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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
Departamento de Letras e Artes Especialização em Estudos Literários
JOÃO BOSCO DA SILVA ([email protected])
VOAR, VERBO INTRANSITIVO (Em Memorial do Convento – de José Saramago)
Feira de Santana 2011
JOÃO BOSCO DA SILVA
VOAR, VERBO INTRANSITIVO (Em Memorial do Convento – de José Saramago)
Trabalho apresentado à Universidade Es-tadual de Feira de Santana, como um dos requisitos de avaliação da disciplina Câ-nones da Literatura Portuguesa, solicitado pela Profª. Alana de O. Freitas El Fahl.
Feira de Santana 2011
RESUMO
O desejo de voar despertou a minha curiosidade a partir da leitura e discussão do romance-ficcional Memorial do Convento (1982), de José Saramago, onde percebemos a temática por demais presente nas ações e sonhos das persona-gens, explicitando os seus desejos de galgar novos horizontes na perspectiva de voar, o que poderia possibilitar a conquista de uma liberdade por caminhos diversos a Baltazar, o padre Lourenço, o músico Domenico Scarlatti e Blimun-da, que colocaram asas da imaginação para funcionar, buscando na vontade das pessoas a força e energia como combustíveis para colocar no ar a “Passa-rola voadora”, libertando-se das coisas terrenas, olhando tudo de cima, fugindo do caminho da morte imposta pelo Santo Ofício, fazendo-os resplandecer em vida plena na ilusão do imaginário criativo que move as sensibilidades huma-nas. É sobre esse desejo presente na história que abordaremos nas entreli-nhas da obra de José Saramago, tentando desvendar as nuances psicológicas dessa intrínseca busca do ser humano no decorrer do tempo, cujas impressões estão tatuadas no texto e nas vozes dos envolvidos no enredo. Tratando-se de uma ficção, é certo que também estaremos voando um pouco a partir deste ponto.
Palavras-chave: Saramago, Memorial do Convento, Voar.
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1 INTRODUÇÃO
Neste artigo discutiremos o desejo de liberdade confirmado proposi-
tadamente no verbo “Voar”, que é ainda mais intransitivo na literatura, sendo
destacado logo desde o início, a partir do título deste artigo, após várias e refle-
tidas leituras do livro Memorial do Convento (1982), de José Saramago, onde
pude perceber no ser humano a vontade de voar, que por si só já se explica.
Portanto é um tema palpitante à disposição do leitor, muito próximo de outro
sentimento que também não precisa de explicação, que é o amor.
Em função dessa afinidade de conexão entre voar e amar, é que eu
fui descobrir na obra “Amar, verbo intransitivo” de Mário e Andrade, escrito em
1995, a inspiração do nome deste artigo, que confirma na gramática normativa
a conjugação dos verbos e sentimentos que são autoexplicáveis e intrínsecos
nas pessoas, quer seja de forma intencional ou não, poética, romântica ou es-
piritual, produzindo em seu interior o próprio imaginário, sem necessidade de
explicação ou complemento, como é o caso do desejo de voar, que está pre-
sente na mente das pessoas desde os primeiros idos da história da humanida-
de.
2. DOS FATOS:
2.1 MANIFESTAÇÕES DE VOAR
Não é à toa que Voar se confirma como um verbo de ação intransiti-
va também manifestada na literatura, sendo um suporte do imaginário, pois dá
sentido completo a quem quer experimentar a sensação de liberdade física ou
psicológica, soltando a alma pelos caminhos da criatividade.
O desejo de voar é um tema corrente e registro de mitos desde os
primórdios da humanidade. Um desses mitos mais conhecidos é o do vôo de
Dédalo e Ícaro, o filho. Dédalo era na Grécia antiga um grande inventor, arqui-
teto e escultor habilidoso, construindo e esculpindo na madeira suas obras com
tamanha perfeição, que amarrava as figuras produzidas, para que elas não sa-
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íssem andando. Por conta dessas notáveis habilidades, Minos, o rei da ilha de
Creta, o convidou para morar no castelo, orientando as construções de belís-
simos palácios. Dédalo e Ícaro viviam muito bem, até que um dia a rainha pe-
diu ajuda a Dédalo para conseguir trair o rei. Porém, sua majestade descobriu
a trama e decretou a prisão e tortura de Dédalo, ordenando que todos os navi-
os fossem vigiados, impossibilitando a fuga dele e do filho da ilha.
Para escapar da ilha, a única solução seria pelo ar, e por isso Déda-
lo usou de sua arte e astúcia, construindo dois pares de asas (um para ele e
outro para Ícaro) com penas coladas com cera, orientando o filho que não
voasse muito alto, próximo do Sol, para evitar que a cera derretesse. Ao levan-
tar vôo, Dédalo saiu da ilha a uma altura que não esquentou a cera, sendo
bem-sucedido ao seu intento, chegando à terra firme. Porém o seu filho Ícaro,
na astúcia da juventude, com desejo de voar até o infinito, foi subindo em dire-
ção ao sol, esquecendo-se do conselho do pai e ao se aproximar os raios sola-
res derreteram a cera das asas, fazendo-o cair no mar, afogando-se.
Não se sabe, exatamente, se essa foi a primeira manifestação do
desejo de voar do homem, mas é certo que essa ambição é muito antiga e
descrita na mitologia, na arte e na literatura.
Em Memorial do Convento, Saramago nos apresenta Blimunda, que
tem no sol uma luz profana tão intensa, que precisa fechar os olhos (cegar-se)
ao comer o pão em jejum, para enxergar a alma das pessoas, obtendo também
a força e energia como combustíveis para fazer voar a “Passarola voadora”.
Voar pelos céus seria, portanto, libertar-se das coisas terrenas, olhando tudo
de cima, fugindo do caminho da morte do Santo Ofício, fazendo resplandecer a
vida plena no imaginário criativo das sensibilidades humanas.
Na realidade, as personagens passam o romance inteiro “levantando
vôo”, dos seus territórios, povoados e casas, buscando nos deslocamentos as
energias (vontades) que fariam com que a Passarola pudesse realizar o sonho
mágico de alçar o azul do céu num vôo cheio de riscos e de inseguranças, mas
que valesse por toda uma existência.
O fato de a Passarola ter voado pela primeira vez foi a sensação de
experimentar a realização do sonho de liberdade, como um dos bens mais vali-
osos que o ser humano pode ter, ousando em seus percaminhos, como a pri-
meira coisa que se deve saber e poder realizar, num mergulho para dentro de
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si, onde estão as forças que ajudam a peregrinar até o extremo mais alto dos
céus, em sensações que se manifestam através da vontade sem fronteiras, em
sonhos que não precisam de explicações. Só de imaginação.
2.2 OS VOADORES DO SEU TEMPO
No ano de 1250, o inglês Roger Bacon1 escreveu um estudo sobre
as asas acionadas por pedais, como base em suas experiências realizadas
com pipas. Leonardo Da Vinci2, no início do século XVI, desenhou esquemas
de aparelhos muito parecidos com os atuais helicópteros, baseado em estudos
de anatomia dos pássaros. Na mesma época, o astrônomo polonês Nicolau
Copérnico3 causou escândalo ao afirmar que no sistema solar o centro seria o
Sol e não a Terra.
No século XVII, o físico inglês Isaac Newton4 formulou a lei da gravi-
dade e do movimento dos corpos celestes, tornando-se logo uma celebridade
reconhecida pelo jovem e brilhante astrônomo e matemático inglês Edmond
Halley (1656 – 1742) que morreu sem ver o cometa que ele descobriu e calcu-
lou a órbita, aparecer na Véspera de Natal de 1758. O Cometa Halley teve ou-
tras aparições brilhantes ainda em 1835, 1910, 1984 e 1985.
No século seguinte (XVII), Galileu Galilei5 aperfeiçoou a investigação
do espaço com a introdução do telescópio na sua ciência experimental moder-
na, o que em poucas semanas possibilitou fazer um mapa da face visível da
Lua. O Papa Barberini6 (Urbano VIII) era seu grande admirador e ao ser eleito
papa em 1616 opôs-se ao decreto do Santo Ofício e intercedeu em favor de
Galileu, mantendo com ele seis longas conversações, e encorajando o cientista
a escrever o que quisesse em defesa do sistema copernicano, porém sem usar
1 Inglês (1214 – 1294) acreditava que, embora a Bíblia seja a base de todo o conhecimento humano, podemos usar a razão a serviço do conhecimento. 2 Um gênio renascentista italiano. (Anchiano 1452 - Cloux 1519). 3 Nascido na Polônia em 1473, falecendo em 1543, após uma vida de grandes descobertas e de contri-buições à Astronomia. É considerado o fundador da Astronomia moderna. 4 (1642 – 1727) Nasceu no mesmo ano em que faleceu Galileu. Determinou que a forma da trajetória que uma massa em queda, sob a ação da gravidade. 5 15/02/1564 - 08/01/1642. Galilleu defendia a teoria e Copérnico e desenvolveu e aperfeiçoou o seu próprio telescópio, sendo o primeiro a observar as manchas solares, os quatro principais satélites de Júpiter e as fases de Vénus. 6 (1568 – 1644) (Maffeo Barberini) resolveu erguer um dossel de bronze no altar da basílica de São Pe-dro, em Roma, derretendo 90 toneladas de bronze do Panteão de Agripa, contrariando as autoridades.
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argumentos teológicos. Na mesma época, o astrônomo alemão Johannes Ke-
pler7 calculava a órbita elíptica dos planetas. Em 1749, Alexandre Wilson8 em-
pinou seis pipas presas em uma mesma linha e cada qual carregando um ter-
mômetro, determinando as variações de temperatura.
Em 1752 Benjamim Franklin9 fez uma experiência, prendendo uma
chave ao fio de uma pipa numa tempestade, captando a eletricidade, desco-
brindo o pára-raios, demonstrando a importância das pipas para a história e a
Ciência.
O homem, no afã e desejo de voar, cria a asa delta em 1951 através
do aeronauta americano Francis Rogallo, voando livre das amarras humanas,
tornando possível a realização do sonho de voar.
À medida que o desenvolvimento da ciência torna mais viável o so-
nho de voar, cresce na literatura o interesse pelo assunto. No século XVIII e
XIX, grandes escritores tentaram captar a força dos sentimentos quase mági-
cos provocados pela chamada "conquista do espaço". Por exemplo, o roman-
cista francês Jules Verne10, um dos pioneiros da ficção científica lançou em
1865 o livro "Da Terra à Lua", que conta a história de um homem enviado ao
espaço dentro de uma cápsula, impulsionada por uma espécie de canhão gi-
gante.
Outro exemplo que podemos citar é o livro "A Guerra dos Mundos"
que aborda a possibilidade de vida em outros planetas, publicado em 1898,
pelo escritor e historiador Inglês Herbert George Wells, que inspirou Orson
Welles ao dar a notícia ao vivo em 01/11/1938 pela Rádio CBS de que marcia-
nos estavam chegando à Terra na cidade de Nova Jersey (numa manhã após o
Halloween), causando pânico nas pessoas que começaram a fugir de suas ca-
sas. Tudo era uma grande brincadeira, gerada a partir da leitura daquele livro,
7 (1571 – 1630) Os muitos cálculos que Kepler teve de efetuar foram facilitados pelos logaritmos de Neper, sendo ele o primeiro a publicar a sua explicação. Publicou tabelas astronômicas (as “Tabulae Rudolphinae”). 8 (1766 – 1813) Nasceu em Paisley, Escócia. 9 17/01/1706, Boston, EUA - 17/04/1790, Filadélfia, EUA. Revolucionou a meteorologia. Criou mapas meteorológicos semelhantes aos usados ainda hoje. Engajou-se na campanha abolicionista, quando morreu, o funeral foi acompanhado por 20 mil pessoas. 10 Francês (08 /02/1828 - 24 /03/1905) Júlio Verne escreveu obras de aventura e ficção científica que influenciaram gerações como "Cinco Semanas em um Balão" (1863), "Viagem ao Centro da Terra" (1864), "Da Terra à Lua" (1865), "Vinte Mil Léguas Submarinas" (1869) e "A Volta ao Mundo em 80 Dias" (1872).
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mexendo com a alma e o sentimento dos americanos. Era a materialização do
imaginário acontecendo nas mentes das pessoas.
José Saramago, atento a essa evolução do ser humano, alimentado
pelo desejo de desvendar os segredos incontroláveis da ciência, coloca em seu
romance uma homenagem ao padre brasileiro Bartolomeu Lourenço de Gus-
mão11, que pelos idos de 1716, ignorando os fanatismos religiosos da época,
passou a desenvolver e mostrar o seu sonho e o desejo de voar, tornando-se
uma persona non grata para a Inquisição, tendo de fugir para a Espanha, doen-
te em Toledo, onde faleceu em 13/01/1724, praticamente no anonimato.
De acordo com o relato do romance, em 1709 o padre Bartolo-
meu Lourenço teve a ideia de construir uma máquina voadora. No capítulo VII,
por exemplo, ele informa esse desejo, mas que não tem dinheiro para realizá-
lo, expressando a vontade ao rei D. João V numa petição que enumerava as
vantagens e a utilidade futura do seu invento para as comunicações, guerra e
comércio. (p. 67) Ainda no mês de Agosto, ele realizou em Lisboa, a primeira
demonstração perante a corte portuguesa, da sua Passarola voadora, ainda
incipiente, pendurada numa espécie de balão. O século 18 foi uma época de
grandes descobertas, sendo essa máquina mais uma invenção mostrada como
projeto de uma aeronave imaginada a partir de estudos com as pipas, sempre
citada na história envoltas em mistérios, lendas, símbolos, mitos, magia, beleza
e encantamento, tudo porque o homem primitivo se deu conta da sua limitação
em se tratando da capacidade de voar, diferentemente dos pássaros, passando
a usar a tecnologia carregada de asas da imaginação. Leonardo Da Vinci de-
senhou máquinas voadoras, também baseadas na potencialidade das pipas.
Conta-se ainda que até o grande navegador Marco Polo12 (1254 - 1324) em
suas andanças pela China, ao ver-se encurralado por inimigos locais, fez voar
uma pipa gigante carregada de fogos de artifício presos de cabeça para baixo,
que explodiram no ar em direção à Terra, provocando o primeiro bombardeio
aéreo da história da humanidade.
11 (1685-1724) foi ordenado sacerdote da Companhia de Jesus e a partir de 1701 estudou matemática e física mecânica em Lisboa, dedicando-se aos seus inventos. 12 Mercador e viajante italiano (1254 - 1324). Nasceu em Curzola, na Dalmácia (atual Croácia). Na pri-são, em Gênova, narrou as aventuras no Oriente ao escritor toscano Rustichello, que redigiu o Livro das Maravilhas - A Descrição do Mundo, que se transformou num clássico traduzido para inúmeras línguas, contendo informações geográficas das viagens marítimas nos séculos XV e XVI.
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A representação da Passarola está colocada no contexto do roman-
ce como um mito proibido, do qual o homem depende para viver suas fantasias
e emoções, em voos espetaculares, a fim de mostrar que nada é impossível
quando se busca realizar grandes aventuras a partir de grandes sonhos. Pela
primeira vez na história da Humanidade, um globo de ar quente elevou-se no
ar, desafiando as leis da gravidade de Newton, na invenção dos aeróstatos de
Bartolomeu de Gusmão, apesar de que o registro da primeira viagem aeronáu-
tica é atribuído aos irmãos franceses Étienne e Joseph Montgolfier, em 1783.
No capítulo VI do livro, o padre Bartolomeu Lourenço pede ajuda a
Baltasar para fazer a sua máquina voadora (a Passarola), de acordo com um
desenho escrito num papel, mas Baltasar acha que não tem condições, pela
falta do braço esquerdo, mas o padre o anima, explicando que Deus é maneta
e mesmo assim fez todo o universo (p. 65). Baltasar fica animado e decide
ajudar o padre Lourenço na construção, mesmo tendo apenas um gancho no
lugar da mão esquerda, perdida numa guerra. Mas a mão esquerda faz falta.
Somente Deus pode viver sem ela, é porque é Deus. O homem precisa das
duas mãos. (p. 87)
Ao ver a máquina, perguntou Blimunda: “Que é isso?” (p. 90), anali-
sando os ferros em construção fez ainda outras perguntas sobre a sua utilida-
de. Baltasar, Blimunda e o padre Lourenço foram decisivos para colocar em
prática o sonho de voar. Baltasar, porque empregou seu trabalho físico e arte-
sanal; Blimunda emprestou seus dotes de capacidade mágica e o padre usan-
do os seus conhecimentos científicos. Na construção da Passarola ainda entra
um quarto elemento, esse com saber artístico. É o músico Domenico Scarlatti,
que passa a tocar enquanto os outros trabalham. Além disso, ele é determinan-
te na cura da doença de Blimunda, quando por uma semana inteira tocou cravo
(espécie de piano) dando forças para que ela se levantasse.
No Memorial do Convento o padre Bartolomeu ensina a Baltasar e
Blimunda sobre a alma (o éter), ou seja, a vontade dos homens que segura as
estrelas e o que Deus respira e o que fará voar a Passarola - não é a alma dos
mortos, mas a vontade dos vivos (p. 122), fazendo com que o tocador de Cra-
vo (piano) Domenico Scarlatti também demonstre o desejo de tocar no céu
voando na Passarola, se um dia ela vier voar. (p. 171)
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No romance Memorial do Convento em estudo também existia o
temor dos avanços tecnológicos pela Santa Inquisição, pois colidia frontal-
mente com a religião, e por isso o Padre Lourenço também entrou em pânico
quando soube que o Santo Ofício entendeu ser a Passarola uma arte demo-
níaca, e sugeriu a Baltasar e Blimunda que subissem no invento e fugissem
para bem longe, imediatamente. Teriam então que retirar a Passarola da abe-
goaria, local do esconderijo da máquina na cidade, sem deixar vestígios de
onde ela estava escondida, destruindo aquele lugar. (p. 186).
2.3 O SONHO DE VOAR NA LITERATURA E NO CINEMA
No cinema e TV foram lançados vários filmes e seriados com temas
de viagens espaciais, tais como: “Viagem à Lua” (1902), de Georges Méliès;
“Space Oddity” (1969), de David Bowie; “2001, Uma Odisseia no Espaço”
(1968), de Stanley Kubrick; Solaris; “Moon”, de Duncan Jones (2009); Perdidos
no espaço; “Os Eleitos” (1983), de Philip Kaufman; Tropas estelares; Apollo 13
(1995), de Ron Howard; Sunshine; Galática; Cargo; Zathura; etc.
Na literatura, em fevereiro de 1910, o famoso escritor Gabriele
D´Annunzio, a quem foi concedida a honra de voar por oito minutos com o pilo-
to americano Curtiss, publicou o romance aéreo Forse che sì, forse che
no (Talvez sim, talvez não) de quinhentas páginas. A primeira antologia de voo
surge em The poetry of flight (1925), de Stella Wolfe Murray. Realmente é de
se notar com muita frequência na literatura as figuras do aeroplano e do avia-
dor, consagradas na imaginação da década de 20. Em 1929, para mostrar que
as mulheres estão excluídas da cultura da aviação civil, Lady Health e Stella
Wolfe Murray publicam Woman and flying.(Mulheres voadoras)
A partir da segunda metade do século XX destacam-se Isaac Asi-
mov, escritor e bioquímico norte-americano de origem russa, que produziu mais
de trezentas obras, entre elas os clássicos como Nós, Robôs; Sonhos de Robô;
"Visões de Robô; Viagem Fantástica; e Nove Amanhãs. Podemos ainda citar
outros títulos com temas de viagens espaciais, como Jornada nas estrelas -
cemitério espacial, de A. C. Crispin; Expedição Especial Terra Novae, de Mi-
chael Holz; O guia do mochileiro das galáxias, de Douglas Adams; Espaço:
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projeto Barnard, de Germano do Carmo; Xisto no espaço, de Lucia Machado
Almeida; Triangulo espacial, de Guy Pinheiro de Vasconcellos; 2010, uma
odisséia no espaço II, de Arthur Clarcke; O homem e o espaço, de Arthur C.
Clarke; Como os astronautas vão ao banheiro?, de Jorge Luiz Calife; Sobre o
tempo as estrelas, de Arthur C. Clarke; A ciência de Star Wars, de Jeanne Ca-
velos; Telegramas para Marte, de Eduardo Dorneles Barcelos; Viagens espaci-
ais, a conquista do céu, de Elvira de Oliveira; Eram os Deuses Astronautas?,
de Erich Von Daniken; E daqui para onde vamos? de Issac Asimov; Viagem em
torno do sol, de Carlos Alberto Lobão Cunha e Oscar Negrão; A vida no espa-
ço, de Cristina Souto, As asas de um Anjo, de José de Alencar; Uma Águia
sem asas, de Machado de Assis, dentre tantos outros trabalhos literários.
O sucesso de livros e filmes mostra que o imaginário coletivo estava
repleto de fantasias sobre os outros mundos. Não é por acaso que desde os
anos 60 multiplicaram-se os casos de pessoas afirmando ter visto discos voa-
dores. Na ficção científica e na imaginação das pessoas é fácil viajar Universo
adentro, mas na realidade o homem precisou trabalhar muito até chegar o
grande momento: o desembarque de um astronauta em solo lunar, na Apollo
11 em 20/07/1969. O astronauta Neil Armstrong disse ser "Um pequeno passo
para o homem, um salto gigantesco para a humanidade" ao pisar no solo da
Lua, em companhia do piloto Edwin Aldrin. Michael Collins permaneceu na na-
ve. De lá viam a Terra, como apenas uma pequena bola azul solta no ar.
No Memorial do Convento, Saramago também faz a máquina voar
com seus três “astronautas”: o Padre Lourenço, Baltasar e Blimunda. Lá de
cima eles estão vendo os rios, o mar e Lisboa. Baltasar agarrou Blimunda e
chorou. (p. 189) Depois de muito tempo começam a ver Mafra e a
obra do convento, lá do céu. É minha terra! Grita Baltasar.(p. 194) A Passarola
pousa no chão no Monte Junco (p. 196);
Na ficção de Saramago, o projeto é menos mirabolante e menos
oneroso, recebendo o nome de Passarola voadora, capaz de soltar a imagina-
ção do povo português, acorrentada pela letargia. Por isso o narrador leva Bal-
tasar até o morro do Junco e o faz entrar desastrosamente na Passarola voa-
dora. Pensando que poderia desmontá-la e levá-la para Mafra, Baltasar pisa
num lugar errado e quebra duas tábuas de sustentação da máquina, que ro-
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dopiou e subiu, num dia em que não havia uma nuvem no céu. (p.326). Foi
um lançamento desastroso e sem controle.
3 CONCLUSÃO
A abordagem favorece à conclusão de que o verbo voar é mesmo in-
transitivo (não precisa de complemento). Voar é voar! Essa constatação deu-se
pela comparação com da utilização do verbo “amar” na obra de Mário de An-
drade, ocorrida numa iniciação amorosa do adolescente Carlos, que tem a pro-
fessora Fräulein, contratada pelo seu pai para lhe ensinar tudo sobre o amor. O
núcleo da narrativa é o uso das “asas da imaginação” para voar em seus delí-
rios sentimentais e amorosos. Portanto, para alçar um voo psicológico no amar
também é preciso criar asas e percorrer os espaços da alma, onde são cultiva-
dos os sentimentos.
No romance de Saramago em estudo também apresenta o seu
enigmático e trágico final, ao sumir a Passarola no ar com Baltazar dentro,
deixando Blimunda por vários dias sem sossego, andando, procurando e gri-
tando por Baltazar desde Junco, o local ou o ninho onde a nave estava guar-
dada por último e sumiu, pois havia levantado voo. (p. 330) Durante nove
anos ela procurou por Baltasar, voltando aos mesmos lugares onde já houvera
passado, perguntando sempre se alguém o havia visto. O povo por onde an-
dava julgava que ela estava doida, colocando-lhe o apelido de Voadora, por
causa da estranha história que contava. (p. 343)
Blimunda andou milhares de léguas, por Portugal e até Espanha.
Na sétima vez que passara por Lisboa ela encontrou Baltasar, sendo queima-
do pela Santa Inquisição, junto com 10 condenados. Ela o reconhece mesmo
já queimado, percebendo a falta da mão esquerda. Uma nuvem fechada está
dentro do seu corpo. Ela fica com um misto de sentimentos entre alívio e re-
signação. Ela entende que assim como o amor, “voar” também não nos impõe
fronteiras e nem nos impede de atingir o éter, basta soltar a imaginação e se
deixar levar pelos sonhos e caminhos abertos pela literatura, por exemplo.
Se quisermos trilhar um pouco pala psicologia, veremos que o
“Complexo de Jonas” é o desejo de irmos além da imagem que nossos pais
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têm de nós ou que a sociedade nos propõe. Em hebreu “Jonas” significa “pom-
ba das asas aparadas”. É o conflito do desejo de voar com o medo de tirar os
pés do chão. Mas não basta ter asas, é preciso saber voar, não basta ter uma
bússola, é preciso saber interpretá-la. Nessa concepção Voar torna-se um pro-
duto do desejo inconsciente do homem que quer realizar o naturalmente irreali-
zável, transpondo fronteiras dos próprios limites, fazendo-o sentir-se poderoso,
permitindo que se arrisque na transgressão da sua condição humana, aproxi-
mando-se de deuses e mitos, lançando-se rumo ao desconhecido, ao não tér-
reo, à morada dos deuses, como fizeram Dédalo e Ícaro.
A Passarola é um balão pintado por Saramago, com toda tecnologia
da época, tornando-se um mito proibido, oferecido para uso das personagens
viverem suas fantasias e emoções, voando na utopia de um novo Portugal em
crise, buscando a realização de sonhos e mudanças impossíveis desejados
pelo povo português. Essa possibilidade foi aberta como uma constatação de
que é a partir de grandes aventuras que se consegue realizar os grandes so-
nhos, mesmo que tenha de sofrer os percalços dessa empreitada.
José Saramago, em sua genialidade, usa o Complexo de Jonas no
Memorial do Convento sem especificar em nenhum momento que está tocando
nesse assunto, para transpor o mito do sonho de voar como uma projeção de
liberdade, normalmente presente nos seres humanos, numa ficção contada
dentro de um enredo real contato sobre as ruínas de Portugal, seu país, mos-
trando que independentemente do espaço e do tempo, o sonho de ser livre vai
se construindo e perpetuando no imaginário do homem, se estiver repleto de
desejo e disposição. Sair da letargia é preciso. Voar é preciso, vivendo o im-
preciso.
“Navegar é preciso; Viver não é preciso” - Fernando Pessoa.
“Vem, chamou Blimunda, desprendeu-se da vontade de Baltasar,
mas não subiu para as estrelas, pois ele pertence a ela e os dois pertencem a
terra”. (p. 347). Estava ali a libertação definitiva de Baltazar, que tanto queria
voar sobre as cabeças da opressão, escravismo e mortes cruéis, em busca
do éter, até pousar nos braços terrenos e eternos da amada. Ela agora é a
heroína dele e ele finalmente está a salvo no coração dela. Ela pertence a
ela, e ele pertence a ela. Agora eles estarão sempre juntos, voando nos seus
sonhos, num céu de brigadeiro.
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guro e suas asas de cera derreteram; ou eles serão como Dédalo, que fez um voo seguro e
pousou em terra firme? Será que estão fazendo dos Estudos Literários algo que vai derre-
ter próximo ao sol da imaginação? Só o tempo dirá a resposta!
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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http://literaturaonline.com.br/old/saramago2/saramago2.htm>acesso em 12.dez 2011.
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A máquina de voar planejada por Da Vinci
O 14 Bis de Santos Dummont
1906: o vôo histórico do 14-Bis
Igreja do séc. XVII: a Terra no centro
Von Braun e o V-2, sua criação mortífera
O homem no espaço: superioridade
Espaço: tema de diversos filmes
1968 - Homens na Lua: façanha dos EUA
Possível imagem de Ícaro
As pipas e a energia