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UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO
PROGRAMA DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO
BRUNO MAGALHÃES FERREIRA
COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA DO CURSO DE DIREITO:
RELATO DE EXPERIÊNCIA
SÃO PAULO
2013
BRUNO MAGALHÃES FERREIRA
COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA DO CURSO DE DIREITO:
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Dissertação apresentada para defesa, junto ao Programa de Mestrado em Educação, linha de pesquisa em Sujeitos, Formação e Aprendizagem, da Universidade Cidade de São Paulo, como requisito parcial exigido para obtenção do título de Mestre. Orientador: Prof. Dr. Potiguara Acácio Pereira
SÃO PAULO
2013
F383c
Ferreira, Bruno Magalhães. Coordenação pedagógica do curso de direito: relato de experiência. / Bruno Magalhães Ferreira. --- São Paulo, 2013. 109 p. Bibliografia Dissertação (Mestrado) – Universidade Cidade de São Paulo - Orientador: Prof. Dr. Potiguara Acácio Pereira. 1. Coordenação pedagógica. 2. Curso de direito. I. Pereira, Potiguara Acácio, orient. II. Título.
CDD 371.207
BRUNO MAGALHÃES FERREIRA
COORDENAÇÃO PEAGÓGICA DO CURSO DE DIREITO:
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Dissertação apresentada para defesa, junto ao Programa de
Mestrado em Educação, linha de pesquisa em Sujeitos, Formação e
Aprendizagem, da Universidade Cidade de São Paulo, como
requisito parcial exigido para obtenção do título de Mestre.
Data da defesa:
Resultado: ________________________
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Potiguara Acácio Pereira (Orientador) ___________________________ Universidade Cidade de São Paulo
Profa. Dra. May Berkenbrock-Rosito ______________________________ Universidade Cidade de São Paulo
Profa. Dra. Cláudia Celho Hardagh ______________________________ Centro Universitário São Camilo
A Deus;
Aos meus familiares;
Aos meus professores;
Aos meus amigos;
À minha amada filha Lavínia.
AGRADECIMENTOS
Ao Centro Universitário CESMAC, na pessoa do Magnífico Reitor Dr. João
Rodrigues Sampaio Filho e Vice-Reitor Dr. Douglas Apratto Tenório, cujo apoio e
incentivo foram fundamentais para a participação neste Programa de Mestrado.
Ao Prof. Dr. Potiguara Acácio Pereira, pela paciência, dedicação e preciosa
orientação deste trabalho.
Aos professores do Programa Mestrado em Educação, da Universidade
Cidade de São Paulo (UNICID): Profa. Dra. Ecleide Cunico Furlanetto, Profa.Dra.
Edileine Vieira M. da Silva, Profa. Dra. Célia Maria Haas, Prof. Dr. Júlio Gomes de
Almeida, Prof. Dr. Jair Militão da Silva, Prof. Dr. João Gualberto de C. Meneses,
Profa. Dra. May Berkenbrock-Rosito, Profa. Dra. Ângela Maria Martins, Profa. Dra.
Sandra Maria Zakia Lian Souza, pela competência, sensibilidade e seriedade com
que atuam no Programa.
A Profa. Dra. Cláudia Celho Hardagh pela importante contribuição com a
pesquisa.
A todos os colegas que estiveram comigo neste processo em sala de aula,
os professores, colaboradores e alunos, e aos externos ao Programa que apoiaram
e acompanharam este trabalho.
Ao amigo e parceiro Marcos Adilson Correia de Souza pela contribuição
acadêmica e pelos fraternos momentos de convívio e descontração.
A meus pais, Fernando Valadão Ferreira e Dulce Maria Magalhães Ferreira,
pelo incentivo, confiança e contribuição afetiva e financeira para realização de mais
um sonho.
Às minhas irmãs, Maria Valéria Magalhães Ferreira Cirquera e Fernanda
Maria Magalhães Ferreira, pelo apoio, afeto e incentivo.
Ao Dr. Fernando Sérgio Tenório de Amorim, professor-amigo e grande
inspiração acadêmica.
A Augusta Magda Costa Mendes por sua companhia, paciência e carinho.
À Profa. Dra. Lígia dos Santos Ferreira, pela correção gramatical e
formatação deste trabalho.
RESUMO
A presente dissertação resulta de um processo científico-investigativo, cujo
procedimento metodológico foi o do Relato de Experiência, que retrata diferentes
momentos e acontecimentos decorridos na coordenação do curso de Direito, levada
a efeito no Centro Universitário CESMAC, em Maceió-AL, no período de dezembro
2009 a dezembro 2012. Com base principalmente nas dificuldades vividas, o relato
fundamentou-se teoricamente, para interpretação dos momentos e acontecimentos,
no paradigma experiencial de Antônio Nóvoa (1988, 1992) e Christine Josso (2002).
A pesquisa tem como objetivo compreender e desvelar os elementos constitutivos
de um distanciamento, de um hiato existente entre o acadêmico e o administrativo, a
partir da mudança de posição do profissional, enquanto professor, para a do
profissional que assume cargo de gestão. Espera-se, com este trabalho, contribuir
para importantes reflexões dos futuros profissionais do Direito que acabarão por
assumir cargos ou funções gestoras.
Palavras-chave: Educação. Coordenação pedagógica. Curso de Direito.
ABSTRACT
This dissertation is the result of a scientific-investigative, whose methodological
procedure was the Experience Report, depicting different moments and in the
coordination of events after law school, carried out in the University Center Cesmac
in Maceió-AL, in the period December 2009 to December 2012. Based mainly on
difficulties, the report was based theory, interpretation of moments and events in the
paradigm of experiential Nóvoa Antonio (1988, 1992) and Christine Josso (2002).
The research aims to understand and unravel the constituent elements of a gap, a
gap between the academic and administrative, from the change in position of the
professional as a teacher for the professional who takes office management. It is
hoped this work, contribute to important reflections of future legal professionals who
will eventually assume management positions or functions.
Keywords: Education. Coordinating education. Law Course.
LISTA DE SIGLAS
ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
CAPES Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CPC Conceito Preliminar de Curso
CESMAC Centro Universitário Cesmac
CFO Curso de Formação de Oficiais
ENADE Exame Nacional de Desempenho de Estudantes
FAA Faculdade Alagoana de Administração
FADIMA Faculdade de Direito de Maceió/CESMAC
FEJAL Fundação Educacional Jayme de Altavila
INEP Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IES Instituição de Ensino Superior
JECC Juizado Especial Cível e Criminal da capital de São Paulo
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC Ministério da Educação e Cultura
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
NEPE Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
OSPB Organização Social e Política do Brasil
PDI Plano de Desenvolvimento Institucional
PTCC Prática de Trabalho de Conclusão de Curso
PPC Projeto Pedagógico de Cursos
SINAES Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
TCC Trabalho de Conclusão de Curso
TTI Técnico em Transações Imobiliárias
UMSA Universidad Del Museo Social Argentino
UniFMU Faculdades Metropolitanas Unidas
UFAL Universidade Federal de Alagoas
UFPE Universidade Federal de Pernambuco
UNICID Universidade Cidade de São Paulo
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 9
2 OS PRIMEIROS PASSOS ..................................................................................... 12
3 UM ACADÊMICO DE DIREITO ............................................................................. 34
4 UM ADVOGADO E UM PROFESSOR .................................................................. 60
5 UM COORDENADOR DE CURSO ........................................................................ 89
6 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 105
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 107
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa, que tem como procedimento metodológico o Relato de
Experiência, reflete momentos e acontecimentos de uma coordenação pedagógica
do curso de Direito, da Faculdade de Direito de Maceió (FADIMA), do Centro
Universitário Cesmac, no estado de Alagoas.
Trata-se de uma reflexão que se concretiza a partir de uma situação
tipicamente acadêmica, isto é, profissionais contratados por Instituições de Ensino
Superior como professores e que acabam por exercer cargos ou funções de gestão.
O suporte teórico, para tal reflexão, é constituído a partir das obras de
Antônio Nóvoa (1988, 1992) e Christine Josso (2002).
Esta compreensão do processo formativo perpassa o processo de narrar a
própria história e retirar dos fatos narrados a interpretação necessária à tomada de
consciência, na visão freiriana, que sob o aspecto da subjetividade constitui também
método de investigação que leva à autonomia pela apropriação do conhecimento.
A visão humanista e educativa na formação dos professores possibilita que
os sujeitos denunciem todo o tipo de relação injusta, desumana, que caminha em
sentido contrário da vida digna e ao que é bom ao sujeito em constante formação e
transformação.
A tomada de consciência crítica, decorrente do princípio da autonomia, torna
possível que o sujeito em formação tome decisões e seja responsável por elas.
Primeiramente, é necessário compreender o que se entende por Relato de
Experiência como procedimento metodológico. Depois, no desenvolvimento do
relato, evidencia-se que o sujeito da pesquisa é o autor e professor que narra,
porque participou dos momentos e acontecimentos, neste caso, da coordenação
pedagógica de um curso de Direito, talvez o mais importante, por ter sido quem
tomou as decisões. E mais, é ele mesmo quem analisa suas próprias atitudes.
Por intermédio do relato, fica claro que o sujeito em questão tem a
possibilidade de rever e dar sentido à sua própria trajetória profissional e, com isto,
contribuir para a formação de outros profissionais, porque compartilha situações e
tensões vividas.
Da análise e reflexão, levadas a efeito a partir do relato de experiência,
decorre uma tomada de consciência de si mesmo; um desvelar-se que conduz a um
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estado de consciência, no qual o sujeito é capaz de pensar e agir, de reconstruir
conceitos e dar novas configurações ao fazer pedagógico, não somente para a
construção do sujeito que narra a história, mas também para o grupo ao qual
pertence.
Nas Instituições de Ensino Superior (IES) que proporcionam a formação de
seus professores, observa-se que a consequência da qualificação de seus
membros, é o um deslocamento da atividade de ensino para o exercício de cargos
ou funções de gestão.
Em decorrência, instaura-se um distanciamento entre os colegas
professores e aquele que assume cargo ou função de gestão.
O objetivo da narrativa, aqui levada a efeito, é contribuir com todos aqueles
que exercem, ou exercerão, funções pedagógicas. Por isto, torna-se importante
expor todos os caminhos percorridos.
Para esse fim, esta dissertação foi estruturada da seguinte maneira:
Na segunda seção aborda-se os primeiros passos do autor e a narrativa de
suas experiências quando do surgimento pelo interesse em estudar Direito. As
noções de vestibular, grupo de pessoas e sociedade, evolução histórica e cultural do
homem. O conhecimento e reconhecimento do autor como parte integrante de
grupos sociais primários como a família, a escola e a igreja. O interesse do autor
pelas disciplinas escolares cujas questões envolvem ética, altruísmo, imagem de
pessoas que contribuem com a sociedade. Reconhecimento das oportunidades
oferecidas pelo curso de Direito às pessoas que defendem o ideário de sociedade
justa, fraterna e solidária.
Na terceira seção, destaca-se o relato do primeiro contato com o curso
decorrente de um discurso das autoridades acadêmicas sobre a estrutura do curso e
a atuação do profissional do Direito. O contato com as primeiras disciplinas, os
docentes, os colegas e a gestão do curso; com a dinâmica das aulas e sistemas de
avaliação. A percepção acerca do profissionalismo do trabalho docente. O lamento
por não haver no curso atividade acadêmica voltada à pesquisa; as dificuldades
encontradas pelo acadêmico em decorrência do então insipiente aparelhamento dos
recursos pedagógicos. A atuação do autor no estágio extracurricular e a carência do
curso em não ofertar o estágio curricular. Abordagem sobre a atividade vivenciada
na confecção do trabalho de conclusão de curso e sobre a preparação para
enfrentar o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
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Na quarta seção, relata-se a condição de advogado devidamente inscrito na
OAB e a militância na advocacia, bem como o início da atividade docente. A
compreensão de que a atividade agora era profissional nos trouxe alegria e
inquietação em relação à práxis. Admitir que não se tratava de um profissional
acabado, pronto, foi um momento importante para impulsionar a busca por uma
qualificação em outro lugar, em um grande centro como é a cidade de São Paulo.
Há o relato de todas as principais dificuldades encontradas como advogado recém-
formado em busca de espaço em um mercado de trabalho tão competitivo. É
narrada a experiência vivida na condição de acadêmico de uma pós-graduação lato
sensu e aluno de cursinho preparatório para concursos. Nisso, situações de
inquietação e dúvida quanto ao futuro profissional são expostas. O retorno à Maceió
e o convite para atuar como professor itinerante apontam novas experiências. A
abertura de um escritório jurídico e as primeiras atuações após o retorno à cidade
natal. Atuação na Procuradoria Geral do Estado de Alagoas em cargo comissionado.
A construção da identidade profissional como advogado e docente. A experiência de
ter trabalhado no núcleo de ensino, pesquisa e extensão da IES CESMAC e a
passagem à condição de professor titular de uma disciplina. A participação em
seleção para ingresso em outra IES, aprovação e atuação. O envolvimento e
encantamento na atividade de professor e as primeiras decepções com a atividade
docente. A busca de qualificação profissional por meio de programas de doutorado
na Argentina – frustrado pelo não reconhecimento no Estado brasileiro dos títulos
obtidos em tal modelo de programas de pós-graduação stricto sensu.
Na quinta seção, relata-se os passos percorridos para a formação de
umaidentidade profissional na atuação em função pedagógica. Os grandes desafios
enfrentados e as atribuições do cargo.
Por fim, a sexta seção traz as conclusões deste longo percurso, que ora
começa a ser relatado.
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2 OS PRIMEIROS PASSOS
Meu interesse pelo estudo do Direito teve início quando cursava o antigo
ginasial no Colégio Santíssimo Sacramento em Maceió, cidade onde nasci e vivo até
os dias atuais. Colégio que pertencia a uma Congregação de Religiosas Católicas.
Naquela escola, adquiri minhas primeiras lições fora do ambiente familiar.
Por conta da metodologia de ensino e da abordagem da educação sempre
voltada à religiosidade, no amor ao próximo, passei a receber orientação de que o
ser humano não pode e não deve esquecer que, muito mais do que precisar dos
outros para a consecução de seus fins e necessidades básicas, deveria acreditar
que respeitando aos ensinamentos bíblicos a comunidade alcançaria a almejada paz
social.
A sociedade teve seu nascimento da necessidade que os grupos de
pessoas, inicialmente formados pela família/parentesco, tinham de se reunir para
garantir sua sobrevivência. Reunião com o propósito de, por meio da união de
forças, talentos naturais e atividades cotidianas, tornar-se mais proveitosa às
necessidades do grupo.
Reconheço que desde a origem dos grupos sociais (primeiramente a família)
é feita uma divisão de atribuições conforme se descobre algum talento natural para
alguma atividade necessária ao grupo. Alguns desenvolvem habilidades para defesa
contra ofensas provenientes de animais selvagens, outros grupos ou dentro do
próprio grupo mantendo a ordem. Outras habilidades como a caça, a pesca, o
preparo dos alimentos, a confecção de vestuário são descobertas que nascem com
o convívio entre os pares.
Desta feita, não podemos prescindir da vida em sociedade. E como a família
é o primeiro grupo social que temos, recebemos ou herdamos dela também a
orientação religiosa inicial. Com a convivência, muitas vezes passamos a entender
a correção dos atos praticados pelos nossos pais e parentes. Na escola que estudei,
também recebi orientação religiosa dos docentes.
Para o cristianismo, o ser superior é Deus. Superior em vários aspectos: seja
porque esse ser é responsável pela nossa própria existência (criação do mundo que
nos cerca), seja porque a ideia de agir contrário às suas orientações desencadeará
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um descontentamento desse ser divino que pode tudo, inclusive castigar aqueles
que se insurgem aos seus ensinamentos.
No livro de Gêneses do antigo testamento, a Bíblia descreve a criação e o
pecado original em que o homem desobedece ao seu Criador, por conta disso e por
ter feito a escolha equivocada é castigado/penalizado. Em suma, o castigo por uma
escolha que não agradava a Deus.
Lembro-me muito bem das aulas de religião que nesse colégio eram
frequentes e ministradas tanto pelas Irmãs denominadas Sacramentinas (por serem
do colégio Santíssimo Sacramento) quanto por docentes. Muitos desses docentes
haviam obtido formação religiosa e filosófica no seminário de Maceió.
As aulas eram ministradas em sala de aula ou na Capela do Colégio. O
colégio Santíssimo Sacramento, instituição católica de ensino partícula, é dirigido
pelas freiras da congregação fundada pelo padre francês Pierre Vigne.
Com frequência, fui orientado de que devia seguir regras básicas para o bom
convívio dos homens. Uma das primeiras regras que tive conhecimento foi respeitar
a fila indiana. Trata-se de um colégio tradicional no estado e considerado rígido em
sua forma de exigir dos alunos um bom rendimento escolar. Ao tempo, os alunos
egressos tinham bom índice de aprovação nos vestibulares e concursos públicos por
conta da dinâmica que conduziam seus trabalhos.
Na atualidade, não mais possui um número elevado de alunos. Acredito que
fruto de uma nova perspectiva de ensino e aprendizagem que rompeu com alguns
modelos definidos como tradicionalistas. Fato é que, ao tempo em que estudava a 7ª
série, no turno matutino, a escola tinha até a turma “f” e funcionava em dois turnos.
Hoje, só existe em funcionamento o turno matutino.
É fato que as escolas tidas como religiosas perderam, no estado de Alagoas,
espaço para aquelas em que o foco é o resultado obtido no vestibular, fruto da
utilização de tecnologias, ferramentas que contribuem, quando bem utilizadas por
profissionais habilitados, para a assimilação e compreensão do conteúdo ministrado.
As escolas que não inovaram, não buscaram a utilização de novas técnicas
pedagógicas, ferramentas e estrutura física que permitissem que o aluno ficasse
mais tempo na escola, participando de atividades acadêmicas e desportistas, foram,
aos poucos, perdendo a preferência dos pais e dos alunos e, consequentemente,
espaço no mercado.
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Atualmente, percebo que os valores são outros. A presença dos pais na vida
educativa – formação de seus filhos – limita-se, muitas vezes, a encontros em finais
de semana. Hoje, a criança e o jovem de classe média estão sempre fazendo
alguma atividade além do horário que está em sala de aula. Cursos de línguas,
informática, esportes, aulas de reforço etc.
Por conta dessas atividades constantes, crianças e jovens não convivem e
muito menos dialogam com frequência com os pais. A cultura deixa de ser algo
presente na formação dos jovens. As informações surgem por vários veículos à
disposição, sem uma seletividade necessária a uma boa formação ética, moral e
religiosa.
Em minha formação inicial, fui orientado que se os dez mandamentos que
Deus deixou a Moisés fossem mais reconhecidos e respeitados pelos povos
teríamos a tão almejada pacificação social. O problema é que diante de tudo que
nos foi concedido por Deus, segundo o cristianismo, o livre arbítrio coloca nossas
atitudes numa balança. Balança que é um dos símbolos da Justiça.
Naquele momento tão importante para a minha formação como pessoa,
tanto em casa como na escola, deparava-me com o paradoxo entre o que desejava
fazer e o que era ético fazer. O que era bom, justo e o que era pecado. O que traria
frutos positivos e o que me levaria à ruína em todos os seus aspectos, ou seja, o
ponto de partida para uma formação proveitosa dependeria do meio em que eu vivia
e das minhas escolhas.
Meus pais tiveram grande participação nesse momento de minha vida
dizendo o que poderia, deveria ou não fazer. Quanto a isso jamais poderei me
queixar de seus ensinamentos. Sempre ouvi meu pai e mãe dizerem “não minta para
mim”, “não pegue o que é dos outros”, “respeite os mais velhos”, “obedeça a tia da
escola”, “seja um homem de bem” etc.
Na escola, percebi nas aulas ministradas de História (tanto História geral
quanto do Brasil) a razão de tanto desamor entre os homens, tantos conflitos,
riqueza e poder. As primeiras formas de convívio entre seres humanos, desde o
homem das cavernas, passando pela noção de grupos, sociedade, Estado, até a
formação das grandes civilizações, impérios, nações, lutas, batalhas, conquistas,
perdas, massacres, genocídios, injustiças, punições e os grandes personagens de
que a História tem registro.
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Conforme assimilava aquilo que os docentes no ensino fundamental e médio
ministravam compreendi melhor os fatos históricos. Dentre as disciplinas preferidas
estavam História geral, História do Brasil, Geografia, Literatura e OSPB.
O detalhamento feito no estudo do império romano por conta do tempo em
que Jesus conviveu com os homens, já que estudava em uma escola católica
(desde a busca pelos romanos com o propósito de ceifar sua vida, ainda recém-
nascido – momento em que várias crianças foram sacrificadas – somente por
nascerem no mesmo dia de Jesus) até a perseguição por sua pregação e
condenação e sacrifício, trazia-me uma curiosidade e inquietação atinente à
legislação existente. Como o Estado havia de não proteger alguém que não
cometera nenhum tipo de crime.
Como pode alguém concentrar tanto poder sobre os outros em nome de
suposta superioridade? Em muitos episódios da história desde a antiguidade, existia
a concentração de poder em uma pessoa em nome de uma superioridade oriunda
de uma dita divindade.
Não mais se detinha o poder pela força física ou capacidade de organizar
pessoas para empreender conquistas ou proteção quanto a invasores bárbaros, mas
por reconhecerem e concederem às autoridades constituídas uma ideia de
concentração de poder por conta da vontade política de uma classe elitizada.
No estudo da história, percebi que sempre esteve presente o domínio e a
supremacia de uma pessoa ou de um pequeno grupo sobre a grande parte da
coletividade. Essas pessoas mantinham uma estrutura política composta por sujeitos
que editavam as normas de convívio e aplicavam-na.
Faziam parte, ainda, dessa classe de elite ou casta, um ou alguns
representante(s) do que se intitulavam/entendiam por divino, bem como também
aqueles que detinham o capital e os ditos saberes.
O fato é que todas aquelas informações me aproximavam da ideia de justiça.
Do que era correto e justo. A aplicação e interpretação daquelas normas sociais em
favor dos menos favorecidos seria uma baliza na busca do equilíbrio social. Na
idade média, a Igreja teve papel importante na formação daquele modelo
econômico, os feudos, os senhores feudais, o modo de produção agrícola, as
corporações.
Posteriormente, com a criação das universidades para atender às
necessidades de formação intelectual de seus próprios membros e formação dos
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filhos daqueles que possuíam bens (como no caso dos comerciantes), a ciência e a
religião começaram a dividir o mesmo espaço, com as devidas proporções à época.
Nesse momento histórico da humanidade, relevante para mim fora o
conhecimento sobre a figura do mestre, companheiro, e do aprendiz. O mestre como
aquele que ensinava uma arte ou ofício e contribuía para a formação do futuro pai
de família mantenedor de um lar. Ofício exercido pelo resto da vida do aprendiz
quando da sua formação. Essa transmissão do conhecimento, na prática foi um
diferencial para mim, mesmo no alto da minha inicial formação e imaturidade.
Imaginava que devia aprender um ofício que trouxesse prazer em realizá-lo,
pois exerceria aquela função para o resto da vida. Comecei também a valorizar e
despertar meu interesse na atividade desenvolvida pelo professor percebendo sua
importância em uma sociedade politicamente organizada. Ator social presente e em
grande número dentre meus familiares. Mais adiante irei relatar sobre esse fato.
Este modo de pensar no futuro com um forte pragmatismo, teve profunda
intervenção de meu pai. Sempre colocava à mostra as possibilidades e modalidades
de trabalho a ser desenvolvidos pelo homem e como poderia chegar àquela
possibilidade/aptidão para a prática de tal ofício que, segundo sua orientação, traria
ou não vantagens ou respeitabilidade social. Fez questão de dizer que transmitia
toda aquela orientação por não ter tido dos familiares uma orientação mais precisa
quanto ao futuro dele.
Não posso deixar de considerar que obtive orientação de meus pais de que
deveria fazer aquilo que me trouxesse satisfação e realização pessoal. Não
obstante, sem deixar de lado que de nada adiantaria fazer o que se gosta, que traz
realização se a contraprestação – remuneração pela atividade desenvolvida –
estivesse aquém das necessidades básicas para uma vida digna.
Meu pai tornou-se militar à época, pois, segundo relato seu, via ali uma
possibilidade de se manter, viver dignamente, ter respeitabilidade social e uma
velhice tranquila, assim como ocorrera com meu avô e meus tios mais velhos que
ele.
A partir de então, passei a pensar no que eu poderia ser no futuro como
trabalhador. Todavia, conforme orientação de meu pai, a atividade a ser
desempenhada estaria intimamente ligada à remuneração percebida pelo sujeito
profissional. Ser militar seria um desdobramento considerado natural.
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Neto, sobrinho e filho de oficiais da PM, que tinham ali a principal fonte de
renda e atividade, poderia ser um fator importante para minha escolha. Ressalto que
na minha infância vivi cercado de colegas de meu pai também militares. Meus
colegas eram em sua maioria filhos de militares. Vizinho a casa de meu pai existia
um ginásio da Polícia Militar e estava a duas ruas de um quartel – batalhão da PM,
ou seja, tudo ao redor conspirava para aquela atividade.
Forte influência do militarismo em minha vida. Por sorte, o legado foi o que
de bom existia e existe no militarismo: respeito, companheirismo, postura tida
convencional e aceitável, dentre outras qualidades comuns aos bons militares.
A influência de meu pai para que eu escolhesse aquele caminho
(militarismo) era grande. Não foi o bastante, inclusive me trouxe certo desconforto.
Acredito que estava cansado daquele meio. Morava próximo ao quartel, ouvia o
toque de alvorada diariamente, vizinhos na sua maioria eram militares ou filhos de
militares.
No entanto confesso, não foi esse o motivo de não querer ser um militar.
Inclusive cheguei a fazer um concurso vestibular na Universidade Federal de
Alagoas (UFAL), em janeiro de 1997, para o Curso de Formação de Oficiais (CFO),
no qual obtive aprovação na primeira fase.
Contribuiu para minha escolha profissional o fato de acompanhar meu pai
nas solenidades em que ele participava, visto que chegou ao posto de comandante
geral. Deparei-me com a figura de autoridades não militares, a saber: políticos,
promotores de justiça, juízes, delegados.
Meu pai sempre explicou quais as atribuições desses sujeitos na sociedade.
Em decorrência de uma dessas solenidades fui apresentado a um delegado de
polícia. Como de costume, meu pai explicara “olhe meu filho esse cidadão prende
ladrões igual ao seu pai”. No mesmo instante questionei: “e qual o motivo dele não
usar farda?” A partir da informação prestada de que se tratava de um policial civil,
portanto, não militar, passei ainda mais a dar atenção a essas autoridades não
militares.
Por acompanhar meu pai sempre que podia nos eventos, estive em
algumas cidades no interior de Alagoas quando das eleições. Fui apresentado a
uma amiga de meu pai que era juíza eleitoral – profissional de uma respeitabilidade
naqueles lugares, atual colega docente da IES onde ministro aulas.
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Intrigante foi presenciar, mesmo no final dos anos 1980, uma mulher sendo
a autoridade local – era algo incomum ou não recorrente no nordeste do país. Que
uma mulher mandasse um policial, militar ou não, prender alguém ou conduzir os
trabalhos de fiscalização em uma eleição municipal era surreal para mim e para
muitos leigos naquele momento.
Certa vez, ainda na cidade de Flexeiras/AL, lugar onde minha mãe nasceu –
em visita a minha avó materna, que lá habita – assisti a um júri popular. O clamor
era grande por justiça. O clima era tenso na cidade. Dois amigos pertencentes a
famílias tradicionais da cidade haviam ingerido bebida alcoólica em demasia e
discutido em um bar. Resultado, um sacou uma arma e atirou no outro por conta de
uma partida de dominó.
Ao assistir ao júri, encantei-me com a atividade daqueles profissionais:
advogados, promotor, juiz e autoridades presentes. Era um misto de curiosidade e
admiração. Eu quis saber o que aqueles profissionais faziam e conheciam
tecnicamente; quais competências e habilidades possuíam. Para o exercício de
qualquer uma daquelas profissões tive o aval de meu pai, fator relevante e
importante para minha decisão.
Interessante ainda em minha escolha profissional foi o encanto pelas
ciências humanas e desencanto pelas ciências exatas e biológicas naquele
momento de minha vida. Contribuiu esse fator para a ratificação e opção posterior.
Tanto era verdade que encontrei uma dificuldade tremenda, não em aprender o
conteúdo dessas disciplinas, mas de encontrar um significado, uma razão para
estudar aquelas disciplinas.
Os estudos de Matemática e Química Orgânica para mim eram penosos.
Acredito que, assim como contribuiu positivamente a forma como os docentes das
disciplinas de humanas conduziam as aulas, negativamente interferiu em meu
aprendizado o modo que alguns docentes conduziam seus conteúdos.
A meu ver, tamanha interferência repercutiu em minha reprovação na 7ª e
8ª series. Com aulas particulares de matemática aprendi com muito mais facilidade
do que com os docentes do colégio, mas não havia mais tempo para estudar todo o
conteúdo, o tempo perdido resultou, por duas vezes, em reprovação.
Meus pais começaram a compreender, mesmo tardiamente, que o problema
não era somente meu, mas, sobretudo, no modo que os docentes lecionavam.
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Como resultado, tive um atraso de dois anos e posterior transferência para
outro colégio com mesmo nível de exigência, contudo, com uma nova pedagogia,
um novo modelo de conduzir o processo de ensino e aprendizagem que trouxe para
mim um melhora significativa no rendimento de todas as matérias, inclusive nas
disciplinas que possuía maior dificuldade em aprender seus conteúdos.
Creio que esses fatores negativos da escola em que estudei, ao longo do
tempo, podem ter contribuído para a perda de alunos para outras instituições de
ensino.
Lamentei muito por não ter tido a oportunidade de estudar (principalmente
Matemática, Química, Física) com professores que tentavam buscar a aprendizagem
do aluno. A reprovação era grande nessas matérias, pois concebiam a ideia de que
docentes mais experientes e rígidos possibilitariam um melhor resultado nos
vestibulares. A estratégia era exercer uma cobrança acentuada nos alunos em
relação ao aproveitamento de estudo, leia-se resultado considerado bom nas
avaliações.
Não posso asseverar que era por conta dessa forte pressão que os alunos
da escola tinham bom índice de aprovação nos vestibulares. Acredito que o fator
determinante era o fato de que muitos alunos, desde o início, tinham oportunidade
de ter acesso a aulas particulares. A aula particular, ou a também denominada aula
de reforço, era uma regra para quem podia pagar. No meu caso tive uma professora
particular em casa, mas não dessas matérias.
Nesse momento, abro um trecho para falar um pouco sobre isso. Minha mãe
era professora do ensino fundamental. Não só ela, minha avó materna, tios e tias
maternos e um tia e tio paternos eram e ainda são professores, nas mais diversas
áreas, em grande parte, professores da rede estadual de ensino. Fato esse que me
enche de orgulho.
Por vezes, acompanhei minha mãe em seu trabalho, fazendo minha tarefa
de casa nas carteiras da escola. Era uma turma de alfabetização de adultos.
Deparava-me com pessoas que não tiveram a oportunidade de estudar quando
criança, em razão de algum motivo, na maioria dos casos, por ter que trabalhar
quando criança devido à necessidade econômica.
A atenção e a preocupação de minha mãe com seus alunos, para que
pudessem crescer e render nos estudos, fizeram-me perceber que a aprendizagem
deve sim ter método e finalidade, contudo, sem deixar de lado a questão da
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humanização, percebendo que o aluno é um ser complexo e diferente uns dos
outros.
Quando na 8ª série, deparei com uma disciplina que tinha por nome
Educação moral e cívica – junto à História Geral e História do Brasil – dentre as
matérias que me despertavam interesse como Literatura e Geografia, essa era uma
das mais contundentes. Lá obtive as primeiras lições do que vinha a ser cidadania,
política, governo, povo, sociedade politicamente organizada, moral, ética dentre
outros temas que guardam similitude com os temas relacionados ao Direito.
Tive conhecimento do que aduz a Teoria do Contrato Social do suíço Jean-
Jacques Rousseau que revela o nascimento da sociedade e do Direito em uma
perspectiva moderna, pautada na ideia da necessidade de se implantar um conjunto
de regras (normas) reguladoras das relações sociais e de se conferir autoridade a
um governante ou grupo para impô-las.
Lembro-me ainda hoje das aulas do professor Cleber, pessoa culta, postura
elegante, formal e com uma eloquência digna de bons oradores. Em uma de suas
aulas na sala de vídeo, apresentou um filme sobre a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (Assembleia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de
1948).
Marcou bastante saber que existira forte discriminação quanto ao credo, à
cor, classe social, às regiões no Brasil. Que nas relações laborais existia, e ainda
existe em pleno século XXI, trabalho escravo no Brasil, não somente no norte e
nordeste do país.
Mais tarde, no 2º ano científico, precisamente, comecei a ser indagado
quanto à minha pretensão de carreira. Agora em outro colégio, Santa Úrsula, foi
proposto um teste vocacional. Intrigante foi descobrir que dentre os resultados
obtidos, tendo em vista que fiz mais de um desses testes, estavam: bombeiro;
profissional que iria atuar no campo do direito; e, o mais interessante de tudo, a
possibilidade de ser professor.
Naquele momento, confesso que realmente importava, trazia deslumbre a
boa remuneração, notoriedade e respeitabilidade de juízes, promotores, advogados
e delegados. Ter um bom salário ainda jovem traria uma série de benefícios como
independência, aquisição de bens como carros, motocicletas, imóveis, boa
vestimenta, divertimento, viagens etc.
21
Tenho lembrança, em 1995, aos 18 anos de idade, ainda no 2º ano
científico, ter sido apresentado por um colega a um amigo dele que, três anos mais
velho, costumava sair conosco nas noites de sábado, e com 21 anos de idade já
havia sido aprovado em concurso público para membro do Ministério Público
Estadual, como Promotor de Justiça, em Alagoas.
Aos vinte e dois 22 anos ele já havia sido nomeado. O meu colega disse “há
mais de dois anos esse amigo vem estudado muitas horas por dia”, por isso tão
rapidamente foi aprovado naquele concurso. Naquele momento, associei ao segredo
para o sucesso muito estudo e dedicação, e que aquela realidade poderia ser a
minha. Iria depender somente do meu esforço e dedicação.
No ano seguinte, em 1996, conheci um casal que foi muito importante para
que eu compreendesse com mais detalhes a atuação do delegado e do advogado.
Eram donos do cursinho preparatório vestibular que eu fazia. Além disso, em
momento posterior, passaram a ser os meus sogros – pais da namorada que tive por
quatro anos e meio – ele, delegado federal aposentado por invalidez precocemente
por conta de um acidente de carro em uma diligência, advogando na ceara criminal;
ela, advogada militante no campo do direito de família.
Passei, efetivamente, a conviver com profissionais dedicados, humanos,
muito competentes e com larga experiência. A atuação profissional ética na
advocacia e na gestão do cursinho trouxe resultados positivos em suas vidas,
traduzido por via de consequência em boa remuneração e condição de vida
condigna. O cursinho pré-vestibular era muito conceituado nos anos em que existiu.
Prestei vestibular para o ingresso na Faculdade de Direito de Maceió, a
então FADIMA, onde fui reprovado, mesmo obtendo oitenta por cento de
aproveitamento na prova.
A faculdade onde gostaria de estudar tinha política de ensino pautada no
ideário de seu fundador o Padre Teófanes Augusto de Araújo Barros (membro da
Academia Alagoana de Letras e do Instituto Histórico de Alagoas).
Pessoa que dedicou toda sua vida ao ideal, “educar para elevar”. Conferindo
oportunidade para as pessoas que trabalhavam durante o dia e não tinham como
estudar na Universidade Federal de Alagoas devido ao horário, fazer um curso
superior no turno da noite, contribuindo significativamente com a formação dos
alagoanos.
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Contudo, naquele momento a concorrência era grande. Era a única
faculdade particular que oferecia o curso de Direito no estado e o vestibular da
Universidade Federal de Alagoas era anual. À época foi uma decepção para mim e
para minha família não ter sido aprovado. Toda a preparação em cursos de matérias
isoladas (Português, História, Geografia, Inglês) não foi o suficiente.
A concorrência era enorme por vaga no curso de Direito, justificada pelo
imenso leque de possibilidades de atuação profissional que o curso ainda hoje
oferece. Ressalte-se que, na mesma época, prestei concurso vestibular (UFAL) para
o Curso de Formação de Oficiais (CFO) com uma concorrência enorme também (20
vagas somente) concorrência equivalente ao curso de Medicina. Fui aprovado na
primeira fase e reprovado na segunda. Neste caso, a decepção de meu pai foi ainda
maior.
No ano de 1997, continuei estudando no mesmo cursinho preparatório para
vestibular pertencente aos pais de minha namorada. Admirava a atuação daqueles
professores de cursinho como também seus gestores.
Interessante e diferente a forma que os docentes ministravam o conteúdo. A
equipe de docentes era, na sua maioria, composta pelos melhores docentes dos
colégios do estado de Alagoas. As aulas eram bem agradáveis.
A meu ver, os professores tinham maior preocupação de se fazerem
compreender. E, penso eu, mais motivados por terem uma melhor remuneração do
que a recebida nos colégios. Muitos eram considerados estrelas – festejados onde
passavam.
No intervalo, conversava com eles na sala dos professores, pois tinha livre
acesso. Muitos além da atuação como docente em cursinho eram professores
universitários, engenheiros, biólogos, historiadores, escritores, médicos. Observava
os bastidores; o que acontecia dentro e fora da sala de aula. A atividade dos
coordenadores pedagógicos sempre presentes. Os psicólogos contratados que
atuavam coletivamente através de palestras ou individualmente em uma sala
designada para esse fim.
A admiração também se fez presente em relação àqueles profissionais, por
serem pessoas simples, abertas e envolvidas com o trabalho. Presenciei o trabalho
desenvolvido na secretaria do curso, cumulando a função de tesouraria, entregando
os módulos. Coordenação pedagógica cuidando da organização dos horários,
ausência de docentes, remuneração, percebi como todo aquele trabalho era
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dinâmico. Tive interesse em poder também ser um dia um daqueles professores
qualificados e bem sucedidos.
No início do ano de 1998, por orientação de meus pais, prestei vestibular
para outro curso, escolhi o curso de Ciências Contábeis, influência de minha irmã
que é contadora, fui aprovado. Fiz um curso de Técnico em Transações Imobiliárias
(TTI), passei a trabalhar como corretor de imóveis e estudar no turno da noite.
Como imaginava, no início não me identifiquei com as disciplinas. Gostei do
ambiente acadêmico, mas não foi o suficiente para prosseguir com os estudos.
Cursei um semestre e tranquei minha matrícula desistindo em seguida da
corretagem de imóveis. Importante frisar que a experiência profissional como
corretor de imóveis me levou a conhecer todo procedimento formal para a alienação,
transmissão, permuta de bens em geral e não somente imóveis.
Naquele momento, senti que gostava daquele formalismo documental e
instrumental. Compreendi que um cartório não só serviria para eu abrir uma firma ou
reconhecer um documento. Também compreendi que uma simples proposta
formalizada por um interessado poderia trazer uma repercussão patrimonial
significativa, caso desistisse da aquisição imotivadamente, uma vez que já haveria
concordância do alienante. Trouxe-me curiosidade a informação de que o locatário
de imóvel tem preferência na aquisição do bem colocado à venda.
Dentre outras questões que suscitavam inquietações, pois não tinha comigo
o conhecimento técnico jurídico necessário, estavam: ações reivindicatórias de
imóveis, revisionais de alugueis, embargos de obras, ponto comercial, títulos de
crédito, inventário, divórcio etc.
Impressionante a quantidade de pessoas que atendi como corretor para a
alienação e posterior aquisição de bens móveis e imóveis por conta de separações
judiciais e divórcios. Certa vez, buscando tornar mais célere o procedimento,
coloquei-me à disposição para digitar o acervo de bens que existia em um
estabelecimento comercial (loja de artigos esportivos) pertencente a um casal que
estava naquele momento vendendo para aquisição de outros.
Não imaginava que naquele momento estava inventariando parte dos bens
pertencentes àquele casal em processo de ruptura da sociedade conjugal. Percebi
naquele instante a postura e importância dos advogados de ambas as partes quanto
à proteção dos interesses de seus respectivos clientes. A todo o momento intervindo
e discutindo não só o acervo de bens, mas, sobretudo, o modo como seria
24
convertido todo aquele estoque, móveis, equipamentos em bens diversos. Liquidez
era a palavra de ordem.
Não sabia que tudo aquilo que me trazia satisfação em observar seria objeto
de estudo do Direito Civil, Direito Comercial.
Iniciei a atividade de vendedor de carros sem fazer qualquer cursinho
preparatório. Fui convidado por um amigo que trabalhava como corretor de imóveis
em uma equipe distinta da que trabalhava. Este acabou recebendo posteriormente
um convite para ser gerente de uma agência de veículos de alto padrão. Estava
montando uma equipe (pequena, porém dinâmica). Como corretor de imóveis
sempre busquei atender com muita atenção, dedicação e empenho aos clientes.
A clientela no ramo imobiliário é mais exigente e escassa. Isso é
compreensível já que estamos diante de pessoas que estão buscando um local para
viver e receber a família e amigos e pelo número elevado de corretores no mercado
imobiliário alagoano que, ao tempo, não era aquecido como hoje.
Trata-se, também, de que o imóvel é um bem com um valor econômico
significativo. Há quem trabalhe a vida inteira para juntar o valor suficiente para
adquirir tal bem ou ao menos o sinal para financiamento de um imóvel.
Como vendedor de carros (não populares) estive sempre em contato com
clientes de poder aquisitivo alto e autoridades locais. Dentre eles, comerciantes,
empresários, advogados de renome, desembargadores, delegados de polícia,
juízes, promotores de justiça. Não esquecendo, entretanto, das autoridades políticas
e religiosas.
Passei oito meses nessa agência de veículos a trabalhar de segunda a
sábado (eventualmente aos domingos), das 8:00h às 19:30h. Gostava muito de
atender às pessoas das mais variadas áreas de atuação no mercado de trabalho.
Interagir com pessoas sempre foi algo que me trouxe satisfação.
Principalmente sobre assuntos com os quais eu acreditava que tinha domínio e
interesse. Indagava frequentemente as autoridades (que trabalhavam com o direito)
em que local e setor trabalhavam, se gostavam do que faziam, por quanto tempo
desenvolviam aquele oficio.
Na maioria das vezes, os clientes eram muito solícitos e gostavam de me
incentivar em meu desiderato. Quando indagados por mim, na maioria dos casos, as
respostas advinham no sentido de que eram pessoas realizadas profissionalmente,
25
que gostavam do que faziam. Acreditei que muitas respostas tinham em seu
contexto um ar de constância e consistência com a realidade.
A satisfação de poder ajudar as pessoas que buscavam orientação e apoio
era um fator importante na realização pessoal daqueles que eram interrogados.
Identificava-me, e ainda hoje me identifico, com esse propósito de ajudar ao
próximo. Sentir-se útil e potente diante das adversidades da vida é algo que acaricia
o ego e o coração. O ideário de justiça distributiva era outro ponto recorrente. “Dar a
cada um o que é seu”.
À época convivi com o preenchimento de cadastros para obtenção de linhas
de créditos nos bancos. Muitos financiavam os veículos para diversos fins. Para uso
particular ou para trabalho. Os contratos bancários ficavam sempre conosco para
que os clientes assinassem quando aprovado o crédito. Por vezes, lia os contratos.
Sentia um forte interesse por conhecer o conteúdo daquelas cláusulas,
principalmente, quando fazia a leitura das cláusulas “inadimplemento”, “busca e
apreensão do veículo”, “mora”.
Certo dia, na venda de uma caminhonete, preenchi o recibo do valor do
sinal. Existia um bloquinho de recibo timbrado que, dentre outras informações,
mencionava que aquele valor representava arras penitenciais. Até então não
conhecia tal figura legal.
Conheci na prática tal instituto. Poucos dias depois, o cliente retornara para
trazer o restante do valor para pagar o veículo, conforme acordado com o dono da
loja, disse-nos que não poderia mais ficar com o carro alegando se tratar não de
problema com o veículo, mas pessoal.
O dono da loja recebeu o carro de volta, mas informou de pronto que o valor
dado a título de arras penitenciais não seria devolvido. O adquirente perderia o valor
do sinal. Soube que quando as arras ou sinal são dados nessa modalidade, se quem
desistir da compra for o adquirente ele perderá o sinal dado. Se quem desistir for o
vendedor/alienante ele terá de restituir o valor recebido em dobro. O termo
penitencia significa sanção ajustada para recair sobre aquele que não cumprir o que
fora acordado.
Naquele instante percebi a indignação do cliente que ficou muito irritado.
Afinal de contas, ninguém deseja perder R$ 10.000,00 (dez mil reais) em poucos
dias. Ele aguardou o dono da loja chegar para discutir àquela sanção. Resultado,
não aceitando a explicação do proprietário, informou que iria ao PROCON.
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Lembrei-me do programa Aqui e Agora (década de 1990, exibido no canal
SBT), em que Celso Russomano, hoje político, era repórter e denunciava as
empresas que desrespeitavam o consumidor. Buscava também o citado repórter
resolver o problema conciliando os interesses conflitantes. Gostava muito de assistir
o programa. Tinha o seguinte bordão quando do término da matéria “se está bom
para ambas as partes, Celso Russomano aqui e agora”.
Comecei a me deparar com questões atinentes às relações de consumo.
Não raramente atendia aos clientes que procuravam a loja e diziam que o produto
adquirido apresentava algum defeito que tornava o uso do bem impossível ou
limitado. Discutiam-se muito sobre garantia, reparos etc. Sempre busquei interceder
em prol da resolução de problemas em que eu podia ajudar.
Ainda sobre relação de consumo, recebi na sala da loja em que trabalhava
um gerente de financiamento. Ele passava lá com frequência, dada a quantidade de
veículos que eram financiados, mas nunca havíamos conversado com calma. Com
o propósito de incentivar-me a oferecer financiamento de veículos, disse-me que as
tabelas que usávamos tinham conforme a taxa de juros uma escala de “retorno”.
Esse retorno traria uma comissão para nós vendedores. Ia de 0 a 10. Quanto maior
a tabela, 10, por exemplo, maior comissão receberíamos.
O detalhe é que a nossa comissão mais “gorda” dependia da exploração do
cliente. Explico: se usando a tabela 0 o valor da parcela fixa seria de 60 meses de
R$ 815,00 (oitocentos e quinze reais), na tabela 10 o valor passaria para 60 meses
de R$ 852,00 (oitocentos e cinquenta de dois reais), gerando um aumento de R$
37,00 (trinta e sete reais na parcela) e R$ 2.220,00 (dois mil duzentos e vinte reais)
de acréscimo. Ao lesar o consumidor mediante a utilização da tabela maior,
receberíamos, em decorrência disso, o valor de mais ou menos R$ 380,00
(trezentos e oitenta reais) a título de comissão.
Não me conformei com aquilo. Já não bastava o cliente pagar os juros altos,
ainda hoje aplicados, tinha que pagar a mais por conta de uma comissão concedida
ao vendedor! Infelizmente, hoje, essa é uma prática recorrente.
Preferia garantir a venda mostrando que aquele valor da parcela não tinha
“retorno” para mim. Muitos dos clientes desconheciam a prática e agradeciam por
terem recebido a informação e sentiam-se confortados por não estarem sendo
lesados na ocasião.
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Outro caso interessante para mim, foi quando vendi um carro de um cliente e
sua ex-cônjuge veio à nossa procura para saber a quem e por quanto havia sido
vendido o carro. A informação era para que ela pudesse levar o fato ao juiz no
processo de separação litigiosa em curso em uma das varas de família de Maceió.
Alegou à senhora que o carro tinha sido adquirido com recursos oriundos do
trabalho de ambos. E que não era justo ter trabalhado tanto para comprar e somente
por estar o bem registrado no nome do marido ela não tinha ficado com sua parte.
O marido dela à época buscou utilizar-se de um expediente ardiloso que foi
a simulação de venda do carro a um desconhecido que, na verdade, era um velho
amigo. Somente para afastar do rateio o bem adquirido a título oneroso na
constância da sociedade conjugal. A batalha daquela senhora foi grande segundo
relato seu. Disse-me que o marido tinha abandonado o lar em que residiam sem
arcar com o rateio das despesas. Ela, trabalhando em dois turnos e sem condições,
de pagar sozinha: condomínio, feira, escola, transporte, vestuário, lazer e plano de
saúde dos três filhos menores. Chegou a chorar diante de mim e dos colegas que
trabalhavam comigo na loja.
Fiquei bastante sensibilizado com aquela situação. Nem o apartamento em
que residiam estava pago. Existia um financiamento imobiliário que ela também não
tinha condições de honrar o pagamento. Aparentava ter uns quarenta e poucos
anos. Mas apresentava marcas de cansaço e decepção. Questionava os direitos
daquela senhora e seus filhos diante daquela situação.
Por quanto tempo se estenderia aquela situação enquanto o processo não
fosse julgado? O que aquela senhora poderia alegar em juízo e como provaria as
alegações no processo. Que ações poderiam o advogado dela tomar para, naquele
instante, dispor de meios para prover uma vida condigna para seus filhos?
Muitos eram os questionamentos. A curiosidade era enorme. O desejo em
ajudar era concreto. Em contrapartida, flagrante era a má-fé do cônjuge em suas
ações. Como morava com meus pais ao tempo, imaginava como seria meu destino
se aquilo ocorresse com minha família. O que eu poderia fazer materialmente e
psicologicamente para ajudar minha mãe e minhas irmãs?
No final do ano de 1998, voltei a sonhar com a possibilidade de aprovação
no processo seletivo vestibular em Direito e comecei a fazer uma revisão do que
havia estudado antes. Conversava com frequência com os pais de minha então
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namorada, obtendo deles grande incentivo. Acompanhei-os nas idas ao fórum,
presídios e ao escritório.
A ida ao presídio trouxe-me a convicção de que não gostaria de trabalhar
naquele meio, com direito penal. O local não me agradava por uma série de fatores.
A começar pelo odor do local. O mau cheiro era grande, ver pessoas aglutinadas em
uma cela era algo que não me fazia bem. As paredes sujas, a aparência daquelas
pessoas, na maioria pobre e negra, retratavam que algo no aspecto social estava
errado no Brasil. Estive também em um presídio feminino e a realidade também era
de desolação.
Presenciar mulheres, inclusive gestantes, com as mesmas características
dos homens, negros e pobres, cumprindo pena por tráfico de drogas e outros crimes
menos gravosos à sociedade como furto simples trazem ao visitante uma sensação
de impotência diante de questões sociais relevantes, na busca por uma sociedade
mais justa e igualitária.
Não me via empolgado em poder sob a perspectiva de advogado
criminalista retirar da prisão indivíduos potencialmente delinquentes, embora
reconhecesse que a todos deve ser conferido o direito de ser assistido por advogado
habilitado e compromissado.
Por diversas vezes, o casal de advogados citados anteriormente recebiam
clientes, em casa mesmo, com as mais diversificadas questões a serem analisadas
e posteriormente submetidas ao pronunciamento do poder Judiciário. Processos de
separação, divórcio, questão de guarda de filhos, pedido de pensão alimentícia,
exames de DNA, inventários, contratos das mais diversas espécies, habeas corpus,
pedido de liberdade provisória, responsabilidade civil, direito do consumidor, direito
do trabalho etc.
Vi-me muito envolvido com aquelas questões, principalmente por perceber
que pessoas procuravam e procuram a figura do advogado no intento de certificar
seus direitos. Se houver violação ao direito subjetivo e dessa violação acarretar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, o Estado de direito garante ou deve
garantir ao lesado o direito de buscar a tutela dos interesses individuais ou coletivos.
A própria Constituição Federal no título II capítulo I preceitua como direito e garantia
fundamental em seu Art. 5º, inciso XXXV, que a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
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Percebi que o advogado atuava não só para tecnicamente representar seus
clientes em processo judicial, mas também como alguém que tem um papel muito
importante na sociedade através de seu órgão de classe (OAB). Por vezes, assistia
na TV, às entrevistas com o então presidente daquele órgão em Alagoas, hoje
ministro do Tribunal Superior de Justiça, Dr. Humberto Martins, sendo indagado e
falando sobre diversos temas como direitos humanos, prerrogativa dos advogados
etc.
A advogada parecia ser uma psicóloga. Para o enfrentamento das questões
jurídicas necessitava conhecer os fatos, o problema, para buscar uma solução
apaziguadora do conflito – a clientela desabafava – colocava para fora o que estava
sentindo – choravam muitas vezes. A militância nas varas de família e sucessões
era constante e desgastante muita vezes, tendo em vista que o advogado de certa
maneira convive e absorve o sofrimento dos clientes.
Não imaginava naquele momento que o custo da manutenção das despesas
de uma casa era tão significativo. Que se pagava imposto para a transmissão de
propriedade de uma casa recebida em processo de inventário. Que em uma família
existia discussão acerca de quem iria arcar com as despesas de um funeral.
É incrível como dentro de uma família possa ocorrer tanta desavença no
caso de morte de um ente querido, pelo fim da sociedade conjugal, na sua maioria
por apego a bens materiais (questões de natureza eminentemente patrimoniais). As
pessoas rompiam a relação com muito ou pouco tempo de casados. Disso, felizes
daqueles que podiam pagar um profissional para orientá-los, acompanhá-los, assisti-
los em uma lide.
E quem não dispunha de dinheiro para pagar, ou seja, não tinha meios para
ter um profissional habilitado? Onde buscar solução para suas questões?
Certamente já percebia que o Estado teria de dispor de um profissional para as
pessoas carentes de recursos.
As atribuições do defensor público estavam claras no meu entender. Mas
pairava em minha mente a ideia de que esse profissional agiria com mais presteza
se recebesse diretamente do cliente o valor justo de seu trabalho. À época aqui no
estado de Alagoas um defensor público tinha como remuneração um vencimento
baixo frente à quantidade de processos que tinha de atuar e da responsabilidade
social do cargo.
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Hoje, acredito ser duas ou mais vezes o valor que se tinha como
remuneração. Levando-se em conta que muitos dos concursos são objeto de desejo
por conta da remuneração de tais cargos e do regime de trabalho, o interesse em
prestar tão nobre serviço público era menor dentre aqueles que se preparavam para
participarem dos certames.
Reconheci que precisava dedicar mais o meu tempo aos estudos para poder
atingir meu objetivo. E assim eu fiz. Revisava as matérias no horário de trabalho
quando não estava atendendo clientes na loja. De certo, o estudo não era penoso,
mas a vontade era tanta em passar no vestibular que a expectativa gerava um mal
estar emocional repercutindo inclusive em minha forma de agir.
Cheguei a cogitar a possibilidade de prestar vestibular em Aracaju. Naquele
momento de escassez de vagas no estado de Alagoas, era uma saída para os que
não obtinham aprovação no vestibular tentar em outro estado e depois, se
aprovados fossem, cursavam um semestre e depois tentavam transferência para o
CESMAC em Maceió. Os aprovados moravam em repúblicas nas proximidades da
faculdade em Aracaju, ou alugavam apartamento e faziam o rateio dos custos.
Não fiz inscrição e desisti logo daquele expediente, pois não tinha condições
de me manter em outro estado e acredito, não teria apoio financeiro de meus pais
naquele momento para aquela manobra. Muitos conhecidos fizeram o que não fiz e
chegaram a obter aprovação e posterior transferência para o CESMAC.
Para eles, a manobra significou, conforme relatos que fizeram, a experiência
de viver em uma república e um avanço para seguir com os estudos. Agora em uma
faculdade de direito, não mais em um cursinho preparatório para o vestibular.
Perto do fim do ano, o noticiário da TV local ou nacional fazia e ainda faz o
relato da angústia dos estudantes. O estresse gerado pela pressão psicológica
desencadeava comportamentos e posturas distintas da forma normal de
enfrentamento de questões cotidianas.
Percebia e perceberam em mim uma conduta fora do que sempre tive como
postura. Irritava-me com frequência diante de questões simples. Não aceitava certas
brincadeiras vindas dos meus próximos. Brincadeiras comuns, que estavam
inseridas normalmente no contexto de jovens que se reuniam. De início não percebi
que estava passando por aquela alteração comportamental. Mas, com o tempo
percebi que se tratava de uma realidade. Era tido como uma pessoa estressada.
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A divulgação de técnicas para enfrentamento das questões com mais
tranquilidade eram normalmente dispostas em tais noticiários. Psicólogos e
Pedagogos apresentavam dicas tanto para os alunos como para os pais enfrentarem
e agirem diante daquele momento importante para ambos. Isso eu já havia
presenciado, conforme relato anterior, no cursinho pré-vestibular que estudei.
Confesso que achava bonito o texto e naquele momento anterior à decepção
acreditava e confiava que tudo iria dar certo. O fato é que comigo não funcionou.
Acredito que, por não ter tido a oportunidade de fazer uma terapia convencional, o
resultado não foi tão significativo no momento em que prestei a prova.
Senti bastante a iminência do processo vestibular, que era um instante
importante e crucial em minha vida. A possibilidade de reprovação me incomodava.
Nessa época, não estava matriculado em nenhum cursinho preparatório. Já havia
trancado a matrícula no curso de Contabilidade. Em casa, com meus pais, percebia
certo desdém quanto à seleção.
Naquele momento não sabia se se tratava de uma tática deles, deixar a
minha vida em relação a essa questão de lado para não gerar uma pressão ou
desconforto, ou por acreditarem que eu não teria competência para atingir aquele
objetivo. Relato isso por ter ouvido uma vez meu pai me dizer que eu não tinha
condições de “acompanhar” o curso de direito. “É um curso difícil, exige um Q.I que
você não tem”.
Ao tempo existia um fator que, a meu ver, poderia gerar esse desligamento
de mim. Ambos eram acadêmicos do CESMAC. O meu pai já havia feito vestibular
para o curso de direito e passado. Minha mãe cursava história. Para mim era uma
luta. Encontrar com meu pai fazendo as atividades de pesquisa do curso, estudando
para as provas, com colegas de minha idade era algo constrangedor.
Lembro-me que evitava ao máximo ir para casa. Almoçava no trabalho e à
noite quando saía do trabalho ia à casa da namorada.
Quando encontrava com meu pai, ele dizia: “olha você viu que saiu um edital
de tal concurso?”. Não acredito que era para me desmotivar, lembro que o nível
exigido para tais concursos estava aquém do que eu queria fazer em minha vida.
Não desmerecendo tais funções ou cargos públicos, mas eu sabia que tinha
condições de ter um futuro melhor.
32
Acreditava que algum dia eu conseguiria passar. Acreditava na possibilidade
de aprovação apesar da angústia e da ameaça de não obter sucesso. Mas esse dia
precisava chegar o mais rápido possível.
Necessitava daquela conquista. Aguardava ansiosamente por sua chegada
para assim poder viver em paz comigo mesmo. Como disse antes, não havia dúvida
de que era o que eu queria fazer profissionalmente. Seria visto com bons olhos
pelos meus pais, família, amigos, namorada e sua família. O que me fez bem
naquele momento de minha vida foi estar com a mente ocupada com o trabalho.
Estava rodeado de pessoas que também tinham problemas, aspirações e
compromissos. Contudo, o bom-humor dos colegas de trabalho era constante. Como
a maioria dos brasileiros, fazia pouco caso dos próprios problemas.
Há poucos meses para terminar o ano, ouvi uma propaganda no rádio de um
cursinho preparatório – intensivo para vestibular dirigido para o edital do CESMAC.
Curso esse que meu pai havia frequentado por um ano. Os professores que ali
ministravam aula eram especialistas no edital para o vestibular CESMAC. Diferente
do cursinho que preparava para o vestibular da Universidade Federal de Alagoas em
que estudei.
Tratava-se de um corpo docente muito experiente e vitorioso em seus
trabalhos. A escola era reconhecida no seu mister. O curso teve início em novembro
de 1998 e terminou em janeiro de 1999. Nas vésperas do processo seletivo
vestibular.
Vi-me diante de uma situação intrigante. Quando ia ao curso assistir às
aulas ficava feliz em perceber que já havia estudado aqueles temas e casos triste
em saber que o fim não tinha sido atingido e poderia não o ser novamente. Mas
reconhecia que tinha necessidade de estar ali para agir conforme a adequada
orientação pedagógica do curso e que só assim eu atingiria o resultado almejado.
Outra concepção que tinha, quando frequentava as aulas, era que ficava
cada dia mais angustiado e nervoso. Caso eu não fosse à aula, meio que isolava
aquela sensação. O resultado foi que fiquei no meio termo. Havia dias em que sim
eu assistia às aulas, outros não. O turno da noite era outro fator que me afastava. O
cansaço era grande. Ver o conteúdo que já havia assistido anteriormente pelo meno
duas vezes, era penoso, porém necessário, conforme a orientação pedagógica do
curso. Ter o bom senso de reconhecer minhas limitações e o que estava em jogo e
33
em minha volta era algo necessário. Daí a importância de não esmorecer, de lutar e
não me entregar.
O fato é que o dia da inscrição para o processo seletivo chegou e aumentou
a minha preocupação. Fiz a inscrição mais uma vez passando por uma fila que dava
a volta no quarteirão. A concorrência continuava grande. Procurei me inscrever para
o recém-aberto curso matutino. Mesmo sabendo que nesse turno a quantidade de
vagas ofertadas era a metade do turno da noite. Somente sessenta vagas.
O primeiro vestibular no turno matutino já havia sido realizado em julho de
1998. Também só foram oferecidas sessenta vagas. Não participei desse certame.
Em janeiro de 1999, participei do processo seletivo. Foram dois dias de prova. Um
sábado à tarde e um domingo pela manhã.
Como sempre, encontrava-me com as mãos molhadas de suor por conta da
ansiedade. Mas, finalmente, após alguns dias era chegada a hora de ouvir o
resultado do processo seletivo vestibular na rádio. Não quis ouvir o resultado na
frente do prédio do curso no trote oficial.
O tempo demorava a passar. O resultado sairia às 15:00h e eu fui para o
estacionamento da loja em que trabalhava às 14:00h. Nesse momento não queria
falar com ninguém. Saia do carro e andava de um lado para o outro, entrava na loja,
voltava para o carro, rezava muito. Minutos que duraram uma eternidade. Até que
chegou a hora e ouvi meu nome na lista dos aprovados. Um momento ímpar para
mim. A alegria era enorme. A retirada do peso da desconfiança e possibilidade de
concretização de um sonho trouxe-me a uma sensação de estar voando. Quando
entrei na loja fui recebido pelos colegas com tesouras para contar meus cabelos.
Estavam todos muito contentes com a minha aprovação.
Posteriormente, fui ao trote oficial ver amigos e, em seguida, fui à casa de
minha namorada à época. Lá recebi amigos mais próximos e minha família em um
churrasco feito no improviso, mas com muito carinho por todos. Foi uma das
melhores noites de minha vida.
Encontrava-me naquele momento como acadêmico do curso de Direito da
FADIMA/CESMAC. Aquela condição representava muito para mim. Estava com a
autoestima elevada. E, acima de tudo, feliz.
34
3 UM ACADÊMICO DE DIREITO
Primeiramente, neste capítulo, faço uma breve passagem pela história do
ensino jurídico no Brasil e, em seguida, passarei a relatar minha experiência como
acadêmico de direito.
No Brasil, os cursos jurídicos foram criados com um propósito da formação
de quadros para a administração pública e para a atividade política de império no dia
11 de agosto de 1827, com sede em São Paulo/SP e Olinda/PE. Tratava-se de um
modelo de ensino conservador e elitista, com o objetivo de perpetuação das
estruturas de poderes vigentes.
Posteriormente, isso mudou quando começou o debate sobre o ensino livre
(1869) nos anos finais do império. O ensino livre tinha como bandeira a ideia de que
os alunos não necessitariam ir às aulas, prestando apenas os exames. Em 1900, no
Rio Grande do Sul foi fundada a Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre. O
embate maior de discussão do ensino jurídico estava voltado à questão entre teoria
e prática. De início, era puramente dogmático o ensino jurídico.
Para Oliveira (2004, p. 35), em 1891, o estágio supervisionado
caracterizava-se como prática do processo e passou a ser chamado de Prática
Forense, reunindo a teoria à prática. Mas nem por isso deixou de existir esse hiato.
Desse modo, é possível compreender que, já ao tempo, a associação
teoria/prática despontava como um recurso ao problema percebido do ensino
jurídico que as separava. Posteriormente, em 1930, o bacharel passou a perder
campo na burocracia estatal para outros profissionais. Perdera o jurista sua
identidade e deu-se início aquilo que foi apelidado de Crise do Ensino Jurídico.
Com a mudança de 1931, os cursos jurídicos passaram a ser divididos em
doutorado e bacharelado. O doutorado era teórico e voltava-se a uma formação
mais acadêmica. Já o bacharelado destinava-se à profissionalização.
Com a reforma, e, de forma mais acentuada em 1934, as celeumas sobre a
liberdade de ensinar tornam-se mais claras, com exceção dos períodos autoritários.
Portanto, até a década de 1950, apenas os juristas tinham valor social. Contudo,
com o conflito do Ensino Jurídico, começaram a perder espaço na burocracia
estatal. Ao tempo, San Tiago Dantas adotou um papel fundamental, ao indicar um
35
novo modo de ensinar o Direito, partindo da distinção entre a didática tradicional e a
nova didática (OLIVEIRA, 2004).
Identificou-se que o ensino meramente transmissor de conteúdo, não
estimulava a crítica e a reflexão entre professores e alunos seria um problema
desencadeador de crise no ensino jurídico. Sofreu o ensino universitário, também,
com o autoritarismo de meados dos anos 1960. A falta de autonomia docente era
flagrante.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), ao
estabelecer entre os seus princípios a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
divulgar a cultura, o pensamento, a arte, o saber e o pluralismo de ideias e
concepções pedagógicas, traduziu de forma mais límpida um antigo desejo dos que
lutam por uma educação pública brasileira de qualidade.
Entretanto, ainda estamos diante de um modelo, de uma política publica de
ensino jurídico voltado aos resultados (exame da OAB), sem pensar que o direito
serve à sociedade e não a sociedade serve ao direito. A mudança de paradigma se
faz necessária para uma concepção de ensino que vá além da produção de
bacharéis em grande escala. Não se sabe ao certo se o ENADE trouxe melhorias ao
ensino jurídico. Mais adiante volto a falar sobre o assunto.
Aprovado no vestibular do curso de Direito da FADIMA/CESMAC, muito feliz
comecei a reunir os documentos solicitados para a matrícula. Prestei a prova para o
turno matutino. Havia pouco tempo que fora autorizado o curso no turno matutino.
Foi o segundo vestibular para aquele turno, o primeiro naquele turno foi em junho de
1998. Foram ofertadas sessenta vagas somente – turma única. No turno da noite
eram oferecidas cento e vinte vagas. Minha turma era a segunda a oferecer também
sessenta vagas.
Reunida a documentação necessária, teria eu de passar conforme edital, por
uma entrevista com a direção do curso. Naquele tempo, o diretor era o hoje colega
Prof. Eduardo Tavares Mendes atual Procurador de Justiça do Estado de Alagoas) e
vice-diretor, o grande mestre e colega de trabalho Professor José Pereira Neto.
Quando da chegada na antessala, deparo-me com mães e filhos no aguardo
para a entrevista com a direção. Naquele momento, também estava acompanhado
da minha genitora. Ela e as demais mães presentes aparentavam estar cheias de
orgulho com a conquista dos seus filhos.
36
Tenho a memória da imagem de um dos colegas do curso, que tinha feito há
poucos meses 17 anos. Minha mãe e eu ficamos admirados com o desempenho
dele. Conforme relatado anteriormente, a concorrência era enorme.
Finalmente, chegou a hora da entrevista. Fomos chamados ao gabinete do
diretor da faculdade e ao abrir-se a porta encontramos com as figuras do diretor
Professor Eduardo Tavares e com o vice-diretor Professor José Pereira Neto.
Confesso que senti certo frio na barriga naquele momento. Como era uma
entrevista que fazia parte do processo seletivo, mesmo confiante, diante de tão
imponentes autoridades senti-me receoso. Situação essa que logo passou dada a
boa receptividade e cordialidade de ambas as autoridades acadêmicas.
Fui de imediato cumprimentado, calorosamente, por ambos e indagado
sobre qual era a imagem que tínhamos do curso, qual a expectativa, qual escola
tinha estudado etc. Respondi aos questionamentos e, em seguida fui autorizado a
fazer a matrícula.
Hoje, compreendo o porquê daquela entrevista. Primeiro, para ser
apresentado às autoridades acadêmicas da faculdade. Segundo, para ser avaliado
psicologicamente. Em que pese não conter no edital exame psicotécnico servia a
entrevista para avaliar se o ingressante aparentemente encontrava-se saudável em
suas faculdades mentais. Mais adiante nesta dissertação falarei sobre o assunto
com acuidade.
Senti-me reconhecido e prestigiado por ser recebido individualmente no
gabinete da direção. Feita a matrícula logo após ter lido o contrato com minha mãe,
fomos embora para aguardar o início das aulas que estava próximo. Não me recordo
em que data teve início minha jornada acadêmica, mas sei que foi nos primeiros dias
do mês de fevereiro de 1999.
Pois bem, chegou o tão aguardado dia. Acordei cedo e fui um dos primeiros
alunos a chegar à faculdade. Havia fixado na entrada do prédio uma faixa dando-nos
boas vindas. O prédio ainda não tinha um movimento acentuado. Também, as aulas
tinham início às 08:10h da manhã e eu tinha chegado às 7:20h. Aos poucos foram
chegando os alunos e funcionários da faculdade e, consequentemente, a dinâmica
tomou conta do ambiente.
Procurei saber com um funcionário onde se localizava a sala do primeiro
período. Depois de informado pelo colaborador me dirigi à sala. Lá chegando,
encontrei com alguns poucos colegas, não recordo quantos. Apresentamo-nos e
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conforme o passar do tempo chegavam os demais colegas, as apresentações
continuavam.
Momento de descontração, alegria e contentamento. Chegada a hora da
aula, a direção da faculdade chegou à nossa sala de aula e nos convidou para
assistirmos no auditório a uma apresentação sobre o curso e sobre a Instituição de
Ensino Superior (CESMAC). Foi-nos feita à apresentação do então presidente da
fundação, hoje reitor Dr. João Rodrigues Sampaio Filho, e do então vice-presidente
Dr. Jayme Ferreira Lustosa de Altavila.
Recebemos uma pasta contendo as informações que estavam sendo dadas
através da fala dos presentes e do vídeo institucional. Ato contínuo, os calouros
foram agraciados com uma palestra proferida pelo diretor da faculdade que tinha
como tema a atuação do profissional do direito.
Dentre os mais diversos temas abordados como justiça, cidadania, Estado,
poderes constituídos, competências, pontualidade, dois dos vários tópicos me
chamaram a atenção. O primeiro tema que me despertou realmente atenção foi
sobre ética profissional e o segundo sobre altruísmo.
Em seu discurso o palestrante ressaltou a importância da ética profissional
em todas as áreas de atuação, principalmente do profissional que milita com a
ciência do direito. O agir corretamente, com lealdade, com probidade diante das
questões que lhes são apresentadas no cotidiano deve ser algo inerente ao
chamado operador do direito.
Na posição de advogado público ou privado no exercício das suas
atribuições, seja como magistrado, ali naquele ato representando a figura do estado
diante das questões postas para a uma solução, seja como membro do Ministério
Público, delegado, defensor público etc.
O outro tema que me chamou a atenção foi que o profissional do direito deve
sempre buscar a harmonia da sociedade pautada na ideia do bem comum. E essa
ideia de bem comum está fundada na coparticipação ativa da sociedade quando
presente a necessidade do próximo (seja de uma pessoa ou grupo de pessoas) e a
correspondente possibilidade do profissional em contribuir para a melhoria de vida
de um indivíduo ou de uma determinada comunidade.
Anteriormente, mencionei que um dos motivos do meu interesse em estudar
direito foi pela possibilidade de ajudar a quem necessitasse de um apoio. Essa
contribuição individual ou em grupo trazia e traz a mim uma satisfação pessoal
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imensurável e a fala do palestrante encaixava perfeitamente com minhas ideias,
convicções e propósitos.
Deixei a palestra com muito entusiasmo; entusiasmo por tudo. No segundo
dia, passamos a ter aulas regulares conforme a matriz curricular existente. Não
havia uma matéria sequer que eu não tivesse interesse em aprender.
Toda a temática concorria positivamente para a leitura do conteúdo
programático das disciplinas ofertadas. Todos os professores muito competentes,
tecnicamente falando, e compromissados com ato de disponibilizar, dividir seus
conhecimentos e práticas adquiridas ao longo de suas respectivas atuações
profissionais.
Dentre as disciplinas propedêuticas estavam Introdução ao estudo do direito
(IED), Direito Romano, Português Forense, Sociologia Jurídica, Economia. Todas
elas muito importantes para a formação inicial do acadêmico no estudo do direito.
Percebi que a leitura era indispensável para o bom andamento de meu curso e era
extensa. Com a leitura dirigida das obras recomendadas e adquiridas, aliadas à
participação nas aulas, percebi logo essa realidade. Cada obra tinha em média
quatrocentas páginas de leitura necessária.
Os docentes após as aulas nos remetiam à leitura constante na bibliografia
obrigatória e complementar. Para alguns colegas que não tinham o hábito de ler
diariamente, aquilo era extremamente penoso. Cada capítulo dos livros tinha em
média de trinta a quarenta laudas. O tema era apresentado e discutido em sala de
aula pelo docente e competia aos alunos a leitura em casa da doutrina e da
legislação respectiva.
Comecei a ler sobre os temas ministrados em sala de aula e percebi que
seria necessário ao menos umas duas horas diárias para acompanhar o conteúdo
ministrado pelos docentes. Se por alguma necessidade eu não pudesse ler em um
dia existia um acúmulo e perda de rendimento na próxima aula.
O conteúdo, para mim, era vasto, mas bastante agradável de ler. Muitos
colegas sentiam dificuldade em ler com regularidade e o aproveitamento de estudo
era deficitário. Seja por não terem o costume de ler, por não compreenderem o que
estava sendo discutido ou por deixarem acumular a leitura necessária. Busquei
organizar meu horário para poder estudar diariamente, de segunda a sexta, com
exceção do fim de semana.
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Constatei, que com a leitura diária, a assimilação do conteúdo ministrado em
sala de aula era maior. As matérias despertavam em mim uma curiosidade enorme
em compreender o conteúdo. À guisa de exemplo, menciono como uma disciplina
interessante que estudei, o Direito Romano.
Em seu conteúdo tive conhecimento do surgimento/origem de diversos
institutos jurídicos, tomei nota de grandes personagens históricos, grandes oradores
como Cícero; foram expostas as primeiras leis como a Lei das Doze Tábuas, os
primeiros códigos como o código de Manu e o de Justiniano, tribunais existentes etc.
Conteúdo indispensável ao estudo do direito e muito importante para conhecermos e
compreendermos sua dinâmica.
Tudo naquela disciplina ministrada com propriedade pelo professor José
Pereira Neto era agradável de ler. A leitura fluía e as horas passavam sem que eu
notasse. O professor, grande entusiasta, fazia com que viajássemos no tempo e
mergulhássemos na leitura.
Certo dia, ele lançou a proposta de, ao invés de juntarmos dinheiro para o
baile de formatura, deveríamos fazer uma viagem em grupo para Roma, na Itália.
Relatava com empolgação o que viu quando foi àquela cidade. Seus olhos brilhavam
ao relatar a viagem e a experiência que teve. Infelizmente, a proposta de viagem em
conjunto não foi acompanhada pela maioria dos formandos.
Falando em decisão por voto da maioria, logo no início das aulas tivemos a
necessidade de fazermos uma votação para eleição de um representante e vice-
representante de turma. O líder (representante) logo foi apontado pela turma. Foi
fácil a escolha, pois o colega de sala naturalmente se mostrou apto a representar
nossos interesses coletivos. O interessante foi que essa liderança surgiu pelo colega
ao se dispor, voluntariamente, a reunir os textos cedidos pelos docentes para
fotocopiá-los.
Resultado, votação da maioria e posterior alcunha dada pelos colegas de
“Xerox”. Até hoje o chamamos assim e a sua condição de representante de turma foi
até o final do curso.
Uma das primeiras tarefas deste representante foi organizar a nossa
inscrição em um curso de oratória realizado na Casa da Palavra, um espaço voltado
à cultura e aos intelectuais alagoanos. Tem como presidente um culto médico e
escritor alagoano. A receptividade dos colegas em fazer o curso foi muito boa.
Quase todos fizeram a inscrição.
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No intitulado curso de oratória, aprendi a me portar diante de uma platéia de
desconhecidos; a me dirigir usando da palavra falada a autoridades em eventos
formais. Muito enriquecedora a experiência. O curso teve duração de cinco dias,
com carga horária total de vinte horas.
Era realizado no turno vespertino. Lembro-me, que no primeiro dia o
palestrante que era o proprietário da casa, ele fez um discurso/aula muito rico sobre
cultura geral. Foi-nos concedido um passeio sobre a origem do homem, o
desenvolvimento deste na sociedade, na ciência, na política, nas artes.
Desde grandes pensadores como Sócrates, Platão, Pitágoras; escritores
famosos das mais diversas áreas nacionais e internacionais, como Eça de Queirós,
William Shakespeare, Aurélio Buarque de Holanda, Pontes de Miranda, Danti
Alighieri, Machado de Assis, Luis de Camões, Monteiro Lobato, passando por
pessoas mundialmente conhecidas e reconhecidas por seus feitos admiráveis como
Leonardo da Vinci, Einstein, Oscar Niemeyer, Mozart, Chopin, Tom Jobim, Santos
Dumont e como não poderia deixar de ser, pois era o propósito do curso, grandes
oradores da Humanidade, como Jesus Cristo, Cícero, Carlos Lacerda, Rui Barbosa
etc.
Nos dias seguintes fui apresentado a técnicas muito preciosas de oratória
para se chegar a um rendimento tido como satisfatório. Havia simulação inclusive
com filmagem de uma entrevista a ser dada a qualquer dos diversos veículos de
informação. Foram momentos de descontração, porém respeitosos, que todos os
participantes tiveram quando os colegas enfrentaram a tribuna.
O resultado é que quando tive de apresentar meus trabalhos em sala de
aula o rendimento foi considerado bom. Os professores ficavam muito satisfeitos
com minha postura e desenvolvimento dos trabalhos.
Passados alguns dias de aula na faculdade começa a formação de grupos
por diversos fatores, dentre eles semelhança de propósitos, interesses. Busquei
sempre ter em sala uma postura condizente com a de um acadêmico de direito.
Deparava-me com situações no dia-a-dia que não esperava num curso superior.
Alguns colegas agiam como se estivessem ainda no colégio, tanto em relação aos
pares como em relação aos docentes, curso etc.
Como era complicado o colega representante de turma dar um recado. Por
vezes era conturbado poder tratar de questões tão simples. Se o grau de maturidade
fosse maior entre os alunos seria mais fácil lidar com questões rotineiras. Quando o
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docente deixava para a turma decidir a data da avaliação eram constantes as
discussões.
Naquele ano, eu acabara de completar vinte e dois anos. Já havia tido uma
experiência em curso superior conforme dito antes e não vivenciara discussões tão
banais. Bom, com o tempo tudo foi melhorando.
Na proximidade das provas, recebi um convite de um colega para estudar
com ele em sua residência. À época ainda trabalhava na agência de carros que
anteriormente comentei. O proprietário não criou óbice algum por conta de minha
ausência no turno matutino, pois não gerava nenhum prejuízo a ele. O fato é que
trabalhava sem carteira assinada e o salário era o fruto exclusivo das comissões
relativas às vendas efetuadas.
Com isso, pude sair alguns dias no turno vespertino para estudar com o
colega que morava próximo. A experiência foi muito boa. Partíamos de uma leitura
prévia e, posteriormente, discutíamos o que foi lido anteriormente e o que foi
ministrado pelos docentes em sala de aula. Os apontamentos feitos nos cadernos
eram outra fonte de estudo.
O colega era muito disciplinado. Confesso que me via às vezes querendo ir
embora para minha casa dado o cansaço gerado pelo acúmulo de atividades.
Trabalhar e estudar exige muita força de vontade, perseverança, foco. A proposta do
colega em estudarmos juntos gerou frutos positivos tanto nas avaliações curriculares
a que éramos submetidos como na assimilação do que era transmitido pelos
docentes em sala de aula.
O estudo regular, o habito diário da leitura me trouxe uma realidade que não
existia em minha vida. Conseguia ter uma melhor concentração quando me
predispunha a estudar. Apreendi que, com o passar do tempo, a qualidade da leitura
estava nitidamente atrelada à prática diante das inúmeras condições e das
interferências externas que repercutem no bom andamento do trabalho.
Falo trabalho, pois entendo que estudar pressupõe dispêndio de energia,
tempo. Passei a ler nas horas em que não havia no pátio da loja clientes para
atender. Tratava-se de uma ocasião com pequenos espaços de tempo. No começo
era bastante complicado tendo em vista que dividia a sala com outros dois colegas
vendedores.
Esses ou conversavam entre si pessoalmente ou via telefone com clientes,
amigos, familiares, gerentes, tornando o ambiente não muito propício para alguém
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que gostaria e precisava ler. Essa interferência acarretada pela dinâmica da minha
atividade laboral fez com que, de início, eu encontrasse uma dificuldade em fazer
uma leitura que trouxesse bons resultados.
Entretanto, com o passar do tempo fui conseguindo abstrair o que se
passava ao redor criando uma espécie de competência para leitura em ambientes
não favoráveis à concentração. Por vezes, os colegas brincavam comigo e
chamavam-me a atenção por conta do bloqueio com o mundo externo gerado pela
minha concentração na leitura.
Às vezes, diziam que eu estava louco, pois do nada eu sorria ou entrava na
conversa deles atento sobre o assunto/tema com o que estavam falando. O ato de
fazer a leitura, perceber se estava entrando na loja algum cliente e aliado a isso
tudo, se era a minha vez de atender, criou em mim como disse antes uma
competência inexistente.
Em algumas aulas, os docentes, ainda no primeiro período, traziam algum
texto para leitura em sala de aula. Leitura na sua maioria feita após a divisão da sala
em grupos. Mais uma vez percebia que diante dos outros alunos tinha alcançado
com a prática diária uma condição de concentração na leitura que a maioria dos
pares não obtinha.
Por vezes, os colegas solicitavam ao orientador de classe a saída da sala de
aula para lerem o texto no pátio da faculdade, aduzindo que com o barulho gerado
pela conversa dos outros grupos eles não conseguiriam se concentrar e produzir.
Os que permaneciam em sala de aula, na maioria dos casos, não chegavam
a terminar a análise dos textos propostos para discussão posterior e ficavam a
conversar sobre outros assuntos que não guardavam correlação com o conteúdo da
disciplina.
No momento em que alguns dos docentes apresentavam essa modalidade
de aula pautada na discussão de textos, ouvia-se com frequência os alunos dizerem
que aquilo era um artifício do professor que não queria ministrar aula. Mal sabiam
que sem a leitura prévia não havia como existir discussão.
Muitos colegas não tinham o hábito de ler e estavam acostumados ao
modelo de aulas expositivas em que os docentes ministravam o conteúdo da matéria
sem indagar aos alunos o que eles entendiam sobre o assunto. Ao tempo, a visão
dos colegas era que professor bom ou matéria bacana eram as que tratavam sobre
o conteúdo das leis e casuística.
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Percebi uma grande rejeição nas matérias ditas propedêuticas. De certo
modo, também tive dificuldade com o estudo da filosofia. Ressalto que na época da
escola não tínhamos como disciplina o estudo da filosofia, antropologia, sociologia o
que me trouxe/desencadeou dificuldade na compreensão do assunto.
O nosso professor da disciplina Fundamentos das Ciências Sociais tinha
larga experiência docente, idade avançada, muito conhecimento teórico, contudo,
tinha a voz comprometida por anos de sala de aula. Resultado, o desinteresse em
tais conteúdos pela turma era enorme.
Como sempre sentei nas primeiras cadeiras ouvia seu discurso e
compreendia bem o que era ministrado. Era uma boa aula, a experiência de vida
daquele docente passava até pelo fato de ter sido torturado na época da ditadura
militar. Com riqueza de detalhes nos relatava os acontecimentos. Conhecia a
história política do Brasil com propriedade e saltava aos nossos olhos sua
competência no discurso.
Outro docente que contribuiu para nosso crescimento profissional e também
encontrava dificuldade na aceitação pelos alunos – gerada mais uma vez por
limitações físicas creio – era o professor da disciplina Teoria Econômica Aplicada ao
Direito, um paulista de uns sessenta e cinco anos de idade, que havia estudado
engenharia e obtido o título de mestre em uma Universidade, que por hora não
recordo o nome, situada no Estado de São Paulo. Fato interessante é que foi um
dos poucos docentes do curso que tinham uma titulação acadêmica strictu sensu.
Naquele momento de minha vida eu nem sabia a distinção acadêmica entre
mestre e doutor. O que chamava minha atenção era o ânimo daquele docente, bem
como o seu discurso rico em conteúdo. Disposição acima de tudo, pois o mesmo era
portador de glaucoma e tinha algum desvio na coluna. Por essa limitação física,
mesmo possuindo carro, ele utilizava-se do transporte público para ir à faculdade.
Presenciei o fato de ele estar no ponto de ônibus várias vezes. Ele morava
em um prédio vizinho ao que residia. Fiquei em vários momentos chateado com
alguns colegas que insistiam em dizer que ele não utilizava o carro para ir à
faculdade dada a sua condição voluntária de miserável no sentido de avareza.
Na visão deles, como era professor de economia, queria economizar
fazendo uso do transporte coletivo. Um colega meu da escola (científico) e vizinho
de porta desse professor, disse-me, certa vez, que ele era divorciado e vivia
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sozinho. Acredito que ele utilizava o transporte coletivo por não ter condições de
pagar um motorista particular.
Nem por isso chegava atrasado ou faltava às aulas. Sempre solícito às
indagações feitas por mim e pelos colegas, demonstrava satisfação ao discutir sobre
o assunto. Pena que já não mais ensina visto que a limitação física (glaucoma)
avançou para uma condição de quase cegueira. Tive o privilégio de ser aluno dele
por dois semestres consecutivos.
Quanto à pontualidade e à assiduidade dos professores, faço questão de
ressaltar o fato que foi constante durante o curso a problemática acerca desses dois
pontos (pontualidade e assiduidade). Mais adiante relatarei os acontecimentos
relevantes ligados ao tema.
Fato é que continuava feliz e disposto no fim do primeiro e segundo
semestres. Obtive aprovação em todas as disciplinas ditas propedêuticas. Continuei
a estudar com o colega, em casa e no trabalho. O que mudou foi o fato de ter saído
da loja que trabalhava.
Após ter passado dois meses sem receber minhas comissões (salário) sem
existir justificativa, sem ter recebido qualquer advertência decidi não mais continuar
laborando na empresa e ao final do expediente de uma tarde de sábado, recolhi meu
pertences e não voltei mais a loja. O relatado se deu na metade do segundo
semestre de 1999, creio que no final do mês de outubro. Estava cursando o segundo
período.
Na segunda-feira, comuniquei aos colegas de trabalho de que não retornaria
ao trabalho, eles ficaram chateados com o ocorrido e foram solidários. Após o fato,
não recebi nenhuma ligação do setor de gestão de pessoas da empresa, muito
menos do proprietário.
Relatei o fato aos advogados que conhecia e convivia e fui orientado pelos
mesmos à época, citados anteriormente, a buscar os serviços de um advogado
especialista para saber quais seriam os meus direitos trabalhistas.
Essa situação me fez pesquisar sobre o Direito do Trabalho, disciplina que
até então não havia sido objeto de estudo na faculdade. Só passaria a estudar tal
matéria a partir do quarto período conforme dispunha a matriz curricular em vigor.
O advogado fez uma abordagem objetiva de quais seriam esses direitos e
preparou uma procuração para eu assinar. Assinei e fiquei no aguardo do dia da
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primeira audiência em umas das Juntas de Conciliação e Julgamento na Justiça do
Trabalho, hoje denominadas Varas do Trabalho.
Gostei bastante da forma como fui atendido pelo advogado e de suas
explicações técnicas. Mais ainda por estar buscando a tutela estatal, meus direitos,
por meio do poder judiciário especializado. O que havia estudado até então sobre
normas sociais, direitos subjetivos, sanções, estava se materializando, saindo da
abstração para incidir sobre o caso concreto.
Designada a data e hora da audiência de conciliação (aproximadamente um
mês após o afastamento) fui ao fórum trabalhista. Chegando lá encontrei com o
advogado e disse que a nossa audiência estava próxima. Fiquei atento a todos os
detalhes.
Como era a sala de audiência (posição dos móveis, lugar em que ficavam e
sentavam as partes, advogados, os juízes – ao tempo existiam dois juízes na sala:
um juiz togado e um classista no final do seu mandato), quantas e que pessoas
trabalhavam, vi onde funcionava a secretaria da vara, como era o procedimento de
chamada para a audiência (pregão).
Percebi que naquele ambiente existiam pessoas de todas as classes sociais
aguardando a vez de serem convocadas à audiência: advogados, prepostos,
testemunhas, estagiários. Era intrigante a forma como os litigantes olhavam ou
deixavam de olhar uns para os outros. O nervosismo conforme disse meu advogado
era gerado por estarem diante de um juiz ou por conta da insatisfação de estarem
dividindo o mesmo ambiente. Alguns saiam das audiências tristes, outros sorrindo
dependendo do resultado.
A partir do momento que não entendia os procedimentos e funcionamento
da Justiça do Trabalho indagava ao advogado. Este foi bastante generoso e
respondia aos meus questionamentos. Percebi que chegou a preposta da empresa e
o advogado. Fomos chamados pelo sistema de som.
Nessa audiência inaugural, foi aberta pelo magistrado a proposta de
conciliação, sendo rejeitada pela empresa. A tese deles era a de negativa de
vínculo. Restando infrutífera a conciliação, foi designada a próxima audiência, essa
de instrução para menos de um mês após a primeira.
No dia, retornei ao fórum trabalhista na hora designada e fui recebido por
meu advogado. Este explicando quais os procedimentos de uma instrução
trabalhista falou das vantagens e desvantagens de fazer ou não um acordo. Tratava-
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se de um advogado experiente e acredito seria um bom professor caso resolvesse
enfrentar tal desafio. Ao menos aparentava, dada a sua paciência e gosto em
explicar os direitos e procedimentos legais no processo.
Na instrução esteve presente o advogado e o dono da empresa. Após o
chamado sentamos diante do juiz e do analista judiciário (escrivão). Novamente o
magistrado apresentou proposta de conciliação, informando ao reclamado
(empresário) que seria melhor inclusive para ele, pois a tese era de negativa de
vínculo. Este com ar irônico respondera positivamente, que tinha pensado em uma
proposta em pagar a quantia de R$ 800,00 (oitocentos reais) em duas parcelas.
Fui indagado pelo juiz se eu tinha interesse na proposta ou em fazer um
acordo e eu conforme conversa anterior com meu advogado disse que faria um
acordo desde que ele atendesse ao meu pedido. Meu advogado fez a
contraproposta de ser pago R$ 3.000,00 (três mil reais) visto que só de comissão em
dois meses eu faria jus ao valor de R$ 2.200,00 (dois mil e duzentos reais).
O resultado foi que fizemos um acordo e neste constava que a empresa
deveria assinar minha carteira profissional. Após isso, “dar baixa” na carteira para
liberar as guias de seguro desemprego. Além disso, recebi a importância de R$
2.000,00 (dois mil reais) em duas parcelas; uma no ato do acordo e outra para ser
depositada e comprovada em trinta dias via depósito judicial.
Ficou acordado também que a empresa pagaria os honorários advocatícios
e que se a empresa não cumprisse na data acordada com o pagamento da segunda
parcela haveria a incidência de uma multa de 100% sobre o valor a ser pago.
Um mês após o acordo celebrado e homologado, diante do magistrado do
trabalho fui receber e a preposta da empresa chegou faltando cinco minutos para
acabar o prazo. Com a guia de seguro desemprego e a baixa na carteira de trabalho
(CTPS) dirigi-me à Caixa Econômica Federal para dar entrada na solicitação do
pagamento.
Tudo aquilo que vivi a assimilei trouxe uma contribuição positiva para minha
formação acadêmica e pessoal. Vivenciar, sentir na pele fez a diferença quando
retornei às aulas na faculdade. Nesse meio termo, recebi e aceitei convite para
trabalhar em outra loja de veículos, agora bem próxima a minha residência.
Continuei, portanto, estudando e trabalhando.
O trabalho já havia se tornado algo necessário para mim. Não por ter
necessidade de trabalhar para viver, mas para poder adquirir certa autonomia
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financeira, respeitabilidade social, sentir-me útil. Já não pedia dinheiro aos meus
pais para sair com a namorada, comprar uma roupa legal, presentear a quem eu
quisesse, trocar de carro etc.
Conforme já dito antes, a atuação profissional apresentava para mim um
mundo em constante mudança com uma dinâmica e abrangência incrível. Afinal de
contas estávamos vivenciando a virada do milênio. Passávamos a ter a ideia do que
era o mundo diante da globalização com o rompimento de fronteiras antes
limitadoras.
No terceiro período do curso, no ano 2000, começamos a estudar Direito
Penal, Direito Civil, Direito Constitucional, Ciências Políticas. O estudo dessas
disciplinas trouxe-me um novo e cada vez mais ascendente interesse pela leitura.
Digo isso, pois, apesar de gostar das matérias propedêuticas, o primeiro contato
com o Direito Penal, por exemplo, é algo que fascina o acadêmico de direito.
Estudar a figura do crime, do criminoso e o papel do Estado diante de tais
acontecimentos é bastante gratificante, pois a todo o momento estamos diante de
notícias que abordam a prática de condutas tipificadas pela norma jurídica. A
violência (lesão) às pessoas, ao patrimônio individual e coletivo é uma constante.
Não menos gratificante, interessante ou importante foi o estudo da Teoria
Geral da Constituição. Estudar os desígnios da Constituição da República
Federativa do Brasil, qual nossa forma de estado e de governo, torna-se condição
mínima para compreendermos qual o seu sentido e alcance.
Conhecer seus princípios fundamentais, os direitos e garantias
fundamentais, os direitos sociais, os direitos políticos, a organização do Estado, a
organização dos Poderes etc. deveria ser matéria obrigatória nas escolas. Ao menos
noções de Direito Constitucional.
Estudar Direito Civil, seus princípios, sua abrangência foi tarefa prazerosa.
Tão grande é a abrangência dessa disciplina na vida das pessoas em seus direitos
subjetivos que trata desde os direitos conferidos ao nascituro até os atos de
disposição de última vontade que devem ser respeitados após a morte do declarante
(testamento).
Para mim, as aulas eram impecáveis. Quanto aos docentes, mais uma vez
fomos, a meu ver, agraciados com a contribuição relevante de seus ensinamentos.
Tivemos como docentes, um promotor de justiça (Direito Penal), dois advogados
(Direito Civil e Direito Constitucional) e uma juíza (Ciências Políticas).
48
Ressalto que a juíza foi a que me referi no primeiro capítulo (juíza eleitoral),
quando estava ainda adolescente descobrindo quais as atribuições dos profissionais
que militam com o direito. Foi uma surpresa e tanto. Ao tempo ela estava em um
programa de Mestrado em uma Universidade de Lisboa/Portugal. No momento se
encontra doutoranda em Direito na mesma Universidade.
Senti falta de uma biblioteca setorial atualizada e espaços reservados para
leitura. Existia uma biblioteca, contudo, não era no prédio em que estudávamos. Tão
pouco atendia a demanda. Naquele tempo (ano 2000), não era comum aqui no
estado de Alagoas as faculdades disponibilizarem computadores para aos alunos.
Muito menos com acesso a rede mundial (internet).
Estudei com os livros que adquiri ou solicitei aos colegas mais adiantados no
curso. Tive sorte de utilizar os livros que meu pai havia comprado, já que ele era
acadêmico de Direito da mesma IES, só que em turno diferente (noturno). Quanto
aos livros, não tiveram muito do que se queixar os colegas que estudavam na
Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Lá o acervo era maior. Alguns colegas da
faculdade tomavam emprestados livros da UFAL. Problema é que a UFAL ficava
muito distante da minha residência.
Sobre carência da nossa IES, não fui agraciado com a possibilidade de
conhecer sobre a pesquisa jurídica na graduação. O fato era que não tínhamos uma
cultura de professores pesquisadores na IES. Os docentes que ministravam aulas
não conheciam na sua maioria a pesquisa.
Não era hábito escreverem artigos, ensaios ou publicarem livros. As
atividades realizadas pelos docentes fora da aula consistiam em dar palestras e
visitar órgãos públicos.
Relato o fato não criticando a IES que estudei, mais informando que essa
era uma característica dos cursos de direito nas faculdades privadas do nordeste.
Basta dizer que não existia em Alagoas um Programa de Mestrado em Direito.
Passei o curso quase todo sem me dar conta do que era uma pesquisa. Do
que era um artigo científico, iniciação científica, nem mesmo monitoria. Certa vez, o
colega que estudava comigo falou que um amigo dele era monitor do professor
Marcos Bernardes de Melo, na UFAL.
Disse-me inclusive que o aluno monitor ganhava uma bolsa de estudos.
Perguntei do que se tratava, tamanho era o desconhecimento. Aquilo era uma
realidade nas Universidades, para nós não.
49
Mais uma vez, obtive aprovação em todas as disciplinas e passara ao quarto
período. Deparei-me no quarto período com um docente chamado Fernando Sérgio
Tenório de Amorim, professor que tinha como forma de estímulo ao estudo da
matéria uma retomada da matéria dada na aula anterior através de
questionamentos.
Quando o docente fazia perguntas aos alunos individualmente ou ao grupo e
não obtinha as respostas desejadas ele não seguia com o conteúdo da aula do dia.
Ficou no início por vezes chateado com a turma quando não percebia nos alunos
que a leitura dirigida havia sido realizada. A matéria não era das mais fáceis de
compreender, por conta do conteúdo lógico, e abstrato. A disciplina era Direito Civil
(Teoria Geral das Obrigações).
Gostei da matéria e percebi que aquela postura do docente em cobrar dos
alunos a leitura era positiva. O docente com aquela atitude, a meu ver, mostrava
interesse no aprendizado da matéria. Falava que o resultado de um curso de Direito
não poderia ser positivo ou satisfatório sem leitura constante. Aluno que não levasse
a legislação necessária (Código Civil Brasileiro) para acompanhamento da aula por
vezes eram chamados a atenção.
Realmente, a matéria necessitava de um acompanhamento do disposto no
texto da lei. Sem ela, o discente ficava impossibilitado de analisar o conteúdo dos
artigos e, consequentemente, toda ou qualquer interpretação do que estava contido,
o sentido e o alcance da norma estava comprometido.
Com o transcorrer do curso, aquele método do professor foi bem
interpretado pelos discentes. Ele conseguiu transmitir aos alunos que havia uma
preocupação com o rendimento de cada um deles. E os frutos foram positivos. Tudo
correu bem, inclusive tive o privilégio de estudar no semestre seguinte com ele a
disciplina Direito Civil III (Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie).
Dentre as novas disciplinas neste período estavam: Direito do Trabalho e
Direito Processual Civil. Como esperado fiquei encantado com a primeira. A matéria
foi ministrada pelo então Juiz do Trabalho, hoje Desembargador Federal do Tribunal
Regional do trabalho da 19ª região Dr. Adrualdo Catão.
Fora o conteúdo ministrado com muita propriedade pelo docente, marcou-
me a visita que fizemos à Vara do Trabalho em que esse docente era titular. Todos
nós, alunos, fomos convidados a irmos presenciar o funcionamento da Vara do
Trabalho.
50
Foi dividida a sala em dois grupos para a visitação. Não era possível receber
todos os 60 (sessenta) alunos de uma única vez. O professor recebeu por ordem de
chamada. Primeiro os 30 (trinta) alunos, depois os demais. No relatado, já havia
estado antes naquele mesmo fórum trabalhista, mas não entrado no gabinete do
juiz, na secretaria, na sala em que ficavam os analistas, técnicos judiciários e
estagiários.
Em dado momento, o professor magistrado apresentou, após os servidores
os estagiários (acadêmicos do curso de Direito que analisavam os processos e
auxiliavam o Juiz). De pronto, perguntei como poderia ser um estagiário. Ele
informou que era através de uma seleção aberta, via edital que era publicado ( como
eu no 4º período não sabia disso?). Foi decepcionante obter a informação de que só
poderia concorrer a uma vaga depois de terminar o 6º período.
A justificativa era de que eu não havia ainda estudado todo o Direito Material
do Trabalho nem ao menos iniciado o estudo do Processo do Trabalho. Só seria
possível contribuir, auxiliar o magistrado, após a conclusão do estudo do Direito e do
Processo do Trabalho, isto é, quando estivesse no 7º período no mínimo. Do
contrário só aprenderia a fazer os atos do cartório. Não que não fossem importantes
os atos cartorários, mas como a atividade do estágio consistia em fazer o que os
magistrados fazem, não seria a melhor oportunidade para estágio.
Saí de lá satisfeito com o que presenciei e aprendi, mas querendo trabalhar
no fórum. Com muita vontade de aprender, frequentar o ambiente em que em um
futuro próximo eu viveria. Relatei o fato ao meu pai e perguntei se seria bom naquele
momento largar o trabalho de vendedor de carro para poder estagiar em algum
órgão público. Como existe uma bolsa, no valor de um salário mínimo, na maioria
dos estágios, ele me incentivou a tentar uma vaga.
Naquele tempo, meu pai estava saindo de um estágio no Fórum da Justiça
Comum da Capital. Estagiava em uma Vara de Família. Conforme conversa que
tivemos, afirmou que aprendeu muito no estágio. Pensei, vou atrás do meu. Procurei
informações na faculdade de quando ocorriam as provas e a partir de quando eu
poderia concorrer.
Obtive resposta que estavam abertas as inscrições para a seleção de
estágio no Fórum da Capital. No edital, havia a informação que poderia ser
estagiário o aluno matriculado no segundo ano do curso sem ter perdido nenhuma
disciplina. Naquele instante preenchia os requisitos e fiz a inscrição. Não foi uma
51
prova complicada. Abordava pontos mínimos, elementares (noções de Direito Civil,
Direito Constitucional e Direito penal).
Fui aprovado e deixei o trabalho na loja como vendedor de carros (também
denominado consultor de vendas). Em dois anos e meio naquela atividade, aprendi
como comprar e vender veículos. Tomei a decisão de vender o meu carro e passar a
comprar e vender carros com o capital obtido com a venda dele. O bom foi que eu
não precisava mais ficar na loja. Comprava e vendia meus carros através de
anúncios no jornal.
Quando fui me apresentar no fórum, soube que estava lotado na antiga 17ª
Vara da Fazenda Estadual. Eu nem imaginava qual era a competência tinha.
Cheguei lá e fui apresentado à escrivã, escrevente e estagiárias. Detalhe, o juiz
estava de licença remunerada por conta do Mestrado em direito que fazia na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Tive a informação de que havia um juiz substituto que não ficava na 17ª
vara. Era titular de outra vara no mesmo Fórum. Lembro-me que a vara era Cível de
Feitos Não Privativos. Resultado, quem iria me orientar no estágio? Eis a questão.
Outro detalhe, eu não tinha a menor noção do conteúdo dos processos a serem
analisados por aquela Vara Especializada.
Direito Administrativo, Tributário, Processual Civil (execução) só era visto no
final do curso (7º, 8º e 9º períodos). Eu estava saindo do quarto período e indo para
o quinto. As estagiárias estavam no 8º e 9º períodos. Eram alunas do magistrado
titular da vara, uma discente do CESMAC e outra da UFAL. Ele já havia passado as
instruções, orientado-as antes de sair. Elas eram muito dedicadas, mas não havia
tempo para parar e ensinar a mim a matéria.
Só me coube fazer tarefas de organizar processos. Ainda tentei ler e
compreender o conteúdo, sem sucesso. Percebi que eram raríssimas quaisquer
audiências de instrução. Tentei mudar para outra Vara que tratasse do conteúdo que
estava estudando, como Direito Penal e Direito Civil (contratos). Sem sucesso.
A solução foi aproveitar aqueles momentos ociosos para estudar as matérias
do período que estava cursando. Por um lado foi muito bom para mim, pois eu ficava
estudando de segunda a sexta-feira, no turno vespertino.Como resultado as minhas
notas melhoraram.
Assim, passei o 4º e o 5º períodos até completar um ano de estágio sem
conhecer pessoalmente o juiz titular. Até a presente data não fui buscar o
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documento que comprova que por lá passei um ano de estágio e foi feita uma
avaliação do meu desempenho pelo juiz.
Com o fim do estágio passei a ficar livre para estudar em casa no turno da
tarde e da noite. Passava o tempo dividido entre acompanhar os advogados pais de
minha namorada à época, estudando em casa e vendendo e comprando carros.
Nessa fase de 6º período comecei a estudar o Direito de Família, Processo
Penal e Processo do Trabalho. Período com um conteúdo grande e importante para
estudar. Caso o aluno não compreendesse bem as disciplinas, sentiria bastante
dificuldade no estudo das demais.
Basta dizer que após o término do 6º período, o acadêmico já conhecia o
conteúdo necessário para poder auxiliar um advogado trabalhista, Procurador do
Trabalho ou Magistrado do Trabalho. A única matéria que estava faltando estudar
em Direito do Trabalho era Prática Jurídica Trabalhista. Matéria essa ofertada
somente no 10º período do curso.
Encontrava-me apto naquele momento para submeter-me à seleção de
estagiários do Tribunal Regional do Trabalho. Fato que não aconteceu. Estava
envolvido com o Direito de Família e o Direito Penal. Tive muita facilidade na
assimilação dos conteúdos do Direito Civil (família), Direito Penal e do Processo
Penal. A leitura era frequente e o entusiasmo também.
Uma questão interessante era não existirem barreiras em áreas de
concentração diversas (direito privado e direito público), algo que fizesse dedicar
mais tempo, atenção a uma disciplina. Toda temática era muito atual e importante na
vida das pessoas, na sociedade. Tudo se interligava, Direito de Família, Direito da
Infância e da Juventude, Direito Penal.
Assim, certa vez deparei-me com uma questão familiar que desencadeou
um episódio de natureza penal. Por conta da dissolução da sociedade conjugal
(observado o direito potestativo da esposa em não mais querer conviver com o
cônjuge), existiu uma ameaça feita pelo cônjuge, aduzindo que se a encontrasse
com outro mataria os dois.
A cidadã não aguentou conviver acuada pelo marido e decidiu romper com a
relação, culminando com o pedido de divórcio litigioso. O ciúme era enorme e
patológico. O detalhe era que mesmo a relação tendo chegado ao fim a mais de um
ano as ameaças não cessavam.
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Os acessos de ciúmes chegaram ao ponto de, em público, o ex-marido
(comumente embriagado) fazer ameaças dizendo que se ela não voltasse para ele a
mataria, mataria a prole e, em seguida, cometeria suicídio.
A solução foi buscar o auxílio da força policial e judiciária para assegurar o
direito de ter a integridade física da mulher e da prole preservada. Igualmente, foi
necessário o pedido judicial de afastamento do genitor dos menores para preservá-
los, suspendendo o que foi regulamentado no processo de divórcio (direito de visita).
Era comum nas primeiras páginas ou páginas policiais de jornais de grande
circulação, televisão, sites, depararmo-nos com manchetes relatando situações
semelhantes que acabaram em tragédia (crimes passionais). Desse modo, o estudo
de tais disciplinas tornava-se esclarecedor.
Saber o que estava acontecendo, o que poderia acontecer, quais as
competências das autoridades, os direitos dos acusados de crimes, e acima de tudo
os direitos das vítimas, levava-me ao estudo dos casos divulgados nas mídias e que
eram levados ao escritório.
A discussão sobre esses acontecimentos em sala de aula era constante. Por
vezes, os docentes comentavam os casos em que existia uma interpretação
equivocada de outros profissionais. Argumentavam que a tese do advogado estava
equivocada. Que o Magistrado julgou correta ou equivocadamente. Que o volume de
provas não era o suficiente para a prisão de alguém, ou que a prova foi obtida de
forma contrária ao direito.
Não só em sala de aula, mas nos corredores da faculdade, em casa com os
familiares, nos momentos de lazer com os amigos, a discussão era muito
interessante. Tinha verdadeiro entusiasmo em explicar aos não estudantes de direito
o que estava acontecendo em processos famosos, com repercussão nacional e até
internacional.
Confesso que naquele momento já estava achando que entendia do
assunto. O interessante era que acreditava e concordava piamente nos argumentos
dos professores. Se o professor dissesse, quem iria contestar? Por vezes, ouvia
professores advogados dizendo que juízes não sabiam direito, que não foram felizes
em relação a alguma decisão. Que não julgavam conforme o direito. Fato que era
confirmado por alguns docentes promotores de justiça.
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Proporcionalmente era maior o número de professores promotores de justiça
e advogados. De certa maneira, isso fazia com que eu fosse influenciado em
analisar os fatos com olhos de advogado ou promotor de justiça.
Gostava de assistir programas policiais locais e nacionais. O fato de o
advogado criminalista que acompanhava o caso ter sido delegado federal me fazia
perceber as duas faces da moeda. De um lado, a experiência e a perspectiva de um
policial de alto gabarito na busca por retirar de circulação meliantes de alto poder
lesivo à sociedade e, de outro, a mesma pessoa agindo agora na posição de
advogado de defesa.
Foi nessa época que percebi que o advogado poderia agir como assistente
de acusação em um processo. Quando estava no 4º ano do curso, um professor que
era advogado criminalista contribuiu bastante com meus estudos do processo penal.
Tratava-se de um professor que iniciara sua atividade docente lecionando
matemática. Era reconhecido no estado como um bom professor de matemática,
mas havia se formado em direito e começou a atuar como advogado e professor de
direito e processo penal.
Aquele tinha o dom da oratória e uma eloquência admirável. Não era à toa
que sempre era requisitado e cotado para atuar no tribunal do júri. Seja na função de
advogado de defesa ou na de assistente de acusação. Falando em tribunal do júri,
ainda nesse ano, quando estava no 8º período, recebi na sala de aula a visita de um
juiz de direito fazendo o convite para que fôssemos fazer parte do conselho de
sentença do tribunal do júri. Estava ele em busca de voluntários acadêmicos de
direito.
Fez a apresentação em relação às vantagens de tal função pública e,
posteriormente, o convite. Já havia estudado a figura do tribunal do júri e conhecia
os benefícios, sem, contudo, ter pensado na possibilidade de ser um dos membros
do conselho de sentença. No dia pensei, será uma ótima oportunidade de conhecer
o que acontece por dentro, o que se passa na mente de um jurado. Então decidi
fazer a inscrição.
Quando menos espero, poucos meses depois, recebo uma convocação para
me apresentar diante do juiz para o sorteio do conselho de sentença em um
processo de competência daquele tribunal. Reconheço que veio logo em mente
certa insegurança, a reflexão acerca da minha competência para votar pela
condenação ou absolvição de um réu.
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Fui recomendado a assistir a um filme norte-americano que aborda o tema
do tribunal do júri: Doze homens e uma sentença. O filme relata o que se passa em
uma sala pequena e sem ventilação, em que o veredicto será pela condenação ou
absolvição do réu a cadeira elétrica. A discussão é acalorada e tensa em todos os
sentidos. Trouxe-me uma nova perspectiva em relação à função do jurado. Por
vezes, somos induzidos na dúvida a condenar alguém.
Na análise do fato de ter sido convocado, apresentei-me no dia e hora
designados e aguardei a hora do sorteio. Primeiro são colocados os nomes dos 21
convocados ao conselho de sentença, dos quais são sorteados sete jurados
presentes.
Resultado disso, fui sorteado para ser um dos membros do conselho de
sentença. O acusado era um soldado da polícia militar do Estado de Alagoas. A
vítima era um homossexual. O promotor de justiça havia sido o meu professor de
Direito Romano II.
A experiência foi bastante positiva e esclarecedora. As atuações dos
profissionais, advogado (defensor público), promotor e juiz foram bem
esclarecedoras a cada momento que se apresentavam. Todos se dirigiam aos
jurados explicando cada procedimento, cada etapa e o conteúdo do processo, visto
que não é necessária a formação jurídica para atuar como membro do conselho de
sentença.
Não era um caso que tinha causado um clamor público, uma comoção
social. Na platéia, estavam presentes alguns acadêmicos de direito, alguns poucos
familiares do acusado e da vítima. No caso em tela, o próprio membro do ministério
público pediu a absolvição do réu por falta robusta de indícios e provas de autoria. O
entendimento do conselho de sentença após os quesitos formulados pelo
magistrado foi pela absolvição do réu.
Em outros júris fui convocado, em alguns participei, em outros não fui
sorteado. Fiz parte do grupo (corpo de jurados) até concluir o curso. Naquele
instante do curso de direito estava bastante envolvido com o Direito Penal, mas
presenciei a dissolução da sociedade conjugal e profissional do casal de advogados
que convivia. Resultado disso, acabei por procurar um estágio na IES em que era
aluno.
Tive a informação de que já ocorrera um processo seletivo para estágio no
escritório modelo da IES e não havia mais vagas nem para voluntários. Até a
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seleção não foi divulgada em sala de aula. Alguns colegas de sala que souberam da
seleção sonegaram a informação.
A estrutura do escritório era muito carente. O estágio curricular fez falta para
minha formação acadêmica. Digo isso, pois, se ao tempo eu tivesse continuado com
a prática real (agora dentro da faculdade) teria um melhor aproveitamento no estudo
das disciplinas práticas.
Procurei estagiar em alguns escritórios jurídicos de grande e médio porte
mais não obtive sucesso uma vez que exigiam horário comercial. Como estudava no
turno matutino encontrei dificuldade inclusive em órgãos públicos. A solução foi me
dedicar exclusivamente aos estudos das disciplinas oferecidas na faculdade.
De certo modo, aquela situação foi positiva para mim. Algumas matérias
importantes como Direito Administrativo, Direito Tributário, Medicina Legal, Prática
de Trabalho de Conclusão de Curso, foram ministradas no último ano do curso.
Além disso, passamos a nos preocupar com o Trabalho de Conclusão de
Curso (TCC) e com a prova da OAB. Nos 9º e 10º períodos estudávamos as práticas
ditas simuladas, em que os docentes traziam casos fictícios para que pudéssemos
confeccionar as peças jurídicas aplicáveis.
Estava diante de uma nova realidade: a de fazer uma monografia. Como
disse anteriormente, a pesquisa na instituição era incipiente, para não dizer
inexistente. Como dito também, a carência era uma realidade nos cursos de direito
do estado de Alagoas.
Nossas aulas de Prática de Trabalho de Conclusão de Curso (PTCC) eram
resumidas em conhecer o conteúdo das Normas Técnicas da ABNT. O professor até
que se esforçava, mas a carga horária da disciplina não permitia um avanço naquele
universo desconhecido.
Fomos apresentados a um modelo de projeto, sem, contudo,
compreendermos o que poderíamos produzir em tormentosas 30 laudas. Esse era o
número mínimo exigido para a monografia. Para completar, lamentavelmente, no
transcorrer do 9º período, o professor de PTCC foi acometido por um estado
patológico de depressão e ficamos sem concluir o projeto. Iniciei o processo de
escolha do tema e fazer a leitura dirigida sobre o assunto.
No 10º período fui informado que poderia fazer a escolha de um orientador.
Procurei um professor penalista novato que até então desconhecia. Fui bem
recebido e conversamos sobre o assunto. Em poucos minutos, ele discutiu o
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conteúdo do sumário da monografia e o aprovou. Fui orientado a escrever e entregar
a ele o que havia produzido. Preocupado com o término do curso e a proximidade do
exame da OAB, em dois meses terminei a monografia e entreguei ao orientador.
Fiquei no aguardo de suas considerações, que para minha surpresa, limitou-
se a dizer que estava tudo bem e que eu deveria somente formatar o trabalho
conforme as Normas Técnicas da ABNT.
Após o depósito do trabalho, fiquei aguardando confiante o resultado do
trabalho. Iniciei a partir dali uma nova etapa de estudos. O foco era o exame da
OAB. No ano de 2003, o exame da OAB não era nacional. Cada Seccional tinha a
competência de elaborar as questões do exame.
Naquele segundo semestre, esquematizei um plano para buscar uma
qualificação profissional após a conclusão do curso, em São Paulo/SP. Por
coincidência minha noiva à época, hoje esposa, compartilhava do mesmo
entendimento de ir buscar um diferencial, algo que fizesse a diferença para mim.
Minha noiva era enfermeira recém-formada e queria fazer um curso de pós-
graduação em UTI.
Eu tinha em mente o propósito de fazer uma pós-graduação e/ou um
cursinho preparatório/destinado para concursos públicos. O mais conhecido
nacionalmente era o curso do Professor Damásio de Jesus. No momento eu já tinha
a intenção de advogar. Mas a dúvida era em que área. Trabalhista ou Penal?
Tratava-se de duas matérias que gostava de estudar. Pensava ter certo preparo
nessas duas áreas tendo como referência as notas obtidas e o gosto pela leitura de
ambas.
Ocorre que em pesquisa realizada na internet, tive conhecimento de que
estavam abertas as inscrições para seleção, objetivando vagas em cursos de pós-
graduação lato sensu oferecidos pelas Universidades Metropolitanas Unidas de São
Paulo/SP (UniFMU).
Cheguei a essa instituição por meio de busca dirigida, pois vi no livro do
professor Amauri Mascaro do Nascimento que ele tinha sido professor daquela
instituição. Era um dos livros que tinha adotado e adquirido para estudar Direito do
Trabalho. Não sendo o bastante, a IES oferecia pós-graduação nas duas áreas de
atuação que gostaria de me especializar (Direito do Trabalho ou Direito penal).
Também oferecia na área da minha noiva (Enfermagem – UTI).
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Não tivemos dúvida, partimos para São Paulo para fazer parte da seleção.
Ao tempo, eu tinha fobia de viajar de avião. A seleção constava de uma redação
sobre um tema ligado à área e, posteriormente, uma entrevista com o Coordenador
do Curso. Mas ainda existia em mim a dúvida quanto à escolha do curso.
Recorri ao meu pai e perguntei em qual das áreas eu deveria me
especializar. Ele como de costume, pragmático, disse-me que eu deveria fazer em
Direito do Trabalho, pois era a militância que mantinha normalmente as despesas
dos escritórios e o retorno, portanto, era mais imediato.
Aquela informação foi determinante para minha escolha. Com se já não
bastasse, assistindo à programação da TV JUSTIÇA, fiquei encantado com uma
palestra proferida pela Juíza do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região, autora de livro e professora da UniFMU, Dra. Maria Inês Alves da Cunha.
Em São Paulo/SP, participei da seleção e fui aprovado. Minha noiva também
foi aprovada na seleção que participou. Resolvemos a questão do lugar onde
iríamos morar, em um apartamento alugado. Retornamos a Maceió com planos de
nossa vida em São Paulo, tendo em vista que nosso casamento estava próximo.
Marcamos a data para o dia 20 de dezembro de 2003. Minha noiva se ocupou dos
preparativos do casamento e eu da aprovação no exame da Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB).
Comecei a preparação com provas passadas dos exames da ordem do
estado de São Paulo, pois, após o casamento em janeiro de 2004, submeter-me-ia à
avaliação. Na primeira tentativa, das 100 questões consegui acertar 46. Foi um
susto, visto que a nota mínima para se chegar à segunda fase era 5 (acerto de 50
questões – metade da prova).
O detalhe é que reduzi o tempo para simular o nervosismo da hora em que
fosse me submeter à prova. De quatro horas reduzi para três horas, inclusive
marcava as respostas no campo específico.
Minha noiva, no momento, disse-me algo interessante: “vou permitir que em
cinco minutos você altere as questões que marcou com dúvida”. Eu fiz as alterações
e para minha surpresa das 46 questões passei para 68 questões com acerto. Com
aquela nota eu estava aprovado para a segunda fase. Vi que o nervosismo atua de
forma contundente na hora de se submeter à prova longa e desgastante.
Criei o hábito de resolver as questões de vários estados todas às sextas-
feiras à tarde. Sempre com redução do tempo em uma hora e análise das questões
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que havia errado ou acertado por acaso. O interessante que resolvi em média uns
12 exames e em nenhum fiz menos que 50 acertos. Aquilo elevou a autoestima e
confiança na aprovação.
Após o retorno da lua de mel em Salvador/BA, arrumamos as coisas,
colocamos no carro e partimos felizes para a cidade que iria nos abrigar por um ano
(São Paulo/SP). Participei do primeiro exame OAB/SP, do ano de 2004, e fui
aprovado tendo como inscrição o nº 224.628. Naquele momento, era formalmente
um advogado habilitado a atender às demandas da clientela até então inexistente e
desejada.
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4 UM ADVOGADO E UM PROFESSOR
Essa fase como advogado recém-formado, recém-casado e estudante de
pós-graduação foi bastante rica e intensa para mim. Tudo era novo e envolvente.
Cheguei à São Paulo/SP, em janeiro de 2004, e as aulas do curso de pós-graduação
tiveram início no mês de março do mesmo ano.
Nos quase dois meses em que não havia iniciado o curso, procurei
acompanhar a atividade do escritório jurídico que minha cunhada tinha com uma
sócia. Minha cunhada (alagoana) já residia em São Paulo há uns quatro anos. Veio
antes com o propósito de estudar em curso preparatório para concursos nas
denominadas carreiras jurídicas. Acabou ficando, pois se casou com um alagoano
médico que residia em São Paulo.
O escritório funcionava no térreo de um sobrado no Bairro da Vila Mariana.
No piso superior do mesmo prédio residia sua sócia. A advocacia era voltada para a
área cível e trabalhista. Tratava-se de duas advogadas muito organizadas e com
muita vontade daquele escritório dar certo.
Nossa chegada (minha e de minha esposa) em São Paulo/SP despertou o
interesse de minha cunhada fazer também uma pós-graduação. Lembro-me que ela
ficou assustada ao saber que nós tínhamos ido inicialmente somente para estudar,
buscar uma qualificação profissional e ela há mais de ano naquela cidade, ainda não
tinha atentado para essa possibilidade.
Comecei a acompanhar minha cunhada em seu dia-a-dia para poder
conhecer os fóruns de São Paulo/SP e adaptar-me àquele mundo bastante diferente
do meu. De saber andar de metrô até divulgar seu escritório. Percebi que cliente não
cai do céu e que havia uma concorrência até desleal por alguns colegas advogados.
As duas passavam grande parte do tempo buscando uma forma de ter um
rendimento com aquela atividade.
Percebi que alguns fatores não concorriam para o crescimento do escritório.
Um deles era a localização. Muito embora a capital paulistana tenha uma população
numerosa, muitas indústrias, empresas de grande, médio e pequeno porte, um
comércio denso, grande também é o número de oferta de serviços advocatícios.
Desse modo, não oferecia os meios para alguém que não conhecesse seus serviços
chegasse à procura de um profissional. Ressalte-se que nem placa havia no local.
As sócias, por vezes, trabalhavam para escritórios maiores em regime de parceria.
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Relatei há pouco que a concorrência era desleal. Fui informado pelas
colegas advogadas que existia uma grande oferta de “agenciamento de clientes”
feito por pessoas que recebiam uma comissão de escritórios se levassem clientes
para lá. Eram e são os chamados agenciadores de “paqueiros”, derivando o termo
da palavra popular paquera.
Enquanto não iniciavam as aulas, por vezes, fiz companhia a minha cunhada
advogada a escritórios de parceiros de trabalho dela. Estava muito entusiasmado
com a possibilidade de poder atuar agora como advogado em um processo. Certa
vez, dirigimo-nos ao centro da cidade para irmos ao fórum João Mendes Junior
(Justiça do Trabalho) que ainda funcionava na época. O prédio ficava próximo à
Estação Sé.
Assim que saímos da Estação Sé deparamo-nos com uma imensa
quantidade de “paqueiros” distribuindo cartões de escritórios jurídicos. Senti certo
desconforto com aquele mercado de oferta de serviços. Serviço que já existira em
Maceió/AL, mas não tão exposto daquela maneira.
Eu só tive conhecimento da atuação dos agenciadores em Alagoas quando
voltei. Indaguei a colega advogada se não havia fiscalização da OAB/SP em relação
àquela prática ilegal. A resposta foi que dentro daquele universo era muito difícil
controlar a atuação dos “paqueiros” que faziam daquilo meio de vida.
Chamou-me a atenção, quando chegamos ao fórum, o fato de a colega
advogada receber a contestação das mãos de uma preposta da empresa. Ela não
sabia ainda do que se tratava e devia participar da audiência como advogada da
empresa. Ela relatou, naquele dia, que aquilo era constante.
Daí veio o questionamento de como poderia o advogado atuar com certo
grau de qualidade se não conhecia com propriedade dos fatos. A resposta da
advogada foi à altura indagando-me se eu pensava que os juízes conheciam
previamente do conteúdo dos processos em que eles figuram como presidentes nas
audiências de instrução. Daí a máxima extraída do brocardo latino: quod non est in
actis non est in mundo (o que não está nos autos não está no mundo).
Meu pensamento estava voltado para uma advocacia menos impessoal. Mas
interessada em atingir uma condição de segurança e busca pela satisfação dos
interesses subjetivos dos meus clientes. Contudo, não deixei de admirar a
participação da colega e de crer que um dia eu estaria apto, pronto para atuar
daquela forma.
62
Dos poucos dias em que acompanhei a colega advogada em seu ofício, no
meu entender, foram momentos ricos de aprendizagem. Novos horizontes e
perspectivas foram-me apresentados. Comecei a pensar como poderia levar algo de
bom para meus futuros clientes em Maceió/AL. Fato novo foi o que soube via
telefone em conversa com meu pai.
Acabara de desfazer a sociedade que tinha com dois colegas, tendo em
vista que um deles havia passado em um concurso público (Polícia Rodoviária
Federal) que o impossibilitara a prática da advocacia e outro estava mais
interessado em prestar concursos na área jurídica.
Disse que eu seria seu novo sócio. Fiquei muito entusiasmado e contente.
Pediu que eu aproveitasse a oportunidade que estava tendo para levar o que fosse
de bom para nosso escritório. Disse, ainda, que estava à procura de uma sala
melhor, mais ampla para o nosso escritório. Firmei o compromisso de com o esforço
do meu estudo e dedicação dispensada em trabalho prático, mesmo não
remunerado, ganhar experiência para agregar na atuação do escritório.
Finalmente, chegou o dia da primeira aula da pós-graduação. Como de
costume, cheguei cedo e fiquei no aguardo do início do curso. Com a chegada dos
colegas fomos fazendo as devidas apresentações. A maioria estava acabando de
sair da jornada diária de trabalho, buscando naquele curso a qualificação técnica
para o mercado. Do grupo só não eram da capital e do estado de São Paulo eu e
uma colega de Belo Horizonte.
O espanto dos colegas era muito grande quando eu fazia a minha
apresentação e dizia que era de Maceió/AL e estava na capital de São Paulo por
conta do curso. Por coincidência, somente eu e a colega mineira éramos recém-
formados.
A maioria era composta de advogados com certa experiência prática e
alguns poucos com uma larga experiência. Era visto por alguns como alguém que
tinha muito dinheiro. Para eles, como podia alguém recém-casado e recém-formado
custear uma vida de valor tão elevado como era (e ainda o é) o de São Paulo.
Informei que tudo aquilo havia sido objeto de preparação prévia. Era a
realização de algo que foi planejado por mim, minha esposa e nossos pais. Expliquei
que se tratava de um investimento alto, mas acreditávamos que aquela aventura
valeria muito a pena profissional e pessoalmente. Indiscutivelmente, o Sudeste é um
grande polo educacional nas mais variadas áreas de conhecimento. O histórico de
63
colegas que tinham tido a experiência que buscávamos e obtiveram sucesso
profissional era bastante positivo em nosso estado.
Recepcionado pelo coordenador do curso e o professor que iria ministrar
aula naquele dia, após as apresentações institucionais e de conteúdo da disciplina, o
docente tratou de buscar informações dos participantes do curso. Percebi que
estava acontecendo novamente o que ocorrera quando fui recebido na graduação.
Mesmo procedimento de recepção. Gostava daquilo, sempre acreditei ser
pertinente, conhecer como era a dinâmica do curso.
Como esperava, aparentemente, o curso tinha professores conhecedores
dos seus conteúdos e larga experiência prática em suas atuações profissionais,
incluindo a docente. À época, eram dois doutores, três mestres e dois especialistas,
dos quais um era mestrando. O curso acontecia de segunda às quintas-feiras, das
19:00h às 22:00h, com um intervalo de 20 minutos.
Notei logo a diferença no discurso dos docentes e a forma como a aula
acontecia. Existia um incentivo significativo de que os discentes participassem das
discussões e emitissem suas opiniões, dividissem suas experiências. Enfim, foi
sugerido que criássemos um grupo de trabalho em todas as disciplinas.
Alguns docentes exigiam que elaborássemos um paper da aula subsequente
para entregarmos ao fim de cada aula. Conheci naquele instante uma ferramenta
muito eficaz, ao menos para mim, de conhecermos o conteúdo a ser discutido ou
ministrado pelos docentes. Alguns colegas ficavam bastante chateados por conta do
tempo que aquelas atividades dispensavam. Como eu tinha boa parte do dia livre
para leitura era bastante proveitoso aquele exercício.
Com o tempo, senti a necessidade de preencher meu tempo fora da leitura
com a tão esperada atuação prática. Resolvi me dispor ao trabalho perante meus
colegas de sala. Contudo, encontrei uma barreira que foi a demora em sair minha
carteira da OAB/SP. Como existe um processo administrativo muito criterioso na
apreciação de documentos acostados, a OAB/SP oficiou a faculdade em que fiz a
graduação em Alagoas para saber da veracidade das informações constantes em
meu histórico escolar.
Tudo isso demandou uns três meses, ou seja, somente em meados de julho
fiz o juramento e recebi minha carteira. Para mim foi, em que pese eu estivesse
sozinho no momento, sem ninguém da minha família, um momento mágico, único,
64
mais importante e significativo do que a colação de grau. Solenidade muito bonita de
juramento e posterior entrega das carteiras.
Mesmo assim não desisti e persisti perante os colegas até que um colega
que voltava conversando comigo no metrô e participava do grupo de trabalho em
sala de aula, após a aula, em uma quinta-feira, véspera de feriado, fez-me um
convite de irmos (eu e minha esposa) com sua família a uma casa de praia na
baixada santista.
Fiquei com receio por não conhecê-lo a ponto de passar um fim de semana
em sua casa. Mas, como havia passado mais de dois meses de curso, sempre
conversávamos sobre nossas famílias, conversei com minha esposa e resolvemos
acompanhá-los, mas em nosso carro. Qualquer desconforto voltaria à casa. Naquele
fim de semana prolongado, conversamos bastante sobre atuação profissional e
sobre o curso que estávamos participando.
No que se refere à atuação profissional, o colega me disse que era
advogado criminalista e atuava no campo da responsabilidade civil. Indaguei a razão
de polos tão distantes. Ele informou que gostava muito do Direito Penal, havia sido
inclusive policial militar no estado de São Paulo, e que a parte da responsabilidade
civil surgiu do trabalho que efetuava para o sindicato dos taxistas autônomos do
estado de São Paulo.
Era advogado desse sindicato e por conta disso sempre impetrava ações de
reparação por danos materiais e morais, na maioria das vezes, oriundas de sinistros
advindo do trânsito. Aduziu também que era grande o volume de ações envolvendo
taxistas seja como réu ou como vítima.
Naquele momento, perguntei se não existia, por conta do grande volume,
carência de advogados para atuar junto aos interesses da classe. A resposta foi
positiva e o colega disse que a solução encontrada pelo sindicato era a contratação
dos serviços de advogados freelancer.
Coloquei-me, naquele instante, à disposição para atuar como advogado,
mesmo sendo algo esporádico, e tive de resposta a informação de que ele me
levaria ao sindicato e me apresentaria aos colegas e ao presidente do sindicato, que
por coincidência era também alagoano. Ainda, no mesmo fim de semana,
conversamos também sobre o curso de pós-graduação que fazíamos. Disse ao
colega que estava muito contente, que era uma matéria que gostava bastante.
Enquanto ele, disse-me que estava fazendo a pós por conta do sindicato.
65
Ele não conhecia bem o direito do trabalho e havia no sindicato a
necessidade de um advogado especialista na área, por isso resolveu fazer o curso.
Eu notava que na sala de aula ele não se mostrava interessado com o assunto
ministrado.
Dispus-me a ajudá-lo no que fosse necessário, tirando dúvidas,
emprestando alguns livros, a fim de que ele conseguisse compreender as matérias
no curso. O fim de semana prolongado foi muito rico em troca de experiências,
principalmente para mim que estava ali como o advogado recém-formado.
Com o retorno às aulas, recebi o convite esperado de conhecer o sindicato e
acompanhá-lo nas audiências no Juizado Especial Cível e Criminal da capital
(JECC). Fiquei impressionado com a organização do sindicato. Lá havia uma farta
oferta de serviços aos taxistas vinculados. Desde tratamento odontológico à terapia
com psicólogos.
Para mim, que até então só conhecia sindicato por meio dos livros e da
legislação aplicada, imaginei de certa forma o que era assistência. O sindicato tinha
tantos membros que até existiam stands com carros novos em suas dependências.
Em seguida, fomos ao fórum para que o colega participasse de uma audiência no
juizado. Conforme era esperado, tratava-se de ação de reparação por danos
oriundos de abalroamento de veículos, um deles sendo o carro de um taxista.
E, assim, acompanhei o colega por diversas audiências até que pouco
tempo depois fui convidado para fazer audiências caso não houvesse
disponibilidade dos advogados do sindicato. Aceitei prontamente e começaram a
surgir, semanalmente, uma ou duas audiências. Como havia acompanhado o colega
em audiências em vários fóruns, conhecia onde ficavam e a dinâmica daquela
atividade.
Em meio àquelas audiências pelo sindicato, surgiu um convite do colega
para atuar em um processo não vinculado ao sindicato, mas a ele como patrono da
causa. Tratava-se de uma reclamatória trabalhista. Aceitei prontamente e agradeci a
oportunidade e confiança depositada. Disse-me que como eu conhecia mais de
Direito Material e Processual do Trabalho seria uma oportunidade de participar da
minha primeira audiência trabalhista.
Aconteceu no fórum Rui Barbosa na Barra Funda. Tudo correu bem, apesar
do nervosismo que é natural em estreias. Logo após a audiência, fui assistir a outras
que aconteciam naquele imenso fórum, aguardando o momento de ir à aula da pós-
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graduação. Aleatoriamente, assisti a audiências dentre as noventa varas do trabalho
existentes naquele fórum.
Por coincidência, entrei em uma vara em que o juiz titular era o hoje
Desembargador Federal do Trabalho e ao tempo meu professor da disciplina Teoria
Geral do Direito do Trabalho na pós-graduação Dr. Adalberto Martins. Entrei na sala
de audiência e me sentei em um sofá.
Como em sala de aula, o professor conduzia muito bem as audiências, ficou
claro o que estava acontecendo, mesmo para um advogado recém-formado e recém
inserido nas audiências trabalhistas. Pessoa de fino trato e cortesia com os colegas
de trabalho, servidores, advogados e jurisdicionados. Longe da imagem de
arrogância e empáfia presentes em alguns daqueles membros do poder, objeto
inclusive da atenção de comediantes e contadores de história em todo o País.
Fiquei por quase toda a tarde presenciando as audiências. Até que em dado
momento o professor indagou se minha audiência era a próxima. Eu respondi que
não, que estava ali somente assistindo às audiências e continuei sentado. O
professor/magistrado deu continuidade aos trabalhos dentro da pauta do dia. Com o
fim da pauta de audiências, fui cumprimentar o professor e disse-lhe que era seu
aluno na pós em Direito do Trabalho nas Faculdades Metropolitanas Unidas
(UniFMU).
Noticiei ao orientador de classe que estava naquele momento a assistir às
audiências para conhecer melhor a atuação/atividade dos profissionais em
audiência. Disse-lhe, ainda, que havia participado como advogado da minha primeira
audiência naquela tarde e estava bastante empolgado com a novidade e com toda a
estrutura física e de pessoal voltadas para a população, advogados e jurisdicionados
no Fórum Rui Barbosa.
Naquele momento, ele contou que estava saindo para ir ministrar aula na
pós-graduação na UniFMU. Afirmei que já sabia disso e que nos encontraríamos lá
no curso à noite. Pelo meu sotaque fui indagado de onde eu era. Respondi que era
de Maceió e estava em São Paulo por conta do curso. Ele ficou surpreso com o que
disse e averiguou se eu estava de carro. Respondi que não sabia dirigir naquela
região em São Paulo e meu meio de transporte no momento era o Metrô.
Imediatamente, ele me ofereceu uma carona caso eu quisesse aguardar o
despacho em seu gabinete de uns poucos processos. Meio que surpreso e sem
jeito, aceitei e aguardei ele despachar os processos em seu gabinete. No caminho,
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fomos conversando sobre São Paulo, seu trânsito, as praias do nordeste, a cidade
de Maceió e sobre o curso. Disse a ele que estava gostando muito do curso, que
gostava da forma como ele ministrava suas aulas e que tinha muita vontade de não
parar minha qualificação profissional na pós-graduação lato sensu.
A conversa foi muito proveitosa. O professor havia feito mestrado e
doutorado com licença remunerada concedida pelo Tribunal Regional do Trabalho
da 19ª Região. Falou que o concurso público lhe trouxe estabilidade e perguntou se
eu tinha interesse em prestar algum concurso, investir no mundo acadêmico ou
advogar.
Respondi que meu propósito era buscar qualificação técnica necessária e
quando retornasse decidiria o que fazer. Falei que alguns conterrâneos haviam
investido nos estudos em São Paulo e o resultado, na maioria dos casos, era
bastante satisfatório.
Conforme orientação dele, deveria primeiro buscar clientela (como
advogado) ou a aprovação em um concurso público, depois, com mais folga e
tranquilidade, eu deveria pensar em seleção de programas de mestrado e
doutorado, se minha intenção fosse a de pesquisar ou ministrar aulas.
Confesso que naquele instante nem tinha ideia do que era pesquisa
acadêmica, muito menos em definir se eu gostaria de ser um professor universitário.
Mais remota ainda seria a ideia de ter a capacidade/competência de ser autor de
livros jurídicos como o professor.
Interessante foi o breve, porém, rico relato de sua história profissional.
Disse-me que sua primeira graduação foi em Matemática (licenciatura e
bacharelado), logo após obteve graduação em Pedagogia, em seguida Direito.
Pensei comigo mesmo como seria minha formação, minha história de vida
profissional. Por que caminho, ou quais os caminhos teria de percorrer para chegar
a uma situação confortável e realizadora como a do professor doutor/juiz/autor de
livros jurídicos.
Indaguei o motivo de o professor ensinar já que não necessitava do salário
de docente para viver. Ele prontamente me disse que ensinar era um prazer, que o
ensino lhe trazia contentamento e que sua formação inicial tinha sido de professor
de matemática. Confesso que me admirei com a forma como aquele docente me
deu orientação. Com a atenção dispensada.
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Relato porque fui tratado como alguém próximo, um colega de trabalho.
Jamais imaginei que poderia estar tendo uma atenção daquelas de um Professor
Doutor, autor de livros que havia lido na faculdade e além de tudo Juiz do Trabalho.
Faço a observação de, acima de tudo ter tido atenção de um Juiz, por conta da
cultura local de que juízes não são pessoas de fácil acesso, são mais reservados.
Fato é que foi muito proveitosa a conversa e extraí a ideia de compartilhar
minha vida profissional de advogado com o mundo acadêmico. Ideia incipiente
diante do rol de possibilidades de atuação profissional fora da docência.
No curso, tivemos uma disciplina denominada Metodologia da Pesquisa e do
Ensino Superior. Essa disciplina foi bastante importante para o cumprimento das
demais. Isso porque havia um seminário em cada uma das matérias. No seminário,
os grupos faziam apresentação do conteúdo definido pelos docentes.
Com as aulas, tivemos orientação sobre o trabalho docente na elaboração
de uma aula, na apresentação desse conteúdo em sala de aula e da necessidade de
se fazer compreendido pelos destinatários da informação. Fomos apresentados a
alguns textos sobre didática e instigados a discutir em grupo sobre o tema.
Interessante foi a ideia de cumprirmos essa disciplina junto com alunos da
pós-graduação em Direito Empresarial. Nós apresentávamos o conteúdo do nosso
trabalho, não para nossos colegas de sala, mas para desconhecidos e pessoas que
buscavam a especialização em outra matéria. Agora não como aluno da graduação
e sim de pós-graduação, pesava sobre meus ombros a responsabilidade de fazer
um bom trabalho, afastando ao máximo a ideia de erros na apresentação.
Não bastasse a pressão natural, ainda recaia sobre mim o fato de ser
nordestino com o dito sotaque carregado. Os colegas de sala estavam cientes e
acostumados, mas os demais alunos quando comecei a falar observaram com mais
atenção (alguns com ar de riso) ao que eu dizia. A solução foi me valer das técnicas
apresentadas no curso de oratória que fiz quando estava ainda no primeiro período
da graduação em direito.
Por fim, tudo correu bem. Cumprida nossa parte naquela atividade em
grupo. Gostei bastante da experiência e acima de tudo do desafio. Aquela atividade,
quando do seu término, trouxe-me certo ar de capacidade e possibilidade por
imaginar ter vencido umas das etapas inerentes à função de orientador de classe,
qual seja, a de falar a um público e ser presumidamente compreendido.
69
Recebi o cumprimento de muitos colegas pelo meu desempenho. Depois
disso, busquei o aprimoramento da técnica de apresentação nos temas constituintes
dos objetos de estudo nas demais disciplinas.
Precisei, também, das orientações da professora da disciplina Metodologia
da Pesquisa para elaborar meu projeto e posterior realização do trabalho
monográfico junto ao meu orientador.
Como era complexa aquela atividade. Primeiramente na escolha do tema,
posteriormente na delimitação e reconhecimento do que seria o problema. Adquiri
uma obra sobre metodologia da pesquisa ainda na graduação. Obra essa que trazia
informações sobre metodologia da pesquisa e apontava as regras dispostas pela
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para a realização do trabalho
monográfico.
Chegou o momento de escolha do orientador e conversei com o professor
Dr. Adalberto Martins, mas ele me disse que tinha chegado ao limite máximo de
orientandos. Com sua costumeira cordial atenção trouxe valiosas ponderações e
dicas acerca de meu projeto de pesquisa.
Em seguida, procurei o professor especialista, e ao tempo mestrando, hoje
mestre, professor João Carlos da Silva por quem fui muito bem recebido. Discutimos
sobre o tema e ele se dispôs a me orientar.
Segui à risca as normas dispostas por ele, escrevia e entregava o resultado
para que ele fizesse suas considerações e sugestões. Passei um bom tempo lendo
as obras por ele indicadas, antes de escrever, fazendo o resumo e catalogando
aquilo que, mais tarde, seria ou poderia ser objeto de citações ou dados importantes
para o trabalho.
Em meio a essa fase do curso de pós-graduação, comecei a fazer o curso
preparatório para concursos nas carreiras jurídicas do Professor Dr. Damásio de
Jesus no turno matutino. Isso se deu após recebermos a visita de meus pais e eles
questionarem o que eu estava fazendo para aproveitar a estada em São Paulo e se
eu estava feliz com a vida que estava levando.
Antes, passava o turno da manhã e da tarde estudando em casa e algumas
vezes, quando solicitado, fazendo audiências, confesso que sentia falta de uma
rotina mais dinâmica. Passava quase o dia todo sozinho em um apartamento
pequeno lendo sobre os temas da pós-graduação.Com o passar do tempo, por
estar a maior parte do dia sozinho, comecei a perder o ritmo de estudos e a
70
desenvolver uma fadiga despropositada, sonolência, desinteresse, falta de
concentração.
Foi aí que resolvi fazer o curso. Recebi o apoio moral e financeiro de meus
pais e fiz a matrícula no cursinho. Fiquei bastante instigado a estudar outras
disciplinas que não as constantes na pós. Comecei a pensar em fazer concursos,
mas estava diante de uma realidade que não a minha.
Conforme verifiquei, era muito difícil concorrer com pessoas que passavam a
vida estudando para determinado concurso. Fiquei impressionado com a dinâmica
das aulas. Eram cinco aulas de cinquenta minutos cada. O volume de informações
era imenso e denso.
Os alunos passavam a manhã no cursinho e o resto do dia estudando, ou na
biblioteca, ou em casa. Alguns colegas passavam o dia quase que inteiro estudando.
Vários alunos eram de outras cidades, de outras regiões do País. Só paravam de
estudar dez minutos em cada hora de leitura, na hora de ir ao banheiro ou para se
alimentar.
Minha realidade era a de dividir a atenção dos estudos do cursinho com a
pós e quando chegasse a hora do meu retorno à Maceió tinha que trabalhar no
escritório montado por meu pai, pois estava casado e deveria assumir as
responsabilidades decorrentes da minha escolha.
Mas, vivenciar aquele meio também foi uma experiência rica para minha
formação. Aprendi bastante com as aulas do cursinho. Os professores eram muito
bem preparados e intencionados. Alguns até famosos em todo o território nacional
por conta das aulas transmitidas por intermédio de satélites, com receptores nas
franquias existentes e espalhadas em vários estados da federação.
Eram tratados como “estrelas”, também por muitos deles possuírem
produção bibliográfica e estarem na condição de aprovados em concursos ou
advogados de sucesso reconhecidos local e nacionalmente.
Discurso sério e descontraído, ao mesmo tempo, era o da busca constante
pelo sucesso, da não desistência dos objetivos e sonhos. Alguns deles tiveram a
competência de esclarecer conteúdos que lutei na graduação para compreender
sem obter sucesso mesmo com a leitura de livros.
Gostava da forma como os responsáveis pela dinâmica do curso distribuíam
as aulas, levando-se em conta a complexidade do conteúdo e o talento de cada
docente. Isso não nos fora explicado em sala de aula, mas percebi que tudo era
71
planejado e articulado para um bom aproveitamento do conteúdo ministrado pelos
docentes.
Isto é, percebi que a disciplina Direito Civil (Direitos Reais) era a última aula
da manhã, por conta da importância e da eloquência do docente. A aula tinha início
às 11:50h e término às 12:40h. Muito raro ver alunos irem embora apesar da hora do
almoço. Aulas com conteúdos mais simples aconteciam no início da manhã.
Isso funcionava em uma turma numerosa e presumidamente interessada na
assimilação de conteúdo, conteúdos estes que estavam na maioria dos editais de
concursos para provimento nos cargos das chamadas carreiras jurídicas.
Na reta final de minha estada em São Paulo, minhas atividades consistiam
no turno matutino: ir ao curso do professor Damásio de Jesus; no período da tarde:
participar de audiências, fazer a leitura necessária para a pós e curso preparatório e
escrever a monografia; no turno da noite: ir às aulas da pós.
Houve, portanto, o preenchimento e diversificação das atividades durante o
dia, representando ao final, acredito, um ganho real (otimização) da minha ida a São
Paulo, muito embora, ao custo de relevante desgaste físico e mental.
Chegado o momento do término das aulas em dezembro e o consequente
cumprimento das disciplinas da pós-graduação, voltamos à nossa cidade natal
cheios de esperança e confiantes de que poderíamos fazer um bom trabalho e quem
sabe, por via de consequência, colher bons frutos. Entretanto, não faltavam ideias,
possibilidades, inquietações, angústias em relação ao meu futuro profissional.
Antes de arrumar a mudança, recebi uma ligação do meu pai e relatou que
foi procurado por uma colega advogada que residia no mesmo prédio em que ele,
em razão de uma consulta sobre matéria trabalhista. A colega havia recebido uma
notificação judicial (reclamatória trabalhista) e indagou a ele se ele militava nessa
área. A resposta dele foi que não, mas que seu filho, referindo-se a mim, era
especialista em Direito do Trabalho e estava naquele mês voltando de São Paulo
por conta de uma pós-graduação que havia feito.
Prontamente, a colega disse que aguardaria meu retorno e demonstrou
interesse em saber se eu gostaria de participar de uma seleção para ministrar aula
na faculdade em que era professora e trabalhava na assessoria acadêmica da
coordenação do curso.
72
Fiquei contente em saber que assim que chegasse havia uma cliente a
espera, mas não dei muita importância sobre a seleção para professor. Talvez por
estar ainda inseguro em relação à minha condição.
Arrumei as malas e os preparativos da mudança. Acreditei que estava
levando uma bagagem importante de conhecimentos no sentido amplo da palavra e
experiências vivenciadas que jamais poderiam deixar de intervir em minha
personalidade, meus sentidos e sentimentos. No entanto, não tinha definido
plenamente o que realmente iria fazer. O mais próximo e real era o escritório de
advocacia que iria montar com meu pai.
Quando cheguei à Maceió, após a recepção calorosa dos familiares,
passamos a por em prática aquilo que fora motivo de acerto na conversa com meu
pai em relação ao escritório jurídico. Procuramos uma sala comercial mais ampla do
que a anterior. Ao encontrarmos e ajustarmos o conteúdo do contrato (prazo, valores
etc.), pesquisamos valores de móveis e equipamentos de escritório.
Apesar de empolgado com a possibilidade de fazer daquele local, não só o
ganho do pão de cada dia, mas o centro de minhas atividades, novamente, e com
maior frequência, meu pai, mesmo com todo o investimento empregado na estrutura
do escritório, aconselhava-me a fazer um concurso público para as chamadas
carreiras jurídicas. Estava ele meio desmotivado com a prática da advocacia por
alguns fatores. Um deles era que ainda não tinha uma clientela que correspondesse
ao investimento feito.
A advocacia não só em Alagoas, mas na maioria dos casos para advogados
recém-formados, só produz frutos em um futuro longínquo devido a alguns fatores
como baixa renda dos clientes e demora na prestação jurisdicional. Aquele que
procura o advogado, faz-lo buscando socorro para seus direitos serem respeitados e
preservados.
Com exceção da advocacia criminal, para a qual o cliente, muita vezes,
encontra-se preso, clientes têm prioridades em seus gastos (alimentação, moradia,
transporte, vestuário, lazer etc.). Estando preso, o cliente prioriza a busca pela
liberdade. Faz-se rateio em família para pagar os honorários do advogado, vendem-
se bens ou, às vezes, o dinheiro está facilmente disponível por conta de ser produto
de ação criminosa. Mas há pagamento antecipado.
Na militância trabalhista e cível, áreas que pretendia atuar, a realidade era
outra. Advocacia nas varas de família, por exemplo, em sua maioria é feita por
73
intermédio da Defensoria Pública Estadual. Não que estivesse fechado para os
demais campos de atuação, mas sentia mais segurança no que fazia nessas áreas.
Certo dia, conversando com um colega advogado criminalista em São Paulo,
ele me fez um relato de que certa vez foi procurado por uma mãe de um preso para
saber quanto custaria para ele solicitar a liberação do filho judicialmente.
Após explicar a acusação que recaia sobre o filho (tipificação penal), o
colega advogado lhe disse que o valor dos honorários era de R$ 2.000,00 (dois mil
reais). A mãe desesperada, com lágrima nos olhos, pediu que ele fizesse o serviço
por R$ 800,00 (oitocentos reais) porque não dispunha de tal quantia. Tratava-se de
pessoa humilde, esteio da família, que vivia com renda de um salário mínimo para
cuidar de três filhos.
Sensibilizado com a situação da mãe o colega resolveu aceitar. Fez o
trabalho e o preso foi solto. Um dia após a soltura recebeu uma visita inesperada. O
cliente solto perguntou se ele sabia quem ele era. Prontamente, o colega disse que
sabia, pois havia prestado um serviço para ele, liberando-o da prisão no dia anterior.
Naquele instante, o cliente disse que o motivo da visita devia-se ao fato de que ele
deveria devolver o dinheiro de sua mãe.
Imediatamente, o colega respondeu que a mãe dele pagou aquele valor em
razão dos honorários advocatícios. Não aceitando a resposta do profissional, em
tom de ameaça, disse-lhe que só sairia daquele escritório quando o dinheiro fosse
devolvido. O profissional informou que não tinha mais o valor em mãos, pois teria
feito compras em um supermercado com o numerário. Não satisfeito, o referido
cliente lhe apontou uma arma e levou um computador portátil do advogado, sob a
ameaça de que se ele o denunciasse seria um homem morto.
Disse-me o nobre colega advogado que a sensação foi horrível. De
impotência e indignação ao mesmo tempo. A informação passada pelo colega foi de
que a advocacia criminal mesmo tendo um retorno financeiro mais imediato, muitas
vezes restringe-se ao pagamento do sinal dado e a eventuais surpresas
desagradáveis. A atenção que se exige ao preso e à família a ser dispensada pelo
advogado criminalista é grande. A cobrança de saldo de honorários se torna uma
atividade muito desgastante e perigosa, em alguns casos.
Em um churrasco, na casa de meu sogro, encontro o professor que me
orientou na elaboração da monografia pois ele é casado com a prima de minha
esposa –, tive a liberdade de fazer alguns questionamentos e solicitar algumas
74
orientações. Tivemos uma conversa muito proveitosa. Pedi orientação para minha
investidura na militância advocatícia como alguém que estava iniciando minha
carreira profissional e que gostaria de atuar, assim como ele atuava em sua
atividade principal. Ressalte-se que por essa atividade advocatícia havia o
reconhecimento e respeito da comunidade alagoana.
Das frases ditas que me chamaram a atenção foi a de que não há na
atualidade a possibilidade do advogado ser um generalista “clínico geral” devido à
enorme quantidade de áreas de atuação e vasta legislação. Disse-me “seja um
especialista em uma determinada área”.
A especialidade escolhida por ele é de advogado criminalista. É também
docente das disciplinas correlatas a sua atuação profissional (Direito Penal, Direito
Processual Penal e Criminologia). Informei que havia recebido um convite para
ministrar aulas na faculdade em que ele ensina e recebi dele uma palavra de
incentivo para participar do grupo de docentes da instituição.
Dentre os aspectos positivos apontados para o profissional militante ser
professor está a divulgação do seu trabalho como uma “vitrine”, constante
atualização de conteúdo e que há uma pequena, porém importante remuneração,
sobretudo para alguém que estava iniciando a carreira profissional. Foi o bastante
para que eu acolhesse de bom grado as orientações e fizesse a visita à colega na
IES respectiva.
Fui bem recebido pela colega e pelo então Diretor da Faculdade. Fui
indagado sobre minha estada em São Paulo no tocante aos cursos que fiz. Relatei
todos conforme o currículo e de imediato perguntaram se eu gostaria de contribuir
sendo um professor “coringa” (professor itinerante).
Justificaram o convite antes de explicar do que se tratava, informando que,
como alguns docentes haviam participado e obtido aprovação na seleção da
primeira turma de Mestrado em Direito Constitucional da Universidade Federal de
Alagoas, havia uma situação recorrente de ausência desses docentes nas aulas do
turno matutino.
Surgiu daí a necessidade de um docente que fosse para a sala de aula no
dia em que o orientador de classe não pudesse ir. Seja por conta das aulas do
mestrado ou qualquer outro motivo corriqueiro como audiências, problemas
relacionados à saúde, participação de bancas de conclusão de curso, congressos
etc.
75
Informaram que o professor imbuído desta função substituiria a ausência do
docente trazendo algum conteúdo, uma palestra, dispondo e discutindo temas
relevantes e atuais de acordo com a possível compreensão e assimilação, tendo em
vista que esse docente “coringa” cumpriria com a correspondente atividade do 1º ao
3º ano do curso. Mais precisamente do 1º ao 5º períodos, no turno matutino.
Disse-me o diretor, também, que seria necessária a permanência à
disposição da faculdade em todas as manhãs de segunda a sexta-feira e que eu
teria como contraprestação o pagamento correspondente a 20 (vinte) horas aulas
semanais independentemente da entrada ou não em sala de aula.
Naquele momento, percebi uma oportunidade de mostrar meu trabalho e
receber um valor mensal que colaborava com as despesas básicas de uma casa,
aliado aos benefícios decorrentes de um contrato de trabalho, como férias, décimo
terceiro salário, FGTS, recolhimento previdenciário etc.
Recém chegado à Maceió foi uma oportunidade que não poderia perder. De
imediato aceitei o desafio, muito embora soubesse que seria a chance de ser bem
aceito pelos discentes ou rechaçado pelos alunos em razão do meu rendimento
como docente “coringa”. Estávamos em meados de abril de 2005.
Fui encaminhado para a Secretaria do Curso para conhecer quais os
documentos seriam necessários para o registro do contrato de trabalho e, em
seguida, fui comunicado de que seria marcada reunião acadêmica que teria como
pauta a apresentação da novidade perante o corpo docente.
Providenciei a documentação e aguardei até o dia em que fui notificado da
data, hora e local da reunião. Iniciei a partir daquele dia o trabalho de preparar aulas
especiais. Especiais no sentido de ser diferente das aulas convencionais que os
alunos assistem normalmente com os professores titulares ao conteúdo disposto na
matriz curricular.
Logo veio a ideia de tratar de temas polêmicos, discutidos em revistas
especializadas, e que entendia que podia despertar o interesse dos alunos. Como
tinha minha inscrição na OAB/SP recebia em casa mensalmente um jornal do
advogado distribuído gratuitamente com muitos assuntos jurídicos de interesse da
classe. Temas como eutanásia, guarda de menores, trabalho escravo,
argumentação jurídica, enfim, assuntos que poderiam ser discutidos, mesmo diante
de calouros no curso de direito da FADIMA.
76
Após o preparo de um tema, imediatamente fiz a busca por outro e por
outros, sucessivamente, até que chegou o dia da reunião em que seria apresentado
pela direção do curso aos docentes. A reunião aconteceu em uma sala de aula, pois
o número de docentes do turno da manhã não permitia que ocorresse na direção da
faculdade.
Deparei-me com vários professores que foram meus mestres e alguns
poucos que não foram. Com a presença da maioria, no horário designado, o então
diretor fez uso da palavra explicando a novidade.
Logo se estabeleceu a discussão e/ou inquietação de alguns em relação à
atividade. Dúvidas surgiram como “o colega vai ministrar o assunto do professor
ausente?” “Ele terá caderneta, portanto, fará alguma atividade que atribua nota ou
frequência? Será uma espécie de monitor professor?
Retiradas as dúvidas pela direção, foi dito que o meu papel era de
colaborador em atividade acadêmica, com o único propósito de que os discentes
com a ausência do professor não ficasse no ócio, evitando, por conseguinte,
eventuais reclamações quando o assunto fosse assiduidade dos docentes.
Percebi alguns fazendo, a meu ver, pouco caso da proposta da atividade,
maculando-a, acreditavam não ser provavelmente bem sucedida em razão do pouco
interesse dos alunos nas aulas com professores que estão com a ferramenta
“caderneta” em mãos, imagine se não fossem fazer prova ou levar falta.
Percebi, portanto, de alguns docentes, certo descaso e desconfiança da
minha capacidade de despertar o interesse dos alunos em discutir sobre temas que
não os das matérias sujeitas às avaliações.
Apresentado como alguém que atrairia a atenção dos alunos e estava apto a
atender à demanda por conta dos cursos que fiz em São Paulo, existiu também
certo grau de insatisfação dos vaidosos por conta da atenção que recaia sobre mim
naquele momento. Como disse anteriormente, à época, poucas pessoas saiam do
estado de Alagoas para estudar em grandes centros de estudo como é o estado de
São Paulo.
Havia, ainda, professores que não tinham feito pós-graduação. Professores
que não sabiam definir o que era um projeto pedagógico de um curso, o que era
didática no ensino superior. Outros punham em xeque a remuneração que eu
receberia por estar à disposição. Achavam moleza o trabalho já que não havia
77
provas para corrigir, dentre outros compromissos que o professor tem de cumprir
como plano de ensino e de aula.
Fato é que eles estavam ali como docentes da casa e não tinham
disponibilidade de estar à disposição em todas as manhãs. Não havia do que
estarem se queixando por prováveis benefícios que tive por conta de suas próprias
limitações temporais. Alguns advogados de escritórios próprios, outros juízes e
promotores em suas respectivas comarcas, que tinham a docência como atividade
secundária.
Realmente, com aquela atividade mesmo remunerada, havia um leque de
perdas de oportunidades na advocacia, por exemplo, audiências nos juizados
especiais que ocorrem no turno matutino, audiências trabalhistas no interior do
estado, atendimento aos clientes no turno da manhã etc.
Sem deixar de apontar o que eu estaria disposto a fazer e em circunstâncias
não muito favoráveis. Alguns poucos chegaram e ofereceram solidariedade,
palavras de conforto, dizendo que a direção do curso tinha tomado uma boa solução
para o problema pontual da assiduidade dos docentes mestrandos.
Em maio de 2005, fui apresentado aos alunos do 1º ao 5º períodos como o
professor “itinerante” e, logo na primeira semana, por três dias iniciei meu trabalho
em sala de aula. Jamais imaginei que seria tão frequente minha ida às salas de aula.
Tanto foi assim que tive de me debruçar nos horários livres para preparar mais e
mais aulas ditas especiais.
Relato como foi essa experiência, a meu ver, formadora. Logo no primeiro
dia, uma segunda-feira, o docente que passaria a manhã toda com a turma não
compareceu por conta de uma aula do mestrado. Como a disciplina tinha uma carga
horária de 100 (cem) horas-aulas, a coordenação do curso, à época, resolveu
concentrar quatro aulas em uma manhã inteira, em cada turma, e em outro dia
somente uma aula para cada, já que são duas turmas em cada período. Nesse caso,
o docente estaria por três manhãs na faculdade.
Fiz minha apresentação em sala e a da proposta de trabalho para aquela
manhã. Antes que eu terminasse a minha apresentação, percebi que alguns alunos
estavam ansiosos procurando se em meu material de trabalho havia a caderneta de
classe. Constatava-se, portanto, de certo modo, o que havia sido dito pelos colegas
professores em reunião.
78
Informei de imediato que não haveria frequência a ser registrada, tampouco
atribuição de nota ou ponto pela atividade a ser desenvolvida naquela manhã
inaugural e mesmo assim permaneceram 70% da turma para assistir ao que eu iria
apresentar.
Os alunos eram do 3º período e naquela oportunidade “pagaram para ver”
se o que eu havia dito sobre o que iríamos fazer naquela manhã seria proveitoso
para eles. O resultado para mim foi proveitoso, pois consegui fazer o que tinha
planejado com sucesso.
O objetivo de minha ação era levar aos alunos a necessidade de consciência
da importância da leitura de textos não só jurídicos, mesmo não sendo objeto de
uma disciplina específica daquela matriz curricular. Como não queria ser cansativo
no discurso, resumi a fala em uma hora e vinte minutos, dispensando-os em seguida
após agradecer a atenção a mim dispensada, colocando-me em seguida à
disposição da turma. Como havia entrado em sala às 08:20h e iniciei o discurso às
08:30h, saímos de sala às 09:50h, conduzidos pelo toque para o intervalo.
Contente com a receptividade e desdobramento daquilo que havia sido
objeto de preparo em um plano de aula, fui logo em seguida para a sala dos
professores, onde, acredito, adquiri informações importantes para minha formação
como docente através da escuta dos relatos de experiências vividas pelos pares.
Impressionado, no início, como as opiniões são antagônicas em matéria
pedagógica, como cada um daqueles docentes se portava diante das questões
cotidianas apresentadas. Como eram felizes e, ao mesmo tempo, insatisfeitos em
estarem na condição de docentes. Como estava no início daquela experiência, ouvia
mais do que falava sobre os temas apresentados.
Em seguida, chegaram a segunda e demais vezes em que me dirigi às salas
de aula para cumprir o mister de ser “itinerante”. Após alguns meses, em agosto,
recebi um convite de um docente coordenador de outro curso de Direito, da
Faculdade Alagoana de Administração (FAA), em Maceió, para ministrar aulas de
Direito do Trabalho a uma turma descrita por ele como problemática.
O professor havia se desentendido com a turma por conta da conversa
constante nas aulas, atrapalhando o desenvolvimento regular das atividades. O
resultado foi que pediu à coordenação para se afastar das duas turmas do turno da
noite, no final do mês de agosto de 2005.
79
O coordenador após a informação prestada indagou se eu gostaria de
enfrentar aquele desafio. De pronto, disse que estava à disposição tendo em vista
que era uma disciplina que havia me especializado e estava gostando de atuar como
docente, mesmo sendo “itinerante”. Enfim, após três meses do início da atividade
docente, estava recebendo proposta e assumindo compromisso de atuar na
condição de professor titular de uma disciplina em outra faculdade prestes a ter dois
empregos formais e um escritório para dar conta.
Fiquei a imaginar quanta coisa estava acontecendo em minha vida sem que
eu me desse ao luxo de planejar. Em minha mente existia uma confusão sem ser
incômoda. Qual seria meu futuro diante de tantas novidades? Ser professor seria
meu destino, assim como se deu com boa parte dos meus familiares? Quanta coisa
ainda tinha de aprender e desenvolver.
A conjunção de professor “itinerante” em uma faculdade à proposta aceita de
ser titular em outra, toda aquela vivência, despertou em mim certo entendimento de
que gostaria de viver naquele mundo. O mundo acadêmico. Além do prazer da
atividade, percebido quando atuava como “itinerante”, havia a expectativa e
esperança de sucesso como titular. Aliado a esses sentimentos, o sentido de
dignidade quando percebi que o meu trabalho estava sendo valorizado pela minha
família contribuiu bastante para continuar investido naquele caminho.
Naquela época, comecei a receber clientes no escritório, em grande parte,
por conta da atividade docente. Aquela exposição que pode ser negativa se o
resultado no acadêmico não for bom, torna-se bastante proveitosa em matéria de
divulgação do trabalho se tudo correr bem no acadêmico.
Com o passar do tempo como professor “itinerante” e a frequência em que
estava em sala sem ser o titular, criei com os alunos um vínculo de cooperação e
respeito mútuo. Por várias vezes fui procurado na época das provas para tirar
dúvidas em diversas matérias.
Essa condição de estar apto para fazer isso se deu por conta dos cursos que
fiz em São Paulo. No preparatório para concursos nas carreiras jurídicas fiz uma boa
revisão dos conteúdos e aprendi muitos temas não dispostos na matriz curricular da
minha graduação. Aliado a esse fator, contribuíram muito as leituras diárias em São
Paulo, já relatadas, das diversas matérias que são objeto de estudo dos alunos na
graduação.
80
Ensinava um pouco de Direito Constitucional, Direito Penal, Direito Civil,
Processo Civil e, por conta de minha pós-graduação, Direito do Trabalho e Processo
do Trabalho. Todo aquele trabalho favoreceu bastante para minha atualização nas
diversas áreas de concentração (Direito Público ou Direito Privado).
A atividade como “itinerante” me fez também perceber, conhecer e ter
acesso, nos dias em que não estava em sala de aula, ao corpo diretivo da
faculdade. De boa parte do que ocorre fora de sala de aula fui sendo apresentado
pela coordenação e com a observação do que acontecia nos bastidores da
faculdade fui amadurecendo em minhas percepções e convicções.
Como titular na outra instituição vivenciei a atuação do docente que
trabalhava com o diário de classe. Em primeiro lugar, o coordenador do curso
apresentou o ementário da disciplina e solicitou que eu preenchesse um formulário
em que se teria com o seu resultado de preenchimento o plano de ensino.
Explicou acerca do sistema de avaliação da IES. Quantas avaliações, média
para aprovação, prova integrada e prova final.
Em seguida, solicitou que eu elaborasse um plano de aula para o semestre.
Novamente deparo-me com outro formulário que deveria preencher. Em que pese,
tenha dado certo trabalho para preparar, mesmo tendo elaborado esses documentos
nas aulas da pós-graduação.
Portanto, não era a primeira vez que cumpria tal atividade, muito embora
fosse a primeira vez que cumpria a atividade oficialmente como docente de uma
instituição de ensino superior.
Enfim, chegou o momento em que fui apresentado como professor pelo
coordenador do curso. Naquele dia, após a saída do coordenador, informei aos
alunos que estava ali em sala para contribuir com o aprendizado de todos e que não
gostaria que fosse feito qualquer comentário quanto ao ocorrido com o docente que
estava substituindo.
Resumi aquele primeiro contato à apresentação do plano de ensino e do
plano de aula. Ao sair da sala, o sentimento foi de que os alunos estavam dispostos
a trabalhar sem gerar mais problemas, como ocorrera no passado próximo deles.
Tudo aconteceu naturalmente no transcorrer do semestre, inclusive na atividade de
professor “itinerante”.
Cumpri com o calendário acadêmico à risca, aplicando as avaliações e
lançando as notas no tempo certo e concluí o conteúdo da disciplina. Em relação
81
aos alunos, observei que existia uma limitação na assimilação do conteúdo
(deficiência, acredito, oriunda de uma precária formação no ensino médio) em
relação aos discentes do turno matutino. A dificuldade dos acadêmicos em escrever,
fazer um resumo de um texto, era significativa. A maioria estava estudando naquele
turno por conta do trabalho.
Entretanto, traziam consigo uma gama importante de informações extraídas
da vivencia laboral. Como ensinava a disciplina Direito do Trabalho, as discussões
sobre as relações de trabalho ganhavam corpo e consistência através dos relatos
dos presentes, o que faltava aos acadêmicos do curso matutino quando, mesmo
como “itinerante”, discutíamos sobre temas de Direito do Trabalho. É certo que
muitas das vezes a interpretação dos fatos pautava-se no senso comum. No mundo
do ser e não do dever ser.
Extrair o que eles tinham de melhor para poder tornar a aula bem produtiva
era um desafio constante. A apatia decorrente da falta de percepção do mundo
laboral e do pouco interesse pela matéria seriam obstáculos que deveriam ser
transpostos por minha atuação em sala de aula. Tinha consciência que deveria agir
diante de tais quadros.
Busquei elementos próximos para despertar interesse dos que não se viam
inseridos nas questões apresentadas. Falava sobre o trabalho do docente,
explicando que havia ali sim uma relação de emprego, espécie de relação de
trabalho; do trabalho doméstico – bastante comum na vida dos acadêmicos.
Ressaltava que em dado momento seriam eles empregados ou empregadores, daí a
importância de se dedicarem ao estudo da matéria.
Com o tempo tive a percepção de que o meu trabalho estava gerando frutos
quando recebi no final das aulas alguns alunos buscando extrair dúvidas acerca de
casos pessoais, fazer algum comentário e, por conta disso, às vezes ficava sem o
intervalo para descanso.
Frutos principalmente para mim, já que as situações apresentadas pelos
alunos, por vezes não vislumbrei, muito menos tinha resposta imediata para
oferecer. Alguns discentes já estavam buscando naquele curso o segundo ou
terceiro diploma. Eram contadores, administradores, médicos, dentistas,
engenheiros, em busca de conhecimentos e que, de certo modo, seriam importantes
para a vida de cada um deles.
82
Essa preparação e formação em outras áreas do conhecimento, sem
sombra de dúvida, agregava e agrega bastante no rendimento da turma. A reunião
dos saberes, das experiências vividas por todos que pertencem àquele espaço,
contribuem significativamente com a formação de todos.
Quando por algum motivo não invocava a participação dos alunos na análise
de um fato jurídico (acontecimento relevante para o direito) ou até mesmo de uma
legislação, ou quando a turma insistia em se manter à margem da discussão
apresentada, o resultado do trabalho restava-se e resta-se comprometido. Por vezes
fiquei inquieto nas aulas em que estive presente quando imperava o monólogo.
Em razão disso, sempre busquei a inquietação dos alunos através da
instigação à discussão dos temas. A dogmática jurídica, quando não posta em
discussão, representa para mim uma estrada sem curvas, aclive ou declive. Remete
o estudante a ideia de que o que está posto é o correto, imutável e intangível.
Com a chegada do final daquele ano rico em novidades e experiências
(2005), chegou o momento do descanso. Férias necessárias à recomposição das
energias e para mim mais precisamente momento de estudar e me preparar para
enfrentar outro desafio.
Assim que chegou o final do ano, recebi do colega coordenador do curso
noturno o convite para assumir mais disciplinas. Até então era uma disciplina
somente e matéria com a qual eu entendia ter intimidade por haver recebido preparo
na pós-graduação (Direito do Trabalho).
Portanto, recebi o convite para assumir duas turmas em que o coordenador
ministrava aulas. Naquele tempo, ele encontrava certa dificuldade de estar em sala
de aula e atender às demandas apresentadas à coordenação do curso.
A disciplina era Direito Civil (teoria geral das obrigações). Matéria que
gostava inclusive, mas não havia aprofundado o estudo além dos poucos livros
sobre a disciplina que havia estudado na graduação.
O colega disse “você vai dar conta” e eu, mais uma vez, sem reserva aceitei
de imediato. O colega fez a doação de uns três títulos que tinha repetido (visto que
recebia oferta da editora) e se colocou à disposição para tirar dúvidas.
Trouxe a novidade a casa e recebi o costumeiro incentivo da esposa. Passei
as férias entre estudar e preparar aulas para poder ter segurança no que estava a
passar para os alunos. Conforme dito antes, o ensino traz ao advogado pontos
positivos se o resultado do trabalho em sala de aula for bom. Se o rendimento for de
83
regular para baixo, a coletividade entende que a ação como advogado acompanha a
de docente e o reflexo é negativo.
Em fevereiro de 2006 voltamos às aulas, naquele momento exercendo ainda
a função de professor “itinerante” no turno matutino de segunda a sexta-feira, no
CESMAC, e na condição de titular de Direito do Trabalho por duas noites e Direito
Civil por mais duas noites. Em suma, sem muito planejamento estava com grande
parte de minha vida envolvida com o mundo acadêmico. Ressalte-se que isso
refletiu nos trabalhos do escritório. Por um lado, por estar na “vitrine” que é ministrar
aulas e, por outro, mais seletivo em relação aos clientes (diminuindo a quantidade
de causas como patrono).
Alguns contratos de prestação de serviços advocatícios exigem uma maior
disponibilidade do advogado. O cliente quer consultar o profissional e ter a atenção
(resposta) de imediato. Atenção essa que fica de certa forma prejudicada, uma vez
que o profissional professor encontra-se impossibilitado de atender ao telefonema
recebido de imediato ou de receber o cliente pessoalmente no escritório.
Fato é que tudo foi acontecendo naturalmente. Como sempre fui cumpridor
das minhas obrigações de docente, conforme avaliação dos alunos e da
coordenação de ambos os cursos, o resultado foi que me tornei o professor que é
advogado e não o advogado que é professor.
Tudo andando bem na atividade docente (inclusive na função de professor
“itinerante”), até que no meio do ano de 2006, recebi convite da então Direção da
FADIMA para substituir dois docentes titulares de Direito Civil (teoria geral das
obrigações) e (teoria geral do direito civil) no turno matutino. Comprometendo,
portanto, a função do professor “itinerante”. À época, o motivo que deu causa a
função de “itinerante” foi a constante falta dos docentes que estavam pagando os
créditos do mestrado. Com o pagamento dos créditos, esses colegas voltaram à
normalidade em relação à frequência.
Em seguida, receberam dois dos colegas professores, convite para serem
coordenadores de um curso de Direito em Maceió. Como resultado do afastamento,
assumi o lugar deles em sala de aula em um primeiro momento como “itinerante”,
posteriormente como professor regular.
Com todos os colegas que convivia nos cursos em que ministrava aulas
sempre mantive um bom relacionamento. Por vezes, esses colegas que estavam
cursando o mestrado recebiam propostas para ensinar e quando havia algum
84
impedimento lembravam-se do meu nome e recomendavam às instituições de
ensino.
Incentivavam-me também para que fizesse um mestrado, mas eu estava
curtindo muito a condição de professor e, além disso, naquele momento, submeter-
me ao processo seletivo do programa demandaria tempo e perda de renda
necessária ao pagamento de minhas obrigações que aumentaram com a notícia de
que minha esposa estava grávida. Entretanto, não descartava a possibilidade de me
submeter em um futuro próximo à seleção para o programa de mestrado.
Mais um ano chegara ao seu termo e a minha relação com o ensino ficava
mais estreita. No início de 2007, mantive a carga horária de docente titular em
ambas as faculdades e recebi convite da Direção do curso de Direito da FADIMA
para trabalhar no Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão (NEPE), orientando
alunos nos trabalhos de conclusão de curso (TCC) em plantões.
Em razão desta disposição no núcleo passei a orientar alunos em trabalhos
de conclusão de curso. Fui orientado pela coordenadora do núcleo Professora
Mestra Sônia Albuquerque, a quem sou muito grato, a estudar um pouco mais de
metodologia da pesquisa jurídica através dos livros dispostos na biblioteca da
faculdade e aprendi bastante com suas orientações. Passei em razão disso a ter um
número acentuado de atendimentos distribuídos em dez horas semanais.
Com a função nova, fui lançado no rol dos docentes que participavam de
bancas de trabalho de conclusão de curso e, muitas vezes, convocado como
suplente no caso de ausência dos colegas avaliadores.
A atividade trouxe-me o desejo de participar de um programa de mestrado e
desenvolver pesquisa. Lá eu descobri que se podia fazer pesquisa na graduação.
Bolsas inclusive para alunos e docentes orientadores. Mas, para esse trabalho
faltava-me o atendimento do quesito pós-graduação stricto sensu.
Passei, no primeiro semestre de 2007, a atuar duas manhãs como docente
em sala de aula e por duas manhãs e meia atuava no núcleo. No turno da tarde,
continuava a ir ao escritório ou às audiências. No turno da noite, passava quatro
delas em sala de aula. Numa dessas noites, em sala de aula, recebi a ligação de
minha esposa para levá-la ao hospital, pois nossa filha nasceria naquela noite ainda
– a preocupação se deu porque estava laçada pelo pescoço com o cordão
umbilical).
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Interessante como a docência fazia parte de minha vida a ponto estar
ministrando aula naquele momento tão sublime de minha vida (momento em que
recebi a notícia de que minha filha nasceria com oito meses de gestação). Tudo
correu bem e as aulas que sucederam estavam cheias de um desgaste físico
enorme por conta das noites em claro.
No segundo semestre de 2007, recebi um convite para trabalhar na
assessoria do então Procurador Geral do Estado de Alagoas. Aceitei o convite tendo
em vista que tinha o interesse de conhecer como era a atuação do advogado na
advocacia pública.
Em um dos órgãos que atuei (procuradoria administrativa), tive a
oportunidade de conhecer a legislação estadual quando a matéria era educação. Era
constante a análise de solicitações de progressão de classe por tempo de serviço ou
qualificação técnica, solicitação de licença remunerada ou não para aprovados em
certames de programas de pós-graduação stricto sensu.
Questão interessante foi que sempre tive a curiosidade de ler um pouco de
cada projeto de pesquisa aprovado, mesmo a matéria sendo distinta ao programa de
mestrado em direito. Como professor identificava-me bastante com as questões
apresentadas que versavam sobre temas como avaliação, métodos de ensino,
gestão educacional, ensino fundamental e médio.
Por vezes, ficava indignado quando em alguns casos o pedido de licença era
indeferido por conta de carência de servidores docentes. Pensava, como pode a
educação básica, fundamental e média pública, em nosso país, passar por uma
melhoria se não existe respaldo estatal suficiente para uma qualificação permanente
de pessoal. Principalmente no pedido de licença sem remuneração, onde não havia
ônus para o erário.
A experiência foi proveitosa. Lá na Procuradoria conheci procuradores que
também lecionavam em cursos de Direito em Maceió. Certa vez, lendo um processo
de pedido de licença remunerada de um procurador que iria se afastar para fazer um
doutorado na Espanha, comecei a imaginar um plano para que eu pudesse me
submeter a uma seleção de programas de Mestrado. Plano, pois dependia de alguns
fatores que fugiam a minha esfera de competência e esforço.
Um dos pontos seria o impacto financeiro (custo do curso) e o segundo era
que teria, de certa maneira, de ter tempo para poder estudar e produzir no
programa, caso obtivesse aprovação.
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Por estar na procuradoria e não haver possibilidade de afastamento para
servidores de cargos comissionados, como já contava com o salário para
cumprimento das despesas novas (paternidade), descartei a possibilidade de fazer a
inscrição no programa de mestrado em Direito Constitucional da Universidade
Federal do Estado de Alagoas (UFAL).
Pesquisei sobre cursos de Mestrado na rede, deparei-me com a oferta de
cursos de pós-graduação stricto sensu nas férias escolares, nos meses de janeiro e
julho no Paraguai e na Argentina. Conversando com uma colega advogada que
trabalhava também na assessoria da procuradoria sobre o assunto, ela me deu a
informação que dois procuradores eram alunos de um programa de doutorado na
Argentina.
Quando encontrei com um dos procuradores perguntei o que ele estava
achando do curso. Respondeu que era bom e que recomendava, mas fez a ressalva
de que para a procuradoria o título (para progressão vertical) era aceito, mas quem
havia concluído o curso encontrava dificuldade para validar o título no Brasil. Falou
que existia um Decreto do então Presidente Luís Inácio Lula da Silva ratificando um
acordo de cooperação entre os países do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL)
para fins acadêmicos.
Com essas informações entrei em redes sociais, buscando comunidades no
Orkut que falavam sobre os cursos. Eram muitas as comunidades e nos fóruns tirei
muitas dúvidas decidindo por fim, arriscar.
Arriscar já que houve quem dissesse que o curso não era reconhecido. Que
seria jogar tempo e dinheiro fora. O que importava para mim, no momento, seria o
que o curso me ofereceria em termo de conhecimento.
Conversei com um colega docente e este se mostrou interessado. Em
seguida disse que outro colega também tinha interesse. Marcamos um almoço e
decidimos que faríamos a seleção do programa de Doutorado da Universidad Del
Museo Social Argentino (UMSA).
Seleção essa pautada na análise do nosso currículo. Juntamos a
documentação em conjunto e aguardamos o resultado. Dias após, recebemos a
notícia de que fomos aceitos no programa.
Em 2008, fiz uma reserva de dinheiro para custear as despesas com a
estada em Buenos Aires (15 dias em janeiro de 2009) para o primeiro dos quatro
87
módulos. Chegando o momento, viajei e assisti às aulas por quinze dias no turno da
manhã e da tarde.
Para mim, tudo estava tranquilo. Boas aulas e organização do curso. O
corpo docente tinha vasta publicação e notoriedade naquele país. Apresentamos um
seminário na segunda semana sobre História do Direito e retornamos em seguida.
Em Maceió, no mês de abril de 2009, pesquisando sobre validação dos
cursos de Doutorado no Brasil obtive a informação de que a Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC) suspendera os processos de validação de títulos obtidos
no exterior. O que acontecera nas demais Universidades do Brasil que faziam o
mesmo procedimento.
Foi um balde de água fria sobre a minha cabeça. Não obstante eu tivesse a
vontade de buscar a qualificação profissional, o custo era alto e o retorno através do
reconhecimento seria algo necessário ao bom e fiel cumprimento de atividades de
pesquisador.
De nada adiantaria para os programas de bolsas o meu título obtido na
Argentina se não fosse validado por uma IES brasileira. Como não poderia orientar
os alunos em programas de iniciação científica desisti do curso muito frustrado com
o ocorrido. Assim também fizeram os demais colegas companheiros de viagem.
Passei o ano de 2009 exercendo as funções de docente em sala de aula e
no NEPE da FADIMA/CESMAC. Como também continuava a ensinar na FAA. Cada
dia que passava adquiria mais experiência no trato com os alunos e com os colegas
professores. Conforme dito anteriormente, o mundo acadêmico fazia parte da minha
vida e nele eu me sentia bem.
Em outubro de 2009, fui convocado pelo coordenador do Curso de Direito da
FADIMA para comparecer em sua sala. De pronto, o Professor/Coordenador
perguntou onde eu estava trabalhando no turno da tarde. Respondi que estava na
Procuradoria Geral do Estado com o cargo de assessor. Ele perguntou quais eram
as atribuições do assessor e respondi aos questionamentos.
Em seguida, o coordenador me disse que existia um novo turno (vespertino)
em andamento e que havia a necessidade de alguém para ajudá-lo no cumprimento
de suas funções de coordenador. Ressaltou que não havia possibilidade legal dele
estar fisicamente nos três turnos e precisaria de um assessor que fosse um
professor da casa.
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Disse-me qual seria a remuneração e atribuições do cargo e me fez o
convite. Aceitei prontamente, já que tinha grande admiração e confiança naquele
que havia sido meu professor.
Na mesma semana, pedi minha exoneração ao Procurador Geral explicando
as razões e agradecendo a oportunidade. Pedido aceito, seguido do desejo de
sucesso no novo trabalho, uma vez que iria atuar na gestão do curso em que ele
também ministrava aulas há anos.
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5 UM COORDENADOR DE CURSO
Após a narração das experiências deste advogado-professor-pesquisador-
gestor, destacamos que o propósito da presente pesquisa é compreender e desvelar
os elementos constituintes de um distanciamento, de um hiato existente entre o
acadêmico e o administrativo, a partir da posição do profissional docente, para o
profissional que assume o cargo de gestão.
Nóvoa (1992, p. 25) se refere à formação dos professores, como sendo uma
arte a ser construída diariamente:
A formação não se constrói por acumulação (de recursos, de conhecimento ou de técnica), mas através de um trabalho de reflexividade sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma identidade pessoal. Por isso, é tão importante a pessoa intervir e dar um estatuto ao saber da experiência.
Em atividade na coordenação acadêmica, o professor que passa a condição
de gestor também pode, através da revisitação de suas experiências, construir uma
identidade pessoal. Não simplesmente através de cursos, como aduz o autor,
constrói-se uma identidade profissional.
De acordo com Berkenbrock-Rosito (2008), a formação de professores
através do resgate de suas histórias parte do pressuposto de que as fontes
formativas não se limitam à apropriação do conhecimento no espaço do ensino
universitário. Portanto, não deve ser considerado somente espaço de formação o
que se tem no ensino universitário em que pese sua importância.
Izquierdo (2004, p.31) afirma que memória é a aquisição, conservação e
evocação das informações, dos fatos vividos por cada indivíduo. Diz ainda que
“nada somos além daquilo que recordamos”.
Em consonância com esse entendimento, Brandão (2008, p. 10) assevera:
Nesse contexto amplo, consideramos a memória autobiográfica como uma promissora possibilidade metodológica de formação continuada e auto-formação, instrumento de resgate das trajetórias e projetos, por meio das narrativas num tempo-espaço da cultura e com uma função ressignificante, ponte entre o passado e o futuro, que incorpora todo o vivido, re-construído e aponta para a compreensão de um sentido-saber rearticulado, refeito, religado.
O desvelar dos sentidos e dos significados do texto narrativo se traduz como
espaço de formação para além do conhecimento bancário na visão freiriana. Para
90
Paulo Freire (1973, p. 125), o despertar a consciência crítica é uma práxis
libertadora, tendo em vista que,
[p]ara que a alfabetização dos adultos não seja uma pura mecânica e um simples recurso à memória, é preciso dar-lhe os meios de se conscientizar para alfabetizar-se [...], pois, à medida que um método ativo ajuda o homem a tomar consciência da sua problemática, da sua condição de pessoa, e logo de sujeito, ele adquirirá os instrumentos que lhe permitirão fazer escolhas [...] Então, ele se politizará a si mesmo.
Na atual conjuntura, de hiato entre o acadêmico e o administrativo, a
construção e a identidade do gestor acadêmico e professor passa por uma
necessária análise da prática e da vivência. Desse modo, o método ativo, conforme
dito, de tomar consciência da problemática na condição de sujeito em formação
permite ao professor-coordenador se valer de instrumentos formadores e
libertadores.
Fazer uma análise dos fatos cotidianos em uma coordenação de curso
pressupõe, inicialmente, a descrição desses fatos pelo autor pesquisador. O resgate
da memória de experiência vivida é tarefa que o pesquisador em sua formação deve
proceder para a obtenção de resultado.
Josso (2004, p. 47) sugere uma abordagem de formação na visão do
paradigma experimental ao expor a concepção de que a experiência é única e
pessoal:
Falar das próprias experiências formadoras é, pois, de certa maneira, contar sobre si mesmo a própria história, as suas qualidades pessoais e socioculturais, o valor que se atribui ao que é “vivido” na continuidade temporal do nosso ser psicossomático. [...] é também um modo de dizermos que, neste continuam temporal, algumas vivências têm uma intensidade particular que se impõe à nossa consciência e delas extrairemos as informações úteis às nossas transações conosco próprios e/ou com o nosso ambiente humano e natural.
Assim, a compreensão de uma experiência formativa de coordenação
acadêmica, por meio do relato de experiência, possibilita ao autor do trabalho
construir e buscar o significado de sua práxis. O papel social da escola, mais
precisamente do curso de direito, tem sido hoje, também, objeto de discussões
acadêmicas. Temas como inclusão e equidade social interessavam bastante e foram
divisores de águas no momento de minha escolha profissional.
91
Daí a importância da análise da linha do tempo como de formação do sujeito
professor. Estendendo essa reflexão para a formação do gestor que, a meu ver, não
perde a raiz do acadêmico por mais que haja circunstancialmente um hiato.
Passegui (2004, p. 74) afirma que:
As histórias de vida, nesse sentido, permitem a observação de como as experiências de transformação vão sendo geradas e compreendidas e se revelam como um material “perfeito” para apreender os segredos da historicidade do sujeito.
A mudança da condição de professor para professor gestor revela que essa
transformação é um marco importante na vida dos sujeitos, originando mudanças de
comportamento e postura, ou seja, na visão de Passeggi (2004) um material
“perfeito”.
Desse modo, através do relato de experiência (a família, a escola, a religião,
a advocacia, a docência e o acadêmico) proporcionaram para mim a possibilidade
de enxergar o mundo e de refletir sobre minhas ações e transformações.
Ao revisitar as experiências que permanecem na memória, em minha
biografia, busco a compreensão do sentido de minha prática. Desse modo, Souza
(2006, p. 17) faz as seguintes considerações acerca do objetivo do método
(auto)biográfico:
Os caminhos trilhados desde o início do século XX e os embates travados em diferentes campos do conhecimento têm permitido melhor compreender e a reafirmar as abordagens biográfica e a utilização da narrativa (auto)biográfica, como opção metodológica para a formação de professores, visto que a mesma possibilita inicialmente um movimento de investigação sobre o processo de formação e, por outro lado, possibilita, a partir das narrativas (auto)biográficas, entender os sentimentos e as representações dos atores sociais no seu processo de formação e autoformação.
Passo a narrar os acontecimentos quando da transformação da condição de
docente (de “itinerante” à titular) simplesmente para o professor que atua na gestão
acadêmica a fim de poder, através da pesquisa, desvelar e compreender
sentimentos e representações no contexto de distanciamento, hiato nesse processo
de formação e mudança.
Fui apresentado à reitoria como novo integrante da coordenação do curso e
recebi as boas vindas e os votos de sucesso em minha nova jornada. Em seguida,
apresentado aos alunos da tarde pelo coordenador do curso que, naquele instante,
92
disse a eles que eu teria autonomia para resolver os problemas que surgissem.
Conforme a fala do coordenador acadêmico, “falando comigo, os alunos estariam
falando com ele”. e preocupação ao mesmo tempo. Conforto, pois percebi que foi
depositado confiança no meu trabalho e preocupação por conta da quantidade de
situações que iria enfrentar sem ter experiência e prática em gestão acadêmica,
inclusive conhecimento específico teórico.
O coordenador disse que era tranquilo e que eu facilmente estaria adaptado
à nova atribuição. Após a apresentação aos alunos fomos à sala da coordenação,
onde recebi as primeiras instruções de como despachar os processos e a quem
deveria remetê-los, caso não fosse da competência da coordenação a apreciação da
matéria.
Percebi que, na maioria dos casos, o que estava sendo requerido pelos
discentes eram análise quanto à frequência deles e dos docentes, notas, mudança
de turno, mudança de sala por conta da questão acessibilidade no prédio, postura
dos docentes e alunos.
Na sua essência, portanto, nada que eu de certa forma não tivesse
conhecimento. Fui formado por aquela instituição e já ministrava aulas há quatro
anos, ou seja, existia um histórico, uma experiência na casa tanto como aluno que
fui por cinco anos, como docente que estava naquele momento passando para um
novo momento de atuação.
Muitos dos requerentes tinham sido meus alunos e muitos dos docentes,
meus professores. De sorte que isso favoreceu na análise do que estava sendo
requerido. Na alegação dos fatos pelos alunos e também da narrativa dos docentes.
No primeiro dia, fiz solicitação ao coordenador de que informasse,
objetivamente, quais eram as minhas atribuições. Até onde eu poderia decidir sobre
questões que eram apresentadas.
Acredito que tal preocupação decorre da influência de meu pai na minha
infância, dado o rigor da minha formação inicial em relação aos limites quando o
tema era liberdade de agir conforme às minhas convicções. Com frequência,
costumava a dizer “todo pensar é torto”, assim que eu me equivocava e em razão
disso eu dizia: “eu pensei que”.
Percebi mais uma vez que o coordenador me deixou à vontade para tratar
de questões básicas do dia-a-dia e quando houvesse uma situação mais delicada eu
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poderia entrar em contato com ele por telefone ou e-mail. Autonomia que não estava
acostumado na tomada de decisões.
Ao compreender a nova estrutura hierárquica institucional, percebi que se
tratava de um corpo gestor formado por profissionais qualificados, habilitados e com
farta experiência acadêmica e em administração.
Fui bem recebido pelas instâncias superiores e obtive uma abertura para
sempre que houvesse necessidade ter acesso aos membros do corpo diretivo da
instituição. Essa acessibilidade, abertura, foi importante para que eu pudesse
enfrentar as questões.
Infelizmente, nem todas as instituições particulares de ensino superior têm
em seu corpo e forma de conduzir a gestão, pessoas preparadas e disponíveis.
No mesmo encontro, solicitei uma cópia do regimento geral da instituição.
De pronto, foi atendido pelo coordenador o meu pedido e solicitei a um colaborador
que providenciasse uma cópia. Assim que recebi, estudei o documento
minuciosamente. De certo, após a leitura, fiquei mais confiante em atender aos
alunos, fato que se tornou uma constante em minha vida.
Por turno vespertino, à época, atendia diariamente em média uns dez alunos
pessoalmente e despachava não me recordo o número preciso, mas acredito que
uns dez processos também em média. Atendia também às solicitações dos colegas
professores com os quais conversava constantemente.
Fator importante foi o de poder, também, ministrar aulas no turno vespertino.
Isso fez com que eu conhecesse e me aproximasse mais dos alunos. Percebi que
essa aproximação com os alunos tem de ser comedida, uma vez que notava, em
certos casos, um grau de liberdade que não agregava na relação da coordenação e
discentes.
Em sala de aula, agora como docente, percebia e refletia sobre a postura
dos alunos quando do desenvolvimento das atividades rotineiras e esporádicas.
Desse modo, sabia ao observar a postura deles, em muitos casos, se a alegação
dos fatos narrados na coordenação em desfavor dos docentes era procedente.
Identificava qual aluno não cumpria com suas obrigações; chegava atrasado;
qual aluno participava da aula positiva ou negativamente; quem tinha boa postura e
compromisso.
Quanto aos colegas, também tive a oportunidade e o interesse de conhecer
a forma como trabalham naquele turno. Assiduidade, pontualidade, interesse em
94
colaborar com o bom andamento das atividades e, acima de tudo, o trato com os
alunos era ponto importante para que eu estivesse sempre, na medida do possível
conhecendo a alegação e repercussão dos fatos.
Nos intervalos, quando não atendia aos alunos e professores, procurava
estar presente para ouvir suas experiências, anseios e preocupações nas atividades
em sala de aula. A partir das informações colhidas, procurei, ainda naquele
momento inicial em gestão acadêmica, ter um discurso com meus pares de
aproximação e cooperação, em que pese ainda não saber, ao tempo, a distinção
entre trabalho em grupo e trabalho em equipe.
No atendimento aos alunos, o primeiro ponto que observei em comum em
relação à minha atividade como advogado era o de que não me procuravam com
soluções e sim com necessidades a serem atendidas.
Que neste caso particular (acadêmicos de direito) guardavam um ar de
necessidade de pronto atendimento superior à expectativa de alguém que buscava
uma solução em meu escritório. É recorrente na sala dos professores a fala dos
colegas orientadores de classe “o aluno do curso de direito é cheio de direito”.
Isto se dá, visto que em muitos casos, os alunos entendem que o serviço
prestado pela IES é puramente uma relação de consumo. O que para mim não
procede em sua integralidade. Porque assim como o negócio jurídico casamento é
um contrato sui generis, o ensino privado também é uma relação jurídica de
consumo sui generis.
Ressalte-se ainda que a atividade desenvolvida pela IES não deva ter como
primado a ideia de satisfação plena do cliente, por mais que se busque atender às
necessidades pontuais sempre que possível. Fato esse, muitas vezes,
lamentavelmente relatado por colegas docentes e gestores de outras instituições
privadas.
Por sorte, percebi que não seria e não é essa a política da IES onde trabalho
na gestão acadêmica. Recebi e recebo alunos exigindo, de pronto, providências
urgentes em matérias que não são urgentes. Desse modo, entendi que na gestão
acadêmica devemos ter um espírito de composição de interesses. Cada um que
recebo na coordenação traz consigo expectativas e desejos e, às vezes, não temos
como atender a essas demandas por não encontrarmos amparo regimental ou legal.
Todavia, sempre que pudermos ser úteis seja como docente ou gestor, deveremos
sê-lo com satisfação.
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Fiz constantemente o papel de intermediador, gestor de conflitos entre
alunos e docentes e alunos e instituição de ensino. Nem sempre fui compreendido
quando expliquei e fundamentei indeferimentos com base nos comandos legais e/ou
regimentais. Busquei sempre, desprovido de empáfia, dizer não quando necessário
fosse.
Vislumbro que trabalhar com sujeitos nessa relação tão direta e perspicaz
pressupõe um compromisso ético mesmo quando for para negar a uma solicitação
feita ou não ser omisso quando devo prontamente falar o que penso. Percebi o quão
amplo e complexo é o ser professor. De imediato identifiquei alguns docentes que
flagrantemente estavam insatisfeitos com o trabalho docente. Seja pela realidade
social de baixa remuneração do docente seja pela desmotivação gerada pelo
despreparo dos alunos ingressantes em um curso superior. Essa pauta é recorrente
no discurso dos docentes na sala dos professores.
Naquele momento, encontrei a primeira barreira que foi desconhecer a
legislação educacional. Não conhecia também a composição, órgãos e instâncias do
Ministério da Educação. Tudo para mim era novo e abrangente. Contudo, imbuído
da necessidade de conhecer a estrutura fui buscar no dia a dia suprir a carência por
meio da leitura e interação com os gestores do Centro Universitário.
Com a mudança na formatação da IES recentemente para Centro
Universitário fez com que eu tivesse a oportunidade de vivenciar muito desse
processo através de reuniões com o corpo diretivo; reuniões e palestras com
profissionais externos (consultorias).
Profissionais competentes, compromissados e dispostos a colaborar,
compartilhavam e compartilham ainda suas vivências e conhecimentos técnicos
advindos de longos anos de trabalho, alguns de Universidades Federais, outros de
instituições privadas e também de nossa instituição.
Portanto, não faço parte de instituição particular de ensino superior com
gestão fechada e excessivamente tradicional, não afeita a mudanças, fato recorrente
em algumas empresas familiares. Essa falta de abertura e forte centralismo refletem
em problema de gestão em instituições de ensino superior particulares. Vejamos:
O tema da gestão nas particulares é o que se pode considerar uma verdadeira “caixa preta”. Principalmente entre aquelas dirigidas por um padrão tradicional e familiar, a inovação organizacional, incluindo-se a implementação de adequados sistemas de informações gerenciais, de planejamento e avaliação, esbarra em grandes
96
entraves, sobretudo decorrentes de um forte personalismo e centralismo, que impedem novas iniciativas ou as cerceiam, procurando ajustá-las ao desejo dos proprietários da instituição (TRIGUEIRO, 2002, p. 155).
Passei a entender que, sem desprezar o ideal de seu fundador, necessário
seria que a IES fosse adaptada à realidade econômica global. No final dos anos
1990, houve no Governo do então Presidente da República Federativa do Brasil uma
mudança no cenário educacional com a autorização e criação de diversos cursos de
Direito em todo o País. Alagoas não fugiu a essa realidade.
Pensar em concorrência não foi algo tão próximo à realidade como na
atualidade o é, principalmente quando essa se desdobra muitas vezes com
deslealdade das novas IES na busca por alunos de outras instituições concorrentes.
Avaliar e perceber ainda a importância de que na atualidade as exigências
do Ministério da Educação (MEC) quando o assunto é avaliação (SINAES) são muito
maiores nos cursos, foi um marco importante dentro do Plano de Desenvolvimento
Institucional (PDI) da IES. Pensar e participar da elaboração de um novo Projeto
Pedagógico atendendo aos ditames legais foi mais um desafio, já que ainda não
havia sequer sido apresentado ou lido algum desses documentos.
Aos poucos organizei as informações adquiridas nas constantes reuniões
com o novo corpo diretivo da IES, dentro da mudança necessária apresentada. Uma
das principais mudanças foi em relação à Gestão do então Centro Universitário
CESMAC.
Antes, a estrutura hierárquica era delineada da seguinte forma: Presidência,
vice-Presidência, Conselho, Direção dos Cursos (responsável pela gestão geral de
cada faculdade), Coordenação acadêmica (responsável pela gestão acadêmica) e
assessoria da coordenação acadêmica.
Como agora se trata de um Centro Universitário o modelo é outro. Temos
Reitoria, Vice-reitoria, Pró-reitorias acadêmica e adjunta, Coordenação de curso
(reunindo a gestão administrativa e acadêmica) e assessoria da coordenação. Essa
gestão coordenada por profissionais experientes e abertos às mudanças
necessárias trouxe melhoria ao curso.
Não pude esquecer que as atuais exigências advindas do Ministério da
Educação (já que houve a migração da jurisdição quando o assunto é avaliação dos
cursos), do Conselho Estadual de Educação para a competência do MEC, trouxeram
uma mudança de paradigma positiva e definitiva.
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Multiplicaram-se as atribuições do coordenador de curso. O envolvimento
deste gestor quando o assunto é a vida e sobrevivência do curso é muito maior. Não
cabe agora somente ao coordenador pensar em quadro de docentes (substituições,
contratações), horários e projeto pedagógico do curso. Dentre outras atividades
disciplinadas nos regimentos internos dos cursos, que extrapolam as atividades
cotidianas estão as seguintes: representar a IES perante autoridades e outras
instituições de ensino; decidir sobre pedidos de matrícula, cancelamento de
matrícula e transferência; convocar e presidir as reuniões de colegiado; compor e
presidir o NDE; elaborar o relatório anual das atividades da IES; zelar pela
manutenção da ordem e da disciplina no âmbito da IES, respondendo por abuso e
por omissão; propor à mantenedora contratação ou dispensa de pessoal docente;
promover as ações necessárias à autorização e reconhecimento de curso etc.
A atuação transpõe desde a qualificação através do conhecimento dos
ditames legais, estabelecidos pelo MEC, até o atendimento de questões básicas
como o atendimento direto, imediato e pessoal ao aluno e manutenção do prédio.
Em algumas faculdades (felizmente não a que atuamos na gestão), tive
conhecimento por meio de conversa com colegas coordenadores, de que dar conta
da captação de alunos é atribuição do coordenador. Chama-se coordenador gestor.
Em breve, não havendo equilíbrio, o coordenador de curso estará com uma meta de
captação de “clientes” a cumprir, sob pena de desligamento, o que espero que não
esteja acontecendo.
Com essa ampliação de atribuições do coordenador do curso, referindo-me
as pertinentes, há a necessidade de uma dedicação bem maior, inclusive com uma
maior carga horária à disposição a depender do curso, número de docentes,
colaboradores e número também de discentes.
Em nosso caso, como o curso funciona nos três turnos, o trabalho é intenso.
São quase 2.700 alunos e 85 docentes. Imaginemos agora que com essa migração
para o MEC há a necessidade de nos preocuparmos ainda com o Exame Nacional
de Desempenho de Estudantes (ENADE). Trata-se da questão de sobrevivência do
curso.
Compreender o Conceito Preliminar de Curso (CPC), e inserido nele o
ENADE, não é uma das tarefas mais fáceis. Na ocasião, assistimos às palestras
(workshops) sobre o tema. Como e por quem são elaboradas e contextualizadas as
questões? Quais os alunos serão submetidos ao exame, de que forma a
98
coordenação deve agir para levar ao conhecimento de alunos e professores a
importância e o significado do exame para o desempenho de ambos. São
questionamentos que precisam de respostas céleres e consistentes da coordenação
do curso.
Por meio dessa necessidade tentarei demonstrar os maiores enfrentamentos
do gestor acadêmico quando o tema é esse exame. A falta de conhecimento dos
docentes e alunos sobre o ENADE é um dos fatores ou problemas mais sérios
quando o assunto é a sobrevivência do curso.
Um ponto relevante e fator imprescindível é a colaboração e cooperação de
todos os envolvidos. Por conta disso, é necessário que ambos os atores sociais
cativados (reitoria – coordenação – discentes – docentes) estejam engajados nessa
batalha; sejam copartícipes desse trabalho árduo, que se não for bem articulado
desencadeia sanções ao curso, como o corte de vagas.
Inicio a análise desses fatores na problemática em relação à coordenação
de curso e docentes. Por mais que imaginasse que seria simplista a questão, ou
seja, a coordenação dá as diretrizes, aponta o caminho a ser percorrido e os
docentes conhecedores do assunto se envolvem e colaboram para que alcancemos
os resultados almejados. Fato é que nem sempre há uma abertura dos docentes a
essa modalidade de avaliação.
Como o tema era avaliação, iniciei com a solicitação que fizemos de
padronização do modelo de questões. Intervir na autonomia do docente é tarefa que
demanda do gestor um bom jogo de cintura. Acesso e abertura para ouvir o discurso
de mudança é requisito essencial para que o trabalho seja realizado. A zona de
conforto nos remete, muitas vezes como docentes, a uma estagnação no processo
de evolução de um processo deveras dinâmico.
Procurei sempre conversar individualmente com os colegas professores,
demonstrando a necessidade de mudança para atender aos requisitos objetivos da
legislação, sem deixar de levar em consideração as particularidades. Ora somos
bem recebidos e a abertura para o diálogo é imediato. Ora temos de nos desdobrar
para tanto.
Por diversa vezes, na sala dos professores, disse que seria muito oportuno
que os colegas professores tivessem alguma experiência na gestão do curso. Com
certeza, a visão dos que hesitam em colaborar seria outra. O professor tem um
papel muito importante nesse momento de transição. Como formador de opinião que
99
é, pode contribuir significativamente nesse processo de divulgação das novidades e
conscientização dos pares e alunos.
Nas conversas que tive, percebi que o espaço era propício para a discussão
do tema que, muitas vezes, é complexo e profundo, tendo em vista que, sem a
colaboração dos docentes o resultado provavelmente não seria satisfatório.
Compartilhar as experiências vividas na coordenação com os docentes era
uma forma de conhecerem os principais desafios enfrentados pelos gestores e
outros colegas professores, pois aprender exige humildade.
Entendi que a relação do profissional docente com o outro não é
individualizada, mas coletiva, desse modo, a perspectiva e a abordagem de trabalho
muda. Como o docente em diferentes espaços e momentos age conforme a sua
experiência, intuitivamente não pode o gestor acadêmico deixar de levar em conta
essas individualidades.
Muito embora se faça necessário o conhecimento dogmático, a intuição e
sensibilidade do gestor acadêmico refletem na postura do colega professor em
relação ao acadêmico. Cotidianamente, o conflito de opiniões, as inúmeras
informações previamente adquiridas pelos atores sociais, alunado e docentes, fazem
com que a procura do equilíbrio passe também pela necessidade de se manter a
ordem no desenvolvimento do trabalho.
Conforme aduz Ecleide Cunico Furlanetto (2008, p. 19):
Pensar em processos de formação docente requer pensar em como abrir espaços para que as matizes pedagógicas dos professores possam ser acolhidas, revisitadas, ampliadas e transformadas nos espaços de formação. Não existem receitas prontas, mas acreditamos que na medida que nos aprofundamos na compreensão dos processos de aprendizagem docente, vamos construindo referências que nos permitem fazer escolhas e definir caminhos mais adequados às formas de aprender dos professores.
Ponto importante, portanto, nesse processo de formação é que se deve
buscar a congregação de interesses no discurso, já que não existem modelos
prontos. O estar próximo e compartilhar os valores pessoais são indícios de um bom
caminho de aproximação.
A visão do homem interfere na vontade de colaborar, no compromisso que
nasce dessa vontade, criando-se uma identidade de grupo em constante formação e
transformação. A não concordância com determinado plano de governo (identidade
política) pode gerar uma apatia ou antipatia prejudicial ao avanço do trabalho. Se a
100
visão de educação muda com a política (partidos políticos) que sempre trazem
novas políticas públicas de educação, muda-se inclusive o referencial teórico
aplicado em consequência.
Se o propósito do alunado é quase único: passar em concurso e/ou no
exame da OAB. O que deve fazer o coordenador para colaborar? Como despertar o
interesse dos alunos para as atividades extracurriculares e curriculares do curso
ainda não integralizado os créditos? Esse é um desafio que vivenciamos.
O coordenador de curso necessita conhecer o impacto que essa
necessidade precoce de aprovação impõe aos alunos e docentes. Frise-se que
antes do momento devido os discentes e docentes ficam tensos com o propenso
resultado.
Mesmo que tenha passado quando da primeira vez que prestei o exame,
percebi que errei questões por conta da ansiedade de desejar passar logo por
aquele obstáculo na vida. Diante disso, reflito como pode um gestor acadêmico
intervir para que esse tipo de problema emocional dos concluintes não possa refletir
em seu rendimento no exame. A resposta primária veio com a possibilidade de
acompanhamento psicológico oferecido pela IES.
Atender à demanda de mercado não deve ser a razão pura de um curso
superior. Imaginar que o ensino jurídico deve ser considerado um produto próprio
para consumo, pois está na prateleira com um selo de qualidade conferido pela
CAPES é no mínimo perturbador.
Sabe-se que o propósito de tais medidas do MEC é a busca pela
denominada e abrangente “qualidade”. Concordo que se não houver o controle
estatal será prejudicial à coletividade. Tentar extrair desses índices se está existindo
formação além da profissionalização no ensino jurídico é algo que merece atenção
dos responsáveis pela elaboração desses sistemas de avaliação. Formar indivíduos
em uma concepção ampla deve ser levado em consideração.
A análise de conteúdos como solidariedade, cidadania e busca pela justiça
social deve ser levada em consideração para a formação do sujeito que pretende
atuar nas ditas carreiras jurídicas. Esse foi, conforme dito anteriormente, um dos
motivos pelos quais tive a certeza de que estudaria Direito.
Ressalto que a IES em que trabalho na gestão tem tido uma importante
participação nessa minha contínua formação docente. As situações que são
apresentadas e vivenciadas, tanto na atividade docente, como na coordenação
101
acadêmica, têm sido fundamentais nesse nosso processo de contínua formação e
transformação. Trata-se de reconstrução necessária e contínua em razão do
afastamento decorrente da posição de trabalho em função administrativa assumida.
Tornar evidente aos colegas a necessidade de mudança de comportamento
e concepção é uma das mais relevantes tarefas da gestão acadêmica do curso.
Identificar os colaboradores que estão ou não efetivamente contribuindo com o
desenvolvimento e adaptação da IES a esses ditames oriundos do Sistema
Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES) é ponto crucial na atividade
de gerenciamento acadêmico estratégico.
A resistência a mudanças é uma questão a ser analisada e enfrentada com
cautela pela gestão acadêmica. Os hábitos deverão ser notados não só
individualmente e sim em pequenos grupos pelo gestor. Percebi a necessidade de o
acadêmico estar preparado para enfrentar esses desafios não só com boa vontade
e vivência, mas acima de tudo com o conhecimento teórico para tanto.
Esse é realmente um obstáculo que tenho, para tanto, busquei transpor
através de leitura e revisão de leitura dirigida quando o tema é trabalho com
docentes. Confesso que tenho compreendido melhor a atuação do professor-gestor
quando da leitura sobre prática pedagógica e formação através de relatos de
experiência.
Identificar e conhecer os conceitos de grupo, de organização e instituição é
imprescindível para que possamos seguir e intervir na busca por um trabalho eficaz,
que reflita positivamente em relação ao dia-a-dia do gestor acadêmico em relação
aos docentes, discentes e a própria IES.
Não pode, portanto, o gestor de um curso de direito ou mesmo os docentes,
desse modo, deixar de reconhecer a importância e a necessidade de adaptação às
novidades apresentadas pela dinâmica teórica e social da escola, levando-se em
consideração o subjetivismo decorrente da própria prática pedagógica vivenciada.
Muito embora esta pesquisa relate uma experiência em gestão educacional,
necessitei de uma bibliografia que me auxiliasse na compreensão de alguns
conceitos e aspectos de gestão de empresas.
Tornar-se-ia arriscado em gestão educacional haver um isolamento,
distanciamento, entre a realidade socioeconômica das organizações e instituições
particulares num contexto de Centros Universitários. A gestão acadêmica em
102
Centros Universitários, portanto, na atualidade, passa também pela necessidade de
articulação de conceitos oriundos da Administração de Empresas.
O coordenador gestor atua também em atos de gestão, em tomada de
decisões que vão para além das questões puramente acadêmicas. Refletindo
sobremaneira em sua autonomia.
Busquei desse modo, inserir na pesquisa uma breve análise de estratégia e
liderança estratégica; fatores que possibilitam identificar a problemática que envolve
o distanciamento entre o acadêmico e o administrativo.
Com as mudanças impostas pelo modelo atual de avaliação de cursos e no
caso que nos afeta dos Centros Universitários, importante e indispensável ao
coordenador de curso fazer uma leitura sobre esses temas para poder através
desses ensinamentos encarar os problemas e situações que decorrem do modelo
estatal de avaliação de cursos na atualidade.
Tudo isso sem deixar de levar em consideração qual o propósito social do
curso de direito. Encontrei artigo de um pesquisador canadense, W. Glenn Rowe
(2002), publicado em revista intitulada Liderança estratégica e criação de valor. No
artigo, o autor traz além da definição de estratégia, os conceitos de liderança
estratégica, visionária e gerencial. Ao abordar a definição de liderança estratégica
aduz:
A definição de liderança estratégica pressupõe a habilidade de influenciar subordinados, pares e superiores. [...] Líderes estratégicos entendem esse processo e valem-se dele para garantir a viabilidade futura de suas organizações (ROWE, 2002, p. 10).
Perder de vista essa compreensão repercute no resultado esperado pelas
organizações escolares também. Diante das múltiplas atribuições confiadas ao
coordenador de curso em um Centro Universitário está compreender inclusive a
hierarquização estatal influenciando no acadêmico.
Como o Centro Universitário fica em uma zona intermediária entre
Faculdade (profissionalização) e Universidade (pesquisa), em seu propósito social e
em sua essência, a tarefa de resolver questões referentes ao quadro de docentes e
regime de trabalho também recai sobre o coordenador (gestor).
Com a liderança estratégica, o coordenador de curso pode, segundo o autor
do texto acima referindo-se a organizações, tornar viável a organização a qual
103
pertence. Inclusive sobre o aspecto econômico. Tomando como exemplo a questão
do quadro de docentes e o regime de trabalho.
Equacionar a exigência legal de professores com pós-graduação (mestrado
e doutorado) para atender à exigência legal e institucional em relação aos custos da
organização implica na análise da viabilidade e existência da instituição. Em suma,
em organização particular de ensino não há como fechar os olhos para essa
realidade econômica.
O modelo tradicional da liderança gerencial (comedida e racional) sem
deixar de sonhar e a liderança visionária (riscos) encontram equilíbrio conforme o
autor na liderança estratégica.
Diante da análise dos demais tipos de liderança, o autor estabelece em
poucas, mas precisas palavras, distinção entre elas: “[...] Os estratégicos sonham e
tentam concretizar seus sonhos, sendo uma combinação do líder gerencial, que
nunca deixar de sonhar, e do visionário, que apenas sonha” (ROWE, 2002, p. 10).
Sonhar com uma instituição de ensino, com um curso de direito que tenha
autonomia na gestão, estando inserido em um Centro Universitário que também está
submetido a uma hierarquia estatal é desconhecer a realidade vivenciada pelo
coordenador.
Desse modo, o professor coordenador (gestor estratégico) deve assumir a
postura de estar imbuído do papel de agregar ao pensamento dos pares (superiores
ou inferiores, hierarquicamente falando), a construção de uma consciência crítica
coletiva para atingir seus objetivos.
Alguns lugares se apresentam como ambientes ricos para discutir as
questões vivenciadas: a sala dos professores, sala da coordenação e grupos criados
por professores em redes sociais, reuniões com a reitoria.
Não se deve esquecer que o professor coordenador é passível de erros,
equívocos e falhas, o que implica na existência de diálogo para poder o trabalho de
construção dos sujeitos envolvidos através da (re)análise das experiências surtir um
efeito que vá além da construção de um dos atores sociais envolvidos, mas de
crescimento da coletividade.
Colegas nesses ambientes declaram, além de discutir sobre os problemas
diários, a satisfação em ser professor, o envolvimento com o processo de ensino e
aprendizagem, o interesse em ser útil à IES e a busca por uma constante
qualificação profissional em que pese os problemas vivenciados.
104
Percebi, quando da análise das situações cotidianas vivenciadas, no relato
de minha experiência que, em decorrência da revisitação desses momentos, existe
um distanciamento, hiato, resistência a mudanças nos colegas por comodismo ou
não concordância com políticas de gestão, que pode ser solucionado com o
compartilhamento do relato de experiências do professor coordenador. Daí a
importância desse tipo de pesquisa na construção de identidade coletiva e autônoma
dos sujeitos.
O professor que se torna coordenador passa por uma mudança de postura
em decorrência da necessidade de adaptação às atribuições assumidas e por conta
do constante e contínuo caminho que percorre em sua formação, convive com
conflitos em decorrência da tomada de decisões.
Desse modo, o hiato existente não decorre simplesmente da mudança de
acadêmico para administrativo, mas sim por conta da constante formação e
transformação do sujeito. A revisitação, o regate de memória tornam-se, conforme o
referencial teórico utilizado, instrumento de formação e constante transformação do
sujeito professor.
105
6 CONCLUSÃO
No presente trabalho, refletiu-se sobre os possíveis contributos para a
construção e formação de um coordenador pedagógico do curso de Direito pautado
num relato de experiência.
Percebeu-se que, com o relato, os problemas que são cotidianamente
apresentados ao coordenador de curso, geram decisões. A partir delas foi possível
revisitar esses mesmos momentos.
Por meio do relato de experiência, a formação constitui instrumento de
reflexão, expressão e expansão de si, possibilitando, neste caso, ao sujeito
(professor, narrador, escritor e personagem), que atua em cargo pedagógico,
construir uma experiência e reconstruir sua identidade. Proporciona descobertas, o
que faz com que o autor tenha novas possibilidades de ser, estar e fazer docência. A
narrativa sobre si possibilita a reflexão sobre sua identidade, interpretação de si,
mesmo em processo de formação e reconstrução contínua.
No percurso realizado, percebeu-se que as experiências vividas pelo autor
contribuíram para o crescimento humano, tornando-o autor capaz de perceber em
que contexto está inserido quando o assunto é educação; no fazer pedagógico
cotidiano, dá novo significado às práticas diárias de coordenação.
Uma das pretensões do trabalho foi conhecer a importância do resgate, da
memória no processo formativo. A necessidade de construção de um ser mais
consciente e vidente para uma orientação na tomada de decisões futuras. O que
pode ajudar, inclusive, a pensar na formação do professor como processo que tem
seu início muito antes de o autor ter sua formação inicial. Conforme relatado no
trabalho, o caminho percorrido desde os primeiros passos ratifica a ideia de que
estamos em constante construção e reconstrução.
Passa pela família, escola, igreja e demais grupos sociais. Este caminho
pessoal do sujeito se envolve com o contexto social e político. Percebo que o relato
de experiência passa a tornar o autor relator em um contexto de interlocução e
mediação de sua própria formação e na dos seus pares. Sejam pertencentes ao
mesmo grau ou não de hierarquia funcional ou social.
A ação positiva, o agir ético com fundamento não somente no que é correto
e justo, mas também na transparência do pensamento; o semear a aproximação por
meio do pertencimento a um grupo e não distanciamento em razão da condição
106
transitória de cargo é uma atividade que exige paciência, envolvimento e
persistência. Requisitos e habilidades que foram adquiridos durante toda a minha
formação como sujeito.
Exemplifico: a influência de meu pai quanto à rigidez de minhas ações,
opiniões e à organização; a formação religiosa na busca constante de ser útil ao
próximo e em busca da justiça; ou até mesmo pela influência da família materna em
razão da escolha em ser professor.
Identificar as angústias e anseios do grupo, inquietações e necessidades, ao
dialogar com os professores, dividir experiências e pontos de vista, torna o
coordenador de curso alguém que colabora com a formação do grupo; capacita e
torna possível a tomada de consciência para o enfrentamento das dificuldades, para
evitar, assim, o distanciamento maior que é negativo e previsível.
O método é o caminho que se percorre para se chegar a um fim. Nessa
pesquisa o trajeto/método – relato de experiência de vida profissional – conduziu-
me ao conhecimento e convencimento de que o ato de reanalisar a própria história
transporta o pesquisador da passagem da consciência ingênua para uma
consciência crítica na visão freiriana.
Conclui-se assim que, por mais que sejam apresentadas as dificuldades e
desafios cotidianos, com revisitação das experiências, com o pensar reflexivo sobre
os acontecimentos e tomada de decisões, pode o pesquisador autor contribuir
significativamente com a formação dos professores que compõe o quadro de
docentes da IES, compartilhando as experiências, a fim de tornar possível a
construção e a reconstrução, que vai além do limite de formação individual para a
tentativa de aproximação do acadêmico com o administrativo.
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REFERÊNCIAS
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