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Universidade Estadual de Londrina
MIRIELE SICOTE DE LIMA GOUVÊA
O ARGUMENTO DA INFERÊNCIA DA MELHOR EXPLICAÇÃO: CRÍTICAS E
DEFESAS
Londrina 2010
MIRIELE SICOTE DE LIMA GOUVÊA
O ARGUMENTO DA INFERÊNCIA DA MELHOR EXPLICAÇÃO: CRÍTICAS E DEFESAS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina como requisito parcial para a obtenção do título de Graduação em Filosofia. Orientador: Prof.: Dr. Marcos Rodrigues da Silva.
Londrina
2010
MIRIELE SICOTE DE LIMA GOUVÊA
O ARGUMENTO DA INFERÊNCIA DA MELHOR EXPLICAÇÃO: CRÍTICAS E DEFESAS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina como requisito parcial para a
obtenção do título de Graduação em Filosofia.
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________ Prof. Dr. Marcos Rodrigues da Silva Universidade Estadual de Londrina
______________________________________
Prof. Dr. Claudiney José de Souza Universidade Estadual de Londrina
______________________________________
Prof. Dr. Gelson Liston Universidade Estadual de Londrina
______________________________________
Londrina, _____de______________de_______.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, gostaria de agradecer ao professor Marcos Rodrigues da
Silva por seu esforço e dedicação em orientar esta pesquisa. Agradeço
também aos professores Gelson Liston e Claudiney José de Souza pelos
comentários que foram de fundamental importância na reta final deste trabalho.
Por fim, agradeço aos meus pais, João e Marilene, que não mediram esforços,
distâncias e paciência para apoiar os meus objetivos. Em especial, expresso
minha enorme gratidão e meu carinho ao meu esposo Wellington Luiz por
sempre incentivar o meu trabalho e se mostrar disposto a me ajudar nas horas
mais penosas.
SUMÁRIO
Introdução..........................................................................................................07
1. A Inferência da Melhor Explicação................................................................10
2. A Crítica de van Fraassen à Inferência da Melhor Explicação......................17
3. Os Argumentos de Stathis Psillos contra a Crítica de van Fraassen............24
4. Conclusão......................................................................................................30
5. Referências....................................................................................................32
GOUVEA, Miriele Sicote de Lima. O Argumento da Inferência da Melhor
Explicação: Críticas e Defesas. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação em Filosofia) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
2010.
RESUMO
Um dos problemas mais tratados no âmbito do debate entre realismo e
anti-realismo é o que se refere a aceitação de teorias científicas. Entre os
vários argumentos utilizados pelos realistas para justificar essa aceitação está
o argumento da inferência da melhor explicação. A partir da análise deste
argumento, será apresentada a crítica anti-realista. Para isso, será necessário
examinar os trabalhos de autores como Harman, Psillos e van Fraassen. Os
pontos mais importantes envolvidos nessa discussão são: i) a condição na qual
aceitamos uma teoria científica; ii) o tipo de crença que está envolvido nessa
aceitação. Desta forma, o objetivo aqui é o de esclarecer a estrutura do
argumento da inferência para a melhor explicação, bem como apresentar as
críticas anti-realistas ao argumento.
Palavras-chave: Realismo, Anti-realismo, Inferência da melhor
explicação.
GOUVEA, Miriele Sicote de Lima. O Argumento da Inferência da Melhor
Explicação: Críticas e Defesas. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso
(Graduação em Filosofia) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
2010.
ABSTRACT
One of the problems addressed within the debate between realism and
anti-realism is what concerns the acceptance of scientific theories. Among the
many arguments used by realists to justify this acceptance is the argument from
inference to the best explanation. From the analysis of this argument will be
presented with the critical anti-realist. This will need to examine the works of
authors such as Harman, Psillos and van Fraassen. The most important points
involved in this discussion are: i) the condition in which we accept a scientific
theory, ii) the type of belief which is involved in this acceptance. Thus, the goal
here is to clarify the structure of the argument of the inference to the best
explanation and to present criticism anti-realist to argument.
Keywords: Realism, Anti-realism, Inference to the best explanation.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo apresentar um dos problemas
centrais no âmbito da filosofia da ciência, a saber, o debate entre realismo1 e
anti-realismo2 acerca da aceitação de teorias científicas. De modo mais
específico, o objetivo deste trabalho é desenvolver a crítica feita por van
Fraassen ao argumento realista da inferência da melhor explicação.
Em geral, os realistas argumentam que a aceitação de uma teoria
científica implica a crença em sua verdade3, sendo esta crença fundamental
para que possamos preservar a concepção filosófica de que a ciência expressa
conhecimento. Ao contrário destes, para os anti-realistas, o sucesso de uma
teoria científica implica como crença apenas a adequação empírica. Para van
Fraassen, crer na adequação empírica significa dizer que a crença que está
envolvida na aceitação de uma teoria científica é a de que ela “salva os
fenômenos”, ou seja, a teoria descreve corretamente o que é observável. O
que pode ser também comprendido a partir do adjetivo “construtivo” adotado
por van Fraassen. Nas palavras de van Fraassen:
Utilizo o adjetivo „construtivo‟ para indicar minha concepção de que a atividade científica é uma atividade de construção, em vez de descoberta: construção de modelos que devem ser adequados aos fenômenos, e não descoberta da verdade sobre o que é inobservável
(VAN FRAASSEN, 2007, p. 22)
1 Embora este seja um termo muito amplo, podemos admitir aqui a definição de Plastino: “o
realismo confere sentido à ciência por tratar-se de uma disciplina que versa sobre a natureza das coisas do mundo e que visa a conhecer a verdade” (1995, p. 12). 2 Em geral, há várias formas de anti-realismo, o que será adotado aqui é o empirismo
construtivo proposto por van Fraassen cujo enunciado é o seguinte: “A ciência busca fornecer-nos teorias que são empiricamente adequadas; e a aceitação de uma teoria envolve como crença apenas que ela é empiricamente adequada” (VAN FRAASSEN, 1980, p. 12). 3 No que se refere ao conceito de verdade, é importante ressaltar que para van Fraassen o
conceito de verdade realista implica descrever processos inobserváveis, enquanto o empirismo construtivo de van Fraassen se volta apenas para a descrição do que é observável. Em suas palavras: “A ciência procura encontrar uma descrição verdadeira dos processos inobserváveis que explicam aqueles que são observáveis e também do que são os estados de coisas possíveis, e não apenas do que é real. O empirismo sempre foi um dos condutores principais no estudo da natureza. Mas ele requer que as teorias apenas apresentem um relato verdadeiro do que é observável” (VAN FRAASSEN, 1980, p. 19).
Deste modo, pode-se notar que o debate se desenvolve a partir de duas
posições epistemológicas4 rivais. Conforme foi dito anteriormente, a inferência
da melhor explicação é um dos argumentos utilizados pelos realistas para
justificar a aceitação das teorias científicas. Muitos autores atribuem a origem
deste tipo de inferência a Peirce (cf. VAN FRAASSEN, 1980, p. 46; cf.
CHIBENI, 1997, p. 26). Porém, ele recebeu maior atenção ao ser apresentado
por Gilbert Harman em 1965. Para Harman, o argumento da inferência da
melhor explicação pode, resumidamente, ser descrito do seguinte modo: ao se
construir a inferência, o cientista se depara com diversas hipóteses que
explicam a mesma evidência, a conclusão de Harman é de que a hipótese que
fornecer a “melhor” explicação para esta evidência deve ser considerada
verdadeira (cf. HARMAN, 1965, p. 89).
Apesar do argumento da inferência da melhor explicação de Harman ser
aceito por vários autores, van Fraassen tece algumas críticas a ele,
especialmente em suas obras A Imagem Científica e Laws and Symmetry,
Entre as principais críticas feitas por van Fraassem podem ser destacados três
argumentos, a saber, o argumento do Privilégio, o argumento da Força Maior, e
o argumento da Redução. De modo resumido, os argumentos são o seguinte: i)
argumento do Privilégio – consiste na crença de que nós estamos, por
natureza, predispostos a acertar a coleção correta de hipóteses; ii) argumento
da Força Maior – consiste em fornecer argumentos para a consequência de
que nós devemos escolher entre as hipóteses significantes e historicamente
dadas, sendo que guiar esta escolha é a tarefa de alguma regra da reta razão;
iii) argumento da Redução – van Fraassen argumenta que a melhor explicação
que nós possuímos não deve ser considerada como verdadeira. Todos estes
argumentos serão vistos com uma atenção maior no segundo capítulo deste
trabalho.
A última análise desenvolvida neste trabalho – que se encontra no
terceiro capítulo – se dará a partir do artigo “On Van Fraassen‟s Critique of
Abductive Reasoning” de Stathis Psillos. Este artigo de Psillos é de
fundamental importância para este debate pois ele coloca em questão alguns
4 De acordo com Dutra, “discutir o papel que a crença desempenha na aceitação de uma teoria
científica” é um “típico problema epistemológico da ciência” (DUTRA, 1998, p. 29).
pontos da crítica realizada por van Fraassen no momento anterior e aponta
também algumas saídas que os realistas devem considerar para se fazer uma
defesa adequada da inferência da melhor explicação.
É importante ressaltar que o debate sobre a aceitação de teorias
científicas não é resolvido e muito menos esgotado nestas páginas, ao
contrário disso, o que pode ser encontrado aqui é apenas alguns
esclarecimentos da estrutura deste complexo problema da filosofia da ciência,
bem como algumas críticas anti-realistas apresentadas por van Fraassen e as
defesas realistas de Peter Lipton e Stathis Psillos.
Capítulo 1
A INFERÊNCIA DA MELHOR EXPLICAÇÃO
Para os cientistas, aceitar ou não uma teoria científica é um evento
complexo visto que ele envolve diversos fatores. É preciso, então, ter
conhecimento dos fatores que levaram a comunidade científica à aceitação.
Entre estes fatores podem ser citados: o poder explicativo de determinada
teoria, a plausibilidade que esta possui em relação a comunidade científica e a
tradição na qual ela encontra-se inserida, a sua simplicidade, o grau de
abragência do seu domínio de fenômenos, a avaliação dos experimentos que
lhe corroboram até o momento, entre outros (cf. DUTRA, 1998, p. 27). Desta
forma, o problema da aceitação de teorias científicas se caracteriza como um
dos problemas mais tratados no âmbito da filosofia da ciência, e, mais
especificamente, se trata de um ponto fundamental do debate entre as teorias
realistas e anti-realistas da ciência. De modo geral, existem vários argumentos
utilizados para justificar a aceitação de uma teoria científica. Neste capítulo
será apresentado o argumento utilizado pelos realistas, a saber, o argumento
da inferência da melhor explicação.
No ano de 1965 Gilbert Harman escreveu um artigo intitulado “The
Inference to the Best Explanation” cujo objetivo era o de apresentar um
argumento a favor da inferência da melhor explicação, e, consequentemente,
apresentar esta como uma forma de inferência segura se comparada a outras
formas de inferência como a indução enumerativa, por exemplo.
Muitos autores atribuem a origem deste tipo de inferência a Peirce (cf.
VAN FRAASSEN, 1980, p. 46; cf. CHIBENI, 1997, p. 26). Harman até concorda
que a inferência da melhor explicação corresponde aproximadamente ao que
outros chamaram de “abdução”, “o método das hipóteses”, “inferência
hipotética”, “o método da eliminação”, “indução eliminativa” e “inferência
teórica”. Contudo, ele afirma que apesar dessa proximidade, a sua terminologia
evita a maior parte das sugestões enganadoras das terminologias alternativas
(cf. HARMAN, 1965, p. 89).
Qual seria então a definição de Harman da inferência da melhor
explicação? E, qual a diferença desta em relação as outras inferências citadas
por ele? A inferência da melhor explicação, nas palavras de Harman, é descrita
do seguinte modo:
Ao inferir a melhor explicação se infere, do fato de que uma certa hipótese explicaria a evidência, a verdade desta hipótese. Em geral várias hipóteses podem explicar a evidência, por isso devemos ser capazes de rejeitar todas tais hipóteses alternativas antes de estarmos seguros ao fazer a inferência. Portanto se infere, da premissa de que uma dada hipótese forneceria uma “melhor” explicação para a evidência do que quaisquer outras hipóteses, a conclusão de que esta determinada hipótese é verdadeira
(HARMAN, 1965, p. 89).
No final desta citação se encontra o ponto fundamental do argumento da
inferência da melhor explicação que é utilizado pelos realistas. Este ponto
fundamental consiste em obter a conclusão de que uma determinada hipótese
é verdadeira a partir da premissa de que esta hipótese explica “melhor” certa
evidência. Deste modo, aparece no final desta citação o que se caracteriza
como um dos pontos principais do escopo realista, a saber, de que a aceitação
fornece razões para crer na verdade. Com isso, é apresentada também por
Harman uma relação necessária entre a melhor explicação e a verdade. Dito
isso, Harman se depara com o seguinte problema: como se pode julgar que
uma hipótese é suficientemente melhor que as outras hipóteses? (cf.
HARMAN, 1965, p. 89). O autor reconhece a legitimidade deste problema e
afirma que, provavelmente, o cientista baseia o seu julgamento em
considerações tais como qual hipótese é mais simples, qual é mais plausível,
qual explica mais, qual é menos ad hoc, etc. Mas, essas considerações feitas
por ele também não ajudam muito porque não possuem uma natureza clara e
compreensível. Apesar disso, Harman decide que não irá dizer mais nada
sobre estas considerações.
Para elucidar a sua defesa da inferência da melhor explicação, Harman
apresenta o seguinte exemplo: “quando nós inferimos algum fato da
experiência mental de uma pessoa a partir de seu comportamento, nós
estamos inferindo que este fato é uma explicação melhor do que outra”
(HARMAN, 1965, p. 89). Harman apresenta este exemplo de modo bem
sintético. A sua pretensão aqui é mostrar a diferença entre uma inferência que
é descrita como uma instância da indução enumerativa e uma inferência que é
descrita como uma instância da inferência da melhor explicação.
A indução enumerativa é, segundo Harman, uma classe de inferência
que exemplifica a seguinte forma: a partir da proposição “todos As observados
são Bs”, nós concluimos que “todos As são Bs”, ou, que “pelo menos o próximo
A provavelmente será um B” (HARMAN, 1965, p. 90). Para Harman, o exemplo
citado no parágrafo acima é facilmente descrito como uma instância da
inferência da melhor explicação. Porém, o autor não vê como ele pode ser
descrito como uma instância da indução enumerativa. Mas, o que leva Harman
a afirmar que ele não pode pertencer a classe da indução enumerativa? De
acordo com o autor,
descrever nossa inferência como indução enumerativa encobre o fato de que nossa inferência faz uso de certos pressupostos –, ao passo que, como eu mostro abaixo, descrever a inferência como uma inferência da melhor explicação expõe esses pressupostos. Esses pressupostos intermediários ocupam um papel na análise do conhecimento baseado na inferência. Portanto, se nós queremos compreender esse conhecimento, nós devemos descrever nossa
inferência como inferência da melhor explicação (HARMAN, p. 91, 1965).
A partir desta passagem percebe-se que Harman está tentando explicar
que as pessoas não fazem inferência de modo enumerativo, mas através da
inferência da melhor explicação. O principal aspecto desta distinção consiste
no fato de que existe uma parte da inferência que é teórica, ou seja, o indivíduo
constrói uma hipótese de que o sol nascerá amanhã. Sendo assim, a
conclusão de Harman é de que o indivíduo segue uma determinada regra e
não apenas enumera as observações ao fazer a inferência.
Um exemplo usado por Harman na tentativa de esclarecer um pouco
mais esta distinção é o seguinte: sabe-se que uma pessoa machucou a mão
pelo modo como ela afasta a mão para longe de um fogão. A inferência aqui é
que tal pessoa agiu assim por causa da dor, em outras palavras, existe uma
norma que diz que a dor é responsável pelo repentino afastamento da mão.
Considerando tal exemplo como uma instância da inferência da melhor
explicação, pode-se perceber que os pressupostos correspondem a uma parte
essencial da inferência. Não fosse deste modo, se tal exemplo fosse pensado
como uma indução enumerativa, teria-se a evidência somente para a questão
de encontrar correlações entre comportamento e dor, perdendo a parte
essencial apontada pelo pressuposto que diz que a experiência mental inferida
deve figurar na explicação para o comportamento observado (cf. HARMAN,
1965, p. 94).
Harman afirma que na prática, sempre se sabe mais sobre a situação do
que o fato de que todos As observados são Bs. Por isso, a inferência da melhor
explicação tem a habilidade de explicar de modo interessante o uso da palavra
“conhecer” e esta é uma das razões para preferí-la no lugar da indução
enumerativa (cf. HARMAN, 1965, p. 88).
Algumas vezes, alguém infere uma explicação de algo que já é aceito (como quando alguém infere que uma pessoa diz o que ela diz porque ela acredita nisso); mas algumas vezes alguém infere que uma coisa já aceita explica alguma outra coisa (como quando alguém infere que as intenções atuais de uma pessoa irão explicar seu comportamento futuro). Seria [assim] um erro dizer que a indução sempre infere uma explicação da evidência. [...] Explicações competidoras no sentido relevante não precisam ser explicações competidoras da mesma coisa. Elas podem ser asserções competidoras sobre aquilo que uma coisa particular explica (por exemplo, quando alguém deve inferir o que uma outra pessoa irá fazer com base em seu caráter, desejos, situação, etc. irão resultar,
isto é, explicar) (HARMAN, 1968, p. 530).
A inferência da melhor explicação difere, segundo Harman, da indução
enumerativa e da abdução de Peirce, pois ela tem a capacidade de descrever
predições e generalizações. Harman conclui seu artigo dizendo que a
inferências podem ser consideradas seguras, de modo que o conhecimento
baseado nelas seja verdadeiro, mas, para isso, elas devem ser tidas como
instâncias da inferência da melhor explicação e não instâncias da indução
enumerativa.
O argumento da inferência da melhor explicação de Harman é usado por
muitos autores, dentre eles, Stathis Psillos que em seu artigo “The Fine
Structure of Inference to the Best Explanation” o expressou da seguinte
maneira: uma evidência (E) precisa ser explicada; a teoria (T) explica (E) e
nenhuma outra teoria rival explica tão bem quanto (T); sendo assim, temos
boas razões para acreditar que (T) é verdadeira (cf. PSILLOS, 2007, p. 442).
Deste modo, o realista ganharia a disputa no nível epistemológico, pois a sua
teoria se mostrou superior no duelo com as teorias rivais e com isso podemos
dizer que por ser a melhor dentre elas, ela é digna de crença em sua verdade
(cf. SILVA, 2005, p.111). Entretanto, para que o argumento realista fique
completo tem de ser feita uma ampliação a partir da conclusão acima: se (T) é
verdadeira e utiliza mecanismos inobserváveis; podemos assim inferir a
existência destes mecanismos utilizados por (T).
É necessário que se entenda aqui como a estratégia realista foi
colocada. Para isso, é importante destacar dois pontos: o epistemológico e o
ontológico. No âmbito epistemológico, Peter Lipton afirma em seu artigo “Is the
Best Good Enough?” que um anti-realista até admitiria a inferência da melhor
explicação, desde que fosse feita uma alteração: em vez de concluir que a
melhor das hipóteses é verdadeira, o anti-realista diria que ela é apenas
empiricamente adequada5 (cf. LIPTON, 1993, p. 3). Com isso, o realista
ganharia um ponto a mais a seu favor porque ele pode acreditar na verdade de
sua teoria, enquanto o anti-realista não pode dar este passo. Já no âmbito
ontológico, o realista argumenta que se a sua teoria teve sucesso e foi
considerada a melhor entre as rivais, ele possui então um bom motivo para
concluir a existência dos mecanismos inobserváveis que foram utilizados por
ela (cf. SILVA, 2007, p. 56). Desta forma, o realista teria mais uma vantagem,
pois a sua explicação da ciência é muito mais ampla (visto que ela inclui
inobserváveis) e diz muito mais sobre a ciência que a explicação de seu
adversário anti-realista. Consequentemente, por ter o realista uma explicação
científica melhor que o seu adversário, o processo de aceitação de teorias
estaria justificado por meio do argumento da inferência da melhor explicação.
Ora, se for levado em conta apenas o caráter epistemológico do debate,
e se a preocupação do cientista se resume em questões ontológicas sobre o
5 Mas o que significa ser empiricamente adequada? Pois bem, “isto significa que não devemos
perguntar pela verdade (aproximada) das teorias científicas, mas apenas por sua adequação empírica, isto é, por sua capacidade de prever corretamente os fenômenos” (DUTRA, 1998, p. 42). Ou ainda, “uma teoria é empiricamente adequada exatamente se é verdadeiro o que ela diz sobre as coisas observáveis e eventos no mundo – exatamente, se ela „salva os fenômenos‟” (VAN FRAASSEN, 1980, p. 34).
que existe e o que não existe, então, todos devem aceitar que o realismo
científico é a melhor explicação para a ciência e fica encerrada esta discussão.
Mas, será que é somente isso que está em jogo?
O que se deve compreender aqui, é que o realista estrutura o debate
sobre ciência por meio do argumento da inferência da melhor explicação, e
este, não é necessariamente o modo como ele deve ser levado. Van Fraassen,
por exemplo, elaborou outra forma de se entender a ciência que foi
simplesmente exclusa pelo argumento realista, além disso, a ciência possibilita
a sua compreensão em diversos níveis: epistemológico, ontológico,
pragmático, axiológico, etc. Com isso, se é decidido estruturar as questões em
apenas um ou dois desses níveis, corre-se o risco de ter como resultado uma
fragmentação de nossa compreensão da ciência.
O empirismo construtivo de van Fraassen traz uma outra perspectiva
sobre o debate. Van Fraassen não reduz a compreensão da ciência à
considerações de natureza epistemológica, segundo ele, estas considerações
se demonstram insuficientes para a compreensão da aceitação de uma teoria
científica. Para van Fraassen, uma explicação não é apenas uma relação entre
uma teoria e um fato, que é explicado com base na teoria, mas uma relação
entre três termos: teoria, fato e contexto (cf. DUTRA, 1998, p. 126; cf. VAN
FRAASSEN, 2007, p. 161). Com isso, ele propõe que se adote uma
abordagem diferente, a compreensão da aceitação de teorias não deve levar
em conta apenas os aspectos epistemológicos, pois há outros parâmetros a
serem considerados nesta aceitação como, por exemplo, o pragmático.
Relativamente às discussões sobre a relação entre uma teoria e o mundo, há a questão sobre o que é aceitar uma teoria científica. Essa questão possui uma dimensão epistêmica (em que medida a crença está envolvida na aceitação de uma teoria?), e também uma dimensão pragmática (além da crença, o que mais está envolvido nisso?). Segundo a concepção que vou desenvolver, a crença que está envolvida na aceitação de uma teoria científica é apenas que ela “salva os fenômenos”, isto é, descreve corretamente o que é observável. Mas a aceitação não é apenas crença. Nunca temos a possibilidade de aceitar uma teoria que dá conta de tudo, completa em todos os detalhes. Assim, aceitar uma teoria em vez de outra envolve também o compromisso com um programa de pesquisa, para continuar o diálogo com a natureza na estrutura de um esquema conceitual e não outro. Mesmo que duas teorias sejam empiricamente equivalentes, e mesmo que a aceitação de uma teoria envolva, como
crença, apenas que ela é empiricamente adequada, ainda pode fazer grande diferença qual delas é aceita. A diferença é pragmática, e vou argumentar que as virtudes pragmáticas não nos dão qualquer razão, acima e além da evidência dos dados empíricos, para pensar que
uma teoria é verdadeira. (VAN FRAASSEN, 2007, p. 20)
O parâmetro pragmático, portanto, daria uma base teórica para que se
leve em conta a importância de fatores contextuais na aceitação, fatores estes
que podem ser interpretados como as circunstâncias que estiveram presentes
na aceitação, ou seja, dependendo do contexto, uma lei ou uma teoria, ou
ainda um conjunto de fatores, pode ter alto poder explicativo ou não (cf.
DUTRA, 1998, p. 126). Isso tudo vai depender dos resultados, da aceitação
social, da comunidade científica, etc.
Por exemplo, se importa mais para nós ter um tipo de questão respondida que outra, isso não é razão para pensar que seja mais provável que uma teoria que responda melhor ao primeiro tipo de
questões seja verdadeira (VAN FRAASSEN, 2007, p.159).
Desta forma, pode-se perceber a partir destas passagens que para que
se possa compreender todos os fatores envolvidos na aceitação de teorias
científicas, deve-se levar em conta, de acordo com van Fraassen, duas
dimensões: uma que é epistêmica e outra que é pragmática. No próximo
capítulo serão desenvolvidas as críticas fundamentais feitas por van Fraassen
à inferência da melhor explicação.
Capítulo 2
A CRÍTICA DE VAN FRAASSEN À INFERÊNCIA DA
MELHOR EXPLICAÇÃO
Com a estruturação do argumento da inferência da melhor explicação
feita por Harman na década de 60, iniciou-se um importante debate entre
realistas e anti-realistas no âmbito da filosofia da ciência. Um dos autores
centrais de tal debate é o filósofo holandês Bas van Fraassen. De acordo com
ele, a formulação de Harman apresenta inúmeros problemas. Van Fraassen vai
então caracterizar estes problemas praticamente em duas obras, a saber, A
Imagem Científica e Laws and Symmetry.
Na obra A Imagem Científica, van Fraassen dedica o segundo capítulo
para tratar da teoria realista da ciência, e, neste mesmo capítulo, ele traça a
sua crítica à inferência da melhor explicação. Van Fraassen começa então
apontando que autores como Wilfrid Sellars, J. J. Smat e Harman defendem a
concepção de que se o cientista faz uso da inferência racional, ele deverá
aceitar, consequentemente, o realismo científico, isto porque, se o cientista têm
boas razões para sustentar essa teoria, isso significa que ele têm, igualmente,
boas razões para acreditar que esta teoria é verdadeira e que as entidades
postuladas por ela existem (cf. VAN FRAASSEN, 2007, p. 45). E qual seria a
regra de inferência evocada neste tipo de argumento? Van Fraassen afirma
que “a principal regra de inferência evocada em argumentos deste tipo é a
regra de inferência da melhor explicação” (VAN FRAASSEN, 2007, p. 45). Em
seguida, van Fraassen apresenta uma versão simplificada da inferência de
Harman, que é a seguinte: “Suponhamos que temos a evidência E, e que
estejamos considerando diversas hipóteses, digamos H e H'. A regra diz então
que devemos inferir H em vez de H' exatamente se H é uma melhor explicação
de E que H'” (VAN FRAASSEN, 2007, p. 46).
A defesa desta regra se dá, de acordo com van Fraassen, conforme o
seguinte argumento: se essa regra é seguida em todos os casos ordinários e
se for também seguida em todos os casos, ela conduzirá ao realismo científico,
como quer Sellars. Van Fraassen elucida o argumento acima com o seguinte
exemplo:
ouço um arranhar na parede, o sapateado de pequenos pés à meia noite, meu queijo desaparece – e infiro que um camundongo veio viver comigo. Nãos acho apenas que esses sinais aparentes da presença de uma camundongo vão continuar, nem apenas que todos os fenômenos observáveis vão ser como se houvesse um
camundongo, mas que há um camundongo (VAN FRAASSEN, 2007, p. 46).
A partir disso van Fraassen levanta duas questões: se em vez de um
camundongo, houvesse ali uma entidade inobservável, a inferência conduziria,
do mesmo modo, à crença nesta entidade inobservável? Se este for o caso, o
realista seria simplesmente aquele que segue as regras de inferência que as
pessoas utilizam nos contextos ordinários? Van Frassen afirma que a idéia dos
realistas é realmente essa e aponta duas objeções à ela.
A primeira delas é a seguinte: “o que se quer dizer com a afirmação de
que todos nós seguimos certa regra de inferência?” (VAN FRAASSEN, 2007, p.
47). E isto, para van Fraassen, seria muito difícil de se argumentar. Uma forma
de tentar entender este enunciado seria a de que todos as pessoas “aplicam”
esta regra do mesmo modo que resolvem um exercício de lógica. Mas este
sentido, afirma van Fraassen, é muito “literal e restritivo” (cf. VAN FRAASSEN,
2007, p. 47). Mesmo que a maior parte das pessoas façam uso desta regra,
pouquíssimas teriam a capacidade de formulá-la. Outra forma de se tentar
entender este enunciado seria a de que as pessoas agem de acordo com
essas regras, mas sem escolhê-las conscientemente. Esta segunda opção não
seria mais fácil de se compreender de acordo com van Fraassen, visto que
toda regra lógica é uma regra de permissão, desta forma as pessoas teriam
que aceitar um enunciado vago de que “qualquer conclusão pode ser inferida
de qualquer premissa” (VAN FRAASSEN, 2007, p. 47). Van Fraassen vai então
chegar à conclusão de que a idéia de que “todos seguimos certa regra em
certos casos é uma hipótese psicológica sobre o que estamos ou não dispostos
a fazer” (VAN FRAASSEN, 2007, p. 47). Para van Fraassen, esta é um
hipótese empírica e deve ser confrontada com dados e com hipóteses
alternativas. Uma dessas hipóteses alternativas é proposta por van Fraassen
que enfatiza que a aceitação de uma teoria científica implica apenas a crença
de que ela é empiricamente adequada. Ou ainda,
a premissa de que todos seguimos a regra de inferência da melhor explicação quando se trata de camundongos e outras questões ordinárias – isso precisa ser demonstrado. Isso não é certo com base nas evidências, porque tais evidências não falam a favor daquela premissa e contra a hipótese alternativa que propus, que é uma
hipótese relevante nesse contexto (VAN FRAASSEN, 2007, p. 48).
A segunda objeção que van Fraassen apresenta é a seguinte: se a
inferência da melhor explicação for aceita, ela necessitará, ainda assim, de
premissas adicionais para que seu argumento fique completo. Segundo van
Fraassen, “o realista vai precisar de suas premissas especiais
complementares, de que toda regularidade universal na natureza carece de
explicação, antes que a regra possa fazer de todos nós realistas” (VAN
FRAASSEN, 2007, p. 49). Essa premissa será mais detalhadamente
examinada por van Fraassen nas seções 4 e 5.
Na seção 4, intitulada por van Fraassen como Limites da exigência de
explicação, van Frassen vai tratar de um dos critérios que o realismo utiliza
para a escolha de teorias, e este critério é o poder explicativo. Contudo, ele
alerta que os argumentos realistas serão bem sucedidos “apenas se a
exigência de explicação for suprema” (VAN FRAASSEN, 2007, p. 51). Mas o
que seria uma exigência suprema? Van Fraassen afirma que a tarefa da
ciência, na visão realista, não termina enquanto qualquer regularidade mais
geral não receber uma explicação. Em outras palavras, ao dizer que “A
evidência E deve ser explicada”, o realista estaria partindo de uma premissa
adicional que afirma que todas as evidências devem ser explicadas. Aqui, van
Frassen descreve que está dialogando especialmente com Smart,
Reichenbach, Salmon e Sellars. A sua objeção baseia-se no seguinte
argumento: “tal exigência ilimitada de explicação conduz à exigência de
entidades ocultas” (VAN FRAASSEN, 2007, p. 52) e, mais a frente, o autor
defende que essa exigência se deve ao fato de que “os anseios realistas
nasceram dentre os ideais equivocados da metafísica tradicional” (VAN
FRAASSEN, 2007, p. 52).
Van Fraassen descreve o argumento de Smart do seguinte modo: “o
sucesso de T' é explicado pelo fato de que a teoria original T é verdadeira a
respeito das coisas sobre as quais pretensamente ela diz respeito” (VAN
FRAASSEN, 2007, p. 54), ou seja, se a teoria postula entidades como elétrons,
significa que realmente há elétrons. Se não se aceitar isso, o sucesso de T' não
teria explicação, como aponta Smart (cf. VAN FRAASSEN, 2007, p. 54).
Em outras passagens, de modo semelhante, Smart fala de “coincidências cósmicas”. As regularidades nos fenômenos observáveis devem ser explicadas em termos de uma estrutura mais profunda, pois, de outro modo, só nos resta a crença em acidentes
felizes e em coincidências em escala cósmica (VAN FRAASSEN, 2007, p. 55).
Para van Fraassen este argumento é absurdo, porque o fato de postular
certas regularidades sem explicá-las faz com que a teoria T' se torne muito
pobre e a teoria original T não se encontra em uma situação melhor. Van
Fraassen também afirma que “é ilegítimo equiparar os acidentes felizes ou uma
coincidência com o fato de não haver nenhuma explicação” (VAN FRAASSEN,
2007, p. 55). Em outras palavras, van Fraassen acredita que não deve existir
uma tal exigência, a saber, a exigência de que a ciência, a partir de suas
teorias, acabe com todas as coincidências ou acidentes, isso para van
Fraassen, não faz sentido algum.
Para van Fraassen a exigência da ciência não é de uma “explicação
enquanto tal, mas de imagens criativas, que dêem a esperança de propor
novos enunciados das regularidades observáveis e de corrigir os antigos” (VAN
FRAASSEN, 2007, p. 71). Ou seja, van Fraassen defende na obra A Imagem
Científica que a ciência não tem por objetivo a busca ilimitada por explicações
que descrevam a verdade sobre o mundo, mas, o objetivo da ciência é apenas
encontrar a adequação empírica de suas teorias.
Os apontamentos que van Fraassen faz em relação à inferência da
melhor explicação não se encontram apenas em sua obra A Imagem Científica.
Além desta obra, van Fraassen apresenta uma crítica à esta inferência na obra
Laws and Symmetry. São três os principais argumentos que compõem esta
crítica, a saber, o argumento do Privilégio, o argumento da Força Maior, e o
argumento da Redução.
De acordo com van Fraassen, o argumento do Privilégio consiste numa
reivindicação de privilégio para as nossas capacidades. E, este privilégio exige
“a crença de que nós estamos, por natureza, predispostos a acertar a série
correta de hipóteses” (VAN FRAASSEN, 1989, p. 143). Sendo assim, o
cientista sempre acertará ao escolher uma das hipóteses dessa coleção,
porque a sua predisposição natural encontrou a coleção correta. Porém, para
van Fraassen o argumento do Privilégio deve ser justificado. E, ele acredita que
a justificação poderia ocorrer de duas formas: primeiro, poderia ser uma
justificação aliada ao naturalismo; segundo, poderia ser uma justificação aliada
ao racionalismo.
O apoio naturalista basearia a sua conclusão na realidade da nossa
adaptação da natureza, ou seja, o nosso sucesso evolutivo se deve a certas
capacidades. Van Fraassen contrapõe este apoio naturalista com o seguinte
argumento: como as nossas teorias são mais possivelmente verdadeiras se
nós fomos os únicos a pensá-las? E ainda: como ela poderia ser verdadeira se
as características que selecionamos se referem ao passado, e o sucesso que
procuramos justificar é o sucesso no futuro?
A seguir, van Fraassen apresenta como seria o apoio racionalista ao
argumento do Privilégio. Este apoio, segundo ele, deve ser moldado conforme
o argumento de Descartes acerca da correspondência das idéias com a
realidade. Ou seja, aqui a correspondência é garantida por Deus. Van
Fraassen cita o autor Alvin Platinga, este último pega um conceito de Deus
geralmente assentado para defender a sua crença em proposições e entidades
abstratas. Platings coloca, por exemplo, que se Deus nos fez a sua imagem é
razoável acreditar que nós estamos especialmente adaptados a acertar sobre a
verdade. Contra esta posição, van Fraassen apresenta a seguinte crítica:
Se ele nos criou naturalmente capazes de compreender a verdade sobre o que é importante para nós em seus olhos (talvez para discernir amor de desejo, ou caridade de hipocrisia, em nós mesmos),
isto não pode se estender para especulações sobre demônios, quarks
ou universais (VAN FRAASSEN, 1989, p. 144).
A conclusão a que van Fraassen chega é a de que o argumento do
Privilégio pode até ser coerente, mas, ele é incapaz de qualquer apoio
naturalista ou racionalista. Para fechar esta crítica van Fraassen afirma que “a
nossa inclinação pode ser em direção à explicações mais satisfatórias”, o que
ela não pode, é ser a si mesma “informação relevante sobre o seu teor de
verdade” (VAN FRAASSEN, 1989, p. 144).
O segundo argumento que van Fraassen irá colocar é o argumento da
Força Maior. Este argumento traz a idéia de que existe alguma regra da reta
razão que guia a escolha do cientista. Isto é, não é por causa de crenças
especiais que o cientista escolhe de acordo com uma certa série de hipóteses.
A sua escolha é feita com base em algumas regras, por isso, ele deve escolher
conforme esta série de hipóteses.
Para van Fraassen, este segundo argumento também fracassa porque
“circunstâncias podem nos forçar a agir de acordo com a melhor alternativa
descoberta por nós”, porém, “elas não podem nos forçar a acreditar que isto é,
consequentemente, uma boa alternativa” (VAN FRAASSEN, 1989, p. 144).
Assim, o ponto enfatizado por van Fraassen pode ser resumido nesta questão:
a escolha de uma teoria revela algum tipo de crença? Para responder essa
questão, van Fraassen propõe que se analise com cuidado a prática científica
para ver se ela, realmente, traz alguma crença. Segundo van Fraassen
Cientistas criam um programa de pesquisa, apostam sua carreira e satisfações da vida sobre certas direções teóricas e inovações experimentais. Aqui, eles são forçados a escolher entre as bases teóricas historicamente dadas. Eles são forçados pela sua própria decisão em ser cientistas a escolher pela melhor teoria disponível,
pela sua própria luz. (VAN FRAASSEN, 1989, p. 145).
A vida deste cientista terá sido desperdiçada caso a teoria que ele
trabalha seja falsa? De acordo com van Fraassen, caso se admita isso, então,
deve se reconhecer que vidas como a de Descartes e a de Newton foram
desperdiçadas. Agora, caso não se admita isso, o cientista deve reconhecer
que a sua vida terá sido valorizada por contribuir com o progresso da ciência,
mesmo que a sua contribuição seja a de demonstrar os limites e as
imperfeições das teorias, ou ainda, a descoberta de novos fenômenos que a
ciência futura deve salvar. Em último caso, coloca van Fraassen, a escolha do
cientista por certas “teorias como base para pesquisa, não revela nenhuma
inclinação para acreditar em sua verdade” (VAN FRAASSEN, 1989, p. 145).
Em outras palavras, o ponto que van Fraassen está trabalhando se resume na
seguinte questão: A escolha do cientista por uma teoria implica acreditar que
esta teoria é verdadeira? E a resposta dele, como foi exposta acima, é
negativa, ou seja, a escolha não revela razões para a crença em sua verdade.
O terceiro argumento de van Fraassen é o argumento da Redução. Para
ele, deve-se reduzir a exigência feita pela inferência da melhor explicação,
porque esta é uma regra muito mais modesta do que a que foi colocada por
Harman – a inferência de Harman é uma inferência para a verdade das
hipóteses favorecidas. Porém, como questiona van Fraassen, “a melhor
explicação que nós temos provavelmente será verdadeira?” (VAN FRAASSEN,
1989, p. 146). A resposta do autor é de que: “Há muitas teorias, talvez não
formuladas até o momento, que explicam pelo menos tão bem quanto a melhor
teoria que temos até agora” (VAN FRAASSEN, 1989, p. 146). Van Fraassen
defende que muitas destas teorias extrapolam o domínio das evidências, e com
isso, ele afirma que é mais provável que a maioria delas sejam falsas. Como a
melhor explicação estaria inclusa na categoria destas hipóteses. Van Fraassen
conclui que é improvável que a melhor explicação seja verdadeira. Uma
objeção que pode ser feita à este argumento de van Fraassen é de que o
cientista possui mais conhecimento de sua explicação, no que se refere ao seu
valor de verdade, além do quão bem a sua teoria explica. Contudo, van
Fraassen acredita que essa objeção pode conduzir ao argumento do Privilégio,
visto que implica uma pretensão da capacidade natural ou histórica do homem.
Van Fraassen ainda argumenta que existe apenas uma teoria que pode ser
considerada verdadeira, e neste ponto, a sua conclusão de que a maioria das
teorias são falsas está de pé.
Capítulo 3
OS ARGUMENTOS DE STATHIS PSILLOS CONTRA A
CRÍTICA DE VAN FRAASSEN
Embora van Fraassen apresente algumas desvatagens em relação à
aceitação de teorias por meio da inferência da melhor explicação. Deve-se
considerar que os argumentos apresentados por ele também recebem diversas
críticas, em especial, por parte de Stathis Psillos. Neste capítulo serão
desenvolvidos alguns dos problemas apontados por Psillos em seu artigo “On
Van Fraassen‟s Critique of Abductive Reasoning” no que se refere as críticas
feitas por van Fraassen. O objetivo de Psillos neste artigo é o de mostrar que
van Fraassen falhou em seu ataque ao raciocínio abdutivo6.
Segundo Psillos, os realistas defendem que a inferência da melhor
explicação é o modo de raciocínio que os cientistas utilizam para constituir as
suas crenças teóricas. Em outras palavras, este tipo de inferência “pode, de
forma confiável, produzir e sustentar crenças (aproximadamente) verdadeiras
sobre o mundo” (PSILLOS, 1996, p. 31). Na perspectica de Psillos, van
Fraassen aceita que a inferência da melhor explicação possa operar como um
modo de inferência na ciência, mas, deve ser feita uma alteração na conclusão
do argumento, em vez de concluir que a hipótese é verdadeira, van Fraassen
defende que a hipótese admitida como a melhor explicação deve ser
considerada apenas como empiricamente adequada. A partir disso, pode-se
afirmar que “na perspectiva de van Fraassen, a adequabilidade empírica
substitui a verdade como o objetivo da ciência” (PSILLOS, 1996, p. 33).
Psillos argumenta que – no que se refere ao mundo observável – a
verdade e a adequabilidade empírica coincidem para van Fraassen. Ou seja,
van Fraassen não coloca em dúvidas que a inferência da melhor explicação
opera de forma confiável em casos ordinários como o caso do rato no lambril,
6 Psillos usará o termo „abdução‟ para se referir ao raciocínio no qual se infere a verdade
(aproximada) da melhor explicação da evidência, isto é, para tratar a inferência da melhor explicação (cf. PSILLOS, 1996, p. 32).
isto porque casos ordinários se referem a coisas observáveis como ratos, por
exemplo. Como mostra Psillos, o problema para van Fraassen aparece quando
a explicação envolve entidades inobserváveis. Quando é este o caso, “a
adequabilidade empírica e a verdade não mais coincidem” (PSILLOS, 1996, p.
33). Sendo assim, van Fraassen coloca a inferência da melhor explicação sob
suspeita se ela excede o domínio dos inobserváveis.
Para se compreender o que está em jogo Psillos apresenta uma
distinção no raciocínio abdutivo. Ele classifica a inferência da melhor
explicação em dois tipos: inferência da melhor explicação horizontal – que é “a
espécie de raciocínio abdutivo que envolve apenas hipóteses acerca de
entidades observáveis”, e, inferência da melhor explicação vertical – que é “a
espécie de raciocínio abdutivo que envolve hipóteses acerca de inobserváveis”
(PSILLOS, 1996, p. 34). Levando em consideração esta distinção feita por
Psillos, van Fraassen aceita a inferência da melhor explicação horizontal, mas,
questiona a inferência da melhor explicação vertical. A partir disso, Psillos
levanta a seguinte questão: “qual é de fato a objeção de van Fraassen contra a
inferência da melhor explicação vertical e a formação de crenças garantidas
acerca do mundo inobservável?” (PSILLOS, 1996, p. 34).
Uma possível resposta para esta questão, afirma Psillos, pode ser
encontrada na dicotomia entre observáveis e inobserváveis imposta por van
Fraassen. Para Psillos, van Fraassen defende essa dicotomia com o objetivo
de desempenhar um papel epistêmico, isto é, a distinção entre observáveis e
inobserváveis é capaz de traçar “as fronteiras entre o que é epistemicamente
acessível e o que não é” (PSILLOS, 1996, p. 34).
No que se refere ao papel epistêmico atribuído por van Fraassen, Psillos
apresenta duas objeções: i) “é um erro supor que o status epistêmico de
nossas crenças acerca de observáveis é, de alguma forma, superior ao de
nossas crenças acerca de inobserváveis”, e, ii) “é um erro supor que crenças
observacionais são de algum modo justificadas imediatamente (ou, o que é
pior, não necessitam de justificação), de um modo que crenças teóricas não
podem ser” (PSILLOS, 1996, p. 34).
Seguindo a posição de Menuge, Psillos conclui que não existe nenhuma
diferença qualitativa entre a evidência de sentidos sem auxílio e a evidência de
instrumentos. Para ele, as duas podem garantir a crença e, por vezes, “crenças
baseadas em sentidos sem auxílio são menos garantidas do que crenças
baseadas em instrumento” (PSILLOS, 1996, p. 35). Psillos afirma que van
Fraassen está correto em exigir uma cautela em relação as pretensões de
conhecimento do mundo inobservável, mas van Fraassen erra, segundo
Psillos, na medida em que a sua cautela se torna um dogmatismo e o conduz a
condenar qualquer tipo de conhecimento do mundo inobservável (cf. PSILLOS,
1996, p. 36).
Após essas objeções mais gerais, Psillos passa a criticar o que ele
denomina como o argumento do conjunto defeituoso. De acordo com Psillos, o
argumento do conjunto defeituoso seria o seguinte: “a menos que se apele a
um privilégio não garantido, é bastante provável que a verdade esteja no
espaço das hipóteses ainda não criadas” (PSILLOS, 1996, p. 37). Desta forma,
segue-se a exigência de que
Qualquer modelo razoável de abdução não deve excluir a possibilidade de que a verdade possa estar além do conjunto de teorias que os cientistas têm em mãos. Pois, certamente, não existe uma garantia a priori de que os cientistas encontrarão a verdade
(PSILLOS, 1996, p. 37).
Para Psillos, se van Fraassen trabalha mesmo com uma noção tão forte
de garantia, ele deve admitir que mesmo as crenças sobre a adequabilidade
empírica se tornam não-garantidas. “Pois é logicamente possível que uma
teoria de fato empiricamente adequada esteja fora do espectro de teorias que
os cientistas têm em mãos” (PSILLOS, 1996, p. 37). Psillos argumenta que se
a noção de garantia envolvesse a eliminação da possibilidade de que a crença
pudesse ser falsa, os cientistas seriam levados a um árido ceticismo visto que
poucas crenças – se é que alguma – poderiam ser garantidas. A partir disso,
Psillos conclui que não acredita que van Fraassen ofereça “uma tal noção
robusta de garantia sem ser de todo um cético” (PSILLOS, 1996, p. 37). A partir
disso, pode-se dizer que a conclusão de Psillos é a de que os defensores da
inferência da melhor explicação não devem ceder às críticas de van Fraassen?
Ao contrário disso os defensores deste tipo de inferência devem ceder
no seguinte ponto, como argumenta Psillos, “a história da ciência sugere que a
verdade total (seja lá o que isto signifique) regularmente está além da série de
teorias que os cientistas consideram num determinado período” (PSILLOS,
1996, p. 37). Com isso, Psillos coloca que mesmo as melhores teorias podem
apenas ser aceitas como aproximadamente verdadeiras, pois em qualquer
período da investigação científica o que os cientistas possuem é apenas uma
parte da verdade. A defesa da inferência da melhor explicação feita pelos
realistas científicos deve, portanto, mostrar que “podemos crer,
garantidamente, na melhor hipótese explicativa como sendo aproximadamente
verdadeira” (PSILLOS, 1996, p. 37).
Em relação a defesa da inferência da melhor explicação vertical, Psillos
enfatiza que a melhor defesa desta espécia de inferência é partir para a
ofensiva. Para ele, uma resposta que o realista deve apresentar para van
Fraassen é a de que “existe um sentido no qual somos privilegiados, isto de
forma garantida. Isto é o que denominarei de privilégio do conhecimento de
fundo” (PSILLOS, 1996, p. 37). Para Psillos, seria absurdo pensar que a
escolha de teorias opera na ausência de um conhecimento. Ela opera, na
verdade, “dentro de uma rede de conhecimento de fundo e é por esta
conduzida” (PSILLOS, 1996, p. 38). Assim, o privilégio do conhecimento de
fundo torna plausível que “os cientistas podem possuir fortes evidências para a
crença que a melhor explicação é o relato correto dos fenômenos” (PSILLOS,
1996, p. 39), diferentemente do que argumenta van Fraassen.
A partir disso Psillos leva o debate para uma outra perspectiva, de
acordo com ele, o problema para van Fraassen não é se os cientistas possuem
um ambiente de crenças de fundo corretas e operam dentro das mesmas, o
problema para van Fraassen é a extensão dessas crenças de fundo corretas
(cf. PSILLOS, 1996, p. 40).
A questão que se apresenta neste momento é a seguinte: “o privilégio do
conhecimento de fundo é excesso de bagagem que apenas o realista parece
precisar? Ou as afirmações de van Fraassen sobre a adequabilidade empírica
também não requerem um tipo similar de privilégio?” (PSILLOS, 1996, p. 41).
Para Psillos, os cientistas são mais privilegiados do que pensa van Fraassen, a
diferença é que o realista assume um risco extra ao desejar saber mais sobre
as teorias do que os empiristas construtivos. Contudo, “os empiristas
construtivos não estão justificados em sugerir que este risco, por questões de
segurança, não deve ser assumido” (PSILLOS, 1996, p. 42). São dois os
motivos que fazem os empiristas construtivos não estarem justificados a tomar
tal atitude: primeiro, eles também assumem um risco indutivo porque excedem
a evidência atual; segundo, se o risco é um preço que se deve pagar para
superar as fronteiras da ignorância, então, é um preço que vale a pena ser
pago (cf. PSILLOS, 1996, p. 42).
No fim de seu artigo, Psillos ainda faz uma crítica ao argumento da
indiferença de van Fraassen. Em suas palavras, o argumento seria o seguinte:
Admitamos que escolhemos a teoria T que explica melhor a evidência e. Um grande número de hipóteses ainda não criadas, inconsistentes com T, explicam e no mínimo tão bem quanto T. Somente uma teoria é verdadeira, T ou uma das hipóteses ainda não criadas. Todas as outras são falsas. Assim, devemos tratar T como „um membro qualquer desta classe‟, pois não conhecemos nada em relação ao seu valor-de-verdade, exceto que pertence à (provavelmente infinita) classe de teorias que explicam e. Mas então podemos inferir que T é
bastante improvável (PSILLOS, 1996, p. 43).
Psillos concorda com Armstrong e afirma que van Fraassen „está
fazendo uma troça‟, pois a sua suposição é bastante controversa. Por exemplo,
como sabemos antecipadamente que as hipóteses ainda não formuladas
explicam igualmente bem a evidência? Em outras palavras, “mesmo se
concedêssemos que sempre existem explicações possíveis ainda não criadas
de e, o que nos mostra que elas são tão boas explicações da evidência quanto
a oferecida por T?” (PSILLOS, 1996, p. 43). Se estas hipóteses não são tão
boas quanto T, elas não são tão prováveis quanto T.
A conclusão de Psillos é de que van Fraassen não forneceu boas razões
para abalar a confiança na inferência da melhor explicação vertical, pois tanto o
argumento do conjunto defeituoso quanto o argumento da indiferença
fracassam nessa tentativa.
O primeiro fracassa ao mostrar que os defensores da IBE devem apelar a um privilégio não garantido a fim de defender o raciocínio abdutivo, enquanto o segundo fracassa ao mostrar que é mais provável, sobre fundamentos a priori, que uma teoria alcançada por
meio de raciocínio abdutivo deva ser falsa do que verdadeira
(PSILLOS, 1996, p. 47).
Além disso, mesmo que estes dois argumentos de van Fraassen sejam
considerados interessantes, não se pode negar o fato de que eles colocam em
perigo não só a posição realista, mas também o próprio empirismo construtivo
de van Fraassen.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento do trabalho até aqui procurou apresentar as
principais críticas bem como as principais defesas do argumento da inferência
da melhor explicação enquanto um guia para a aceitação de teorias científicas.
Apesar de esclarecer alguns aspectos deste debate, a discussão – se tomada
numa perspectiva mais ampla – envolve muitos outros pontos que não foram
tratados neste trabalho. Desta forma, não se pretende através do mesmo
solucionar ou dissolver a discussão sobre a aceitação de teorias científicas,
sendo esta uma discussão que está longe de se encontrar esgotada devido a
sua vasta literatura e complexidade.
O que se pode ressaltar é a importância dos autores tratados para a
compreensão do debate sobre a inferência da melhor explicação. O trabalho de
Gilbert Harman se destacou como um dos precursores por trazer um novo
formato a este tipo de argumento, e, deste modo introduzí-lo no âmbito do
debate da filosofia da ciência. Para esclarecer a estrutura do argumento da
inferência da melhor explicação foram de grande ajuda os trabalhos dos
autores Peter Lipton e Stathis Psillos que se encontram entre os maiores
representantes desta discussão. Como foi visto também, as obras de van
Fraassen apresentaram grandes contribuições ao debate por apontar algumas
falhas no argumento da inferência da melhor explicação que não tinham sido
consideradas pela tradição até então. É claro que muitas dessas falhas
apontadas por van Fraassen se votaram contra o seu próprio empirismo
construtivo, como foi bem colocado por Psillos.
O que é importante também mencionar é que van Fraassen responde
em outros artigos as críticas feitas por Psillos, sendo assim, pode-se perceber
que o debate não se encontra finalizado, antes, a sua discussão vai além dos
aspectos tratados aqui – aspectos estes que foram limitados pelo tempo de
trabalho mas que terão a sua continuidade em trabalhos posteriores.
A conclusão que pode ser dada até o momento é a de que tanto a
escolha por uma concepção realista da ciência como a que foi colocada por
Psillos quanto a escolha pela concepção anti-realista apresentada por van
Fraassen resultam num comprometimento que consequentemente terá que
enfrentar diversas dificuldades para se justificar enquanto uma solução
adequada ao problema da aceitação de teorias científicas. Assim, os
defensores de ambas as posições possuem a árdua tarefa pela frente de
fornecer argumentos garantidos para a aceitação.
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