americanos, objetivando
através do controle dos estoques a manipulação dos preços.
É comum os capitalistas internacionais encorajarem a presença do Estado na
economia a fim de criar um clima mais seguro para investimentos. [...]
investidores Europeus e Norte Americanos constituíram um grupo poderoso
no Brasil [...]. O total de investimentos estrangeiros aumentou de $ 600,
000,000 em 1890 para $ 2, 600, 000,000 em 1930. No começo da República,
a infraestrutura do comércio exportador estava sob o controle de
estrangeiros. (TOPIK, 1987: 23-4)
Antônio Delfim Netto (2009) faz semelhante afirmação:
Durante vários anos, [...] o mercado sofreu a influência de grandes potências
financeiras como B.G. Arnold, cuja tentativa de corner [pressão], a partir de
1869, pressionou para cima os preços do produto. No mesmo período, John
Arbuckle introduz no comércio o café torrado e moído, em pacotes
individuais, o que constituiu a revolução tecnológica mais séria para a
generalização do uso do produto. No auge da expansão dos preços, em 1873,
formou-se na Alemanha, uma empresa para controlar o comércio cafeeiro, a
qual funcionou com bom êxito durante quase uma década [...]. O mercado
cafeeiro era então, como é hoje, dominado pelo comportamento de algumas
grandes empresas torradoras, que funcionam como condutoras de um
oligopólio. Dada a magnitude de seus estoques e o volume de seus recursos
financeiros, essas empresas praticamente determinam o andamento do
mercado e seus movimentos são imitados por grande número de pequenos
importadores e importadores-torradores. (DELFIN NETTO, 2009: 41-2). 34
A ascensão do café como principal produto de exportação foi uma força indutora de
mudanças estruturais na sociedade e na economia brasileira no período em estudo (1850 a
34 B.G. Arnold – Benjamin Green Arnold: considerado “Primeiro rei do Café” – Por volta de 1836, vindo de
Rhode Island, Benjamin Green Arnold foi para Nova York trabalhar como contador em um pequeno comércio.
Considerado um financista nato, em 1868 se tornou acionista minoritário já liderando os negócios, e
administrando uma linha de crédito de meio milhão de dólares, um valor notável para a época. Mr. Arnold
iniciou os grandes negócios de especulação com café em 1869. Por dez anos manteve o domínio de mercado,
acumulando grande fortuna. Foi o primeiro Presidente da Bolsa de Café de Nova York. Conta-se que a ousadia
deste comerciante rendeu em um ano de operação, ganhos de milhões dólares. Entretanto Mr. Arnold, por ter
mantido os preços do café em alta, propiciou ao mercado a ampliar a produção, o que resultaria em super oferta
nos anos seguintes com forte queda nos preços. UKERS, Wiliam H. – All About Coffee, New York, The Tea
and Coffee Trade Journal, 1935, p. 447-8 (tradução livre)
1930). Vieira, R. (2012, p.272-3) destaca “[...] o fim do tráfico de escravos (1850), a
transição para o trabalho assalariado, a imigração europeia, a modernização da infraestrutura,
dos serviços bancários e dos transportes (ferrovias) e o início da industrialização”.
A relação que se estabeleceu ao longo da Primeira República Brasileira, entre o
aparelho estatal paulista e o capital cafeeiro, promoveu uma convergência de interesses
políticos e sociais na qual, as classes sociais ligadas aos negócios do café passaram a
hegemonizar a política e a economia nacionais no último quartel do século XIX.
A revisão desses autores de diferentes abordagens, feita até aqui, evidenciam a
presença de empresas estrangeiras e do capital internacional na cadeia mercantil do café. No
decorrer da pesquisa, apresentaremos capítulo específico detalhando esta presença e sua
importância no estudo do financiamento da cadeia mercantil do café.
2. O Café no Brasil
Fazendo um breve retrospecto sobre o café, este chegou ao nordeste do Brasil no
século XVIII vindo das Guianas, sendo no começo apenas um produto de horta e pomar em
pequena escala. Entretanto fatores como o colapso da produção cafeeira no Haiti, o principal
fornecedor mundial, após a rebelião de 1791 e o fim da escravatura naquele país criaram
condições para novos produtores. O café tornou-se um produto estabelecido na pauta de
exportações do Brasil no primeiro quartel do século XIX, contribuindo com cerca de 18 por
cento do total dos rendimentos com exportação e ocupando na época o terceiro lugar, vindo
depois do açúcar e do algodão antes de 1820.35
Em 1822 a produção de café no Brasil era de 190.060 sacas. A partir daí o acréscimo
verificado anualmente corresponde à entrada de novas lavouras: 1821-1830: 318.000 sacas;
1831-1840: 974.000 sacas; 1841-1850: 1.712.000 sacas; 1851-1860: 2.625.000 sacas; 1861-
1870: 2865.000 sacas; 1871-1880: 364.000 sacas; 1881-1890: 5.330.000 sacas.36 Entre 1850 e
1900, o Vale do Paraíba foi a zona de maior produção cafeeira do mundo e o ápice da
prosperidade desta região ocorreu entre 1850 a 1864. 37 Até 1889, todo o sustentáculo da
economia e da prosperidade do Império foi o Vale do Paraíba (safra fluminense).
35 JOHNSTON, E, Marcellino, M. & – 150 Anos de Café, 1992, pag.148. 36 TAUNAY, Affonso E. – História do Café no Brasil. Vol. nono – No Brasil República 1889-1906, Tomo I.
Departamento Nacional do Café, Rio de Janeiro, 1939, pag. 16-17. 37 STEIN, Stanley J. – Grandeza e decadência do café. São Paulo. Editora Brasiliense, 1961, pags IX, XI.
A maioria dos produtores e fabricantes preferia deixar o embarque e as vendas nas
mãos de especialistas. E a Grã-Bretanha, o principal comerciante do século XIX, empregava
uma longa cadeia de intermediários em seus negócios de importação e exportação. 38
De 1829 a 1830, a safra brasileira correspondia a dezoito por cento da produção
mundial. Já de 1859 a 1860 a participação da safra brasileira representava cincoenta e um por
cento e entre 1901 a 1906, chegaria a setenta e cinco por cento de toda a produção mundial. 39
Trataremos a seguir de analisar os financiamentos dos negócios café, inicialmente no
período de 1850 a 1905, sendo até 1870, a região do Vale do Paraíba preponderante na
produção cafeeira. A partir de 1870, ocorreu o deslocamento do centro geográfico das
plantações de café para o Oeste Paulista. Este deslocamento geográfico resultou na ampliação
acentuada na escala de produção e de negociação deste produto, fato este que provocou
alterações no modus operandi em alguns nódulos desta cadeia mercantil.
Primeiramente, vamos conhecer mais de perto como é composta a cadeia mercantil do
café e o encadeamento dos seus nódulos.
2.1. A cadeia mercantil do café
A cadeia mercantil do café é composta por uma sequência de atividades que
envolvem: o plantio da fruta café, a colheita, o processamento dos grãos, o embarque terrestre
para o porto, a exportação dos grãos em navios, a torrefação dos grãos e a venda do produto
ao consumidor final. A cadeia mercantil se entrelaça com outras cadeias, por exemplo, a
cadeia mercantil do café é intimamente ligada à cadeia de combustíveis e à de produção de
navios, uma vez que o transporte é essencial para levar o café do produtor ao consumidor
final. É impossível analisar a cadeia mercantil como sendo uma unidade autocontida, ou seja,
independente, sem considerar toda a economia-mundo da qual ela é parte.40 O tecido da
economia-mundo que emerge do entrelaçamento das cadeias mercantis, possui uma hierarquia
que se divide em – centro, onde ocorrem os estágios mais rentáveis; a periferia, onde os
estágios menos rentáveis estão alocados; e uma camada intermediária, a semiperiferia, onde
ocorre uma mistura destes estágios.
A cadeia mercantil do café traz a característica estrutural da economia-mundo. O
estágio mais simples da cadeia do café – plantio e o processamento inicial estão locados
38 JOHNSTON, E, Marcellino, M. & – 150 Anos de Café, 1992, pag 152. 39 TAUNAY, Affonso E. – História do Café no Brasil. Vol. nono – No Brasil República 1889-1906, Tomo I.
Departamento Nacional do Café, Rio de Janeiro, 1939, pag. 27. 40 TALBOT, John M., – Grounds for agreement: the political economy of the coffee commodity chain, Rowman
& Littlefield Publishers, Inc. 2004, pags. 5-7.
principalmente em países da periferia, enquanto que o processo mais dinâmico e rentável da
cadeia, como o de desenvolvimento de novos produtos para nichos de mercado, está locado
principalmente em países do centro.
Os participantes dos vários nódulos da cadeia mercantil do café, também estão
envolvidos em sistemas mais amplos de produção, redes sociais e mercados. Os produtores,
processadores e comerciantes de café ativamente negociam suas respectivas participações
entre si e com outros sujeitos dos processos socioeconômicos e sociopolíticos quer localmente
ou em uma escala mais ampla.
Segundo Talbot (2004) a chave para entender essa regularidade empírica – o
agrupamento junto do núcleo, ao centro das atividades mais lucrativas e atividades periféricas
alocadas em diferentes nações – é compreender o processo pelo qual diferentes áreas do
mundo foram originalmente incorporadas na economia-mundo.
A seguir, para uma melhor compreensão do complexo formado pela cadeia mercantil
do café, apresentamos na Figura 3, o gráfico elaborado por Vieira, R. (2012:290), em que
detalha a cadeia mercantil do café brasileiro no período 1830-1929, seguindo as indicações de
Wallerstein. Neste estudo, Vieira, R.(2012) mostra que a produção e o consumo do café
integraram processos produtivos e comerciais que ocorriam no Brasil, África, Europa e EUA.
Nas considerações finais a autora ressalta que o item financiamentos está indicado, mas não
desenvolvido, destacando que “[...] a pesquisa aponta para a necessidade de se enveredar [...]
no que tange ao aspecto financeiro envolvido na cadeia mercantil do café”. (Vieira,
R.2012:292)
Figura 3. Cadeia Mercantil do Café (1830-1929)
Uma vez que o item financiamentos não esta desenvolvido no estudo de VIEIRA,
R.(2012), e, sendo esse o objeto de estudo da presente pesquisa, com base no fluxograma
elaborado pela autora, construímos um novo esboço da cadeia mercantil do café para o
período 1850-1930, conforme Figura 4, com o objetivo de compactar, para melhor visualizar
os nódulos passíveis de financiamentos.
Formulação Própria
Figura 4. Esboço da Cadeia Mercantil do Café 1850-1930 x nódulos do financiamento dos negócios do
café
Com base esboço acima, as necessidades financeiras do fazendeiro estão representadas
inicialmente pelos nódulos dos estágios de produção, 1,2 e 3 respectivamente. Após o nódulo
da produção, o café é enviado para o transporte terrestre, representado pelo nódulo número 4.
Na sequência, o café é enviado para a comercialização – nódulo número 5, que tanto pode ser
para venda no mercado interno, nódulo número 6, ou para a exportação, nódulo número 7.
Sendo para a exportação, o café segue para o nódulo número 8 (torrefação no exterior) e na
sequência, para o nódulo número 9 (distribuidores) quando, finalmente, o café chega ao
consumidor final – nódulo 10.
Tendo descrito o encadeamento dos nódulos da cadeia mercantil do café, vamos agora
analisar como ocorreu o financiamento deste, começando pelo período de 1850 a 1905.
A cultura do café tomou vulto como produto comercial altamente rentável nas
exportações nacionais por volta de 1830. Entre 1850 e 1900, o Vale do Paraíba foi a zona de
maior produção cafeeira do mundo e o ápice da prosperidade desta região ocorreu entre 1850
a 1864.
Antes da criação do primeiro Banco do Brasil,41 operavam no setor de crédito apenas
alguns capitalistas nacionais e ingleses, recentemente estabelecidos, que sacavam sobre as
praças europeias e recebiam dinheiro em conta corrente ou depósito, na maior parte das vezes
para passá-lo aos bancos da Inglaterra ou convertê-lo em títulos de renda assegurada. Essas
somas eram sempre entregues em ouro e exportadas como mercadorias42. Nas palavras de
Costa (2012:23) “ O comércio que abasteceu a lavoura de mão de obra escrava, ao longo de
três séculos, fez o papel de banqueiro”.
41 [...] o primeiro Banco do Brasil foi fundado como “banco de governo” [grifo autor] em 12 de outubro de
1808. [...] A história dos bancos do nosso país gira em torno da história do Banco do Brasil e se integra a ela. [...]
ao todo, desde sua fundação, foram quatro os Bancos do Brasil, sendo que o último surgiu em 1905. [...]
Historicamente, predominou sua atuação como “banco do governo” [grifo autor] e “bancos dos bancos” [grifo
autor]. [...] Houve ao longo de sua história, redefinição de sua função prioritária enquanto “quase banco central”
[grifo autor]. Entre suas funções clássicas que exerceu, o Banco do Brasil foi, sem dúvida, “banco do governo”
[grifo autor], uma vez que sempre teve o papel agente de financiador do governo e/ou executor das políticas
públicas. Foi também “banco dos bancos” [grifo autor], principalmente nas crises bancárias, quando se tornava
emprestador em última instância. Atuou igualmente como “banco de câmbio” [grifo autor], ou seja, protetor dos
valores de troca entre a moeda nacional e a moeda estrangeira, estabilizando ou não a taxa de câmbio. [...]
devido ao conflito de interesses com outros bancos comerciais concorrentes, nunca foi “banco fiscalizador”
[grifo autor]: supervisor do cumprimento da regulamentação do sistema financeiro nacional, visando à
estabilidade sistêmica. Embora tenha sido “banco regulador da taxa de juros” [grifo autor], utilizando-se das
forças de mercado, não chegou a ser “controlador da oferta de moeda interna” [grifo autor], pois dava prioridade
maior a fomentar o desenvolvimento, mais do que cumprir a meta da programação monetária. COSTA,
Fernando Nogueira – Brasil dos Bancos. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012, pags.24-5. 42 PACHECO, Cláudio – História do Banco do Brasil, 1987, pag.15.
As formas primitivas de empréstimos de dinheiro (empréstimo pessoal para a
produção ou para o consumo) acompanham os primeiros estágios do desenvolvimento
comercial, do crédito e da circulação monetária no Brasil43.
A fazenda cafeeira adotou, desde o começo de sua expansão, o modelo do
estabelecimento do engenho de açúcar, calcada sobre a grande propriedade e a escravidão.
Aumentado o ritmo cafeeiro, estimulado pela procura externa e pelos preços, o crédito tornou-
se necessidade maior do que os recursos do próprio do fazendeiro, ou do empréstimo pessoal
que este obtinha na sua praça (local). Como resultado, o mecanismo de financiamento da
produção do café, vinculou-se profundamente à comercialização do produto.
Assim, o comerciante de café, das praças do Rio de Janeiro e de Santos, adquiriu um
papel central, pois o fazendeiro dependia, em grande medida, do comerciante para a
realização dos seus lucros através da venda do produto e precisava igualmente deste para
obter os recursos financeiros necessários à produção. “Era o comerciante, pois, o banqueiro da
lavoura.” (Perosa, 1980:64). E quem era o comerciante de café, cuja importância era mais
ampla do que a de um simples intermediário? Este comerciante era o comissário –
especializado no preparo de misturas de diversos tipos de cafés para atender às exigências das
demandas externas de diversas procedências, e necessário elo entre a plantação e a
exportação, que na base da confiança, e, portanto da relação pessoal, fornecia o crédito ao
fazendeiro e em troca adquiria um cliente cativo. 44
O comissário, por sua vez, utilizava tanto dos seus recursos próprios, como do seu
crédito pessoal junto a bancos, para antecipar os recursos necessários aos fazendeiros.
43 [...] o crédito se define como a transferência de recursos sob forma monetária das mãos dos que tem saldos
ociosos para aqueles que desejam utilizá-los. Embora genérica esta noção de crédito permite registrar um
primeiro vínculo entre crédito e moeda. [...] No plano empírico, observa-se que, com relativa frequência, surgem
propostas de concessão de crédito [para a lavoura] que pressupunham a emissão de moeda pelo Governo. Tal
fato pode ser entendido quando lembramos o reduzido desenvolvimento das instituições de crédito em grande
parte do período estudado 1850-1930. [...] 1850 a 1889, representa um período em que claramente predomina o
crédito privado, o empréstimo entre indivíduos. [...] A circulação era constituída – a par das espécies metálicas
sobreviventes (ouro, prata e cobre) – por emissões do Tesouro. O Banco do Brasil, com função emissora, fora
liquidado em 1829, não sendo possível até então seu reestabelecimento. O novo Banco do Brasil é formado em
1851. Entre estes momentos, surgem bancos que passam a emitir vales – com prazo mínimo de vencimento de
três dias e pagando juros. Estes vales passam a circular como meio de pagamento em várias praças do país em
que as moedas oficiais mostravam-se insuficientes. [...] Em 1853, a lei bancária busca refrear a emissão de vales
e ao mesmo tempo oficializar a circulação de moeda-papel bancária. O Banco do Brasil de 1851 funde-se com o
Banco Comercial do Rio de Janeiro – emissor de vales – para usufruir da concessão governamental. O terceiro
Banco do Brasil – de 1853 – procura absorver os bancos provinciais emissores de vales [...] com o compromisso
de progressivamente resgatar as notas emitidas pelo Tesouro nas décadas anteriores. [...] Em 1857, a tendência à
concentração do poder de emissão é revertida ao serem autorizados seis novos bancos emissores [...]. SAES,
Flávio Azevedo Marques – Crédito e bancos, no desenvolvimento da economia paulista. 1850-1930. São Paulo,
IPE/USP, 1986, pags. 15 16,22. 44 PEROSA, Roberto – Comércio e financiamento na lavoura de café de São Paulo no inicio do século. Rev.
Adm. Empr., 1980 pags. 63-4.
No início, a estrutura de caráter pessoal e o sistema informal do crédito, ou seja, do
banco ao comissário e deste ao fazendeiro, permitia a flexibilidade necessária e adequada ao
fazendeiro, sendo assim, se por acaso a colheita era pequena, ou ainda se baixavam as
cotações do café no mercado internacional e consequentemente os preços internos, o
pagamento do empréstimo, muitas vezes, era postergado para o fazendeiro.
[...] os bancos emprestavam sob o crédito pessoal do comissário (firma
social ou individual), a descoberto, mediante simples conta corrente, depois
sob letras da terra, ainda depois sob letras com endosso, raramente com
outras garantias. (GUIMARÃES, apud PEROSA, 1980:66).
Ainda no período inicial da expansão cafeeira, temos a figura do ensacador na cadeia
mercantil do café no Brasil, que se posicionava entre o(s) comissário(s) de café e a(s) casa(s)
exportadora(s):
Entre comissários e ensacadores, as transações eram feitas com desconto de
½ % quando concluídas a vista ou a prazo de 20 dias. Entre ensacadores e
exportadores, o pagamento era feito a vista, por ocasião dos embarques. Só
depois de fechado o negócio, os ensacadores procediam às ligas e aos
reensaques, ficando a mercadoria em seus armazéns, sem ônus adicional, até
um prazo de 20 dias. Caso a exportação não se desse dentro desse limite,
começava a correr a armazenagem; caso se desse antes desse termo,
entretanto, não dava direito a desconto (VAN DELDEN LAERNE,
1885:236, 245-46, apud in FRANCO, 1983, 165, nota 18).
O deslocamento geográfico da produção para o oeste paulista introduziu novas
circunstâncias para o financiamento da cadeia mercantil do café. Vejamos a seguir os
principais motivos.
Stein (1961:35) nos relata que “A década de 1850 foi a idade de ouro do café e da
sociedade que sobre ele assentava, em Vassouras.” Com a interdição do tráfico de escravos a
partir de 1851, pela Lei Euzébio de Queiróz, os grandes fazendeiros que haviam contraído
dívidas para a aquisição de grandes contingentes de escravos anteriormente à interdição viram
aumentar, sem precedentes o valor deste e por consequência, também o valor das garantias
que podiam oferecer para contrair novos empréstimos. O autor prossegue “[...] é duvidoso que
a falta de mão-de-obra escrava fosse sentida imediatamente. [...] até 1860, a migração do
braço escravo das províncias do Norte do Brasil para as áreas da cultura cafeeira compensou a
ausência de novas levas oriundas da África”. (Stein, 1961:35)
Em relação às garantias que os fazendeiros utilizavam na obtenção de crédito, o autor
complementa:
A despeito da grande extensão das propriedades a maior parte dos
empréstimos concedidos às fazendas se baseava no valor do contingente de
escravos; [...] e a eminência da abolição [...] deixava os fazendeiros
destituídos de garantias colaterais satisfatórias.” (STEIN, 1961:255).
Na década de 1870, a decadência da região de Vassouras e dos municípios vizinhos
ocorre por esgotamento da fertilidade do solo, diminuição das reservas de mata virgem que
exigiam novas técnicas de plantio, e, a abolição da escravatura na década de 80, exige o
pagamento de salários aos libertos ou a contratação de mão-de-obra livre, o que não estava à
disposição dos fazendeiros desta região.
Paralelamente e de igual importância, temos a construção de duas estradas de ferro, a
primeira, em 1850, a Estrada de Ferro Pedro II que progressivamente foi buscar o café em
todo o Vale do Paraíba e estendeu-se até o Norte de São Paulo e Sudeste de Minas Gerais
(Silva, 1986:50), segundo Grahan (1973:61-2) “[...] O efeito desta linha férrea no sistema
econômico do vale do Paraíba não foi duradouro porque a região já atingira o seu máximo de
produção na época em que a ferrovia lá chegou”. O autor afirma que esta linha “[...]
Contribuiu também para a intensificação da produção cafeeira na parte superior do vale do
Paraíba, na Província de São Paulo, [e], em virtude das conexões para a Capital desta
província, ajudou a transportar as grandes colheitas do centro-oeste de São Paulo.” (Grahan,
1973:62); a segunda estrada de ferro São Paulo Railway, foi inaugurada em 1867com 139 km
ligando Santos a Jundiaí, abrindo assim para a Província de São Paulo, uma nova era para o
porto de Santos.
2.1.1 O financiamento da cadeia mercantil do café
O crescimento da produção cafeeira nas décadas de 1870 e 1880 decorre do
deslocamento do centro geográfico das plantações para o Oeste Paulista, onde, durante a
década de 1880 a produção de São Paulo passa a ultrapassar a produção do Rio de Janeiro,
nas palavras de Silva, (1986):
A importância do rápido crescimento da produção e desse deslocamento
geográfico só poderá ser entendida se considerarmos as simultâneas
mudanças ocorridas ao nível das relações de produção. Ao subir os planaltos
de São Paulo, as plantações abandonam o trabalho escravo pelo trabalho
assalariado. Com o trabalho assalariado, a produção cafeeira conhece a
mecanização (parcial, ao nível das operações de beneficiamento do café).
[...] a possibilidade desse deslocamento é determinada pela construção de
uma rede de estradas de ferro bastante importante. Finalmente, o
financiamento e a comercialização de uma produção que atinge milhões de
sacas implica o desenvolvimento de um sistema comercial relativamente
avançado, formado por casas de exportação e uma rede bancária. (SILVA,
1986: 44)
Portanto, para o período de 1850-1870, podemos esboçar o financiamento da cadeia,
da seguinte forma (Figura 5):
Formulação Própria
Figura 5. Esboço do financiamento da cadeia mercantil do café 1850-1870
O financiamento da cadeia mercantil do café de 1850 a 1870, de acordo com a Figura
5, ocorria da seguinte forma: I) do financiamento: a) os comissários usavam de seus próprios
recursos, e/ou, tomavam em seu nome pessoal junto a bancos, e/ou, junto às casas bancárias e
antecipavam recursos, via consignação da safra, aos fazendeiros que os utilizavam para
financiar os nódulos 1, 2, 3 e 4, bem como para outros gastos. Sobre os adiantamentos, os
comissários cobravam juros que eram incorporados na conta corrente que os fazendeiros
mantinham junto a eles. O valor do principal, dos juros e dos demais débitos, era liquidado
com a comercialização do café. Na comercialização, a safra colocada no porto pelo
fazendeiro45, era transferida pelos comissários, por uma comissão de 3% sobre o valor de
venda, aos ensacadores46 e às casas exportadoras. b) os fazendeiros, além dos recursos obtidos
com os comissários, podiam tomar empréstimos junto às casas bancárias47. Estas usavam de
capital próprio, e/ou, de recursos obtidos junto aos bancos, descontando notas promissórias
emitidas contra os fazendeiros. c) Uma ressalva neste fluxo ocorria em situações como a da
família Prado, que, além de grandes fazendeiros, eram comissários de café, donos da Casa de
Exportação Prado-Chaves em Santos, acionistas da Casa Bancária da Província de São Paulo
que viria a se tornar o do Banco do Comércio e da Indústria [Comind], da Caixa Filial do
Banco do Brasil48 que se instalou em São Paulo em 1856 tendo na presidência o Barão de
45 [...] as remessas eram feitas pelos fazendeiros em partidas pequenas. [...] Por isto mesmo, o comissário
constituiu-se numa figura chave dentro do negócio do café, visto que personificou, nos mercados, um número
grande de fazendeiros, enfeixando a soma das quantidades produzidas por cada um deles. Determinou-se assim,
a possibilidade de práticas de comercialização em grande escala. [...] as transações entre comissário e ensacador
eram realizadas englobando vários lotes, de diferentes procedências. Esses ensacadores, que eram realmente os
compradores de café nas praças brasileiras, revendendo-os aos exportadores, trabalhavam com grandes
quantidades de grãos, uniformizando-os, fazendo as ligas, brunindo-os, ou colorindo-os. [assim] Processavam a
adaptação do produto aos interesses e preferências dos compradores estrangeiros. FRANCO, Maria S.C –
Homens Livres na Ordem Escravocrata. Kairós Editora, SP, 1983, pag. 161.
46 Ensacadores – responsáveis por fazer a mistura dos tipos de café, de acordo com o pedido pela Casa
exportadora. As transações entre ensacadores e comissários eram feitas à vista com desconto de ½ %, ou no
prazo máximo de 20 dias sem desconto FRANCO, Maria S.C – Homens Livres na Ordem Escravocrata. Kairós
Editora, SP, 1983, pag. 165. 47 Casa Bancária: O comércio brasileiro, nessa época, era realizado por lojas comerciais ou por caixeiros-
viajantes. Estes faziam a ligação entre os produtores ou importadores de mercadorias, nos grandes centros, e as
lojas do interior do Brasil. Na falta de banco propriamente dito no local, o papel do banco era exercido pelo
correspondente bancário. Para não transportar grandes quantias, os caixeiros juntavam o dinheiro que recebiam
dos comerciantes e o depositavam junto aos correspondentes bancários, que em troca emitiam cheques a serem
descontados nos bancos com os quais trabalhavam. Portanto, a atividade financeira representava apenas mais um
dos departamentos da loja comercial que atuava como correspondente bancário, sendo os demais interesses
comerciais os mais importantes. A diferença entre casa bancária e banco se dava pelo porte do capital com que
operavam e a atividade desta consistia basicamente em depósitos e empréstimos pessoais e comerciais. COSTA,
Fernando N. – Brasil dos Bancos. SP: Editora da Universidade de São Paulo, 2012, pags. 199-201 48 [...] embora a Matriz do Banco do Brasil se situasse no Rio de Janeiro, as suas Caixas Filiais tinham diretorias
com poderes relativamente amplo quanto à sua gestão; [...] Estas Caixas não eram propriamente agências; era
algo que se aproximava de uma federação de Bancos, pois todas desfrutavam de certa faixa de autonomia,
inclusive Estatutos próprios e até suas próprias diretorias, [...] a Caixa Filial de São Paulo podia realizar as
Iguape (Antonio Prado), acionistas de companhias ferroviárias como a Companhia Paulista
(1872), Companhia Mogiana (1875)49. Ou seja, possuidores de grande acumulação de capital,
com negócios diversificados, com melhor capacidade crédito junto ao Banco do Brasil e aos
demais bancos nacionais e estrangeiros, negociavam diretamente com os importadores, e
assim, se sobressaíam com melhores condições e lucratividade no mercado de café. A questão
do financiamento direto pelas grandes casas exportadoras de café será explorada no item 2.2
desta pesquisa. II) da liquidação dos financiamentos: d) os comissários, tendo negociado os
estoques junto aos ensacadores e/ou junto às casas exportadoras, recebiam o valor da
negociação e na sequência procediam a liquidação dos empréstimos obtidos aos bancos ou às
casas bancárias. Os empréstimos das casas bancárias aos fazendeiros eram também
liquidados com a comercialização do café.
Portanto, no período de 1850 a 1870, a principal relação de crédito dos fazendeiros
ocorria com os comissários e eram totalmente instituídas por relações pessoais. Os
comissários introduziram no nódulo da cadeia mercantil do café a negociação em grande
escala. A autora Franco (1983) afirma que:
Assim, parece correto afirmar que, neste elo da cadeia mercantil do café, o
comissário ao controlar os empréstimos aos fazendeiros e a venda dos
estoques de café, dominava os pontos extremos do financiamento no
processo de produção, canalizando para si a valorização ai realizados.
(FRANCO, 1983:165)
Esta relação pessoal só diminuirá frente à exigência de crédito que tendia a crescer
com a “[...] expansão da produção cafeeira, só podia ser alcançada mediante a extensão e
renovação das plantações, através da adição de mais terras [...]”. (Franco, 1983:166).
À medida que a lavoura do café expandia para o Oeste Paulista e do consequente
aumento dos volumes de negócios do café, as somas emprestadas cresceram e passavam a
exigir garantias mais firmes, para contrapor aos riscos mais elevados. A lavoura eleva-se a tal
ponto que torna impossível às firmas comissárias fornecerem o crédito adequado O autor
Perosa (1980) exemplifica bem a pressão por novos financiamentos:
A produção de café no Brasil e, principalmente em São Paulo sofreu uma
elevação gigantesca a partir de 1885. [...] Em 20 anos, a produção paulista
quase quadruplica. Esta enorme produção se torna ainda mais grave no ano
operações características do Banco do Brasil (fazer descontos e empréstimos, receber dinheiro a prêmio), em
particular emitir notas que tinham o privilégio de serem recebidas em repartições públicas. SAES, Flávio A.M.
– Crédito e Bancos no Desenvolvimento da Economia Paulista 1850-1930. IPE/USP, 1956, pag 73. 49 Sobre a Família Prado ver: LEVI, Darrell E. – A Família Prado. Cultura 70 – livraria e editora S/A, SP, 1977.
Ver também SAES, Flávio A.M. – Crédito e Bancos no Desenvolvimento da Economia Paulista 1850-1930.
IPE/USP, 1956.
de 1906, quando uma safra excepcional eleva a produção do estado para
mais de 15 milhões de sacas. (PEROSA, 1980:69)
A pressão por financiamentos recebeu novo impulso em 1888, com a libertação da
mão de obra escrava. O autor Schulz (1996) relata as condições do crédito antes da abolição e
as medidas governamentais que foram adotadas para minimizar as dificuldades econômicas
dos fazendeiros:
Em 1884, à medida que o sentimento emancipacionista crescia, o Banco do
Brasil cessou de dar empréstimos com base em escravos como garantia.
Com cafezais velhos e a terra esgotada, esses agricultores não tinham outra
fonte de crédito. [...] [mas] os cafeicultores do Vale do Paraíba mantinham
considerável influência política. Eles fizeram saber que queriam que o
ministro fizesse alguma coisa para aumentar a disponibilidade de crédito.
Por uma lei de 18 de julho de 1885, o governo liberal institucionalizou a
prática de empréstimo de dinheiro público diretamente aos bancos em
épocas de crise. [...] essa legislação estabeleceu um limite de 25 mil contos,
equivalente a 2,5 milhões de libras por banco e determinou que os bancos
garantissem esses empréstimos com apólices do governo, assegurando assim
que nenhum fundo público seria perdido no processo. [...] em março de
1888, a princesa Isabel indicou João Alfredo Correia de Oliveira como o
novo primeiro-ministro [...]. Em abril [1888] ele tomou um empréstimo em
Londres de 6 milhões de libras [...] para ter fundos em mãos a fim de
resolver qualquer emergência financeira decorrente da abolição. [...] Durante
o mesmo mês da abolição, maio de 1888, o primeiro ministro [...] resolve
emprestar fundos públicos aos fazendeiros por intermédio dos bancos
existentes. [...] Entre agosto e outubro o governo assinou acordos com o
Banco do Brasil e o Banco da Bahia ara emprestar aos fazendeiros uma
quantia que [...] chegou a 18 mil contos, com prazo de seis meses a cinco
anos. O governo empenhou-se em fornecer metade desses fundos isenta de
juros aos bancos que adiantassem uma quantia semelhante e cobrassem 6%
ao ano sobre o total. Os juros [...] cobrados pelos comissários aos
fazendeiros chegavam a cerca de 12%. [...] No orçamento de 1889 [...] João
Alfredo propôs gastar (...) o equivalente a 1 milhão de libras, para promover
a imigração [...] (SCHULZ, John, 1996, pags. 62-72).
A libertação constituiu a mola mais importante para a transferência da lavoura cafeeira
do Rio de Janeiro para São Paulo, pois aquela se apoiava em maior magnitude sobre o braço
escravo sendo que em São Paulo, ações foram tomadas para a obtenção de mão de obra via
intensificação da imigração desde o início da década de 1854. Só em 1888 entraram em São
Paulo 92.086 imigrantes (em 1891 esse número chegou a 108.736).
A abolição da escravatura inseriu novos problemas de financiamento, que alteraram as
relações entre os elos fazendeiros, comissários e exportadores. Antes de 1888, os recursos
financeiros necessários para o custeio da fazenda eram relativamente pequenos, pois a parte
mais significativa deste custeio era representada pela da mão de obra via aquisição de
escravos. A libertação significou a perda de braços escravos e também a necessidade de
realização de enormes investimentos na construção de casas para os novos colonos, como
também uma grande necessidade de capital circulante para o pagamento de salários.
O comissário, até então o principal banqueiro do cafeicultor, também se tornou uma
classe dependente de financiamentos uma vez que não dispunha do capital financeiro
necessário para fazer frente às novas necessidades de financiamento e esta situação quebrou-
lhe o poder de resistência diante das casas exportadoras. 50
Nas palavras de Delfim Netto,
O comissário que, dispondo de capital, podia estocar o produto e realizar
certa regularização da oferta, viu-se diante da necessidade de colocar
imediatamente o produto que lhe chegava às mãos a fim de poder cumprir os
seus próprios compromissos. Essa inversão de papéis deu ao exportador –
geralmente agente de grandes empresas estrangeiras – a capacidade de
comprimir ainda mais os preços do produto. (DELFIM NETTO, 2009:29-30)
Importante considerar que, com a abolição, também viera o auxílio financeiro
governamental através do Banco do Brasil, que realizou empréstimos direto à lavoura,
empréstimos estes que os bancos particulares não estavam dispostos a realizar, prossegue
Delfim Netto (2009:35-6). O autor Schulz (1996) complementa
Os empréstimos para a agricultura deram liquidez à praça do Rio de Janeiro.
Os bancos emprestavam os créditos do governo, por intermédio dos
comissários, aos fazendeiros que [já] tinham dificuldades para cumprir suas
obrigações de curto prazo com o mesmo banco. [sendo assim] Nenhum
dinheiro [novo] ia para os fazendeiros, [ou seja,] com uma canetada
pagavam-se os débitos de curto prazo [em dificuldades para liquidação, e/ou,
já vencidos] e colocava-se em seu lugar uma hipoteca. [...] O resultado
líquido para os bancos que emprestavam foi terem dinheiro e uma hipoteca
no lugar de uma promissória vencida. Esse dinheiro podia então ser
emprestado em qualquer [outra] parte que agradasse ao banco, [...].
(SCHULZ, 1996:79-80)
Com a ampliação da escala de negociação do café, as casas exportadoras, vinculadas
inicialmente aos comissários nas seis primeiras décadas do século XIX, emancipam-se agora,
e representando diretamente os interesses dos importadores ingleses e norte-americanos,
iniciam um novo sistema de compras diretas do produtor do café, sem passar pelo crivo dos
antigos intermediários. 51 A forma de negociação anterior, ou seja, financiamento fornecido
pelo comissário, ou pela casa bancária não desaparecera, entretanto esta forma ficará restrita
aos pequenos fazendeiros de café, ou seja, aos que por não terem acumulação de capital
50 DELFIM NETTO, Antonio – O Problema do café no Brasil, 2009 pags: 28-30. 51 FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro, 4ª edição – São Paulo:
Globo, 2008, pags. 472-3.
suficiente para diversificar suas atividades, ficaram restritos, exclusivamente ao capital
agrário [a chamada lavoura ou fazendeiros do café, portanto, somente como produtores].
Com o aumento do comércio de exportação do café, amplia-se a atuação das casas
exportadoras.
Antes de prosseguimos, vamos apresentar o termo “grande capital cafeeiro” aqui
utilizado. Como mencionado na introdução desta pesquisa, a análise do financiamento da
cadeia mercantil do café envolve fundamentalmente as altas-finanças, portanto, a pesquisa
terá seu foco no ultimo andar – a do capitalismo – da estrutura das três camadas que Fernand
Braudel desenvolveu para a análise da vida econômica. A terceira camada de Braudel – a do
Capitalismo – é a camada dos oligopólios, das trocas desiguais, onde ocorrem as grandes
transações comerciais e financeiras, sendo o capital dotado de mobilidade e flexibilidade que
permite uma liberdade de escolha que não está à disposição da economia de mercado.
Neste contexto, faremos uso, para o estudo do financiamento da cadeia mercantil do
café, o conceito de “capital cafeeiro” de Silva (1976), segundo o autor:
O capital cafeeiro tinha diversos aspectos; ele apresenta ao mesmo tempo as
características do capital agrário do capital industrial, do capital bancário e
do capital comercial. Esses diferentes aspectos, correspondem a diferentes
funções do capital e tendem, [...] a constituírem funções relativamente
autônomas, preenchidas por capitais diferentes [...]. Na economia cafeeira
[...] essas diferentes funções são reunidas pelo capital cafeeiro e não definem
[...] frações de classe relativamente autônomas: não havia uma burguesia
agrária cafeeira, uma burguesia comercial, etc., mas uma burguesia cafeeira
exercendo múltiplas funções. [...] Os grandes capitais – isto é, a camada
superior da burguesia cafeeira – definiam fundamentalmente uma burguesia
comercial [...]. É necessário insistir no fato de que essa divisão não é uma
divisão entre, de uma parte, o capital comercial e, de outra parte, o capital
agrário: os maiores produtores de café, os maiores fazendeiros fazem parte
da camada superior da burguesia cafeeira; as grandes plantações são
propriedades do grande capital. O capital cafeeiro representa a unidade dos
dois, sob a dominação do primeiro. (SILVA, 1986: 54-5)
Ainda segundo Sérgio Silva (1976):
À medida que a economia cafeeira se desenvolve, o papel das casas de
exportação, centralizando a compra de toda a produção, cresce. A
importância dos capitais aplicados nessa esfera de economia esta ligada ao
nascimento dos primeiros bancos brasileiros. As operações comerciais
explicam o nascimento e o desenvolvimento dos bancos. (SILVA, 1986:53)
Portanto ao explorarmos a atuação das casas exportadoras de café, iremos nos
concentrar nas que representaram, direta ou indiretamente, o grande capital cafeeiro.
2.2. As casas exportadoras de café:
Para Grahan, (1973:34) “As atividades comerciais encontravam-se concentradas, de
início nas mãos de estrangeiros – portugueses – proprietários de casas de comércio, e de
comerciantes internacionais britânicos, franceses e norte-americanos [...].”
A tendência dos negócios de exportação de se concentrar nas mãos de apenas algumas
firmas britânicas era “natural”, mas não construtiva. Em vista dos riscos envolvidos, o
pequeno negociante era gradualmente eliminado. Exportadores britânicos tiveram papel
predominante na exportação do café brasileiro, especialmente por causa de sua habilidade em
cercar ou minorar seus riscos, e eles especialmente faziam isto estendendo seu controle sobre
toda a economia exportadora. 52
Os elementos básicos da vida econômica do Brasil estavam nas mãos de grandes
companhias britânicas e a continuação do sistema exportador era seu constante interesse.
Não somente deixavam de se interessar pelos mais novos setores manufatureiros da
economia, mas, facilitando o trânsito internacional do café, auxiliaram o processo de maior
centralização e monocultura ainda característica do Brasil. As casas exportadoras iniciavam
suas atividades no Brasil como importadoras, assim seus lucros eram diretamente transferidos
de um setor para o outro. Exportação requeria importação e a Grã-Bretanha estava mais do
que pronta para suprir esta última, muitas das máquinas agrícolas que estavam sendo cada vez
mais usadas no Brasil eram importadas assim como as roupas e as ferramentas usadas pelos
colonos. 53 Portanto, as casas exportadoras também atuavam como importadores, e assim seus
lucros eram diretamente transferidos de um setor para o outro.
Facilidades de crédito54 era parte importante do complexo importação-exportação, e os
britânicos se apressaram em iniciar as ofertas destes créditos também ao comércio. Logo os
escritórios das casas comerciais e os bancos ingleses começaram a fazer empréstimos, que
possibilitaram o comércio britânico. As casas exportadoras de café, por sua vez,
especialmente depois que principiaram a comprar diretamente dos produtores começaram a
52 GRAHAN, Richard – Grã Bretanha e o Início da Modernização no Brasil 1850-1914, SP – Editora Brasiliense,1973, pags
83-7 53 Ibidem, pag. 88. 54 O surgimento de bancos privados deveu-se às exigências gerais do comércio das províncias. A expansão das
atividades dos bancos prosseguiu ao longo da segunda metade do século XIX, principalmente por iniciativa de
grandes comerciantes. Não havia separação nítida entre as atividades comerciais dos acionistas e a atividade
bancária propriamente dita. No Rio de Janeiro destacavam-se o Banco Rural e Hipotecário do Rio de Janeiro,
criado em 1854, na forma de sociedade anônima, sendo seus acionistas: (o principal) José Pedro de Mota Saião,
(o segundo maior acionista) o Banco do Brasil, e outros, como a Sociedade Bancária Mauá, MacGregor & Cia,
além do Banco Comercial e Agrícola. Tinha como principal operação o desconto de letras com penhor mercantil.
Atendia fundamentalmente às demandas de comerciantes e comissários de café. CAVICCHINI, Alexis; LIMA,
Fernando C. – A História dos Bancos no Brasil – Das casas bancárias aos conglomerados financeiros. Cop
Editora, RJ, 2007, pags. 66-94.
fazer adiantamentos aos fazendeiros ou aos beneficiadores de café das cidades do interior.
Assim, ambas as extremidades da importação-exportação eram lubrificadas pelo crédito
britânico.
Na Figura. 7, apresentamos as principais casas exportadoras do Rio de Janeiro (dados
a partir de 1876/80) e na seguinte, Figura. 8 as principais casas exportadoras de Santos (dados
a partir de 1898/9).
Figura 6. Principais casas exportadoras – Porto R.J – dados: 1876/80 a 1901/5
Fonte: MARTINS, M; JOHNSTON, E. – 150 anos de café, 1992:184.
Figura 7. Porto de Santos: Principais embarcadores 1898/9 a 1905
Fonte: MARTINS, M; JOHNSTON, E. – 150 anos de café, 1992:191.
O grande movimento do porto de Santos chega com a construção da estrada de ferro
São Paulo Railway Co., iniciada em 1860, inaugurada em 1867 e financiada pelos banqueiros
londrinos Rothschild & Irmãos. O comércio do café passa a se firmar no porto de Santos a
partir de 1870. Em 1883, o porto de Santos se tornou o principal porto para exportação de
café, uma vez que a produção de São Paulo, já suplantava a produção do Rio de Janeiro.
Um estudo publicado em 1909 contém a relação das remessas de café através do porto
de Santos entre 1895 e 1906, listadas segundo as companhias exportadoras. As setenta e uma
companhias listadas controlavam 99,2 por cento de todas as exportações de Santos. As vinte
maiores exportavam 87,3 por cento; as dez maiores, 70,6 por cento; e um número pequeno de
firmas, as cinco maiores, controlava 52,7 por cento do principal comércio cafeeiro no porto de
Santos. Nada menos que 18,5 por cento de toda a exportação deste período, foi feita pela
maior de todas – a Theodor Wille & Co. de Hamburgo. Entre as setenta e uma companhias
listadas, dezenove eram brasileiras e das vinte maiores, somente uma, a Prado, Chaves & Co,
era brasileira. As dezenove firmas brasileiras juntas controlavam somente 6,6 por cento de
toda a exportação santista e a Prado Chaves & Co, controlava, aproximadamente, sessenta por
cento de todo o café exportado por firmas brasileiras.55
No conceito de capitalismo de Braudel, as grandes transações comerciais e financeiras
encontram-se na terceira camada – a camada do antimercado, do capitalismo – portanto,
vamos, em relação às casas exportadoras, dar atenção às que se ligaram direta ou
indiretamente a bancos e/ou, estiveram envolvidas com as operações de valorização do café a
partir de 1906, tópico este a ser explorado em capítulo específico.
Neste contexto, dentre as casas exportadoras a destacar, somente uma é de capital
nacional: 1) a Prado Chaves & Co, fundada em São Paulo em 1887 por duas famílias de
fazendeiros – os Silva Prado e os Pacheco Chaves – formaram um grupo familiar nacional de
grandes produtores-comissários-exportadores. A Prado Chaves adquirirá centralidade nas
duas primeiras décadas da Primeira República. Esta casa exportadora inicialmente manteve a
exportação de café para as inter-relacionadas famílias Prado, Chaves, Monteiro de Barros,
Conceição e Portella, gradualmente a companhia tornou-se a mais importante casa, de
propriedade brasileira, de exportação de café no porto de Santos. Entre 1908 e 1923, a Prado
Chaves fundou subsidiárias em Londres, Hamburgo e Estocolmo. Durante a primeira
operação de valorização do café, em 1906, a Prado Chaves tornou-se, nas palavras de Levi
(1974) “uma arma semioficial” do governo do estado de São Paulo, pois imediatamente após
ter sido anunciado o plano de valorização, o governo fez com que a Prado Chaves informasse
seus agentes estrangeiros, da medida planejada para estimular uma imediata alta de preços.
Com o primeiro plano de valorização do café em andamento, em 1907, a Prado Chaves
segurou cerca de dez por cento das oito milhões de sacas de café compradas e estocou-as para
o governo. A Prado Chaves através do banco em que era um dos principais acionistas – Banco
do Comércio e Indústria de São Paulo56 – recebeu o pagamento, segundo Levi (1977) de
55 HOLLOWAY, Thomas H. – Vida e morte do convênio de Taubaté: A Primeira Valorização do Café. Rio de
Janeiro: Paz e Terra (Coleção Estudos brasileiros; v. 31), 1978, pag. 51. 56 Banco do Comércio e Indústria de São Paulo – COMIND: fundado em 19 de dezembro de 1889, através da
transformação da então Casa Bancária da Província de São Paulo – Nielsen & Cia. Seu primeiro presidente eleito
foi o sócio fundador Conselheiro Antonio da Silva Prado. O Banco iniciou suas atividades em 2 de janeiro de
1890, com filiais de Santos e Campinas. Desde 1919 o banco começara a participar das operações de valorização
do café, em colaboração com os governos da União e do Estado de São Paulo, encarregado que foi, por ambos, a
efetuar a liquidação do estoque adquirido pelo Governo de Altino Arantes, o que representou larga margem de
lucros para os dois governos. A partir de 1923, iniciou sua intervenção em operações financeiras externas da
União, do Estado de São Paulo e do Distrito Federal, cabendo-lhe a grande honra de avalizar um crédito de vulto
no mercado de Londres, num momento em que isso se tornou necessário para que o governo da Nação pudesse
solver naquela praça compromissos inadiáveis. Colaborou ainda nas negociações dos empréstimos externos do
Estado de São Paulo, em 1925, ‘926, 1928 r 1930; e no ano de 1928, da Prefeitura do Distrito Federal. Na crise
de 1929, foi realizado no exterior, para a defesa do café, um empréstimo de vinte milhões de libras esterlinas,
tendo sido o Banco do Comércio e Indústria designado, pelos banqueiros financiadores, como seu representante
15.633 contos 57em moeda corrente brasileira referente a esta negociação. 58 2) Theodor Wille
& Cia (T.Wille), empresa alemã, se instala em Santos em 1844, e, a partir de 1875, passa a
negociar café em grande escala, fazendo de Hamburgo o primeiro porto no mercado europeu
do café. Até 1870, dedicava-se principalmente à exportação de algodão e açúcar, passando
depois a se concentrar no café. Em 1896 a T.Wille se torna a detentora do primeiro lugar de
exportação no porto de Santos, mantendo esta posição até 1938, a T. Wille, também operou
como comissários de café, financiando as lavouras da região de Ribeirão Preto se tornando
também proprietária de terras em Araraquara (SP) e de varias fazendas de café, alem de
controlar empresas de energia elétrica e uma indústria têxtil59. A T. Wille foi um dos
principais negociantes envolvidos na primeira operação de valorização do café em 190660; 3)
Edward Johnston &. Co. (E. Johnston), casa de comércio britânica, fundada por Edward
Johnston em 1842 no Rio de Janeiro, tendo como sócios W. Tavares e J. Tavares. No ano de
1881 se estabelece em Santos, agindo como exportadora até 1885, quando um de seus
associados Edward Greene obtém autorização dos sócios de Londres no sentido de ativar a
casa de Santos com contatos no interior. Desta forma, Edward Greene, passa a agir também
como comissário criando, para tal, a The Brasilian Warrant Company que absorveria a
comercialização de café pelo porto de Santos, em 1906, através dos Armazéns Gerais e
Registradora de Santos que passam a ser subsidiárias da The Brasilian Warrant Company,
sediada em Londres, cujo propósito era o de controlar as companhias de armazéns gerais e de
conceder empréstimos aos fornecedores de café61. Em 1925/26, a E. Johnston & Co,
associaram-se a New York Coffee & Sugar Exchange e à Green Coffee Association of New
fiscal até a extinção do empréstimo, missão que durou 25 anos. GUIMARÃES, Mário M, e RIBEIRO,
Benedito – História dos Bancos e do Desenvolvimento Financeiro do Brasil. Ed. Pró-Service, RJ, 1967, pags.
325-6.
O ano de 1923 marca a data de início de sua intervenção em operações financeiras externas, a União Federal, do
Estado de São Paulo e do Distrito Federal; sua colaboração foi também efetiva na representação dos banqueiros
Speyer, Schroder, Rothschild, Baring e White Weld, nas negociações dos empréstimos do Estado nos anos de
1925, 1926, 1928 e 1930. (FONTENLA, 1975:60) 57 Taunay, História do Café, 10, 126, 136,183, apud in LEVI, Darrell E. – A Família Prado. Cultura 70 –
Livraria e Editora S/A, SP, 1977. 58 LOPES, Betralda – Comércio de Café através do Ponto de Santos (1870-1974), in CARONE, Edgard (org) –
O Café. Anais do II Congresso de História de São Paulo. Coleção da Revista de História, São Paulo 1975, pag.
63. 59 LOPES, Betralda – Comércio de Café através do Ponto de Santos (1870-1974), in CARONE, Edgard (org) –
O Café. Anais do II Congresso de História de São Paulo. Coleção da Revista de História, São Paulo 1975, pags.
61-2; e FAUSTO, Boris, – Economia e Finanças nos Primeiros anos da República, Capítulo I – Expansão do
Café e Política Cafeeira, in FAUSTO, Boris (org) – História Geral da Civilização Brasileira – Tomo III – 1º
volume, 4ª edição. São Paulo: editora DIFEL, 1985, 1985, pag. 211. 60 GRAHAN, Richard – Grã Bretanha e o início da modernização no Brasil 1850-1914. Ed. Brasiliense, 1973,
pags. 85-6 61 Ibidem pags. 85-6
Orleans, passando a ter um capital exclusivo norte americano até 194662. Outro ponto a
ressaltar, Charles Johnston, sócio e um dos quatro filhos de Edward Johnston fundador da E.
Johnston & Co., foi um dos fundadores e um dos primeiros diretores do London and Brazilian
Bank que iniciou suas operações no Brasil em 1862 com um capital integralizado de 450 mil
libras63. A empresa também tinha uma participação em uma linha de transporte marítimo e na
Estrada de Ferro Leopoldina; 4) Arbuckle Bros, empresa americana, situada em Pittsburgh.
Em 1859, Charles Arbuckle, seu tio Duncan MacDonald e o amigo William Rosegurg
iniciaram as atividades através do comércio atacadista. Um ano depois John Arbuckle, irmão
mais novo de Charles Arbuckle foi admitido como sócio na empresa. Anos mais tare, Duncan
e William saem da sociedade e os irmãos Arbuckle assumem os negócios. Umas das
inovações que a Arbuckle introduziu no mercado do café, foi a venda em pacote de café
torrado. Esta inovação foi importantíssima, pois até então, o café era vendido em grão verde,
devendo ser torrado nas cozinhas domésticas. Desta forma Arbuckles & Co., introduziu no
mercado no ano de 1865 o café torrado vendido em pequenos pacotes. Já detendo a posição de
grande importador e torrefador de café no mercado norte americano, em 1896 a empresa entra
no negócio do açúcar refinado, pois, juntamente com o café, já eram grandes negociadores de
açúcar.64 No Brasil a casa exportadora Arbuckles Brothers de Santos, ocupava posição de
62 LOPES, Betralda – Comércio de Café através do Ponto de Santos (1870-1974), in CARONE, Edgard (org) –
O Café. Anais do II Congresso de História de São Paulo. Coleção da Revista de História, São Paulo 1975, pag.
62. Sobre E.Johnston & Co. ver: MARTINS, M; JOHNSTON, E. – 150 anos de café, 1992, pag 137-204. 63 David Joslin (1963:73) apud in Levy&Saes (2001), cita um dos negócios do London and Brazilian Bank com a
família Vergueiro de São Paulo – um empréstimo de 200 mil libras ao Comendador José Vergueiro, garantido
pela hipoteca da Fazenda Angélica que tinha cerca de 130 mil quilômetros quadrados. Com estes recursos o
Comendador abriu uma casa bancária em São Paulo. Levy&Saes (2001) destacam o nome de Nicolau de
Campos Vergueiro que esta associado à penetração da lavoura de café no Oeste paulista. As fazendas da família
eram constituídas por cerca de duas dúzias de áreas separadas, totalizando mais de cem quilômetros quadrados.
Em 1817, sementes de café procedentes do Rio de Janeiro foram plantadas em Campinas, mas foi Vergueiro que
em 1828 introduziu a primeira cultura do café em larga escala na sua Fazenda Ibicaba em Limeira, estado de São
Paulo. Vergueiro também abriu uma casa exportadora em Santos que se dedicava ao comércio do açúcar
produzido nos engenhos do Planalto Paulista. Foi também o maior mercador de escravos da Província de São
Paulo. Em 1845, prevendo o gradual declínio da força de trabalho escrava como consequência da proibição do
tráfico africano (efetivado em 1850), Vergueiro iniciou a importação de trabalhadores livres europeus. Ele
próprio como Senador, induziu o Governo Central a inserir no Orçamento do Império uma autorização para
empréstimos de até 200 contos de réis destinados a pessoa que desejassem introduzir imigrantes na lavoura,
assim em 1847, ele recebeu um empréstimo por três anos, sem juros, para cobrir o custo de transporte de ml
imigrantes para a fazenda Ibicaba. LEVY, Maria B. e SAES, Flávio A. – Dívida externa brasileira 1850-1913:
empréstimos públicos e privados. História Econômica & História de Empresas, [S.l.], v. 4, n. 1, jul. 2001, pags.
52-54. 64 UKERS, William H. – All About Coffee. The Tea & Coffee Trade Journal Company, New York, 1935, pags
451-2.
liderança junto com T. Wille, e a E. Johnston & Co. A casa matiz Arbuckles Bros, participou
como um dos principais negociantes na primeira operação de valorização do café em 1906. 65
As casas exportadoras financiavam suas atividades, não somente com o uso do próprio
capital, mas também através do crédito junto a bancos nacionais ou ingleses no Brasil com os
quais mantinham estreitas relações. 66
Na Figura 8, temos o esboço do financiamento da cadeia mercantil do café, a partir da
maior atuação das casas exportadoras junto aos fazendeiros, que, provendo diretamente o
financiamento a estes, diminuíram ou em alguns casos neutralizaram a atuação dos
comissários e das casas bancárias. Os comissários e as casas bancárias não desaparecem, mas
em função da limitação da sua capacidade de financiamento, não conseguiram atender os
grandes produtores em suas necessidades de crédito, ficando seus negócios restritos aos
pequenos fazendeiros café67.
65 HOLLOWAY, Thomas H. – Vida e Morte do Convênio de Taubaté: A primeira Valorização do Café; RJ: Paz
e Terra, 1978, pag. 70. 66 O London and Brazilian Bank Limited, criado em Londres em 1862, tinha entre os nomes dos subscritores e
que constituíram a primeira diretoria do banco, a firma inglesa Edward Johnston & Co, uma das maiores firmas
exportadoras de café do Brasil e de importantes banqueiros privados e da City de Londres. Constavam também
como acionistas inúmeros negociantes, corretores, cavalheiros e banqueiros de maioria inglesa. GUIMARÃES,
Carlos G. – O Estado Imperial brasileiro e os bancos estrangeiros: o caso do London and Brazilian Bank (1862-
1871). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011, pag 5. 67 A pesquisa de Ana Maria Ribeiro de Andrade (1987) revela que o cliente preferencial das casas bancárias era
aquele cuja demanda de crédito não podia ser satisfeita através de empréstimos diretos do Banco do Brasil ou de
outros bancos comerciais privados. A oferta de crédito destas casas bancárias não era composta apenas de
depósitos feitos pelo público, mas, também, de empréstimos obtidos em bancos particulares e no Banco do
Brasil. Parte dos lucros destes estabelecimentos advinha de operações triangulares, ou seja, das diferenças entre
os valores das taxas de desconto pagas pelas casas bancárias aos bancos comerciais e dos altos juros cobrados
dos tomadores de empréstimos. MULLER, Elisa – Moedas e Bancos no Rio de Janeiro no século XIX. Disponível em: www.ie.ufrj.br/.../seminários/.../moedas_e_bancos_no_rio_de_janeiro_no_seculo_xix.pdf., 2004.
Formulação Própria.
Figura 8. Esboço do financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil: 1870-1905
Na Figura 9 a seguir, apresentamos o esboço do fluxo financeiro no exterior, ou seja,
junto aos Bancos nas praças de Nova York e de Londres, sendo Londres o centro hegemônico
e financeiro na época.
Formulação Própria.
Figura 9: Encadeamento espacial do financiamento da cadeia mercantil do café – fluxo financeiro no
exterior, antes das operações de valorização do café de 1906.
A Figura 9 corresponde ao seguinte fluxo: o importador primeiro tinha de ir ao seu
banco para obter uma carta de crédito especificando os termos da transação, as mercadorias a
serem embarcadas e o seguro do transporte. Com a emissão da carta de crédito, o banco do
importador se comprometia a efetuar o pagamento, ao receber a confirmação de que a
transação fora concluída. O banco do importador, então, enviava uma cópia da carta ao banco
em Londres, garantindo o pagamento da fatura, e entregava ao importador o original e uma
cópia da carta de crédito. Na sequência, o importador enviava o original da carta de crédito ao
exportador brasileiro, autorizando-o a fazer o saque no banco de Londres, contra o embarque
do café. Com o original da carta de crédito em mãos, o exportador embarcava o café e, com os
documentos anexados, apresentava o saque contra o banco de Londres ao banco (nacional ou
estrangeiro) em que mantinha suas operações no Brasil. O banco brasileiro poderia comprar
(ou descontar) o saque do exportador. Este ato refletia a expectativa do banco brasileiro de
que o saque seria aceito por um banco inglês de boa reputação e isto significava que o banco
inglês pagaria a quantia especificada quando o saque vencesse. Após descontar o saque, o
banco brasileiro enviava uma cópia do conjunto de documentos ao banco de Nova York e
outra, junto com o saque, para seu banco correspondente em Londres. O correspondente do
banco brasileiro podia manter o saque aceito até o vencimento, quando o apresentaria ao
banco aceitante para pagamento, ou vendê-lo a um terceiro banco. Na prática, outras partes
interessadas seriam não apenas bancos, mas também empresas e indivíduos dispostos a
investir em ativos de curto prazo relativamente seguros. 68
Até este ponto da pesquisa, percorremos os principais caminhos do financiamento da
cadeia mercantil do café no período de 1850 a 1905, sendo que, no período de 1850 a 1870,
temos o estado do Rio de Janeiro como preponderante na produção do café e a produção
escoada, primordialmente, pelo porto do Rio de Janeiro. No período seguinte, de 1870 a 1905,
o estado São Paulo assume a liderança, principalmente com o incremento da produção
cafeeira do Oeste Paulista e o porto de Santos, se torna o principal porto para o escoamento do
café.
Neste período os negócios do café sofrem quatro significativas alterações: 1) alteração
geográfica da produção do café do Rio de Janeiro para o estado de São Paulo, 2) o estado de
São Paulo e o porto de Santos assumem a liderança nas exportações do café, 3) o incremento
da produção, dá uma nova escala nos negócios do café e as necessidades de financiamento se
tornam maiores, 4) em razão deste incremento da produção, as grandes casas exportadoras
ampliam suas atividades e, com comissários próprios, passam a também atuar como
financiadores junto aos fazendeiros.
Paralelamente percorremos o cenário em que se desenvolveu o crédito e como os
bancos, nacionais e estrangeiros, ampliaram sua atuação no mercado brasileiro.
Ao percorrer este cenário, enfatizamos a estreita ligação das principais casas
exportadoras com o mercado financeiro local e estrangeiro. E destacamos a casa exportadora
brasileira Prado & Chaves, onde seus proprietários alem de grandes fazendeiros produtores e
comissários de café, eram acionistas do Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, banco
este que, a partir de 1906, com o início das operações de defesa do café, atuou fortemente
junto ao governo do estado de São Paulo e da União Federal.
Na próxima seção vamos analisar como o grande capital cafeeiro inferiu na
modernização do aparelho estatal em São Paulo, e ampliou seus interesses políticos com o
advento da República.
68 EICHENGREEN, Barry J. – Privilégio exorbitante: a ascensão e a queda do dólar e o futuro do sistema
monetário internacional. RJ: Elsevier, 2011, pag.16.
2.3. Os aspectos políticos no financiamento da cadeia mercantil do café – o advento da
República
O capitalismo só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o
Estado (BRAUDEL, 1985:70).
O nosso interesse nesta seção é a de mostrar a presença do grande capital cafeeiro no
Partido Republicano Paulista e no bloco de poder deste que, com o advento da República,
influi decisivamente na modernização do aparelho estatal em São Paulo.69 A descentralização
ocorrida com a nova forma de governo permite a São Paulo assumir posição de liderança e
alavancar o crescimento dos negócios financeiros, ocorrendo assim, uma maior intersecção
entre processos políticos (estado de São Paulo) e os processos econômicos (cadeias
mercantis).
A maior difusão da cultura cafeeira que se verificou em São Paulo a partir de 1885 e o
advento da República Federativa do Brasil em 1889 imprimiram alterações políticas
importantes tanto para a construção do aparelho regional do estado em São Paulo quanto para
a ampliação das casas bancárias e bancos no Estado de São Paulo com a expansão econômica
propiciada pela cultura do café.
O federalismo proporcionou uma transferência notável de recursos financeiros para a
burocracia regional paulista e a abundância de recursos gerada por uma economia exportadora
em crescimento viabilizou materialmente a expansão do aparelho estatal em São Paulo. O
processo de expansão do aparelho estatal em São Paulo foi construído pelos agentes estatais
paulistas, que sabiam que o funcionamento do Estado dependia estreitamente dos recursos
materiais gerados pela economia exportadora. Estes agentes estatais paulistas, em sua maioria,
estavam presentes no núcleo original que se configurou posteriormente no Partido
Republicano Paulista em 1873 na Convenção de Itu. Oriundos de famílias que, tendo
inicialmente acumulado riquezas com as atividades do tropeirismo e açucareira, ampliaram
sua atuação com a expansão cafeeira no Oeste Paulista e expandiram seus negócios para, além
de grandes fazendeiros e produtores de café, investimentos em ferrovias, casas exportadoras, e
bancos dentre outros. Assim se formou uma fração específica de classe representada pelo
grande capital cafeeiro.
O imposto de exportação sobre o café era a principal fonte da receita ordinária do
Estado brasileiro.
69 O grupo de interesse da cafeicultura presente no aparelho do Estado, não só adquiriu poder de determinar as
políticas referentes ao seu negócio, criando condicionantes de uma estrutura monopolista, num mercado
tipicamente concorrencial, como hegemonicamente acabou por influir na formulação das políticas nacionais
(SAES, 1997:63).
Para uma visão macro do impacto do café na economia brasileira no período de 1850 a
1930, apresentamos na Tabela 3, os seguintes dados da exportação brasileira de café: (1)
Brasil: posição relativa entre os maiores exportadores mundiais de café, (2) Total da
exportação do café do Brasil em dólares sobre o total das exportações mundiais de café, (3)
Total das exportações do café do Brasil em dólares sobre o total das exportações brasileiras, e,
(4) Total das exportações do café do Brasil em dólares sobre o total das importações
brasileiras. Na Figura 12, apresentamos a representação gráfica dos dados das colunas (1)
posição relativa do Brasil entre os maiores exportadores mundiais de café, e, (2) total da
exportação do café do Brasil em dólares sobre o total das exportações mundiais de café da
Figura 11. Na distribuição gráfica da Figura 12, analisaremos a relação da participação das
exportações brasileiras de café em dólar e o comportamento dos preços internacionais, no
período de 1850 a 1905, ou seja, anterior às operações de defesa do café.
Formulação Própria
Tabela 3. Impacto do Café na economia Brasileira: 1850-1930
Fonte: JOHSTON, E. & MARCELINO, Martins – 150 anos de Café, 1992. Pags. 351-356
Formulação Própria
Figura 10. Posição relativa (volume) do Brasil entre os maiores exportadores mundiais de café, e
participação das exportações brasileiras de café sobre o total das exportações mundiais de café (em
dólares).
Fonte: JOHNSTON, E & MARCELINO, Martins – 150 anos de Café, 1992, pags. 351-356
Com base na da Figura 10, temos que a posição relativa do Brasil entre os maiores
exportadores mundiais de café, em volume, representada graficamente pela linha (1), manteve
a participação média de 59% no período de 1855 a 1930, confirmando assim sua posição de
liderança no mercado do café. Na linha (2) do gráfico, temos o total exportado de café pelo
Brasil [em dólar] sobre o total [em dólar] das exportações mundiais de café. Nela observamos
que no período de 1850 a 1905, ou seja, antes das operações de valorização do café, a
participação média foi de 48%, com destaques para os picos em 1864 de 79% e em 1901de
69%. No período de 1906 a 1930, já sob as operações de valorização do café, a participação
média foi de 58%, com destaque para o pico em 1911 de 83%. Para um melhor entendimento
sobre o comportamento dos preços internacionais do café, recorremos à análise de Delfim
Netto (2009) em seu livro “O Problema do Café no Brasil”, que para a questão destaca:
A ascensão do preço a partir de 1857, [...] deve-se, [...] à recuperação da
economia europeia e [...] à infestação das culturas cafeeiras do Brasil pela
elachista cofeela. Outro fator importante [...] foi a lei de extinção do
comércio de escravos de 1850, que limitou a possibilidade de ampliação da
oferta mão de obra nacional por este meio. Com a estabilização da nossa
taxa cambial [...] a melhoria dos preços internacionais do café refletiu nos
preços internos [...] que passaram de mais ou menos 18 mil réis a saca, na
exportação, em 1857 para 27 mil réis, em 1863. As plantações sofreram
grandes estímulos [...]. [...] esse estímulo dos preços somente se refletiria na
produção mais tarde. [...] os estímulos provenientes das altas de preços
internacionais entre 1858 e 1864, [que] elevaram os preços internos em 50%
(enquanto os preços internacionais se elevavam em mais de 60%), provocou
uma expansão ponderável da produção brasileira. Nossas exportações [...] de
1857-60 [...] e do período 1866-69, registraram um aumento superior a 30%.
Em 1868, a produção mundial de café, que vinha crescendo rapidamente e
sem interrupção desde 1863, sofreu uma redução devido a quebra da safra
brasileira e da safra da América Central, fato esse que, combinado com a
expansão [...] do consumo, iniciou um novo ciclo de elevação dos preços no
mercado internacional e que iria durar até 1874. A elevação dos preços
assumiu proporções violentas a partir de 1870, por ocasião de geada que
dizimou uma parcela ponderável dos cafezais paulistas. [...] entre 1868-71 e
[...] 1873-76 [...] os preços internacionais dobraram [...] que haviam estado a
menos de 20 mil réis em 1870-72, passou a quase 40 mil réis. [...] A alta no
mercado internacional terminou em 1874[...]. Os preços [internacionais]
baixaram, mas devido à baixa cambial, [os preços nacionais] mantiveram-se
até 1880, acima de 30 mil réis a saca, [...]. [...] o movimento de baixa
perdurou por mais uma década, [e neste período] assistimos a uma
modificação da estrutura da produção interna, que passou do Rio de Janeiro
para São Paulo, sem elevar [inicialmente] o volume total produzido. O
período de 1868-85, [...] revela, nos primeiros 7 [anos], uma violenta
elevação de preços e, nos 11 [anos] seguintes, uma baixa das mesmas
proporções, a produção e o consumo mundiais não cessaram de crescer, [...]
a uma taxa superior a 3,5% ao ano. [...] os preços reiniciaram em 1886,
uma nova e violenta fase de expansão, que seria o último ciclo
completado pelo mercado cafeeiro sem a intervenção governamental. A
safra de 1887-88 apresentou uma queda de quase 50% sobre a média de
produção vigorado nos 7 anos anteriores. A safra seguinte atingiu 6,5
milhões para, em 1889-90, voltar a 4,6 milhões. Essas enormes flutuações da
oferta, produzidas pelo ciclo próprio do cafeeiro, são um dos elementos
importantes para a explicação das elevações que se processaram entre 1885 e
1890 e que duplicaram o preço internacional do produto. Enquanto os
estoques mundiais se mantiveram abaixo do normal, devido às pequenas
safras brasileiras, os preços internacionais se sustentaram. [...] a partir de
1894 concretizou a tendência de baixa dos preços [sinalizadas desde 1890].
(Delfim Netto, 2009, 18-33, grifo nosso)
Na Figura 11 a seguir, apresentamos os preços médios de importação do café nos
Estados Unidos, no período de 1850 a 1930. Neste gráfico, embasados nos comentários de
Delfim Neto acima, apontamos os ciclos de alta dos preços internacionais, destacando que, o
último ciclo de alta completado pelo mercado cafeeiro antes das operações de defesa do café,
teve início no ano de 1886.
Formulação Própria
Figura 11. Preço médio de importação do café – EUA (FOB) – 1850 a 1930
Fonte: JOHNSTON, E & MARCELINO, Martins – 150 anos de Café, 1992, pag. 333-335.
Para o período que antecede as operações de defesa do café, Delfim Netto (2009:39)
observa que até “[...] a República, as cotações em moeda nacional e os preços internacionais
do café estavam estreitamente ligados. [...] as taxas de crescimento dos preços internos e
externos eram iguais. [...] a comunicação entre o mercado interno e externo era imediata.”
Peláez (1971) em sua análise destaca as políticas monetárias do país que, amenizaram ou
retardaram os impactos da queda do preço internacional a partir de 1895:
Apesar do demorado declínio dos preços do café depois da alta de 1891, as
exportações brasileiras aumentaram substancialmente, [...]. A queda dos
preços do café não influenciou o mercado, como em ciclos anteriores, quando se
restringira a produção. Sem dúvida, os movimentos de preços não são independentes
da produção; [...] Porém, a importância das políticas [monetárias] oficiais no Brasil
não deve ser subestimada. A contínua desvalorização da taxa cambial compensou o
declínio dos preços e manteve, ou talvez até aumentou, a rentabilidade do cultivo de
café, atraindo e conservando os recursos brasileiros na ineficiente produção de café.
[...] O sensível declínio do preço internacional de café, que sobreveio depois de
1895, foi acompanhado, até 1898, por uma desvalorização cambial relativamente
acentuada, embora insuficiente. Porém, depois de 1898 não houve mais
compensações; pelo contrário, o câmbio se valorizou mais ràpidamente do que o
preço do café. Depois de 1901, quando se registrou uma elevação no preço
[internacional] do café, uma segunda alta cambial anulou essa recuperação. [...] Os
produtores [de café] eficientes sofreram sensíveis prejuízos e os ineficientes quase
entraram em falência. O resultado [...] foi a formação de um movimento nacional em
favor da intervenção no mercado cafeeiro. (PELÁEZ, 1971:33-44)
Na Figura 12 a seguir, destacamos a participação do café na receita tributária de São
Paulo de 1889 a 1929.
Figura 12. Participação do Café na Receita Tributária do Estado de São Paulo 1889-1929
Nela observamos que os impostos sobre a exportação do café representaram
aproximadamente 70% da receita total do estado nos primeiros anos da Primeira República.
Sendo a situação de São Paulo excepcional no mercado de exportação do café, este produto
permitiu ao grande capital cafeeiro, constituído principalmente pela sociedade cafeeira
paulista, a agir de forma hegemônica70 durante o período da Primeira República – 1889 a
1930, em prol do seu desenvolvimento econômico e também de transformações políticas de
amplo significado, construindo um aparato institucional voltado a assegurar a chegada desses
recursos aos cofres estatais.
A atuação e participação ativa do grande capital cafeeiro paulista na construção do
aparelho do estado ao longo desse período, correspondeu globalmente aos interesses desta
fração específica da classe dominante. Este processo não foi isento de conflitos, mas em razão
dos interesses econômicos a alta burocracia cafeeira paulista convergiu quanto aos
instrumentos políticos para impor suas orientações na condução das políticas tributária e
cafeeira.
O complexo econômico cafeeiro do Oeste Paulista, como sinônimo da cadeia
mercantil do café, é composto, alem do nódulo principal e predominante que é a cultura do
café, por outros nódulos que direta ou indiretamente estão ligados a ele, tais como: agricultura
– produtora de alimentos; industrial – produtora de sacarias de juta para embalagem do café,
nódulo de produção de equipamentos de beneficiamento de café; nódulo do transporte
terrestre via implantação e desenvolvimento do sistema ferroviário; nódulos de outras o
desenvolvimento de atividades criadoras de infraestrutura, tais como portos e armazéns,
transportes urbanos e comunicações, inerentes à própria urbanização e ao comércio. E
atuando em conjunto, ou separadamente aos nódulos, descritos, temos os nódulos do sistema
bancário e de crédito interno do país que por outros elos se ligam a nódulos dos capitais
forâneos. Além dos elementos citados, temos “[...] a atividade do estado, tanto do governo
federal como do estadual, principalmente pela ótica do gasto público”. (Cano, 1998:33).
Nesta questão, em relação à atividade do Estado, para Immanuel Wallerstein, “[...] um
sistema capitalista requer uma relação muito particular entre os produtores econômicos
(cadeias mercantis) e os que detêm o poder político (Estados nacionais)”. (Wallerstein, 2005:
32-5).
A expansão cafeeira para o Oeste Paulista encontrou uma região economicamente
bastante ativa. A região na época já habitada por um conjunto de famílias portadoras de
riqueza acumulada será responsável pelo início do ciclo econômico mais importante da
economia brasileira até 1930 – o café. Encontramos “[...] nomes como Silva Prado, Souza
70 Usamos aqui o conceito de hegemonia de Poulantzas (1977) em que este exprime a dominação
particular de uma das classes ou frações dominantes em relação a outras classes ou frações dominantes
de uma formação social capitalista. (POULANTZAS, 1977:137 apud SOUZA, 2001: 40).
Queiroz, Vergueiro, Souza Aranha, Paes de Barros, Melo de Oliveira, Pacheco Jordão,
Queirós Telles, Dias da Silva, Driedchsen, Toledo Piza, Ulhôa Cintra, famílias que serão os
realizadores da primeira expansão cafeeira genuinamente paulista.” (Saes, 2010:191). “[...] É
muito provável que muitos deles (se não todos) também realizassem empréstimos a juros
como fonte complementar de renda”. (Saes, 1986: 66).
A expansão do café foi viabilizada principalmente pelos investimentos em ferrovias
feitas pelos próprios fazendeiros que se uniram para fundar as ferrovias do café: Paulista,
Sorocabana, Mogiana e outras menores. “À exceção da Sorocabana, a princípio vinculada à
produção do algodão, as demais estradas de ferros criadas em São Paulo tiveram suas
diretrizes determinadas pelos “caminhos do café” (grifo do autor).” (Perissinotto, 1999.a: 74).
A receita das ferrovias representou uma importante parcela do valor das exportações de café
do Brasil.
“As íntimas relações entre várias famílias do complexo cafeeiro também se repetirá
nos investimentos bancários e na expansão do sistema de crédito em São Paulo, reafirmando a
grande capacidade financeira de seus membros.” (Perissinotto, 1999.a: 78).
Portanto, o complexo cafeeiro era constituído por uma classe de indivíduos cuja
atividade era profundamente diversificada, predominando, porém, a atividade mercantil.
Eram produtores de café, donos de ações de ferrovias, industriais, mas,
sobretudo, exportadores e banqueiros. [...] donos de grandes casas
exportadoras e proprietários dos principais bancos existentes no período, os
agentes econômicos do capital cafeeiro ocuparam posição privilegiada
perante outras frações dominantes, sobretudo subordinando o capital
exclusivamente agrário (a chamada lavoura ou fazendeiros do café,
usualmente identificados como a fração hegemônica pela bibliografia
tradicional) à sua prática mercantil. As políticas econômicas do Estado em
nenhum momento alteraram essa relação de força. Ao contrário, sempre a
reproduziram (PERISSINOTTO, 1999a: 26).
A República, o Partido Republicano Paulista e a elite do complexo cafeeiro de São
Paulo.
A opção pela República da elite paulista foi o meio como o regime federativo atingiu
maior autonomia. Nas palavras de Perissinotto (1994):
A República federativa deveria ser o resultado de uma linha evolucionista
que solaparia as bases da Monarquia e atingiria a autonomia dos estados,
conferindo a São Paulo a liberdade para avançar política e
economicamente. (PERISSINOTTO, 1994:95)
O núcleo original do Partido Republicano Paulista foi o Clube Radical, fundado em
São Paulo em 1868, do qual faziam parte Luís Gama, Américo de Campos, Bernardino de
Campos, Campos Sales, Prudente de Moraes, Francisco Glicério, Martinho Prado Júnior,
Jorge de Miranda, Luís Quirino dos Santos, Jaime Serva, Antônio Lôbo, dentre outros. Em
1870 o Clube Radical mudou o nome para Clube Republicano, aderindo ao Manifesto
Republicano de 3 de dezembro do mesmo ano, publicado pelo jornal A República. Em 1871
como reação à Lei do Ventre Livre, numerosos outros fazendeiros da província de São Paulo
declararam-se republicanos. João Tibiriçá e os irmãos Almeida Prado pleitearam a fusão dos
fazendeiros com os antigos radicais num só partido. Américo Brasiliense, que tinha ampla
estima em ambos os grupos, conduziu o processo. “O Partido Republicano Paulista, surgido
em 1872, nasce, [...] com ideário conservador. A sua luta será a luta das classes dominantes de
São Paulo pela Federação” (Perissinotto, 1994:95). O autor prossegue:
República e Federação tinham um significado específico para o grande
capital cafeeiro, [...]. A autonomia estadual conferia ao grande capital a
possibilidade de consolidar a sua hegemonia em nível regional e,
consequentemente, de conquistar o controle definitivo sobre as políticas
cafeeiras e os negócios estaduais. (PERISSINOTTO, 1994:96)
A presença do grande capital cafeeiro compondo o bloco no poder do Partido
Republicano Paulista vai atuar diretamente na modernização do aparelho estatal em São
Paulo. A definição de bloco no poder incorpora estritamente a luta política entre as classes
dominantes e o conceito de hegemonia, que, tal qual elaborado por Poulantzas, refere-se à
relação de subordinação que se estabelece entre elas:
[...] a um bloco no poder, composto de várias classes e frações politicamente
dominantes. Entre essas classes e frações dominantes, uma delas detém um
papel dominante particular, o qual pode ser caracterizado como papel
hegemônico. Neste segundo sentido, o conceito de hegemonia exprime a
dominação particular de uma das classes ou frações dominantes em relação a
outras classes ou frações dominantes de uma formação social capitalista
(POULANTZAS, 1977:137 apud SOUZA, 2001: 40).
Souza (2001) complementa:
E será por meio do Estado, por meio de seus aparelhos, do jogo de suas
instituições, que os interesses específicos da fração hegemônica
transformam-se em interesse geral das classes e frações dominantes, e o
interesse geral das classes dominantes em interesse geral da Nação (SOUZA,
2001:41).
O grande capital cafeeiro concentrava um número limitado de famílias. Estas não se
limitaram somente a organizar e dirigir as plantações de café. Eram também compradores da
produção do conjunto de proprietários de terras, exerciam as funções de banco financiando o
estabelecimento de novas plantações ou a modernização de seu equipamento, e emprestando
aos fazendeiros em dificuldades.
A importância dos capitais aplicados nessa esfera da economia e as operações
comerciais ligadas a este segmento explicam o nascimento dos primeiros bancos brasileiros.
Encontramos, muitas vezes, os mesmos homens que estão à frente de empresas que
desempenham as funções mais diversas à frente do aparelho de Estado, sejam ao nível
regional (Estado de São Paulo), seja ao nível federal. Toledo Piza e Antonio Prado são dois
exemplos significativos. Ambos eram grandes fazendeiros, proprietários de grandes extensões
de terras destinadas ao café. Prado foi um dos principais personagens e um dos pioneiros da
marcha do café para o Oeste Paulista. Além das fazendas de café, era proprietário de um dos
primeiros e um dos principais bancos de São Paulo e do Brasil – o Banco do Comércio e
Indústria do Estado de São Paulo71; também foi um dos principais dirigentes do Ofício de
Imigração e o mais importante acionista da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, onde
exercia as funções de presidente. Toledo Piza era o proprietário de uma das mais importantes
casas de exportação de Santos e por diversas vezes ocupou o cargo de Secretário da
Agricultura do Estado de São Paulo (SILVA, 1986:53-4).
Para os propósitos políticos, uma característica significativa da população de são Paulo
era o índice de alfabetização, “[...] visto que somente as pessoas alfabetizadas podiam votar”
(Love, 1985: 55). Uma análise do primeiro período republicano em São Paulo revela que:
[...] ao menos nessa unidade da Federação, o advento do novo regime trouxe
mudanças significativas no que se refere à organização do Estado, tanto no
que diz respeito às atividades fazendárias e repressivas (Força Pública,
Polícia civil, Judiciário) como à condução da política cafeeira
(PERISSINOTTO, 2010:208).
Segundo este autor, o intenso processo de modernização do aparelho estatal em São
Paulo pode ser explicado por quatro fatores:
a) uma variável econômica: a expansão da atividade cafeeira desde meados
do século XIX colocou à disposição dos dirigentes paulistas uma enorme
soma de recursos financeiros que pôde ser utilizada para o incremento das
capacidades institucionais do Estado; b) uma variável de natureza
institucional: o federalismo radical propiciado pelo novo regime deu ampla
liberdade para que os recursos gerados pela expansão econômica pudessem
de fato ser coletados pelo poder regional sem que fossem drenados para a
União; c) uma variável de natureza motivacional: o interesse de vários
dirigentes paulistas em fortalecer o aparelho estatal a fim de incrementar o
próprio poder decisório sobre a política econômica cafeeira, retirando-a
assim, do raio de influência da associação de classe ligada ao setor
agroexportador; d) uma variável de natureza jurídica, qual seja, a imposição
de princípios jurídicos igualitários pelos artigos 72 e 73 da Constituição
Federal de 1891, que formaram um novo terreno legal a partir do qual todas
as estruturas administrativas regionais deveriam se enquadrar, e assim,
71 Ver nota de rodapé nº 55
conferiram uma direção modernizadora aos impulsos reformistas dos
dirigentes paulistas. (PERISSINOTTO, 2010:208-9).
A estratégia do Partido Republicano Paulista com a Proclamação da República era, ao
mesmo tempo consolidar seu poder regional e intervir na política federal para garantir a
implantação de reformas que beneficiassem a elite cafeeira paulista.
A importância que a estrutura fazendária tomou aos olhos dos altos burocratas de São
Paulo é expressa na estabilidade que os diretores-gerais do Tesouro paulista tiveram no
exercício de seus cargos.
Ao longo de 41 anos, de 1889 a 1930, esse cargo estratégico de diretor-geral
teve apenas quatro ocupantes, um dos quais esteve vinte anos no posto.
Foram eles Pedro Gonçalves Dente, até 1897, Luiz Gonzaga de Azevedo, até
1917, Teófilo Nóbrega até 1926 e Peregrino de Freitas (interino) até o fim do
período (SALLUN JR e KUGELMAS, l985: 19 apud PERISSINOTTO,
2010:213).
Já o cargo de secretário da Fazenda, cujos titulares eram indicados pelo presidente do
Estado, dado seu caráter político, era naturalmente instável.
Nas palavras de Perissinotto:
[...] isso não significava uma ausência de continuidade entre as orientações
dadas pelos diferentes secretários à política econômica adotada por eles
quando à frente da Secretaria da Fazenda, afinal, o partido a que pertenciam
era o mesmo: o Partido Republicano Paulista (PRP). (PERISSINOTTO,
2010:214).
O Partido Republicano Paulista foi o partido oficial que governou o estado de São
Paulo, ininterruptamente, desde a Proclamação da República, em 1889, até a revolução de
1930.
Neste período o partido exerceu um rígido domínio político junto ao Estado, sendo que
“[...] dos doze presidentes estaduais indicados pelo PRP durante a Primeira República, dez
foram eleitos com 100 por cento dos votos e os outros dois com apenas 98 por cento e 99 por
cento.” (Casalecchi, 1987:271 apud Perissinotto, 2010: 214, nota 10).
Sob a hegemonia do PRP, representante da elite cafeeira paulista, Prudente de Morais
entrega o cargo de Presidente da República a seu sucessor, o liberal-federalista Campos Sales
em 15 de novembro de 1898, que para Saes (2010) realiza:
[...] do ponto de vista econômico, um governo de 1898 a 1902, favorável ao
grande capital cafeeiro (em detrimento à lavoura cafeeira) e, do ponto de
vista político, se baseia na aliança do poder federal com as situações
estaduais (política café com leite) com o objetivo de conseguir a tão desejada
estabilidade interna. (SAES, 2010:203-5).
A política café com leite é mantida incólume até 1909, com o presidente paulista
Rodrigues Alves (1902 a 1906) e o mineiro Afonso Pena (1906 a 1909). A crise na aliança do
poder federal com as situações estaduais (política café com leite) tem início com Nilo
Peçanha, fluminense, que assume a Presidência da República no período de 1909 a 1910, após
o falecimento de Afonso Pena. “As dificuldades em contar com a União como um
instrumento seguro dos seus interesses levariam a burguesia do café a utilizar-se do poder
político em nível estadual, mais do que em qualquer outro período.” (Fausto, 1985:232).
CAPÍTULO 3
AS POLÍTICAS DE VALORIZAÇÃO DO CAFÉ
Neste capítulo vamos analisar as operações de valorização do café e, com foco nas
estruturas de cada uma, objetivamos destacar as interações destas com o capital estrangeiro.
Foram três as políticas de valorização do café durante a Primeira República (1889-
1930). A primeira valorização efetivada em 1906-1914, a segunda efetivada em 1917 e em
1921 ocorreu a terceira. De 1924 a 1930, ocorre a defesa permanente, “[...] a primeira fase da
defesa permanente se realizou ao mesmo tempo em que a terceira operação valorizadora e foi
dela parte integrante” (Delfim, 2009:107).
A primeira valorização e a defesa permanente foram conduzidas diretamente pelo
governo do estado de São Paulo, o que foi possível graças ao federalismo imposto pela
República em 1889. Na primeira valorização o Estado se limitou a operar como agente
coordenador e garantidor dos empréstimos externos que financiaram o esquema. Já a defesa
permanente foi mais complexa. Para Perissinotto (2010):
Para sua execução, [...] foi montado pelo Estado todo um aparato
administrativo, comercial e bancário. [...] [para] organizar um esquema de
defesa que regulasse permanentemente o fluxo de café para o mercado, de
forma a manter sempre uma relação adequada entre a demanda mundial e a
oferta e, por consequência, manter em um nível elevado a quantidade de
divisas e o valor da moeda nacional. Dessa maneira, o Estado manter-se-ia
em condições de arcar com seus compromissos financeiros internacionais e
com suas atividades burocráticas e administrativas cotidianas.
(PERISSINOTTO, 2010: 214-5).
Para chegarmos às operações de valorização do café, e, de como este plano foi
arquitetado, temos que falar do Convênio de Taubaté e em que este foi inspirado. É o que
veremos a seguir.
O Convênio de Taubaté
Se é certo que o problema cafeeiro esteve sempre em discussão, não é menos
certo que foi somente a partir da realização do chamado Convenio de
Taubaté que a possibilidade de intervenção foi seriamente considerada.
(DELFIM, 2009:61)
O Convênio de Taubaté foi inspirado no esquema de valorização proposto em agosto
de 1903 por Alexandre Siciliano, cujos princípios vieram formar a base do programa posto em
prática em 1906. “Siciliano era um imigrante italiano, empresário que havia feito fortuna em
investimentos comerciais e industriais em São Paulo e havia se casado dentro da aristocracia
cafeeira local”. (Holloway: 1978:50). Transcrevemos a seguir a íntegra da proposta de
Siciliano:
Tendo sido demonstrado: a) que o Brasil produz no mínimo 75% do café
consumido no mundo e possui o natural monopólio da produção, isto é, que
é exclusivamente de sua lavoura que depende o excesso ou deficiência do
café nos mercados e, consequentemente, a baixa ou alta das cotações; b) que
tendo sido adotadas no Brasil medidas radicais, que não somente impedem
por muitos anos qualquer aumento na produção, conterão ainda o efeito de
determinar a sua diminuição; c) que o consumo no mundo tem aumentado e
continuará sempre a aumentar de ano para ano; d) que, portanto, dentro de
certo período de tempo limitado (3 a 6 anos) será estabelecido o equilíbrio
nos mercados, entre as quantidades oferecidas e o consumo, ocasionando
com absoluta certeza a alta natural das cotações; e) que o café assim retirado
do mercado pode ser vendido com lucro dentro de muito pouco tempo,
oferecendo, desse modo, seguro e proveitos o emprego de capital aplicado
nessa transação; f) que, se uma suficiente quantidade de café for
imediatamente retirada dos mercados, a alta de preços se dará ao mesmo
tempo; g) que os preços de 75 e 80 francos não afetam de modo algum, em
grau apreciável, as condições do consumo do café e são mais baixos que os
preços médios que prevaleceram nos mercados por longos períodos;
Conclui-se: a) que, com um capital disponível, relativamente não
considerável pode-se efetuar de uma vez e por muitos anos, uma alta
razoável nas cotações do café, de modo a oferecer aos produtores brasileiros
um preço remunerador para as suas futuras colheitas, em benefício geral de
todo o país; b) que o país está habilitado a oferecer aos capitalistas, que
supriremos fundos para o objetivo em vista, perfeita segurança para o seu
dinheiro e um bom lucro em troca dos grandes benefícios que ele assegurará
pela positiva elevação do valor do seu principal artigo de exportação. (PELÁEZ,
1971: 50-51)
Holloway nos oferece um claro resumo do plano apresentado por Siciliano:
[...] seu plano era que o governo deveria entrar em um acordo, em longo
prazo, com um consórcio privado de comerciantes e financistas. O papel do
consórcio seria o de levantar fundos e comprar o excesso da produção a um
preço lucrativo para o plantador, além de tomar para si, o encargo de
armazenar o café por longo tempo. A competição, provocada por esta
transação, elevaria o nível geral de preços sendo que, mesmo o café que não
fosse vendido diretamente para o consórcio, alcançaria bons preços. O papel
do governo seria garantir empréstimos necessários, através da instituição de
impostos sobre o café exportado; da proibição de novas plantações e do
controle das remessas do interior, com sentido de evitar que tais safras
chegassem mais ao porto. O consórcio se desfaria gradualmente, na medida
em que o mercado permitisse e continuaria por alguns anos caso fosse
necessário, até que a oferta e a procura atingissem um ponto de equilíbrio e a
média de preços recuperasse um nível adequado sem a intervenção oficial.
(HOLLOWAY, 1978:50)
Siciliano apresentou seu plano à Sociedade Paulista de Agricultura e levantou
considerável interesse nos círculos oficiais de São Paulo, entretanto o governo do estado não o
levou adiante de imediato. Um dos argumentos contra a valorização na época da proposta de
Siciliano era que esta estimularia a produção em outros países e que o Brasil poderia perder
sua posição internacional. O estado de São Paulo, como o maior interessado na questão,
enviou Augusto Ramos, engenheiro e fazendeiro de café, em missão a outros países
produtores de café. Ramos conhecia em profundidade a indústria do café e tinha acesso a
círculos governamentais. Foi sua a sugestão para a medida de taxação das novas plantações
em 1902.72 Esta medida previa que estado passaria a cobrar uma multa de 2:000$000 réis por
alqueire, multa esta que incidiria sobre qualquer nova extensão da cultura. A medida seria
aplicada inicialmente, de 1902 a 1907, mas foi prorrogada até1912. Entretanto,
O número de pés de café, de 685 milhões em 1901-1902 passou aos 690
milhões [...] o que prova que poucas plantações novas foram efetuadas; mas
as antigas foram mais bem cuidadas [...]. [...] a cultura intensiva tomou o
lugar da extensiva, melhorou seu rendimento, aumentando o número de
cafeeiros em fase produtiva. Assim, logo após a safra de 1901-1902, de mais
de quinze milhões de sacas [...] foram apresentadas sugestões visando [...]
planos de valorização [...]. (CALÓGERAS, 1960:415)
Ramos visitou El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Costa Rica, Colômbia,
Venezuela e o resultado do seu relatório foi favorável à valorização, pois em sua opinião
“Caso a valorização fosse posta em prática, não havia razão para temer a competição dos
demais países americanos produtores. A indústria cafeeira nos países visitados, não tinha
como competir com São Paulo em termos de capitalização, eficiência e produtividade.”
(Holloway, 1978:53)
Mas já em 1902, Delfim Netto destaca que grande parte do estoque já estava
acumulado nos canais de comercialização controlado pelas grandes casas exportadoras, e que,
por conta das dificuldades de crédito, estas [as grandes casas exportadoras] haviam comprado,
por antecipação, uma parcela ponderável da safra. Neste contexto, a resistência [em novos
financiamentos do café] dos grandes exportadores no Brasil eram enormes e estes poderiam
interferir ou até anular qualquer plano de defesa do café.73 “Dificilmente o setor de
comercialização do produto [...] poderia absorver o excedente sem uma indescritível baixa de
preços [...]. Percebe-se, [...] que o problema não se resolveria dentro de uma economia de
mercado [...]”. (Delfim Netto, 2009:57) Para o autor, (2009:63) “O Convênio de Taubaté
representa a origem do tratamento confuso de dois problemas [superprodução do café e a
questão cambial] que, apesar de interdependentes, devem ser tratados cada um de um ponto
de vista. [...] o problema do café era um problema de mercado.” O autor prossegue:
72 HOLLOWAY, Thomas – Vida e Morte do Convênio de Taubaté: A Primeira Valorização o Café. RJ. Ed.Paz
e Terra, 1978, pag. 53 73 DELFIM NETTO, Antonio – O Problema do café no Brasil, 2009 pag.48.
Por vários motivos, a situação da lavoura paulista era mais difícil, do ponto
de vista financeiro, do que a dos demais estados produtores, [...]. [...] em
1906-1907 a situação iria piorar muito mais, pois a safra se antecipou com
uma florada de proporções até então desconhecidas e o Brasil tomou
consciência de que se colheria num só ano, mais café do que o mundo todo
poderia beber. (DELFIM, 2009: 46,52)
Vamos ver mais de perto, o teor do convênio de Taubaté, documento firmado na
cidade de Taubaté, São Paulo, em 25 de fevereiro de 1906, pelos presidentes dos estados de
São Paulo (Jorge Tibiriçá), Rio de Janeiro (Nilo Peçanha) e Minas Gerais (Francisco Antônio
Salles).
No início deste século [séc. XX], a produção cafeeira do Brasil se
concentrava nos estados de São Paulo e Minas Gerais, e os estados de
Espírito Santo e Rio de Janeiro eram produtores marginais. Além disso, a
organização agrícola de São Paulo diferia sensivelmente do resto do país. Os
proprietários de terra paulistas eram atingidos pela baixa no preço do café
mais diretamente do que os de outros estados. Logo, o movimento a favor da
intervenção no mercado surgiu com mais força em São Paulo, estado que
naquela época ocupava posição de relevo no quadro político do Brasil. (PELÁEZ, 1971:52)
A primeira iniciativa de implantação do esquema de valorização do café, foi a
legislação de dezembro de 1905, que levou o Congresso a incluir na lei orçamentária de 1906,
autorização para o governo da República a entrar em entendimentos com os governos dos
estados cafeeiros, no sentido de tomarem medidas para "regular" o mercado cafeeiro,
"valorizar" o produto e promovê-lo no exterior. Para tanto, os governos estaduais tomariam
empréstimos com instituições estrangeiras para garantir as necessidades cambiais. Para
Peláez (1971:52) “Essa legislação preparou o caminho para o Acordo de Taubaté”.
A lei de dezembro de 1905, concedia ao Poder Executivo:
A entrar em acordo com os governos dos Estados cafeeiros para: a) regular o
comércio do café, b) promover a sua valorização; c) organizar e manter um
serviço regular e permanente de propaganda do café, com o fim de aumentar
o seu consumo.
O Governo Federal poderá endossar as operações de crédito que, para esse
fim, fizerem os governos dos Estados interessados, uma vez que sejam
obsevadas as seguintes condições:
a) os Estados assegurarão à União uma garantia em ouro, suficiente para o
serviço de pagamento de juros e amortização do empréstimo;
b) essa garantia terá caráter definitivo para todo o prazo do empréstimo e
não ficará dependendo de leis de efeito anual, revogáveis de um ano para
outro pelo poder legislativo dos Estados;
c) o produto da operação de crédito só poderá ser aplicado a manter um
preço mínimo para o café de exportação, não podendo ser destinado a
empréstimo de qualquer natureza ou adiantamento a lavradores,
comissários e exportadores ou a quem quer que seja, nem desviado pelos
Estados para qualquer outro fim.
d) a importância do empréstimo será depositada no Tesouro Nacional ou
nas Delegacias Fiscais, sendo entregue à medida das necessidades e,
liquidadas as operações, o produto líquido delas será recolhido ao
respectivo depósito;
e) todos os lucros realizados nas operações de valorização serão aplicados à
amortização do empréstimo.
Os estados interessados puseram-se imediatamente em campo e, em 25 de
fevereiro de 1906, seus presidentes assinaram em Taubaté, pequena cidade
do estado de São Paulo, o acordo conhecido pela denominação de Convênio
de Taubaté. (CALÓGERAS, 1960:418)
Calógeras (1960:418) qualifica este documento de “[...] realmente extraordinário do
ponto de vista econômico [...].”
Os Estados contratantes comprometiam-se a manter, [...] durante o primeiro
ano, no mercado nacional o preço mínimo de 55 a 65 francos em ouro ou
moeda corrente, por saca de sessenta quilos de café do tipo 7, de Nova
Iorque. Esse preço poderia ser elevado a 70 francos, segundo as
conveniências de mercado. Os outros tipos teriam preços proporcionais à
escala adotada pela classificação norte-americana. Comprometiam-se os
governos contratantes a dificultar a exportação de cafés de qualidades
inferiores e desenvolver, na medida do possível, seu consumo no Brasil. Foi
criado um serviço de propaganda comum, com a dupla finalidade de ampliar
os mercados consumidores e combater as fraudes e sucedâneos do café. Foi
prevista a criação de tipos nacionais desse artigo, assim como bolsas e
câmaras sindicais de café. A melhoria das qualidades produzidas seria
estimulada pela criação de instalações especiais, destinadas ao tratamento
das safras. Seria instituída uma sobretaxa de exportação, e 3 francos por
saca, que poderia ser aumentada ou diminuída; a limitação das culturas
existentes seria mantida durante dois anos, prorrogáveis mediante acordo. A
sobretaxa seria percebida pela União, o seu produto aplicado nos serviços
dos capitais destinados à execução do acordo; o excedente desse serviço
retornaria aos estados, que o empregariam no pagamento das despesas
resultantes do acordo. Os capitais seriam fornecidos mediante empréstimo de
15 milhões de esterlinos, que o estado de São Paulo ficava encarregado de
negociar, dando como garantia o produto da sobretaxa de 3 francos por saca
e a responsabilidade solidária dos três estados contratantes. Para evitar as
oscilações em papel do valor desse empréstimo em ouro, os 15 milhões
constituiriam o depósito de uma caixa de emissão e conversão a ser criada
pelo Poder Legislativo federal, a fim de fixar o valor da moeda. O produto
da emissão seria empregado na regularização do comércio do café e na
valorização desse produto, ao lado de outros recursos que pudessem ser
criados em lei. O empréstimo só seria concluído após a aprovação de seus
termos pela União e os estados contratantes. No caso de tornar-se necessária
garantia federal, seria ela solicitada de acordo com as estipulações da lei de
1905. (CALÓGERAS, 1960:419-20)
O estado de São Paulo, principal exortador de café, seria o responsável por inspecionar
e organizar o mecanismo administrativo destinado à direção das medidas estabelecidas pelo
Convênio. O árbitro para todas as questões que gerassem desacordo entre os estados seria o
Presidente da República. O convênio entraria em vigor após a aprovação pelo Governo
Federal.
O Governo Federal, não foi favorável à convocação extraordinária do Congresso
Federal para a votação das leis necessárias. Tudo se processava em contrário à Lei de 1905
que previa o endosso da União ao empréstimo a ser tomado pelo estado de São Paulo. “Os
três estados signatários do Convênio, diante da resposta negativa do Governo Federal, e
premidos pela urgência do momento, modificaram o acordo primitivo.” (Calógeras,
1960:421).
Os principais pontos alterados foram:
[...] preço mínimo de 32 francos e máximo de 36 francos por saca de
sessenta quilos de café tipo 7 de Nova Iorque. Esse mínimo poderia ser
alterado mais tarde para 40 francos.[...] as operações de crédito necessárias
seriam efetuadas diretamente pelos três estados sem endosso da União, a
sobretaxa seria mantida [...] para garantir o serviço de pagamentos do
empréstimo. O estado de São Paulo, antes de decidir a operação de crédito,
teria de submeter suas estipulações ao conhecimento e à aprovação dos
estados interessados, bem como à aprovação do Governo Federal [...].
(CALÓGERAS,1960:422)
O Congresso Federal aprovou o acordo nos novos termos pela lei de 6 de agosto de
1906, deixando o artigo relativo à Caixa de conversão reservado para uma futura discussão.
Na hora de executar o plano, verificou-se que seria impossível levantar-se os
15 milhões de libras esterlinas. A situação começou a agravar-se diante da
indiferença tanto dos governos de Minas Gerais e Rio de Janeiro como do
federal, [...]. Diante destes fatos, o estado de São Paulo decidiu empreender,
por sua própria conta, a valorização, obtendo financiamentos por caminhos
inteiramente diferentes dos que até então haviam sido pensados. (DELFIM
NETTO, 2009:64)
Tendo apresentado os antecedentes das operações de valorização, na sequência vamos
analisar detalhadamente como cada uma foi estruturada.
3.1. A primeira operação de valorização do café – 1906-1914
A primeira operação de valorização do café foi composta por vários empréstimos
tomados pelo estado de São Paulo ao longo dos anos de 1906 e 1907, em sua maioria de
vencimento de curto prazo (1 ano). Somente em 1908, o estado de São Paulo conseguiu,
através de um empréstimo de quinze milhões de libras esterlinas, consolidar os
financiamentos contraídos no curto prazo para a primeira operação de valorização do café, e
alongar o vencimento para dez anos (1918).
Vamos a seguir analisar cada empréstimo que fez parte da primeira operação
valorização do café e a sua respectiva estrutura de funding (obtenção de recursos).
Primeiro empréstimo – 1906 – £ 1 MM
Agindo sozinho, em agosto de 1906, o estado de São Paulo, obteve os primeiros
recursos para a compra do café, via uma operação de crédito, com o banco Disconto
Gesselleschaft de Berlim [dada à recusa da Casa Rothschild, financiadores tradicionais do
Brasil], através de sua subsidiária brasileira, o Brasilianische Bank fur Deutschland, pelo
prazo de um ano, no valor de um milhão de libras esterlinas (Figura 13).
Formulação Própria
Figura 13. Primeira operação de valorização do café: primeiro empréstimo: 1906: £ 1 MM
Fontes: DELFIM Netto, Antonio – O problema do café no Brasil, São Paulo: Editora UNESP,
2009; HOLLOWAY, Thomas H. – Vida e morte do convênio de Taubaté: A Primeira
Valorização do Café. Rio de Janeiro: Paz e Terra (Coleção Estudos brasileiros; v. 31), 1978;
JOHNSTON, E. & MARCELINO Martins – 150 anos de Café, 1992; PELAÉZ, Carlos M –
Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café – 1906-1945: Teoria,
Política e Medição. Revista brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 25 (4):5/211, out./dez.
1971.
Como garantia, na operação com o Disconto Gesselleschaft de Berlim, o governo
paulista emitiu bônus do tesouro estadual em valor igual ao do empréstimo. Esses bônus, que
venceriam em primeiro de agosto de 1907, foram vendidos pelo banco na praça de Londres 74.
O empréstimo junto ao Disconto Gesselleschaft foi liquidado com outro obtido com a Casa
Schroeder75.
Segundo empréstimo – 1906 – £ 3 MM
No mesmo mês de agosto [1906] o governo do estado de São Paulo entrou em
entendimentos com Hermann Sielchen, o mais importante comerciante de café na ocasião,
que arquitetou um plano de financiamento do qual participariam um consórcio de banqueiros
e de negociantes internacionais de café. Sielcken, principal sócio da firma Crossman and
Sielcken, havia entrado no mercado nova yorkino em 1880 e que em 1906, juntamente com a
Arbuckle Bros. era uma das duas maiores firmas atacadistas de café dos Estados Unidos
Sielcken era conhecido em Nova York pelo tratamento desumano que
dispensava aos seus competidores e, em São Paulo, por suas manipulações
no mercado e por desrespeito aos brasileiros. Apesar de tudo isso,
desempenhou papel central e decisivo no primeiro programa de valorização
do café (HOLLOWAY, 1978:70).
O acordo resultante com Sielcken representou o abandono do pacto de Taubaté. “[...]
O plano realmente posto em prática tinha poucas semelhanças com o plano original.”
(Holloway, 1978:61). “ Sielcken fez uso de seus contatos nos mercados de diversos países a
fim de reunir um consórcio privado de banqueiros e negociantes.” (ibidem, 71).
Os principais negociantes envolvidos nessa transação foram: Crossman,
Sielcken, Arbuckle Bros e Theodor Wille junto com três companhias
localizadas em Havre, quatro firmas de Hamburgo e além da Wille and Co.,
dois bancos londrinos e um de Hamburgo. (HOLLOWAY,1978:71).
Na operação arquitetada por Sielcken, o consórcio adiantaria oitenta por cento do
capital necessário, e o governo do estado de São Paulo financiaria os vinte por cento restantes,
conforme estrutura da Figura 14.
74 Ibidem, pag. 64 75 Ibidem, pag. 65
Formulação Própria
Figura 14. Primeira operação de valorização do café: segundo empréstimo: 1906: £ 3 MM –
Fontes: CALÓGERAS, J.Pandiá – A Política Monetária do Brasil. São Paulo: Editora
Nacional, 1960; DELFIM Netto, Antonio – O problema do café no Brasil, São Paulo: Editora
UNESP, 2009; HOLLOWAY, Thomas H. – Vida e morte do convênio de Taubaté: A
Primeira Valorização do Café. Rio de Janeiro: Paz e Terra (Coleção Estudos brasileiros; v.
31), 1978; JOHNSTON, E. & MARCELINO Martins – 150 anos de Café, 1992. PELAÉZ,
Carlos M – Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café – 1906-1945:
Teoria, Política e Medição. Revista brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 25 (4):5/211,
out./dez. 1971
Na estrutura da operação [Figura 14], o dinheiro foi adiantado através de empréstimos
ao estado São Paulo com garantia sobre todo o estoque de café comprado durante a operação
mais a sobretaxa de três Francos de ouro a ser cobrada para cada saca exportada. O embarque
do café foi feito pela empresa Wille and Co., através do porto de Santos e o café foi
depositado nos armazéns, de propriedade dos membros do consórcio, nos portos europeus e
norte-americanos. O estado de São Paulo, sendo o proprietário legal do café, pagou aos
membros do consórcio os custos anuais de armazenagem, mais a comissão de três por cento
pelas manipulações iniciais.
Na primeira semana de outubro de 1906, o governo de São Paulo e o consórcio
autorizaram a Theodor Wille and Co. a adquirir café no mercado de Santos, a um preço médio
de sete centavos do dólar por libra. O consórcio para se proteger das alterações no preço
internacional do café, colocou uma condição:
Caso o preço do café no livre mercado subisse a mais de 7 centavos, a Wille
and Co. suspenderia as compras da valorização; se o preço do mercado
caísse para menos de sete centavos, o estado de São Paulo reembolsaria o
consórcio, no valor da diferença entre os sete centavos e o menor preço na
cotação do livre mercado. Deste modo, os membros do consórcio, nunca
adiantariam mais do que 5,6 centavos por libra pelo grão de qualidade média
e, já que o preço do livre mercado estava constantemente abaixo dos sete
centavos, durante o período que as compras da valorização foram feitas, o
consórcio, na realidade, adiantava uma média de menos do que 5,6 centavos
por libra. (HOLLOWAY, 1978:71-72)
Empréstimos no ano de 1907: £ 8 MM
Para que a operação de valorização do café prosseguisse, faltava o estado de São Paulo
aportar sua parte do acordo – vinte por cento do preço de compra, mais os juros e as
comissões. Como este não tinha recursos financeiros, arrendou a um grupo franco-norte-
americano a estrada de ferro Sorocabana Railway Co. Ltd. e usou a renda do contrato como
garantia de um empréstimo de 2 milhões de libras esterlinas tomadas junto aos bancos Société
Genérale e Banco de Paris. Quase ao mesmo tempo, em outubro de 1907, o governo Federal
autorizou a Casa Rothschild a emitir novo empréstimo que seria repassado ao estado de São
Paulo. Os recursos do novo empréstimo, num total de três milhões de libras esterlinas, foi
fornecido por J. Henry Schroeder and Co. de Londres – dois milhões de libras e um milhão de
libras pelo National City Bank of New York (Figura 15). “Conta-se também que Sielcken pôs
duzentas e cinquenta mil libras do seu próprio bolso na parte do empréstimo do National City
Bank.” (Holloway, 1978:73). A empresa Theodor Wille ad Co., na cidade de São Paulo, era o
agente dos banqueiros e o negociador do empréstimo junto aos representantes do governo do
estado de São Paulo.76 As garantias permaneciam as mesmas, ou seja, todo o estoque de café
comprado durante a operação mais a sobretaxa de três Francos de ouro a ser cobrada para
cada saca exportada.
76 HOLLOWAY, Thomas H. – Vida e Morte do Convênio de Taubaté: A Primeira Valorização do Café. RJ: Paz
e Terra, 1978,pag. 73.
Formulação Própria
Figura 15. Primeira operação de valorização do café: terceiro empréstimo: 1907: £ 8 MM
Fontes: CALÓGERAS, J.Pandiá – A Política Monetária do Brasil. São Paulo: Editora
Nacional, 1960; DELFIM Netto, Antonio – O problema do café no Brasil, São Paulo: Editora
UNESP, 2009; HOLLOWAY, Thomas H. – Vida e morte do convênio de Taubaté: A
Primeira Valorização do Café. Rio de Janeiro: Paz e Terra (Coleção Estudos brasileiros; v.
31), 1978; JOHNSTON, E. & MARCELINO Martins – 150 anos de Café, 1992; PELAÉZ,
Carlos M – Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café – 1906-1945:
Teoria, Política e Medição. Revista brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 25 (4):5/211,
out./dez. 1971.
Na Figura 15, temos também a presença do o Banco do Brasil, pois este, através de
financiamento direto ao governo do estado de São Paulo, forneceu recursos complementares
no total de seis milhões de mil réis, com o propósito específico de comprar café de qualidade
entre oito e nove, uma vez que os negociantes importadores não adquiriam este tipo de café.
Empréstimo de consolidação em 1908 - £15 MM
O problema crônico da crise financeira de São Paulo só foi resolvido no final de 1908,
com a negociação de um empréstimo de quinze milhões de libras (Figura18), para a
consolidação da dívida da valorização do café. Nesta operação, a J. Henry Schroeder, de
Londres emprestou dez milhões de libras para o estado de São Paulo, dos quais, dois milhões
foram fornecidos pelo National City Bank, de Nova York. A Société Générale de Paris e o
Banque de Paris et Pays Bas emprestaram os cinco milhões restantes.
Formulação Própria
Figura 16. Primeira operação de valorização do café: empréstimo de consolidação em 1908:
£ 15 MM.
Fontes: CALÓGERAS, J.Pandiá – A Política Monetária do Brasil. São Paulo: Editora
Nacional, 1960; DELFIM Netto, Antonio – O problema do café no Brasil, São Paulo: Editora
UNESP, 2009; HOLLOWAY, Thomas H. – Vida e morte do convênio de Taubaté: A
Primeira Valorização do Café. Rio de Janeiro: Paz e Terra (Coleção Estudos brasileiros; v.
31), 1978; JOHNSTON, E. & MARCELINO Martins – 150 anos de Café, 1992; PELAÉZ,
Carlos M – Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café – 1906-1945:
Teoria, Política e Medição. Revista brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 25 (4):5/211,
out./dez. 1971.
Os recursos tomados em 1908 foram utilizados para pagar os empréstimos da
valorização que ainda estavam correndo, incluindo o capital que os comerciantes de café
haviam adiantado no esquema oitenta/vinte por cento [segunda operação de empréstimo do
ano de 1906].
Concluídas as transações para o empréstimo de consolidação, o consórcio já havia
vendido cerca de um milhão de sacas, em pequenos lotes, do estoque da valorização. O
estoque restante, de seis milhões, novecentas e noventa e quatro mil e vinte sacas, foi
colocado sob o controle de um comitê composto de sete membros, sendo que quatro deles
eram indicados pela Schroeder and Cia., dois pelos bancos franceses e um pelo estado de São
Paulo. Um exame da composição do comitê de sete membros da valorização mostra que as
maiores firmas ainda estavam ativamente envolvidas no negócio. Paulo da Silva Prado, filho
mais velho de Antonio Prado e presidente da Prado, Chaves and Co., a única casa brasileira
que teve participação significativa nas operações da valorização, foi o representante nomeado
pelo estado de São Paulo. Outros membros do comitê eram o Visconde de Touches, de Havre;
Edouard Bunge, da Antuérpia; um representante da Société Générale, de Paris; Barão Bruno
Schroeder da J. Henry Schroeder and Co., de Londres; um representante da Theodor Wille
and Co., de Hamburgo; e Herman Sielcken, de Nova York. Todo e qualquer lucro de futuras
vendas do estoque iria diretamente para o pagamento do empréstimo de quinze milhões de
libras. O representante do estado de São Paulo tinha o poder de veto em decisões que
pudessem afetar as vendas da valorização, e o presidente do Bank of England foi designado
como árbitro máximo em qualquer disputa entre São Paulo e os membros do comitê. Para
garantir que o estado teria rendimentos suficientes para continuar pagando os custos de
armazenamento, seguro e outros gastos de manutenção, os banqueiros estipularam que a
sobretaxa das exportações pelo porto de Santos, deveria ser aumentada para cinco francos por
saca.
Havia mais uma cláusula no acordo do empréstimo para a consolidação que, enquanto
durasse o empréstimo, São Paulo não poderia decretar nenhuma lei concernente ao comércio
cafeeiro, sem antes ter uma permissão expressa do comitê. E a última exigência feita pelos
banqueiros era que o governo federal do Brasil garantisse o empréstimo. O projeto de lei foi
aprovado, tornando-se lei em nove de dezembro de 1908 (Holloway, 1978:81).
Quando São Paulo passou o controle do estoque para as mãos do comitê de sete
membros, os preços começaram a subir. Houve um aumento abrupto nos preços do atacado no
mercado nova yorquino de 1909 a 1912, seguido por um declínio em 1913 e 1914. É muito
difícil determinar exatamente quando o café foi vendido e o tamanho dos lotes e o preço final
obtido. Mas o rápido aumento dos preços provocou uma reação pública e em 1911 o
departamento de Justiça dos Estados Unidos, iniciou uma investigação do Truste do Café,
alegando violação da lei antitruste Sherman, fazendo assim que, algumas manipulações dos
membros do comitê viessem à tona e em meados de 1912 fez uso de pressão legal. O
departamento de Justiça ameaçou confiscar todo o café da valorização de Nova York e
processar Herman Sielcken e outros membros do truste por violação da lei-Sherman.
Entretanto os estoques legalmente pertenciam ao estado de São Paulo e não havia nenhuma
cláusula na lei antitruste de Sherman que permitisse ação legal contra governos estrangeiros.
No início de 1913 Sielcken vendeu os estoques restantes do café da valorização armazenadas
em Nova York para as firmas que já estavam envolvidas no Plano e o comitê finalizou suas
operações nos Estados Unidos.
O empréstimo de consolidação da operação de valorização do café contraído em 1908,
que venceria em 1918, foi liquidado em 1914 e o estoque de 3 milhões de sacas de café
depositados em armazéns europeus (parte da garantia inicial) retornou ao controle do estado
de São Paulo77. Alves como Presidente do Brasil em 1906, havia bloqueado o respaldo federal
do grande empréstimo pretendido pelo acordo original de Taubaté. Durante o período 1912-
1916, voltou como presidente do estado de São Paulo e ao final de 1915 pode proclamar a
total liquidação do empréstimo de quinze milhões de libras esterlinas feitas para a
consolidação em janeiro de 1908.
O pagamento desta enorme dívida transcorreu tão bem, que mesmo depois que o
primeiro plano de valorização havia terminado, São Paulo continuou a recolher a sobretaxa de
exportação e a aplicar seus lucros como garantia para novos empréstimos estrangeiros, tais
como: em 1913, empréstimo de sete milhões e meio de libras esterlinas e em 1914 outro de
quatro milhões e duzentas mil libras, junto à J. Henry Schroeder and Co.78 para refinanciar a
dívida pública do estado (Holloway, 1978:87).
A primeira valorização do café em 1906 exemplifica as vantagens e contradições
potenciais do sistema federal que substituiu, depois de 1889 o império
centralizador (HOLLOWAY,1978:14)
Dentre os julgamentos que Delfim (2009) faz sobre a primeira operação de valorização
do café, citamos:
77 DELFIM Netto, Antonio – O problema do café no Brasil, São Paulo: Editora UNESP, 2009, pag 71. 78 O banqueiro Schroeder, chegou afirmar em 1915 que São Paulo poderia obter empréstimos mesmo no curso
da guerra, por ser produtor de um gênero privilegiado, em condições de gerar recursos suficientes para pagar
seus débitos. (FAUSTO:1985:239)
[...] b) a integração, no esquema de valorização, de quase todos os grandes
capitais interessados no negócio do café facilitou de maneira importante a
operação, pois os predispunha a encará-la como um negócio seu. Sob esse
aspecto, dificilmente poderemos avaliar o pape excepcional desempenhado
pelo gênio financeiro e comercial de Hermann Sielcken. Numa larga medida,
a primeira valorização foi um corner [pressão] executado por capitais
particulares operando por conta do governo. Tratava-se de uma operação
fabulosa, que devia empolgar o espírito do capital aventureiro, afeito do
começo do século; (DELFIM, 2009:83)
Fato a ressaltar também no período da primeira operação de valorização do café foi a
criação, pela lei 1.416 de 14 de julho de 1914, da Bolsa Oficial de Café, “[...] a primeira
grande intervenção do Estado Paulista com o objetivo de regular mais ostensivamente o
comércio do produto responsável pela sua estabilidade financeira e base de sua arrecadação
tributária.” (Perissinotto.a, 1999:156).
3.2. A segunda operação de valorização 1917-20
Antes mesmo que o estoque da primeira operação estivesse inteiramente
liquidado, registrou-se nova intervenção governamental no mercado, devido
às complicações internacionais surgidas com a I Guerra Mundial. Essa
intervenção foi o produto das condições de estagnação a que haviam sido
levadas as exportações durante a guerra. (DELFIM, 2009:83)
O grande movimento de capitais ocorrido antes da guerra oriundos de empresas
particulares e empréstimos públicos fornecia recursos ao Tesouro nacional para realizar as
emissões que cresceram até 1912, entretanto dada às perspectivas de guerra o mercado
externo se contraiu e o governo federal, impossibilitado de recorrer ao crédito exterior,
socorreu-se com as emissões de papel-moeda (que não se verificavam desde 1898).
O estado de São Paulo tomou emprestado do governo federal, 110 mil contos das
novas emissões e comprou cerca de 3,1 milhões de sacas em Santos e no Rio de Janeiro.
Paralelamente havia um acordo com o governo francês, para o fornecimento de 2 milhões de
sacas, o que auxiliou a aliviar a situação. A intervenção por parte do governo do estado de São
Paulo foi feita, pois se esperava uma safra 1917-18 volumosa, quase 15 milhões de sacas,
quando o consumo, devido à guerra, havia caído abaixo desse nível.
A segunda operação de valorização do governo de São Paulo resultou ser
extremamente bem sucedida não pelo fim súbito da guerra, mas principalmente pela lavoura
do café ter sido atingida por geadas de gravidade sem precedente no final de junho de 1918. A
perspectiva de excedente de café foi revertida e com a perspectiva do final da guerra os
importadores retomaram as compras para repor os estoques, elevando os preços à vista do
café tipo Santos 4 de 11 centavos de dólar por libra-peso para mais de 22 centavos em
dezembro de 1918.
Esquematizamos, na Figura. 17 a seguir, a segunda operação de valorização do café:
Figura 17. Segunda operação de valorização do café: empréstimo 1917-1920: emissão interna
de papel moeda. Formulação Própria
Fontes: DELFIM Netto, Antonio – O problema do café no Brasil, São Paulo: Editora UNESP,
2009; JOHNSTON, E. & MARCELINO Martins – 150 anos de Café, 1992; PELAÉZ,
Carlos M – Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café – 1906-1945:
Teoria, Política e Medição. Revista brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 25 (4):5/211,
out./dez. 1971.
Nas palavras de Delfim (2009:89), “Sendo as compras financiadas por emissões de
papel-moeda, isso representou um imposto (sob a forma de inflação) sobre toda a
coletividade, que passou, assim, a assumir o risco da operação”.
O sucesso da valorização de 1917 aumentou a pressão dos interesses cafeeiros junto ao
governo do estado de São Paulo, para obter uma ajuda permanente do governo federal:
Os deputados de São Paulo no Congresso Nacional denunciaram as fortes
perdas que as flutuações de curto prazo da demanda recorrente do café
infligiam à indústria e os amplos lucros especulativos que os importadores
faziam, dada à estabilidade muito maior dos preços do café torrado nos
centros consumidores (Estados Unidos e Europa); criticaram o
comportamento das principais casas exportadoras controladas por
estrangeiros, e demandaram a criação de um esquema permanente para
regular a oferta externa do produto. (JOHNSTON, E. & MARCELINO,
1992: 43)
3.3. A terceira operação de valorização 1921-24
As exportações de café, que em 1919 haviam atingido 13 milhões de sacas,
rendendo 73 milhões de libras esterlinas, reduziram-se a 11,5 milhões, em
1920, rendendo apenas 53 milhões. Como a crise se caracterizava
principalmente por uma redução violenta dos preços, compreende-se que os
operadores do mercado tivessem diminuído as suas compras ao mínimo, de
maneira a transferir o risco da manutenção dos estoques, o que explica a
redução do volume exportado. (DELFIM, 2009:96)
O bom êxito das operações de valorização anteriores dera ao governo federal grande
confiança em sua ação, e no início de 1921, este iniciou a terceira operação de compra de
cafés nos portos de Santos e Rio de Janeiro. Inicialmente, os recursos necessários vieram da
recém-criada Carteira de Redesconto do Banco do Brasil que emitiu o dinheiro necessário
para a aquisição do café – 4,5 milhões de sacas do produto. A rápida intervenção do governo
federal, agora era entendida por duas razões: 1) os bons lucros das operações anteriores
constituíam um estimulante poderoso, diante das dificuldades financeiras permanentes do
governo; 2) agora se consagrava a doutrina de que a defesa dos preços do café era um
problema nacional.
O presidente Epitácio Pessoa, utilizando-se como garantia do café adquirido, levantou
um empréstimo externo de 9 milhões de libras esterlinas (Figura 20). Com esse empréstimo
(da mesma maneira que ocorrera na primeira operação), nomeou-se uma comissão de
banqueiros – Rothschild, Schroeder, um representante da Brazilian Warrant Co79 e um
elemento escolhido pelo governo brasileiro para tratar da liquidação paulatina dos estoques.
Esta operação foi conduzida pelo governo federal e o comando das operações (para
facilitar o contato com os capitalistas estrangeiros) ficou a cargo da Brazilian Warrant Co.,
que possuía todas as ações da Companhia Registradora de Santos, adquirida em 1909, que
funcionava como uma câmara de compensação e ficou com o completo domínio do mercado.
Esta posição, particularmente favorável, permitiu à Brazilian Warrant a tirar vantagens das
operações que realizava, tanto no mercado físico como no mercado a termo. O contrato
externo estipulava, em uma de suas cláusulas, que durante os 10 anos seguintes o governo
79 Brazilian Warrant Co, fundada em 1909, tendo como acionistas a família E. Johnston, e Edward Greene,
criada com o objetivo de oferecer o armazenamento para os plantadores de café e de fazer adiantamentos sobre a
produção. JOHNSTON, E. & MARCELINO Martins – 150 anos de Café, 1992, pag. 212-3.
somente poderia defender o café por intermédio da própria empresa encarregada da venda do
estoque, isto é, a Brazilian Warrant Co. 80
Formulação Própria
Figura 18. Terceira operação de valorização do café: empréstimo: 1921-24: £ 9 MM
Fontes: CALÓGERAS, J.Pandiá – A Política Monetária do Brasil. São Paulo: Editora
Nacional, 1960; DELFIM Netto, Antonio – O problema do café no Brasil, São Paulo: Editora
UNESP, 2009; JOHNSTON, E. & MARCELINO Martins – 150 anos de Café, 1992;
PELAÉZ, Carlos M – Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café –
1906-1945: Teoria, Política e Medição. Revista brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 25
(4): 5/211, out./dez. 1971.
80 DELFIM NETTO, Antonio – O problema do café no Brasil. SP: Ed.UNESP, 2009, pags. 96-9.
Na Figura 18, temos que a intervenção pelo Governo federal foi inicialmente
financiada com o crédito concedido pela Carteira de Descontos do Banco do Brasil. Na
sequência, o Governo tomou o empréstimo de 9 milhões de libras esterlinas com os
banqueiros Rothschild, Schroeder. Este empréstimo consolidou as dívidas da terceira
operação de valorização do café. Os estoques de café desta operação de valorização foram
vendidos em um período relativamente curto. Em fevereiro de 1924, foram vendidos os
últimos estoques. O recolhimento total de sacas de café atingiu pouco mais de 4.500 mil.
A institucionalização do programa de valorização obteve importante estímulo durante
a terceira valorização e acordo com o Presidente Epitácio Pessoa, a única solução duradoura
para o problema do café seria a instituição de uma defesa permanente. 81
3.4. A Defesa Permanente pelo Estado de São Paulo – a plena Intervenção Estatal
A legislação de 1922 que criara o Conselho da Defesa e Controle do Café
preparou o caminho para a institucionalização a sustentação do café. As
tentativas de defesa permanente empreendidas pelo Governo federal foram
limitadas por uma mudança de administração. O Presidente Bernardes opôs-
se às propostas. Consequentemente, a defesa permanente foi transferida para
o estado de São Paulo. (PELAÉZ, 1971:72)
Em novembro de 1924, pela Lei nº 4.868, o presidente da República Arthur Bernardes
passou os encargos da defesa do café e autorizou a transferência dos armazéns reguladores
[construídos junto aos entroncamentos das ferrovias durante a sua presidência para a defesa
permanente] para o Estado de São Paulo. Em dezembro de 1924 foi criado em São Paulo o
Instituto Paulista de Defesa Permanente do Café (IPDPC) denominação inicial do ICESP
(Instituto do Café do Estado de São Paulo). Esta mesma lei autorizou o Executivo estadual a
reformular o contrato então existente com o Banco de Crédito Hipotecário do Estado de São
Paulo82, para fins de concessão de créditos aos fazendeiros. “Esta reformulação permitiu a
81 PELAÉZ, Carlos M – Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café – 1906-1945:
Teoria, Política e Medição. Revista brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 1971, pag. 70. 82 O Banco de Crédito Hipotecário e Agrícola do Estado de São Paulo (BCHASP) foi criado em 7 de junho de
1909 entre a J. Loste & Cie e o governo do Estado de São Paulo. O governo ficou com o direito de nomeação de
um diretor entre cinco, sendo os demais eleitos pelos acionistas, com direito a veto, e de um membro (também
entre cinco) do Comitê de Paris, encarregado da fiscalização da emissão dos títulos financeiros para a admissão à
cotação oficial da Bolsa de Valores de Paris e, se fosse julgado conveniente, de qualquer outra Bolsa de Valores
europeia. A motivação básica para a criação de um banco de crédito agrícola e hipotecário no estado de São
Paulo no final da primeira década do século XX mobilizou, internamente, dois agentes econômicos: os
cafeicultores e o governo estadual. O primeiro necessitava encontrar adiantamento de recursos, antes da venda,
sobre o produto a ser colido (via penhor agrícola) ou então empréstimos com a garantia da propriedade (via
crédito hipotecário), para a autossustentação nos anos de crise. O governo necessitava repassar financiamento
externo para as safras retidas nos armazéns reguladores, dentro das normas da política de valorização do café
iniciada em 1906. Decidiu-se apoiar com a garantia de juros-ouro a concessão à sociedade bancária de maioria
alteração completa dos seus estatutos [...]” (Perissinotto, 2000.a: 191). Este banco criado em
1909 tinha como principais acionistas a Fazenda Estadual e o próprio Instituto do Café [em
conjunto detinham 76,5% do capital] deu origem ao Banco do Estado de São Paulo
(BANESPA) com a função de concentrar as operações de financiamento para a defesa
permanente. Dentre os principais acionistas do Banespa, encontramos nomes por diversas
vezes citados nesta pesquisa, tais como: Antônio da Silva Prado (250 ações), Banco do
Comércio e Indústria – Comind (1000 ações)83, Bento de Abreu Sampaio Vidal (100 ações),
entre outros. 84
A defesa permanente apoiou-se em: 1) na regularização das entradas de café no porto
de Santos, pela limitação dos transportes; 2) em empréstimos a juros módicos sob o café
depositado nos armazéns reguladores85; 3) Na compra de café, em Santos ou no interior,
sempre que necessário, para regular a oferta. Ou seja, o novo esquema de comercialização foi
desenhado para minimizar os custos do governo com a política de defesa, via intervenção
direta no mercado.
Nas palavras de Delfim Netto:
É preciso considerar-se com cuidado a diferença ente essa nova fase a defesa e as
anteriores. Até aqui as intervenções tinham tomado o caráter de medida de
salvação da lavoura [...] eram tomadas já quando a situação do mercado cafeeiro
era suficientemente grave. (...) A defesa realizada dessa maneira, por ser precária,
produzia os seguintes efeitos: 1) Alertava o agricultor de que existia um
desequilíbrio entre a oferta e a procura do produto e que ele, portanto, não deveria
acionista francesa para atuar em crédito agrícola hipotecário. Foi o embrião da atuação estatal
desenvolvimentista no mercado para irrigar com recursos financeiros regiões produtoras agrícolas que a livre
iniciativa particularmente não explorava. Em sua origem, o governo do estado de São Paulo não detinha
nenhuma participação acionária, direta ou indireta. Tratava-se de empreendimento de propriedade privada, a
partir de iniciativa governamental. O estado o incentivava, inclusive através de isenção fiscal, protegia-o,
prestava-lhe benefícios diversos, garantia os juros sobre seu capital e o fiscalizava. [...] vale lembrar que a firma
francesa J. Loste & Cie. para aproveitar as vantagens oferecidas pelo governos paulista, somente tomou a
resolução de incorporar e fundar o banco, com sede na capital de São Paulo, quando tanto o capital de 10
milhões de francos quanto às debêntures, que teriam sua colocação primária na bolsa de valores parisiense para
captar os recursos (40 milhões de francos) necessários à sua atuação, receberam a garantia anual de 6%, ouro,
durante o prazo de trinta anos. COSTA, Fernando Nogueira – Brasil dos Bancos. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2012, pags. 142-3). 83 Ref. COMIND – ver nota 55. 84 PERISSINOTTO, Renato M. – Estado e Capital Cafeeiro em São Paulo (1889-1930). Tomo I. SP.: FAPESP;
Campinas, SP: UNICAMP, 1999, nota de rodapé 112, pag. 192. 85 Os armazéns reguladores do Instituto do Café do Estado de São Paulo (ICESP) eram próprios ou arrendados
pelo Estado de São Paulo. Em 1927, por exemplo, os armazéns Triângulo, Romero e Nazareth, dentre outros,
eram de propriedade do Instituto. O Brasital, Matarazzo, dentre outros, eram arrendados. Uma lista mais
completa pode ser encontrada no balancete do Instituto, de 12 de setembro de 1928, no APJJP, caixa 36. Ver
também, OESP, 23/11/1924: 4. Percebe-se que, diferentemente da primeira valorização, quando o sistema de
armazenagem era todo privado, na defesa permanente do café o Estado tornou-se dono de vários depósitos, o que
lhe possibilitou um controle maior do fluxo de café e da limitação dos embarques, visto que o produto deveria
passar necessariamente pelos reguladores do ICESP para ter a guia que autorizava o despacho.
PERISSINOTO, Renato M. – Estado e capital cafeeiro em São Paulo (1889-1930), Tomo I. SP: FAPESP;
Campinas, SP: UNICAMP, 1999; nota 103, pags. 169-70.
expandir a sua produção. 2) Mostrava aos concorrentes que, a qualquer momento,
ela poderia ser abandonada e os preços cairiam a níveis irrisórios. [...] a ideia da
defesa permanente era o oposto. Em primeiro lugar, é preciso considerar-se que na
década de 1920, mesmo o governo do Estado de São Paulo era, em boa parte,
dominado pelos interesses da classe agrícola, de maneira que, de fato (grifo autor),
o instituto era controlado pelos próprios cafeicultores. (DELFIM, 2009: 108-9)
A defesa permanente do café foi dividida em duas partes, sendo a defesa econômica a
cargo do Instituto do Café do Estado de São Paulo (ICESP) encarregado da fiscalização dos
despachos do café, da arrecadação da taxa de viação, da fixação do preço do produto no
disponível por meio da Bolsa Oficial de Café, da definição de cotas a serem despachadas para
o porto, etc. Já a defesa financeira ficou a cargo do Banco do Estado de São Paulo
(BANESPA), instituição subordinada ao Instituto do Café e por extensão ao Secretário da
Fazenda do estado de São Paulo.
No começo de 1926, o Instituto Paulista do Café tomou um empréstimo de 10 milhões
de libras esterlinas com Lazard Brother Co., casa bancária londrina e a direção do Instituto foi
dada ao Secretário da Fazenda do Estado. Os recursos foram repassados pelo Banco do Estado
de São Paulo, aos produtores, via adiantamentos, com garantia dos documentos de depósito
do café, emitidos pelos armazéns oficiais (warrants) contra a entrega do produto, conforme
Figura 21. O mesmo ocorreu para a safra 1927-28, quando a produção foi de 26,1 milhões de
sacas (quase duas vezes superior à média das últimas três safras) 86 e o Instituto Paulista do
Café, por meio da Lazard Brothers, tomou novo empréstimo de 5 milhões de libras esterlina,
por um ano.
Na Figura 19 a seguir, temos a estrutura dos empréstimos do ano de 1926 e 1927:
86 DELFIM NETTO, Antonio – O problema do café no Brasil. SP: Ed.UNESP, 2009, pag. 115.
Formulação própria
Figura 19. – Defesa permanente – empréstimo de 1926: £ 10 MM e 1927: £ 5MM
Fontes: DELFIM Netto, Antonio – O problema do café no Brasil, São Paulo: Editora UNESP,
2009; PERISSINOTTO, Renato M – Estado e capital cafeeiro em São Paulo (1889-1930).
Tomo I, São Paulo: FAPESP; Campinas, SP: UNICAMP, 1999.a. PELAÉZ, Carlos M –
Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café – 1906-1945: Teoria,
Política e Medição. Revista brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 25 (4):5/211, out./dez.
1971.
Nas palavras de Perissinotto:
Dentro da estratégia governamental de fazer o máximo de ouro com cada
saca de café, sempre tendo em vista o equilíbrio orçamentário, estratégia esta
radicalizada com a defesa permanente, é fundamental insistir no fato de que
o Banespa jogava aí papel essencial. Responsável pela “defesa financeira”
(grifo do autor), ao Banco cabia financiar estoques, sustentando o
mecanismo de retenção das safras, e, por conseguinte, mantendo o preço em
patamares bastante elevados. Como um dos pilares do esquema, não fazia
sentido deixar o Banco fora do controle estatal. Assim, o processo de
estatização do Banespa não se dá por acaso, mas sua consolidação faz parte
de uma estratégia econômica mais ampla, cujo objetivo era tirar do nosso
mais importante produto exportável o e que dele se esperava: o máximo de
ouro possível, com vistas a honrar compromissos internos e ajustar as
finanças externas (grifo do autor). (PERISSINOTTO. a, 1999:195-6)
A crise de 1929 comprimiu violentamente o consumo mundial e o Estado de São
Paulo, impossibilitado de se financiar junto do governo federal, obteve no mercado
internacional, mesmo diante de uma situação caótica de liquidez, os recursos necessários para
a continuação do seu programa de defesa, via um empréstimo de 2 milhões de libras
esterlinas87 junto a um grupo de banqueiros liderados por J. H. Schroeder & Co. Ltd, que já
haviam participado da primeira operação de defesa do café de 1906. Na sequência, em abril
de 1930, São Paulo levantou novo empréstimo de 17 milhões de libras esterlinas (Figura 20),
de um total oferecido de 20 milhões de libras – o chamado State of São Paulo 7% coffee
realization loan of 1930, integralizados por um grupo de banqueiros americanos e europeus
(Schroeder & Co, Baring Bros, Rothschild & Sons e Speyer & Co.). Empréstimo este
garantido por 16,5 milhões de sacas de cafés armazenadas no Brasil e que deveriam ser postas
à venda nos próximos 10 anos. Delfim (2009) destaca que quase a metade deste empréstimo
serviu para consolidar dívidas de curto prazo com os próprios banqueiros e que este novo
empréstimo tirou das mãos do instituto a defesa dos preços do café contribuindo assim para a
rápida decadência deste.
87 Os juros reais – juros nominais, comissões, etc. – alcançaram 18% a 19%, no prazo de 7 meses (FAUSTO,
1985:246).
Formulação própria
Figura 20 – Defesa Permanente – empréstimo de 1929: £ 2 MM e empréstimo de 1930:
£ 17 MM
Fontes: DELFIM Netto, Antonio – O problema do café no Brasil, São Paulo: Editora UNESP,
2009; PERISSINOTTO, Renato M – Estado e capital cafeeiro em São Paulo (1889-1930).
Tomo I, São Paulo: FAPESP; Campinas, SP: UNICAMP, 1999.a.; PELAÉZ, Carlos M –
Análise Econômica do Programa Brasileiro de Sustentação do Café – 1906-1945: Teoria,
Política e Medição. Revista brasileira de Economia, Rio de Janeiro, 25 (4):5/211, out./dez.
1971.
Delfim Netto (2009) conclui que o fim do sistema de defesa por parte do Instituto do
Café do Estado de São Paulo ocorreu em parte por falta de recursos financeiros, e por
questões políticas com o fim da política café com leite – cisão das duas maiores oligarquias
São Paulo e Minas, em meados de 1929 – mas isto não foi o fim de todo o sistema,
prosseguindo sua análise:
O fim da defesa dos preços nos portos, não foi o fim de todo o sistema, pois, se isso
tivesse acontecido naquele momento, em que o Brasil possuía cerca de 20 milhões
de sacas de café e o mercado mundial sofria de uma forte crise, é quase certo que
todo o sistema de comercialização e produção sofreria um colapso de que não se
recuperaria tão cedo, pois ele implicaria a falência da quase totalidade das
empresas nacionais envolvidas no comércio do café e dos bancos particulares que
operavam com o produto. (DELFIM, 2009:119)
Em outubro de 1930, assume o país um novo governo sob o comando de
Getúlio Vargas, e seu interventor em São Paulo, reorganizou o Instituto do Café em janeiro de
1931 e a defesa retorna ao governo federal.
A partir destes eventos, ocorrem alterações que deverão ser estudadas em pesquisa
específica, para a compreensão de como prosseguiu o financiamento da cadeia mercantil do
café durante o Estado Novo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema “financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil” ainda não foi tratado em
toda a sua amplitude sob a abordagem da Economia Política dos Sistemas-Mundo e este é um
dos desafios da presente pesquisa. Dada a novidade, sabemos que há muito a ser desenvolvido
sobre o tema financiamento do café, e entendemos que esta é a pesquisa possível dentro do
prazo para uma dissertação de Mestrado. Assim, sabendo que essa pesquisa não se esgotou e
que ela gera novas perguntas a serem respondidas futuramente, o que nos impele a pesarmos
em sua continuidade, apresentamos a seguir conclusões que são ainda parciais. Contudo
podemos afirmar que o financiamento da cadeia mercantil do café contribuiu de modo
significativo para a consolidação da economia-mundo capitalista.
Nosso objeto de análise – o financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil de
1850 a 1930 – teve como foco a terceira camada da vida econômica de Braudel, ou seja, a
camada do capitalismo. O capitalismo, privilégio de um pequeno número, é impensável sem a
cumplicidade ativa da sociedade. As grandes transações comerciais e financeiras encontram-
se na terceira camada, o antimercado, o capitalismo. Nela o capital é dotado de mobilidade e
flexibilidade que permite uma liberdade de escolha que está acima do controle da economia
de mercado. O esforço capitalista é, portanto, para ultrapassar fronteiras e limites – o que não
ocorre de forma linear e progressiva, obviamente – atingindo uma maximização de lucros.
Retomando as premissas de Wallerstein a análise dos sistemas-mundo é uma
perspectiva contemporânea do mundo social, que torna central o estudo da mudança social de
longo prazo e em larga escala. Os sistemas sociais são sistemas históricos complexos por
consistirem em múltiplas estruturas: cada um deles representa uma rede integrada de
processos econômicos (cadeias mercantis), políticos (Estados Nacionais) e culturais, que tem
uma dinâmica própria e potencial de diferenciação por um lado e por outro as relações entre
os processos e estruturas os mantêm unidos. O que permite a unidade desses processos e
estruturas é a eficácia da divisão do trabalho, que no capitalismo ultrapassa barreiras locais
dadas pelas estruturas culturais e políticas e as barreiras nacionais. E esta eficácia é em função
da riqueza em constante expansão que o sistema capitalista promove. Portanto a divisão
internacional do trabalho, traduzida principalmente pelas diferentes remunerações e
rentabilidades entre os nódulos da cadeia e do capital a partir do centro hegemônico,
condiciona as possibilidades dos demais membros do sistema conduzindo à formação da
periferia e da semiperiferia.
Procedendo a análise do financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil de 1850
a 1930 dentro desta abordagem sistêmica, podemos perceber a amplitude de interesses
internos e externos, conflitantes ou não, que coexistiram no financiamento da cadeia mercantil
do café. Pudemos também, evidenciar – ainda que não tenhamos obtido os dados para
quantificar – as diferentes rentabilidades entre os nódulos da cadeia mercantil e do capital a
partir do centro hegemônico: Londres.
No período de 1850 a 1905, que antecedeu às operações de valorização do café, a
comercialização se concentrava em poucas casas exportadoras estrangeiras e em casas
exportadoras nacionais como a Prado & Chaves de propriedade de famílias de grandes
fazendeiros. Entretanto neste período, o financiamento da cadeia mercantil do café, ocorria
via força financeira dos bancos, das casas exportadoras ou das casas bancárias, conforme a
capacidade de crédito do comissário de café e/ou do próprio fazendeiro. Ou seja, podemos
entender que o financiamento da cadeia mercantil do café ocorria em um livre mercado, mas
ainda assim, pressionado pelas grandes casas exportadoras, já que estas alem do acesso direto
ao mercado de crédito interno e externo, dominavam a ponta compradora do café, condição
esta que lhe permitia atuar com certa ingerência sobre os preços internos.
Vamos rever as principais intersecções que a pesquisa evidenciou.
No capítulo 1 – estabelecemos a conexão entre as fases de expansão material (DM) e
de expansão financeira (MD`) do Ciclo Sistêmico de Acumulação Britânico com os
investimentos realizados no Brasil no período de 1850 a 1930. Esta conexão ocorreu através
de investimentos comerciais e financeiros da Grã-Bretanha que se implantaram de maneira
sólida no conjunto da América Latina, com destaque para a participação de 21,63% do Brasil
nos investimentos britânicos, (Tabela 2.2). Os investimentos Britânicos no Brasil ocorreram
através de empréstimos de portfólio público ao governo Federal, e de investimento direto e de
portfólio privado, (Tabela 2.4). Embora grande parte dos recursos destinados ao governo
Federal fosse utilizada para a cobertura do déficit público, os empréstimos para a construção
de ferrovias compôs a segunda maior destinação dos capitais britânicos no Brasil (Tabela 2.5).
Nestes, destacamos a construção da São Paulo Railway Co. em 1860, ligando o planalto de
São Paulo ao porto de Santos. Os investimentos em ferrovias foram, fundamentalmente, a
válvula propulsora da expansão da lavoura cafeeira para o oeste paulista. Alem destes, temos
a participação dos investimentos ingleses nos serviços portuários, nos serviços urbanos, nos
serviços de iluminação a gás, nas companhias de seguros e nos transportes marítimos onde os
ingleses praticamente monopolizaram este setor de 1866 a 1889.
Portanto, os investimentos britânicos primordialmente impulsionaram a economia do
país no período de 1850 a 1905, que antecedeu às operações de valorização do café. As
operações de valorização do café alteraram significativamente este quadro (analisado em
detalhe no capítulo 3 da pesquisa).
No capítulo 2, com base na Figura 4. Esboço da Cadeia Mercantil do café 1850-1930 x
nódulos do financiamento dos negócios do café, detalhamos, o modus operandi do
financiamento dos negócios do café, dividindo o período de análise da pesquisa (1850-1930)
em duas partes: 1) antes das operações de valorização do café – períodos de 1850-1870 e
1870 a 1905, 2) depois das operações de valorização do café – período de 1906 a 1930”.
Neste período os negócios do café sofreram quatro significativas alterações: 1)
alteração geográfica da produção do café do Rio de Janeiro para o estado de São Paulo, 2) o
estado de São Paulo e o porto de Santos assumem a liderança nas exportações do café, 3) o
incremento da produção, dá uma nova escala nos negócios do café e as necessidades de
financiamento se tornam maiores, 4) em razão deste incremento da produção, as grandes casas
exportadoras ampliam suas atividades e, com comissários próprios, passam também a atuar
como financiadores junto aos fazendeiros.
Os britânicos tiveram papel predominante na exportação do café brasileiro estendendo
seu controle sobre toda a economia exportadora. Como exemplo desta atuação, destacamos a
britânica Edward Johnston & Co. (E. Johnston) que, além de casa exportadora, congregava os
negócios de comissários do café, financiadores dos fazendeiros, proprietários de armazéns
gerais e acionistas do London and Brazilian Bank.
Paralelamente percorremos o cenário em que se desenvolveu o crédito e como os
bancos, nacionais e estrangeiros, ampliaram sua atuação no mercado brasileiro. Mostramos
como ocorria o fluxo de financiamento no Brasil antes e depois da atuação direta junto ao
fazendeiro das grandes casas exportadoras (Figuras 5 e 8) e o fluxo no exterior das operações
de financiamento da cadeia mercantil do café (Figura 9) antes das operações de valorização e
destacamos que Londres era o centro hegemônico e financeiro para as operações da época.
Ao percorrer este cenário, enfatizamos a estreita ligação das principais casas
exportadoras com o mercado financeiro local e estrangeiro. Demos destaque à casa
exportadora brasileira Prado & Chaves, onde seus proprietários alem de grandes fazendeiros
produtores e comissários de café, eram acionistas do Banco do Comércio e Indústria de São
Paulo, banco este que, a partir de 1906, com o início das operações de defesa do café, atuou
fortemente junto ao governo do estado de São Paulo e da União Federal.
Com o advento da República (1889), mostramos a forte presença do grande capital
cafeeiro no bloco de poder do Partido Republicano Paulista e como este influiu decisivamente
na modernização do aparelho estatal em São Paulo. O Partido Republicano Paulista foi o
partido oficial que governou o estado de São Paulo, ininterruptamente, deste a Proclamação
da República, em 1889, até a revolução de 1930. Neste período o Partido Republicano
exerceu um rígido domínio político junto ao Estado, dos doze presidentes estaduais indicados
pelo PRP durante a Primeira República, doze foram eleitos sendo dez deles eleitos com 100
por cento dos votos e os outros dois com 98 por cento e 99 por cento.
No capítulo 2, procuramos assim, corroborar que “O capitalismo é esta forma peculiar
do econômico e, só triunfa quando se identifica com o Estado, quando é o Estado” (Braudel,
1985:70).
O crescente das safras levou à superprodução do café, o estado de São Paulo tomou
medidas paliativas para conter a expansão da lavoura, mas foram medidas de pouco resultado.
A situação de superprodução levou às operações de valorização do café.
No capítulo 3 estudamos em detalhe cada operação de valorização do café. É a partir
destas operações (1906) que iremos observar a redução da presença dos financiadores
britânicos em detrimento de outros (alemães, franceses, americanos), já sinalizando o final da
fase da expansão financeira (MD`) do CSA Britânico.
Para chegarmos às operações de valorização do café e de como este foi arquitetado,
falamos do Convênio de Taubaté e do esquema de valorização proposto por Alexandre
Siciliano que o inspirou. No esquema de valorização apresentado por Siciliano, o governo
deveria entrar em um acordo de longo prazo com um consórcio privado de comerciantes e
financistas. O papel do governo seria o de garantir a operação e a do consórcio de prover os
fundos, comprar o excesso do café a um preço lucrativo para o plantador além de tomar para
si, o encargo de armazenar o café por longo tempo. Quanto ao Convênio de Taubaté,
resumidamente, o governo Federal entraria em acordo com os três principais estados
cafeeiros, e juntos adotariam medidas pertinentes para viabilizar o esquema de valorização.
Ambos, esquema de valorização de Siciliano e Convênio de Taubaté previam preços mínimos
para a compra do café. Na hora de executarem o Convênio, verificou-se a impossibilidade de
levantar o financiamento necessário sem a garantia do governo Federal, que, próximo das
novas eleições, recusou o pedido. O estado de São Paulo, principal produtor do café, premido
pela situação, empreendeu por sua própria conta a valorização, que se aproximou do esquema
proposto por Siciliano somente quanto a “negociar com um consórcio privado de
comerciantes e financistas”. Vejamos:
A primeira operação de valorização do café (1906 a 1914) foi composta por vários
empréstimos tomados pelo estado de São Paulo ao longo dos anos de 1906 e 1907, em sua
maioria de vencimento de curto prazo [1 ano]. Somente em 1908, o estado de São Paulo
conseguiu, através de um empréstimo de quinze milhões de libras esterlinas, consolidar os
financiamentos contraídos no curto prazo para a primeira operação de valorização do café, e
alongar o vencimento para dez anos [1918].
No primeiro empréstimo o governo do estado de São Paulo obteve os primeiros
recursos para a compra do café, via uma operação de crédito, com o banco Disconto
Gesselleschaft de Berlim e como garantia emitiu bônus do tesouro estadual em valor igual ao
do empréstimo.
No segundo empréstimo entrou em entendimentos com Hermann Sielchen, o mais
importante comerciante de café na ocasião, que arquitetou um plano de financiamento do qual
participaram um consórcio de banqueiros e de negociantes internacionais de café. A empresa
de Sielcken, Crossman and Sielcken, juntamente com a Arbuckle Bros. eram as duas maiores
firmas atacadistas de café dos Estados Unidos. Os principais financiadores da operação foram:
Crossman, Sielcken, Arbuckle Bros e Theodor Wille junto com três companhias localizadas
em Havre, quatro firmas de Hamburgo e além da Wille and Co., dois bancos londrinos e um
de Hamburgo. Os embarques do café foram feitos pela empresa Wille and Co. (grande casa
exportadora de café), através do porto de Santos e o café foi depositado nos armazéns, de
propriedade dos membros do consórcio, nos portos europeus e norte-americanos. Os estoques
de café permaneceram de propriedade do estado de São Paulo e este pagou aos membros do
consórcio os custos anuais de armazenagem, mais a comissão de três por cento pelas
manipulações dos estoques até a venda final. Os financiadores para se protegeram da
flutuação de preço impuseram a condição de que caso o preço do café no livre mercado
subisse a mais de 7 centavos, a Wille and Co. suspenderia as compras da valorização; se o
preço do café no mercado caísse para menos de sete centavos por libra, o estado de São Paulo
reembolsaria o consórcio, no valor da diferença entre os sete centavos por libra e o menor
preço do café na cotação do livre mercado. Nestas circunstâncias os financiadores adiantaram
na operação uma média de menos do que 5,6 centavos por libra.
O terceiro empréstimo em 1907 foi composto por: 1) arrendamento da estrada de Ferro
Sorocabana a um grupo franco-norte-americano e com a garantia destes recebíveis o governo
do estado de São Paulo tomou um empréstimo de £ 2 MM com o Société Genérale e com o
Banco de Paris, na sequência o governo Federal tomou com a Casa Rothschild em Londres £
3 MM e repassou à São Paulo, para complementar os recursos mais £ 3 MM foram tomados
diretamente por São Paulo junto à J. Henry Schroeder and Co. de Londres e ao National City
Bank of New York. A empresa Theodor Wille ad Co., na cidade de São Paulo, era o agente
dos banqueiros e o negociador do empréstimo junto aos representantes do governo do estado
de São Paulo.
O empréstimo de consolidação da primeira operação de valorização do café (1906-
1914) foi tomado em 1908 no montante de £ 15 MM. Os financiadores foram a J. Henry
Schroeder, de Londres o National City Bank de Nova York, a Société Générale de Paris e o
Banque de Paris et Pays Bas. Concluídas as transações para o empréstimo de consolidação, o
consórcio já havia vendido cerca de um milhão de sacas, em pequenos lotes, do estoque da
valorização. Nesta operação, aspecto a ressaltar foi que o estoque restante, de seis milhões,
novecentas e noventa e quatro mil e vinte sacas, foi colocado sob o controle de um comitê
composto de sete membros, sendo que quatro deles eram indicados pela Schroeder and Cia.,
dois pelos bancos franceses e um pelo estado de São Paulo. Um exame da composição do
comitê de sete membros da valorização mostra que as maiores firmas estavam ativamente
envolvidas no negócio. Para garantir que o estado teria rendimentos suficientes para continuar
pagando os custos de armazenamento, seguro e outros gastos de manutenção, os banqueiros
estipularam que a sobretaxa das exportações pelo porto de Santos, deveria ser aumentada para
cinco francos por saca. A última exigência feita pelos banqueiros para esta operação foi que o
governo federal do Brasil garantisse o empréstimo.
Diante do detalhamento acima, podemos afirmar que a primeira operação de
valorização do café de 1906 a 1914 – composta em sua totalidade por quatro operações
distintas: duas no ano de 1906, uma em 1907, e a de consolidação em 1908 – realizada
diretamente pelo estado de São Paulo, foi a mais complexa de todas.
A segunda operação de valorização do café 1917-20 não encontrou financiadores no
mercado externo, em razão das condições de mercado contraído dada a primeira guerra
mundial. Neste contexto o governo do estado de São Paulo vendeu parte dos estoques ao
governo Francês, aproximadamente 2 milhões de sacas, e com emissão de papel moeda por
parte do Tesouro, o governo Federal emprestou a São Paulo 110 mil contos para a compra de
3,1 milhões de sacas de café.
A terceira operação de valorização do café de 1921-24 foi conduzida pelo governo
Federal, que tomou um empréstimo de £ 9 milhões de libras esterlinas junto à Casa
Rothschild (Londres) e à J. Henry Schroeder (Londres). A empresa Brazilian Warrant Co.,
cujos acionistas família E. Johnston e família Edward Greene (proprietários de grande casa
exportadora, comissários de café e possuidores de armazéns gerais para a comercialização do
café), ficaram como responsáveis na coordenação da operação junto aos credores. No
contrato, o governo federal somente poderia defende o café por intermédio da Brazilian
Warrant Co. durante os 10 anos seguintes. Esta posição extremamente favorável permitiu à
empresa vantagens sobre as operações que realizava, tanto no mercado físico como no
mercado a termo.
Quanto à defesa permanente, o estado de São Paulo pretendia exercer a intervenção de
uma forma mais ampla. Para tanto, criou toda uma estrutura para o controle pleno da
operação: 1) recebeu do governo federal os armazéns reguladores, 2) criou o Instituto do Café
do Estado de São Paulo, encarregado pela defesa econômica do café (fiscalização dos
despachos do café, arrecadação de taxas, fixação de preços, definição de cotas), 3)
transformou o Banco de Crédito Hipotecário do Estado de São Paulo no Banco do Estado de
São Paulo (BANESPA), responsável pela defesa financeira, instituição subordinada ao
Instituto do Café e por extensão ao Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo.
A defesa permanente foi composta por quatro operações de empréstimos. A primeira e
a segunda realizada pelo Instituto do Café do Estado de São junto ao Lazard Brother Co.
(Londres), sendo uma de £10 MM de libras esterlinas no ano de 1926 e outra no montante de
£ 5 MM de libras esterlinas no ano de 1927. Como garantia foi dado o aval do Governo do
estado de São Paulo mais o depósito de uma taxa de um mil réis ouro, cobrada por cada saca
de café que transitasse pelo estado de São Paulo. A terceira operação da defesa permanente
ocorreu no ano de 1929, quando a crise da Bolsa de Valores de Nova Iorque comprimiu
violentamente o consumo mundial de café. Diante da situação caótica o estado de São Paulo
tomou junto a um grupo de banqueiros liderados por J. Henry Schroeder (Londres) o
montante de £2 MM de libras esterlinas e na sequencia levantou novo empréstimo de £ 17
MM de libras esterlinas de um total oferecido de 20 milhões de libras – o chamado State of
São Paulo 7% coffee realization loan of 1930, integralizados por um grupo de banqueiros
americanos e europeus. O empréstimo de 1930 tirou a defesa dos preços do café do Instituto
do Café do Estado de São Paulo contribuindo assim para a rápida decadência deste.
O que podemos depreender das operações de valorização do café nas diferentes
estruturas de financiamentos apresentadas é que, exceto na segunda operação de valorização
do café 1917-20, em razão da falta de liquidez do mercado dada à Primeira Guerra Mundial,
as demais foram financiadas pelo capital internacional, provido diretamente por negociantes
importadores e banqueiros envolvidos com os negócios do café. Nestes, encontramos as
principais casas importadoras de café tanto dos Estados Unidos quanto da Europa. Em relação
ao consórcio de banqueiros, vemos a presença de bancos Alemães, bancos Franceses, bancos
americanos, sempre capitaneados por bancos em Londres.
As estruturas dos financiamentos previam inúmeras condições que resguardavam o
consórcio de negociantes financiadores quanto à oscilação do preço do café, custos de
armazenamento, e outras taxas. Exceto na segunda operação de valorização do café (1917-
20), os estoques foram sempre monitorados até a venda final pelos negociantes financiadores
e importadores que detinham amplo conhecimento do mercado de café tanto na ponta
compradora quanto vendedora.
A análise sistêmica do financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil no período
de 1850 a 1930 evidenciou que tanto o governo federal como o estado de São Paulo não
detinham autonomia em relação ao funding e às condições financiamento na comercialização
desta commoditie.
Neste contexto, através do conceito de cadeia mercantil, tendo percorrido de forma
detalhada o encadeamento espacial do financiamento dos negócios do café no Brasil de 1850
a 1930 e examinando os diversos tipos e fontes de financiamentos que esta cadeia mercantil
demandou em cada nódulo, vimos que o financiamento da cadeia mercantil do café envolveu,
além do capital financeiro local, o capital estrangeiro oriundo de investidores americanos,
alemães e franceses, formando uma nova rede de negócios financeiros com inúmeras
conexões a outros interesses econômicos localizados em outras partes do mundo. Isto nos leva
a concluir que o tema financiamento tem a sua própria cadeia, a qual esta pesquisa contribui
com uma primeira aproximação.
Por fim, podemos afirmar que no financiamento da cadeia mercantil do café no Brasil
no período de 1850 a 1930, o capital estrangeiro interagiu com predominância no nódulo do
financiamento da comercialização desta commoditie, e foi primordialmente fundamental para
o financiamento das operações de valorização do café. Assim o financiamento dos negócios
do café se caracteriza como transnacional e contribuindo para a consolidação da economia-
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