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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas - FFLCH Disciplina: Ética e Filosofia Política (Opinião Publica e Revolução) Professor: Milton Meira do Nascimento Discente: Mateus Perez Jorge A repercussão da revolução e a legitimidade da opinião publica a luz da crítica nietzschiana aos valores morais. RESUMO Neste trabalho, pretende-se desenvolver uma articulação conceitual entre a interpretação de vontade geral proposto por Robespierre (outrora originariamente desenvolvida por Rousseau no Contrato Social) como um tribunal soberano com a critica nietzschiana aos critérios intrínsecos presentes na moral ocidental para se avaliar os valores que utiliza determinados critérios para se definir uma hierarquia de valores baseados na moral vigente da época. Para Nietzsche, estes critérios estão dentro de um campo aberto de discussão moral que impera o cristianismo e as ideologias burguesas modernas.

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Artigo sobre relação entre Nietzsche e Rousseau

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    Faculdade de Filosofia, Letras e Ciencias Humanas - FFLCH

    Disciplina: tica e Filosofia Poltica (Opinio Publica e Revoluo)

    Professor: Milton Meira do Nascimento

    Discente: Mateus Perez Jorge

    A repercusso da revoluo e a legitimidade da opinio publica a luz da

    crtica nietzschiana aos valores morais.

    RESUMO

    Neste trabalho, pretende-se desenvolver uma articulao conceitual entre a

    interpretao de vontade geral proposto por Robespierre (outrora originariamente

    desenvolvida por Rousseau no Contrato Social) como um tribunal soberano com a

    critica nietzschiana aos critrios intrnsecos presentes na moral ocidental para se avaliar

    os valores que utiliza determinados critrios para se definir uma hierarquia de valores

    baseados na moral vigente da poca. Para Nietzsche, estes critrios esto dentro de um

    campo aberto de discusso moral que impera o cristianismo e as ideologias burguesas

    modernas.

  • Apresentao:

    Para Nietzsche e os grandes crticos do projeto moderno a revoluo francesa

    repercutiu permanentemente valores decadentes perpetuados a partir do projeto

    iluminista (alicerado sob o principio da igualdade, liberdade e fraternidade) como parte

    de uma proposta maior vinculada tradio filosfica setecentista.

    Uma proposta alternativa para interpretar a trajetria histrica do movimento

    iluminista e da revoluo francesa encontramos no estudo acadmico publicado sob o

    ttulo Opinio pblica e revoluo do professor Milton Meira do Nascimento, que

    verificamos uma releitura deste processo a partir de uma articulao terica entre os

    intelectuais, a verdade e o domnio pblico da poltica a partir da nfase no papel dos

    intelectuais para a propagao dos valores da revoluo. Sob um cenrio de turbulentas

    transformaes sociais e polticas, encontramos nos lderes do crculo social

    representados por Bonneville, Fauchet e Mercier papis de destaque na medida em que,

    segundo Milton Meira do Nascimento, ( autor de Opinio Pblica e revoluo) teria

    sido o nico grupo a teorizar de modo sistemtico sobre o papel dos intelectuais e da

    opinio pblica na busca da verdade1. A articulao destes trs aspectos, (os

    intelectuais, a verdade e a poltica) tendem a reconsiderar o lugar da opinio pblica e

    da liberdade de imprensa como garantia de soberania popular no qual o povo capaz

    de expressar e exercer a vontade geral utilizando a retrica fomentada por intensos

    debates pblicos como instrumentos para se identificar, expressar e efetivar a vontade

    geral.

    A partir desta nova leitura do repertrio intelectual presente na enciclopede, o

    professor Milton Meira do Nascimento prope expor como a concepo de opinio

    pblica adquire progressivamente um estatuto racional ao mostrar sua evoluo, antes

    relacionada ao engano e a incerteza2, agora expresso da vontade da maioria apoiada em

    1 Cf. LIMA, E. 2006 Teoria e Debate n 06 - abril/maio/junho de 1989. Publicado em 02/04/2006.

    2Cf. fundamental diferenciarmos a concepo de opinio pblica em Rousseau dos chamados

    enciclopedistas iluministas: para ele, no possvel formar a opinio pblica, mas preserv-la. Enquanto

    que dAlembert, Diderot, Voltaire acreditam num futuro triunfante do saber cientfico e num

    desenvolvimento gradual da razo, Rousseau aponta para um futuro no muito promissor, dada a situao atual das cincias e das artes, que, segundo ele, s tem contribudo para corromper os costumes. Nessas

    condies, tm pouco sentido o discurso persuasivo. A voz da verdade no soa como trombeta aos

    ouvidos de ningum. Em outras palavras, em Rousseau no encontramos nem nenhum momento a figura

    do intelectual portador da verdade e que deve, por isso mesmo, transmiti-la a homens ignorantes e cheios

    de preconceitos.. NASCIMENTO, M, M. 1990. p.54

  • princpios racionais a partir da retomada da concepo da vontade geral desenvolvida

    por Rousseau. A opinio pblica elevada a um status racional deveria levar em conta o

    debate intensivo3 como meio e critrio para se chegar verdadeira opinio. A procura

    por legitimao da autonomia e liberdade de ao poltica de determinados grupos

    sociais somente pode se dar a partir da livre circulao das idias como critrio

    fundamental dentro do corpo poltico afim de que torne legtimo a soberania popular.

    Idias deste teor foram defendidas por Robespierre e seus adeptos pautando-se

    na perspectiva da livre circulao das idias para legitimar os rumos que a vontade geral

    tenderia; inclusive de poder distinguir as opinies falsas dos juzos verdadeiros. Esta

    concepo encontrada em Robespierre a partir de um registro que faz em seu

    Discurso sobre a liberdade de imprensa (presente no livro Opinio Pblica e revoluo

    de Minto Meira Nascimento) ao defender que a verdadeira opinio prosseguir

    incansavelmente vencedora nos debates: Mas por que se preocupar tanto em perturbar

    a ordem que a natureza estabelece por si mesma? No vedes que, pelo curso necessrio

    das coisas, o tempo traz a proscrio do erro e o triunfo da verdade? Deixemos as

    opinies verdadeiras ou falsas um desenvolvimento igualmente livre, pois somente as

    primeiras esto destinadas a permanecer4

    Como observa o autor de Opinio pblica e revoluo, soaria estranho defesa

    da liberdade de imprensa

    3 Um aspecto interessante a ser frisado, refere-se ao papel revolucionrio da imprensa, na medida em que

    ao propagar e democratizar uma srie de idias, opinies e informaes decorrentes do processo da

    derrocada no antigo regime, ela se ope em justaposio a cultura do segredo, alicerada no antigo regime

    para resguardar eventuais privilgios e benesses presente dentro da hierarquia clerical e nobilirquica.Se

    a desconfiana, o desprezo das classes dirigentes e dos filsofos relativamente aos gazeteiros comearam a declinar desde os anos de 1770, a Revoluo Francesa que protagoniza a mudana mais profunda, instalando 2 importantes ideias que vo marcar toda a ao dos jornalistas deste tempo. - A

    primeira ideia a de que o segredo sempre detestvel, a proteo dos privilgios, a muralha que as

    monarquias absolutas erguem sua volta para dissimular as iniquidades que ainda conservam. O segredo

    , por essncia, contrarrevolucionrio. Consequentemente, o novo regime tem como primeira ambio

    permitir e merecer a transparncia dos assuntos pblicos. - Em segundo lugar, a Revoluo presta

    constantemente homenagem a um modelo dominante: o da Antiguidade, e s formas de democracia direta

    que existiam nas cidades gregas ou na antiga Roma. A cultura dos atores fundamentalmente clssica:

    tm na mente todo um conjunto de referncias que vm alimentar a sua eloquncia, as suas controvrsias

    e as suas ambies. Portanto, procura reinventar-se a democracia direta ao preo desta algazarra de

    vociferaes que o pblico lana a partir das tribunas das assembleias.``

    4 Cf. ROBESPIERRE, M. Discours sur la libert de la Presse, sesso de 11/5/1791, ditions Hemera, Tomo V V, p.47. In. NASCIMENTO, M, M. 1989. p.62

  • por parte do principal articulador do terror revolucionrio. Mas, o que precisamos desde j destacar que, no s em Robespierre, mas na maioria dos

    escritores e polticos do sculo XVIII h o pressuposto sempre presente de que

    h uma verdade e de que ela ou se forja no debate (...) ou (...) j est dada no

    campo das disputas e seu destino vencer o erro.5

    A anlise de Milton Nascimento permite-nos reconhecer e compreender a

    evoluo histrica de dois movimentos importantes durante o processo revolucionrio

    que, se divergentes na forma, comungam de um mesmo objetivo a fim de se distinguir o

    erro para emergir a verdadeira opinio em prol da causa revolucionria. Um de cunho

    democrtico, no qual a condio de igualdade para todos os debatedores6 que se

    respeita a diferena das opinies. Outra uma vertente autoritria, que faz emergir a

    vitria da verdade originada apenas por uma das partes. Ou seja: a verdade que

    sobressai a verdade do grupo que sai vencedora em um debate que se percebe

    explicitamente a luta de interesses em jogo.

    A ltima concepo da verdade problemtica: supe a supresso das opinies

    alheias divergentes e a supremacia de uma nica opinio que se coloca como verdadeira

    e justificada por fora de persuaso. Mas tambm problemtica a concepo de

    opinio trazida por Robespierre, uma vez que a verdade se legitima segundo o critrio

    da defesa do bem pblico. J para Sebastian Mercier, apontava para o critrio de

    funcionamento da teoria na prtica.7 Como observado por Nascimento, h inmeras

    ambigidades nestas argumentaes; como a necessidade de uma clara identificao do

    que pode ser considerado bem pblico no caso de Robespeirre; ou qual tipo de prtica

    poder-se-ia comprovar como teoria verdadeira. A resoluo destas problemticas s

    podem se resolver pelo incentivo contnuo da livre e democrtica propagao e

    circulao das idias, soluo possvel somente se praticado efetivamente em mundo

    secular e totalmente desdivinizado permitindo emergir compreenses claras e

    verdadeiras sobre tudo que seria parte do bem pblico ou no. preciso cair o vu

    teolgico para que se possa forjar a verdade dentro da dinmica discursiva ordinria e

    no plano da imanncia.

    5 Cf. NASCIMENTO, M, M. 1989,. P.62.

    6 Cf. Op. Cit.

    7 Cf. Op. Cit.

  • Entra em cena um determinado plano da verdade, que se orienta por meio do

    que chamamos como razo esclarecida. Neste sentido, deve-se notar que somente a

    partir de um uso racional da palavra e do discurso que se procurava provocar a adeso

    popular em prol da causa revolucionria que tenderia a questionar o poder monrquico e

    sua natureza divina.

    No plano do debate aberto e intensivo a orientao de uma verdade a partir da

    inteno de se chegar verdadeira opinio reflete um problema central para os

    principais crticos da modernidade; pois se tratam de pressupostos que trazem como

    herana imaterial a pressuposio adjacente e oculta por um ideal absoluto que se

    ramifica na sociedade como um todo a partir de tendncias para o agir que se

    cristalizam sob um prisma transcendental ou metafsico problemticas pontuais mas

    essenciais e que sequer foram tematizadas pelos tericos do iluminismo e da revoluo

    como um plano possvel que gestou seus pensamentos.

    Mas apesar das pesquisas acadmicas recentes indicarem para a filosofia poltica

    do sculo XVIII um desenvolvimento baseado em um discurso poltico sob um ponto de

    vista imanente e no transcendental, preciso relativizar esta abordagem com a crtica

    radical nietzschiana moral da revoluo e alguns valores rousseaustico incorporados

    nas idias iluministas e da revoluo.

    Obviamente j percebemos inicialmente uma oposio radical de Nietzsche

    contra Rousseau e as repercusses de suas teses no movimento iluminista francs, e

    com isto, torna-se necessrio recorrer e aprofundar as discusses que Nietzsche busca

    travar com as idias modernas de seu tempo, aquele que fora considerado o principal

    crtico dos pressupostos metafsicos e dos processos que levaram a sua secularizao

    dentro da sociedade.

    * * *

  • Sabemos que sua crtica sobre os valores repercutidos na modernidade foi

    insistente e intensa; porm deve-se notar em sua leitura crtica sobre a revoluo

    francesa e o iluminismo algumas peculiaridades na forma como trata cada uma destes

    fenmenos sociais e culturais; imprimindo novas perspectivas em um debate

    concentrado na condenao e contestao aos valores vinculados a esta mesma tradio

    de pensamento; tornando-se um dos principais representantes da bandeira de

    contracorrente as apologias ideolgicas do iluminismo.

    Em primeiro lugar deve-se perceber que o filsofo compreende os valores

    oriundos da tradio crist vinculados com a cultura moderna encontrando afinidades

    temticas daquela com a bandeira revolucionria pela defesa na igualdade, liberdade e a

    revoluo como princpios fundamentais do movimento revolucionrio Francs8.

    Nietzsche, estimulado e inflado por uma variante crtica de discursos formados

    pela retrica iluminista, faz com que a revoluo francesa torna-se alvo privilegiado de

    sua crtica poltica e filosfica. Observando as transformaes que a civilizao

    perpassava, o filsofo reconhece-se adepto a tese do continusmo, procurando apontar a

    permanncia de alguns valores morais do cristianismo na modernidade, como se

    houvesse um eco natural da moralidade crist dentro dos movimentos revolucionrios

    do final do sculo XVIII.

    Em um aforismo intitulado como Os ltimos ecos do cristianismo na moral de

    Aurora (1881), o filsofo reconhece a influncia dos valores cristos que se secularizam

    para a poltica moderna de seu tempo, pois foi o resduo da mentalidade crist que

    prevaleceu quando a crena fundamental, muito oposta e rigorosamente egosta, de que

    uma s coisa necessria, a crena na importncia absoluta da salvao eterna

    pessoal, assim como os dogmas nos quais se apoiava9, foram pouco a pouco recuando, e

    8 Deve-se a vinculao entre os princpios da revoluo francesa com os valores cristos trata-se uma

    interpretao peculiar da filosofia de Nietzsche e no uma viso generalizada dos recentes estudos e

    pesquisas acadmicas sobre a revoluo francesa. Como lembra Julio, durante a fase intermediria, o

    que mais destacado, que Nietzsche lanou o Iluminismo contra a Revoluo Francesa, que foi vista por ele como uma exploso violenta do ressentimento cristo que dominou e destruiu a ltima florao da

    cultura aristocrtica da Europa, a Frana dos sculos XVII. Para o nosso filsofo, a Revoluo Francesa

    foi essencialmente uma secularizao da moral escrava crist, apesar da mscara enganadora anticrist

    que os revolucionrios vestiram18. Os fins morais da Revoluo, liberdade, igualdade e fraternidade so,

    segundo Nietzsche, os princpios de rebanho e nivelamento de uma cultura dcadent, dominada ainda

    pela moralidade crist.``JULIAO, J, N. 2014, p.08. 9Vale ressaltar que a secularizao da moralidade crist se reconhece at na prpria forma como o

    primeiro governo republicano proclamou os principais lemas da nova repblica pelo governo

    revolucionrio. Em 07 de Maio de 1794, por decreto da Conveno, o povo francs reconhece a

  • que a crena acessria no amor, no amor do prximo, (...) vinha assim ocupar o

    primeiro plano. Na medida em que se aprofundava a separao desses dogmas, mais

    se procurava de algum modo justificar essa separao por um culto de amor

    humanidade: no ficar atrs em relao ao ideal cristo, mas passar-lhe frente se

    possvel, esse foi o secreto aguilho dos livres pensadores franceses, de Voltaire e

    Augusto Comte: e este ltimo, com sua clebre mxima moral viver para os outros,

    supercristianizou, com efeito, o cristianismo.10

    A guande crtica de Nietzsche que

    coloca em jogo o processo de secularizao da religio que tornou a prtica da f crist,

    antes exercida de forma solitria, individual e espontnea, agora como uma exigncia

    coletiva em prol do Estado, a partir da incorporao de determinados valores como

    amor ao prximo para dentro da vida em sociedade.

    Notam-se por sua vez muitas semelhanas entre a forma como o ideal cristo da

    boa prtica do amor ao prximo continuou depois da consolidao da nova repblica. A

    tese do continusmo se ratifica com a prevalncia para o ltimo ideal o amor ao

    prximo, e vai se tornar decisiva, sob a tica nietzschiana, nos caminhos que a poltica

    vai tomar no sculo XIX, consolidando o processo de secularizao religiosa por meio

    da perpetuao das ltimas ressonncias morais do cristianismo tardio.

    Nestes termos filosficos Nietzsche confere para algumas personalidades de seu

    sculo o mrito de dar maior potencial de propagao tanto aos dogmas vinculados

    moral milenar do cristianismo quanto dos sentimentos gerados pela prtica da boa f

    crist a partir de sua secularizao no campo da ao social efetiva, diz ele:

    Schopenhauer na Alemanha e John Stuart Mill na Inglaterra, conferiram a maior celebridade doutrina dos sentimentos simpticos e da

    compaixo ou da utilidade para os outros, como princpio de ao: mas eles

    no foram seno ecos essas doutrinas surgiram em toda parte ao mesmo tempo, sob formas sutis ou grosseiras, com uma vitalidade extraordinria,

    desde a poca da Revoluo Francesa aproximadamente, e todos os sistemas

    socialistas se colocaram como que involuntariamente no terreno comum dessas

    doutrinas. No existe talvez hoje preconceito mais difundido que aquele de

    imaginar que sabemos o que constitui verdadeiramente a coisa moral. Cada um parece hoje ouvir com satisfao que a sociedade est prestes a adaptar o

    indivduo s necessidades gerais e que a felicidade assim como o sacrifcio de

    existncia de Deus, as sanes da vida futura e a imortalidade da alma. In. VI A glria pstuma. p.XXXII. Apud. Cronologia; ROUSSEAU, J, J. 1999.

    10 Cf. NIETZSCHE, F. A, 132.

  • cada um consiste em considerar-se membro til e instrumento de um todo:

    entretanto, hesita-se muito ainda neste momento para saber onde preciso

    procurar esse todo, se na ordem estabelecida ou na ordem a ser fundada, se na

    nao ou na fraternidade dos povos, ou ainda em novas pequenas comunidades

    econmicas.11

    Neste sentido vemos reforada a principal tese crtica de Nietzsche s filosofias

    e ideologias polticas que coloca em jogo o processo de secularizao cultural da

    religio que se apropriou da prtica da f crist, tornando-se uma exigncia coletiva em

    prol do corpo poltico. Movimento que visa consolidar a tese de Rousseau pela defesa

    do carter utilitarista do homem para a manuteno da hierarquia e do establishment

    social, poltico e econmico do Estado, a fim de tornar o indivduo um instrumento til

    e necessrio ao Estado. Ao retomar a tese da autonomia com o fim de contestar a tese

    do utilitarismo desenvolvido por tericos como John Stuart Mill12

    rechaa a tese de

    Rousseau da vontade geral e seu papel de implementar a coeso social e o bem

    comum13

    . A partir destas ltimas colocaes e relaes entre o pensamento nietzschiano

    e os valores rousseaustico incorporados na revoluo, podemos notar o quo opositor

    seu pensamento com relao s teses presente na filosofia poltica de Jean Jac Rousseau.

    Mas se aprofundarmos nossas reflexes sobre as diferenas de tratamento do

    filsofo a respeito de parte dos intelectuais do iluminismo verificamos formas diversa

    de como lidou com a filosofia poltica de Rousseau. Estas nuances de tratamento so

    visveis na sua fase intermediria e ser fundamental para retomarmos Rousseau e

    Nietzsche sob outro prisma.

    * * *

    11 Cf. NIETZSCHE, F. 2004, 132.

    12 Cf. o qual entende que o indivduo deve-se adaptar s necessidades gerais e que a felicidade assim

    como o sacrifcio de cada um consiste em considerar-se membro til e instrumento de um todo. Op. Cit.

    13 Cf. freqente o vis utilitarista presente na tese rousseoustica referente a importncia do pacto social

    para dar condies para o conhecimento verdadeiro da vontade geral. Pois, a vontade geral

    invariavelmente reta e tende sempre utilidade pblica. E no tocante a tudo quanto cada um aliena,

    pelo pacto social, de seu poder, de seus bens e de sua liberdade convm-se que representa somente a parte

    de tudo aquilo cujo uso interessa comunidade.

  • Nietzsche contra a revoluo e a favor do iluminismo: a fase intermediria como

    ponto de inflexo na filosofia contra a moral moderna.

    recorrente nas leituras sobre Nietzsche uma associao direta e objetiva da

    crtica de Nietzsche a revoluo francesa e aos valores vinculados ao projeto iluminista.

    Porm durante a fase a intermediria14

    representada pelas obras Humano, demasiado

    humano, Aurora e Gaia Cincia onde notrio uma distino de sua interpretao que

    chega a emitir elogios ou crticas brandas ao iluminismo por um lado; e por outro

    condena abertamente a revoluo seus princpios e valores.

    Comentando esta peculiaridade da filosofia nietzschiana, o comentador e

    pesquisador Jos Nicolau Julio corrobora essa perspectiva ambivalente do filsofo na

    fase intermediria ao apontar que o que mais destacado, que Nietzsche lanou o

    iluminismo contra a Revoluo Francesa, que foi vista por ele como uma exploso

    violenta do ressentimento cristo que dominou e destruiu a ltima florao da cultura

    aristocrtica da Europa, a Frana dos sculos XVII.15

    Na fase intermediria vemos

    explicitamente sua afeio a alguns intelectuais do iluminismo que, a despeito de

    Voltaire, tece elogios tanto quanto outros intelectuais letrados da mesma matiz e, ao

    mesmo tempo, aponta uma afronta direta com filsofos que defenderiam ideais da

    dcadence tal como Rousseau:

    Verificamos esta distino clara em uma reflexo que aprofunda as diferenas

    entre Voltaire e Rousseau:

    H visionrios polticos e sociais que com eloqncia e fogosidade pedem a

    subverso de toda ordem, na crena de que logo em seguida o mais altivo templo da

    bela humanidade se erguer por si s. Nestes sonhos perigosos ainda ecoa a superstio

    14 Faz-se necessrio uma ponderao da evoluo linear de suas crticas ao longo das suas ltimas duas

    fases de discusses filosficas. digna de nota que sua filosofia tenha como marca central uma relao fundamental entre as vivncias e sua produo intelectual e isto se expressa na forma como seus

    interlocutores o influenciaram e incentivaram posteriormente o desenvolvimento de uma produo mais

    amadurecida e independente. Sendo assim, em linhas gerais podemos identificar relativa adeso na fase

    intermediria pelo romantismo alemo e pelos ideais aristocrticos por parte de alguns intelectuais do

    iluminismo como Voltaire no ltimo caso e o msico Wagner no primeiro.

    15 Cf. continuao: Para o nosso filsofo, a Revoluo Francesa foi essencialmente uma secularizao

    da moral escrava crist, apesar da mscara enganadora anticrst que os revolucionrios vestiram. Os fins morais da Revoluo, liberdade, igualdade e fraternidade so,segundo Nietzsche, os princpios de rebanho

    e nivelamento de uma cultura dcadent, dominada ainda pela moralidade crist. Como dir anos depois

    em Para alm do bem e do mal, a Revoluo Francesa a ltima grande revolta dos escravos e ainda,

    por isso, a filha e a continuao do cristianismo...ela tem os instintos contra a igreja, contra a

    aristocracia, contra os ltimos privilgios. JULIAO, J, N. 2014, p.08.

  • de Rousseau, que acredita numa miraculosa, primordial, mas, digamos, soterrada

    bondade da natureza humana, e que culpa por esse soterramento as instituies da

    cultura, na forma de sociedade, Estado, educao. Infelizmente aprendemos, com a

    histria, que toda subverso desse tipo traz a ressurreio das mais selvagens energias,

    dos terrores e excessos das mais remotas pocas, h muito tempo sepultados: e que,

    portanto, uma subverso pode ser fonte de energia numa humanidade cansada, mas

    nunca organizadora, arquiteta, artista, aperfeioadora da natureza humana. 16

    Na seqncia nota-se claramente a opo pela perspectiva filosfica e ideolgica

    de Voltaire ante Rousseau:

    No foi a natureza moderada de Voltaire, com seu pendor a ordenar, purificar e modificar, mas sim as apaixonadas tolices e meias verdades de Rousseau que

    despertaram o esprito otimista da Revoluo, contra o qual eu grito: "Ecrasez l'infme

    [Esmaguem o infame]!".149 Graas a ele o esprito do Iluminismo e da progressiva

    evoluo foi por muito tempo afugentado: vejamos cada qual dentro de si se possvel cham-lo de volta!17

    Sob um ponto de vista niilista e reativo que, na percepo de Nietzsche, se

    propaga e consolida materialmente e moralmente a revoluo disseminada no seio da

    sociedade. Ainda segundo Julio, o fins morais da Revoluo, liberdade, igualdade e

    fraternidade so, segundo Nietzsche, os princpios de rebanho e nivelamento de uma

    cultura dcadent, dominada ainda pela moralidade crist. Como dir anos depois em

    Para alm do bem e do mal, a Revoluo Francesa a ltima grande revolta dos

    escravos e ainda,por isso, a filha e a continuao do cristianismo...ela tem os instintos

    contra igreja, contra a aristocracia, contra os ltimos privilgios. 18

    Na mesma base de interpretao, a comentadora Scarlet Martton prope

    aproximar no mesmo plano de perspectiva Kant com Rousseau, atestando a concepo

    negativa de Nietzsche em relao s contribuies deste ltimo para o iluminismo e o

    sculo XIX herdeiro da revoluo: com a idia de autonomia, Kant introduz, no que diz

    respeito conduta humana, uma reviravolta anloga operada por Rousseau no Contrato social.

    Se este descreve o homem entregando-se por completo sociedade e sujeitando-se somente a si

    prprio, aquele o concebe como submetendo-se inteiramente lei moral e obedecendo, no

    entanto, apenas a si mesmo. Porm no contexto da organizao social, Rousseau declara: a

    obedincia lei que prescreveu a si prprio liberdade (...). Para ambos, embora em registros

    16 Cf. NIETZSCHE, F. 463. HH.

    17 Op. Cit.

    18 Cf. JULIAO, J, N. 2014, P. 08. Apud. NIETZSCHE, F. In. KSA, vol. XIII, p.396.

  • diferentes, a obedincia lei justifica-se por ser o homem o seu autor, de modo que, em vez de

    destruir a liberdade, ela a manifesta e pressupe.19

    `` Percebe-se uma denncia implcita de

    Nietzsche destacada pela comentadora a partir de uma falsa concepo de liberdade atribuda

    por Rousseau na sua defesa a obedincia lei moral.

    Vinculando autonomia com uma moral constituda sob princpios racionais o

    filsofo desacredita a autonomia denunciando-a como uma mentira e engodo. A partir

    das reflexes nietzschianas sobre Rousseau torna-se cada vez mais notrio a crescente

    oposio de Nietzsche Rousseau, enfatizando a rejeio nietzschiana pela concepo

    de autonomia em Rousseau.

    Sobre este ltimo aspecto, vale voltar-se ao comentrio de Scarlet Martton:

    Nietzsche parece desprezar a idia de autonomia, central na doutrina

    moral kantiana e na teoria poltica rousseausta. Submeter-se ao grupo social ou

    ao imperativo categrico, obedecendo unicamente a si prprio, talvez no

    passe de engodo. A sociedade espera do indivduo que tenha ocupao permanente, carter invarivel, opinies constantes; quer que se torne um

    animal previsvel, constante, necessrio, pois s assim pode estar certa de dispor dele a qualquer momento. Ela honra essa natureza de instrumento, esse permanecer-fiel-a-si-mesmo, essa imutabilidade de pontos de vista,

    esforos, e at mesmo de vcios, com suas honras mais altas (GC 296). Para atingir os seus objetivos, a sociedade emprega diferentes meios: estimula o

    respeito tradio, encoraja a preservao dos hbitos, difunde o medo de

    desobedecer. Eles revelam-se, porm, ineficazes, quando se trata dos que nada

    temem, dos que dificilmente se deixam subjugar, dos que no acatam as

    normas do grupo, enfim, dos que preferem agir e pensar por si mesmos.20

    A partir desta perspectiva crtica proposta pela comentadora de Nietzsche, nota-

    se que a insistncia da filosofia nietzschiana em rechaar a tese da autonomia proposta

    por Rousseau reflete uma inteno de fundo maior proveniente do projeto nietzschiano

    pautado na concepo de vontade de potncia e sua relao com o eterno retorno

    enquanto doutrinas filosficas que se germinaram como frutos decorrentes da

    fermentao intelectual das cincias de sua poca e a insistncia particular do filsofo

    na retomada por concepes filosficas oriundas do pr-socratismo grego.

    19 Cf. MARTON, S. 2010, p. 118.

    20 Cf. MARTON, S. 2010, p. 118.

  • Entra em jogo um plano ontolgico na discusso de Nietzsche sobre a

    modernidade e os principais representantes da filosofia poltica de seu tempo. Por volta

    de 1882, no final da sua fase intermediria, verifica-se a insistncia do filsofo em

    dialogar com determinadas categorias e conceitos das cincias da vida e da natureza, j

    ensaiando primeiros passos para amadurecer sua filosofia e desenvolver os conceitos

    relativos vontade de potncia e a idia do eterno retorno.

    Segundo a compreenso de Scarlett Marton, o conceito vontade de potncia

    vincula-se a uma viso pluralista tanto do mundo interno o corpo do Homem, quanto

    no mbito mais geral e externo, a formao da sociedade, do mundo e do universo. Por

    meio das investigaes biolgicas sobre o mundo orgnico permite com que o filsofo

    distancie-se de qualquer concepo organicista da sociedade e do mundo, optando por

    uma viso pluridimensional, no qual no haveria diferenas entre o orgnico e

    inorgnico.

    Uma caracterizao pontual sobre o conceito de vontade de potncia

    desenvolvida por meio dos comentrios de Scarlett Marton que refora a tese da

    pluralidade nietzschiana relativo vontade de potncia:

    consistindo numa pluralidade de adversrios, tanto no que diz

    respeito s clulas quanto aos tecidos ou rgos, ele animado por combate

    permanente. At o nmero dos seres vivos microscpicos que o constituem

    muda sem cessar, dado o desaparecimento e a produo de novas clulas. No

    limite, a todo instante qualquer elemento pode vir a predominar ou a perecer.

    Compreende-se ento que a vida vive sempre s expensas de outra vida (XII, 2 (205)), justamente por ser a luta o seu trao fundamental. Vencedores e

    vencidos surgem necessariamente a cada momento, de sorte que nossa vida, como toda vida, ao mesmo tempo uma morte perptua (XI, 37 (4)). Desse ponto de vista, a luta garante a permanncia da mudana: nada seno vir-a-

    ser, ela faz tambm com que se estabeleam hierarquias e isso o que conta por ora.

    21

    Na medida em que Nietzsche passa a desenvolver o conceito de vontade de

    potncia, amadurece suas reflexes e crticas a moral e a filosofia dos ltimos dois

    sculos precedentes, passando a vincular uma perspectiva voltada ao projeto de

    superao da ordem vigente por meio do projeto nomeado como transvalorizao de

    todos os valores. Este conceito passa a ser categoria chave a fim de se relacionar e

    21 Cf. MARTON, S.

  • combinar com as categorias antropolgicas desenvolvidas por Rousseau relativo a tese

    da vontade particular e vontade geral que, em contraste a tese nietzschiana da vontade

    de potncia, busca legitimar establishment possibilitado pelo contrato social conquanto

    que Nietzsche busca legitimar um projeto de superao e negao deste mesmo

    establischment.

    Por um lado em Rousseau h duas formas para se conceber o homem:

    Homem em estado de natureza entendido como pessoa natural

    Homem em estado civil entendido dentro da comunidade como pessoa

    moral22

    Quando o indivduo adentra na comunidade socialmente organizada, ingressa

    carregando consigo uma parcela da vontade geral.23

    Mas se por um lado para Rousseau

    a vontade particular parte integrante da pessoa natural (indivduo) e a vontade geral

    visto como naturalmente parte da pessoa moral e vinculado com o corpo social e

    poltico; para Nietzsche a relao mais complexa: a vontade de potncia no uma

    categoria humanista para se referir as vontades e paixes humanas de forma direta e

    simples; mas uma categoria ontolgica para se descrever todas as pulses e foras

    internas entendidas em uma perspectiva para alm do homem comum. Por outro lado,

    tambm uma instncia para vincular o homem dentro de uma viso de totalidade o

    qual descreve a constituio do mundo e do homem como configuraes de foras em

    mtuas relaes. Nesse sentido, as foras se relacionam e configuram o mundo e o

    homem dentro de uma concepo cosmolgica em que no h separao entre o

    orgnico e inorgnico.

    22 A soma das vontades particulares no d vontade geral, mas um agregado, mas se alm do agregado

    voc tm algo em comum, voc passa a ter uma comunidade.

    23 Nietzsche tambm faz uma relao desta dinmica em sua filosofia ao apontar para os valores incorporados no homem como conseqncia da internalizao de valores a partir de certas prticas do

    cristianismo e da filosofia metafsica e moral. Em um de seus projetos voltados a transvalorizao dos

    valores, descreve de que modo esta incorporao ocorreu: 1. A incorporao dos erros fundamentais. 2. A incorporao das paixes.

    3. A incorporao do saber e do saber que renuncia. (Paixo do conhecimento) 4. O inocente. O indivduo

    singular como experimento. O aliviamento da vida, rebaixamento, enfraquecimento - transio. A partir

    de muitas reflexes ontolgicas sobre a histria, amadurece a concepo de incorporao dos valores e

    passa a relacionar a cultura e os hbitos antropolgicos com uma certa herana da tradio crist e dos

    valores seculares do ocidente. Em Para Alm do Bem e do Mal esta relao torna-se perceptvel e clara:

  • Esta concepo vai ser decisiva para Nietzsche radicalizar as teses humanistas

    que normalmente tendem a separar o homem da natureza como, no entender

    nietzschiano, Rousseau procurou realizar. A passagem do orgnico para o inorgnico

    vai se descreve dentro de uma cosmologia que, em linhas gerais, no pactua da ideia de

    um universo como um ser vivo e orgnico.

    Verificamos uma aluso deste pensamento na Gaia Cincia:

    109. Guardemo-nos! Guardemo-nos de pensar que o mundo um ser vivo. Para onde iria ele expandir-se? Como poderia crescer e multiplicar-se? Sabemos

    aproximadamente o que o orgnico; e o que h de indizivelmente derivado, tardio,

    raro, acidental, quer percebemos somente na crosta da terra, deveramos reinterpret-lo como algo essencial, universal, eterno, como fazem os que chamam o universo de

    organismo? Isso me repugna.

    Mais adiante radicaliza esta ideia, procurando apontar que a ideia de orgnico e

    a ordem como algo natural no mundo uma exceo:

    (...)A ordem astral em que vivemos uma exceo; essa ordem e a

    considervel durao por ela determinada tornaram possvel a exceo entre as excees: a formao do elemento orgnico. O carter geral do mundo, no entanto,

    caos por toda a eternidade, no no sentido de ausncia de necessidade, mais de ausncia

    de ordem, diviso, forma, beleza, sabedoria e como quer que se chamem nossos

    antropomorfismos estticos.

    As conseqncias de um pensamento naturalizador sobre a forma e constituio

    do mundo acarretaria em implicaes profundas e duradouras na prpria forma de

    concebermos os juzos e avaliarmos o mundo e as pessoas. O carter geral do mundo,

    no entanto, caos por toda a eternidade, no no sentido de ausncia de necessidade,

    mais de ausncia de ordem, diviso, forma, beleza, sabedoria e como quer que se

    chamem nossos antropomorfismos estticos. Com esta reflexo chega a concluso de

    que a felicidade humana no pode ser uma regra pois, por ser uma necessidade orgnica

    tambm no deixa de ser uma exceo. (nem um objetivo consciente ou inconsciente).

    A denncia da necessidade humana na busca por um sentido racional aos

    fenmenos ontolgicos do mundo e do homem tambm outro aspecto marcante em

    sua filosofia:

  • Julgados a partir de nossa razo, os lances infelizes so a regra geral, as excees no so o objetivo secreto e todo o aparelho repete sempre a sua toada, que

    no pode ser chamada de melodia e, afinal, mesmo a expresso lance infeliz j uma antropomorfizao que implica uma censura. Mas como poderamos ns censurar

    ou louvar o universo? Guardemo-nos de atribuir-lhe insensibilidade e falta de razo, ou

    o oposto disso; ele no perfeito nem belo, nem nobre, e no quer tornar-se nada disso,

    ele absolutamente no procura imitar o homem!

    Com esta ltima reflexo nietzschiana, torna-se notrio o desejo do filsofo em

    apontar um novo caminho de interpretao do mundo e da sociedade, no mais baseada

    em uma razo que tende opor homem moral do homem em estado de natureza a partir

    do silenciamento gradativo e continuado dos instintos, mas numa viso totalizante do

    que se entende por Homem. A uma viso mais alargada do que se pressupe a ideia de

    homem predispe sobre outra ideia de humano e uma concepo mais ampla do que se

    entende como razo que tm seu lugar dentro da filosofia e do pensamento humano;

    mas desde que no se encerre em si mesma e abra espao para outras formas de se

    conceber a razo, mais prxima do lgos pr-socrtico do que do eu cartesiano.

    A partir das duas formas de se conceber a categoria vontade por meio do

    pensamento nietzschiano e de Rousseau, entende-se como possvel compreender sob o

    vis de Nietzsche a forma decadente como Rousseau pressupe a idia de vontade

    particular e vontade geral: ambas estariam marcadas por um rompimento na forma

    como se compreende a idia de homem, baseado na oposio consciente entre uma

    vontade particular capaz que d lugar espontnea e naturalmente a vontade geral quando

    o indivduo opta por fazer parte da sociedade civil.

    Na viso de Nietzsche, o tratamento dado a concepo de vontade por Rousseau

    marca o auge do idealismo moral na modernidade do sculo XIX e institucionaliza o

    tempo progressista e linear como nica forma de se conceber a histria humana e

    internaliza no homem o pressuposto da irreversibilidade do tempo decorrendo o seu

    aprisionamento no tempo cronolgico. Sob um ponto de vista mais amplo, podemos

    supor que a tese da autonomia de Rousseau na tica nietzschiana uma iluso na

    medida em que est circunscrita a linearidade do tempo histrico pois para Nietzsche, a

    nica forma possvel reinstalar efetiva autonomia perpassa por uma nova concepo de

  • temporalidade; baseada na hiptese do eterno retorno24

    como pressuposto para se

    exercer efetivamente o seu projeto de transvalorizao de todos os valores.

    Estas ltimas reflexes que tenderam aproximar o conceito da vontade em

    Nietzsche e Rousseau tm como principal objetivo mostrar como um conceito singular e

    acessvel para o pblico em geral pode adquirir recepes e conotaes to dspares e

    at mesmo em oposio uma a outra. Desnudar estas diferenas permite-nos tambm

    conhecer algumas semelhanas no plano das intenes de cada um dos filsofos e estas

    se baseiam numa certa viso filosfica da totalidade que ganham expresses divergentes

    entre si, mas comungam do mesmo objetivo de propor solues para lidar com os

    conflitos sociais, polticos e, especialmente para Nietzsche, conflitos de ordem

    ontolgicas.

    As reflexes sintetizadas de Nietzsche registradas neste trabalho tiveram como

    objetivo fundamental correlacionar com a recepo iluminista das teses morais

    rousseaustica tendo como base certa conceituao da razo, cujo conceito foi essencial

    e fundamental para sistematizar e legitimar a bandeira revolucionria a fim de preservar

    a sociedade de seu desmantelamento e desagregao social.

    Do contrrio que tende a vincular revoluo com contestao radical da ordem

    vigente, a revoluo se aproxima de uma conceituao que retoma a ideia astrolgica de

    revoluo como processo que visa a mudana das conjunturas polticas e sociais a fim

    de se preservar a estrutura da ordem social, econmica e cultural, isto : o establishment

    vigente. Somente a partir do momento em que as teses iluministas passam a se propagar

    por meio do poder miditico e atravs da imprensa escrita que se tornou possvel formar

    24 Cf. A frmula filosfica mais conhecida que descreve este conceito est presente no aforismo 341 de

    Gaia Cincia, que pressupe a possibilidade do eterno retorno como uma hiptese terrvel e abismal como

    uma proposta colocada para um homem comum: E se um dia ou uma noite um demnio se esgueirasse

    em tua mais solitria solido e te dissesse: Esta vida, assim como tu a vives agora e como a viveste, ters de viv-la ainda uma vez e ainda inmeras vezes; e no haver nela nada de novo, cada dor e cada prazer

    e cada pensamento e suspiro e tudo o que h de indizivelmente pequeno e de grande em tua vida h de te

    retornar, e tudo na mesma ordem e seqncia e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as rvores, e do mesmo modo este instante e eu prprio. A eterna ampulheta da existncia ser sempre virada outra

    vez e tu com ela, poeirinha da poeira! No te lanarias ao cho e rangerias os dentes e amaldioarias o demnio que te falasse assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe

    responderias: Tu s um deus, e nunca ouvi nada mais divino!. Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu s, ele te transformaria e talvez te triturasse;

    a pergunta, diante de tudo e de cada coisa: Quero isto ainda uma vez e ainda inmeras vezes? pesaria como o mais pesado dos pesos sobre teu agir! Ou ento, como terias de ficar de bem contigo mesmo e

    com a vida, para no desejar nada mais do que essa ltima, eterna confirmao e chancela?"

    NIETZSCHE, F. 341.

  • uma opinio pblica geral a fim de provocar a adeso social dos diversos grupos e

    segmentos sociais em prol da causa revolucionria; uma adeso que visava a

    preservao do status quo reinante.

    Se por um lado o Contrato Social de Rousseau pressupe uma adeso para

    coeso social por meio do apaziguamento das vontades particulares em detrimento da

    adeso do indivduo a vontade geral, por outro lado a forma como se pressupe chegar a

    vontade geral pelos membros do crculo social tm a peculiaridade de considerar a

    verdadeira opinio s poderia ser possvel pelo debate e livre circulao das idias, pois

    para estes a verdade no dada previamente, mas se constri; adquire assim um carter

    elstico e se relaciona mais com uma idia de histria enquanto vir a ser do que uma

    histria de destino certo, em que as regras do jogo e a conjuntura j vm previamente

    dada e conhecida. Alm disso, outra peculiaridade refere-se ao primado dos homens

    cultos tais como os membros do crculo social que se compreendiam na vanguarda dos

    processos de mudana histricas profundas e irreversveis na sociedade. Talvez por se

    vincular a um vis aristocrtico compreendemos melhor os elogios e at a simpatia de

    Nietzsche em relao parcela dos membros desta intelectualidade, com destaque para

    Voltaire e Diderot.

    * * *

  • Eplogo:

    A repercusso dos valores apregoados durante a revoluo francesa manteve-se

    atual na medida em que se engendraram dentro de uma complexa cadeia de eventos

    polticos, sociais, culturais e filosficos, disseminando idias revolucionrias que

    opunham ao poder real ou, pelo menos, colocavam em questo a legitimidade de seu

    poder por meio da imprensa constituda especialmente por homens das letras e homens

    da filosofia poltica.

    A grande questo que se destaca deste turbilho social refere-se forma como

    um grupo seleto de intelectuais da Frana obtiveram a adeso das camadas populares

    carentes em recursos materiais e culturais por meio de estratgias discursivas baseada

    numa certa lgica do discurso orientada sob os preceitos do contrato social, mas

    aplicado de forma peculiar no contexto das turbulentas transformaes polticas e

    sociais deste pas. Nesse sentido, legitimar o destino de todo um povo por meio da

    pressuposio de uma vontade geral forjada nos intensos debates discursivos na

    imprensa escrita foi uma estratgia absolutamente revolucionria na forma como

    sucedeu.

    No por menos que este movimento chamou a ateno de Nietzsche durante

    boa parte de sua trajetria intelectual, exigindo dele uma posio filosfica e poltica a

    respeito. De certa forma, a concepo relacionada a vontade geral adquire uma certa

    conotao ontolgica tendo em vista um carter relativamente abstrato e generalizante

    como Rousseau erige seu modelo.

    Pierre Burgelin em comentrio introdutrio ao Contrato Social enfatiza este

    aspecto em Rousseau quando percebe duas importantes interpretaes de Rousseau a

    partir de uma leitura que identifica nele um idealista e utopista - porque se mantm no

    nvel dos princpios, no abstrato. Constri a mquina, diz ele, cabe aos outros faz-la

    funcionar. A partir da recepo de Rousseau como um idealista, duas tradies se

    estabelecem:

    uns lem em O contrato a apologia da democracia direta, da bondade do povo. Outros compreendem ali a antecipao do que chamamos

    regimes totalitrios. Isolam-se e e exalam-se facilmente os textos. No

    entanto, essas duas sries de conseqncias que se extraem deles menosprezam

    o fato de que para Rousseau a autoridade no nem o povo, em sua realidade,

    nem o poder poltico, mas a razo esclarecida pela conscincia. Soberano25 em

    25 Grifos meus.

  • direito, o povo digno e dele se traz em si a vontade geral, no suas paixes ou

    seus preconceitos26; mesmo sendo possvel admitir que as paixes e os

    preconceitos se anulam por sua oposio, h maior probabilidade de que uma

    maioria exprima a vontade geral.27

    Esta linha de raciocnio faz aluso a idia originria do que podemos chamar

    como verdadeira democracia, baseada numa relao entre governo e seus representados

    os cidados, tendo como ponto-chave o uso da razo esclarecida como norte para o

    desenvolvimento do povo e da boa governabilidade. Complementando esta reflexo,

    Burgelin infere:

    a poltica implica antes de tudo a educao do cidado. Apenas

    homens esclarecidos no se deixaro enganar por insidiosas propagandas, tero

    como nica paixo o amor pela ptria, s eles podero estabelecer uma

    sociedade justa. Enquanto no formos capazes desse esforo, permanecemos escravos. Como moralista e como filsofo, Rousseau anuncia que os homens

    so responsveis pela sociedade que fazem, qualquer que seja a escusa

    sociolgica que possam encontrar. O contrato social no tem interesse

    histrico, a condio implcita de todo julgamento poltico.28

    Uma poltica que se baseia na educao erudita remonta a teses da antiguidade,

    qui a Repblica de Plato cuja proposta de um Estado ideal dever-se-ia estar baseado

    numa repblica dirigida apenas por filsofos. De certa forma, esta estratgia retorna na

    modernidade sob uma roupagem diferente, mas em essncia tm como norte o desejo de

    26 Cf. O preconceito enquanto um aspecto inerentemente presente no homem quando em sociedade, torna-

    se uma categoria fundamental para identificarmos como se contrasta a concepo de opinio pblica em

    Rousseau com os chamados enciclopedistas iluministas: para ele Rousseau, no possvel formar a opinio pblica, mas preserv-la. Enquanto que dAlembert, Diderot, Voltaire acreditam num futuro

    triunfante do saber cientfico e num desenvolvimento gradual da razo, Rousseau aponta para um futuro

    no muito promissor, dada a situao atual das cincias e das artes, que, segundo ele, s tem contribudo

    para corromper os costumes. Nessas condies, tm pouco sentido o discurso persuasivo. A voz da

    verdade no soa como trombeta aos ouvidos de ningum. Em outras palavras, em Rousseau no

    encontramos nem nenhum momento a figura do intelectual portador da verdade e que deve, por isso

    mesmo, transmiti-la a homens ignorantes e cheios de preconceitos..NASCIMENTO, M, M. 1990. p.54

    27 Cf. BURGELIN, P. XXIII, Apud. ROUSSEAU, J, J. 1999.

    28 Cf. Vale ainda acrescente que Rousseau era suficientemente ctico acerca de seus contemporneos,

    at mesmo de seus compatriotas, para no enxergar a decadncia das instituies e dos costumes. por

    isso que se persuadiu que a zona de ao do homem de boa vontade agora no podia estender-se muito

    alm da famlia e que seu tratado de educao se limitou a esse domnio: talvez os pais ainda possam educar seus filhos de acordo com a natureza, o que significa sensatamente. Mas inscreveu O contrato

    social no mile. Seu aluno no ignora os reveses e os dissabores, a ambio do mestre que o verdadeiro

    homem terminar se impondo sobre aqueles que no passam de escravos. Multopliquemos os miles e

    talvez chegue o dia em que a aventura da cidade antiga poder recomear sob uma forma nova.

    BURGELIN, P. p. XXIII, Apud. ROUSSEAU, J, J. 1999.

  • uma poltica ideal a partir da educao do cidado como princpio fundamental de toda

    boa prtica poltica; cujo destino final seria reinar a harmonia e coeso social a partir do

    momento em que o Contrato Social se efetiva sendo absorvido e aceito por todos.

    Torna-se notrio como Rousseau traa com naturalidade o processo que leva a

    transformao do homem em estado de natureza para o homem em estado civil:

    Encerrarei este (...) livro com (...) uma observao que deve servir de base a todo o

    sistema social pressupe Rousseau: em vez de destruir a igualdade natural, o pacto

    fundamental substitui, ao contrrio, por uma igualdade moral e legtima aquilo que a

    natureza poderia trazer de desigualdade fsica entre os homens,e, podendo ser desiguais

    em fora ou em talento, todos se tornam iguais por conveno e de direito.29

    .

    * * *

    Para fazermos um breve balano crtico efetivo das contribuies negativas e

    positivas da proposta do Contrato Social preciso relativizar tambm a posio

    nietzschiana e coloc-la sob uma leitura crtica: se por um lado Nietzsche pressupe

    uma crtica implcita as teses de seu opositor no campo do discurso filosfico em

    Rousseau por este defender princpios morais com um plano de fundo psicolgico no

    qual a vontade particular e a vontade geral servem como base para Rousseau fundar o

    Contrato Social; por outro lado, Nietzsche tambm pressupe uma certa viso de

    totalidade cuja crena no vir a ser e em deuses pr-socrticos so indispensveis para

    legitimar sua tarefa de desconstruir a moral vigente tomando como plano de fundo uma

    crena oculta numa totalidade abstrata que se desenrola, segundo ele, no plano das

    imanncias.

    Apesar das insistentes e continuadas crticas nietzschianas ao iluminismo e a

    revoluo francesa e dos valores que se propagaram permanentemente ao longo da

    histria, digno de nota os rearranjos de suas idias nas obras finais, especialmente nas

    que constam reflexes que relacionam a si mesmo como um fenmeno necessrio da

    histria. Em um trecho de Ecce Homo ao tratar sobre O caso Wagner, registra:

    29 Cf. ROUSSEAU, J, J. 1999, p.30

  • Eu no teria sido possvel sem essa espcie-oposta, sem os alemes, sem esses

    alemes, sem Bismarck, sem 1848, sem guerras de libertao, sem Kant, at mesmo

    sem Lutero...Os grandes crimes culturais dos alemes justificam-se em uma economia

    mais alta da cultura...Eu no quero nada diferente, nem mesmo retroativamente eu nao poderia querer nada diferente...Amor fati...at mesmo o cristianismo torna-se

    necessrio: s a forma mais elevada, a mais perigosa e sedutora em seu no vida,

    provoca a sua mais elevada afirmao Eu...O que so, no fim das contas esses dois milnios? Nosso experimento mais instrutivo, uma vivesseco na prpria vida...Apenas dois milnios!...30

    A auto-imagem que traa de si como um acaso necessrio (como ir tratar assim

    em sua obra auto-genealgica Ecce Homo Eis o homem) dentro de uma dinmica de

    foras que se conjugaram entre si deram possibilidade ao surgimento histrico do

    personagem Nietzsche e seu pensamento contestador. De certa forma, esta reflexo

    implica pensar Nietzsche como fenmeno histrico inevitvel e inexplicvel a partir das

    foras polticas configuradas no mundo moderno ps-1789 dados as condies

    histricas de seu tempo entendam-se culturais, sociais e filosficas.

    Por outro lado, recorrente em sua filosofia utilizar da genealogia histrica para

    explicar as apropriaes e os juzos de valores reproduzidos pela herana histrica dos

    costumes e hbitos. Um registro em Para alm do bem e do mal se desenvolve uma

    reflexo que tende a relacionar o pensamento e as crenas filosficas modernas com a

    herana advinda de costumes e hbitos herdados pelos nossos ancestrais:

    no se pode apagar da alma de um homem o que seus antepassados fizeram

    com mais gosto e mais constncia: se foram, talvez, poupadores diligentes e apetrechos

    de uma escrivaninha ou caixa-forte, modestos e burgueses em seus apetites, afeioados

    a prazeres rudes e, ao mesmo tempo (...), deveres e responsabilidades (...); ou (...) por

    fim, alguma vez sacrificaram privilgios antigos de nascimento e de propriedade para

    viver inteiramente segundo sua f seu deus -, na condio de homens de uma conscincia implacvel e delicada que se ruboriza diante de todo arranjo. No

    absolutamente possvel que um homem no tenha em seu corpo as qualidades e

    predilees de seus pais e ancestrais: no importando o que as aparncias digam em

    contrrio. Este o problema da raa. Supondo que se conhea algo dos pais, ento

    permitida uma concluso acerca do filho: qualquer descomedimento repugnante,

    qualquer inveja mesquinha, qualquer mania grosseira de sempre dar-se razo conforme essas trs coisas juntas, em todas as pocas, sempre constituram o autntico

    plebeu devem passar ao filho to seguramente quanto sangue corrompido; e com a ajuda da melhor educao e formao apenas se conseguir enganar acerca de

    semelhante herana.

    30

    Cf. NIETZSCHE, F. p.163, 2003. In. PODACH, OP. CIT.,P.318-19.).

  • Este trecho sugere refletir sobre as estratgias diversas encontradas pelos

    filsofos com a proposta de superar e transmutar uma crise. No caso de Nietzsche esta

    superao pressupe um desdobramento da prpria histria revendo e transformando os

    valores herdados at ento; na caso da revoluo francesa pressupe fazer tbula rasa

    dela e comear uma nova histria a partir de ento.

    Nesse sentido, a principal repercusso que podemos inferir a histria da

    revoluo francesa em contraste com o papel de Nietzsche na modernidade do tempo

    presente que a primeira imprime a impresso de que ns jamais conseguiremos escutar

    alm, isto , antes da revoluo francesa; e o ltimo permite o oposto para que possa

    escutar outras tradies e costumes e fazer o nosso prprio balano crtico a fim de

    superar as condies de existncia vigentes.

    * * *

  • Referncias:

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