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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ CAMPUS DE MARECHAL CANDIDO RONDON CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA BÁRBARA JUNG SCHNEIDER A MÚSICA BRASILEIRA NOS PRIMEIROS ANOS DA DITADURA NAS PÁGINAS DA REVISTA VEJA (1968-1973) Marechal Cândido Rondon 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CAMPUS DE MARECHAL CANDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS

COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA

BÁRBARA JUNG SCHNEIDER

A MÚSICA BRASILEIRA NOS PRIMEIROS ANOS DA DITADURA NAS

PÁGINAS DA REVISTA VEJA (1968-1973)

Marechal Cândido Rondon

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ

CAMPUS DE MARECHAL CANDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS

COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA

BÁRBARA JUNG SCHNEIDER

A MÚSICA BRASILEIRA NOS PRIMEIROS ANOS DA DITADURA NAS

PÁGINAS DA REVISTA VEJA (1968-1973)

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Curso de História do

Campus de Marechal Cândido Rondon da

UNIOESTE, como requisito básico para

obtenção do título de Licenciado em

História.

Orientadora: Dra. Carla Silva

Marechal Cândido Rondon

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL

CURSO DE HISTÓRIA

BÁRBARA JUNG SCHNEIDER

A MÚSICA BRASILEIRA NOS PRIMEIROS ANOS DA DITADURA NAS

PÁGINAS DA REVISTA VEJA (1968-1974)

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dra. Carla Luciana Silva (Presidente e Orientadora)

Prof. Juliana Wendpap Batista

Prof. Dr. Rodrigo Pazziani

Marechal Cândido Rondon, 24/02/ 2016.

4

5

6

Gente quer ter voz ativa/ No nosso destino mandar/ Mas

eis que chega a roda-viva/ E carrega o destino pra lá/ [...]

A gente vai contra a corrente/ Até não poder mais resistir/

Na volta do barco é que sente/ O quanto deixou de

cumprir.

Chico Buarque – “Roda Viva” (1967)

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AGRADECIMENTOS

Decidir cursar a universidade, deixar meu emprego, começar uma nova vida, quando eu

já havia começado minha família, decisão difícil, porém vejo agora que foi a mais

acertada. O tempo passou tão rapidamente, agradeço a Deus por ter me iluminado a

tomar minha decisão.

Agradecer, com quem começar. Minha mãe, exemplo de força, virtude, perseverança,

dedicou a sua vida a mim e a meus irmãos, sempre forte mesmo quando a vida se

mostrou extremamente difícil para ela e para nós, com a morte prematura de meu pai.

Mas superou e conosco conseguiu seguir em frente. Mesmo sendo muito jovem nos

incentivou e continua até a hoje a estimular a mim e aos meus irmãos a continuar.

Agradeço por nunca desistir de mim, obrigada mãe, sem você eu não seria quem sou.

Agradeço também aos meus irmãos Lucas e Enéas, por poder contar com vocês sempre

que necessário.

Meu marido Márcio, que sempre esteve ao meu lado em todas as decisões, dedicou-se

inteiramente aos nossos filhos Vitor e Cecília, especialmente nos momentos em que

precisei estar ausente. Amor, isso me fez te admirar ainda mais, com certeza você é tudo

o que eu poderia esperar de um companheiro de toda uma vida. E aos meus filhos, sou

extremamente feliz e realizada por tê-los em minha vida. A chegada de vocês dois

anunciaram um novo caminho a ser seguido por mim, a buscar sempre mais e juntos

conseguiremos ir muito além.

Agradeço a todos os meus colegas e amigos que caminharam comigo durante todo o

curso e os demais que encontrei durante a minha caminhada, Fabiana, Nayara, Elionay,

Luana, Tcheile, Kellin, Nadir, Lucas Fano, sou muito grata e lisonjeada por ter

conhecido a todos vocês.

Agradeço a todos os professores que participaram dee minha formação acadêmica:

Maria José, Marcos Ehrhardt, Marcos Barraca, Vagner, Gérman, Fábio, Scheille,

Terezinha, Osnir, Zen, Tania, Geni, Selma, Édina, Aparecida, Rinaldo, Claudia, Lucas,

Méri, alexandre, Danilo, obrigada por me auxiliarem com seu conhecimento.

Um especial agradecimento para professora e minha orientadora Carla Silva, que esteve

a minha disposição em todos os momentos em que precisei, e foram muitas vezes.

Agradeço por transformar meu trabalho em algo muito mais sutil do que eu previa, sua

calma e paciência me ajudaram tanto quanto o seu conhecimento. Sinto-me grata e

lisonjeada por ter sido sua orientada, certamente sem sua ajuda este trabalho não se

realizaria.

8

RESUMO

SCHNEIDER, Bárbara Jung. A MÚSICA BRASILEIRA NOS PRIMEIROS

ANOS DA DITADURA NAS PÁGINAS DA REVISTA VEJA (1968 – 1974).

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná,

Marechal Cândido Rondon, 2015.

Este trabalho analisa o período da Ditadura Militar (1968-1974), tendo como

problemática a atuação da imprensa escrita, utilizando por fonte a Revista Veja, em

relação aos movimentos artísticos no período, especificamente com as reportagens sobre

as diferentes formas de expressão musical. Para Realiza-lo, busco problematizar, bem

como produzir uma análise dos discursos e posicionamentos da revista Veja ao tratar

dos movimentos musicais durante o período acima referenciado. A hipótese de que na

revista o que ganha destaque são as táticas da indústria cultural e o que se percebeu

foram as tentativas da Veja em pautar as suas reportagens em torno de artistas que

contribuíam diretamente com a crescente indústria cultural e a internacionalização da

música.

Palavras chave: Música; Ditadura; Censura; Grande-Imprensa.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................... 09

CAPÍTULO I – DITADURA CIVIL MILITAR: CONTEXTO,

CENSURA E IMPRENSA

.................................................................................................................

14

CAPÍTULO II – OS FESTIVAIS, OS ARTISTAS E A CENSURA

.................................................................................................................

20

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 49

FONTES ................................................................................................. 51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................ 53

10

INTRODUÇÃO

O presente trabalho de conclusão do curso de História surge do meu interesse em

trabalhar com a música que para mim sempre foi importante, envolvente e também é

algo que me impressiona e comove muito.

Assim como a música, a Ditadura Militar também me é algo curioso, no entanto

trabalhar diretamente com questões que vem sendo hoje muito debatidas,

principalmente com a criação da Comissão da Verdade, para mim seria algo muito

penoso, por não lidar muito bem com o sofrimento alheio.

Após algumas conversas com minha orientadora, a professora e doutora Carla

Silva, discutimos a respeito de minha problemática de trabalho e, cheguei à conclusão

de que seria coerente e estimulante para mim produzir uma análise que permitisse

verificar a forma como a imprensa tratava os “movimentos musicais”. Considerando

que a imprensa é um veículo de comunicação vigente e atuante independente de quais

sejam as formas de governo, mantendo seu posicionando enquanto um espaço

aparentemente apartidário, rotulando para si um posicionamento de “neutralidade”

perante os acontecimentos da sociedade.

Foi de suma importância para a realização deste trabalho, tomar como ponto

inicial a realidade em que o Brasil se encontra hoje, um momento de recuperação e

resgate da memória de um período histórico para nós brasileiros, a partir da criação da

Comissão Nacional da Verdade.

A censura é um dos motivos que mais me causam inquietação, quando

relacionada com o tema por mim estudado, e segundo Carlos Fico: “A censura era um

dos esteios do regime militar brasileiro – juntamente com a propaganda política (...). Foi

amplamente utilizada para impedir a divulgação de temas na imprensa ou para coibir

manifestações artístico-culturais”. (FICO, 2001, p. 166).

Contudo, dentro de um sistema de governo extremamente autoritário o qual

contava com o apoio de forças repressoras que controlavam diretamente a vida da

população, intervindo tanto no âmbito público quanto no privado, como no caso das

manifestações artísticas e musicais, a MPB, o Tropicalismo, contou com compositores e

cantores como Chico Buarque, Caetano Veloso, Elis Regina, Gilberto Gil, Geraldo

Vandré, os quais conseguiram fazer com que suas canções se tornassem “hinos” de

11

protesto contra a Ditadura. Considerando-se que há um “senso comum” na memória que

se lembra da época destes movimentos pelas canções de protesto.

No entanto, vale lembrar, que nem todos os artistas se enquadravam nesta arte

dita engajada. Existem movimentos musicais como a Jovem Guarda, que não mantinha

nenhuma relação com as canções de protesto, configurando uma divisão na Música

Popular Brasileira em dois grupos: os da música tida como participante ou engajada e a

“alienada”, sem participação alguma nas canções de protesto.

A respeito da cultura de protesto, como bem sintetizou o autor Alexandre A.

Stephanou: “A cultura de protesto e a arte engajada buscavam resolver o grande dilema

da intelectualidade: conscientizar, gerar indignação, colaborar para ciar um clima de

revolução, um desejo por mudança”. (STEPHANOU, 2001, p.137).

Este trabalho tem como proposta produzir uma análise baseada na fonte

selecionada, a revista Veja, avaliando qual era a forma como eram representadas as

canções de protesto, e problematizar como a revista trata as diferentes expressões

musicais do período. O que se percebe é que na revista Veja, o que ganha destaque é a

ampliação das táticas da indústria cultural, sobretudo a internacionalização da música,

que vai ser levada adiante por alguns músicos.

O que se tem de concreto é que apesar de toda a força imposta pelo governo, e

suas tentativas de calar a toda e qualquer expressão artística, peças teatrais, livros e

canções, que demonstrasse qualquer indício de protesto ao regime imposto pela

Ditadura, alguns movimentos musicais conseguiram alcançar grandes proporções,

conquistando adeptos dos mais diferentes segmentos da sociedade.

Indivíduos que assim como estes artistas compartilhavam das mesmas

inquietações e inseguranças em relação à Ditadura e que reconheceram o poder dos

manifestos das consideradas como canções de protesto, e através da música buscavam

forças para resistir à repressão imposta pela Ditadura. No entanto, apesar da

significância desse reconhecimento popular do poder da música, esse certamente não

era o eixo das reportagens da revista Veja.

A obra “Sinal Fechado” de Alberto Moby, que trata diretamente da censura no

período do Estado Novo e da Ditadura, demonstra que a Ditadura não poupou esforços

para legitimar o poder do Estado frente às liberdades individuais. Segundo o autor

Carlos Fico, “a censura era um dos esteios do regime militar brasileiro” (FICO, 2001,

p.166), agindo conjuntamente com a propaganda política. De acordo com Fico, a

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censura não foi um recurso utilizado apenas pelos militares, mas também por setores da

sociedade civil, o que nos faz pensar sobre como a imprensa lidava com a censura.

Durante o período do Estado Novo e da Ditadura, as expressões artísticas e

culturais se tornaram alvo direto da censura. A música popular brasileira foi rigidamente

censurada, assim como a imprensa, em especial a imprensa escrita, através da criação e

instalação de órgãos censores, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e

o Departamento de Polícia Federal (DPF), que produziam relatórios enviados

diretamente ao Ministério da Justiça. Segundo Fico: “A censura à imprensa foi tão

sistemática que rotinizou-se e, em muitos casos, acabou sendo absorvida, pelos

jornalistas, como etapa regular dos trabalhos diários da imprensa. A imprensa escrita foi

uma das grandes vítimas da censura.” (FICO, 2001, p.166).

Um dos principais intuitos em censurar as expressões artísticas e culturais, era o

de fiscalizar e impedir que fossem proferidas e disseminadas quaisquer notícias e

comentários que se mostrassem contrários ao regime e suas instituições. As proibições

estavam voltadas para notícias, reportagens, composições de música, peças teatrais,

livros, em resumo sob toda a forma de expressão.

O ano de 1968 foi o início de um período de efervescência das manifestações

artístico-culturais, especialmente a partir do mês de maio, com questões que vão muito

além da política. Ocorreram manifestações de vários grupos, estudantis, feministas,

mulheres, gays, negros, hippies, etc. Sobre o ano de 1968:

Os jovens de 20 ou 25 anos não se contentavam mais em se apossar do

futuro. Com igual paixão, e gestos mais decididos do que os dos seus

predecessores do pós-guerra, eles queriam dominar o presente, e não

só na França. Movida por uma até hoje misteriosa sintonia de

inquietação e anseios, a juventude de todo o mundo parecia iniciar

uma revolução planetária. (VENTURA, 1989, p.26)

Neste sentido, as preocupações por parte do Estado voltaram-se para estas

manifestações artísticos-culturais. Muitos artistas foram considerados a partir de 1968

como “subversivos”. Se enquadrava neste grupo todo o indivíduo que participava da

luta contra o regime imposto da Ditadura Civil Militar e que por consequência disso,

passaram a ser perseguidos pelo regime, especialmente após a promulgação do Ato

institucional nº 5 1 (AI-5) de dezembro de 1968, que acirrou ainda mais a repressão no

1 O AI-5 (Ato Institucional número 5) foi o quinto decreto emitido pelo governo militar brasileiro (1964-

1985). Entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968. Considerado como um golpe duro na democracia

brasileira e que delegou plenos poderes aos militares.

13

país, reproduzindo a violência, censuras, torturas, mortes e desaparecimentos de vítimas

pelos setores repressivos do regime.

Sendo assim, em se tratando de expressão artística, algumas delas representavam

para o Estado uma ameaça direta ao sistema, e seus representantes inimigos diretos do

Estado. Desta forma, como cita a obra “Entre a memória e o esquecimento: estudos

sobre os 50 anos do Golpe Civil-Militar no Brasil” de Carlos Gallo:

A arte, nesse sentido, era compreendida como uma forma de

propaganda política. Através das artes, eram discutidos problemas

sociais brasileiros, propagava-se a ideia de liberdade e experimentação

aos moldes do movimento da contracultura internacional, debatiam-se

as propostas de luta política das esquerdas do país e, ainda, criticava-

se e combatia-se a ditadura. Muitos desses artistas faziam parte de

organizações armadas ou de partidos de esquerda e refletiam em suas

produções suas formações políticas. (GALLO, 2014, p. 91)

Nesse momento, trago para a discussão a cobertura da imprensa escrita a

respeito desses movimentos de expressões musicais, quais eram as discussões trazidas

em suas publicações, tendo por fonte a Revista Veja, disponíveis em acervo on-line, que

durante o recorte temporal deste trabalho - 1968-1974 - mantinha em suas edições,

matérias voltadas diretamente para a música. Durante o processo de triagem e seleção

das matérias, as reportagens e suas informações muito contribuíram para minha

percepção e compreensão de que os discursos que a revista traz.

Para a realização deste trabalho, a fonte selecionada foi a Revista Veja, um

veículo de comunicação impressa, que tem publicações semanais a partir do ano de 11

de setembro 1968, ano da publicação da edição de Nº1. A revista é pertencente ao grupo

da Editora Abril, de propriedade da família Civita. Trata de temas variados abrangendo

questões políticas, econômicas e culturais. É reconhecida como sendo a maior revista

em termos de circulação em âmbito nacional, com tiragem superior a um milhão de

cópias, sendo a maioria delas mediante assinatura. A revista Veja, faz parte da grande

imprensa, mantendo um posicionamento velado alinhado à direita política.

No entanto, ao produzir uma análise a respeito da imprensa, é necessário que se

tenha certa prudência e cautela, como por exemplo, atentarmos que os discursos

apresentados por ela representam posicionamentos ideológicos que influenciam

diretamente no conteúdo das matérias publicadas. Sendo assim, em minha pesquisa

trabalho com a problemática de análise dos discursos deste veículo de comunicação, a

revista Veja, em relação aos movimentos musicais, dialogando com matérias que tratem

14

da música enquanto um campo da arte engajada com a política no contexto nacional e

internacional ou como mais um produto da crescente indústria cultural, buscando

perceber se a revista visualiza a produção artística dos compositores e cantores da MPB

como um produto apenas ou como música de protesto.

O decorrer de minha pesquisa se realizou com uma primeira etapa, com a leitura

de bibliografia que tratava dos temas: ditadura, imprensa, música, entre outros, a

posteriori, a triagem das reportagens da revista a partir de 1968, ano da edição Nº1. A

seleção das reportagens foi feita entre as 329 edições da revista, publicadas no período

do recorte temporal deste trabalho. O que se pode constatar num primeiro momento, foi

que nem todas as edições mantinham a seção de música, devido a isso, o número de

reportagens foi inferior ao de edições. Minhas leituras tiveram início ainda no ano de

2014, o processo de triagem e seleção das reportagens se prologou até o início do

segundo semestre.

Para que este trabalho se desenvolvesse a contento, foi realizada uma separação

temática, dentre as reportagens selecionadas a partir da fonte, de acordo com a

recorrência e significância de cada um dos temas. A separação seguiu a seguinte

sequência: Ambiguidade dos títulos; Festivais; Jorge Ben Jor e Sérgio Mendes; Gilberto

Gil, Caetano Veloso , Chico Buarque e Elis Regina;

Sendo assim, este trabalho está estruturado em dois capítulos, iniciando com

uma breve discussão a respeito do contexto da ditadura, o papel da censura no campo

das artes e uma breve discussão sobre a imprensa. O segundo capítulo apresenta a

pesquisa realizada com as reportagens da revista Veja.

15

CAPÍTULO I

DITADURA CIVIL MILITAR: CONTEXTO, CENSURA E

IMPRENSA

O objetivo deste capítulo é apresentar o tema da pesquisa e os principais

problemas de investigação. Num primeiro momento discutiremos sobre o contexto da

ditadura civil militar e a censura enquanto meio de repressão e posteriormente faremos

uma discussão sobre a imprensa e sua atuação no período da ditadura, destacando que a

discussão sobre a imprensa será aprofundada no segundo capítulo deste trabalho.

A Ditatura Civil Militar é vista como um acontecimento recente em nossa

sociedade, institucionalizada através de um golpe de estado em 31 de março de 1964

estendendo-se até 1985. Um longo processo que resultou no período de Terror de estado

brasileiro. Juntamente com a instalação da ditadura, no ano de 1964, impôs-se a Lei de

Segurança Nacional, como forma de legitimar a ação repressiva do Estado, em benefício

da Nação.

A Lei passou a influenciar diretamente em todos os setores da sociedade:

política, economia e cultura em nome da segurança. A Segurança Nacional tinha por

estratégia controlar e vigiar as ações dos indivíduos “subversivos”, criando a imagem do

inimigo interno. Maria Ligia Prado faz essa discussão sobre a criação do inimigo

interno em História da América Latina e segundo a autora:

Centros de inteligência militar formados na época, em diferentes

países, passaram a definir os contornos da chamada Doutrina de

Segurança Nacional, voltada a um novo tipo de inimigo – o inimigo

interno, imiscuído na sociedade e propagador de “ideias subversivas”.

(PRADO, 2014, p. 168).

Parto da concepção de Maria Lígia, da criação da Doutrina de Segurança

Nacional e terror de estado, da criação da imagem do “inimigo interno”, para discutir as

perseguições, violências e censuras sofridas por alguns dos sujeitos que fizeram parte

dos movimentos musicais, especialmente os da MPB (Música Popular Brasileira),

movimentos engajados na luta pela mudança social e política de nosso país no período

do regime. É de grande importância frisar, que nem todos os movimentos musicais da

época demonstravam essa preocupação.

16

Para compreender o que significou a Ditadura no Brasil, trago a discussão feita

por Dreifuss, em seu livro “1964: A CONQUISTA DO ESTADO, ação política, poder e

golpe de classe”, a concepção de que a ditadura no Brasil, não pode ser considerada

apenas como um golpe militar, mas Civil-Militar, por contar com o apoio da burguesia,

de tecno-empresários, bem como o financiamento estrangeiro, em especial dos Estados

Unidos e empresários brasileiros.

Inúmeros são os argumentos, problemas e motivações que levam sempre mais

pesquisadores, a tornar a Ditadura como objeto de sua pesquisa. A criação da Comissão

da Verdade2, que trouxe à tona elementos que até então se encontravam silenciados por

tantos “aqueles” que foram perseguidos, ou mesmo por tantos outros indivíduos que de

certa maneira tiveram que lidar de diferentes formas e motivos, para que se revogasse

essa situação política e social opressiva e cruel, a que várias sociedades na América

Latina, não apenas o Brasil, diga-se de passagem, sofreram.

A atuação dos mecanismos de censura se abateu principalmente sobre a

imprensa e a música popular entre 1969 e 1970, tendo a concentração mais rigorosa da

repressão ocorrida nos anos de 1973 e 1974. No campo da música a atenção se voltava

ao fato de a música popular ser o bem cultural mais consumido pelas camadas

populares. A música também representava para muitos um “novo lugar no mundo”,

tendo assim ampla difusão de suas letras: “A música, nas suas diversas modalidades, era

um locus de resistência e disputas ideológicas, em meio a tropicalistas, representantes

da jovem-guarda e as denominadas „canções de protesto‟. (GALLO, 2014, p. 91)

Neste contexto, de engajamento político e social, surgem movimentos musicais

que tinham como objetivo lutar em prol da mudança e de melhorias para a população

em geral, envolvida num intenso debate político e ideológico. O autor Marcos

Napolitano traça um perfil da formação destes movimentos denominados como Bossa

Nova, Tropicalismo e posteriormente a denominação do que viria a ser consagrada

como MPB (Música Popular Brasileira), um segmento comprometido com a renovação

das composições brasileiras, sendo elas a partir de então mais dotadas de cunho

ideológico e político. Segundo Marcos Napolitano,

2 A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A

CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de

1946 e 5 de outubro de 1988. Conheça abaixo a lei que criou a Comissão da Verdade e outros

documentos-base sobre o colegiado. Em dezembro de 2013, o mandato da CNV foi prorrogado até

dezembro de 2014 pela medida provisória nº 632. Fonte retirada do site oficial da comissão da Verdade.

http://www.cnv.gov.br/

17

(...) os movimentos, os artistas e eventos musicais e culturais

situados entre os marcos da Bossa Nova (1959) e do

Tropicalismo (1968) foram idealizados e percebidos como

balizas de um ciclo de renovação radical que, ao que tudo

indicava, havia se encerrado. Ao longo deste ciclo, surgiu e se

consagrou a expressão Música Popular Brasileira (MPB), sigla

que sintetizava a busca de uma nova canção que expressasse o

Brasil como projeto de nação idealizado por uma cultura política

influenciada pela ideologia nacional-popular e pelo ciclo de

desenvolvimento industrial, impulsionado a partir dos anos 50.

(NAPOLITANO, 2002, p. 1)

Neste sentido, seria de extrema importância que a população reconhecesse que

os movimentos artísticos e seus compositores, que se enquadravam na proposta trazida

pela MPB, principalmente durante os anos de 1968 a 1974, buscassem em sua maioria

incitar aos seus ouvintes quanto alguns lemas como, “liberdade”, “modernidade” e

“justiça social” em suas músicas e o fizeram mesmo no momento auge da repressão da

Ditadura Civil Militar.

Assim como bem coloca Marcos Napolitano, reconhecer nos movimentos

artísticos, em especial o musical, sua significância para mudança da sociedade, é

perceber que o uso da arte associada ao engajamento com o social pode alcançar

grandes dimensões e vir a mobilizar e conscientizar a uma parcela da população que

tendia mais ao conformismo. O que não significa que toda a música era de protesto.

É preciso compreender que “música popular brasileira” e MPB, possuem uma

significativa diferença, pois MPB, segundo cita o autor, Alberto Moby, em sua obra

“Sinal Fechado”, refere-se a um pequeno grupo de cantores e compositores que tinham

em sua formação musical a origem universitária e eram em sua maioria oriundos da

classe média e se propunham a combater o regime militar. Para o autor: “Na verdade, a

sigla MPB está vinculada, sem dúvida, à resistência da faixa de compositores e cantores

que, herdeira da chamada “canção de protesto”, de origem universitária, tinha como

proposta combater o regime militar”. (MOBY, 1994, p. 147)

Concordo com Moby, na importância de se reconhecer que nem toda a canção

da MPB possui em suas letras o cunho político, vinculada diretamente à contestação da

sociedade, e a MPB, apesar da significância da sigla representar essa conotação de

similaridade, quando se refere especialmente aos anos mais duros da Ditadura. Esta

pesquisa mostrou que a revista Veja não estava muito focada para essa MPB

18

contestadora, na maioria das edições pesquisadas o que se pode constatar é que o foco

estava direcionado basicamente para o mercado crescente da indústria cultural, para

artistas que conseguiam transformar sua arte em mercadoria e agradavam o gosto do

público consumidor da classe média nacional e internacional.

Os movimentos artísticos durante a Ditadura Civil Militar enfrentaram uma forte

repressão do Estado. Em especial a censura, mecanismo utilizado como um aparato

rigoroso de legitimação do poder, como forma de extirpar toda e qualquer manifestação

popular que viesse a contestar o poder do Estado, além das demais práticas coercitivas

exercidas pelo Estado, como perseguições, violências e exílios. Com a instauração do

AI-5, em dezembro de 1968, o sistema se tornou ainda mais repressivo e a censura

intensificou-se não apenas nas artes como também no jornalismo.

Segundo Virgínia Fontes, a censura também esteve focada principalmente na

música popular, por esta ser uma manifestação de conotação política, apesar de ser tida

como um produto de consumo e aceitação massivo, no momento da criação e

desenvolvimento da indústria cultural, possibilitando ser um produto passível de

consumo para a grande massa. Para ela a emergência da música popular perturbou tanto

as estruturas do governo por sua essência fazer frente à repressão: “A própria cultura – a

música principalmente - torna-se o lugar de uma maior politização. Aprofundava-se a

busca de novas formas, e questões de estética musical e de conteúdos capazes de dar

conta das desigualdades sociais ou ainda de uma identidade nacional a construir”.

(FONTES, 2005, p.243).

A censura vigorou violentamente entre os anos de 1969 a 1978, porém entre

1973 e 1974 atingiu o auge de seu rigor. A atenção dos órgãos censores para a música

estava ligada diretamente ao fato desta ser a principal forma de expressão da juventude,

com maior difusão e aceitação, o que preocupava e de certa maneira conturbava a

“ordem” do regime:

Se a MPB sofria com o cerceamento do seu espaço de realização

social, a repressão que se abateu sobre seus artistas ajudou a

consolidá-la como espaço de resistência cultural e política, marcando

o epílogo de seu processo inicial de. institucionalização. Neste

processo, até os tropicalistas Caetano e Gil, considerados “alienados”

pela esquerda foram relativamente “redimidos (...)”. (NAPOLITANO,

2002, p. 1)

É certo que a censura tentou de todas as formas se valer da força do Estado na

tentativa de silenciar essa força jovem musical, no entanto estes não se deram por

19

vencidos. Os compositores encontravam variadas maneiras e formas para burlar os

órgãos censores, alterando algumas palavras, no entanto mantendo a natureza e sentido

de suas canções, tornando-as aptas de serem gravadas. Mesmo com a ação dos censores

as músicas da MPB não perderam sua força, pelo contrário conseguiram se consolidar

como uma barreira cultural para o momento de anestesia que o regime militar impunha.

Além da música a imprensa tornou-se alvo da censura. É fato que os veículos de

comunicação foram censurados durante a Ditadura, no entanto isso não os impedia de

demonstrar diferentes discursos em apoio à legitimação do regime.

A imprensa passa a se valer dessa pseudo neutralidade para manipular a massa

de leitores que compravam e incorporavam seus discursos, representando os interesses

não apenas do regime, mas também da burguesia, uma parcela da sociedade civil que

apoiou o golpe de 1964 e que esteve diretamente vinculada a ele.

Neste sentido, vale analisar a imprensa enquanto um veículo de informação,

formador de discursos que se denominam “neutro e objetivo”, dialogando com o autor

Perseu Abramo, para discutir o posicionamento da imprensa enquanto um meio de

informação ligado diretamente à consolidação e legitimação do poder. Segundo o autor,

a imprensa tem grande importância para o Estado:

Ela é imprescindível como fonte legitimadora das medidas políticas

anunciadas pelos governantes e das “estratégias de mercado” adotadas

pelas grandes corporações e pelo capital financeiro. Constrói

consensos, educa percepções, produz “realidades” parciais

apresentadas como totalidade do mundo, mente, distorce os fatos,

falsifica, mistifica – atua enfim como um partido que, proclamando-se

como porta-voz e espelhos dos “interesses gerais” da sociedade civil,

defendendo os interesses específicos de seus proprietários privados.

(ABRAMO, 2003, p. 8)

Diante das considerações feitas por Abramo a respeito da imprensa, em que para

ele, a imprensa se configura como um veículo de comunicação que por muitas vezes

apresenta falsas abordagens, distorce realidades, falsifica posicionamentos intervindo

diretamente na compreensão dos sujeitos que por ventura acabam comprando esses

discursos e defendendo os ideais difundidos pela imprensa.

Tanto para o poder do Estado como para a imprensa, o ato de tornar seus

leitores em sujeitos a-críticos colabora em muito para a continuidade da ordem social. A

população sendo manipulada estabelece um campo neutro para a atuação desta mídia,

que distorce a realidade, recriando a História a contento daqueles que a alimentam. Para

20

Abramo:

A relação entre a imprensa e a realidade é parecida com aquela entre

um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a

imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não o é o

objeto como também não é a sua imagem; é a imagem de outro objeto

que não corresponde ao objeto real. (ABRAMO, 2003, p. 24)

Sendo assim, neste trabalho problematizo a ideia de que a imprensa agiu de

maneira conformista em relação ao período da Ditadura Militar, por defender os

interesses de determinada classe, relegando este período de efervescência política dos

movimentos tão conturbado para a população brasileira, transformando e generalizando

os movimentos artísticos de cunho político em produtos lançados no mercado.

21

CAPÍTULO II

OS FESTIVAIS, OS ARTISTAS E A CENSURA, SOB O OLHAR DA

VEJA

Este capítulo tem por proposta discutir e problematizar as reportagens

produzidas pela revista Veja a respeito dos movimentos artísticos, mais especificamente

da música no período de 1968 a 1973, durante a Ditadura Civil-Militar. Para a

realização deste, ressalto a importância de que a revista Veja é um veículo de

comunicação de grande circulação, mantendo seu campo de influência bem abrangente,

se legitimando enquanto formadora e disseminadora de opiniões em um momento de

turbulência nacional.

Para a realização deste trabalho inicialmente foi realizada uma pesquisa nas

edições da revista Veja, desde a sua primeira edição no ano de 1968, que estão

disponíveis na íntegra no acervo on-line, seguida de uma seleção, dentre as 248 páginas

impressas de reportagens que faziam referência à música especificamente. Durante o

processo de triagem das matérias, pode-se constatar inúmeros elementos que poderiam

contribuir em muito para a discussão proposta neste trabalho, devido ao fato de a

música ter sido um campo muito polêmico e participativo nos movimentos de

contestação da situação vivida pelo Brasil durante o período da ditadura militar.

No entanto, devido à grande quantidade de material disponível, se fez necessária

uma nova triagem nas reportagens, e a seleção me ative a questões que mantivessem

relação com os artistas que compunham o círculo de artistas que faziam parte da MPB.

Como resultado desta triagem, pode-se constatar que nem todas as reportagens que

faziam menção a MPB eram relacionadas às músicas ditas de protesto. Na grande

maioria as reportagens faziam referências a artistas e figuras polêmicas, algumas com

referência de ligação com a dita canção de protesto, que manifestavam seu

descontentamento com a Ditadura em suas canções, no entanto a maioria das

reportagens estava voltada mais para a indústria cultural, da música enquanto um

produto para o mercado nacional e internacional.

Neste sentido, ressalto a pertinência em discutir qual seria a real intenção da

revista em priorizar a divulgação da indústria cultural em detrimento a Ditadura Militar.

Era um período de grande repressão política e das atividades artístico-culturais.

22

Vincular o perfil da revista com artistas que se posicionavam como apolíticos,

demonstra claramente a sua intenção de manter sua pseudoneutralidade, um

posicionamento tendencioso alinhado à direita política, com o conformismo com a

ditadura, compactuando com esse sistema de governo, como forma de dar continuidade

à existência da revista e a garantia de lucratividade.

Sendo assim, um elemento importante a ser discutido é o fato de que a revista

Veja mantém como característica em suas publicações, na disposição das matérias sobre

música, à ambiguidade nos títulos de suas matérias. Entre as edições da revista

analisadas, selecionei os seguintes títulos: “COM ELES, BRIGA NA CERTA”; “A

BOSSA É NOSSA; MAS LEVA QUEM PAGA MAIS”; “AS COMBATIDAS

FLORES DE GERALDO VANDRÉ”; “O BRASIL VAI A CANNES VENDER

MÚSICA”; “ OS BAIANOS QUE VÃO”.

O critério utilizado para a seleção destes títulos, dentre tantos, é por terem

relação direta com a problemática discutida neste trabalho, por apresentarem elementos

que caracterizem o perfil da revista, em privilegiar a indústria cultural em detrimentos

dos demais acontecimentos da sociedade, como também por ser uma maneira de desviar

a atenção do púbico leitor da situação política vivida pelo país, mascarando a realidade.

O primeiro título a ser analisado “COM ELES, É BRIGA NA CERTA”, uma

referência aos festivais realizados no Brasil, pela TV Record, quando um dos

organizadores, diz na reportagem que será uma grande disputa entre as principais

correntes inovadoras da música no Brasil. Segundo ele, a batalha seria entre o grupo

Tropicalista, composto por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom-Zé e os nãos baianos, do

grupo dos Mutantes e os demais compositores. Um elemento muito interessante desta

matéria é a discussão que ela traz a respeito do destino da música brasileira, pois a

menção da disputa entre os diferentes movimentos musicais da época nos permite

refletir que havia uma tensão entre esses diferentes movimentos musicais. Como forma

de comprovar esse argumento, e novamente fazer ligação entre a música brasileira e o

mercado internacional, a reportagem faz uma menção à situação que a bossa-nova

enfrenta no Brasil, como comenta a cantora Ana Lúcia, vista como uma das iniciadoras

deste movimento, “A bossa nova está vivendo sua grande crise: ela tem que encontrar

uma saída”. (VEJA, 16 de outubro de 1968, p. 59)

Neste sentido, a revista Veja argumenta que a saída para a bossa-nova, seria o

mercado internacional, comprovando isso com o uso da palavra de críticos extremados,

23

“A bossa-nova no Brasil acabou, ela só tem vez lá fora”. (VEJA, 16 de outubro de 1968,

p. 59)

No entanto, apesar de o III Festival da Canção ser visto pela revista como um

campo de disputa entre os diferentes movimentos musicais do Brasil, outro elemento

enfatizado por ela, é o fato de servir também como um mercado para a música, quando

nem sempre é o vencedor na verdade quem recebe o maior reconhecimento. Nesta

edição do Festival, do ano de 1968, o ganhador era Canadense, no entanto, os cantores

brasileiros tiveram maior notoriedade, e segundo Veja, apesar das disputas,

Numa coisa todos concordam: em termos de música, a parte brasileira

foi muito mais rica que a internacional. E, apesar das vaias, o Festival

funcionou como um mercado de canções, trazendo ao Rio uma

quantidade de nomes que seguramente promoverão a música popular

brasileira no exterior. (VEJA, 16 de outubro de 1968, p. 60)

Na matéria intitulada como, “A BOSSA É NOSSA, MAS LEVA QUEM PAGA

MAIS”, fazendo referência aos artistas brasileiros, como Gilberto Gil e o grupo dos

Mutantes, no ano de 1969, com destino ao exterior em busca de sucesso, assim como os

demais que antecederam a eles e que hoje além de cantar, atuam também como

empresários. Sérgio Mendes e Herb Alpert são artistas de renome e contribuem na nova

fase na carreira dos novos artistas que buscam alcançar sucesso no mercado

internacional.

O destino destes artistas é o MIDEN, “Mercado Internacional de Discos e de

Editores Musicais, mas segundo Veja, para os artistas brasileiros, “é uma grande

oportunidade de conquistar novos mercados” (VEJA, 24 de dezembro de 1969, p. 56),

discutindo a ideia de que os artistas precisam ir até o exterior caso queiram trilhar uma

carreira internacional. Especialmente, para os artistas da bossa-nova, que neste

momento enfrentavam dificuldades de sucesso dentro do Brasil, novamente aparece o

discurso da revista em relação necessidade de buscar o mercado internacional.

No entanto, mesmo que suas reportagens demonstrem a necessidade e traga as

oportunidades que a música brasileira tem de buscar novos mercados, ela discute que

nem todos se mostram dispostos a enfrentar o exterior. E não só os empresários

americanos estão contratando artistas brasileiros, até os brasileiros estão agenciando

outros brasileiros. Segundo Veja, Herb Alpert, empresário nos Estados Unidos, vem ao

Brasil para recrutar novos nomes para o mercado internacional, que se mostra mais

24

aberto do que nunca para a música latino-americana. E também o pianista Sérgio

Mendes, que criou sua própria firma, a “Serrich” - que ironicamente a revista traz a

tradução de Sérgio Rico - estava fazendo o papel de empresário e contratando muita

gente.

Diante disso, a revista recria a imagem do artista brasileiro como sendo

desleixado, saudosista e demonstra certa resistência em relação ao mercado

internacional. Durante essa reportagem, traz um tópico com a referência, “o grupo das

vidas mansas”, direcionando aqueles compositores que mesmo sem estarem nos Estados

Unidos, mas por terem suas composições regravadas por músicos de renome no exterior

como Sérgio Mendes, referência de sucesso internacional para Veja - estão faturando.

Quem está se mostrando difícil é Edu Lobo. “Edu impôs condições”,

diz Alpert. “Só vai aos Estados Unidos se não ficar preso a contratos.

Só para gravar”. Edu faz parte do grupo dos “vida mansa”, como são

chamados os compositores brasileiros que estão faturando sem

precisar sair do Brasil. (VEJA, 24 de dezembro de 1968, 57)

Outra referência da falta de persistência dos brasileiros é em relação a Jorge Ben

Jor, que retornou ao Brasil. Para Herb, ele teria sido um grande sucesso, “Se Jorge Ben

Jor tivesse ficado nos Estados Unidos, a três anos atrás, teria ocupado a „vaga‟ de Trini

Lopez como cantor latino de sucesso”. (VEJA, 24 de dezembro de 1968, p. 57).

25

Mutantes e Gilberto Gil: vão ao MIDEN em 1969 para conquistar a Europa. (VEJA, 24

de dezembro de 1968, p. 56)

A edição de 09/10/1968 está intitulada como “As Combatidas Flores de Geraldo

Vandré”, referindo-se à canção “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores”, alcançou

grande sucesso nos festivais, mesmo tendo sua composição frases dotadas de cunho

político. No entanto a revista apresenta que a música não está agradando a todos, e

Vandré e sua canção estavam sob observação constante do Estado, mantendo a presença

camuflada de censores e da polícia nos festivais. Como subtítulo da reportagem consta a

seguinte frase, “Só, com um violão e uma canção de dois acordes, Vandré fez 20 mil

pessoas cantarem “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores”. O governo da Guanabara

26

não gosta dessas flores”. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54)

Com o intuito de apresentar quais eram as justificativas do governo em relação à

música, traz a declaração do Secretário de Segurança da Guanabara, General Luís de

França Oliveira, dizendo que pediria ao Ministério da Justiça a proibição da música.

Segundo costa na matéria, o General deu a seguinte declaração, “Essa música é

atentatória à soberania do País, um achincalhe às Forças Armadas e não deveria nem

mesmo ser escrita”. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54)

Um elemento importante a ser discutido nesta matéria, é que ela traz declarações

de militares se posicionando em relação a músicas que atacam ao sistema de governo.

No entanto, não há uma recorrência deste tipo de declarações nas matérias seguintes,

como foi possível perceber, mas podemos relacionar a ausência deste tipo de

informação e discussão devido ao período que se segue a esta matéria, a instauração do

AI -5 em 13 de dezembro de 1968, que acirrou ainda mais a censura no país.

Neste sentido, a revista procura relacionar a imagem de Vandré, ao movimento

de artistas engajados na luta política, mas também o traz como um artista que soube

aproveitar a oportunidade de sucesso, conquistado através de suas canções apresentadas

nos festivais, relembrando de algumas situações que havia sido rejeitado,

desclassificado com alegação de „cantar mal‟, e como consta na revista, “decidiu

arregaçar as mangas” (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54), com o intuito de reagir e

superar essa fase de sua carreira.

A figura de Vandré é representada como polêmica pela revista, criticado por

alguns e aplaudido por milhares, enquanto ele mantém um perfil de pessoa calma, que

não se abala com os protestos, “os protestos sempre aparecem”, tanto em forma de vaias

como aplausos. Segundo Veja, “Vandré reconhece que o tom político de sua música

ajudou-o na consagração, mas, quando tirou o segundo lugar, disse que “a vida não se

resume a festivais”. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54)

Se para muitos, os festivais da canção eram como um palco de batalhas, entre os

diferentes compositores e cantores que compunham os diferentes movimentos musicais

da época, uma disputa por reconhecimento, sucesso, para Geraldo Vandré, o festival, “É

uma vitrina onde os compositores expõem suas músicas. E há muito poucas vitrinas

hoje em dia, por isso compareço”. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54), justificando

suas participações. A revista traz uma comparação feita por Vandré em relação aos

festivais, comparava-os, “a um pau de sebo, onde os artistas brigam para subir,

27

deixando a música em segundo lugar”. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54)

Geraldo Vandré: As flores já estão em segundo plano. É hora de voltar e vencer, embora

festival seja “um pau de sebo”. (Veja, 09 de outubro de 1968, p.55).

Segundo a revista, Vandré não era um artista muito requisitado, apenas com a

venda alcançada com “Pra Não dizer que Não Falei de Flores”, as portas da televisão se

abriram para ele, assim como o mercado internacional. Em relação ao mercado

internacional, a dúvida seria se suas composições seriam compreendidas pelo público

internacional, devido ao tom político que suas músicas possuíam, pois mesmo dentro do

Brasil, suas canções eram compreendidas de diferentes maneiras. As críticas musicais

que recebia e algumas denominações feitas pelos militares, que o descreviam como de

esquerda, levavam sua música para outras áreas. Mas Vandré manteve-se positivo

quanto a essa preocupação, segundo ele, “O compositor deve ser fiel ao seu país, pois é

a partir dele que será universalmente compreendido” (VEJA, 09 de outubro de 1968, p.

54).

Apesar das dificuldades, das críticas e dos protestos às suas músicas, Vandré

teve seus momentos de glória nos festivais, a revista traz uma colocação muito

interessante sobre Vandré a respeito do III FIC (Festival Internacional da Canç, dizendo

que os artistas que se apresentavam nele eram bem representativos do que se

propunham a fazer. Estavam assim descritos pela Veja: “cantores e criadores, Caetano e

28

os Mutantes, como compositor Geraldo Vandré e a pilantragem tinham por

representante Roldão Vieira, com a música “América, América”. Para Veja,

Na água morna da música brasileira, Caetano entrou pra quebrar – e a

História mostra que aqueles que entraram para “fundir a cuca” da

situação sempre foram grandes criadores. Pilantras são os que fisgam

no ar alguns dados heroicos (opinião de estudantes, manchetes de

jornais, falsos engajamentos) e transformam esses dados em

“mensagem revolucionária”, vazada em linguagem musical

hollywoodiana e demagógica, temperadas com muitos violinos e

euforias sinfônicas. Enquanto Caetano enfrenta o público, Vandré faz

média: “Respeitem o Tom e o Chico que vocês estarão me

respeitando”. Vandré derrama sobre o auditório sua canção despojada,

limpa e linda. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 55)

A edição de 15 de janeiro de 1969 traz como título da matéria a seguinte

descrição, “O BRASIL VAI A CANNES VENDER MÚSICA”. Esta foi à apresentação

da Revista, referindo-se ao festival MIDEM (O Mercado Internacional de Discos e

Editores Musicais, uma espécie de festival realizado todos os anos em Cannes), como

sendo apenas um mercado da música, não um festival, por não haver competições, um

evento da efervescente “indústria cultural”, que conta com apresentação de artistas

estrangeiros, com suas músicas, a serem apresentadas ao mercado internacional,

contento com uma plateia repleta de editores, donos de gravadoras, empresários teatrais,

proprietários de boates, cantores e orquestradores, com interesse de renovar seus

repertórios. Segundo cita, um dos criadores do MIDEN, Bernard Chévry, “O MIDEN,

não é competitivo. É uma feira em que os artistas do mundo inteiro oferecem seus

espetáculos e suas canções”. (VEJA, 15 de janeiro de 1969, p. 62). E as “mercadorias”

são adquiridas ou não e dependendo do resultado e da aceitação do público, que é

determinante na garantia da conquista do sucesso no mercado internacional. Esta

reportagem apresenta a citação de Elis Regina, considerada pela revista como sendo

uma veterana do MIDEM, “A gente canta e se interessar eles vão comprar”. (VEJA, 15

de janeiro de 1969, p. 62)

29

(VEJA, 15 de janeiro de 1969, p. 62)

“OS BAIANOS QUE VÃO. Da Bahia para o mundo, Caetano e Gil encerram

uma fase da música popular brasileira.” A revista faz uma caracterização de um super

show de despedida de Caetano e Gil na Bahia, enquanto a plateia os aguarda em silêncio

ambos entram no palco cantando suas últimas canções e a plateia vai à loucura. A

referência feita em relação ao show sugere que Caetano e Gil tenham optado por uma

nova forma de fazer música, de cantar, um novo som, diferente daqueles apresentados

nos festivais, quando eles recebiam vaia como forma de protestos por parte do público.

Essa nova versão dos cantores, foi de aceitação geral.

Caetano Veloso, magro como sempre, aclamado como nunca,

entrou no palco cantando uma de suas últimas canções, “Matinê

no Cinema Olímpia”. A bola fica azul, contorceu-se em várias

direções e se transformou no perfil de um Volkswagen. Gilberto

30

Gil entrou em cena e cantou “Volks – Volkswagen Blue”. A

plateia aplaudia de pé, alguns subiram no palco para abraçar os

dois cantores. (VEJA, 30 de julho de 1969, p. 64)

Veja traz como se toda essa superprodução fosse necessária para que ambos

recuperassem seu prestígio em solo nacional, antes de partirem para carreira

internacional. Depois de um período de “esquecimento”, Veja diz, que eles só

conseguiram algum sucesso em sete meses, por que Gal Costa interpretou suas músicas

e conseguiu vender muitas cópias de seu LP, e que ela se tornou um fenômeno nacional

lançando um novo estilo.

Em quinze músicas, novas e velhas, os dois baianos pareciam estar

lutando contra o tempo perdido. Nestes sete meses, sua música

poderia estar condenada ao esquecimento se o LP de Gal Costa - com

composições de Gil e Caetano – não tivesse vendido tão bem (cerca de

100 mil cópias) e se seu estilo não tivesse sido copiado de ponta a

ponta do país. Um ano atrás, Caetano e Gil eram vaiados pela plateia

de universitários paulistas, que proibiram no III FIC o seu “É proibido

Proibir”. (VEJA, 30 de julho de 1969, p. 64)

O lançamento de um novo estilo musical, por Caetano e Gil e outros artistas e

intelectuais, que denominam de Tropicalismo - O tropicalismo, é um movimento

surgido entre 1967-1968, articulado em torno das figuras de Caetano Veloso e Gilberto

Gil, envolveu artistas de diversos campos, como Rogério Duprat, Hélio Oiticica, José

Celso Martinez Corrêa e Gláuber Rocha (VEJA, 30 de julho de 1969, p. 64) - parece ter

influenciado uma parcela significativa dos músicos jovens que participam dos festivais

por todo o país. Esse estilo influencia não apenas pelo estilo musical, com novos

arranjos, introdução e mistura de sons, novas formas de cantar, como também lançou

estilos de figurinos e roupas que caracterizavam esse movimento.

Outro elemento de extrema importância nesta reportagem é uma discussão

velada a respeito da ação da censura a partir de dezembro de 1968 e do AI-5, quando a

revista faz referência a cobertura da imprensa em relação a Caetano e Gil. A reportagem

diz,“... E na imprensa, de dezembro para cá, as notícias e depoimentos favoráveis a Gil

e Caetano ocuparam sozinhas todo o espaço. Que fizeram eles esse tempo todo?”

(VEJA, 30 de Julho de 1969, p. 54)

Porém, ao que remete à carreira internacional de Caetano e Gil, a revista faz uma

relação com tentativas anteriores de alcançar sucesso no mercado internacional e que

não se realizaram, permitindo fazer também relação com outros inúmeros artistas

31

brasileiros que buscaram fazer sucesso no exterior, mas que acabaram por voltar ao

Brasil devido a inúmeros fatores, especialmente a falta de contratos, saudosismos e a

falta de um produto pronto para o mercado internacional. Para Caetano e Gil, essa nova

fase se configurava de maneira diferente, além de estarem com contratos garantidos já

desde o mês de janeiro de 1969, surgem novos convites para eles em outros setores da

arte, como produzir trilhas sonoras para o cinema. Sendo assim, a revista publica,

Quatro anos depois de deixarem a Bahia para cantar no Rio e em São

Paulo, “calados e magros”, como cantam na sua música “Miserere

Nobis”, Gil e Caetano seguem para Lisboa e Londres, onde desde

janeiro há contratos esperando por eles. Mas desta vez não há

incertezas: além de contratos, Gil foi convidado para fazer a música de

“Le Drapeau Blanc d‟Oxalá”..., e Glauber Rocha mandou uma carta

da Europa dizendo que Goudard se interessará pelas músicas de

Caetano num de seus filmes. (VEJA, 30 de julho de 1969, p. 54)

Mesmo que o tropicalismo não se apresente enquanto um movimento ligado

diretamente com a política do país, a revista demonstra que Gil, conserva sua veia de

protesto, pois ao final da reportagem faz uma menção a respeito de Gil, que ao finalizar

o show de sucesso e também de despedida dele e de Caetano no Brasil, na euforia da

plateia, Gil canta a música “Aquele Abraço”, com o intuito de deixar seu recado a todos

os brasileiros.

No momento da despedida, quando a plateia já subia ao palco, Gil

cantou “Aquele Abraço” (não está no disco), que ficou sendo uma

espécie de adeus dos baianos que vão e não sabem se voltam: “Meu

caminho pelo mundo/Eu mesmo traço/A Bahia já me deu/Régua e

compasso/Quem sabe de mim sou eu, aquele abraço/Pra você que me

esqueceu, aquele abraço/Todo povo brasileiro, aquele abraço”.

(VEJA, 30 de julho de 1969, p. 55)

Neste momento, considerei ser pertinente para essa discussão também, produzir

a análise de reportagens a respeito dos Festivais da canção, que eram organizados pelas

redes de televisão entre as décadas 1960 e 1970. A revista Veja, permitiu constatar que

foi no ano de 1968 que se concentraram grande parte das reportagens que fazem

referência aos festivais. Veja traz na reportagem de setembro de 1968, a respeito do

surgimento dos festivais,“O fenômeno festival começou em 1965, quando Edu Lobo,

com “Arrastão” venceu no Guarujá (SP) o I Festival da Música Brasileira patrocinado

pela TV Excelsior”. (VEJA, 25 de setembro de 1968, p. 68)

32

O significado dos festivais para a música popular brasileira nesse momento é

destacada pelo autor Carlos Gallo, segundo ele,

A música, nas diversas modalidades, era um locus de resistência

disputas ideológicas, em meia a tropicalistas, representantes da jovem-

guarda e as denominadas “canções de protesto”. Essas disputas eram

acirradas pelos festivais organizados por redes de televisão no final da

década de 1960 e início de 1970. Eram as competições nos “festivais

da canção” que dividiam o gosto do público entre vaias e aplausos às

canções defendidas pelos músicos. Nos anos de 1960, Geraldo

Vandré, Nara Leão, Edu Lobo e Chico Buarque de Hollanda

consolidavam-se como grandes referências musicais na luta contra a

ditadura. Tudo isso era acompanhado pelo sistema de vigilância do

governo. (GALLO, 2014, p. 91)

No entanto, para a revista Veja, os festivais tem outro significado, muito mais

ligado ao mercado da música, como uma espécie de espaço onde os artistas usam para

promover suas canções, inovando sempre mais, em melodias, figurinos, arranjos,

cenografias. Segundo Veja, nem mesmo o público compreendia os festivais como uma

disputa ou como local de protesto ao autoritarismo da Ditadura, simplesmente como

uma disputa de canções e sons, reagindo através de vais e aplausos as canções,

rejeitando as inovações dos artistas:

É esta juventude que quer tomar o poder? Como, se vocês estão ainda

planejando matar amanhã o velho que já morreu ontem? Nunca mais

coloco músicas em festivais, explodiu Caetano Veloso, debaixo de

vaias, no encerramento da fase paulista do III Festival Internacional da

Canção. Sua Canção “É Proibido Proibir”, mesmo obtendo boa

classificação, foi a mais vaiada da noite. O público aceitou a música,

mas da maneira como ela foi apresentada: Caetano e os Mutantes com

estranhas roupas de plástico. Augusto Marzagão, organizador do

Festival também não gostou, mas por outros motivos: “O erro dos

compositores é querer fazer música com harmonias geniais: ninguém

assobia harmonias. Assobia isso sim, uma boa melodia. (VEJA, 25 de

setembro de 1968, p. 68)

A atenção de Veja está focada na crescente influência que os festivais têm em

renovar a música brasileira, revelando ainda mais a afinidade com o discurso da

indústria cultural de superar o antigo, e revelar novos nomes como Milton Nascimento,

Gracinha Leporace e Elis Regina. E para Veja, o maior mérito dos festivais, “é trazer

cartazes internacionais que depois divulgam no exterior a nossa música” (VEJA, 25 de

setembro de 1968, p. 68). O que mais importa é vender, não “fazer bonito”.

A forte influência da indústria cultural torna-se muito marcada e caracterizada

33

enquanto elemento de relevância para a revista, claros nos subtítulos das matérias,

“Vaias, confusão, manobras de bastidores, teve de tudo no III FIC. Segundo seus

organizadores, o Brasil só lucrou com isso”. “O público cansado pede renovação:

Roberto Carlos mudou três vezes de janeiro a setembro de 68”. “O produto nacional

vende e está na moda”.

Diante disso, serão analisadas as reportagens que discutem particularmente os

artistas. A pesquisa realizou-se utilizando os mesmos métodos que anteriormente,

iniciando pela seleção nas edições analisadas que compreendem o período do recorte

deste trabalho, de 1968 a 1975. Na sequência a seleção dos artistas a serem discutidos

ocorreu devido à recorrência de reportagens referidas a eles durante o período analisado.

Neste sentido, trago para a discussão Sérgio Mendes e Jorge Ben Jor. A grande

recorrência de suas carreiras nas reportagens selecionadas impressiona. Pois a relação

que ambos mantinham com a Ditadura, era muito diferente dos artistas que

representavam a MPB, o Tropicalismo, que mantinham um posicionamento político,

que faziam uso da música para contestar o Estado. Ambos mantinham suas carreiras

tendenciosamente direcionadas à “comercialização” da música, fruto da crescente

indústria cultural.

O enfoque das reportagens a respeito deles se detinha em tentar demonstrar

como ambos conseguiram alcançar sucesso e ao mesmo tempo manter suas carreiras a

mercê de praticamente todos os acontecimentos, em especial os políticos. Sérgio

Mendes, por ter sucesso no exterior e Jorge Ben, no Brasil, na maior parte do tempo.

Sérgio Mendes nasceu em 11 de fevereiro de 1941, em Niterói, Rio de Janeiro.

Ele representa para a imagem de artista de sucesso, que consegue consagrar carreira

internacional pelo seu perfil de empreendedor, determinado, que soube aproveitar a

chance quando apareceu. Segundo a revista Veja, a música brasileira buscou sua entrada

no mercado internacional em 1962, quando Sérgio Mendes, acompanhado por outros

músicos e patrocinado pelo Itamaraty, foram vender a música brasileira aos Estados

Unidos. Em 1969 no MIDEM3 em Cannes, na França, com seu “Brazil „66”, Sérgio

Mendes se apresenta como sendo um dos brasileiros com muitas gravações consagradas

na Europa.

3 MIDEM – Mercado Internacional de Discos e Editores Musicais, um espécie de festival que é realizado

todos anos em Cannes, na França.

34

(VEJA, 11 de junho de 1969).

Segundo Veja, ele descobriu a receita correta para alcançar o sucesso, a

necessidade do músico brasileiro de vender seu trabalho sem intermediários,

diretamente ao consumidor. Segundo Veja, Sérgio e

Seu conjunto Brazil ‟66, com duas cantoras, um pianista (ele), uma

baterista e um percussionista, conseguiu uma estranha, mas

comercialmente eficiente alquimia. As duas vocalistas (americanas) se

mexiam à lá Elis Regina e cantavam forte, alto e em inglês, traduzindo

o João Gilberto parado sussurrava em português. (VEJA, 11 de março

de 1970, p. 62)

A respeito de Sérgio Mendes, a Revista Veja, cria um perfil de “businessman”,

termo utilizado pela própria revista. Segundo Veja, Sérgio Mendes,

Já levou uma dezena de músicos brasileiros para os Estados

Unidos e reúne sob o nome de Sérgio Mendes Enterprises uma

firma de produções (Serrich), duas de publicações (Roda e

Berna) e uma gravadora (Vento). Aos poucos, tudo isso começa

a ser conhecido como o Império de Sérgio Mendes. (VEJA, 11

de junho de 1969, p. 56)

35

(VEJA, 11 de junho de 1969).

Neste sentido, com o intuito de produzir uma crítica a respeito dos inúmeros

artistas que almejam conseguir construir uma carreira internacional, a Revista Veja, traz

em suas reportagens um discurso de que os Estados Unidos é um dos mercados mais

abertos para artistas estrangeiros e que a partir do momento em que se tem uma

mercadoria, estão dispostos a comprá-la. Nesse mesmo tempo, constrói a imagem de

que o artista brasileiro apesar de querer sucesso é descomprometido, saudosista, que no

menor empecilho retorna para o Brasil. Na edição de 07 de junho de 1971, uma citação

de Sérgio Mendes a respeito dos artistas brasileiros dizia, “Ensaiávamos o dia inteiro,

tocávamos para empresários, donos de clubes e conseguimos um contrato na Capitol.

Mas batia a saudade e o pessoal voltava”. (VEJA, 07 de julho de 1971, p. 88)

No entanto, com relação a Sérgio Mendes a revista continua a traçar a imagem

de homem persistente, comprometido com a sua carreira, demonstrando que o sucesso

depende da mercadoria que o artista possui e a disposição que tem para vendê-la. O

mercado internacional e o sucesso estão ao alcance de todos, no entanto apenas os

melhores o alcançam. Sérgio é o exemplo de persistência e segundo a Revista a respeito

dos demais,

Poucos músicos brasileiros estão aptos a enfrentar os EUA: é preciso

coragem, persistência, humildade e evidentemente talento. Edu Lôbo,

por exemplo, teve seu LP “Sérgio Mendes Presents Edu Lôbo

recentemente lançado e deveria estar lá promovendo suas músicas e

não aqui. (VEJA, 07 de julho de 1971, p. 88)

36

Traçar comparações entre quem fica e quem dá certo no exterior é um elemento

bem marcante nas reportagens analisadas, uma tentativa de criar o perfil de artista ideal

para ser sucesso no mercado da indústria crescente da música.

Ainda segundo as opiniões contidas na revista, nem todos os brasileiros que

buscavam fama no exterior admitiam sua real intenção, Caetano e Gil, e outros que

alegavam que sua saída do Brasil teria sido como fuga de perseguições políticas sofridas

por eles, e que de qualquer forma, alguns artistas precisariam conhecer mais sobre a

história do Brasil no mercado internacional, para alcançar o sucesso como Sérgio

Mendes.

Jorge Ben Jor, nascido em 22 de março de 1945, no Rio de Janeiro, não é

descrito como um homem de sucesso, devido à inconstância de sua carreira, no entanto

esteve em foco em diversas edições da revista, o que impressiona ainda mais, devido à

imagem que a Veja constrói a seu respeito. Uma imagem de artista descompromissado,

demonstração clara de queixas a respeito de sua conduta profissional, mas que, no

entanto consegue manter uma identidade única em suas composições.

Sua primeira tentativa de sucesso no exterior fracassou, quando no momento

mantinha parceria com Sérgio Mendes. Ben Jor não obteve como intérprete o mesmo

sucesso que Sérgio Mendes, quando grava suas composições, como “Mas que nada” em

1966, e “Zazueira”, em 1969.

Segundo Veja, desde 1963 o traço mais marcante da carreira de Jorge Ben

seriam as inconstâncias de suas aparições e atitudes. Apresenta nas reportagens

depoimentos de colegas e amigos a respeito de sua conduta profissional, como cita o

que pensam a respeito de Jorge Ben,

É um excelente compositor, só não está comigo porque não quer,

afirma Sérgio Mendes. Roberto Menescal, outro amigo e companheiro

de Jorge Ben é ainda mais duros: É um bobo que não aproveita o que

merece e acha que pode fazer tudo sozinho. Sozinho ele está é como

compositor, um artista sensacional e difícil de localizar dentro da

música brasileira. (VEJA, 18 de junho de 1969, p. 59)

Neste sentido, a revista Veja se vale do poder de convencimento que ela possui,

e busca disseminar sua opinião tornando-a consenso, trazendo a fala de outros artistas

como forma de comprová-la. Ao mesmo tempo em que reconhece o sucesso de Ben Jor,

por destacá-lo recorrentemente em várias edições da Revista, o discurso nela contido a

seu respeito constrói críticas diretas a ele, procura confirmar o perfil por ela criado a

37

respeito de Jorge Bem Jor, trazendo trechos de entrevistas feitas a seu respeito no meio

artístico, com seus amigos, especial os que possuem maior reconhecimento.

Sua postura de único, desengajado de praticamente todos os movimentos

musicais surgidos durante a sua carreira também se tornou alvo de destaque nas

reportagens, sendo visto como um artista que sempre se manteve á margem dos

movimentos musicais, como cita a Revista,

Cantou no Beco das Garrafas, sem nunca ter nada com a bossa-nova,

tocou no programa de Roberto Carlos, sem fazer iê-iê-iê, e no de

Caetano Veloso e Gilberto Gil, sem ser tropicalista. O ritmo que ele

tira do seu “pinho envenenado” a corda de ré do seu violão está

sempre em sol, o baterista tem que dar três batidas surdas fortes, em

vez de duas para segui-lo) é exclusivo e ele não faz por menos:

“Desculpe, gente, mas assim eu não canto”, diz dos conjuntos

previamente ensaiados. E se justifica: “Já entrei muito pelo cano”.

(VEJA, 18 de junho de 1969, p. 59)

Com o intuito de justificar a resistência ou mesmo desinteresse de Jorge Ben em

se encaixar vários movimentos musicais da época, ele é considerado por muitos dos

grandes nomes, como sendo o maior compositor brasileiro e o “único a não possuir

máquina montada para fazer sucesso”. Fazendo do improviso uma das marcas de seu

trabalho.

No entanto, sua origem é também um elemento de destaque para justificar essa

postura, pois,

Em muitos aspectos, Jorge Ben era realmente marginal de todos esses

movimentos. Era negro vindo da zona Norte, filho do morro, que não

fazia samba da Escola. E nem o iê-iê-iê ou o bolero, a outra saída para

o artista das classes pobres que não tem a formação dos intelectuais da

classe média. (VEJA, 27 de maio de 1970, p. 72)

De certa forma, a discussão trazida nesta citação, busca caracterizar, quem eram

os sujeitos que compunham os movimentos musicais da época, especialmente os

envolvidos com as músicas ditas de protesto, que em grande medida faziam parte da

classe média jovem, ou eram vistos enquanto intelectuais.

Jorge Ben representa um artista que goza de “liberdade”, compositor de letras

que demonstram sua arte alienada, sua fama de “rei da malandragem”, num momento de

sua carreira em que os tempos são duros, mesmo para os cantores, ele mantendo sua

simplicidade não se preocupa. Segundo Veja, voa alto, livre enquanto para muitos a

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vida é dura. Sendo assim, “Por isso eu canto, sem preconceito eu canto, eu canto a fé, eu

canto a sugestão, eu canto a paz, eu canto na madrugada, take it easy my brother

Charlie”. (VEJA, 27 de maio de 1970, p. 72)

Jorge Ben Jor é visto como um dos artistas que conseguiu manter o equilíbrio

entre as duas correntes musicais que atingiam o auge no ano de 1970, por um lado os

contestadores e dos maiores festivais e por outro o iê-iê-iê com o programa da Jovem-

Guarda, no entanto em um breve momento de posicionamento político opta, então por

estar ao lado de Roberto Carlos e a Jovem-Guarda, que representavam os conformistas.

Neste sentido, a revista Veja constrói para Jorge Bem Jor o perfil de “liberdade”,

de quem não se prende a moldes, nem estilos musicais mesmo quando em 1968, o

surgimento do Tropicalismo, que representava para uma nova oportunidade, ele

consegue manter-se a mercê, exaltando que Jorge BenJor era um artista que não

posicionava. A esse respeito segundo a Revista,

Para quem estivera dentro da bossa nova e no iê-iê-iê, e sempre só,

esta não era uma tarefa difícil. Em muitas de suas velhas canções

estavam a ironia e a liberdade freneticamente procuradas por Gil e

Caetano. O que é mais tropical do que a banana? (VEJA, 27 de maio

de 1970, p. 72)

Veja procura demonstrar que apesar das investidas dos alguns grupos musicais,

tanto dos considerados como conservadores de Caetano e Gil como também os

conformistas, e Roberto Carlos, Jorge Ben Jor se mantém resistente em seu

posicionamento, e suas sucessivas negativas em aderir a esses movimentos, em seus

diferentes aspectos, caracterizar-se como Caetano Veloso e Gilberto Gil, usando suas

vestimentas extravagantes, deixar crescer o cabelo. Segundo Veja, “A militância

política decididamente não era uma lição que estivesse disposto a aprender”. (VEJA, 27

de maio de 1970, p. 72).

Situado em outra corrente musical, estava o Tropicalismo, que foi um

movimento musical que tinha como uma de suas características recusarem-se a envolver

a música e as artes com a revolução social. Caetano Veloso e Gilberto Gil são figuras

muito retratadas pela revista, em diferentes formas e momentos de suas carreiras, ora

vistos como problemáticos, incitadores, contestadores, ora, compositores e produtores,

na tentativa de recuperar sucesso nacional e buscar alcançar carreira internacional.

A referência conjunta de ambos é que a maioria das reportagens produzidas

sobre eles estão sempre ligados, na maioria das vezes identificados como os “baianos”.

39

Poucas são as matérias que tratam deles separadamente, com exceção das matérias que

seguem a linha de reportagens que produzem uma trajetória de vida do artista.

Gil e Caetano trouxeram com o lançamento do Tropicalismo, em 1968 a

representação da renovação que a música brasileira necessitava, após a decadência da

bossa-nova. Esse movimento trouxe consigo não apenas uma renovação de sons, como

determinaram também novos padrões de comportamento. Esse movimento, segundo a

revista demonstrou que,

O impacto da música de Caetano e Gilberto Gil sobre o público jovem

tinha forte molho de contestação. Quando os dois começaram a usar

roupas coloridas, deixarem crescer os cabelos e faziam no palco

movimentos acrobáticos então considerados “muito loucos”, essa série

de atitudes gerou um fenômeno de repetição em massa. (VEJA, 19 de

janeiro de 1972, p. 64)

Como consta na mesma reportagem de janeiro de 1972, a opinião da crítica era

de que o tropicalismo teve como resultado para a música brasileira mais malefícios, do

que benefícios, devido às novas formas que os shows passaram a ter depois do

Tropicalismo, assim como a reação do público. Para Caetano e Gil o resultado foi bem

mais satisfatório em suas carreiras, tornando-os ídolos de uma nova geração de artistas e

público.

Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, nasceu em 07 de agosto de 1942, em

Santo Amaro, na Bahia. Nas reportagens analisadas sobre Caetano Veloso,

propriamente, a revista traça um perfil bem interessante a seu respeito, em uma espécie

de retrospectiva de vida dele, em três momentos de sua carreira antes de 1969, no início

da carreira: “O ídolo nascendo: fase de festivais, televisão e de “Alegria, Alegria””, em

1967, mencionando as primeiras apresentações em festivais da canção, quando essa

canção conquistou o grande público. Nas descrições feitas pela revista ela representa ao

público,

(...) a imagem de um artista que venceu que chegou assim como quem

não queria nada, cantou em programas de auditório, passou fome,

brilhou em festivais, disputou (e ganhou) testes de memória musical

na televisão, para depois ser aplaudido ou contestado com violência”.

(VEJA, 19 de janeiro de 1972, p. 64)

Uma possível segunda fase: “O ídolo agressivo: fase de tropicalismo e vaias em

“É Proibido Proibir”.Em 1968, momento auge do Tropicalismo, era representado como

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descompromissado em agradar o público, obtendo como resposta do mesmo, vaias e

protestos em relação as suas canções e aos insultos de sua parte ao público. Ao mesmo

tempo em que é visto como um agitador do público em torno de um ideal comum

esbraveja contra rejeição da juventude brasileira, descomprometida com a política.

A respeito de sua prisão em 1969, fato que o marcou profundamente, a revista

cita,

A prisão de Caetano Veloso, meses depois, passou a ser um fato

político com ressonâncias estéticas. Teve uma repercussão ainda mais

profunda junto ao público, inevitavelmente dividido [...]. A divisão

terminou quando Caetano Veloso foi solto e partiu para a Inglaterra.

De longe, ele passou a sentir saudades do Brasil. E o Brasil sentia

saudades dele. Foi perdoado pelos antigos adversários. (VEJA, 19 de

janeiro de 1972, p. 64)

No tocante às referências feitas pela revista, em algumas reportagens, a respeito

da prisão de Caetano é um tanto quanto superficial, não são apresentados dados

concretos, nem datas, nem motivações ou mesmo alegações concretas que motivaram a

prisão dele. Certamente que a partir de dezembro de 1968 e do AI-5, e devido ao

acirramento da censura sob os veículos de comunicação, poucas eram as referências

diretas a assuntos de entonação política. No entanto existem alguns dados que podem

ser subentendidos em discursos velados, referências aos artistas que foram presos, pela

ditadura e posteriormente partiram para os exílios. Outros momentos de reportagens que

Veja aparentemente assume um posicionamento favorável aos artistas, quando cita em

reportagem de julho de 1969, que fala dos shows de despedida de Caetano e Gil antes

de partirem para Inglaterra, “E na imprensa, de dezembro para cá, as notícias e

depoimentos favoráveis a Gil e Caetano ocuparam sozinhas todo o espaço. O que

fizeram eles este tempo todo?” (VEJA, 30 de julho de 1969, p. 64)

A terceira fase: “O ídolo que se despede: fase de viver longe de Santo Amaro e

“Irene”. Depois de retornar por um curto período a Salvador, Caetano parte para o

exterior, após dois shows que representaram sua despedida do público brasileiro, com a

divulgação estratégica de que iria buscar o sucesso no mercado internacional,

Caetano Veloso, com roupas de plástico colorido, cantando

dançando e gritando ao som de guitarras elétricas. “Legal”, mais

tarde, é o sujeito que escreveu “Irene” na prisão, lembrando a

irmã mais nova e dizendo “eu quero ir, minha gente, eu não sou

daqui”. É também o artista de sucesso que deixa o país de

41

cabelos raspados, vai para uma terra estranha, aprende a compor

em inglês e, como diz a contracapa de seu LP Britânico, “não

perdeu a alma ao trocar de país. (VEJA, 19 de janeiro de 1972,

p. 64)

No entanto, em 1972, nas edições da Veja, as menções a Caetano Veloso e seu

retorno definitivo, são de ídolo consagrado, “magro como sempre, aclamado como

nunca”, uma nova versão de um mesmo homem. Agora mais contido, mais receptivo

com seu público, encerrando definitivamente com a fase de sua juventude repleta de

angustias e pessimismos. Agora renovado, representa o otimismo nesta nova fase.

Segundo Veja,

O homem realmente estava lá. E nunca esteve tão bem, tão caloroso,

tão comunicativo, tão em paz consigo mesmo e com seu público.

Caetano Veloso, 29 anos, magro como nunca, 48 quilos, 1,69m, estava

no templo para ocupar o seu lugar, o mesmo que abandonara em 1969,

quando viajou revoltado e humilhado para a Inglaterra, e do qual

ninguém, durante todo esse tempo, conseguiu se apoderar". (VEJA, 19

de janeiro de 1972, p. 64)

. A revista traz alguns dados a respeito dos espetáculos proporcionados por

Caetano, dados numéricos de público, como também a participação de Caetano nos

lucros. Agora sim, ele colhe os louros de sua fama. A revista traz colocações discutindo

que a grande aceitação pelo público de sua música, não apenas o consagra enquanto

artista, mas também o enriquece. Mesmo que contrariando algumas expectativas de seus

antigos súditos do tropicalismo, em relação ao seu retorno, havia a aceitação de seu

“novo modo de ser”.

Gilberto Passos Gil Moreira nasceu em 26 de junho de 1942, em Salvador. A

revista Veja, demonstra que Gil não representava ser uma figura tão significativa quanto

Caetano. Grande parte das reportagens que remetem diretamente a ele trata das

diferentes existentes entre Gil e Caetano. O número de edições destinadas a Gilberto Gil

são em número muito reduzidas e muito mais curtas.

Veja faz referências ao novo modo de vida adotado por Gilberto Gil, suas

preocupações com problemas alimentares, a adoção de uma dieta macrobiótica e seus

estudos como a teosofia, filosofia. Para um artista que no auge do tropicalismo teve

atitudes consideradas como ambiciosas e agressivas, pelas descrições feitas pela revista,

essa fase está em muito superada. Aparentemente, as reportagens a respeito de Gil, tem

um tom mais leve, quando comparadas com Caetano, sendo que ambos eram

42

considerados como ídolos de grande parte da juventude, especialmente no auge do

tropicalismo. Veja descreve a rotina de Gil em 1969, da seguinte maneira,

Gil quase não sai de casa e quando vai jantar fora com os amigos

quase não come, falando o tempo todo do seu regime e da paz que

encontrou no estudo das religiões orientais. Há vários meses não fuma

nem bebe nada alcoólico. Ele sempre pede aos amigos que vão a São

Paulo para trazerem arroz com casca e soja, os principais ingredientes

da alimentação macrobiótica. (...) (VEJA, 04 de junho de 1969, p. 56)

Esse tipo de referência, do cotidiano de Gil, sua nova dieta, a opção de vida,

mantém relação direta ao início do ano de 1969, quando ele esteve preso, juntamente

com Caetano Veloso, e, no entanto não há referência em nenhuma das edições e

reportagens por mim analisadas que tratem desse assunto.

Mas, Gilberto Gil é considerado com um grande compositor, intérprete e

músico, tendo sua competência musical sendo reconhecida em várias das edições que

remetem a ele propriamente. O sucesso que ele alcança em 1969 é grandioso, quando

ele lança o LP “Aquele Abraço”.

É um produto de venda e ao mesmo tempo de adoração. Saiu da

cabeça de um compositor que menos de um ano atrás gritava gritos e

agora une velhos inimigos numa admiração igual e fraterna. “Aquele

Abraço”, de Gilberto Gil, é um milagre de ecumenismo: “Vendemos

50 000 discos nas duas primeiras semanas e esperamos faturar ainda

mais. (VEJA, 27 de agosto de 1969, p. 62).

Durante o período em que esteve na Inglaterra, após deixar o Brasil em 1969, a

revista representa Gil, como quem não compartilha do mesmo saudosismo que os

demais artistas brasileiros que estão no exterior, nas palavras de Veja ele tira proveito

da situação para desenvolver suas habilidades e conquistar o mercado internacional.

Mantendo sempre a linha de reportagens contendo comparações entre Gil e Caetano. Gil

mantém uma linha de pensamento inovadora, explora suas ideias, visto como um

músico a frente de seu tempo. Segundo a revista, em relação a Caetano,“Gil é diferente.

Ele pega a ideia desenvolve, decora, embeleza, enfeita. É o oposto de Caetano”.

(VEJA, 27 de janeiro de 1971, p. 58)

Gilberto Gil é reconhecido pela revista como um músico que conseguiu se

integrar com a música e o mercado internacional, conseguiu fazer de sua música algo

que pudesse ser vendido, e conseguiu através de sua musicalidade encontrar uma nova

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fora de se expressar. Segundo uma fonte citada pela revista, o empresário de Caetano e

Gil, no ano de 1971, Guilherme Araújo, que resume nos seguintes termos, “Caetano é

intelectual que faz música, Gil é músico”. (VEJA, 27 de janeiro de 1971, p. 58)

Seu retorno ao Brasil foi discreto, muito menos aclamado, com show de estreia

muito mais modesto, com público pequeno, e a revista novamente traçando uma

comparação entre os dois artistas, remetendo-se ao grande alvoraço que causou a

chegada de Caetano e seu show com recordes de público. As comparações seguem

baseadas nas declarações e nas justificativas de seu empresário, “São coisas diferentes.

Um é ídolo popular. O outro é um músico que veio mostrar seu trabalho”. (VEJA, 08 de

março de 1972, p. 62)

Com a intenção de demonstrar que as comparações entre Gil e Caetano eram

muito exploradas, a revista traz numa reportagem uma composição de Gil, “Ele e Eu”,

música inédita em seu espetáculo, que ele discute e realça as diferenças entre ambos,

Ele vive calmo/ E na hora do porto da barra fica elétrico/ Eu vivo

elétrico/ E na hora no porto da barra fico calmo”. (...) É uma espécie

de interpretação para o público sobre como ele (o “eu” da música) vê

Caetano (o “ele”). Diz ainda a música: “Ele curte cada golpe do

martelo do destino/ E na hora do porto da barra fica firme/ Eu espero

pelo beijo arrependido/ Da serpente do começo/ E na hora do porto da

barra fico aflito. Aqui Gilberto Gil parece referir-se ao fantasma de

violência que o persegue desde os tempos do tropicalismo, ao

contrário de Caetano Veloso. Mesmo trabalhando juntos, suas

imagens refletiam-se como faces diferentes de um rosto Gil

exteriorizava a agressividade das canções, que Caetano interiorizava

em gestos tristes e desamparados. Vaiado, Caetano classificou-se no

festival de 1968, com “É Proibido Proibir”. Igualmente vaiado,

Gilberto Gil foi desclassificado com “Questão de Ordem”, explosão

musical no mesmo nível, acentuada pela desordenação melódica.

(VEJA, 08 de março de 1972, p. 62)

Neste trecho da reportagem fica muito evidente que o tratamento aos artistas,

também pode ser visto como elemento claro de diferenciação entre eles. A aceitação do

público ao melodrama de Caetano era muito maior do que a agressividade de Gil. Uma

possível reação racista do público, em relação a Gilberto Gil, pois ambos mantinham o

mesmo perfil, as roupas, cabelos e, no entanto, os adjetivos pejorativos como

“demoníaco”, “mefistofélico”, ficavam relegados a Gil, como mostra a revista nesta

mesma reportagem de março de 1972.

Elis Regina Carvalho Costa, nascida em 17 de março de 1945, em Porto Alegre

no Rio Grande no Sul. Elis tornou-se ano de 1965 a surpresa como campeã do I Festival

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da Música Popular Brasileira, que chocou o público erguendo os braços mexendo-os

sem parar – o que lhe rendeu um apelido de Hélice - e movimentando corpo conforme

aumentava intensidade de sua música deixa o público impressionado com seus gestos.

De acordo com as reportagens da Veja, ela é uma cantora muito bem sucedida no Brasil,

com uma elevada arrecadação financeira, não precisa enfrentar o mercado internacional,

criando o perfil pra Elis de ser uma cantora que está bem posicionada, não precisa

disputar o mercado como os demais artistas a procura de sucesso. Assim ela é definida

nas palavras do então marido, Ronaldo Bôscoli, que se declara contrário às tentativas de

Elis Regina em buscar carreira internacional: “Uma cantora que ganha 50.000 cruzeiros

novos por mês em seu país, apoiada pelo público e com o marido ao seu lado, “não pode

de dar ao luxo de tentar iniciar uma carreira no estrangeiro””. (VEJA, 18 de dezembro

de 1968, p. 65)

Porém, a revista mostra uma nova versão de Elis, em 1968, com gestos contidos

no palco, cirurgias plásticas e cabelos curtos, na tentativa de transmitir um ar mais

calmo e sereno. Veja, recria para Elis, uma característica em sua carreira, a criação de

uma espécie de “imagem construída” para o sucesso, retirando sua naturalidade, seu

caráter explosivo, palavreado com uso frequente de sequencias de palavrões. De certa

maneira, toda a carreira de Elis parece ser desenhada, planejada.

No ano de 1970, a mesma referência é feita quanto à mudança que Elis foi

obrigada a fazer em suas apresentações. Segundo Ronaldo Bôscoli, “Elis Regina é a

maior cantora e a pior profissional do Brasil”. (VEJA, 22 de abril de 1970, p. 69)

Aparentemente, essa fala representa a justificativa das necessidades de mudanças no

perfil da cantora, com o intuito de alavancar ainda mais sua carreira. Reagindo as

críticas feitas ao seu desempenho, Elis segue um “esquema rígido e desestimulante de

movimentação no palco”, segundo palavras da revista.

O que é mais interessante de se perceber, é que a imagem de Elis está totalmente

desvinculada da Ditadura no Brasil no período de 1968 a 1974, em todas as edições

selecionadas a seu respeito, o que se pode encontrar é uma profissional com uma

carreira de sucesso no Brasil, e sendo “preparada” par conquistar o mercado

internacional, especialmente o europeu. Apesar de seus shows serem produzidos

baseados integralmente por compositores brasileiros de renome, como Caetano, Gil,

Jorge Ben Jor, Tim Maia.

Na edição de junho de 1969, o título da reportagem diz, “ELIS EXPORTA O

45

BALANÇO”, para descrever o sucesso que ela alcançou no mercado europeu,

delineando os rastros que a cantora foi traçando. Segundo a divulgação da revista, Elis

Regina, canta na França e faz sucesso com suas canções. Ela é uma das poucas

representantes da música brasileira a se apresentar na França. Devido a essas

apresentações ela é considerada também uma das veteranas no MIDEN (Festival da

Canção que acontece todos os anos em Cannes) em Cannes, França. Para ela o Festival

de Cannes representa a entrada do artista no mercado internacional, e quando se refere

ao MIDEN, é enfática: “A gente canta e se interessar eles vão comprar”. (VEJA, 15 de

janeiro de 1969, p. 62)

Elis é representada como uma artista que valoriza muito o nacional em

detrimento a muitos outros, que se dedicam a misturar elementos externos em sua

música para conquistar o mercado internacional. Segundo a revista ela declara durante a

gravação de comemoração de seus dez anos de carreira em Los Angeles, acompanhada

por Tom Jobim,

Estamos realizando esse disco na América unicamente porque o Tom

não poderá ir ao Brasil até o final do ano. (...) Mas Elis assegura,

também, que se trata de um disco eminentemente brasileiro, feito para

o Brasil, lembrando inclusive que a mesma qualidade técnica poderia

ser alcançada aqui. (VEJA, 13 de março de 1973, p. 94)

Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido como Chico Buarque, nasceu

em 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro. Chico foi descrito pela Veja, no ano de

1966, devido a sua apresentação no festival da TV Record, “o jovem e tímido Chico

Buarque”, revelação do festival com sua canção “A Banda”. E como cita o autor

Wagner Homem, em sua obra intitulada como “Chico Buarque”, a partir de então

configurou-se seu primeiro embate com a ditadura militar e certamente haveria muitos

mais, com o intuito de demonstrar que para Chico as coisas seriam difíceis e a censura o

observando severamente.

Chico Buarque é segundo Veja o retrato do artista que se manteve no foco direto

da censura. Essa “perseguição” a Chico representava algo muito significativo para o

momento, pois a revista traz em várias reportagens, e edições, citação de ações dos

censores nos shows de Chico e a suas composições. Grande parte das reportagens que

declaram e descrevem como agiam e quais eram as atitudes dos censures com Chico,

datam de 1973, quando a revista publica uma sequência de reportagens sobre Chico.

46

Descrito como um artista consagrado em solo nacional, tido por muitos como

um romântico de olhos verdes, e usando uma frase trazida pela revista, “o marido que

muitas mães gostariam de ter para suas filhas”, criando para Chico Buarque o perfil de

bom moço. Oriundo da classe média é desta maneira descrito por Veja, “filho de um

historiador, Sérgio Buarque de Hollanda, irmão de uma boa violinista, Heloísa (mulher

de João Gilberto) e sobrinho-neto de um maestro, com pai e mãe tocando piano em

casa”. (VEJA, 02 de maio de 1973, p. 46)

Travou uma luta acirrada com a censura para que pudesse cantar suas músicas

sem que houvesse maiores problemas. A troca constante das letras da músicas, entre

outras estratégias para que pudesse continuar a fazer seus shows, em inúmeras cidades

do Brasil, nas universidades para grandiosos públicos sedentos por suas palavras.

Segundo Veja,

Enfim, diante das letras de “Construção”, seu último LP, de dezembro

de 1971, e de outras mais recentes, professores universitários

passaram a sentir necessidade de redesenhar o perfil do poeta. Ele

teria atingido, no meio do fogo de uma atividade sem pausas, a

dignidade estética de um artista adulto e a responsabilidade moral de

um corajoso. Nada mal, para um moço de 28 anos e sete de carreira.

(VEJA, 02 de maio de 1973, p. 46)

Diante de todo o alvoraço de sua carreira, como apresenta a revista, Chico sente

a necessidade de criar uma dinâmica de personagens para assim conseguir alcançar seu

público. No entanto, para muitos de seus antigos admiradores o antigo Chico tímido e

romântico encantava muito mais. Alguns casos isolados o descrevem como um bêbado

– neste momento a revista faz mais uma referência como em outras edições, reiterando

o hábito de Chico subir ao palco de suas apresentações bebendo uísque ou cerveja - e

imoral e que suas palavras não possuíam talento nem coragem nelas pressionado sempre

mais pela censura. Veja cita que,

Assim, cinco anos depois de ter escrito e vomitado a peça “Roda-

Viva”, onde manifesta seu cansaço e irritação pelo fato de ser o ídolo

do qual todos tudo esperam, e ele está mais uma vez numa roda-viva

de trabalho, receios e angústias. Com em 1968, é um ídolo – e, de

novo, muitos esperam que ele seja e faça tudo de novo. (VEJA, 02 de

maio de 1973, p. 46)

Veja aponta, aponta que o público jovem que em 1968, fora atingido como um

furacão com a música de “A Banda” o aguarda sedento a espera de ouvir novamente

47

suas canções.

Como forma de vincular a imagem de Chico e sua popularidade com a indústria

cultural, a revista faz uma comparação da criação do Circuito Universitário – com a

proposta de levar os músicos às universidades - com os extintos festivais da canção.

Veja, traz uma afirmação de Chico dizendo que em 1973, ele queria mesmo era cantar

para estudantes e essa seria a “única saída digna para meu trabalho” (VEJA, 28 de

março de 1973, p. 81), segundo palavras expressas por Chico. Os shows alcançavam

altos índices de público e de arrecadação, e ultrapassou o âmbito estudantil. No entanto

grande parte desse público era muito jovem quando,

“A Banda” passou como um furacão pela vida dos brasileiros; estava

vendo Chico pela primeira vez. O que esperava ouvir essa massa

ansiosa, responsável pela mais recente galinha dos ovos de ouro do

show business brasileiro – os circuitos universitários -, e atenta às

notícias de que algo perigoso e proibido estaria saindo da boca do

cantor? (VEJA, 02 de maio de 1973, p. 47)

A revista mostra que os shows de Chico eram sempre considerados como sendo

um campo perigoso, tão grande era a vigilância sobre Chico, porém o que se pode

perceber é que ele não é manipulável. A influência que Chico tinha sobre a população

fica muito clara, nas referências que a Veja faz a respeito dos censores se articulando

em torno dele. Suas apresentações mobilizavam os censores, de maneira a dedicar a

atenção para seus espetáculos que eram dedicadas às apresentações censuradas.

Na edição de 16 de maio de 1973, Veja descreve a divulgação de um show

organizado pela Phonogram, um grande investimento, com a apresentação de diversos

artistas que estariam se apresentando, Elis Regina, Chico Buarque e Gilberto Gil,

Vinícius e Toquinho, entre outros. Chico e Gil apresentariam sua primeira composição

juntos, no entanto, “A Censura proibiu Chico Buarque e Gilberto Gil de apresentarem o

“Cálice”, que compuseram em parceria especialmente para a Phono. (...). E havia

policiais, disfarçados de cabeludos, desfilando ostensivamente entre os artistas”. (VEJA,

16 de maio de 1973, p. 79)

A revista traz em algumas edições que além de disfarces, da camuflagem entre o

público, os censores também boicotavam os shows, neste mesma edição de maio de

1973, que a revista descreve como imprevistos. Veja descreve exemplos de imprevistos,

“Nesta sexta-feira, por exemplo, o microfone de Chico Buarque subitamente entrou em

pane quando ele tentou dizer: “Não deixaram entrar minha música. Não faz mal, faço

48

outras””. (VEJA, 16 de maio de 1973, p. 79)

Em relação a cesura de suas composições, Chico sofreu algumas proibições,

como: “Tamandaré” (1965), “Apesar de Você” (1970), “Cálice”(1973), “Tanto Mar”

(1975) (Homem, São Paulo, 2009.), mas a revista declara que oficialmente Chico teve

três músicas proibidas: “Tamandaré”, “Bola de Amores” e “Apesar de Você”. (VEJA,

02 de maio de 1973, p. 47)

Segundo as declarações da Veja, a censura acerca das composições de Chico

eram constantes, como cita a revista,

(...) Em Setembro de 1971, dizia que, de cada três músicas que

mandava para a Censura, só uma era liberada. Em janeiro de 1972, a

estatística piorava para o seu lado: duas em cada três eram proibidas.

Era chamado quase todos os dias para dar explicações. Uma noite

tomou um pileque durante um show de Jorge Ben Jor numa boate do

Rio, e, chorando, foi ao microfone contar o que estava acontecendo.

Desabafou: “Estou com um medo danado”. (VEJA, 02 de maio de

1973, p. 49)

Veja busca demonstrar que a imagem de moço tímido criada para Chico, não

passa de uma mera criação, e para remeter-se a eventual mudança de Chico, ela faz a

seguinte referência,

Na verdade, porém, como diz seu próprio irmão “o Chico nunca foi

tímido, apenas permitiu que se fizesse essa imagem dele”. E o objeto

das críticas nem pretende se justificar. “Meu trabalho, hoje, é coerente

com o que eu fiz antes. “Mudei apenas a maneira de dizer as coisas.

(VEJA, 28 de março de 1973, p. 28)

Mas a aparente mudança mascara sua irritação e rebeldia, com as constantes

perseguições que representam para ela uma rotina. E segundo Veja,

Se ele insiste em cantar “Bárbara”, apesar das ameaças de suspensão

do show, é porque não admite ser alvo de mal-entendidos: embora já

liberada, gravada, tocada diariamente nas rádios de todo o país, uma

representante da Censura Federal impediu que aa música fosse tocada

no Tuca. Não Chico não perdeu a timidez. Apenas se tornou mais

velho. Ou “muito mais velho, cansado, irritado”, segundo a opinião de

sua mãe. Apesar de tudo, porém, sua música parece cada vez mais

rica, suas letras cada vez mais claras. (VEJA, 28 de março de 1973, p.

28)

O que se pode perceber a respeito do que a Veja produz sobre Chico Buarque, é

criar uma imagem de “queridinho”, apesar de descrever em alguns momentos sua

49

irritação e incômodos, causados pelas sucessivas censuras que sofria em suas

composições e também em suas apresentações. Apresenta claramente que ele não

sucumbiu à pressão e conseguiu driblar de várias maneiras os censores, que em muito

ocupavam dele.

50

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As edições de Veja permitem que se criem linhas de interpretações e

posicionamentos que os veículos de comunicação mantêm em relação a um

acontecimento, como a Ditadura Militar. Nas várias edições e reportagens analisadas

poucas remetem à Ditadura, comprovando que os meios de comunicação servem como

disseminadores de ideologias, que em sua maioria estão a serviço da classe burguesa e

se posiciona em favor da consolidação e legitimação do poder, como forma de se

estabelecer e dar continuidade ao seu trabalho.

O período da ditadura trouxe inúmeras consequências à sociedade, mas

especialmente aos sujeitos que sofreram a violência que este sistema de governo

impunha a todos aqueles que divergiam de alguma maneira de suas ações. Quando nos

referirmos à violência, não devemos reduzi-la a violência física, como também ao

cerceamento das liberdades de expressão dos indivíduos, mais precisamente nas artes e

na imprensa.

Neste trabalho buscamos problematizar e verificar como a imprensa tratava as

expressões musicais, por reconhecermos o alcance e o poder que a música possuía e

ainda possuí em conscientizar as pessoas para diversos problemas da sociedade. Seu

alcance, não se restringe apenas ao âmbito nacional, ele é mundial e reflete a realidade

dos seus países de origem. A música se torna ainda mais importante, quando se

considera o recorte temporal que este trabalho se propôs a analisar de 1968 a 1973. Esta

importância remete ao ano de 1968, por este ser o ano de maior efervescência dos

diversos movimentos culturais, raciais de gênero que aconteceram no mundo todo.

A imprensa é um veículo de comunicação que representa ideias e toma partido

daqueles que representa, sendo assim, nem sempre há a coerência entre o ocorrido e o

descrito, ela defende um ponto de vista, sua conclusão é uma interpretação da realidade.

Pudemos constatar esse fato, durante a realização desta pesquisa. Pois num momento

em que a sociedade brasileira se encontrava em um sufoco social, de muita

efervescência política, renovação da música brasileira, surgimento de novos

movimentos musicais, acirramento da censura, perseguições aos artistas, prisões e

tantos outros acontecimentos e ao fazer um balanço das reportagens analisadas, muitas

delas estão ligadas em divulgar informações ligadas ao tão sonhado e necessário sucesso

51

internacional e ao mercado da indústria cultural.

Esta pesquisa demonstrou, de que os silêncios e ocultação sobre determinados

artistas também podem nos dizer muita coisa. Dentre as 329 edições e das reportagens

analisadas da revista Veja, constatamos que nenhuma delas faz menção a Raul Seixas,

uma figura muito conhecida, marcante, com canções que muito tem a dizer para

sociedade. Assim como Raul, Tim Maia é raramente citado, interessante por ele ter sido

considerado como figura extremamente polêmica. A conclusão que se chega, é a de

compreender que a revista Veja, precisa divulgar os artistas que mantenham uma

ligação mais próxima com a indústria do entretenimento.

Trabalhar com uma fonte de imprensa escrita como a revista Veja, nos permite

inúmeras abordagens sobre uma mesma problemática, por haverem muitas questões e

perspectiva possíveis de serem trabalhadas. A disponibilidade de matérias, encontradas

sobre a problemática selecionada para este trabalho poderiam gerar inúmeros outros

trabalhos, pois os estudos sobre o período da Ditadura, estão apenas iniciando, existem

ainda inúmeras lacunas a serem PREENCHIDAS e NUNCA ESQUECIDAS.

52

FONTES

As fontes utilizadas nesse trabalho foram edições da revista de circulação

nacional Veja:

VEJA, ed. 3, 25 de setembro de 1968.

VEJA, ed. 5, 09 de outubro de 1968.

VEJA, ed. 6, 16 de outubro de 1968.

VEJA, ed. 15, 18 de dezembro de 1968.

VEJA, ed. 19, de 15 de janeiro de 1969

VEJA, ed. 39, de 04 de junho de 1969.

VEJA, ed. 40, de 11 de junho de 1969.

VEJA, ed. 41, de 18 de junho de 1969.

VEJA, ed. 47, de 30 de julho de 1969.

VEJA, ed. 51, de 27 de agosto de 1969.

VEJA, ed.79, de 11 de março de 1970.

VEJA, ed. 85, de 22 de abril de 1970.

VEJA, ed. 90, de 27 de maio de 1970.

VEJA, ed. 125, de 27 de janeiro de 1971.

VEJJA, ed. 148, de 07 de julho de 1971.

VEJA, ed. 176, de 19 de janeiro de 1972.

VEJA, ed. 183, de 08 de março de 1972.

VEJA, ed. 236, de 14 de março de 1973.

53

VEJA, ed. 238, de 28 de março de 1973.

VEJA, ed. 243, de 02 de maio de 1973.

VEJA, ed. 245, de 16 de maio de 1973.

54

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