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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CAMPUS DE MARECHAL CANDIDO RONDON
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS
COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA
BÁRBARA JUNG SCHNEIDER
A MÚSICA BRASILEIRA NOS PRIMEIROS ANOS DA DITADURA NAS
PÁGINAS DA REVISTA VEJA (1968-1973)
Marechal Cândido Rondon
2015
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CAMPUS DE MARECHAL CANDIDO RONDON
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS
COLEGIADO DO CURSO DE HISTÓRIA
BÁRBARA JUNG SCHNEIDER
A MÚSICA BRASILEIRA NOS PRIMEIROS ANOS DA DITADURA NAS
PÁGINAS DA REVISTA VEJA (1968-1973)
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado ao Curso de História do
Campus de Marechal Cândido Rondon da
UNIOESTE, como requisito básico para
obtenção do título de Licenciado em
História.
Orientadora: Dra. Carla Silva
Marechal Cândido Rondon
2015
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE
CAMPUS DE MARECHAL CÂNDIDO RONDON
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, EDUCAÇÃO E LETRAS – CCHEL
CURSO DE HISTÓRIA
BÁRBARA JUNG SCHNEIDER
A MÚSICA BRASILEIRA NOS PRIMEIROS ANOS DA DITADURA NAS
PÁGINAS DA REVISTA VEJA (1968-1974)
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dra. Carla Luciana Silva (Presidente e Orientadora)
Prof. Juliana Wendpap Batista
Prof. Dr. Rodrigo Pazziani
Marechal Cândido Rondon, 24/02/ 2016.
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Gente quer ter voz ativa/ No nosso destino mandar/ Mas
eis que chega a roda-viva/ E carrega o destino pra lá/ [...]
A gente vai contra a corrente/ Até não poder mais resistir/
Na volta do barco é que sente/ O quanto deixou de
cumprir.
Chico Buarque – “Roda Viva” (1967)
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AGRADECIMENTOS
Decidir cursar a universidade, deixar meu emprego, começar uma nova vida, quando eu
já havia começado minha família, decisão difícil, porém vejo agora que foi a mais
acertada. O tempo passou tão rapidamente, agradeço a Deus por ter me iluminado a
tomar minha decisão.
Agradecer, com quem começar. Minha mãe, exemplo de força, virtude, perseverança,
dedicou a sua vida a mim e a meus irmãos, sempre forte mesmo quando a vida se
mostrou extremamente difícil para ela e para nós, com a morte prematura de meu pai.
Mas superou e conosco conseguiu seguir em frente. Mesmo sendo muito jovem nos
incentivou e continua até a hoje a estimular a mim e aos meus irmãos a continuar.
Agradeço por nunca desistir de mim, obrigada mãe, sem você eu não seria quem sou.
Agradeço também aos meus irmãos Lucas e Enéas, por poder contar com vocês sempre
que necessário.
Meu marido Márcio, que sempre esteve ao meu lado em todas as decisões, dedicou-se
inteiramente aos nossos filhos Vitor e Cecília, especialmente nos momentos em que
precisei estar ausente. Amor, isso me fez te admirar ainda mais, com certeza você é tudo
o que eu poderia esperar de um companheiro de toda uma vida. E aos meus filhos, sou
extremamente feliz e realizada por tê-los em minha vida. A chegada de vocês dois
anunciaram um novo caminho a ser seguido por mim, a buscar sempre mais e juntos
conseguiremos ir muito além.
Agradeço a todos os meus colegas e amigos que caminharam comigo durante todo o
curso e os demais que encontrei durante a minha caminhada, Fabiana, Nayara, Elionay,
Luana, Tcheile, Kellin, Nadir, Lucas Fano, sou muito grata e lisonjeada por ter
conhecido a todos vocês.
Agradeço a todos os professores que participaram dee minha formação acadêmica:
Maria José, Marcos Ehrhardt, Marcos Barraca, Vagner, Gérman, Fábio, Scheille,
Terezinha, Osnir, Zen, Tania, Geni, Selma, Édina, Aparecida, Rinaldo, Claudia, Lucas,
Méri, alexandre, Danilo, obrigada por me auxiliarem com seu conhecimento.
Um especial agradecimento para professora e minha orientadora Carla Silva, que esteve
a minha disposição em todos os momentos em que precisei, e foram muitas vezes.
Agradeço por transformar meu trabalho em algo muito mais sutil do que eu previa, sua
calma e paciência me ajudaram tanto quanto o seu conhecimento. Sinto-me grata e
lisonjeada por ter sido sua orientada, certamente sem sua ajuda este trabalho não se
realizaria.
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RESUMO
SCHNEIDER, Bárbara Jung. A MÚSICA BRASILEIRA NOS PRIMEIROS
ANOS DA DITADURA NAS PÁGINAS DA REVISTA VEJA (1968 – 1974).
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
Marechal Cândido Rondon, 2015.
Este trabalho analisa o período da Ditadura Militar (1968-1974), tendo como
problemática a atuação da imprensa escrita, utilizando por fonte a Revista Veja, em
relação aos movimentos artísticos no período, especificamente com as reportagens sobre
as diferentes formas de expressão musical. Para Realiza-lo, busco problematizar, bem
como produzir uma análise dos discursos e posicionamentos da revista Veja ao tratar
dos movimentos musicais durante o período acima referenciado. A hipótese de que na
revista o que ganha destaque são as táticas da indústria cultural e o que se percebeu
foram as tentativas da Veja em pautar as suas reportagens em torno de artistas que
contribuíam diretamente com a crescente indústria cultural e a internacionalização da
música.
Palavras chave: Música; Ditadura; Censura; Grande-Imprensa.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................... 09
CAPÍTULO I – DITADURA CIVIL MILITAR: CONTEXTO,
CENSURA E IMPRENSA
.................................................................................................................
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CAPÍTULO II – OS FESTIVAIS, OS ARTISTAS E A CENSURA
.................................................................................................................
20
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................ 49
FONTES ................................................................................................. 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................ 53
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão do curso de História surge do meu interesse em
trabalhar com a música que para mim sempre foi importante, envolvente e também é
algo que me impressiona e comove muito.
Assim como a música, a Ditadura Militar também me é algo curioso, no entanto
trabalhar diretamente com questões que vem sendo hoje muito debatidas,
principalmente com a criação da Comissão da Verdade, para mim seria algo muito
penoso, por não lidar muito bem com o sofrimento alheio.
Após algumas conversas com minha orientadora, a professora e doutora Carla
Silva, discutimos a respeito de minha problemática de trabalho e, cheguei à conclusão
de que seria coerente e estimulante para mim produzir uma análise que permitisse
verificar a forma como a imprensa tratava os “movimentos musicais”. Considerando
que a imprensa é um veículo de comunicação vigente e atuante independente de quais
sejam as formas de governo, mantendo seu posicionando enquanto um espaço
aparentemente apartidário, rotulando para si um posicionamento de “neutralidade”
perante os acontecimentos da sociedade.
Foi de suma importância para a realização deste trabalho, tomar como ponto
inicial a realidade em que o Brasil se encontra hoje, um momento de recuperação e
resgate da memória de um período histórico para nós brasileiros, a partir da criação da
Comissão Nacional da Verdade.
A censura é um dos motivos que mais me causam inquietação, quando
relacionada com o tema por mim estudado, e segundo Carlos Fico: “A censura era um
dos esteios do regime militar brasileiro – juntamente com a propaganda política (...). Foi
amplamente utilizada para impedir a divulgação de temas na imprensa ou para coibir
manifestações artístico-culturais”. (FICO, 2001, p. 166).
Contudo, dentro de um sistema de governo extremamente autoritário o qual
contava com o apoio de forças repressoras que controlavam diretamente a vida da
população, intervindo tanto no âmbito público quanto no privado, como no caso das
manifestações artísticas e musicais, a MPB, o Tropicalismo, contou com compositores e
cantores como Chico Buarque, Caetano Veloso, Elis Regina, Gilberto Gil, Geraldo
Vandré, os quais conseguiram fazer com que suas canções se tornassem “hinos” de
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protesto contra a Ditadura. Considerando-se que há um “senso comum” na memória que
se lembra da época destes movimentos pelas canções de protesto.
No entanto, vale lembrar, que nem todos os artistas se enquadravam nesta arte
dita engajada. Existem movimentos musicais como a Jovem Guarda, que não mantinha
nenhuma relação com as canções de protesto, configurando uma divisão na Música
Popular Brasileira em dois grupos: os da música tida como participante ou engajada e a
“alienada”, sem participação alguma nas canções de protesto.
A respeito da cultura de protesto, como bem sintetizou o autor Alexandre A.
Stephanou: “A cultura de protesto e a arte engajada buscavam resolver o grande dilema
da intelectualidade: conscientizar, gerar indignação, colaborar para ciar um clima de
revolução, um desejo por mudança”. (STEPHANOU, 2001, p.137).
Este trabalho tem como proposta produzir uma análise baseada na fonte
selecionada, a revista Veja, avaliando qual era a forma como eram representadas as
canções de protesto, e problematizar como a revista trata as diferentes expressões
musicais do período. O que se percebe é que na revista Veja, o que ganha destaque é a
ampliação das táticas da indústria cultural, sobretudo a internacionalização da música,
que vai ser levada adiante por alguns músicos.
O que se tem de concreto é que apesar de toda a força imposta pelo governo, e
suas tentativas de calar a toda e qualquer expressão artística, peças teatrais, livros e
canções, que demonstrasse qualquer indício de protesto ao regime imposto pela
Ditadura, alguns movimentos musicais conseguiram alcançar grandes proporções,
conquistando adeptos dos mais diferentes segmentos da sociedade.
Indivíduos que assim como estes artistas compartilhavam das mesmas
inquietações e inseguranças em relação à Ditadura e que reconheceram o poder dos
manifestos das consideradas como canções de protesto, e através da música buscavam
forças para resistir à repressão imposta pela Ditadura. No entanto, apesar da
significância desse reconhecimento popular do poder da música, esse certamente não
era o eixo das reportagens da revista Veja.
A obra “Sinal Fechado” de Alberto Moby, que trata diretamente da censura no
período do Estado Novo e da Ditadura, demonstra que a Ditadura não poupou esforços
para legitimar o poder do Estado frente às liberdades individuais. Segundo o autor
Carlos Fico, “a censura era um dos esteios do regime militar brasileiro” (FICO, 2001,
p.166), agindo conjuntamente com a propaganda política. De acordo com Fico, a
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censura não foi um recurso utilizado apenas pelos militares, mas também por setores da
sociedade civil, o que nos faz pensar sobre como a imprensa lidava com a censura.
Durante o período do Estado Novo e da Ditadura, as expressões artísticas e
culturais se tornaram alvo direto da censura. A música popular brasileira foi rigidamente
censurada, assim como a imprensa, em especial a imprensa escrita, através da criação e
instalação de órgãos censores, como o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e
o Departamento de Polícia Federal (DPF), que produziam relatórios enviados
diretamente ao Ministério da Justiça. Segundo Fico: “A censura à imprensa foi tão
sistemática que rotinizou-se e, em muitos casos, acabou sendo absorvida, pelos
jornalistas, como etapa regular dos trabalhos diários da imprensa. A imprensa escrita foi
uma das grandes vítimas da censura.” (FICO, 2001, p.166).
Um dos principais intuitos em censurar as expressões artísticas e culturais, era o
de fiscalizar e impedir que fossem proferidas e disseminadas quaisquer notícias e
comentários que se mostrassem contrários ao regime e suas instituições. As proibições
estavam voltadas para notícias, reportagens, composições de música, peças teatrais,
livros, em resumo sob toda a forma de expressão.
O ano de 1968 foi o início de um período de efervescência das manifestações
artístico-culturais, especialmente a partir do mês de maio, com questões que vão muito
além da política. Ocorreram manifestações de vários grupos, estudantis, feministas,
mulheres, gays, negros, hippies, etc. Sobre o ano de 1968:
Os jovens de 20 ou 25 anos não se contentavam mais em se apossar do
futuro. Com igual paixão, e gestos mais decididos do que os dos seus
predecessores do pós-guerra, eles queriam dominar o presente, e não
só na França. Movida por uma até hoje misteriosa sintonia de
inquietação e anseios, a juventude de todo o mundo parecia iniciar
uma revolução planetária. (VENTURA, 1989, p.26)
Neste sentido, as preocupações por parte do Estado voltaram-se para estas
manifestações artísticos-culturais. Muitos artistas foram considerados a partir de 1968
como “subversivos”. Se enquadrava neste grupo todo o indivíduo que participava da
luta contra o regime imposto da Ditadura Civil Militar e que por consequência disso,
passaram a ser perseguidos pelo regime, especialmente após a promulgação do Ato
institucional nº 5 1 (AI-5) de dezembro de 1968, que acirrou ainda mais a repressão no
1 O AI-5 (Ato Institucional número 5) foi o quinto decreto emitido pelo governo militar brasileiro (1964-
1985). Entrou em vigor em 13 de dezembro de 1968. Considerado como um golpe duro na democracia
brasileira e que delegou plenos poderes aos militares.
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país, reproduzindo a violência, censuras, torturas, mortes e desaparecimentos de vítimas
pelos setores repressivos do regime.
Sendo assim, em se tratando de expressão artística, algumas delas representavam
para o Estado uma ameaça direta ao sistema, e seus representantes inimigos diretos do
Estado. Desta forma, como cita a obra “Entre a memória e o esquecimento: estudos
sobre os 50 anos do Golpe Civil-Militar no Brasil” de Carlos Gallo:
A arte, nesse sentido, era compreendida como uma forma de
propaganda política. Através das artes, eram discutidos problemas
sociais brasileiros, propagava-se a ideia de liberdade e experimentação
aos moldes do movimento da contracultura internacional, debatiam-se
as propostas de luta política das esquerdas do país e, ainda, criticava-
se e combatia-se a ditadura. Muitos desses artistas faziam parte de
organizações armadas ou de partidos de esquerda e refletiam em suas
produções suas formações políticas. (GALLO, 2014, p. 91)
Nesse momento, trago para a discussão a cobertura da imprensa escrita a
respeito desses movimentos de expressões musicais, quais eram as discussões trazidas
em suas publicações, tendo por fonte a Revista Veja, disponíveis em acervo on-line, que
durante o recorte temporal deste trabalho - 1968-1974 - mantinha em suas edições,
matérias voltadas diretamente para a música. Durante o processo de triagem e seleção
das matérias, as reportagens e suas informações muito contribuíram para minha
percepção e compreensão de que os discursos que a revista traz.
Para a realização deste trabalho, a fonte selecionada foi a Revista Veja, um
veículo de comunicação impressa, que tem publicações semanais a partir do ano de 11
de setembro 1968, ano da publicação da edição de Nº1. A revista é pertencente ao grupo
da Editora Abril, de propriedade da família Civita. Trata de temas variados abrangendo
questões políticas, econômicas e culturais. É reconhecida como sendo a maior revista
em termos de circulação em âmbito nacional, com tiragem superior a um milhão de
cópias, sendo a maioria delas mediante assinatura. A revista Veja, faz parte da grande
imprensa, mantendo um posicionamento velado alinhado à direita política.
No entanto, ao produzir uma análise a respeito da imprensa, é necessário que se
tenha certa prudência e cautela, como por exemplo, atentarmos que os discursos
apresentados por ela representam posicionamentos ideológicos que influenciam
diretamente no conteúdo das matérias publicadas. Sendo assim, em minha pesquisa
trabalho com a problemática de análise dos discursos deste veículo de comunicação, a
revista Veja, em relação aos movimentos musicais, dialogando com matérias que tratem
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da música enquanto um campo da arte engajada com a política no contexto nacional e
internacional ou como mais um produto da crescente indústria cultural, buscando
perceber se a revista visualiza a produção artística dos compositores e cantores da MPB
como um produto apenas ou como música de protesto.
O decorrer de minha pesquisa se realizou com uma primeira etapa, com a leitura
de bibliografia que tratava dos temas: ditadura, imprensa, música, entre outros, a
posteriori, a triagem das reportagens da revista a partir de 1968, ano da edição Nº1. A
seleção das reportagens foi feita entre as 329 edições da revista, publicadas no período
do recorte temporal deste trabalho. O que se pode constatar num primeiro momento, foi
que nem todas as edições mantinham a seção de música, devido a isso, o número de
reportagens foi inferior ao de edições. Minhas leituras tiveram início ainda no ano de
2014, o processo de triagem e seleção das reportagens se prologou até o início do
segundo semestre.
Para que este trabalho se desenvolvesse a contento, foi realizada uma separação
temática, dentre as reportagens selecionadas a partir da fonte, de acordo com a
recorrência e significância de cada um dos temas. A separação seguiu a seguinte
sequência: Ambiguidade dos títulos; Festivais; Jorge Ben Jor e Sérgio Mendes; Gilberto
Gil, Caetano Veloso , Chico Buarque e Elis Regina;
Sendo assim, este trabalho está estruturado em dois capítulos, iniciando com
uma breve discussão a respeito do contexto da ditadura, o papel da censura no campo
das artes e uma breve discussão sobre a imprensa. O segundo capítulo apresenta a
pesquisa realizada com as reportagens da revista Veja.
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CAPÍTULO I
DITADURA CIVIL MILITAR: CONTEXTO, CENSURA E
IMPRENSA
O objetivo deste capítulo é apresentar o tema da pesquisa e os principais
problemas de investigação. Num primeiro momento discutiremos sobre o contexto da
ditadura civil militar e a censura enquanto meio de repressão e posteriormente faremos
uma discussão sobre a imprensa e sua atuação no período da ditadura, destacando que a
discussão sobre a imprensa será aprofundada no segundo capítulo deste trabalho.
A Ditatura Civil Militar é vista como um acontecimento recente em nossa
sociedade, institucionalizada através de um golpe de estado em 31 de março de 1964
estendendo-se até 1985. Um longo processo que resultou no período de Terror de estado
brasileiro. Juntamente com a instalação da ditadura, no ano de 1964, impôs-se a Lei de
Segurança Nacional, como forma de legitimar a ação repressiva do Estado, em benefício
da Nação.
A Lei passou a influenciar diretamente em todos os setores da sociedade:
política, economia e cultura em nome da segurança. A Segurança Nacional tinha por
estratégia controlar e vigiar as ações dos indivíduos “subversivos”, criando a imagem do
inimigo interno. Maria Ligia Prado faz essa discussão sobre a criação do inimigo
interno em História da América Latina e segundo a autora:
Centros de inteligência militar formados na época, em diferentes
países, passaram a definir os contornos da chamada Doutrina de
Segurança Nacional, voltada a um novo tipo de inimigo – o inimigo
interno, imiscuído na sociedade e propagador de “ideias subversivas”.
(PRADO, 2014, p. 168).
Parto da concepção de Maria Lígia, da criação da Doutrina de Segurança
Nacional e terror de estado, da criação da imagem do “inimigo interno”, para discutir as
perseguições, violências e censuras sofridas por alguns dos sujeitos que fizeram parte
dos movimentos musicais, especialmente os da MPB (Música Popular Brasileira),
movimentos engajados na luta pela mudança social e política de nosso país no período
do regime. É de grande importância frisar, que nem todos os movimentos musicais da
época demonstravam essa preocupação.
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Para compreender o que significou a Ditadura no Brasil, trago a discussão feita
por Dreifuss, em seu livro “1964: A CONQUISTA DO ESTADO, ação política, poder e
golpe de classe”, a concepção de que a ditadura no Brasil, não pode ser considerada
apenas como um golpe militar, mas Civil-Militar, por contar com o apoio da burguesia,
de tecno-empresários, bem como o financiamento estrangeiro, em especial dos Estados
Unidos e empresários brasileiros.
Inúmeros são os argumentos, problemas e motivações que levam sempre mais
pesquisadores, a tornar a Ditadura como objeto de sua pesquisa. A criação da Comissão
da Verdade2, que trouxe à tona elementos que até então se encontravam silenciados por
tantos “aqueles” que foram perseguidos, ou mesmo por tantos outros indivíduos que de
certa maneira tiveram que lidar de diferentes formas e motivos, para que se revogasse
essa situação política e social opressiva e cruel, a que várias sociedades na América
Latina, não apenas o Brasil, diga-se de passagem, sofreram.
A atuação dos mecanismos de censura se abateu principalmente sobre a
imprensa e a música popular entre 1969 e 1970, tendo a concentração mais rigorosa da
repressão ocorrida nos anos de 1973 e 1974. No campo da música a atenção se voltava
ao fato de a música popular ser o bem cultural mais consumido pelas camadas
populares. A música também representava para muitos um “novo lugar no mundo”,
tendo assim ampla difusão de suas letras: “A música, nas suas diversas modalidades, era
um locus de resistência e disputas ideológicas, em meio a tropicalistas, representantes
da jovem-guarda e as denominadas „canções de protesto‟. (GALLO, 2014, p. 91)
Neste contexto, de engajamento político e social, surgem movimentos musicais
que tinham como objetivo lutar em prol da mudança e de melhorias para a população
em geral, envolvida num intenso debate político e ideológico. O autor Marcos
Napolitano traça um perfil da formação destes movimentos denominados como Bossa
Nova, Tropicalismo e posteriormente a denominação do que viria a ser consagrada
como MPB (Música Popular Brasileira), um segmento comprometido com a renovação
das composições brasileiras, sendo elas a partir de então mais dotadas de cunho
ideológico e político. Segundo Marcos Napolitano,
2 A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A
CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de
1946 e 5 de outubro de 1988. Conheça abaixo a lei que criou a Comissão da Verdade e outros
documentos-base sobre o colegiado. Em dezembro de 2013, o mandato da CNV foi prorrogado até
dezembro de 2014 pela medida provisória nº 632. Fonte retirada do site oficial da comissão da Verdade.
http://www.cnv.gov.br/
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(...) os movimentos, os artistas e eventos musicais e culturais
situados entre os marcos da Bossa Nova (1959) e do
Tropicalismo (1968) foram idealizados e percebidos como
balizas de um ciclo de renovação radical que, ao que tudo
indicava, havia se encerrado. Ao longo deste ciclo, surgiu e se
consagrou a expressão Música Popular Brasileira (MPB), sigla
que sintetizava a busca de uma nova canção que expressasse o
Brasil como projeto de nação idealizado por uma cultura política
influenciada pela ideologia nacional-popular e pelo ciclo de
desenvolvimento industrial, impulsionado a partir dos anos 50.
(NAPOLITANO, 2002, p. 1)
Neste sentido, seria de extrema importância que a população reconhecesse que
os movimentos artísticos e seus compositores, que se enquadravam na proposta trazida
pela MPB, principalmente durante os anos de 1968 a 1974, buscassem em sua maioria
incitar aos seus ouvintes quanto alguns lemas como, “liberdade”, “modernidade” e
“justiça social” em suas músicas e o fizeram mesmo no momento auge da repressão da
Ditadura Civil Militar.
Assim como bem coloca Marcos Napolitano, reconhecer nos movimentos
artísticos, em especial o musical, sua significância para mudança da sociedade, é
perceber que o uso da arte associada ao engajamento com o social pode alcançar
grandes dimensões e vir a mobilizar e conscientizar a uma parcela da população que
tendia mais ao conformismo. O que não significa que toda a música era de protesto.
É preciso compreender que “música popular brasileira” e MPB, possuem uma
significativa diferença, pois MPB, segundo cita o autor, Alberto Moby, em sua obra
“Sinal Fechado”, refere-se a um pequeno grupo de cantores e compositores que tinham
em sua formação musical a origem universitária e eram em sua maioria oriundos da
classe média e se propunham a combater o regime militar. Para o autor: “Na verdade, a
sigla MPB está vinculada, sem dúvida, à resistência da faixa de compositores e cantores
que, herdeira da chamada “canção de protesto”, de origem universitária, tinha como
proposta combater o regime militar”. (MOBY, 1994, p. 147)
Concordo com Moby, na importância de se reconhecer que nem toda a canção
da MPB possui em suas letras o cunho político, vinculada diretamente à contestação da
sociedade, e a MPB, apesar da significância da sigla representar essa conotação de
similaridade, quando se refere especialmente aos anos mais duros da Ditadura. Esta
pesquisa mostrou que a revista Veja não estava muito focada para essa MPB
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contestadora, na maioria das edições pesquisadas o que se pode constatar é que o foco
estava direcionado basicamente para o mercado crescente da indústria cultural, para
artistas que conseguiam transformar sua arte em mercadoria e agradavam o gosto do
público consumidor da classe média nacional e internacional.
Os movimentos artísticos durante a Ditadura Civil Militar enfrentaram uma forte
repressão do Estado. Em especial a censura, mecanismo utilizado como um aparato
rigoroso de legitimação do poder, como forma de extirpar toda e qualquer manifestação
popular que viesse a contestar o poder do Estado, além das demais práticas coercitivas
exercidas pelo Estado, como perseguições, violências e exílios. Com a instauração do
AI-5, em dezembro de 1968, o sistema se tornou ainda mais repressivo e a censura
intensificou-se não apenas nas artes como também no jornalismo.
Segundo Virgínia Fontes, a censura também esteve focada principalmente na
música popular, por esta ser uma manifestação de conotação política, apesar de ser tida
como um produto de consumo e aceitação massivo, no momento da criação e
desenvolvimento da indústria cultural, possibilitando ser um produto passível de
consumo para a grande massa. Para ela a emergência da música popular perturbou tanto
as estruturas do governo por sua essência fazer frente à repressão: “A própria cultura – a
música principalmente - torna-se o lugar de uma maior politização. Aprofundava-se a
busca de novas formas, e questões de estética musical e de conteúdos capazes de dar
conta das desigualdades sociais ou ainda de uma identidade nacional a construir”.
(FONTES, 2005, p.243).
A censura vigorou violentamente entre os anos de 1969 a 1978, porém entre
1973 e 1974 atingiu o auge de seu rigor. A atenção dos órgãos censores para a música
estava ligada diretamente ao fato desta ser a principal forma de expressão da juventude,
com maior difusão e aceitação, o que preocupava e de certa maneira conturbava a
“ordem” do regime:
Se a MPB sofria com o cerceamento do seu espaço de realização
social, a repressão que se abateu sobre seus artistas ajudou a
consolidá-la como espaço de resistência cultural e política, marcando
o epílogo de seu processo inicial de. institucionalização. Neste
processo, até os tropicalistas Caetano e Gil, considerados “alienados”
pela esquerda foram relativamente “redimidos (...)”. (NAPOLITANO,
2002, p. 1)
É certo que a censura tentou de todas as formas se valer da força do Estado na
tentativa de silenciar essa força jovem musical, no entanto estes não se deram por
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vencidos. Os compositores encontravam variadas maneiras e formas para burlar os
órgãos censores, alterando algumas palavras, no entanto mantendo a natureza e sentido
de suas canções, tornando-as aptas de serem gravadas. Mesmo com a ação dos censores
as músicas da MPB não perderam sua força, pelo contrário conseguiram se consolidar
como uma barreira cultural para o momento de anestesia que o regime militar impunha.
Além da música a imprensa tornou-se alvo da censura. É fato que os veículos de
comunicação foram censurados durante a Ditadura, no entanto isso não os impedia de
demonstrar diferentes discursos em apoio à legitimação do regime.
A imprensa passa a se valer dessa pseudo neutralidade para manipular a massa
de leitores que compravam e incorporavam seus discursos, representando os interesses
não apenas do regime, mas também da burguesia, uma parcela da sociedade civil que
apoiou o golpe de 1964 e que esteve diretamente vinculada a ele.
Neste sentido, vale analisar a imprensa enquanto um veículo de informação,
formador de discursos que se denominam “neutro e objetivo”, dialogando com o autor
Perseu Abramo, para discutir o posicionamento da imprensa enquanto um meio de
informação ligado diretamente à consolidação e legitimação do poder. Segundo o autor,
a imprensa tem grande importância para o Estado:
Ela é imprescindível como fonte legitimadora das medidas políticas
anunciadas pelos governantes e das “estratégias de mercado” adotadas
pelas grandes corporações e pelo capital financeiro. Constrói
consensos, educa percepções, produz “realidades” parciais
apresentadas como totalidade do mundo, mente, distorce os fatos,
falsifica, mistifica – atua enfim como um partido que, proclamando-se
como porta-voz e espelhos dos “interesses gerais” da sociedade civil,
defendendo os interesses específicos de seus proprietários privados.
(ABRAMO, 2003, p. 8)
Diante das considerações feitas por Abramo a respeito da imprensa, em que para
ele, a imprensa se configura como um veículo de comunicação que por muitas vezes
apresenta falsas abordagens, distorce realidades, falsifica posicionamentos intervindo
diretamente na compreensão dos sujeitos que por ventura acabam comprando esses
discursos e defendendo os ideais difundidos pela imprensa.
Tanto para o poder do Estado como para a imprensa, o ato de tornar seus
leitores em sujeitos a-críticos colabora em muito para a continuidade da ordem social. A
população sendo manipulada estabelece um campo neutro para a atuação desta mídia,
que distorce a realidade, recriando a História a contento daqueles que a alimentam. Para
20
Abramo:
A relação entre a imprensa e a realidade é parecida com aquela entre
um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a
imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não o é o
objeto como também não é a sua imagem; é a imagem de outro objeto
que não corresponde ao objeto real. (ABRAMO, 2003, p. 24)
Sendo assim, neste trabalho problematizo a ideia de que a imprensa agiu de
maneira conformista em relação ao período da Ditadura Militar, por defender os
interesses de determinada classe, relegando este período de efervescência política dos
movimentos tão conturbado para a população brasileira, transformando e generalizando
os movimentos artísticos de cunho político em produtos lançados no mercado.
21
CAPÍTULO II
OS FESTIVAIS, OS ARTISTAS E A CENSURA, SOB O OLHAR DA
VEJA
Este capítulo tem por proposta discutir e problematizar as reportagens
produzidas pela revista Veja a respeito dos movimentos artísticos, mais especificamente
da música no período de 1968 a 1973, durante a Ditadura Civil-Militar. Para a
realização deste, ressalto a importância de que a revista Veja é um veículo de
comunicação de grande circulação, mantendo seu campo de influência bem abrangente,
se legitimando enquanto formadora e disseminadora de opiniões em um momento de
turbulência nacional.
Para a realização deste trabalho inicialmente foi realizada uma pesquisa nas
edições da revista Veja, desde a sua primeira edição no ano de 1968, que estão
disponíveis na íntegra no acervo on-line, seguida de uma seleção, dentre as 248 páginas
impressas de reportagens que faziam referência à música especificamente. Durante o
processo de triagem das matérias, pode-se constatar inúmeros elementos que poderiam
contribuir em muito para a discussão proposta neste trabalho, devido ao fato de a
música ter sido um campo muito polêmico e participativo nos movimentos de
contestação da situação vivida pelo Brasil durante o período da ditadura militar.
No entanto, devido à grande quantidade de material disponível, se fez necessária
uma nova triagem nas reportagens, e a seleção me ative a questões que mantivessem
relação com os artistas que compunham o círculo de artistas que faziam parte da MPB.
Como resultado desta triagem, pode-se constatar que nem todas as reportagens que
faziam menção a MPB eram relacionadas às músicas ditas de protesto. Na grande
maioria as reportagens faziam referências a artistas e figuras polêmicas, algumas com
referência de ligação com a dita canção de protesto, que manifestavam seu
descontentamento com a Ditadura em suas canções, no entanto a maioria das
reportagens estava voltada mais para a indústria cultural, da música enquanto um
produto para o mercado nacional e internacional.
Neste sentido, ressalto a pertinência em discutir qual seria a real intenção da
revista em priorizar a divulgação da indústria cultural em detrimento a Ditadura Militar.
Era um período de grande repressão política e das atividades artístico-culturais.
22
Vincular o perfil da revista com artistas que se posicionavam como apolíticos,
demonstra claramente a sua intenção de manter sua pseudoneutralidade, um
posicionamento tendencioso alinhado à direita política, com o conformismo com a
ditadura, compactuando com esse sistema de governo, como forma de dar continuidade
à existência da revista e a garantia de lucratividade.
Sendo assim, um elemento importante a ser discutido é o fato de que a revista
Veja mantém como característica em suas publicações, na disposição das matérias sobre
música, à ambiguidade nos títulos de suas matérias. Entre as edições da revista
analisadas, selecionei os seguintes títulos: “COM ELES, BRIGA NA CERTA”; “A
BOSSA É NOSSA; MAS LEVA QUEM PAGA MAIS”; “AS COMBATIDAS
FLORES DE GERALDO VANDRÉ”; “O BRASIL VAI A CANNES VENDER
MÚSICA”; “ OS BAIANOS QUE VÃO”.
O critério utilizado para a seleção destes títulos, dentre tantos, é por terem
relação direta com a problemática discutida neste trabalho, por apresentarem elementos
que caracterizem o perfil da revista, em privilegiar a indústria cultural em detrimentos
dos demais acontecimentos da sociedade, como também por ser uma maneira de desviar
a atenção do púbico leitor da situação política vivida pelo país, mascarando a realidade.
O primeiro título a ser analisado “COM ELES, É BRIGA NA CERTA”, uma
referência aos festivais realizados no Brasil, pela TV Record, quando um dos
organizadores, diz na reportagem que será uma grande disputa entre as principais
correntes inovadoras da música no Brasil. Segundo ele, a batalha seria entre o grupo
Tropicalista, composto por Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom-Zé e os nãos baianos, do
grupo dos Mutantes e os demais compositores. Um elemento muito interessante desta
matéria é a discussão que ela traz a respeito do destino da música brasileira, pois a
menção da disputa entre os diferentes movimentos musicais da época nos permite
refletir que havia uma tensão entre esses diferentes movimentos musicais. Como forma
de comprovar esse argumento, e novamente fazer ligação entre a música brasileira e o
mercado internacional, a reportagem faz uma menção à situação que a bossa-nova
enfrenta no Brasil, como comenta a cantora Ana Lúcia, vista como uma das iniciadoras
deste movimento, “A bossa nova está vivendo sua grande crise: ela tem que encontrar
uma saída”. (VEJA, 16 de outubro de 1968, p. 59)
Neste sentido, a revista Veja argumenta que a saída para a bossa-nova, seria o
mercado internacional, comprovando isso com o uso da palavra de críticos extremados,
23
“A bossa-nova no Brasil acabou, ela só tem vez lá fora”. (VEJA, 16 de outubro de 1968,
p. 59)
No entanto, apesar de o III Festival da Canção ser visto pela revista como um
campo de disputa entre os diferentes movimentos musicais do Brasil, outro elemento
enfatizado por ela, é o fato de servir também como um mercado para a música, quando
nem sempre é o vencedor na verdade quem recebe o maior reconhecimento. Nesta
edição do Festival, do ano de 1968, o ganhador era Canadense, no entanto, os cantores
brasileiros tiveram maior notoriedade, e segundo Veja, apesar das disputas,
Numa coisa todos concordam: em termos de música, a parte brasileira
foi muito mais rica que a internacional. E, apesar das vaias, o Festival
funcionou como um mercado de canções, trazendo ao Rio uma
quantidade de nomes que seguramente promoverão a música popular
brasileira no exterior. (VEJA, 16 de outubro de 1968, p. 60)
Na matéria intitulada como, “A BOSSA É NOSSA, MAS LEVA QUEM PAGA
MAIS”, fazendo referência aos artistas brasileiros, como Gilberto Gil e o grupo dos
Mutantes, no ano de 1969, com destino ao exterior em busca de sucesso, assim como os
demais que antecederam a eles e que hoje além de cantar, atuam também como
empresários. Sérgio Mendes e Herb Alpert são artistas de renome e contribuem na nova
fase na carreira dos novos artistas que buscam alcançar sucesso no mercado
internacional.
O destino destes artistas é o MIDEN, “Mercado Internacional de Discos e de
Editores Musicais, mas segundo Veja, para os artistas brasileiros, “é uma grande
oportunidade de conquistar novos mercados” (VEJA, 24 de dezembro de 1969, p. 56),
discutindo a ideia de que os artistas precisam ir até o exterior caso queiram trilhar uma
carreira internacional. Especialmente, para os artistas da bossa-nova, que neste
momento enfrentavam dificuldades de sucesso dentro do Brasil, novamente aparece o
discurso da revista em relação necessidade de buscar o mercado internacional.
No entanto, mesmo que suas reportagens demonstrem a necessidade e traga as
oportunidades que a música brasileira tem de buscar novos mercados, ela discute que
nem todos se mostram dispostos a enfrentar o exterior. E não só os empresários
americanos estão contratando artistas brasileiros, até os brasileiros estão agenciando
outros brasileiros. Segundo Veja, Herb Alpert, empresário nos Estados Unidos, vem ao
Brasil para recrutar novos nomes para o mercado internacional, que se mostra mais
24
aberto do que nunca para a música latino-americana. E também o pianista Sérgio
Mendes, que criou sua própria firma, a “Serrich” - que ironicamente a revista traz a
tradução de Sérgio Rico - estava fazendo o papel de empresário e contratando muita
gente.
Diante disso, a revista recria a imagem do artista brasileiro como sendo
desleixado, saudosista e demonstra certa resistência em relação ao mercado
internacional. Durante essa reportagem, traz um tópico com a referência, “o grupo das
vidas mansas”, direcionando aqueles compositores que mesmo sem estarem nos Estados
Unidos, mas por terem suas composições regravadas por músicos de renome no exterior
como Sérgio Mendes, referência de sucesso internacional para Veja - estão faturando.
Quem está se mostrando difícil é Edu Lobo. “Edu impôs condições”,
diz Alpert. “Só vai aos Estados Unidos se não ficar preso a contratos.
Só para gravar”. Edu faz parte do grupo dos “vida mansa”, como são
chamados os compositores brasileiros que estão faturando sem
precisar sair do Brasil. (VEJA, 24 de dezembro de 1968, 57)
Outra referência da falta de persistência dos brasileiros é em relação a Jorge Ben
Jor, que retornou ao Brasil. Para Herb, ele teria sido um grande sucesso, “Se Jorge Ben
Jor tivesse ficado nos Estados Unidos, a três anos atrás, teria ocupado a „vaga‟ de Trini
Lopez como cantor latino de sucesso”. (VEJA, 24 de dezembro de 1968, p. 57).
25
Mutantes e Gilberto Gil: vão ao MIDEN em 1969 para conquistar a Europa. (VEJA, 24
de dezembro de 1968, p. 56)
A edição de 09/10/1968 está intitulada como “As Combatidas Flores de Geraldo
Vandré”, referindo-se à canção “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores”, alcançou
grande sucesso nos festivais, mesmo tendo sua composição frases dotadas de cunho
político. No entanto a revista apresenta que a música não está agradando a todos, e
Vandré e sua canção estavam sob observação constante do Estado, mantendo a presença
camuflada de censores e da polícia nos festivais. Como subtítulo da reportagem consta a
seguinte frase, “Só, com um violão e uma canção de dois acordes, Vandré fez 20 mil
pessoas cantarem “Pra Não Dizer que Não Falei de Flores”. O governo da Guanabara
26
não gosta dessas flores”. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54)
Com o intuito de apresentar quais eram as justificativas do governo em relação à
música, traz a declaração do Secretário de Segurança da Guanabara, General Luís de
França Oliveira, dizendo que pediria ao Ministério da Justiça a proibição da música.
Segundo costa na matéria, o General deu a seguinte declaração, “Essa música é
atentatória à soberania do País, um achincalhe às Forças Armadas e não deveria nem
mesmo ser escrita”. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54)
Um elemento importante a ser discutido nesta matéria, é que ela traz declarações
de militares se posicionando em relação a músicas que atacam ao sistema de governo.
No entanto, não há uma recorrência deste tipo de declarações nas matérias seguintes,
como foi possível perceber, mas podemos relacionar a ausência deste tipo de
informação e discussão devido ao período que se segue a esta matéria, a instauração do
AI -5 em 13 de dezembro de 1968, que acirrou ainda mais a censura no país.
Neste sentido, a revista procura relacionar a imagem de Vandré, ao movimento
de artistas engajados na luta política, mas também o traz como um artista que soube
aproveitar a oportunidade de sucesso, conquistado através de suas canções apresentadas
nos festivais, relembrando de algumas situações que havia sido rejeitado,
desclassificado com alegação de „cantar mal‟, e como consta na revista, “decidiu
arregaçar as mangas” (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54), com o intuito de reagir e
superar essa fase de sua carreira.
A figura de Vandré é representada como polêmica pela revista, criticado por
alguns e aplaudido por milhares, enquanto ele mantém um perfil de pessoa calma, que
não se abala com os protestos, “os protestos sempre aparecem”, tanto em forma de vaias
como aplausos. Segundo Veja, “Vandré reconhece que o tom político de sua música
ajudou-o na consagração, mas, quando tirou o segundo lugar, disse que “a vida não se
resume a festivais”. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54)
Se para muitos, os festivais da canção eram como um palco de batalhas, entre os
diferentes compositores e cantores que compunham os diferentes movimentos musicais
da época, uma disputa por reconhecimento, sucesso, para Geraldo Vandré, o festival, “É
uma vitrina onde os compositores expõem suas músicas. E há muito poucas vitrinas
hoje em dia, por isso compareço”. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54), justificando
suas participações. A revista traz uma comparação feita por Vandré em relação aos
festivais, comparava-os, “a um pau de sebo, onde os artistas brigam para subir,
27
deixando a música em segundo lugar”. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 54)
Geraldo Vandré: As flores já estão em segundo plano. É hora de voltar e vencer, embora
festival seja “um pau de sebo”. (Veja, 09 de outubro de 1968, p.55).
Segundo a revista, Vandré não era um artista muito requisitado, apenas com a
venda alcançada com “Pra Não dizer que Não Falei de Flores”, as portas da televisão se
abriram para ele, assim como o mercado internacional. Em relação ao mercado
internacional, a dúvida seria se suas composições seriam compreendidas pelo público
internacional, devido ao tom político que suas músicas possuíam, pois mesmo dentro do
Brasil, suas canções eram compreendidas de diferentes maneiras. As críticas musicais
que recebia e algumas denominações feitas pelos militares, que o descreviam como de
esquerda, levavam sua música para outras áreas. Mas Vandré manteve-se positivo
quanto a essa preocupação, segundo ele, “O compositor deve ser fiel ao seu país, pois é
a partir dele que será universalmente compreendido” (VEJA, 09 de outubro de 1968, p.
54).
Apesar das dificuldades, das críticas e dos protestos às suas músicas, Vandré
teve seus momentos de glória nos festivais, a revista traz uma colocação muito
interessante sobre Vandré a respeito do III FIC (Festival Internacional da Canç, dizendo
que os artistas que se apresentavam nele eram bem representativos do que se
propunham a fazer. Estavam assim descritos pela Veja: “cantores e criadores, Caetano e
28
os Mutantes, como compositor Geraldo Vandré e a pilantragem tinham por
representante Roldão Vieira, com a música “América, América”. Para Veja,
Na água morna da música brasileira, Caetano entrou pra quebrar – e a
História mostra que aqueles que entraram para “fundir a cuca” da
situação sempre foram grandes criadores. Pilantras são os que fisgam
no ar alguns dados heroicos (opinião de estudantes, manchetes de
jornais, falsos engajamentos) e transformam esses dados em
“mensagem revolucionária”, vazada em linguagem musical
hollywoodiana e demagógica, temperadas com muitos violinos e
euforias sinfônicas. Enquanto Caetano enfrenta o público, Vandré faz
média: “Respeitem o Tom e o Chico que vocês estarão me
respeitando”. Vandré derrama sobre o auditório sua canção despojada,
limpa e linda. (VEJA, 09 de outubro de 1968, p. 55)
A edição de 15 de janeiro de 1969 traz como título da matéria a seguinte
descrição, “O BRASIL VAI A CANNES VENDER MÚSICA”. Esta foi à apresentação
da Revista, referindo-se ao festival MIDEM (O Mercado Internacional de Discos e
Editores Musicais, uma espécie de festival realizado todos os anos em Cannes), como
sendo apenas um mercado da música, não um festival, por não haver competições, um
evento da efervescente “indústria cultural”, que conta com apresentação de artistas
estrangeiros, com suas músicas, a serem apresentadas ao mercado internacional,
contento com uma plateia repleta de editores, donos de gravadoras, empresários teatrais,
proprietários de boates, cantores e orquestradores, com interesse de renovar seus
repertórios. Segundo cita, um dos criadores do MIDEN, Bernard Chévry, “O MIDEN,
não é competitivo. É uma feira em que os artistas do mundo inteiro oferecem seus
espetáculos e suas canções”. (VEJA, 15 de janeiro de 1969, p. 62). E as “mercadorias”
são adquiridas ou não e dependendo do resultado e da aceitação do público, que é
determinante na garantia da conquista do sucesso no mercado internacional. Esta
reportagem apresenta a citação de Elis Regina, considerada pela revista como sendo
uma veterana do MIDEM, “A gente canta e se interessar eles vão comprar”. (VEJA, 15
de janeiro de 1969, p. 62)
29
(VEJA, 15 de janeiro de 1969, p. 62)
“OS BAIANOS QUE VÃO. Da Bahia para o mundo, Caetano e Gil encerram
uma fase da música popular brasileira.” A revista faz uma caracterização de um super
show de despedida de Caetano e Gil na Bahia, enquanto a plateia os aguarda em silêncio
ambos entram no palco cantando suas últimas canções e a plateia vai à loucura. A
referência feita em relação ao show sugere que Caetano e Gil tenham optado por uma
nova forma de fazer música, de cantar, um novo som, diferente daqueles apresentados
nos festivais, quando eles recebiam vaia como forma de protestos por parte do público.
Essa nova versão dos cantores, foi de aceitação geral.
Caetano Veloso, magro como sempre, aclamado como nunca,
entrou no palco cantando uma de suas últimas canções, “Matinê
no Cinema Olímpia”. A bola fica azul, contorceu-se em várias
direções e se transformou no perfil de um Volkswagen. Gilberto
30
Gil entrou em cena e cantou “Volks – Volkswagen Blue”. A
plateia aplaudia de pé, alguns subiram no palco para abraçar os
dois cantores. (VEJA, 30 de julho de 1969, p. 64)
Veja traz como se toda essa superprodução fosse necessária para que ambos
recuperassem seu prestígio em solo nacional, antes de partirem para carreira
internacional. Depois de um período de “esquecimento”, Veja diz, que eles só
conseguiram algum sucesso em sete meses, por que Gal Costa interpretou suas músicas
e conseguiu vender muitas cópias de seu LP, e que ela se tornou um fenômeno nacional
lançando um novo estilo.
Em quinze músicas, novas e velhas, os dois baianos pareciam estar
lutando contra o tempo perdido. Nestes sete meses, sua música
poderia estar condenada ao esquecimento se o LP de Gal Costa - com
composições de Gil e Caetano – não tivesse vendido tão bem (cerca de
100 mil cópias) e se seu estilo não tivesse sido copiado de ponta a
ponta do país. Um ano atrás, Caetano e Gil eram vaiados pela plateia
de universitários paulistas, que proibiram no III FIC o seu “É proibido
Proibir”. (VEJA, 30 de julho de 1969, p. 64)
O lançamento de um novo estilo musical, por Caetano e Gil e outros artistas e
intelectuais, que denominam de Tropicalismo - O tropicalismo, é um movimento
surgido entre 1967-1968, articulado em torno das figuras de Caetano Veloso e Gilberto
Gil, envolveu artistas de diversos campos, como Rogério Duprat, Hélio Oiticica, José
Celso Martinez Corrêa e Gláuber Rocha (VEJA, 30 de julho de 1969, p. 64) - parece ter
influenciado uma parcela significativa dos músicos jovens que participam dos festivais
por todo o país. Esse estilo influencia não apenas pelo estilo musical, com novos
arranjos, introdução e mistura de sons, novas formas de cantar, como também lançou
estilos de figurinos e roupas que caracterizavam esse movimento.
Outro elemento de extrema importância nesta reportagem é uma discussão
velada a respeito da ação da censura a partir de dezembro de 1968 e do AI-5, quando a
revista faz referência a cobertura da imprensa em relação a Caetano e Gil. A reportagem
diz,“... E na imprensa, de dezembro para cá, as notícias e depoimentos favoráveis a Gil
e Caetano ocuparam sozinhas todo o espaço. Que fizeram eles esse tempo todo?”
(VEJA, 30 de Julho de 1969, p. 54)
Porém, ao que remete à carreira internacional de Caetano e Gil, a revista faz uma
relação com tentativas anteriores de alcançar sucesso no mercado internacional e que
não se realizaram, permitindo fazer também relação com outros inúmeros artistas
31
brasileiros que buscaram fazer sucesso no exterior, mas que acabaram por voltar ao
Brasil devido a inúmeros fatores, especialmente a falta de contratos, saudosismos e a
falta de um produto pronto para o mercado internacional. Para Caetano e Gil, essa nova
fase se configurava de maneira diferente, além de estarem com contratos garantidos já
desde o mês de janeiro de 1969, surgem novos convites para eles em outros setores da
arte, como produzir trilhas sonoras para o cinema. Sendo assim, a revista publica,
Quatro anos depois de deixarem a Bahia para cantar no Rio e em São
Paulo, “calados e magros”, como cantam na sua música “Miserere
Nobis”, Gil e Caetano seguem para Lisboa e Londres, onde desde
janeiro há contratos esperando por eles. Mas desta vez não há
incertezas: além de contratos, Gil foi convidado para fazer a música de
“Le Drapeau Blanc d‟Oxalá”..., e Glauber Rocha mandou uma carta
da Europa dizendo que Goudard se interessará pelas músicas de
Caetano num de seus filmes. (VEJA, 30 de julho de 1969, p. 54)
Mesmo que o tropicalismo não se apresente enquanto um movimento ligado
diretamente com a política do país, a revista demonstra que Gil, conserva sua veia de
protesto, pois ao final da reportagem faz uma menção a respeito de Gil, que ao finalizar
o show de sucesso e também de despedida dele e de Caetano no Brasil, na euforia da
plateia, Gil canta a música “Aquele Abraço”, com o intuito de deixar seu recado a todos
os brasileiros.
No momento da despedida, quando a plateia já subia ao palco, Gil
cantou “Aquele Abraço” (não está no disco), que ficou sendo uma
espécie de adeus dos baianos que vão e não sabem se voltam: “Meu
caminho pelo mundo/Eu mesmo traço/A Bahia já me deu/Régua e
compasso/Quem sabe de mim sou eu, aquele abraço/Pra você que me
esqueceu, aquele abraço/Todo povo brasileiro, aquele abraço”.
(VEJA, 30 de julho de 1969, p. 55)
Neste momento, considerei ser pertinente para essa discussão também, produzir
a análise de reportagens a respeito dos Festivais da canção, que eram organizados pelas
redes de televisão entre as décadas 1960 e 1970. A revista Veja, permitiu constatar que
foi no ano de 1968 que se concentraram grande parte das reportagens que fazem
referência aos festivais. Veja traz na reportagem de setembro de 1968, a respeito do
surgimento dos festivais,“O fenômeno festival começou em 1965, quando Edu Lobo,
com “Arrastão” venceu no Guarujá (SP) o I Festival da Música Brasileira patrocinado
pela TV Excelsior”. (VEJA, 25 de setembro de 1968, p. 68)
32
O significado dos festivais para a música popular brasileira nesse momento é
destacada pelo autor Carlos Gallo, segundo ele,
A música, nas diversas modalidades, era um locus de resistência
disputas ideológicas, em meia a tropicalistas, representantes da jovem-
guarda e as denominadas “canções de protesto”. Essas disputas eram
acirradas pelos festivais organizados por redes de televisão no final da
década de 1960 e início de 1970. Eram as competições nos “festivais
da canção” que dividiam o gosto do público entre vaias e aplausos às
canções defendidas pelos músicos. Nos anos de 1960, Geraldo
Vandré, Nara Leão, Edu Lobo e Chico Buarque de Hollanda
consolidavam-se como grandes referências musicais na luta contra a
ditadura. Tudo isso era acompanhado pelo sistema de vigilância do
governo. (GALLO, 2014, p. 91)
No entanto, para a revista Veja, os festivais tem outro significado, muito mais
ligado ao mercado da música, como uma espécie de espaço onde os artistas usam para
promover suas canções, inovando sempre mais, em melodias, figurinos, arranjos,
cenografias. Segundo Veja, nem mesmo o público compreendia os festivais como uma
disputa ou como local de protesto ao autoritarismo da Ditadura, simplesmente como
uma disputa de canções e sons, reagindo através de vais e aplausos as canções,
rejeitando as inovações dos artistas:
É esta juventude que quer tomar o poder? Como, se vocês estão ainda
planejando matar amanhã o velho que já morreu ontem? Nunca mais
coloco músicas em festivais, explodiu Caetano Veloso, debaixo de
vaias, no encerramento da fase paulista do III Festival Internacional da
Canção. Sua Canção “É Proibido Proibir”, mesmo obtendo boa
classificação, foi a mais vaiada da noite. O público aceitou a música,
mas da maneira como ela foi apresentada: Caetano e os Mutantes com
estranhas roupas de plástico. Augusto Marzagão, organizador do
Festival também não gostou, mas por outros motivos: “O erro dos
compositores é querer fazer música com harmonias geniais: ninguém
assobia harmonias. Assobia isso sim, uma boa melodia. (VEJA, 25 de
setembro de 1968, p. 68)
A atenção de Veja está focada na crescente influência que os festivais têm em
renovar a música brasileira, revelando ainda mais a afinidade com o discurso da
indústria cultural de superar o antigo, e revelar novos nomes como Milton Nascimento,
Gracinha Leporace e Elis Regina. E para Veja, o maior mérito dos festivais, “é trazer
cartazes internacionais que depois divulgam no exterior a nossa música” (VEJA, 25 de
setembro de 1968, p. 68). O que mais importa é vender, não “fazer bonito”.
A forte influência da indústria cultural torna-se muito marcada e caracterizada
33
enquanto elemento de relevância para a revista, claros nos subtítulos das matérias,
“Vaias, confusão, manobras de bastidores, teve de tudo no III FIC. Segundo seus
organizadores, o Brasil só lucrou com isso”. “O público cansado pede renovação:
Roberto Carlos mudou três vezes de janeiro a setembro de 68”. “O produto nacional
vende e está na moda”.
Diante disso, serão analisadas as reportagens que discutem particularmente os
artistas. A pesquisa realizou-se utilizando os mesmos métodos que anteriormente,
iniciando pela seleção nas edições analisadas que compreendem o período do recorte
deste trabalho, de 1968 a 1975. Na sequência a seleção dos artistas a serem discutidos
ocorreu devido à recorrência de reportagens referidas a eles durante o período analisado.
Neste sentido, trago para a discussão Sérgio Mendes e Jorge Ben Jor. A grande
recorrência de suas carreiras nas reportagens selecionadas impressiona. Pois a relação
que ambos mantinham com a Ditadura, era muito diferente dos artistas que
representavam a MPB, o Tropicalismo, que mantinham um posicionamento político,
que faziam uso da música para contestar o Estado. Ambos mantinham suas carreiras
tendenciosamente direcionadas à “comercialização” da música, fruto da crescente
indústria cultural.
O enfoque das reportagens a respeito deles se detinha em tentar demonstrar
como ambos conseguiram alcançar sucesso e ao mesmo tempo manter suas carreiras a
mercê de praticamente todos os acontecimentos, em especial os políticos. Sérgio
Mendes, por ter sucesso no exterior e Jorge Ben, no Brasil, na maior parte do tempo.
Sérgio Mendes nasceu em 11 de fevereiro de 1941, em Niterói, Rio de Janeiro.
Ele representa para a imagem de artista de sucesso, que consegue consagrar carreira
internacional pelo seu perfil de empreendedor, determinado, que soube aproveitar a
chance quando apareceu. Segundo a revista Veja, a música brasileira buscou sua entrada
no mercado internacional em 1962, quando Sérgio Mendes, acompanhado por outros
músicos e patrocinado pelo Itamaraty, foram vender a música brasileira aos Estados
Unidos. Em 1969 no MIDEM3 em Cannes, na França, com seu “Brazil „66”, Sérgio
Mendes se apresenta como sendo um dos brasileiros com muitas gravações consagradas
na Europa.
3 MIDEM – Mercado Internacional de Discos e Editores Musicais, um espécie de festival que é realizado
todos anos em Cannes, na França.
34
(VEJA, 11 de junho de 1969).
Segundo Veja, ele descobriu a receita correta para alcançar o sucesso, a
necessidade do músico brasileiro de vender seu trabalho sem intermediários,
diretamente ao consumidor. Segundo Veja, Sérgio e
Seu conjunto Brazil ‟66, com duas cantoras, um pianista (ele), uma
baterista e um percussionista, conseguiu uma estranha, mas
comercialmente eficiente alquimia. As duas vocalistas (americanas) se
mexiam à lá Elis Regina e cantavam forte, alto e em inglês, traduzindo
o João Gilberto parado sussurrava em português. (VEJA, 11 de março
de 1970, p. 62)
A respeito de Sérgio Mendes, a Revista Veja, cria um perfil de “businessman”,
termo utilizado pela própria revista. Segundo Veja, Sérgio Mendes,
Já levou uma dezena de músicos brasileiros para os Estados
Unidos e reúne sob o nome de Sérgio Mendes Enterprises uma
firma de produções (Serrich), duas de publicações (Roda e
Berna) e uma gravadora (Vento). Aos poucos, tudo isso começa
a ser conhecido como o Império de Sérgio Mendes. (VEJA, 11
de junho de 1969, p. 56)
35
(VEJA, 11 de junho de 1969).
Neste sentido, com o intuito de produzir uma crítica a respeito dos inúmeros
artistas que almejam conseguir construir uma carreira internacional, a Revista Veja, traz
em suas reportagens um discurso de que os Estados Unidos é um dos mercados mais
abertos para artistas estrangeiros e que a partir do momento em que se tem uma
mercadoria, estão dispostos a comprá-la. Nesse mesmo tempo, constrói a imagem de
que o artista brasileiro apesar de querer sucesso é descomprometido, saudosista, que no
menor empecilho retorna para o Brasil. Na edição de 07 de junho de 1971, uma citação
de Sérgio Mendes a respeito dos artistas brasileiros dizia, “Ensaiávamos o dia inteiro,
tocávamos para empresários, donos de clubes e conseguimos um contrato na Capitol.
Mas batia a saudade e o pessoal voltava”. (VEJA, 07 de julho de 1971, p. 88)
No entanto, com relação a Sérgio Mendes a revista continua a traçar a imagem
de homem persistente, comprometido com a sua carreira, demonstrando que o sucesso
depende da mercadoria que o artista possui e a disposição que tem para vendê-la. O
mercado internacional e o sucesso estão ao alcance de todos, no entanto apenas os
melhores o alcançam. Sérgio é o exemplo de persistência e segundo a Revista a respeito
dos demais,
Poucos músicos brasileiros estão aptos a enfrentar os EUA: é preciso
coragem, persistência, humildade e evidentemente talento. Edu Lôbo,
por exemplo, teve seu LP “Sérgio Mendes Presents Edu Lôbo
recentemente lançado e deveria estar lá promovendo suas músicas e
não aqui. (VEJA, 07 de julho de 1971, p. 88)
36
Traçar comparações entre quem fica e quem dá certo no exterior é um elemento
bem marcante nas reportagens analisadas, uma tentativa de criar o perfil de artista ideal
para ser sucesso no mercado da indústria crescente da música.
Ainda segundo as opiniões contidas na revista, nem todos os brasileiros que
buscavam fama no exterior admitiam sua real intenção, Caetano e Gil, e outros que
alegavam que sua saída do Brasil teria sido como fuga de perseguições políticas sofridas
por eles, e que de qualquer forma, alguns artistas precisariam conhecer mais sobre a
história do Brasil no mercado internacional, para alcançar o sucesso como Sérgio
Mendes.
Jorge Ben Jor, nascido em 22 de março de 1945, no Rio de Janeiro, não é
descrito como um homem de sucesso, devido à inconstância de sua carreira, no entanto
esteve em foco em diversas edições da revista, o que impressiona ainda mais, devido à
imagem que a Veja constrói a seu respeito. Uma imagem de artista descompromissado,
demonstração clara de queixas a respeito de sua conduta profissional, mas que, no
entanto consegue manter uma identidade única em suas composições.
Sua primeira tentativa de sucesso no exterior fracassou, quando no momento
mantinha parceria com Sérgio Mendes. Ben Jor não obteve como intérprete o mesmo
sucesso que Sérgio Mendes, quando grava suas composições, como “Mas que nada” em
1966, e “Zazueira”, em 1969.
Segundo Veja, desde 1963 o traço mais marcante da carreira de Jorge Ben
seriam as inconstâncias de suas aparições e atitudes. Apresenta nas reportagens
depoimentos de colegas e amigos a respeito de sua conduta profissional, como cita o
que pensam a respeito de Jorge Ben,
É um excelente compositor, só não está comigo porque não quer,
afirma Sérgio Mendes. Roberto Menescal, outro amigo e companheiro
de Jorge Ben é ainda mais duros: É um bobo que não aproveita o que
merece e acha que pode fazer tudo sozinho. Sozinho ele está é como
compositor, um artista sensacional e difícil de localizar dentro da
música brasileira. (VEJA, 18 de junho de 1969, p. 59)
Neste sentido, a revista Veja se vale do poder de convencimento que ela possui,
e busca disseminar sua opinião tornando-a consenso, trazendo a fala de outros artistas
como forma de comprová-la. Ao mesmo tempo em que reconhece o sucesso de Ben Jor,
por destacá-lo recorrentemente em várias edições da Revista, o discurso nela contido a
seu respeito constrói críticas diretas a ele, procura confirmar o perfil por ela criado a
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respeito de Jorge Bem Jor, trazendo trechos de entrevistas feitas a seu respeito no meio
artístico, com seus amigos, especial os que possuem maior reconhecimento.
Sua postura de único, desengajado de praticamente todos os movimentos
musicais surgidos durante a sua carreira também se tornou alvo de destaque nas
reportagens, sendo visto como um artista que sempre se manteve á margem dos
movimentos musicais, como cita a Revista,
Cantou no Beco das Garrafas, sem nunca ter nada com a bossa-nova,
tocou no programa de Roberto Carlos, sem fazer iê-iê-iê, e no de
Caetano Veloso e Gilberto Gil, sem ser tropicalista. O ritmo que ele
tira do seu “pinho envenenado” a corda de ré do seu violão está
sempre em sol, o baterista tem que dar três batidas surdas fortes, em
vez de duas para segui-lo) é exclusivo e ele não faz por menos:
“Desculpe, gente, mas assim eu não canto”, diz dos conjuntos
previamente ensaiados. E se justifica: “Já entrei muito pelo cano”.
(VEJA, 18 de junho de 1969, p. 59)
Com o intuito de justificar a resistência ou mesmo desinteresse de Jorge Ben em
se encaixar vários movimentos musicais da época, ele é considerado por muitos dos
grandes nomes, como sendo o maior compositor brasileiro e o “único a não possuir
máquina montada para fazer sucesso”. Fazendo do improviso uma das marcas de seu
trabalho.
No entanto, sua origem é também um elemento de destaque para justificar essa
postura, pois,
Em muitos aspectos, Jorge Ben era realmente marginal de todos esses
movimentos. Era negro vindo da zona Norte, filho do morro, que não
fazia samba da Escola. E nem o iê-iê-iê ou o bolero, a outra saída para
o artista das classes pobres que não tem a formação dos intelectuais da
classe média. (VEJA, 27 de maio de 1970, p. 72)
De certa forma, a discussão trazida nesta citação, busca caracterizar, quem eram
os sujeitos que compunham os movimentos musicais da época, especialmente os
envolvidos com as músicas ditas de protesto, que em grande medida faziam parte da
classe média jovem, ou eram vistos enquanto intelectuais.
Jorge Ben representa um artista que goza de “liberdade”, compositor de letras
que demonstram sua arte alienada, sua fama de “rei da malandragem”, num momento de
sua carreira em que os tempos são duros, mesmo para os cantores, ele mantendo sua
simplicidade não se preocupa. Segundo Veja, voa alto, livre enquanto para muitos a
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vida é dura. Sendo assim, “Por isso eu canto, sem preconceito eu canto, eu canto a fé, eu
canto a sugestão, eu canto a paz, eu canto na madrugada, take it easy my brother
Charlie”. (VEJA, 27 de maio de 1970, p. 72)
Jorge Ben Jor é visto como um dos artistas que conseguiu manter o equilíbrio
entre as duas correntes musicais que atingiam o auge no ano de 1970, por um lado os
contestadores e dos maiores festivais e por outro o iê-iê-iê com o programa da Jovem-
Guarda, no entanto em um breve momento de posicionamento político opta, então por
estar ao lado de Roberto Carlos e a Jovem-Guarda, que representavam os conformistas.
Neste sentido, a revista Veja constrói para Jorge Bem Jor o perfil de “liberdade”,
de quem não se prende a moldes, nem estilos musicais mesmo quando em 1968, o
surgimento do Tropicalismo, que representava para uma nova oportunidade, ele
consegue manter-se a mercê, exaltando que Jorge BenJor era um artista que não
posicionava. A esse respeito segundo a Revista,
Para quem estivera dentro da bossa nova e no iê-iê-iê, e sempre só,
esta não era uma tarefa difícil. Em muitas de suas velhas canções
estavam a ironia e a liberdade freneticamente procuradas por Gil e
Caetano. O que é mais tropical do que a banana? (VEJA, 27 de maio
de 1970, p. 72)
Veja procura demonstrar que apesar das investidas dos alguns grupos musicais,
tanto dos considerados como conservadores de Caetano e Gil como também os
conformistas, e Roberto Carlos, Jorge Ben Jor se mantém resistente em seu
posicionamento, e suas sucessivas negativas em aderir a esses movimentos, em seus
diferentes aspectos, caracterizar-se como Caetano Veloso e Gilberto Gil, usando suas
vestimentas extravagantes, deixar crescer o cabelo. Segundo Veja, “A militância
política decididamente não era uma lição que estivesse disposto a aprender”. (VEJA, 27
de maio de 1970, p. 72).
Situado em outra corrente musical, estava o Tropicalismo, que foi um
movimento musical que tinha como uma de suas características recusarem-se a envolver
a música e as artes com a revolução social. Caetano Veloso e Gilberto Gil são figuras
muito retratadas pela revista, em diferentes formas e momentos de suas carreiras, ora
vistos como problemáticos, incitadores, contestadores, ora, compositores e produtores,
na tentativa de recuperar sucesso nacional e buscar alcançar carreira internacional.
A referência conjunta de ambos é que a maioria das reportagens produzidas
sobre eles estão sempre ligados, na maioria das vezes identificados como os “baianos”.
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Poucas são as matérias que tratam deles separadamente, com exceção das matérias que
seguem a linha de reportagens que produzem uma trajetória de vida do artista.
Gil e Caetano trouxeram com o lançamento do Tropicalismo, em 1968 a
representação da renovação que a música brasileira necessitava, após a decadência da
bossa-nova. Esse movimento trouxe consigo não apenas uma renovação de sons, como
determinaram também novos padrões de comportamento. Esse movimento, segundo a
revista demonstrou que,
O impacto da música de Caetano e Gilberto Gil sobre o público jovem
tinha forte molho de contestação. Quando os dois começaram a usar
roupas coloridas, deixarem crescer os cabelos e faziam no palco
movimentos acrobáticos então considerados “muito loucos”, essa série
de atitudes gerou um fenômeno de repetição em massa. (VEJA, 19 de
janeiro de 1972, p. 64)
Como consta na mesma reportagem de janeiro de 1972, a opinião da crítica era
de que o tropicalismo teve como resultado para a música brasileira mais malefícios, do
que benefícios, devido às novas formas que os shows passaram a ter depois do
Tropicalismo, assim como a reação do público. Para Caetano e Gil o resultado foi bem
mais satisfatório em suas carreiras, tornando-os ídolos de uma nova geração de artistas e
público.
Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, nasceu em 07 de agosto de 1942, em
Santo Amaro, na Bahia. Nas reportagens analisadas sobre Caetano Veloso,
propriamente, a revista traça um perfil bem interessante a seu respeito, em uma espécie
de retrospectiva de vida dele, em três momentos de sua carreira antes de 1969, no início
da carreira: “O ídolo nascendo: fase de festivais, televisão e de “Alegria, Alegria””, em
1967, mencionando as primeiras apresentações em festivais da canção, quando essa
canção conquistou o grande público. Nas descrições feitas pela revista ela representa ao
público,
(...) a imagem de um artista que venceu que chegou assim como quem
não queria nada, cantou em programas de auditório, passou fome,
brilhou em festivais, disputou (e ganhou) testes de memória musical
na televisão, para depois ser aplaudido ou contestado com violência”.
(VEJA, 19 de janeiro de 1972, p. 64)
Uma possível segunda fase: “O ídolo agressivo: fase de tropicalismo e vaias em
“É Proibido Proibir”.Em 1968, momento auge do Tropicalismo, era representado como
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descompromissado em agradar o público, obtendo como resposta do mesmo, vaias e
protestos em relação as suas canções e aos insultos de sua parte ao público. Ao mesmo
tempo em que é visto como um agitador do público em torno de um ideal comum
esbraveja contra rejeição da juventude brasileira, descomprometida com a política.
A respeito de sua prisão em 1969, fato que o marcou profundamente, a revista
cita,
A prisão de Caetano Veloso, meses depois, passou a ser um fato
político com ressonâncias estéticas. Teve uma repercussão ainda mais
profunda junto ao público, inevitavelmente dividido [...]. A divisão
terminou quando Caetano Veloso foi solto e partiu para a Inglaterra.
De longe, ele passou a sentir saudades do Brasil. E o Brasil sentia
saudades dele. Foi perdoado pelos antigos adversários. (VEJA, 19 de
janeiro de 1972, p. 64)
No tocante às referências feitas pela revista, em algumas reportagens, a respeito
da prisão de Caetano é um tanto quanto superficial, não são apresentados dados
concretos, nem datas, nem motivações ou mesmo alegações concretas que motivaram a
prisão dele. Certamente que a partir de dezembro de 1968 e do AI-5, e devido ao
acirramento da censura sob os veículos de comunicação, poucas eram as referências
diretas a assuntos de entonação política. No entanto existem alguns dados que podem
ser subentendidos em discursos velados, referências aos artistas que foram presos, pela
ditadura e posteriormente partiram para os exílios. Outros momentos de reportagens que
Veja aparentemente assume um posicionamento favorável aos artistas, quando cita em
reportagem de julho de 1969, que fala dos shows de despedida de Caetano e Gil antes
de partirem para Inglaterra, “E na imprensa, de dezembro para cá, as notícias e
depoimentos favoráveis a Gil e Caetano ocuparam sozinhas todo o espaço. O que
fizeram eles este tempo todo?” (VEJA, 30 de julho de 1969, p. 64)
A terceira fase: “O ídolo que se despede: fase de viver longe de Santo Amaro e
“Irene”. Depois de retornar por um curto período a Salvador, Caetano parte para o
exterior, após dois shows que representaram sua despedida do público brasileiro, com a
divulgação estratégica de que iria buscar o sucesso no mercado internacional,
Caetano Veloso, com roupas de plástico colorido, cantando
dançando e gritando ao som de guitarras elétricas. “Legal”, mais
tarde, é o sujeito que escreveu “Irene” na prisão, lembrando a
irmã mais nova e dizendo “eu quero ir, minha gente, eu não sou
daqui”. É também o artista de sucesso que deixa o país de
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cabelos raspados, vai para uma terra estranha, aprende a compor
em inglês e, como diz a contracapa de seu LP Britânico, “não
perdeu a alma ao trocar de país. (VEJA, 19 de janeiro de 1972,
p. 64)
No entanto, em 1972, nas edições da Veja, as menções a Caetano Veloso e seu
retorno definitivo, são de ídolo consagrado, “magro como sempre, aclamado como
nunca”, uma nova versão de um mesmo homem. Agora mais contido, mais receptivo
com seu público, encerrando definitivamente com a fase de sua juventude repleta de
angustias e pessimismos. Agora renovado, representa o otimismo nesta nova fase.
Segundo Veja,
O homem realmente estava lá. E nunca esteve tão bem, tão caloroso,
tão comunicativo, tão em paz consigo mesmo e com seu público.
Caetano Veloso, 29 anos, magro como nunca, 48 quilos, 1,69m, estava
no templo para ocupar o seu lugar, o mesmo que abandonara em 1969,
quando viajou revoltado e humilhado para a Inglaterra, e do qual
ninguém, durante todo esse tempo, conseguiu se apoderar". (VEJA, 19
de janeiro de 1972, p. 64)
. A revista traz alguns dados a respeito dos espetáculos proporcionados por
Caetano, dados numéricos de público, como também a participação de Caetano nos
lucros. Agora sim, ele colhe os louros de sua fama. A revista traz colocações discutindo
que a grande aceitação pelo público de sua música, não apenas o consagra enquanto
artista, mas também o enriquece. Mesmo que contrariando algumas expectativas de seus
antigos súditos do tropicalismo, em relação ao seu retorno, havia a aceitação de seu
“novo modo de ser”.
Gilberto Passos Gil Moreira nasceu em 26 de junho de 1942, em Salvador. A
revista Veja, demonstra que Gil não representava ser uma figura tão significativa quanto
Caetano. Grande parte das reportagens que remetem diretamente a ele trata das
diferentes existentes entre Gil e Caetano. O número de edições destinadas a Gilberto Gil
são em número muito reduzidas e muito mais curtas.
Veja faz referências ao novo modo de vida adotado por Gilberto Gil, suas
preocupações com problemas alimentares, a adoção de uma dieta macrobiótica e seus
estudos como a teosofia, filosofia. Para um artista que no auge do tropicalismo teve
atitudes consideradas como ambiciosas e agressivas, pelas descrições feitas pela revista,
essa fase está em muito superada. Aparentemente, as reportagens a respeito de Gil, tem
um tom mais leve, quando comparadas com Caetano, sendo que ambos eram
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considerados como ídolos de grande parte da juventude, especialmente no auge do
tropicalismo. Veja descreve a rotina de Gil em 1969, da seguinte maneira,
Gil quase não sai de casa e quando vai jantar fora com os amigos
quase não come, falando o tempo todo do seu regime e da paz que
encontrou no estudo das religiões orientais. Há vários meses não fuma
nem bebe nada alcoólico. Ele sempre pede aos amigos que vão a São
Paulo para trazerem arroz com casca e soja, os principais ingredientes
da alimentação macrobiótica. (...) (VEJA, 04 de junho de 1969, p. 56)
Esse tipo de referência, do cotidiano de Gil, sua nova dieta, a opção de vida,
mantém relação direta ao início do ano de 1969, quando ele esteve preso, juntamente
com Caetano Veloso, e, no entanto não há referência em nenhuma das edições e
reportagens por mim analisadas que tratem desse assunto.
Mas, Gilberto Gil é considerado com um grande compositor, intérprete e
músico, tendo sua competência musical sendo reconhecida em várias das edições que
remetem a ele propriamente. O sucesso que ele alcança em 1969 é grandioso, quando
ele lança o LP “Aquele Abraço”.
É um produto de venda e ao mesmo tempo de adoração. Saiu da
cabeça de um compositor que menos de um ano atrás gritava gritos e
agora une velhos inimigos numa admiração igual e fraterna. “Aquele
Abraço”, de Gilberto Gil, é um milagre de ecumenismo: “Vendemos
50 000 discos nas duas primeiras semanas e esperamos faturar ainda
mais. (VEJA, 27 de agosto de 1969, p. 62).
Durante o período em que esteve na Inglaterra, após deixar o Brasil em 1969, a
revista representa Gil, como quem não compartilha do mesmo saudosismo que os
demais artistas brasileiros que estão no exterior, nas palavras de Veja ele tira proveito
da situação para desenvolver suas habilidades e conquistar o mercado internacional.
Mantendo sempre a linha de reportagens contendo comparações entre Gil e Caetano. Gil
mantém uma linha de pensamento inovadora, explora suas ideias, visto como um
músico a frente de seu tempo. Segundo a revista, em relação a Caetano,“Gil é diferente.
Ele pega a ideia desenvolve, decora, embeleza, enfeita. É o oposto de Caetano”.
(VEJA, 27 de janeiro de 1971, p. 58)
Gilberto Gil é reconhecido pela revista como um músico que conseguiu se
integrar com a música e o mercado internacional, conseguiu fazer de sua música algo
que pudesse ser vendido, e conseguiu através de sua musicalidade encontrar uma nova
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fora de se expressar. Segundo uma fonte citada pela revista, o empresário de Caetano e
Gil, no ano de 1971, Guilherme Araújo, que resume nos seguintes termos, “Caetano é
intelectual que faz música, Gil é músico”. (VEJA, 27 de janeiro de 1971, p. 58)
Seu retorno ao Brasil foi discreto, muito menos aclamado, com show de estreia
muito mais modesto, com público pequeno, e a revista novamente traçando uma
comparação entre os dois artistas, remetendo-se ao grande alvoraço que causou a
chegada de Caetano e seu show com recordes de público. As comparações seguem
baseadas nas declarações e nas justificativas de seu empresário, “São coisas diferentes.
Um é ídolo popular. O outro é um músico que veio mostrar seu trabalho”. (VEJA, 08 de
março de 1972, p. 62)
Com a intenção de demonstrar que as comparações entre Gil e Caetano eram
muito exploradas, a revista traz numa reportagem uma composição de Gil, “Ele e Eu”,
música inédita em seu espetáculo, que ele discute e realça as diferenças entre ambos,
Ele vive calmo/ E na hora do porto da barra fica elétrico/ Eu vivo
elétrico/ E na hora no porto da barra fico calmo”. (...) É uma espécie
de interpretação para o público sobre como ele (o “eu” da música) vê
Caetano (o “ele”). Diz ainda a música: “Ele curte cada golpe do
martelo do destino/ E na hora do porto da barra fica firme/ Eu espero
pelo beijo arrependido/ Da serpente do começo/ E na hora do porto da
barra fico aflito. Aqui Gilberto Gil parece referir-se ao fantasma de
violência que o persegue desde os tempos do tropicalismo, ao
contrário de Caetano Veloso. Mesmo trabalhando juntos, suas
imagens refletiam-se como faces diferentes de um rosto Gil
exteriorizava a agressividade das canções, que Caetano interiorizava
em gestos tristes e desamparados. Vaiado, Caetano classificou-se no
festival de 1968, com “É Proibido Proibir”. Igualmente vaiado,
Gilberto Gil foi desclassificado com “Questão de Ordem”, explosão
musical no mesmo nível, acentuada pela desordenação melódica.
(VEJA, 08 de março de 1972, p. 62)
Neste trecho da reportagem fica muito evidente que o tratamento aos artistas,
também pode ser visto como elemento claro de diferenciação entre eles. A aceitação do
público ao melodrama de Caetano era muito maior do que a agressividade de Gil. Uma
possível reação racista do público, em relação a Gilberto Gil, pois ambos mantinham o
mesmo perfil, as roupas, cabelos e, no entanto, os adjetivos pejorativos como
“demoníaco”, “mefistofélico”, ficavam relegados a Gil, como mostra a revista nesta
mesma reportagem de março de 1972.
Elis Regina Carvalho Costa, nascida em 17 de março de 1945, em Porto Alegre
no Rio Grande no Sul. Elis tornou-se ano de 1965 a surpresa como campeã do I Festival
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da Música Popular Brasileira, que chocou o público erguendo os braços mexendo-os
sem parar – o que lhe rendeu um apelido de Hélice - e movimentando corpo conforme
aumentava intensidade de sua música deixa o público impressionado com seus gestos.
De acordo com as reportagens da Veja, ela é uma cantora muito bem sucedida no Brasil,
com uma elevada arrecadação financeira, não precisa enfrentar o mercado internacional,
criando o perfil pra Elis de ser uma cantora que está bem posicionada, não precisa
disputar o mercado como os demais artistas a procura de sucesso. Assim ela é definida
nas palavras do então marido, Ronaldo Bôscoli, que se declara contrário às tentativas de
Elis Regina em buscar carreira internacional: “Uma cantora que ganha 50.000 cruzeiros
novos por mês em seu país, apoiada pelo público e com o marido ao seu lado, “não pode
de dar ao luxo de tentar iniciar uma carreira no estrangeiro””. (VEJA, 18 de dezembro
de 1968, p. 65)
Porém, a revista mostra uma nova versão de Elis, em 1968, com gestos contidos
no palco, cirurgias plásticas e cabelos curtos, na tentativa de transmitir um ar mais
calmo e sereno. Veja, recria para Elis, uma característica em sua carreira, a criação de
uma espécie de “imagem construída” para o sucesso, retirando sua naturalidade, seu
caráter explosivo, palavreado com uso frequente de sequencias de palavrões. De certa
maneira, toda a carreira de Elis parece ser desenhada, planejada.
No ano de 1970, a mesma referência é feita quanto à mudança que Elis foi
obrigada a fazer em suas apresentações. Segundo Ronaldo Bôscoli, “Elis Regina é a
maior cantora e a pior profissional do Brasil”. (VEJA, 22 de abril de 1970, p. 69)
Aparentemente, essa fala representa a justificativa das necessidades de mudanças no
perfil da cantora, com o intuito de alavancar ainda mais sua carreira. Reagindo as
críticas feitas ao seu desempenho, Elis segue um “esquema rígido e desestimulante de
movimentação no palco”, segundo palavras da revista.
O que é mais interessante de se perceber, é que a imagem de Elis está totalmente
desvinculada da Ditadura no Brasil no período de 1968 a 1974, em todas as edições
selecionadas a seu respeito, o que se pode encontrar é uma profissional com uma
carreira de sucesso no Brasil, e sendo “preparada” par conquistar o mercado
internacional, especialmente o europeu. Apesar de seus shows serem produzidos
baseados integralmente por compositores brasileiros de renome, como Caetano, Gil,
Jorge Ben Jor, Tim Maia.
Na edição de junho de 1969, o título da reportagem diz, “ELIS EXPORTA O
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BALANÇO”, para descrever o sucesso que ela alcançou no mercado europeu,
delineando os rastros que a cantora foi traçando. Segundo a divulgação da revista, Elis
Regina, canta na França e faz sucesso com suas canções. Ela é uma das poucas
representantes da música brasileira a se apresentar na França. Devido a essas
apresentações ela é considerada também uma das veteranas no MIDEN (Festival da
Canção que acontece todos os anos em Cannes) em Cannes, França. Para ela o Festival
de Cannes representa a entrada do artista no mercado internacional, e quando se refere
ao MIDEN, é enfática: “A gente canta e se interessar eles vão comprar”. (VEJA, 15 de
janeiro de 1969, p. 62)
Elis é representada como uma artista que valoriza muito o nacional em
detrimento a muitos outros, que se dedicam a misturar elementos externos em sua
música para conquistar o mercado internacional. Segundo a revista ela declara durante a
gravação de comemoração de seus dez anos de carreira em Los Angeles, acompanhada
por Tom Jobim,
Estamos realizando esse disco na América unicamente porque o Tom
não poderá ir ao Brasil até o final do ano. (...) Mas Elis assegura,
também, que se trata de um disco eminentemente brasileiro, feito para
o Brasil, lembrando inclusive que a mesma qualidade técnica poderia
ser alcançada aqui. (VEJA, 13 de março de 1973, p. 94)
Francisco Buarque de Hollanda, mais conhecido como Chico Buarque, nasceu
em 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro. Chico foi descrito pela Veja, no ano de
1966, devido a sua apresentação no festival da TV Record, “o jovem e tímido Chico
Buarque”, revelação do festival com sua canção “A Banda”. E como cita o autor
Wagner Homem, em sua obra intitulada como “Chico Buarque”, a partir de então
configurou-se seu primeiro embate com a ditadura militar e certamente haveria muitos
mais, com o intuito de demonstrar que para Chico as coisas seriam difíceis e a censura o
observando severamente.
Chico Buarque é segundo Veja o retrato do artista que se manteve no foco direto
da censura. Essa “perseguição” a Chico representava algo muito significativo para o
momento, pois a revista traz em várias reportagens, e edições, citação de ações dos
censores nos shows de Chico e a suas composições. Grande parte das reportagens que
declaram e descrevem como agiam e quais eram as atitudes dos censures com Chico,
datam de 1973, quando a revista publica uma sequência de reportagens sobre Chico.
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Descrito como um artista consagrado em solo nacional, tido por muitos como
um romântico de olhos verdes, e usando uma frase trazida pela revista, “o marido que
muitas mães gostariam de ter para suas filhas”, criando para Chico Buarque o perfil de
bom moço. Oriundo da classe média é desta maneira descrito por Veja, “filho de um
historiador, Sérgio Buarque de Hollanda, irmão de uma boa violinista, Heloísa (mulher
de João Gilberto) e sobrinho-neto de um maestro, com pai e mãe tocando piano em
casa”. (VEJA, 02 de maio de 1973, p. 46)
Travou uma luta acirrada com a censura para que pudesse cantar suas músicas
sem que houvesse maiores problemas. A troca constante das letras da músicas, entre
outras estratégias para que pudesse continuar a fazer seus shows, em inúmeras cidades
do Brasil, nas universidades para grandiosos públicos sedentos por suas palavras.
Segundo Veja,
Enfim, diante das letras de “Construção”, seu último LP, de dezembro
de 1971, e de outras mais recentes, professores universitários
passaram a sentir necessidade de redesenhar o perfil do poeta. Ele
teria atingido, no meio do fogo de uma atividade sem pausas, a
dignidade estética de um artista adulto e a responsabilidade moral de
um corajoso. Nada mal, para um moço de 28 anos e sete de carreira.
(VEJA, 02 de maio de 1973, p. 46)
Diante de todo o alvoraço de sua carreira, como apresenta a revista, Chico sente
a necessidade de criar uma dinâmica de personagens para assim conseguir alcançar seu
público. No entanto, para muitos de seus antigos admiradores o antigo Chico tímido e
romântico encantava muito mais. Alguns casos isolados o descrevem como um bêbado
– neste momento a revista faz mais uma referência como em outras edições, reiterando
o hábito de Chico subir ao palco de suas apresentações bebendo uísque ou cerveja - e
imoral e que suas palavras não possuíam talento nem coragem nelas pressionado sempre
mais pela censura. Veja cita que,
Assim, cinco anos depois de ter escrito e vomitado a peça “Roda-
Viva”, onde manifesta seu cansaço e irritação pelo fato de ser o ídolo
do qual todos tudo esperam, e ele está mais uma vez numa roda-viva
de trabalho, receios e angústias. Com em 1968, é um ídolo – e, de
novo, muitos esperam que ele seja e faça tudo de novo. (VEJA, 02 de
maio de 1973, p. 46)
Veja aponta, aponta que o público jovem que em 1968, fora atingido como um
furacão com a música de “A Banda” o aguarda sedento a espera de ouvir novamente
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suas canções.
Como forma de vincular a imagem de Chico e sua popularidade com a indústria
cultural, a revista faz uma comparação da criação do Circuito Universitário – com a
proposta de levar os músicos às universidades - com os extintos festivais da canção.
Veja, traz uma afirmação de Chico dizendo que em 1973, ele queria mesmo era cantar
para estudantes e essa seria a “única saída digna para meu trabalho” (VEJA, 28 de
março de 1973, p. 81), segundo palavras expressas por Chico. Os shows alcançavam
altos índices de público e de arrecadação, e ultrapassou o âmbito estudantil. No entanto
grande parte desse público era muito jovem quando,
“A Banda” passou como um furacão pela vida dos brasileiros; estava
vendo Chico pela primeira vez. O que esperava ouvir essa massa
ansiosa, responsável pela mais recente galinha dos ovos de ouro do
show business brasileiro – os circuitos universitários -, e atenta às
notícias de que algo perigoso e proibido estaria saindo da boca do
cantor? (VEJA, 02 de maio de 1973, p. 47)
A revista mostra que os shows de Chico eram sempre considerados como sendo
um campo perigoso, tão grande era a vigilância sobre Chico, porém o que se pode
perceber é que ele não é manipulável. A influência que Chico tinha sobre a população
fica muito clara, nas referências que a Veja faz a respeito dos censores se articulando
em torno dele. Suas apresentações mobilizavam os censores, de maneira a dedicar a
atenção para seus espetáculos que eram dedicadas às apresentações censuradas.
Na edição de 16 de maio de 1973, Veja descreve a divulgação de um show
organizado pela Phonogram, um grande investimento, com a apresentação de diversos
artistas que estariam se apresentando, Elis Regina, Chico Buarque e Gilberto Gil,
Vinícius e Toquinho, entre outros. Chico e Gil apresentariam sua primeira composição
juntos, no entanto, “A Censura proibiu Chico Buarque e Gilberto Gil de apresentarem o
“Cálice”, que compuseram em parceria especialmente para a Phono. (...). E havia
policiais, disfarçados de cabeludos, desfilando ostensivamente entre os artistas”. (VEJA,
16 de maio de 1973, p. 79)
A revista traz em algumas edições que além de disfarces, da camuflagem entre o
público, os censores também boicotavam os shows, neste mesma edição de maio de
1973, que a revista descreve como imprevistos. Veja descreve exemplos de imprevistos,
“Nesta sexta-feira, por exemplo, o microfone de Chico Buarque subitamente entrou em
pane quando ele tentou dizer: “Não deixaram entrar minha música. Não faz mal, faço
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outras””. (VEJA, 16 de maio de 1973, p. 79)
Em relação a cesura de suas composições, Chico sofreu algumas proibições,
como: “Tamandaré” (1965), “Apesar de Você” (1970), “Cálice”(1973), “Tanto Mar”
(1975) (Homem, São Paulo, 2009.), mas a revista declara que oficialmente Chico teve
três músicas proibidas: “Tamandaré”, “Bola de Amores” e “Apesar de Você”. (VEJA,
02 de maio de 1973, p. 47)
Segundo as declarações da Veja, a censura acerca das composições de Chico
eram constantes, como cita a revista,
(...) Em Setembro de 1971, dizia que, de cada três músicas que
mandava para a Censura, só uma era liberada. Em janeiro de 1972, a
estatística piorava para o seu lado: duas em cada três eram proibidas.
Era chamado quase todos os dias para dar explicações. Uma noite
tomou um pileque durante um show de Jorge Ben Jor numa boate do
Rio, e, chorando, foi ao microfone contar o que estava acontecendo.
Desabafou: “Estou com um medo danado”. (VEJA, 02 de maio de
1973, p. 49)
Veja busca demonstrar que a imagem de moço tímido criada para Chico, não
passa de uma mera criação, e para remeter-se a eventual mudança de Chico, ela faz a
seguinte referência,
Na verdade, porém, como diz seu próprio irmão “o Chico nunca foi
tímido, apenas permitiu que se fizesse essa imagem dele”. E o objeto
das críticas nem pretende se justificar. “Meu trabalho, hoje, é coerente
com o que eu fiz antes. “Mudei apenas a maneira de dizer as coisas.
(VEJA, 28 de março de 1973, p. 28)
Mas a aparente mudança mascara sua irritação e rebeldia, com as constantes
perseguições que representam para ela uma rotina. E segundo Veja,
Se ele insiste em cantar “Bárbara”, apesar das ameaças de suspensão
do show, é porque não admite ser alvo de mal-entendidos: embora já
liberada, gravada, tocada diariamente nas rádios de todo o país, uma
representante da Censura Federal impediu que aa música fosse tocada
no Tuca. Não Chico não perdeu a timidez. Apenas se tornou mais
velho. Ou “muito mais velho, cansado, irritado”, segundo a opinião de
sua mãe. Apesar de tudo, porém, sua música parece cada vez mais
rica, suas letras cada vez mais claras. (VEJA, 28 de março de 1973, p.
28)
O que se pode perceber a respeito do que a Veja produz sobre Chico Buarque, é
criar uma imagem de “queridinho”, apesar de descrever em alguns momentos sua
49
irritação e incômodos, causados pelas sucessivas censuras que sofria em suas
composições e também em suas apresentações. Apresenta claramente que ele não
sucumbiu à pressão e conseguiu driblar de várias maneiras os censores, que em muito
ocupavam dele.
50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As edições de Veja permitem que se criem linhas de interpretações e
posicionamentos que os veículos de comunicação mantêm em relação a um
acontecimento, como a Ditadura Militar. Nas várias edições e reportagens analisadas
poucas remetem à Ditadura, comprovando que os meios de comunicação servem como
disseminadores de ideologias, que em sua maioria estão a serviço da classe burguesa e
se posiciona em favor da consolidação e legitimação do poder, como forma de se
estabelecer e dar continuidade ao seu trabalho.
O período da ditadura trouxe inúmeras consequências à sociedade, mas
especialmente aos sujeitos que sofreram a violência que este sistema de governo
impunha a todos aqueles que divergiam de alguma maneira de suas ações. Quando nos
referirmos à violência, não devemos reduzi-la a violência física, como também ao
cerceamento das liberdades de expressão dos indivíduos, mais precisamente nas artes e
na imprensa.
Neste trabalho buscamos problematizar e verificar como a imprensa tratava as
expressões musicais, por reconhecermos o alcance e o poder que a música possuía e
ainda possuí em conscientizar as pessoas para diversos problemas da sociedade. Seu
alcance, não se restringe apenas ao âmbito nacional, ele é mundial e reflete a realidade
dos seus países de origem. A música se torna ainda mais importante, quando se
considera o recorte temporal que este trabalho se propôs a analisar de 1968 a 1973. Esta
importância remete ao ano de 1968, por este ser o ano de maior efervescência dos
diversos movimentos culturais, raciais de gênero que aconteceram no mundo todo.
A imprensa é um veículo de comunicação que representa ideias e toma partido
daqueles que representa, sendo assim, nem sempre há a coerência entre o ocorrido e o
descrito, ela defende um ponto de vista, sua conclusão é uma interpretação da realidade.
Pudemos constatar esse fato, durante a realização desta pesquisa. Pois num momento
em que a sociedade brasileira se encontrava em um sufoco social, de muita
efervescência política, renovação da música brasileira, surgimento de novos
movimentos musicais, acirramento da censura, perseguições aos artistas, prisões e
tantos outros acontecimentos e ao fazer um balanço das reportagens analisadas, muitas
delas estão ligadas em divulgar informações ligadas ao tão sonhado e necessário sucesso
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internacional e ao mercado da indústria cultural.
Esta pesquisa demonstrou, de que os silêncios e ocultação sobre determinados
artistas também podem nos dizer muita coisa. Dentre as 329 edições e das reportagens
analisadas da revista Veja, constatamos que nenhuma delas faz menção a Raul Seixas,
uma figura muito conhecida, marcante, com canções que muito tem a dizer para
sociedade. Assim como Raul, Tim Maia é raramente citado, interessante por ele ter sido
considerado como figura extremamente polêmica. A conclusão que se chega, é a de
compreender que a revista Veja, precisa divulgar os artistas que mantenham uma
ligação mais próxima com a indústria do entretenimento.
Trabalhar com uma fonte de imprensa escrita como a revista Veja, nos permite
inúmeras abordagens sobre uma mesma problemática, por haverem muitas questões e
perspectiva possíveis de serem trabalhadas. A disponibilidade de matérias, encontradas
sobre a problemática selecionada para este trabalho poderiam gerar inúmeros outros
trabalhos, pois os estudos sobre o período da Ditadura, estão apenas iniciando, existem
ainda inúmeras lacunas a serem PREENCHIDAS e NUNCA ESQUECIDAS.
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FONTES
As fontes utilizadas nesse trabalho foram edições da revista de circulação
nacional Veja:
VEJA, ed. 3, 25 de setembro de 1968.
VEJA, ed. 5, 09 de outubro de 1968.
VEJA, ed. 6, 16 de outubro de 1968.
VEJA, ed. 15, 18 de dezembro de 1968.
VEJA, ed. 19, de 15 de janeiro de 1969
VEJA, ed. 39, de 04 de junho de 1969.
VEJA, ed. 40, de 11 de junho de 1969.
VEJA, ed. 41, de 18 de junho de 1969.
VEJA, ed. 47, de 30 de julho de 1969.
VEJA, ed. 51, de 27 de agosto de 1969.
VEJA, ed.79, de 11 de março de 1970.
VEJA, ed. 85, de 22 de abril de 1970.
VEJA, ed. 90, de 27 de maio de 1970.
VEJA, ed. 125, de 27 de janeiro de 1971.
VEJJA, ed. 148, de 07 de julho de 1971.
VEJA, ed. 176, de 19 de janeiro de 1972.
VEJA, ed. 183, de 08 de março de 1972.
VEJA, ed. 236, de 14 de março de 1973.
53
VEJA, ed. 238, de 28 de março de 1973.
VEJA, ed. 243, de 02 de maio de 1973.
VEJA, ed. 245, de 16 de maio de 1973.
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