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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
VYGOTSKY – CONTRIBUIÇÕES PARA O PROCESSO ENSINO –
APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA
Por: Fernando Porto de Oliveira
Orientador
Prof. Carlos Alberto Cereja de Barros
Rio de Janeiro
2003
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
VYGOTSKY – CONTRIBUIÇÕES PARA O PROCESSO ENSINO –
APRENDIZAGEM DA MATEMÁTICA
Apresentação de monografia à Universidade Cândido
Mendes como condição prévia para a conclusão do
Curso de Pós - Graduação “Lato Sensu” em Docência
do Ensino Superior.
Por: Fernando Porto de OLiveira
AGRADECIMENTOS
À Deus e à todos aqueles que acreditaram e
que sempre estiveram ao meu lado, apoiando
e incentivando.
DEDICATÓRIA
Aos meus pais Luiz Roberto Silva de Oliveira e
Sandra Regina da Silva Porto que sempre me
apoiarão no decorrer da minha vida.
À minha avó Zulma Silva de Oliveira que me
criou e me educou.
Aos meus familiares que estão sempre
disponíveis quando preciso.
Homenagem Póstuma
Aos meus avós Edmilson Bonfim de Oliveira,
Joel da Silva Porto e Hilda Dib Porto, que
sempre estiveram ao meu lado e ainda
continuam.
METODOLOGIA
A presente monografia foi realizada através de uma pesquisa bibliográfica e uma pesquisa
de campo acerca do assunto em questão, constando as seguintes etapas: identificação das
fontes de pesquisa( livros , artigos,...); leitura do material selecionado; organização dos
textos; aplicação de questionários; jogos; desafios; e redação da monografia.
RESUMO
A finalidade deste estudo é contribuir para uma educação de qualidade. Uma das exigências
para se alcançar um elevado nível de qualidade na educação é aprimorar o conhecimento
sobre esse processo de forma a torná-lo mais capaz de responder às exigências deste tempo.
Utilizando a teoria de Lev Semenovich Vygotsky pode-se perceber o quanto que a teoria
sócio-histórica da psicologia fornece suporte para melhorar a qualidade do ensino da
matemática. Através de jogos, papel quadriculado, material dourado, desafios lógicos, os
alunos construíram suas próprias definições e conceitos, sempre tendo a preocupação da
generalização e do conceito amplo da matemática. A preocupação maior em relação a este
estudo foi o fato de não tornar o uso do “lúdico” como uma forma de brincadeira apenas, e
sim como uma ferramenta importante para a aprendizagem e a formação de um saber
matemático amplo e coeso. Quando se traz a vida para o interior da sala de aula, levando o
aluno a ver o significado daquilo que está aprendendo, seu interesse cresce, favorecendo
sua aprendizagem.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO I – Vygotsky: O Homem e a Tarefa 09
CAPÍTULO II – Conhecimento Matemático e a Teoria Sócio – histórica 27
CAPÍTULO III – Aproximações Teoria/Prática 41
CONSIDERAÇÕES FINAIS 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 54
ANEXOS 60
ÍNDICE 65
INTRODUÇÃO
O ponto de partida foi o reconhecimento das potencialidades da corrente
sócio-histórica da psicologia em relação a alguns problemas que enfrentamos na
matemática. O principal objetivo era o de observar relações entre determinados conteúdos
da disciplina e o desenvolvimento das funções mentais superiores dos alunos, verificando a
possibilidade de aplicação das idéias centrais do enfoque sócio-histórico da psicologia ao
processo de ensino/aprendizagem da matemática. Essa pesquisa foi realizada em uma
escola particular do Rio de Janeiro.
Tendência crescente no panorama educacional, a pesquisa qualitativa vem
se voltando especialmente para o interior da escola. Nessa aproximação procura captar o
seu cotidiano, extraindo dele os elementos capazes de construir novos conhecimentos a
respeito desse universo (Lüdke 1984; Lüdke e André 1986;Ezpeleta e Rockwell 1986;
André 1992). Reconhece-se a importância de se analisar o que se passa em sala de aula,
especialmente na situação de ensino e aprendizagem, usando metodologias de cunho mais
qualitativo. Espera-se que dêem subsídios para a construção de conhecimentos mais
relevantes sobre o universo escolar, seus autores e a produção do conhecimento.
A turma em que foi feita a pesquisa caracterizou-se pela imaturidade, um
constante clima de agitação e falta de concentração, principalmente no início do ano letivo.
Esses alunos, quando interessados, trabalhavam bem, ainda que de forma não muito
organizada.
A principal dificuldade encontrada foi o grande número de alunos em
sala de aula, 41 alunos, e o pequeno espaço físico, dificultando assim o desenvolvimento
das aulas e da pesquisa de uma forma geral. Outro ponto de dificuldade é a maneira como a
escola desenvolve o processo de ensino/aprendizagem. Qualquer outra forma de ensinar
que não fosse o quadro negro, era visto pela coordenação como um ato de desordem e até
falta de domínio de turma por parte do professor. Porém, o que pode observar é que após
um ano letivo, os alunos conheceram uma matemática voltada para o seu dia a dia, não
ignorando as suas definições e generalizações.
O papel da escola é o de oferecer a todos os alunos condições de exercer
plenamente a cidadania, por meio de uma educação de qualidade. Não se trata de apenas
ensiná-los a ler, a escrever e a contar. A sala de aula deve ser um espaço de troca de
experiências, onde os momentos de vida do educando, suas observações e avaliações dos
acontecimentos sociais que o cercam, suas percepções dos fenômenos da natureza sejam
levados em conta.
CAPÍTULO I
VYGOTSKY :O HOMEM E A TAREFA
A formação intelectual de Vygotsky é bastante variada. Graduou-se
em direito pela Universidade de Moscou, em 1917. Enquanto fazia seu curso superior,
freqüentou cursos de psicologia, literatura e filosofia na Universidade popular de
Shanyavskii. Poucos anos depois, estudou medicina em Moscou e em Karkov. Conseguiu,
em pouco tempo, acumular um vasto conhecimento sobre as variadas áreas do saber. Esse
conhecimento não se limitava aos autores soviéticos. Na época em que fez a sua formação,
a ex-União Soviética mantinha intercâmbio intelectual com países da Europa Ocidental e
com os Estados Unidos.
Por outro lado, não se pode esquecer da forte e decisiva influência
que as idéias filosóficas de Marx e Engels exerceram sobre toda aquela geração de jovens
soviéticos (Wertsch 1988, Valsiner 1988, Leontiev 1989, Luria 1992). É importante
registrar que Vygotsky já tinha uma formação filosófica que incluía o pensamento marxista
ao realizar seus estudos universitários. Nos seus primeiros escritos já estão presentes as
categorias intelectuais da dialética. Essas foram utilizadas no sentido de buscar respostas
concretas aos problemas colocados pela psicologia, de forma a construir uma única teoria
em torno dela e não um amálgama de idéias justapostas.
Foi principalmente através do método dialético que passou a estudar
os fenômenos psíquicos. Sustentava a necessidade destes serem captados como processos
em movimento, constituindo-se na principal razão do seu entendimento de que a tarefa
básica da psicologia deveria ser a de reconstruir a origem e a forma como ocorre o
desenvolvimento do comportamento humano e da consciência.
No período transcorrido entre a sua graduação e a sua ida para
Moscou, Vygotsky exerceu uma intensa atividade: dava aulas de literatura, história da arte
e estética, fundou um laboratório de Psicologia na Escola Normal de Gomel (cidade onde
viveu antes de se transferir definitivamente para Moscou), fazia conferências, escrevia e
publicava. Assim, com uma sólida base teórica, Vygotsky chegou ao Instituto de
Psicologia, em Moscou, para se juntar aos jovens psicólogos que ali pesquisavam.
Foi, portanto, com esse perfil, aliado a uma inteligência ímpar, que
Vygotsky se apresentou, em 1924, no 2º Congresso Russo de Psiconeurologia, em
Leningrado. Expôs um trabalho cujas idéias iam de encontro ao pensamento psicológico
tradicional. Criticava profundamente a reflexologia e sustentava a necessidade de se
procurar analisar o comportamento do homem como um todo.
Apesar de os psicólogos daquela época não negarem a existência da
consciência, não a consideravam objeto de estudo da psicologia. No entanto, para
Vygotsky, essa deveria ser estudada com a mesma atitude objetiva e exatidão científica
com que se estudavam os reflexos. Por outro lado, recusava-se a se pautar pela matriz
behaviorista, na medida em que essa reduzia os fenômenos às suas partes mais simples,
deixando de lado toda a riqueza dos fenômenos de ordem superior. Para ele, mais
importante do que descrever fenômenos era tentar explicar sua origem. Isso implicava
admitir a necessidade de se estudar as formas mais complexas da consciência. Essas, no seu
entender, eram social, cultural e historicamente determinadas.
1.1 PRINCIPAIS MARCOS TEÓRICOS
1.1.1 Mediação
Ao contrário do espírito da época, que levava os cientistas sociais a
citar os pensamentos teóricos do marxismo, a própria formação anterior de Vygotsky o
levava a utilizar de forma original algumas idéias desses teóricos. Assim, por exemplo,
partindo da idéia de que o trabalho e a sua divisão social acabam por gerar novas formas de
comportamentos, novas necessidades, e que esses trabalhos levam o homem à busca de
meios para a sua realização, introduziu na psicologia o fator histórico-cultural. Tinha clara
compreensão de que esse movimento provoca no ser humano uma crescente modificação
das suas atividades psíquicas.
Outra idéia de inspiração marxista, e que acabou sendo um dos
pontos chaves da teoria, foi aquela segundo a qual o homem, por meio do uso de
instrumentos, modifica a natureza, e ao fazê-lo, acaba por modificar a si mesmo. Ou seja,
da mesma forma que Marx concebeu o instrumento mediatizando a atividade laboral do
homem, ele concebeu a noção de que o signo – instrumento psicológico, por excelência –
estaria mediatizando não só o pensamento, como o próprio processo social humano. Inclui
dentre os signos, a linguagem, os vários sistemas de contagem, as técnicas mnemônicas, os
sistemas simbólicos algébricos, os esquemas, diagramas, mapas, desenhos, e todo tipo de
signos convencionais. Sua idéia básica é a de que, ao usá-los, o homem modifica as suas
próprias funções psíquicas superiores.
A análise do seu esquema inicial – esquema que deu origem à sua
teoria – parece hoje absolutamente óbvia. Contudo, para a época, era algo inusitado.
Introduziu um novo elemento na noção de estímulo- resposta, formando um outro esquema
que passou a ser triangular em vez de ser dual. Esse novo elemento era o “instrumento
psicológico”. Configurou esse esquema da seguinte forma:
A B
X
Nele, A é estímulo e B é um estímulo associado a A (reflexo
condicionado), X é o instrumento psicológico. Por exemplo, no caso da memória, o
esquema tradicional A ĺ B existe em virtude da força associativa nascida de um reflexo
condicionado. Esses dois estímulos, uma vez associados, estariam ligados a uma resposta.
Depois de estabelecida a ligação, bastaria a presença de um segundo sinal para seu
aparecimento. Esse segundo sinal seria sempre algo externo, estava sempre fora do alcance
do sujeito.
Vygotsky aproveitou essa idéia de um segundo sinal mediatizando a
ação e a articulou com a idéia de instrumento, isto é, alargou o conceito de instrumento.
Realizando experimentos, concluiu que o próprio sujeito, ao longo da história e do seu
próprio desenvolvimento, introduziu sistematicamente novos sinais, novos elementos
(estímulos) e novos símbolos na mediação de suas ações.
A explicação que ele fornece do esquema é que em vez da conexão
A ĺ B, duas novas conexões são estabelecidas com a ajuda do instrumento psicológico X:
A ĺ X e X ĺ B. Embora o resultado continue sendo o mesmo, o caminho é
completamente diferente. Esse elemento X pode ser algo introduzido pelo próprio sujeito
como também pode sê-lo por algum fator externo, onde a sua principal característica, no
entanto, reside no fato de possuir um significado, modificando, então, toda a concepção da
cognição humana.
1.1.2 Processo de internalização
Ao apresentar a sua concepção sobre a gênese das funções mentais
superiores, Vygotsky deixa claro que a idéia de internalização de comportamentos externos
já havia sido levantada por diferentes autores (Pierre Janet, James Mark, Ernest
Kretschmer, Charlotte Bühler e Jean Piaget). Diz, Por exemplo, que foi de Janet a idéia de
que, no processo de desenvolvimento, as crianças começam a usar em relação a si próprias
as mesmas formas de comportamento que os outros usaram inicialmente em relação a elas.
Reconhece também, a idéia de Piaget segundo a qual a argumentação lógica primeiro
aparece entre as crianças e só em uma etapa posterior é internalizada pelo indivíduo.
Vygotsky aprofunda e sistematiza essas e outras concepções já
existentes, por meio de inúmeros experimentos que realiza em colaboração com seus pares,
residindo em todos, a mesma idéia central: a de que é na interação social e por intermédio
do uso de signos que se dá o desenvolvimento das funções psíquicas superiores.
Foi principalmente no campo da linguagem que o conceito de
internalização pôde ser comprovado empiricamente, mais especificamente, no da
“linguagem egocêntrica”, tema desenvolvido por Piaget poucos anos antes – 1923 – em
uma das suas primeiras obras: A linguagem e o pensamento da criança (Piaget, 1961).
Piaget atribuía essa expressão ao fato de a criança “falar para si mesma”, ainda que
estivesse acompanhada. O termo egocentrismo, como ele próprio iria explicar mais tarde,
significava a incapacidade da criança em se deslocar da sua própria perspectiva mental, ou
seja, não conseguir descentrar seu pensamento, colocar-se na posição do outro, isso
tenderia a desaparecer à medida que a criança fosse se socializando.
Ao contrário do que afirmava Piaget, Vygotsky defendia a idéia de
que o verdadeiro curso do processo de desenvolvimento do pensamento infantil assume
uma direção que vai do social para o individual, discordava basicamente dele com respeito
ao fato de sustentar ser o pensamento infantil original e naturalmente autístico, “só se
transformando em pensamento realista sob uma longa e persistente pressão social”
(Vygotsky, 1984, p.12). Seus experimentos evidenciaram que a criança é um ser social
desde o nascimento. A linguagem, tal como é expressa por meio da fala, trazendo sua
marca histórico-cultural, é algo que ela já encontra ao nascer.
Em virtude de experimentos e de observações, Vygotsky formulou o
que considerava a “lei genética geral do desenvolvimento cultural”:
“Qualquer função presente no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes, ou em dois planos distintos. Primeiro, aparece no plano social, e depois, então, no plano psicológico. Em princípio, aparece entre as pessoas e como uma categoria interpsicológica. Isso é valido para a atenção voluntária, a memória lógica, a formação de conceitos e o desenvolvimento da contagem.[. . .] a internalização transforma o próprio processo e muda sua estrutura e funções. As relações sociais ou relações entre as pessoas estão na origem de todas as funções psíquicas superiores.” (Vygotsky, 1981, p.163)
Com essa lei, Vygotsky deixa claro que toda função psicológica
interna, algo inerente à estrutura psíquica do sujeito, foi antes uma função social, que surgiu
em um processo de interação. Esclarece também que a passagem do plano externo para o
plano interno não se dá como uma simples cópia, ao contrário, ela “transforma o próprio
processo e muda sua estrutura e funções”.
Prosseguindo com seus experimentos, conclui que a internalização
também ocorre em relação ao processo de transformação da linguagem egocêntrica em fala
interior. Esse fenômeno pode ser observado de perto em muitas situações que criou. Da
mesma forma como Piaget já observara, também Vygotsky constatou que a criança usa a
linguagem egocêntrica para acompanhar suas ações e liberar suas tensões. No entanto,
descobriu que à medida que ela vai procurando soluções, a fala sofre um deslocamento,
passando a ser usada para ajudar no próprio planejamento dessas soluções. Se antes a fala
seguia a ação, agora ela a antecede. É a fala quem origina a função intelectual, reguladora
da conduta infantil. Com o passar dos anos, a criança vai deixando de usar a fala
egocêntrica, em favor da “fala interior silenciosa”.
1.1.3 Zona de desenvolvimento proximal
Ao contrário do desenvolvimento de mediação, esse teve um
aparecimento tardio na obra de Vygotsky (1933). Ele surgiu em decorrência do seu
interesse pelas leis do desenvolvimento e pelo processo de ensino-aprendizagem.
Criticando o pensamento psicológico de então, entendia que não era suficiente descrever os
processos de desenvolvimento das funções psíquicas superiores com base nas conquistas já
efetuadas, sustentava – e obstinadamente perseguia – a idéia de que o importante era
procurar compreender a construção futura da estrutura de tais informações.
Segundo Valsiner e Veer (1991), o conceito de desenvolvimento
proximal foi se plasmando em pelo menos três contextos diferentes. O primeiro, ligado aos
estudos de Vygotsky sobre diagnósticos do desenvolvimento infantil baseado no uso de
testes. Nesse contexto relaciona a zona de desenvolvimento proximal à diferença do escore
obtido quando a criança desempenha uma tarefa sozinha e quando desempenha assistida
por algum adulto ou mesmo por outra criança mais adiantada, que a orienta. O segundo
surge em decorrência das suas preocupações com a questão ensino/aprendizagem. Embora
muito ligado ao primeiro, já não enfatiza a questão quantitativa, fala apenas de uma
“diferença geral” na capacidade da criança relacionada às situações nas quais ela é
socialmente assistida e naquelas em que ela atua sozinha. E o terceiro contexto no qual ela
passa a trabalhar esse conceito é o do jogo.
“No jogo a criança está sempre mais além do que a sua média de idade, mais além do seu comportamento cotidiano; [. . .] O jogo contém, de uma forma condensada, como se estivesse sob o foco de uma lente poderosa, todas as tendências do desenvolvimento; a criança, no jogo, é como se esforçasse para realizar um salto acima do nível do seu comportamento habitual”. (Vygotsky, apud Valsiner e Veer, 1991, p.12)
Um de seus pontos de partida foi a observação de que as escolas de
ensino fundamental esperavam que a criança estivesse “pronta”, para então começar a lhe
ensinar determinados conteúdos escolares.
Segundo observou, a partir de testes realizados em duas crianças para
medir o seu desenvolvimento cognitivo, constatou que, num determinado momento,
embora apresentassem resultados idênticos, pouco tempo depois já eram evidenciados
resultados diferentes, ou seja, o desenvolvimento cognitivo de cada uma evoluía
diferentemente.
As investigações de Vygotsky e as de seus colaboradores também os
levam a perceber que aquilo que uma criança não é capaz de fazer sozinha poderá
desempenhá-lo com a ajuda de um adulto. Perguntas-guia, exemplos e demonstrações
constituem o cerne dessa ajuda. A aprendizagem mediante demonstrações pressupõe
imitação, trata-se porém, de um conceito amplo, que implica imitação de um modelo dado
socialmente não no sentido de copiá-lo exatamente, mas algo que envolve uma
experimentação construtiva, ou seja, a criança realiza ações semelhantes à do modelo de
uma forma construtiva, imprimindo-lhe modificações. Disso resulta uma nova forma,
embora não exatamente igual, mas inspirada no modelo. Desse processo resulta a
internalização da compreensão do modelo.
Mais uma vez fica evidente a importância que a idéia de
internalização ocupa no pensamento de Vygotsky. Ele a concebia como esquema de
regulação geral do desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Baseado em seus estudos sobre a zona de desenvolvimento proximal,
Vygotsky faz uma proposta para a situação de ensino/aprendizagem que reverte cabalmente
a concepção então vigente. Diz ele: “O bom ensino é aquele que se adianta ao
desenvolvimento” (Vygotsky, 1988, p.114). Criando zonas de desenvolvimento proximal, o
professor estaria forçando o aparecimento de funções ainda não completamente
desenvolvidas.
1.1.4 Formação de conceitos
A questão da formação de conceitos insere-se nos trabalhos de
Vygotsky e de seus colaboradores como uma extensão das suas próprias pesquisas sobre o
processo de internalização.
As principais conclusões a que se chegou emanaram do confronto
que se estabeleceu entre o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e científicos.
Considerou os primeiros como sendo aqueles que a criança aprende no seu dia-a-dia,
nascidos do contato que ela possa ter tido com determinados objetos, fatos, fenômenos,
etc., dos quais ela não tem sequer consciência. E os últimos, como sendo aqueles
sistematizados e transmitidos intencionalmente, em geral, segundo uma metodologia
específica. São, por excelência, os conceitos que se aprendem na situação escolar.
Por trás de qualquer conceito científico existe sempre um sistema
hierarquizado do qual ele faz parte. A principal tarefa do professor ao transmitir ou ajudar o
aluno a construir esse tipo de conceito é levá-lo a estabelecer um enlace indireto com o
objeto por meio das abstrações em torno das suas propriedades e da compreensão das
relações que ele mantém com um conhecimento mais amplo. Ao contrário do espontâneo, o
conceito científico só se elabora intencionalmente, isto é, pressupõe uma relação consciente
e consentida entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Dirigida pelo uso da palavra, a
formação do conceito científico é uma operação mental que exige que se centre ativamente
a atenção sobre o assunto, dele abstraindo os aspectos que são fundamentais e inibindo os
secundários, e que se chegue a generalizações mais amplas mediante uma síntese.
Ao mesmo tempo em que se faz esse processo de análise e síntese, de
abstração e inibição de certos traços e características, deve-se, também, caminhar do
particular para o geral e desse para o particular.
“Nossa investigação mostrou que um interesse se forma não pela interação de associações, mas mediante uma operação intelectual em que todas as funções mentais elementares participam de uma combinação específica.[...] Quando se examina o processo de formação em toda a sua complexidade, este surge como um movimento do pensamento, dentro da pirâmide de conceitos, constantemente oscilando entre duas direções, do particular para o geral e do geral para o particular”. (Vygotsky, 1987, p. 70)
A situação escolar é, por excelência, propícia à aquisição desse tipo
de conceito. Segundo Vygotsky, o fato de uma criança conseguir dar explicações
convincentes sobre questões relacionadas às ciências sociais, por exemplo, mesmo usando
palavras cujos significados lhe eram, até então, desconhecidos, deve-se principalmente à
ação do professor. Ao contrário do conhecimento espontâneo, o que se aprende na escola é
– ou deveria ser – hierarquicamente sistematizado. Sua apreensão exige que seja
intencionalmente trabalhado num processo de interação professor/aluno, ou seja, implica
reconstrução do saber mediante estratégias adequadas, nas quais o professor atue como
mediador entre o aluno e o objeto de conhecimento: “[...] o professor, trabalhando com o
aluno, explicou, deu informações, questionou, corrigiu o aluno e o fez explicar”(id., ibid.,
p.98).
Com essas palavras, Vygotsky resumiu o que seria a essência de um
ensino voltado para a compreensão. Destacando uma a uma as expressões, tem-se:
Primeiramente, “trabalhando com o aluno” – a preposição “com” já revela uma atitude de
interação. Trabalham professor e aluno. Em segundo lugar, “explicou” e “deu
informações”. Explicar é muito mais do que fazer uma mera exposição. É buscar na
estrutura cognitiva dos alunos as idéias relevantes que servirão como ponto de partida para
o que se quer ensinar. É caminhar com base nessas idéias, ampliando os esquemas mentais
já existentes, modificando-os ou substituindo-os por outros mais sólidos e abrangentes.
Nesta tarefa desempenham papel fundamental a exemplificação e o enriquecimento do que
está sendo explicado com um número suficiente de informações. Em seguida, a expressão
“questionou e corrigiu o aluno”, procura verificar se a sua fala havia sido compreendida e,
diante de possíveis erros, estes iriam sendo corrigidos. E, por último, “...e o fez explicar”,
talvez, resida aqui, nessa expressão, o ponto de todo o processo. Ele é, em essência, o
próprio mecanismo de internalização se fazendo presente. Ao pedir que o aluno explique, o
professor pode detectar se está havendo, no plano intrapsicológico, uma reestruturação das
relações que ocorreram no âmbito interpsicológico. Para isso é necessário que o aluno
consiga expor, com suas próprias palavras, o assunto tratado, deixando perceber possíveis
relações com outros temas, que exemplifique com dados tirados de seu cotidiano, que faça
generalizações, etc.
É, como se vê, um processo dinâmico, construído passo a passo pelos
alunos em estreita interação com o professor. Vale salientar que em termos cognitivos o
questionamento e a correção, por parte de quem ensina, desempenham um relevante papel
na aprendizagem. Conhecendo a zona de desenvolvimento proximal do aluno, o professor
bem preparado saberá fazer as perguntas que irão provocar o desequilíbrio na sua estrutura
cognitiva, fazendo-a avançar no sentido de uma nova e mais elaborada reestruturação.
Completando a ação de questionar surge a de corrigir, que não se resume,
em absoluto, na simples indicação do erro e na sua conseqüente substituição pela resposta
correta. Como apontam o próprio Vygotsky e Luria, no processo de aprendizagens
conceituais a capacidade de isolar e abstrair é de fundamental importância. Para se chegar a
esses processos mentais faz-se necessário inibir as idéias secundárias e particulares,
enfatizando apenas o que é essencial.
Por meio de experimentos científicos, Vygotsky chegou à conclusão de
que o domínio de um nível mais elevado na esfera dos conceitos científicos eleva, por sua
vez, o nível dos conceitos espontâneos. Há um movimento no qual os conceitos científicos
descem na direção da realidade concreta e os conceitos espontâneos sobem buscando a
sistematização, a abstração e a generalização mais ampla. Encontrou evidências de que o
atingimento e o controle de conceitos científicos implicam a reconstrução, seguindo os
mesmos moldes dos conceitos espontâneos.
A forma metódica e intencional de como os conceitos científicos são
– ou deveriam ser – trabalhados na escola abre o caminho para a revisão e a melhor
compreensão dos conceitos espontâneos, certos conhecimentos e valores, dos quais vai
adquirindo progressiva consciência através desse movimento.
Esse processo de relacionar o conceito espontâneo que o aluno traz
com o conceito científico que se quer que ele aprenda, exige de quem ensina uma
compreensão dos diferentes significados que os conceitos têm para o aluno. Exige, também,
que o docente perceba quais são os seus contextos, quais são os sentidos nos quais eles
estão sendo empregados.
1.1.5 Significado e sentido
Significado e sentido foram conceitos introduzidos por Vygotsky ao
tratar das relações entre linguagem e pensamento. Posteriormente, Luria trouxe maiores
esclarecimentos, apoiado em estudos lingüísticos mais recentes, destacando o fato de ser o
significado de um sistema de relações formado objetivamente durante o processo histórico,
e que este se encontra contido na palavra (Luria 1987, p. 45).
Ao assimilar o significado de uma palavra o homem está dominando
a experiência social. No entanto, essa depende da individualidade que faz com que uma
mesma palavra conserve, ao mesmo tempo, um significado (desenvolvido historicamente)
compartilhado por diferentes pessoas e um sentido todo próprio e pessoal para cada um.
O sentido de uma palavra depende da forma com que esteja sendo
empregada, isto é, do contexto em que esteja inserida. O seu significado, no entanto,
permanece relativamente estável. É formado por enlaces que foram sendo associados à
palavra ao longo do tempo, o que faz com que se considere o significado estável de
generalizações, compartilhado por diferentes pessoas, embora com níveis de profundidade e
amplitude diferentes.
1.2 ASPECTOS TEÓRICOS COMPLEMENTARES
Além dos temas centrais, há ainda, no enfoque sócio-histórico da
psicologia, outros bastante interessantes para uma melhor compreensão do processo
ensino/aprendizagem.
1.2.1 Criatividade
Na escola, muitas vezes a criatividade é logo associada à expressão
artística. Vygotsky (1990), no entanto, em um trabalho escrito em 1930, intitulado
“Imaginação e criatividade na infância”, a enfoca sob um outro ponto de vista. Nele, o autor
destrói dois mitos: o de que a imaginação criativa seja privilégio de uns poucos (os grandes
inventores, os gênios), e o de que ela seja mais desenvolvida na criança do que no adulto.
Partindo do confronto entre atividade reprodutiva e atividade criativa,
chama a atenção para o fato de ser a primeira fundamental para a vida cotidiana do homem.
O cérebro armazena e reproduz suas experiências anteriores. Utilizando-as, ele é capaz de
se adaptar ao mundo à sua volta, sem que seja necessário despender grande esforço. No
entanto não lhe é útil quando se trata de lidar com algo novo, com o inusitado. Nessa hora,
é preciso lançar mão da combinação criativa de elementos já existentes no cérebro, de
forma a se adaptar à nova situação, surge assim, a atividade criativa.
Sustenta, então, que se é fruto da atividade do sujeito, todos a têm.
Ela se manifesta onde quer que a imaginação humana combine, mude e crie algo novo.
Mais do que nunca, Vygotsky (1990) imprime a marca do materialismo ao negar que a
imaginação e a fantasia nasçam do nada, ao contrário, tudo emana da realidade.
Analisando o processo de formação da imaginação criativa, Vygotsky
ressalta sua complexidade. Ela não é, ao contrário do que muitos acreditam, algo que surge
como num lampejo, como uma luz que se acende no cérebro. O seu mecanismo de
formação é bastante complexo. Pressupondo que toda atividade criativa surge de
experiências prévias já existentes no cérebro, fruto de percepções internas e externas,
assinala os seguintes passos para sua efetivação: Primeiramente, haverá a reorganização do
material já existente no cérebro, com conseqüente dissociação e associação das impressões
sensoriais. Após, dar-se-á a divisão das impressões em diferentes partes, das quais umas
serão retidas na mente e outras deixadas de lado; em terceiro lugar, haverá alteração ou
distorção das partes retidas; ocasionando a união ou associação dos elementos que foram
dissociados e alterados; e, como último passo, a combinação de diferentes formas em um
sistema, constituindo um quadro complexo.
Lembra ainda que a atividade de imaginação criativa se completa pela
cristalização da imagem em uma forma externa. Analisada nos seus detalhes, ganha
consistência a sua afirmação segundo a qual todos nós temos capacidade para elaborar
atividades criativas. (Lucia Moysés, 1997)
Esse ponto é da maior importância para a compreensão da
necessidade que hoje temos de levar os alunos a desenvolver a capacidade de enfrentar o
novo, o desconhecido. A atividade criativa da imaginação depende primariamente de quão
rica e variada é a experiência prévia que a pessoa armazenou no seu cérebro, ela é a função
vitalmente necessária. Este é um aspecto para o qual muitos educadores ligados à questão
do currículo já apontaram: a importância de se enriquecê-lo, ao invés de se imitá-lo.
Sobre o mito segundo o qual a imaginação criativa da criança é mais
rica e mais variada do que a do adulto, Vygotsky (1990) também traz uma abordagem
original. Seu ponto de partida era justamente o que acabou de ser afirmado, ou seja, o fato
de que a riqueza da imaginação está estreitamente relacionada com a quantidade e a
variedade de conhecimentos adquiridos, bem como as impressões vivenciadas pela pessoa.
A partir daí, concluiu que essas são maiores nos adultos do que nas crianças. De fato, os
interesses das crianças costumam ser mais simples, mais elementares e qualitativamente
mais pobres do que os adultos, além disso, sua relação com o mundo carece da
complexidade e da diversidade que a distinguem do adulto e que são tão importantes no
trabalho de imaginação.
1.3 CONTEÚDOS ESCOLARES E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
Vygotsky abordou brevemente esta questão ao tratar das relações
entre aprendizagem e desenvolvimento. Posteriormente, alguns de seus seguidores
realizaram investigações procurando analisar especificamente essas relações. Foram feitos
estudos sobre as mais diferentes disciplinas escolares. Uma das conclusões a que se chegou
é a de que “o processo de aprendizagem muda não só o que se pensa conscientemente, mas
também os modos como se produz essa reflexão”(Bogayavlensky e Menchinskaya, 1991, p.
46), ou seja, o que se está afirmando é que o conhecimento que o aluno adquire não só
amplia sua consciência, como também modifica seu próprio modo de pensar.
Um aspecto importante a destacar é o papel que nesse processo
desempenha o elemento sensorial. Ele é importante como ponto de partida, contudo, para
que se chegue ao pleno desenvolvimento das funções psíquicas é preciso que ele seja
sempre ultrapassado, levando o aluno para patamares mais elevados, mais abstratos e
gerais.
1.3.1 Atividade compartilhada
Vygotsky (1990), ao apontar o papel da interação social no
desenvolvimento das funções mentais mais elevadas, abriu uma nova perspectiva no estudo
da atividade grupal. Se for fato que tal temática tem sido objeto do estudo da psicologia, é
verdade também que ela se volta, na maioria das vezes, para as questões dos processos de
socialização e emocionais presentes nos grupos, mesmo no campo especificamente
pedagógico, estudos desse tipo preocupam-se muito mais com problemas de ajustamento
do que com aqueles de natureza cognitiva. Essa relação se traduzia entre criança e adulto,
no entanto, pesquisadores interessados em explorar as suas idéias passaram a ampliá-la de
forma a envolver também o estudo da atividade compartilhada ou atividade grupal, hoje é
uma área em franca expansão (Rubtsov e Guzman, 1984/1985; Forman e Cadzen, 1988;
Forman, 1989; Rivina, 1991; Schoenfeld, 1989 e Saxe, 1992).
É preciso ressaltar, no entanto, que entre os pesquisadores soviéticos
houve uma tendência a prosseguir na linha de pesquisas iniciada por Leontiev, com ênfase
sobre a atividade. Transposta para o âmbito pedagógico por Davidov e Elkonin, essa
tendência passou a exercer grande influência sobre o pensamento pedagógico soviético.
Sob a liderança de Vitaly Rubtsov, vários pesquisadores que se dedicam ao estudo da
atividade compartilhada na situação de ensino/aprendizagem se inscrevem nessa tradição.
De uma forma geral, os estudos sobre esse tema comportam,
principalmente, duas linhas: a dos que se preocupam em saber de que maneira as formas
coletivas de organização das atividades de aprendizagem contribuem para o
desenvolvimento das funções mentais superiores, e a dos que, ao analisá-las, se preocupam
mais em saber de que forma elas favorecem à aquisição de conhecimento (Perret-Clerment
e Schubauer-Leoni, 1989).
Em relação à primeira delas, Forman e Cazden (1988), pesquisadoras
norte-americanas, analisaram tanto atividades nas quais um estudante tutorava o ensino do
outro, quanto aquelas nas quais os alunos colaboravam entre si no processo de
aprendizagem.
Nessa e em outras investigações, as pesquisadoras constataram que o
fato de o aluno ter que expressar o seu próprio pensamento para outrem, irá ajudá-lo a
organizá-lo melhor, isto é, verifica-se um aumento no grau de articulação e de precisão na
verbalização da tarefa quando ele tem de transmiti-la para os colegas.
Quanto às experiências da atividade compartilhada, há algumas cujos
resultados confirmam os estudos da teoria sócio-histórica.Também nelas foi encontrado que
a tendência geral do desenvolvimento infantil caminha do social para o individual: uma
função compartilhada por duas pessoas torna-se um modo de organização de cada
indivíduo, no qual a ação interpsíquica vai se transformando em ação intrapsíquica. Há
ainda, em outras pesquisas, uma concordância de que a atividade em comum seja uma etapa
necessária e um mecanismo interior da atividade individual.
CAPÍTULO II
O CONHECIMENTO MATEMÁTICO E A TEORIA SÓCIO – HISTÓRICA:
2.1 PONTOS DE APROXIMAÇÃO
A última década viu se acirrarem as críticas contra a forma como a
escola vem trabalhando os conteúdos, no caso da matemática podemos observar melhor o
fenômeno do “encasulamento” ou “encapsulamento” da escola (Resnick, 1987, p. 15).
Trata-se do extremo isolamento que cresce a cada dia na escola em relação ao mundo que a
rodeia. É como se o processo de escolarização encorajasse a idéia de que no “jogo da
escola” o que conta é aprender vários tipos de regras simbólicas, aprendizagem essa que
deve ser demonstrada no seu próprio interior.
Um fato que ilustra esse episódio é relatado por um pesquisador e
professor de matemática que vem trabalhando por um ensino mais rico e pleno de sentido
para seus alunos: Allan Schoenfeld. Refere-se a uma avaliação, em nível nacional, dos
conhecimentos matemáticos de alunos secundaristas, feita nos Estados Unidos. Dentre os
problemas propostos havia um que consistia no seguinte: “Em um ônibus do exército
cabem 36 soldados. Se 1128 soldados precisam ser transportados para um local de
treinamento, quantos ônibus serão necessários?” Aproximadamente 70% dos alunos
realizaram a operação aritmética correta, dividindo 1128 por 36, encontrando um quociente
de 31 e 12 de resto. Apenas 23% responderam que seriam necessários 32 ônibus. Os demais
escreveram que o número de ônibus necessário era “31 e sobram 12”. Essa é a forma como
a escola ensina a pensar o conhecimento matemático! Pensamento matematicamente
correto, mas destituído de sentido.
Ao que parece, não há muita continuidade entre o que se aprende na
escola e o conhecimento que existe fora dela. Há crescente evidência de que a escolarização
está contribuindo muito pouco para o desempenho fora da escola. Dificilmente se mostra
para o aluno a relação direta que há entre a escola e a vida.
Por outro lado, percebe-se também que o conhecimento adquirido
fora dela nem sempre é usado para servir de base à aprendizagem escolar, nem é levado em
conta, sequer, como recurso motivacional. O reconhecimento de que a matemática
raramente é ensinada da forma como é praticada tem levado muitos estudiosos a rever esse
ensino (Moysés e Aquino, 1987).
2.2 A PRESENÇA DE VYGOTSKY NA MATEMÁTICA
Nessa preocupação, os autores reconhecem a influência do
pensamento de Vygotsky, para quem a aprendizagem dos conceitos deveria ter suas origens
nas práticas sociais.
Esse tipo de crítica resultou, no campo da matemática, em uma nova
tendência que vem crescendo nos últimos anos: a da preocupação com a contextualização
do ensino. Na base dessa tendência, revela-se, com enorme freqüência, o enfoque sócio-
histórico da psicologia.
Se para pesquisadores ocidentais essa aproximação da matemática
com o pensamento de Vygotsky só agora vem se efetivando, para os soviéticos, entretanto,
há muitas décadas se tornou um espaço fértil para pesquisas sobre o desenvolvimento das
funções mentais superiores. Assim sendo, e com uma maior divulgação desse enfoque
psicológico, é natural que pesquisadores que se voltavam para investigações no campo da
matemática – inclusive os ligados especificamente à educação matemática – passassem a
incluir esse referencial teórico nos seus trabalhos.
No campo da educação matemática, a tendência para se aproximar de
um enfoque sóciocultural surgiu por ocasião do “Terceiro Congresso Internacional de
Educação Matemática”, na Alemanha, em 1976, e tem se firmado como um de seus pontos
básicos. Considerada uma área autônoma de pesquisa em educação, pode-se afirmar que a
educação matemática é um campo em franca expansão em níveis internacionais. Congrega
em torno de si um grupo de pesquisadores ativos e participantes, que fazem um intenso
trabalho de produção e divulgação do conhecimento. No Brasil, há cerca de 20 anos, há um
crescente movimento em seu redor (D’ Ambrosio, 1990), e a psicologia é a principal área
do conhecimento, além da própria matemática, a contribuir para a sua evolução (Brito,
1993). Estudos sobre a cognição e organização intelectual e social do conhecimento estão
no cerne dessas pesquisas.
2.3 A ETNOMATEMÁTICA: UMA TENDÊNCIA EM FORMAÇÃO
Ao deslocar seu eixo gerenciador para os aspectos sócioculturais, a
educação matemática acabou criando uma nova área de pesquisa: a etnomatemática. Ela é
hoje o lugar de convergência das preocupações sobre o papel dos fatores culturais como a
língua, hábitos, costumes, modos de vida sobre o ensino e a aprendizagem da matemática.
O pesquisador brasileiro Ubiratan D’Ambrosio (1990, p. 7), que sempre esteve na linha de
frente desse movimento, assim o define: “É um programa que visa explicar os processos de
geração, organização e transmissão de conhecimento em diversos sistemas culturais e as
forças interativas que agem nos e entre os três processos.” Reconhece esse autor a força que
o pensamento de Vygotsky e de seus discípulos desempenhou nessa mudança de eixo.
Chega a afirmar que essa nova forma de pensar a educação matemática acarretará
profundas mudanças no currículo e, por conseqüência, na prática docente.
Sendo um campo muito recente, mesmo entre outros matemáticos não há
clareza quanto aos seus limites e às suas potencialidades para a educação, estando ainda em
fase de consolidação. Até mesmo sua denominação ainda não conquistou um status
definitivo no meio matemático. Carvalho (1991, p. 25) adverte que “o conceito é
relativamente novo e requer muito cuidado, pois podemos cair no risco de elaborar um
conceito que não seja suficientemente capaz de explicar as práticas designadas como
experiências e pesquisa em etnomatemática”.
Contudo, das muitas considerações que D’Ambrosio (1993, p. 14)
tece a respeito das novas exigências postas ao professor de matemática para a melhoria da
qualidade de ensino é o de “docente/pesquisador”.
Uma postura que privilegie o enfoque sócio-histórico (ou sóciocultural)
da aprendizagem, dificilmente poderá prescindir de uma atitude de pesquisa por parte do
professor. Segundo Moysés, (1997, p. 64) “mais do que transformar o professor em
pesquisador – algo que exige uma formação adequada, tanto teórica quanto prática – ajudá-
lo a desenvolver uma atitude de pesquisa seria mais viável, para isso, seria necessário que
no seu curso de formação já encontrasse essa atitude permeando a parte pedagógica dos
seus professores”.
Por atitude de pesquisa, compreende-se uma constante preocupação do
professor em conhecer e interpretar a realidade sóciocultural dos seus alunos e da
comunidade onde se insere a escola. Analisando alguns estudos nessa linha, percebe-se
claramente que certos resultados obtidos e certas análises feitas já vinham expressando essa
tendência, ainda que nem sempre o referencial da teoria sócio-histórica estivesse
mencionado. São trabalhos que falam em contextualização, abordam questões como o
significado, a relação entre conhecimento científico e conceito espontâneo, trazendo uma
nova formação sobre o ensino da matemática.
2.4 CONTEXTUALIZAR A MATEMÁTICA:
2.4.1 O grande desafio do professor
Muitas pesquisas são realizadas sobre a contextualização, e esse papel
evidencia que é preciso um tipo de operação mental na realização de cálculos matemáticos.
Um exemplo importante é de Carraher (1988, p. 101-125) e trata do
confronto entre a forma com que mestres de obras e estudantes do 3º ciclo do ensino
fundamental realizam cálculos de proporções. A proporcionalidade exige o estabelecimento
de relações, ou seja, não há uma forma concreta de realizá-la. Nesse experimento, foram
mostradas aos sujeitos quatro plantas de interiores, cada uma desenhada em uma escala
diferente, sem explicitar, no entanto, qual escala estava sendo utilizada.
A primeira tarefa consistia em, dada uma medida de uma planta, em uma
determinada escala, e outra medida correspondente à parede real, descobrir qual a escala
utilizada. A segunda tarefa consistia em medir uma parede no desenho e, com base na
escala usada, determinar a sua medida real na construção. Foram usados quatro tipos de
escala, a saber: 1/100; 1/50; 1/40; 1/33,3.
O mestre de obra tem uma familiaridade com esse tipo de atividade,
ausente no estudante. Enquanto esse aprende o algoritmo da proporção (a/b = c/x)
deslocado da realidade, aquele é obrigado, por força da profissão, a dominar o cálculo das
relações envolvidas numa escala.
Os resultados mostraram a superioridade dos mestres de obra em relação
aos estudantes, em geral. O que chamou atenção nessa pesquisa é o fato de não haver
respostas absurdas por parte dos mestres de obras. Mesmo no caso das escalas
desconhecidas (1/33,3), as respostas foram encontradas mediante estimativas bastante
razoáveis. Os estudantes não só mostraram incapacidade para fazer uso do algoritmo da
proporção aprendido na escola, como também careceram de espírito crítico para
perceberem a falta de lógica nas respostas dadas. A experiência profissional favorece a
manutenção do sentido em toda a operação mental, o que não ocorre com o estudante.
Por outro lado, os resultados mostraram que a maioria dos mestres-de-
obras tinha dificuldade em lidar com escalas desconhecidas. Comparando-se os dois grupos
quanto ao uso dessas escalas, verificou-se não haver diferença entre eles, mas o fato de os
estudantes dominarem a multiplicação, mostrou ser uma vantagem sobre os profissionais.
Essa vantagem poderia ser total, caso eles tivessem utilizado o algoritmo da proporção.
Sendo o algoritmo um processo generalizado e abstrato, sua
aprendizagem pode ser dada no particular e em situação plena de sentido. Assim aprendida,
a noção de proporcionalidade deverá servir para a vida e não simplesmente para se resolver
os problemas propostos pela escola.
Se professor e alunos defrotam-se com sentenças, regras e símbolos
matemáticos, sem que nenhum deles consiga dar sentido e significado a tal simbologia,
então a escola continua a negar ao aluno – especialmente aquele que freqüenta a escola
pública – uma das formas essenciais de ler, interpretar e explicar o mundo. O importante é
que o aluno, ao chegar a utilizar tais notações simbólicas, compreenda a sua razão de ser.
Nessa mesma linha de trabalho, mas passando a incorporar também
elementos da teoria de Vygotsky sobre o papel do sentido e do significado na
aprendizagem, ambas as pesquisadoras (Teresinha Nunes, 1988; Analúcia Schliemann,
1988) apresentam novos resultados de estudos realizados. Neles, mais uma vez fica patente
a importância do conhecimento elaborado com base em situações práticas de vida na
resolução de problemas de matemática.
O primeiro desses estudos foi feito por Grando (1998), baseia-se nos
resultados de uma pesquisa sobre o cálculo de proporções . Foi feita com 20 fazendeiros de
baixo nível de escolaridade, 40 alunos da 5ª série (20 de escolas rurais de 1ª a 5ª séries e 20
de escolas urbanas de 1ª a 8ª séries), e 20 alunos de 7ª série. Todos moravam em pequenas
cidades ou no campo e conheciam muito bem os problemas da fazenda. A eles foram
propostas inúmeras situações envolvendo conhecimentos relativos à vida rural. O resultado
que a autora apresenta diz respeito ao seguinte problema: “Um fazendeiro queria construir
uma barreira e, para isso, deveria cortar um pedaço de vara de ferro de 7m de comprimento
em pedaços de 1,5m. Quantos pedaços deveriam utilizar para construir essa barreira?”
Os resultados destacaram dois aspectos: o tipo de recurso utilizado para
fazer cálculos (oral ou por escrito), e o nível de razoabilidade do resultado encontrado.
Em relação ao primeiro aspecto, observou-se que os fazendeiros
preferiram a aritmética oral, enquanto que e os alunos preferiram a aritmética escrita. Isso
veio a confirmar a hipótese de Grando de que, de fato, eles têm o hábito de utilizar práticas
diferentes pra realizar seus cálculos.
Quanto ao segundo aspecto, a autora criou um critério pra avaliar se os
resultados encontrados eram ou não razoáveis. Por exemplo, encontrar 0,4 ou 413 pedaços,
como resposta, é algo absolutamente incoerente com o contexto do problema, portanto,
estaria fora do intervalo razoável de respostas.
Com esse critério, obteve o seguinte resultado: os alunos da 5ª série
deram significativamente mais respostas fora do intervalo razoável que os fazendeiros
(90% desses responderam dentro desse intervalo e 10% não conseguiram chegar a uma
resposta final). A diferença, contudo, entre esses e os alunos da 7ª série não foi
significativa. Além disso, os resultados evidenciaram também que as respostas absurdas,
dadas pelos estudantes, eram geralmente resultado de uma operação inapropriada, como
não saber onde colocar a vírgula no caso dos números decimais.
O que ressalta desse estudo e que revela um avanço do outro problema é o
fato de que a aritmética oral tende a preservar o significado durante o cálculo.
Acompanhando verbalmente o tempo todo o que está sendo feito, dificilmente se chega a
um resultado absurdo. Este é imediatamente corrigido pela própria pessoa que está
calculando. O mesmo não ocorre com a aritmética escrita, uma vez que certos
procedimentos utilizados baseiam-se em algoritmos ou em esquemas que diluem o
significado, permitindo que se chegue a resultados absurdos.
Cotejando-se, pois, as análises feitas com o desafio de se dar um ensino
de qualidade nas escolas de ensino fundamental, chega-se à conclusão que é preciso: em
primeiro lugar, contextualizar o ensino da matemática, fazendo com que o aluno perceba o
significado de cada operação mental que faz; em seguida, é necessário levar o aluno a
relacionar significados particulares com o sentido geral da situação envolvida; para que, em
terceiro lugar, este consiga, nesse processo, avançar para a compreensão dos algoritmos
envolvidos; e, por último, propiciar meios para que o aluno perceba, na prática,
possibilidades de aplicação desses algoritmos.
2.4.2 Contextualização com ênfase na cognição
Na esteira dos estudos desencadeados pelo enfoque sócio-histórico da
psicologia, há alguns que estão se voltando especificamente para a questão do
conhecimento escolar. Seus resultados tendem a concordar com os estudos de Vygotsky,
Leontiev (1991) e outros pesquisadores dessa linha que, longe de conceber esse tipo de
conhecimento como algo meramente abstrato, consideram-no situado e nascido na
atividade prática (John S. Brown, Allan Collins e Paul Duguid, 1988).
Eles reuniram dados que apontam para a idéia de que os conceitos não só
são situados, como também se desenvolvem por meio da atividade, ao contrário do que se
vê na prática pedagógica. Entendem, também, ser o ensino intrinsecamente indistinto da
atividade. Dito de outra forma, eles o vêem como um processo contínuo, que se estende ao
longo da vida e se dá mediante a atuação da pessoa em diferentes situações e
circunstâncias.
A par disso, chamam também a atenção para o fato de que, ao realizar
determinada atividade, o estudante vai formando representações a seu respeito. É a riqueza
dessas representações que lhe permitirá ir além da simples descrição ou memorização do
assunto estudado. Verdadeiros instrumentos do pensamento distinguem problemas,
favorecem a percepção de relações e sugerem soluções.
2.4.3 Conhecimento formal: Dificultando o simples
Criticando a aprendizagem escolar nos moldes que conhecemos, sugerem
aqueles autores que os professores teriam muito a aprender com os mestres de cursos
práticos e com dirigentes de aprendizagens informais. Citam um exemplo de uma
pesquisadora que vem defendendo as mesmas idéias: Jean Lave (1989). Neste exemplo,
havia um participante de um programa de emagrecimento, que preparava, junto com um
grupo, uma refeição sob a ordem de um instrutor. No caso, naquela refeição, seria
permitido comer três quartos dos dois terços de xícara de queijo previstos para aquela
semana. Posta em questão, um dos participantes disse, subitamente, que saberia como fazer.
Sua expressão demonstrava que havia encontrado a resposta certa antes de executá-la.
Pegando a xícara, encheu-a duas vezes com uma medida de queijo equivalente a dois terços
da xícara, virando-a sobre uma tábua de cortar legumes. Em seguida, amassou todo o
queijo, dando-lhe um formato redondo. Dividiu-o em quatro partes e, retirando um quarto,
serviu o restante. Essa situação determinou, não só o problema , como os procedimentos
utilizados e a sua solução.
O pesquisador Claude Janvier (1991), se dedica ao estudo dessa temática
e sua contribuição é bastante interessante para a compreensão do funcionamento do
raciocínio matemático.
Partindo de pesquisas sobre a forma de calcular do homem comum, visto
tão somente como participante de uma determinada cultura, chegou à conclusão de que o
tipo de raciocínio utilizado diante de problemas matemáticos depende da representação
mental que se tem do problema.
Destaca dois tipos de representações: as externas e as internas. Essas
últimas são retiradas diretamente do contexto e tem a função de restringir os elementos
pertinentes ao problema considerado. E as representações externas, diretamente ligadas às
internas, são as formas exteriores postas a serviço do raciocínio contextualizado. Este, por
depender da existência de representações internas, acaba tendo características variadas, em
virtude das diferenças individuais e culturais. Não se pode pensar que o contexto determine
a matematização de uma maneira única, isto é, que seus elementos só possam conduzir a
uma única maneira eficaz de encontrar a solução.
2.4.4 Recursos que ajudam
Exatamente como Vygotsky já o fizera ao tratar da mediação, o
pesquisador Claude Janvier (1991) sugere o uso de imagens mentais, representações,
diagramas, descrições mentais e até mesmo operações gestuais para se chegar à
compreensão da situação matemática envolvida ou do problema a ser resolvido.
São inúmeros os exemplos de situações do dia-a-dia envolvendo o
raciocínio contextualizado. O marceneiro, precisando calcular o volume de madeira contido
em uma tora que vai afinando para cima, mede o comprimento, divide por dois e, nesse
ponto mediano, mede a circunferência da tora. Multiplicando esse valor pelo comprimento
da tora, ele encontra o seu volume. A dona de casa, lidando com auxiliares que nunca
estudaram fração, explica que ¼ de uma medida qualquer, é a metade da metade. Os
trabalhadores de feiras, ao se utilizarem de balanças de dois pratos, recorrem a contrapesos
para calcular medidas para as quais não tem o peso correspondente. Trabalhadores rurais,
ao trabalhar com produtos químicos, cujas dosagens são proporcionais a uma certa medida
quantidade de diluente, fazem cálculos mentais, adaptando as medidas assinaladas pelo
fabricante do produto às suas necessidades ou aos seus recipientes. As costureiras que,
possuindo algumas medidas do corpo, conseguem calcular a metragem de pano necessária
para as costuras.
Ao se estabelecer uma relação entre uma dada situação envolvendo
cálculo e uma representação – seja ela formada por imagens mentais diferentes ou mais
ricas, seja mediante diagramas, esquemas, descrições verbais mais evocativas, gestos
simulações – o raciocínio contextualizado favorece a articulação das variáveis em jogo e
contribui para o sucesso do processo de resolução do problema matemático envolvido.
A escola desenvolve o trabalho matemático sem se preocupar muito com
a questão da contextualização. Ele se faz, essencialmente, com base em fórmulas, equações
e todo tipo de representações simbólicas. Essas, com freqüência, impedem que se tenha
clareza quanto aos aspectos fundamentais do problema. Em geral, segue-se pelo caminho
mais longo quando poder-se-ia tomar o mais curto.
2.4.5 O poder do contexto
Investigando processos mentais superiores em indivíduos que praticavam
a matemática como parte de sua rotina diária de trabalho, Janvier (1991) não só concluiu
que a operacionalização utilizada depende do contexto, como esse serve também para
organizar a solução, para balizá-la e, em muitos casos, para dirigi-la. Cita o exemplo do
vendedor que trabalha com máquina de calcular. Por se tratar de um contexto diferente do
nosso, é importante esclarecer que neste exemplo há uma taxa de imposto de 10%, que é
paga pelo freguês no ato da compra, e que a situação envolve um desconto de 15%. A
questão proposta é saber o que é mais vantajoso: pagar o imposto antes ou depois de
descontados os 15%?
Utilizando-se o algoritmo formal, é necessário que se proceda o seguinte
cálculo:
Para a taxa : preço da mercadoria = 100%
Valor do desconto (x) = 15%
x = preço de mercadoria x 15/100
Encontrado o valor do desconto, é necessário retirá-lo do preço da
mercadoria para saber quanto o comprador deverá pagar. Na prática, o vendedor já
compreendeu que a taxa (10%) é incorporada ao preço integral da mercadoria (100%), isto
é, 110%. Por outro lado, ele sabe que com uma calculadora , não é preciso armar a conta.
Basta dividir esse valor por 100 e multiplicar pelo preço da mercadoria, e se em vez da
taxa, houver um desconto, basta fazer a mesma operação do seguinte modo: subtraindo,
15% de 100%, encontra-se 85%, que equivale a multiplicar por esse valor dividido por 100,
ou seja , 0,85.
No exemplo dado, para saber o que é mais vantajoso ele terá de fazer: na
primeira situação, o preço com taxa = 1,10 x preço cobrado; preço taxado com desconto =
0,85 x 1,10 x preço cobrado e na segunda, o preço com desconto = 0,85 x preço cobrado;
preço com desconto mais taxa = 1,10 x 0,85 x preço cobrado
Basta uma simples comparação entre os resultados para perceber a
igualdade. O processo usando o algoritmo, embora leve à mesma constatação, é mais longo.
Janvier (1991), ao recomendar que a escola faça uso do raciocínio
contextualizado, assinala que ele ajuda a reduzir a complexidade da representação
simbólica. A utilização do contexto permite que se vá diretamente às relações
fundamentais, simplificando ou dispensando, muitas vezes, a recorrência a fórmulas
algébricas.
Ao privilegiar a contextualização, o ensino deve ser concebido de uma
forma diferente, mais solto, mais flexível, deve-se permitir que a significação dos conceitos
seja construída por cada um, através de trocas coletivas. O tipo de relação que o aluno
estabelecerá com a matemática é vê-la como um saber que o cativa e o instiga a conhecer
melhor as situações a sua volta. Isso implica novas abordagens metodológicas, novos
recursos didáticos, revisão na forma de avaliação, ou seja, novos enfoques do processo
ensino/aprendizagem.
CAPÍTULO III
APROXIMAÇÕES TEORIA/PRÁTICA
3.1 A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO
O primeiro resultado relevante da pesquisa das aplicações da teoria de
Vygotsky na matemática, diz respeito à forma como se deu a construção. Em exercícios de
metacognição, foi analisado o processo mental em função das novas aprendizagens que
foram feitas. Com base neles, foi possível constatar que houve apenas uma
recontextualização de conceitos, uma amplificação de significados já existentes.
Construindo ele próprio um conhecimento acerca desse novo enfoque teórico, a
recontextualização surgiu como uma conseqüência natural. Suas experiências anteriores
geraram um estado de latência para as novas aquisições. Essas se constituíram
principalmente em uma maior sistematização dos seus conhecimentos, ajudada pela
teorização em torno do enfoque sócio-histórico da psicologia.
Para Miller (1993), os psicólogos da infância vêem as crianças de várias
idades ou níveis cognitivos como estando em diferentes estados. Cada nível de
desenvolvimento mental se caracteriza por um relacionamento input-output particular, e
então conforme se muda a forma de input e se observa como muda o output nas diferentes
idades, pode-se descrever a natureza do sistema do processamento da informação em cada
estado. Usando a analogia do computador, se tenta seguir as pegadas detalhadas, passo a
passo, das mudanças no fluxo da informação no tempo real desde o input até o output. É
feita uma análise passo a passo do que a pessoa faz com a informação. A mudança no
desenvolvimento se torna aparente em cada fase do processamento, observando-se desde a
atenção através da codificação da informação, da recuperação da memória de longo prazo,
até a tomada de decisão, e uma ou todas estas mudanças podem ser responsáveis pelas
diferenças nas estratégias usadas pelas crianças mais jovens e mais velhas.
Os psicólogos do processamento da informação investigam tópicos
tradicionalmente estudados pelos psicólogos experimentais como a atenção, memória,
processamento do texto, linguagem, e resolução de problema. Considera-se que qualquer
atividade mental leva algum tempo para processar mas existem diferenças na velocidade de
processamento entre diferentes idades, entre criança normal e atrasada, e entre bons e maus
leitores (Miller,1993)
Umas séries de processos chamados de processos de controle executivos
dirigem as atividades em cada etapa do processamento, observando o caminho do que está
acontecendo em todas as partes do sistema e assegurando que o sistema inteiro trabalhe em
harmonia. Uma das maiores mudanças observadas no desenvolvimento do processamento
da informação ocorre nestes processos de controle, através da auto-modificação (Miller,
1993).
Para o psicólogo do desenvolvimento é importante observar como ocorre
o desenvolvimento da autocorreção através do feedback. Feedback define-se como "a
propriedade de um sistema pelo qual um componente responde em conseqüência de seu
próprio comportamento" (Dunlop e Fetzer,1993)
Para Flavell, Miller e Miller (1993), o monitoramento cognitivo e a auto-
regulação envolvem atividades que são dirigidas pelo conhecimento metacognitivo que vai
informando sobre o progresso em algum empreendimento cognitivo. Esta informação as
vezes provem de experiências metacognitivas, cognitiva ou experiências afetivas que
pertencem ao empreendimento cognitivo. O conhecimento metacognitivo, o monitoramento
e a auto-regulação interagem entre si e influenciam nossas atividades cognitivas.
Brown (1978) definiu a metacognição como o "conhecimento de nossas
cognições". Esta é uma das primeiras definições de metacognição, mas atualmente se está
enfatizando a função auto-reguladora (e não só a cognitiva) da metacognição, e diz-se então
que é conhecimento e auto-regulação (citado em Flavell, Miller e Miller,1993)
Cognição significa qualquer operação mental: percepção, atenção,
memorização, leitura, escrita, compreensão, comunicação, etc., e portanto metacognição é o
conhecimento de todas estas operações mentais: o que são, como se realizam, quando se
usa uma ou outra, que fatores ajudam ou interferem na sua operatividade. Para referir
especificamente cada um destes aspectos se fala de metamemória, meta-atenção,
metaleitura, metaescrita, etc., e todo o conjunto de metas é metacognição (Burìn,1993)
Burìn (1993) refere que em seus estudos iniciais, Brown afirmava que a
metacognição implica o conhecimento das próprias cognições e a regulação (controle) da
atividade mental, a qual exige: planificar a atividade mental antes de se enfrentar a tarefa;
observar (monitorar) a eficácia da atividade iniciada; comprovar os resultados.
Na literatura metacognitiva requer saber "o que"(knowing what) se quer
conseguir (objetivos) e "saber como"(knowing how) se consegue (auto-regulação ou
estratégias). Estas distinções (o quê e como) ressaltam duas dimensões da metacognição: a
metacognição como conhecimento das operações mentais e a metacognição como auto-
regulação. Por esta razão uma função deriva da outra.
Moss (1990) cita que Brown e Deloache (1978) identificaram quatro
atividades metacognitivas básicas: predizendo as conseqüências de ações ou eventos;
checando os resultados de sua própria ação; monitorando sua própria atividade que esta
acontecendo; testando a realidade ou comparando impressões subjetivas para um critério
mais objetivo.
Predizendo as conseqüências permite a criança a oportunidade de
verificar a exatidão de suas cognições. Alem disso, reconstruindo a seqüência da ação pode
agir como uma estratégia que exercita e aumenta o estoque de memória para um
determinado evento (Flavell & Wellman, 1977, citado por Moss ,1990).
Monitorando atividades que estão acontecendo é um processo
essencialmente de coordenação e ações e recursos necessários para o preenchimento do
objetivo (Flavell,1976 referido por Moss,1990).
Checando os resultados de uma ação permite a criança a oportunidade de
verificar a exatidão de suas cognições. Alem disso, reconstruindo a seqüência da ação pode
agir como uma estratégia que exercita e aumenta o estoque de memória para um
determinado evento (Flavell e Wellman,1977, referido por Moss,1990).
Embora existam poucas pesquisas sistemáticas sobre o desenvolvimento
inicial da metacognição, muitos pesquisadores têm sugerido a importância da verbalização
do adulto modelando o planejamento, monitorando e avaliando, funções que são
estruturantes para a criança durante a resolução de problemas em conjunto (Brown &
Deloache,1978; Collins, Brown & Larkin,1982; Wertsch et al.,1980; Deney 1973; referidos
por Moss, 1990).
A troca verbal entre adultos e pré-escolar pode servir como uma função
crítica na ativação das habilidades metacognitivas emergentes tais como a formulação de
alternativas, a coordenação de planos e a avaliação de pensamentos e ações.
Bjorklund (1995) concorda que a metacognição é um fenômeno que vem
sendo enfatizado como significante para as diferenças individuais na inteligência, e que os
indivíduos mais brilhantes, de qualquer idade, possuem a função executiva para monitorar
seu desempenho em tarefas e para aplicar as técnicas precisas para resolver problemas. Cita
seus próprios estudos e de seus colegas, sugerindo que as diferenças na metacognição são a
maior causa de diferenças nas estratégias usadas e no treinamento efetivo entre crianças
com retardo e sem retardo mental (Barkowski, Reid, & Kurtz,1984, citado em Bjorklund),
entre superdotados e não superdotados (Borkowski & Peck,1986,citado em Bjorklu) e entre
crianças com inteligência média (Carr, Borkowski, & Maxwell,1991 Borkowski &
Turner,1988 citados em Bjorklund).
Considerando que para Vygotsky (1990) a atividade criativa se manifesta
onde quer que a imaginação humana combine, mude e crie alguma coisa nova, diferente do
corriqueiro, pode-se afirmar que as aulas foram bastante criativas.
A lição que se pode extrair de tudo isso é simples: a segurança advinda do
conhecimento teórico permite ao professor se soltar das amarras que o ligam a um ensino
mecânico e estéril, criando ele próprio o seu caminho, no entanto, este não se faz sem a
prática , ou seja, é necessário que também o professor e não só o aluno seja sujeito desse
novo processo de aprendizagem.
Sendo as representações sociais uma forma de conhecimento que se
origina tanto das próprias representações pessoais que o indivíduo traz, quanto daquelas
que compartilha pessoalmente, o professor já está impregnado delas na sua prática
pedagógica .
3.2 UMA PANORÂMICA DO PROCESSO
O reconhecimento das potencialidades da corrente sócio-histórica da
psicologia em relação a alguns problemas envolvendo a matemática, foi o marco inicial
para a pesquisa E se tratando dessa teoria, fazer uma adaptação de resultados de pesquisas
já realizadas seria um absurdo. Afinal é ela própria quem destaca a importância dos fatores
sócioculturais na compreensão dos processos mentais superiores – tais como os envolvidos
no ato de aprender.
Essa pesquisa foi feita em uma escola particular do Rio de Janeiro,
especificamente em uma turma de 5ª série do ensino fundamental.
A turma em que foi feita a pesquisa caracterizou-se pela imaturidade, um
constante clima de agitação e falta de concentração, principalmente no início do ano letivo.
Esses alunos, quando interessados, trabalhavam bem, ainda que de forma não muito
organizada.
A principal dificuldade encontrada foi o grande número de alunos em sala
de aula, 41 alunos, e o pequeno espaço físico, dificultando assim o desenvolvimento das
aulas e da pesquisa de uma forma geral. Outro ponto de dificuldade é a maneira como a
escola desenvolve o processo de ensino/aprendizagem. Qualquer outra forma de ensinar
que não fosse o quadro negro, era visto pela coordenação como um ato de desordem e até
falta de domínio de turma por parte do professor.
Nas primeiras aulas, a turma percebeu que aprenderia matemática de um
jeito diferente. A primeira atividade parecia uma brincadeira, consistia em decifrar o código
usado e utilizá-lo em outros itens. Foi pedido aos alunos que observassem os números em
uma lista. 24730, 4134, 63989, 50334. Após, foi dito que esses números representavam um
determinado código os nomes dos metais ouro, prata, cobre e ferro e foi pedido que eles
descobrissem qual era esse código, que o utilizasse para escrever os nomes dos animais:
rato, cobra, foca, carrapato e urubu. Os alunos deveriam ainda fazer a tradução da
mensagem: 93939 80339 92033089 5938139 e utilizar o código para transmitir a seguinte
mensagem: “O porto recebeu a frota e o barco preto atracou.”
Com essa atividade os alunos puderam se entrosar mais e também utilizar
o pensamento para resolver esse tipo de questão, perceberam também que poderiam usar
símbolos e códigos para se comunicarem.
A segunda atividade apresentada para a turma foi um problema que
envolvia lógica, ou seja, uso do raciocínio:
“Um agricultor levava um bode, um lobo e um fardo de verduras para o
seu rancho. Precisou atravessar o rio com uma pequena canoa, na qual cabiam, no máximo,
ele e um dos animais; ou ele e um fardo de verduras. Tinha de cuidar para que o lobo e o
bode não ficassem a sós, pois este seria atacado por aquele. Também não podia deixar a sós
o bode e a verdura, pois ele acabaria com ela. Como fez para atravessar o rio? Quantas
viagens foram necessárias?”
De acordo com a teoria sócio-histórica, o desenvolvimento dessas
atividades teve por objetivo permitir que os alunos construíssem mentalmente as suas
respostas de forma a compreender que não existe uma única resposta e que eles podiam
construir suas próprias respostas de acordo com que o problema explicitou.
Utilizando o material dourado foi introduzido o conceito de Sistema de
numeração decimal, mostrando as unidades, dezenas e centenas fazendo com que eles
pudessem definir melhor esse conceito. À medida que o concreto foi dando lugar ao
pensamento mediativo, as atividades dos alunos foram ganhando um cunho mais cognitivo,
ou seja, os objetos e os demais recursos visuais foram deixando de ser vistos como tais;
passaram a ser apenas o signo que os ajudava a compreender as idéias contidas nos
conceitos que estavam aprendendo.
3.3 RELAÇÃO ENTRE A TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA E A AQUISIÇÃO DE CONHECIMENTO
3.3.1 As múltiplas formas de mediação e a formação de conceitos
A orientação do trabalho pedagógico pelo enfoque sócio-histórico
mostrou-se rica em inúmeros aspectos. Um dos mais marcantes foi o da construção do
próprio conhecimento por parte do aluno. Mediado por diferentes recursos, os conceitos
principais da matéria foram sendo construídos ao longo do ano.
Para melhor se avaliar o papel dessas múltiplas formas de mediação na
condução do processo de ensinar/aprender, seria muito importante que este fosse
confrontado com o modelo tradicional. Por exemplo o conteúdo de figuras e sólidos
geométricos, área, perímetro e volume.
Via de regra, o que se observa é a apresentação dos diferentes elementos,
quer representada no plano ou projetada no espaço. Ligam-se a eles a sua nomenclatura
específica, bem como a nomenclatura das partes que o compõem (face, aresta e vértice). O
passo seguinte trata de apresentar fórmulas para o cálculo de área, perímetro e do volume,
garantindo-se a aprendizagem por meio de inúmeros exercícios.
O trabalho desenvolvido na turma foi o oposto de tudo isso. A mediação
semiótica se fez por diferentes meios: a fala do professor, a do aluno, os desenhos e os
materiais concretos. Ilustrados pela presença constante das interações – professor/aluno,
professor/turma, alunos entre si – , todos esses recursos auxiliares externos acabaram por
levar a uma representação mental das noções trabalhadas.
3.3.2 Mediação através da linguagem oral e escrita
A expressão oral pautou-se sempre pelo respeito à fala do aluno. Assim,
por exemplo, no momento de designar as partes dos sólidos, foram os próprios alunos que
os nomearam. Ponta, bico, lado, dobra e linha foram algumas das palavras surgidas. No
início foram utilizadas essas designações, mas aos poucos foram sendo substituídas pelas
palavras consagradas da matemática: vértice, face e aresta. A mesma idéia se deu quando se
apresentou o perímetro: os alunos entenderam como um ato de cercar, daí, a utilização de
cercado e cerca para o conceito.
Em relação à linguagem escrita dos alunos, foi percebido o quanto esta
era limitada, então desafios lógicos foram aplicados para que eles pudessem escrever mais,
utilizando as suas próprias palavras e os erros foram sendo verificados e foram feitas as
correções.
3.3.3 A mediação com objetos reais
O ponto inicial para a formação de conceitos foi sempre o conhecimento
espontâneo do aluno, ou seja, aquele que ele já trazia. Em relação aos sólidos geométricos,
havia modelos construídos em cartolina de todos aqueles corpos que seriam trabalhados
durante o curso (cubo, pirâmide, cilindro, cone, prisma).
Em seguida, foi sendo mostrado um a um, e era feita a pergunta com o
que se pareciam. Os alunos participaram ativamente, respondendo. Com a exceção da
pirâmide, identificada pelo próprio nome, em todos os demais foram apontados nomes de
objetos conhecidos, semelhantes àquelas formas.
Esse foi o primeiro passo na tentativa de fazer com que o conhecimento
que já existe – ao qual Vygotsky chamou de “espontâneo” – fosse, aos poucos, interagindo
com os novos conceitos científicos. No caso, o fato de permitir que os alunos, pela
manipulação, comparassem diversos sólidos entre si, ajudou na apreensão das
singularidades de cada um.
3.3.4 Mediação utilizando papel quadriculado
Vygotsky (1990) afirma que no processo de aprendizagem mediatizada
por meio de um signo, é indispensável que se dê à apreensão do significado desse signo, ou
seja, é preciso que o aprendiz transforme aquele signo externo em um signo interno. Só
depois dessa apropriação é que este passará para a sua estrutura cognitiva sob a forma de
uma representação mental. Ora, a linguagem matemática é simbólica por excelência,
simbologia que exige familiaridade para ser compreendida.
Em exemplos simples se percebe que essa linguagem é um desafio para
quem aprende. Basta lembrar, por exemplo, da dificuldade que é para certos alunos
compreender em que 5 x 2 não é a mesma coisa que 5². Para isso a importância do papel
quadriculado como mediador da representação mental do conceito de potenciação e de área.
Em uma atividade em sala, foi pedido aos alunos que desenhassem um
retângulo formado por 72 quadradinhos. Um grupo chegou rapidamente a resposta de que
esse retângulo deveria ter 9 cm por 8 cm. O grande problema seria fazer o desenho. Apesar
de terem régua, alguns alunos disseram que precisariam do papel quadriculado para fazê-lo.
O outro grupo, apesar de ter tido essa preocupação inicial, mostrou um comportamento
diferente. Bastou que fosse lembrado sobre a régua para que compreendesse que o
problema poderia ser resolvido sem o papel quadriculado.
Como o segundo grupo hesitava em utilizar a régua, este mostrou para o
primeiro grupo que cada centímetro representava um quadradinho, embora um aluno não
tivesse concordado, em hipótese alguma, só começando a fazer o exercício após ter
conseguido uma folha quadriculada.
Percebe-se, nessa experiência com os alunos, momentos de internalização
do signo. O fato de haver um grupo que já não precisava mais da mediação externa,
demonstra que este conseguiu representar mentalmente a equivalência entre o quadradinho
e o cm². Ao contrário, um aluno não conseguiu fazer essa equivalência, demonstrando que
ainda não havia compreendido o significado do cm². Usava o signo como um meio auxiliar
externo.
O importante não é simplesmente que seja dada a fórmula para se calcular
e sim que o conceito de medida e suas derivações sejam construídos para o cálculo de
áreas, perímetros e volumes.
3.3.5 Sentido e significado
Ao se alisar cada uma das ações físicas ou mentais dos alunos, no
decorrer dessas aulas, constatou-se que há um sentido atribuído a cada uma de tais ações.
Um aluno mediu a folha com o quadradinho tentando descobrir quantos caberiam ali
dentro. O aluno que respondeu cubo, já tinha internalizado esse sólido e havia percebido o
sentido da resposta e significado das palavras.
Retângulo, cubo, aresta são agora conceitos cujos significados se inserem
num conjunto sistematizado de conhecimento.
Dentre as orientações teóricas da abordagem sócio-histórica, aquela cujo
valor para a aprendizagem pode ser mais facilmente demonstrado é a que enfatiza a
importância de se trabalhar o sentido e o significado de seus conceitos. A ênfase que seus
estudiosos dão ao ensino contextualizado nada mais é do que um reflexo desses
pressupostos teóricos.
Coerente com os defensores dessa idéia, os resultados desta pesquisa
evidenciaram a estreita relação entre a construção/aquisição do conhecimento e o ensino
contextualizado.
CONCLUSÃO
O objetivo desse trabalho foi verificar as reais possibilidades da teoria
sócio-histórica da psicologia a fim de fornecer suportes capazes de melhorar a qualidade de
ensino nas escolas do ensino fundamental e ensino médio, ou seja, submeter a teoria a uma
realidade que,longe de ser o ideal, se caracteriza por suas deficiências. É sob este ângulo
que devem ser vistos seus resultados.
A principal evidência foi a de que o trabalho pedagógico orientado pela
teoria de Vygotsky favorece a aprendizagem do aluno. Os ganhos obtidos revelam-se tanto
em relação à aquisição do conhecimento, quanto em relação ao próprio desenvolvimento de
funções mentais superiores dos alunos.
Em relação à aquisição de conhecimento, a utilização das idéias
difundidas pela teoria quanto à mediação e à formação de conceitos, mostrou-se viável na
realidade da escola. Na prática, essas idéias mostraram-se auxiliares poderosos do professor
na implementação de práticas pedagógicas voltada para um ensino pleno de significado e
capaz de ser aplicado ao cotidiano.
Referindo-se ao desenvolvimento das funções psíquicas dos alunos, o
conceito de zona de desenvolvimento proximal foi o principal suporte para que se pudesse
levá-los ao desenvolvimento de tais funções. Paralelamente, também as idéias da atividade
compartilhada e da relação entre atividade e consciência ajudaram nessa tarefa.
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2002.
ANEXOS
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 07
CAPÍTULO I
VYGOTSKY:O HOMEM E A TAREFA 09
1.1- PRINCIPAIS MARCOS TEÓRICOS 11
1.1.1- MEDIAÇÃO 11
1.1.2- PROCESSO DE INTERNALIZAÇÃO 12
1.1.3- ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL 15
1.1.4- FORMAÇÃO DE CONCEITOS 17
1.1.5- SIGNIFICADO E SENTIDO 21
1.2- ASPECTOS TEÓRICOS COMPLEMENTARES 22
1.2.1- CRIATIVIDADE 22
1.3- CONTEÚDOS ESCOLARES E DESENVOLVIMENTO COGNITIVO 24
1.3.1- ATIVIDADE COMPARTILHADA 25
CAPÍTULO II
CONHECIMENTO MATEMÁTICO E A TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA 27
2.1- PONTOS DE APROXIMAÇÃO 27
2.2- A PRESENÇA DE VYGOSTKY NA MATEMÁTICA 28
2.3- A ETNOMATEMÁTICA: UMA TENDÊNCIA EM FORMAÇÃO 29
2.4- CONTEXTUALIZAR A MATEMÁTICA 31
2.4.1- O GRANDE DESAFIO DO PROFESSOR 31
2.4.2- CONTEXTUALIZAÇÃO COM ÊNFASE NA COGNIÇÃO 35
2.4.3- CONHECIMENTO FORMAL: DIFICULTANDO O SIMPLES 36
2.4.4- RECURSOS QUE AJUDAM 37
2.4.5- O PODER DO CONTEXTO 38
CAPÍTULO III
APROXIMAÇÕES TEORIA/PRÁTICA 41
3.1- A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO 41
3.2- UMA PANORÂMICA DO PROCESSO 46
3.3- RELAÇÃO ENTRE A TEORIA SÓCIO-HISTÓRICA E A AQUISIÇÃO DO
CONHECIMENTO 48
3.3.1- AS MÚLTIPLAS FORMAS DE MEDIAÇÃO E A FORMAÇÃO DE
CONCEITOS 48
3.3.2- MEDIAÇÃO ATRAVÉS DA LINGUAGEM ORAL E ESCRITA 49
3.3.3- MEDIAÇÃO COM OBJETOS REAIS 49
3.3.4- MEDIAÇÃO UTILIZANDO PAPEL QUADRICULADO 50
3.3.5- SENTIDO E SIGNIFICADO 52
CONCLUSÃO 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 54
ANEXOS 60
ÍNDICE 65