universidade estadual do cearÁ centros de … · emlurb – empresa municipal de limpeza e...
TRANSCRIPT
1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTROS DE HUMANIDADES E ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
ROBERTA DE CASTRO CUNHA
OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS EDUCADORES
SOCIAIS:
RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA OU PERPETUAÇÃO DO EXISTENTE?
FORTALEZA – CEARÁ
2012
2
ROBERTA DE CASTRO CUNHA
OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS EDUCADORES
SOCIAIS:
RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA OU PERPETUAÇÃO DO EXISTENTE?
Dissertação submetida à Coordenação
do Curso de Mestrado Acadêmico em
Políticas Públicas e Sociedade, da
Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial para a obtenção do
grau de mestre em Políticas Públicas e
Sociedade.
Orientadora: Profª. Drª. Rosemary de
Oliveira Almeida.
FORTALEZA – CEARÁ
2012
3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho
C268s Cunha, Roberta de Castro
Os sentidos da educação social para jovens educadores sociais: ressignificação de vida ou perpetuação do existente? / Roberta de Castro Cunha . – 2012.
128f. : il. color., enc. ; 30 cm. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual do Ceará,
Centro de Estudos Sociais Aplicados, Curso de Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade, Fortaleza, 2012.
. Área de Concentração: Políticas Públicas Orientação: Profª. Drª. Rosemary de Oliveira Arruda. 1. Educação social. 2. Educadores sociais. 3. Sentidos. I.
Título. CDD: 370
4
5
Dedico esta dissertação ao meu filho Davi, que nos momentos
de sua elaboração tantas vezes ficou sem a devida atenção.
Espero que ele agora compreenda e volte a gostar de livros.
6
AGRADECIMENTOS
A Deus – “quando minha força acabar e eu descobrir que por mim mesmo não dá, a fé
me fará ir além, prosseguir e o teu santo espírito virá sobre mim” – por reconstituir as
minhas forças nos momentos mais decisivos.
À Maria, mãe de Jesus e minha mãe, em todas as suas aparições, pela vigilante
intercessão e por me proteger sempre com seu manto.
Aos meus pais, Roberto Cunha e Inês de Castro, que sempre prezaram por minha
educação e por demonstrarem força e me apoiarem em todos os momentos da minha
vida.
Ao meu esposo Paulo Henrique, pelo amor, paciência e compreensão. Mesmo com
todos os ranços que possui em relação à Academia, sempre me auxiliou nos momentos
de elaboração deste trabalho e em todo o meu percurso no mestrado, seja digitando as
minhas resenhas, lendo os meus artigos, enfim. Como ele mesmo afirmava: “só tu
mesmo para me fazer ler esses autores que dizem a mesma coisa o tempo todo e em
outras palavras”.
Aos meus irmãos, Samira e Alberto; ao meu cunhado Ivan; aos meus sobrinhos Iana,
Raul, Pedro e André Luis – elos de afeto e amizade eternos.
Ao meu “filho, irmão, amigo e amante”, Francisco Garcia Lima, por nossa
cumplicidade entendida nos “olhares de paisagem”; por estar ao meu lado nos
momentos em que mais precisei de um ombro amigo; por nossos choros e nossas
grandes conquistas na coordenação das medidas socioeducativas da Funci; pelo
companheirismo, sem esquecer, é claro, dos inúmeros furos; por reviver Cazuza
comigo; por absolutamente tudo e por nossa ligação em outras vidas.
Aos meus amigos, Renata Morais, Brenda Castro, Cristiane Fernandes, Rejane Jesuino,
Nádia Cândido, Daniele Freire, Marciliano Ribeiro, Mariana Lima, Lelé Câmara, Diana
Maia, Tarciso Mesquita, Gilberto Braga, Ana Maria, Sidney Michel, Vera Fernandes,
Cecília Góis, Thatiane Maciel, Evandro Miranda, amizades de infância, juventude e
vida adulta que não se desfazem mais. Cada um sabe a importância que possui em
minha vida.
Aos companheiros do MAPPS, turma 2010, pelo apoio, pelas palavras de força e pelo
tempo perdido com meus desabafos em forma de poesia.
Às professoras Margarita e Dilneia, do Mestrado em Educação da UFMS, por
reascenderem o pensamento de Marx em minha vida acadêmica.
À melhor orientadora do mundo, Rosemary de Oliveira Almeida, por não ter me
deixado desistir, pela sua sabedoria, pela orientação valiosa e por me fazer acreditar que
mesmo pragmática posso produzir conhecimento.
7
Ao professor Domingos Sávio Abreu, por ter aceitado o convite de participar da banca
examinadora e por ter fervilhado, “coçado” os meus pensamentos em relação à
Educação Social e pelas contribuições no momento da qualificação.
Ao professor Alexandre Almeida Barbalho, por ter aceitado o convite de participar da
banca examinadora, por ter me apresentado à Guattari e Rolnik e por suas contribuições
no momento da qualificação.
À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico – FUNCAP, pelo
incentivo à pesquisa. Agradeço a bolsa de estudos a mim concedida durante o primeiro
ano do mestrado.
Aos jovens educadores sociais e aos gestores da Coordenadoria-Funci, por viabilizarem
e colaborarem para a realização deste estudo.
8
Construções e Desconstruções
A verdade? Sei que não existe!
Existe a verdade de Marx, de Foucault, de Bauman e Guattari
Que insistem em não impor uma verdade
O que me faz relacioná-los e seguir.
Para os marxistas uma inconsistência teórica
Aos pós-modernos produção do conhecimento complexa
E eu vou produzindo,
Construindo e Desconstruindo.
Capital, Trabalho, Poder, Normalização,
Imaginário, Consenso, Hegemonia, Educação, Políticas Públicas,
Categorias trabalhadas, exigidas,
Construídas e desconstruídas.
À exigência de produção, de avaliação,
De vida acadêmica, de dedicação,
Ao ato mais simples produzo uma relação
Que me delicio e me distancio dos considerados sãos.
Assim, construindo e desconstruindo
Estou seguindo
À beira da loucura.
Roberta de Castro Cunha
9
RESUMO
Esta dissertação versa sobre a Educação Social realizada por jovens educadores que, em
suas trajetórias de vida, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de
assistência do poder público ou da sociedade civil organizada. Escolhi como locus de
realização do estudo os Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro,
da Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci, que possui em seu quadro de
funcionários este perfil de educador. Minha ideia foi buscar compreender as práticas e
sentidos que os referidos educadores sociais constroem sobre seu trabalho, considerando
a Educação Social desenvolvida no âmbito da referida instituição. A pesquisa foi
realizada na cidade de Fortaleza, durante os meses de novembro e dezembro de 2011.
Optei por uma pesquisa qualitativa, pois esta recupera a pessoa estudada em condição
de sujeito ativo na construção de sua experiência. Assim, a pesquisa apontou que o
desenvolvimento de práticas pedagógicas pautadas na Educação Social, com o simples
objetivo de controle, não é suficiente para conduzir o ser a mudanças significativas, mas
também revelou a arte-educação como ferramenta importante da Educação Social.
Mostrou, ainda, que as contratações dos jovens educadores sociais, por parte da
Coordenadoria-Funci, não se caracterizam uma política institucional. Outras
construções apontadas pela pesquisa foram a necessidade de avançar na relação teoria-
prática, para a consolidação da Educação Social nos espaços institucionais; a
necessidade de superar as disputas entre as ciências e atuações profissionais, no sentido
de unir esforços para consolidar a área e a importância dos educadores sociais
assumirem e defenderem pressupostos teóricos para subsidiarem as suas práticas
profissionais.
Palavras-chaves: Educação Social. Educadores Sociais. Sentidos.
10
ABSTRACT
This dissertation versa on Education Social performed by young educators who, in their
life trajectories, belonged, on condition learners, to institutions of power assist public or
of society organized civil. I chose as locus of accomplishment the study those Programs
Crescer com Arte e Cidadania and Ponte de Encontro, of Coordenadoria da Criança e do
Adolescente-Funci, that possesses in your framework of officials this profile of
educator. My idea went to fetch understand practices and senses that the referred social
educators build about his work, considering the Education Social developed within the
aforementioned institution. The research was accomplished in city of Fortaleza, during
the months of november and december 2011. I chose a qualitative research, because it
restores the person studied in become an active subject in the construction of their
experience. Thus, the research pointed that the development of pedagogical practices
based in Education Social, with the simple control objective, is not enough to drive the
being to significant changes, but also revealed the art-education as important tool of
Education Social. Showed, still, which the signings of young people social educators,
for part of Coordenadoria-Funci, is not characterized one institutional policy. Other
constructions pointed by research were the need to advance towards the relation theory-
practice, for the consolidation of Education Social in institutional spaces; the need to
overcome the disputes between the sciences and professional performances, in the sense
of uniting efforts to consolidate the area and the importance of educators social assume
and defend theoretical presuppositions for subsidize their practices professionals.
Keywords: Social Education. Social Educators. Senses.
11
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
ARCA – Associação Recreativa e Esportiva para Crianças e Adolescentes
CAF – Coordenadoria Administrativa Financeira
CEDECA/CE – Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará
COB – Classificação Brasileira de Ocupações
COMDICA – Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
COOPEDEF – Coordenadoria de Pessoas com Deficiência
COPPIR – Coordenadoria de Políticas Públicas de Inclusão Racial
CRAS – Centro de Referência da Assistência Social
CSU – Centro Social Urbano
CSUS – Centros Sociais Urbanos
CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social
DDCA – Disque Direitos Criança e Adolescente
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EMLURB – Empresa Municipal de Limpeza e Urbanização
ESCUTA – Espaço Cultural Frei Tito de Alencar
FUNCI – Fundação da Criança e da Família Cidadã
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LA – Liberdade Assistida
LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias
LEDH – Laboratório de Direitos Humanos
LOA – Lei Orçamentária Anual
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil
ONG – Organização Não-Governamental
12
ONGs – Organizações Não-Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
OP – Orçamento Participativo
PMDB – Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PPA – Plano Plurianual
PPP – Projeto Político-Pedagógico
PPPs – Projetos Político-Pedagógicos
PT – Partido dos Trabalhadores
SDH – Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza
SEFIN – Secretaria de Finanças de Fortaleza
SEMAS – Secretaria Municipal de Assistência Social
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
13
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Tabela 1 – Quantitativo dos profissionais da Coordenadoria-Funci – maio de 2010 a
fevereiro de 2011.............................................................................................................30
Tabela 2 – Quantitativo dos profissionais da Coordenadoria-Funci – novembro a
dezembro de 2011............................................................................................................31
Tabela 3 – Perfil dos jovens educadores sociais..............................................................33
Tabela 4 – Atividades, habilidades, motivações e experiências dos jovens educadores
sociais..............................................................................................................................35
Tabela 5 – Percursos e sentidos da Educação Social na vida dos jovens educadores da
Coordenadoria-Funci.......................................................................................................98
14
SUMÁRIO
SUMÁRIO DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS............................................................11
SUMÁRIO DE ILUSTRAÇÕES................................................................................13
INTRODUÇÃO............................................................................................................16
CAPÍTULO 1 – PERCURSOS METODOLÓGICOS: APRESENTANDO OS
JOVENS EDUCADORES SOCIAIS E OS SEUS ESPAÇOS NA EDUCAÇÃO
SOCIAL..........................................................................................................................24
1.1 A Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci: o lugar referencial da
pesquisa..........................................................................................................................24
1.2 Os programas e os sujeitos da pesquisa...................................................................29
1.3 Jovens educadores sociais: protagonistas de suas histórias e das histórias do Crescer
com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro...................................................................33
CAPÍTULO 2 – A EDUCAÇÃO SOCIAL NOS PROGRAMAS CRESCER COM
ARTE E CIDADANIA E PONTE DE ENCONTRO: INTERVENÇÕES
POSSÍVEIS....................................................................................................................41
2.1 Educação Social: passos históricos..........................................................................44
2.2 O Programa Crescer com Arte e Cidadania: a arte-educação como possibilidade de
transformação.................................................................................................................49
2.3 O Programa Ponte de Encontro: a rua como espaço de intervenção.......................58
2.4 A Educação Social no âmbito dos programas: o “carro chefe” da Coordenadoria-
Funci..............................................................................................................................62
CAPÍTULO 3 – FAZER PROFISSIONAL, PROFISSIONALIZAÇÃO E
CONDIÇÕES DE TRABALHO DO JOVEM EDUCADOR SOCIAL NA
COORDENADORIA-FUNCI.....................................................................................68
3.1 Imagens e representações do trabalho social para os jovens educadores da
Coordenadoria-Funci: missões vocacional-religiosa, técnico-profissional e de
militância-política............................................................................................................68
3.2 Percepções dos jovens educadores sociais e dos gestores sobre o processo de
contratação na Coordenadoria-Funci: o fazer profissional, a profissionalização e as
condições de trabalho......................................................................................................72
15
CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO SOCIAL PARA OS JOVENS EDUCADORES
SOCIAIS DA COORDENADORIA-FUNCI: UM CONCEITO EM
CONSTRUÇÃO E POSSIBILIDADES DE RESSIGNIFICAÇÃO DE
VIDA...............................................................................................................................85
4.1 Diálogos e especificidades de educadores sociais: o desafio de teorização da prática
profissional......................................................................................................................87
4.2 O campo de atuação: afirmação da tendência crítico-social......................................95
4.3 A trajetória de vida dos jovens educadores sociais e os sentidos construídos em
torno da Educação Social: ressignificação ou perpetuação do existente?.......................96
CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS “ACHADOS” CONSTRUÍDOS E
DESCONSTRUÍDOS DA PESQUISA......................................................................110
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................................116
ANEXOS.......................................................................................................................120
16
INTRODUÇÃO
No ano de 2005, arriscando uma suposta estabilidade por estar trabalhando
em um órgão do Governo do Estado do Ceará, ainda que vinculada a uma empresa de
terceirização, assumi o risco e o desafio de fazer parte da então nova gestão de
Fortaleza1
que, por sua vez, tinha a tarefa de municipalizar o atendimento da medida
socioeducativa de Liberdade Assistida2 (LA), assumindo não só a responsabilidade de
pensar como seria o atendimento/acompanhamento de adolescentes em cumprimento
dessa medida, mas a responsabilidade de propor uma política pública para esse
contingente populacional.
Assim, aceitei o convite para trabalhar na Fundação da Criança e da Família
Cidadã (Funci), como coordenadora das medidas socioeducativas em meio aberto.
Àquela época, contando com uma equipe composta por uma psicóloga, uma assessora
comunitária e uma estagiária de Serviço Social, foi realizado um diagnóstico sobre a
situação dos quase 200 (duzentos) adolescentes atendidos pelo Município, para, a partir
daí, pensar estratégias para a municipalização do atendimento, ação definida como
prioridade da gestão.
Este parêntese inicial pode parecer dispensável, no entanto possui relação
direta com a construção do meu objeto de pesquisa e, sobretudo, com a minha
curiosidade de investigar temáticas relacionadas à juventude3 e à Educação Social. Tudo
começou quando estava participando da minha primeira reunião na condição de
1 Trata-se da gestão autodenominada “Fortaleza Bela” (2005-2008), tendo Luizianne Lins como prefeita,
do Partido dos Trabalhadores (PT), representando a alteração do cenário político que imperava na cidade
de Fortaleza há 16 (dezesseis) anos, com o poderio do Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB). Com a reeleição em 2008, a gestão “Fortaleza Bela” está em seu segundo mandato, devendo
permanecer até 2012. 2 A Liberdade Assistida (LA) é uma medida socioeducativa, aplicada pelo Juiz da Infância e da Juventude
a um adolescente que tenha cometido um ato infracional – conduta descrita como crime ou contravenção
penal. A legislação específica que versa acerca dos direitos e deveres das crianças e dos adolescentes – O
Estatuto da Criança e do Adolescente – prevê em seu Art. 112: “verificada a prática de ato infracional, a
autoridade competente poderá aplicar ao adolescente medidas socioeducativas” (ECA, 2010, p. 81) e Art.
118: “a LA será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar,
auxiliar e orientar o adolescente” (ECA, 2010, p. 83). 3 É importante mencionar que o Plano Nacional de Juventude considera juventude a população
compreendida na faixa etária de 15 a 29 anos. Além do Plano, estão na Câmara outras matérias relativas à
juventude, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 238/2003, que institui na CF/88 a figura da
juventude, estipulando como faixa etária para esta parcela da sociedade de 15 a 29 anos, bem como o
Estatuto da Juventude, que detalha a redação proposta pela PEC, especificando os direitos dos jovens
brasileiros. Fonte: Jornal Carta Maior, disponível no site:
http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/index. Acesso em 22 de maio de 2010.
17
coordenadora da LA, em março de 2005. O cenário era desolador. Tratava-se de um
prédio consideravelmente velho, com letreiros indicando Juizado da Infância e da
Juventude4; o elevador nos convidava a subir quantos lances de escada fosse preciso,
pela visível má conservação. Porém, mais cruel me pareceu a nossa recepção. Havia
literalmente um paredão de profissionais (assistentes sociais, psicólogas, pedagogas
etc.) nos esperando em uma sala quente, com carteiras escolares desconfortáveis. Até aí
tudo bem, poderíamos supor as precárias condições de trabalho oferecidas àqueles
profissionais, só não poderíamos imaginar a frieza de suas palavras, o descrédito de suas
próprias ações e a resistência às possíveis mudanças sob a alegativa de possuírem mais
de dez anos de experiência na área.
Apesar de não possuir sequer um ano de experiência, tinha a convicção da
possibilidade de, no mínimo, humanizar o atendimento aos adolescentes, em
cumprimento de medida socioeducativa, deixando de lado práticas de puro
disciplinamento, massificadas, sem impactos – o que é pior, para buscar ressignificar os
valores e atitudes5 dos jovens que, no meu entender, são uma das principais forças
motrizes da transformação societária. Eis aí o meu encantamento pela juventude.
Percebi depois que não bastava apenas humanizar o atendimento, era
necessário romper os muros das ações meramente burocráticas. O grande desafio era
iniciar a desconstrução, junto aos adolescentes, de que o cumprimento da medida de LA
restringia-se ao ato de assinar6, imagem historicamente perpetuada que é mal comparada
ao regime de liberdade condicional dos adultos, que todos os meses têm a obrigação de
“prestar contas” à justiça. Nessa perspectiva, entrou em cena a Educação Social,
pautada nos ensinamentos da Educação Popular, cuja metodologia se apresenta como
capaz de impactar a vida dos sujeitos e, sobretudo, de romper com as amarras das
intervenções institucionais formais e disciplinadoras.
4 A execução da medida de LA era de responsabilidade do Juizado da Infância e da Juventude. Àquela
época, o atendimento dos adolescentes era realizado no próprio órgão, por uma equipe de profissionais. A
partir de 2007, a execução da LA se dá em duas instâncias: município e Pastoral do Menor, organização
não-governamental vinculada à arquidiocese da Igreja Católica. 5 O primeiro projeto de captação de recursos, junto ao Governo Federal, especificamente apresentado à
Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, para iniciar o processo de
municipalização da LA foi intitulado: “Liberdade Assistida: ressignificando valores e atitudes”. 6 Durante muito tempo o atendimento dos adolescentes em cumprimento de LA restringia-se a um
atendimento formal, espécie de conversa e/ou entrevista com uma assistente social ou psicóloga nas
dependências do Juizado. Ao final desse atendimento os adolescentes assinavam uma lista de frequência e
de recebimento de um vale transporte para retornarem para casa. Assim, no imaginário deles o ato de
assinar tal lista caracterizava o cumprimento da medida.
18
Assim, adotando uma política de descentralização administrativa, entre os
anos de 2006 e 2007, foram criados cinco núcleos regionalizados e especializados de
Liberdade Assistida, onde os profissionais passaram a executar, exclusivamente, o
atendimento e o acompanhamento dos adolescentes na busca de atendê-los em suas
várias dimensões: sociais, psicológicas, jurídicas e pedagógicas, ou seja, um
acompanhamento realizado por assistentes sociais, psicólogos, assessores jurídicos,
pedagogos e educadores sociais – uma equipe multidisciplinar atuando de forma
interdisciplinar.
Os Núcleos passaram a aliar aspectos formais exigidos pelo cumprimento da
medida (como atendimentos individuais, por cada categoria profissional, inserção na
escola formal, visitas domiciliares e institucionais, para o acompanhamento do
adolescente) com atividades de arte-educação (teatro, música, confecção de
instrumentos musicais) e de informática, vislumbrando a ressignificação e a construção
de um novo projeto de vida, autônoma e articulada à comunidade, para os adolescentes.
Durante os três anos em que estive na coordenação da Liberdade Assistida,
que me instigou a conhecer inúmeras práticas desenvolvidas no País, pude perceber
duas problemáticas recorrentes: a normalização e a disciplina tornaram-se a centralidade
das ações institucionais no plano da educação e da cidadania; e o desinteresse dos
jovens pelo retorno ou permanência no ensino formal sob a alegativa de que a dinâmica
é restrita à transmissão e apreensão de conteúdos curriculares. Associado a estas
problemáticas, um fato significativo me chamou atenção: o interesse da juventude pelas
atividades pedagógicas centradas na Educação Social. Tais fatos me levaram a um
primeiro questionamento: a Educação Social é efetivamente uma prática capaz de
conduzir o ser a mudanças significativas?
Avançando na minha trajetória7 e adentrando na investigação, na condição
de gestora, não tive tempo suficiente para avaliar com mais afinco a relação entre
juventude, Educação Social e políticas públicas, ficando esta tarefa para a condição de
pesquisadora. Assim, a partir de 2010, já plenamente fora da gestão, elegi como objeto
da pesquisa a Educação Social realizada por jovens educadores que, em suas trajetórias
7 Permaneci na coordenação da LA por um período de três anos (2005-2008). Em 2006, foram instalados
três núcleos de atendimento especializado ao adolescente em cumprimento de LA. Nesse período foi
garantido um processo seletivo rigoroso, resultando na contratação de 36 (trinta e seis) profissionais. Em
2007, foi efetivada a municipalização e instalado mais dois núcleos. Porém, houve um descompasso entre
a quantidade de adolescentes acompanhados e a estruturação adequada para a qualidade desse
atendimento.
19
de vida, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de assistência do poder
público ou da sociedade civil organizada.
Escolhi como locus de realização do estudo os Programas Crescer com Arte
e Cidadania e o Ponte de Encontro, da Coordenadoria da Criança e do Adolescente-
Funci, que possui, em seu quadro de funcionários, este perfil de educador. Minha ideia
foi buscar compreender as práticas e sentidos que os referidos educadores sociais
constroem sobre seu trabalho, considerando a Educação Social desenvolvida no âmbito
da referida instituição.
É importante ressaltar que minha opção por envolver os profissionais que já
foram atendidos em projetos sociais foi pelo fato de eles terem vivenciado a Educação
Social na condição de educandos e por querer compreender os sentidos de tal
experiência na vida deles, o que resultou nos seguintes objetivos: investigar os sentidos
da Educação Social construídos por educadores sociais da Coordenadoria-Funci que, em
suas trajetórias de vida, pertenceram, na condição de educandos, a instituições de
assistência do poder público ou da sociedade civil organizada; compreender como esses
sujeitos percebem as suas absorções no quadro de profissionais da referida instituição,
problematizando sobre o fazer profissional no âmbito das políticas públicas, a
profissionalização e as condições de trabalho; perceber as estratégias da Coordenadoria-
Funci frente à absorção desses educadores em seu quadro profissional, analisando os
limites e potencialidades da prática educativa desenvolvida pelos jovens educadores
sociais e as possíveis problemáticas desse processo.
Para iniciar as discussões propostas que envolvem o meu objeto de
pesquisa, é fundamental definir o que considero Educação Social e educador social à luz
de Romans, Petrus e Trilla (2003); Gohn (2010); Machado (2011), entre outros autores
e sujeitos pesquisados. Assim, Educação Social significa “um conjunto fundamentado e
sistematizado de práticas educativas [...], orientadas para o desenvolvimento adequado e
competente dos indivíduos, assim como para dar respostas a seus problemas e
necessidades sociais” (Gohn, 2010, p. 26 apud Pérez, 1999).
Quanto ao educador social8, é o profissional que desenvolve ações no
campo da Educação Social, junto aos movimentos sociais, como os populares, os
8 Gohn destaca que “o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil (MTE), em seu documento COB –
Classificação Brasileira de Ocupações (2002) –, menciona, no código 5.153, os trabalhadores de atenção,
defesa e proteção a pessoas em situação de risco, e inclui os educadores sociais nesta categoria. Além de
20
identitários e os globalizantes; e que atua em projetos sociais de organizações
governamentais e não-governamentais por meio do desenvolvimento de ações
socioeducativas (Gohn, 2010).
Nos espaços de atuação do educador social lhe é exigido o ensino médio
completo, mas muitos possuem formação acadêmica nas áreas de humanas (Serviço
Social, Psicologia, Ciências Sociais, Pedagogia etc.). No Brasil, não existe uma
formação acadêmica de educador social, e a sua atuação ainda me parece fragilizada.
Grosso modo, na realidade da instituição em análise, parece-me que a atuação como
educador social se configura em um estágio preliminar para o profissional, que
posteriormente terá uma formação acadêmica para só depois atuar em uma área
específica9.
De acordo com Silva (2008), o educador social acaba utilizando-se de
metodologias de trabalho apreendidas na sua área de formação acadêmica ou em suas
experiências de vida e, essa realidade corrobora para gerar descompassos entre os
princípios da Educação Social e a prática disseminada.
Ainda segundo Silva (2008), diante da vontade de ajudar – construída à
imagem disseminada acerca do trabalho social – o educador social depara-se com o
“não saber ao certo o que fazer frente aos sujeitos que já não sabem ao certo o que
esperar” (SILVA, 2008, p. 18), impondo, assim, à população a ideia de que o
atendimento/ação das políticas públicas se configura em um favor e não um direito que
lhes deve ser assegurado.
Machado (2011) esclarece, no entanto, que, para a área socioeducativa,
apenas a referência das práticas, que ainda permanece em muitos espaços, torna-se
insuficiente numa sociedade que se complexifica e apresenta novas demandas. Portanto,
é premente “a necessidade de um referencial teórico consolidado específico para a área,
para dar suporte às discussões e propostas, e principalmente, para impulsionar e
fundamentar pesquisas e produção de conhecimentos” (MACHADO, 2011, p. 264).
reconhecer a função, o referido código detalha suas atribuições, assinalando que “o acesso à ocupação é
livre, sem requisitos de escolaridade” (GOHN, 2010, p. 54). 9 Essa realidade é bem presente na instituição estudada. No levantamento inicial para a produção dos
dados da pesquisa, constatei um número elevado de técnicos (assistentes sociais, pedagogos, sociólogos,
entre outras formações) e coordenadores de projetos e programas que iniciaram na instituição como
educadores sociais e após a conclusão de suas formações acadêmicas foram contratados como técnicos,
sendo mais bem remunerados. Outro detalhe importante é o fato de alguns nessa situação também terem
sido atendidos em projetos sociais, mas minha análise voltou-se apenas aos jovens educadores sociais.
21
Outros autores foram fundamentais para a dissertação, pois me levaram a
compreensão de categorias centrais para este estudo, como sentido e subjetividade, já
que é eixo condutor das questões levantadas, quer dizer, os sentidos atribuídos por
jovens educadores sociais sobre a Educação Social e seu trabalho, entre outros
processos e engrenagens que os envolvem. O sentido é “uma construção social, um
empreendimento coletivo, mais precisamente interativo, por meio do qual as pessoas
[...] constroem os termos a partir dos quais compreendem e lidam com as situações e
fenômenos a sua volta” (SPINK; MEDRADO, 2000, p. 41).
Desse modo, pelo fato da pesquisa ter a subjetividade como enfoque, optei
por uma pesquisa qualitativa. Tal delimitação deu-se em virtude do meu objeto de
estudo e à minha concepção de que a pesquisa qualitativa apresenta uma metodologia
adequada aos meus propósitos de investigação.
Segundo Rey (2010, p. 131), “a pesquisa qualitativa recupera a pessoa
estudada em condição de sujeito ativo na construção de sua experiência. Os caminhos
de sua expressão os escolhe a pessoa estudada, transitando livremente por eles através
da complexa trama de sua experiência subjetiva”. Quanto à subjetividade, concordando
com Rey (2010), essa “está constituída tanto no sujeito individual como nos diferentes
espaços sociais em que este vive, [...] apresenta-se nas representações sociais, nos mitos,
nas crenças, na moral, na sexualidade, nos diferentes espaços em que vivemos” (REY,
2010, p. 24).
Aqui, levo em consideração o pensamento de Guattari e Rolnik (2011, p.
34) que acreditam que as “mutações da subjetividade não funcionam apenas no registro
das ideologias, mas no próprio coração dos indivíduos, em sua maneira de perceber o
mundo, de se articular com o tecido urbano, com os processos maquínicos do trabalho e
com a ordem social suporte dessas forças produtivas”. Por isso concordo com os autores
quando afirmam que “não é utópico considerar que uma revolução, uma mudança social
em nível macropolítico e macrossocial, concerne também a produção de subjetividade,
o que deverá ser levado em conta pelos movimentos de emancipação” (GUATTARI;
ROLNIK, 2011, p. 34).
Ao estudar o educador social na sua condição de jovem, penso
imediatamente no conceito de juventude, considerando que não existe unanimidade
acerca dessa conceituação, mas adoto a ideia de produção sócio-histórica-cultural, já
que “a faixa etária juvenil, assim como os demais grupos de idade, são uma criação
22
sócio-cultural própria, marcante e fundamental dos processos de modernização e da
configuração das sociedades contemporâneas” (GROPPO, 2000, p. 27). Os principais
autores que utilizei na fundamentação da categoria de juventude foram Groppo (2000) e
Pais (2003).
Outras categorias surgiram no desenrolar da pesquisa de campo, como
trabalho, trabalho social e políticas públicas, que serão abordadas ao longo do texto
especialmente à luz de autores como Antunes (2009), Araújo (1997), Abramo (1997),
Cohn (2004), entre outros.
Assim, mediante essa análise e para alcançar os objetivos da pesquisa,
escolhi o seguinte caminho de investigação: No capítulo I, traço o percurso
metodológico do trabalho, apresentando os caminhos trilhados, o lugar referencial da
pesquisa – a Coordenadoria-Funci e, em especial, os sujeitos envolvidos, para
possibilitar ao leitor conhecê-los no lugar em que constroem suas percepções e seu
trabalho.
No capítulo II, apresento, brevemente, as origens da Educação Social e os
Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro, locus de realização do
estudo, no sentido de continuar compreendendo representações e práticas dos
educadores construídas no espaço e no lugar onde foram contratados e atuam. Assim,
delineio as ações de Educação Social desenvolvidas nos dois Programas, tendo como
subsídio de análise os seus Projetos Político-Pedagógicos e as percepções dos sujeitos
envolvidos na pesquisa (educadores sociais e gestores).
Inicio o capítulo III apresentando as reconfigurações do trabalho social para
os jovens educadores sociais no âmbito da Coordenadoria-Funci. Ainda no mesmo
capítulo, faço uma análise sobre a contratação desses sujeitos pela referida instituição,
partindo de suas percepções e das percepções dos gestores, em busca de problematizar
aspectos relacionados ao fazer profissional, à profissionalização e às condições de
trabalho.
Levando em consideração a importante necessidade de teorização da prática
profissional, no capítulo IV, inicio com uma discussão acerca da Educação Social, os
seus conceitos e como os jovens educadores sociais percebem essa educação em termos
conceituais, bem como que sentidos eles constroem em torno da Educação Social, a
partir de suas trajetórias de vida, problematizando sobre a real possibilidade desta
ressignificar a vida dos sujeitos.
23
Enfim, tive preocupação em definir os capítulos, itens e subitens, levando
em consideração os objetivos, as questões iniciais da pesquisa, mas, principalmente, o
que foi produzido no campo, ou seja, construindo uma relação estreita entre a teoria e a
empiria. Tais questões são, dessa forma, desenvolvidas no texto que se segue.
24
CAPÍTULO 1 – PERCURSOS METODOLÓGICOS: APRESENTANDO OS
JOVENS EDUCADORES SOCIAIS E SEUS ESPAÇOS NA EDUCAÇÃO
SOCIAL
1.1. A Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci: o lugar referencial da
pesquisa
Remexendo documentos, projetos, planos de ação – atividade exigida pela
pesquisa documental, realizada entre maio de 2010 e dezembro de 2011 –, conversando
com os profissionais e a partir das minhas observações desde a época em que trabalhava
na instituição, pude conhecer “as histórias” da Funci. Não simplesmente o seu percurso
histórico, descrito friamente nos documentos, mas suas conquistas, seus choros, seus
ganhos e perdas.
Criada no ano de 1993, precisamente em 30 de dezembro, com a
promulgação da Lei nº 7.488, a Funci recebeu a denominação de Fundação da Cidade.
Sua sede foi instalada no Parque da Liberdade10
e tinha como propósito o
desenvolvimento de ações de enfrentamento às diversas situações de vulnerabilidade
social envolvendo crianças e adolescentes “pobres” da cidade de Fortaleza.
Em 1999, apesar de mantido o mesmo propósito, mas reconhecendo a
necessidade de se ampliar o foco de atuação para a família e não apenas para as crianças
e os adolescentes, a Funci recebeu nova denominação, por meio da Lei nº 8.389,
passando a se chamar Fundação da Criança e da Família Cidadã.
Por meio de seus documentos e dos discursos de profissionais, já na gestão
2005-2008, identifiquei objetivos para realizar um trabalho de fortalecimento das redes
de proteção social e harmonia do Sistema de Garantia de Direitos em detrimento de
práticas pontuais e assistencialistas. Por esta razão, em 2005, a Funci passou a redefinir
os seus programas e projetos na perspectiva da promoção e garantia de direitos.
Nesse período, estabeleceu como missão “promover e garantir Direitos
Humanos com crianças e adolescentes de Fortaleza”, desenvolvendo a linha política de
ação “Família: arte-educação, cidadania e qualidade de vida, com foco em gênero e
10
Conhecido pelos moradores da cidade de Fortaleza como “Parque das Crianças”. Situado no coração da
referida cidade, no entorno das Ruas Pedro I, Solon Pinheiro, Pinto Madeira e Conde D‟eu. Nos anos
1950, em suas casinhas espalhadas pelo parque funcionava uma escola municipal de ensino primário. Não
fosse a poluição e a preocupação com o desmoronamento das margens do “Lago do Amor”, os
profissionais poderiam contemplar uma linda vista e um agradável ambiente institucional.
25
socioeconomia solidária11
”. É importante registrar que, desde a sua criação, o orçamento
da Funci é vinculado ao orçamento da Secretaria de Assistência Social, correspondendo
a cerca de 1% do orçamento total da prefeitura.
O coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania relatou que no
ano de 2005, àquela época vinculado ao Programa das Medidas Socioeducativas em
Meio Aberto, houve muito trabalho, reorganização, estudos, para que se pudesse superar
a herança orçamentária das gestões anteriores e ressaltou: “lembro que ficávamos até
mais tarde trabalhando, para finalizarmos projetos e planos de trabalho e os vigias da
instituição querendo fechar os portões”. Nos anos seguintes (2006, 2007 e 2008), como
salientou o coordenador, “pudemos colher os frutos do trabalho do primeiro ano de
gestão e tivemos muitas conquistas, como inclusão de programas no PPA12
, ampliação
de metas de atendimento, recursos externos para a manutenção das atividades dos
projetos”.
Em 2009 (segunda gestão 2009-2012), houve uma reestruturação política e
foi criada a Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza (SDH), através da Lei
Complementar nº 0061, de 22 de janeiro de 2009, com o objetivo de “promover e
coordenar a política de direitos humanos da Cidade, atuando de forma transversal a
todos os órgãos da gestão municipal” (FORTALEZA, 2010, p. 11). Na perspectiva de
desenvolver ações relacionadas às políticas de geração (infância, adolescência e
população idosa), população negra, diversidade sexual e pessoas com deficiência, a
SDH instituiu coordenadorias que definem as políticas específicas para tais grupos.
De acordo com o texto institucional (2010), elaborado para a compreensão
do organograma da SDH, esta possui três eixos de atuação, quais sejam: (i) promoção
dos Direitos Humanos, abrangendo o acesso a serviços e equipamentos públicos, a não
violação de direitos, a incorporação da temática nas políticas públicas e o atendimento
para a efetivação, restauração e notificação do direito violado; (ii) defesa dos Direitos
Humanos, que consiste em acompanhar os procedimentos e processos de
responsabilização dos agressores, assim como de acolhimento inicial e encaminhamento
da vítima para a Rede de Retaguarda e (iii) divulgação dos Direitos Humanos,
11
Estratégia de enfrentamento à exclusão social e da precarização do trabalho, sustentada em formas
coletivas, justas e solidárias de geração de trabalho e renda. 12
O plano plurianual (PPA) estabelece os projetos e os programas de longa duração do governo,
definindo objetivos e metas da ação pública para um período de quatro anos. Informação retirada do site:
http://www9.senado.gov.br/portal/page/portal/orcamento_senado/PPA/elaboracao:PL. Acesso em 23 de
dezembro de 2011.
26
significando a construção e reconstrução de espaços de diálogo permanente dos direitos
humanos.
Para a organização dos três eixos de atuação, a SDH conta com um (a)
secretário (a) municipal e seis coordenadorias, Coordenadoria Administrativa
Financeira-CAF13
, Coordenadoria do Idoso14
, Coordenadoria da Diversidade Sexual15
,
Coordenadoria de Políticas Públicas de Inclusão Racial-COPPIR16
, Coordenadoria de
Pessoas com Deficiência-COOPEDEF17
e Coordenadoria da Criança e do Adolescente-
Funci, além de dois projetos especiais (Raízes da Cidadania18
e Laboratório de Direitos
Humanos-LEDH19
). Porém, o que me interessa aqui é ter um maior aprofundamento
acerca da Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci20
que, ao vincular-se ao
conjunto das coordenadorias da SDH, iniciou um novo processo de mudanças em sua
estrutura organizacional e orçamentária.
Como já mencionado, com a Secretaria de Direitos Humanos de Fortaleza, a
Funci passou a ser uma coordenação da SDH, recebendo a denominação de
Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci. Optou-se em não suprimir a sigla
“Funci” em virtude de sua referência, instituída ao longo da história, com a sociedade e,
sobretudo, para a sociedade civil organizada e a população atendida.
Apesar da mudança em seu nome, a Coordenadoria da Criança e do
Adolescente-Funci, de acordo com os documentos analisados, manteve a sua missão e
linha política de ação, definidas em 2005, havendo apenas uma redefinição em seus
13
A CAF comporta a coordenação financeira, supervisão de compras, procuradoria jurídica, contratos e
convênios, planejamento, tesouraria, setor de informática e protocolo. 14
A Coordenadoria do Idoso é responsável por articular as diferentes políticas públicas municipais
voltadas para pessoas idosas, como questões relacionadas a transporte, assistência social, saúde e
educação. Também visa mobilizar essa população em torno da garantia de seus direitos. 15
A Coordenadoria da Diversidade Sexual possui como missão coordenar, elaborar e implementar
políticas públicas de enfrentamento ao preconceito e à discriminação por orientação sexual e identidade
de gênero no município de Fortaleza, articulando com as demais secretarias e áreas de atuação
governamental. 16 A COPPIR é responsável em coordenar e desenvolver políticas voltadas para a questão racial e étnica,
como forma de garantir direitos e construir a cidadania e a justiça para negros e outros grupos étnico
raciais historicamente discriminados. 17
A COOPEDEF é responsável pelas articulações contínuas com os gestores municipais e a sociedade
civil, numa tentativa de integrar as políticas de forma intersetorial para atender às demandas da sociedade
referentes às necessidades específicas das pessoas com deficiência. 18
As Raízes da Cidadania são a Secretaria de Direitos Humanos nos bairros, numa atuação que considera
as especificidades dos territórios e que está fortemente ligada às organizações da sociedade civil. 19
O LEDH é a referência da SDH na sistematização de dados e de conhecimento produzido sobre direitos
humanos, assessora os projetos de pesquisas da Secretaria e gerencia o acervo sobre o tema. 20
É importante registrar que apesar de ter se tornado uma coordenadoria, a Funci não perdeu o status de
fundação, o que facilita a captação de recursos externos.
27
princípios norteadores21
e no seu organograma22
, ainda com a responsabilidade pela
execução e proposição de políticas públicas “para meninas e meninos de Fortaleza,
dialogando diretamente com o Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e
do Adolescente (COMDICA), que também está vinculado à SDH” (FORTALEZA,
2010, p. 12).
O organograma institucional, além da formatação própria de gestão e
serviços, ainda apresenta sete programas: Programa Se Garanta, Programa Ponte de
Encontro, Programa Rede Aquarela, Programa Famílias Defensoras, Programa Disque
Direitos Criança e Adolescente, Programa Adolescente Cidadão e Programa Crescer
com Arte e Cidadania.
Com a criação da SDH, tornou-se necessária uma nova composição
organizacional, que trouxe retrocessos para a Funci, principalmente em relação ao
orçamento. O pouco que se tinha, cerca de 1% do orçamento da prefeitura, teve que ser
redimensionado para todas as demais coordenadorias no primeiro ano.
Quanto à questão acima, o coordenador do Programa Crescer com Arte e
Cidadania relatou que vivenciou literalmente a perda de quase tudo que foi construído
na primeira gestão, como demonstrou na fala: “vimos nossos carros, computadores,
armários, materiais em geral sendo pulverizados nas demais coordenadorias. Tudo foi
conquistado com muito esforço e não poderia ter sido desfeito sem um mínimo de
planejamento”.
O coordenador também relatou que a execução orçamentária da política das
medidas socioeducativas e de erradicação do trabalho infantil passou a ser de
responsabilidade da Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS), causando
disparidade salarial entre profissionais da mesma categoria dentro da instituição; as
atividades de arte-educação e informática, desenvolvidas nos Núcleos da Liberdade
Assistida, foram disseminadas em outros projetos, levando muito tempo para serem
21
O leitor que tiver interesse em conhecer os princípios norteadores da Funci com mais detalhes
encontrará no Plano de Ação 2010/2012, da Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci,
documento institucional que se encontra na Coordenação de Gestão da referida instituição. Em suma, os
princípios são: universalidade da política, centralidade na criança e no adolescente, foco na família e na
comunidade, ação articulada, garantia da participação real de crianças e adolescentes, respeito à equidade
de gênero, garantia da cidadania plena e garantia da inserção produtiva (FORTALEZA, Plano de Ação,
2010-2012). 22
No anexo da pesquisa consta o desenho do organograma da Coordenadoria-Funci, para facilitar a sua
compreensão.
28
reinstaladas e ocasionando a extinção da categoria de educador social nos Núcleos; e os
projetos passaram a funcionar com insuficiência de recursos e dotação orçamentária.
Outro fato relatado pelo coordenador, que denota insatisfação após a criação
da SDH, foi a mudança da Coordenadoria-Funci do “Parque das Crianças”. Todos os
programas23
foram instalados em um imóvel situado à Rua Guilherme Rocha, nº 1503,
Bairro Jacarecanga. Segundo o profissional, a mudança gerou insatisfação da
população, que já possuía a referência da Funci no Parque e gozava de fácil acesso,
como relatou: “ficávamos em uma região central e a população, além de já conhecer o
local, aproveitava para resolver outros problemas e demandas no centro da Cidade,
utilizando apenas um transporte”.
A implantação da Secretaria de Direitos Humanos, na visão do profissional,
quase que comprometeu por completo a efetivação dos Direitos Humanos das Crianças
e dos Adolescentes em situação de vulnerabilidade social da cidade de Fortaleza, além
de ter gerado certa disputa de egos, sobretudo entre a SDH e a SEMAS, quanto à
responsabilidade da execução orçamentária das ações desenvolvidas, como ressaltou:
os profissionais da SEMAS sem terem vivenciado o processo de construção
das políticas chegavam na Funci dizendo-se fiscalizadores das ações e
cobrando projetos para a liberação dos recursos, quando bastavam planos de
trabalhos, já que eram ações continuadas, assim reconhecidas pelo
financiador – o Governo Federal (Coordenador do Programa Crescer com
Arte e Cidadania).
Essa suposta disputa entre SDH e SEMAS, relatada pelo coordenador do
Programa Crescer com Arte e Cidadania, é caracterizada por Costa (2008) como a
fragmentação da burocracia pública, um dos limites encontrados nos programas sociais.
Para Costa (2008, p. 29):
as disputas burocráticas, a busca de liderança institucional ou pessoal nos
papeis-chave de execução ou a defesa de espaços de poder por parte de
grupos ou instituições, não são exclusividades dos programas e políticas
sociais, mas contingências da ação em contextos e organizações complexas.
Entretanto, no âmbito do Estado, prejudicam de forma mais acentuada a
organicidade dos programas sociais, já que esses dependem geralmente da
ação concertada de diversos órgãos e instâncias decisórias.
23
Apenas a Coordenadoria e a coordenação de gestão permaneceram na Casa Branca do Parque.
29
Aqui não me cabe o aprofundamento acerca das disputas entre as duas
secretarias, apenas comentei a questão por ter sido relatada por um dos sujeitos
entrevistados quando estava contextualizando a transformação da Funci em
Coordenadoria.
Ainda segundo o coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania,
em termos de dotação orçamentária24
, a SDH alcançou alguns avanços ao longo dos
anos, mas ainda persistem a não apropriação da população quanto às ações
desenvolvidas e o comprometimento da política voltada para as crianças e os
adolescentes, sobretudo pela fragilidade financeira e a não efetivação do Princípio da
Prioridade Absoluta. “O orçamento criança é mascarado com recursos diluídos nas
políticas de saúde e educação, havendo uma publicização não transparente dos valores
que, de fato, são repassados às ações destinadas a esse segmento populacional”
(Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania).
Esse fenômeno demonstra o que Edite e Eleonora Cunha (2008, p. 23)
afirmaram:
a política social não tem se constituído como prioridade de governo, ficando
a reboque da política econômica, o que veio confirmar o que Draibe, ainda no
início da década de 90, apontava como uma possível tendência: a
assistencialização das políticas, ou seja, o restrito financiamento destinado a
elas, comprometendo seus resultados e empurrando as classes médias para a
compra dos serviços no mercado. Seus usuários passaram a ser as parcelas
mais pauperizadas da população, dando-lhe um caráter residual.
Portanto, é neste cenário que situo os sujeitos desta pesquisa para alcançar
melhor uma compreensão histórica do educador social em Fortaleza, seus lugares,
experiências e sentidos construídos em torno do trabalho da Educação Social.
1.2. Os programas e os sujeitos da pesquisa
Como visto até aqui, esta pesquisa preza por uma abordagem contextual e
histórica de questões relacionadas à política desenvolvida pela Coordenadoria-Funci,
para melhor compreensão do universo geral da investigação. Porém, para maior
24
Detalhes do orçamento da SDH podem ser encontrados nas seguintes leis: Lei Orçamentária Anual
(LOA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e no PPA, disponíveis no site da Secretaria de Finanças
do Município (SEFIN), a saber: www.sefin.fortaleza.ce.gov.br.
30
aproximação dos sujeitos selecionados para o estudo, jovens entre 18 e 29 anos de
idade, educadores sociais e/ou arte-educadores e que já foram atendidos em projetos
sociais, busquei delimitar um locus de realização do estudo.
Iniciei, assim, uma pesquisa exploratória junto aos programas da
Coordenadoria da Criança e do Adolescente-Funci, a partir da aplicação de um
questionário com cada coordenador25
, no sentido de identificar o quantitativo geral de
profissionais e o quantitativo dos profissionais que estavam no perfil da pesquisa. Esta
metodologia revelou que o Programa Crescer com Arte e Cidadania possui o maior
número de profissionais no perfil, razão pela qual escolhi realizar, no primeiro
momento, a pesquisa de campo no referido programa envolvendo os seus profissionais.
A tabela abaixo sintetiza o quadro de profissionais dos programas da
Coordenadoria26
.
TABELA1
QUANTITATIVO DOS PROFISSIONAIS DA COORDENADORIA-FUNCI
Maio de 2010 a Fevereiro de 2011
PROGRAMAS/SUPERVISÕES
QUANTIDADE DE
PROFISSIONAIS
QUANTIDADE
DE
EDUCADORES
EDUCADORES
NO PERFIL DA
PESQUISA
Coordenação de Gestão 04 - -
Disque Direitos Criança e
Adolescente-DDCA
47 24 04
Supervisão dos Conselhos
Tutelares
04 - -
Rede Aquarela 58 15 -
Adolescente Cidadão 14 02 -
Famílias Defensoras 27 07 01
Se Garanta 65 - -
Acolhimento Institucional 18 12 -
Ponte de Encontro 77 51 05
Crescer com Arte e Cidadania 96 54 17
TOTAL 410 165 27
FONTE: Pesquisa direta junto aos programas da Coordenadoria-Funci. Elaboração da própria autora.
25
Saliento que, antes de minha inserção no campo de investigação, apresentei um requerimento junto à
Funci, solicitando autorização para a realização da pesquisa. Recebi a resposta oficial no dia 31 de maio
de 2010. No mesmo dia, antes da realização de uma reunião entre os gestores da Instituição, realizei um
momento de esclarecimento em relação à pesquisa e a importância quanto ao preenchimento dos
questionários. Desse modo, após sensibilização prévia, fui recebendo as respostas aos poucos, tendo
recebido o último questionário em fevereiro de 2011. 26
É importante salientar que existe alto índice de rotatividade profissional na Coordenadoria-Funci, o que
pode gerar a desatualização dos dados com muita velocidade. Este fator pode estar relacionado a
diferentes motivações de cunho objetivo como baixos salários, uma vez que existem disparidades salariais
entre as Secretarias da prefeitura para um mesmo cargo, além de condições de trabalho precárias, e de
cunho subjetivas, como processo de identificação com o trabalho, sensação de reconhecimento ou não da
profissão, distanciamento de valores tradicionais de solidariedade no trabalho com crianças, balanço da
autoestima, entre outros.
31
Após a avaliação da banca de qualificação27
, seguindo as sugestões
metodológicas de ampliação do quantitativo de sujeitos e de ampliação da
representatividade feminina, redimensionei a pesquisa28
. Passei a envolver educadores
inseridos nos Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro, utilizando-
me de nova produção de dados29
, realizada entre os meses de novembro e dezembro de
2011, assim configurada:
TABELA 2
QUANTITATIVO DOS PROFISSIONAIS DA COORDENADORIA-FUNCI
Novembro a Dezembro de 2011
PROGRAMAS/SUPERVISÕES
QUANTIDADE DE
PROFISSIONAIS
QUANTIDADE
DE
EDUCADORES
EDUCADORES
NO PERFIL
DA PESQUISA
Coordenação de Gestão 08 - -
Disque Direitos Criança e
Adolescente-DDCA
47 25 02
Supervisão dos Conselhos
Tutelares
05 - -
Rede Aquarela 54 14 -
Erradicação do Trabalho Infantil30
08 01 -
Adolescente Cidadão 14 02 -
Famílias Defensoras 26 06 -
Se Garanta 70 - -
Acolhimento Institucional 18 12 -
Ponte de Encontro 95 65 07
Crescer com Arte e Cidadania 145 76 12
TOTAL 490 201 21
FONTE: Pesquisa direta junto aos programas da Coordenadoria-Funci. Elaboração da própria autora.
O comparativo entre os levantamentos denota o aumento no número de
profissionais em geral e educadores sociais na Instituição, mas redução no número de
educadores no perfil da pesquisa. Esse último indicativo requer alguns esclarecimentos,
quais sejam: (i) o Programa DDCA possuía quatro educadores no perfil, mas dois
desses foram remanejados para outros programas (Crescer e Ponte); (ii) o Programa
27
A avaliação da banca de qualificação ocorreu em 30 de agosto de 2011. 28
Antes da qualificação, a pesquisa envolvia seis educadores sociais do Programa Crescer com Arte e
Cidadania, sendo cinco homens e uma mulher e o coordenador do Programa. A representatividade
feminina foi colocada em risco, uma vez que optei por um sorteio aleatório contendo o nome de todos os
educadores no perfil (homens e mulheres), desse modo obtive, inicialmente, a fala de apenas uma
educadora. 29
Outra recomendação da banca de qualificação foi a necessidade de melhor delimitar o objeto de estudo,
o que exigiu novo roteiro de entrevista, sendo aplicado com os doze sujeitos envolvidos. 30
No levantamento realizado em maio de 2010, a política de erradicação do trabalho infantil era
vinculada ao Programa Rede Aquarela. Hoje, apesar de não possuir status de programa, alcançou
autonomia frente ao referido programa, por isso fiz a separação no segundo quadro.
32
Famílias Defensoras apresentava um educador no perfil, mas este completou 30 (trinta)
anos de idade, em 2011, saindo do perfil; (iii) o Programa Ponte possuía cinco
educadores no perfil, porém, em 2011, dois foram desligados, três foram contratados e
um veio remanejado de outro projeto, totalizando sete educadores no perfil; (iv) o
Programa Crescer com Arte e Cidadania apresentava 17 (dezessete) educadores no
perfil, mas sete foram desligados em 2011, assim como um foi contratado e um veio
remanejado de outro projeto, totalizando 12 (doze) educadores sociais no perfil.
Tais números confirmam a informação, utilizada no relatório de
qualificação em 2010, de que na Coordenadoria-Funci existe um alto índice de
rotatividade, que leva a desatualização dos dados com muita velocidade.
Assim, diante do novo quantitativo, defini envolver a totalidade dos
educadores sociais dos Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro,
12 (doze) e 7 (sete), respectivamente. Além dos coordenadores de cada programa e um
profissional da coordenação de gestão31
. O critério de escolha para a investigação, que
envolve os referidos programas, é a característica de atuação dos educadores sociais, ou
seja, de desenvolverem ações de Educação Social, em sua multiplicidade de contextos,
diretamente com os adolescentes e o fato de possuírem projetos de monitoria junto aos
adolescentes atendidos.
Apesar do Programa DDCA possuir dois educadores sociais no perfil, esses
atuam de forma diferenciada, ou seja, não atendem diretamente as crianças e os
adolescentes, mas averiguam denúncias de violações de direitos junto a esses sujeitos, e
não possui projeto de monitoria.
De posse dos nomes e contatos de todos os educadores sociais que estavam
no perfil, iniciei nova mobilização para a concretização das entrevistas e demais ações
necessárias para a efetivação dos objetivos da pesquisa. Dos 19 (dezenove) educadores
mobilizados, compareceram para as entrevistas 12 (doze), sendo 9 (nove) vinculados ao
Programa Crescer com Arte e 3 (três) vinculados ao Programa Ponte de Encontro.
Para preservar a identidade dos profissionais, utilizei a denominação de
educador social, seguida de uma letra do alfabeto (de A até L), obedecendo à ordem das
entrevistas realizadas. Portanto, as suas falas, durante todo o trabalho, foram
identificadas dessa maneira. Assim, nos meses de novembro e dezembro de 2011,
31
Setor responsável pela contratação e desligamento dos profissionais da Instituição.
33
apliquei um questionário de identificação junto aos educadores, antes de cada entrevista,
que me possibilitou traçar um perfil dos sujeitos da pesquisa.
É importante salientar que a aplicação do referido instrumental, a princípio,
pareceu-me um momento frio, com perguntas objetivas, mas a conclusão da tarefa
sempre desembocava em uma conversa descontraída, servindo de quebra gelo para o
momento posterior, a entrevista.
No item a seguir, apresento os sujeitos envolvidos na pesquisa, enfocando
os seus perfis e contextualizando suas experiências na condição de educadores sociais
da Coordenadoria-Funci. Assim, apresento ao leitor oito homens e quatro mulheres
jovens, que são sujeitos e protagonistas de suas histórias e da história dos Programas
Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro, que enriqueceram este trabalho com
seus depoimentos e enriquecem suas atuações profissionais mediante a socialização da
ressignificação de suas vidas.
1.3. Jovens educadores sociais: protagonistas de suas histórias e das histórias do
Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro
Como já informei anteriormente, defini previamente alguns critérios
objetivos para a escolha dos sujeitos da pesquisa, como a faixa etária (18 a 29 anos), a
categoria profissional (educadores sociais e/ou arte-educadores), o local de trabalho
(Programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro) e o fato de já terem sido
atendidos em projetos sociais, resultando em uma entrevista com o coordenador de cada
programa, com uma supervisora de gestão e doze entrevistas com educadores sociais, já
denominados de educador de A até L.
As perguntas fechadas contidas no questionário de identificação, aplicado
junto aos educadores sociais, possibilitou-me traçar um perfil desses sujeitos,
sintetizado na tabela abaixo:
Tabela 3 – Perfil dos Jovens Educadores Sociais
Referência
(Identificação/Programa)
Idade Sexo Cargo Tempo no
Programa
Escolaridade
A
Crescer com Arte
26 M Educador
Social
3 anos e 8 meses Superior Incompleto
Educação Física
B
Crescer com Arte
21 M Arte
Educador
3 anos e 6 meses Ensino Médio
Completo
C 21 M Educador 4 anos Ensino Médio
34
Crescer com Arte Social Completo
D
Crescer com Arte
29 F Arte
Educadora
1 ano Ensino Médio
Incompleto
E
Crescer com Arte
25 M Educador
Social
5 anos Superior Incompleto
Pedagogia
F
Crescer com Arte
25 M Arte
Educador
7 anos Ensino Médio
Completo
G
Ponte de Encontro
19 M Educador
Social
3 anos Ensino Médio
Incompleto
H
Ponte de Encontro
22 M Educador
Social
3 meses Ensino Médio
Completo
I
Ponte de Encontro
22 M Educador
Social
3 meses Superior Completo
Licenciatura em Artes
J
Crescer com Arte
24 F Arte
Educadora
7 anos Ensino Médio
Completo
K
Crescer com Arte
21 F Educadora
Social
3 anos Ensino Médio
Completo
L
Crescer com Arte
24 F Educadora
Social
2 anos e 8 meses Superior Incompleto
Pedagogia
Elaboração da própria autora.
Dos doze educadores sociais entrevistados, nove são vinculados ao
Programa Crescer com Arte e Cidadania, sendo cinco homens e quatro mulheres, e três
são vinculados ao Programa Ponte de Encontro, todos do sexo masculino. Em relação à
faixa de idade, apenas um educador está compreendido na faixa etária de 18 a 20 anos;
cinco estão compreendidos na faixa etária de 21 a 23 anos; assim como cinco
correspondem à faixa etária de 24 a 26 anos e um educador na faixa etária de 27 a 29
anos.
A maioria dos entrevistados é solteira, com exceção das educadoras D e L;
eles são vinculados à Instituição através de empresa de terceirização, com registros em
suas Carteiras de Trabalho e Previdência Social (CTPS) como educadores sociais (A, C,
E, G, H, I, K, L) ou instrutores de oficinas (B, D, F, J); possuem rendimento individual
correspondente a R$ 703,53 (setecentos e três reais e cinquenta e três centavos) e um
salário mínimo, respectivamente; trabalham no Programa há mais de dois anos, com
exceção da educadora D, que trabalha há um ano, e dos educadores H e I, que trabalham
há três meses.
Quanto à escolaridade, um possui ensino superior completo (I –
Licenciatura em Artes); três educadores possuem ensino superior incompleto (A –
Educação Física, E e L – Pedagogia), seis possuem ensino médio completo (B, C, F, H,
J e K) e dois estão cursando o ensino médio (D e G).
Todos fazem parte do quadro de profissionais da Funci, que comumente
contrata jovens, que já foram acompanhados por projetos sociais, em busca de
35
enriquecer o processo de aprendizagem, compartilhando suas experiências de vida com
as crianças e os adolescentes inseridos nos projetos. Foram admitidos pela Instituição
através de convite, embora todos tenham se submetido à entrega de currículo. Alguns
vivenciaram um processo seletivo mais rigoroso, como os educadores D, E e L,
passando por avaliações escritas, entrevistas coletivas e vivências práticas.
Na intenção de compartilhar com o leitor um pouco dessas experiências, a
partir das questões abertas contidas no questionário de identificação, elaborei uma breve
contextualização acerca dos educadores sociais no ambiente institucional, a saber:
Tabela 4
Atividades, Habilidades, Motivações e Experiências dos Jovens Educadores Sociais
Educador Projeto/Área32 Atividade Habilida
de
Motivação Experiência O que almeja
A Crescer Santa
Filomena
Esporte Futebol Sente-se motivado
em desenvolver a
atividade por ter
aptidão. “Sempre
fui louco por
futebol”.
Iniciou como
adolescente
atendido na
escolinha de
futebol do projeto
Crescer com Arte.
Foi voluntário,
auxiliando o
instrutor, depois se
tornou monitor da
atividade,
recebendo bolsa de
monitoria, até
tornar-se educador
social, responsável
pela atividade.
Ser professor de
Educação
Física.
B Crescer Bela
Vista
Arte-educação Artes
visuais
Sente-se motivado
a desenvolver a
atividade por
possuir habilidade
com desenho,
gostar de dar aula
e aprender.
“Através dessa
linguagem e do
fato de ser
educador, a cada
dia que passa eu
aprendo mais”.
Iniciou como
adolescente
atendido no projeto
Crescer com Arte.
Depois se tornou
monitor com bolsa
e por destacar-se
foi convidado a
assumir a atividade.
Adquirir mais
teoria para
desenvolver a
sua atividade
profissional.
C Crescer Bela
Vista
Educação Social:
acompanhamento
dos adolescentes,
desenvolvimento
de oficinas
Teatro Sente-se motivado
a desenvolver a
atividade pela
possibilidade de
multiplicar com os
Iniciou como
adolescente
atendido no projeto
Crescer com Arte.
Tornou-se monitor
Viajar,
participar de
companhias de
teatro.
32
O leitor deve observar que os Programas Crescer com Arte e Ponte de Encontro acontecem em algumas
áreas de Fortaleza, daí levar o nome de alguns bairros da Cidade, como Santa Filomena, Bela Vista entre
outros que aparecem no quadro.
36
temáticas. adolescentes o seu
aprendizado. “O
que a gente
vivencia em
oficina, em
dinâmica é muito
bom, é muito
construtivo”.
de teatro, depois
arte-educador da
atividade e hoje é
educador social.
D Crescer
Palmeiras
Arte-educação Dança Sente-se motivada
a desenvolver a
atividade por que
sempre gostou de
ensinar. “Comecei
a dançar com 12
anos de
brincadeira, mas
não imaginava que
iria ensinar. Hoje
não me vejo
fazendo outra
coisa”.
Foi atendida em
uma ONG
(Escuta)33 da
comunidade desde
os 15 anos de
idade, na atividade
de dança. Depois
passou a ministrar a
oficina. Essa
experiência foi
preponderante para
assumir a atividade
de dança na Funci.
Não deixar a
dança morrer e
cultivar as
raízes
nordestinas.
E Crescer
Jangurussu
Educação Social:
acompanhamento
dos adolescentes,
desenvolvimento
de oficinas
temáticas.
Teatro e
Dança
Sente-se motivado
a desenvolver a
atividade por
gostar do que faz.
“É o que eu gosto
de fazer. Quando
me imagino
fazendo outra
coisa, não consigo
me encontrar”.
Iniciou como
adolescente
atendido em
projetos da
sociedade civil,
desenvolvidos pela
DIACONIA34.
Sempre exerceu
liderança, foi
monitor e considera
tais experiências
fundamentais para
ter assumido uma
vaga na Funci.
Ser pedagogo,
sem deixar de
lado a Educação
Social.
F Crescer
Granja
Portugal
Arte-educação Artes
visuais
Sente-se motivado
a desenvolver a
atividade por ter
aptidão com o
desenho e por
gostar muito.
“Desenvolvendo
esse trabalho, eu
me satisfaço pra
„caralho‟”.
Iniciou como
adolescente no
projeto Crescer
com Arte. Tornou-
se monitor, depois
foi contratado
como auxiliar da
oficina. Em seguida
foi convidado a ser
o arte-educador
responsável.
Possuir uma
formação na
área de cinema.
G Ponte/Casa de
Passagem
Educação Social:
abordagem de
rua e redução de
danos.
Música Sente-se motivado
a desenvolver a
atividade pela
possibilidade de
retribuir aos
adolescentes o que
ele pôde vivenciar.
“O que me motiva
a exercer essa
função é o mesmo
amor que me
Iniciou como
adolescente
atendido em
diversos projetos
da Funci. Tornou-
se monitor, foi
protagonista de
alguns filmes da
Instituição, até
tornar-se educador
social do Ponte de
Quer ser músico
profissional.
33
Espaço Cultural Frei Tito de Alencar, ONG situada no Bairro Planalto Pici, em Fortaleza/CE. 34
ONG representada por sete igrejas evangélicas que desenvolvem ações nos bairros Bom Jardim,
Jangurussu e Planalto Pici. O nome significa serviço, ou seja, igrejas evangélicas a serviço da sociedade.
37
repassaram. E a
vontade de querer
ajudar a melhorar
outras
comunidades,
além da minha”.
Encontro.
H Ponte/Siqueira
e Bom Jardim
Educação Social:
abordagem de
rua e esportes.
Futebol Sente-se motivado
a desenvolver a
atividade pelo
desejo de ajudar ao
próximo. “A
Educação Social
me ajuda muito,
me faz ajudar esse
pessoal que tá
precisando no
momento”.
Iniciou como
adolescente
atendido pelo Ponte
de Encontro.
Tornou-se monitor
da atividade de
esporte e
recentemente foi
contratado pela
Funci como
educador social.
Deseja que o
educador social
tenha mais
autonomia na
Instituição.
I Ponte/Siqueira
e Barra do
Ceará
Educação Social:
abordagem de
rua e esportes
Surfe Sente-se motivado
a desenvolver a
atividade pela
oportunidade de
ser uma referência
na sua comunidade
e por ter aptidão
para o esporte.
“Sou considerado
uma referência na
minha
comunidade,
através do surfe,
esporte que amo,
posso possibilitar
a transformação”.
Iniciou como
adolescente
atendido em
projetos na sua
comunidade
(ARCA,
Associação Barra
Surfe Clube)35. Foi
monitor de esporte
em um dos projetos
atendidos.
Conheceu o
trabalho da Funci,
entregou currículo,
por orientação de
educadores da
referida instituição
e foi selecionado.
Almejava ser
um surfista
profissional,
mas esse sonho
foi adiado. Hoje
busca facilitar
conhecimentos.
J Crescer Santa
Filomena
Arte-educação Música Sente-se motivada
a desenvolver a
atividade pela
possibilidade de
promover a
socialização das
pessoas. “Somos
educadas para
competir com o
outro; a Educação
Social permite o
contato com o
outro, a
afetividade, a
sociabilidade”.
Foi atendida em
projeto da
comunidade
(ENXAME)36.
Depois foi atendida
pela Funci (Crescer
com Arte), foi
monitora e tornou-
se arte-educadora.
Quer ter uma
formação em
Arte.
K Crescer
Granja
Portugal
Educação Social:
acompanhamento
dos adolescentes,
Teatro Sente-se motivada
a desenvolver a
atividade pela
Foi atendida em
projetos da
comunidade
Quer ser
assistente social.
35
A ARCA (Associação Recreativa e Esportiva para Crianças e Adolescentes) é uma ONG que trabalha o
esporte como fator socializador, com intervenção em diversos bairros da cidade de Fortaleza. Já a
Associação Barra Surfe Clube, era uma associação dos moradores da Barra do Ceará que incentivava a
profissionalização do surfe junto às crianças e adolescentes da região. Foi extinta, mas não tenho a
informação da data precisa de sua extinção. 36
ONG situada no Bairro Mucuripe, que trabalha com foco na arte-educação.
38
desenvolvimento
de oficinas
temáticas.
identificação com
o trabalho. “Eu
não me vejo
trabalhando em
outra área a não
ser a área social”.
(Káritas,
CEDECA/CE)37.
Atuou como
voluntária. Depois
foi atendida pela
Funci (Adolescente
Cidadão38), foi
monitora e tornou-
se educadora
social.
L Crescer Santa
Filomena
Educação Social:
acompanhamento
dos adolescentes,
desenvolvimento
de oficinas
temáticas.
Teatro Sente-se motivada
a desenvolver a
atividade pela
oportunidade de
efetivar direitos.
“Luto pelos
direitos das
crianças e dos
adolescentes,
desde quando era
adolescente da
Rede OPA39”.
Foi atendida em
projetos da
comunidade
(DIACONIA e
CEDECA/CE).
Destacou-se como
protagonista
juvenil. Fez seleção
para a Funci.
Iniciou no
DDCA40, depois foi
remanejada para o
Crescer.
Ser pedagoga.
Elaboração da própria autora.
Como evidenciou o perfil e a contextualização, existem os educadores
sociais e os arte-educadores. Todos possuem responsabilidades e atividades que se
confundem, mas com carga horária e salários diferenciados41
. Os jovens sequer
mencionaram as diferenças quanto ao registro em suas CTPS e as diferenciações
existentes entre os Programas.
Tendo como base o Projeto Político-Pedagógico do Programa Crescer com
Arte, no tocante às atribuições dos educadores sociais e arte-educadores (instrutores de
oficinas) existe uma atividade específica para cada cargo – realizar atividades de cunho
socioeducativo e realizar oficinas na sua linguagem artística, respectivamente. Mas
37
Káritas Diocesana do Brasil, instituição vinculada à Igreja católica, com projetos desenvolvidos em
diversos bairros de Fortaleza. E o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará, que
desenvolve ações de empoderamento de crianças e adolescentes para atuarem ativamente na construção
do orçamento público do segmento. 38
Projeto desenvolvido pela Coordenadoria-Funci que está inserido no Programa que recebe o mesmo
nome e visa o desenvolvimento de ações de formação e profissionalização para jovens de 16 a 21 anos. 39
A Rede OPA é uma ação de formação junto a crianças, adolescentes e jovens, desenvolvida pelo
CEDECA/CE e que tem por objetivo possibilitar a discussão do orçamento público para o referido
segmento. 40
Disque Direitos Criança e Adolescente, serviço municipal de defesa dos direitos das crianças e dos
adolescentes que recebe denúncias de violação dos direitos desses sujeitos. 41
O educador social trabalha 8h diárias e recebe o equivalente a R$ 703,53 (setecentos e três reais e
cinquenta e três centavos). O instrutor de oficina trabalha 4h diárias e recebe o equivalente a R$ 545,00
(quinhentos e quarenta e cinco reais). Ressalta-se que a partir de janeiro de 2012 o salário mínimo passou
a ser o equivalente a R$ 622,00 (seiscentos e vinte e dois reais).
39
inúmeras atividades devem ser desenvolvidas por ambos, como visitas domiciliares,
promover atividades externas etc., sob a justificativa de complementaridade.
No que diz respeito às diferenciações na carga horária, salários e registros
nas CTPS, não houve nenhuma explicação. Afinal, porque o profissional responsável
por desenvolver o esporte é contratado como educador social e trabalha oito horas e a
profissional de dança é instrutora de oficina e trabalha quatro horas? Tal questão pode
estar relacionada à valorização do cunho artístico em detrimento do perfil genérico do
educador social? Mais adiante, em capítulo posterior, retomo a questão.
No Programa Ponte de Encontro não existe essa diferenciação entre
categorias profissionais de educador social e arte-educador. Todos são contratados
como educadores sociais e devem realizar a atividade de abordagem de rua durante oito
horas diárias. Os educadores que porventura possuírem alguma habilidade artística e/ou
esportiva podem utilizá-la como reforço na aproximação e fortalecimento dos vínculos
com as crianças e os adolescentes atendidos.
Outro aspecto observado na contextualização é o fato de tanto a habilidade
como a aptidão por alguma linguagem artística serem preponderantes, assim como a
identificação e a paixão pelo que exercem. Mesmo os que vislumbram outras
possibilidades de atuação – ser professor de educação física, pedagogo e cineasta –
como relataram os educadores A, E, F, respectivamente, as possíveis atividades que
venham desenvolver no futuro possuem relação com as do presente.
Na maioria dos casos se concretizou o que denominamos “juntou-se o útil
ao agradável”, uma vez que estavam desenvolvendo suas atividades, recebendo bolsas
de monitoria e puderam dar continuidade, agora sendo mais bem remunerados. Porém,
esta melhoria salarial somada à paixão e o fato de desenvolverem o que gostam podem
mascarar uma consciência crítica quanto à possível exploração da força de trabalho,
percebida nas entrelinhas das falas e na análise dos documentos institucionais.
Mas, afinal, o que credencia uma pessoa a ser um educador social? O fato
de ter sido atendido em projetos sociais contribui para melhor atuação profissional?
Existe um perfil mínimo? Que competências e habilidades são exigidas? A habilidade e
a aptidão artística são condições necessárias? Como essa categoria se inseriu no âmbito
das políticas públicas/projetos sociais? E o que os sujeitos pesquisados percebem sobre
isso?
40
Essas questões serão respondidas ao longo de todo o trabalho, levando em
consideração a política desenvolvida pela Coordenadoria-Funci e, especificamente, as
ações dos programas onde os jovens educadores sociais estão inseridos, que apresento
no capítulo seguinte.
41
CAPÍTULO 2 – A EDUCAÇÃO SOCIAL NOS PROGRAMAS CRESCER COM
ARTE E CIDADANIA E PONTE DE ENCONTRO: INTERVENÇÕES
POSSÍVEIS
Tanto a criança quanto o adolescente ocuparam espaços consideráveis na
agenda política das intenções; faltou, infelizmente, que sua causa se inserisse
na agenda política das ações, efetivamente.
Rejane Batista Vasconcelos
No Brasil, houve um grande crescimento dos grupos etários de 15 a 24 anos
durante a década de 1990. Esse processo foi o resultado da dinâmica demográfica do
passado recente e é conhecido como a “onda jovem” (RIBEIRO; LOURENÇO, 2003).
Porém, ressaltam as autoras, que não se desconhece que, quando um determinado
segmento se amplia significativamente na pirâmide populacional, emerge a exigência de
planificação de ações públicas para atender as demandas que se instalam a partir do
fenômeno.
As mudanças sociais42
das últimas décadas colocaram a juventude em
evidência. Os reflexos de tais mudanças acabam por atingir, violentamente, as crianças
e os jovens, revelando o aumento de alguns fenômenos como: a exploração sexual
infanto-juvenil, a exploração do trabalho infantil, a exclusão dos jovens do acesso à
educação e ao mercado de trabalho e, sobretudo, o elevado índice de mortes violentas
entre os jovens.
Segundo Diógenes (2003, p. 52), “a juventude tem se projetado como
vitrine da vida social”. Porém, a vitrine que ganha expressão pública, hoje, é a da
violência causada e sofrida pelos jovens, que acabam sendo estigmatizados e percebidos
como “perigosos”, “marginais”. Não convém reforçar ou ficar apático frente à utilização
de adjetivos negativos para ilustrar a “fase da vida” de um jovem, levando à equivocada
concepção de que a juventude é homogênea.
Não há unanimidade acerca do conceito de juventude, mas adoto aqui a sua
conceituação enquanto produção sócio-histórica-cultural, já que cada época e sociedade
admitem sua concepção própria e lhe atribui funções específicas.
42
Indicadores sociais do IBGE e do Relatório Mundial sobre a Juventude, produzido em 2005, pela
Organização das Nações Unidas (ONU) informam que na faixa etária correspondente à população jovem
se encontram os piores índices de evasão escolar, de desemprego, de falta de formação profissional, das
mortes por homicídio, envolvimento com drogas e com a criminalidade.
42
Em consonância com a perspectiva de juventude como construto histórico-
social, trago a elucidativa fala de Groppo (2000, p. 13):
as faixas etárias reconhecidas pela sociedade moderna sofreram várias
alterações, abandonos, retornos, supressões e acréscimos ao longo dos dois
últimos séculos. Do mesmo modo, as categorias sociais que delas se
originaram também tiveram mudanças e até supressões. Giraram em torno de
termos como infância, adolescência, juventude, jovem-adulto, adulto,
maturidade, idoso, velho, terceira idade e outros. No tocante aos três
momentos básicos do curso da vida social – nascimento-ingresso na
sociedade, fase de transição e maturidade –, muitas divisões e subdivisões
foram criadas, recriadas e suprimidas ao sabor das mudanças sociais,
culturais, e de mentalidade, pelo reconhecimento legal e na prática cotidiana.
E, acrescenta o autor, “encontramos, do século XIX até o início do século
XX, uma noção de juventude engendrada pelas práticas e discursos das instituições
sociais oficiais, estatais, liberais, burguesas, capitalistas etc., noção legitimada pelas
ciências modernas” (GROPPO, 2000, p. 18).
De acordo com Ribeiro e Lourenço (2003, p. 48), a juventude tem sido
objeto de sucessivas mitificações, conforme assinalam, “a própria abstração da categoria
juventude, hoje cada vez mais manipulada, impede o mapeamento cognitivo
indispensável a sua transformação em sujeito”.
Levi e Schmitt (1996, p. 08), conceituando a juventude, afirmam que:
a juventude é uma construção social e cultural [...]. Se situa no interior das
margens móveis entre a dependência infantil e a autonomia da vida adulta,
naquele período de pura mudança e de inquietude em que se realizam as
promessas da adolescência, entre a formação e o pleno florescimento das
faculdades mentais, entre a falta e a aquisição de autoridade e de poder.
Nesse sentido, nenhum limite fisiológico basta para identificar analiticamente
uma fase da vida que se pode explicar melhor pela determinação cultural das
sociedades humanas segundo o modo pelo qual tratam de identificar, de
atribuir ordem e sentido a algo que parece tipicamente transitório, vale dizer,
caótico e desordenado.
Pais (2003, p. 31) destaca, no entanto, que a juventude “só começou a ser
vulgarmente encarada como fase de vida quando, na segunda metade do século XIX, os
problemas e tensões a ela associados a tornaram objeto de consciência social”.
É importante mencionar que as políticas voltadas à juventude sempre foram
pensadas como possibilidades de intervenção junto aos problemas e tensões a ela
43
associados, como assinalou Pais (2003). Na maioria das vezes, encarando-a numa
perspectiva geracional43
, que apresenta a noção de juventude entendida no sentido de
fase da vida (homogênea) e ou classista, que acredita que a reprodução social é
fundamentalmente vista em termos de reprodução das classes sociais. Para Pais (2003,
p. 37), “a juventude deve ser olhada não apenas na sua aparente unidade, mas também
na sua diversidade”.
Conforme alerta Abramo (1997, p. 26), “no Brasil, [...], nunca existiu uma
tradição de políticas especificamente destinada aos jovens, como alvo diferenciado do
das crianças, para além da educação formal”. Acrescenta a autora que a maior parte das
ações desenvolvidas junto à juventude divide-se em dois tipos de programas: os
programas de ressocialização, por meio da educação não-formal, oficinas ocupacionais,
atividades de esporte e arte; e os programas de capacitação profissional, que nem
sempre qualificam efetivamente o jovem para o mercado de trabalho. Segundo Abramo
(1997, p. 26), “todos eles visando dirimir ou pelo menos diminuir as dificuldades de
integração social desses adolescentes em desvantagem”.
De acordo com Cohn (2004, p. 161), “os jovens, [...], situam-se numa
categoria transitória – da infância para a maturidade –, a eles cabendo a garantia do
acesso à educação e à saúde”. Segundo a autora, a juventude não tem lugar no sistema
de proteção social brasileiro, a não ser em programas pontuais que, na maioria das
vezes, não apresentam uma concepção mais ampla que fundamente um sistema de
seguridade social. Nessa perspectiva, a juventude acaba não sendo contemplada pelas
políticas de proteção social, ou seja, “na prática ainda prevalece no país a concepção de
seguro social em detrimento daquela de seguridade social” (COHN, 2004, p. 161).
É nesse contexto, portanto, que apresento os Programas Crescer com Arte e
Cidadania e Ponte de Encontro, para situar o leitor quanto aos locais de atuação dos
jovens educadores sociais, a partir da leitura e análise dos seus Projetos Político-
Pedagógicos (PPPs), que me foram disponibilizados em fevereiro de 2010 e dezembro
de 2011, respectivamente.
Antes de apresentar os dois programas, considerei pertinente relatar
brevemente as origens da Educação Social, uma vez que ela é considerada o “carro
43
Os instrumentos normativos que versam acerca dos direitos das crianças, adolescentes e jovens
claramente utilizam o critério etário como forma de identificar as fases da vida.
44
chefe” das ações desenvolvidas pela Coordenadoria-Funci e alguns leitores podem não
possuir familiaridade com a temática.
Em seguida, após a apresentação dos programas, analiso como a Educação
Social é desenvolvida no âmbito desses programas e como esse desenvolvimento é
percebido pelos jovens educadores sociais e pelos gestores envolvidos na pesquisa. Em
todo o texto, além da leitura e análise dos documentos institucionais, trago como
complementação os depoimentos de alguns educadores sociais e dos coordenadores dos
programas que, de certa forma, registram conflitos com os PPPs.
2.1. Educação Social: passos históricos
De acordo com Machado (2011, p. 260), “a consolidação da Pedagogia
Social como campo teórico tem apresentado um processo marcante de discussão da
construção histórica da área e da busca de seus antecedentes.” Ressalta a autora que os
estudos sobre o fenômeno apresentam um cenário abrangente, global, diversificado e
sem fronteiras, que, inicialmente, estiveram centralizados em alguns países da Europa44
,
depois se espalharam por todo o continente, e se estenderam para a América Latina45
,
América do Norte e países da África.
A autora, utilizando-se da classificação elaborada por Caride (2005),
apresenta as etapas da Pedagogia Social, a partir da sequência cronológica e da
identificação de suas produções relevantes relacionadas à área, de:
(i) Antecedentes, que se referem à existência de uma pedagogia-Educação
Social implícita. Nessa etapa estão incluídos os primórdios dos
processos educativos, mesmo entre povos sem tradição escrita,
destacando-se o período compreendido entre a época clássica e
metade do século XVIII, considerado período da evolução do
pensamento “pedagógico-educativo social”;
(ii) Origens, que se referem ao tempo histórico em que surge uma
Pedagogia social explícita. Corresponde ao período que compreende
desde o início da referência à expressão Pedagogia social, passando
pela incorporação do conceito e que segue até os anos trinta do
século XX;
(iii) Retrocessos e transição. O período do retrocesso, compreendido entre
os anos trinta e início dos anos quarenta, corresponde à fase em que
a Pedagogia social se submete aos poderes políticos, de tendência
fascista e autoritária. Representou um rompimento com os princípios
44
Na Alemanha, Espanha, Itália e França. 45
Especialmente Brasil, Uruguai, Argentina, Chile e México.
45
iniciais. Já o período de transição se refere à retomada da
congruência entre o pensamento pedagógico, práticas educacionais e
necessidades sociais. Situa-se entre os anos quarenta e até os anos
setenta, no pós-guerra e no Estado de Bem-Estar que se implantou
na Europa e que reconceituou Educação e Trabalho Social na teoria
e nas metodologias;
(iv) Expansão, que se refere ao período atual que se iniciou nos anos
oitenta e no qual se verifica crescente institucionalização e
consolidação da Pedagogia social no campo científico, acadêmico e
profissional. Com a sociedade globalizada, há um progressivo
reconhecimento das contribuições pedagógicas sociais para a
construção de novos horizontes sociais (MACHADO, 2011, p. 261
apud CARIDE, 2005).
Machado (2011) afirma que existem alguns consensos acerca do fenômeno
– Educação, Pedagogia Social –, quais sejam: o primeiro está relacionado ao fato de se
considerar que o período compreendido entre o final do século XIX e início do século
XX, que revolucionou a Pedagogia, sob o olhar atual, não foi o primeiro momento em
que houve a inclusão do social nas referências à educação na sociedade. Afinal, desde o
mundo clássico, segundo a autora, surgiram precursores que se expressaram em
diferentes manifestações teóricas ou que desenvolveram ações com a intencionalidade
de incluir e atender a questão social pela via da educação, como Platão46
(430-347 a.C),
Aristóteles47
(384-322 a.C), Santo Tomás de Aquino48
(1225-1274), Comenius49
(1592-
1670), Locke50
(1632-1704), Rousseau51
(1712-1778), entre outros; o segundo consenso
relaciona-se ao fato de que as bases da Pedagogia Social, como teoria, foram
construídas na Alemanha.
Sobre o segundo consenso, Silva (2011, p. 56), utilizando-se da obra de
Santos (2007), demonstra que a Educação Social remonta ao século XIX, na
46
De acordo com Machado (2011), Platão, na obra A República, apresenta um verdadeiro tratado de
pedagogia social para a cidade da época e em As Leis, apresenta a organização da escola e defende uma
educação integral. 47
Ainda segundo Machado (2011), Aristóteles, na obra A Política, apresenta sem diferenciação uma
pedagogia social com a política e trata da dimensão social da educação na família, nos grupos e na cidade. 48
Santo Tomás de Aquino, de acordo com Machado (2011), entende a educação como um processo
intencional e retoma a obra de Aristóteles, acrescentando as questões da fé, da espiritualidade e da
religião. 49
Afirma Machado (2011) que Comenius propõe uma ruptura com os modelos já consolidados de
educação das elites governantes, com uma educação para todos, independentemente da situação social e
econômica. 50
Locke defende uma educação utilitária, no sentido moral, intelectual e físico. 51
Rousseau, na obra Contrato Social, defende a construção de um novo projeto de sociedade baseado nos
princípios de igualdade e fraternidade voltadas à justiça e à paz social.
46
Alemanha52
, visando se apresentar como alternativa à educação escolar, vista como
“elitista e verbalista, enfatizando apenas o desenvolvimento individual em detrimento
da dimensão social.” Nesse contexto, salienta o autor que, a Educação Social aparece
como proposta educativa, com caráter de intervenção na realidade social, sobretudo por
meio do desenvolvimento e integração das pessoas em seus grupos sociais.
A proposta educativa da Educação Social com caráter de intervenção na
sociedade perdurou no século XX53
. Segundo Silva (2008), embasado na obra de
Ribeiro (2006), “Espanha e Portugal no pós-guerra viram nascer esta forma de
intervenção social para enfrentar as problemáticas que envolviam as crianças e jovens
que haviam perdido suas famílias na Segunda Guerra Mundial” (SILVA, 2008, p. 17).
Utilizando-se da obra de Romans, Petrus e Trilla (2003), Silva (2008) relata
que em 1990, a Espanha inaugurou a formação universitária de educador social seguida
por Portugal. Segundo o autor, as duas formações, em busca de construir a identidade
do educador social, definem algumas características desejáveis para este profissional.
Considera que na formação espanhola há ênfase em algumas características como “ser
criativo, otimista e realista, capaz de ações construtivas e otimizadoras, pertinentes à
possibilidade de transformação da realidade vivenciada” (SILVA 2008, p. 17 apud
ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003). Quanto à realidade portuguesa, Silva (2008)
afirma, com apoio em Carvalho e Baptista (2004), que o saber profissional do educador
exige a “reflexibilidade, polivalência técnica, criatividade, adaptabilidade e dinamismo”
(SILVA, 2008, p. 17 apud CARVALHO; BAPTISTA, 2004).
Buscando definir as funções e competências do educador social, Romans,
Petrus e Trilla (2003, p. 125) afirmam que
o educador social é o profissional da Educação Social que deve traduzir em
objetivos educativos a incumbência que a organização lhes confere; que seus
usuários podem ser pessoas, grupos e instituições; que tem definido um
marco de atuação; que pode estar integrado em equipes de trabalho; que
dispõe de recursos institucionais públicos e/ou privados e que requer uma
52
Hoje, a Alemanha é reconhecida como a pátria-mãe da Pedagogia Social, que assume diferentes
configurações em outros países europeus. In: NETO; SILVA; MOURA. Pedagogia Social. São Paulo:
Expressão e Arte, 2009. 53
Segundo Silva (2011), já no século XX, Paul Nartop, considerado o pai da Educação Social, publicou o
livro Pedagogia Social, mantendo a diferenciação entre a educação escolar e a extra-escolar, assinalando
que a primeira não atenderia a alguns valores como a solidariedade, nem seria capaz de promover os
“marginalizados”. In: SILVA. Vou para a rua e bebo a tempestade: representações de educadores de rua
de Fortaleza. UFC, 2011 (dissertação de mestrado).
47
formação contínua para otimizar seu desenvolvimento pessoal e melhorar no
exercício de sua profissão.
Convém ressaltar, antes de abordar a realidade da Educação Social na
América Latina, que além dos cursos de bacharelado, licenciatura, mestrado e doutorado
em Educação Social, desenvolvidos nos países europeus (Espanha e Portugal), existe
uma consolidada organização desses trabalhadores em entidades políticas, por meio da
Associação Internacional de Educadores Sociais (AIEJI), atualmente sediada na Suíça,
possuindo mais de vinte países sócios (SILVA, 2011).
Quanto às origens da Educação Social na América Latina, segundo Silva
(2011), ainda embasado na obra de Santos (2007), emergiu em meio aos regimes
ditatoriais e processos de redemocratização, como no Uruguai54
e Brasil,
respectivamente. Segundo o autor, o foco de atuação nesse período eram as crianças e
adolescentes que viviam nas ruas, excluídos da educação escolar. A Pedagogia de Paulo
Freire era utilizada como referencial teórico para embasar as práticas dos educadores
sociais nos dois países. No entanto, Silva (2011) considera que o Uruguai avançou na
organização desses profissionais, pois hoje vivencia o processo de construção de um
currículo acadêmico para a formação de educadores sociais.
No Brasil, a Educação Social ainda hoje é costumeiramente associada ao
enfrentamento das problemáticas que envolvem crianças e adolescentes em situação de
rua55
, por meio da atuação de educadores sociais, voluntários, vinculados à Igreja ou
organizações não-governamentais, que desenvolvem suas ações na própria rua,
mediante programas sociais governamentais como o que explicitei aqui, o caso dos
programas da Coordenadoria-Funci.
A imagem da vinculação com instituições privadas, como ONGs e Igreja,
vem sendo desconstruída historicamente, mas é fruto dos primórdios da Educação
Social no Brasil, especificamente da década de 1980, quando se intensificou a luta pelo
54
“Na América do Sul, a maior referência para a Pedagogia Social é o Uruguai” (NETO; SILVA;
MOURA, 2009, p. 24). 55
Aqui, é interessante abrir um parêntese para explicitar a conceituação do termo “situação de rua”, que
evoluiu das classificações iniciais de “crianças de rua” e “crianças na rua”. Segundo Oliveira (2004, p.
28), “a classificação em “crianças de rua” e “crianças na rua” foi proposta pelo UNICEF, para diferenciar
as crianças que já não mantém vínculo com família ou grupo substitutivo (as “de rua”) das que passam
grande parte de seu tempo “na rua”, mas mantém vínculos com suas famílias e comunidades de origem”.
Mas, Paludo e Koller (2008), utilizando-se da fundamentação de Alves (1991), consideram que tais
classificações estão superadas por serem tênues e de difícil limitação precisa acerca dos vínculos e da
utilização do espaço da rua. Nesse sentido, Koller e Hutz (1996) sugeriram a denominação deste grupo
como “crianças em situação de rua”.
48
fim da segregação e institucionalização de crianças e adolescentes em instituições
públicas. Como é sabido, retirar do convívio social, segregar as crianças e adolescentes
em instituições, era uma característica marcante das práticas governamentais adotadas,
sobretudo em relação às crianças e adolescentes em situação de rua.
Surgiram, nesse cenário, os educadores sociais ou educadores de rua. Eram
os profissionais encarregados da educação dos meninos e meninas em situação de rua
responsáveis pela disseminação das novas ideias e do ideal de solucionar os problemas
desse contingente populacional em seu próprio ambiente, valorizando o potencial, a
opinião, o ideal e os sonhos de cada criança e adolescente. Tratava-se de um movimento
para dar respostas à demanda crescente de crianças e adolescentes em situação de
moradia nas ruas das grandes cidades.
Ao longo do tempo, o locus de atuação do educador social se ampliou e este
passou a integrar significativamente o quadro das instituições governamentais (abrigos,
centros educacionais, projetos sociais em geral), com a intenção de superar as ações
meramente formais e disciplinadoras, pelo menos no discurso institucional.
Segundo Silva (2011), o Estado do Ceará é pioneiro em pautar e ampliar os
espaços de atuação e mobilização dos educadores sociais. O autor cita como exemplos,
para essa afirmação, a existência do Sindicato dos Trabalhadores em Instituições de
Estudos, Pesquisas e Assistência ao Bem Estar da Criança e do Adolescente –
SINTBEM/CE56
, bem como da Associação de Educadores Sociais do Ceará – AESC57
.
Silva (2011) também destaca o fato do Estado do Ceará ter instituído o dia
municipal e estadual dos educadores sociais, comemorado no dia 19 de setembro, em
homenagem ao educador Paulo Freire, uma vez que esse dia e mês é a data de seu
aniversário natalício. Esse dia é marcado por mobilizações, protestos e audiências
públicas para a discussão das questões que envolvem a categoria profissional.
É importante mencionar que se encontra em trâmite no Congresso Nacional
(Câmara dos Deputados) o Projeto de Lei (PL-05346/2009), de autoria do deputado
56
O SINTBEM/CE recebeu essa denominação em 1995, a partir de um redimensionamento dado pela
Associação dos Servidores da FEBEMCE, criada em meados da década de 1980. De acordo com Silva
(2011), hoje o SINTBEM/CE possui, como membros, servidores e terceirizados da Secretaria do
Trabalho e Desenvolvimento Social do Governo do Estado do Ceará – STDS, Secretaria de Direitos
Humanos de Fortaleza – SDH e funcionários de ONGs que atuam na mesma área. 57
Ainda segundo Silva (2011), a AESC foi fundada no ano de 2004; é sediada no Centro de Fortaleza e
tem centrado seus esforços na luta pelo reconhecimento da profissão. Assim como mantém relações com
a AIEJI.
49
federal Chico Lopes (PCdoB/CE), apresentado em 03 de junho de 2009, que dispõe
sobre a criação da profissão de educador e educadora social no Brasil.
Agora, após a breve explanação das origens da Educação Social, passo a
apresentar aos leitores os programas Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro.
2.2. O Programa Crescer com Arte e Cidadania: a arte-educação como
possibilidade de transformação
O Projeto Político-Pedagógico (PPP) do Programa Crescer com Arte e
Cidadania, elaborado em outubro de 2010, constituiu-se na minha principal fonte
documental acerca do Programa. Ele apresenta um apanhado geral do histórico, das
ações desenvolvidas, metodologias, critérios de inserção e desligamento dos
adolescentes, entre outras informações sobre o Programa Crescer com Arte e Cidadania.
Assim, no referido documento, consta que o Programa foi criado em 1996
(na gestão do prefeito Antônio Cambraia), mediante convênio firmado entre a Funci e o
Exército Brasileiro. Os projetos funcionavam em quatro quartéis de Fortaleza,
localizados nos bairros Fátima, Dias Macedo, Jardim América e Antônio Bezerra58
.
Àquela época, eram realizadas intervenções diretas com crianças e adolescentes em
situação de rua, com o desenvolvimento de atividades musicais (banda musical),
serigrafia e produção de materiais de limpeza. Naquele período, observou-se grande
interesse do público atendido pelas artes e pela educação ambiental.
58
Para situar o leitor, apresento um pouco da história dos bairros de Fátima, Dias Macedo, Jardim
América e Antônio Bezerra, tendo como fonte de pesquisa as matérias elaboradas pela TV Verdes Mares
– Meu Bairro na TV – veiculadas no ano de 2009, a saber: a religiosidade é a maior referência do bairro
de Fátima. No bairro tudo faz lembrar nossa senhora de Fátima que dá nome ao lugar. A igreja de um
lado, do outro a imagem da santa no centro da praça. Segundo os moradores, a Avenida 13 de Maio
recebeu esse nome por causa do dia da abolição da escravatura no Brasil. Este é um bairro, antes de tudo,
acolhedor. Todo mês recebe visitantes de várias partes de Fortaleza e até de outros municípios para as
missas, sempre nos dias 13; o bairro Dias Macedo surgiu na década de 1960, quando a área cheia de sítios
e uma fazenda começou a receber moradores vindos do interior do Estado. A localização, próxima a BR-
116, facilitou o crescimento. A família Macedo, deu nome ao bairro, pois era a que possuía mais terras na
região; o bairro Jardim América é antigo. A praça principal, no limite com o bairro Damas, é referência
no local. “A praça veio primeiro de tudo. O primeiro nome do bairro é da ligação com a praça Presidente
Roosevelt. O bairro se desenvolveu ao redor da praça. A ideia da época de quem desenvolveu era
realmente criar o jardim das Américas”, explica um dos diretores da associação de moradores, Márcio
Martins; o bairro Antônio Bezerra homenageia um importante cearense (Antônio Bezerra de Menezes,
poeta, historiador e naturalista brasileiro, nascido no Ceará). Ainda no século XIX, era um ponto de
encontro de intelectuais como Justiniano de Serpa e Antônio Sales. 150 anos depois, não resta nada desse
passado. Hoje um bairro completamente urbanizado. Fonte: http://tvverdesmares.com.br, pesquisa
realizada em 22 de maio de 2011.
50
Ainda em 1996, houve ampliação do público atendido, tendo sido
identificada a importância de desenvolver trabalhos com filhos e filhas de presidiárias.
Desde então, foi instituído um projeto no Centro Social Urbano Marta Cambraia59
com
oficinas de música. Em 1997, outras parcerias foram firmadas, originando as oficinas de
teatro de bonecos e dança, ambas desenvolvidas nas casinhas do “Parque das Crianças”.
No ano 2000 (gestão do prefeito Juraci Magalhães), foram definidas três
unidades do Programa Crescer com Arte e Cidadania. A primeira e mais antiga no
bairro Centro60
, que realizava atividades de música e serigrafia; a segunda no bairro
Vila União61
, que desenvolvia atividades de dança, teatro e teatro de bonecos, e a
terceira no bairro Jangurussu62
, que desenvolvia atividades de flauta, canto coral e
banda.
É importante registrar que a unidade do Jangurussu foi instalada por uma
exigência do Ministério Público Estadual, em virtude do processo de desativação da
rampa de lixo localizada no bairro. Inicialmente, o projeto funcionava na Escola André
Luis, que ficava na região do entorno da desativada rampa. Porém, em setembro de
2000, após parceria firmada entre a Funci e a Empresa Municipal de Limpeza e
Urbanização de Fortaleza (EMLURB), o projeto passou a funcionar na usina de
resíduos sólidos do Jangurussu.
Em 2005 (gestão da prefeita Luizianne Lins), o Programa Crescer com Arte
passou por algumas mudanças em sua metodologia de trabalho e objetivos. Assim,
segundo consta em seu projeto político-pedagógico, o programa passou a ter a
finalidade de desenvolver ações que estimulem o exercício da cidadania, o
59
Os Centros Sociais Urbanos (CSUS) foram instalados à época da gestão do prefeito Antônio Cambraia
(1993-1996), que homenageou a sua esposa Marta Cambraia colocando o seu nome em um CSU. A partir
do ano de 2005, os equipamentos sociais são denominados Centros de Cidadania. 60
O bairro Centro abriga a maior concentração de comércios e serviços de Fortaleza. Além dos serviços,
as pessoas podem desfrutar dos lugares históricos de grande importância e beleza, tais como: a Catedral
da Sé – Catedral Metropolitana de Fortaleza e o Theatro José de Alencar. Fonte:
http://www.omelhordobairro.com.br/fortaleza-centro/page8840htm, pesquisa realizada em 19 de agosto
de 2011. 61
O bairro Vila União é cortado por uma linha férrea que liga os bairros Parangaba e Mucuripe, desde
1940. Tem um hospital referência no atendimento infantil, Hospital Albert Sabin. A praça e a igreja foram
inauguradas em 1968. A Vila União é vizinha do antigo terminal de passageiros do Aeroporto de
Fortaleza. Fica perto também da rodoviária. Fonte: http://tvverdesmares.com.br, pesquisa realizada em 22
de maio de 2011. 62
O bairro Jangurussu, cujo nome tem origem indígena, é o terceiro da Capital em tamanho. A Avenida
Castelo de Castro é a principal via de acesso ao Jangurussu. Ao lado, ficava o antigo lixão da Capital.
Desativado há 11 anos, o aterro acabou modificando a paisagem com uma montanha de lixo de 20 m.
Hoje, o mato cresceu, e o verde tomou conta do lugar. O lixo cedeu lugar ao pasto. Alguns moradores que
viviam do lixão agora fazem parte de uma cooperativa de reciclagem. Fonte: http://tvverdesmares.com.br,
pesquisa realizada em 22 de maio de 2011.
51
reconhecimento da identidade, o sentimento de pertença, despertando a consciência dos
direitos humanos por meio de oficinas de arte-educação e esporte. A sua área de atuação
também foi expandida para dez63
bairros da cidade: Bela Vista, Barra do Ceará, Caça e
Pesca, Centro64
, Conjunto Palmeiras, Jangurussu, Joaquim Távora, Pio XII, Santa
Filomena e Vila União.
Com a mudança metodológica, o objetivo era intervir na participação dos
adolescentes, levando-os a condição de autogestores das ações nos projetos, os trabalhos
com as famílias e a inserção dos jovens em suas comunidades.
Percebi, a partir dos depoimentos dos jovens educadores, que a participação
real dos adolescentes ainda é muito limitada, conforme expresso na fala: “ainda é dada
pouca oportunidade para as crianças e os adolescentes participarem” (Educador A). Nas
minhas observações identifiquei que a participação ocorre principalmente por meio de
apresentações artísticas e atividades de cerimonial, em eventos promovidos pela
Instituição. Ações essas que não representam participação real na proposição de
políticas, como ratificou o educador F em seu depoimento: “dentro dessa perspectiva de
construção da política, a participação da juventude é bastante falha, porque não é
construída por eles, mas pelos adultos” (Educador F).
Existe, na prática, um espaço de participação, mas sem a garantia real da
efetivação das deliberações construídas pelas crianças e os adolescentes, ou seja, uma
aparente autonomia, uma vez que não existem mecanismos para a execução das
propostas. O depoimento do educador C ao afirmar: “quando acontece algum momento
de participação tudo já vem construído pelos adultos, a juventude escolhe dentre as
opções impostas, ou seja, não há construção verdadeiramente”, ratifica a minha
percepção sobre a aparente autonomia que ocorre nos projetos.
Outro fator muito relatado pelos jovens educadores em relação à
participação da juventude é a consideração de que os jovens são desinteressados pelo
processo de construção das políticas, como salientou a educadora D: “os jovens não
estão nem aí, não têm interesse de participar de nada”. No entanto, essa culpa atribuída
63
O leitor que tiver interesse na história dos dez bairros aonde funcionam os projetos do Programa
Crescer com Arte e Cidadania pode acessar o site: http://tvverdesmares.com.br. Como já informado, a TV
Verdes Mares veiculou matéria sobre a história dos bairros da cidade de Fortaleza, no ano de 2009. 64
No período de realização da pesquisa exploratória (maio de 2010 a fevereiro de 2011) o Projeto Crescer
com Arte Centro estava sem sede, funcionando no auditório da Coordenadoria da Criança e do
Adolescente, no Parque da Liberdade. Por dificuldades na locação de espaço na área do Centro, o projeto
foi instalado no Bairro Granja Portugal, passando a funcionar nas mesmas instalações do Projeto Casa
Brasil, do Governo Federal.
52
ao jovem me remete a pensar com cuidado, sem propagá-la como uma verdade absoluta.
Afinal, que metodologias estão sendo aplicadas para atrair a participação? Como se dá a
mobilização desses sujeitos? Quais mecanismos existem no âmbito dos projetos e na
própria Cidade para o exercício da participação?
O orçamento participativo (OP) – instrumento de participação popular
existente na cidade de Fortaleza para a construção coletiva do orçamento – foi citado
por alguns educadores como um avanço da Cidade quanto à participação do segmento
criança e adolescente, como expressou os educadores: “o orçamento participativo de
crianças e adolescentes, que ocorre na Cidade é um meio de participação, é o começo de
um processo de mudança” (Educador A) e “apesar da participação dos jovens ser falha,
nessa gestão teve uma ação que foi o diferencial em relação a isso, que foi o OP”
(Educador F). Particularmente, considero o OP um avanço, mas ainda distante de
representação do segmento em questão, sobretudo pela fragilidade da mobilização e real
apropriação dos poucos que participam acerca do que está sendo discutido e proposto.
É importante registrar que não se configura tarefa fácil a efetivação de
espaços de diálogo e participação da juventude nas políticas públicas. Para Pontual
(2008), a tarefa exige inúmeros desafios, e ele destaca seis como os mais importantes,
quais sejam:
o primeiro é a questão do reconhecimento das especificidades do segmento
da juventude e das suas necessidades. [...]. No reconhecimento dessas
especificidades, cabe a criação de espaços específicos. [...]. Um segundo
desafio colocado no campo da diversidade é o reconhecimento de que existe
uma diversidade na própria juventude. [...]. A juventude é diversa. [...]. É
importante que a política pública reconheça essa diversidade e crie programas
e ações que levem isso em conta. [...]. Um terceiro desafio é como
transformar a temática da juventude num tema transversal às políticas
públicas, ao mesmo tempo em que ela requer [...] uma abordagem matricial.
[...]. Um quarto desafio tem a ver com a importância dos canais de
participação e dos espaços de diálogos. É preciso pensar a mais ampla
diversidade de instrumentos para isso. [...]. Também o desafio da formação
dos atores sociais é fundamental, cabendo tanto às organizações não-
governamentais, às organizações da própria juventude e ao poder público, o
papel de formar e informar as pessoas, se quiserem, de fato, construir canais
substantivamente democráticos. [...]. O sexto desafio é aquele de trabalhar
diferentes formas de linguagem na dimensão do diálogo e da participação
(PONTUAL, 2008, p. 115-118).
Levando em consideração os desafios apontados pelo autor, os programas
da Coordenadoria-Funci que afirmam possuir espaços de diálogo e discussão junto às
53
crianças e os adolescentes atendidos, para a construção de políticas públicas, possuem
grande tarefa pela frente, visto que estão distantes da concretização de tais desafios.
Voltando às ações do Programa Crescer com Arte e Cidadania, segundo
consta no PPP, o Programa desenvolve oficinas de arte-educação, oficinas de esporte,
oficinas temáticas relacionadas aos direitos humanos, encontro com famílias, monitoria
com adolescentes, visitas culturais, dentre outras ações, visando alcançar os objetivos
específicos, quais sejam: (i) estimular as potencialidades artísticas bem como outras
habilidades (comunicação, trabalho em grupo, liderança) de crianças e adolescentes; (ii)
fortalecer os vínculos familiares e comunitários; (iii) estimular a sensibilidade,
criatividade, visão estética e criticidade das crianças e adolescentes; (iv) propiciar o
sentimento de autonomia, co-responsabilidade, coletividade e empoderamento, por meio
da participação de crianças e adolescentes; (v) estimular o engajamento e permanência
no ensino escolar e (vi) capacitar profissionais na área de Educação Social e arte-
educação para uma ação qualificada no atendimento.
As ações que estão registradas em um projeto político pedagógico nem
sempre ocorrem efetivamente no dia a dia. Portanto, não bastam apenas o engajamento
e a criatividade dos profissionais que, muitas vezes, são sacrificados pela falta de
estrutura mínina para o desenvolvimento das atividades. Este comentário pode ser
ilustrado pelas falas dos educadores quando indagados sobre a avaliação da política
desenvolvida:
ainda falta desenvolver um pouco mais. Por exemplo, tem um mês que as
atividades estão paradas por falta de material. De vez em quando aparece,
mas depois falta (Educador B);
a questão de recurso influi muito na questão metodológica. Para você
desenvolver a metodologia é necessário um material básico, para que o
educador possa desenvolver a sua atividade adequadamente (Educador C).
A situação, no meu entender, é ainda mais questionável, quando a prática de
aquisição de materiais, mediante recursos dos próprios profissionais, é legitimada e
encarada com naturalidade, como ilustram os educadores:
na semana passada fizemos o encerramento das atividades do projeto e
tivemos que tirar dinheiro do nosso bolso, para comprar material para a
apresentação [...]; quando queremos passar um filme para os meninos, temos
54
que baixar em nossas casas ou alugar em uma locadora, pagando com o nosso
dinheiro (Educador C);
o que eu vejo de positivo na instituição é a alternatividade dos profissionais
[...]; a equipe lançou a proposta de trabalhar a linguagem cinematográfica,
sem depender dos recursos da instituição. Utilizamos câmera particular,
exploramos também um pouco dos produtos digitais que os próprios garotos
têm, por exemplo: um celular com câmera. Então explorar isso é a
alternatividade que eu falo (Educador F).
Esta realidade, revelada nas falas dos educadores, permite-me questionar
quanto ao impacto dessas ações na vida dos sujeitos alvo dessa política. Grosso modo, é
como se, para as pessoas que se encontram em vulnerabilidade social, qualquer coisa
bastasse, ou seja, a preocupação com a qualidade parece ser mínima ou nula. O que me
faz concluir que a proposta de desenvolver uma habilidade artística é sacrificada, uma
vez que o projeto não dispõe de materiais básicos para estimular as potencialidades
artísticas a que se propõe. Há, portanto, um descompasso entre o que está escrito no
Projeto Político-Pedagógico e a sua prática.
Quanto à metodologia das ações pedagógicas desenvolvidas no Crescer com
Arte e Cidadania, de acordo com o Projeto Político-Pedagógico, é baseada no método
dialógico de Paulo Freire65
, a partir de atividades que construam conhecimentos com
significados que possibilitem a percepção e transformação das realidades dos
educandos, visando o estímulo da criatividade, o fortalecimento das potencialidades e a
sensibilidade, aliados ao exercício da cidadania mediante ações de intervenção
comunitária.
Embora não tenha existido referência direta ao educador Paulo Freire, as
falas dos educadores, quando indaguei sobre suas práticas pedagógicas, revelaram
aproximação com o seu método, pelo menos em relação aos objetivos, como ilustram os
educadores:
na hora em que estou com eles numa roda de conversa [...] busco possibilitar
uma forma de olhar para o mundo diferenciado [...]. Acredito ser importante
a participação e a opinião de cada um [...]. Busco abrir os olhos de uma
65
Segundo Brandão, Paulo Freire foi o educador que instituiu um método de alfabetização
compreendendo três fases: levantamento do universo vocabular, escolha das palavras selecionadas do
universo vocabular pesquisado e criação de situações existenciais típicas do grupo com quem se vai
trabalhar. Para o autor, são situações desafiadoras, codificadas e carregadas de elementos que serão
descodificados pelo grupo com a mediação do educador. São situações locais que discutidas abrem
perspectivas para a análise de problemas regionais e nacionais. In: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que
é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1981.
55
forma com que eles se questionem até se aquilo que eu estou falando é
verdadeiro ou não (Educador A);
sempre tento mostrar que as nossas conquistas conseguimos em cada
caminhada. Multiplico isso no dia a dia e isso instiga os adolescentes. Sempre
digo para eles que estão buscando uma transformação e que ela é possível.
Não é porque eu moro em determinado canto, por que meus amigos foram
trilhar determinado caminho, que eu também vou fazer o mesmo. Existe a
possibilidade de mudança (Educador C);
cabe ao educador mostrar que os jovens são sujeitos transformadores, que
precisam modificar a realidade, que precisam estar à frente da transformação
[...]. Trabalhamos a formação enquanto cidadão, enquanto ser humano, a
questão dos valores [...]. No projeto a gente instiga a questão do
protagonismo para que eles possam de fato despertar para a própria realidade,
sabendo que tem muita coisa que não está legal, muita dificuldade dentro da
comunidade, e que eles podem se mobilizar e buscar melhorias (Educador E);
no nosso planejamento mensal a gente faz uma avaliação com os
adolescentes, onde é feita uma roda de conversa para que o coletivo decida.
O planejamento é construído por todos e os adolescentes sugerem o que eles
querem vivenciar, o que eles querem aprender [...]. O educando participa da
construção metodológica do que ele vai vivenciar. Isso é uma estratégia para
que ele se aproprie e se envolva (Educador F).
Como já salientei, embora não façam referência a Paulo Freire, se utilizam
de palavras como roda de conversa (que podem ser comparadas aos círculos de
cultura66
); participação e avaliação da construção metodológica (que se assemelham à
pesquisa e conhecimento do grupo ou levantamento do universo vocabular); sujeitos
transformadores, mudanças, enfim, práticas pedagógicas movidas pelo desejo da
transformação societária ou, ao menos, pelo desejo de indagação acerca da realidade.
Em relação ao engajamento do adolescente no Projeto, existem dois
mecanismos praticados: o encaminhamento interno, que se dá através dos programas e
projetos da Coordenadoria-Funci e o externo, por meio da rede de proteção social e
Sistema de Garantia de Direitos, como conselhos tutelares, CRAS67
.
Ao ser engajado no Projeto, o adolescente e seu responsável assinam um
termo de compromisso, dando ciência de seus direitos e deveres. Em relação à questão,
ressaltou o coordenador do Programa, “esse termo visa também à responsabilização e o
66
O círculo de cultura foi teorizado por Paulo Freire como operacionalização de sua proposta de
investigação dialógica, que tinha a preocupação com a construção coletiva do conhecimento. 67
O Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) é uma unidade pública de assistência social,
localizada em áreas de vulnerabilidade social. Os CRAS atuam com famílias e indivíduos em seu
contexto comunitário, visando à orientação para o fortalecimento dos convívios sócio-familiar e
comunitário. Suas equipes executam serviços da Proteção Social Básica no âmbito municipal. Em
Fortaleza existem 23 CRAS, distribuídos nas seis Secretarias Executivas Regionais. Fonte:
http://www.fortaleza.ce.gov.br/semas, pesquisa realizada no dia 21 de maio de 2011.
56
envolvimento da família junto ao projeto”. Em seguida, há uma apresentação acerca das
atividades desenvolvidas (artes visuais, música, teatro, futebol e oficinas temáticas68
)
para que o adolescente possa optar pela atividade que se identifica. A sua permanência
no Projeto é de dois anos. Durante esse período, além da atividade artística, é realizado
acompanhamento individual para que possa construir seu projeto de vida. Ao final dos
dois anos, é realizada uma avaliação acerca da superação da violação de direito que
possibilitou o seu engajamento no Projeto, discutindo os encaminhamentos realizados
para a transformação da realidade.
Esses processos de acompanhamento e desligamento das crianças e
adolescentes não ocorrem de forma tão linear como está descrita no PPP. Isso pode ser
percebido pela grande rotatividade e evasão das pessoas atendidas; pela rotatividade dos
profissionais, cuja vaga nem sempre é substituída imediatamente à saída do anterior,
além do tempo necessário de apropriação acerca da situação de cada criança e
adolescente por parte de quem está assumindo a função; pelas dificuldades estruturais,
que dificultam um acompanhamento sistemático e a própria dificuldade de possibilitar a
transformação da situação de vulnerabilidade social vivenciada pelas crianças e
adolescentes atendidos, conforme salientou o educador C em seu depoimento:
no papel está tudo legalzinho, mas quando a gente sai do projeto à tarde, vai
no mercado ou está andando no meio da rua, encontra o adolescente caçando
lata, trabalhando, vendendo bala ou vendendo alguma coisa no sinal, isso
mexe com a gente e percebemos que precisamos fazer mais.
Para o desenvolvimento das atividades, cada projeto crescer com arte conta
com, pelo menos, uma equipe composta por um supervisor, um agente administrativo,
dois instrutores de oficinas, dois educadores sociais, uma cozinheira, uma auxiliar de
cozinha e um profissional de serviços gerais. De acordo com o coordenador do
Programa: “esta é a equipe mínima que deve conter em cada projeto para o seu
funcionamento, mas existem projetos com um número maior de profissionais”.
68
Segundo consta no Projeto Político-Pedagógico, na oficina de artes visuais é trabalhado o grafite,
desenho, pintura em tela, artes plásticas; na oficina de música são trabalhados quatro eixos: teoria
musical, prática musical, construção de instrumentos musicais e visitas culturais; no teatro é trabalhada a
expressão corporal, técnicas de alongamento, relaxamento, voz, leitura dramática e criação de esquetes;
nos treinos, além de aprender as técnicas básicas para jogar futebol busca-se o desenvolvimento do corpo,
a qualidade de vida e a discussão sobre disciplina, cidadania e direitos humanos e as oficinas temáticas,
como o próprio nome sugere, são trabalhados temas com os adolescentes em formato de oficinas.
57
Quanto à capacidade de atendimento, existe uma meta máxima estipulada de
80 (oitenta) adolescentes por projeto, com exceção do Caça e Pesca, que corresponde a
130 (cento e trinta) crianças, e da Barra do Ceará, que corresponde a 200 (duzentos)
crianças e adolescentes. Segundo o coordenador do Programa, alguns projetos só
desenvolvem suas atividades às segundas, quartas e sextas, em virtude das dificuldades
financeiras, e salientou: “essa medida emergencial foi tomada para garantir a
alimentação, os materiais pedagógicos e o vale transporte dos adolescentes”.
Uma atividade desenvolvida pelo Crescer com Arte que merece destaque, é
a de monitoria, pois, como salientei anteriormente, a maioria dos jovens educadores
envolvidos na pesquisa vivenciou o papel de monitor antes de se tornarem educadores
sociais. No Programa Crescer com Arte e Cidadania, a atividade de monitoria, segundo
consta no PPP, foi instituída como uma ferramenta de fortalecimento de
potencialidades, exercício de cidadania e tomada de decisões por parte dos adolescentes.
Hoje, o Programa dispõe de 107 (cento e sete) bolsas de monitoria, no valor de R$
100,00 (cem reais).
Ainda segundo o PPP, as vagas de monitoria são distribuídas pelos projetos,
e o adolescente, para tornar-se monitor, vivencia um processo de escolha. Inicialmente,
os educadores sociais divulgam o processo de escolha e explicam os procedimentos
adotados e os critérios de elegibilidade69
. Em seguida, os adolescentes manifestam o
interesse de participação, depois é realizado um debate, seguido de eleição, envolvendo
os demais adolescentes e os profissionais do Projeto. O período de monitoria
corresponde a seis meses, podendo ser prorrogado pelo mesmo período. A cada três
meses, é realizada uma avaliação, por parte dos educadores e adolescentes, para
definirem a continuidade da atividade.
Como já mencionei, a maioria dos sujeitos envolvidos na pesquisa
vivenciou um processo de aprendizagem, sendo contemplados com algum tipo de bolsa
de monitoria, seja no próprio Projeto ou em outros. Eles afirmam a importância dessa
etapa em suas vidas, considerando-a fundamental para a condição que hoje vivenciam,
de educadores sociais, como evidenciam as falas:
69
Critérios: estar frequentando o projeto há, pelo menos, dois meses; possuir a idade de 13 anos a 18 anos
incompletos; não estar próximo ao fim de permanência no projeto (dois anos); não ter sido eleito por mais
de dois mandatos.
58
a minha experiência como monitor da atividade de esportes foi o fundamento
para eu chegar a essa história de educador social. O meu instrutor também foi
muito importante, pois me orientava sempre como conviver e como ter um
bom relacionamento com os meus colegas de atividades (Educador A);
como monitor pude exercer a questão da liderança no grupo, pois sempre
puxava a oficina, chamava para fazer isso e aquilo, mesmo sem ter o
educador. Essa experiência foi importante e contribuiu para eu receber o
convite para ser educador social. Antes de entrar no projeto eu era muito
tímido, quando fui monitor fiquei ativo e participativo (Educador C).
Como se observa nas falas acima, esses jovens educadores eram monitores e
receberam o convite para serem educadores sociais, agora responsáveis pela atividade
que antes auxiliavam. Eles percebem esse processo como uma experiência, uma espécie
de estágio necessário para o possível alcance de uma vaga de educador social. Na
realidade, as probabilidades de contratação, para os jovens que foram atendidos na
própria Coordenadoria-Funci, giram em torno dos monitores, que extrapolam a simples
condição de educandos e passam a ser considerados auxiliares do educador social,
inclusive assumindo integralmente as atividades na ausência do profissional.
É exatamente nessa experiência de monitoria que os adolescentes passam,
ainda que involuntariamente, a serem avaliados, pois existe possibilidade de suas
competências e habilidades serem afloradas e, nesse sentido, serem convidados a fazer
parte do quadro de profissionais da Instituição. E tal prática tornou-se costumeira e
demonstra a possibilidade de os jovens se tornarem protagonistas de suas histórias e da
história do próprio programa.
2.3. O Programa Ponte de Encontro: a rua como espaço de intervenção
Assim como ocorreu com o Programa Crescer com Arte e Cidadania, o
Projeto Político-Pedagógico do Programa Ponte de Encontro, elaborado em outubro de
2010, constituiu-se na minha principal fonte documental acerca do Programa, que tive
acesso em dezembro de 2011.
De forma sucinta, o documento apresenta diretamente as ações
desenvolvidas, metodologias, entre outras informações sobre o Programa Ponte de
Encontro, sem dispor do histórico, datas, tampouco elucidar as possíveis evoluções ou
regressos na política de atendimento voltada às crianças e adolescentes em situação de
moradia e frequência nas ruas da cidade de Fortaleza.
59
Pelo fato de ter acompanhado a estruturação do Programa, ainda que não
diretamente, posso afirmar que o Programa Ponte de Encontro foi idealizado como
redimensionamento do projeto Da Rua para a Cidadania70
, no ano de 2005,
alcançando, paulatinamente, avanços em relação à estruturação física e ampliação da
força de trabalho até os dias atuais. Tal redimensionamento, segundo consta no PPP,
buscou a efetivação de intervenções sociais no ambiente das ruas, possibilitando a
concretização de ações para além da higienização dos espaços públicos, privilegiando a
integração com as redes71
de discussão acerca da temática dos Direitos Humanos de
crianças e adolescentes e o fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos.
Quanto à questão do trabalho em rede, ressalta o Projeto Político-
Pedagógico: “compondo a rede do Sistema de Garantia de Direitos [...], procuramos
atuar de forma integrada com os demais órgãos e instituições [...], para fortalecer as
políticas públicas específicas do público-alvo” (FORTALEZA, 2010, p. 02).
Em relação ao público-alvo, as ações do Programa são voltadas para
crianças, adolescentes e suas famílias, que se encontram no município de Fortaleza e
que tiveram seus direitos fundamentais negados ou negligenciados, sendo vítimas dos
mais variados tipos de violação de direitos, como: “vínculos familiares fragilizados ou
rompidos, exploração sexual, violência doméstica, trabalho infantil, situação de moradia
nas ruas, mendicância, perambulância, uso de drogas” (FORTALEZA, 2010, p. 04).
O Programa Ponte de Encontro tem seu funcionamento dividido em três
eixos: (i) Educação Social de rua/casa de passagem; (ii) acolhimento institucional72
e
70
Projeto instituído na gestão do prefeito Juraci Magalhães (1997-2004), em meados do ano de 1998. 71
No Projeto Político-Pedagógico do Programa Ponte de Encontro são enumerados como espaços de
discussões, que visam a qualificação do atendimento voltado às crianças e adolescentes em situação de
moradia e frequência nas ruas, e que o Ponte se faz presente, quais sejam: (i) Núcleo de Articulação dos
Educadores Sociais, que possui como principal objetivo criar um processo institucional dialógico que
possibilite um avanço metodológico das ações dos educadores sociais de rua; (ii) Equipe Interinstitucional
de Abordagem de Rua, que possui o intuito de articular as ações existentes (abordagem de rua e abrigos) e
otimizar os encaminhamentos das crianças e adolescentes; (iii) Conselho de Apoio a 17ª Promotoria da
Parangaba, que tem como objetivo discutir acerca das problemáticas existentes no bairro, como a situação
de crianças e adolescentes em situação de moradia e frequência nas ruas; ABRA (Rede Brasileira de Arte-
educadores), que objetiva, por meio de suas ações artísticas e educacionais, a transformação social
pessoal e coletivas e (iv) Rede Fortaleza, que tem por objetivo o atendimento a crianças e adolescentes
em situação de uso e abuso de drogas na cidade de Fortaleza. 72
O eixo acolhimento institucional (casa dos meninos e casa das meninas) configura-se nos espaços de
acolhimento de caráter provisório, destinado a adolescentes de ambos os sexos, visando promover e
garantir o direito à convivência familiar e comunitária e articular a qualidade de vida com foco na
inserção socioprodutiva e nas relações solidárias.
60
(iii) abrigos conveniados73
. Atendo-me à necessidade de delimitação do estudo, optei
em focar a análise no primeiro eixo de atuação, cujas ações são desenvolvidas e/ou
possuem como ponto de apoio o Espaço Ponte de Encontro, situado à Rua São Paulo, nº
1750, Bairro Jacarecanga, Fortaleza/Ceará.
O Espaço Ponte de Encontro, segundo consta em seu PPP, possui a
finalidade de promover a participação e o empoderamento do público-alvo, visando à
garantia e vivência de seus direitos fundamentais, tendo como objetivos (i) estimular a
construção de projetos de vida do público-sujeito, baseado no processo criativo e
reflexivo de valores positivos; (ii) favorecer o fortalecimento e a interação dos vínculos
familiares e comunitários saudáveis para a promoção da vida; (iii) legitimar a promoção
e a defesa dos direitos do público-sujeito, através das ações executadas pelo projeto; (iv)
minimizar o contato de crianças e adolescentes com o ambiente desfavorável de
moradia e permanência na rua; (v) favorecer ações de enfrentamento a situações de
violência, através do trabalho de busca ativa e prevenção e redução de danos.
A minha observação em relação ao descompasso entre o que está escrito no
PPP e a prática efetiva também se aplica ao Programa Ponte de Encontro, sobretudo em
relação ao trabalho voltado aos adolescentes em situação de rua, que apresenta inúmeras
descontinuidades, dada a especificidade da situação. Posso afirmar isso com certa
propriedade, pois trabalhei dois anos com crianças e adolescentes em situação de rua e a
sensação que eu tinha era de caminhar dois passos e retroceder quatro. Ou seja, na
prática, as ações não funcionam tão linearmente como registradas nos documentos.
Ainda segundo o PPP, para a efetivação dos objetivos institucionais, a
abordagem de rua, como o próprio nome sugere, realiza abordagem às crianças e
adolescentes, em 24 (vinte e quatro) áreas da cidade, contando com uma equipe
composta por 37 (trinta e sete) educadores sociais que desenvolvem ações de arte-
educação74
, esporte/lazer75
e busca ativa76
.
73
O eixo abrigos conveniados corresponde a subvenções sociais destinadas às entidades de abrigos
voltadas para crianças e adolescentes em situação de rua, de forma a garantir o fortalecimento da rede de
retaguarda/atendimento a esses sujeitos. Atualmente existem cinco entidades parceiras. 74
Segundo o PPP, a arte-educação consiste em ações educativas que possuem como estratégia a interação
positiva com as diversas manifestações artísticas, possibilitando o contato das crianças e adolescentes
atendidos com o universo simbólico e humanizador da Arte. 75
Ainda segundo o PPP, o esporte e o lazer são utilizados como estratégia de aproximação e mobilização
dos sujeitos atendidos e proporcionam a organização, a participação coletiva, a redução de danos, o
desenvolvimento físico e psicológico e o fortalecimento dos vínculos afetivos. 76
De acordo com o PPP, a busca ativa configura-se numa atividade de observação, aproximação e
formação de vínculos junto às crianças e adolescentes em situação de violação de direitos.
61
O coordenador do Programa ressalta que o educador social “faz desde a
abordagem social, que é aquele primeiro contato de conversar, até preparar atividades
no ambiente da rua, como oficinas educativas e esportivas”. Em relação às atividades
esportivas, o educador H, declara que essas não se limitam à questão esportiva, mas
também compreende “a parte social, de ajudar a comunidade, de ajudar a família, um
trabalho mais profundo”.
Quanto à casa de passagem, essa possui capacidade de atender 10 crianças
e/ou adolescentes, em regime de plantão 24 horas, contando com uma equipe de 28
(vinte e oito) educadores sociais para dar fluxo às demandas da casa e realizar os
encaminhamentos necessários para a efetivação dos direitos dos sujeitos atendidos.
Nesse aspecto da capacidade, é perceptível a fragilidade da política, já que
10 (dez) vagas estão muito aquém da necessidade real do município de Fortaleza, dado
o crescente número de denúncias de violação de direitos77
, que muitas vezes, numa
única denúncia existem cinco irmãos necessitando do acolhimento institucional. Ou
seja, se o Programa Ponte fornecer retaguarda às demandas oriundas de apenas um
serviço municipal, como o Disque Direitos Criança e Adolescente (DDCA), sua
capacidade de atendimento fica comprometida. Afora a necessidade das outras
demandas. Associo tal questão à afirmação de Menezes (1998, p. 11), citando Marx,
“propostas que se traduzem em tentativas inglórias de amenizar ainda que minimamente
os contrastes reais”.
De acordo com o Projeto Político-Pedagógico, “toda ação educativa deve
privilegiar a prática como norteadora da reflexão, em vista de uma práxis
transformadora que se dá a partir da realidade, da experiência na rua” (FORTALEZA,
2010, p. 04).
O trecho acima denota o embasamento na teoria da Educação Popular, que
prima pela efetivação de uma práxis transformadora. Assim como Silva (2011), percebi,
ao longo de todo o texto do PPP, a influência do pensamento de Paulo Freire a partir da
utilização de designações, tais como: troca de saberes, mobilizações, transformação
etc. Também são visíveis práticas e valores influenciados pela doutrina cristã, como
solidariedade e amor ao próximo.
77
Segundo o Coordenador do DDCA, em 2008, o programa registrou um quantitativo geral de 1.990 (mil
novecentos e noventa) denúncias; em 2009, 2.791 (duas mil setecentas e noventa e uma) denúncias; em
2010, 2.492 (duas mil quatrocentas e noventa e duas) denúncias.
62
É perceptível o caráter de militância em detrimento do caráter técnico na
elaboração do Projeto Político-Pedagógico (Silva, 2011), reafirmado pela concepção do
coordenador do Programa ao ser indagado acerca do perfil do educador social: “não tem
um perfil desenhado, mas o trabalho de Educação Social chega muito próximo de
militância” (Coordenador do Programa Ponte de Encontro)78
.
Ao contrário do Programa Crescer com Arte e Cidadania, o Programa Ponte
de Encontro não diferencia o educador social do arte-educador. Todos são contratados
como educadores sociais de rua, independentemente de possuírem alguma habilidade
artística, como afirmou o coordenador: “todos são educadores sociais e alguns têm
algumas habilidades de arte ou de esporte que vão ajudar e colaborar com esse processo
metodológico de intervenção junto às crianças e adolescentes”.
Posteriormente, quando eu estiver aprofundando a análise acerca do
trabalho desenvolvido pelos jovens educadores sociais, retomo algumas questões
relacionadas ao perfil profissional, fazendo paralelos entre as percepções dos gestores e
dos jovens educadores. Nesse momento, prezei por apresentar ao leitor os programas
Crescer com Arte e Cidadania e Ponte de Encontro, de forma breve. No item a seguir,
apresento como a Educação Social é desenvolvida na Coordenadoria-Funci, levando em
consideração as especificidades dos referidos programas.
2.4. A Educação Social no âmbito dos programas: o “carro chefe” da
Coordenadoria-Funci
Questionei junto aos gestores por que a Educação Social nos programas da
Coordenadoria-Funci e como tal prática começou a ser instituída. Apesar de
considerarem a Educação Social como “o grosso, o carro chefe e a identidade da
Instituição”, como declarou o coordenador do Programa Ponte de Encontro, os gestores
entrevistados não souberam exatamente como se instituiu a sua prática no âmbito
institucional, conforme ilustra a fala: “eu não sei dizer como iniciou a Educação Social
na Funci, quando eu cheguei essa história já estava formatada” (Coordenador do
Programa Ponte de Encontro).
78
Em capítulo específico (Capítulo 3) aprofundo a discussão acerca do perfil militante do jovem educador
social.
63
Quanto ao porquê de sua utilização nos programas e projetos da Instituição,
os gestores afirmaram:
é importante frisar que a escola formal hoje não consegue suprir todas as
carências, as lacunas e necessidades de uma criança e de um adolescente. A
escola ainda é muito limitada a sua grade curricular, não consegue ampliar
para uma dimensão de fato humana, que atinja e reflita diretamente na vida
desses sujeitos. Daí a necessidade de se trabalhar na perspectiva da Educação
Social, paralela à educação formal. Então é fundamental o ingresso da
Educação Social nos programas, pois ela vai trabalhar justamente essa
dimensão humana, a sociabilidade do público atendido, dimensões essas que
não são tratadas na escola com profundidade. A Educação Social surge no
sentido de suprir a carência da escola formal. Se a escola trabalhasse outros
aspectos além dos conteúdos, não seria necessário outro espaço trabalhar
(Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania);
a Educação Social é, na verdade, uma forma da gente trabalhar com o público
a fim de conseguir pessoas sensíveis que possam adentrar na realidade das
pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social. A Educação Social
permite esse acesso, esse contato, esse vínculo com as famílias de crianças e
adolescentes que são acompanhadas pela Coordenadoria (Supervisora de
gestão).
Os relatos acima denotam que a Educação Social é percebida como uma
prática de intervenção, uma forma de agir perante os sujeitos, superando as deficiências
da educação escolar e em busca da transformação da situação de vulnerabilidade social
das pessoas atendidas. Portanto, reconhecem-na segundo o uso habitual vigente de que
os seus processos educativos
dirigem-se prioritariamente ao desenvolvimento da sociabilidade dos sujeitos,
têm como destinatários privilegiados indivíduos ou grupos em situação de
conflito social e têm lugar em contextos ou por meios educativos não-formais
(ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 28).
O discurso institucional, tanto do Programa Ponte de Encontro quanto do
Crescer com Arte e Cidadania, aponta a utilização da Educação Social como meio de
desenvolver ações que estimulem o exercício da cidadania, o reconhecimento da
identidade, o sentimento de pertença, a participação, o empoderamento das crianças,
adolescentes e suas respectivas famílias, através de oficinas de arte-educação e esporte.
A metodologia e o espaço de atuação determinam as diferenças entre os dois programas,
como salienta a fala:
64
o educador social do Crescer está no projeto e a demanda vem até ele. Ele
tem um trabalho mais interno, embora em alguns momentos ele precise
visitar locais estratégicos, mas a diferença é exatamente esta: a localização do
trabalho. No Crescer, os educadores fazem visitas domiciliares, fazem
acompanhamento escolar, realizam oficinas com crianças e adolescentes,
reuniões com as famílias, tem esse acompanhamento sistemático do público-
alvo. No caso do Ponte, a atuação do educador social se diferencia porque
eles estão diretamente na rua, em pontos estratégicos da cidade e trabalham
muito mais através da busca ativa, que é visualizar as situações de
vulnerabilidade social e a partir disso ver a possibilidade de algum
encaminhamento ou do devido encaminhamento para cada caso. A
metodologia do Ponte se diferencia da metodologia do Crescer porque os
seus educadores estão nas ruas circulando e procurando a demanda
(Supervisora de gestão).
Essa diferença metodológica e de espaço de atuação são preponderantes no
delineamento da arte-educação desenvolvida em cada programa. No Crescer com Arte e
Cidadania existe uma perspectiva da arte-educação enquanto profissionalização, ainda
que superficialmente, em virtude das precárias condições estruturais.
Embora não exista objetivamente no PPP do referido programa a intenção
de profissionalizar, o depoimento do coordenador do programa me leva a considerar
essa perspectiva:
a gente não tem um direcionamento real para que esse menino se insira em
projetos sociais nessa função, porém nós temos o instrumento da monitoria
que facilita essas inserções, pois ele passa por formações e é
instrumentalizado caso ele queira dar continuidade (Coordenador do
Programa Crescer com Arte e Cidadania).
Outra evidência da perspectiva de profissionalização, ainda que velada, é a
declarada diferença entre o educador social e o arte-educador. Grosso modo, é como se
o arte-educador fosse o professor designado a repassar o conhecimento de sua
linguagem artística específica (teatro, música, dança, artes plásticas) junto às crianças e
adolescentes, ou seja, o seu olhar possui como foco principal o desenvolvimento da
técnica; o educador social dá suporte ao arte-educador, bem como volta-se às questões
sociais e outras dimensões da vida das crianças, dos adolescentes e de suas famílias, ou
seja, possui uma atuação mais generalizada.
No entanto, o coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania
salientou que a arte-educação desenvolvida no Programa “traz consigo, além das
técnicas, toda uma reflexão, formação cidadã, formação política, não é a técnica pela
técnica, não é a arte, pela arte”. Ele acrescentou que:
65
o arte-educador trabalha muito articulado com o educador social; as temáticas
de Direitos Humanos são trabalhadas pelo educador social nas oficinas e o
arte-educador busca trabalhar a técnica vinculando as discussões
(Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania).
Quanto à questão, avalio que os discursos “não queremos formar artistas” e
“não nos preocupamos com um espetáculo final” são imbuídos de um fracasso das
ações de arte-educação desenvolvidas pelo Programa, uma vez que assumindo tais
discursos não há obrigatoriedade nos resultados concretos da profissionalização, sendo
suficiente apenas a socialização das crianças e dos adolescentes.
Em relação ao Programa Ponte de Encontro, a arte-educação não possui
intenção de profissionalizar. É desenvolvida como estratégia de interação, aproximação
junto às crianças e adolescentes atendidos. Isso pode ser evidenciado pelo fato de não
existir diferenciação entre educador social e arte-educador. Como já salientei
anteriormente, no Programa Ponte de Encontro, todos são contratados como educadores
sociais, porém, se possuírem alguma habilidade artística e/ou esportiva, podem
desenvolvê-las como incremento em suas atuações.
Já o esporte, nos dois programas, é encarado como um fenômeno social e
um fator socializador à luz da concepção de Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 99):
se educar supõe incidir nas estruturas cognitivas e afetivas do sujeito, se
educar é facilitar uma mudança no repertório de condutas e adquirir as
habilidades necessárias para se integrar no grupo, o esporte não pode ser
ignorado pela Pedagogia Social.
Como evidenciaram os gestores, a Educação Social na Coordenadoria-Funci
é responsabilidade precípua do educador social, seja na arte-educação, no esporte ou nas
ações mais generalizadas. Ao afirmarem que o educador social “é o meio da gente
conseguir chegar nas crianças, nos adolescentes e nas famílias e ter um impacto positivo
nas ações” (Supervisora de gestão), e “tem toda uma leitura acerca dessas realidades do
público-sujeito” (Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania), estão
reconhecendo a importância desse profissional na execução dos objetivos institucionais.
No entanto, existe descompasso entre o reconhecimento da importância da
categoria e a sua real valorização, sobretudo levando-se em consideração aspectos
objetivos, como o salário, por exemplo, conforme afirmou claramente o gestor do
Programa Ponte de Encontro ao ser indagado sobre o que o educador social necessita
66
para ser contratado pela Instituição: “a primeira coisa é aceitar o perfil salarial da
gente”. Referia-se a um salário baixo diante da dimensão das atividades da profissão.
Na perspectiva institucional, além de submeter-se ao salário proposto pela
Instituição, é exigido que o educador social tenha, preferencialmente, experiência com
trabalhos comunitários, experiência com trabalho voltado para crianças e adolescentes e,
necessariamente, sensibilidade, compromisso, disponibilidade e desejo de
transformação, como expressaram os gestores ao serem indagados acerca do perfil do
educador social:
uma coisa que é muito importante é a experiência comunitária e vivências de
trabalho na área de crianças e adolescentes. Também compõe o perfil
profissional a habilidade com grupos, a facilidade de redigir documentos, de
elaborar planejamentos, de proposição de ideias, ou seja, uma pessoa que se
mostre sempre ativa, que queira construir coletivamente e que reconheça a
necessidade de atuar articuladamente em rede (Coordenador do Programa
Crescer com Arte e Cidadania);
precisam ser pessoas que tenham um mínimo de sensibilidade, que
pretendam causar impacto positivo na vida das outras pessoas, contribuir com
a instituição no sentido de fazer com que a política pública se realize na
ponta. Devem ter a compreensão da realidade, das dificuldades e serem
propositivas para poderem contribuir de alguma forma. Por isso o educador
social é muito importante para a instituição. É uma política pública que
precisa minimamente de cuidados para ser executada, então se você não tem
no quadro de profissionais alguém que se preocupa em fazer aquilo ali bem
feito, que tenha disponibilidade, inviabiliza esse trabalho (Supervisora de
gestão).
Os depoimentos dos gestores, em relação ao perfil do educador social,
foram consoantes com o que observei nos Projetos Político-Pedagógicos dos Programas.
No PPP do Programa Crescer com Arte e Cidadania, existe menção direta acerca desse
perfil profissional, como salientou o gestor do Programa e como consta no documento:
habilidades em desenvolver atividades socioeducativas e artísticas com
crianças, adolescentes, famílias e atividades comunitárias; conhecimento
sobre direitos humanos, especificamente na área da infância e adolescência;
desenvolver atividades de grupo; capacidade de planejamentos e facilitação
com metodologias participativas (FORTALEZA, 2010, p. 20).
Já o PPP do Programa Ponte de Encontro não possui menção direta em
relação ao perfil do educador social, o documento destaca algumas posturas básicas para
o seu trabalho, como “compreender as crianças e os adolescentes como sujeitos de
67
direitos; despojar-se de todo tipo de preconceitos; abrir-se a novos valores; procurar
sempre atualizar os seus conhecimentos” (FORTALEZA, 2010, p. 05).
Essa informação é ratificada pelo gestor do Programa que afirmou que o
educador social “não tem um perfil definido, estamos adotando há algum tempo um
perfil muito próximo da militância, do envolvimento, do comprometimento e estamos
encontrando esse perfil em jovens que já foram atendidos e que são de comunidades”
(Coordenador do Programa Ponte de Encontro).
Tal afirmação me intrigou sobremaneira e me fez dedicar uma atenção
especial à questão. Afinal, por que o envolvimento e o comprometimento são
característicos de jovens que já foram atendidos e que estão inseridos em comunidades
que apresentam um contexto de vulnerabilidade social? Que contradições podemos
identificar nesse processo de inserção? E como os gestores e os jovens educadores
percebem tal realidade?
No capítulo seguinte, faço uma reflexão em busca de compreender as
indagações acima, apresentando breve contextualização acerca das construções sócio-
históricas sobre o trabalho e suas relações com as reconfigurações do trabalho social
para os jovens educadores sociais no âmbito da Coordenadoria-Funci, bem como faço
uma análise sobre a contratação desses sujeitos pela referida instituição, partindo de
suas percepções e das percepções dos gestores, em busca de problematizar aspectos
relacionados ao fazer profissional, à profissionalização e às condições de trabalho.
68
CAPÍTULO 3 – FAZER PROFISSIONAL, PROFISSIONALIZAÇÃO E
CONDIÇÕES DE TRABALHO DO JOVEM EDUCADOR SOCIAL NA
COORDENADORIA-FUNCI
Os que lutam contra a exploração, a opressão, a dominação e a alienação –
isto é, contra o domínio do capital – têm como tarefa educacional a
“transformação social ampla emancipadora”.
Emir Sader
Inicio as discussões desse capítulo abordando as imagens e representações
sobre o trabalho social, em especial aquele realizado pelo educador social, apresentando
a relação dessas construções sócio-históricas com as reconfigurações do trabalho social
para os jovens educadores sociais no âmbito da Coordenadoria-Funci.
É importante ressaltar que optei em abordar a temática do trabalho em razão
dos depoimentos dos jovens educadores sociais, que não raras vezes, se desdobravam
acerca do trabalho e suas condições e por considerar que tais fatos estão relacionados e
compõem as suas construções de sentidos sobre a Educação Social e suas práticas
profissionais. Assim, abordo as percepções desses sujeitos acerca de suas contratações
pela referida instituição, fazendo um paralelo entre as suas percepções e as dos gestores,
analisando aspectos relacionados ao fazer profissional no âmbito das políticas públicas,
à profissionalização e às condições do trabalho.
3.1. Imagens e representações do trabalho social para os jovens educadores da
Coordenadoria-Funci: missões vocacional-religiosa, técnico-profissional e de
militância-política
Acredito que a discussão sobre a categoria trabalho nunca perdeu a sua
importância no meio acadêmico, ao contrário, torna-se cada vez mais fundamental para
que possamos compreender diversos fenômenos sociais, econômicos e a sua relação
com a atualidade.
Em concordância com Martins (2010), citando o pensamento de Marx e
Engels (1984), considero que
o processo histórico que se desdobrou ao longo dos tempos e que fez a
humanidade ser como é nos dias atuais traz a marca indelével do trabalho.
Foi por meio dele que o homem se impôs sobre a natureza, transformando-a
69
segundo suas necessidades e intencionalidades, tendo como decorrência, ao
transformar a natureza, a sua própria transformação (MARTINS, 2010, p. 41
apud MARX; ENGELS, 1984).
Ao refletir acerca da categoria trabalho, não poderia deixar de mencionar as
contradições existentes nas construções sócio-históricas que a permeiam (ARAÚJO,
1997). Na formação do Brasil, por exemplo, as contradições podem ser vistas sem
rodeios ou eufemismos, afinal, quem desfrutava do berço da preguiça, gozando de um
ócio, graças à exploração, era exatamente o mais rude nas penalizações dos chamados
“vadios” ou “vagabundos”.
Segundo Araújo (1997, p. 150), “a maioria da população brasileira vivia à
margem da grande produção (monocultura ou mineradora), a única que, no fundo,
interessava à Coroa”. Acrescenta o autor, “era toda uma população desajustada e sem
inserção produtiva – negros forros e brancos pobres – que assombrava a vida dos que
pagavam impostos e frequentavam a igreja” (ARAÚJO, 1997, p. 160).
A realidade apresentada me remete ao pensamento de Marx (1984), quando
aborda a questão da expropriação dos camponeses – no texto „A chamada acumulação
primitiva‟ –, um processo que se utilizou da violência e gerou muita oferta de terra e
força de trabalho. Desse modo, acabou gerando uma massa de pessoas sem meios de
produção e sem espaço de inserção, ocasionando a “vadiagem”, que era punida através
de leis arbitrárias e sem qualquer observância aos direitos humanos.
No Brasil, havia um parasitismo regulamentado, bastava a pessoa pagar os
seus impostos e esta seria considerada honesta, distinta e até nobre (ARAÚJO, 1997).
Quanto ao “desclassificado”, que pesava à coletividade, este deveria ser reprimido e
controlado, pois escapava “às normas de convivência, de sobrevivência e de
conveniência minimamente aceitáveis por uma sociedade que só admitia o parasitismo
que fosse considerado honesto” (ARAÚJO, 1997, p. 174).
Frente à repressão e ao controle da população que estava à margem da
produção – “os desclassificados” –, o Estado e a Igreja, juntos, passaram a disseminar o
espírito da caridade, capaz de assegurar a propriedade privada das pessoas de posse e,
ainda, a salvação de suas almas. Nessa lógica, nascem as primeiras experiências de
trabalho social, atreladas à Igreja católica, com o objetivo de se ajudar na construção de
uma sociedade mais justa.
70
Essas imagens, construídas à época da colonização do Brasil, ainda
perpassam o imaginário da população brasileira na atualidade, sobretudo as imagens
vinculadas ao trabalho social, ainda que remodeladas e com novas reconfigurações.
No imaginário dos jovens educadores sociais, ainda é muito presente a
perspectiva do trabalho social atrelado à missão, à vocação, como ilustram os
depoimentos:
desenvolvo minha função de educadora social como uma missão, uma
vocação. Eu luto pelos direitos das pessoas, de crianças e adolescentes.
Nunca me imaginei trabalhando em uma loja, no comércio e também não me
preocupo apenas com o dinheiro (Educadora L);
eu estou aqui por uma causa, por uma missão e eu vou lutar por ela, até
porque eu passei por essa causa, eu passei por todo esse processo. Eu não
estou trabalhando só pelo dinheiro, estou por sensibilidade e para tentar
amenizar ou mudar a história daquela criança ou adolescente (Educador G).
Exatamente em virtude desse caráter missionário, a superação das
construções atreladas à caridade, à ajuda como premissas do trabalho social ainda não é
predominância entre os jovens educadores sociais. Na maioria dos depoimentos os
educadores sociais, ao mesmo tempo em que se policiam para não utilizar termos como
“ajuda”, “caridade”, simplesmente por uma questão de linguagem, caracterizam suas
ações como “amor ao próximo”, “solidariedade”, que trazem o “engrandecimento
pessoal”, ou seja, premissas de valores morais religiosos e fundantes do espírito da
caridade. Em suma, a maioria dos jovens educadores sociais configura as suas atuações
no âmbito da Coordenadoria-Funci como uma missão vocacional-religiosa.
Salientando a importância da tensão entre o consenso e a diversidade
(SPINK; MEDRADO, 2000) na minha análise, apresento a ruptura dessa perspectiva
vocacional-religiosa, defendida com muita ênfase pela educadora J:
temos que ter muito cuidado com esse lance de amor, senão estaremos
disseminando o discurso do Governador79
, de trabalhar por amor. Antes de
tudo, o meu trabalho possui um valor, pois é através dele que eu “como”, que
me visto e que posso me capacitar para melhorar a minha atuação e
verdadeiramente ter condições de facilitar um processo de transformação.
Não significa que eu não tenha amor pelo que faço, mas o profissionalismo é
importante.
79
A educadora referiu-se a um pronunciamento do governador do Estado do Ceará (Cid Gomes) quando
estava em negociação salarial com a categoria de professor em greve no período entre agosto e novembro
de 2012, ao mencionar que antes de qualquer valor, o professor deveria trabalhar por amor.
71
Esse relato reflete à missão técnico-profissional do trabalho social
desenvolvido na Coordenadoria-Funci, caracterizado pela intenção de promover os
direitos das crianças e dos adolescentes em busca da justiça social. Ele se difere,
sobremaneira, do aspecto anterior (vocacional-religioso) porque as pessoas consideram
a importância do trabalho técnico-profissional, remunerado, para além de missão e
vocação, mas como compromisso político para a transformação societária.
Outra missão que identifiquei no relato dos jovens educadores foi a
militância-política, que não exclui a técnico-profissional. Embora eles não utilizem esse
termo “militância”, acabou ficando subtendido em algumas falas, como a que expressa:
“agora eu sou remunerado, pelo que antes eu fazia de graça, por ideologia” (Educador
E). Nesse depoimento, o educador estava ratificando a fala da presidenta da Funci em
um evento da instituição que, segundo o profissional, ela afirmara: “gente, vocês são
felizardos em trabalharem na Funci, porque estão recebendo dinheiro, pelo que antes
vocês faziam de graça, militando nos partidos de esquerda”.
É importante salientar que essa missão de militância-política aparece,
sobretudo, nos depoimentos dos jovens educadores sociais oriundos de projetos da
sociedade civil organizada. Embora, depois, estando representando o poder público,
ainda se identificam como representantes dos movimentos sociais, como salientado no
depoimento: “antes de estar na Funci eu represento a periferia, a minha comunidade, a
sociedade civil” (Educadora J).
Nenhum jovem atendido pela própria Coordenadoria-Funci expressou essa
questão em suas falas. Considero que o fato está relacionado às estruturas institucionais
do poder público e os espaços reais de participação oferecidos aos jovens e ao próprio
lugar de reivindicação que os jovens oriundos das Organizações não-governamentais
ocupavam anteriormente.
Essa realidade é permeada de contradições, pois antes assumiam uma
posição de apenas reivindicar, segundo eles, sem conhecerem os trâmites burocráticos
para a efetivação de uma ação, conforme o depoimento: “quando eu estava no projeto
eu só reivindicava, só queria a solução, hoje eu tenho que responder às reivindicações e
vejo que as coisas não são fáceis” (Educadora L). Como expressa a educadora, hoje tem
que dar respostas às mesmas reivindicações de outrora. Talvez por isso seja mais
cômodo se considerar representante do movimento social do que do poder público, já
que não possui as respostas concretas.
72
Abrindo um parêntese, mas sem fugir desse contexto, é importante salientar
o enfraquecimento do movimento social de defesa dos direitos das crianças e dos
adolescentes na cidade de Fortaleza, pois muitas pessoas militantes da área acabaram
assumindo cargos no poder público municipal, estadual e federal. Percebi essa realidade
quando ocupava a presidência do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos das
Crianças e dos Adolescentes (COMDICA), biênio 2010/2012, representando a SDH,
que apresentava total harmonia e quase nenhum embate entre poder público e sociedade
civil.
Voltando às missões ou ao que posso denominar estilos de educadores
sociais, em concordância com o pensamento de Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 131
apud P. AYERBE, 1995), “a fuga entre dois estilos de educadores, que iriam dos perfis
da filantropia e da benevolência ou ao dos rebeldes ou contestatórios, pode ser evitada
garantindo aspectos técnicos em suas competências”. No entanto, não seria uma
excessiva tecnicização, nas palavras de Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 132)
“excessivamente aplicador dos recursos e com atitudes abertamente desvinculadas do
social”, mas “educadores transformadores da realidade social, sujeitos ativos e
reflexivos” (p. 133).
Na realidade dos jovens educadores sociais desse estudo, o perfil de
educador social ativo e reflexivo, salientado acima, ainda está distante, uma vez que a
maioria está inserida em situações de precariedade, de dependência dos empregadores, o
que acaba evitando uma postura mais crítica no âmbito institucional.
Minha análise foi construída a partir das percepções dos próprios jovens
educadores sociais e dos gestores acerca do processo de contratação na Coordenadoria-
Funci, levando em consideração aspectos relacionados ao fazer profissional, à
profissionalização e às condições de trabalho que envolvem esses sujeitos, conforme
apresento no item que segue.
3.2. Percepções dos jovens educadores sociais e dos gestores sobre o processo de
contratação na Coordenadoria-Funci: o fazer profissional, a profissionalização e as
condições de trabalho
A Coordenadoria-Funci vem adotando a prática de contratar jovens que já
foram atendidos em projetos sociais, sejam em projetos da própria instituição ou de
73
organizações não-governamentais. Parti da hipótese de que tal prática é utilizada como
forma de enriquecer o processo de aprendizagem das crianças e dos adolescentes
atendidos a partir da socialização das experiências de vida desses jovens educadores,
que outrora vivenciaram o lugar daqueles sujeitos.
Essa minha hipótese, construída numa primeira observação um tanto quanto
superficial, embora não tenha sido invalidada em sua integralidade, evidenciou
contradições importantes na análise do fenômeno. A contratação dos jovens educadores
é encarada de forma diferenciada, dependendo do lugar que ocupa o informante. Ela
pode ser caracterizada como reconhecimento das potencialidades juvenis, como
exploração ou até mesmo um misto entre as duas caracterizações.
A maioria dos educadores sociais caracteriza essa contratação como uma
valorização da juventude por parte da instituição, como salienta o depoimento: “eu acho
bem bacana essa iniciativa. É uma forma de dar oportunidade aos jovens que já fizeram
parte de projetos; emprego hoje está difícil, principalmente para os jovens” (Educador
B). Apenas dois educadores sociais, percebem-na como um misto de valorização e
exploração, não em relação à exploração da força de trabalho, mas, sobretudo, em prol
do fortalecimento da imagem institucional, como trazem os depoimentos: “querendo ou
não é uma estratégia para a política, por que hoje as coisas não funcionam sem
propaganda. Mas, além disso, acredito que existe sim uma valorização desse jovem”
(Educador F); “é uma iniciativa positiva, pois houve a necessidade de contratação,
existia o jovem capacitado, ele foi valorizado e foi bem visto para a imagem da
instituição” (Educador C).
Quanto aos gestores, existem mais variações de percepções acerca da
contratação dos jovens educadores sociais. A supervisora de gestão considera que tal
prática não é frequente, dada a dificuldade de encontrar jovens no perfil, mas, quando
isso ocorre, ela considera muito interessante para o projeto; o coordenador do Programa
Crescer com Arte e Cidadania considera que a instituição está reduzindo essa prática,
por considerar importante não só a padronização no processo de contratação dos
profissionais como a importância da qualificação; já o coordenador do Programa Ponte
de Encontro considera que essa prática está sendo fortalecida, uma vez que esses jovens
demonstram envolvimento em suas monitorias e facilitam o processo de atuação no
âmbito das comunidades, conforme ilustram os seus depoimentos:
74
na verdade não é uma situação muito corriqueira, porque nem todas as
pessoas têm o perfil para trabalhar com o social. Quando a gente consegue
trazer alguém que foi atendido enquanto público-alvo para ser um
profissional da instituição isso é importante, porque ele tem a visão dos
meninos que já estiveram lá sendo atendidos recebendo os “cuidados”, entre
aspas, o atendimento do projeto (Supervisora de gestão);
hoje nós temos absorvido bem menos jovens que foram educandos do próprio
projeto, pois existe uma padronização quanto à contratação de profissionais,
que é realizada pelo setor de desenvolvimento humano junto com a
coordenação de gestão, em parceria com a coordenação do programa. O ex-
educando não é mais contratado diretamente, pois ele pode ser absorvido por
qualquer outro programa desde que tenha qualificação (Coordenador do
Programa Crescer com Arte e Cidadania);
já é o terceiro monitor da escolinha de surf que a gente contrata como
educador e essa realidade vem se intensificando, porque são pessoas que se
destacam em suas atividades, possuem envolvimento com a comunidade e
abertura com as crianças e os adolescentes. Isso facilita o processo de
compromisso, de atuação dentro da comunidade. Fica muito mais fácil pra
gente trazer uma pessoa que já foi atendida pela gente, que vivenciou a
história, do que de repente trazer uma pessoa com mais experiência, mas
cheia de vícios (Coordenador do Programa Ponte de Encontro).
Unanimemente, gestores e educadores descartaram a possibilidade das
contratações serem uma política institucional, conforme observei nos depoimentos: “a
contratação de quem já foi atendido não é uma política da instituição, até porque não
existe um quadro de vagas para egressos do programa” (Coordenador do Programa
Crescer com Arte e Cidadania); “não é uma política da instituição, pois a contratação
não é adotada por todos os programas, vai depender de cada gestor individualmente.
Inclusive tem gestores que tem medo de fazer isso” (Coordenador do Programa Ponte
de Encontro); “não consigo perceber essa prática como uma política da instituição, acho
que é um processo de valorização, sem ser instituído oficialmente” (Educadora J).
Gestores e educadores consideram importante a ampliação dessas
contratações e não desconsideram a possibilidade de haver uma regulamentação dessa
prática, como ressaltaram: “o Demitri (secretário da SDH) disse pra mim: vamos adotar
essa política de contratar as pessoas que já foram atendidas?” (Coordenador do
Programa Ponte de Encontro); “podemos trabalhar na perspectiva de adotar essa prática
como política, é uma ideia” (Coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania)
e “os vários exemplos que deram certo acabaram estimulando essa prática e talvez ela
possa ser transformada em política” (Educador C).
Quanto à escolha dos jovens educadores, existem diferenciações entre os
dois programas. Segundo o coordenador do Programa Crescer com Arte e Cidadania, “o
75
jovem é avaliado pela equipe que o acompanha e convidado a participar do processo
seletivo como outra pessoa qualquer”. Já no Programa Ponte de Encontro, o processo de
escolha é baseado no destaque de cada jovem como monitor de alguma atividade do
Programa e há priorização para quem reside nas áreas de vulnerabilidade social, como
salientou o coordenador: “acabamos de contratar três jovens que eram monitores e que
se destacaram muito; um da Barra do Ceará, um do Bom Jardim e outro do Oitão
Preto”. Bairros da cidade de Fortaleza que possuem índices elevados de situações de
vulnerabilidade social.
Acredito que a diferença no processo de escolha está relacionada ao objetivo
de atuação de cada programa, ou seja, no Crescer com Arte e Cidadania prioriza-se a
técnica da pessoa que será contratada tendo em vista a perspectiva de
profissionalização, ainda que não assumida propriamente. Tal afirmação pode ser
encontrada no depoimento do coordenador do Programa, ao salientar que:
quando o jovem é contratado automaticamente logo que sai da condição de
educando é porque teve méritos, ele mostrou que tinha capacidade; mas
quando ele estagna, não vai buscar uma formação técnica ou acadêmica da
linguagem que ele se propôs a trabalhar, ele acaba se perdendo no processo e
não se reconhece como educador.
Importante salientar que, para os gestores, independentemente da função, é
imprescindível que o jovem que será contratado tenha tido, além de alguma habilidade,
comprometimento na sua experiência de educando, entendido como assiduidade,
participação ativa, entre outros.
Os próprios educadores também reconhecem tais aspectos como
preponderantes para as suas contratações, conforme os depoimentos: “com esse tempo
que eu passei lá no projeto eu sempre fui um dos mais dedicados. Sempre que rolava
atividades fora, rolava um debate, eu estava participando. Também me destaquei no
desenho” (Educador B); “tive uma participação muito ativa no projeto, uma consciência
muito crítica e também o desenvolvimento artístico” (Educador C).
Quanto à habilidade e à aptidão artística serem condições necessárias à
contratação dos jovens educadores sociais, percebi contradições entre as falas dos
gestores e o que de fato é praticado. Salientaram os coordenadores: “a habilidade
esportiva ou artística não são condição para a contratação no Programa” (Coordenador
do Programa Crescer com Arte e Cidadania); “não priorizamos a contratação de quem
76
possui habilidades artísticas ou esportivas, mas alguns educadores possuem e vão
colaborar com o processo metodológico e de intervenção” (Coordenador do Programa
Ponte de Encontro).
No primeiro programa (Crescer com Arte), a contratação do arte-educador
necessariamente está relacionada a tais habilidades, e, em ambos os programas, embora
a contratação dos educadores sociais não esteja vinculada às habilidades, todos os
jovens deste estudo, contratados como educadores sociais, possuem alguma aptidão
artística ou esportiva. Tal realidade me remete à ideia de intensificação do trabalho, ou
seja, exploração da força do trabalho tido como polivalente, que abordo mais adiante.
Em relação às potencialidades e limites da prática educativa, desenvolvida
pelos jovens educadores sociais no âmbito institucional, os gestores destacaram como
potencialidades: (i) a socialização de suas experiências junto às crianças e os
adolescentes atendidos; (ii) a facilidade de inserção comunitária; (iii) o compromisso
com a transformação da situação de vulnerabilidade.
Esse último aspecto carrega contradições, uma vez que o fato de vivenciar
situações de vulnerabilidade social é considerado um limite à atuação desses jovens,
como salientou o coordenador do Programa Ponte de Encontro: “esses jovens muitas
vezes vêm de situações complicadas, muitas vezes estavam em situação de
vulnerabilidade e essa situação não se supera quando ele é contratado”.
No depoimento acima também é possível identificar a fragilidade da
proposta institucional em promover a transformação da situação de vulnerabilidade, já
que os poucos que conseguem certo destaque ainda sim não conseguem alterar suas
condições de vulnerabilidade. O próprio documento que versa acerca da proposta de
atuação reconhece tal fragilidade ao afirmar:
tendo consciência desse contexto e do enorme desafio a ser enfrentado, não
podemos ser prepotentes em apontar soluções imediatas, contudo não seria
possível nos omitirmos de nossas obrigações em fazer cumprir o Estatuto da
Criança e do Adolescente (FORTALEZA, 2010, p. 02).
Ainda como limites da prática educativa desenvolvida pelos jovens
educadores, os gestores destacaram: (i) a fragilidade na educação escolar, que
compromete a eficácia nas ações mais formais exigidas, como a elaboração de
77
relatórios; (ii) e a dificuldade na condução de grupos, por não se perceberem na
condição de educadores.
Para os gestores, a primeira limitação pode ser identificada pelo fato da
contratação se efetivar ainda que o profissional não tenha concluído o ensino médio, e
pela resistência deste em registrar e planejar antecipadamente as suas ações, assim como
em responder às solicitações das coordenações dos programas. Particularmente, pude
identificar essa fragilidade pelo vocabulário e conotação das ideias apreendidas nas
entrevistas, bem como pelo contato com o parco material produzido pelos jovens
educadores no período da pesquisa, como planos de aula, respostas de questionários
sobre interesse de formações, entre outros. Se percebida, ainda assim essa limitação não
foi verbalizada pelos educadores.
Quanto à segunda limitação, identificada pelo coordenador do Programa
Crescer com Arte e Cidadania, a justificativa mais parece um desejo de silenciar uma
postura crítica do que uma real limitação, conforme expresso no depoimento:
ao invés de contribuir para a organização da oficina, ele está junto na
discussão. Se os meninos se reúnem para fazer uma manifestação contrária,
pela falta de material digamos, ele não tenta mediar a situação, ele é tão
incisivo, ele entra no embate no ritmo dos meninos (Coordenador do
Programa Crescer com Arte e Cidadania).
Nesse depoimento, o coordenador critica o fato de o jovem educador não
saber mediar conflitos, uma vez que ele entra no embate junto com o adolescente para
reivindicar melhores condições de trabalho e qualidade das atividades. Ou seja, uma
postura crítica do educador social e não simplesmente uma limitação, haja vista também
a complexa tarefa de mediação de conflitos.
Abrindo um parêntese, esse depoimento me fez lembrar um episódio que
vivenciei quando trabalhava na Coordenadoria-Funci. Depois de inúmeras tentativas de
diálogo, de envio de comunicação interna e de relatos contendo situações de perigo,
para realizar a troca de um automóvel, uma Kombi (que os bancos estavam soltos, os
pneus carecas, a porta pendurada e faltava freio), disponibilizada para o transporte dos
adolescentes, suas famílias e profissionais, decidimos realizar uma passeata no Parque
das Crianças, com cartazes e pedaços da própria Kombi. Fomos então recebidos pela
presidenta da Funci, àquela época, que frisou nossa atitude equivocada ao considerar a
manifestação a última opção de solução de um conflito, sobretudo quando aderida por
78
gestores. Eu, particularmente, recebi a bronca, mas considerava legítima a reivindicação
mediante manifestação pacífica. O fato é que, após o episódio, a Kombi foi trocada no
dia seguinte, o que solicitávamos há mais de quatro meses.
Voltando à questão da limitação, os jovens educadores sociais relataram
sentir insegurança na condução dos grupos, principalmente no início de suas
contratações, por estar ocupando uma posição nova e por, há pouco tempo, ter estado do
outro lado, conforme se apresenta nos depoimentos: “no começo foi um pouco
complicado, porque eu não me adaptava, mas o tempo foi passando e eu fui me
aprofundando mais nas atividades, nas temáticas” (Educador B); “tive um pouco de
insegurança, porque tudo que é novo, querendo ou não, vai te causar uma insegurança,
surgem pensamentos que não somos capazes de fazer aquilo” (Educador F); “no início
eu tive muita dificuldade de me ver na condição de educador, pois eu chamava a minha
parceira de trabalho outro dia de “tia”, ela me atendia. Demorou para cair a ficha e eu
me acostumar com a ideia de companheira de trabalho” (Educador H); “agora eu estou
mais madura e compreendendo o meu espaço e o meu papel, mas demorei muito para
compreender que eu não era mais uma educanda” (Educadora J).
Levando em consideração os dois últimos depoimentos, os gestores não
percebem um tratamento diferenciado por parte dos demais educadores sociais para com
os jovens educadores, conforme relatado: “eu não percebo qualquer rejeição. Inclusive
eles são muito respeitados dentro da equipe, pela experiência de vida deles, mesmo
sendo jovens” (Coordenador do Programa Ponte de Encontro).
Para a educadora J essa rejeição ocorreu apenas no início, pelo fato de ser
jovem e tal característica não ser dotada de credibilidade, conforme ressaltou:
quando eu cheguei para facilitar a minha primeira oficina, os educadores do
projeto olhavam pra mim com cara de quem pensava assim: olha essa
doidinha, bem novinha, crente que sabe facilitar alguma coisa (Educadora J).
Indaguei dos gestores acerca da existência de algum tipo de processo de
transição dos jovens educadores que já foram atendidos no próprio projeto e/ou algum
acompanhamento diferenciado para os que são oriundos de outras instituições, com o
objetivo de superar as limitações relatadas e fortalecer as suas atuações. Os dois
coordenadores afirmaram não existir, mas, que para os jovens que são contratados sem
o ensino médio completo, a sua permanência na Instituição é condicionada à conclusão.
79
Também foi relatado que não existe diferenciação nos processos de
formação. Esses são caracterizados por encontros realizados no âmbito institucional
e/ou promovidos por instituições que compõem a rede de proteção às crianças e
adolescentes, onde são discutidas as temáticas pertinentes ao fazer profissional,
conforme salientou o coordenador do Programa Ponte de Encontro:
temos um processo de formação permanente. Toda segunda-feira nos
reunimos com todos os profissionais da unidade e discutimos temas ligados à
realidade do trabalho, como o sistema de garantia de direitos, a rede que a
gente pode encaminhar, passando por ética, por várias temáticas que dizem
respeito ao cotidiano do educador.
Essa realidade foi identificada como um fenômeno comum das instituições
que trabalham com a categoria do educador social, conforme afirmou Caliman (2011, p.
238): “a formação dos educadores sociais se dá em geral através de reuniões periódicas
de revisão e avaliação da prática sociopedagógica cotidiana”.
Nesse sentido, existe valorização da ação prática nos momentos de
formação institucional, identificada no discurso: “toda ação educativa deve privilegiar a
prática como norteadora da reflexão” (FORTALEZA, 2010, p. 03) e no relato:
a formação do educador social seria a rua mesmo; formação por formação na
escola você já tem; acho que a Educação Social é um trabalho mais sensível,
é mais o olhar mesmo, a magia daquele momento e sentir o próximo
(Educador G).
Ainda quanto à valorização do saber prático, reconheci no depoimento da
maioria dos jovens educadores a priorização do conhecimento prático e sua
identificação como fator preponderante na conquista de suas posições atuais, como
salientou o educador F: “a escola formal não influenciou em nada para a atividade que
hoje exerço. O que influenciou foram as minhas vivências práticas. Hoje estou como
arte-educador, graças às vivências práticas”.
Contraditoriamente, ainda sobre os fatores que contribuíram para se tornar
um educador social, o educador F inicialmente não dá importância ao saber teórico, mas
em seguida reconhece a pesquisa e o aprofundamento sobre a linguagem artística que
desenvolve como importantes para alcançar a sua posição atual, conforme se apresenta
no relato: “primeiramente a minha vivência com a construção civil, que me despertou a
80
sensibilidade para as artes visuais e as minhas vivências no projeto, depois eu me
apropriei e despertei o interesse em pesquisar e me aprofundar sobre essa linguagem”
(Educador F).
A pesquisa e o aprofundamento teórico, que denomino nesse trabalho de
teorização da prática, são incipientes na Coordenadoria-Funci. Apesar do Programa
Crescer com Arte e Cidadania desenvolver um momento de nivelamento junto aos
profissionais, voltado às linguagens artísticas desenvolvidas e às discussões temáticas,
pouca coisa é registrada e quase nada produzida e transformada em textos e material de
consulta, assim como o aperfeiçoamento real das técnicas, o aprofundamento teórico, a
formação técnica ou acadêmica é de inteira responsabilidade do educador social, ainda
que não disponha de um salário que possa lhe propiciar tais garantias.
No Programa Ponte de Encontro, diferentemente, as limitações e
fragilidades nas atuações profissionais são toleradas e até aceitas, levando-se em
consideração que a Instituição ainda tem um caminho de acertos pela frente, já que é
uma escola de Educação Social onde os profissionais aprendem na prática, conforme
salientou o coordenador do programa: “a Funci acaba sendo uma escola de Educação
Social em Fortaleza, porque você não tem isso formalmente instituído. Inclusive tem
um movimento de trazer uma escola de Educação Social para Fortaleza, através da
equipe interinstitucional”.
Em relação à regulamentação da profissão, apenas um educador social
afirmou categoricamente não conhecer o debate. Os demais relataram ser importante o
reconhecimento da categoria, embora não tenham demonstrado propriedade perante a
discussão, como salientou o educador G: “escuto falar sobre a regulamentação,
considero importante, mas confesso que não conheço o debate profundamente”.
Os jovens educadores sociais que afirmaram conhecer tal debate sabem que
ele está ocorrendo, mas desconhecem as suas argumentações, o que está em pauta, e
consideram como fator decisivo para o não aprofundamento da discussão, o não
engajamento no sindicato dos educadores, conforme identifiquei no depoimento:
o que eu sei sobre a regulamentação é por cima, justamente por essa ausência
de estar no sindicato. Sem hipocrisia ou ignorância, eu não vou para uma
reunião que vai ter três pessoas, onde existem quase oitenta educadores na
instituição (Educador F).
81
Importante salientar que nenhum dos educadores sociais desse estudo
participa ativamente do sindicato e da associação dos educadores do Estado. A maioria
só tem conhecimento sobre o sindicato quando vem deduzida a contribuição sindical no
contracheque.
A regulamentação da profissão, pela não apropriação das discussões, ainda
parece muito confusa para os jovens educadores sociais. Em seus depoimentos,
encontrei menção à necessidade de valorização salarial e melhoria na estrutura do
trabalho, como afirmou o educador E: “a regulamentação tocará na questão da
valorização do salário, pela estrutura do trabalho”; menção à valorização subjetiva da
atuação, como salientou o educador H: “essa regulamentação é precisa para valorizar
mais o educador social, não é querendo falar, mas a gente faz praticamente a mesma
coisa que esse pessoal que tem faculdade, só porque tem diploma são mais valorizados”.
Foi justamente a discussão sobre a necessidade ou não de uma formação
superior em Educação Social que gerou mais polêmica e posicionamentos divergentes.
Os educadores sociais que já possuem formação superior completa ou em andamento,
com exceção da educadora L, são categóricos em afirmar a necessidade de uma
formação específica e condicionada para a atuação profissional, conforme identifiquei
nos depoimentos:
acredito que o educador social deve passar por uma formação superior, para
que seja reconhecido e valorizado como profissional, como acontece com
outras profissões. Só a partir disso as pessoas vão ter outro olhar para a
Educação Social também. No dia a dia o educador social tem feito a
diferença na vida das pessoas, portanto a ideia da Educação Social como
profissão é primordial para um processo político de reconhecimento da
categoria, de reconhecimento das suas ações (Educador A);
o educador social precisa ter um processo de formação sim, porque você está
trabalhando diretamente com crianças, que estão em processo de
crescimento, de descoberta e você é referência. O educador social tem que ter
um processo de formação de graduação, mas também uma formação humana,
para quebrar essa visão preconceituosa que muitos têm. Por isso eu digo que
não é qualquer pessoa que você coloca ali para estar à frente de uma oficina.
O educador social é responsável por vidas e isso não é tão simples. Acho que
a formação é de suma importância (Educador E);
apesar de estar flutuando nessa discussão, acho que o sonho de todo educador
é ter sua profissão reconhecida como uma categoria que desenvolve uma
função importantíssima na instituição. E para isso acontecer, vejo que o curso
de nível superior em Educação Social tem que ser inserido no nosso contexto,
pois essa área está cada vez mais complexa e precisamos de um
conhecimento teórico específico, pois só a prática não está trazendo
eficiência para o trabalho (Educador I).
82
Esse último depoimento traz a importância da teorização da prática
profissional, pois como o próprio educador salienta: “só a prática não está trazendo
eficiência para o trabalho” (Educador I).
Os educadores de nível médio possuem mais dissensos quanto à questão,
mas consideram importante a existência de uma formação, seja superior, de extensão,
especialização, como alternativas opcionais, mas jamais como condição obrigatória para
inserção na atividade profissional, conforme os relatos:
eu acho que a profissão deve ser regulamentada, mas não sei se a
obrigatoriedade de ter o nível superior seria o grande diferencial, porque
quando se trabalha com seres humanos, quando se trabalha com gente tudo
pode acontecer. Você vai passar dois, três, quatro anos numa cadeira
estudando, tendo a parte teórica, mas quando você for para a ponta, cada caso
é um caso. Sei lá, a vida é quem mais te ensina. E na Funci tem grandes
exemplos desse tipo, pessoas autodidatas e que exercem um trabalho
fantástico, são ótimos profissionais sem ter a faculdade. Todo o contexto
deve ser levado em consideração, não só o diploma (Educador C);
acho importante essa formação acadêmica, mas não sei se ela seria necessária
para o engajamento de um profissional na instituição. Como já foi salientado,
existem pessoas autodidatas que fazem um trabalho igual ou até melhor do
que aquelas que vivenciaram um processo teórico. A exigência do diploma
excluirá pessoas capacitadas, mesmo que não tenham o nível superior. Espero
que a valorização da profissão não aconteça condicionada a uma formação
acadêmica, mas que essa formação seja opcional, ao tempo de cada um
(Educador F);
eu acho extremamente importante a regulamentação da profissão, para
valorizar a categoria, mas isso deve ser feito com todo cuidado, para não
perder o caráter popular da atuação. Acho que deve existir um curso de
especialização, mas também acho muito complicado exigir essa participação
como requisito de contratação, porque senão a gente cai na contradição de
exigir um diploma para executar a atividade. A qualificação é uma
necessidade nossa, de melhorar a nossa atuação, mas não deve ser encarada
como uma exigência mercadológica, para não perder o popular e o nosso
jeito de atuar. O diploma não deve ser crucial na contratação de um educador
social (Educadora J).
Como demonstraram os depoimentos, a questão necessita de mais debates,
argumentações e decisões, no mínimo, cuidadosas para não excluir do mercado de
trabalho inúmeros trabalhadores, preocupação principal dos educadores sociais que são
contrários à exigência de uma formação superior como condição necessária à inserção
na atividade profissional.
Nessa questão da regulamentação da profissão, percebi a destrutiva
separação entre os profissionais “qualificados”, que já alcançaram ou estão prestes a
83
alcançar um patamar mais elevado na concorrência desleal do mercado de trabalho, e os
que buscam se manter nesse posto, ainda que não estejam caminhando rumo às
exigências desse mercado. No entanto, todos eles – “qualificados ou desqualificados” –
vivenciam a “contraditória processualidade do trabalho, que emancipa e aliena,
humaniza e sujeita, libera e escraviza” (ANTUNES, 2009, p. 12).
O pensamento de Antunes (2009), ainda que utilizado para ilustrar as novas
formas de intensificação do processo de trabalho produtivo, serve-me para ilustrar a
realidade dos jovens educadores sociais da Coordenadoria-Funci, que prega o discurso
do “envolvimento participativo” dos trabalhadores, salientado por Antunes (2009, p.
54), como uma “participação manipuladora e que preserva, na essência, as condições do
trabalho alienado e estranhado”.
Tanto os gestores como os jovens educadores não relacionaram suas falas
diretamente com possíveis características relacionadas à intensificação das condições de
exploração da força de trabalho, mas pude identificar, nas entrelinhas dos depoimentos e
ao longo das minhas observações no âmbito institucional, tais características.
Essas características podem ser ilustradas: (i) na redução dos postos de
trabalho, já que um único profissional pode desenvolver as mais variadas funções e
substituir outro que está de férias, somando à nova atividade as suas funções, como
relatado pela educadora J: “se um dia falta um educador de determinada atividade,
temos que estar prontos e dispostos a assumi-la nesse dia”; (ii) na desregulamentação
dos direitos do trabalho, presente nas inúmeras trocas de empresa de terceirização, como
salientou o educador E: “vejo como negativo na Funci o troca-troca de prestadoras de
serviços”. Essa realidade muitas vezes obriga os trabalhadores a abrirem mão de seus
direitos trabalhistas, para garantirem suas permanências na Instituição, tendo como meio
de defesa um “sindicalismo de empresa80
”; (iii) na precarização do trabalho,
considerada passível de transformação graças à competência individual de cada
profissional, que deve ser criativo, propositivo e garantir, em virtude dos seus poderes
de mobilização e articulação com outras instituições, condições estruturais de trabalho
sem depender do que deveria ser obrigação da instituição em garantir-lhes, como
ressaltou o educador I: “trabalhar na Funci é tirar leite de pedra. Não temos estrutura
adequada e dependemos da boa vontade das mães e das associações do bairro que nos
80
Traduzido por Antunes (2009, p. 55) como a “destruição do sindicalismo de classe e sua conversão
num sindicalismo dócil, de parceria”.
84
cedem espaço”; (iv) na terceirização da força de trabalho e na absorção de profissionais
para fins políticos de governabilidade, salientadas no depoimento da educadora J:
“deveria existir concurso público ou ao menos a garantia de uma seleção pública por
edital, para evitar as indicações políticas, que muitas vezes não entram na Funci com
disposição de trabalho”. No meu entendimento, a excessiva terceirização é uma prática
ilegal, visto que a função de educador social configura-se em uma atividade fim da
instituição, e a indicação política para a ocupação de postos de trabalho é um absurdo e
total desrespeito aos princípios da Administração Pública.
Considero que os jovens educadores sociais estão inseridos em um contexto
instável e precário de trabalho, onde vigora a “boa” vontade e o compromisso de cada
um como fatores primordiais na efetivação dos objetivos institucionais. E a exigência de
um profissional polivalente e propositivo, desamparado das condições estruturais
mínimas de trabalho, coaduna para a evidente intensificação/exploração do trabalho
desses sujeitos, ainda que eles não percebam essa realidade, caracterizada por Antunes
(2009) como inibição do afloramento de uma subjetividade autêntica, ou seja, uma
subjetividade à disposição do capital.
Por considerar importante a necessidade de teorização da prática
profissional, inicio o capítulo seguinte com uma discussão acerca da Educação Social,
os seus conceitos e como os jovens educadores sociais percebem essa educação em
termos conceituais, primando pelo constante diálogo entre teoria e empiria, e que
sentidos eles constroem em torno da Educação Social, a partir de suas trajetórias de
vida, problematizando sobre a real possibilidade desta ressignificar a vida dos sujeitos.
85
CAPÍTULO 4 – A EDUCAÇÃO SOCIAL PARA OS JOVENS EDUCADORES
SOCIAIS DA COORDENADORIA-FUNCI: UM CONCEITO EM
CONSTRUÇÃO E POSSIBILIDADES DE RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA
A única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas
poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para
que a educação seja uma educação para a contestação e para a resistência.
Theodor Adorno
Inicio este capítulo ressaltando a complexa tarefa de delimitar uma
conceituação acerca da Educação Social. Por tal razão, convido o leitor a construir e
reconstruir esta conceituação, em conjunto, tendo como caminho o diálogo entre o que
me foi revelado pelo campo de pesquisa e a teorização sobre a questão, considerando a
concepção de Rey (2010, p. 30) de que
o empírico representa o momento em que a teoria se confronta com a
realidade, sendo representado pela informação que resulta dessa
confrontação, e que se desenvolve por diferentes vias. Assim, o empírico é
inseparável do teórico, é um momento de seu desenvolvimento e
organização.
Segundo Silva (2011), o surgimento das práticas de Educação Social deve-
se a um movimento histórico particular que produziu teorias e tradições81
que
alimentam divergências conceituais. O fenômeno ora é denominado como Educação
Social, ora Pedagogia Social, embora os discursos apontem a necessidade de se alcançar
uma educação completa capaz de possibilitar ao sujeito a transformação de sua
realidade, independentemente das denominações.
Em concordância com o referido autor, considero a Educação Social como
uma atividade prática de atendimento e a Pedagogia Social como a teoria que subsidia
essa atividade. Porém, assim como os sujeitos envolvidos na pesquisa, considero que o
subsídio para tal atividade prática não advém exclusivamente da Pedagogia Social, mas
81
Para um aprofundamento acerca das teorias e tradições construídas historicamente em torno da
Educação Social/Pedagogia Social ver em: ROMANS; PETRUS; TRILLA. Profissão: educador social.
Porto Alegre: Artmed Editora, 2003; NETO; SILVA; MOURA. Pedagogia Social. São Paulo: Expressão
e Arte Editora, 2009; GARRIDO [et al.]. Desafios e perspectivas da Educação Social: um mosaico em
construção. São Paulo: Expressão e Ate Editora, 2010; SILVA [et al.]. Pedagogia social: contribuições
para uma teoria geral da Educação Social. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2011 e SILVA. Vou para
a rua e bebo a tempestade: representações de educadores de rua de Fortaleza. UFC, 2011 (dissertação de
mestrado).
86
de outras ciências, como a Sociologia, a Antropologia, a Psicologia, entre outras,
conforme expresso no depoimento: “não temos um conhecimento específico na nossa
área, mas pegamos emprestado de várias áreas como a Psicologia, Serviço Social,
Sociologia” (Educador I).
Quanto à questão, Machado (2011, p. 264), ancorada pelo pensamento de
Saez (1988), ressalta que “na Pedagogia Social o suporte teórico, apesar de existente,
ainda não se encontra claramente explicitado”, havendo necessidade de se ampliar e
aprofundar as discussões, relacionando teoria e prática. Afirma também que “novas
alternativas do pensar sobre a realidade social e educacional sugerem campos para
investigação” (MACHADO, 2011, p. 264).
Machado (2011) esclarece ainda que, para a área socioeducativa, “apenas a
referência das práticas, que vigorou e ainda vigora em muitos espaços, se torna
insuficiente numa sociedade que se complexifica nas tramas de novos conhecimentos,
novas tecnologias e novas demandas” (MACHADO, 2011, p. 264). Portanto, é
premente “a necessidade de um referencial teórico consolidado específico para a área,
para dar suporte às discussões e propostas e, principalmente, impulsionar e fundamentar
pesquisas e produção de conhecimentos” (MACHADO, 2011, p. 264).
Para a autora,
com o apoio de áreas básicas à formação de pedagogos, como Filosofia,
Sociologia, Psicologia, [...], ou com a contribuição de conhecimentos das
áreas afins e participação dos próprios profissionais que atuam nas ações
socioeducacionais, é que se está construindo a teoria e a prática no fazer
cotidiano (MACHADO, 2011, p. 265).
Machado (2011, p. 265) salienta que, “apesar da evidência da precariedade
expressa por falta de referencial teórico e de formação específica, as ações nesse campo
têm se intensificado”. Nesse sentido, acrescenta que “a construção da área ocorre de
maneira aleatória, [...], que expressam mais as suas trajetórias de vida do que
conhecimentos da área ou formação acadêmica” (MACHADO, 2011, p. 265).
Para Graciani (2011), o processo de construção do conhecimento que
envolve a Educação Social também ocorre tendo como ponto de partida sempre a
prática. Segundo a autora, a prática
87
nos dá os dados sensoriais, via percepção da realidade objetiva, e a abstração
nos permite realizar um ordenamento lógico dessas percepções,
relacionando-as entre si, até formularmos conceitos. Com o descobrimento
das contradições internas da realidade social, podemos elaborar deduções e
juízos próprios, passando do conhecimento empírico a um conhecimento
racional teórico (GRACIANI, 2011, p. 293).
Assim, atentando-me ao pensamento de Machado (2011) e Graciani (2011),
em relação à construção teórica e prática no fazer cotidiano, passo a apresentar como
educadores sociais dialogam entre teoria e empiria, abordando como eles conceituam a
Educação Social, e que concepções e tendências teóricas se baseiam, salientando o
desafio de teorização de suas práticas profissionais.
Em seguida, levando em consideração que a subjetividade “está constituída
tanto no sujeito individual, como nos diferentes espaços sociais em que este vive”
(REY, 2010, p. 24), passo a analisar os sentidos construídos pelos jovens educadores
sociais, inseridos na Coordenadoria-Funci, em torno da Educação Social, a partir de
suas trajetórias de vida, problematizando sobre a real possibilidade desta ressignificar a
vida dos sujeitos.
4.1. Diálogos e especificidades de educadores sociais: o desafio de teorização da
prática profissional
Não foi tarefa fácil para os educadores sociais entrevistados falar
prontamente sobre o que é a Educação Social, em termos conceituais. Essa realidade era
esperada, levando em consideração a complexa tarefa enfatizada pela teoria como um
conceito em construção.
Para eles, é quase natural a comparação entre os processos desencadeados
pelos conteúdos que se encontram nos livros e orientam o processo de aprendizagem da
educação escolar e entre as possibilidades de complexificação da visão de mundo, do
gosto de fazer em grupo, possibilitados por meio das práticas pedagógicas
desenvolvidas na Educação Social.
A pergunta era: o que é Educação Social? Imediatamente iniciavam com
uma comparação entre Educação Social e educação escolar e entre as formas de atuação
do educador social e do professor, como ilustram as falas:
88
na Educação Social a gente aprende a conviver com tudo, aprende a respeitar
e o que a gente vivencia em oficina, em dinâmica é muito bom, é muito
construtivo, ao contrário da escola e ao contrário do ensino formal. Na escola
a gente vê muito que o professor chega na sala, passa a matéria, não olha pra
você, não olha nos seus olhos, depois você tem que responder tudo o que ele
escreveu e ele vai embora, e aí chega outro e assim quatro, cinco professores
em uma tarde ou em uma manhã e acontece dessa forma (Educador C);
a Educação Social é aquela coisa mais informal, mais distraída, mais
espontânea. Quando se fala em professor parece que os meninos já ficam
meio assim [...] E a gente (educador) não; é aquela coisa mais solta, deixa
mais à vontade, não é aquela coisa tão rígida (Educadora D);
a Educação Social e o educador trabalham a questão da formação, da
construção do ser humano. Trabalha em cima de valores. Para o professor, na
prática, é muito mais complicado trabalhar esses valores, porque é
pressionado a apresentar um resultado, precisa ensinar a matemática, o
português e isso é muito cansativo para o professor, ele se preocupa em
passar o conteúdo (Educador E).
Aqui utilizei as falas que melhor expressaram a minha afirmação, mas
acrescento que foi unânime, entre os entrevistados, a percepção de que o professor
limita-se à transmissão do conteúdo de forma robotizada, e o educador social possui um
olhar diferenciado, preocupado com a formação cidadã em sua integralidade.
Na percepção dos educadores, observada nos trechos das falas, há rigidez
nas práticas pedagógicas desenvolvidas na educação escolar contrapondo-se às práticas
pedagógicas da Educação Social. Para eles, a Educação Social prima pela utilização de
técnicas e métodos que envolvam a ludicicidade, a arte, o espontaneísmo, sem distanciar
o processo educativo do social, ou seja, sem apartá-lo da dinâmica de vida de cada
educando.
É possível perceber apenas na fala do educador E menção a uma relação
professor/educador como algo estrutural, ou seja, não simplesmente como um perfil de
atuação, mas uma exigência do contexto que envolve o professor: “para o professor, na
prática, é muito mais complicado trabalhar esses valores, porque é pressionado a
apresentar um resultado”.
Quanto à questão, não podemos esquecer as estruturais sociais que
envolvem a relação conflituosa entre as formas de educação. No caso da Educação
Social, há uma atenção especial para que ela não se transforme em “uma espécie de
colchão, de suavizador das contradições existentes no seio da sociedade, camuflando e
ocultando as desigualdades e as injustiças sociais, tentando simplesmente adaptar o
indivíduo às coordenadas sociais existentes” (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p.
89
131 apud AYERBE, 1995), como diria Foucault (2003), instituindo o poder disciplinar,
que opera por meio de estratégias, táticas e técnicas sutis de adestramento: uma
conformação física, política e moral dos corpos.
O educador social parece se constituir na perspectiva de ser um agente
social crítico, informal, inserido em movimentos sociais em busca de transformação da
realidade, portanto, incapaz de se submeter aos caprichos de uma “ordem alienante”
(MARTINELLI, 2010), seja no campo da educação, seja no da assistência social, que
pode transformá-lo em apenas mais um profissional programado pelo Estado.
Diante destas considerações, é importante que as pesquisas não assumam a
fala dos entrevistados como verdade, sem analisar o contexto e as condições estruturais
que envolvem as formas de educação, tampouco restringir a questão como sendo
experiências formais e não-formais, como salientam Romans, Petrus e Trilla:
admitindo que os âmbitos de atuação da pedagogia social são
preferencialmente não-formais, é necessário acrescentar a seguir que o uso de
ambas as expressões logo adverte que, nem o que chamamos pedagogia
social se esgota no que chamamos educação não-formal, nem vice-versa.
Quer dizer, existem subsetores da educação não-formal que não costumam
ser objeto da pedagogia social e há intervenções próprias desta que não se
realizam em contextos, nem sob procedimentos não-formais (ROMANS;
PETRUS; TRILLA, 2003, p. 22).
Os autores destacam que a Educação Social forma-se por meio de processos
educativos que se dirigem, prioritariamente, ao desenvolvimento da sociabilidade dos
sujeitos, tendo como destinatários privilegiados indivíduos ou grupos em situação de
conflito social, por meios educativos não-formais. A educadora J também enfatiza a
temática da sociabilidade: “a palavra social me remete à sociabilidade e a Educação
Social representa sociabilizar as nossas vivências para superarmos as nossas
dificuldades”.
Mesmo sem uma sistematização ordenada do pensamento, os educadores
sociais criam o que consideram ser a Educação Social: “ajuda as crianças, os
adolescentes e a comunidade; busca o direito dessas pessoas” (Educador H) e “é uma
ferramenta fundamental no processo de desenvolvimento de uma criança, adolescente,
por meio das atividades esportivas, os jogos cooperativos, contribuindo para o
crescimento do cidadão” (Educador I). Suas considerações são semelhantes à
90
conceituação de Educação Social utilizada por Gohn (2010), embasada pelo pensamento
de Pérez, que considera a Educação Social como:
um conjunto fundamentado e sistematizado de práticas educativas não
convencionais realizadas preferencialmente – ainda que não exclusivamente
– no âmbito da educação não formal, orientadas para o desenvolvimento
adequado e competente dos indivíduos, assim como para dar respostas a seus
problemas e necessidades sociais (GOHN, 2010, p. 26 apud PÉREZ, 1999).
A teoria também publica que, na Educação Social, a educação é global, é
social e acontece ao longo de toda a vida, não se reduzindo à “educação escolar”, que
adota certa atitude de reserva frente aos conflitos e problemas sociais dos alunos.
Segundo Romans, Petrus e Trilla (2003, p. 61), “na escola, por exemplo, ocorrem
situações violentas, existem conflitos de convivência e emocionais que a mera instrução
é incapaz de solucionar”, e o professor nem sempre está preparado para intervir frente a
tais contextos. Porém, salienta Caliman (2011, p. 239) que “a escola é indispensável,
mas não única nem suficiente, isto é, não se pode jogar sobre seus ombros toda a
responsabilidade pela luta a favor da inclusão social”.
Os educadores sociais desse estudo, todos oriundos de escolas públicas e
com relatos de desmotivação frente à passagem pelo ensino médio, concordam que a
escola sozinha não é suficiente para promover a transformação do ser humano, assim
como acreditam ser imprescindível a revisão das práticas pedagógicas e curriculares
desenvolvidas na educação pública escolar, como ilustram as falas:
nunca fui mau aluno, mas só aprendi quando me interessava pelo assunto, os
demais conteúdos eu passava na marra. O que me fez conquistar autonomia
foi o meu desenvolvimento enquanto ser humano, a minha evolução
enquanto artista e a escola é deficiente nesses aspectos. Os projetos sociais
suprem essa deficiência escolar e possibilitam que você seja um agente
transformador (Educador C);
o grande fracasso da escola é não proporcionar ao aluno o que ele tem
interesse em estudar, conteúdos que tenham aplicação prática para a sua vida.
Considero uma ignorância pedagógica, por parte da escola e do Estado,
repassar conteúdos sem relação com os ofícios e interesse dos alunos
(Educador F).
Nesse sentido, penso que experiências de Educação Social são bem vindas
na escola formal e vice-versa. A escola da rede pública de ensino é espaço público,
portanto, lugar privilegiado para a fala, para a escuta, para o diálogo não só em relação a
91
assuntos acadêmicos e pedagógicos, como também no que se refere às vivências, às
emoções, aos conflitos sociais, tramas e temas do cotidiano como: relacionamentos
interpessoais e entre diferentes grupos e tribos juvenis; violências; drogas; sexualidade,
enfim, aquilo que os alunos vivenciam e observam no cotidiano e nas mídias, em
especial a televisão e as redes sociais.
Na percepção dos educadores entrevistados, é exatamente nesta forma de
intervenção que, geralmente, o professor da escola se diferencia do educador social. No
entanto, considero que a questão é bem mais complexa, extrapolando a dualidade
percebida pelos educadores, uma vez que existem diferentes conflitos e jogo de
interesses em ambas as formas de educação.
Trata-se de uma construção sócio-histórica, que tem situado a educação
escolar como aquela que cuida dos conteúdos e a Educação Social como a que se
preocupa com os problemas sociais, cabendo ao professor a transmissão do conteúdo e
ao educador a aproximação, os encaminhamentos para a transformação dos problemas,
como expresso na fala: “o professor vai para a escola só para dar aula, só faz aquilo e
pronto. O educador social se aproxima, conversa, troca ideia e faz os encaminhamentos”
(Educador B).
Considero que a versão dos educadores sociais entrevistados perpassa por
essa construção sócio-histórica, sendo, portanto, fundamental ser compreendida e
pensada, porém, também é importante compreender a perspectiva de que a educação
escolar não é antagonismo da Educação Social. É tarefa da Pedagogia Social, na
concepção de Caliman (2011, p. 242) “fazer com que os processos educativos latentes
na sociedade educadora sejam “intencionalmente” orientados, onde quer que
aconteçam: na escola, na família, no abrigo, nos meios de comunicação”.
Romans, Petrus e Trilla alertam que educação formal, não-formal e informal
tem sido uma terminologia que serviu para separar, conceitualmente, espaços
educativos, mas resulta de todo incorreto recorrer a essa classificação, principalmente
por ser imprecisa e criar confusão. “Educação Social e educação escolar não são duas
realidades opostas ou separadas. Pelo contrário, a realidade é uma, embora nós, desde a
academia, pretendamos divorciá-la” (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 63).
Os autores concluem, citando Delors (1996), que os “sistemas educativos
devem formar pessoas capazes de evoluir, de se adaptar a um mundo em rápida
transformação e de dominar a mudança” (ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 63
92
apud DELORS, 1996). E para consegui-lo, para alcançar a esperada formação dos
cidadãos é preciso recorrer à coordenação de todos os agentes formativos. Trata-se de
fazer uma educação cooperativa, dialógica e social com o fim de alcançar essa educação
completa, independentemente das nomenclaturas.
A diversidade de nomenclaturas que envolve o fenômeno Educação
Social/Pedagogia Social, na percepção de Machado (2011, p. 266), ilustra “a
flexibilidade presente na área como as relações explícitas com diversos campos de
conhecimento, que nela se estabelecem”, sinalizando a importância da
complementaridade dos conhecimentos e da superação de possíveis espaços de disputa
entre as ciências e atuações profissionais.
No campo de observação, identifiquei que existem indefinições em relação
ao uso das nomenclaturas, tanto por parte dos educadores sociais e gestores quanto dos
Projetos Político-Pedagógicos dos programas, que não demonstram claramente quais
referenciais teóricos se afiliam. Os referenciais são indicados nas entrelinhas, na forma
de expressão, mas sem apontamento objetivo.
Observei que em nenhum momento da pesquisa surgiu o termo Pedagogia
Social. Os educadores e gestores dos programas se utilizaram de termos como Educação
Social, escolar, formal, não-formal, popular, cidadã, educador social, arte-educação,
arte-educador, arte-educador social. Um exemplo é o depoimento da educadora J: “eu
sou arte-educadora social, porque para além da arte e da educação tenho a intenção de
transformar o social. A arte e a educação são os meios para essa transformação social”.
Os educadores também utilizaram recorrentemente os termos “assistência” e
“ajuda”. Esse último, quando utilizado, foi sempre justificado, como se houvesse certo
constrangimento, como se não fosse a denominação correta para expressar o
pensamento, conforme é demonstrado no seguinte depoimento: “a Educação Social é
isso: tentar ajudar, não sei se ajudar, acho que é ajuda também, é tentar amenizar os
problemas das pessoas e se doar, se dedicar ao que você faz” (Educadora L).
Outros relatos também surgiram absolutamente contrários à perspectiva da
Educação Social como ajuda, salientado pela educadora J: “temos que superar essa
história de que a Educação Social é ajuda aos “bichinhos”. A Educação Social é
solidária, popular e age com o coletivo para transformar a realidade”.
A maioria dos educadores entrevistados identifica a sua atuação profissional
como uma prática vinculada ao trabalho social prioritariamente, sendo a educação uma
93
consequência. Ao mesmo tempo, busca desmistificar a concepção histórica que envolve
o trabalho social e a assistência social, como salientou a educadora J:
eu, particularmente, tinha preconceito com o termo trabalho social; tinha
ranço em relação à assistência social, sobretudo por não admitir a ideia de
que um profissional pode salvar a periferia. Ainda mais da forma como tudo
começou: mulheres burguesas que saiam de suas casas para trabalhar e
garantir sua vaga no céu. Infelizmente começou assim, o que gera muito
preconceito. Assim como a mídia fala mal da periferia, ela propaga essa
imagem tosca da assistência social, como uma forma de desqualificar a área.
Hoje eu sei que o trabalho social e assistência social garantem direitos e não
tenho problema de assumir que realizo trabalho social e acho essa área
massa. Por isso adoto o termo arte-educadora social.
O trabalho social apesar das desconstruções históricas, ainda carrega a
imagem da caridade, do assistencialismo, praticado por mulheres, com a missão
vocacional de ajudar. Quanto ao trabalho do educador social, na percepção dos
educadores sociais entrevistados, ainda há desconhecimento, por parte da sociedade, em
relação a sua atuação. Na maioria das vezes, é confundida com a atuação do assistente
social, do professor ou qualquer outro profissional inserido no ambiente institucional,
como salientou a educadora K: “as pessoas me perguntam o que é educador social, o
que eu faço, se dou aula, se sou assistente social, pedagoga ou professora”.
É importante registrar que o trabalho do educador social, no âmbito das
políticas públicas e em qualquer outro meio institucional, requer a definição de certas
funções que nem sempre são vistas com clareza. Salientaram Romans, Petrus e Trilla
(2003, p. 119) que a imprecisão das funções “deriva das multiformes tarefas que o
educador social desenvolve e que costumam repercutir em seu nível de satisfação e
possivelmente no serviço que se presta no próprio estabelecimento”. Complementam os
autores que no nível de satisfação, porque os educadores “se dão conta de que não
realizam o trabalho para o qual foram preparados ou contratados, e a instituição, porque
acredita que para tarefas “variadas”, não precisa de profissionais tão qualificados”
(ROMANS; PETRUS; TRILLA, 2003, p. 119).
A educadora J ilustra o pensamento acima, embora ela perceba como algo
positivo e que deve fazer parte do perfil profissional. Seu relato revela claramente a
imprecisão das funções, ou seja, as multiformes tarefas que o educador social deve
assumir no âmbito institucional, como salientou:
94
o educador social deve ser jogado, desenrolado, “bombril82
”. Se um dia falta
um educador de determinada atividade, temos que estar prontos e dispostos a
assumi-la nesse dia. Tanto é que a maioria dos educadores saca de dança,
teatro, música. É claro que você não é tão qualificado como um musicista ou
o educador que foi contratado para desenvolver a atividade específica, mas
você destrincha, desenrola. A gente assume a turma do outro porque ele
faltou ou está de férias numa boa. Eu até brinco: ei, se você não voltasse logo
eu ia assumir a capoeira. Porque, de fato, a gente tem que desenrolar. Esse é
o perfil maior do educador social, desenrolar. Ainda mais dentro da nossa
realidade institucional, que muitas vezes não tem recursos (Educadora J).
Na concepção de Araújo e Parente (2010), tal realidade acaba por
enfraquecer a Educação Social, não dando a devida visibilidade para que ela se
solidifique e se constitua como uma concepção educacional claramente estabelecida. E
me remete à importância de se instituir uma prática de formação permanente que
permita ao educador social manter-se atualizado, “proporcionando uma visão ampla e
profunda capaz de assegurar uma boa qualidade no desempenho de sua função”
(ARAÚJO; PARENTE, 2010, p. 34).
O desafio, portanto, é o alcance do perfil de um intelectual orgânico, como
salienta Martins (2010, p. 55), capaz de assumir a “tripla tarefa: filosófico-científica,
educativo-cultural e política”, superando as formações do educador social como
redentor ou mero técnico.
Quanto ao referido perfil, Martins (2010) acredita ser possível quando a
tendência materialista histórica e dialética83
influenciar o processo de formação do
educador social, “para que este possa efetivamente assumir-se como um intelectual
orgânico às classes subalternas e, assim, colaborar no processo de transformação radical
das relações sociais globais, e não apenas dos indivíduos e das comunidades nas quais
atua” (MARTINS, 2010, p. 41).
82
Termo utilizado em referência a publicidade da marca que propaga a ideia de muitas utilidades do
produto. 83
Para situar o leitor sobre a tendência materialista histórica e dialética, utilizo-me da síntese elaborada
por Martins (2010), que afirma que do ponto de vista ontológico, a tendência materialista histórico-
dialética entende o mundo como uma totalidade dialética, isto é “o concreto é concreto porque é a síntese
de múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso” (MARX, 1991, p. 16). Sua visão antropológica é
efetivamente histórica e orienta que o processo de produção do conhecimento deve se articular com o
compromisso político. Para a tendência materialista não há axiologia desvinculada da ontologia, da
antropologia e da epistemologia, de maneira que a ação do homem em movimento constante de
transformação deve ser a de lutar para que tais alterações possam desenvolver-se segundo uma finalidade
que lhe seja adequada. Quem tiver interesse em aprofundar a discussão acerca da referida tendência pode
encontrar em: MARTINS, M. F. Marx, Gramsci e o conhecimento: ruptura ou continuidade? Campinas:
Autores Associados, 2008.
95
4.2. O campo de atuação: afirmação da tendência crítico-social
Como já informei anteriormente, os educadores sociais e os gestores dos
programas não revelaram objetivamente em quais referenciais teóricos se aportam para
subsidiar as suas práticas profissionais. Porém, quando indicam que o objetivo de suas
ações tem como foco a transformação da realidade social e a conscientização das
pessoas sobre seu papel no mundo, identifico, ainda que inconscientemente, uma
filiação à tendência crítico-social, que se expressa nas seguintes afirmações: “cabe ao
educador social mostrar que os jovens são sujeitos transformadores, que precisam
modificar a realidade, que precisam estar à frente dessa transformação” (Educador E);
“não trabalhamos só o esporte, só a socialização dos meninos; é um trabalho mais
profundo, que possa despertar o senso crítico para transformar a situação deles, da
comunidade” (Educador H).
Segundo Machado (2011), a Educação Social, na tendência crítico-social, é
um processo de interação social, que reflete uma dinâmica de liberação e
emancipação social e pessoal. O educador social intervém no processo, por
ser um agente de mudança social. A sua intervenção é uma prática
interpretativa crítica da realidade, com tomada de decisão na ação
transformadora que se pretende atingir (MACHADO, 2011, p. 268).
A autora salienta que Saez (1994) defende o modelo crítico-social84
,
considerando que o educador social “não é um profissional externo, capaz de resolver
problemas a partir de padrões estruturados fora da situação concreta, mas sim um
profissional polivalente, um agente de mudança social” (MACHADO 2011, p. 270,
apud SAEZ 1994).
Alguns educadores sociais entrevistados se percebem como agentes de
mudança, mas reconhecem as suas limitações, sobretudo em relação à necessidade de
fundamentação de suas práticas, como ressaltou o educador E: “o educador social vai ter
que estudar, porque toda teoria será importante para a sua prática”.
84
É importante salientar que Machado (2011), em seu artigo “Pedagogia social: percursos, concepções e
tendências”, discorre sobre as bases científicas que fundamentam a Pedagogia social na literatura
internacional, assim como na brasileira, e afirma que estão presentes três tendências dominantes: a
empírico-analítica, a hermenêutico-simbólica e a sociocrítica. Aqui registrei apenas a tendência
sociocrítica por estar relacionada aos sujeitos da pesquisa. Porém, o leitor que tiver interesse em conhecer
as outras tendências, encontrará o referido artigo em: SILVA [et al.]. Pedagogia social: contribuições para
uma teoria geral da Educação Social. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2011.
96
Nesse aspecto, Machado (2011, p. 272) esclarece que,
por ser uma área que se dirige a práticas e que delas se deriva, a ação na
Educação Social/Pedagogia Social, independentemente dos subsídios de
diversas áreas que a compõem, precisa estar comprometida com as
finalidades básicas da área. Ou seja, com uma visão da totalidade, com vistas
à transformação da sociedade, pela inclusão de todos os segmentos sociais
num processo de melhoria da qualidade de vida.
Graciani (2011) salienta a importância da teorização da prática profissional
para alcançar o avanço histórico do movimento no qual se insere a Pedagogia Social.
Para a autora, “a criação e recriação dos fundamentos metodológicos favorecem a
formação sólida e consciente da postura do educador social, principalmente
transformando-o em um agente multiplicador” (GRACIANI, 2011, p. 294).
Segundo a autora, o educador social tem como desafio efetivar uma
metodologia da práxis, entendendo a práxis como um “processo de integrar-se sempre
mais fundo e plenamente no real e ir encontrando as formas singulares e plurais de
influir na sua estrutura e no sentido do seu movimento” (GRACIANI, 2011, p. 298).
É, portanto, partindo dos desafios lançados à Educação Social/Pedagogia
Social e à atuação do educador social, reconhecidos tanto pela teoria quanto pela
empiria, que passo a analisar, no item seguinte, os sentidos construídos pelos jovens
educadores sociais acerca da Educação Social em suas trajetórias de vida.
4.3. A trajetória de vida dos jovens educadores sociais e os sentidos construídos em
torno da Educação Social: ressignificação ou perpetuação do existente?
Compreendendo o sentido como uma construção social no plano da
interação, na qual as pessoas se situam para compreender e se posicionar no mundo
(SPINK; MEDRADO, 2000), e levando em consideração as dinâmicas históricas e as
produções culturais, indago que sentidos os jovens educadores sociais, inseridos na
Coordenadoria-Funci, que já estiveram na condição de educandos, seja na própria
instituição ou em instituições não-governamentais, construíram sobre a Educação Social
a partir de suas trajetórias de vida.
Considero, em concordância com Rey (2010, p. 21), que “o sentido
caracteriza o processo da atividade humana em seus diversos campos de ação”, bem
97
como que ele se difere do significado, como conceitua Vigotsky (REY, 2010, p. 19
apud VIGOTSKY, 1987):
o sentido é uma formação dinâmica, fluida e complexa que tem inúmeras
zonas que variam em sua instabilidade. O significado é apenas uma dessas
zonas de sentido que a palavra adquire no contexto da fala. É a mais estável,
unificada e precisa dessas zonas.
Desse modo, para captar os sentidos dos jovens educadores sociais, utilizei-
me do recurso da entrevista, que me permitiu produzir informação sobre um grupo, bem
como sobre os sujeitos singulares que o constituem, sendo informações complementares
em relação ao que me interessa conhecer.
Após a transcrição das 12 (doze) entrevistas, efetuei a leitura dos conteúdos,
buscando captar os sentidos para, só a partir daí, realizar uma classificação dos dados
produzidos, ou seja, não busquei encaixar os dados em uma classificação existente a
priori, embora eu tivesse tematizações pré-existentes, advindas dos meus referenciais
teóricos, da definição dos meus objetivos. Minhas escolhas não serviram para enquadrar
os dados produzidos, já que considero que “há um confronto possível entre sentidos
construídos no processo de pesquisa e de interpretação e aqueles decorrentes da
familiarização prévia como nosso campo de estudo (nossa revisão bibliográfica) e
nossas teorias de base” (SPINK; LIMA, 2000, p. 106).
Em virtude da quantidade de sujeitos envolvidos, ficou inviabilizada a
apresentação da história de vida de cada um deles em sua íntegra, mas construí, a partir
de seus relatos, uma espécie de mapa que apresenta a síntese dos aspectos analisados.
98
TABELA 5 – PERCURSOS E SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL NA VIDA DOS JOVENS EDUCADORES DA
COORDENADORIA-FUNCI
Trechos das entrevistas (histórias de vida)
Educador
Porque procurou um
projeto social?
Como avalia a
experiência que
vivenciou enquanto
educando?
Como avalia os
educadores que passaram
em sua vida?
Como hoje você executa a
Educação Social e o que
faz de diferencial?
Qual o sentido da Educação
Social em sua vida?
A Um dos motivos que
me levou a procurar
essa escolinha de
futebol foi a
necessidade de
socialização com os
outros meninos.
Essa escolinha de futebol
foi uma forma de me
libertar, de sair de dentro
de casa e ter contato com
a comunidade no bairro
onde eu morava.
Construí amigos no
bairro.
O meu educador
(instrutor de esporte) me
orientava sempre como
conviver e como ter um
bom relacionamento com
os meus colegas de
atividades. Eu queria ser
jogador de futebol, mas ele
sempre colocava pra gente
que quando isso não der,
você vai ter que procurar
outra coisa para fazer, por
isso o estudo é fundamental.
No meu dia a dia essa
preocupação com o outro,
com a Educação Social
como um todo, é colocada
em atitudes, em ações que
eu passo nas minhas
atividades. Busco
possibilitar uma forma de
olhar para o mundo
diferenciado; considero
necessário um feedback
entre educador e educando;
acredito ser importante a
participação, a opinião de
cada um.
A Educação Social é
idealizadora de sonhos. Ela é
primordial para que haja mais
pessoas saídas das periferias e
se inserindo no mercado de
trabalho. Se não fosse a
Educação Social eu não estaria
hoje cursando uma universidade,
não teria o olhar que tenho frente
ao conhecimento como um todo.
Se não fosse a Educação Social
eu não teria chegado aonde eu
cheguei e não teria essa vontade
de querer mais.
B Por questão de não ter
nada o que fazer em
casa, de ficar ocioso.
Eu vi uma melhora em
mim, pois pude trocar
experiências e
aprimorar o meu
desenho.
Eu sempre fui muito
orientado pelos
educadores sociais.
Sempre fui humilde e
reconheci que sempre existe
uma pessoa acima de mim,
que se deve respeitar.
A minha forma de trabalhar:
sou bem doidão mesmo,
chamo eles, converso,
troco ideia, abraço, dou
um beijo, é assim mesmo o
meu jeito de trabalhar.
Foi assim que eu ganhei a
confiança de todos os
adolescentes e eles se
sentem bem.
Pra mim a Educação Social
trouxe bastante conhecimento,
durante esse tempo todinho. Hoje
eu sou bem grato,
principalmente a essa
oportunidade que eu tive. Hoje
eu não trabalho só na Funci,
trabalho como educador em
vários locais de Fortaleza.
99
C Por conta da
ociosidade eu fui
procurar o Crescer
com Arte, nessa
perspectiva de estar
fazendo alguma
atividade. Eu nunca
fui dentro do perfil de
violência, eu me
encaixo mais na
história de
vulnerabilidade
mesmo, por conta do
bairro onde moro
(Bom Jardim).
Antes do projeto eu era
muito tímido, muito
acanhado, não falava, não
gostava de aparecer.
Depois tornei-me ativo e
participativo e passei a
exercer a liderança.
“Venci a timidez”.
O educador social pode
facilitar na identificação de
uma habilidade do
adolescente. No meu caso,
quem me indicou para
fazer um teste em uma
companhia de teatro e, a
partir disso eu fui tendo
outras oportunidades,
conseguindo caminhar
com os meus próprios pés,
foi um educador. Ele me
deu uma força, agradeço
muito.
O primeiro aspecto mais
importante é o fato deles
saberem que eu, em algum
momento, estive na mesma
situação que eles. Que eu
era um educando de um
projeto social e que hoje eu
sou educador. Que estou
tendo autonomia em vários
aspectos, que estou no
mercado de trabalho e que
as nossas conquistas
conseguimos a cada
caminhada. Multiplico isso
no dia a dia e isso instiga os
adolescentes. Mostro para
eles que podem seguir outro
caminho, que podem ter as
mesmas oportunidades que
tive. O diferencial é a
minha busca, o meu
acreditar para tentar
transformar o máximo,
não deixar que isso seja
apenas uma utopia, ou
seja, transformar em
realidade.
O sentido da Educação Social
pra mim é uma escada.
Significa cada degrau que eu fui
subindo, desde criança,
adolescente, até agora essa escada
está em construção. Cada passo
que eu dei eu agradeço a
Educação Social e acho que
pouquíssima gente tem a
oportunidade de ter Educação
Social na sua vida. Tem muita
formal, tem muita escola, mas ela
é muito importante para a
formação do ser humano.
D Além de gostar de
estar no meio das
movimentações, de
dançar, de
participar, era o
espaço que tinha
aberto na minha
comunidade, para
aquilo que eu gostava
de fazer e era todo
mundo adolescente e
eu me identificava.
Serviu até como
experiência para entrar na
Funci, porque eles
perguntam logo a
experiência que você tem,
se já trabalhou com
criança. Minha primeira
experiência, meu primeiro
trabalho com criança foi
lá no Escuta. Não me
vejo fazendo outra coisa.
Sempre convivi com ótimos
educadores, a forma como
me tratavam, como
falavam seduzia, diferente
do professor, que falava,
falava e eu não entendia
nada.
Eu tento fazer com que eles
gostem da atividade e
entendo de verdade o que
eles estão passando. Tem
uns que a gente vê que eles
se espelham na gente. Tem
uns que dizem assim: eu
quero ser igual a ti. E isso é
bom às vezes.
Eu tenho um filho, tive ele com
14 anos. Até essa idade eu ainda
não tinha participado de projeto.
A Educação Social é importante
para você ter uma cabeça feita.
Hoje só tenho um filho e poderia
ter tido outros, se não tivesse sido
orientada pela Educação Social.
E Procurei um projeto Esse foi o começo da Fui contratado pela Funci Faço a diferença por que Transformação e mudança.
100
social para me
entreter. Sempre fui
um moleque muito de
rua, de brincar na rua,
de me divertir.
minha formação enquanto
educador, porque
enquanto criança,
brincando na rua, não
tinha muitos limites e foi
dentro do projeto social
que eu fui percebendo
alguns limites que eu
deveria ter.
devido a construção que eu
tive, pelos educadores que
tive durante todo meu
processo de formação. Hoje
eu sou educador e um dia
eu vou agradecer a uma
educadora, que foi uma
grande orientadora, foi de
suma importância para a
minha formação enquanto
pessoa, enquanto educador.
acredito nos meninos. Sei
que eles não são como
prega o senso comum: é
pobre, é vagabundo, trilhará
pelo caminho da violência,
das drogas. Acredito que
são capazes de se
transformar. Quero que eles
tenham consciência disso,
quero que percebam que a
realidade talvez não seja
boa, mas que são capazes de
conquistar o próprio espaço
e modificar tudo que está
ali.
Falei muito isso, por que é o que
sinto. A Educação Social é uma
nova visão. Eu sou apaixonado
pelo que faço, mesmo com todas
as dificuldades, isso também é
aprendizado. A Educação Social
pra mim é construir o ser humano.
É uma nova forma de Pedagogia.
Não sei como farei, mas quero
inserir a Educação Social dentro
da escola. É por isso que sou
educador e estou me formando
pedagogo.
F No ano de 98, eu acho
que eu tinha uns 12 a
13 anos quando lá no
bairro (Pio XII) tinha
uma igreja que eu
pastorava carro
nessa igreja e tinha
uns educadores
sociais por lá. Eles
estavam fazendo
abordagem de rua lá
no espaço físico da
igreja e eu vi eles
com uns papeis e uns
lápis e aquilo me
despertou curiosidade,
então eu me
aproximei deles e
comecei a desenhar.
Posso considerar essas
vivências no projeto como
uma capacitação. Saí do
mundo da exploração
para entrar no mundo
da criação.
Outro fator principal para
eu me tornar um educador
social foi o trabalho dos
educadores sociais, as suas
orientações, que me
despertaram a
consciência, pois mudando
de vida poderia mudar a
realidade.
O que me torna ser
diferente na instituição ou
até mesmo na sociedade é
ter a certeza de que eu não
sou perfeito. Eu ter vindo
dessa realidade, ter
vivenciado o que eles
vivenciam ou poderão
vivenciar, isso contribui
para a minha função. Fico
mais próximo da realidade
deles, sou bem mais
compreensivo e a partir daí,
somando a vivência deles
com a que eu tive, podemos
chegar a um novo conceito.
Mesmo que a realidade
seja “fudida” podemos
fazer diferente.
O meu próprio percurso enquanto
criança, adolescente, enquanto
jovem responde esse
questionamento. O próprio
resultado que eu tive com isso, o
fato de estar dando essa entrevista
responde a pergunta. Isso é o
sentido, é fazer com que eu seja
protagonista da minha própria
vida, respeitando o próximo,
conhecendo meus direitos e meus
deveres.
G Minha rotina era
ficar no meio da rua,
ocioso. Eu tinha tudo
pra ser mais uma
estatística em todo o
País: mais um negro
Vi ali uma possibilidade
deu ser alguém na vida,
de não me tornar o que
todos falavam ao meu
redor: um usuário de
drogas, ladrão. Ali
Carinhosamente eu chamo
a pessoa que me
apresentou a arte de meu
padrinho. Era o educador
musical que trouxe essa
veia da música para o
Pelo meu jeito mesmo, não
liberal, mas assim entender
um pouco eles, até por que
eu sou do mesmo convívio,
do mesmo ambiente que é a
periferia. Por que eu sinto o
Tudo. A Educação Social pra
mim é tudo. Devido ao meu
histórico meio complicado e ser
resgatado por essa via social. É
complicado atingir todos os
jovens, pela dificuldade do
101
adolescente morre
vítima de bala perdida
ou das drogas.
Poderia ter seguido
esse caminho, mas
busquei um projeto
social para mudar a
minha realidade de
vida.
encontrei uma
possibilidade de saída do
mundo onde eu vivia.
projeto, a percussão, que eu
me identifiquei muito.
Depois veio outro educador
que me apresentou o Rap,
um estilo mais agressivo. E
graças a esses educadores
eu comecei a me
familiarizar com a música e
os ritmos e com isso
descobrir o dom que eu não
sabia que tinha, de cantar
Rap.
que eles sentem, fico triste
por que eles ficam triste, é a
sintonia mesmo.
sistema, que impõe a necessidade
de comprar, mas é um trabalho
que tem seu lado gratificante.
H Era um menino de
comunidade, sem ter
nada para fazer,
ficava ocioso e
gostava de esporte,
por isso procurei um
projeto social.
Me mostraram que eu
tinha potencial e vi que
eu realmente tinha só
depois de me engajar em
projetos.
Quando eu era educando
eu achava que o educador
era apenas um treinador,
não via a outra dimensão do
trabalho. Via apenas como
lazer.
Hoje, como estou como
educador vejo o outro lado
da ação, me deparo com
muitas situações que eu não
via antigamente, como
educando. Por morar na
comunidade eu sei onde
estão os problemas, eu não
sei a solução, isso ninguém
sabe, mas facilita o fato de
morar na comunidade, me
ajuda muito.
A Educação Social é muito
importante na vida de uma
criança, de uma família. Na
minha vida eu agradeço a
Educação Social, mas graças a
Deus eu já estava na metade do
caminho andado, pois sempre
soube o que eram as coisas
certas e erradas, apesar de ter
nascido e crescido numa
comunidade muito pobre.
I Minha comunidade é
muito vulnerável,
possui diversas
problemáticas. Eu via
muitos colegas de
infância que estavam
se perdendo no
caminho das drogas e
eu decidi que eu não
queria aquele mesmo
caminho. Procurei
um caminho oposto,
para que eu me
tornasse um cidadão. Por isso resolvi me
dedicar ao surfe e
“Hoje sou um cidadão,
referência na minha
comunidade”. Pena que a
maioria dos meus colegas
de infância não teve as
mesmas oportunidades
que eu.
Havia um coordenador, que
também era educador, que
foi de grande importância
na minha vida, pois ele
quem identificou o meu
potencial de facilitador de
conhecimentos e eu sempre
procurei absorver o máximo
da postura dele, de como ele
conversava, de como ele
fazia uma reflexão com a
gente. Ele sempre tinha uma
energia positiva. Porém,
passaram por mim
educadores com posturas
autoritárias, inadequadas,
Pego os exemplos positivos
que tive quando educando e
aplico no meu dia a dia.
Tento não cometer os
mesmos erros dos
educadores que passaram
por mim. O fato de ser da
comunidade também
facilita a minha atuação e
eles me respeitam como
referência.
O sentido da Educação Social é
fortalecimento de vínculos
familiares, comunitários. É
ampliação das perspectivas de
vida de um ser humano. É
proporcionar cidadania.
102
procurei um projeto
social que existia na
minha comunidade.
que colocavam apelidos
pejorativos.
J Tinha o esquema do
trampo, da
ocupação, eu queria
me ocupar, achava
que eu ficava de
bobeira e queria
ganhar grana, fazendo algo massa.
Então vi que os
jovens procuravam
primeiro algum curso
profissionalizante,
com bolsa, mas eu
nunca me encaixava
na faixa de idade
exigida.
A Educação Social foi
muito eficaz na minha
vida, principalmente por
essa coisa que eu falei no
começo, da sociabilidade.
A gente é medrosa e
educada pra competir com
a companheira, mas
quando conheci a
Educação Social comecei
a falar mais de nós, da
comunidade, da cidade,
do país. Mas também
avalio que existia a falsa
ideia de que poderia
intervir no projeto. Eu
fico com a sensação de
que a gente tinha a
ilusão de que tinha o
poder da decisão.
Quando eu era educanda, eu
achava que o ENXAME era
perfeito, hoje, mais madura,
eu consigo reconhecer
várias posturas equivocadas
por parte dos educadores de
lá, como: “ficar” com a
educanda, se aproveitando
de uma posição, de um
espaço que está ocupando;
falta de transparência e
autoritarismo. Mas
também existiam
educadores massa, que
fazia a gente pensar para
além da nossa realidade.
Como educadora eu busco
um equilíbrio, pois
vivenciei posturas de
educadores que tinham
muitos melindres e levavam
os seus abacaxis pra dentro
do projeto. Pra mim em
primeiro lugar está o
educando, a criança e o
adolescente, sem me
atropelar também, por isso
busco sempre estar
equilibrada
emocionalmente para não
agir com autoritarismo e
sem transparência. Busco
permitir com que a galera
possa se ver além dos meus
olhos.
Sociabilidade. Aprendi a abraçar
sem ter preconceito, pois não me
sentia segura e não era afetiva
com os outros. A homofobia ela
não é só algo que é colocado da
comunidade pra nós, ela pode ser
colocada de nós pra nós mesmos.
Eu cresci ouvindo dizer que
sapatão dá em cima de toda
mulher, e por isso não podia nem
chegar perto da menina com
medo dela achar que eu estava
dando em cima dela. Foi muito
bacana o que eu aprendi com a
Educação Social. O sentido da
Educação Social é a quebra de
preconceitos.
K Sempre participei de
tudo que aparecia no
meu bairro.
Procurava os
projetos em busca de
formação, de bolsa.
Desde os meus quinze
anos que eu venho
atuando na minha
comunidade
desenvolvendo a
Educação Social. Atuei
como voluntária, claro
que sempre foi importante
ter aquele benefício,
receber a bolsa, mas pra
mim era algo mais. As
pessoas me criticavam e
perguntavam: será que
você um dia vai chegar a
ser educadora? Não me
vejo trabalhando numa
outra área a não ser a
Os educadores que
facilitavam as atividades
nos projetos, na época que
eu era educanda, não
davam tanta importância
para a conversa com o
adolescente. Era mais
aquele lance de centro
comunitário, que você
sentava, pintava, desenhava
e fazia trabalhos artesanais.
Comigo é bem diferente, eu
converso, pergunto se o
educando está precisando
de orientação, de
aconselhamento e o
acompanhamento não se
resume ao projeto social.
Atuo com as famílias, vou
aos bairros, na escola e
busco conhecer a
realidade de cada
adolescente.
O sentido da Educação Social já
está no nome, é educar, é
mostrar para as pessoas os seus
direitos, direito à cultura, direito à
participação e de atuar nos
projetos.
103
área social e isso está
relacionado com as
minhas experiências
enquanto educanda.
L Tinha história de
participação na
comunidade e me
metia em tudo.
Quando chegava
algum projeto social
na comunidade eu
me inscrevia, às
vezes nem sabia o
que era, mas me
metia.
Um dia desses eu era
educanda, hoje eu estou
como educadora, mas por
isso não me sinto
superior, continuo me
sentindo educanda, pois
quando estou facilitando
um oficina estou
aprendendo e isso eu
aprendi graças à
Educação Social. A
Educação Social me
ensinou limites, pois
sempre fui muito
atrevida.
Eu não tenho tantas críticas
em relação aos educadores
sociais que passaram pela
minha vida, ao contrário,
tenho mais coisas positivas
para falar. Como eu era
muito interessada, eu
tentava sugar o máximo de
coisas possíveis e sempre
prestava atenção nas
formações, pois pensava
que um dia poderia utilizá-
las. Os educadores que eu
tive contato eram ótimos
facilitadores e não tinham
posturas inadequadas.
Eu, ainda hoje, utilizo
anotações das formações
que eu tinha enquanto
educanda, é claro que eu
busco atualizar as
informações e utilizo uma
metodologia mais lúdica
para facilitar a
compreensão. Busco ser
flexível, mas como
educadora a minha
postura é totalmente
diferente de quando eu
era educanda, pois eu
brincava muito e chegava
a atrapalhar em alguns
momentos, hoje eu não
posso brincar desse jeito,
tenho que tomar cuidado,
por que de certa forma
sou referência para as
crianças e os adolescentes.
O sentido da Educação Social é
tudo isso que eu passei, tudo o
que estou passando. É essa
história mesmo do contato com as
comunidades, com o povo, com
crianças e adolescentes. É sentir,
é vivenciar situações, às vezes
não tão legais e às vezes boas e
enfrentar. É tentar combater a
violação de direitos e lutar para
a sua concretização,
principalmente lutar pelos direitos
de crianças e adolescentes e de
suas famílias.
Fonte: elaboração da própria autora.
104
Os relatos das histórias de vida dos jovens educadores sociais são dotados
de sentidos construídos não só por suas singularizações, mas, sobretudo, por meio dos
valores e representações sociais dominantes em relação à pobreza e a condição de
vulnerabilidade social em nossa sociedade.
Todos, sem exceção, se utilizaram da caracterização de seus territórios para
ilustrar o motivo pelo qual procuraram um projeto social, ilustrando contextos de
violência, marginalização, falta de ocupação do tempo livre (denominado de
ociosidade), entre outros aspectos, conforme ilustram os depoimentos:
minha rotina era ficar no meio da rua, ocioso. Eu tinha tudo pra ser mais uma
estatística em todo o País: mais um negro morre vítima de bala perdida ou
das drogas. Poderia ter seguido esse caminho, mas busquei um projeto social
para mudar a minha realidade de vida (Educador G);
era um menino de comunidade, sem ter nada para fazer, ficava ocioso e
gostava de esporte, por isso procurei um projeto social (Educador H);
minha comunidade é muito vulnerável, possui diversas problemáticas. Eu via
muitos colegas de infância que estavam se perdendo no caminho das drogas e
eu decidi que eu não queria aquele mesmo caminho. Procurei um caminho
oposto, para que eu me tornasse um cidadão. Por isso resolvi me dedicar ao
surfe e procurei um projeto social que existia na minha comunidade
(Educador I).
Os relatos acima ilustram a afirmação de Forrester (1997, p. 57-58), é como
se “destinados de antemão a esses problemas, fundidos com eles, o desastre é sem saída
e sem limites”. Para eles, assim como para o pensamento dominante, “marginais por sua
condição, geograficamente definidos antes mesmo de nascer, reprovados de imediato,
eles são os excluídos por excelência” (FORRESTER, 1997, p. 57-58).
O universo da pobreza encontra-se marcado por diversas determinações
estigmatizantes e discriminatórias. Setores privilegiados da sociedade atribuem
comportamentos e valores aos pobres que, na verdade, não são seus, mas fazem parte de
um conjunto de representações das classes dominantes sobre eles (os pobres).
Segundo Yazbek (1993, p. 75),
designações tais como inadaptados, marginais, incapazes, problematizados,
dependentes, alvo de ações promocionais e outras tantas constituem
expressão de relações socialmente codificadas e marcadas por estereótipos
que configuram o “olhar” sobre as classes subalternas do ponto de vista de
outras classes e, ao mesmo tempo, definem as posições que os subalternos
podem ter na sociedade.
105
É com a preocupação nessa forma de “olhar”, olhar da sociedade e da
comunidade, que os jovens desse estudo atribuem sentidos de mudança e transformação
às suas experiências como educandos em projetos sociais. Mudança e transformação
essas, que iniciam a partir de suas próprias escolhas de trilhar outro caminho possível,
fugindo dos estereótipos que marcam as suas condições de vida, conforme se vê nos
depoimentos: “vi ali (no projeto social) uma possibilidade deu ser alguém na vida, de
não me tornar o que todos falavam ao meu redor: um usuário de drogas, ladrão. Ali
encontrei uma possibilidade de saída do mundo onde eu vivia” (Educador G); e “hoje
sou um cidadão, referência na minha comunidade. Pena que a maioria dos meus colegas
de infância não teve as mesmas oportunidades” (Educador I).
Quando esses jovens avaliaram a Educação Social na qual foram alvos, a
partir da avaliação dos educadores sociais que passaram em suas vidas, percebi uma
tendência à estereotipia em suas respostas, pois poucos tiveram respostas capazes de
apreciar aspectos positivos e negativos em suas análises, atribuindo tão somente aos
referidos profissionais a descoberta de suas habilidades e potencialidades, conforme as
falas: “eu sempre fui muito orientado pelos educadores sociais” (Educador B); “sempre
convivi com ótimos educadores, a forma como me tratavam, como falavam seduzia”
(Educadora D); “eu não tenho tantas críticas em relação aos educadores sociais que
passaram pela minha vida, ao contrário, tenho mais coisas positivas para falar”
(Educadora L).
Não estou afirmando, com isto, que os educadores não tenham reflexividade
em suas construções de sentido, pelo contrário, demonstram pensar sobre suas vidas de
ontem e a relação com o que fazem hoje, mas percebi que não apresentam uma
dimensão mais aprofundada da realidade que os cerca, conforme se apresenta no
depoimento do educador F: “outro fator principal para eu me tornar um educador social
foi o trabalho dos educadores sociais, as suas orientações, que me despertaram a
consciência, pois mudando de vida poderia mudar a realidade”.
A dificuldade dos jovens educadores sociais de pensarem de forma mais
aprofundada, de instituírem sentidos singulares, leva-me a considerar que essa realidade
se deve às maneiras com que hoje se fabrica a subjetividade em escala planetária, “a
ideia de uma subjetividade de natureza industrial, maquínica, ou seja, essencialmente
fabricada, modelada, recebida, consumida” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 33).
Ainda sobre a questão, acrescentam os autores que
106
tudo o que é produzido pela subjetivação capitalística – tudo o que nos chega
pela linguagem, pela família e pelos equipamentos que nos rodeiam – não é
uma questão de ideia ou de significações por meio de enunciados
significantes. Tampouco se reduz a modelos de identidade ou a identificações
com pólos maternos e paternos. Trata-se de sistemas de conexão direta entre
as grandes máquinas produtivas, as grandes máquinas de controle social e as
instâncias psíquicas que definem a maneira de perceber o mundo
(GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 35).
Essa subjetividade serializada, adquirida por meio da ordem capitalística,
que “incide nos esquemas de conduta, de ação, de gestos, de pensamento, de sentido, de
sentimento, de afeto” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 51), também influencia os
sentidos dos jovens educadores sociais acerca de suas atuações profissionais. A maioria
considera o simples fato de ter vivenciado ou ainda vivenciar uma condição de
vulnerabilidade social o diferencial em suas práticas, mesmo que tal vivência não
ofereça condições de alteração da realidade concretamente, como demonstra o educador
H em seu depoimento: “por morar na comunidade eu sei onde estão os problemas, eu
não sei a solução, isso ninguém sabe, mas facilita o fato de morar na comunidade, me
ajuda muito”.
O reconhecimento da dificuldade em atingir um resultado concreto e
abrangente, por parte dos jovens educadores, junto às crianças e adolescentes atendidos,
é compensado por meio da utilização de metodologias “participativas”, da aproximação,
do carinho, da gratificação pessoal em poder proporcionar a cidadania, do sentimento de
potência junto à comunidade, ou seja, sentidos eufemísticos para justificar a
perpetuação do existente e, consequentemente, a limitação da Educação Social na
ressignificação de vida dos sujeitos, conforme identifiquei nos depoimentos:
sou bem doidão mesmo, chamo eles, converso, troco idéia, abraço, dou um
beijo, é assim mesmo o meu jeito de trabalhar. Foi assim que eu ganhei a
confiança de todos os adolescentes e eles se sentem bem (Educador B);
a educação social pra mim é tudo. Devido ao meu histórico meio complicado
e ser resgatado por essa via social. É complicado atingir a todos os jovens,
pela dificuldade do sistema, que impõe a necessidade de comprar, mas é um
trabalho que tem seu lado gratificante (Educador G).
Quanto à questão da objetividade das ações no campo do trabalho social,
Guattari e Rolnik (2011, p. 37) esclarecem que
107
devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição no campo do
trabalho social, todos aqueles cuja profissão consiste em se interessar pelo
discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhada política e
micropolítica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos
que não só permitem criar saídas para os processos de singularização ou, ao
contrário, vão estar trabalhando para o funcionamento desses processos na
medida de suas possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr para
funcionar. Isso quer dizer que não há objetividade científica alguma nesse
campo, nem uma suposta neutralidade na relação, como a suposta
neutralidade analítica.
As possibilidades de intervenção e os agenciamentos utilizados pelos jovens
educadores sociais, em busca de criar saídas para os processos de singularização, junto
aos adolescentes atendidos, na maioria das vezes, resumem-se a discursos que sinalizam
“o acreditar na transformação”, sem identificar objetivamente como alcançá-la,
conforme identifiquei nos depoimentos:
o diferencial é a minha busca, o meu acreditar para tentar transformar o
máximo, não deixar que isso seja apenas uma utopia, ou seja, transformar em
realidade (Educador C);
faço a diferença por que acredito nos meninos. Sei que eles não são como
prega o senso comum: é pobre, é vagabundo, trilhará pelo caminho da
violência, das drogas. Acredito que são capazes de se transformar. Quero que
eles tenham consciência disso, quero que percebam que a realidade talvez
não seja boa, mas que são capazes de conquistar o próprio espaço e modificar
tudo que está ali (Educador E).
Guattari e Rolnik (2011) chamam atenção para o fato dos educadores
sociais, assim como os demais profissionais denominados de trabalhadores sociais,
atuarem de alguma maneira na produção de subjetividade. Consideram, ainda, que para
esses profissionais (do social), “tudo dependerá de sua capacidade de se articular com os
agenciamentos de enunciação que assumam sua responsabilidade no plano
micropolítico” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 38). No entanto, salientam que “a
garantia de uma micropolítica processual só pode – e deve – ser encontrada a cada
passo, a partir dos agenciamentos que a constituem, na invenção de modos de
referência, de modos de práxis” (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 38).
Na minha concepção, construída e desconstruída no desenrolar dessa
pesquisa, os modos de referência e de práxis desenvolvidos pelos jovens educadores
sociais ainda não são auto-modeladores, característica definida por Guattari e Rolnik
(2011) como a capacidade de construir seus próprios tipos de referências práticas e
108
teóricas. Ou seja, as práticas dos jovens educadores sociais ainda permanecem “nessa
posição constante de dependência em relação ao poder global” (GUATTARI; ROLNIK,
2011, p. 55). Para os autores,
a partir do momento em que os grupos adquirem essa liberdade de viver seus
processos, eles passam a ter uma capacidade de ler sua própria situação e
aquilo que se passa em torno deles. Essa capacidade é que vai lhes dar um
mínimo de possibilidade de criação e permitir preservar exatamente esse
caráter de autonomia tão importante (GUATTARI; ROLNIK, 2011, p. 55).
Voltando aos sentidos construídos pelos jovens educadores sociais em torno
da Educação Social em suas trajetórias de vida, quando eles afirmaram: “venci a
timidez”, “construí amigos no bairro”, “saí do mundo da exploração para entrar no
mundo da criação”, “vi ali uma possibilidade deu ser alguém na vida”, “hoje sou um
cidadão, referência na minha comunidade”, estão atribuindo à Educação Social sentidos
de socialização, de superação da condição de vulnerabilidade e ressignificação de suas
vidas, ainda que sejam construções advindas de uma subjetividade serializada, mas que
foram verbalizadas e por isso mesmo não poderiam ser ignoradas.
Nos relatos dos jovens educadores sociais, que denotam sentidos de
ressignificação de vida, está presente, com muita intensidade, a gratidão para com o
projeto social e seus educadores, conforme expresso nos depoimentos:
o educador social pode facilitar na identificação de uma habilidade do
adolescente. No meu caso, quem me indicou para fazer um teste em uma
companhia de teatro e, a partir disso, eu fui tendo outras oportunidades,
conseguindo caminhar com os meus próprios pés, foi um educador. Ele me
deu uma força, agradeço muito (Educador C);
carinhosamente eu chamo a pessoa que me apresentou a arte de meu
padrinho. Era o educador musical que trouxe essa veia da música para o
projeto, a percussão, que eu me identifiquei muito. Depois veio outro
educador que me apresentou o Rap, um estilo mais agressivo. E graças a
esses educadores eu comecei a me familiarizar com a música e os ritmos e
com isso descobrir o dom que eu não sabia que tinha, de cantar Rap
(Educador G).
Os relatos acima coadunam com a concepção de que é “possível conferir
talento a alguém” (ADORNO, 1995, p. 170 apud BECKER, 1995), ou seja, o talento
não se encontra previamente configurado nos homens, mas que, em seu
109
desenvolvimento, ele depende do desafio a que cada um é submetido. E na realidade
deles, isso foi possível por meio da inserção em um projeto social.
É, portanto, nessa possibilidade de despertar talentos e habilidades que os
jovens educadores sociais dão sentido à importância do desenvolvimento de práticas
pedagógicas centradas na Educação Social, sobretudo com enfoque na arte-educação.
Consideram que o talento não é uma disposição natural, já que descobriram os seus ao
se engajarem em projetos sociais, “embora eventualmente tenhamos que conceder a
existência de um resíduo natural, mas que o talento, tal como verificamos na relação
com a linguagem, na capacidade de se expressar, constitui-se, em uma importantíssima
proporção, em função de condições sociais” (ADORNO, 1995, p. 171-172).
Desse modo, não poderia deixar de considerar o potencial individual de
cada sujeito desse estudo, que os diferencia dos demais sujeitos alvos da Educação
Social, ou seja, os processos de singularização de cada um deles possibilitaram a
ressignificação de suas vidas. Hoje alcançaram a posição de educadores sociais, se
inseriram no mercado de trabalho, tornaram-se referência em suas comunidades, mas o
processo de singularização é gradual e a condição de sobrevivência, que os torna
dependentes do posto de trabalho, dificulta a superação de uma posição de reforço dos
sistemas de produção da subjetividade dominante, ou seja, junto às crianças e
adolescentes atendidos pelos jovens educadores sociais ainda prevalece a perpetuação
do existente.
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS “ACHADOS” CONSTRUÍDOS E
DESCONTRUÍDOS DA PESQUISA
Através do acervo bibliográfico, do discurso institucional e das falas dos
sujeitos entrevistados, analisados nesse trabalho, a Educação Social, nessa pesquisa, é
entendida como um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de formação para a
cidadania e emancipação humana por meio do desenvolvimento de práticas
socioeducativas, que envolvem uma multiplicidade de espaços, programas e projetos
sociais (GOHN, 2010), sendo subsidiada teoricamente por diversas áreas do
conhecimento.
O aprendizado gerado e compartilhado na Educação Social, facilitado pelo
educador social, não é espontâneo, uma vez que os processos que o produz têm
intencionalidades e propostas, ou seja, existe sempre uma proposta de intervenção na
realidade dos sujeitos alvos da Educação Social, e as intervenções são construídas com
objetivos variados, a depender do público-alvo e das intencionalidades na ação (GOHN,
2010).
Tendo como base a conceituação construída nessa pesquisa, observei que as
ações de Educação Social desenvolvidas no âmbito da Coordenadoria-Funci ainda
funcionam como forma de mascaramento da realidade, ou seja, não promovem a
cidadania e emancipação humana plenas das crianças e adolescentes atendidos.
Identifiquei, nas análises documentais, a preocupação maior em modificar as
denominações, os discursos ou, de tempos em tempos, realizar pseudo reformas,
substituição de órgãos e departamentos que, na verdade, continuaram e continuam sem
alterar a situação das crianças e dos adolescentes “desassistidos” e que ainda oferecem
continuidade ao complexo organizacional assistencial e repressivo do Estado.
Apesar de todo o envolvimento e compromisso dos jovens educadores
sociais que trabalham na Instituição, é difícil desconstruir a imagem do descompasso
entre os instrumentos jurídico-legais, já existentes, de reconhecimento e garantia de
direitos à cidadania plena e universal, e as práticas efetivas, que revelaram a incidência
de uma cidadania incompleta, experimentada, cotidianamente, por crianças,
adolescentes e suas famílias pobres, que são atendidos em programas e projetos que
funcionam de forma fragilizada, sem recursos materiais básicos para o desenvolvimento
das ações e atividades propostas em seus Projetos Político-Pedagógicos.
111
Por outro lado, a experiência de ações voltadas à arte-educação e às
atividades esportivas, assumindo o caráter de profissionalização ou, no mínimo, de
aprendizagem real para as crianças e adolescentes atendidos constitui-se em
potencialidade e é de grande valia para o trabalho social, caso seja fortalecida. Afinal, a
maioria dos jovens que conseguiu certo destaque e que socializou as suas histórias de
vida nesse trabalho, demonstrou a importância da arte e das habilidades esportivas em
suas vidas.
Tal fortalecimento, porém, não é possível se concretizar somente por meio
da utilização da força de trabalho comprometida, criativa e explorada dos educadores
sociais ou arte-educadores, mas com recursos financeiros necessários à aquisição de
materiais para todas as linguagens artísticas e atividades esportivas. Afinal, apenas “a
força da palavra” e “o fechar os olhos e se imaginar tocando um instrumento”, não
possibilitará o domínio de tocar um violão, uma guitarra ou qualquer outro instrumento
musical. Assim como desenhar sem lápis, grafitar sem spray, surfar sem prancha, jogar
sem bola acabam com todas as possibilidades de criatividade do profissional e, o que é
pior, com a possibilidade de proporcionar aprendizado às crianças e adolescentes.
Quanto à arte, ela não pode estar dissociada da singularização e liberdade
real dos sujeitos, já que o “desenvolvimento do indivíduo é, antes de mais nada, função
de sua liberdade fática ou de suas possibilidades de liberdade” (HELLER, 1985, p. 22).
No caso dos jovens educadores sociais, que já foram educandos em projetos
sociais, sujeitos desse estudo, essa liberdade fática ainda é limitada, visto que, apesar de
terem conquistado certa autonomia em suas vidas, como eles mesmos relataram, no
ambiente institucional, essa autonomia é cerceada, seja pela não possibilidade concreta
de intervenção, seja pela interiorização de que hoje ocupam outro espaço e devem
mudar suas posturas críticas, ou seja, pela necessidade concreta de permanecerem em
seus postos de trabalho, mantendo uma posição meramente defensiva.
O último aspecto apareceu com maior evidência nas entrelinhas dos relatos
dos jovens educadores sociais e é bem ilustrado pelo pensamento de Rolnik (2011, p.
16) ao afirmar que
muitas vezes não há outra saída. É que quando na desmontagem, perplexos e
desparametrados, nos fragilizamos, a tendência é adotarmos posições
meramente defensivas – por medo da marginalização na qual corremos o
risco de ser confinados quando ousamos criar territórios singulares,
independentes de serializações subjetivas; por medo de essa marginalização
112
chegar a comprometer a própria possibilidade de sobrevivência (um risco
real). Acabamos muitas vezes reivindicando um território no edifício das
identidades reconhecidas: em dissonância com nossa consciência e seus
ideais, tornamo-nos então os próprios produtores de algumas sequências da
linhagem de montagem do desejo.
Pensando, portanto, em suas sobrevivências e, ao mesmo tempo, por
vivenciarem ou terem vivenciado alguma situação de vulnerabilidade social e que agora
são os responsáveis ou agentes da transformação da realidade, os jovens educadores
sociais não se percebem como trabalhadores explorados, que vivenciam a precarização
do trabalho, ao contrário, consideram apenas que a Instituição está valorizando o
potencial da juventude e que devem ser criativos para que as atividades não parem,
mesmo sem recursos.
O discurso institucional assume os fracassos das intervenções propostas,
pois acabou por mostrar uma instituição acostumada com a reincidência da situação de
vulnerabilidade que ocasionou o encaminhamento das crianças e adolescentes
atendidos, bem como silente diante do descumprimento do ECA e descrente em relação
a uma transformação real na vida desses meninos e meninas. Por isso, engrossa as
fileiras dos que apregoam: “eles não têm mais jeito”, “os jovens não querem participar
de nada”, “não podemos atender a todos”, “fazemos a nossa parte”...
A Coordenadoria-Funci transfere a responsabilidade do sucesso das ações
para os educadores sociais, que devem ser comprometidos, envolvidos, polivalentes,
criativos, articulados e militantes. E pouca importância dá às péssimas condições
estruturais de trabalho e aos baixos salários, uma vez que os profissionais militantes e
vocacionados não devem ter a preocupação maior em torno da sua remuneração, mas na
justiça social que estão promovendo e em suas realizações pessoais. Afinal, antes de se
inserirem na Instituição, já faziam isso de graça.
Apesar dos avanços alcançados pelos educadores sociais, como a ampliação
dos espaços de atuação e da discussão sobre a regulamentação da profissão no Brasil e
no Estado do Ceará, pode-se dizer que existe um descompasso entre a utilização de sua
força de trabalho e o seu reconhecimento profissional. Tal realidade pode ser
identificada pelos baixos salários e a indefinição de seu papel no ambiente institucional,
muitas vezes desconhecido pelo próprio profissional, que me remete à ideia de
exploração do trabalho por um menor custo. Assim como pode colocar à prova a
imprescindibilidade de sua atuação no âmbito das políticas públicas, configurando-se
113
um rearranjo do capital, ou seja, é mais cômodo para o Estado ou qualquer outro
empregador pagar mais barato por um profissional que não tem definida a sua atuação e
que, sendo explorado, pode desenvolver as mais variadas atividades.
As concepções do trabalho social como missões vocacional-religiosa,
técnico-profissional e de militância-política, que partem dos próprios jovens educadores
sociais corroboram com os discursos institucionais e, consequentemente, com a não
valorização profissional em termos objetivos, como melhoria salarial e estrutura de
trabalho, ao passo que o capital simbólico é muito bem caracterizado pelo sentimento de
valorização por parte da família e da comunidade, que agora são referência, por estarem
inseridos no mercado de trabalho e, ao mesmo tempo, por contribuírem com a
transformação e mudança de seus territórios, além de serem reconhecidos como
parceiros de trabalho, pelos demais profissionais da Instituição, e não mais como
educandos, agora estão “entre iguais”.
A pesquisa também mostrou que as contratações dos jovens educadores
sociais, por parte da Coordenadoria-Funci, não se caracterizam uma política
institucional. Para eles, as contratações se configuram uma valorização da juventude e
não representam exploração da força de trabalho. No máximo, para alguns, podem
identificar uma espécie de marketing institucional, ganhando reconhecimento externo a
partir da estratégia de utilização da força de trabalho juvenil.
Na percepção dos jovens educadores sociais e gestores, por meio deles –
jovens educadores – é possível alcançar maior aproximação comunitária, maior
aproximação com o público-alvo, além da importante socialização de suas experiências
junto às crianças e adolescentes. Mas esses aspectos não são suficientes para
promoverem a transformação das condições de vulnerabilidade dos sujeitos atendidos.
Esse quesito – já ter sido atendido em um projeto social – pode ser
considerado de relevância, no momento da contratação, mas é preciso ficar atendo às
formações anteriores e posteriores do profissional, não as encarando como
responsabilidade individual, mas solidária com a Instituição.
Outras construções apontadas pela pesquisa foram: (i) a necessidade de
avançar na relação teoria-prática, para a consolidação da Educação Social nos espaços
institucionais, pois, como Machado (2011) salientou, a referência apenas às práticas já
não dão conta da complexidade do conhecimento e das demandas que surgem em um
cenário globalizado; (ii) a necessidade de superar as disputas entre as ciências e
114
atuações profissionais, no sentido de unir esforços para consolidar a área por meio da
complementaridade dos conhecimentos; (iii) a importância dos educadores sociais
assumirem e defenderem pressupostos teóricos para subsidiarem as suas práticas
profissionais, de modo a superar improvisações em todas as etapas do fazer profissional,
como salientou Gohn (2010, p. 51): “o espontâneo tem lugar na criação, mas ele não é o
elemento dominante no trabalho do educador social, pois o seu trabalho tem princípios,
métodos e metodologias de trabalho”.
Portanto, as considerações e consensos que envolvem a Educação Social,
construídos pela teoria, estão também presentes nos dados produzidos na pesquisa de
campo. Os educadores sociais entrevistados manifestaram em suas falas um conceito em
construção, marcado por indefinições quanto ao uso das nomenclaturas e a relação da
Educação Social com os diversos campos do conhecimento; uma afirmação
fundamentada na tendência crítico-social no campo de atuação, coexistindo com a
valorização do saber prático e o reconhecimento da importância de aprofundar o saber
teórico.
Quanto à regulamentação da profissão de educador social, existe
desconhecimento, por parte dos jovens educadores sociais, acerca da questão. No
entanto, a maioria considera que essa regulamentação trará benefícios positivos, como
melhoria salarial, melhoria das condições de trabalho, realização de concursos públicos.
Mas o medo de exclusão do mercado de trabalho aponta preocupação em relação à
exigência de um curso superior em Educação Social.
Nos moldes como hoje se configura a Educação Social na Coordenadoria-
Funci e o fazer profissional dos educadores sociais, sobretudo os jovens educadores
sociais desse estudo, não existe autonomia, pois as práticas pedagógicas são pautadas ao
sabor das determinações dos gestores, do tema de discussão que está em voga, e do
produto final que trará a apresentação artística exigida de última hora para ilustrar uma
pseudo participação de crianças e adolescentes. Tal realidade leva-me à conclusão de
que a Instituição desconhece o papel dos educadores sociais e que esses não possuem
identidade, ainda estão aprendendo na “escola da vida”, “fazem tudo, mas não fazem
nada concretamente”, perpetuando a imagem da ajuda e se distanciando dos reais
objetivos da Educação Social – a efetivação de direitos e a emancipação humana.
Finalmente, considero urgente a regulamentação da profissão de educador
social, o fortalecimento da teorização da prática profissional e a superação da dicotomia
115
entre Educação Social e Educação Escolar, de modo que as práticas pedagógicas
pautadas na Educação Social superem o simples objetivo de controle social,
proporcionando, portanto, a condução efetiva do ser a mudanças significativas. Só
assim, em concordância com Vasconcelos (1997, p. 14), posso deixar de expressar que,
apesar de todos os avanços, inclusive nas legislações, “da filantropia à cidadania
remodelam-se os discursos; renovam-se os oradores; refina-se a oratória; reinvernizam-
se as imagens. Todo o velho aparenta novo. Muda-se (a fala) para perpetuar-se (a
prática e seus agentes) no mesmo, ou seja, eterniza-se o velho”.
116
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABRAMO, H. W. Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. In:
PERALVA, A. T.; SPOSITO, M. P. (orgs.). Revista Brasileira de Educação. nº. 5 e 6.
São Paulo: ANPED, 1997.
ADORNO, T. W. Educação e Emancipação. Tradução de Wolfgang Leo Maar. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1995.
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do
trabalho. 2ª ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.
ARAÚJO, E. O teatro dos vícios: transgressão e transigência na sociedade urbana
colonial. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997.
ARAÚJO, I. O. B.; PARENTE, J. M. O surgimento da Associação Brasileira de
Educadores Sociais – ABES: um sonho e uma história de três anos. In: GARRIDO [et.
al.]. Desafios e perspectivas da educação social: um mosaico em construção. São
Paulo: Expressão e Arte Editora, 2010.
BRANDÃO, C. R. O que é método Paulo Freire. São Paulo: Brasiliense, 1981.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº 8.069 de 13 de julho
de 1990. Fortaleza: Prefeitura Municipal de Fortaleza, 2010.
CALIMAN, G. Pedagogia social: contribuições para a evolução de um conceito. In:
SILVA [et. al.]. Pedagogia social: contribuições para uma teoria geral da educação
social. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2011.
COHN, A. O modelo de proteção social no Brasil: qual o espaço da juventude? In:
NOVAES, R; VANNUCHI, P. Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e
participação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
COSTA, B. L. D. As mudanças na agenda das políticas sociais no Brasil e os desafios
da inovação: o caso das políticas de assistência social à infância e adolescência. In:
CARVALHO [et. al.]. Políticas públicas. Belo Horizonte: Editora UFMG; Proex,
2008.
CUNHA, E. P.; CUNHA, E. S. Políticas públicas sociais. In: CARVALHO [et. al.].
Políticas públicas. Belo Horizonte: Editora UFMG; Proex, 2008.
DIÓGENES, G. Itinerários de corpos juvenis: o baile, o jogo e o tatame. São Paulo:
Annablume, 2003.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 2003.
FORRESTER, V. O horror econômico. São Paulo: UMESP, 1997.
117
FORTALEZA. Cadernos metodológicos: Disque Direitos Criança e Adolescente.
Fortaleza: SDH, 2010. 48p.
_______. Textos para compreensão do organograma da SDH. Fortaleza: SDH, 2010.
23p.
_______. Plano de Ação da Coordenadoria da Criança e do Adolescente (2010-
2012). Fortaleza: SDH, 2010.
_______. Projeto Político Pedagógico: Programa Crescer com Arte e Cidadania.
Fortaleza: SDH, 2010. 47p.
_______. Projeto Político Pedagógico: Programa Ponte de Encontro. Fortaleza: SDH,
2010. 16p.
GARRIDO, N. C. [et. al.]. (orgs.). Desafios e perspectivas da Educação Social: um
mosaico em construção. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2010.
GOHN, M. G. Educação não formal e o educador social: atuação no desenvolvimento
de projetos sociais. São Paulo: Cortez, 2010. (Coleção questões da nossa época).
GRACIANI, M. S. S. Desafios metodológicos da prática social transformadora ou
teorizar a prática social para transformá-la. In: SILVA [et. al.]. Pedagogia social:
contribuições para uma teoria geral da educação social. São Paulo: Expressão e Arte
Editora, 2011.
GROPPO, L. A. Juventude: ensaios sobre sociologia e história das juventudes
modernas. Rio de Janeiro: DIFEL, 2000. (Coleção enfoques sociologia).
GUATTARI, F.; ROLNIK, S. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis/RJ:
Vozes, 2011.
HELLER, A. O cotidiano e a história. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Censo Demográfico 2000.
Disponível em <http://www.ibge.gov.br/>
KOLLER, S.H.; HUTZ, C.S. Meninos e meninas em situação de rua: dinâmica,
diversidade e definição. Coletânea da ANPEPP: aplicações da Psicologia na melhoria da
qualidade de vida, 1996, 1, 11-34.
LEVI, Giovanni e SCHIMITT, Jean-Claude. História dos jovens. São Paulo:
Companhia das Letras, 1996.
MACHADO, E. M. Pedagogia social: percursos, concepções e tendências. In: SILVA
[et. al.]. Pedagogia social: contribuições para uma teoria geral da educação social. São
Paulo: Expressão e Arte Editora, 2011.
118
MARTINELLI, M. L. Serviço Social: identidade e alienação. 15ª ed. São Paulo:
Cortez, 2010.
MARTINS, M. F. Formação do educador social e proposição de um perfil de intelectual
orgânico. In: GARRIDO [et. al.]. Desafios e perspectivas da educação social: um
mosaico em construção. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2010.
_______. Marx, Gramsci e o conhecimento: ruptura ou continuidade? Campinas:
Autores Associados, 2008.
MARX, K. A chamada acumulação primitiva. In: O Capital: crítica da economia
política. Livro I – O processo de produção do capital, volume II, 9ª ed. Tradução:
Reginaldo Sant‟Anna. São Paulo: DIFEL, 1984.
MENEZES, M. T. C. G. Em busca da teoria: políticas de assistência pública. São
Paulo: Cortez, 1998.
NETO, J. C. S.; SILVA, R.; MOURA, R. (orgs.). Pedagogia Social. São Paulo:
Expressão e Arte Editora, 2009.
OLIVEIRA, W. F. Educação social de rua: as bases políticas e pedagógicas para uma
educação popular. Porto Alegre: Artmed, 2004.
ONU. Programa das Nações Unidas para Juventude. Relatório Mundial sobre a
Juventude 2005: os jovens hoje e em 2015. Disponível em
<http://www.un.org/esa/socdev/unyin>
PAIS, J. M. Culturas juvenis. 2.ª ed. Lisboa: Imprensa Universitária/Casa da Moeda,
2003.
PALUDO, S. S.; KOLLER, S. H. Toda criança tem família: criança em situação de
rua também. Psicol. Soc. v. 20 n. 1. Porto Alegre, jan/abr. 2008. Disponível em
<http://dx.doi.org/10.1590/s0102-71822008000100005> Acesso em 20 de agosto de
2011.
PONTUAL, P. Juventude e poder público: diálogo e participação. In: FREITAS, M. V.;
PAPA, F. C. (orgs.). Políticas públicas: juventude em pauta. São Paulo: Cortez, 2008.
REY, F. G. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da
informação. Tradução de Marcel Aristides Ferrada Silva. São Paulo: Cengage Learning,
2010.
RIBEIRO, A. C. T.; LOURENÇO, A. Marcas do tempo: violência e objetivação da
juventude (p. 38-53). In: FRAGA, P. C. P.; IULIANELLI, J. A. S. Jovens em tempo
real. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
ROMANS, M.; PETRUS, A.; TRILLA, J. Profissão: educador social. Tradução: Ernani
Rosa. Porto Alegre: Artmed, 2003.
119
SADER, E. Prefácio à educação para além do capital. In: MESZAROS, I. A educação
para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2008.
SILVA, G. H. A construção da identidade do Educador Social na sua prática: a
pluralidade de um sujeito singular. São Paulo: USP, 2008. (Dissertação de mestrado).
SILVA, R. [et. al.]. Pedagogia social: contribuições para uma teoria geral da educação
social. São Paulo: Expressão e Arte Editora, 2011.
SILVA, R. S. Vou pra rua e bebo a tempestade: representações de educadores de rua
de Fortaleza. Fortaleza: UFC, 2011. (Dissertação de mestrado).
SPINK, M. J. P; LIMA, H. Rigor e visibilidade: a explicitação dos passos da
interpretação. In: SPINK, M. J. P. (org.). Práticas discursivas e produção de sentidos
no cotidiano: aproximações teóricas e metodológicas. São Paulo: Cortez, 2000.
SPINK, M. J. P; MEDRADO, B. Produção de sentido no cotidiano: uma abordagem
teórico-metodológica para análise das práticas discursivas. In: SPINK, M. J. P. (org.).
Práticas discursivas e produção de sentidos no cotidiano: aproximações teóricas e
metodológicas. São Paulo: Cortez, 2000.
VASCONCELOS, R. B. Uma leitura das práticas de assistência à infância e à
adolescência desenvolvidas pela Fundação Estadual do Bem Estar do Menor do
Ceará (1981-1999). Fortaleza: UECE, 1999. (Monografia de pós-graduação em gestão
pública e planejamento técnico).
YAZBEK, M. C. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 1993.
Sites:
Jornal Carta Maior – sobre o plano nacional de juventude:
http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/index, acesso em 22 de maio de 2010.
O melhor do bairro – matéria sobre o bairro Centro de Fortaleza:
http://www.omelhordobairro.com.br/fortaleza-centro/page8840htm. Acesso em 19 de agosto de
2011.
Prefeitura de Fortaleza – sobre o CRAS: http://www.fortaleza.ce.gov.br/semas, acesso em 21 de
maio de 2011.
Prefeitura de Fortaleza – sobre orçamento da SDH: http://www.sefin.fortaleza.ce.gov.br.
Senado Federal – sobre Plano Plurianual:
http://www9.senado.gov.br/portal/orcamento_senado/PPA/elaboracao:PL. Acesso em 22 de
dezembro de 2011.
TV Verdes Mares – matéria meu bairro na TV: http://tvverdesmares.com.br, acesso em 22 de
maio de 2011.
120
ANEXOS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
ALUNA: ROBERTA DE CASTRO CUNHA
ORIENTADORA: ROSEMARY DE OLIVEIRA ALMEIDA
PESQUISA: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS
EDUCADORES SOCIAIS: RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA O PERPETUAÇÃO DO
EXISTENTE?
QUESTIONÁRIO DE IDENTIFICAÇÃO DOS SUJEITOS
Nome:
Sexo:
Estado civil:
Idade:
Escolaridade:
Cargo/função:
Rendimento individual (em salários mínimos):
Vínculo empregatício:
Como se incorporou na instituição (seleção, convite etc.)
Programa/projeto que trabalha atualmente:
Tempo em que trabalha na Funci:
Atividades que desenvolve:
Como foi sua trajetória de vida até ser atendido em um projeto social e depois tornar-se
educador da Funci?
Quando foi atendido em projetos sociais qual foi a instituição, qual projeto e em que
gestão administrativa?
121
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
ALUNA: ROBERTA DE CASTRO CUNHA
ORIENTADORA: ROSEMARY DE OLIVEIRA ALMEIDA
PESQUISA: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS
EDUCADORES SOCIAIS: RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA O PERPETUAÇÃO DO
EXISTENTE?
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS JOVENS EDUCADORES SOCIAIS
O que é Educação Social e qual o sentido da Educação Social em suas vidas?
Como foi a Educação Social em que foram alvos e como é a Educação Social que hoje
executam?
Qual o perfil de um educador social?
Que fatores contribuíram para você se tornar um educador social?
Vêem diferença no trabalho de Educação Social desenvolvido por vocês pelo fato de
terem sido educandos?
Como percebem suas absorções no quadro de profissionais da Funci?
Como é trabalhar nessa instituição?
Como percebem o debate sobre a regulamentação da profissão?
Você considera que a Educação Social pode conduzir o ser a mudanças significativas?
122
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS APLICADOS
MESTRADO ACADÊMICO EM POLÍTICAS PÚBLICAS E SOCIEDADE
ALUNA: ROBERTA DE CASTRO CUNHA
ORIENTADORA: ROSEMARY DE OLIVEIRA ALMEIDA
PESQUISA: OS SENTIDOS DA EDUCAÇÃO SOCIAL PARA JOVENS
EDUCADORES SOCIAIS: RESSIGNIFICAÇÃO DE VIDA O PERPETUAÇÃO DO
EXISTENTE?
ROTEIRO DE ENTREVISTA COM OS GESTORES
O que é Educação Social, qual o sentido da Educação Social para vocês?
Porque a utilização da Educação Social nos projetos desenvolvidos pela Funci?
Qual o perfil e as atribuições dos educadores sociais e/ou arte-educadores inseridos na
Funci? Levando em consideração o programa que você coordena.
Porque a inserção de jovens que já foram atendidos em projetos sociais no quadro de
profissionais da instituição? Essa realidade se constitui uma política? Quais as
vantagens e desvantagens de se trabalhar com profissionais com esse perfil?
O que diferencia o trabalho do educador social do trabalho de um técnico?
Você é a favor da regulamentação da profissão de educador social. Por quê? Com a
criação de um curso superior?
Você considera que a Educação Social pode conduzir o ser a mudanças significativas?
123
ORGANOGRAMA DA COORDENADORIA-FUNCI
124
ORIENTAÇÕES PARA COMPREENSÃO DO ORGANOGRAMA
Coordenadoria da Criança e do Adolescente/FUNCI – responsável pela execução e
proposição de políticas públicas na área de crianças e adolescentes, no município de Fortaleza.
Com base nas doutrinas da Proteção Integral e da Participação Real, contidas no Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), desde o ano de 2005, a Coordenadoria/FUNCI passou a
redefinir os seus programas e projetos na perspectiva de promoção e garantia de direitos, em
detrimento de práticas pontuais e assistencialistas, trabalhando em busca do fortalecimento das
redes de proteção social e harmonia do Sistema de Garantia de Direitos.
Coordenação de Gestão – Esfera de assessoramento ao coordenador especial, a partir do
desenvolvimento de ações em três eixos de atuação:
Político/Administrativo – acompanhamento metodológico do Plano de Ação, proposta
pedagógica e execução orçamentária dos Programas e agenda de mobilização.
Pessoal – acompanhamento de seleção de novos/as profissionais, formações iniciais e
continuadas, mobilização de profissionais.
Estrutural – avaliação de propostas para adequação das estruturas, memória
institucional e sistematização das experiências.
Rede de Direitos – tem como foco a articulação da rede de proteção social destinada à garantia
de direitos de crianças e adolescentes da cidade de Fortaleza e o fortalecimento do Sistema de
Garantia de Direitos.
Disque Direitos Criança e Adolescente (DDCA) – serviço público que tem como
objetivo garantir à sociedade um tele-atendimento municipal de demandas e espaço de
denúncias relativas aos direitos humanos de crianças e adolescentes.
Supervisão dos Conselhos Tutelares – objetiva o fortalecimento dos conselhos tutelares
da cidade de Fortaleza, desenvolvendo ações de acompanhamento e controle das
demandas administrativas, execução orçamentária, projetos de captação de recursos,
articulações com a rede de retaguarda, discussões políticas e assessoria em geral.
125
Programa Se Garanta – gerencia os projetos que atuam com as Medidas Socioeducativas em
Meio Aberto do município de Fortaleza.
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) – atendimento e acompanhamento aos
adolescentes em cumprimento de PSC, através de uma equipe especializada, voltada
para a identificação das habilidades dos adolescentes,
articulação/monitoramento/avaliação dos locais para o cumprimento da medida,
acompanhamento dos profissionais de referência, dentre outros.
Liberdade Assistida Municipalizada (LAM) – atendimento e acompanhamento aos
adolescentes em cumprimento de LA, através de cinco núcleos especializados, com
equipe técnica voltada para o atendimento formal da medida e encaminhamentos para a
rede de retaguarda, a fim de possibilitar o acesso à escolarização, profissionalização,
saúde, lazer e demais direitos dos adolescentes.
Programa Ponte de Encontro – voltado às ações diretas com crianças e adolescentes em
situação de rua e abrigamento. O Programa Ponte de Encontro tem seu funcionamento dividido
em três eixos: Educação Social de Rua, Casa de Passagem, Acolhimento institucional, conforme
se apresenta:
Abordagem de Rua/Casa de Passagem – responsável pela abordagem às crianças e
adolescentes na rua para posterior encaminhamento, com casa de passagem em regime
de plantão 24 horas (equipamento de acolhida temporária), contando com uma equipe
de educadores sociais para dar fluxo às demandas da casa de passagem e outra que
desenvolve ações de arte-educação em 24 áreas de atuação (terminais de ônibus, praças,
cruzamentos de avenidas, centro da cidade, orla marítima e algumas comunidades
como: Bom Jardim, Barra do Ceará, dentre outras), como forma atrativa para a
conquista e o fortalecimento de vínculos entre educador e
crianças/adolescentes/comunidade, com a intenção de conhecer o cotidiano vivenciado
por esses sujeitos a fim de conjuntamente construir alternativas para a ressignificação de
suas vidas.
Acolhimento institucional (Casa dos Meninos/Casa das Meninas/Abrigos Conveniados)
– espaço de acolhimento de caráter provisório destinado a adolescentes de ambos os
sexos, visando promover e garantir o direito à convivência familiar e comunitária e
articular a qualidade de vida com foco na inserção socioprodutiva e nas relações
126
solidárias. O eixo abrigos conveniados corresponde a subvenções sociais destinadas às
entidades de abrigos voltadas para crianças e adolescentes em situação de rua, de forma
a garantir o fortalecimento da rede de retaguarda/atendimento a esses sujeitos.
Atualmente existem cinco entidades parceiras.
Programa Rede Aquarela – abrange a articulação das ações de enfrentamento à violência
sexual em Fortaleza.
Disseminação PAIR – É uma equipe de disseminação da metodologia do Pair no
Município, com foco nos territórios referenciados pela Pesquisa, “Sete sentimentos
capitais da exploração sexual comercial de crianças e adolescentes”, com maior
recorrência de casos de exploração. A equipe já implementou ações nos Bairros da
Serrinha e Jangurussu e está em fase de disseminação na Barra do Ceará.
Espaço Aquarela – abrigo especializado para adolescentes vítimas de tráfico para fins
sexuais e exploração sexual e atendimento psicossocial a vitimas de violência sexual e
suas famílias.
Rede Aquarela DCECA – Equipe que faz o acolhimento, acompanhamento e
encaminhamento no atendimento das crianças, adolescentes e famílias junto a DCECA
(Delegacia Especializada).
Depoimento Especial – Sala junto à 12ª Vara Criminal para a escuta qualificada de
crianças e adolescentes utilizando a metodologia do Depoimento sem danos.
Supervisão Especial de Políticas de Enfrentamento ao Trabalho Infantil – Política com
atuação na prevenção, sensibilização e mobilização para o enfrentamento ao trabalho
infantil e proteção ao trabalhador adolescente.
Programa Famílias Defensoras – direcionado às ações que visam fortalecer a rede de
atendimento às famílias de origens das crianças e adolescentes que tiveram seus direitos
violados e são atendidas pela FUNCI, além do gerenciamento das bolsas disponibilizadas às
famílias.
Família Cidadã – desenvolve ações de acompanhamento direto no sentido de contribuir
para a ressignificação dos vínculos afetivos, familiares e comunitários, compondo
127
outras formas de valorar as relações entre os membros da família, auxiliando na
construção de formas de lidar com as dificuldades que surgem, facilitando o acesso à
rede socioassistencial, fortalecendo a confiança nos próprios potenciais e favorecendo o
exercício da cidadania.
NAPSI – tem como proposta oferecer atendimentos psicológicos clínicos, individuais e
grupais, bem como realizar ações de acompanhamento psicossocial com crianças e
adolescentes atendidos pelos projetos da Coordenadoria da Criança e do Adolescente,
tendo em vista a valorização do sujeito, o fortalecimento dos vínculos familiares e
comunitários e a ampliação de práticas de cidadania, a partir de uma compreensão do
ser humano considerado em suas múltiplas dimensões.
Programa Adolescente Cidadão – desenvolve projetos de profissionalização para adolescentes
e jovens de 16 a 21 anos de idade, em situação de vulnerabilidade social, estabelecendo como
prioridade aqueles/as que estejam em situação de rua, exploração sexual ou cumprindo medidas
socioeducativas em meio aberto.
Projeto Adolescente Cidadão – é um projeto de transferência de renda que tem como
objetivo geral uma formação básica e vivência prática visando o desenvolvimento
humano, social, cidadão, político e profissional, além de fomentar espaços sociais nos
quais estes/as adolescentes e jovens possam ter uma aprendizagem profissional e
humanizadora. O programa atende prioritariamente adolescentes e jovens egressos dos
programas e projetos da Coordenadoria.
Projeto Cozinha Criativa – promove ações de formação e informação em Gastronomia,
por meio de curso profissionalizante, junto aos adolescentes e jovens acompanhados
pelos projetos da Coordenadoria da Criança e do Adolescente.
Projeto Estilo Solidário – atende jovens entre 16 e 19 anos da cidade de Fortaleza,
através de um aprendizado inovador e criativo em Estilismo e Moda, pautado em
vivências de moda, arte e cultura que possam lhes dar subsídios para a construção de
um projeto de vida autônomo e, assim, possibilitar o exercício pleno da cidadania.
Programa Crescer com Arte e Cidadania – se propõe a atender crianças e adolescentes (de 07
a 17 anos) com a finalidade de desenvolver ações que estimulem o exercício da cidadania, o
reconhecimento da identidade, o sentimento de pertença, despertando a consciência dos direitos
128
humanos através de oficinas de arte-educação. Partindo dessa premissa, a participação real dos
adolescentes nesse processo é fundamental para a implementação de ações conjuntas para a
auto-gestão, os trabalhos com a família e a inserção dos jovens em suas comunidades.
Projeto Crescer com Arte – trabalha com crianças e adolescentes por meio da arte-
educação através de quatro linguagens artísticas: música, dança, artes visuais e teatro.
UNIDADES – Aquitãbaquara, Caça e Pesca, Centro, Bela Vista, Jangurussu, Parque
Rio Branco, Palmeiras, Pio XII, Santa Filomena e Vila União.