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Psicologia Escolar: Compromissos e perspectivas. Por: Gustavo Cezar de Albuquerque. Matricula: 201402096143TRANSCRIPT
Universidade Estácio de Sá – RJ
Curso de Graduação em Psicologia.
Psicologia Escolar:
Compromissos e perspectivas.
Por:
Gustavo Cezar de Albuquerque. Matricula: 201402096143
UNESA-RJ
2015
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Universidade Estácio de Sá – RJ
Curso de Graduação em Psicologia.
Psicologia Escolar:
Compromissos e perspectivas.
Por:
Gustavo Cezar de Albuquerque. Matricula: 201402096143
TCC. Trabalho de Conclusão de
curso apresentado à banca da
UNESA-RJ como Requisito
mínimo a obtenção do Título de
bacharel em Psicologia.
UNESA-RJ
2015
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Universidade Estácio de Sá – RJ
Curso de Graduação em Psicologia.
Agradecimento:
Em 1º lugar: Quero agradecer
ao.:.G.A.D.U.:. Minha inesgotável fonte
de inspiração, Fonte de toda boa dadiva e
energia Vital indispensável ao
desenvolvimento pleno do Ser Humano.
Em 2º lugar: Agradeço a todos os meus
irmãos da .:.G.L.J.G.O.B.:. por terem sido
verdadeiros irmãos e incentivadores no
que diz respeito ao termino desta
Graduação.
Em 3º lugar: a todo o corpo docente da
UNESA-RJ e em especial a Coordenação
do curso de Psicologia; Em fim a todos
aqueles que de um modo geral
contribuíram com a concretização desta
Graduação.
UNESA-RJ
2015
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Universidade Estácio de Sá – RJ
Curso de Graduação em Psicologia.
Dedicatória:
Em 1º lugar: Dedico este Trabalho de
conclusão de curso a minha saudosa mãe:
Maria José de Albuquerque. Esta que
mesmo sem ter tido a oportunidade de
estudar deu-me o primeiro sentido do que
é ser um cidadão.
Em 2º Lugar: Dedico a minha amada
família composta por: Esposa: Claudete
Maria de Albuquerque. Filhos: Raaby
Gabriele de Albuquerque. Italo Miriosmar
de Albuquerque.
UNESA-RJ
2015
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Universidade Estácio de Sá – RJ
Curso de Graduação em Psicologia.
Folha de Aprovação:
Banca:
____________________________ Professor(a) Dr(ª).
____________________________ Professor(a) Dr(ª).
____________________________ Professor(a) Dr(ª).
____________________________ Professor(a) Dr(ª).
____________________________ Professor(a) Dr(ª).
____________________________ Formando: Gustavo Cezar de Albuquerque.
Matricula: 201402096143-RJ
Este TCC foi aprovado em: / / 201
UNESA-RJ
2015
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RESUMO
A articulação da Psicologia com a Educação oportunizou a emergência do psicólogo escolar,
profissional que por muito tempo se caracterizou por classificar e ajustar, à escola, os alunos
com dificuldades escolares, aplicando o conhecimento psicológico ao contexto escolar. A
partir de avanços teóricos e práticos relativos à Psicologia e de uma postura crítica diante da
atuação da área nas escolas, a relação Psicologia-Educação se modificou, configurando-se por
interdependência de conhecimentos. Nesta nova configuração, a Psicologia Escolar passou a
valorizar as relações e o contexto histórico no qual as dificuldades se instalam e, atualmente,
caracteriza-se por uma atuação preventiva e relacional que valoriza a participação do
professor e o cuidado com sua saúde psíquica. A Psicologia Escolar tem, hoje, o desafio de
ampliar seu campo de atuação para outros contextos e níveis educativos e sistematizar ações
diferenciadas que promovam o desenvolvimento e a aprendizagem dos envolvidos no
cotidiano escolar.
Palavras-chave: Psicologia, Educação, Psicologia escolar, Atuação preventiva e síndrome de
burnout.
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ABSTRACT
The Psychology and the Education articulations generated the emergence of the school
psychologist, professional who had been characterized by classify and adjust, to the school,
students with learning difficulties by the application of psychological knowledge to the school
context. From theoretical and practical advances relating to psychology and a critical position
ahead the area‟s actuation in schools, the Psychology-Education relationship has changed,
configuring itself for an interdependence of knowledge. In this new setting, the School
Psychology came to enhance relations and historical context in which the difficulties are
established, so that today it‟s characterized by a preventive and relational perspective, by the
teachers‟ participation and the care for their mental health. The School Psychology has, today,
the challenge of to extend its actuation to others contexts and education levels and organize
differentiated actions that promote development and learning of people involved in the daily
school.
Keywords: Psychology, Education, School psychology, Preventive actuation and burnout
syndrome.
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Introdução
Numa perspectiva mais ampla, poder-se-ia tratar a Psicologia Escolar por algumas de suas
articulações mais antigas. A Grécia Antiga, entre outras civilizações, constitui-se numa rica
fonte de estudos, por sintetizar, em sua produção filosófica, a teoria do conhecimento, as
idéias psicológicas e as propostas sistemáticas de educação da juventude e sua correspondente
ação pedagógica. É possível, nessa perspectiva, estudar Protágoras e os sofistas, Pitágoras e a
escola pitagórica, Sócrates e a maiêutica, Platão e a Academia, Aristóteles e o Liceu, entre
muitos outros. Por esse mesmo foco é possível estudar o pensamento medieval, em que
filosofia/teologia, educação/pedagogia e idéias psicológicas permaneceram intimamente
articuladas. A modernidade trará uma complexidade que amplia muito o espectro de análise
dessas relações, proporcionando um campo quase incomensurável de estudos, que estende
para a contemporaneidade suas determinações e nela se faz presente. Em última análise, pode-
se afirmar que a relação entre psicologia e educação, sobretudo em suas mediações com as
teorias de conhecimento, é algo que acompanha a própria história do pensamento humano e
constitui-se como complexo e extenso campo de estudo. Esta não é a perspectiva que será
aqui tratada, mas reiterá-la é necessário para indicar a complexidade e a totalidade da qual faz
parte o foco sob o qual a Psicologia Escolar será abordada neste TCC, qual seja, a Psicologia
Escolar e Educacional no Brasil.
O presente TCC compõe-se de uma discussão inicial sobre alguns pressupostos do estatuto da
Psicologia Escolar e Educacional, uma breve história das relações entre psicologia e educação
no Brasil e um ensaio sobre os compromissos e as perspectivas colocadas para a construção
de uma Psicologia Escolar comprometida socialmente com os interesses da maioria da
população.
Estatuto da Psicologia Escolar: alguns pressupostos
Essa discussão exige, antes de mais nada, a explicitação de alguns conceitos presentes nos
termos da expressão Psicologia Escola.
Entendemos educação como prática social humanizadora, intencional, cuja finalidade é
transmitir a cultura construída historicamente pela humanidade. O homem não nasce
humanizado, mas torna-se humano por seu pertencimento ao mundo histórico-social e pela
incorporação desse mundo em si mesmo, processo este para o qual concorre a educação. A
historicidade e a sociabilidade são constitutivas do ser humano; a educação é, nesse processo,
determinada e determinante.
A escola pode ser considerada como uma instituição gerada pelas necessidades produzidas
por sociedades que, por sua complexidade crescente, demandavam formação específica de
seus membros. A escola adotou ao longo da história diversas formas, em função das
necessidades a que teria que responder, tendo sido, em geral, destinada a uma parcela
privilegiada da população, a quem caberia desempenhar funções específicas, articuladas aos
interesses dominantes de uma dada sociedade. Essa realidade deve ser, no entanto,
compreendida também a partir de suas contradições, sobretudo a concepção de escola como
instância que se coloca hoje como uma das condições fundamentais para a democratização e o
estabelecimento da plena cidadania a todos, e que, embora não seja o único, é certamente um
dos fatores necessários e contingentes para a construção de uma sociedade igualitária e justa.
8
Sob essa perspectiva, a escola, tal como nós a concebemos, tem como finalidade promover a
universalização do acesso aos bens culturais produzidos pela humanidade, criando condições
para a aprendizagem e para o desenvolvimento de todos os membros da sociedade.
A pedagogia pode ser entendida como fundamentação, sistematização e organização da
prática educativa. A preocupação pedagógica atravessa a história, sustentando-se em
diferentes concepções filosóficas, constituindo-se sob diversas bases teóricas e estabelecendo
várias proposições para a ação educativa. Com o desenvolvimento das ciências a partir da
modernidade, o conhecimento científico tornou-se sua principal base de sustentação.
A Psicologia Educacional pode ser considerada como uma sub-área da psicologia, o que
pressupõe esta última como área de conhecimento. Entende-se área de conhecimento como
corpus sistemático e organizado de saberes produzidos de acordo com procedimentos
definidos, referentes a determinados fenômenos ou conjunto de fenômenos constituintes da
realidade, fundamentado em concepções ontológicas, epistemológicas, metodológicas e éticas
determinadas. Faz-se necessário, porém, considerar a diversidade de concepções, abordagens
e sistemas teóricos que compõem o conhecimento, particularmente no âmbito das ciências
humanas, das quais a psicologia faz parte. Assim, a psicologia da educação pode ser entendida
como sub-área de conhecimento, que tem como vocação a produção de saberes relativos ao
fenômeno psicológico constituinte do processo educativo.
A Psicologia Escolar, diferentemente, define-se pelo âmbito profissional e refere-se a um
campo de ação determinado, isto é, o processo de escolarização, tendo por objeto a escola e as
relações que aí se estabelecem; fundamenta sua atuação nos conhecimentos produzidos pela
psicologia da educação, por outras sub-áreas da psicologia e por outras áreas de
conhecimento.
Deve-se, pois, sublinhar que psicologia educacional e psicologia escolar são intrinsecamente
relacionadas, mas não são idênticas, nem podem reduzir-se uma à outra, guardando cada qual
sua autonomia relativa. A primeira é uma área de conhecimento (ou sub-área) e, grosso modo,
tem por finalidade produzir saberes sobre o fenômeno psicológico no processo educativo. A
outra constitui-se como campo de atuação profissional, realizando intervenções no espaço
escolar ou a ele relacionado, tendo como foco o fenômeno psicológico, fundamentada em
saberes produzidos, não só, mas principalmente, pela sub-área da psicologia, a psicologia da
educação.
A construção da relação psicologia-educação
A partir da emergência da Psicologia enquanto área de conhecimento, pesquisa, produção de
conhecimento e prática profissional, sua articulação com a Educação passou a se configurar
como um dos campos de atuação dos psicólogos, apesar de pouco escolhida pelos
profissionais, os quais se detiveram, historicamente, mais ao psicodiagnóstico e à avaliação
psicológica (CRUCES, 2003). A inserção da Psicologia nas escolas foi marcada por objetivos
fortemente adaptacionistas, nos quais predominava a necessidade de corrigir e adaptar, à
escola, o aluno portador de um problema de aprendizagem (CORREIA ; CAMPOS, 2004;
TANAMACHI, 2000). Esta adaptação se realizava, no passado, a partir da aplicação de
recursos psicométricos, entendidos como função do psicólogo.
9
O psicodiagnóstico e a avaliação psicológica, dotados de aplicações e técnicas próprias, foram
atividades consideradas inerentes e exclusivas do psicólogo, prevalecendo, prioritariamente,
nos seus diversos contextos de atuação, inclusive no educacional (CRUCES, 2003). Assim
sendo,
a adoção dos instrumentos psicológicos de classificação no interior das instituições educativas
se encontra, no nosso país, na origem do que se conhece como a Psicologia Escolar e
Educacional. Tais procedimentos refletiam a migração, para o interior da escola, do modelo
clínico de atuação e do seu instrumental. (CAMPOS; JUCÁ, 2003, p. 39).
Foi, portanto, nesse contexto adaptacionista e de correção, que emergiu a figura do psicólogo
escolar ou psicólogo educacional, convocado à escola para resolver problemas que surgiam
neste espaço de formação. Um levantamento histórico acerca da atuação do psicólogo escolar
constata que:
A psicologia, enquanto instrumento aplicado às práticas educacionais, se origina justamente
no final do século XIX, com o empenho de educadores e cientistas do comportamento em
classificarem crianças com dificuldades escolares e proporem às mesmas métodos especiais
de educação, a fim de ajustá-las aos padrões de normalidade definidos pela sociedade.
(YAZLLE, 1997, p. 15).
No entanto, a aplicação desse modelo médico de intervenção na escola conduziu à
patologização e psicologização do espaço escolar por atribuir ao próprio aluno a culpa por
suas dificuldades de aprendizagem e por isentar outras instâncias das suas responsabilidades
educativas (CAMPOS; JUCÁ, 2003; NEVES, 2001; NEVES; ALMEIDA, 2003; YAZLLE,
1997).
Com o passar dos anos e com a revisão crítica acerca da formação e atuação do psicólogo,
reformulações e avanços foram dando contorno à área, de forma que os profissionais
procuraram não mais se coadunar “à descontextualização e fragmentação do indivíduo, à
naturalização dos fenômenos do desenvolvimento humano, à negação do caráter histórico-
cultural da subjetividade, à tentativa de „psicologização‟ no cenário educacional” (ARAÚJO,
2003, p. 9).
As mudanças vêm ocorrendo de forma que se encontram, cada vez mais, relatos de
experiências de psicólogos que se preocupam em não culpabilizar o aluno pelas dificuldades
que enfrenta e tentam conscientizar os demais profissionais de que a problemática do aluno
está inserida em uma gama maior de determinantes que não apenas os individuais, os
familiares ou os psico-afetivos (CRUCES, 2003; NEVES; ALMEIDA, 2003; NEVES;
MACHADO, 2005).
Vê-se, portanto, que o vínculo inicial da relação entre a Psicologia e a Educação, que se
caracterizava pela aplicação acrítica das teorias psicológicas às questões educacionais, não se
manteve ao longo da história entre esses dois campos científicos, dando lugar a uma relação
de interdependência. A aplicabilidade da Psicologia à Educação foi fortemente criticada por
não se entender como adequado o uso dos conhecimentos psicológicos para adaptar os alunos
à escola, normatizando posturas, princípios e relações de acordo com o que é esperado pela
instituição.
10
Além disso, a aplicação dos conhecimentos psicológicos na educação sem a devida reflexão,
análise e planejamento, acabavam por gerar processos de exclusão em relação a um conjunto
de alunos, uma vez que tais conhecimentos eram apropriados de forma descontextualizada e
sem referência à natureza histórico-cultural do ser humano, desconsiderando a realidade
social dos alunos e de suas famílias.
A partir de processos de avaliação e reflexão acerca da relação que se estabeleceu entre o
conhecimento psicológico e a educação, transformações foram geradas tanto na formação do
psicólogo escolar quanto em sua atuação. Como desdobramento deste processo de crítica e
reformulação da atuação em Psicologia Escolar, reconhece-se tentativas no sentido de definir
o que venha a ser a Psicologia Escolar e de delimitar seu campo de atuação, bem como de
apresentar alternativas teórico-práticas que orientem o trabalho dos psicólogos escolares.
Sendo assim, a próxima seção traz, inicialmente, reflexões acerca do que seja a Psicologia
Escolar e seu campo de atuação.
Psicologia escolar como campo de atuação do Psicólogo
O entrelaçamento entre a Psicologia e a Educação trouxe, para o contexto educativo, um novo
profissional: o psicólogo escolar. Entretanto, definir o papel deste profissional e estabelecer
seu campo de atuação é uma tarefa complexa, apesar de extremamente necessária, uma vez
que co-existem posicionamentos diferentes acerca do que é a Psicologia Escolar. González
Rey (1997) e Mitjáns Martínez (2003) apontam que tais diferenças encontram suas raízes na
fragmentação da Psicologia, do conhecimento e, conseqüentemente, do indivíduo, em áreas
ou partes segmentadas. Tal fragmentação se reflete no debate do que se entende por
Psicologia Escolar e sobre quais são as características que a distingue de outros campos e
áreas da Psicologia.
Tentando esclarecer tais colocações, Mitjáns Martínez (2003) aponta que “a psicologia
escolar é, de fato, a expressão da psicologia (na sua dupla condição de produção científica e
de trabalho profissional) no contexto escolar” (p. 107). Nesse sentido, a Psicologia Escolar se
refere à Psicologia na escola, com todas as suas possibilidades e implicações no que diz
respeito ao processo educativo.
Representando uma intersecção entre a Psicologia e a Educação, o termo Psicologia Escolar
se confunde, muitas vezes, com Psicologia Educacional ou Psicologia da Educação. Em
relação a estas terminologias, acredita-se, assim como Araújo (2003), que a confusão ocorre
em decorrência de concepções dicotômicas entre prática e teoria que atribuem à Psicologia
Escolar o caráter prático e à Psicologia da Educação ou Educacional a função da construção
de conhecimentos que possam ser úteis ao processo educacional.
Essa distinção que separa teoria e prática traz, como conseqüência, uma dissociação entre o
exercício profissional do psicólogo na escola e as elaborações teóricas necessárias a tal
exercício. Discordando desta visão dicotômica acredita-se que a Psicologia Escolar define-se
como um campo de produção de conhecimentos, de pesquisa e de intervenção e que, entre
outras atribuições, assume um compromisso teórico e prático com as questões relativas à
escola e a seus processos, sua dinâmica, resultados e atores (MARINHO-ARAÚJO;
ALMEIDA, 2005).
11
Nesse sentido, a Psicologia Escolar é entendida como um campo de atuação profissional do
psicólogo e, também, de produção científica, caracterizado pela inserção da Psicologia no
contexto escolar, sendo que o objetivo principal deste campo é mediar os processos de
desenvolvimento humano e de aprendizagem, contribuindo para sua promoção. Mitjáns
Martinez (2003) conceitua a Psicologia Escolar como:
Um campo de atuação profissional do psicólogo (e eventualmente de produção científica)
caracterizado pela utilização da Psicologia no contexto escolar, com o objetivo de contribuir
para otimizar o processo educativo, entendido este como complexo processo de transmissão
cultural e de espaço de desenvolvimento da subjetividade. (p. 107).
Dessa forma, a autora aponta que a especificidade do que se denomina Psicologia Escolar está
dada, hoje, pela conjunção de dois elementos: por seu objetivo de contribuir para a promoção
do processo educativo e pelo espaço de sua atuação, qual seja o das instituições do sistema
escolar, sendo que essas delimitam um espaço que não se reduz à escola, apesar deste ser o
espaço fundamental de atuação profissional.
Em relação ao contexto de atuação, alguns autores consideram que o psicólogo escolar se
define independentemente do espaço profissional que possa ocupar, enquanto outros assumem
que a escola é o espaço preferencial e específico de sua atuação. Meira (2000) e Tanamachi
(2000), por exemplo, defendem que o espaço de atuação do psicólogo escolar se estende para
outros contextos profissionais que não necessariamente a escola, uma vez que entendem que o
psicólogo escolar se define como tal por estar inserido na Educação e não propriamente na
escola. Nesse ponto de vista a Psicologia Escolar “enquanto área de estudo e de aplicação dos
conhecimentos da Psicologia à Educação escolar efetiva-se menos pela ocupação de um
espaço específico – a escola – do que pela definição de objetivos e finalidades”
(TANAMACHI, 2000, p. 92).
Por outro lado, Araújo (2003) e Marinho-Araújo e Almeida (2005) discordam das posições
que sustentam não ser a escola o espaço preferencial e específico de atuação do psicólogo
escolar. A identidade do psicólogo escolar constitui-se “a partir da imersão na escola,
enquanto espaço institucional de efetivação concreta da condição humana dos sujeitos
participantes e enquanto locus privilegiado para a ocorrência do processo de canalização
cultural” (ARAÚJO, 2003, p. 13).
A identidade do psicólogo escolar e a especificidade de sua atuação são dadas, sobretudo, pela
configuração de um campo de atuação profissional, e não por um campo de saberes
delimitado por uma abordagem teórica e/ou metodológica. Em sua atuação profissional o
psicólogo escolar utiliza múltiplos e diversos conhecimentos, organizados em diferentes áreas
da Psicologia, para contribuir com os processos de aprendizagem e de desenvolvimento que
ocorrem no contexto escolar (MITJÁNS MARTINEZ, no prelo). Ademais, a especificidade
da Psicologia Escolar advém da articulação que o profissional faz dos diversos conhecimentos
psicológicos na direção de mediar às relações entre aprendizagem e desenvolvimento que têm
lugar no contexto escolar.
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Tendo essa discussão como pano de fundo, assume-se que a escola é o contexto principal de
atuação do psicólogo escolar, apesar de não se configurar como o único, uma vez que
atuações relevantes em Psicologia Escolar têm se desenvolvido em outros contextos
educativos, como é o caso de creches (CAMPOS, 2001; SAYÃO; GUARIDO, 1997;
VECTORE; MAIMONE, 2007; YOKOY; PEDROZA, 2005), cursinhos pré-vestibulares
(LIMA, 2005; MAYNHONE, SANTOS; MARINHO-ARAÚJO, 2007; SILVA, COSTA;
FERREIRA, 2005; SILVA, RAMOS; NEVES, 2005) e Organizações Não Governamentais -
ONGs (CARVALHO, 2007; DADICO, 2003; SOARES, 2008).
Pelo exposto, evidencia-se que a atuação da Psicologia Escolar relaciona-se com contextos de
natureza educativa nos quais os processos de aprendizagem e de desenvolvimento humano, e
a relação que se estabelece entre eles, são tidos como foco do trabalho. A intervenção
desencadeada pelo profissional da área volta-se, essencialmente, para a mediação desses
processos com o objetivo precípuo de promovê-los.
Relações entre Psicologia e Educação no Brasil: uma breve história
A história da Psicologia Escolar e Educacional no Brasil pode ser identificada desde os
tempos coloniais, quando preocupações com a educação e a pedagogia traziam em seu bojo
elaborações sobre o fenômeno psicológico. Massimi (1986; 1990), ao estudar obras
produzidas no período colonial, no âmbito da filosofia, moral, educação e medicina, entre
outras, identifica temas como: aprendizagem, desenvolvimento, função da família, motivação,
papel dos jogos, controle e manipulação do comportamento, formação da personalidade,
educação dos indígenas e da mulher, entre outros temas que, mais tarde, tornaram-se objetos
de estudo ou campos de ação da psicologia. É importante destacar que a maioria desses
escritos estava comprometida com os interesses metropolitanos e expressava as mazelas de
sua dominação na colônia. Entretanto, há contradições, sendo que algumas dessas obras
assumiram posições que se opunham aos ideais da metrópole, como a defesa da educação
feminina, entre outras. Além disso, várias obras não apenas trataram de temas que viriam a ser
próprios da psicologia, mas os trataram de maneira bastante original, antecipando formulações
que viriam a ser incorporadas pela psicologia do século XX.
No século XIX, idéias psicológicas articuladas à educação foram também produzidas no
interior de outras áreas de conhecimento, embora de maneira mais institucionalizada. No
campo da pedagogia, escolas normais (criadas a partir da década de 1830) foram espaços de
discussão, ainda que incipientes e pouco sistemáticos, sobre a criança e seu processo
educativo, incluindo temas como aprendizagem, desenvolvimento, ensino e outros. Em
meados do século, essa preocupação torna-se mais sistemática e freqüente e, nos anos finais
desse mesmo século, é possível perceber a incorporação de conteúdos que mais tarde viriam a
ser considerados como objetos próprios da psicologia educacional, com particular interesse
por temas anteriormente estudados, como aprendizagem e desenvolvimento, mas também por
outros que já seriam considerados expressões da psicologia do século XX, como a
inteligência, por exemplo. Deve-se destacar, no âmbito oficial, a Reforma Benjamin Constant,
de 1890, que transformou a disciplina filosofia em psicologia e lógica, que, por
desdobramento, gerou mais tarde a disciplina pedagogia e psicologia para o ensino normal.
Data dessa época a introdução, ainda que assistemática e pontual, do ideário escolanovista,
que só mais tarde viria a se tornar hegemônico no pensamento pedagógico e teria na
psicologia seu principal fundamento cientifico.
13
Os anos finais do século XIX e os primeiros anos do século seguinte trazem mudanças
profundas na sociedade brasileira: fortalecimento do pensamento liberal; busca da
"modernidade"; luta contra a hegemonia do modelo agrário-exportador, em direção ao
processo de industrialização. Essas novas idéias traziam em seu bojo um novo projeto de
sociedade, que exigia uma transformação radical da estrutura e da superestrutura social, para o
qual seria necessário um novo homem, cabendo à educação responsabilizar-se por sua
formação.
Nesse contexto, o debate sobre a educação tomou vulto, com a defesa da difusão da
escolaridade para a massa da população e uma maior sistematização das idéias pedagógicas,
com crescente influência dos princípios da Escola Nova. Assim, as escolas normais passaram
a ser o principal centro de propagação das novas idéias, baseadas nos princípios
escolanovistas, com vistas à formação dos novos professores, encarregando-se do ensino, da
produção de obras e do início da preocupação com a produção de conhecimentos por meio
dos então inaugurados laboratórios de psicologia, fatores estes que deram as bases para as
reformas estaduais de ensino promovidas nos anos 1920 e foram por estas potencializados.
Foi nesse quadro que ocorreu, paulatinamente, a conquista de autonomia da psicologia como
área especifica de conhecimento no Brasil, deixando de ser produzida no interior de outras
áreas do saber, sendo reconhecida como ciência autônoma e dando as condições para que, por
essa via, penetrassem os conhecimentos da psicologia que vinham sendo produzidos na
Europa e nos Estados Unidos.
Assim, percebe-se uma interdependência entre psicologia e educação, sobretudo pela via da
pedagogia, a partir da articulação entre saberes teóricos e prática pedagógica. Pode-se afirmar
que o processo pelo qual a psicologia conquistou sua autonomia como área de saber e o
incremento do debate educacional e pedagógico nas primeiras décadas do século XX estão
intimamente relacionados, de tal maneira que é possível afirmar que psicologia e educação
são, historicamente, no Brasil, mutuamente constituintes uma da outra. Esse momento foi
responsável pela consolidação da articulação entre psicologia e educação, dando as bases para
a penetração e a consolidação daquilo que nos Estados Unidos e Europa já se desenvolvia sob
a denominação de psicologia educacional.
O período seguinte, a partir da década de 1930, caracteriza-se pela consolidação da psicologia
no Brasil e tem como base a estreita relação estabelecida entre essa área e a educação. Os
campos de atuação da psicologia que se desenvolveram a partir dessa época, tornando-se
campos tradicionais da profissão, como a atuação clínica e a intervenção sobre a organização
do trabalho, tiveram suas raízes na educação, respectivamente pela criação dos Serviços de
Orientação Infantil nas Diretorias de Educação do Rio de Janeiro e de São Paulo e da Clínica
do Instituto Sedes Sapientiae, com a finalidade de atender crianças com dificuldades
escolares, e pela Orientação Profissional, dentre outras ações educacionais, no campo do
trabalho.
Ao mesmo tempo, o ensino formal de psicologia em cursos superiores tinha estreita
articulação com a educação, pois as cátedras de psicologia estavam vinculadas
primordialmente aos cursos de filosofia e de pedagogia, nestes últimos sob a denominação de
psicologia educacional.
14
Muitos foram os trabalhos realizados pela psicologia no âmbito da educação, dentre os quais:
Serviço de Psicologia Aplicada do Instituto Pedagógico da Diretoria de Ensino de São Paulo;
Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais e, posteriormente, Sociedade Pestalozzi do Brasil;
"Escola para Anormais" em Recife; atividades realizadas no INEP, particularmente com a
utilização de testes psicológicos; a criação das Clínicas de Orientação Infantil; o trabalho
desenvolvido por Helena Antipoff na Escola de Aperfeiçoamento de Professores e na Fazenda
do Rosário; Instituto de Seleção e Orientação Profissional - ISOP-FGV; além dos trabalhos
desenvolvidos por Ana Maria Poppovic com "crianças abandonadas" no Abrigo Social de
Menores da Secretaria de Bem-Estar Social do Município de São Paulo; a fundação do
Instituto de Psicologia da PUCSP, oferecendo serviços de medidas escolares, pedagogia
terapêutica e orientação psicopedagógica; além das muitas instituições estritamente
educacionais que desenvolviam trabalhos relacionados à Psicologia.
Pode-se dizer que a Educação continuou sendo a base para o desenvolvimento da psicologia,
assim como esta permaneceu como principal fundamento para a educação, particularmente no
âmbito pedagógico, como sustentação teórica da Didática e da Metodologia de Ensino, bases
para a formação de professores. Essa tendência se expressa em experiências realizadas pela
Escola Experimental da Lapa e pelos Ginásios Vocacionais em São Paulo, dentre outras
inúmeras experiências, realizadas em todo o país.
Concomitantemente, o ensino nas Escolas Normais e nos Cursos de Pedagogia continuavam
dando à Psicologia espaço privilegiado em seus currículos.
O desenvolvimento da pesquisa também ganha impulso, tendo como referência algumas
instituições, como o Instituto de Educação do Rio de Janeiro; Escola de Aperfeiçoamento de
Professores de Belo Horizonte; Instituto de Seleção e Orientação Profissional de Recife;
Laboratório de Psicologia Educacional do Instituto de Educação (evolução do Instituto
Pedagógico de São Paulo); Núcleo de Pesquisas Educacionais da Municipalidade do Rio de
Janeiro; Instituto Nacional de Surdos-mudos e o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais
- CBPE - e seus correlatos, os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais - CRPE; além da
produção de escolas normais e universidades.
Nesse contexto, começam a se diferenciar, ainda que de forma não sistemática e formal, a
psicologia educacional, como conjunto de saberes que pretende explicar e subsidiar a prática
pedagógica, sendo, portanto, de domínio necessário para todos os educadores, e a psicologia
escolar, como campo de atuação de profissionais da psicologia que atuariam no âmbito da
escola, desempenhando uma função especifica, alicerçada na psicologia e que se caracterizou
inicialmente por adotar o modelo clínico de intervenção.
Embora contradições possam ser apontadas, revelando produções teóricas e práticas afinadas
com a construção de uma escola comprometida com a aprendizagem e o desenvolvimento de
seus alunos, particularmente aqueles oriundos das camadas populares, o papel que a
psicologia desempenhou na educação tornou-se objeto de crítica. A utilização e a
interpretação indiscriminadas e aligeiradas de teorias e técnicas psicológicas, como os testes
(principalmente os de nível mental e de prontidão);
15
a responsabilização da criança e de sua família, em nome de problemas ditos de "ordem
emocional", para justificar o desempenho do aluno na escola e a redução dos processos
pedagógicos aos fatores de natureza psicológica colaboraram para interpretações e práticas no
mínimo equivocadas, desprezando o processo educativo como totalidade multideterminada,
relegando a segundo plano, ou omitindo, fatores de natureza histórica, social, cultural,
política, econômica e, sobretudo, pedagógica na determinação do processo educativo.
Esse processo culmina, em 1962, com a regulamentação da profissão de psicólogo e o
estabelecimento de cursos específicos para sua formação. As ações desenvolvidas no período
anterior deram as bases para os campos tradicionais de atuação da psicologia: educação,
clínica e trabalho.
Um fato interessante a ser mencionado é que, justamente com a regulamentação da profissão,
o campo da educação, antes base principal para o desenvolvimento da psicologia no Brasil,
torna-se secundário para os profissionais da área. Isso se revela não apenas no âmbito
curricular, mas, sobretudo, na preferência de alunos e profissionais pelos campos da clínica e
da organização do trabalho. Esse é também um dos fatores explicativos para a adoção de uma
modalidade clínico-terapêutica na ação da psicologia escolar, tendo como base o modelo
médico, questão que será discutida adiante.
Entretanto, as relações entre educação e psicologia vão se diferenciando. De um lado, a área
da psicologia educacional, foco de interesse tanto de pedagogos como de psicólogos, e, de
outro, o campo da psicologia escolar, como atributo específico do profissional da psicologia
que atua no espaço escolar. O conhecimento psicológico estava incorporado à Pedagogia e à
prática dos educadores e a atuação do psicólogo escolar adotava um modelo cada vez mais
clínico-terapêutico, agindo fora da sala de aula, focando sua atenção na dimensão individual
do educando e em seus "problemas", atendendo, sobretudo, demandas específicas da escola,
que encaminhava as crianças que tinham, a seu ver, "problemas de aprendizagem" ou outras
manifestações consideradas como "distúrbios" inerentes ao próprio educando.
Pode-se falar que esse período herdou do período anterior o que pode ser interpretado como
hipertrofia da psicologia na educação, numa tendência reducionista, que passou, na década de
1970, a ser criticada tanto por pedagogos como por psicólogos. Criticava-se a utilização dos
testes e a interpretação de seus resultados, que atribuía ao aluno à determinação de seus
"problemas", desconsiderando as condições pedagógicas; o encaminhamento de alunos com
deficiência que, sob a justificativa de lhes proporcionar uma "educação especial", relegava-os
a condições aligeiradas de ensino e sem solução de continuidade, reforçando estigmas e
preconceitos e produzindo social e pedagogicamente a deficiência intelectual; as
interpretações e ações supostamente fundamentadas na psicologia, por educadores e
psicólogos, calcadas em fatores como: atraso no desenvolvimento, distúrbios de atenção,
motores ou emocionais (estes em geral relacionados estritamente às condições intrínsecas da
criança ou da família). Uma das conseqüências apontadas por essas críticas era a
desconsideração dos determinantes de natureza social, cultural, econômica e, sobretudo,
pedagógica; daí falar-se em reducionismo.
Alguns psicólogos escolares e pesquisadores da área começaram, nessa época, a elaborar uma
crítica radical à Psicologia Escolar e Educacional, com base em argumentos semelhantes aos
apontados por pedagogos e educadores em geral.
16
De um lado, criticava-se a já apontada hipertrofia da psicologia na educação e o reducionismo
dos fatores educacionais e pedagógicos às interpretações psicologizantes. Por outro lado,
enfocando mais especificamente a prática da psicologia escolar e aprofundando a crítica a seu
modo de ação, avançavam para a demonstração de que o enquadramento clínico-terapêutico
baseava-se num modelo médico, estranho às determinações pedagógicas, que tendia a
patologizar e individualizar o processo educativo, distanciando-se da compreensão efetiva dos
determinantes desse processo e desconsiderando ações então denominadas preventivas, que
deveriam voltar-se para as condições mais propriamente pedagógicas, de forma a atuar mais
coletivamente, com base naquilo que hoje seria denominado de interdisciplinaridade, com os
demais profissionais da educação e da escola. Alguns dos focos possíveis de atuação eram
apontados, naquela época, em direção à formação de professores, à intervenção no âmbito das
relações escola-família-comunidade, ao processo grupal estabelecido na instituição escolar,
dentre outros. Particular preocupação entre psicólogos escolares incidia sobre os índices de
reprovação na então 1ª. série do 1º. Grau, que mostravam que mais da metade dos alunos
ficava retida nessa série, muitas vezes na condição de alunos multirrepetentes, culminando
com o abandono da escola, processo este que atingia fundamentalmente alunos oriundos das
classes populares. Esse fato levou muitos profissionais da psicologia a se interessar pela
alfabetização em especial e, de maneira mais ampla, pela articulação mais estreita entre os
conhecimentos produzidos pela psicologia e aqueles produzidos por outras áreas de saber,
principalmente a sociologia da educação, uma vez que a questão relativa à relação entre
desempenho escolar e condições sócio-econômicas ganhava espaço nos debates educacionais.
Entretanto, poucos trabalhos conseguiram efetivar esse modelo de atuação, comprometido
com o processo pedagógico, em decorrência principalmente da expectativa da escola,
cristalizada na modalidade clínica de psicologia, pautada no encaminhamento do aluno para
que ele fosse "curado" fora do espaço da sala de aula e depois devolvido "sem problemas",
tirando da escola a responsabilidade da ação sobre a escolarização da criança. Foram, porém,
esses poucos trabalhos, muitas vezes pautados na desconstrução dessas expectativas da escola,
que deram as bases para a superação daquela psicologia escolar clínico-terapêutica, na direção
de uma psicologia que pode ser denominada efetivamente como escolar, delimitando seu
campo de atuação e criando uma modalidade de trabalho efetivamente comprometida com o
cotidiano da escola em sua função essencialmente pedagógica.
Nesse sentido, a superação dessa situação exigia não somente a crítica à hipertrofia da
psicologia na educação, ao reducionismo, às interpretações aligeiradas e banalizadas, às ações
fundadas num modelo estranho à educação, como o modelo médico, e à culpabilização da
criança e de sua família, mas também a restituição de seu núcleo de bom senso. Fazia-se
necessário devolver à psicologia seu lugar no processo pedagógico.
É necessário, pois, que se considere que o processo educativo ocorre no âmbito do sujeito;
assim, a dimensão psicológica não pode ser negada, mas incorporada na apreensão do
fenômeno em sua totalidade, condição fundamental para a produção de conhecimento nesse
campo, responsabilidade da psicologia educacional. Esta, por sua vez, deve fundamentar,
naquilo que lhe cabe, a compreensão do fenômeno educativo e dar base para o
estabelecimento de processos efetivos de intervenção, que poderiam constituir-se na matriz de
atuação do psicólogo escolar.
17
Dessas considerações parte-se agora para um ensaio que visa discutir possibilidades e limites
para a construção de uma Psicologia Escolar e Educacional, sob o foco de seus compromissos
e perspectivas.
Compromissos e Perspectivas para a Psicologia Escolar
É condição para a discussão de compromissos, assim como das perspectivas que se colocam a
partir deles, a explicitação do lugar a partir do qual se fala. Compromisso implica três
instâncias: aquele que se compromete (neste caso, referimo-nos à Psicologia Escolar e
Educacional), aquele com quem se compromete (as classes populares) e aquilo com que se
compromete (a construção de uma educação democrática). Trata-se, portanto, de discutir o
compromisso da Psicologia Escolar e Educacional com a educação das classes populares, o
que torna necessário expor a concepção de educação que dá base à posição aqui defendida.
A educação que aqui se afirma é uma educação rigorosa e amplamente democrática, que deve
ser acessível a todos e que não transige na defesa desse princípio. É concebida como instância
social responsável pela tarefa de socialização dos conhecimentos produzidos pela humanidade
ao longo de sua história, criando condições para que todos possam ascender do senso-comum
aos saberes fundamentados, articulados e sintéticos sobre o mundo. Educação democrática
significa, portanto, democratização de saberes; saberes estes que foram historicamente
privilégios - na produção e no acesso - das classes dominantes. Para que ela se realize em
cada sujeito, é necessário garantir o domínio de recursos necessários para a apreensão do
conhecimento, como o domínio da leitura e da escrita, da matemática e de outros recursos
próprios da contemporaneidade, como informática e línguas estrangeiras. Isso, entretanto,
constitui-se tão somente o ponto de partida, pois são apenas os meios necessários para a
aquisição de outros conhecimentos, que devem ser considerados em todas as suas expressões,
da filosofia à ciência e às artes, em permanente diálogo com a cultura própria da criança, que
deve ser respeitada e considerada no processo de ensino-aprendizagem. Disso decorre uma
concepção de prática pedagógica centrada nos processos de ensino e aprendizagem, cuja
finalidade é propiciar o desenvolvimento pleno do educando, em todos os aspectos que o
constitui como sujeito singular e, ao mesmo tempo, pertencente ao gênero humano.
Essa concepção de educação remete ao compromisso com a concretização de políticas
públicas de educação radicalmente comprometidas com os interesses das classes populares.
Isso significa garantir pleno acesso e condições de permanência de todos os educandos na
escola, independentemente de suas condições, cabendo à escola transformar-se para
possibilitar-lhes condições efetivas de escolarização; essa questão traduz o princípio de
educação inclusiva, que incorpora não só a educação de alunos com deficiência, mas todos
aqueles que, por diversos motivos, são alijados da escola e de seus bens. Para isso, faz-se
necessário que se construam currículos articulados às finalidades acima expostas, superando
os conhecidos "currículos mínimos", geralmente entendidos como paliativos ou educação de
segunda categoria para pessoas socialmente consideradas também como tal, com especial
atenção aos processos avaliativos, que têm sido um dos meios mais efetivos para a
materialização da exclusão de crianças das classes populares ao direito de uma educação de
boa qualidade. Esse processo depende também da gestão democrática da escola e, sobretudo,
no investimento maciço na formação dos educadores.
18
Cabe, portanto, discutir as possibilidades e limites da Psicologia Escolar e Educacional na
construção de políticas públicas de educação comprometidas socialmente com as classes
populares; eis aqui a questão relativa às perspectivas colocadas para essa área de
conhecimento e campo de atuação.
Disso resulta a afirmação de alguns princípios que podem ser expressos a partir das assertivas
que seguem.
A educação é constituída por múltiplos determinantes, dentre os quais os fatores de ordem
psicológica; portanto, a psicologia tem contribuição para a Educação.
Que seja uma psicologia capaz de compreender o processo ensino-aprendizagem e sua
articulação com o desenvolvimento, fundamentada na concreticidade humana (determinações
sócio-históricas), compreendida a partir das categorias totalidade, contradição, mediação e
superação. Deve fornecer categorias teóricas e conceitos que permitam a compreensão dos
processos psicológicos que constituem o sujeito do processo educativo e são necessários para
a efetivação da ação pedagógica.
A psicologia deve assumir seu lugar como um dos fundamentos da educação e da prática
pedagógica, contribuindo para a compreensão dos fatores presentes no processo educativo a
partir de mediações teóricas "fortes", com garantia de estabelecimento de relação indissolúvel
entre teoria e prática pedagógica cotidiana.
Esta psicologia deve propiciar a compreensão do educando a partir da perspectiva de classe e
em suas condições concretas de vida, condição necessária para se construir uma prática
pedagógica realmente inclusiva e transformadora.
A psicologia como um dos fundamentos do processo formativo do educador deve propiciar o
reconhecimento do educador/professor como sujeito do processo educativo, traduzindo-se na
necessidade de mudanças profundas das políticas de formação inicial e continuada desse
protagonista fundamental da educação.
Por sua vez, a ação do psicólogo escolar deve pautar-se no domínio do referencial teórico da
psicologia necessário à educação, mediatizado necessariamente por conhecimentos que são
próprios do campo educativo e das áreas de conhecimento correlatas. O próprio referencial
teórico que aqui defendemos implica o trânsito por outros saberes (totalidade). Daí, a
necessidade de superação das práticas tradicionais do psicólogo escolar, muitas vezes
pautadas ainda numa perspectiva, nem sempre consciente ou assumida, de ação clínico-
terapêutica.
Em outras palavras, afirmamos uma psicologia escolar comprometida radicalmente com a
educação das classes populares, que supere o modelo clínico-terapêutico disfarçado e
dissimulado ainda presente na representação que o psicólogo tem de sua própria ação,
entendendo que a representação e, consequentemente, as expectativas que os demais
profissionais da educação têm da psicologia só serão superadas pela própria prática do
psicólogo escolar.
19
Mudanças efetivas só ocorrerão a partir do envolvimento do psicólogo com as questões
concretas da educação e da prática pedagógica; é necessário superar o preconceito de não
querer tornar-se "pedagogo". O psicólogo não é pedagogo, mas se quiser trabalhar com
educação terá que mergulhar nessa realidade como alguém que faz parte dela, reconhecendo-
se como portador de um conhecimento que pode e deve ser socializado com os demais
educadores, tanto no trabalho interdisciplinar, como na formação de educadores, sobretudo
professores; que detém um saber que pode contribuir com os processos sócio-institucionais da
escola; tem um conhecimento específico que pode e deve reconhecer o que é próprio de sua
formação profissional, e, ouso afirmar, algumas vezes inclusive de caráter clínico-terapêutico,
voltado para casos individuais; possui ou pode desenvolver conhecimentos importantes para a
gestão de sistemas e redes de ensino, sobretudo no âmbito de diagnósticos educacionais
(avaliação institucional, docente, discente etc.) e na intervenção sobre tais resultados.
A perspectiva preventiva e relacional como orientadora da atuação em
Psicologia Escolar
Acompanhando a relação estabelecida entre a Psicologia e a Educação, a compreensão
contemporânea acerca da atuação em Psicologia Escolar aponta para a necessidade de o
psicólogo se comprometer com a modificação do processo de culpabilização e de exclusão
dos alunos que prevaleceu como foco de atuação da área em outros momentos históricos.
Observa-se a necessidade de ocupar-se da individualidade dos sujeitos sem, contudo,
desarticulá-los de suas redes de relações e de sua história. Nesse sentido, a perspectiva
preventiva em Psicologia Escolar mostra-se como possibilidade de uma atuação diferenciada
(ARAÚJO, 2003; ARAÚJO; ALMEIDA, 2003).
A noção de prevenção está, comumente, relacionada à ação de se antecipar a determinado
fenômeno com o objetivo de evitar que ele ocorra e de ajustar soluções a possíveis
problemáticas. Todavia, contemporaneamente, a perspectiva preventiva na atuação
psicológica busca a superação da visão de promoção de adaptação, esperando que o
profissional de Psicologia, em sua intervenção, “evidencie as contradições entre as práticas
educativas e as demandas dos sujeitos nesse contexto” (ARAÚJO, 2003, p. 65).
O conceito de prevenção em Psicologia Escolar não se refere ao ajustamento e adequação de
situações e comportamentos, tidos como inadequados, a padrões aceitos socialmente, pois
esse posicionamento favorável ao controle social, exercido a partir da padronização de
comportamentos e atitudes, desconsidera a característica histórica e social de cada indivíduo.
A intervenção preventiva proposta contemporaneamente pela Psicologia Escolar pretende
contribuir para que aconteçam reformulações pessoais e institucionais no sentido de
oportunizar, aos atores envolvidos, transformações e saltos qualitativos em seu
desenvolvimento. Tais saltos podem ser possíveis através de ações do psicólogo escolar que
estejam intencionalmente comprometidas com tal objetivo, como, por exemplo, em relação às
concepções dos profissionais da escola acerca da avaliação, da aprendizagem e do
desenvolvimento humano.
20
As concepções que os professores têm acerca deste último direcionam sua prática
profissional, favorecendo ou prejudicando sua mediação em relação ao desenvolvimento
psicológico de seus alunos. Conhecer e intervir sobre as concepções de natureza deterministas
e reducionistas dos professores, por exemplo, é uma possibilidade de contribuir para a
transformação de práticas que se mantêm rígidas e imutáveis independentemente dos sujeitos
envolvidos. Intervir nas concepções que são balizadoras das ações e práticas dos profissionais
é uma forma de promover mudanças neles e, provavelmente, nos alunos também,
contribuindo para que tenham oportunidade de rever seus conceitos e práticas, retomar suas
prioridades, modificar suas intenções e objetivos, reconsiderar seu papel na formação dos
alunos, entre outros.
Ao contrário da visão de controle, a atuação preventiva em Psicologia Escolar deve estar
respaldada em ações que busquem a) facilitar e incentivar a construção de estratégias de
ensino diversificadas, b) promover a reflexão e a conscientização de funções, papéis e
responsabilidades dos sujeitos e c) superar, junto com a equipe escolar, os obstáculos à
apropriação do conhecimento (MARINHO-ARAÚJO; ALMEIDA, 2005).
Dessa forma, a ação preventiva deve ser redirecionada para a compreensão e intervenção nas
relações interpessoais que permeiam a construção do conhecimento e da ação pedagógica,
sendo preciso que o psicólogo escolar instrumentalize-se para estudar e entender as relações
interpessoais como sendo sua unidade de análise, isto é, seu foco de atenção e de intervenção
(ARAÚJO, 2003; ARAÚJO; ALMEIDA, 2003; MARINHO-ARAÚJO; ALMEIDA, 2005).
Corroborando a perspectiva relacional, Machado (2000) lembra que “não existem causas
individuais para os fenômenos da vida, pois eles não são individuais, não são de ninguém. São
efeitos que se engendram em uma rede de relações” (p. 146). Por assim ser, entende-se que os
fenômenos são viabilizados nas relações e, dessa maneira, os caminhos para a intervenção do
psicólogo escolar devem, portanto, estar ancorados na compreensão de que as relações sociais
originam o processo interdependente de construções e apropriações de significados e sentidos
que acontece entre os indivíduos, influenciando, recíproca e/ou complementarmente, como
cada sujeito constitui-se enquanto tal. Para intervir na complexidade intersubjetiva presente
nessas relações, o psicólogo deve fazer uma escolha deliberada e consciente por uma atuação
preventiva sustentada por teorias psicológicas cujo enfoque privilegie uma visão de homem e
sociedade dialeticamente constituídos em suas relações históricas e culturais. (ARAÚJO,
2003, p. 66).
Sendo assim, faz-se extremamente necessário abandonar as concepções e práticas que
entendem os fenômenos educativos sobre o prisma individual e dissociado do contexto
histórico-social no qual está inserido, devendo se encaminhar para a adoção de concepções
relacionais, integradoras e amplas.
Embasada na perspectiva preventiva e relacional em Psicologia Escolar (ARAÚJO, 2003;
ARAÚJO; ALMEIDA, 2003) e na perspectiva histórico-cultural (VYGOTSKY, 2003), uma
das propostas contemporâneas de atuação da área refere-se à inclusão do professor como
coparticipante das atuações em Psicologia Escolar.
21
Nesta proposta, acredita-se que a inclusão de diferentes atores na intervenção de um problema
escolar é a maneira mais adequada de se promover o desenvolvimento e a aprendizagem.
Nesse sentido, Neves e Almeida (2003) apontam que, ao se colocar o professor como
coparticipante no processo de atendimento a seus alunos, por exemplo, emerge um espaço de
interlocução que possibilita ao professor refletir sobre sua prática e assumir uma postura mais
crítica diante das queixas escolares.
Com a participação do professor, além de trocar informações, “os psicólogos escolares podem
criar condições para a desmistificação das explicações psicologizantes, a partir de uma
reflexão consistente e fundamentada nos conhecimentos acumulados pela Psicologia”
(MEIRA, 2000, p. 66). A participação ativa do professor na busca de alternativas para o
efetivo aprendizado dos alunos lhe possibilita apropriar-se de sua função e responsabilidade,
as quais, por algum tempo, foram delegadas ao psicólogo ou a outros “especialistas” que se
ocupavam dos fenômenos educativos. Dessa forma, acredita-se que é possível contribuir para
“o resgate do papel ativo e dirigente do professor (...) na reflexão, estudo e posterior definição
dos caminhos e recursos necessários à resolução das dificuldades” (MEIRA, 2000, p. 66), a
partir de sua inclusão na discussão e reflexão acerca das dificuldades identificadas.
Por meio da participação do professor, o psicólogo escolar pode favorecer processos de
questionamento e de conscientização acerca das concepções deterministas de
desenvolvimento e aprendizagem que, implicitamente e de forma pouco lúcida, ainda estão
presentes nas compreensões das queixas escolares e, portanto, nas práticas pedagógicas.
A atenção ao professor como espaço de intervenção em Psicologia Escolar
Todo trabalho envolve algum investimento afetivo por parte do trabalhador, seja na relação
com os outros ou com o produto do trabalho, sendo que o diferencial do trabalho docente está
no fato de que “a relação afetiva é obrigatória para o exercício do trabalho, é um pré-
requisito” (CODO; GAZZOTTI, 1999, p. 50). A afetividade é um conjunto de fenômenos
psíquicos que se manifestam sob a forma de emoções e sentimentos, sempre acompanhados
de dor ou prazer, satisfação ou insatisfação, alegria ou tristeza, entre outros (CODO;
GAZZOTTI, 1999). A relação entre a afetividade e o trabalho docente configura-se, portanto,
como uma relação necessária, sendo que para que o professor consiga desempenhar
satisfatoriamente seu trabalho é preciso que seja estabelecida uma relação afetiva com seu
aluno. Todavia, quando o vínculo afetivo não se concretiza de forma satisfatória nas relações
formais de trabalho, instala-se uma contradição junto ao trabalhador.
A contradição entre a necessidade de se vincular afetivamente na relação profissional e a
impossibilidade dessa vinculação se concretizar totalmente é responsável pelos conflitos de
sentimentos presentes na vida do professor. De acordo com Codo e Gazzotti (1999), na
maioria das vezes esse conflito não é percebido pelo professor, é invisível; trata-se, na
verdade, de uma vivência subjetiva que o próprio professor não percebe que está sentindo.
Pela impossibilidade de vincular-se afetivamente, na medida desejada, a afetividade que seria
dirigida ao seu destinatário, o aluno, por exemplo, acaba sendo redirecionada.
22
Já que não é possível investir o aluno com o afeto desejado, este acaba sendo voltado para o
próprio corpo do trabalhador, e isso traz conseqüências bastante negativas para os nossos
educadores. Quando a mente não vai bem o corpo padece, já dizia um velho ditado. (CODO;
GAZZOTTI, 1999, p. 58).
Por essas razões, diz-se que é relativamente freqüente perceber os profissionais da educação
como agentes de alto risco, sendo várias as queixas que denunciam situações de mal-estar
docente (ALMEIDA; FIGUEIRA, 1998; BENEVIDES-PEREIRA, 2002; CODO;
VASQUES-MENEZES, 1999). Este mal-estar foi inicialmente descrito a partir do termo
inglês burnout, utilizado para designar os professores cansados, abatidos, sem vontade de
ensinar e que já desistiram desta tarefa. Em português, o significado deste termo gira em torno
de “perder o fogo”, de “perder a energia” ou de “queimar” e diz respeito à “síndrome através
da qual o trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas já
não o importam mais e qualquer esforço lhe parece ser inútil” (CODO; VASQUES-
MENEZES, 1999, p. 238).
A síndrome é multidimensional e envolve três componentes inter-relacionados: a) a exaustão
emocional, em que os trabalhadores sentem que não podem dar mais de si mesmos a nível
afetivo; b) despersonalização, em que ocorre o desenvolvimento de sentimentos e atitudes
negativas em relação aos alunos; e c) falta de envolvimento pessoal no trabalho, situação
marcada por uma evolução negativa no trabalho que afeta as habilidades envolvidas na
realização do mesmo (ALMEIDA; FIGUEIRA, 1998; CODO; VASQUES-MENEZES,
1999).
As repercussões ou conseqüências do burnout são sentidas pelo professor e pelos alunos,
demonstrando que o mal-estar vivido pelo docente em relação à sua profissão enfraquece a
relação professor-aluno e os processos de ensino e de aprendizagem. O burnout compromete,
igualmente, a saúde do professor e a qualidade do aprendizado dos alunos, indicando a
necessidade de intervenções que minimizem o sofrimento docente e possibilitem espaços e
relações adequadas ao aprendizado. Diante dessa necessidade o psicólogo escolar pode
estabelecer um contexto de atuação relacionado à promoção da saúde mental, pautando-se na
identificação de fatores institucionais, por exemplo, que estão comprometendo e dificultando
o trabalho docente.
A proposta da Psicologia Escolar no que se refere ao burnout docente difere da perspectiva
terapêutica ou clínica que pode ser realizada em outros contextos. A intervenção do psicólogo
escolar junto a esta síndrome deve ser coerente com a perspectiva preventiva já explicitada
anteriormente, privilegiando, portanto, que as contradições entre as demandas dos sujeitos e
as práticas e rotinas institucionais definidas no contexto escolar sejam evidenciadas, e não
camufladas, como forma de possibilitar a circulação de necessidades, exigências, incertezas,
expectativas, angústias, possibilidades, limitações, entre outras. A criação de um espaço de
interlocução, mediado pelo psicólogo escolar, visa oportunizar a circulação dos sentidos,
compartilhar vivências e promover o bem-estar dos professores, sua saúde mental e, assim,
prepará-los para sua atividade profissional.
23
Nota-se, portanto, a importância de o psicólogo escolar estar atento ao sofrimento vivenciado
pelos professores, os quais são os grandes motores dos processos educacionais, mas que,
diariamente, estão sujeitos à exaustão emocional, a sentimentos de desgaste e de incerteza,
entre outros, distanciando-se da sua tarefa de educar as crianças e jovens sob sua
responsabilidade.
Considerações Finais
As questões aqui expostas constituem-se em elaborações também situadas num dado
momento histórico e numa dada perspectiva teórica e consequentemente política, que reflete
concepções de homem, sociedade, educação, psicologia e, sobretudo, de Psicologia Escolar e
Educacional circunscritas. Isso significa que esta é uma dentre muitas posições acerca dessa
área de conhecimento e campo de práticas. É, portanto, importante que se estabeleça um
amplo diálogo entre posições e perspectivas, que permitam o avanço dessa área de saber e o
aperfeiçoamento das práticas a ela correlatas.
Entretanto, há dois aspectos que devem ser considerados nessa discussão e que remetem a
aspectos cujas qualidades são muito distintas, mas que devem fazer-se invariavelmente
presentes.
A primeira questão diz respeito à possibilidade de inserção do psicólogo escolar em seu
campo. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional proíbe deduzir dos 25% dos
orçamentos públicos os salários de profissionais responsáveis por "atendimento médico,
odontológico, psicológico e fonoaudiológico". Isso parece impedir, numa primeira leitura, a
presença do psicólogo nesse campo sobre o qual incide toda nossa discussão. É preciso, no
entanto, que se analise mais profundamente o texto da lei e os significados a ele subjacentes,
cotejando-os com as questões aqui abordadas.
É compreensível e aceitável essa prescrição legal, pois, pela maneira como está colocado o
serviço psicológico, deduz-se que a concepção que lhe dá base carrega a noção de
atendimento clínico-terapêutico, de incidência individual e apartada das questões
propriamente escolares. De um lado, a palavra utilizada é "atendimento", termo este já
tradicionalmente relacionado a um modelo médico; por outro lado, e corroborando essa
interpretação, o "psicológico" é acompanhado de "médico", "odontológico" e, na esteira da
própria concepção de psicologia aí expressa, de "fonoaudiológico". Dada nossa concepção de
Psicologia Escolar e Educacional, pode-se dizer que a psicologia a que a lei se refere não é
esta que defendemos.
Essa análise demonstra que se essa atuação da psicologia não é reconhecida pela LDB como
ação própria da educação, do que não discordamos, há por outro lado, uma atuação que pode
ser considerada como de caráter eminentemente educacional e que tem sua prática pautada na
instituição escolar e nas demandas a ela inerentes.
24
Com base nessa consideração, impõe-se uma discussão a respeito dessa questão, que deve
subsidiar o esclarecimento aos órgãos direta e indiretamente relacionados a essa prescrição
legal, além de um encaminhamento mais direto, com vistas à defesa da inserção de uma
determinada prática que pode contribuir com a melhoria da educação brasileira, não como
reivindicação motivada por interesses corporativistas, mas como concretização de uma luta
cujo motivo primeiro é seu compromisso radical com a educação das classes populares.
A derradeira questão é de natureza ética e, sob um determinado foco, pode ser exemplificada
pelo problema acima discutido. Devemos invariavelmente pautar toda e qualquer discussão
sobre a Psicologia em geral e sobre a Psicologia Escolar e Educacional em especial sobre a
questão ética, entendendo-a não como prescrição de normas, nem como tema da moda, mas
como ética social, que se questiona e que se pergunta constantemente sobre o que fazemos,
para quem, com que finalidade e a que interesses servimos.
Este é o ponto a partir do qual se deve retornar ao início dessa discussão. A história demonstra
pactos entre psicologia, educação e sociedade que penderam para interesses contraditórios e
opostos, na maioria das vezes em contraposição aos direitos das classes populares. Da
compreensão desse processo, podemos nos lançar de maneira mais efetiva à construção de
uma Psicologia Escolar e Educacional comprometida de fato com uma educação democrática,
submetida aos interesses dessas classes. Este é, por sua vez, o compromisso que define e
determina as perspectivas que estão postas para essa área de conhecimento e campo de
atuação do psicólogo.
25
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