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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO
DEPARTAMENTO DE MEDICINA SOCIAL
SIDNEY MARCEL DOMINGUES
Saúde bucal e tratamento odontológico: representações sociais de mães usuárias de um serviço de saúde.
Ribeirão Preto 2006
SIDNEY MARCEL DOMINGUES
Saúde bucal e tratamento odontológico: representações sociais de mães
usuárias de um serviço de saúde.
Dissertação apresentada ao Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Saúde na Comunidade. Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Duarte de Carvalho.
Ribeirão Preto
2006
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
FICHA CATALOGRÁFICA
DOMINGUES, S. M.
Saúde bucal e tratamento odontológico: representações sociais de mães usuárias de um serviço de saúde.
124 p. : il. ; 30cm
Dissertação (Mestrado) apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP – Área de concentração: Saúde na Comunidade.
Orientador: CARVALHO, A. C. D. 1. Representações. 2. Mães. 3. Saúde bucal. 4. Tratamento
odontológico.
FOLHA DE APROVAÇÃO
SIDNEY MARCEL DOMINGUES
Saúde bucal e tratamento odontológico: representações sociais de mães usuárias
de um serviço de saúde.
Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo para obtenção do Título de Mestre em Ciências Médicas.
Área de Concentração: Saúde da Comunidade.
Aprovado em: ______/_____/_______
Banca Examinadora
Prof Dr. ____________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: ______________
Prof Dr. ____________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: ______________
Prof Dr. ____________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: ______________
PARÁBOLA DA ÁGUIA James Aggrey
Era uma vez um homem que, enquanto caminhava pela floresta, encontrou pequena águia. Levou-a para casa, colocou-a no seu galinheiro, onde ela aprendeu a se alimentar como as galinhas e a se comportar como galinha. Um dia, um naturalista que ia passando por ali lhe perguntou porque uma águia, a rainha de todos os pássaros, deveria ser condenada a viver no galinheiro com as galinhas. “Depois que lhe dei comida de galinha, ela nunca aprendeu a voar”, replicou o dono. “Se comporta como uma galinha, não é mais uma águia”. “Mas”, insistia o naturalista, “ela tem coração de águia e certamente poderá aprender a voar”. Depois de falar muito sobre o assunto, os dois homens concordaram em descobrir se isso seria possível. Cuidadosamente, o cientista pegou a águia nos braços e disse: “Você pertence aos céus e não a terra. Bata bem as asas e voe”. A águia, entretanto, estava confusa; não sabia quem era, e vendo as galinhas comendo pulou para ir juntar-se a elas. Inconformado, o naturalista levou a águia no dia seguinte para o alto do telhado da casa, e insistiu novamente, dizendo: “Você é uma águia. Bata bem as asas e voe”. Mas a águia tinha medo do seu eu desconhecido e do mundo que ignorava e voltou novamente para a comida das galinhas. No terceiro dia o naturalista levantou-se bem cedo, tirou a águia do galinheiro e levou-a para uma alta montanha. Lá, segurou a rainha dos pássaros, bem alto, e encorajou-a de novo, dizendo: “Você é uma águia. Você pertence ao céu e a terra. Bata bem as asas agora e voe”. A águia olhou em torno, olhou para o galinheiro e para o céu. Ainda não voou. Então o cientista levantou-a na direção do sol e a águia começou a tremer.Lentamente abriu as asas. Finalmente, com um grito de triunfo, levantou vôo para o céu. Pode ser que a águia se lembre das galinhas com saudades; pode ser que ainda ocasionalmente torne a visitar um galinheiro. Mas até onde foi possível saber, nunca mais voltou a viver como galinha. Ela era uma águia, embora tivesse sido mantida e domesticada como galinha. Assim como a águia, alguém que aprendeu a pensar de si mesmo alguma coisa não verdadeira, pode reformular o que pensava em favor do seu real potencial. Pode ser o que realmente é. Pode acrescentar-se. Pode ser um vencedor. Na vida passamos por vários obstáculos que nos fazem parar e pensar sobre “quem somos nós?”, “o que viemos fazer?”, “será que temos potencial para realizar?”. Ás vezes, não sabemos as respostas para essas perguntas, sendo necessário passar por esses obstáculos para, assim, tentar respondê-las. Nesse momento de minha vida, essa dissertação colaborou para que eu encontrasse todas elas. Posso dizer que me sinto um vencedor.
Sidney Marcel Domingues
DEDICATÓRIA “ Ninguém é tão forte que nunca tenha chorado Ninguém é tão fraco que nunca tenha vencido Ninguém é tão auto-suficiente que nunca tenha sido ajudado Ninguém é tão inútil que nunca tenha retribuído Ninguém é tão sábio que nunca tenha errado. Ninguém é tão medroso que nunca tenha tido coragem. Ninguém é tão alguém que nunca tenha precisado de alguém” (autor desconhecido) Vocês participaram das minhas vitórias, derrotas, acertos, erros, dos meus momentos de fraqueza e força e contribuíram, em todos os sentidos, para o meu crescimento não só pessoal, mas, também, profissional. É por isso que dedico esse trabalho:
Ao meu pai, Sidnei Marmo Baptista Domingues (in memoriam), pelo amor, confiança, apoio, incentivo e por ter contribuído, significativamente, para a base da minha formação e por todos os ensinamentos passados.
À minha querida mãe, Vera Lúcia dos Santos Domingues, por sua força, coragem, determinação, apoio, incentivo, carinho, amor, confiança.Você não só contribuiu para a minha formação enquanto profissional, mas também como ser humano. Tenho a senhora como um exemplo a ser seguido por toda a minha vida.Muito obrigado por tudo!!!
Às minhas irmãs Andreza Paula Domingues e Andréia Cristina das Neves pelo amor, carinho, apoio, incentivo, confiança. Muito obrigado!!!
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me dar força e determinação para superar todos os obstáculos encontrados para a realização desse trabalho. A toda minha família, Santos e Domingues, pelo apoio e confiança. À Profa Dra Amábile Rodrigues Xavier Manco que, desde o primeiro momento, conquistou-me com seu carinho de mãe, atenção, apoio e, principalmente, confiança. Muito obrigado por me auxiliar nos momentos mais difíceis, durante esses dois anos de minha vida, e pela oportunidade fornecida para a realização desse estudo.. Ao Prof. Dr. Antonio Carlos Duarte de Carvalho, por se interessar pelo meu projeto de pesquisa e por aceitar a orientação dessa pesquisa. Tenho consciência de que não foram momentos fáceis, mas estou certo de que todos esses obstáculos serviram para o meu crescimento enquanto pesquisador. Muito obrigado pelas dicas e por todos os ensinamentos passados. Á minha grande amiga Daniela Cristina Seabra, pelo carinho de suas palavras, pela imensurável troca de experiências, por me ouvir e me ajudar nos momentos mais difíceis da minha vida, por confiar no meu trabalho e por ser essa pessoa maravilhosa que encanta a todos. Tenho muito orgulho em ser seu amigo. Muito obrigado por tudo!!! Ao Prof. Dr. Paulo Capel Narvai e à Profa Dra Marlívia Gonçalves de Carvalho Watanabe por aceitarem e se disponibilizarem a participar da avaliação dessa dissertação. Às Profas. Dras. Elizabeth Meloni Vieira, Amábile Rodrigues Xavier Manco e Maria da Conceição Pereira Saraiva pelas contribuições geradas no exame de Qualificação. À Profa Dra. Maria da Conceição Pereira Saraiva pela amizade, pelos ensinamentos e por me proporcionar grandes oportunidades para o meu crescimento profissional. Ao Centro de Pesquisas Materno-Infantis de Campinas (CEMICAMP), em especial à Profa Dra. Maria José Duarte Osís, pela ajuda na confecção do roteiro de entrevistas e por todos os ensinamentos na área de metodologia qualitativa. Ao Prof. Dr. Edson Martinez por me auxiliar na escolha do melhor método para a seleção das mães para a entrevista. Às Profas. Dras. Elaine Aparecida Del Bel B. Guimaraens e Alma Blásida C. E. B. Catirse por tudo o que aprendi na Iniciação Científica e que contribuiu, significativamente, para mais essa conquista. Aos professores da Odontologia Preventiva e Social por me despertarem o interesse por essa área.
Aos professores da Medicina Social por todo o conhecimento transmitido durante o período das disciplinas, fornecendo-nos ferramentas não só para a confecção dessa dissertação, mas, também, para nossa vida profissional. Ao Núcleo de Saúde da Família IV (NSF-IV), por autorizar a realização da pesquisa e disponibilizar o espaço do núcleo, contribuindo, dessa forma, para a viabilização desse estudo. Ao grupo de 10 mães que entrevistei, por aceitarem participar dessa pesquisa, sendo importantíssimas para a confecção desse trabalho. Ao Grupo de Estudo de Pesquisa Qualitativa da Casa da Ciência, em especial à Flávia Fulukava, por contribuir para a melhoria do meu conhecimento sobre estudos qualitativos. Aos meus primos Marco Aurélio dos Santos, Luciana dos Santos e Adilson. Meus grandes irmãos!! Muito obrigado por vocês sempre acreditarem no meu trabalho e por participarem de todos os momentos importantes da minha vida. Aos meus grandes e inesquecíveis amigos: Adriano Costa de Camargo, Igor Pereira dos Santos, Leandro Ribeiro Molina, Eduardo Ricci Junior, Fabio Roque Ieiri, Edson Roberto Severnini, Carlos Pereira dos Santos, Cassius Lampa, Deiner Segatto, Wagner Camargo, Nide Zahr, Diego, Elen Perez, Edson, pela amizade e confiança. Aos meus amigos Evandro Batista Augusto e Quintino Moura Dias Junior, pela ótima convivência, durante esses dois anos, e pela grande amizade conquistada. Aos amigos do vôlei pela amizade e pelos ótimos momentos de descontração que me ajudaram a esquecer os problemas e me deram força para a superação de vários obstáculos. Aos meus novos amigos Murilo Deza Santos e Davi Malvar pela amizade e confiança. Aos colegas de pós-graduação, pelos momentos de troca de experiências e conhecimento. Aos funcionários do Depto de Medicina Social, em especial para Solange Pedersoli, Carolina Cecília B. Batista, Mônica Elisabeth Knak, Regina Helena G. Alcântara, Rosane Aparecida Monteiro, Gilmar Mazzer, pelo carinho, atenção, apoio e confiança. Muito obrigado por tudo. Vocês foram muito importantes para a realização desse trabalho. À Capes, pelo auxílio financeiro.
MUITO OBRIGADO!!!!
“Tudo dá certo quando a gente se entrega à vida
de cada momento como se ela fosse a única, a
última e ao mesmo tempo semente de tudo que
ainda vai se viver.”(Comissão de Formatura
FORP-USP, 2003)
RESUMO DOMINGUES, S.M. Saúde bucal e tratamento odontológico: representações
sociais de mães usuárias de um serviço de saúde. 2006. 124p. Dissertação
(Mestrado) Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
2006.
A figura da mãe no interior do ambiente familiar é de extrema importância,
devido ao fato de que ela é a personagem principal da família, com voz decisória,
no trato de questões de saúde e doença, sendo, também, responsável pelo
equilíbrio no binômio saúde-doença, podendo, portanto, estar sendo a porta de
entrada para uma boa ou má educação em saúde bucal para seu filho. O presente
estudo teve por objetivo investigar quais as representações sociais de mães de
crianças da faixa etária de 0 a 5 anos de idade do Núcleo de Saúde da Família IV,
em Ribeirão Preto – SP, procurando saber qual o pensamento das mesmas em
relação à saúde bucal e ao tratamento odontológico. Com a análise das
entrevistas, constatamos uma grande dificuldade, por parte das mães, em se
expressar a respeito do que seria saúde. Para elas a saúde bucal está relacionada
com normas de higiene, dietéticas e a ida ao dentista, restringindo-se na
preocupação com a estética e pouco com a função. Já em relação ao tratamento
odontológico, verificou-se que a grande maioria das mães entrevistadas
demonstrou apresentar medo, causado pela sua experiência anterior com o
tratamento. Para essas mães o tratamento odontológico particular está associado
à pontualidade e ao atendimento da maneira desejada e o tratamento oferecido
pelo setor público à demora e à falta de equipamentos/materiais. Pode-se
perceber que duas questões são importantes para elas e podem estar
determinando a decisão de ir ou não ao dentista: humanização e competência.
Esta pesquisa contribui para o diagnóstico em saúde bucal e para o
desenvolvimento de ações públicas voltadas à melhoria das condições de saúde
da população e busca subsidiar possíveis mudanças nas ações dos cirurgiões-
dentistas, seja na promoção de saúde ou mesmo na ação curativa e na superação
das desigualdades que, ainda hoje, estão presentes na área.
Palavras-chave: 1. Representações 2. Mães 3. Saúde bucal 4. Tratamento
odontológico
ABSTRACT DOMINGUES, S.M. Oral health and dental treatment: the social representations of mothers users of a health service. 2006. 124p. Dissertation
(Máster of Public Health) School of Medicine. University of São Paulo, Ribeirão
Preto, 2006
The mother`s figure inside the family environment is extremely important,
because she is the main family`s character with voice to take decisions in the
treatment of health and illness questions, being, also, responsible for the balance
in health-illness and, therefore, able to be the entrance door for a good or bad
education in oral health for its son. The present study investigated the social
representations of mothers with children aged 0 to 5 years old from the Nucleus of
Family Health IV, at Ribeirão Preto – SP, trying to know what they think about oral
health and dental treatment. The analysis of the interviews evidenced an enormous
difficulty, by the interviewed ones, to talk about health. For them the oral health is
related with norms of hygiene, dietary and go to the dentist, restricting itself in the
concern with the aesthetic one and a little with the function. Already in the dental
treatment, it was verified that the great majority of them demonstrated to present
fear, caused for the previous experience with the treatment. For these mothers the
private dental treatment is associated with accuracy and the attendance in the
desired way and the treatment offered by the public sector to the delay and the
lack of equipment/materials. It can be perceived that two questions are important
for them and they can be determining the decision to go or not to the dentist:
humanization and ability. This research contributes for the diagnosis in oral health
and the development of public actions directed to the improvement of the health
conditions of the population and promote possible changes in the dentists actions,
either in health promotion or in the curative action and the overcoming of the
inequalities that, still today, are inside the area.
Key-words: 1. Representations 2. Mothers 3. Oral health 4. Dental treatment
LISTA DE SIGLAS
CSE Centro de Saúde Escola
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
NSF-IV Núcleo de Saúde da Família IV
OMS Organização Mundial de Saúde
PNAD Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios
PSF Programa de Saúde da Família
SUS Sistema Único de Saúde
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................. 15
1.1- Apresentação do Problema ...................................................... 16
1.2- Tema de Pesquisa .................................................................... 17
1.3- Objeto de Investigação ............................................................. 19
1.4- Justificativa ................................................................................. 23
2 OBJETIVOS DA INVESTIGAÇÃO .......................................... 35
2.1- Objetivo Geral ........................................................................... 36
2.2- Objetivos Específicos ............................................................... 36
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ............................................... 37
3.1- As representações sociais ....................................................... 38
3.2- O desenvolvimento emocional ................................................... 42
3.3- A origem do medo....................................................................... 45
4 METODOLOGIA .......................................................................... 48
4.1- Abordagem qualitativa ............................................................... 49
4.2- Local da pesquisa ...................................................................... 51
4.3- População de estudo ................................................................. 52
4.4- Coleta de dados ......................................................................... 54
4.5- Análise de dados ........................................................................ 56
4.6- Aspectos éticos .......................................................................... 57
5 RESULTADOS e DISCUSSÃO ................................................ 59
5.1- O trabalho de campo ................................................................. 60
5.2- Caracterização das mães .......................................................... 61
5.3- A prática do cuidado .................................................................. 64
5.4- Saúde bucal na visão das mães ................................................ 70
5.5- O significado do tratamento odontológico ................................. 80
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................... 95
REFERÊNCIAS ........................................................................... 103
ANEXOS ........................................................................................ 118
Introdução ____________________________________________________________________________
16
1.1 Apresentação do Problema
Como graduando do último semestre da Faculdade de Odontologia de
Ribeirão Preto (FORP-USP), cursando a Disciplina de Odontopediatria, aprendi
a observar melhor meus pacientes, percebendo algumas mudanças de
comportamento das crianças na presença e na ausência de seus pais,
principalmente das mães.
Aquelas crianças que entravam no ambiente da clínica, na companhia
da mãe, geralmente, apresentavam resistência no momento do atendimento.
Já com as que entravam sozinhas, conseguia-se conversar e tentar convencê-
las da necessidade e da importância do tratamento. Essa constatação me
chamou a atenção e causou interesse.
Certo dia, conversando com uma criança que resistia ao tratamento,
perguntei-lhe o que a afligia. A criança respondeu que sua mãe sempre lhe
falara que o tratamento odontológico era doloroso e a mãe (quando criança)
sempre tivera medo de ir ao dentista.
Ao realizar uma pesquisa no prontuário da criança e, posteriormente,
questionando a mãe sobre os tratamentos anteriores realizados em sua filha,
verifiquei que a criança nunca havia sido submetida a um tratamento invasivo1.
Somente após uma longa conversa, consegui convencer a criança a aceitar o
tratamento.
Esse relato e as observações feitas com as crianças e mães no
ambiente da clínica, despertaram-me a curiosidade de conhecer com mais
profundidade essas mães, tentando desvendar o que pensam em relação à
saúde bucal e ao tratamento odontológico. Dessa forma, produzindo 1 Entenda como tratamento invasivo todo o tratamento que promove alguma alteração na
mucosa oral, tecidos periodontal, ósseo, dentes, utilizando instrumentos perfuro-cortantes.
Introdução ____________________________________________________________________________
17
conhecimento e subsidiando futuras e possíveis mudanças nas ações dos
cirurgiões-dentistas, na promoção da saúde ou mesmo na ação curativa,
acredito poder contribuir para a melhoria da minha profissão.
1.2 Tema da pesquisa
A odontologia é uma ciência que estuda todas as partes constituintes do
sistema estomatognático, ou seja, os dentes, os ossos, mucosas, tecidos
periodontais etc. Devido ao grande universo, a mesma se ramifica em várias
áreas, como por exemplo: a estética, a reabilitação oral, a ortodontia, a
endodontia, entre outras.
Certamente, a parte clínica da odontologia é extremamente necessária e
importante para a população em geral. No entanto, nessa especialidade, na
grande maioria das vezes, resume-se o paciente à cavidade bucal,
esquecendo-se do restante do corpo físico e de tudo que está no seu entorno.
Um exemplo, é o fato de quase não se levar em consideração os aspectos
culturais, sociais e econômicos que envolvem e fazem parte da vida dos
pacientes e que são de igual importância como as outras ramificações da
odontologia.
Assim, deixa-se de conhecer o paciente como um todo, podendo
dificultar o trabalho do dentista na obtenção ou na manutenção da saúde bucal
de seus pacientes, ou seja, o exercício de sua função.
O papel dos dentistas, no contexto de saúde bucal da população, é de
grande importância, uma vez que esses profissionais apresentam amplo
conhecimento a respeito dos fatores etiológicos, meios de prevenção e controle
das doenças bucais.
Introdução ____________________________________________________________________________
18
A disseminação desses conhecimentos, objetivando a promoção de
saúde da população, portanto, representa a principal meta
educacional a ser alcançada, fato que deve ser iniciado o mais
precocemente possível, através da orientação às gestantes e às
mães de recém-nascidos, já que estas passam a ser o principal
agente para o desenvolvimento de hábitos em seus filhos. (RAMOS;
MAIA, 1999, p. 2)
O desenvolvimento desses hábitos seria, provavelmente, influenciado
pelos hábitos da mãe, pois é ela quem, geralmente, fica responsável pelos
cuidados com a saúde de seus filhos e, especificamente, pelos cuidados em
saúde bucal.
Autores como Verrips, Kalsbeek e Eijkman (1993), Guedes Pinto (1995),
Peres, Bastos e Latorre (2000) e Skaret et al. (2001) fazem referência à saúde
bucal infantil na dependência dos cuidados maternos. Apontam, também, os
aspectos educacionais, econômicos, étnicos e culturais das mães como
importantes indicadores de influência na saúde bucal. “No primeiro ano de vida
do bebê a mãe é reconhecida por ter papel fundamental na saúde bucal futura
da criança.”(SANTI, 2003, p. 6). “O papel materno estende-se para outras fases
do crescimento e desenvolvimento infantil.”(SANTI, 2003, p. 7)
Wel (1988) relata em seu estudo que as atitudes da criança em relação
aos conhecimentos e cuidados dentais são ensinados pelos pais.
Assim, deve-se ter em mente que a conduta das pessoas frente à
manutenção da saúde bucal pode ser influenciada pelos conhecimentos que
elas possuem, ou pela própria cultura do grupo a que elas pertencem.
Foram essas leituras e indagações que nos levaram a investigar qual o
pensamento, em relação à saúde bucal e ao tratamento odontológico, de um
Introdução ____________________________________________________________________________
19
determinado grupo de mães de crianças de zero a cinco anos de idade, pois as
mesmas podem, supostamente, estar sendo a porta de entrada para uma boa
ou má educação em saúde bucal para seus filhos.
1.3 Objeto de investigação
Sabe-se que a profissão odontológica apresenta como principal objetivo
promover saúde bucal para a população em geral. No entanto, sabemos que
promover a saúde bucal é algo bastante desafiador num país em que uma
grande porcentagem da população apresenta dentes cariados, problemas
periodontais, ortodônticos, estéticos, além dos problemas de caráter médico.
Na definição explicitada na Carta de Ottawa (OMS, 1986)
[...] promoção da saúde é o processo de capacitação da comunidade
para que ela própria possa participar e controlar ações para a
melhoria da sua qualidade de vida e saúde.
Para que ocorra essa capacitação, que enfatiza a autonomia dos
sujeitos e grupos sociais na gestão da saúde e na luta coletiva por direitos
sociais, faz-se necessário conhecer o pensamento dessa comunidade sobre o
que seria saúde e o conhecimento científico dos riscos à saúde.
Assim, o que seria saúde? E saúde bucal? E para as mães, o que
significa saúde bucal? Qual a importância que estas mães atribuem ao
tratamento odontológico de uma forma geral?
Do ponto de vista epistemológico, a dificuldade de conceituar saúde é
reconhecida desde a Grécia antiga (CANGUILHEM, 1990). Há uma carência de
estudos sobre esse conceito propriamente definido, parecendo indicar uma
dificuldade do paradigma científico dominante nos mais diversos campos
Introdução ____________________________________________________________________________
20
científicos de abordar a saúde positivamente. Por outro lado, tal pobreza
conceitual pode ter sido resultado da influência da indústria farmacêutica e de
uma certa cultura da doença, que têm restringido o interesse e os
investimentos em pesquisas a um tratamento teórico e empírico sobre a
questão da saúde como mera ausência de doença (COELHO; ALMEIDA
FILHO, 2002).
No capítulo intitulado “Processo saúde-doença e níveis de prevenção”,
do livro “Fundamentos de Epidemiologia”, Laprega (2004, p. 2) afirma:
A saúde já foi considerada como uma espécie de ‘silêncio orgânico’,
ou seja, do ponto de vista fisiológico existiria um estado de harmonia
e equilíbrio funcional em que os diversos sistemas e aparelhos não
dariam nenhum sinal de irregularidade.
Rojas (1974) ressalta que pensar sobre a saúde, dessa maneira, leva-
nos a percebê-la individualmente e do ponto de vista clínico, deixando de lado
outros aspectos do ser humano, como a vida social, mental e emocional.
Além disso, poderíamos considerar como em estado de saúde uma
pessoa que estivesse com uma infecção ou qualquer outra doença em estágio
subclínico? Esses questionamentos geram polêmica entre os profissionais,
tanto que, segundo Rose (1985), a lógica dicotômica (doentes X não doentes)
que se aplica muito bem no processo decisório da clínica (onde se necessita
saber sinais, sintomas específicos para determinar se o indivíduo está doente
ou não), não pode usar-se com âmbito populacional, pois pode gerar
conclusões confusas e, algumas vezes, incorretas. Isto porque o indivíduo
pode não apresentar aquelas características decisórias da clínica para se
Introdução ____________________________________________________________________________
21
definir se está doente ou não (estágio sub-clínico), podendo estar numa fase de
evolução para a doença.
Dessa forma, seria incorreto, segundo Rose (1985), em âmbito
populacional, dizer que esse indivíduo está normal ou mesmo saudável.
A questão da normalidade tem ocupado uma posição de flagrante
centralidade na sociologia, desde a sua constituição como disciplina científica.
Um de seus fundadores, Émile Durkheim (1968), afirmou que o objetivo
principal de qualquer ciência da vida, seja ela individual ou social, é a definição
e a explicação do estado normal, bem como a diferenciação do seu estado
patológico. Posteriormente, as teorias sociológicas sobre o papel de doente e o
rótulo, dominante no campo das ciências sociais, aplicadas à saúde nos anos
1950 e 1960, de certa forma, buscaram realizar tal intento, ao explorar os
fatores envolvidos na definição dos fenômenos normais e patológicos e suas
implicações. Entretanto, normalidade não é sinônimo de saúde, bem como o
par conceitual normal-patológico não sustenta uma correspondência de
oposição entre saúde e doença (COELHO; ALMEIDA FILHO, 2002).
Opondo-se à perspectiva da diferença quantitativa entre o normal e o
patológico difundida por Comte (1854), no século XIX, Canguilhem (1963,
1943), afirmou uma diferença de natureza qualitativa entre esses fenômenos.
Segundo este autor, a saúde é uma norma de vida superior, sendo a doença
uma norma de vida inferior. Enquanto a saúde caracteriza-se pela abertura às
modificações e pela instituição de novas normas de saúde, o patológico
corresponde à impossibilidade de mudança e à obediência irrestrita às normas.
Sendo a normatividade uma dimensão da saúde, cada indivíduo tem, para si
mesmo, sua própria concepção de saúde.
Introdução ____________________________________________________________________________
22
Se a fronteira entre saúde e doença é imprecisa para indivíduos
diferentes e considerados simultaneamente, ela tampouco é precisa para um
único indivíduo considerado sucessivamente, pois a fronteira pode variar ao
longo do tempo, e o que é normal, em uma situação, pode se tornar patológico
em outra. Além disso, a saúde implica o adoecimento e a saída do estado
patológico. Canguilhem (1963, 1943) argumenta que se a possibilidade de
testar a saúde pela doença fosse eliminada, o ser humano não teria mais a
segurança de ser saudável. Ainda que os conceitos de saúde e doença difiram,
o estado temporário de doença integra a saúde (COELHO; ALMEIDA FILHO,
2002).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um indivíduo é
considerado saudável quando apresentar o completo bem estar físico,
psicológico, mental e social, sendo considerado doente quando houver alguma
alteração em qualquer um desses fatores.
Segre e Ferraz (1997) questionaram essa definição da OMS,
considerando-a ultrapassada, por visar a uma perfeição inatingível, atentando-
se as próprias características da personalidade.
Já, especificamente, em relação à saúde bucal, há um autor que a
define como sendo
[...] um conjunto de condições objetivas (biológicas) e subjetivas
(psicológicas) que possibilita ao ser humano exercer funções como
mastigação, deglutição, fonação e também, tendo em vista a
dimensão estética inerente à região anatômica, exercitar a auto-
estima e relacionar-se socialmente sem inibição ou constrangimento.
(NARVAI, 2001)
Introdução ____________________________________________________________________________
23
Dessa forma, saúde bucal é o resultado da boa harmonia entre essas
condições objetivas e subjetivas, sendo necessário, para a conquista e
manutenção da mesma o acompanhamento realizado pelo dentista.
No entanto, para a realização desse acompanhamento, mostra-se
necessário conhecer o cliente a ser atendido, procurando identificar o
pensamento em relação à saúde bucal e ao tratamento odontológico para,
assim, atingir o objetivo proposto: a saúde bucal.
Foi a partir dos questionamentos mencionados que se resolveu
investigar as representações sociais dessas mães em relação à saúde bucal e
ao tratamento odontológico, que podem estar sendo transmitidas de uma
geração para outra, e estar influenciando positiva ou negativamente a saúde
bucal das mesmas e de seus filhos.
1.4 Justificativa
A odontologia vem se aperfeiçoando cada vez mais, criando
equipamentos novos, melhorando a qualidade de seus materiais, e se
esforçando por formar profissionais capacitados para atender ao público em
geral.
No entanto, mesmo com esse enorme avanço, na área da saúde,
algumas pessoas ainda apresentam um certo receio em relação ao tratamento
odontológico, o que nos deixa extremamente preocupados enquanto cirurgiões-
dentistas, surgindo uma grande dúvida sobre o que estaria influenciando ou
mesmo atrapalhando o principal objetivo da odontologia: promover saúde para
o cliente, devolvendo estética e função, buscando a grande satisfação do
mesmo.
Introdução ____________________________________________________________________________
24
Segundo Boltanski (1989) as mães de classes populares ou a faixa
inferior das classes médias, frente às doenças que atingem seus filhos, tentam
reconhecer como certos sintomas se a criança está doente ou não (prática
médica familiar), chamando, em último caso, o médico. Ainda, segundo o
mesmo autor, as doenças que atingem seus filhos são divididas em aquelas
que são passíveis de serem tratadas pela mãe através de seu pequeno
conhecimento (prática médica familiar) e aquelas doenças mais graves que são
tratadas pelo médico (prática médica oficial), sendo que ambas as práticas
médicas não se excluem mutuamente, ao contrário, parecem ser
essencialmente complementares. O autor ainda ressalta o fato de que se criou,
ao longo do tempo, um certo distanciamento entre o paciente e o profissional, a
população se sentindo ignorante em relação ao mesmo, devido ao seu
vocabulário rebuscado e técnico do dia-a-dia da profissão.
Como não possuem mais aquele conjunto de esquemas explicativos
e de receitas que constituía a medicina popular, e que nada veio
preencher o vazio assim criado senão a consciência infeliz e
angustiada de sua ignorância e falhas frente aos detentores do
conhecimento legítimo, os membros das classes populares estão hoje
diante da doença, da medicina e dos médicos como diante de um
universo estranho [...] (BOLTANSKI, 1989, p. 34)
Ocorre que o simples ato de pronunciar a palavra “dentista” ou de ouvir o
barulho do “motorzinho” (alta/baixa rotação) causam um “frio na barriga” de
muitas pessoas. São os medos apreendidos ao longo da vida que nem mesmo
a alta tecnologia empregada atualmente consegue fazer desaparecer.
Certamente, seria necessário questionar se há uma ligação automática entre
desenvolvimento tecnológico e a diminuição dos “medos”, procurando verificar
Introdução ____________________________________________________________________________
25
quais as mudanças culturais que já estariam em curso, pois quando pensamos
em “medos” estamos pensando em cultura.
Kanegane et al. (2003) avaliaram a freqüência de pacientes com
ansiedade ou medo do tratamento odontológico em um serviço de urgência.
Participaram do estudo 252 pacientes, com 18 anos ou mais, que
compareceram ao serviço de urgência de uma faculdade de odontologia de
São Paulo – SP, entre agosto e novembro de 2001. Para avaliar a ansiedade,
foram utilizadas a Modified Dental Anxiety Scale (MDAS) e a escala de medo,
de Gatchel. O grupo estudado respondeu às questões sobre: tempo decorrido
desde a última visita ao dentista e desde o início dos sintomas, escolaridade,
renda familiar e história prévia de trauma. Concluiu-se que pacientes ansiosos,
com ênfase para as mulheres, são freqüentes no atendimento odontológico de
urgência e que uma experiência prévia traumática mostrou-se importante para
o desenvolvimento da ansiedade em relação ao atendimento odontológico.
Em outro estudo, Schüller, Willumsen e Holst (2003) procuraram
descrever a prevalência do medo em relação ao tratamento odontológico na
população adulta norueguesa de acordo com a idade e explorar diferenças na
saúde bucal, higiene bucal e hábitos entre indivíduos com medo e sem medo.
Verificaram que aquelas pessoas com medo tiveram um número
estatisticamente significativo de superfície dental destruída, dentes destruídos
e perdidos em relação àqueles que não apresentavam medo. Dessa forma,
concluem que o cirurgião-dentista deveria tentar entender quais são os medos
dos seus pacientes e porque ocorrem, para que se consiga evitar ou diminuir
as situações que porventura possam acionar o mecanismo de defesa (medo),
garantindo, assim, um tratamento mais efetivo.
Introdução ____________________________________________________________________________
26
Além disso, durante anos e anos a odontologia se apresentou como algo
para poucos, devido ao alto custo de seus materiais e conseqüentemente do
tratamento odontológico. Dessa forma, somente uma minoria podia freqüentar
o consultório do cirurgião-dentista e, assim, receber o tratamento necessário
para obter uma melhor saúde bucal. A conseqüência disso é que 50% dos
brasileiros na faixa etária dos 40 anos de idade são desdentados (NARVAI,
1994).
Segundo dados do Projeto SB Brasil (2003), à faixa de etária dos 40
anos de idade, 35,83% da população necessita de prótese superior e 70,99%
de prótese inferior, mostrando-nos o grande número de desdentados que o
país ainda apresenta.
Sabe-se que o alto custo do tratamento odontológico permanece até
hoje, o que é explicado pelo grande avanço obtido por parte dos materiais
restauradores, das próteses etc., ou seja, do tratamento curativo ou
restaurador/reabilitador. Assim, o tratamento odontológico permanece restrito
àqueles que apresentam condições de pagar pelo tratamento.
Segundo Pinto (1992), apesar das dificuldades que a escassa
disponibilidade de dados causa, é possível afirmar que os gastos com
odontologia – e principalmente os desembolsos pessoais – aumentaram de
maneira significativa na década: estima-se que no ano de 1989 em torno de
dois bilhões e quatrocentos milhões de dólares foram gastos com saúde bucal
no país, cabendo às instituições do setor público junto com as entidades para-
oficiais apenas 30% desse total (os gastos pessoais foram de US$
1.700.000.000) (...). Calcula-se que no ano de 1989, a partir de todas as fontes,
públicas e privadas, o Brasil despendeu cerca de vinte e dois bilhões e
Introdução ____________________________________________________________________________
27
novecentos milhões de dólares com saúde, dos quais dois bilhões e
quatrocentos milhões em cuidados odontológicos, o que corresponde a uma
despesa per capita de 158,80 e de 16,60 dólares respectivamente (...). [Quanto
aos gastos pessoais com saúde], em torno de 53% dos gastos ocorrem nas
regiões Metropolitanas, 37% nas demais cidades e 10% na zona rural (..). O
gasto per capita é semelhante nas regiões sudeste, sul e centro-oeste, onde
varia de 93 a 99 dólares, mas cai significativamente no nordeste, onde é
apenas 33 dólares em média e no norte onde não chega a 49 dólares.
Relativamente, as cifras mais elevadas encontram-se nas capitais da região
centro-oeste e as mais ínfimas na zona rural nordestina, onde cada habitante
despende ao ano somente 17 dólares com saúde. A média nacional para a
zona rural não chega a 29 dólares por pessoa.
Mesmo com os dado mencionados, sabe-se que ainda não foi suficiente
para que tivéssemos uma melhora significativa da condição de saúde bucal da
população. Segundo o Ministério da Saúde, 1988, os gastos do setor público,
além de serem insuficientes, apresentam importantes problemas de distribuição
por grupos populacionais. Dados de 1986 indicam que aproximadamente 52%
dos recursos são destinados à atenção terciária da população adulta urbana e
6% à rural, apoiando uma linha de atendimento por livre demanda, portanto
sem programação. Só 35% estão alocados a programas de cuidados básicos
ao grupo prioritário formado por escolares primários de 6 a 14 anos. São
gastos em administração 5% e não mais que 2% em ações coletivas de
prevenção. Os dispêndios em odontologia representam algo perto de 0,16% do
PIB nacional e 3,5% de todos os gastos em saúde (5% na área privada e 2,6%
na área pública). Dessa forma, deveria se pensar em algo que melhorasse a
Introdução ____________________________________________________________________________
28
condição de saúde bucal da população e ao mesmo tempo fosse de baixo
custo, eficiente, atingindo o maior número possível de pessoas, principalmente
nas áreas mais pobres, onde o acesso ao tratamento odontológico era menor.
Aproximadamente 2/3 dos trabalhadores não têm, no Brasil, condições reais de
serem atendidos em clínicas privadas, nas quais concentra-se quase ¾ do
tempo de trabalho ofertado pelos cirurgiões-dentistas brasileiros,
conseqüências da “odontologia de mercado”, sendo essa última caracterizada
pela produção-consumo privada de bens e serviços sob regulação do mercado.
(NARVAI, 1994).
Segundo Narvai (1994) há pouca participação do Estado no
financiamento dos serviços odontológicos, diferentemente da assistência
médica e hospitalar. O valor gira em torno de 18,2% de financiamento dos
serviços odontológicos. Isso se daria, também, devido a não ocorrência de
formação de um público consumidor de bens e serviços públicos sanitário-
bucais que reivindicassem e realizassem propostas específicas de medidas de
saúde bucal. Essas decisões, geralmente, são tomadas por pessoas que estão
inseridas dentro da burocracia governamental. Dessa forma, a saúde bucal
para o cidadão comum nunca é estabelecida como direito assegurado pelo
Estado, seja por iniciativa própria, seja pela compra de serviços no mercado.
(NARVAI, 1994).
Percebeu-se que o tratamento curativo e restaurador/reabilitador
apresentava um alto custo, culminando com a eleição do tratamento preventivo
como a chave para uma melhoria da condição de saúde bucal, devido ao seu
baixo custo e eficiência em atingir uma maior parcela da população que, até
então, não tinha acesso ao tratamento. Segundo Narvai (1994) deve-se ter em
Introdução ____________________________________________________________________________
29
mente que apenas com ações preventivas se conseguirá reverter o quadro
calamitoso em que se encontra a saúde bucal do brasileiro. E ainda, segundo
Rose (1985), ações generalizadas de promoção de saúde são cruciais para
alterar substancialmente a ocorrência do grande universo de enfermidades e
agravos. No segundo seminário sobre ensino odontológico, promovido pela
Organização Pan-Americana da Saúde, com apoio da Associação Latino-
Americana de Odontologia e da W.K. Kellog Foundation, de 18 a 24 de outubro
de 1964, na cidade do México, defendeu-se que:
‘ Dado el crecimiento vertiginoso de la población de América Latina,
se considera imposible que el problema de salud oral pueda
resolverse por médio Del tratamiento curativo. Es por ello imperativo
recurrir a las técnicas preventivas y de salud pública y también que el
odontólogo, además de su función asistencial y preventiva, asuma
responsabilidades como miembro de la comunidad ‘. (NARVAI, 1994,
p. 41)
Durante as gerações passadas e até hoje, os cirurgiões-dentistas
acreditavam ou acreditam que alguns pacientes estiveram acostumados a
procurá-los somente em caso de dor ou quando havia ou há comprometimento
da estética. Em função disso, há uma grande tentativa em mudar esse conceito
da população, conscientizando as pessoas sobre o grande poder da
“prevenção”. Mostrar que a saúde bucal começa em casa, realizando uma boa
higienização bucal, acostumando as crianças, principalmente as de 0 a 5 anos
de idade, com a manipulação da boca, promovendo a sensação de “boca
limpa”, ou seja, ensinando a elas a importância da manutenção da saúde bucal
assim como da saúde geral. A faixa etária de 0 a 5 anos mostra-se importante,
devido ao fato de ser uma fase na qual se inicia o irrompimento dos dentes
Introdução ____________________________________________________________________________
30
decíduos ou “dentes de leite”, sendo que qualquer problema nessa primeira
dentição poderia estar gerando problemas para a dentição permanente
(ARAUJO, 1988). E, também, devido à idade-índice de 5 anos ser de grande
interesse em relação aos níveis de doenças bucais na dentição decídua, uma
vez que podem exibir mudanças em um período de tempo menor do que a
dentição permanente em outras idades – índice (BRASIL. MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2004)
Oliveira Júnior (1997) estudando o grau de conhecimento sobre saúde
bucal de gestantes das classes média e alta de Araraquara, a fim de apontar
diretrizes para a implantação do programa preventivo (que considera a
desinfecção das mães, ou seja, a quebra da corrente de infecção e,
conseqüentemente, a determinação de indivíduos de baixo risco de cárie,
sendo um dos programas mais promissores), concluiu que as informações
referentes à infecção cariogênica entre mãe e filho devem ser amplamente
divulgadas, a fim de garantir a participação e o interesse dessas mulheres.
Gunay et al. (1998) determinaram os efeitos do programa de prevenção
em saúde oral realizado antes e após o nascimento de algumas crianças,
verificando que todas as mães mostraram uma melhora significativa na saúde
oral e uma redução na colonização por streptococcus mutans, concluindo,
dessa forma, que o programa de prevenção pré e pós-natal pode melhorar,
significativamente, a saúde oral da mãe e da criança.
Köhler e Andréen (1994) investigando se medidas de prevenção à cárie
em mães portando bactérias cariogênicas e experiência de cárie poderiam
influenciar na experiência de cárie em seus filhos, concluíram que a redução
dos streptococcus mutans, em mães cujos dentes foram altamente colonizados
Introdução ____________________________________________________________________________
31
durante o nascimento da dentição primária ou decídua em seu filho, podem
prevenir ou mesmo atrasar a colonização dessa bactéria na criança por um
período prolongado de tempo, sendo que esse atraso na colonização também
poderia estar influenciando no desenvolvimento de cáries.
Kowash et al. (2000) determinaram o efeito da educação em saúde
bucal na diminuição da incidência de cárie em crianças, sócio-economicamente
pobres com alto índice de cárie, através de visitas regulares nas casas por
pessoas treinadas, sendo as visitas realizadas por um período de três anos,
concluindo que as visitas regulares nas casas dessas mães, após a erupção do
primeiro dente decíduo de seus filhos, mostraram serem efetivas na prevenção
da ocorrência da doença cárie.
Tollara (1999) investigou as atitudes e comportamentos maternos
relacionados aos cuidados dentais de suas crianças, que foram pacientes tanto
na clínica odontológica pública (Clínica Odontológica da Universidade de São
Paulo) quanto na privada. Questionários foram aplicados em 30 mães de
crianças com idade variando de 1-3 anos, na clínica pública, que oferece
tratamento dentário gratuito para residentes locais e 30 mães de crianças, da
mesma faixa etária, em uma clínica privada levadas pelos pais com nível sócio-
econômico geralmente alto. Concluiu que as diferenças nos comportamentos e
atitudes maternas com relação aos cuidados dentários das crianças podem,
algumas vezes, estar relacionados às classes sociais.
Okada, Kawamura e Miura (2001) investigaram a influência da atitude
em relação à saúde oral de mães nos níveis de saúde gengival de suas
crianças (filhos), concluindo que a saúde gengival das crianças pode ser,
Introdução ____________________________________________________________________________
32
significativamente, influenciada pela atitude em relação à saúde oral de suas
mães até, aproximadamente, dez anos de idade.
Seow, Cheng e Wan (2003) examinaram os efeitos da educação em
saúde bucal de mães de crianças na fase pré-escolar e da instituição da
escovação para promover a diminuição do número de streptococcus mutans,
concluindo que a sessão de educação em saúde bucal e a instituição da
escovação, para as mães, resultaram em aproximadamente 25% de redução
na infecção com mutans nessas crianças de relativo alto estatus sócio-
econômico.
Santi (2003), em um estudo com mães apresentando filhos, da faixa
etária de 0 a 6 anos, em atendimento odontológico pelo Curso de Graduação
em Odontologia, de Especialização em Odontopediatria e da Clínica de bebês
da Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP, buscou compreender os
significados atribuídos por essas mães em relação ao seu papel como
cuidadora da saúde bucal do seu filho. Realizou-se entrevistas semi-
estruturadas e observação durante o atendimento odontológico, concluindo-se
que a mãe pode ser considerada como um agente multiplicador de ações
educativas relacionadas à saúde bucal, uma vez que a atuação materna não
fica circunscrita a ajudas momentâneas durante o atendimento clínico,
perpassando as barreiras físicas, chegando aos cuidados diários na
manutenção da saúde bucal do filho. Dentro dessa lógica, segundo a autora,
há que se investir na capacitação dos profissionais que lidam diariamente com
tais mães e todos os indivíduos da família, para que estes se sintam
responsáveis pela saúde das crianças menores.
Introdução ____________________________________________________________________________
33
No entanto, para que se consiga realizar o que Santi (2003) sugere em
seu trabalho, é necessário que ocorram mudanças significativas no sistema de
saúde brasileiro. Mudanças essas que o governo vem tentando implantar,
sendo o Programa de Saúde da Família (PSF) uma delas, com o intuito de
melhorar o acesso da população a um atendimento completo, digno e mais
humano. O PSF vem como uma estratégia de reorganização do modelo
assistencial a partir da Atenção Básica de Saúde (Atenção Primária de Saúde)
em conformidade com os princípios do SUS, imprimindo uma nova dinâmica
nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Dessa forma, o PSF não é um
programa. Seus objetivos específicos são: atenção à saúde focada na família e
na comunidade como núcleo básico de abordagem à saúde; práticas e
relações distintas às tradicionais entre os profissionais de saúde, os indivíduos,
suas famílias e as comunidades com assistência integral, contínua, com
resolubilidade e boa qualidade para a população adscrita; intervir sobre fatores
de risco, situações de risco; fazer com que a saúde seja reconhecida como um
direito de cidadania e, portanto, expressão da qualidade de vida. Conclui-se
que o PSF tem função bem definida na prestação da Atenção Primária,
devendo proporcionar aos serviços os conhecimentos, habilidades e atitudes
para identificar os problemas de saúde de atenção primária, assistindo
adequadamente os pacientes, as famílias e a comunidade, além de
proporcionar práticas mais humanísticas na atenção primária. Neste sentido, o
PSF apresenta-se como uma iniciativa importante no sentido de buscar reduzir
a falta de igualdade existente no âmbito da saúde bucal.
É necessária uma forte ação de promoção de saúde perante toda a
população e principalmente em famílias com crianças da faixa etária de zero a
Introdução ____________________________________________________________________________
34
cinco anos, pois é nessa fase da vida que a criança começa a criar seus
hábitos, sejam eles bons ou ruins, podendo ou não ser a mãe a porta de
entrada para a boa educação em saúde bucal dessas crianças.
No próximo capítulo desta dissertação, apresentamos os objetivos geral
e específicos dessa investigação. Em seguida, no capítulo três, realizamos
uma revisão de literatura com o intuito de fundamentar nossa pesquisa. No
capítulo quatro, descrevemos a metodologia utilizada para conseguirmos
contemplar os objetivos propostos, mencionando-se: a abordagem realizada; o
local onde foi feita a pesquisa; a população utilizada para o estudo ou
população alvo; a coleta de dados; a análise dos dados e, por fim, os aspectos
éticos. No capítulo cinco, realizamos a apresentação dos resultados obtidos
com a pesquisa e a discussão dos mesmos e, finalmente, no capítulo seis as
considerações finais.
Objetivos da Investigação _____________________________________________________________________________________
36
2.1 Objetivo geral
O objetivo geral deste estudo é investigar quais as representações
sociais das mães de crianças de 0 a 5 anos de idade do Núcleo de Saúde da
Família IV a respeito da saúde bucal e do tratamento odontológico.
2.2 Objetivos específicos
Identificar e analisar o pensamento destas mães em relação à saúde bucal
geral e de seus filhos;
Identificar e analisar o pensamento das mesmas em relação ao tratamento
odontológico.
Fundamentação Teórica _____________________________________________________________________________________
38
3.1 As representações sociais
O conceito de representações sociais tem origem a partir de um trabalho
intitulado “La psychanalyse, son image et son public”, de Serge Moscovici
(MOSCOVICI, 1976), um psicólogo francês que “[...] ‘queria redefinir os
problemas e os conceitos da psicologia social...,’ [...]”. (MOSCOVICI apud
SPINK, 1993, p. 19).
Segundo Spink (1993), a vertente psicossociológica renovadora da qual
Moscovici participava, de origem européia, condenava a tradição norte-
americana, por essa última não ser capaz “[...] de dar conta das relações
informais, cotidianas, da vida humana, em um nível mais propriamente social
ou coletivo.[...]”. (SPINK, 1993, p. 20)
Moscovici (1976) foi buscar uma primeira contrapartida conceitual em
uma tradição sociológica extremamente oposta quanto a de Durkheim (1978).
Esse último dizia que: “[...] ‘qualquer tentativa de explicação psicológica dos
fatos sociais constituiria um erro grosseiro.‘“ (DURKHEIM apud SPINK, 1993, p.
21)
Durkheim (1978) formulou o conceito de “representações coletivas”, pelo
qual procurava dar conta de fenômenos como a religião, os mitos, a ciência, as
categorias de espaço e tempo etc. em termos de conhecimentos inerentes à
sociedade. No entanto, verificou-se que havia diferença entre os fenômenos
com os quais Moscovici (1976) e Durkheim (1978) se ocuparam. Assim, foi a
partir do reconhecimento da existência de uma outra ordem de fenômenos, por
parte de Moscovici (1976), que se exigiu um outro tipo de conceito para
englobá-los. Daí o surgimento do termo “Representações Sociais”, afastando a
38
Fundamentação Teórica _____________________________________________________________________________________
39
perspectiva “sociologista” extrema da noção original e a construção teórico-
conceitual de um espaço psicossociológico próprio.
O termo representações sociais designa um conjunto de fenômenos
apresentando um conceito que os engloba e uma teoria construída para
explicá-los. As representações são:
[...] essencialmente dinâmicas; são produtos de determinações tanto
históricas como do aqui-e-agora e construções que têm uma função
de orientação: conhecimentos sociais que situam o indivíduo no
mundo e, situando-o, definem sua identidade social – o seu modo de
ser particular, produto de seu ser social. (SPINK, 1993, p. 8);
[...] campos estruturados pelo habitus e pelos conteúdos históricos
que impregnam o imaginário social, seja porque são estruturas
estruturantes desse contexto e, como tal, motores da mudança social.
(SPINK, 1993, p. 9);
[...] valorativas antes de serem conceituais e respondem a ordens
morais locais, ficando, como tal, prenhes de afeto; sendo
conhecimentos práticos, estão orientadas para o mundo social,
fazendo e dando sentido às práticas sociais. (SPINK, 1993, p.9 )
“’...noções e modos de pensamento construídos ao lado das
trajetórias de vida dos sujeitos, influenciados, por conseguinte, pela
experiência coletiva, pelos fragmentos das teorias científicas e dos
saberes escolares, expressos, em parte, nas práticas sociais e
modificados para servir à vida cotidiana.’ “ (MOSCOVICI apud
GAZZINELLI et al. 2005, p.4)
[...] um tipo de saber, socialmente negociado, contido no senso
comum e na dimensão cotidiana, que permite ao indivíduo uma visão
de mundo e o orienta nos projetos de ação e nas estratégias que
desenvolve em seu meio social/ (...)conhecimentos culturalmente
carregados, que adquirem sentido e significado pleno apenas se
forem levados em consideração a situação e o estágio evolutivo em
que se manifestam. (QUEIROZ, 2003, p.25)
39
Fundamentação Teórica _____________________________________________________________________________________
40
Destacam-se dois processos sociocognitivos que atuam, dialeticamente,
na formação das representações sociais: a objetivação e a ancoragem, e seus
desdobramentos como o núcleo central e o sistema periférico. A objetivação é
a transformação de uma idéia, conceito ou de uma opinião em algo concreto.
Cristaliza-se a partir de um processo figurativo e social e passa a constituir o
núcleo central de uma determinada representação, seguidamente evocada,
concretizada e disseminada como se fosse o real daqueles que a expressam. É
importante salientar que o núcleo central é o elemento que determina o
significado de uma representação e, ao mesmo tempo, contribui para sua
organização interna. Já a ancoragem apresenta um papel fundamental no
estudo das representações sociais e do desenvolvimento da consciência, uma
vez que se constitui na parte operacional do núcleo central e em sua
concretização, mediante apropriação individual e personalizada por parte de
diferentes pessoas constituintes de grupos sociais diferenciados. A ancoragem
consiste no processo de integração cognitiva do objeto representado para um
sistema de pensamento social preexistente e para as transformações, histórica
e culturalmente situadas, implícitas em tal processo. (FRANCO, 2004)
Segundo Paixão (1986); Minayo (1993); Andrade (1996); Perini (1998) e
Mallison (2002) existem vários estudos que utilizam o conceito de
representações sociais dos processos de saúde e doença no Brasil, sendo,
cada vez mais, utilizados na área da saúde pública e da epidemiologia.
Especificamente, em relação à representação social de saúde bucal, alguns
estudos também foram desenvolvidos no Brasil por Bernd (1992); Wolf (1998);
Carneiro (2001); Mendonça (2001); Nations e Nuto (2002); Fernandes (2002) e
Vargas (2002). Esses estudos, segundo Alves e Rabelo (1998) se intensificam
40
Fundamentação Teórica _____________________________________________________________________________________
41
nas duas últimas décadas, contribuindo, de forma expressiva, para o
entendimento das matrizes culturais das quais emergem os conjuntos de
significados e ações relativos à saúde e doença e favorecendo a criação de:
[...] um contraponto aos estudos epidemiológicos que tendem a tratar
o tema doença e cultura em termos de uma relação externa, passível
de formulação na linguagem de fatores condicionantes. (ALVES;
RABELO, 1998, p.107)
A abordagem utilizada nesses estudos é fortemente influenciada pela
idéia de que as representações são concebidas como estruturantes das
práticas, e essas, por sua vez, determinadas pelo sistema de representações.
As representações sociais são assumidas, portanto, como um guia para as
práticas, definindo o que é aceitável ou inaceitável em determinado contexto
social.
Quando pensamos, por exemplo, no processo saúde-doença, o estudo
das representações se mostra necessário e importante para que haja a
possibilidade de se conhecer o pensamento dos indivíduos, os quais
apresentam particularidades que precisam ser conhecidas e respeitadas para,
assim, conseguir uma maior eficácia na disseminação dos conhecimentos.
No entanto, geralmente, imputa-se às pessoas informadas sobre os
riscos de adoecimento, a responsabilidade de adotar um novo estilo de vida
mais saudável. Desconsidera que no processo educativo lida-se com histórias
de vida, um conjunto de crenças e valores, a própria subjetividade do sujeito
que requer soluções sustentadas sócio-culturalmente (SMEKE; OLIVEIRA,
2001)
Verifica-se, dessa forma, que ainda prevalece o modelo hegemônico na
prática profissional que, verticalmente, preconiza a adoção de novos
41
Fundamentação Teórica _____________________________________________________________________________________
42
comportamentos, como o parar de fumar, vacinar-se, ter melhor higiene, entre
outros, e de estratégias geralmente ditas coletivas, como a comunicação em
massa (SMEKE; OLIVEIRA, 2001). Tratam o público alvo como o objeto de
transformação. Não são as situações de desigualdade que têm de mudar, mas,
os sujeitos. (SMEKE; OLIVEIRA, 2001; GIORDAN, 2000; FREIRE, 1979;
FREIRE, 1996)
Trabalhar com o conceito de representações sociais não é tarefa fácil,
principalmente num país heterogêneo como o nosso, com diversas classes
sociais, crenças, culturas, diversos costumes e valores. Mesmo assim,
procuramos identificar quais seriam as representações sociais dessas mães do
Núcleo de Saúde da Família IV em relação à saúde bucal e ao tratamento
odontológico.
Fez-se necessário uma breve reflexão sobre o desenvolvimento
emocional, desde a infância até a idade adulta, devido ao fato do surgimento
de alguns sentimentos que poderiam gerar certos traumas que não seriam
facilmente superados, significando, muitas vezes, obstáculos em suas vidas.
3.2 O desenvolvimento emocional
As emoções e sentimentos estão e sempre estarão ligados às
necessidades humanas.
As emoções são reações mais simples, relacionadas com a satisfação
ou insatisfação das necessidades orgânicas. Estão ligadas, por exemplo, à
necessidade de alimento, água, ar, repouso, defesa do organismo etc. É
evidente que também cores, sons, odores, enfim, sensações agradáveis e
desagradáveis causem reações emocionais. Já os sentimentos estão mais
42
Fundamentação Teórica _____________________________________________________________________________________
43
relacionados com as necessidades que surgiram no curso do desenvolvimento
humano, ou seja, das relações sociais e das necessidades culturais e
espirituais, necessidades que foram designadas como psicogênicas por
Murray1 (apud DORIN (sd2)). Necessidades de posse, ordem, reconhecimento,
obediência, exibição, liderança, por exemplo, são responsáveis pelos
sentimentos. Os sentimentos são, desse modo, específicos do homem e os
estados sentimentais revelam o grau de maturidade e desenvolvimento social
de um indivíduo. Recebem, os sentimentos, denominações semelhantes as das
emoções: medo, tristeza, cólera, alegria, prazer, afeição etc (DORIN, sd).
As emoções básicas se modificam em virtude da maturação e da
aprendizagem. O amadurecimento dos centros nervosos permite a existência
de condicionamentos cada vez mais complexos, como provou Watson
(GARRET apud DORIN, sd), com o estudo sistemático da conduta do menino
Albert.
Dorin (sd, p.91) citando Watson (GARRET3 apud DORIN, sd) afirma:
[...] que o menino, ficando condicionado perante um determinado
animal (um rato), passava a dar a mesma resposta perante animais
semelhantes (princípio da generalização dos reflexos condicionados).
Assim, a aprendizagem exerce um importante papel no desenvolvimento
emocional da criança. Conseqüentemente, pais e educadores podem guiar
seus filhos e discípulos de modo a terem reações mais controladas, porque a
raiva, o medo, o ciúme, o desprazer, por exemplo, não são congênitos, pelo
1 Para um maior aprofundamento consultar MURRAY. Psicologia Geral 2 Ausência de data no livro consultado 3 Para um maior aprofundamento consultar: GARRETT, H.E. Grandes experimentos da
Psicologia. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1959.
43
Fundamentação Teórica _____________________________________________________________________________________
44
menos do modo como se manifestam nas crianças (medo de escuro, raiva de
outra pessoa, ciúme do irmão etc) (DORIN, sd).
Segundo Dorin (sd) para Watson (idem, op. cit), as primeiras emoções
surgem depois do nascimento. O medo é uma delas, apresentando as
seguintes características:
É provocado em crianças de alguns meses por ruídos fortes,
estímulos dolorosos e súbita falta de apoio; a criança prende a
respiração, procura agarrar-se a qualquer objeto. São observadas
reações fisiológicas como a constrição vascular periférica, queda do
rítmo dos batimentos cardíacos, aumento do peristaltismo intestinal.
(DORIN, sd)
As emoções e sentimentos se tornam complexos à medida que a criança
amadurece e passa a viver em diferentes grupos sociais. O que é característico
até por volta de 6 anos, entretanto, é o estado de inconstância emocional. A
criança passa de um estado emocional a outro com relativa rapidez e com
certa freqüência.
Na escola, os professores provocam o surgimento de sentimentos
morais, sociais e estéticos. A família, a escola e demais instituições sociais que
exercem têm influência direta sobre as crianças, levando-as a admitir certos
sentimentos e a reprimir outros.
Essa influência da família, especificamente a da mãe, por exemplo,
poderia estar promovendo, nas crianças, o sentimento de medo e dificultando,
dessa forma, o tratamento odontológico?
44
Fundamentação Teórica _____________________________________________________________________________________
45
3.3 A origem do medo
Desde os primeiros anos de vida, todos nós somos ou fomos, de alguma
forma, perturbados pelo medo. Algumas vezes, esses medos chegam a afetar
a liberdade de ação do indivíduo. Em adultos também, muitas vezes, o medo
aparece e a maioria luta com apreensões que têm raízes nos seus temores de
infância. Embora algumas pessoas não reconheçam os seus temores, os
adultos realistas admitem o fato de que o medo teve e tem, ainda, um lugar
importante em suas vidas.
A palavra “medo” é empregada na linguagem cotidiana para denotar:
[...] uma variedade de apreensões que vão desde o temor extremo a
perigos evidentes (como um cão ameaçador, por exemplo), até uma
espécie mais complicada de inquietação (como, por exemplo, a
preocupação por ter de dar lição em classe ou o medo de ser
apanhado por um temporal, muito embora, no momento, faça tempo
bom). (JERSILD, 1977, p. 276)
Durante a infância, os temores de uma criança aparecem em resposta a
acontecimentos do seu ambiente imediato. Com o crescimento, a ordem dos
seus temores torna-se maior. Ao adquirir a capacidade de rememorar seu
passado e antecipar seu futuro, grande número dos seus temores liga-se a
perigos distantes, antevisões do que pode o futuro trazer e apreensões
relativas aos seus próprios impulsos e ao que fez ou ao que poderia fazer.
Jersild (1977), citando Watson (1924a, 1924b), aponta que, antigamente,
acreditava-se que muitos dos nossos temores eram instintivos, como o medo
de animais, do desconhecido, de grandes massas de água. Mais tarde, propôs-
se uma teoria segundo a qual só existem dois estímulos “naturais” na origem
do medo, a saber, os ruídos fortes e o repentino deslocamento ou perda de
45
Fundamentação Teórica _____________________________________________________________________________________
46
apoio. Essa explicação era bastante simples e bastante imprópria. As
circunstâncias que dão origem aos temores, ditos “não apreendidos”, da
criança compreendem, não apenas, os ruídos e a perda de apoio, mas
qualquer estímulo intenso, inesperado, repentino ou desconhecido, ou qualquer
situação que exija dado tipo de adaptação para a qual o organismo não está
preparado. Ademais, se dado estímulo pode ou não provocar o medo depende
não apenas da natureza do estímulo, mas da situação do indivíduo que está
reagindo e do cenário total em que ocorre o estímulo. Um susto ou um ruído
intenso pode provocar o medo, quando uma criança se acha em companhia de
uma pessoa desconhecida, e não provocá-lo quando está perto de uma pessoa
conhecida (JERSILD, 1977).
O mesmo autor, citando Holmes (1935), aponta que o medo das
crianças passa por um importante processo de maturação, podendo-se verificar
uma criança precoce ou de desenvolvimento adiantado apresentando medo de
coisas que não perturbam outras crianças, até que se tornem mais velhas.
Os temores são influenciados também pela aprendizagem. Em virtude
de uma penosa experiência, ou de ter sido assustada ou dominada, pode a
criança “aprender” a temer algo que antes não a incomodava.
Os adultos podem ter uma influência diferente sobre os temores das
crianças, por intermédio do exemplo dado pelos seus próprios temores.
Por meio de manifestações evidentes ou sutis dos seus temores,
podem os adultos não apenas sugerir à criança a presença do perigo,
mas também enfraquecer a convicção da segurança que ela tem, sob
a sua proteção. (JERSILD, 1977, p. 290)
Enquanto predominar o medo, na sociedade em que vivem, não há,
provavelmente, meios de poupar a criança do exemplo de medo dado pelos
46
Fundamentação Teórica _____________________________________________________________________________________
47
outros (JERSILD, 1977). No entanto, poderia-se tentar aprender a lidar com
esse tipo de sentimento para que o mesmo não cause problemas futuros.
Os pais, mais especificamente a mãe, poderia ser o elo para essa
tentativa. Esta, pelo fato de ser, geralmente, responsável pela prática do
cuidado da criança. Assim, deveria-se conhecer melhor a mesma para a
orientação de futuras ações que possibilitem um aprendizado para enfrentar e
aprender a conviver com o medo.
47
Metodologia _____________________________________________________________________________________
49
4.1 Abordagem qualitativa
Sabe-se que, tradicionalmente, o diagnóstico das condições sanitárias
de grupos populacionais foi realizado através de indicadores numéricos,
utilizando-se o referencial teórico da epidemiologia clássica. Essa abordagem
tem grande importância para o planejamento das ações de saúde coletiva.
Porém, nas últimas décadas, diversos autores constataram a necessidade da
utilização de outros métodos para se avaliar o processo saúde-doença em
grupos populacionais, uma vez que não se identifica, por exemplo, uma
coincidência entre as necessidades de saúde bucal nos estudos de prevalência
e incidência e aquelas necessidades percebidas pelas pessoas. Além disso, os
conceitos sobre saúde e doença são fortemente influenciados por valores
culturais. Assim, quando se necessita avaliar um universo de significados,
desejos, aspirações, motivos, valores, o método estatístico não consegue
abarcar tais dimensões com a profundidade pretendida, sendo necessária uma
abordagem da qualidade do fenômeno, através do método qualitativo. Dessa
forma, consolidou-se a convicção, a qual moveu, também, a presente
dissertação, de que o planejamento e as pesquisas não deveriam se reduzir à
produção de dados e indicadores externos aos sujeitos que conferem
significados às ações de saúde. Não há, entretanto, uma negação da
relevância das avaliações quantitativas, mas, sim, a evidência da
complementaridade dessas metodologias (MARSIGLIA; BARATA; SPINELLI,
1990; MINAYO b, 1994; PERINI, 1998; ROUQUAYROL; GOLDBAUM, 1999;
SHEIHAM, 2000; VARGAS, 2002).
Com o intuito de tentar responder aos objetivos geral e específicos deste
estudo optou-se pelo método qualitativo de análise, porque temos o propósito
Metodologia _____________________________________________________________________________________
50
de observar vários elementos simultaneamente no grupo estudado, propiciando
um conhecimento aprofundado do mesmo e a explicação de seus
comportamentos e visões em relação à saúde bucal e ao tratamento
odontológico.
Só o método qualitativo permite uma visão de dentro do grupo
pesquisado, trabalhando-se com um elevado número de questões, no estudo
de grupos pequenos de pessoas. Utilizam-se, na maior parte das vezes,
observações (direta e/ou participante), entrevistas em profundidade (formais,
informais, com ou sem roteiro), entrevistas em grupo e construção de redes de
relações.
A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva
entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo
objetivo e a subjetividade do sujeito. (CHIZZOTTI, 1995, p. 79)
Na pesquisa qualitativa, é o conjunto de situações que dá sentido, e não
uma situação isolada; pode-se, entretanto, buscar o importante na novidade
dos temas mesmo se a freqüência é pequena (MINAYO, 1993).
Possibilita-se abordar pontos mais explicativos de uma situação e, com
seus achados, em um segundo momento, realizar uma pesquisa extensiva que
permita validar seus dados e apreciar sua variação segundo critérios
pertinentes (TRIVIÑOS, 1987).
Permite o estudo de valores, crenças, sentimentos e emoções,
possibilitando o pesquisador ir ao encontro dos participantes da pesquisa,
colocando-o na perspectiva do participante. Permite a quem vai pesquisar
entrar em contato com a realidade do participante, possibilitando o
Metodologia _____________________________________________________________________________________
51
aprofundamento do conhecimento sobre questões subjetivas, coletivas e
sociais (JUNQUEIRA; MELO; RAMOS, 2002).
Enfim, a metodologia qualitativa, pelo fato de trabalhar em profundidade,
oferece à compreensão da forma de vida das pessoas, não sendo apenas um
inventário sobre a vida de um grupo. As técnicas utilizadas permitem, entre
outras situações, o registro do comportamento não verbal e o recebimento de
informações não esperadas porque não seguem necessariamente um roteiro
fechado, percebendo como bem-vindos os dados novos, não previstos
anteriormente.
É importante salientar que a própria problemática de pesquisa é que
define a metodologia, sendo que nesse caso a mesma apresentou-se baseada
em um pressuposto teórico enraizado nas Ciências Sociais, optando-se, dessa
forma, pela metodologia qualitativa1.
4.2 Local da pesquisa
O Núcleo de Saúde da Família IV (NSF-IV) foi o local escolhido para a
realização da coleta de dados. O NSF-IV é uma unidade do Programa de
Saúde da Família (PSF), vinculado ao Centro de Saúde Escola “Dr. Joel D.
Machado”- CSE, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP.
O PSF é uma estratégia do Ministério da Saúde para reorganizar o
modelo de atenção básica. Tem como objetivo melhorar o estado de saúde da
população, mediante a construção de um modelo assistencial de atenção
baseado na promoção, proteção, diagnóstico precoce, tratamento e
1 Para um maior aprofundamento sobre “Metodologia Qualitativa” buscar: VÍCTORA, C.G.;
KNAUTH, D.R.; HASSEN, M.N.A. Pesquisa qualitativa em saúde: uma introdução ao tema. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2000, páginas 33-44.
Metodologia _____________________________________________________________________________________
52
recuperação da saúde em conformidade com os princípios e diretrizes do
Sistema Único de Saúde, sendo dirigidos aos indivíduos, à família e à
comunidade (SANTANA, 2000).
Em Ribeirão Preto, o PSF foi implantado em 1999, com a criação do
Núcleo de Saúde da Família I, vinculado ao Centro de Saúde Escola (CSE),
mas não dispondo de equipe nos moldes padronizados pelo Ministério da
Saúde. Em 2000, foi instituído o Núcleo de Saúde da Família II, fora da área
básica de abrangência do CSE. Em 2001, foram implantados os Núcleos III, IV
e V, contando com apoio da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, e
agora, com equipe composta conforme preconizado pelo Ministério da Saúde.
(CACCIA-BAVA, 2004)
Atualmente, o Núcleo IV possui em sua área de abrangência 807
famílias cadastradas, que em sua maioria, residem em área de periferia,
formando favelas.
4.3 População de estudo
Na realização deste estudo foi considerada como população de
referência as mães de crianças da faixa etária de zero a cinco anos adscritas
ao NSF-IV, apresentando um total de 252 mães.
Foram consideradas participantes da população de estudo as mães (de
qualquer idade, classe social, condição física, etnia, profissão, condição
marital) que, necessariamente, apresentassem um filho na faixa etária de zero
a cinco anos. Só não participaram da pesquisa aquelas mães que não
Metodologia _____________________________________________________________________________________
53
apresentaram condições de responder à entrevista2 e aquelas que se
recusaram.
O número de mães que foram contempladas na investigação não foi
determinado por um cálculo amostral, tampouco rígido, como é realizado na
pesquisa quantitativa. O n que representaria a população de estudo foi indicado
pela própria saturação ou recorrência dos dados, isto é, aquele momento no
qual a busca de novos sujeitos não acrescentaria mais nenhum dado novo à
investigação. Segundo Minayo (1993) é o momento no qual as categorias do
discurso se repetem, chegando-se ao esgotamento. Ainda segundo a autora, o
número de pessoas é menos importante do que a teimosia de enxergar a
questão sob várias perspectivas, pontos de vista e de observação.
Em nossa pesquisa, o número de entrevistadas foi dez. Tomou-se o
cuidado de buscar, dentro do universo da pesquisa, a maior diversidade
possível, de forma a contemplar as diferentes perspectivas do problema e obter
uma saturação dos dados adequada.
Deve-se ter em mente que, apesar de não se saber o número de mães
que iam ser entrevistadas, foi necessário estabelecer como essas mães seriam
selecionadas para a entrevista. Após uma análise das possibilidades, optou-se
pela amostragem sistemática para selecionar essas mães.
A amostragem sistemática é uma variação da amostragem aleatória
simples. Sua explicação requer que a população seja ordenada de
modo tal que cada um de seus elementos possa ser unicamente
identificado pela posição. Apresentam condições para satisfação
desse requisito uma população identificada a partir de uma lista que
englobe todos os seus elementos, uma fila de pessoas ou o conjunto
2 Consideramos como ausência de condição para responder à entrevista, quando a mãe apresentou qualquer impedimento para falar, devido ao fato de que as entrevistas seriam gravadas.
Metodologia _____________________________________________________________________________________
54
de candidatos a um concurso, identificados pela ficha de inscrição.
(GIL, 1999)
Assim, com a lista contendo todas as mães de crianças de zero a cinco
anos de idade do NSF-IV, foram selecionadas 10 % de mães dessa população:
1- Após essa seleção dos 10% de mães, sendo que as mesmas estavam
ordenadas na lista, selecionou-se as dez primeiras mães da lista e foi
realizado um sorteio entre as dez. A mãe escolhida foi a primeira a ser
entrevistada(Ponto de Partida);
2- Em seguida, contou-se dez mães a partir da primeira entrevistada
(Ponto de Partida) e depois mais dez e assim por diante. Por exemplo,
vamos supor que após o sorteio das dez primeiras da lista saiu o
número 7. As próximas mães entrevistadas seriam os números 17, 27,
37, 47 e assim por diante.
4.4 Coleta de dados
Para a coleta dos dados dessa população de estudo, ou seja, das dez
mães adscritas ao NSF-IV, escolhidas pelo investigador, foi utilizada a técnica
de entrevista semi-estruturada. Optou-se por entrevistas devido ao fato de
conseguir a coleta de informações das pessoas que não sabem escrever; as
pessoas terem maior paciência e motivação para falar do que para escrever;
haver maior flexibilidade para garantir a resposta desejada; poder observar o
que diz o entrevistado e como diz, verificando as possíveis contradições; ser o
instrumento mais adequado para a revelação de informações sobre assuntos
complexos, como as emoções; permitir uma maior profundidade; estabelecer
Metodologia _____________________________________________________________________________________
55
uma relação de confiança e amizade entre pesquisador-pesquisado, o que
propicia o surgimento de outros dados.
No entanto, quando da utilização de entrevistas em pesquisa, deve-se
tomar cuidados: de, como entrevistador, não influenciar nas respostas dos
entrevistados; para não perder a objetividade tornando-se amigo do
entrevistado; com o tempo, atenção e disponibilidade do pesquisador; ao
comparar as respostas, sendo mais difícil a comparação; para que o
pesquisador não permaneça na dependência do pesquisado (GOLDENBERG,
2003).
A técnica de entrevista, segundo Minayo (1994a), possibilita ao
pesquisador obter informações contidas na fala do pesquisado. Essa técnica
reforça a importância da linguagem e do significado da fala. Os primeiros
também podem ser obtidos por meio de censos, prontuários. Os segundos se
relacionam aos valores, às atitudes e às opiniões dos entrevistados. Serve,
também, como meio de coleta de informações sobre um determinado tema
científico. Através dela podemos obter dados objetivos e subjetivos.
Enquanto técnica de coleta de dados, a entrevista é bastante
adequada para a obtenção de informações acerca do que as pessoas
sabem, crêem, esperam, sentem ou desejam, pretendem fazer, fazem
ou fizeram, bem como acerca das suas explicações ou razões a
respeito das coisas precedentes. (SELLTIZ, 1967, p. 273)
Para Nogueira-Martins (2001), o questionário ou entrevista semi-
estruturado é aquela que parte de questionamentos que interessam à pesquisa
e que oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que
vão surgindo à medida que se recebem as respostas do entrevistado. A
Metodologia _____________________________________________________________________________________
56
entrevista permite correções, esclarecimentos e adaptações para torná-la
eficaz na obtenção das informações desejadas.
Após a escolha dos sujeitos da pesquisa fomos, junto com o agente
comunitário devidamente credenciado ao NSF-IV, à casa da família
cadastrada, sendo a pessoa submetida a um Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (ANEXO A), o qual deveria ser correta e totalmente preenchido,
autorizando a realização da entrevista.
Tomou-se o cuidado de escolher o momento oportuno para a realização
da entrevista, ou seja, aquele momento que não comprometesse o trabalho
diário do indivíduo entrevistado, apresentando como roteiro o que está
localizado no ANEXO B.
4.5 Análise dos dados
Após a obtenção dos dados os mesmos foram analisados através da
técnica de análise de conteúdo que, para Chizzotti (1995), é um método de
tratamento e análise de informações, colhidas por meio de técnicas de coleta
de dados, consubstanciadas em um documento. Ainda para ele, o objetivo da
análise de conteúdo é compreender criticamente o sentido das comunicações,
seu conteúdo manifesto ou latente, as significações explícitas ou ocultas.
Foram geradas categorias de análise para a análise dos dados. As
categorias foram: 1a categoria de análise – quem cuida das crianças; 2a
categoria de análise – hábitos/costumes; 3a categoria de análise –
representações e crenças em relação à saúde bucal e ao tratamento
odontológico (T.O); 4a categoria de análise – acesso ao tratamento
odontológico.
Metodologia _____________________________________________________________________________________
57
Tentamos investigar possíveis diferenças e inter-relacionar os resultados
obtidos para identificar e entender o pensamento das respectivas mães em
relação à saúde bucal e ao tratamento odontológico.
4.6 Aspectos éticos
A presente pesquisa foi autorizada pelo Comitê de Ética em pesquisa do
Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP.
Também foi autorizada pelos coordenadores e equipe do Núcleo de Saúde da
Família IV onde estão cadastradas as pessoas que foram entrevistadas para a
realização do estudo.
Foram assegurados às mães que participaram do estudo, antes e
durante o desenvolvimento da pesquisa, o conhecimento sobre os objetivos do
estudo e procedimentos pelos quais elas participariam. Foi garantida, também,
a confiabilidade das informações mediante sigilo dos dados, bem como do
nome dessas mães, que foi do conhecimento apenas do pesquisador e do
docente orientador da pesquisa.
As mães que se recusaram a participar da pesquisa não sofreram
qualquer tipo de prejuízo. O mesmo se reservou àquelas que desejaram
interromper sua participação, o que pôde ser feito em qualquer momento da
pesquisa, sem prejuízo na forma de atendimento, tratamento e assistência
prestada pelo Núcleo IV do Programa de Saúde da Família.
Da mesma forma, assegurou-se que a entrevista fosse realizada de
forma a resguardar a privacidade da mãe, não havendo nenhum tipo de risco à
saúde das participantes.
Metodologia _____________________________________________________________________________________
58
Embora não tenham recebido nenhum benefício material em função de
sua participação, a contribuição das mães para o estudo gerou um
conhecimento que permite compreender melhor o problema em questão,
podendo trazer benefícios para toda a população.
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
60
5.1 O trabalho de campo
Após ser aprovado pelo Comitê de ética em Pesquisa do Centro de
Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP), foi possível
dar início ao trabalho de campo.
Inicialmente, realizou-se o teste piloto. Esse teste foi realizado com três
mães adscritas ao Núcleo de Saúde da Família IV, local de nossa pesquisa e
possibilitou aperfeiçoar o roteiro de entrevistas inicialmente proposto.
Nossa opção foi a de entrevistar essas mães em suas próprias
residências, o que apresentavam pontos positivos e negativos.Os pontos
positivos eram: a casa seria um local apropriado, onde a mãe se sentiria
segura, respondendo melhor ao roteiro; conseguiríamos perceber a realidade
sócio-econômica da mãe e parte do seu dia-a-dia. Os pontos negativos eram:
problemas na gravação das fitas, pois como mães que apresentavam filhos da
faixa etária de zero a cinco anos de idade seriam entrevistadas, qualquer
barulho realizado dentro da residência poderia causar confusão,
posteriormente, no momento da transcrição; possível problema do
entrevistador homem entrar na casa da entrevistada num momento inoportuno
qualquer ou, principalmente em algumas famílias, quando o marido não
estivesse em casa, o que poderia causar algum tipo de constrangimento para a
entrevistada.
Não houve nenhum tipo de problema na localização das casas das
entrevistadas, pois contamos com a valiosa ajuda dos agentes comunitários de
saúde, que, na grande maioria das vezes, estiveram presentes para a
localização das residências.
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
61
Em relação ao roteiro de entrevistas, inicialmente proposto e testado,
verificou-se que o mesmo apresentava alguns termos técnicos, como por
exemplo, “saúde bucal”, “tratamento odontológico”, dentre outros, que
dificultavam a compreensão por parte de algumas mães, podendo, assim,
afetar o desenrolar da pesquisa. Devido a isso, no momento das entrevistas,
tivemos o cuidado de “traduzir” esta linguagem técnica quando percebemos
alguma dificuldade de entendimento por parte da entrevistada.
No entanto, a maior dificuldade do trabalho de campo foi no momento do
primeiro contato mãe-pesquisador, quando tentamos mostrar a importância da
pesquisa que seria realizada tanto para a comunidade científica quanto para as
próprias mães. Algumas das entrevistadas, principalmente aquelas que
residiam na área da favela, ficaram desconfiadas, acreditando que poderiam
ser cobrança, polícia, mesmo estando o entrevistador identificado, o que
culminou com a perda de uma delas por desistência. Em alguns momentos, o
agente comunitário de saúde foi aquele quem criou o elo mãe-pesquisador,
pois o mesmo apresentava um maior contato com as famílias sendo, portanto,
de grande importância para a realização de nossa pesquisa.
Essas dificuldades não inviabilizaram a confecção de nosso estudo. Pelo
contrário, serviram para redirecionar prioridades, reorientar o pensamento,
sendo um grande aprendizado para o pesquisador.
5.2 Caracterização das mães
Respeitando-se a saturação ou recorrência dos dados, foram
entrevistadas 10 mães adscritas ao núcleo. Vale lembrar que o critério de
inclusão das mesmas foi o de possuir pelo menos um filho ou filha na faixa
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
62
etária de 0 a 5 anos. Esse grupo em questão apresentou algumas
características que foram analisadas brevemente.
Analisando essas mães, verificou-se que a média de idade foi de 30,7
anos, sendo que as mais novas (2 entrevistadas) apresentavam 20 anos de
idade e a mais velha (1 entrevistada) tinha 48 anos.
No início das entrevistas, todas as mães foram questionadas sobre qual
raça/cor as mesmas pertenciam, ou seja, como essas mães se auto-
declaravam segundo a raça/cor, culminando com o seguinte resultado: das 10
entrevistadas, 4 delas disseram pertencer à raça/cor parda, 3 à raça/cor negra,
2 à raça/cor branca e 1 à raça/cor indígena.
Em relação ao grau de escolaridade dessas mães, verificou-se que
todas elas já tinham parado de estudar e que mais da metade (7 entrevistadas)
não concluíram o primeiro grau, ou seja, o atual Ensino Fundamental, sendo
que, ao analisar a escolaridade junto com a raça/cor, percebe-se o seguinte
resultado: todas aquelas que disseram pertencer à raça/cor negra (3
entrevistadas) não haviam completado o primeiro grau; das 4 entrevistadas que
disseram pertencer à raça/cor parda, 3 não haviam completado o primeiro grau
e 1 tinha o segundo grau completo; das 2 entrevistadas que disseram pertencer
à raça/cor branca, 1 delas não havia completado o primeiro grau e a outra sim;
aquela mãe que disse pertencer à raça/cor indígena tinha completado o
primeiro grau. Percebe-se, assim, que a raça/cor negra, nesse grupo em
questão, apresenta o pior nível de escolaridade.
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
63
Quanto ao estado civil, das 10 mães entrevistadas, 5 eram conviventes1,
3 eram casadas, 1 era separada e 1 solteira.
Quando essas mães foram questionadas sobre qual seria sua ocupação,
metade delas disse não trabalhar fora de casa, ficando somente com os
trabalhos domésticos. Dentre as outras 5 entrevistadas, a grande maioria (4
entrevistadas) trabalhava como diarista e 1 delas como garçonete, sendo que,
frente a todas as mães entrevistadas, apenas 1 delas apresentava um trabalho
dito formal, ou seja, com carteira assinada. Ao analisar a ocupação e
escolaridade, verifica-se que a grande maioria das mães que apresentavam
uma ocupação informal ou realizavam apenas trabalhos domésticos tinham o
Ensino Fundamental incompleto e aquela que apresentava um trabalho dito
formal tinha o primeiro grau completo. O que nos chama a atenção é o fato que
a única mãe que apresentava o segundo grau completo, ou seja, maior
escolaridade no grupo de mães, apresentava-se como sendo dona de casa.
Para isso devemos ter em mente que vários fatores poderiam estar
contribuindo para essa situação como, por exemplo, fatores religiosos,
econômicos, hábitos ou ensinamentos que podem ser passados de geração
para geração ou outros que possam estar determinando essa condição. No
entanto, percebemos que deve haver uma relação entre a chance de conquista
de um trabalho informal ou formal e a escolaridade.
Em relação à renda, verificou-se que das 10 mães entrevistadas, a
renda familiar média era de 513,5 reais. Metade delas contribuíam com a renda
familiar, sendo que a contribuição da maioria delas (4 entrevistadas) não
passava de 40% da renda familiar. A única entrevistada que contribuía com 1 Considere convivente o casal que reside junto, vive uma vida de casado, no entanto não são
casados oficialmente.
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
64
100% de sua renda pessoal com a renda familiar era aquela que trabalhava
como garçonete e que era separada, sendo, provavelmente, a única chefe de
família em comparação com as outras entrevistadas.
Em relação ao número de filhos, a média foi de 3,1 filhos. Das 10
entrevistadas, a maioria delas passava o dia todo com o filho (7 entrevistadas),
sendo que das outras 3 mães, 2 delas ficavam sem contato com o filho por
meio período, ou seja, no período que estavam na creche, e a última, a
garçonete, permanecia em contato com o filho por meio período durante a
semana e o dia todo nas folgas e finais de semana.
5.3 A prática do cuidado
Atualmente, vive-se um momento no qual a estrutura familiar vem sendo
modificada, pois devido às grandes dificuldades financeiras que o país vem
passando e também com as conquistas adquiridas pelo sexo feminino, as
mulheres estão se inserindo, cada vez mais, no mercado de trabalho. A
proporção da população feminina na faixa etária dos 15 aos 64 anos, integrada
no mercado de trabalho em quase todos os países desenvolvidos, aumentou
significativamente entre 1970 e 1990: nos Estados Unidos, de 48,9% para
69,1%; no Japão, de 55,4% para 61,8%; na Espanha, de 29,2% para 42,8%
(CASTELLS, 1999, p. 274). No Brasil, essa proporção (mulheres com 10 anos
e mais) era de 47,2% em 1997 (IBGE, 1999). A participação feminina, na
população economicamente ativa brasileira (PEA), era de 14,6% em 1950,
elevou-se para 20,9% em 1970, segundo os censos demográficos, alcançando
40,4% em 1997 (IBGE, 1999).
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
65
Todas essas mudanças apresentam aspectos positivos e negativos.
Positivos, porque as mesmas estão conseguindo ocupar seus espaços,
tentando eliminar as desigualdades de gênero que ainda persistem em nosso
país. E negativos, principalmente para as mulheres, devido ao fato de que a
grande maioria delas realiza dupla jornada de trabalho, ou seja, além de
trabalharem fora de casa, ainda precisam realizar os afazeres domésticos e
praticar o cuidado da família, principalmente dos filhos.
Essas dificuldades aparecem claramente manifestadas na fala de
nossas entrevistadas:
“Depende. Tem dia que eu saio pra trabalhar, né. Acordo, levo as
menina pra escola, volto, às vezes durmo de novo, às vezes não,
cuido da casa, lavo roupa, é na hora do almoço, apronto ele pra ir pra
escola, as outras estão chegando, aí fico aqui em casa, assisto
televisão, aí depois faço janta. Trabalho em casa de família, né,
faxineira, diarista.” (C.C.C., 32 anos)2
A prática do cuidado é algo realizado predominantemente pelo sexo
feminino. É o que apontam vários trabalhos publicados por Nunes (2002),
Karsch (1998) e Morais (2004). Outros trabalhos, como os de Dias; Wanderley;
Mendes, (2002), também constataram que a grande maioria dos cuidadores é
do sexo feminino, confirmando que, em geral, as mulheres assumem o cuidar.
Esse papel, muitas vezes, é visto como natural. Ele está inscrito socialmente
no papel de mãe e, culturalmente, as mulheres o assumem como mais um
papel pertinente à esfera doméstica.
A manutenção da saúde bucal é um desses papéis. As mães são,
significativamente, cobradas em relação a essa obrigação social, sendo
2 Optamos por manter na íntegra a linguagem utilizada pelas entrevistadas da maneira como se
expressam no momento da entrevista.
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
66
apontadas como responsáveis pelas condições de saúde bucal dos seus filhos
(WOLF, 1998; CARNEIRO, 2001; TEZOQUIPA, MONREAL, SANTIAGO, 2001;
FERNANDES, 2002).
As mulheres entrevistadas, nesta pesquisa, assumem, plenamente, a
tarefa de responsáveis pela saúde bucal de seus filhos:
“Ah! Pra mim é... Eu me sinto bem de saber que meu filho
pode, tem esse direito, né, de cuidar de, é, todo direito ele tem e esse
que é o dentista. Eu me sinto bem. (Em levá-lo ao dentista) Ah! Eu
penso que existe e vou fazer isso, né, que tenho que ajudar ele por
ele ser pequeno, né, e mesmo depois de grande eu penso que eu
tenho que levar porque é importante pra ele, né, é saúde pra ele,
então eu tenho que...é minha obrigação de mãe fazer isso, né, de
levar ele.” (E.S.A., 25 anos)
Quando pensamos, por exemplo, no cuidado em saúde de um filho,
alguns poderiam dizer que não é somente a mãe que pratica o cuidado.
Certamente, pode haver outras pessoas envolvidas nessa ação, no entanto,
por mais que outra pessoa ou instituição ajude a realizá-la, quem estará mais
próximo do filho, convivendo com ele, é a mãe. Além disso, é muito importante
ressaltar a autoridade que, na grande maioria das vezes, a mãe tem perante o
filho.
Muitos estudos observaram que os hábitos adquiridos pela criança estão
relacionados com os hábitos da mãe e que o conhecimento e o nível de saúde
da mãe podem influenciar no comportamento em relação à sua saúde e a do
próprio filho (MILGROM, 1998).
Feitosa (2001) abordando os aspectos psicossociais e comportamentais
da cárie precoce na infância e considerando a interação amamentação/relação
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
67
mãe-filho através de uma breve revisão de literatura, constatou que a educação
materna é o meio mais efetivo para a prevenção da cárie precoce na infância.
Segundo Fraiz e Valter (2001), identificar fatores comportamentais de
risco durante a higiene bucal domiciliar traduz-se em poderoso aliado na
prevenção de cárie na infância. As crianças com comportamento difícil durante
a higienização bucal domiciliar merecem atenção especial, constituindo-se em
um grupo em que as ações educativas e de apoio ao núcleo familiar devem ser
intensificadas.
Segundo Ferreira e Gaiva (2001) a educação odontológica da mãe é
fator determinante para a saúde bucal da futura criança, sendo que a família
serve como modelo, auxiliando, também, a criança a cuidar dos seus dentes.
Além disso, segundo Cavalini (2000), o ambiente familiar deve oferecer
confiança e suporte à criança, sendo o núcleo primordial que acolhe a mesma.
Os pais transmitem aos filhos suas fantasias, seus conhecimentos, suas
experiências, moldando-os de acordo com suas condições psíquicas e com o
grau de maturidade em que se encontram. A influência dos antecessores dos
pais explica, boa parte, o que se passa na relação familiar. Especificamente,
em relação ao cuidado em saúde bucal, por mais que os filhos participem de
programas preventivos nas escolas ou que outra pessoa cuide dessas
crianças, quem tem a possibilidade de estar mais próximo e cuidar é a mãe.
Em nossa pesquisa com as mães do Núcleo 4, verificou-se que suas
respectivas mães foram aquelas que, para a grande maioria das entrevistadas,
ensinaram as mesmas a cuidar de sua boca, sendo que metade delas
mencionou exclusivamente a mãe e a outra metade mencionou além da mãe
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outras pessoas como o pai, o médico, o dentista ou uma instituição como a
escola.
“Ensinou. Assim, quando eu era criança que (sic) ensinou foi sempre
minha mãe a escovar três vezes ao dia, é...passar fio dental, essas
coisas, né. Ah! Ela fala ter um higiênicos bucal, né, porque o
principalmente da vida da gente é o sorriso, né. Falava isso no meu
tempo.”(C.R.S., 48 anos)
“Ah! Sim. Meu pai, minha mãe, direto. (risos) É. Depois, às vezes, na
escola a gente, né, e mais era em casa que... ia pra escola tinha que
escovar, levantava, sabe... aquela coisa. Ah! Tipo, assim, se você não
escovar os dente você vai usar dentadura (risos). Assim, ah, porque,
né, tem que escovar porque senão você vai ficar com nenhum dente,
sabe, essas coisa, assim. E na época que eu vejo minha mãe falar,
meu pai, era assim: você vai arrancar seus dente e colocar
dentadura. (risos)”(M.C.M., 35 anos)
No total das entrevistadas, apenas duas mencionaram que ninguém as
ensinara a cuidar da sua boca.
Assim, percebe-se que a mãe apresenta um papel extremamente
importante no cuidado em relação à saúde bucal, pois a partir dos resultados
encontrados, verifica-se que é a mãe que promoverá, na grande maioria das
vezes, os primeiros ensinamentos. Isso é apontado pela bibliografia que aborda
o tema quando afirma que para a criança sentir-se motivada a realizar sua
higiene bucal, é de fundamental importância a atitude dos pais no sentido de
incentivar o hábito rotineiramente. Essa prática deve ser realizada no âmbito
familiar ainda no período gestacional, através de métodos educativos,
reforçando as atitudes positivas em relação à saúde bucal (LASCALA, 1997).
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Identificamos, em nossa pesquisa, que, aqueles que ensinaram essas
mães a cuidar de sua boca, mencionavam, predominantemente, o cuidado com
a prevenção, ou seja, a realização de uma boa e correta escovação dental, o
uso do fio dental, a realização de uma boa higiene bucal. Algumas delas
mencionaram a ida ao dentista e apenas uma delas mencionou o cuidado com
a alimentação.
“[...] Ah!! Falava que eu tinha que escovar, ir no dentista, é... usar fio
dental, essas coisa.” (F.C.M.C., 20 anos)
“[...] Que não podia comer muito doce, que tinha que escovar o dente
desse jeito, três vezes, que passa o fio dental, essas coisa.” (A.R.L.,
20 anos)
Para a classe odontológica, o ato de cuidar da boca envolve uma série
de ações, que devem ser realizadas ao mesmo tempo e constantemente para
que se consiga atingir o objetivo maior da odontologia que é a saúde bucal.
Como exemplo, temos a prática da prevenção em casa, o cuidado com a
alimentação e principalmente a ida ao dentista para controlar e verificar como
está a saúde bucal. No entanto, a grande maioria das pessoas não têm o
hábito de ir ao dentista com freqüência, procurando o mesmo, geralmente, em
caso de dor e não com o intuito de prevenir doenças ou mesmo manter a boca
numa situação mais saudável. Isso pode estar ocorrendo por problemas de
caráter financeiro ou mesmo por fatores culturais. Outras pesquisas poderão e
deverão ser feitas para estudar essas questões que ainda não foram
devidamente investigadas.
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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5.4 Saúde bucal na visão das mães
Antes de chegarmos ao objetivo principal deste capítulo, o de tentar
compreender qual a visão dessas mães do Núcleo de Saúde da Família IV
(NSF-IV) em relação à saúde bucal e ao tratamento odontológico, devemos
procurar entender qual a visão delas em relação ao conceito de “saúde”.
Compreender saúde na perspectiva do outro é um desafio. Ouvir a outra
pessoa, permitir que ela se mostre, representa mais do que um confronto de
conceitos, mas a possibilidade de ampliá-los a partir da incorporação do saber
contido no outro.
Os resultados deste estudo nos mostram o quanto ainda é difícil
verbalizar algo que nem os próprios autores da literatura científica conseguem
definir exatamente.
“Bom, né. Acho bom. Eu não sei te explicar não. Ter saúde... [...]”
(E.A.L.S., 36 anos)
Certamente, não temos a pretensão de apontar qual definição é a mais
correta, pois, segundo Abreu (2005), os conceitos sobre saúde e doença são
fortemente influenciados por fatores culturais. Há, dessa forma, a possibilidade
da mudança dos mesmos como aconteceu, por exemplo, com a questão da
saúde.
No entanto, mesmo com o surgimento desses novos conceitos sobre
saúde, alguns pensamentos ainda fazem parte do cotidiano de algumas
pessoas. Em nossa pesquisa, por exemplo, um dos aspectos que aparecem
intimamente ligados à idéia de saúde é a questão da ausência de doença,
mencionada por metade das entrevistadas:
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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“Coisa boa. Ah! Não ser doente, ser uma pessoa saudável.” (A.R.L.,
20 anos)
Percebe-se que a noção de “ausência de doença” considerada antiga e
ultrapassada por uma parte da comunidade científica, ainda possui um grande
valor na mente desse grupo em questão, predominando a visão biomédica.
Dessa forma, nos parece que a população se apropriou do modelo ainda
hegemônico na área da saúde, para o qual o ser humano é considerado uma
máquina e a doença um mau funcionamento dos mecanismos biológicos,
continuando a fazer uso dele para entender o que seria saúde. O papel do
médico, nessa lógica mecanicista, consistiria em intervir física ou quimicamente
para consertar um defeito de funcionamento dessa “máquina” (CAPRA, 1989).
É o que se verifica na fala de algumas das entrevistadas:
“[...] Ter saúde é uma pessoa que não tem, assim, algum problema,
né, diabete, pressão alta, colesterol, essas coisa.” (C.R.S., 48 anos)
Porém, novos conhecimentos e pensamentos surgem para essas mães,
lentamente, resultado das mudanças culturais que podem estar acontecendo.
Exemplo disso é o fato de algumas mencionarem a ida ao médico, o cuidado
com a alimentação, a prática da higiene, estar bem, cuidar da casa, ter
disposição para fazer as coisas, não ter problemas, ser feliz e ter liberdade de
ir e vir, como coisas associadas à idéia de saúde.
“Ai!! É o médico, ter boa alimentação, também, é...higiênico dos
dente, ter higiênico. Ai!! Um monte de coisa. Cuida da casa também,
faz parte da saúde, né?, porque se você habitar numa sujeira, olha,
você vai ficar doente, né?” (A.L.S.S., 24 anos)
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“[...] Então, eu acho, pra mim, que saúde é tudo, você ter liberdade ,
você ter... eu acho que, pra mim, a saúde não é só não ter uma
doença, entendeu? Pra mim saúde é ser feliz, você ter liberdade pra ir
onde você quer, entendeu? Pra mim saúde é tudo.” (E.S.A., 25 anos)
Verifica-se que a percepção das mães em relação à saúde vai além da
preocupação com elas mesmas, mencionando pessoas, lugares ou situações
que nos levam a pensar em algo que, certamente, tem grande importância para
o entendimento do conceito de saúde: a família.
É importante salientar que a percepção de saúde como algo essencial à
família, não exclusivamente como seres biológicos, mas como seres globais,
reflete a importância desse conceito para o viver da família, desde o viver
consigo mesmo, numa perspectiva individual e de núcleo familiar, até a
interação com o contexto externo. (MARTIN; ANGELO, 1998)
Relatos das mães entrevistadas, pertencentes a uma população de
baixa renda, sobre saúde e os meios de verificar e garantir a saúde da sua
família, refletem não apenas seus pensamentos, mas sobretudo sua vivência
do papel de zelar pela saúde daqueles que estão sob sua responsabilidade em
casa.
“Ah! É a coisa mais importante, né, tanto pra mim quanto pra ele,
porque quando ta, assim, doentinho, eu fico, assim, detonada. Eu não
consigo nem trabalhar, porque a preocupação é muita, né. Ah! Eu
acho que a gente tem que se alimentar, tem que ta sempre...é.....se
cuidando, né. Tem que ta sempre se cuidando pra ter saúde.”
(M.C.M., 35 anos)
Esse papel das mães de zelar pela saúde de sua família é significativo,
principalmente, quando envolve a questão do trabalho. Em um estudo, que
buscava identificar o significado de saúde e doença, numa comunidade do
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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interior de São Paulo, Queiroz (1993) encontrou que o maior problema que o
“estar doente” produz, apresenta-se como sendo a incapacidade para trabalhar
e, conseqüentemente, a ameaça à subsistência familiar. No entanto, em nossa
pesquisa, a incapacidade para trabalhar foi mencionada por apenas uma das
mães entrevistadas:
“[...] Porque eu tenho esse problema nos pé que eu não agüento
trabalhar, de jeito nenhum.” (E.A.L.S., 36 anos)
Percebe-se que a mulher possui uma posição importante dentro do
contexto familiar, tanto que Queiroz (1993) encontrou em seu estudo que a
mulher, sendo dona de casa, é a personagem principal da família no trato de
questões de saúde e doença. Ainda segundo o autor, é ela quem avalia tanto
as suas condições de saúde quanto a de seus filhos, tomando decisões de
procurar os agentes de cura considerados necessários para cada caso de
doença. Segundo o autor, o pai ou chefe da família permanece distante desse
assunto, principalmente porque fica a maior parte do tempo longe de casa.
Outro estudo, realizado por Alves (1996), destaca igualmente a mulher
no contexto familiar como responsável pelo equilíbrio no binômio saúde-
doença, à medida que toma para si o cuidado com os membros da família, seja
este cuidado implícito, em simples medidas higiênicas, ou no estabelecimento
de hábitos alimentares ou na decisão de ser preciso buscar ou não ajuda.
Em nosso estudo, constatou-se que a grande maioria das mães (6
entrevistadas) eram donas-de-casa, estando mais próximas da prática do
cuidado da família de uma forma geral, assim como se constatou nos estudos
de Queiroz (1993) e Alves (1996).
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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De forma geral, quando essas mães foram questionadas sobre suas
concepções sobre saúde, apesar das mesmas terem citado o cuidado com a
alimentação, a prática da higiene, poucas mencionaram a higiene dental e
nenhuma mencionou a ida ao dentista.
Percebe-se, assim, que a área odontológica continua sendo relegada a
um segundo plano, em detrimento da área médica, provavelmente, devido aos
valores atribuídos à odontologia.
O discurso dominante das entrevistadas revelou que o significado de
saúde bucal e o cuidado estão relacionados com a escovação (três vezes ao
dia), a ingestão de alimentos, a utilização do fio dental, ausência de cárie,
ausência de mau hálito e a ida ao dentista (a grande maioria não especificou
com que freqüência), estando, assim, o adoecimento bucal, associado às
normas de higiene e dietéticas, ou seja, saúde bucal não é considerada um
estado, mas a atividade de cuidar do corpo (PAIXÃO et al., 1995).
“Ai!! Escovar, todos os dias, toda vez que comer. Também ir no
dentista, né, vê se ta tudo bem. Ai, porque dor de dente é horrível.
Porque eu senti muita dor de dente. Eu, a partir que eu comecei a
sentir dor de dente que eu fui, que eu comecei a ir no dentista.”
(A.L.S.S. 24 anos)
O cuidado com o corpo é atividade diretamente relacionada à cultura e à
organização psíquica dos sujeitos (RODRIGUES, 1979). O saber feminino
sobre o cuidado em saúde é construído socialmente, sendo influenciado pelo
seu contato com os serviços de saúde, sua própria experiência no âmbito
doméstico, transmissão de conhecimento por antepassados e através dos
meios de comunicação (TEZOQUIPA et al., 2001). Sem se opor à necessidade
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universal de cuidar do corpo, não se pode deixar de afirmar também que,
especificamente na odontologia, há uma ideologia por trás dessa questão, que
merece ser comentada. Como mostram vários estudos qualitativos em saúde
bucal, na medida em que as normas de higiene são prescritas para toda a
sociedade, a concepção que acabou predominando é a do indivíduo adoecer
por culpa ou descuido de si próprio. Como conseqüência, para as autoridades
da área de saúde e para a própria população, o grande responsável pelo
adoecimento bucal é o próprio indivíduo (BERND, 1992; CARNEIRO, 2001;
MENDONÇA, 2001; VARGAS, 2002).
Essas representações de saúde bucal, como sendo algo
fundamentalmente endógeno e de responsabilidade individual, pressupõem a
existência de uma sociedade equilibrada e passível de controle pela vontade
individual (MINAYO, 1993). No entanto, a nossa estrutura social, longe de ser
igualitária, impossibilita, muitas vezes, que as escolhas saudáveis sejam as
mais fáceis de serem adotadas ( MOYSÉS & WATT, 2000; WATT, 2002).
Parece, pelo que foi comentado nos últimos parágrafos, que estamos
diante de situações opostas. De um lado, o trabalho de cuidar, atividade
inerente ao ser humano; e de outro, as dificuldades impostas pela sociedade
para a realização de tais atividades. Dificuldades que atingem também a
profissão odontológica, pois qual seria o papel do dentista nesse contexto?
Certamente, seu papel é o de zelar pela saúde bucal de seus pacientes, pois,
sendo um profissional da área da saúde, possui o dever de promover o
tratamento necessário para isso, no entanto é de extrema importância orientar
o paciente de forma objetiva e clara, evitando depositar sobre o mesmo toda a
responsabilidade sobre o cuidado em saúde bucal. Em nossa pesquisa,
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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encontramos na fala das entrevistadas a visão de que caberia ao dentista o
papel de cuidar da boca, dos dentes, promover limpeza, ou seja, realizar o
tratamento dito curativo.
“ [...] Eu acho que a função é tratar dos dente, né, olhar, se precisa
cuidar ou rançar (sic) ou fazer uma limpeza, né, eu acho que é isso, a
função dele.” ( C.R.S., 48 anos)
Poucas entrevistadas mencionaram a orientação quanto à escovação, o
bom atendimento aos pacientes, tomando-se o cuidado necessário com cada
um.
“[...] A função dele é limpar direito o dente, né, e ensinar como
escovar também, né, pra gente.” (J.J.O, 27 anos)
“[...] Às vezes, é..assim, em dar tratamento e acho que a psicologia
do dentista também pra ele tratar da....do...porque a maioria acho que
tem medo, né, (risos) acho que a maioria tem é bastante medo.”
(M.C.M., 35 anos)
Todas as entrevistadas mencionaram que o dentista deveria, também,
cuidar de sua própria saúde bucal, pois se as mesmas fossem ao consultório
odontológico e percebessem um descuido do próprio dentista em relação a sua
saúde bucal não gostariam e não voltariam lá, pois acreditam que:
“[...] se ele não cuida dos dele (dentes) vai cuidar do da gente?”
(E.S.A., 25 anos)
A partir da nossa discussão, poderíamos questionar qual seria, por
exemplo, o papel dessas mães? Como já foi mencionado no capítulo anterior, a
prática do cuidado é algo realizado predominantemente pelo sexo feminino
(NUNES, 2002; KARSCH, 1998; MORAIS, 2004; DIAS; WANDERLEY;
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MENDES, 2002). Espera-se que a mãe ensine e oriente seus filhos em relação
ao cuidado com a saúde de uma forma geral e, especificamente, em relação à
saúde bucal, assuma esse cuidado, devido ao fato dessas crianças estarem
ainda em fase de aprendizado e muitas vezes sem condições motoras
suficientes para a realização dessa prática. No entanto, em nossa pesquisa,
verificou-se que as mães mencionavam a importância da escovação, visando,
principalmente, a ausência de cárie e de dor dental, apesar de não ensinarem
aos seus filhos o ato de escovar. Já em relação ao fio dental apenas uma delas
mencionou o termo e a utilização do mesmo nos dentes do filho.
Faz-se necessária uma divisão das responsabilidades nas relações
dentista-paciente e mãe-filho no momento da prática do cuidado em saúde,
pois tanto na relação dentista-paciente quanto na relação mãe-filho, o dentista
e a mãe devem promover o cuidado e a orientação da melhor maneira
possível, bem como o paciente e o filho estarem dispostos a aprender e a
exercer suas ações, ambos tentando praticar atividades educativas de cunho
problematizador e que consigam fazer um elo entre o trabalho de cuidar e os
aspectos sociais, podendo ser um caminho para a solução de algumas
questões (ROUX, 1994; KEMM, 2003; PEREIRA, 2003).
Essas atividades educativas poderão, por exemplo, tentar solucionar um
dos problemas que ainda afeta, significativamente, a população de baixa renda,
que são as perdas dentárias. As perdas dentárias estão fortemente associadas,
no Brasil, a questões sociais e econômicas (GUIMARÃES & MARCOS, 1996).
A população adscrita no Núcleo de Saúde da Família IV, dessa forma,
conhece bem essa realidade, mas não se conforma com ela. A perda dentária
relaciona-se com componentes psíquicos e sociais importantes. A nossa
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sociedade atual “supervaloriza” a aparência em detrimento de outros valores.
Isso aparece em uma das falas:
“Então, eu como já tenho dois aqui eu acho horrível, fico pensando
que às vezes eu nem gosto de dar risada porque eu tenho vergonha.
Ah!! Porque não é o meu dente mesmo, então quando eu coloquei
então eu fui comer um torresmo duro quebrou os dois dente. Ah! Os
meus dente do fundo a maioria é rançado. Eu acho o mais impor...
não, tratar os dente é bom, é bonito, mas o mais importante eu acho
que é o da frente, por causa do sorriso da gente, né. Porque uma
pessoa pra ter um aparência, a pessoa olha é no cabelo e no sorriso.
Então, eu já sei que eu já percebi isso, de muitas pessoas. Então, se
a gente não tinha o sorriso bonito e o cabelo não tem nada
importante.” (C.R.S., 48 anos)
Cada grupo social atribui ao ser humano as características
consideradas adequadas, tanto do ponto de vista físico, moral e intelectual. Ou
seja, a imagem que o indivíduo faz de si é construída no contato com o mundo,
sendo sempre associada a um padrão imposto pelas exigências sociais. A
família tem grande importância na construção desses valores. As pessoas são
classificadas quanto à aparência, que pode, também, habilitá-las ou não para o
mercado de trabalho. Em nossa sociedade a aparência é “superdimensionada”
em detrimento de outros valores, tornando as pessoas vulneráveis e com
sentimentos de inferioridade quando não alcançam o padrão desenhado e
inculcado pela mídia. Assim, um belo sorriso é um signo importante para a
auto-apresentação. Quando um indivíduo apresenta uma alteração física
visível, como, por exemplo, uma alteração estética socialmente não-aceita, o
mesmo pode sofrer vários tipos de discriminação. Sendo considerado um
estigmatizado, suas chances de vida social plena são fortemente diminuídas
(RODRIGUES, 1979; GOFFMAN, 1988; WOLF, 1998). Ainda, segundo
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VARGAS (2002), problemas bucais visíveis, causados geralmente pela
conseqüência da doença cárie dentária nos dentes anteriores, podem levar o
indivíduo a uma situação estigmatizante. Nesta pesquisa, quando as mães
foram questionadas sobre o que elas sentiam ou sentiriam com a falta dos
dentes anteriores e posteriores, a maioria delas mencionou que perder os
dentes anteriores é pior do que perder os posteriores. Para elas, essa situação
apresentada causa maior vergonha, mesmo sabendo que a função, que no
caso seria a mastigação, poderia ficar comprometida. É o que se verifica na
fala de uma das entrevistadas:
“Ave Maria!! Ai, até agorei já. Porque sim, né, tirar meus dente da
frente. Ah!! Os do fundo ainda lá vai, né, tirar. Eu quero tirar dois. Os
do fundo não tem problema, os da frente tem.” (F.C.M.C., 20 anos)
Percebe-se que a preocupação maior é com a estética. Já as demais
mencionaram que a falta de ambos seria muito ruim e feio, percebendo-se,
dessa forma, que as mesmas atribuem uma igual importância, tanto para os
dentes anteriores quanto para os posteriores.
“Nossa!!! Olha!! Eu acho que eu seria...meio incomodada, né, por não
ter os dente da frente. Eu acho que você olha, assim, não sei te falar
porque, né, mas eu acho que pra mim seria difícil eu aceitar sem
dente da frente. (risos) Os do fundo também, porque é...ai...você olha
assim você não, né, ai...eu acho todos, né, todos seriam muito feio.
Todos são importantes.” (M.C.M., 35 anos)
A perda dentária impõe às pessoas uma situação social desfavorável
(WOLF, 1998; VARGAS, 2002). Na região do Núcleo de Saúde da Família IV,
verifica-se um confronto entre a realidade vivida (na qual há pessoas perdendo
dentes) e a realidade almejada (na qual a perda de dentes não esteja mais
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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presente). Esse confronto pode ser um aspecto importante para que mudanças
aconteçam.
5.5 O significado do tratamento odontológico
Percebe-se que devemos tomar muito cuidado com os primeiros
ensinamentos que são passados na infância, pois os mesmos podem ser
apreendidos e permanecerem, sendo cruciais no decorrer da vida. Por
exemplo, quando ouvimos falar pela primeira vez no dentista, o que lembramos
dessa situação particular? Em nossa pesquisa, verificou-se que, das mães que
lembravam dessa situação, a grande maioria disse que aconteceu quando
eram crianças.
“[...] Ouvi isso (que os dentista são pessoas boas) quando eu era
criança) (M.L.S., 40 ANOS)
“Ich! Eu era pequenininha, uns 5 ou 6 anos. Bem pequena. Foi
quando eu já entendia, né, as coisas. Minha mãe sempre falava.[...]”
(E.S.A., 25 anos)
Segundo elas, a grande maioria recebeu informações de caráter positivo
em relação ao dentista, sendo que apenas uma entrevistada disse ter recebido
informações de caráter positivo e negativo.
“[...] Eu ouvi que dentista era muito importante, né, pra gente, ahn!,
pra depois mais tarde a gente não sofrer, né, porque dor de dente é
terrível, né? (risos) Terrível.” (E.S.A., 25 anos)
“Ah! Bom, na minha época quando eu era adolescente e eu ia no
dentista eu corria, eu tinha medo, porque falavam que quando ia
arrancar os dente puxava até o olho saia pra fora. Mas depois
acostumei. Ah! Já ouvi muita coisa boa, né, de dentista. Ahn, assim,
por exemplo, tem amigas minhas que vão no dentista falam que é
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bom, que faz limpeza, que cuida do dente, né, costura, se precisar,
assim, às vezes ranca, essas coisas que eu já ouvi falar.” (C.R.S., 48
anos)
Sendo assim, percebe-se que os primeiros anos de vida da criança
parecem ser muito importantes, pois, como é uma fase de grande aprendizado,
pode determinar ações e comportamentos, antes mesmo da pessoa passar
pela fase de experiência que, no nosso caso, seria a de ir ao dentista, podendo
ajudar a comprometer nosso objetivo principal: a saúde bucal.
Muitas vezes, recebemos informações sobre determinado assunto e pré-
julgamos sem conhecê-lo realmente. Esse tipo de ação pode nos levar a tomar
uma decisão ou opinião incorreta, pois deixamos de passar pela fase da
experiência e já julgamos previamente. No caso da odontologia, a fase da
experiência apresenta-se como sendo algo muito importante, pois nesse
momento há um choque das informações que foram passadas de geração para
geração, com os pensamentos da própria pessoa e as informações que o
profissional passará para a mesma no momento do atendimento. Além disso, é
o momento no qual verificar-se-á a veracidade de tudo aquilo que fora passado
para a mesma. Em nossa pesquisa, constatou-se que a grande maioria das
mães apresentou medo e dor na primeira vez que foram ao dentista.
“Eu fui quando, tem pouco tempo que eu comecei a ir no dentista.
É.Tem acho que um ano, um ano e pouco. Ai!! Fiquei com muito
medo!!(risos) Ai!! Eu achava que, nossa!!, dente é muito, dói muito,
né? Achava, assim que era um absurdo ir a um dentista. Dava
medo!!! [...]” (A.L.S.S., 24 anos)
“[...] Ai!! Tive muito medo(risos). Porque eu nunca tinha ido, né, e fui
extrair um dente, aí fiquei com medo.” (J.J.O., 27 anos)
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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Algumas disseram que o primeiro momento foi bom e uma delas
mencionou que nunca fora ao dentista. É imprescindível que o profissional
tenha consciência de que esse primeiro momento é muito importante e que
pode estar promovendo decisões e comportamentos para uma vida inteira de
um paciente. Segundo Milgron et al. (1995), o primeiro contato com o dentista é
muito importante, podendo ser um fator determinante de ansiedade em relação
ao tratamento odontológico.
Essas decisões e comportamentos gerados, nesse primeiro contato com
o dentista, poderiam, por exemplo, levar uma pessoa a nunca mais querer
procurá-lo. A fuga do tratamento odontológico pode ser, dessa forma, resultado
de experiências aversivas e dolorosas na infância. (MILGRON; FISET;
MELNICK, 1988),
O medo surge nos indivíduos de duas formas, distintas e conjugadas,
que são: através de suas próprias experiências; através das experiências e
expectativas dos outros, da mídia e do senso comum, ou seja, os indivíduos
vivenciam o medo ou já o encontram estabelecido e o assimilam. As situações
odontológicas anteriormente vividas pelos pacientes influenciam a sua postura
atual frente ao profissional. Os relatos das entrevistadas mostram mudança de
comportamento de acordo com as experiências passadas. As experiências
complicadas, más ou desagradáveis, condicionam o paciente ao medo (CRUZ
et al., 1997).
“[...] O que eu lembro dessa primeira vez? Que foi muito doloroso
(risos). Pra quem nunca conhecia, nunca tinha ido, né, é meio
assustador. Tenho medo até hoje. Até hoje tenho. Tenho pavor de
dentista (risos)” (C.C.C.,32 anos)
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
83
Já as experiências boas parecem atenuar o impacto das experiências
ruins (CRUZ et al., 1997).
“Uhm!! Faz muito tempo. Ah! A dentista falou pra mim que era pra
mim escovar os dente na hora de comer, de jantar, de almoçar.
Escovava os dente bem escovado que é pra não ficar comida no
dente, né, pra não criar aquele bichinho. Aí...foi isso que ela falou pra
mim, que tava bem escovado. Foi bom, nada de ruim.” (E.A.L.S., 36
anos)
Kleinknecht (1973); Rankin; Harris (1984) e Pride (1991) dizem que o
medo é influenciado por expectativas de outros, como amigos e parentes. Os
indivíduos citam experiências e opiniões de outras pessoas, aceitam as como
verdades e identificam como suas. O medo é assimilado de maneira natural e,
até mesmo, inconsciente. Segundo os autores, as pessoas apresentariam um
condicionamento/ aprendizagem de sentir medo.
Outros autores, como por exemplo, EliI et al. (1992); Freeman (1985) e
Milgrom et al. (1995) dizem que a ansiedade em relação ao tratamento
odontológico tem sido associada a vários fatores etiológicos, influenciados por
aspectos internos e individuais, ambiente onde se mora e a situação de
tratamento odontológico. Dentre esses fatores está a importância do
relacionamento da criança com a mãe, que foi estudado por Corkey & Freeman
(1994), que segundo o autor, poderia influenciar o desenvolvimento psicológico
da criança e sua habilidade em dificultar o tratamento.
Em nossa pesquisa, entre as mães que foram entrevistadas, verificou-se
que a grande maioria freqüentava o dentista e outras disseram o oposto.
Verificou-se, também, que daquelas que freqüentavam o dentista, a maioria ia
uma vez ao ano e algumas delas mais de uma vez.
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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“Costumo. Eu vou de três em três meses. Ai!! Eu tenho que cuida dos
meus dente, né, é o meu dever também, porque tem que cuida da
boca, né? É importante, é saúde também, importante. [...] “ (A.L.S.S.,
24 anos)
No entanto, apesar da grande maioria dizer que freqüentava o dentista,
metade das mães nunca tinha levado seu filho ao consultório odontológico. Os
motivos alegados são diversos: já cuida na escola; demora muito, não tem
paciência para esperar; não sabe como fazer para arrumar dentista para seus
filhos; os dentes de seu filho estavam sempre limpos. É o que se verifica, como
exemplo, em uma fala das entrevistadas:
“Não!! No dentista nunca levei não. Porque eles cuida na escola.”
(M.L.S. 40 anos)
As mães que disseram ter levado seus filhos ao dentista apresentaram
diversas concepções em torno desse ato, como por exemplo: a lembrança e a
associação da dor com o tratamento odontológico; o cuidado com os dentes,
proporcionando ausência de cárie e conseqüentemente, dentes bonitos; que é
saúde para seu filhos; que o filho tem esse direito e que é obrigação de mãe
levá-lo ao dentista.
“Ah!! Eu acho, não acho nada, acho bom assim, né, que é levar para
uma coisa boa, né? Às vezes, eu fico com pena, assim, que às vezes
ela chora, né, a mais maior, chora, e já a pequena já não chora. Aí eu
fico com medo porque dói, tem vez que pra limpar dói, né, aquela
hora que eles pegam assim, dói, também aí. Pelas primeira vez ela
chorava, mas depois eu conversei com ela que é pra limpar pra não
ter bichinho, pra os dente ficar bonito, aí ela entende, né.” (J.J.O., 27
anos)
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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Quando as mães foram questionadas se, no caso de terem a
oportunidade, estariam dispostas a ir, naquele momento, ao consultório
odontológico para a realização de um tratamento, a grande maioria delas disse
que sim, sendo que apenas uma delas tentou se desvencilhar, mas acabou
concordando.
“ Ah! Eu iria. Ah! Porque eu gostaria de melhorar, né, meus dente.”
(A.L.S.S., 24 anos)
Já algumas disseram que não iriam, sendo que uma delas apresentou
como justificativa o fato de não poder sair do trabalho e a outra afirmou ter
medo.
“Ah! Era bom, né, mas só que agora, nesse momento mesmo eu não
posso. Porque eu to trabalhando. Eu to ali, ó, onde você me chamou.
Eu não teria medo de ir.” ( M.L.S., 40 anos)
“Agora, agora eu não ia não!! (risos) Porque agora não. Ai!! Porque
eu tenho medo!! (risos) “ ( F.C.M.C., 20 anos)
Relacionando-se os sentimentos manifestados com a freqüência com
que as entrevistadas disseram ir ao dentista, percebemos que das mães que
relataram ir ao dentista mais de uma vez ao ano, metade disse ter medo:
“Sim. Ah! Sempre que marca, né, assim de... é, no começo assim eu
ia todo mês. Agora não. Agora de 6 em 6, né, que ta... Sinto diferença
(risos). É uma diferença, né, porque eles limpam muito bem, né,
então você sente uma diferença. Não sinto medo.” (E.S.A., 25 anos)
Já a outra metade disse sentir-se bem:
“Costumo. Eu vou de três em três meses. Ai!! Eu tenho que cuida dos
meus dente, né, é o meu dever também, porque tem que cuida da
boca, né? É importante, é saúde também, importante. Ai!! O coração
acelera (risos, desencostou do sofá). O coração acelera um pouco
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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(risos). Mas, tipo assim, eu não tenho muito medo, sabe? E quando
eu sento, deito lá, eu fico assim um pouco tremendo (risos). Depois
logo passa!! “ (A.L.S.S., 24 anos)
Daquelas que disseram ir ao dentista uma vez ao ano, metade disse ter
medo e a outra metade disse sentir-se bem. Já entre aquelas que disseram
não ir ao dentista, a maioria se referia explicitamente ao medo e uma não
esclarece o fato, muito embora em outro momento da entrevista tenha dito que
não teria medo.
Finalmente, apenas uma delas afirma que só procura o dentista para
arrancar o dente e não manifesta medo.
Percebe-se, pelo exposto, que existe uma correlação entre ter medo e
não freqüentar o dentista e entre não ter medo e freqüentar o dentista. A esse
respeito Cesar et al. (1993), verificou que altos níveis de medo, em relação ao
tratamento odontológico, eram, significativamente, relacionados a grandes
intervalos desde a última visita, ou seja, permanecer um bom tempo sem ir ao
dentista. Oliveira (1993) diz que o medo é uma forma de reagir não só ao
tratamento, mas à dor e à própria figura do dentista, exercendo uma influência
negativa no tratamento, afetando desde a freqüência de ida ao profissional até
a cooperação do paciente.
Assim, verifica-se que o medo pode estar sendo um grande obstáculo no
momento da decisão de ir ou não ao dentista. Mas o que poderia estar
causando medo nas pessoas e determinando esse tipo de atitude? Alguns
trabalhos da literatura como os de Cruz et al. (1997); Singh et al. (2000),
Moraes et al. (2004), Kleinknecht (1973); Rankin; Harris (1984) e Oliveira
(1993) verificaram que procedimentos invasivos, como a anestesia e a
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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utilização da alta/baixa rotação (motorzinho) eram os que mais promoviam
medo nos pacientes submetidos ao tratamento odontológico. Nesta pesquisa,
quando as mães foram submetidas ao barulho da alta rotação que estava
gravado em uma fita cassete, com o intuito de saber a reação das mesmas,
verificou-se que a grande maioria conseguiu identificar o barulho da alta
rotação, sendo que as mesmas mencionaram alguns sentimentos ruins como
dor, arrepio, pânico, pavor, o que nos leva a concluir que as mesmas
apresentavam medo em relação ao motorzinho, o que fora até mencionado
pela grande maioria delas.
“Ai!!! Tenho pavor desse barulhinho (desencostou do sofá). Olha!!
Esse barulhinho, eu tenho pavor dele. Porque, nossa!!!, ele dói muito.
E também ela também tem medo disso, desse barulhinho. Eu acho
que quase todo mundo tem medo desse barulho, né?” (A.L.S.S., 24
anos)
“O motorzinho do dentista. É isso aí que dá medo na gente. Sei lá,
esse barulhinho esquisito aí (risos) Dói quando está no dente.”
(A.R.L., 20 anos)
Apenas uma delas disse não lembrar de nada quando escutava o
barulho, o que nos chamou a atenção. No entanto, quando analisamos o
restante da entrevista verificamos que ela nunca tinha ido ao dentista, ou seja,
nunca tivera uma experiência anterior, fosse ela boa ou ruim.
Já em relação à figura que fora apresentada às mesmas, contendo o
dentista realizando o tratamento odontológico num paciente, verificou-se que a
metade delas achava normal visualizar aquela imagem.
“Ah!! Nada. Normal. Vê mexendo na boca da gente? Normal.” (A.R.L.,
20 anos)
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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“Ah! Já aí já é outra coisa, né? (risos) Porque esse barulhinho aí,
nossa, dá medo na gente. (risos) A figura não, nada. Ai!! Nada. (risos)
Que aí tem que ficar também pra limpar os dente, né.” (J.J.O., 27
anos)
Apenas uma delas mencionou ser ruim, horrível e aquela mãe que
nunca tinha ido ao dentista disse que não vinha nada a sua cabeça.
A associação da imagem do cirurgião-dentista e do tratamento à dor
aparece nos relatos de forma consistente. A dor vem associada aos estímulos
específicos de forma marcante, em relação, principalmente, ao tratamento e ao
dentista de forma geral. A associação da dor aos estímulos específicos,
quando ocorre, envolve instrumentais e traduz, de certa forma, situações de
agressão ao organismo do paciente, como o uso da broca/motor e
agulha/anestesia. Em algumas entrevistas, a dor aparece como um fator
desencadeador do medo. Sendo assim, quando essas mães são submetidas
ao barulho do alta rotação (motorzinho), as mesmas revivem suas antigas
experiências, muitas delas fazendo associação com a dor, desencadeando o
medo. O que não acontece no momento que visualizam a figura, pois não
realizam essa associação com a dor, deixando de causar medo, estando,
assim, em um “aparente” estado de normalidade. Uma reação natural frente a
essas situações de agressão e à dor ou à “possibilidade de doer” é o medo.
Segundo Schuman (1993), a odontologia ataca os pacientes em quase
todos os níveis sensoriais, incluindo audição, visão, olfação, tato e gustação.
Em nossa pesquisa, analisando as situações desencadeantes de medo em
relação ao tratamento odontológico, verifica-se um predomínio da audição e do
tato promovendo tais sensações. O que nos chamou a atenção, foi o fato de
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uma das entrevistadas, após demonstrar ter medo em relação ao alta rotação
(motorzinho), em outro momento dizer que o problema não era o barulho e sim
o cheiro do consultório.
“[...] Porque nem o barulho, nem nada, mas é o cheiro. O cheiro que
faz... o cheiro que entra...uhm...Não, porque machucar não machuca,
né, porque... mais é o cheiro, é, o cheiro do consultório.” (C.C.C., 32
anos)
Percebe-se, dessa forma, uma certa confusão e dificuldade na
identificação dos fatores desencadeantes do medo e, conseqüentemente, há o
comprometimento na ação de ir ao dentista.
Outro fator que poderia estar desencadeando a dificuldade na decisão
de ir ou não ao dentista apresenta-se como sendo as desigualdades na
utilização e no acesso aos serviços odontológicos.
Barros e Bertoldi (2002) avaliaram a situação de utilização e acesso aos
serviços de odontologia no Brasil, estudando diferenciais entre os estratos
socioeconômicos, utilizando-se de dados da Pesquisa Nacional por
Amostragem de Domicílios (PNAD) de 1998, realizada pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). A análise indicou um nível baixo de
utilização de serviços odontológicos, sendo que 77% das crianças de 0 a 6
anos e 4% dos adultos de 20 a 49 anos nunca haviam consultado um dentista.
Entre esses adultos, comparando-se os 20% mais pobres com os 20% mais
ricos, observou-se que o número de desassistidos era 16 vezes maior entre os
primeiros. Os autores constataram que as crianças de 0 a 6 anos do grupo
mais rico consultou um dentista de 4 a 5 vezes mais que aquelas do grupo
mais pobre. Esse padrão está provavelmente associado à prioridade baixa que
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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se dá à saúde bucal das crianças e à possibilidade de desembolso para o
tratamento.
No total, 47% dos atendimentos odontológicos nas duas semanas
anteriores à entrevista da PNAD/1998 envolveram algum pagamento por parte
do usuário. Nos atendimentos não odontológicos a proporção cai para 12%.
Mesmo entre a população mais pobre, 14% dos atendimentos odontológicos
envolveram algum pagamento.
Do ponto de vista do acesso aos serviços odontológicos, o Sistema
Único de Saúde (SUS) é um agente de grande importância, porém, ainda com
um papel proporcionalmente pequeno. Os próprios dados da PNAD/1998
mostraram que o atendimento odontológico se diferencia fortemente do
atendimento médico, com uma proporção muito mais alta de atendimentos
financiados do próprio bolso, e muito menos atendimentos financiados por
planos de saúde e pelo SUS (BARROS; BERTOLDI, 2002).
É possível, dessa forma, verificar a ausência do SUS e dos convênios de
saúde da área odontológica. Especificamente, em relação ao SUS, este foi
responsável por 52% dos atendimentos não odontológicos e por 24% dos
atendimentos odontológicos (BARROS; BERTOLDI, 2002).
Percebe-se, com esse estudo de Barros e Bertoldi (2002), que é muito
mais fácil a população carente conseguir ser atendida por um serviço não
odontológico e não pagar pelo mesmo do que por um serviço odontológico.
Segundo os autores, o grupo mais pobre apresentou uma tendência de
redução de acesso com a idade. Isso, provavelmente, é explicado pela
diferença de financiamento no atendimento: enquanto nos grupos mais
favorecidos uma idade maior propicia mais recursos para o pagamento do
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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atendimento, no grupo mais pobre, esse avanço na idade acaba por reduzir a
oportunidade de acesso ao sistema público.
Em nossa pesquisa, não realizamos a divisão das mães em estratos
socioeconômicos. Dessa forma, não conseguimos perceber as diferenças
encontradas no estudo desses autores. Porém, esse trabalho é importante para
percebermos o quadro calamitoso em que se encontra a odontologia, no Brasil,
onde um número significativo de pessoas ainda não consultou com um
dentista.
No entanto, segundo relatos das entrevistadas, é muito mais fácil ir ao
dentista, hoje, do que antigamente.
“Ah!! Está!! Antigamente, quase não existiria. Nossa!! Era muito difícil.
Olha!! Quando a gente... Eu lembro que minha mãe arrancava tudo
os dente. Antigamente, só arrancava, né, não cuidava dos dentes.
Hoje tem um monte de coisa pra fazer no dente, pra recuperar o
dente. E, assim, pra arrancar é só se não tiver jeito mesmo. E se você
quiser também arrancar,né? Agora, eu arranquei, dois aqui do lado.
Eu achava que não tinha mais jeito.” (A.L.S.S., 24 anos)
Essa facilidade está relacionada, segundo as mães, ao aumento do
número de postos de saúde com a presença do dentista.
“Ah!!Ta!! Ah! Porque hoje onde você vai tem dentista. Todos os posto
de saúde tem dentista. Ahn!! Você anda na cidade o que mais vê é
consultório, né? Eu pelo menos, o que minha mãe fala, o meu pai
fala, é que não tinha, era muito difícil. Que nem, meu pai mesmo fala
que ele morava em Rifaina, só tinha dentista em Franca. Era difícil,
né? Então, eu acho que hoje é mais fácil, apesar que hoje tudo é
mais fácil, né, do que antigamente.” (E.S.A., 25 anos)
Aumento, também, segundo elas, na quantidade dos materiais
odontológicos, avanço da área e a maior facilidade para marcar consultas.
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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Essa facilidade, provavelmente, pode estar relacionada com a presença e
atuação do Núcleo de Saúde da Família IV, que vem tentando melhorar o
acesso àqueles que não conseguiam atendimento. Conseqüentemente, essas
mães podem estar sentindo as diferenças que a estratégia Saúde da Família
pode, porventura, estar proporcionando. Já as dificuldades das mesmas estão
relacionadas com a demora para ser atendida e, no caso de uma delas, ao
custo em procedimentos que não são cobertos pelos postos de saúde, onde o
atendimento é gratuito.
Infelizmente, a grande maioria dos postos de saúde não realizam uma
série de procedimentos odontológicos, o que não acontece no consultório
particular. Segundo Matos et al. (2002), comparando os serviços odontológicos
privados, públicos e de sindicatos com os serviços públicos, estes tendiam a
fazer muito mais tratamentos por extração e muito menos por restauração.
O governo vem estudando e tentando implantar projetos que possam
eliminar esse tipo de problema, pois, constantemente, deparamo-nos com
pacientes, sem condições sócio-econômicas, e que, muitas vezes, perdem os
dentes, pelo fato do posto não apresentar determinado tipo de procedimento.
“Antigamente, até que não era tão complicado, mas agora, pra ir, hoje
em dia, no dentista, não ta fácil não, porque meus filho, eu tenho um
filho moço e ele ta doidinho pra por um.....porque ele perdeu um
dente bonzinho, sabe, e ele foi fazer um orçamento pra colocar um
dente o homem quer 250 reais, só um dente. Então, eu acho que hoje
em dia ta mais difícil, né?” (C.R.S., 48 anos)
Percebe-se, na fala dessa entrevistada, a dificuldade encontrada na
conquista de um tratamento específico, que no caso é a necessidade de uma
prótese dentária, mas que não é coberto pelo SUS, gerando o desembolso
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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pessoal por parte do paciente. No entanto, não são todas as pessoas que
podem pagar por um serviço particular, gerando, assim, uma maior dificuldade
na ida ao dentista.
O serviço público, geralmente, apresenta-se como sendo associado à
demora e à falta de equipamentos/materiais e o particular com a rapidez no
atendimento e pontualidade. Em nossa pesquisa, verificou-se que, caso as
mães pudessem escolher em ir a um dentista do posto de saúde ou a um
dentista particular, não se observou um padrão de respostas homogêneo,
verificando-se que algumas delas mencionaram o particular, pois é mais rápido,
o paciente é atendido com hora marcada e da maneira desejada.
“Se eu tivesse condições era o pago. Porque, sei lá (risos), acho que
sim, né, porque a gente com dinheiro a gente quer fazer tudo, né?
[...]” (J.J.O., 27 anos)
“Eu acho que o particular, né. Ai, não sei, eu vejo o povo falar muito
bem do particular, né. E o do posto, assim, eu tenho medo, acho
porque eu já fui várias vezes, eles não me atende do jeito que eu
queria que eles atendesse. Aí eu acho que no particular acho que...
eu acho que era melhor, né, não sei. Porque eu também nunca fui e
nem posso, né. (risos) “ (F.C.M.C., 20 anos)
Outras disseram que iriam ao dentista do posto de saúde, pois, trata
bem e melhor os pacientes, ou seja, a questão da humanização é importante
para elas:
“[...] Uhm!! Eu preferia o do posto. Porque eu acho que eles trata
melhor, bem melhor. Não sei, porque eu tratei em muito postinho,
paguei muito também, entendeu, mas eu preferia do postinho porque
eles trata melhor a gente.” ( C.C.C.,32 anos)
Resultados e Discussão _____________________________________________________________________________________
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Poucas disseram que não teriam nenhuma diferença e que iriam em
qualquer um deles.
“Ah!! Eu acho que pra mim é a mesma coisa. Pra mim é a mesma
coisa. Ah!! É bom o particular porque você ta pagando e ..., mas é o
mesmo dentista que ta pagando, o dentista do posto faz a mesma
coisa. Está fazendo a mesma coisa. Pra esse negócio, questão de
demorar, também, o pago ta demorando a mesma coisa, então.., pra
mim. Só que, é...particular é assim, se marcar você vai, né? O posto
demora um pouquinho, mas por mim não tem diferença.” (A.L.S.S., 24
anos)
Uma delas disse que iria no mais competente, independentemente se
fosse do posto de saúde ou particular.
“Ah!! Não sei, sabe, porque, ultimamente, esses dentista particular aí
também faz cada uma na gente que... então é difícil escolher, porque
o particular por ser pago ele tem que fazer um serviço melhor e às
vezes o dentista do posto, por ser do posto, faz do jeito dele. Então, é
difícil escolher, entendeu?? Assim, ah, eu vou nesse porque esse é
melhor. Às vezes, nem pago não faz o que a gente quer, é mas se
fosse pra mim escolher, eu não sei, eu acho o que fosse mais fácil eu
ia, entendeu? Porque é difícil, porque você paga um convênio, às
vezes o dentista não faz o que você quer, entendeu, e você vai no
posto também não resolve, então fica difícil. Então, eu acho que vou
no mais fácil, eu acho que no mais competente, né, pra fazer o
serviço.” (E.S.A., 25 anos)
Observamos, no discurso das entrevistadas alguns aspectos que se
mostram importantes para as mesmas como: pontualidade, qualidade,
humanização e competência. Eles podem estar sendo cruciais na tomada de
decisão de ir ou não ao consultório odontológico.
Considerações Finais _____________________________________________________________________________________
96
Procuramos com esta dissertação compreender as visões de mães de
crianças de 0 a 5 anos de idade do Núcleo de Saúde da Família IV (NSF-IV),
da FMRP-USP, em relação à saúde bucal e ao tratamento odontológico.
Optamos por mães, devido ao fato que: ela é a personagem principal da
família, com voz decisória, no trato de questões de saúde e doença; ela é,
também, responsável pelo equilíbrio no binômio saúde-doença; as mesmas
poderiam estar sendo a porta de entrada para uma boa ou má educação em
saúde bucal para seus filhos.
Já a escolha da faixa etária 0 a 5 anos contemplou alguns aspectos
relacionados com a odontologia e ao desenvolvimento e aprendizado dessas
crianças.
Em relação à odontologia, essa é uma fase importante, pois se inicia o
irrompimento dos dentes decíduos ou “dentes de leite”, sendo que qualquer
problema nessa primeira dentição poderia estar gerando problemas para a
dentição permanente, bem como devido à idade-índice de 5 anos ser de
grande interesse em relação aos níveis de doenças bucais na dentição
decídua, uma vez que podem exibir mudanças em um período de tempo menor
que a dentição permanente em outras idades – índice.
No caso do desenvolvimento e aprendizado dessas crianças, elas
poderiam estar influenciando seus filhos na criação ou mesmo transformação
de seus hábitos, costumes e pensamentos em relação à saúde bucal e ao
tratamento odontológico.
Por fim, a escolha do Núcleo de Saúde da Família IV(NSF-IV) devido ao
fato do mesmo ser um local que possui um vínculo com a Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, apresentando,
Considerações Finais _____________________________________________________________________________________
97
assim, uma maior facilidade para a realização de pesquisas, como a boa
receptividade por parte da população adscrita ao Núcleo sendo, portanto, uma
ótima região para novos estudos em saúde na cidade de Ribeirão Preto.
Percebemos que o planejamento criterioso da metodologia mostrou-se
como sendo de grande importância na minimização de problemas que,
porventura, pudessem acontecer, comprometendo a obtenção dos resultados.
Fez-se necessário, portanto, para se conseguir atingir os objetivos propostos, a
utilização da abordagem qualitativa de análise, sendo a que melhor se
enquadrava para tentar respondê-los. Os dados foram coletados através de
entrevistas semi-estruturadas, permitindo um estudo mais aprofundado desse
grupo de interesse. Realizou-se a análise de conteúdo, utilizando como
referencial teórico a teoria das representações sociais.
Respeitando a saturação ou recorrência dos dados, foram entrevistadas
10 mães adscritas ao NSF-IV. A análise dessas entrevistas nos permitiu
caracterizar a mãe do grupo entrevistado como uma mulher que: apresenta por
volta de 30,7 anos; é da raça/cor parda; tem o primeiro grau incompleto; é
convivente; é dona-de-casa; a família ganha por volta de 513,5 reais e tem por
volta de 3,1 filhos. As que trabalham fora de casa, a grande maioria está no
mercado informal exercendo a função de diarista, bem como os afazeres
domésticos, sendo que, de forma geral, são elas que praticam o cuidado em
saúde da família e, especificamente, o cuidado em saúde bucal.
Para conseguirmos detectar as representações sociais desse grupo
pesquisado, em relação à saúde bucal e ao tratamento odontológico, tivemos
que, a princípio, procurar entender a visão das mesmas em relação ao conceito
de “saúde”.
Considerações Finais _____________________________________________________________________________________
98
Percebeu-se uma grande dificuldade delas em definir “saúde”. Para a
grande maioria, “saúde” é considerada ausência de doença. Outras ações
foram mencionadas, no entanto, quase não se referiu à realização da higiene
bucal e nada em relação a ida ao dentista. Assim, notamos que a área
odontológica não vem sendo devidamente valorizada como algo inerente à
questão da “saúde”.
Verificou-se, também, que a percepção de saúde delas vai além da
preocupação consigo mesmas, procurando zelar pela saúde daqueles que
estão sob sua responsabilidade em casa: os filhos, provavelmente, devido à
obrigação social de praticar o cuidado. Especificamente, em relação ao cuidado
em saúde bucal, percebe-se que as mesmas assumem, de forma plena, essa
tarefa quando se trata de seus filhos.
As mães se mostraram realmente importantes na grande maioria dos
ensinamentos que são passados no interior do ambiente familiar. Tanto que se
verificou que as entrevistadas foram ensinadas por suas respectivas mães
sobre como cuidar de sua saúde bucal.
O significado do cuidado em saúde bucal, para elas, está relacionado
com normas de higiene, dietéticas e a ida ao dentista. É importante salientar
que a “ida ao dentista” só é mencionada quando se especifica o cuidado com a
saúde bucal, não ocorrendo quando questionamos sobre a visão sobre saúde.
Verificamos que a visão desse grupo em relação à saúde bucal se
restringe, em sua grande maioria, na preocupação com a estética e pouco com
a função, conseqüência de uma sociedade que supervaloriza a aparência em
detrimento de outros valores.
Considerações Finais _____________________________________________________________________________________
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Para as entrevistadas, o papel do dentista no cuidado em saúde bucal
está, em sua grande maioria, relacionado ao tratamento dito curativo, sendo o
tratamento preventivo pouco mencionado, provavelmente, conseqüência dos
valores atribuídos ao mesmo. Sua função, também, seria servir de exemplo às
pessoas, pois, segundo elas, não iriam ao consultório do dentista se
percebessem que o próprio profissional não cuida de sua própria saúde bucal.
Nossa pesquisa verificou que devemos tomar muito cuidado com os
ensinamentos que são passados na infância, pois os mesmos podem ser
apreendidos e permanecerem, sendo cruciais no decorrer da vida.
Segundo as mães, a primeira vez que ouviram falar do dentista foi
quando eram crianças, sendo que, a grande maioria delas, recebeu
informações de caráter positivo em relação ao mesmo. No entanto, verificou-se
que essas informações não foram suficientes para evitar ou mesmo amenizar
os sentimentos de medo e dor apresentados pela grande maioria delas, na
primeira vez que foram ao dentista.
Os relatos das entrevistadas mostram, também, mudança de
comportamento de acordo com as experiências passadas. As experiências
complicadas, más ou desagradáveis pareceram levar as mesmas ao medo e as
experiências boas pareceram atenuar o impacto das experiências ruins.
A grande maioria delas disse freqüentar o dentista uma vez ao ano.
Relacionando-se os sentimentos manifestados com a freqüência com que as
entrevistadas disseram ir ao dentista, percebemos que existe uma correlação
entre ter medo e não freqüentar o dentista e não ter medo e freqüentar o
dentista.
Considerações Finais _____________________________________________________________________________________
100
Para identificar alguns sentimentos em relação ao tratamento
odontológico, utilizamos duas estratégias. A primeira foi apresentar o barulho
do motorzinho (alta/baixa rotação) para as entrevistadas, o que promoveu
lembranças de dor, arrepio, pânico, pavor, o que nos leva a concluir que as
mesmas apresentavam medo em relação ao motorzinho. A segunda foi
apresentar uma figura mostrando o dentista realizando o tratamento
odontológico, o que para a grande maioria delas foi considerada como uma
situação normal, não causando, dessa forma, medo.
Segundo o que encontramos na literatura, a dor vem associada a
estímulos específicos de forma marcante, em relação, principalmente, ao
tratamento e ao dentista de forma geral. A associação da dor a estímulos
específicos, quando ocorre, envolve instrumentais e traduz, de certa forma,
situações de agressão ao organismo do paciente, como o uso da broca/motor e
agulha/anestesia. Para algumas entrevistadas, a dor aparece como um fator
desencadeador do medo. Sendo assim, quando essas mães são submetidas
ao barulho do alta rotação (motorzinho), as mesmas revivem suas antigas
experiências, muitas delas fazendo associação com a dor, desencadeando o
medo. O mesmo não acontece no momento que visualizam a figura, pois não
realizam essa associação com a dor, deixando de causar medo, estando,
assim, em um “aparente” estado de normalidade. Uma reação natural frente a
essas situações de agressão e à dor ou à “possibilidade de doer” é o medo.
Uma das entrevistadas foi de grande importância para nossa pesquisa,
pois diante das duas estratégias que utilizamos para tentar identificar os
sentimentos gerados com as mesmas, disse não sentir nada e não se lembrar
de nada. Analisando a entrevista, verificamos que a mesma nunca tinha ido ao
Considerações Finais _____________________________________________________________________________________
101
dentista, conseqüentemente, não conseguindo fazer associação do barulho e
da figura com o tratamento odontológico, o que reforça a importância da
experiência na possibilidade do desenvolvimento de sentimentos, sejam eles
bons ou ruins.
Abordamos, também, nessa dissertação a questão das desigualdades
na utilização e no acesso aos serviços odontológicos, pois essas
desigualdades poderiam estar desencadeando a dificuldade na decisão de ir ou
não ao dentista. No entanto, encontramos em nossa pesquisa que por mais
que ainda existam desigualdades, as mães entrevistadas acreditam estar mais
fácil ir ao dentista hoje em dia do que antigamente, provavelmente, devido à
atuação do NSF-IV, que vem tentando amenizar essas desigualdades.
Nossa pesquisa constatou ainda que por mais que o serviço particular
esteja associado à pontualidade, ao tratamento da maneira desejada e o
serviço público à demora e falta de equipamentos/materiais, duas questões são
importantes para elas e podem estar determinando a decisão de ir ou não ao
dentista: humanização e competência.
É certo que ainda existem problemas, como por exemplo alguns
procedimentos que não são realizados no posto de saúde devido à falta de
equipamentos/materiais e também a demora para se obter atendimento,
levando as pessoas a procurarem o serviço particular. Porém, mudanças estão
sendo propostas na tentativa de aumentar o acesso daqueles que não podem
usufruir desse tipo de serviço.
Esperamos que essa dissertação estimule novos estudos e contribua
para o diagnóstico em saúde bucal e o desenvolvimento de ações públicas
voltadas para a melhoria das condições de saúde da população, tentando
Considerações Finais _____________________________________________________________________________________
102
promover mudanças nas ações dos cirurgiões-dentistas, seja na promoção de
saúde ou mesmo na ação curativa e para a superação das desigualdades que,
ainda hoje, estão presentes na área.
Referências _________________________________________________________________________
104
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Anexos _____________________________________________________________________________________
119
ANEXO A
Modelo do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido1
ESCLARECIMENTOS
Está sendo realizada uma pesquisa sobre o olhar de mães de crianças
de 0 a 5 anos, cadastradas no Núcleo de Saúde da Família 4, em relação ao
tratamento odontológico. A pesquisa tem como pesquisador responsável o Dr.
Antônio Carlos Duarte de Carvalho, docente do Departamento de Medicina
Social da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.
Esta pesquisa tem como objetivo principal traçar o perfil de mães de
crianças da faixa etária de zero a cinco anos de idade do Núcleo de Saúde da
Família IV, procurando saber qual o pensamento das mesmas em relação à
saúde bucal e ao tratamento odontológico.
Serão recrutadas mães cadastradas no Núcleo de Saúde da Família 4.
Em seguida, serão fornecidas informações sobre o estudo e as suas etapas.
Em caso de concordância, as mães assinarão um documento confirmando a
participação neste estudo. Esta via ficará em poder do condutor da pesquisa.
Será utilizado como instrumento de coleta de dados um roteiro de
entrevista semi-estruturada elaborado pelos pesquisadores, constando
questões sobre hábitos e costumes, representações e acesso ao tratamento
odontológico.Todas as entrevistas serão gravadas por um pequeno gravador
(Olympus – Pearlcorder 5701 – microcassette recorder) e em nenhum
momento a identidade da mãe será divulgada, nem mesmo conhecida por
outras pessoas, ficando somente sob a responsabilidade do pesquisador.
Todas as informações serão gravadas em computador, em código. As mães
que participarem desta pesquisa não receberão qualquer benefício direto por
isso, a não ser saber que o estudo poderá trazer esclarecimentos úteis e
benefícios para os usuários do Sistema Único de Saúde.
1 Termo entregue ao participante antes do início da entrevista.
Anexos _____________________________________________________________________________________
120
Não haverá nenhum prejuízo para as mães convidadas que decidam
não participar do estudo, ou para aquelas que, mesmo depois de terem
decidido participar, desistirem. Todas as mães que aceitarem participar
também têm o direito de não responder alguma ou algumas das perguntas, se
não desejarem fazê-lo, sem sofrer qualquer prejuízo por isso. Será solicitado
às que aceitarem participar da pesquisa que assinem um certificado de
consentimento, para documentar sua decisão. Caso prefiram não assinar este
documento, sua decisão será respeitada e não impedirá sua participação na
pesquisa.
CERTIFICADO DE CONSENTIMENTO
Eu, ________________________________, declaro ter sido esclarecida sobre
todas as condições que constam nos esclarecimentos acima, especialmente no
que diz respeito ao objetivo da pesquisa, aos procedimentos a que serei
submetida, aos riscos e aos benefícios, declaro que tenho pleno conhecimento
dos direitos e das condições que me foram asseguradas. Aceito participar da
pesquisa acima referida, sob responsabilidade do Dr. Antônio Carlos Duarte de
Carvalho. Ribeirão Preto, ____ de ____________ de _____.
Nome da Entrevistada: _____________________________
Assinatura: ___________________________________________
Anexos _____________________________________________________________________________________
121
ANEXO B
ROTEIRO PARA AS ENTREVISTAS 2
# IDENTIFICAÇÃO
*NOME:______________________________________________________
*ENDEREÇO (RUA, AVENIDA, NÚMERO, ETC)______________________
*BAIRRO_________________________
*CIDADE_______________________________
*TELEFONE P/ CONTATO______________________________________
*SEXO: M___ F___ * IDADE__________________
*RAÇA/COR: 1-BRANCA____ 2- NEGRA___
3- PARDA___ 4- AMARELA___ 5- INDÍGENA___
*ESCOLARIDADE:
1- 1o GRAU INCOMPLETO___ 2- 1o GRAU COMLPETO___
3- 2o GRAU INCOMPLETO___ 4- 2o GRAU COMPLETO___
5- ENSINO SUPERIOR INCOMPLETO___
6- ENSINO SUPERIOR COMPLETO___
*RENDA (EM NÚMEROS ABSOLUTOS):
PESSOAL_________________ FAMILIAR__________________________
*ESTADO CIVIL:____________
*No DE FILHOS:________________
*Tempo da entrevista:
Início:_________ Término:_______
2 Esclarecemos que os roteiros são apenas um referencial para explorar o tema proposto. Procuramos na apresentação das questões adequar nossa linguagem de forma que as entrevistadas tivessem condições de responder.
Anexos _____________________________________________________________________________________
122
# QUESTIONAMENTOS I
1- Para a senhora, o que significa cuidar da sua boca? Qual o papel do
dentista nisso?
2- Gostaria que a senhora pensasse na primeira vez em que ouviu falar de
dentista: Quando foi? O que ouviu?
3- Quando era criança, alguém a ensinou a cuidar da sua boca? Quem? O que
falou?
4- Quando a senhora foi pela primeira vez ao dentista? O que a senhora
lembra dessa primeira vez?
5- E, atualmente, a senhora costuma ir ao dentista? Quando? Com que
freqüência? O que a senhora sente quando vai?
6- E seu filho/a, o que a senhora fala para ele/a sobre cuidar dos dentes?
7- E como é para a senhora levar seu filho/a ao dentista? Como se sente? O
que pensa?
8- O que vem à cabeça da senhora ao ouvir isso? [Nesse momento, a
entrevistada ouviu o barulho de um motorzinho (alta rotação), que estava
gravado em uma fita cassete e que fora acionado no momento certo pelo
entrevistador].
9- O que vem à cabeça da senhora ao ver essa figura? [Nesse momento, a
entrevistada visualizou uma figura contendo o dentista realizando o
tratamento odontológico num paciente]
# QUESTIONAMENTOS II
Anexos _____________________________________________________________________________________
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1- Conte com detalhes: o que a senhora faz no seu dia-a-dia, ou seja, desde a
hora que acorda até a hora que vai dormir?
2- O que é saúde para a senhora?
3- O que é saúde da boca para a senhora?
4- Como a senhora sente ou se sentiria com a falta de dentes da frente? E os
do fundo?
5- O que a senhora acharia se fosse ao consultório de algum dentista e
soubesse por alguém ou percebesse que o mesmo não cuida dos seus
próprios dentes?
6- Em relação aos seus hábitos: a senhora faz a limpeza da sua boca? (Conte
com detalhes como isso acontece e a freqüência)
7- Conte: Como é a alimentação do seu filho/a desde a hora que ele/a acorda
até a hora que vai dormir?
8- Em relação aos hábitos do seu/sua filho/a: Como é a limpeza da boca
dele/a?
9- Se eu falasse para a senhora: vamos ao dentista tratar sua boca nesse
momento, o que me diria? Por quê?
10- Caso a senhora pudesse escolher em ir a um dentista do posto de saúde ou
a um dentista particular, qual dos dois seria de sua preferência? Por quê?
11- A senhora acha que está mais fácil ir ao dentista hoje em dia do que
antigamente? Por quê?
12- A senhora foi em todas as consultas que foram marcadas com o dentista?
13- Tem algum problema que a impediu ou a impede de ir à consulta com o
dentista?